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TIPICIDADE PENAL E SOCIEDADE DE RISCO Salientese que o autor não se propõe a uma descrição linear das teorias mas o faz com um caráter crítico tornando a leitura mais interessante e o estudo mais adequado a quem pretende caminhar além do positivismo jurídico ou do tecnicismo jurídico Após esta apresentação ingressa o autor na análise do tema mais atual da dogmática jurídicopenal que é a sociedade de risco Vários são os pontos que preocupam o cientista penal na atualidade que são o conceito e amplitude do risco e quais os efeitos do mesmo para o Direito Penal Este tem ainda que se preocupar com a tutela dos bens difusos que determinam uma criminalidade complexa Todos estes pontos foram analisados pelo autor com base em penalistas modernos e que mais desenvolvem o tema em especial na Alemanha e Espanha Por outro lado o autor mostra o sistema penal aberto e explicita o seu significado como opção para o Direito Penal atuar na sociedade atual aproximandose da realidade social que tem como característica a complexidade o que transformou o estudo do tipo penal Encerra a análise com clareza expositiva e referências críticas sobre a tarefa a que se propôs no início do trabalho demonstrando o autor Alamiro Velludo Salvador Netto clareza na análise o que produz um resultado positivo consistindo seu estudo em completo e atual sobre o tema Antonio Luis Chaves Camargo Professor Titular e Vicediretor da FDUSP QUARTIER LATIN ALAMIRO VELLUDO SALVADOR NETTO Advogado criminalista Mestre e doutorando em Direito Penal pela Faculdade de Direito da USP Pósgraduado em Direito Penal pela Universidade de Salamanca Espanha TIPICIDADE PENAL E SOCIEDADE DE RISCO Editora Quartier Latin do Brasil São Paulo inverno de 2006 quartierlatinquartierlatinartbr wwwquartierlatinartbr Editora Quartier Latin do Brasil Rua Santo Amaro 349 CEP 01315001 Vendas Fone 11 31015780 Email vendasquartierlatinartbr Site wwwquartierlatinartbr TODOS OS DIREITOS RESERVADOS Proibida a reprodução total ou parcial por qualquer meio ou processo especialmente por sistemas gráficos microfilms fotográficos reprográficos fonomagnéticos videográficos Vedada a memorização c ou a recuperação total ou parcial bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados Essas proibições aplicamse também às características gráficas da obra e à sua editoração A violação dos direitos autorais é punível como crime art 184 e parágrafos do Código Penal com pena de prisão e multa busca e apreensão e indenizações diversas arts 101 a 110 da Lei 9610 de 19021998 Lei dos Direitos Autorais EDITORA QUARTIER LATIN DO BRASIL Rua Santo Amaro 349 Centro São Paulo Editor Vinicius Vieira Formado em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas FGVSP Editora de Texto Priscila Tanaca Mestra em Direito pela PUCSP Produção Editorial Monica A Guedes Formada em Letras pela FFLCHUSP Produção de Arte Thiago Kazuo Muniz de Souza SALVADOR NETTO Alamiro Velludo Tipicidade Penal e Sociedade de Risco São Paulo Quartier Latin 2006 ISBN 8576741520 1 Direito Penal Brasil I Título Índices para catálogo sistemático 1 Brasil Direito Penal 2 Brasil Direito Contato editoraquartierlatinartbr wwwquartierlatinartbr Agradeço aos professores da eterna academia o acolhimento e apoio oferecido por inesquecíveis oito anos quando aqui entrei pela primeira vez para iniciar a graduação Minha admiração e carinho ao Prof Chaves Camargo meu orientador sem o qual nada disso realmente teria ocorrido Aos meus queridos pais como ínfima retribuição de uma vida que jamais será à altura recompensada SUMÁRIO Apresentação e Agradecimentos 9 Prefácio 11 1 Introdução 15 2 Tipo e Tipicidade Penal Objeto e Metodologia 19 21 Variantes do Tipo Penal na doutrina tradicional 31 211 Tipo Penal fechado 35 212 Tipo Penal aberto 38 213 Norma Penal em branco 40 22 Referências Críticas 42 3 A Evolução Metodológica do Tipo Penal 49 31 O pensamento de Ernst Beling e o Tipo Descritivo 54 32 O pensamento de Max Ernst Mayer e o Tipo Indiciário 60 33 O pensamento de Edmund Mezger e o Tipo Essência 64 34 O pensamento de Hans Welzel e o Tipo Finalista 69 35 Referências críticas 78 4 A Sociedade de Risco como Paradigma Sociológico 81 41 O Risco e o Direito Penal 90 42 A Tutela Difusa e Direito Penal 99 43 A criminalidade de massas na Sociedade de Risco 113 44 A criminalidade complexa como fruto da Sociedade de Risco 120 5 Tipo Penal Sociedade de Risco e Imputação Objetiva 127 51 O sistema penal aberto 133 52 Tipo Penal e Imputação Objetiva 137 521 O Tipo Penal a Imputação Objetiva e a proposta de Claus Roxin 139 522 O Tipo Penal a Imputação Objetiva e a proposta de Günther Jakobs 144 523 O Tipo Penal a Imputação Objetiva e a proposta de Wolfgang Frisch 150 53 O Discurso de Resistência O Direito Penal Simbólico 153 531 A formulação de Winfried Hassemer e o Direito de Intervenção 158 532 A formulação de Silva Sánchez e o Direito Penal de Duas Velocidades 162 533 Referências Críticas 164 54 O Tipo Penal e o Risco Social Direito como expressão democrática do consenso social 167 6 Conclusões 173 Referências Bibliográficas 183 APRESENTAÇÃO E AGRADECIMENTOS A presente obra editada pela editora Quartier Latin resulta da dissertação de mestrado por mim apresentada perante o Departamento de Direito Penal Medicina Forense e Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo A defesa do trabalho ocorreu na data de 1º de novembro de 2005 oportunidade em que tive a imensa honra de obter o grau de mestre em Direito Penal pela renomada instituição A publicação mantém quase que a originalidade do trabalho apresentado com algumas alterações sugeridas pela Banca Examinadora A edição de um livro neste sentido espelha sempre um momento ou mesmo um instante intelectual específico de seu autor uma vez que a dinâmica humana sempre significa sua transformação constante e em consequência a infinita releitura conflitosa de nossas próprias idéias e formulações Não poderia deixar de publicamente agradecer e dedicar esta obra ao meu caríssimo orientador e autor do prefácio deste livro Professor Titular Antonio Luis Chaves Camargo Certamente todo este trabalho o qual significa o cumprimento de uma importante etapa da vida universitária jamais teria sido realizado sem a dedicada e competente orientação a qual reflete vigorosamente a vocação acadêmica e o brilhantismo intelectual deste Professor que há diversos anos forma admiráveis seguidores no instigante universo do Direito Penal Agradeço também aos professores Alaôr Caffé Alves e Fábio Guedes de Paula Machado pelas importantes participações em minha Banca Examinadora tendo em vista a relevância dos comentários críticas e sugestões que foram feitas à dissertação apresentada Exalto da mesma forma a ajuda imensa e fundamental ofertada pelo Professor Renato de Mello Jorge Silveira em razão de sua paciência na leitura dos constantes esboços que eram entregues por este aluno sempre na expectativa de suas preciosas avaliações e orientações bibliográficas Não poderia ainda olvidar de muito agradecer aos Professores Miguel Reale Júnior e Eduardo Reale Ferrari pela oportunidade de trabalhar e auxiliálos na condição de monitorassistente do Programa de Aperfeiçoamento do Ensino PAE na disciplina Direito Penal Parte Especial I e II o que tanto contribuiu para as reflexões que de alguma forma estão sedimentadas ao longo do texto final Gostaria de mencionar também sob pena de ingratidão os meus queridos amigos Fábio Costa Sá e Silva Fernando Gaspar Neisser e Humberto Mitsunori Matsuda sempre atentos com o desenvolvimento acadêmico e exímios colaboradores através de debates discussões e recomendações Aos meus pais do mesmo modo ficam aqui as mais justas homenagens Por fim e como previsível a qualquer de seus alunos dedico também este livro a Velha e Sempre Nova Academia nossa querida Faculdade de Direito do Largo São Francisco Após oito anos sob seus cuidados sendo cinco na graduação e três no curso de mestrado sinto mais uma vez a certeza de que o antigo convento torna inesquecível sua participação na vida de todos nós Suas memórias são e serão sempre cantadas com emoção e em cada canto daquele histórico Largo está o coração deste estudante O Autor PREFÁCIO O presente trabalho é produto da reflexão sobre a sociedade de risco tema que tenho estimulado nos cursos de pósgraduação da Faculdade de Direito da USP O mestre Alamiro Velludo Salvador Netto sempre demonstrou desde os bancos acadêmicos do curso de graduação dedicação e seriedade nos estudos o que lhe possibilitou apresentar uma obra ampla e profunda sobre o tema que elegeu Tipicidade Penal e Sociedade de Risco Destacase em primeiro lugar a importância do tema tipicidade penal quando há a preocupação do autor em analisar os tipos penais fechados e os tipos penais abertos e a norma penal em branco Estes três aspectos são relevantes para a compreensão dos demais capítulos A preocupação da dogmática penal com relação ao tipo e tipicidade remonta a Ernst Belling quando introduziu o princípio segundo o qual não haveria crime sem tipicidade Desde esta máxima com conteúdo meramente formal há um caminhar pelas diversas fases metodológicas do tipo penal de modo que o leitor possa ter uma visão completa sobre a evolução do conceito de tipo penal nas diversas escolas penais Salientese que o autor não se propõe a uma descrição linear das teorias mas o faz com um caráter crítico tornando a leitura mais interessante e o estudo mais adequado a quem pretende caminhar além do positivismo jurídico ou do tecnicismo jurídico Após esta apresentação ingressa o autor na análise do tema mais atual da dogmática jurídicopenal que é a sociedade de risco Vários são os pontos que preocupam o cientista penal na atualidade que são o conceito e amplitude do risco e quais os efeitos do mesmo para o Direito penal Este tem ainda que se preocupar com a tutela dos bens difusos que determinam uma criminalidade complexa Todos estes pontos foram analisados pelo autor com base em penalistas modernos e que mais desenvolvem o tema em especial na Alemanha e Espanha Por outro lado o autor mostra o sistema penal aberto e explicita o seu significado como opção para o Direito Penal atuar na sociedade atual aproximandose da realidade social que tem como característica a complexidade o que transformou o estudo do tipo penal A imputação objetiva tema ainda recente na doutrina jurídicopenal brasileira é resaltada juntamente com a análise do tipo penal e da sociedade de risco Destaquese que não é tranqüila a exposição da imputação objetiva na doutrina brasileira Esta ainda tem como fundamento o tecnicismojurídico de inspiração positivista jurídica e no geral colocaa num mesmo patamar dogmático destas linhas o que torna difícil sua compreensão resultando em equívocos conceituais e doutrinários O instrumento de análise do fato no sentido de imputar objetivamente ao sujeito este mesmo fato como obra sua é portanto indispensável quando se trata do Direito Penal na sociedade de risco A imputação objetiva da forma como foi analisada esclarece não só seus elementos como também a importância de sua utilização na tipificação de crimes tratandose em especial de bens jurídicos difusos Além destes e outros aspectos importantes o autor nos oferece um eficaz estudo sobre o sistema penal aberto como único capaz de aproximarse da realidade social no sentido de solução de conflitos no âmbito jurídicopenal O tipo penal e a imputação objetiva mereceram uma análise pormenorizada com relação às propostas de Claus Roxin Günther Jakobs e Wolfgang Frisch demonstrando a preocupação do autor com as teorias mais recentes da dogmática jurídicopenal alemã Diante da situação atual do Direito Penal brasileiro não foi esquecida a proposta da Escola de Frankfurt de Direito Penal com o pensamento de Winfried Hassemer e o Direito Penal da Intervenção como uma forma de flexibilização com menos garantias capazes de coibir e reprimir os desvios desta sociedade de risco Junto a esta formulação há a de Silva Sanchez denominada de Direito Penal de Duas Velocidades num enfoque que pretende resolver a questão da criminalidade na sociedade atual também conhecida como complexa Não se trata assim como sugere o autor de transferência pura e simples de teorias européias em especial alemãs para o Direito Penal brasileiro mas de um referencial para adaptação da nossa cultura jurídica para podermos enfrentar a criminalidade organizada em seus vários aspectos Encerra a análise com clareza expositiva e referências críticas sobre a tarefa a que se propôs no início do trabalho demonstrando o autor Alamiro Velludo Salvador Netto clareza na análise o que produz um resultado positivo consistindo seu estudo em completo e atual sobre o tema indicando que não é mais uma promessa mas um mestre que muito contribuirá para a dogmática jurídicopenal brasileira Antonio Luis Chaves Camargo Professor Titular e Vicediretor da FDUSP 1 INTRODUÇÃO A sociedade de risco representa o modelo social da incerteza na qual o conceito de risco apresentase ao mesmo tempo como um elemento existente reflexividade e vinculador do homem ao seu futuro reflexão O direito penal definido como um sistema normativo de controle social obedece a estas transformações alterando suas formatações típicas e estendendo sua tutela para situações antes impensadas para este modelo de regulação Neste enfoque as próprias formas coletivas de interação são imprevisíveis O desenvolvimento do conceito de tipicidade penal ao longo dos trabalhos elaborados por diversos autores e estudiosos da teoria geral do delito é inconteste Os avanços dogmáticos que o sistema jurídico penal vem sofrendo hoje em dia demonstram o empenho acadêmico que lhe é peculiar A teoria da imputação objetiva os novos estudos sobre o problema do concurso de agentes os delitos de perigo e cumulativos o direito penal do inimigo o sistema penal integral as teses acerca do bem jurídico refletem com clareza como em passos largos e firmes o direito penal vai abandonando a dualidade causalismofinalismo que por muito tempo significou seu foco principal O fim do jusnaturalismo reafirmado pelo desencantamento do mundo e a crise do positivismo perpetuada pela complexidade da sociedade moderna impulsionaram uma nova forma de pensar as modalidades penais e o direito como um todo ou seja propiciaram um formato teórico de abertura cognitiva entre o direito penal e a respectiva sociedade a ser regulada De nada serve contudo a afirmação genérica constante no discurso jurídico que postula a relação próxima e existente entre o direito e a estrutura social O problema maior de todo este relacionamento turbulento colocase na forma como esta interação é promovida Uma verificação mais simples poderia ser capaz de outorgar ao direito uma vida autônoma em face do universo social absolutamente independente em sua produção e operatividade demarcando apenas encontros e contatos esporádicos contingentes e circunstanciais Outro modo de pensar com rasgo notoriamente mais crítico seria a assunção da premissa de que a sociedade determina o direito ou seja este último estaria simplesmente reduzido a uma espécie de imagem refletida de um cenário já précons tituído de contatos entre os homens Esta dificuldade de diagnóstico dos parâmetros da complicada relação é a mesma que norteia o vínculo existente entre o tipo penal incriminador e a sociedade de risco De todo modo o fato é que os tipos penais incriminadores tendo em vista o conteúdo e as fórmulas que admitem para a criminalização têm como cenário de atuação uma sociedade específica e delimitada Sempre que se vislumbra a proibição penal de um comportamento buscase esta consequência em determinado espaço e em certo tempo A criminalização ao menos nos dias atuais não é universal perene vinculada a todo e qualquer modo de vida atemporal Ao contrário a tipificação reflete as necessidades de regulação social as quais vão surgindo e na mesma medida submetendose ao crivo legislativo da instância jurídicopenal A sociedade de risco neste aspecto cria novas necessidades de tutela penal antes totalmente inimagináveis Além disso as próprias criações desta mesma sociedade não são passíveis de diagnósticos precisos o que importa na dificuldade de se encontrar a forma adequada de criminalização Iniciase como consequência um sério processo de desconfiança da capacidade do sistema de ultima ratio em atuar com eficiência Os tipos penais recrudescem alcançam novos bens jurídicos tornamse normatizados perdem a certeza e o hermetismo mas por outro lado a criminalidade de massa apenas aumenta em países como o Brasil a impunidade é significativa nos delitos financeiros as organizações criminosas aprimoramse mais e melhor do que as instâncias formais de controle Evidentemente que a resposta a este paradoxo do maior estado policial e maior sociedade criminosa passa por diversos aspectos dentre os quais principalmente questões de natureza social como a efetivação de uma democracia material que permita distribuir renda igualar o acesso à educação e possibilitar às pessoas desenvolverem plenamente suas capacidades O presente trabalho todavia como forma de realizar o corte objetivo visando à elaboração de uma dissertação de mestrado procura compreender como o tipo penal reage e irritase dentro da teoria do delito com estas alterações externas proporcionadas pelo paradigma da sociedade de risco Para aproximarse de todo este problema o primeiro passo a ser seguido é exatamente traçar um método capaz de colocar em balizas racionais a forma com a qual o direito penal relacionase com a sociedade em que deve agir O materialismo dialético fundamento da tese do materialismo histórico na forma propugnada por MARX e por aqueles que trouxeram tais embasamentos à compreensão do direito tem o condão de desmistificar alguns ideais abstratos do direito penal os quais além de derivarem de um pensamento tradicional clássico e de derivações neokantianas acabam obstaculizando um contato mais imparcial com os delitos de perigo e abertos Ao invés de simplesmente ser realizada a crítica a estes modelos por suas dissonâncias com valores superestruturais do universo jurídicopenal buscase uma metodologia que possa permitir a compreensão dos motivos pelos quais estas modalidades parecem enxergar um fecundo cenário de reprodução na sociedade de risco Destacase que não se menospreza a crítica apenas buscase compreender suas razões Após a elaboração da metodologia a ser aplicada inclusive com as fixações dos conceitos de tipo penal fechado e suas categoriais tradicionais é importante uma análise da evolução do dogmatismo adstrito à tipicidade Não se pretende aqui um vazio esboço histórico de evolução mas fundamentalmente vislumbrouse a percepção de quatro pensamentos distintos de colocação do tipo penal na teoria do delito As comparações das teorias de BEILING MAYER MEZGER e WELZEL refletem de uma certa forma como as diferentes sociedades perceberam a atuação do direito penal e em consequência da tipicidade A evolução do tipo penal significa uma constante normatização ou em outras palavras uma gradativa perda de objetividade e exatidão Tudo isso ocorre não como simples e meras elaborações acadêmicas feitas pela doutrina mas decorre do próprio desenvolvimento social o qual obriga que os mandamentos jurídicos sigam seu grau de complexidade estabelecido pela relação de condicionamento entre as forças produtivas e as relações sociais de produção A sociedade de risco e suas específicas forças produtivas faz com que o direito penal tenha que garantir expectativas em relação às mais diversas instâncias de interação coletiva Disso resulta um direito penal econômico do meio ambiente das relações de consumo dentre outros Além disso os próprios entendimentos das relações sociais passam a ser dificultados posto a detecção de um risco socialmente inerente porém não quantificável Somase a tudo isso a dificuldade humana de compreensão destas mesmas relações Os tipos penais de perigo as normas penais em branco em suma a tipicidade aberta deriva desta constituição de um direito penal preventivo destinado à garantia das estabilidades de expectativas normativas A causalidade não consegue mais compreender as formas sucessivas de interação a tipicidade penal fechada não é capaz de comportar todas as várias possibilidades complexidade de comportamentos que devem ser evitados O mercado depende para a mantença de sua credibilidade de boas administrações de contabilides honestas de igualdadede concorrências Numa sociedade de risco ainda que não se pense em concordar tais questões são de absoluta importância para a sustentação do meio produtivo Assim é preciso vedar condutas que causem desigualdades na concorrência enganem os agentes do mercado com informações equívocas ou gerem prejuízos para as empresas e suas centenas de investidores Todavia para criminalizar estas condutas de nada adiantam os tipos fechados pois seriam incapazes de descrever integralmente as modalidades adstritas aos comportamentos delitivos e negativos ao sistema Os tipos penais abertos perfazemse como um imperativo social uma esperança de controle e manutenção das expectativas cognitivas destinadas à reprodução de uma forma de vida hoje consagrada Por fim empreendemse esforços na tentativa de compreender os modelos jurídicos que a doutrina penal tem criado para atuarem no cenário de tipos abertos e sociedade de risco O funcionalismo e seu método através de uma compreensão estrutural do direito possibilitam uma visão desprovida de contornos essencialmente ideológicos o que permite inclusive uma utilização crítica da forma como descrevem o direito penal na modernidade Por outro lado surgem as vozes do discurso de resistência defendendo um direito penal que retorne ao tradicional núcleo central de imputação realçando as teorias pessoais do bem jurídico O presente trabalho dividese tendo em vista estas ponderações e excetuando a introdução e as posteriores conclusões em quatro capítulos com os quais se pretende i explicitar a metodologia para a aproximação dos problemas ii demarcar as visões doutrinárias que desenvolveram as idéias acerca da tipicidade e os seus respectivos padrões iii descrever as relações entre o direito penal e a sociedade moderna aqui trazida sob o enfoque de uma sociedade de risco e por fim iv estudar as posições escolas dogmáticas que tentam se mostrar hábeis a lidar com o atual cenário de desencaixe existente entre a tipicidade penal e os comportamentos destinados à tutela Certamente mais perguntas existem que respostas Mais problemas do que soluções O mínimo que se pode contribuir é com a reflexão a problematização de situações de um direito penal que insiste em parecer imparcial ocultar sua verdadeira intenção e que ao ser combatido em suas novas modalidades tantas vezes apenas se reforça meras traduções da dogmática jurídica criaram o problema da especificidade das definições que resta por culminar ou no profundo e restrito espaço de aplicação de um termo ou na mais ampla da vulgaridade interpretativa Assim os termos expressos cientificamente tornamse gradativamente mais inacessíveis para o conhecimento comum alcançando altitude que os restringem ao universo especializado da academia na tentativa de explicar precisamente a realidade viva Ganham quase que uma instrumentalidade da ciência e outra da prática Apenas para utilizar um exemplo tradicional mas de grande relevância para as ciências humanas principalmente a partir do século XIX citase a expressão ideologia de onde são extraídos inúmeros significados e implicações consistindo o termo em verdadeira polissemia A utilização de ideologia no cotidiano acaba impingindo à palavra a acepção de conjunto de idéias mas seu sentido em muito é alterado quando se direciona obrigatoriamente à filosofia grega ao pensamento de HEGEL ou à idéia de MARX sobre o conteúdo do vocábulo O exemplo serve para ilustrar um paradoxo na leitura do desenvolvimento na modernidade visto sua dificuldade crescente em razão do acumulado produzido na seara das ciências humanas Um determinado estudo por qualquer que seja pressupõe um conjunto teórico já previamente concebido criando obstáculos infindáveis para avanços científicos do conhecimento nas áreas de humanidades Cada conceito ou construção acaba por dialogar com um plexo de reflexões já sedimentadas tornando penoso o trabalho com significações precisas Não é possível mais prescindir de escolhas metodológicas claras sob pena de se tomar uma idéia por outra e assim turvar as conclusões obtidas A realização científica não consegue mais rechaçar opções metodológicas em verdade eleitas como mais adequadas à finalidade do especulador de sorte a proferir determinado enfoque à pesquisa e assim caracterizála como pertencente a este ou àquele ramo do saber O material que se estuda em visões diferentes é tantas vezes exatamente o mesmo porém as indagações e pontos de partida sob os quais recaem os olhos do analista são os reais elementos caracterizadores De outra forma e em diversas palavras o enfoque caracteriza a denominação na época da interdisciplinaridade outorgar conteúdo aos vocábulos elevados à condição de normas constituindo tanto o horizonte normativo do direito quanto as próprias razões da opção legislativa de criminalização desta e daquela conduta humana princípio da seletividade O Direito Penal se faz como seletivo fenômeno jurídico relacionado com as estruturas sociais sendo derivado destas Não é o direito que estabelece as relações sociais em sua forma mais essencial mas o contrário são as compreensões de arquétipos sociais determinados que formulam e ofertam consistência ao Direito A dificuldade reside exatamente na autonomia que a produção jurídica parece assumir em face das formas sociais que a condicionam reportandose a estas como se por si só existisse Assim apenas a leitura dinâmica pode romper a ideologia do direito apresentando esta relação dialética Ao mesmo tempo em que a sociedade produz o direito esta se transforma em certo sentido Todavia não se pode aceitar qualquer compreensão do mundo jurídico que o afaste das relações produtivas como condicionantes o que enseja afirmar a imbricação entre direito e política por um lado e das normas como discursos imperativos de um contexto especificado de outro lado O foco centrase i na norma como processo político de formação ii sua eficiência na busca do escopo assumido e inerente ao procedimento de legislação iii na forma como tal elemento jurídico é capaz de introjetarse na tessitura social Podese perceber assim a complexa e reflexiva interação e cotejo entre i tipo penal ii a verificação da tipicidade das condutas realizadas no corpo social e iii este mesmo organismo social respectivamente Para o diagnóstico duas grandes construções são basilares quais sejam a sociedade atual de risco e o direito penal suas opções seus valores e fundamentalmente sua finalidade adstrita ao tipo penal como categoria essencial da teoria do delito Para que a norma possa incidir na sociedade como fruto destas mesmas relações sociais que lhe são condicionantes impondo controle ou criando expectativas não frustradas de comportamento é preciso que o tipo penal esteja adequado aos padrões sociais com os quais pretende convergir Se determinados comportamentos devem ser evitados e se sua evitação tutelase pelo Direito Penal logo por meio do tipo penal incriminador resta saber se os moldes típicos trazidos pela ciência penal estão aptos ao controle É inafastável como premissa a admissão do desencaixe entre a tipicidade penal clássica seguida pela doutrina brasileira e os fenômenos da sociedade moderna de risco bastante diferenciados daqueles verificados quando da construção da dogmática penal tradicional Com esse parâmetro de comparação de nada se faz explicativa a visão do direito penal como valoração ética a qual não se nega a existência mas sim das normas penais como reais prescrições destinadas ao controle eficiente A relação direito e política admitida no sentido prático da produção de entendimentos discursivos deve ser capaz de criar uma forma de prescrição que mesmo que não alcance a justiça material in compatível com o sistema produtivo evite o simbolismo que hoje se assemelha à verdadeira peça teatral A aproximação da sociedade de risco se dá por meio do tipo penal ajustando sua compatibilidade com a teoria do delito apta à tutela através da normativização de seus elementos no sistema aberto A virtude da aprimoramento dos instrumentos jurídidos de contenção do crime ainda os mesmos concebidos na primeira metade do século item nº 5 Lei nº 720984 Exposição de Motivos do Código Penal Interessante notar ademais que a lei não deriva da simples vontade do legislador ao contrário ela está condicionada a diversos aspectos situacionais tais como a configuração social as forças políticas e econômicas a mídia setores da sociedade civil etc HABERMAS Jürgen Direito e democracia entre facticidade e validade Trad Flávio Bueno Siebeneichler Rio de Janeiro Ed Tempo Brasileiro 2003 v 1 p 191 O sistema penal aberto tornase o único efetivamente passível da realização na sociedade de risco tendo em vista sua exclusiva permissividade aos aspectos sociais reais possibilitando ao jurista o confronto do material teórico com os novos problemas constantemente colocados defronte de exigências resolutivas Nesse sentido o sistema aberto de Direito Penal tem um caráter norma penal está em que pese todas as devidas considerações de seu conteúdo necessariamente acordado com o Estado Democrático de Direito em seu imperativo dirigido ao cidadão11 Evidente que a existência do imperativo reflete uma desvalorização prévia da conduta como desinteressante ao corpo social mas a norma perfazse jurídica com a criação da expectativa normativa persistente na comunidade Na sociedade moderna é impossível a vinculação irrestrita e fechada a um único e exclusivo método essencialmente jurídico pois este procedimento acentuaria o risco de fechamento das portas para uma visão ampla das correlações entre as escolhas do direito penal e sua ineficiência A análise contemporânea da realidade obriga à necessária utilização de uma miríade de conceitos convergindo para a melhor aproximação em perspectivas diversas Buscar dedutivamente os princípios que supostamente direcionam o direito penal na atualidade não deve significar o rechaço à indução ponderada de necessidades sociais através da observação seja dos sistemas dos fatos sociais das necessidades humanas ou dos índices de criminalidade e suas razões12 A metodologia do sistema encerrado em si já se mostrou insuficiente assim como as construções típicas daí deduzidas Não pela falha dos modelos teórica e abstratamente mas pelas suas deficiências na correla ção com os parâmetros sociais e suas dinâmicas hoje estabelecidas Não mais convém se afirmar que a lei penal é um sistema fechado conforme frisava HUNGRIA há sessenta anos13 No seio deste relacionamento turbulento e complicado entre sociedade e Direito Penal o tipo postulado como objeto do corte epistemológico sua estruturação e seu papel delimitador das globais possibilidades de comportamento social mostrase um centro de interesse de estudo para o jurista Ainda mais quando se acrescenta ao tipo penal não somente sua percepção estanque positivada mas a real função na criação de expectativas de comportamentos e sua conseqüente eficiência na manutenção de determinada ordem circunscrita no tempo e espaço A sociedade moderna deposita no Direito quase que exclusivamente o tratamento das expectativas comportamentais capazes de atingir a tranqüilidade sistêmica necessária ao desenvolvimento do modo produtivo diminuição das zonas indiferentes ao direito Assim o direito penal serve como instrumento de promoção da segurança no sentido de que o cidadão pode acreditar que não será atingido por certos atos capazes de afrontar seu círculo de organização A sanção a qual pode ser tratada como aplicação da norma prescritiva faz com que a expectativa não seja abalada pelo ato de transgressão uma vez que o Estado diante da conduta delitiva prontamente reafirmou a vigência da norma ou a manutenção da expectativa14 Essas expectativas contudo são realizadas pela redação típica e escolhidas dentre aquelas mais interessantes para o sistema Sempre é por meio do tipo penal pelo menos na vigência do princípio da legalidade que se divulga o comportamento proibido criminalmente que não se deseja ver realizado Logo independentemente de seu caráter divulgador do não permitido ou seu aspecto de garantia do cidadão em face da força repressora estatal o tipo também reflete mediante análises mais contextualizadas a escolha de determinado poder em dadas situações Poder este desta forma que abre a premissa assumida de lidar com a criminalização de modo político mesmo que este fenômeno não implique necessariamente em exercícios arbitrários e desmedidos do comando para os padrões estabelecidos pela maturidade hodierna das liberdades humanas O direito penal na sociedade de risco que quebrou qualquer possibilidade de visão mágica do mundo tradicional deve ser capaz de ordenar os comportamentos prever gerir com precisão as massas atomizadas A dominação legalracional feita através da burocracia na democracia de massas conforme apontado por WEBER estendese ao direito penal previsível técnico único capaz de funcionalidade na lógica do mercado competitivo e da soberania da economia Recaíse portanto numa visão genericamente instrumental utilitária do direito penal na tipificação podendo tal ramo jurídico servir para a contenção dos crimes em lógicas tanto religiosas ou democráticas15 e dentro destas em democracias de sociedades estruturadas ou desestruturadas e de baixa ou alta complexidade Através do tipo estipulado em seu conteúdo como as opções expostas e seletivas para a realidade criminal permitese diagnosticar o estado do próprio Direito Penal em sua relação de derivação do poder A propósito LUHMANN definia a complexidade como a situação onde existe no organismo social sempre mais possibilidades do que se pode realizar Desta forma o direito assume um posicionamento próprio do mundo contemporâneo de criar expectativas positivas e desejadas pelo corpo social ao menos no limite onde possam ser identificadas estruturas cognitivas e normativas destas mesmas expectativas16 A criação de expectativas de comportamentos por meio do sistema penal porém é mais delicada do que nos demais espectros jurídicos Tratandose da ultima ratio de intervenção podese afirmar que ao Di O referido no texto tem como finalidade apontar que o sistema penal visto como utilitário permite a perda da noção de imparcialidade de tratamento igualitário As simples escolhas dos comportamentos tipificados já apontam opções determinadas e acobertadas pela generalização ideológica da igualdade No que se refere ao direito penal abstrato isto é a criminalização primária isto tem a ver com os conteúdos mas também com os não conteúdos O sistema de valores que nele se exprime reflete predominantemente o universo moral próprio de uma cultura burguesa individualista dando a máxima ênfase à proteção do patrimônio privado e orientandose predominantemente para atingir as formas de desvio típicas dos grupos socialmente mais débeis e marginalizados BARATTA Alessandro Criminologia crítica e crítica do direito penal Trad Juarez Cirino dos Santos 3 ed Rio de Janeiro Ed Revan 2002 p 176 16 LUHMANN Niklas Sociologia do direito I cit p 45 Isso também ocorre através da diferenciação entre estruturas normativas e cognitivas de expectativas dependendo se no caso de desapontamento está prevista sua assimilação ou não Expectativas normativas são mantidas apesar da não satisfação Daí seus problemas e suas condições estarem vinculados ao ajustamento de desapontamentos que assegura a estabilidade no tempo no sentido de estabelecer a continuidade de expectativa jurisprudência Parte também deste enfoque a visão hermética do direito que exclui de sua ciência qualquer conteúdo não jurídico conforme preleciona o positivismo de KELSEN22 Aquilo que não for verificável pela demonstração analítica na opinião destes autores apenas é passível de especulações não científicas alcançando o bojo do completo relativismo23 24 De acordo com o analisado não se deve permitir de forma acrítica a utilização de categorias que visem à universalização da idéia para uma gama indiferenciada de fenômenos jurídicos construídos em diferentes cenários A inferência é pautada tendo a ciência do papel humano de criação do Direito haja vista as diversas reflexões que as instâncias de poder fazem da realidade social e conseqüentemente direcionam o aparato estatal da força O materialismo oferece um interessante substrato conceitual para a crítica e reflexão da tipicidade penal e suas opções principalmente quando consideradas na perspectiva de objetivação de determinada finalidade advinda do poder O Direito Penal não se faz somente como ideologia embora desta não prescinda pois não se reduz ao mundo intangível já que impõe comportamentos e constrange violentamente os seus interlocutores Da construção do Direito Penal e da fundamentação do discurso normativo por meio da descrição jurídica emanam formas de controle e justificação das decisões tomadas quando da efetivação das normas Neste enfoque é possível apontar os institutos jurídicopenais relacionados ao tipo numa aproximação diversa da tradicional construção imperativa categórica de bens jurídicos ou do neokantismo de pretensa fundamentação do sistema lógicoformal Antes de tudo porém convém elucidar algumas conceituações típicas da dogmática atual que remontam à idéia mais difundida 21 VARIANTES DO TIPO PENAL NA DOUTRINA TRADICIONAL A doutrina tradicional constrói as caracterizações do tipo penal sempre considerando os valores erigidos à condição de corolários orientadores do sistema Grande parte do estudo da atual dogmática penal brasileira aponta para a compreensão e crítica dos modelos penais incriminadores através dos postulados clássicos bastante difundidosA própria historicidade do tipo e sua conseqüente evolução sempre verificou a incidência destas mesmas premissas ressaltando a valoração iluminista que deve recair sobre o direito penal como molde convencional e ideal de formatação Assim a peculiaridade da tipicidade penal vista na ótica consagrada deve significar o respaldo que a norma penal encontra nos princípios gerais do sistema criminal os quais se apresentam inclusive na nucleação constitucional Resolvese a legitimação do tipo por meio dos princípios da fragmentariedade subsidiariedade e taxatividade de sorte a se obter o produto desejado qual seja a certeza jurídica25 Podem os indivíduos diante destes preceitos traçar a fronteira precisa entre os comportamentos relevantes e irrelevantes na seara da ultima ratio26 Tendo em vista a concepção universalista das valorações trazidas como princípios e sob os quais se submetem os juízos acadêmicos acerca da legitimidade de determinado tipo penal incriminador a doutrina tantas vezes aparenta conceber o efêmero como eterno Assim a concepção da tipicidade sempre é vista em si mesma circunscrita aos seus próprios derivativos legais ou axiológicos Não se consegue uma análise da tipicidade que ultrapasse as barreiras de elementos deduzidos ou inferi 22 KELSEN Hans Teoria pura do direito 6 ed Trad João Baptista Machado São Paulo Martins Fontes 2000 p 1 Quando a si própria se designa como pura a teoria do Direito isto significa que ela se propõe garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir deste conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto tudo quanto não se possa rigorosamente determinar como Direito Quer isto dizer que ela pretende libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos Esse é o seu princípio metodológico fundamental KELSEN Hans O que é justiça 3 ed Trad Luís Carlos Borges São Paulo Martins Fontes 2001 A superação da noção positivista que restringia o universo da racionalidade hoje já é refutada em absoluto na área da lingüística altamente desenvolvida depois do surgimento da nova retórica de PERELMAN e a possibilidade de se verificar racionalidade no discurso argumentativo recuperando inclusive o gênero discursivo denominado epidíctico ATIENZA Manuel A razão es do direito teorias da argumentação jurídica Trad Maria Cristina Guimarães Copertino 2 ed São Paulo Ed Landy 2002 SUDATTI Ariani Bueno Raciocínio jurídico e nova retórica São Paulo Ed Quartier Latin 2003 23 24 dos do universo puro da axiologia Ao máximo alcançase a visão da teoria do delito mas jamais a estrutura da sociedade que outorga sentido expresso ou oculto para a determinação de um comportamento Voltase uma vez mais à inversão das causas e conseqüências Não é o tipo e seus valores que determina a sociedade Ocorre exatamente o contrário Os valores assim como os comportamentos tipificados não existem a não ser como opções sociais27 ou seja determinações de parcelas de poder desta mesma sociedade através de formas especificadas O materialismo estabelece o vínculo entre as relações sociais e o tipo penal Permite sua compreensão no bojo das condições objetivas dos homens mediados pelos meios de produção e retira o enfoque exclusivo do valor jurídico em abstrato construído na consciência coletiva social28 O tipo penal passa a ser visto como obra humana tanto em suas construções normativas pontuais como em sua perspectiva dogmática como elemento essencial do delito Os modelos incriminadores identificamse com seus autores espelham vontades desejos intolerâncias suportabilidade quanto a determinados comportamentos O Direito encerra um objeto sempre modificável capaz de espelhar seu momento histórico por dentre o complexo quadro normativo A análise de uma legislação penal mais do que apontar a eventual respeitabilidade a certos valores tangencia a capacidade de compreender as necessidades de um momento A adoção da pena de morte no Brasil no Código de 1830 quando já se apresentavam fortes resistências à medida por grande parte dos congressistas mais do que representar um desvalor à vida humana alcança a compreensão da necessidade vivida à época por parte dos defensores do poder em manter a ordem do meio de produção escravocrata29 Dizer simplesmente que o senhor de escravos não tinha incutido o respeito à condição humana quando relacionada aos negros não possui caráter explicativo Acentuar o valor e desprezar a estrutura é entender que o primeiro é mais importante que o segundo compreensão ideológica A pena de morte nada mais era que a garantia da própria sobrevivência do trabalho escravo o que dialecticamente importava na segurança de existência do senhor de engenho Ao mesmo tempo as críticas ao regime escravocrata insurgiamse da própria incompatibilidade que esta forma começava a apresentar em face de um regime mais dinâmico necessitado de consumo e livreiniciativa A escravidão é superada no momento em que sua contradição se torna insuportável diante das novas formas de produção A sociedade neste aspecto tendo em vista as relações sociais que permite reproduzir seja a sociedade medieval a sociedade mercantilista a sociedade industrial e moderna ou a contemporânea sociedade de risco ou reflexiva estipula novas formas jurídicas de balizamento necessário imperativo dos comportamentos ocasionando a relevância do direito penal e sua extensão haja vista seu poder e aparato institucional30 27 REALE JUNIOR Miguel Teoria do delito São Paulo Ed Revista dos Tribunais 1998 p 17 Concordase aqui com a postulação do autor ao afirmar que O Direito os seus conceitos os juristas e os destinatários do direito inseremse em uma situação cultural variável segundo os fins últimos e valores que a informam Ao construirse o direito escolhemse fontes e métodos cujas raízes se afundam na situação cultural presente como reflexos de opções culturais fundamentais 28 MARX Karl ENGELS Friederich A ideologia alemã cit p XXIXXIII De preciosa valia a análise de Jacob Gorender da mencionada obra já clássica Marx e Engels saltaram sobre as fronteiras da realidade dentro das quais se comprimia Feuerbach para o terreno da história universal Do ponto de vista materialista o sistema hegeliano devia ser revirado As idéias de toda ordem religiosas filosóficas morais jurídicas artísticas e políticas não se desenvolviam por si mesmas como entidades substantivas condensadas no ápice pela Idéia Absoluta identidade final entre Ser e Saber O desenvolvimento das idéias era subordinado dependente predicativo As idéias se sistematizavam na ideologia compêndio de ilusões através dos quais os homens pensavam sua própria realidade de maneira enviesada deformada fantasmagórica A primeira e máxima ilusão própria de toda ideologia consistia em lhe atribuir a criação da história dos homens Sob o prisma da história é que a ideologia se desenvolve como criação da Idéia Absoluta da Consciência Crítica dos conceitos da liberdade da justiça e assim por diante Ora tais idéias não possuem existência própria mas derivada do substrato material da história 29 O debate estabelecido no Parlamento entre liberais e conservadores e posteriormente vencidos pelos segundos ao admitir a pena de morte para alguns delitos demonstrou claramente que a reprimenda tinha como destinatário os escravos funcionando como um instrumento adicional para a manutenção da ordem No Parlamento correntes liberais e conservadores trava seu pugilato Por pequena maioria e em parte vencem os conservadores Ela não é aceita a aceitação dos crimes políticos e de rebelião cabendo sempre recurso obrigatório à Coroa A outros casos pontuais contudo principalmente para a manutenção da ordem por entre os escravos cuidando da criminalidade servil entendeuse ela fundamental SILVEIRA Renato e Mello Jorge 170 anos de legislação penal brasileira as luzes na Constituição de 1824 e no Código Criminal do Império Revista Brasileira de Ciências Criminais São Paulo v 8 n 32 p 180 outdez 2000 30 A recente tese de doutoramento defendida na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo intitulada MASCARO Alysson Leandro Crítica da legalidade e do direito brasileiro São Paulo Ed Quartier Latin 2003 p 31 traz com bastante segurança ao analisar o conceito de legalidade sua inserção num ambiente de relações sociais específicas rompendo as simples apologias que outorgam aspectos imemoriais ao direito positivo Em citação a MARX na qual se admite reproduzir bastante clara se torna a idéia de vinculação entre Direito e Formas de Produção A justiça das transações que se realizam entre os agentes da produção consiste em que estas transações se derivam das relações de produção como uma consequência natural As formas jurídicas que estas transações econômicas revestem como atos de vontade dos interessados como exteriorizações de sua vontade comum e como contratos cuja execução pode se impor pela força aos indivíduos mediante a intervenção do Estado não podem determinar como meras formas que são esse conteúdo Não fazem mais que expressálo Podemos dizer que este conteúdo é justo enquanto corresponde ao regime de produção enquanto é adequado a ele É injusto quando se encontra em contradição a ele A escravidão dentro do sistema capitalista de produção é injusta como o é também a fraude quanto à qualidade da mercadoria HUNGRIA Nélson Comentários ao Código Penal 4 ed Rio de Janeiro Companhia Ed Forense 1958 v 1 t 1 p 13 14 LUHMANN Niklas Procedimenti giuridici e legittimazione sociale Milano Giuffré 1995 p 240 Una regolazione delle delusioni diviene tanto più importante quanto più cresce la complessità dei sistemi e della loro comprension nell ambiente cioé quanto piú aumenta il numero delle alternative che possono essere percepite nellambiente o attivate nel sistema A sociedade de risco traz de modo arrebatador o individualismo gerado pelo desencantamento do mundo O tipo penal assim vai expressar essas novas modalidades pois não fazendo desta forma instaurarseão a já conhecida crise de legitimidade dos aparelhos repressores e as sensações de impotência decorrentes dos novos acontecimentos até então inimagináveis Aliás a reflexão sobre a reflexividade31 da sociedade de risco responsável pelo abaloamento das categorias da sociedade moderna industrial significa uma possibilidade de demarcação crucial da ineficiência dos institutos penais baseados nos princípios consagrados do pensamento de BECCARIA no séc XVIII32 Da mesma forma o nexo causal hoje complementado pelas relações de risco a transnacionalização dos mercados a comunicação em grande escala o poder destrutivo das tecnologias não mais permitem um sistema penal como de outrora gerando a crise espelhada no simbolismo penal Enfim tem a dificuldade até por se estar inserido no mundo de enxergar o presente pelos olhos do passado33 O direito penal ao expor uma compreensão específica da realidade encontrase em forte crise de legitimidade pois seus instrumentos apresentamse incompatíveis com a realidade do risco tendo dentre estes instrumentos o tipo e a conseqüente tipificação Assim apenas é possível conceber o causalismo penal opção jurídica de esgotamento do tipo penal no nexo de causalidade ou as estruturas lógicoobjetivas do finalismo numa sociedade onde as relações sociais são facilmente perceptíveis ou mais de tranqüila apreensão em sua completude O tipo penal hoje em dia na doutrina nacional apresenta sua teorização com base no dogma fechado ou seja fundamenta sua existência na capacidade do legislador ao normatizar em ceifar com precisão um segmento comportamental específico Como forma de demarcar a incompatibilidade destes paradigmas com a sociedade de risco importante se faz um sucinto exame destas construções 211 TIPO PENAL FECHADO O tipo penal fechado é aquele que mais reflete o suposto respeito sedimentado ao princípio da legalidade Através do tipo penal nesta modalidade estarseia diante do texto legal capaz de sem qualquer questionamento maior demonstrar qual o comportamento humano visando pelo legislador34 A norma penal neste enfoque ganha a premissa de ser certa e particularmente estrita As palavras falam por si só não abrem brechas à interpretação dispensando comentários ou maiores aprofundamentos A descrição do modelo de conduta nesta modalidade é completa restando ao aplicador praticamente o trabalho fácil de subsumila em face do comportamento realizado pelo agente relação de mera correspondência O exemplo claro e incansavelmente apresentado de tipo fechado é a norma matar alguém contida no artigo 121 do Código Penal brasileiro Com esta preterpansmente estarseia cumprindo o pleno respeito ao princípio da legalidade Todavia o tipo penal fechado apresenta dois problemas sérios e concomitantes Em primeiro lugar espelha uma sociedade muito pouco complexa e muito previsível Em segundo a prática judiciária demonstra que nem mesmo as normas de fácil apreensão estão completamente desligadas do problema da interpretação e das divergências sobre seu verdadeiro alcance fundamentalmente em razão da característica instável e contingente da segunda modernidade35 31 Os conceitos atinentes à reflexividade e seu aspecto definidor da segunda modernidade estão minuciosamente desenvolvidos no capítulo 4 32 Percebese que aqui não se postula a forma jurídica como simples ideologia mas como um fato social que existe força os cidadãos embora parta de pressupostos interessantes e adequados para a formulação do sistema vigente A realidade social da mesma forma é objetivada estando os indivíduos de fato inseridos numa realidade complexa atualmente entendida na sociedade mundial do risco Saltar o posicionamento de PASUKANIS Eugeny Bronislavovich A teoria geral do direito e o marxismo Trad Paulo Bessa Rio de Janeiro Renovar 1989 p 78 e 44 para quem não se considera a forma jurídica como simples reflexo de pura ideologia A este respeito penso haver usado expressões suficientemente claras o direito considerado como forma não existe somente na mente das pessoas ou nas teorias dos juristas especializadas ele tem uma história real paralela que tem seu desenvolvimento não como um sistema conceitual mas como um particular sistema de relação O Estado não é apenas uma forma ideológica mas também e simultaneamente uma forma de ser social A natureza ideológica de um conceito não suprime a realidade e a materialidade das relações das quais ele é expressão 33 PERELMAN Chaïm Retóricas Trad Maria Ermetina Galvão G Pereira São Paulo Martins Fontes 1997 p 31 34 Espelha a posição acerca do tipo fechado Tipos penais fechados são todos os que para a sua compreensão o intérprete ou aplicador da lei não necessita recorrer a qualquer indagação estranha Aos elementos constantes da norma incriminadora DOTTI René Ariel Curso de direito penal parte geral Rio de Janeiro Forense 2002 p 312 35 Quando se levam em conta todas essas mudanças fundamentais em sua interação constatase em todo caso é esta a hipótese da Segunda Modernidade duas coisas por um lado os desenvolvimentos são em sua maioria conseqüências de efeitos colaterais de uma Primeira Modernidade radicalizada eles não provêm de um processo político nem de uma revolução consciente nem de uma decisão humana neste sentido são isto sim impelidos pela dinâmica desses efeitos BECK Ulrich Liberdade ou capitalismo Trad Luis Antonio Oliveira de Araújo São Paulo Ed Unesp 2003 p 25 34 35 Ao invés de historicizar prefere imortalizar como garantia de permanência A razão da escolha vislumbrada nas ciências econômicas levada ao limite quando de sua extensão ao direito penal impede a própria visão dinâmica do homem fruto da objetividade social do seu tempo e portanto vinculado ao universo pelo próprio modo de pensar A racionalidade instrumental da modernidade fruto do desencantamento do mundo postulado por WEBER não deixa de incutir aos seres humanos a idéia de abstração e universalização de certas premissas a rigor momentâneas circunstanciais ocasionadas pelas relações elementares de produção A profissaõ de fé que se faz sobre a racionalidade ocidental se transmuta de objeto em adoração significando a perfeita imersão na ideologia18 As formas sociais e em decorrência as categórais penais restam aparentemente imodificáveis Tal noção expandese para toda a ciência jurídicopenal Passa a ser impossível a constatação de novos padrões válidos de criminalização pois existe o bem jurídico a priori a antijuridicidade a priori a culpabilidade a priori e a tipicidade a priori Todos os elementos da teoria do delito são concebidos como verdadeiras deduções do mundo platônico das idéias aplicadas normalmente ao homem constante deste mesmo mundo ou seja o homem médio Estas fórmulas derivam expressamente das criações neokantianas as quais enxergam as normas como fenômenos contingentes porém sempre com a necessidade lógica de correlação com categórais universais e puramente racionais O método científico que se adota no presente trabalho é o materialismo dialético19 o qual permite relacionar de modo dinâmico o tipo penal e a sociedade de risco Podese destarte e como exemplo utilizar sem propedêuticas maiores o conceito de ideologia como falsa consciên A sociedade para tutelarse apenas através de tipos fechados aqui entendidos na concepção tradicional traçada demanda relações facilmente diagnosticáveis capazes de fazer saltar aos olhos do operador a relação de causa e consequência Não foi à toa que a idéia hermética da tipicidade quase sempre foi baseada no lastro oferecido pelo conceito causal de ação comprovado jurídicopenalmente pela teoria da equivalência das condições Assim a ação humana mostravase empiricamente como a razão suficiente de alteração da ordem das coisas Por meio de um disparo de arma de fogo retiravase a vida de uma pessoa e conseqüentemente deveria ser reconhecida a tipicidade homicida O agente responde pela prática de dano ao destruir coisa alheia assim perceptível no universo sensorial devidamente assessorado pelo laudo de exame de corpo de delito como prova de materialidade A dinâmica social contemporânea do risco contudo impede a tranqüila apreensão destas mesmas relações de causa e efeito Os resultados dos atos e fenômenos modernos são desencaixados de instâncias espaciais e temporais de sorte que este mesmo resultado tantas vezes apenas pode ser percebido muito tempo depois ou em localidade significativamente diversa do ambiente da ação Os resultados são difundidos a ponto de se tornarem intangíveis num primeiro momento reverberando de formas tão anormais e impassíveis de liames objetivos seqüenciais A sonegação fiscal no seio de uma sociedade com acionistas e controladores é impossível no mais das vezes de ser imputada a um específico e limitato comportamento O defeito de fabricação de um produto comercializado em todo o mundo não possibilita a identificação perfeita do agente produtor ao longo de uma complexa e infindável carreira industrial definindo por exemplo a complexidade da responsabilidade pelo produto Daí se afirmar conforme BECK que a sociedade moderna suprime e substitui as relações de causalidade por relações de risco Ou ainda como prefere DE GIORGIO o conceito de risco passa a constituir o próprio parâmetro do homem em se vincular com o futuro imerso na instabilidade autoproduzida A evolução social da mesma forma determina novos desenvolvimentos jurídicos aprimorando e multiplicando institutos normas formas de se estabelecer relações sociais através do cenário jurisdicional As leis trazem denominações fórmulas e categoriais inovadoras as quais por sua vez somente são compreendidas à luz de construções sediadas fora da órbita circunscrita do direito penal Os produtos das relações de negócios criam linguagens jurídicas administrativas e econômicas próprias que não podem sob pena de incapacidade imperativa ser desprezadas pelo legislador poder no momento da elaboração do tipo penal incriminador Não há como criminalizar condutas numa sociedade que tem a pessoa jurídica como elemento central do foco produtivo sem mencionar expressões como ações debêntures valores mobiliários De há muito o direito penal sequer consegue evitar os elementos normativos cheque duplicata ou warrant Em poucas palavras a sociedade ficou grande e dinâmica demais para os limites do tipo penal fechado Somase a tudo isso que mesmo as definições típicas mais singelas impedem a interpretação Os avanços das ciências e da tecnologia adicionados à racionalização das tradições tornam duvidosa a constatação do que seja até mesmo o alcance de normas básicas como o homicídio ou o aborto O conceito de vida se transforma com constantes descobertas e pesquisas criando discussões acerca de temas como aborto do feto desprovido do conteúdo cefálico ou as polêmicas acerca do limite de investigações relacionadas à genética Assim o tipo fechado como garantia ao princípio da legalidade resta abalar oado pelas dinâmicas estruturais da sociedade a ser garantida em suas expectativas pelo sistema penal A sociedade de risco encaminha a tipicidade para a normatização os elementos normativos do tipo assumem grau de imprescindibilidade as categoriais consolidadas já não se mostram verdadeiras e estáveis como imaginadas 36 CAMARGO Antonio Luis Chaves Imputação objectiva e direito penal brasileiro São Paulo Ed Cultura Paulista 2001 p 88 O conceito de ação evoluiu no século XIX inicialmente no sistema LisztBeling que o considerou num sistema natural tendo sido definida por Von Liszt como uma modificação do mundo exterior e dentro de sua visão naturalista para incluir a omissão afirmou ser a conduta Verhalten voluntária no mundo exterior causa voluntária ou não impeditiva de uma mudança no mundo externo 37 BECK Ulrich La sociedad del riesgo hacia una nueva modernidad Trad Jorge Navarro Daniel Jimenez e Maria Rosa Borras Buenos Aires Ed Paidós 1998 38 DE GIORGIO Raffaele Direito democracia e risco vínculos com o futuro Porto Alegre Sergio Antonio Fabris Editor 1998 p 192 Vide SOUZA Paulo Vinicius Sporleder A criminalidade genética São Paulo Ed Revista dos Tribunais 2001 econômica que por sua vez ainda é pensada de forma linear e deixa todas as outras dimensões relativas à ecologia à cultura à política e à sociedade civil sob o domínio subordinador do mercado mundial A essência do globalismo consiste muito mais no fato de que aqui se liquida uma distinção fundamental em relação à primeira modernidade a distinção entre economia e politica BECK Ulrich O que é globalização equívocos do globalismo respostas à globalização Trad André Carona São Paulo Ed Paz e Terra 1999 p 2728 De grande poder exemplificativo o pensamento de POSNER Richard A Economic analysis of law 5 ed Chicago US A Division of Aspen Publishers Inc 1996 p 56 quando analisa a perspectiva econômica que a própria pena adquire em sua relação com a sociedade e o delin quente Punishment is at least from the criminals standpoint why not from societys unless the punishment is in the form of a fine the price that society charge for a criminal offense The economist predicts that an increase the severity of the punishment or likelihood of its imposition will raise the price of crime and therefore reduces its incident The criminal will be encouraged to substitute other activity Economist call nonpecuniary prices shadow prices Acerca do materialismo histórico vide por exemplo ARON Raymond O marxismo de Marx Trad Jorge Bastos São Paulo Ed Arx 2003 p 209242 212 Tipo Penal Aberto Com a constante diminuição proporcional dos tipos fechados na gama total das figuras reitoras penais a tipicidade aberta iniciou um processo irreversível de proliferação principalmente no espaço que foi ocupado pelos crimes culposos A definição que pode ser ofertada e suficiente para esta abordagem é aquela que considera tipos abertos as normas incriminadoras indicativas de comportamentos proibidos tendo em vista a absorção de elementos exteriores40 Os arquétipos de tipos abertos consistem naqueles formatos onde se permitiria a interpretação ou seja a conduta e o resultado não estariam sensorialmente ligados por um nexo de causalidade Como formas inequivocas de modelos abertos inserirseiam os crimes culposos violação do dever objetivo de cuidado os crimes omissivos impróprios valoração do conceito de garante e os crimes definidos por vocábulos não inferidos do universo exclusivamente penal elementos normativos do tipo jurídicos ou culturais Todavia o rol taxativo permite duas certificações Em primeiro lugar resta incompleto por sua intrínseca limitação Em segundo comprova a tendência natural de normatização da tipicidade trabalhada pelo funcionalismo Conforme apontado a sociedade para inserirse no universo penal depende da normatização ao mesmo tempo em que os tipos vistos como essencialmente fechados não sustentam esta própria definição quando da inserção de seu sentido numa realidade de transformações rápidas profundas e desencantadas O princípio da taxatividade penal neste aspecto ganha contornos diferentes devendo ser interpelado numa concepção dinâmica afastando a estática de se imaginar hipótese típica que significa por si mesmo No tipo penal aberto ganha definitivo espaço o discurso jurídico aquele capaz de sobrepor às normas como práxis de outorga de sentido apto a avivar a prescrição 40 Parafraseiase aqui a definição seguinte de tipos penais abertos Consideramse tipos penais abertos aquelas normas incriminadoras que não contêm a indicação da conduta proibida que somente é identificada em função dos elementos exteriores ao tipo DOTTI René Ariel op cit p 60 No mesmo sentido é a definição que assevera consistirem os tipos penais abertos na descrição incompleta do modelo de conduta proibida transferindose para o intérprete o encargo de completar o tipo dentro dos limites e das indicações nele contidas TOLEDO Francisco de Assis Princípios básicos de direito penal 5 ed São Paulo Saraiva 1999 p 136 41 PORTo Alegre Sérgio Antonio Fabris Editor 1995 Com base numa noção lingüística de discursos justapostos a maior extensão da tipicidade aberta mesmo para os antigos tipos fechados concluise logicamente A todo tempo afastase a idéia defensora da possibilidade de separação da compreensão do tipo penal e da realidade políticocriminal A construção funcionalista soube perceber através da constatação real de normatização crescente que o modelo clássico malograva ao tentar cindir a relação imbricada entre a dogmática penal e os sistemas sociais Disso tudo resultou a consagrada reviravolta dada por ROXIN ao método assumido por VON LISZT Enquanto para o segundo a teoria do delito funcionava como o limite intransponível para os anseios da políticacriminal para o primeiro este limite se transmuta para o interior da dogmática jurídica assumindo o papel de baliza interpretativa dos limites de proteção da norma risco proibido e do tipo alcance das condutas42 A tendência moderna do direito penal assume como ferramenta de controle de comportamentos desviados a normatividade do tipo ou seja os tipos penais abertos inseridos num sistema também aberto A dinâmica de estudos criminais aponta a crescente importância de compreensão de um sistema regulador do poder por meio dos pensamentosproblema vinculados a grupos de casos As possibilidades de concreção da lei com finalidade exclusivamente jurídica tornam o direito penal contemporâneo gradativamente mais longínquo das constatações alcançadas pelo pensamento clássico de viés causalista Frisese pois que a leitura da evolução do tipo penal é o exato traçado da objetividade fechada rumo à normatização aberta WELZEL já assinalava esta demarcação Em sua época o aumento dos crimes culposos apontava para novas fórmulas capazes de propiciar ao juiz e ao cidadão quais as condutas que se tornavam proibidas pela lei penal As alterações das relações sociais difundiam a necessidade de controle de comportamentos que poderiam por sua violação dos deveres de cuidado criar externalidades não desejadas pela ordem vigente A eleição dos fins passava a dividir importância com as eleições dos meios uma vez que o agente para alcançar determinada meta não poderia se preocupar apenas com a legalidade desta mas também deveria representar acerca dos prováveis efeitos colaterais que seu ato eventualmente promoveria43 A diferença do pensamento de WELZEL colocase contudo no plano filosófico e 42 MIR PUIG Santiago op cit p 264 43 WELZEL Hans O novo sistema jurídico penal uma introdução à teoria da ação finalista Trad Luiz Régis Prado São Paulo Ed Revista dos Tribunais 2001 p 50 cia disposto a demarcar a alienação decorrente do momento em que o indivíduo não mais se relaciona com o mundo e suas próprias obras não se identificando como verdadeiro sujeito da história mas simplesmente como receptor passivo de categorias elementares prontas e predispostas As relações entre os homens mediadas pelas forças produtivas culminam na abstração das realizações e papéis desgarrando os seres de seus trabalhos e conseqüentemente dando a impressão de que as coisas da vida dentre elas as formas jurídicas e suas expressões dogmáticas são independentes existem per si reificando desse modo a própria consciência20 O pensamento da sociologia positivista de DURKHEIM no tocante à sua afirmação de que os fatos sociais são modos de agir e pensar que se impõem às mentes dos indivíduos e possuem objetividade e ascendência sobre os mesmos existindo fora das consciências individuais e apontando para um verdadeiro estado da alma coletiva21 cria um complicador na assunção da premissa de separação entre pensamento e ação Tal resultado é derivado de um modo de pensar a ciência que a compreende apenas na cisão completa entre observador e objeto A forma como DURKHEIM trabalha o fato social reproduzindo o menos como um produto da vontade e ação mas como algo dada pela existência coletiva acaba por conduzir ao resultado de que o tipo penal não é o que deve ser na idéia do jurista mas sim como se apresenta em suas características na positvação das leis impassível de críticas Em última instância a adoção desta perspectiva sociológica imprime ao jurista um papel de criador doutrinário pautado somente na metalinguagem da letra abstrata da lei com sua aplicação restrita ao prévio almanaque de metodológico Enquanto aqui se postula o difícil afastamento dos tipos abertos por questões relacionadas à infraestrutura produtiva capaz de estabelecer mais complexas relações de produção o ontologismo de WELZEL propugnava a tipicidade aberta em determinados casos com fundamento nas estruturas lógicoobjetivas ontologismo finalista Importante salientar que mesmo possuindo os tipos abertos relação de importância clararnente estabelecida com as formas sociais a utilização desta modalidade deve respeitar certos limites Ao deparar com o tipo penal o intérprete deve ao menos ser capaz de inferir um conjunto de situações factuais que visam ser evitadas pelo legislador O que tantas vezes sequer é respeitado Uma descrição penal que torna infindáveis as possibilidades sem qualquer limitação ao poder de punir não se trata de um tipo aberto mas de verdadeiro nãotipo 213 Norma Penal Em Branco A norma penal em branco não pode ser relacionada direta e imediatamente com o modelo de tipos penais fechados ou abertos podendo ser encontrada na visão tradicional tanto numa quanto noutra categoria As normas penais em branco se identificam com a incapacidade sistemática do tipo penal em abarcar todos os requisitos ou condições viáveis para a sua concretização e eficácia Comumente espelham conceitos técnicos destinados à complementação das proibições genéricas positivadas pelo legislador por meio de algumas expressões tipos penais incompletos O conteúdo que condiciona a classificação de um tipo penal como lei penal em branco deriva das normas em sentido amplo Assim o preceito indeterminado é complementado por outras regras jurídicas outras leis regulamentos portarias etc45 O exemplo mais comentado desta modalidade relacionase com as condutas vinculadas aos entorpecentes ou precisamente em nossa legislação Lei n 636876 substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica Neste caso o que venha a ser substância entorpecente não é definido pela lei penal mas por outro instrumento normativo como as portarias da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde Nestes casos portanto não se trata de estabelecer a distinção entre tipos penais abertos ou fechados uma vez que a essência da norma penal em branco não reside em sua objetividade elementos descritivos objetivos ou normatização elementos normativos Simplesmente o tipo penal incompleto pela sua relevância técnica precisa de outra norma para a consolidação dos seus limites e objetos de proteção As normas penais em branco também são muito utilizadas e proliferam na expansão atual do direito penal o que resulta em certas críticas a esta modalidade Todavia os contrastes da atual sociedade com os modelos sociais antigos possibilitam algumas verificações explicativas da sua constante utilização Os limites entre direito penal e direito administrativo tornamse cada vez mais tênues o que resulta na aplicação de normas em branco com remissões a regulamentos autorizações concessões e demais particularidades deste setor do direito público O simbolismo penal ademais assume o compromisso de orientar o sistema rumo às conseqüências e prevenção Por fim e principalmente os novos momentos de proteção penal não são facilmente diagnosticáveis ou então vislumbram tamanhas possibilidades complexidade que seriam inalcançáveis pela simples tipificação Em resumo as normas penais em branco atendem à dinâmica mutante da sociedade fruto da tecnologia e dos conhecimentos além de permitirem ao tipo englobar um maior número de condutas com rigor e precisão sistemática Não se despreza que as normas penais em branco devem apontar problemas quanto à utilização indeterminada de regras jurídicas de diferentes 45 Definição clássica de norma penal em branco é Nela o preceito quanto ao conteúdo é indeterminado sendo preciso somente quanto à sanção É aquele pois preenchido por outra disposição legal por decretos regulamentos e portarias Na conhecida frase de Binding a lei penal em branco é o corpo errante em busca de alma NORONHA Edgar Magalhães Direito penal 33 ed São Paulo Saraiva 1998 v 1 p 48 Na análise clássica do tipo penal e seus elementos vide também MÉDICI Sérgio de Oliveira Teoria dos tipos penais parte especial do direito penal São Paulo Ed Revista dos Tribunais 2004 p 105120 46 HASSEMER Winfried Derecho penal simbólico e protección de bienes jurídicos In BUSTOS RAMÍREZ Juan Pena y Estado Ed Jurídica ConoSur 1995 p 3134 CHAUÍ Marilena op cit p 42 também imprime ao conceito de alienação sua formulação outorgada pelo materialismo histórico admitindo o processo alienante quando a interiorização não ocorre isto é quando o sujeito não se reconhece como produtor das obras e sujeito da história mas torna as obras e a história como forças estranhas exteriores alheias a ele e que o dominam e o perseguem temos o que Hegel designa como alienação é a impossibilidade de o sujeito histórico identificarse com sua obra tornandoa como um poder separado dele ameaçador e estranho outro que não ele mesmo DURKHEIM Émile As regras do método sociológico 2 ed Trad Paulo Neves São Paulo Martins Fontes 1999 p 114 Eis aí portanto maneiras de agir de pensar e de sentir que apresentam essa notável propriedade de existirem fora das consciências individuais Esses tipos de conduta ou de pensamento não apenas são exteriores ao indivíduo como também são dotados de uma força imperativa e coercitiva em virtude da qual se impõe a ele quer ele queira quer não Mas dirão um fenômeno só pode ser coletivo se for comum a todos os membros da sociedade ou pelo menos a maior parte deles portanto se for geral Certamente mas se ele é geral é porque é coletivo o que é bem diferente de ser coletivo por ser geral Esse fenômeno é um estado do grupo que se repete nos indivíduos porque se impõe a eles Ele está em cada parte porque está no todo o que é diferente de estar no todo por estar em cada parte naturezas o que até certo ponto resultaria em forte contrariedade ao princípio da taxatividade penal De fato as normas penais em branco além do conteúdo prescritivo imanente possuem um outro aspecto interessante qual seja um conteúdo tácito de delegação jurídicolegal Isso resulta do fato da complementação da norma não ser necessariamente relacionada com diplomas de natureza penal mas por exemplo administrativas Questionase assim se uma norma administrativa não estaria assumindo a competência da penal no conteúdo criminalizado e assim suscitase a questão da constitucionalidade destas disposições O fato todavia que aqui é pertinente resumese ao comprovado aumento da utilização deste expediente no direito penal atual e assim resta a tentativa de explicação das razões que fazem as normas penais em branco serem sedutoras na sociedade de risco 22 REFERÊNCIAS CRÍTICAS O modo de produção atual e dominante trouxe ao homem uma visão inovadora de desenvolvimento visto ser imprescindível ao próprio sistema a criação constante de necessidades O modelo tem sua realização no porvir evitando a monotonia produtiva e consagrando o enriquecimento e posterior consumo como símbolos absolutos de successo felicidade realização e reprodução As matérias de proibição penal eleitas pelo legislador e em seguida tipificadas não possuem como característica o questionamento do sistema mas pelo contrário a garantia de sua estabilidade Os direitos fundamentais na modalidade formal do Estado brasileiro a centralização do direito penal na propriedade privada a proporção das penas em face dos delitos os delitos financeiros tributários ambientais todos não possuem o interesse de alterar o sistema reverterlo contraditálo Pretendem mantêlo com a devida adequação às novas realidades no tocante a propiciar as expectativas comportamentais A realidade feudal por exemplo jamais poderia conhecer a idéia de desenvolvimento nos moldes atuais de modo que séculos se passavam e muito pouco se alterava nas relações entre os homens e seus padrões de existência exigindo pois regulamentações jurídicas muito mais simples O próprio Código Penal brasileiro de 1830 ou seja já no bojo do incipiente modo de produção hoje consagrado sequer vislumbrava a mínima precisão aos tipos penais de modalidade culposa posta a desnecessidade de tal imputação em decorrência das relações sociais que se realizavam47 Vivemos hoje assim a velocidade alucinada das transformações exigindo novas positivaçãoes tantas vezes em desacordo com o modelo legalracional positivista capaz de ser oferecido pelo aparato do Estado Os tipos penais fechados até então apontavam plena capacitação para a leitura jurídica da sociedade Onde não há o tráfego de veículos o avanço enorme da tecnologia o belicismo a destruição do meio ambiente fazemse desnecessárias postulações de proibições culposas ou de perigo ou seja os tipos penais abertos não possuem sequer razão ou alcance de existência 48 As coisas atualmente alteramse a todo tempo em todo o espaço construindo uma sociedade em demasia complexa onde toda a gama de desenvolvimento científico e tecnológico se representa nas relações humanas e nas dificuldades de diagnósticos acerca das mesmas A potencialidade dos homens alcançou níveis elevadíssimos possibilitando em última instância a autodestruição ULRICH BECK através do método analíticodescritivo descreveu as sujeições nas quais os seres humanos foram colocados em face de suas próprias evoluções O poder desta era é o poder do perigo que suprime todas as zonas protegidas e todas as eventuais diferenciações sociais que possam ser construídas na sociedade do modelo em essência desigual49 Diante deste quadro construído na sociedade mundial de risco o direito penal assim como os demais ramos jurídicos e suas respectivas ciências não podem eximirse de alterar sua formatação mesmo que tal modificação im 47 Neste mesmo caminho é a obra de PIERANGELI Não defini a culpa mencionando apenas o dolo art 2º e 3º conquanto no art 6º a ela se referisse capitulando logo mais adiante crimes 48 49 culposos art 125 e 153 olvidou os homicídios e as lesões corporais culposas Essa omissão só veio a ser suprida através da Lei 2033 de 1871 Contudo é de ressaltar que o silêncio do Código na época em que veio a lume pouco ou nada significava pois a importância dos crimes culposos só surgiu com a advento das máquinas com os meios de transporte e com a evolução da indústria PIERANGELI José Henrique Códigos Penais do Brasil evolução histórica 2 ed São Paulo Ed Revista dos Tribunais 2001 p 71 O Art 3º dizia que Não haverá criminoso ou delinquente sem má fé isto é sem conhecimento do mal e intenção de o praticar O Art 125 capitula o crime daquele que deixa os presos sob a sua custódia fugirem enquanto o Art 153 aponta para Falta de exação no cumprimento dos deveres A passagem da construção sociológica de GIDDENS demonstra as alterações da sociedade moderna À primeira vista os perigos ecológicos que enfrentamos atualmente podem parecer semelhantes às vicissitudes da natureza encontradas na era prémoderna O contraste contudo é muito nítido A ameaças ecológicas são o resultado de conhecimento socialmente organizado mediado pelo impacto do industrialismo sobre o meio ambiente material São parte do que chamou de um novo perfil de risco introduzido pelo advento da modernidade Chamo de perfil de risco um elenco específico de ameaças ou perigos característicos da vida social moderna GIDDENS Anthony As conseqüências da modernidade Trad de Raul Fiker São Paulo Ed UNESP 1991 p 111112 BECK Ulrich La sociedad del riesgo hacia uma nueva modernidad cit Afirma BECK nas diferentes passagens identificadas que el hecho de que el sistema mundial se encuentre merced de la naturaleza integrada y contaminada industrialmente Contra las ameaças de la naturaleza exterior hemos aprendido a construir cabanas e acumular conocimiento Por el contrario estamos entregados casi sin protección a las ameaças industriales de la segunda naturaleza incluida nel sistema industrial Lo que causa la catastrofe no es un erro sino los sistemas que transforman la humanidad del error en fuerzas destructivas incomprensibles Por outro lado é inquestionável o papel que a economia assumiu no mundo moderno sociedade de risco sociedade reflexiva segunda modernidade BECK através do conceito de globalismo traz a relação da dinâmica econômica com os demais setores sociais o mercado mundial bane ou substitui ele mesmo a ação política tratase portanto da ideologia do império do mercado mundial da ideologia do neoliberalismo O procedimento é monocausal restrito ao aspecto econômico e reduz a pluridimensionalidade da globalização a uma única dimensão a plique em dificultosa busca do conhecimento das atuais e elementares relações entre homem sociedade e natureza Evidentemente tais alterações são realizadas no mundo jurídico de modo pontual esparsas de sorte com que tãosomente após certo tempo a teoria será capaz de inventariar e racionalizar sua integralidade Não é à toa a ampliação percebida no direito penal para ramos jamais pensados como aptos à tutela demandando a reformulação do conceito de bem jurídico visto até então na construção a priori como limitador da ofensividade lesividade e dignidade de tutela criminal50 Um dos reflexos desta modernidade no direito penal foi o desenvolvimento de uma nova metodologia de estudos para a matéria Incontestes as vantagens trazidas pelo finalismo de WELZEL ao sistema penal e à própria configuração do tipo Todavia o ontologismo propugnado pelos seus seguidores com o desenvolvimento de estruturas lógicoobjetivas além de deduzir formas absolutas do mundo incompatíveis com uma visão histórica e material não conseguiu ser capaz de lidar com as inquietações propaladas pela sociedade de risco As estruturas lógicoobjetivas as quais segundo a postura finalista deveriam ser seguidas pelo legislador na elaboração da tipicidade comportam apenas uma apreensão estática da realidade51 A edificação ontológica pressupõe conceitos verdadeiros do mundo os quais são imutáveis na realidade aproximandose embora em caminho oposto aos mesmos efeitos das categorias a priori trazidas pelos neokantianos Da mesma forma embora com a vitória das idéias finalistas no bojo do dogmatismo jurídico percebese gradativamente a superação dos resquícios ainda vigentes das buscas de precisões conceituais sem qualquer conseqüên 50 SILVEIRA Renato de Mello Jorge Direito penal supra individual interesses difusos São Paulo Ed Revista dos Tribunais 2003 p 1718 Como o avanço dos meios tecnológicos novos riscos sociais foram postos modificando por completo o dia a dia dos homens Essa nova fase da vida em sociedade dos tempos chamados pósmodernos tem sido profundamente questionado por filósofos sociólogos e juristas Atualmente ainda que se fale em Direito Penal mínimo Direito Penal de última ratio em uma real limitação de abrangência criminal verificase uma amplitude de figuras repressivas relativas e esses novos riscos Verdadeiro motivo de inquietação a chamada expansão do Direito Penal tem sido vista de forma diversa e distinta por várias escolas penais Constatada a ruptura no paradigma de proteção dos bens individuais e sociais os novos riscos impostos ao homem revestemse de características multifárias tendo diversas repercussões em diversas áreas do Direito Com estudos aprofundados a partir dos anos 70 os direitos difusos ou supraindividuais começaram a se mostrar como um dos elementos mais importantes para a ciência Ao Direito Penal outro destino não é o reservado do que também essa preocupação 51 CAMARGO Antonio Luis Chaves Tipo penal e linguagem Rio de Janeiro Forense 1982 p 26 O finalismo na concepção de Welzel é um conceito ontológico como é a causalidade e também uma lei objetiva da estrutura do ser e do atuar humano O tempo contemporâneo do pensamento penal é momento de reflexão social e transformações dogmáticas cuja análise permite até mesmo vislumbrar a encoberta função que o direito penal exerce na manutenção da desigualdade social A sociedade do conhecimento envolve em qualquer aproximação preceitos interdisciplinares fazendo a abertura expressa no pensamento de HABERMAS acerca da incessante busca do melhor argumento Interpretar é convencerse de uma dentre várias hipóteses e exatamente esta escolha condicionada inafastável num sistema aberto é o que permite apontar a decisão penal como algo político baseado na força diferenciandose da concepção que lhe outorga valor de verdade As ciências não jurídicas com destaque para a filosofia e a sociologia não podem mais ser vistas como corpos estranhos ao sistema penal mas ao contrário devem integrar o seu próprio pensamento culminando em síntese na finalidade última que se busca com a tutela penal Optase livremente no intérim do direito penal e seu sistema funcionalista outorgandolhe o sentido de efetivação da políticacriminal ROXIN ou na sua capacidade de reafirmação dos valores vigentes CHAVES CAMARGO ou ainda na extremada busca da fidelidade ao Direito JAKOBS Todavia tal decisão não pode eximirse inocente ou deliberadamente de seu caráter de exercício do poder Ocorre portanto a alteração completa dos institutos penais e suas relações com o mundo material visando à funcionalidade teleológica na realização dos preceitos do Estado Democrático de Direito forma história de organização erigida sob o respeito formal positivado à dignidade da pessoa humana e o pluralismo ideológico Constituição Federal artigo 1º incisos III e V Surge assim forma de adaptação das construções típicas e de realização da tipicidade adequada aos novos acontecimentos adstritos à esquematização social do capitalismo qual seja a sociedade de risco cerne propulsor de conceitos ainda em gestação no país como a responsabilidade penal da pessoa jurídica e a imputação objetiva54 Dentro destes diversos aspectos de modificação o tipo penal tem crucial importância seja em razão de modificarse em si mesmo importando na criminalização de novas condutas seja pelas alterações reflexas de que é alvo pelas novas construções do sistema penal autônomo em certo sentido O tipo percorre o inusitado caminho jurídico de alcançar o concreto saindo do concreto e navegando pelo abstrato incidindo sobre ele neste trajeto todos os aspectos da dogmática jurídicopenal A conduta concreta realizada e a posterior subsunção de demarcação da etiqueta jurídicocriminal jamais pode ser feita ao menos no âmbito de legalidade constitucional princípio nulla poena sine lege sem a utilização do modelo ideal típico e portanto desta categoria aglomerante de diversos elementos capazes de demonstrar a criminalidade ou a eventual descriminalização Dentro do caminho destinado ao apontamento de um fato como criminoso o tipo penal é o filtro que relata os aspectos constitutivos da conduta proibida e exige destarte tal adequação Ao tipo penal incumbe a tarefa de janela do direito penal para o mundo sofrendo suas influências sistêmicas internas ou seja sua configuração no corpo da teoria do delito bem como influências externas tanto da atualização constante de seu conteúdo pelo órgão jurisdicional aplicador quanto pela iniciativa política traduzida em seu verdadeiro combustível Por meio da leitura dos tipos apreendese o que determina da sociedade entende como insuportável e ao mesmo tempo o tipo é capaz de ensinar sobre esta mesma sociedade que controla Todas estas influências que consistem em irritações sociais no direito penal como um todo demarcam a vida humana seus valores suas expectativas seus prognósticos para um mundo construído no embate da sobrevivência ao longo da acumulação desigual dos tempos O que se postula nada mais é senão o entendimento da inserção do tipo penal em seu universo de atuação sua adaptabilidade o que torna obrigatória a análise do fenômeno da tipicidade teoricamente possibilitada pela teoria do delito e pelos princípios do direito penal Tudo isso contudo apenas ganha relevância na verificação do fenômeno social que cria o cenário para tais institutos existirem e de algum modo possuírem determinado significa 54 CAMARGO Antonio Luis Chaves Imputação objetiva e direito penal brasileiro cit p 63 O autor ao expor o pensamento de HONIG responsável por trazer as idéias de Imputação Objetiva desenvolvida por LARENZ para o Direito Civil assim descreve as incipientes concepções que já apontavam a insuficiência da relação causal naturalística posteriormente como é sabido de tal forma abstraída na sociedade do risco e conseqüentemente superada Em 1930 no livro em homenagem a FRANK pelo seu septuagésimo aniversário Richard Honig no sentido de uma revisão na teoria de LARENZ trouxe para o Direito Penal a Imputação Objetiva com base na persecução objetiva da finalidade objektive Zweckhaftigkeit excluindo os cursos causais determinados pela causalidade e estabelecendo um juízo de imputação autônomo no qual o resultado é o reflexo de um fim Zweckhaft Houve uma alteração na perspectiva de analisar a relação causal pois não se pode com base exclusiva no curso causal estabelecer a responsabilidade de uma pessoa mas é necessário que sejam eleitos os critérios para a imputação a uma pessoa de determinado resultado do e instrumentalização como ferramentas institucionais do mundo desencantado portador da racionalização própria da cultura do Ocidente O método assim estabelecese partindo do paradigma construído pela teoria sociológica de BECK acerca da sociedade mundial do risco Porém a análise do direito penal não pode circunscreverse às simples decorrências naturais de um sistema social como se este e aquela já estivessem predispostos e latentes a existirem na criação coletiva do homem Ocorre pois a aceitação de um segundo critério qual seja a humanização dos processos sociais em sua inteireza o que possibilita ao menos com indicações do materialismo dialético inserir o direito penal em seu contexto de relações restando por verificálo como mecanismo destinado a certos alcances O tipo penal conforme expressado indica opção de poder a qual ao mesmo tempo em que impõe permite a explicação das causas determinantes deste mesmo comando Aceitar a inteireza e o porvir do direito penal nas relações humanas redunda necessariamente em incluir o homem em sua realidade de sorte que estudar a estruturação típica na sociedade do risco termina por recair no estudo e autocrítica da própria sociedade A ciência ao menos permite exatamente este trabalho no instante em que acaba por servir à reflexão desmascarando verdades tidas como absolutas puramente construídas e protagonizadas no campo ideológico Afinal que a ciência serve ao interesse já os filósofos apontaram entretanto também apontada já foi sua capacidade de busca do consenso social erigido num agir democrático capaz de alcançar escolhas destinadas aos fins almejados do corpo social e do relevante papel do direito penal instrumentalidade O direito penal e a sociedade modificamse dialeticamente sendo o corpo social composto por membros individualizados o protagonista desta manifestação Isto dificulta inclusive o conhecimento deste mesmo relacionamento no foco onde se acaba diretamente agindo TERCIO FERRAZ JUNIOR exprime com clareza as ponderações de WITTGENSTEIN em seu Tractatus Lógicophilosophicus 1921 onde afirma acerca de saber algo sobre o mundo em sua totalidade só se poderia saber algo se saíssemos fora dele Mas se isso fosse possível este mundo já não seria todo o mundo O mundo assim é finito e ao mesmo tempo ilimitado Ilimitado porque precisamente nada existe fora que junto ao de dentro possa constituir uma fronteira Mas assim conclui ele o mundo e a vida são uma coisa só isto é o sujeito não pertence ao mundo é o limite do mundo55 55 FERRAZ JUNIOR Tercio Sampaio Estudos de filosofia do direito reflexões sobre o poder a liberdade a justiça e o direito São Paulo Atlas 2002 p 243244 3 A EVOLUÇÃO METODOLÓGICA DO TIPO PENAL O direito penal se expressa em sua comunicação mais imediata e direta com os membros do corpo social através da figura típica ou em expressão mais técnica do tipo penal incriminador Realizando a leitura ou tendo o conhecimento dos delitos aqui identificados como simples figuras taxativas os cidadãos leigos ou acadêmicos adquirem as informações suficientes para se cientificarem quais as condutas proibidas ou permitidas no Código Penal e nas leis penais extravagantes modulando seus comportamentos senão de acordo tendo em vista a existência genérica das normas princípio da legalidade56 Podese dizer assim que dentre as diversas funções o tipo penal possui relevante aspecto de motivação57 sobre as condutas humanas Essa escolha de atos humanos defesos em lei portanto selecionados dentre as infindáveis formas e mecanismos da atuação em sociedade trazem a verdadeira essência da construção principiológica penal da fragmentariedade A clareza com que é feita a escolha de determinados comportamentos criminosos dentre outros que assim não vão se qualificar configura a própria índole seletiva inerente ao sistema penal de ultima ratio Desse fenômeno algumas considerações podem ser trazidas desde logo constituindose em premissas para o desenvolvimento científico no tocante à consubstanciação do processo de conhecimento com o fim nitidamente crítico construtivismo O entendimento do caráter seletivo do sistema penal demonstrado através do tipo aponta para a relativização de conteúdos proibitivos Mais que significarem impedimentos aos comportamentos humanos imemoriais verdadeiros ou lógicoobjetivos os tipos 56 WELZEL identificava claramente a correlação natural entre a tipicidade penal e o princípio da legalidade constitucionalmente exigido para este ramo repressivo do direito El principio constitucional de que la punibilidad de um hecho tiene que estar determinado por la ley antes de su comision se asienta sobre la idea de que la ley misma tiene que describir de un modo exhaustivo la materia de la prohibición el tipo mediante la indicación de las diversas caracteristicas de la conducta delictiva WELZEL Hans Derecho penal alemán Trad Juan Bustos Ramírez y Sérgio Yañez Pérez 3 ed Santiago Ed Jurídica de Chile 1987 p 75 57 A função de motivação do tipo penal é apresentada por exemplo por CUESTA AGUADO Para conseguir que la sociedad a la que va dirigida la pauta de conducta reciba claramente el significado y el contenido de ésta y pueda adecuar su comportamiento a lo exigido por el ordenamiento jurídico Función de motivánción el tipo ha de describir de forma clara precisa e comprensible la conducta exigida o prohibida CUESTA AGUADO Paz Mercedes de la Tipicidad e imputación objetiva Mendoza Ediciones Jurídicas Cuyo 1998 p 6970 penais espelham as opções políticas de controle de uma determinada sociedade em determinado tempo e principalmente de determinada forma Nesse diapasão a primeira constatação que se faz é a escolha política da tipificação A análise do método e do conteúdo do direito penal encarados por meio de sua principal entrada tipo penal incriminador ofertam o potencial cognitivo dos valores dos homens quando de sua utilização instrumental ou os aspectos axiológicos que nortearam a criação penal Todo este caldo de cultura ao mesmo tempo em que fomenta a criação de delitos limita suas formas de expressão fazendo respeitar certos corolários também valorativos de um Estado mais ou menos apegado ao modelo ideal de humanidade e suas implicações58 O tipo penal bem como sua individualidade prescritiva e construção dogmática representa quase que todos os valores humanos imbricados no direito penal O fato de ser mais fácil perceber o desvalor ofertado àquela conduta delimitada não impede ser também possível estabelecer a forma pela qual o Estado comunicase com o cidadão Ao mesmo tempo em que os valores insistem na criminalização também impõem que esta ocorra de modo peculiar respeitando os aspectos que naquela comunidade devem ser primordiais Por mais que não seja tolerada a prática homicida isso não implica necessariamente em dizer que aquele que infringe a conduta deva ser condenado à pena de morte Estas assertivas apresentamse com bastante clareza no mundo moderno em sua realidade vivente sendo apenas posteriormente sistematizadas e compreendidas pelo olhar científico Quando se debate no parlamento quais as condutas que devem ou não devem ser criminalizadas as escolhas opções e divergências restam por permanecer muito mais no campo das idéias sentimentos e valores do que em constatações dogmáticas jurídicopenais A lei alcança ao máximo a abstração e este é o locus do tipo penal in concreto A construção da ciência vem apenas posteriormente trabalhando a dogmática penal e a teoria do delito na qual o tipo é elemento essencial como coleta e elaboração de dados científicos sediados em nível médio de abstração entre a lei e o caso concreto regras de decisão59 Nesse sentido os próprios valores funcionam como mecanismos de forma e conteúdo dos tipos penais especiais Estes mesmos valores logo depois introjetamse na elaboração conceitual dos juristas e suas criações O direito penal entendido na organização de suas postulações positivadas encontra mediante a análise de sua exposição dos conteúdos proibidos o que tãosomente pode ser feito por meio do tipo penal em tempos de legalidade as hipóteses e perspectivas de soluções de conflitos que fomentam sua própria criação A necessidade de punir balizada na crença de que a pena é capaz de conter os respectivos livresarbítrios dos seres racionais e pensantes exprimindo um raciocínio conservador retributivo antagonizase com a visão do Direito do Estado Democrático e se assim quiser de cunho liberal e garantista Valores portanto diametralmente opostos são constantemente engendrados e atualizados no ato legiferante de clara opção política e no ato jurisdicional talvez de não tão clara opção política À ciência do direito penal permanece a função de sistematizar estes dados e oferecer a orientação ao primeiro e racionalidade decisória ao segundo Assim expressase a proibição de liberdades provisórias na vigência concomitante do princípio da presunção de inocência Da mesma forma imprimese a significativa majoração da pena de furto em comparação ao dano ainda que se respeite em tese as noções de proporcionalidade60 Sequer seria necessário mencionar as discussões acerca da pena de morte prisão perpétua ou da menoridade penal diante da diáfana inconstitucionalidade destas disposições Valores e visões de mundo se digladiam a todo instante na luta pela hegemonia de suas aplicabilidades 58 MATTOS Patrícia Castro As visões de Weber e Habermas sobre direito e política Porto Alegre Sérgio Antonio Fabris Editor 2002 p 43 Dissertativa sobre a ciência e sua finalidade na perspectiva de WEBER é a passagem transcrita que embora possa parecer um afastamento completo de determinada opção ideológica intrínseca no realizar científico serve para trazer a meta da ciência em refletir o mundo circundante O valor da ciência está relacionado com o papel de interpretação que a sociedade faz de si mesma Schluchter ressalta que Weber percebe que a ciência oferece algo para a condução consciente da vida Primeiramente ela nos oferece um conhecimento empírico que podemos usar tecnicamente para dominar tanto o mundo natural quanto o mundo dos valores que nos ajuda a esclarecer a nós mesmos o nosso lugar no mundo Ela pode nos mostrar tudo o que está em jogo numa escolha valorativa É interessante observar a tese de Schluchter de que a ciência desempenha um papel de interpretação da sociedade quando o autor faz a comparação entre ciência e religião A ciência ao contrário do agir religioso vive de acordo com o universo que pretende dominar Ao comportamento religioso falta um distanciamento do mundo a ausência desta mediação tornao incompatível com o pluralismo de valores e a fé na ciência A ciência deve inscreverse como um instrumento de crítica em relação ao mundo moderno 59 HASSEMER Winfried Introdução aos fundamentos do direito penal Trad Pablo Rodrigo Auflen da Silva Porto Alegre Sérgio Antonio Fabris Editor 2005 p 271 60 O atual Código Penal brasileiro atribui ao furto simples art 155 as penas de reclusão de 1 um a 4 quatro anos e multa Já ao delito de dano simples art 163 a punição consiste em detenção de 1 um a 6 seis meses ou multa 31 O PENSAMENTO DE ERNST BELING E O TIPO DESCRITIVO O tipo penal como categoria sistemática da teoria do delito foi trazido pela primeira vez por ERNST BELING em 190664 conseguindo superar a visão processual que se tinha do chamado Tatbestand e em decorrência criando o primeiro grande modelo do delito conhecido como Modelo LisztBeling65 em alusão a FRANZ VON LISZT Antes da formulação o delito viase compreendido pela noção de se tratar de um fato contrário ao direito e ao mesmo tempo culpável sendo de difícil apreensão prática e instrumental a realização concreta da noção de taxatividade da lei penal Dessa forma a antijuridicidade salientava um aspecto objetivonormativo enquanto a culpabilidade psicológica ou normativa possibilitava um juízo de atribuição do comportamento a determinada pessoa absorvendo as modalidades dolosas e culposas A rigor a noção que se estabelecia do tipo penal até então em muito pouco se aproximava à construção categorial do conceito O tipo de delito Tatbestand des Verbrechens dividiase em geral allgemeinen Tatbestende e especial besondere Tatbestand sendo o primeiro praticamente entendido como sinônimo de crime na totalidade de seus elementos enquanto o segundo restava por compreender tãosomente as concretas classes de delitos estabelecidas pelo legislador Nesse aspecto percebese de maneira muito simples que o conceito era absolutamente prescindível para a verificação dos elementos consistentes na teoria do delito posto que ora os admitia na integralidade tipo de delito geral ora empreendia sentido meramente classificatório tipo de delito especial Busca BELING destarte e em palavras precisas a criação de uma teoria geral dos tipos de delito especiais BELING acentua de forma preponderante a necessidade de se alçar o tipo à condição de elemento constitutivo essencial do delito e assim sendo detentor de autonomia em face dos juízos posteriores de antijuridicidade e culpabilidade O tipo penal pela primeira vez passa a existir em si mesmo diferenciandose das demais estruturas até então reunidas sob a conceituação de figura delitiva Para cada figura delitiva passa a corresponder um delitotipo ou seja um paradigma objetivo do comportamento66 A constatação de BELING significou uma crucial possibilidade de operacionalização do direito penal constituindo um catálogo de comportamentos filosoficamente acordado com a garantia do cidadão em face do arbítrio do Estado67 darseá nesse instante a mais cristalina visão do positivismo como adequado ao momento social68 Destacase que contemporaneamente VON LISZT consagrava a alusão ao direito penal e sua codificação como a Magna Carta do delinquente Com a idéia do tipo penal enquanto elemento autônomo introjetamse na teoria do delito os valores de legalidade proporcionalidade e fragmentariedade É inquestionável que embora já estivessem na época presentes algumas noções do neokantismo que orientariam notoriamente as construções de MAYER e MEZGER fiéis representantes desta linha do pensar BELING foi de modo evidente influenciado pelo positivismo jurídico de BINDING admitindo plenamente o corolário maior da teoria positivista vislumbrado na cisão total entre direito e moral e conseqüentemente a completa desvinculação dos valores do segundo em face do anterior Nesse aspecto a teoria do tipo vem como exemplo maior do apego à lei e à construção científica de limitação do poder no Estado de Direito salientando o caráter liberal burguês do pensamento da época reinante na sociedade69 A construção do tipo penal em sua modalidade incipiente acabou por criar uma estrutura exclusivamente objetiva desprovida de qualquer aspecto normativo ou valorativo e subjetivo ou anímico Esta característica simplesmente descritiva aliás foi o verdadeiro diferencial desta etapa de pensamento abrindo inclusive o espaço para as brutais críticas sofridas por BELING realizadas pelos demais pensadores que o sucederam70 32 O PENSAMENTO DE MAX ERNST MAYER E O TIPO INDICIÁRIO A superação e revisão do modelo proposto por BELING não significaram simplesmente uma alteração adaptada ou restrita às figuras dos elementos do crime ou da teoria do delito Pelo contrário foi um resultado muito mais abrangente e expressivo pois em verdade a alteração das proposições até então existentes incorporadas nos trabalhos e escritos que sucederam a idéia incipiente frutificou da modificação do homem em lidar com o próprio mundo e com as possibilidades do conhecimento científico nas humanidades A verificação histórica sob este prisma ganha um caráter fundamental de compreensão das alterações que propiciaram a mudança da própria existência da dogmática jurídica permitindo apontar para a premissa metodológica Assim o tipo penal e suas elaborações muito mais que construções absolutizadas no tempo e no espaço incorporam claramente a historicidade do homem e suas motivações filosóficas Em tempos de positivismo sistema hermético lógico e formal no qual o Direito inserese como sinônimo de norma verificada somente em face de um ordenamento posto haja vista a idéia circular de bem jurídico para BELING passam a existir questionamentos traçados com a finalidade de demarcar sentidos para o mundo buscando paradigmas valorativos As críticas se iniciam tendo em vista a própria inutilidade de um pensamento formal que mais busca a dogmática insossa e classificatória do que propriamente a verdade do direito sua axíologia e fundamentação metafísica77 Como reflexo natural das novas posturas adotadas perante o 77 Exatamente neste enfoque caminha a crítica do jurista brasileiro NÉLSON HUNGRIA ao tratar da pandectização do Direito Penal O movimento ou diretriz de pandectização do direito penal teve o seu início entre os modernos germanos afirmouse com Carlos Binding e atingiu seu apogeu com Ernesto Beling Foi um trabalho quase sistemático de deformação do Direito Penal Quase se poderia dizer que aconteceu com o Direito Penal o mesmo que aconteceu com aquela mosca azul de que nos contam os versos de Machado de Assis o poleá que a acbou quis decifrar o mistério de seu esplendor e Dissecouaa tal ponto e com tal arte que ela rota baça nojenta vil sucumbiu HUNGRIA Nélson op cit v 1 t 2 p 447448 O mesmo apontamento também é feito pelo italiano ANTOLISEI E fuori dubbio che il reato non deve essere estudiato sólo sinteticamente come abbiamo fatto finora e cioè nella sua unità e nelle note comuni che lo caratterizzano occorre anche procedere allanalisi di esso vale a dire allindividuazione e all esame degli elemento che lo compongono La dottrina in questi ultimi tempi ha molto approponito lo estudio analítico del reato ma per il suo orimamento metodológico è incorsa in gravi esagerazioni creando astrazioni che non giovane alla chiarezza delle idee e perdendosi in sottigliezze ANTOLISEI Francesco Manuale di diritto penale parte generale 5 ed Milano Giuffré 1963 p 151 direito penal especialmente decorrente das alterações dos fundamentos filosóficos e ideológicos do momento iniciase uma substituição dos mecanismos utilizados para encarar a conduta penal e transportála para a dogmática do delito Na visão de BELING a ação conforme salientado embutiase em construções meramente causais de alteração do mundo exterior o que contemplava plenamente um tipo penal desprovido de valor objetivo e descritivo de tais alterações naturais Impunhase como conseqüência a assunção de noções legalistas e ordenadas Com MAYER a ação embora ainda pautada no mecanismo da causalidade não pode mais ser vislumbrada e compreendida tãosomente em sua ocorrência de fácil percepção mas as atenções se voltam para a conduta e sua consonância com valorações construindo um enfoque normativista Está aberto pois o espaço para a enraizada incorporação do neokantismo ao direito penal A inspiração neokantiana deriva de toda uma linha de raciocínio implementada pela chamada Escola Sudocidental Alemã ou Escola de Baden a qual ao reconstruir o pensamento de KANT passa a entender a possibilidade humana de compreensão científica não apenas dos aspectos das ciências naturais mas também das ciências humanas desde que com a utilização diferenciada e correta de ferramentas de trabalho78 O neokantismo dirigiuse como toda grande linha de pensamento para diversos caminhos opostos mas algumas de suas premissas comuns entre seus formuladores foram incorporadas significativamente no âmbito do Direito esculpindo ao seu modo tanto o pensamento de MAYER quanto de MEZGER Em primeiro lugar os pensamentos de STAMMLER7 e RICKERT este último pertencente à chamada Escola de Marburgo introduziram a 78 CARDENAL MOTRAVETA Sergi op cit p 303 Los autores neokantianos dieron uma fundamentación distinta a las ciencias culturales Conservaron la distinción kantiana entre la materia y las formas a priori asi como la tesis de que el conocimiento científico se obtiene de la aplicación de éstas en la materia Pero a diferencia de Kant entendieron que la posibilidad del conocimiento científico no se reduce al ambito de las ciencias naturales y que por lo tanto debía corregirse la distinción que aquel habia establecido entre conocimiento científico y metafísica entre ciencia y filosofía La singularidad del conocimiento que proporcionan las ciencias del espíritu radicaria en la escoficidad de sus categoríais a priori y en la consiguiente diferencia entre el conocimiento acerca del contenido de la realidad que se obtiene a través ellas y el que se obtiene a partir de las formas a priori de las ciencias naturales A pescar de la identidad de la materia cuyo contenido se conoce científicamente la aplicación de formas a priori distintas daria lugar a un contenido diverso de esa materia eventualmente unitaria Solo en este sentido caberia hablar de una diversidad del metodo y del objeto de las ciencias naturales y las ciencias culturales 79 Merece destaque o papel assumido por STAMMLER Mais extensa e importante para o Direito foi contudo a obra de Stammler considerado por muitos como o fundador da moderna Filosofia do nal descrito como genial por JIMENEZ DE ASÚA85 MAYER assevera que a tipicidade remete à possibilidade de cognição da ilicitude sendo portanto indiciária da mesma86 Seu valor assim não se confunde com a antijuridicidade agora vista como normativa e despregada do ordenamento jurídico mas ao mesmo tempo a ela faz remissão uma vez que a comprovação da existência típica marcará indícios de existência de uma conduta também contrária à norma87 O pensamento de MAYER teve fundamental importância para a manutenção da discussão acerca do tipo penal colocandoo como elemento central dos debates acadêmicos reavivando as polêmicas e através do tipo como ratio cognoscendi da antijuridicidade inflamando o surgimento das novas elaborações e contornos científicos 33 O PENSAMENTO DE EDMUND MEZGER E O TIPO ESSÊNCIA O pensamento de Edmund Mezger certamente é o que melhor espelha o ideal de construção neokantiano de sua geração fazendo com que o tipo alcance no bojo da teoria do delito a função de ratio essendi da antijuridicidade A formulação é dotada de notória importância no desenvolvimento dogmático penal pois além de incorporar os postulados filosóficos antagônicos ao positivismo jurídico puro altera a própria estrutura do delito unificando e fundindo os elementos tidos como objetivos e normativos e criando a estratificação bipartida do crime88 De um 85 JIMENEZ DE ASÚA Luis op cit p 238 86 ROXIN Claus Teoria del tipo penal tipos abiertos y elementos del deber jurídico Trad Enrique Bacigalupo Buenos Aires Depalma 1979 Mayer subraya con mayorprecisión que Beling el carácter indiciaiio del tipo penal con relación a la antijuridicidad y su carácter de más importante fundamento para su conocimiento El tipo guarda respecto de la antijuridicidad la misma relación que el humo con el fuego El humo no es fuego ni contiene fuego pero mientras no se pruebe lo contrario indica la existencia de fuego 87 No mesmo sentido Nesta definição foi colocado acento nos critérios da tipicidade e da antijuridicidade assinalandose que a tipicidade deixa de ter um simples caráter descritivo mas lhe é atribuído um valor indiciário De fato uma conduta típica já é indício de sua antijuridicidade CAMARGO Antonio Luis Chaves Tipo penal e linguagem cit p 9 A separação entre tipicidade e antijuridicidade ainda é mantida mas agora temse que a constatação de um fato típico já se constitui de forma indiciária em possibilidade de antijuridicidade Impõese pois o enfoque tricotômico do delito SILVEIRA Renato de Mello Jorge Direito penal supra individual interesses difusos cit p 77 Mayer não se afasta integralmente da noção de tipo de Beling pois considera a tipicidade e a antijuridicidade como elementos distintos porém relacionados pois a antijuridicidade se manifesta indiciariamente na conformidade do fato ao tipo Por meio do tipo em uma relação obrigatória é que se alcança a antijuridicidade REALE JÚNIOR Miguel Teoria do delito cit p 40 88 CARDENAL MOTRAVETA Sergi op cit p 471 lado acentuase a tipicidade como base real de sustentação do ilícito legalidade89 e de outro a subjetividade como juízo de reprovação vinculado ao agente teoria normativa da culpabilidade Todo o pano de fundo da construção de MEZGER o que já havia ocorrido com MAYER é a percepção intuitiva da existência de elementos no tipo penal que impossibilitam a acepção completamente objetiva de sua verificação Todavia diante desta mesma constatação alvo da crítica do neokantismo como um todo ao positivismo de BELING os autores tomaram posições diferenciadas de modo que MAYER foi mais tímido nas alterações trabalhadas em seu modelo não rompendo completamente com seu antecessor90 Conforme descrito ERNST MAYER resolveu por manter a estruturação tríplice do delito entendendo que os elementos normativos que impingiam deficiências à tese da independência constituíam substratos apenas para ressaltar a noção indiciária que o tipo penal fazia aos bens jurídicos consubstanciados como normas de cultura no seio social Os elementos do tipo que não faziam menção a objetividades ou à relação de causalidade pertenciam como se poderia dizer ao mesmo tempo ao tipo e à antijuridicidade conceitos estanques mas com determinadores certas vezes comuns Logo as expressões coisa alheia e mulher honesta em ambos autores eram condições suficientes para destronar o paradigma neutro de BELING mas até então conforme a formulação de MAYER tãosomente instrumentalizavam o tipo penal na sua condição de indiciário da ilicitude 89 A medida que la ciencia del Derecho penal fue tomando concinecia de que la construccion de los conceptos y del propio sistema de la dogmática del derecho penal debían reducir su nivel de abstracción y abordarse mediante referencias valorativas la teoria del tipo adquieríe un interés y un protagonismo en el marco de la teoria del delito superior al que poseis hasta entonces La concepción de Mezger sobre la teoría general del delito y el lugar que en ella ocupa la teoría del tipo representa seguramenta la mejor plasmación de la metodologia neokantiana de la Escuela Sudocidental en la teoría del Derecho penal Si la concepción de M E Mayer se caracterizaba de completer desde una perspectiva material la teoria del tipo prupos Beling el concepto valorativo de tipo de Mezger supone el abandono del punto de partida el que Beling había ediniado la teorí del tipo la distinción entre la ley penal y la norma que infringe la conducta delictiva y determina su carácter antijurídico 90 MEZGER Edmond Direito penal TradFilippo Mandalari Padova Dott Antonio Milani 1935 p 194195 MEZGER não olvida nesta passagem da relação também necessária entre legalidade e tipo penal che per fondare la pretesa penale non è sufficiente ogni qualsiasi azione antijuridica bensì si richiede un torto tutto ecspeciale un torto conforme ad una fattispecie un torto tipicizzato Nesse sentido ROXIN Claus Teoria del tipo penal tipos abertos y elementos del deber jurídico cit p 6162 MEZGER rompe definitivamente com o corolário de BELING e sua estruturação derivada de BINDING colocando a existência de uma ação típica e antijurídica como uma ação tipicamente antijurídica o que resulta em diversas consequências O pensamento se constrói no sentido de que o legislador ao estipular uma determinada conduta como típica não apenas impõe esta qualidade mas o ato de especificação normativa em si mesmo atribui de imediato a noção de antijurídico teoria das normas neokantianas91 Não existe a possibilidade de existência de um fato típico não antijurídico pois tal constatação seria ilógica para a extremada visão valorativa neokantiana O autor imiscui a axiologia e a positivação embora com isso seja obrigado ao contorcionismo realizado nas causas de justificação elementos negativos do tipo Ao mesmo tempo não há o que se falar em ilícito penal sem tipicidade eis que desde os tempos de VON LISZT a categoria penal estava adstrita umbilicalmente às noções de legalidade Espelhase assim a reciprocidade entre tipicidade e antijuridicidade que consegue explicar a criação da teoria dos chamados elementos negativos do tipo penal postulado por MERKEL também neokantiano Esta é a única maneira de explicitar a existência sem contradições da tipicidade como ratio essendi do injusto O Direito apenas se faz num ambiente de relações humanas dotado de constantes valorações inexistindo a possibilidade de cisão para os neokantianos entre valores e normas o que deve ser espelhado logicamente na construção dogmática do sistema penal O tipo penal concretiza factualmente as noções valorativas sendo impossível o vislumbre de alguma norma de conteúdo ou caráter independente ou exclusivamente indicadores da antijuridicidade92 O grande problema da teoria de MEZGER embora de certo grau persuasiva93 é a falha epistemológica que resta por cometer na cognição antijurídica das relações sediadas no sistema penal e no Direito como um todo Ao sustentar a existência da antijuridicidade na própria tipicidade em sentido contrário poderseia dizer ser impensável a possibilidade da primeira sem a segunda o que a rigor não corresponde ao fenômeno do Direito Ao incluir o tipo como injusto objetivo na antijuridicidade como injusto tipificado MEZGER não resta por resolver possibilidades e hipóteses onde mesmo verificada a ilicitude esta incidência não se faz quanto ao modelo reitor Em outras palavras o jurista acaba por criar duas modalidades de antijuridicidade Ao lado da antijuridicidade penal colocase outra não penal cindindo assim a existência do Direito como objeto único94 Notase que o ponto fundamental de todo o aparato de desenvolvimento neokantiano aplicado à ciência jurídico penal é a forte preponderância que o discurso jurídico passa a ter em referência como elemento constitutivo ao discurso do Direito A entrada e o reconhecimento dos elementos normativos do tipo retirados de sua condição de objetividade e designados para a esfera da ilicitude local normativo e de valoração desmascaram com maior facilidade a constante atualização do Direito em sua aplicabilidade concreta ou mais do que isso sua realização construtiva de sentido da norma sendo levada a efeito mais pelo intérprete do que propriamente pelo legislador ordinário Dentro de um dinamismo social crescente onde as construções intelectivas e conceituais saem das mentes e ocupam espaço real no universo das relações entre homens mediados por meios de produção os elementos normativos são os espaços adequados para a inserção definiti 91 MEZGER Edmondo op cit p 204 92 BUSTOS RAMÍREZ Juan J HORMAZÁBAL MALARÉE Hernán op cit v 2 p 19 Pero como el tipo individualiza los hechos antijurídicos que informan al derecho penal se produce un círculo vicioso Por eso habría se sostener que constatada la tipicidad necessariamente tiene que darse la antijurídicidád 93 Defendendo atualmente uma teoria do tipo de ilícito num sistema teleológico funcional DIAS Jorge de Figueiredo Questões fundamentais de direito penal revisitas São Paulo Ed Revista dos Tribunais 1999 p 218 94 Anotando tais críticas irrefutáveis as considerações de JIMENEZ DE ASÚA sobre a problemática En verdad Mezger subraya que la antijuridicidad de la acción es un carácter del delito pero no una característica del tipo posto que pueden existir acciones que non son antijuridicas pero en cambio es esencial a la antijuridicidad la tipificación Esta tesis lleva inevitablemente a crear una antijuridicidad penal frente a la antijuridicidad general absolutamente inadmisible en las concepciones actuales El propio Mezger trata de defenderse contra las consecuencias a que le lleva su doctrina e insiste vigorosamente en que sus ideas engendran una antijuridicidad penal específica JIMENEZ DE ASÚA Luis op cit p 239 Da mesma forma as ponderações de REALE JÚNIOR A ilicitude não é elemento da tipicidade mas sim do crime posto que pode haver ações típicas não antijurídicas pela ocorrência das causas de exclusão da antijuridicidade Os elementos normativos poderiam levar a idéia de que a antijuridicidade integra a tipicidade contudo esses elementos malgrado representam juízos são dados do tipo por serem juízos de menor grau que o da antijuridicidade A ilicitude constitui um juízo superior acerca dos elementos constitutivos do crime porém não deixam de ser um elemento também do crime pois a diagnose do delito compreende não só a percepção do sintoma do crime os componentes do tipo como também a própria doença a antijuridicidade A tipicidade para Mezger conforme procura demonstrar através da elaboração do tipo penal constitui a razão de ser da antijuridicidade e entretanto a seu ver esta não é elemento constitutivo da tipicidade A antijuridicidade é tãosomente elemento do crime não da tipicidade tendo em vista a possibilidade da incidência de uma causa de justificação sobre um fato típico A nosso ver com MEZGER essa matéria permanece em forma nebulosa pois pode parecer contraditório que a tipicidade seja a razão de existência da ilicitude sem que esta contudo não a integre Mezger sem dizêlo distinguiu o tipo que contém um juízo valorativo revelador da antijuridicidade da adequação típica que constitui a rati essendi da antijuridicidade sem que contudo esta integra aquela REALE JÚNIOR Miguel Teoria do delito cit p 43 va do direito penal como especializado mecanismo de imposições de comportamentos que ideologicamente apresentase como o criador de expectativas justas libertárias e garantidoras da paz social A construção dogmática neokantiana permite esta reflexão A crítica da objetividade da linguagem do direito foi feita mesmo que indiretamente e pontualmente especificada por MEZGER e MAYER os quais reconheceram a impossibilidade da descrição jurídica independente de qualquer aspecto axiológico Assim os elementos normativos ensejam momentos diversos de poder político decisório e vinculativo estendendo para o cotidiano da aplicabilidade o sentido determinado no momento decisório que concretiza o aspecto mandamental A demarcação dos valores e seus sentidos suscitam uma disputa constante sobressai ndose em relação à frieza simples da lei e recaindo sobre as mãos do jurista e intérprete capaz de analisar o que de fato constitui a coisa allehia ou a gestão fraudulenta exemplo claro do que se viu como tipo aberto para a doutrina penal tradicional A procura dos valores apriorísticos do neokantismo por outro lado impõe necessariamente um formato uníssono de ver o mundo e de encarar seus conflitos ensejando a disputa na capacidade de fazer preponderar determinadas colocações sobre outras divergentes ou menos apropriadas A verdade valorativa imemorial é para esta corrente a essencial verdade imodificável e assim inquestionável pelo cidadão Portanto a mais pura ideologia na visão materialista de falsa consciência A universalização dos bens jurídicos do neokantismo e suas análises de imutabilidade atingirão diretamente a formatação do Direito nas sentenças fazendo do elemento normativo o espelho refletor de concepções dominantes e capazes de manter um direito penal do controle A vida a propriedade a família todos vistos como abstrações categóricas certamente outorgarão maior legitimidade ao Direito que a doutrina de capilaridade dos positivistas Contudo a imposição e a impossibilidade de relativização dos valores tornamse um óbice para a consolidação de um ambiente participativo e plural em significados A descoberta do aspecto valorativo do Direito foi resolvida por estes pensadores dentro do vislumbre idealista próprio da filosofia de Baden a da tradição germânica de KANT e HEGEL A II Guerra e o advento deletério e totalizador da Escola de Kiel pormenorizada no Direito Penal do Autor e nos Estranhos à Communidade trazem por sua vez o pólo oposto ou seja a busca de um ontologismo ou de estruturas lógico objetivas prévies à realidade humana como garantias de horizontes mais seguros e razoáveis Surge a doutrina finalista que não obstante vislumbrar a busca da realidade e significar ganho indelével à teoria do delito e ao tipo penal dará a volta ao círculo e retornará ao mais puro mundo do normativismo axiológico conforme a ponderada crítica desenvolvida por ROXIN e seus seguidores funcionalistas 34 O PENSAMENTO DE HANS WELZEL E O TIPO FINALISTA A avaliação superficial das conclusões de HANS WELZEL talvez o maior expoente do direito penal na primeira metade do século XX pode significar alguns equívocos de posição acerca da própria aceitação e perenidade de suas assertivas A divisão tríplice hoje aceita do crime entre seus elementos autónomos tipicidade antijuridicidade e culpabilidade embora resgate neste sentido o modelo LISZTBELING não representa apenas por este aspecto a total concordância com os postulados da teoria finalista Assim a existência nos ordenamentos da expressa construção dos três conceitos que perfazem o crime não pode ser entendida por si só como a absoluta admissão de todas as categorias diagnosticadas por WELZEL Não é porque alguém afirma a estrutura tripartite que de imediato tornase finalista Apenas para se ter idéia a formulação de teorias como a imputação objetiva ou o próprio funcionalismo os quais aceitam no mais das vezes a tripartição delitiva não implica o juízo de coerência epistemológica com o quanto aplicado por WELZEL Da mesma forma aceitar a transposição dos elementos dolo e culpa da culpabilidade para a tipicidade na sedimentação do conceito de tipo subjetivo também não basta para o título de defensor do finalismo Para o entendimento das bases da formulação de WELZEL resta inafastável a compreensão da mais importante tese suscitada por este autor qual seja a noção de ação final verdadeira fonte de alimentação de todo seu edifício teórico Se assim não se faz pode permanecer a impressão de que a íntegra do movimento de alteração dos componentes do crime deuse de forma casual baseada simplesmente no automático combinatório de peças o qual acabou por assumir fecunda relevância O tipo penal na concepção do autor vai reconstruir a realidade assim compreendida no modelo finalista mundo ordenado ação humana organizada em contexto ontológico95 WELZEL parte de forte acumulado científico para a formulação da teoria da ação final aqui refletida em construções dogmáticas que a incorporam de modo prático O próprio pensador diante dos diversos questionamentos que sofreu acerca de suas influências filosóficas fez questão de salientar em sua obra qual o vértice que pautou suas incipientes reflexões sobre a teoria finalista embebendose da psicologia e da fenomenologia conforme detalhadamente frisa no prefácio da quarta edição de sua obra O Novo Sistema JurídicoPenal Uma introdução à doutrina da ação finalista96 O desenvolvimento do trabalho de WELZEL consiste na ruptura com os modelos de ação vigentes até então naturalista ou teoria social Refutase a visão inspirada no idealismo de HEGEL e pautada na noção de ato humano como expressão da vontade moral Ao mesmo tempo não aceita o empirismo positivista de entender o ato humano como externo e voluntário porém desprovido de importância intencional para o tipo configurado no modelo de BELING e VON LISZT Desprezase ainda a ação causal e social dos neokantianos que tentam outorgar um sentido valorativo como base de interpretação do mundo desorganizado Todas estas concepções enfrentavam problemas com destaque para o plano causal de limitação e extensão da ação em termos jurídicopenais O reflexo das tentativas de limitar a causalidade apresentase na teoria da equivalência das condições artigo 13 do Código Penal brasileiro pois se levada ao limite seria capaz de criminalizar os primeiros mortais por todos os males do mundo As dificuldades da causalidade importaram na tentativa de contornála por respaldos interpretativos de proibição de regresso causalidade adequada ou relevância tudo como desespero de limitação de sua abrangência 97 WELZEL atribui ao comportamento humano a finalidade o intuito o escopo de alcançar determinado objetivo Por conseguinte para o pensador não se pode pensar a ação humana desprovida de finalidade ou intenção haja vista que os homens possuem a capacidade de acionar e movimentar os cursos causais visando sempre a atingir determinadas metas A espinha dorsal da ação finalista é a vontade a qual não pode por isso mesmo ser relegada ao plano secundário ou periférico de análise científica A finalidade pertence à ação como categoria prédeterminada e apenas dessa forma tem de ser incorporada pela teoria do delito atribuindo ao atuar humano seu sentido de vidência em contraponto à cegueira resultante de sua percepção no aspecto causal ou naturalista sensorial A análise ontológica e suas estruturas lógicoobjetivas não podem ser desprezadas pelo legislador sendo certo que este permanece adstrito a estas sob pena de insanável equívoco Se o tipo penal tem a missão de ler o mundo deve fazêlo tal qual de fato o é A finalidade distinguese da mera voluntariedade percebida até então como elemento de culpabilidade O conteúdo da atuação humana apenas pode ser vislumbrado diante do querer elemento volitivo e do conhecer elemento cognitivo A ruptura que WELZEL realiza por meio do conceito de ação subjetivada e sua respectiva efetividade na matéria de proibição98 implicam necessariamente na reelaboração da tipicidade99 95 As relações do tipo com a realidade ontológica são condicionadas A ação humana como estrutura lógicoobjetiva determina como deve ser a estrutura do tipo Como consectário é evidente que os conceitos normativos isto é os da lei bem como os elaborados pelo juiz ou pela ciência do direito não transformam dando ordenação e sentido a uma realidade heterogênea e desorganizada mas encontrando uma realidade com estruturas ontológicas que a faz organizada e mesmo cheia de valores limitamse à descrição dessa realidade LUISI Luiz O tipo penal e a teoria finalista da ação Porto Alegre Sérgio Antônio Fabris Editor 1987 p 38 96 WELZEL Hans O novo sistema jurídico penal uma introdução à teoria da ação finalista cit p 1120 Não teria sem dúvida alguma nenhum motivo para me envergonhar se a origem de minha doutrina estivesse na filosofia de Nicolai Hartmann se isso fosse correto Mas esse não é o caso As sugestões para a formulação da teoria finalista da ação não procederam de N Hartmann mas da Psicologia do Pensamento e a primeira delas da obra Grundlagen der Denkpsychologie Fundamentos da Psicologia do Pensamento do recémfalecido filósofo Richard Honigswald Recebi também outras sugestões dos trabalhos dos psicólogos Karl Bühler Theodor Erismann Eric Jaench Wilhelm Peters e dos fenomenólogos P F Linke e Alexander Pfänder entre outros Todos esses trabalhos que apareceram entre 1920 e 1930 promoveram uma ruptura com a antiga psicologia mecanicista de elementos e associações e evidenciaram uma forma de realização dos atos anímicos que não era causalmecânica Em meu primeiro artigo denominei essa forma de realização intencional dos fins e a seguir a partir da ação interna dos atos do pensamento que haviam sido destacados pelos trabalhos daqueles autores até os atos voluntários e a realização da vontade por conseguinte até a ação externa 97 CAMARGO Antonio Luis Chaves Imputação objetiva e direito penal brasileiro cit p 4560 O Autor traz com detalhes em sua obra a evoluçãodas tentativas de correção aos corolários da teoria causal da ação iniciando sua exposição feita na Parte II do Livro com a seguinte ponderação A evolução da teoria do delito foi acompanhada de uma questão crucial que é a relação que pode determinar a existência de um crime Há no mundo real determinadas ações que não interessam ao Direito Penal mas somente aquelas que nos termos da lei são atribuídas a possuír sem interesse jurídico penal 98 Para WELZEL a matéria de proibição contém como um de seus elementos a tipicidade entendida na descrição objetiva material modelo de conduta do comportamento proibido WELZEL Hans Derecho penal alemán cit p 74 99 WELZEL Hans O novo sistema jurídico penal uma introdução à teoria da ação finalista cit p 30 A finalidade não deve ser confundida por isso com a mera voluntariedade A voluntariedade significa que um movimento corporal e suas consequências podem ser conduzidas a algum ato voluntário sendo indiferente quais as consequências queria produzir o autor Nesse O atuar humano na construção finalista pode ser examinado em dois momentos diversos sendo o primeiro transcorrido completamente no aspecto intelectivo ou do pensamento e o segundo relacionado diretamente com as conseqüências trazidas pela realização daquela determinada conduta A fase inicial do pensamento pode ser subdividida em três etapas quais sejam i antecipação do fim ii a seleção dos meios necessários para sua realização e iii consideração dos efeitos concomitantes Na etapa final o resultado é visto como o conjunto das conseqüências tanto aquelas derivadas da intencionalidade principal do agente atuante tanto daquelas derivadas da eleição dos meios externalidade na medida em que o autor tenha contado com a possibilidade de sua produção Esta construção idealizada por WELZEL trará as alterações sistemáticas como conseqüências lógicas tendo em vista a ligação umbilical da elaboração dogmática com as estruturas lógicoobjetivas que perfazem a ação Se a ação não pode mais ser vista simplesmente como externalidade causal o tipo penal não poderá da mesma forma ser compreendido dessa maneira O tipo penal assume duas perspectivas objetiva e subjetiva A primeira desligada da antijuridicidade e capaz de realizar a leitura objetiva das matérias de proibição permitindo ao cidadão e ao juiz identificarem quais são os comportamentos proibidos A segunda perspectiva conterá a faceta volitiva da conduta sendo integrada pelos elementos dolo e culpa retirados da culpabilidade neokantiana A noção pura do tipo descritivo de BELING não mais vai ser admitida em seu aspecto de objetividade tendo em vista o elemento anímico que a partir de agora passa a integrar o delito em sua face subjetiva100 sentido a enfermeira e o atirador nos casos mencionados realizam também atos voluntários se se faz mentalmente abstração do conteúdo de suas vontades Para se compreender contudo a ação para além de sua característica abstrata de mera voluntariedade é dizer de sua forma essencial concreta determinada em seu conteúdo só é possível logrâlo mediante a referência a um determinado resultado querido O ato voluntário da enfermeira é final apenas em relação a aplicar a injeção o do atirador em relação a atingir a árvore mas nenhum dos dois diz respeito à morte de alguém A finalidade é essencial a referencia à determinada conseqüência desejadas sem ela resta apenas a voluntariedade que é incapaz de caracterizar uma ação de um conteúdo determinado 100 A postulação do tipo subjetivo no finalismo retirou a característica exclusivamente objetiva do tipo em BELING Todavia quanto ao tipo objetivo tãosomente WELZEL aproximase mais de BELING do que dos pensadores neokantianos Tal constatação originou na doutrina diversas posições acerca da relação das conclusões estabelecidas por WELZEL e BELING naó obstante derivarem de métodos claramente opostos Salutar nesse sentido a análise de ROXIN sobre o belinguianismo de WELZEL ROXIN Claus Teoria del tipo penal tipos abertos y elementos del deber jurídico cit p 6981 proibir simplesmente o resultado natural de inversão da posse mas as formas humanas que possibilitam esta determinada ocorrência ilícita O aspecto subjetivo agora construído na égide do dolo e da culpa será capaz ao seu turno de outorgar sentido ao agir humano finalidade vidente possibilitando inclusive a justificação científica e teórica da tentativa subsumida ao comportamento incriminado através do juízo de tipicidade ainda que inexistente a ocorrência naturalística do resultado material desvalor da ação Com WELZEL a atenção penal voltase para a ação constituindo o juízo de reprovação tanto no desvalor intencional e final desta tantas vezes desprezado como no desvalor de sua produção ou resultado O tipo doloso assim realizase na desvalorização dada ao agir e ao produzir vislumbrados O tipo culposo será determinado pela violação do dever de cuidado na eleição dos meios direcionados a um específico fim mesmo que esta finalidade principal se apresente como irrelevante para a esfera do direito penal Assume também a culpa a idéia de ação final pautada no elenco dos meios razoáveis para a consecução do resultado almejado com a referida violação do dever de cuidado102 Diante da construção deste modelo WELZEL consegue a despeito das críticas sofridas imaginar um plexo sistemático e até certo ponto coerente de limitação da importância da ação na perspectiva penal O tipo subjetivo consegue ser contemplado pela previsibilidade do autor em face de seu comportamento devendo atuar com dolo ou culpa103 para a sua configuração Posteriormente o juízo de culpabilidade transformase em puramente normativo juízo de reprovação centrado na consciência da ilicitude traçada por meio do relativismo de valores e na consciência profana do mundo da vida104 Para resolver a limitação do tipo objetivo e seu nexo causal de imputação WELZEL determina o conceito de adequação social percebendo um caráter de historicidade nas postulações proibidas e dessa forma dando um primeiro passo para a definitiva introdução do direito penal nas relações sociais A teoria da adequação social exerce importante papel para as noções de imputação objetiva mesmo que as ferramentas desta última já sejam muito mais complexas e desenvolvidas A introdução da adequação como critério de interpretação típica realizou a incipiente aproximação da realidade com o sistema de direito penal Iniciou a ultrapassagem da barreira então intransponível entre política criminal e dogmática jurídica105 Nesse sentido o pensamento de WELZEL assume a relativização axiológica e o rompimento com as construções valorativas idealistas típicas do neokantismo as quais entendiain ser capazes de revalidar a desorganização do mundo contingentes por meio das categoriais universais eternas Contudo a estruturação do ontologismo culmina em fechar o horizonte do pensamento finalista significando um freio nos avanços de historicidade e introdução do fenômeno social no sistema dogmático A tentativa de WELZEL de evitar o normativismo explicase na convivência totalitária da Escola de Kiel mas por outro lado como em pontos distantes de uma grande curva de raio longo o ontologismo acaba por se identificar com seu grande rival A miríade de vertentes e prénoções que orientaram as motivações da escola finalista buscou o total rejeição das postulações da Escola de Kiel no sentido da necessidade de desconstrução dos embasamentos desenvolvidos pelo aparato jurídico do nacionalsocialismo derrotado na II Guerra Mundial O pensamento de Kiel parte da premissa de que o pessoa humana com sua competência comunicativa no que se denomina seu mundo de vida LEBENSWELT na expressão habermasiana do agir comunicativo CAMARGO Antonio Luis Chaves Culpabilidade e reprovação penal São Paulo Ed Sugestes Literárias 1994 p 74 A consciência da ilicitude determina uma diferença elementar para a própria ciência penal que teve seu espaço aberto pelo finalismo apresentando um enfoque humano em face do fato cometido Não se pode relegar ao segundo plano o resultado contudo desprezar o homem e seus valores arraigados e conquistados em circunstâncias peculiares significa desprezar a própria essência do Direito Penal Isto contamina de maneira insanável a natureza limitadora da pena exercida pela culpabilidade pois para a aplicação da reprimenda penal razoável para determinado e específico indivíduo devese acima de tudo conhecer este sujeito como detentor de sonhos e decepções pessoais construídas e destruídas através dos valores profanos exalados pela sociedade e nos dizeres do positivista BINDING adquiridos naturalmente com o ar que a gente respira CANCIO MELIÁ Manuel La teoria de la adecuación social em Welzel Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales Madrid 1993 homem não pode ser compreendido em sua individualidade em virtude de ser tal concepção fruto de versão conservadora e liberal devendo o Direito servir como mecanismo de defesa da organicidade social estatúida pela raça como elemento unificador da nação O homem é identificado como membro orgânico do povo e o Estado como forma natural e preponderante de vida106 Assim tudo aquilo que atentar contra esta forma de vida em coletividade deve estar sancionado pelo Direito sendo a fonte do direito não simplesmente a lei balizada por princípios como a legalidade mas sim o espírito da nação a sá consciência sá mentalidade do povo alemão Alcançase um direito penal completamente apto a punir expressões incapazes de qualquer lesão questões intimistas enfim abstraise por completo a noção de bem jurídico e criase um direito penal do autor e acima de tudo arbitrário107 Neste contexto as estruturas lógicoobjetivas percebidas por WELZEL assumem um sentido coerente ao vincular o legislador e o aplicador do Direito ao mundo e suas verdades eternas derivadas da própria essência ou natureza das coisas O espaço para o discurso jurídico e sua respectiva criatividade fica até certo ponto significativamente limitado Se a legislação penal e conseqüentemente toda sua estrutura de legitimação e aplicabilidade estão vinculadas de forma imanente ao mundo prévio à organização humana é inegável que o respeito e a atenção a esta anterior montagem dos objetos mundanos retiram o caráter discricionário que o homem tem para modificar alterar e interagir na natureza como espaço já estabelecido O papel do jurista não está na criação mas simplesmente no reconhecimento Se a ação é final em sua essência o homem não possui opção ao construir a teoria do delito haja vista que se torna completamente absurda a colocação do dolo e a da culpa na culpabilidade O esquema da teoria do delito para entender o mundo e lhe conferir praticidade deve respeitar suas categorias prévias ou estruturas lógicoobjetivas sendo imprescindível que o tipo ao se dirigir à ação contenha os seus elementos formadores Esta modelagem do pensamento de WELZEL foi uma clara resposta ao pensamento vigente à época fundamentalmente à ideologia proposta pelo neokantismo que simplesmente deduzia aleatoriamente valores universais absolutos e a priori108 O ontologismo em outras palavras ao buscar a essência das coisas na natureza comanda aos cientistas induzilas do plano real e não deduzilas do universo abstrato e imemorial Em ambos os casos todavia as teorias fomentam a mesma conclusão qual seja por meio de um discurso puro de legitimação em bases entendidas como seguras mundo dos valores ou estruturas lógicoobjetivas o universo de construção do Direito jamais conseguiu perder seu espaço notadamente ideológico e de exercício do poder O Direito a rigor não traz verdades em local algum mas situase como foco de conflito das possibilidades de opções sociais direcionadas neste ou naquele sentido A evolução da conceituação do tipo penal tem sua relevância exatamente nesta demonstração como uma pequena ponta do iceberg que reflete em última instância o quadro estanque de um contexto de relações produtivas e de interações humanas Reside neste interím a tentativa de fuga nos dizeres de WARAT do senso commun dos juristas que certamente culmina nestes mesmos juristas acreditarem no fato de que interpretar é encontrar a significação real das palavras da lei109 A construção de WELZEL ao verificar a culpa como violação de um dever de cuidado e conseqüentemente trazendo à luz a incipiente noção do risco possibilitará às novas formulações funcionais que podem adaptar o direito à nova modernidade social WELZEL enfeixa uma tentativa filosófica de encontrar o critério interpretativo para as leis penais na natureza das coisas almejando assim a superação do neokantismo A natureza das coisas é o deverser projetado no ser um valor que se manifesta na realidade o topos onde se encontram o ser e o deverser uma dimensão unitária o lugar metódico da vinculação correspondência de realidade e valor110 35 REFERÊNCIAS CRÍTICAS A construção da teoria do delito e do tipo penal pressupõe conforme se demonstrou um conteúdo mais amplo de reflexões que a simples dogmática jurídica A tipicidade descritiva de BELING não teria sentido se não derivasse da idéia naturalista da ação percebida pelos meios sensoriais A visão neokantiana do tipo penal e sua normatização a priori da mesma forma também não poderiam ser utilizadas senão partindo da desorganização do mundo contingente e sua correlação com formas puras e verdadeiras da metafísica A pretensão finalista tampouco possui o privilégio de poder ser desconectada do ontologismo atribuído às relações e dados do mundo real Contudo a dinâmica decisória do Direito resta em desconectar estes padrões construindo teorias que reúnem elementos diversos e concepções filosóficas distintas tantas vezes incompatíveis O atual cenário do Direito Penal brasileiro ostenta claramente esta situação o que pode ser constatado pelas motivações jurisprudenciais como pelas formulações doutrinárias Atualmente e diante da Lei nº 7209 de 11 de julho de 1984 responsável pela alteração da Parte Geral do Código Penal Decretolei nº 2848 de 7 de dezembro de 1940 podese afirmar que o finalismo assumiu preponderante papel na doutrina brasileira ao que tange ao menos à estruturação da teoria do delito Ao mesmo tempo contudo diversas concepções ressaltadas pela leitura neokantiana são constantemente utilizadas ainda que em dissonância com o ontologismo finalista supostamente assumido Chegase ao extremo portanto de se adotar uma teoria 110 GIMBERNAT ORDEIG Enrique Conceito e método da ciência do direito penal Trad José Carlos Gobbis Pagliuca São Paulo Ed Revista dos Tribunais 2002 p 88 em determinado aspecto tipo penal objetivo e subjetivo e desprezála nos demais ação finalista ontológica como se a parcela assumida não fosse conseqüência do restante abandonado A cultura jurídica brasileira acaba ao mesmo tempo no bojo jurisprudencial em conseguir aplicar a teoria do tipo finalista a noção de bem jurídico neokantiana e senão bastasse a postulação causalnaturalista do conceito de ação Tudo isso culmina numa amorfa teoria do delito dissonante em si mesma admitindose conclusões de tipicidade incompatíveis por exemplo com a culpabilidade normativa arpegoada pelo finalismo Como bem observa CHAVES CAMARGO a teoria da culpabilidade assim como a ação finalista parece nunca ter sido incorporada à prática judiciária não obstante sua vigência há mais de dez anos111 Ainda hoje se verificam decisões judiciais que aplicam a suposta tese finalista e concomitantemente determinam penas e medidas gravosas fundamentadas em periculosidade caráter delinqüente em suma construções teóricas positivistas italianas que jamais foram recepcionadas pela teoria final e remetem às teorias do dolo A situação do direito prático nesse sentido é inusitada no Brasil Sem dúvida a influência do neokantismo em nossas decisões é constante sempre avalizada na busca da suposta verdade trazida pela jurisprudência pretensiosamente capaz de alcançar aquilo que de mais imemorial e puro possa existir no direito Por outro lado a teoria finalista da ação e sua decorrência dogmática deveriam implicar em respostas lastreadas pelo mundo ontológico do ser pelas categorias lógicoobjetivas que segundo os seguidores desta doutrina antecedem ao próprio conhecimento humano Os valores da matéria de proibição deveriam estar no mundo profano e não na metafísica como quer no mais das vezes transparecer a cultura jurídica nacional De qualquer modo estas considerações fazemse relevantes no tocante às críticas atuais sofridas pelo funcionalismo como nova escola penal no Brasil Longe de ser impassível de críticas ou contrapontos o funcionalismo contudo apenas pode ser combatido com concepções que sejam coerentes com a escola penal e ser seguida pelo intérprete ou 111 CAMARGO Antonio Luis Chaves Aids e direito penal aspectos gerais Revista USP São Paulo n 33 p 58 marmaio 1997 Tratando do tema acerca da tipicidade da conduta que transmite o vírus HIV em relações sexuais o autor aponta a dificuldade de compreensão no Brasil das categorias dogmáticas Ignorase toda a doutrina moderna que trata da tipicidade penal esquecendose ainda do princípio da culpabilidade que orienta a Parte Geral de 1984 então por filosofias que consigam superar as contingências e elaborar a negação do direito penal como um todo histórico De rigor e para introdução do direito penal na sociedade de risco o sistema aberto teleológico apresentase ao menos como mais explicativo e coerente ainda que possa ser dito através de uma metodologia materialista aqui assumida que continuaria a instrumentalizar o Direito Penal visando à proteção de bens interessados a determinado modo de produção A sociedade de risco e as relações humanas que propicia destroem as formas conceituais da ação naturalista social neokantiana ou finalista Assim como conseqüência lógica consome os modelos da teoria do delito adstritos a estas formatações dos comportamentos A imputação objetiva e o sistema teleológicofuncional são as únicas edificações teóricas que conseguem vislumbrar alguma capacidade de garantir expectativas expectativas normativas na sociedade complexa Diante disso imperativa se faz a análise das formatações sociais dos novos modelos erguidos à condição de tipos penais e ao mesmo tempo do discurso dogmático que compreende esta sistematização A dinâmica social reflexividade superou a possibilidade de aplicabilidade das categorias até então analisadas Não se consegue racionalizar o poder com os postulados neokantismos ou ontológicos quando aplicados ao meio ambiente ao sistema financeiro à genética os quais por mais que se possa discordar tornaramse irreversivelmente objetos da tutela dos tipos penais da modernidade 4 A SOCIEDADE DE RISCO DOMO PARADIGMA SOCIOLÓGICO A historicidade do desenvolvimento da teoria do delito especificamente no tocante ao tipo penal como elemento ou estrutura essencial permite a compreensão mais apurada da maneira como hoje em dia na elaboração doutrinária com fortes reflexos na reprodução jurisprudencial espelhamse as mais diversas teorias reverberadas A forma como a teoria da tipicidade estruturase possui a faculdade de conceder ao cientista a abertura suficiente para o entendimento da própria base sobre as quais os homens produzem socialmente suas riquezas De acordo com o método elaborado materialismo dialético o sistema jurídico possui independência e autonomia lógica própria em face das relações sociais de produção mas ao mesmo tempo em que desta se diferencia por esta é determinado em última instância112 De fato não se pode afirmar que conhecendo a realidade estrutural da produção de riqueza é possível inferir a realidade jurídica posto que agindo assim estarseia diante de uma concepção determinista equivocada Todavia a inserção do tipo penal na sociedade demanda a sua verificação concreta sob pena de perderse nas amarras do puro idealismo ou então do positivismo tecnicista De fato colocase a questão fundamental de ser o direito penal enquanto elemento prescritivo de determinadas relações sociais capaz ou não de atuar no atual estágio de desenvolvimento das forças produtivas O sistema jurídico penal apresenta atualmente como já destacado uma complicada espécie de sincretismo de filiações o que culmina sem dúvidas na dificuldade de através da análise de escolas e autores identificar de maneira orgânica e uniforme a utilização de um sistema coerente de pensamento baseado na estruturação filosófica que lhe outorga significado A possibilidade de compreensão das formulações científicas 112 Bastante elucidativa da tese aqui explanada da correlação do sistema jurídico com a dinâmica social como um todo é a obra de MAILLLE A autonomia das diferentes instâncias não é pois uma afirmação gratuita convidanos pelo contrário a justificar estados distintos dos diferentes níveis em que podemos surpreender a actividade social Estudar o nível político ou jurídico tem um sentido porque cada um deles exprime ao mecanismo de conjunto o efeito da sua própria determinação A separação entre base e superestrutura nada tem pois de um corte metafísico entre a realidade e a aparência o real e o reflexo como uma leitura superficial de Marx enunciaria MAILLE Michel Introdução crítica ao direito Lisboa Editorial Estampa 1994 p 75 que servem de sustentáculo aos modelos neokantianos ou finalistas se misturam na mente do jurista contemporâneo e nas decisões dos tribunais de sorte a obstaculizar por completo a segurança jurídica ou a organicidade que se busca tão incessantemente por meio da própria condição de existir da dogmática jurídico penal O problema afeto a esta pouca vinculação ou fidelidade estrutural que se salienta não ser prerrogativa exclusiva deste ou daquele país conforme apontado por ROXIN113 acaba por imputar ao sistema de pensamento penal em seus mais variados contornos não uma função de regularidade ou racionalização na resolução dos conflitos mas simplesmente de suposta fundamentação científica de juízos de ocasião Esta constatação a propósito aponta para uma primeira característica do direito penal na sociedade de risco qual seja a desorganização dos argumentos lógicos e legitimadores das decisões do próprio sistema Esta problemática típica da introdução dos paradigmas de uma sociedade de risco insinua a constatação do desencaixe das estruturas de controle tradicionais ou formatadas no molde tradicional com os comportamentos que fomentam a tutela jurisdicional tendo em vista que diariamente nossas próprias condições cognitivas de vida são alteradas114 O sistema penal e suas escolas como mecanismos autônomos de construção social vinculados à estrutura de produção apresentamse em contradição com o avanço das forças produtivas O momento da ciência penal assim é um momento de incertezas e questionamentos uma vez que sua construção como formato de relações sociais determinadas não mais espelha a realidade concreta restando daí a afirmação da contrariedade entre formas e relações de produção Se o Direito Penal e suas categorias não se amoldam mais às relações sociais este mesmo direito tornase incapaz de gerenciar conflitos derivados destes novos padrões de relacionamento Dessa forma ou se altera o sistema penal como um todo ou como parece ser feito utilizase os modelos antigos simplesmente unidos por problemas de ocasião Desta forma criase um impasse irresoluto De um lado a dogmática como categoria científica de juízos certos precisos e orgânicos parece cada vez mais distanciada da realidade social enquanto aparato teórico apto à efetivação do controle e previsibilidade de comportamentos na medida em que se restringe ao universo do positivismo ou idealismo De outro lado as decisões no anseio desesperado deste mesmo controle assumem um julgamento tanto mais arbitrário quanto lastreado em uma tida e suposta opinião pública que de forma ambivalente ao mesmo tempo em que critica a ciência penal por entendêla distante e diletante a utiliza como mero argumento de convencimento para decisões predeterminadas dissimulandoa e descontextualizandoa A contradição existente entre a formatação jurídicopenal e seu universo de atuação acaba na aplicabilidade da norma em não ser sequer anotada Os padrões do direito penal da propriedade privada e das ofensas individuais e seu respectivo mundo axiológico são utilizados indiscriminadamente para a tentativa do controle culminando evidentemente na contumácia das desilusões115 Porém destas mesmas desilusões retirase mais uma conclusão equivocada uma vez que o sentimento generalizado de anomia do direito penal não culmina em sua revisão em face do desenvolvimento da tecnologia mas paradoxalmente redunda na sua utilização em escala ainda maior de severidade e extensão Dessa correlação extraise um segundo reflexo da sociedade de risco e seu vínculo com o direito penal a constância das desilusões ao invés de impulsionar uma releitua do sistema resulta em seu maior e ineficaz recrudescimento Vivese o momento absoluto da criminalização com o mais forte dos rigorismos não obstante um Estado Democrático de Direito e a repetida vivência das garantias liberais Concomitantemente ao desenvolvimento da ciência penal as opções jurídicas de efetividade das normas restam por 113 ROXIN Claus Funcionalismo e imputação objetiva no direito penal Trad Luis Greco São Paulo Renovar 2002 p 203 A opinião ainda preponderante na dogmática mais recente projeta suas construções sistemáticas nos moldes assinalados pelo sistema neoclássico e finalista As modernas exposições didáticas por vezes mas cada vez mais raramente adotam a estrutura do delito das concepções neoclássicas BAUMANNWEBERMITSCH em parte seguem também a teoria finalista da ação WELZEL MAURACHZIPF STRANTERWERTH A maioria dos autores contudo esforçase no sentido de uma síntese entre os novos impulsos que devemos ao finalismo e alguns resultados imprescindíveis da época anterior de nossa ciência orientada pela idéia de valor e fim isto é da teoria do delito neoclássica Destaque para o questionamento proposto por GIDDENS acerca da dificuldade recíproca de se estabelecer padrões de confiança e tranqüilidade ao mesmo tempo em que a ciência é capaz de a todo tempo alterar as certezas antes por ela mesma defendidas A mistura de risco e oportunidade é tão complexa em muitas das circunstâncias envolvidas que é extremamente difícil para os indivíduos saberem até onde atribuir confiança a prescrições ou sistemas específicos e em que medida suspendêla Como se pode conseguir comer saudavelmente por exemplo quando todos os tipos de alimentos possuem qualidades tóxicas de uma espécie ou de outra e quando o que é afirmado bom para você por peritos nutricionistas varia com as mudanças de estado do conhecimento científico GIDDENS Anthony op cit p 148 115 LUHMANN Niklas Procedimenti giuridici e legitimazione sociale cit 84 Alamiro Velludo Salvador Netto trazer em seu bojo como tentativa de superação dos conflitos noções confusas e muito pouco razoáveis espelhando os dois problemas apontados e derivados da sociedade de risco Negase a ciência jurídicopenal mas se aplicam suas assertivas quando interessantes para lastrear esta ou aquela tomada de opinião sempre voltadas à aplicação de pena como fator de resolução conflituosa Assim o desespero de respostas para situações novas e insitadas típicas do paradigma da sociedade de risco parece esquecer a diferenciação entre as bases construtoras da ciência e da opinião pública deixando que esta adentre como fator preponderante de valoração dos casos mas sem qualquer análise crítica desta última como a ficção liberal do topos da razão verdadeira e do conhecimento razoável110 A construção dogmática da tipicidade nesse interim resta completamente afastada embora sirva não como método de orientação mas sim como mecanismo de propiciar maiores punições O diagnóstico da dificuldade do controle do sistema penal mais uma vez ao invés de originar uma leitura dogmática do sistema como forma de adequálo ao estágio das forças produtivas de verdade ocasiona o suposto afastamento recíproco da teoria e da prática O estudo do direito penal assim é criticado quando impede decisões supostamente punitivas e da mesma forma acatado quando para justificar posturas determinadas A contradição da dogmática penal com a sociedade de risco serve para transmitir a ciência jurídica da condição do método a discurso de fundamentação escolhido circunstancialmente Ao aplicador do direito não importa a escola filosófica para alcançar a decisão mas exatamente o contrário ou seja apenas interessa a eventual filiação que permita atingir e fundamentar uma decisão préconcebida Exatamente neste aspecto encontrase o problema que se desenvolve hoje acerca do tipo e da tipicidade penal dentro desta plêiade de sincretismos doutrinários constantes imposições sociais por criminalização e ao mesmo tempo irracionalidade nas ofertas de respostas jurídicas para o contorno dos impasses Assim o legislador tipifica criminalmente as mais diversas e pensáveis modalidades de condutas como apelo à voz dos cidadãos inseguros O aplicador utilizase irrefutavelmente deste mesmo e incessante apelo para subsumir aqueles tipos de modo severo sem qualquer comprometimento com os âmbitos de proteção estabelecidos através dos instrumentos coerentes da dogmática penal E o jurista por sua vez corre desesperadamente atrás de um entendimento possível da calamitosa situação na busca da construção de um sistema razoável para o direito penal da modernidade Eis aí o fenômeno da sociedade de risco Para começar a compreendêlo contudo é necessária a superação dos moldes e paradigmas do direito penal clássico uma vez que tais institutos espelhavam relações de produção intersubjetivas completamente dissonantes das atuais relações humanas derivadas das novas forças produtivas A contradição nos dizeres de BECK que torna conflituosa a relação entre estruturas da sociedade industrial desincorporadas relações sociais de produção dentre elas o direito e os efeitos da modernização incorporados forças produtivas desenvolvidas redunda na reflexão dos novos problemas obtendo esta mesma reflexão conclusões equivocadas e conturbadas na era das especulações117 As relações conflituosas no bojo desta sociedade de risco e as alterações que incorpora no direito penal como fruto desta segunda etapa 116 HABERMAS ao tratar a dialética da esfera pública e a análise deste aspecto na filosofia de HEGEL aponta como o filósofo realizou a desconstrução da noção idealizada da opinião pública no cerne da construção burguesa de universalidade constatada empiricamente das opiniões Senão basstasse a própria estrutura de dominação ideológica que ao alienar faz o agente reconhecer como justificadas e corretas certas estruturas sociais a crítica hegeliana vai ainda mais longe neste processo de identificação da racionalidade das ciências e da subjetividade A medida que a utilização pública da razão é uma coisa da pessoa culta confi Kant O Conflito das Faculdades o conhecimento transcende o seu mero fenómeno por isso é que para Hegel a ciência fica fora do âmbito da opinião pública As ciências se elas são verdadeiramente ciências não se encontram de maneira nenhuma no terreno da opinião e dos pontos de vista subjetivos e também a sua exposição não consiste na arte dos torneios retóricos das ilusões dos subentendidos e dos escamoteamentos mas na enunciação inequívoca definida e aberta do significado e do sentido elas não recem na categoria daquilo que constitui a opinião pública Tal degradação da opinião pública resulta necessariamente do conceito que Hegel tinha da sociedade burguesa Bem que ele louvava uma vez as leis dela apontando a Economia Política de Smith Say e Ricardo como aparecia de racionalidade mas a sua visão do caráter anárquico e antagônico desse sistema de necessidades destrói decididamente as ficções liberais sobre as quais repousava o autoentendimental da esfera pública Trad Flavio R Kothe Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 2003 p 143 86 Alamiro Velludo Salvador Netto entendida como da modernidade reflexiva importam na necessária tentativa de intelecção jurídicodogmática dos fenómenos ocasionados O corte epistemológico deste estudo da introjecção de novas forças produtivas sociais de certa forma pode ser feito em diversos aspectos e momentos sendo absolutamente possível esta busca de compreensão nas novas modalidades adstritas à políticacriminal118 ao sistema de penas119 ou dentre outras várias à formulação dogmática e principiológica do tipo penal A criação de novas tecnologias importa no estabelecimento de também novas relações sociais O mundo atual é estruturado principalmente por riscos humanamente criados120 diminuindo por completo quase que todos os espaços destinados às mágicas e diante disso reduzindo na assimilação pelo direito de todos os papéis de outorga valorativa de sentido antes dividido com a ética ou a tradição121 A violência militar belicismo a agressão ao meio ambiente as fraudes gigantescas no cerne das corporações globalizadas não podem ser controladas pela tipificação estabelecida para os crimes de baixa complexidade Dizer que a tecnologia chegou ao limite de destruir o mundo significa dizer que as relações intersubjetivas estabelecemse com a potencialidade de factualmene destruílo Da mesma forma os crimes fiscais ou empresariais utilizamse das mesmas forças produtivas para serem perpetrados posto que se a globalização impõe o distanciamento do homem de seu espaçotemporal este mesmo processo facilita práticas até então inimagináveis Estas mesmas práticas ao menos para a manutenção do sistema produtivo deverão ser coibidas e para tal será utilizado o mecanismo de tipificação penal Este encontro tipificação e novas formas delitivas é a pedra de toque de toda a crise do sistema penal em sua contradição com o estágio atual de desenvolvimento Não obstante toda a evolução e alteração da compreensão do tipo em suas fisionomias neutra indiciária essência da antijuridicidade ou finalista 118 MACHADO Marta Rodriguez de Assis Sociedade de risco e reflexividade uma avaliação jurídicosociológica de novas tendências políticocriminais 2003 Dissertação Mestrado Faculdade de Direito Universidade de São Paulo São Paulo 2003 119 CAMARGO Antonio Luis Chaves Sistema de penas dogmática jurídico penal e política criminal cit 120 GIDDENS Anthony op cit p 112 121 Esta generalização do direito na outorga de sentido e normatização balizamento às relações sociais é típica do direito moderno de uma sociedade capitalista nos moldes da hoje vivenciada O que é específico do direito actual é a abstração e a generalidade nas quais esta expressão das relações sociais é realizada Esta forma jurídica está profundamente ligada ao modo de produção capitalista em nenhum outro modo de produção da vida social o direito possui esta hegemonia e abstração MIAILLE Michel op cit p 96 88 Alamiro Velludo Salvador Netto Além disso destacase a característica típica do sistema penal de informação ou motivação uma vez que por meio da descrição normativa o cidadão adquire pleno conhecimento das pautas de atividades que deve necessariamente evitar Noutro aspecto reflete a materialidade existencial do direito penal sinalizando os bens jurídicos protegidos e as preponderâncias sociais que devem ser assim entendidas no seio da coletividade O tipo penal ameaça e decorre exatamente desta premissa a impossibilidade de se dizer que o direito em si é somente ideologia Por meio destes princípios foi estruturada toda a história do tipo e da tipicidade penal passando estes elementos a integrar um sistema dogmático capaz de ordenar e sistematizar preceitos legais e conceitos abstratos possibilitando o estudo do direito aos operadores decisões com o mínimo de previsibilidade interpretações metódicas e realização das eventuais e necessárias reformas125 Por meio deste discurso todo peculiar que ora é contraposto e contraditório com a dinâmica da sociedade de risco a dogmática do tipo penal apresentava ao menos na sociedade tradicional resultados de decisões126 colocados à disposição dos tribunais fazendo com que os demais operadores pudessem vislumbrar coerência e sistematicidade nos julgamentos Ocorre que e mesmo que não se admita a profecia marxiana de uma teoria de revoluções que retiraria o homem de sua préhistória as forças produtivas do capitalismo contemporâneo restaram por abalar por completo as relações de produção então integradas ao sistema industrial dentre elas as próprias noções e limites do tipo penal Na formulação de BECK como de outros autores como GIDDENS e LUHMANN surgiu a sociedade do risco onde as estruturas são explodidas por completo pela afirmada modernização reflexiva colocandose o afastamento da realidade imposta na simples causalidade e trazendo uma nova modalidade de convivência capitalista demarcada na figura dos riscos da necessidade preventiva do perigo da autodestruição todos trazidos pelos sapatos silenciosos da modernidade hoje questionadores do anterior encantamento com o controle possível e absoluto das ciências e da tecnologia Mais do que isso o avanço da ciência e da tecnologia traz a preocupação com o uso que destas pode ser feito bem como do necessário cuidado relacionado ao agente que pode usar e suas reais finalidades 125 CUESTA AGUADO Paz Mercedes de Ia op cit p 2325 126 HASSEMER Winfried Introdução aos fundamentos do direito penal cit p 272 comportamentos inadequados à reprodução do sistema social agora os problemas fixamse na própria discussão dos caminhos deste mesmo sistema social até então idolatado De uma vez por todas emerge a imbricada relação entre tipicidade penal e sociedade de risco A aproximação destarte necessita da retirada do idealismo e conseqüentemente precisa se questionar acerca da real finalidade destes novos tipos penais que surgem nesta sociedade Mais do que transformar o direito penal parece conservar a preferência pela manutenção de um sistema produtivo que deve contudo respeitar suas modificações estruturais adaptabilidade sem alterar a função do direito como instância autônoma mas condicionada em último grau 41 O RISCO E O DIREITO PENAL Para iniciar sua analítica obra de relato da nova sociedade mundial do risco BECK traz um exemplo suficientemente elucidativo capaz de em poucas palavras adiantar várias confirmações de sua teoria Ao proceder uma primeira distinção entre uma sociedade industrial de forças tecnológicas capazes de setoriziar os riscos e uma sociedade propriamente de riscos o autor aponta para o acidente nuclear de Chernobil verificando corretamente que a hecatombe ali provocada atingiu milhares de pessoas das mais diversas localidades e sem qualquer relação com a produção energéticaatômica O risco foi derivado da própria atuação e desenvolvimento da produção humana De extrema dificuldade é a previsibilidade dos aspectos deletérios deste mesmo desenvolvimento Com o mencionado exemplo o autor possibilita sua distinção metodológica entre modernização simples aquela ocorrida quando do surgimento da sociedade industrial Revolução Industrial e modernização reflexiva segunda modernidade Se a modernização simples significava uma possibilidade do homem em alterar a sua realidade produtiva com a utilização de avanços científicos e tecnológicos que propiciaram o desencantamento do mundo a modernização reflexiva integra oferecedor de tradições e mitos mas se impõe a descrença coletiva do homem em lidar de modo confiável com os objetos de sua própria produção A sociedade neste instante caminha da demanda da produção tecnológica para a necessidade de gerenciamento Passase a buscar sistemas capazes de regular seus próprios contornos diminuindo a periculosidade da ação do homem em seu universo circundante A periculosidade alcança não apenas o mundo material físico como os rios as águas os animais a saúde mas também as esferas institucionais elementares para a manutenção do capitalismo de padrões avançados Surgem leis buscando a garantia na confiabilidade do mercado a repressão a todo custo da lavagem de dinheiro a tentativa de padrões mínimos de administração empresarial controle de fluxos de remessa de capitais etc A tutela do tipo penal alarga seus braços para abarcar não apenas a propriedade estática mas suas formas de uso e criação Como sintoma da contradição entre forças produtivas e relações sociais a forma de controle dos problemas até então apresentados também não é mais apta para o combate destas novas situações aprofundando sobremaneira uma crise institucional do sistema penal O direito penal e seus modelos de imputação designados e alinhados pela estandarização dos corolários liberais idealistas não mais conseguem qualquer eficiência para a sustentação dos novos bens alçados à proteção da ultima ratio Verificase o malogro de todas as instâncias jurídicas de controle O medo e o descontrole da sociedade de risco se faz visível pela tipificação total por um direito penal esperançoso em pelo simples fato de poder criminalizar possuir aptidão de diminuir os riscos produzidos pelos próprios homens e agora inerentes a todas as facetas da complexidade social Está instaurada a tensão constante e irresoluta entre as novas forças produtivas e a contradição das super estruturas derivadas de antigas relações de produção Aliás se as forças produtivas estão em descompasso com as relações sociais esta dissociação mostrarseá ainda maior quando analisado o direito penal uma vez que este nada mais tenta fazer senão compor em seu próprio sistema aquelas mesmas relações Não é viável garantir a ordenação da confiabilidade no mercado financeiro no atual formato sem lançar mão de uma estrutura máxima de intervenção estatal A história resguardou a curiosa situação do rompimento do preceito liberal da tipicidade certa e fechada para o desenvolvimento da mesma economia liberal que hoje deve ver seus dogmas jurídicos afundados com a escalada dos riscos criados A tipificação quando posicionada em face da sociedade de risco com sua conseqüente e gradativa perda dos valores então lhe atribuídos pelo direito penal clássico voltase exatamente para a noção do risco sendo este o elemento fundamental para articularse no bojo da teoria do delito e possibilitar algum modo de previsibilidade comportamental nos cidadãos Os tipos descritivos indiciários ou ontológicos não podem mais sequer ser pensados A história da evolução típica atinge ao máximo a normatividade e a abertura Conforme se pode afirmar o mundo tornase grande demais para os limites rígidos da criminalização penal certa e fechada A integração do risco no delito trazendoo para a própria configuração da tipicidade possui claramente uma de suas bases de elaboração na sociologia jurídica de LUHMANN onde o direito se coloca como uma estrutura de importante correlação com a sociedade dinâmica entendida como um macro sistema estruturado pelo sistema jurídico dotado de interesse sobre o meio envolvente O desenvolvimento da sociedade perfaz um crescente aumento dos riscos atinentes aos comportamentos de forma que na tese funcionalista isso significará o aumento do número de expectativas normativas estabelecidas pelo Direito aumentando em tese o grau de previsibilidade comportamental na exata medida em que diminui o número de opções 137 Exatamente no mesmo sentido porém com maior enfoque aos sistemas de política criminal e seus reflexos na opinião pública MACHADO Marta Rodriguez de Assis op cit p 1516 Constatase portanto que a transposição da sociedade do risco ao sistema penal traz o conflito para o âmbito do funcionamento das suas estruturas e instituições Em outras palavras inserido nesse momento de crise da modernidade reflexiva o direito penal revelase um dos campos mais problemáticos de contradições no qual se contrapõem as novas exigências de controle sobre os fenômenos da sociedade de risco e os princípios tradicionais da atuação do sistema penal 138 A legitimação através de uma norma suprema e inquestionável cede lugar a uma orientação sobre interesses quer dizer sobre o meio envolvente social LUHMANN Niklas A restituição do décimo segundo camelo do sentido de uma análise sociológica do direito In ARNAUD AndréJean LOPES JÚNIOR Dalmir Eds Niklas Luhmann do sistema social à sociologia jurídica Trad Dalmir Lopes Júnior et al Rio de Janeiro Lumen Juris Ed 2004 p 66 139 LUHMANN Niklas Sociologia do direito I cit p 58 De fato não mais se está protegido em lugar algum Se antes os problemas residiam fundamentalmente nas forças da natureza que ainda nos dias atuais ocasionam surpreendentes tragédias em larga escala hoje a maior preocupação decorre dos limites impostos ao próprio desenvolvimento humano haja vista que o principal objeto de análise social passou a ser a própria sociedade entendida como reflexiva exatamente neste aspecto A constatação aponta para um importante enfoque da sociedade de risco na medida em que ao posicionar na reflexão suas instituições e fundamentos traz relevância preponderante para a tipicidade penal O desenvolvimento tecnológico e científico incessante colocado à disposição dos homens dentro do sistema de produção capitalista foi visto até muito pouco tempo de modo absolutamente positivo capaz de outorgar aos seres uma qualidade de vida cada vez maior mesmo que restrita ao enfoque do consumo de mercadorias As forças produtivas foram capazes de intensificações e transformações jamais vistas em todo o tempo ainda que para isso a ideologia do sistema negasse insistentemente os efeitos colaterais que estas mesmas forças poderiam ocasionar Tais efeitos cumpre ressaltar não se resumem ao aspecto da natureza mas estendemse à própria lógica do sistema produtivo e ao abalo das expectativas essenciais ao seu bom funcionamento Os debates acerca do meio ambiente da qualidade dos alimentos das condições de trabalho da abstração do capital foram completamente desprezados num primeiro momento Quando estas mesmas discussões obtinham alguma atenção por parte dos setores hegemônicos o discurso que as permeava utilizavase tão somente de um raciocínio pragmático capaz de tudo racionalmente instrumentalizar para justificar as próprias expansões da ciência e da técnica A realidade deste mundo que estava nas relações de produção que colocavam em risco todas as bases institucionais de um universo desencantado sempre esteve fundamentada pela ideologia apta a legitimar esta forma de vida Apenas com a percepção da perda do controle do próprio desenvolvimento é que se começa a constatar a quebra do sonho do domínio integral pela razão burguesa Redunda daí a própria dissonância temporal entre reflexividade e a reflexão radical o potencial para formas catastróficas de terrorismo a proliferação de armas de destruição em massa e a crescente pressão sobre as instituições internacionais BARBOSA Rubens O Brasil e o mundo em 2020 O Estado de S Paulo São Paulo 08 fev 2005 p A2 Exatamente neste ponto MARX já tratava a dualidade da realidade material das relações e as próprias constatações que os homens faziam das mesmas A crítica ao idealismo postulava exatamente a impossibilidade de querermos conhecer o mundo por meio da consciência uma vez que o caminho A sociedade moderna ao constatar que a produção social da riqueza vem acompanhada necessariamente da produção dos riscos gerados pelas forças produtivas não cria com esta simples compreensão a existência destes riscos em si mesmos mas apenas os reconhece A reflexividade consubstanciada na explosão das formas de vida relações estabelecidas para a produção social da riqueza inerentes ao capitalismo industrial como por exemplo a destruição de uma sociedade de classes rigorosas e duais aos moldes da construção do marxismo científico ou a produção de tecnologia que enquanto inicialmente valorada positivamente se transmuta em potencialidade de destruição na simples humanidade do erro e do desconhecimento existe independentemente de se acreditar conhecer ou não em sua realidade Por esta razão a reflexão é apenas posterior Chernobil não é a essência da sociedade de risco mas é a externalidade que desperta o olhar humano e sua racionalidade histórica para a representação dos seus fenômenos Esta reflexão conhecimento e contato dos novos riscos por sua vez acaba ocasionando fenômenos complexos e de difícil solução na sociedade moderna A consciência dos novos riscos ao ser largamente difundida muitas vezes de modo equivocado e midiatizado salienta uma nova forma de desencantamento Não mais se desacredita no mundo divino deve ser trilhado exatamente ao inverso Na sociedade de risco embora não possamos dizer que se sustenta enquanto formulação teórica marxista a tese da vida determinando a consciência resta por se confirmar na teorização crítica Eis portanto os fatos indivíduos determinados com atividade produtiva segundo um modo determinado entram em relações sociais e políticas determinadas Em cada caso isolado a observação empírica deve mostrar nos fatos e sem nenhuma especulação ou mistificação a ligação entre a estrutura social e política e a produção A estrutura social e o Estado passam continuamente do processo vital de indivíduos determinados mas desses indivíduos não tais como aparecem nas representações que fazem de si mesmos ou nas representações que os outros fazem deles mas na sua existência real isto é tais como trabalham e produzem materialmente portanto do modo como atuam em bases condições e limites materiais determinados e independentes de sua vontade MARX Karl ENGELS Friederich A ideologia alemã cit p 18 A própria sociologia liberal de DAHRENDORF ao claramente combater MARX em publicação da década de sessenta do século passado já apregoava como as classes sociais se desfaziam na sociedade dando ato ao que BECK posteriormente chamaria de planos de vida singulares de seres humanos solitários no mundo Enfim tornouse também menor e não maior a uniformidade interna de ambas as classes burgueses e proletários pelo menos desde o começo do século Entre trabalhadores formaramse novas linhas diferenciadoras segundo a qualificação Hoje em dia uma hierarquia emaranhada leva desde o engenheiro e o operário especializado ao grupo cada vez mais reduzido dos poees sem nenhuma aprendizagem Dentro da burguesia a separação da propriedade e controle das empresas industriais fez surgir os dois grupos nem sempre coordenates dos acionistas e gerentes managers Os chamados capitalistas financeiros foram um terceiro grupo junto a estes DAHRENDORF Ralf Sociedade e liberdade Trad de Vamirch Chacon Brasília IEd da UnB 1981 p 9899 Preferese aqui continuar com a posição de BECK acerca do risco muito embora alguns sociólogos tragam este conceito para um âmbito mais subjetivado como a idéia do risco funcionando como parâmetro humano de vínculo com o futuro A tese apresentada pelos sistemas de LUHMANN confere ao funcionamento do Direito um grau bastante profundo de formatação Contudo o desprezo dado até certo ponto aos conteúdos das disposições jurídicas acaba sendo criticado quando enfocado sob análises que verificam o direito como um espaço de exercício de poder de alcance de consenso social ou de especulação em face da real capacidade humana de diagnosticar os riscos e em contrapartida querer agir normativamente para diminuílos A existência dos riscos prescinde de seu reconhecimento e mais do que isso não se modifica em vista de diagnósticos equivocados ou maquiadores da realidade O que pode mudar é simplesmente a opinião pública ou a relação de pavor dos indivíduos nas suas existências dentro de um sistema e assim ocasionar a diminuição da tensão sob o falso sentimento de controle por parte das estruturas institucionais de gerenciamento dentre elas o vigor dos tipos penais incriminadores O inequívoco por sua vez é que a sociedade de risco ao alcançar seu estágio de reflexão exalando por completo os efeitos da reflexividade que desincorpora os alicerces do capitalismo industrial de classes faz demandar do sistema penal sempre por meio inicial do tipo uma ampla reformulação prática que insiste pela dinâmica rápida de mudanças em desprezar a compreensão crítica de suas motivações políticas e de manutenção do sistema produtivo Os bens jurídicos não agem mais como limitadores da criminalização tendo em vista o vazio atual do discurso de resistência acerca da dignidade de tutela Ao mesmo tempo a própria caracterização dos comportamentos a serem evitados na complexidade produtiva demanda formas de prevenção que extrapolam os limites das garantias do cidadão em face do intervencionismo Os bens jurídicos Como o auxilio desta diferenciação a sociedade pode ajustar um compromisso entre a necessidades de adaptação à realidade e de constância de expectativas Ela institucionalizará cognitivamente expectativas comportamentais isto é não censurará seus membros por uma adaptação da expectativa à realidade da ação se predominanr o interesse na adaptação Ela deslocará e articulará as expectativas ao nível normativo quando forem vitais a segurança e a integração social das expectativas com a crescente complexidade da sociedade crescem também os riscos estruturais que tem que ser prevenidos através de uma maior diferenciação entre as expectativas cognitivas e normativas A separação entre ser e dever ser ou entre verdade e direito não é estrutura do mundo dada a priori mas uma aquisição da evolução Nesse caminho CAMARGO Antonio Luis Chaves Culpabilidade e reprovação penal cit p 134135 Quando há coincidência entre a motivação geral e individual existe um consenso sobre os valores vigentes diminuindo o campo de atrito e portanto o dissenso atingindo o índice de criminalidade Ao contrário quando a norma é simplesmente imposta por uma minoria o atrito comunicacional será acentuado podendo surgir o Direito Penal como defensor de interesses de uma minoria passam a ser vagos e indefinidos economia meio ambiente mercado exterior e o tipo penal incriminador como instrumento prático de mínima legalidade colocase diante da ingrata tarefa de angariar o controle de perigos abstratos que carecem de limitação Apenas para acrescentar o direito processual penal criação procedimental para a concretização da tipicidade no mundo material segue o mesmo caminho transpondo preceitos e garantias em face da executoriedade de resultados na tentativa de realizar as esperanças depositadas na já malograda esfera penal A perda de controle caracterizadora de sociedade do risco na formulação de BECK trazida como paradigma importa na noção de que todas as atividades agora gerenciadas por um direito penal que integra o risco em seu esquema definem a margem mínima de segurança de qualquer relação social contemporânea Essa assertiva quando trazida para o âmbito da tipicidade colocase defronte da inescapável constatação é terminantemente impossível evitar todos os riscos sociais Retornase assim à função seletiva do tipo penal consistente na escolha fragmentária dos comportamentos que signifiquem riscos intoleráveis para o sistema O tipo penal ao abandonar a idéia circunscrita da descrição redundará na linguagem do sistema jurídico consistente na afirmação de quais são os limites de suportabilidade do risco na vivência das relações sociais de produção e riqueza No centro do tipo penal reside a normatividade da fronteira delimitadora do risco proibido e do risco permitido em certas circunstâncias Disso resultam epistemologicamente três momentos de natureza pontual e conseqüente primeiro encontrase o problema já existente na tipicidade clássica acerca de quais as condutas que devem ser criminalizadas porque passam a comportar um risco social insuportável Em segundo lugar questionase qual o limite dos riscos toleráveis no próprio contexto da tipicidade pois se afasta o modelo descritivo de BELING e valorizase o normativismo da definição do que se entende por risco proibido no âmbito de proteção da norma bem como por comportamentos incluídos no âmbito de proteção do tipo Em terceiro lugar aprofundase a importância da crítica na opção do comportamento típico e seus limites 141 HASSEMER Winfried Crises y caracteristicas del moderno derecho penal Doctrina actualidad penal n 4322 nov 1993 Acerca da premissa gerenciadora que assumiu o direito penal no mundo do chamado neoliberalismo destacando seu enfoque de eficiência e organização vide BERGALLI Roberto La eficiencia del sistema penal identificación ideológica e instrumentalización política Nueva Doctrina Penal Buenos Aires p 467468 1998 como exercício do poder legislativo e judicial visando à manutenção do sistema social impõese questionar quais formulações sociais o direito penal verdadeiramente busca preservar As anotações naturalmente interpenetramse Afinal a escolha do modelo que se busca preservar ofertará o sentido numa lógica pragmática de meios e fins ao legislador para optar por criminalizar determinadas condutas cuja reiteração colocará em sinal de alerta as estruturas do modo de produção da riqueza Ato contínuo esta mesma lógica ensejará ao intérprete aplicador a racionalidade de extrair a efetividade das normas para manutenção deste mesmo modelo A própria elaboração da teoria de BECK e aqui se faz um corte material e radical com o funcionalismo visto como a simples forma de articular uma sociedade posta e impassível de críticas esclarece que a diagnose do risco fundamental para sua posterior inserção no modelo típico não é elaborada de modo essencialmente democrático Por mais que a sociedade mundial do risco tenda como fenômeno empiricamente constatado à percepção das ameaças pelo sentido comum e isto culmine num desencantamento e maior publicidade dos debates a ciência como espaço restrito e privilegiado ainda possui o argumento de autoridade para relacionar limites e atividades supostamente razoáveis Com a premissa do sistema penal como gerente de um sistema social específico e cercado pelos riscos produzidos pelo desenvolvimento das forças produtivas sedimentamse as bases para o entendimento das alterações na dinâmica dogmática do tipo e na relação de subsunção superveniente estabelecida pela tipicidade A realidade material da sociedade de risco não ignorada ou idolat rada num puro fetiche permite pois a entrada na seara propriamente da dogmática penal e suas constatações de alteração factual da proteção BECK critica do seguinte modo a suposta expertise de determinação das condutas de risco Pero com ello se gira la cara de la moneda la no aceptación de la definición científica de riesgo no es algo que se le pueda reprochar a la población como irracionalidad sino que se indica precisamente lo contrario que las premisas culturales de aceptación las cuales están contenidas en los enunciados técnicocinetíficos del riesgo son falsas los científicos extraen sus observaciones protegidas de la aceptación cultural de la crítica empírica las elevan a dogmas por encima de otras observaciones y se erigen en ese trono bamboaleante como jueces acerca de la irracionalidad de la población cuyas observaciones en el fondo tendrían que ser averiguadas por éstos y tornadas como base de su trabajo Mais adiante continua BECK sua severa crítica ao absolutismo da verdade científica Los creadores dos limites de tolerancia son videntes tienen um tercero ojo son magos tardolndustriales de la quimica que estan trabajando con todo el montaje de series experimentales e coeficientes BECK Ulrich La sociedad del riesgo cit p 65 e 77 positivismo Os cidadãos neste sentido estão submetidos à discricionariedade do legislador e seus desideratos políticos haja vista serem espetaculares e destinatários da norma diante das quais a única decisão correta deve ser seu estreito cumprimento MALARÉE Hernán Hormazábal Bien juridico y estado social y democratico de derecho Barcelona PPU 1991 PASCHOAL Janaína Conceição op cit p 33 Liszt defende que o bem jurídico penal não é criado pelo legislador sendo sim identificado por ele no cenário social e posteriormente protegido mediante a norma penal Podese portanto dizer ter sido Liszt o primeiro a expressamente defender a idéia de um bem jurídico penal material PRADO Luiz Regis Bem jurídicopenal e Constituição cit p 6061 ROXIN Claus Funcionalismo e imputação objetiva no direito penal cit p 281284 rídicocriminal Se o risco com todos seus problemas de delimitação e conceituação entrou no sistema penal ocasionando a reviravolta do sistema clássico para um novo sistema de bases funcionais deverseão ser analisados os dois pontos principais desta mutação Primeiramente a tutela de novos bens jurídicos agora não mais concretos mas diferenciados dos padrões clássicos neokantianos de valores ou finalistas ontológicos Noutra vertente vislumbrase a modificação dos próprios sujeitos da intervenção penal a qual passa a experimentar o convívio dos antigos tipos penais voltados às classes baixas e de massas de contorno tradicional crime of the powerless com novos modelos incriminadores dirigidos às classes altas crime of the powerful 42 A TUTELA DIFUSA E DIREITO PENAL Ao perquirir sobre a relação entre a tutela difusa ou seja a necessidade de o direito penal garantir os bens jurídicos difusos e o sistema penal especificamente no tocante à tipicidade mais uma vez são notadas as desincorporações de certos paradigmas e a conseqüente incorporação de outros como fenômeno de compreensão da sociedade de risco Não obstante o conceito de bem jurídico tenha assumido as mais diversas feições dentro da sistemática penal ao longo dos tempos com as construções de PJA FEUERBACH BIRNBAUM BINDING 143 PASCHOAL Janaína Conceição Constituição criminalização e direito penal mínimo São Paulo Ed Revista dos Tribunais 2003 p 26 Praticamente todos os doutrinadores que tratam do bem jurídico penal afirmam ser todo Paul Johann Anselm Feuerbach o primeiro estudioso a limitar o recurso ao Direito Penal à proteção de um direito subjetivo ou de interesse afeto a um sujeito específico 144 O pensamento de BIRNBAUM traz o bem jurídico para o mundo da realidade afastandoo da noção anterior de direito subjetivo violado mais adstrito à própria noção do contrato social O surgimento do bem jurídico produzse por razões de natureza política e dogmática No primeiro aspecto vem a ser quase uma conseqüência necessária das transformações econômicas e políticas da época uma nova concepção de Estado Do ponto de vista doutrinário justificase a introdução do conceito de bem jurídico por sua utilidade para servir como termo de referência de fatos ofensivos e porque devido à sua maior amplitude pode ser aplicado ao campo das delitos religiosos e contra os costumes Em um momento ulterior Birnbaum 1843 que introduziu o conceito de bem no contexto jurídicopenal em substituição ao de direito subjetivo observa ser decisivo para a tutela penal a existência de um bem radicado diretamente no mundo do ser ou da realidade objeto material importante para a pessoa ou a coletividade e que pudesse ser lesionado pela ação delitiva Essa teoria se afasta da tese de lesão do direito em três pontos na configuração do conceito de bem comum na ampliação do fim do Estado e na renúncia de extrair a doutrina do objeto do delito postulado das condições de vida em sociedade como haviam feito o iluminismo e o liberalismo originário PRADO Luiz Regis Bem jurídicopenal e Constituição 3 ed São Paulo Ed Revista dos Tribunais 2003 p 3132 145 O pensamento de BINDING consiste simplesmente em identificar direito com a lei de forma com que o bem jurídico deve ser extraído do próprio conteúdo legislado alcançando o máximo do LISZT entre outros é inegável por outro lado que tal instituto sempre foi dotado de instrumentalidade orientando sempre o sistema de direito penal e contribuindo com suas funções doutrinariamente aceitas de limitação ao direito de punir do Estado teleologia ou interpretação individualização da pena diante da gravidade de lesão e sistematizaçãoclassificação A relação entre bem jurídico e tipicidade tendo em vista as funções sistêmicas que executam ocorre de maneira umbilical A natureza conceito do bem jurídico que se busca proteger e sua representação social demandará da tipicidade um certo ferramental para o exercício do controle É impossível pensar uma proteção jurídica à vida humana sem a tipificação e criminalização das condutas que promovam resultados de abalo a esta ou seja atitudes de resultado material com clara relação de causalidade vg o homicídio o aborto o infanticídio ou o induzimento auxílio e instigação ao suicídio Da mesma maneira o patrimônio e suas formas de transferência como bem jurídico individualizado e concretizável possui seus meios de proteção na proibição do furto do roubo da apropriação indebita do dano etc Tudo isso é o exemplo de um direito penal que desde longo tempo possui este bem jurídico individual como o elemento axiológico central de suas restrições seletivas de comportamentos A complexidade dos comportamentos que hoje se vislumbra evitar destarte segue o grau de variabilidade de atuações dentro de relações sociais estipuladas pela forma da produção da riqueza Assim numa sociedade elementar de contatos pouco imbricados e de precária utilização de máquinas e tecnologias o direito penal sempre demonstra a mera utilização de tipos de dano de modalidade dolosa sendo de certa tranqüilidade a indicação do nexo causal conforme a uma lei natural O tipo penal se faz simplesmente como uma ação preponderantemente dolosa embora se identificasse o dolo como integrante da culpabilida positivismo Os cidadãos neste sentido estão submetidos à discricionariedade do legislador e seus desideratos políticos haja vista serem espetaculares e destinatários da norma diante das quais a única decisão correta deve ser seu estreito cumprimento MALARÉE Hernán Hormazábal Bien juridico y estado social y democratico de derecho Barcelona PPU 1991 PASCHOAL Janaína Conceição op cit p 33 Liszt defende que o bem jurídico penal não é criado pelo legislador sendo sim identificado por ele no cenário social e posteriormente protegido mediante a norma penal Podese portanto dizer ter sido Liszt o primeiro a expressamente defender a idéia de um bem jurídico penal material PRADO Luiz Regis Bem jurídicopenal e Constituição cit p 6061 ROXIN Claus Funcionalismo e imputação objetiva no direito penal cit p 281284 rídicocriminal Se o risco com todos seus problemas de delimitação e conceituação entrou no sistema penal ocasionando a reviravolta do sistema clássico para um novo sistema de bases funcionais deverseão ser analisados os dois pontos principais desta mutação Primeiramente a tutela de novos bens jurídicos agora não mais concretos mas diferenciados dos padrões clássicos neokantianos de valores ou finalistas ontológicos Noutra vertente vislumbrase a modificação dos próprios sujeitos da intervenção penal a qual passa a experimentar o convívio dos antigos tipos penais voltados às classes baixas e de massas de contorno tradicional crime of the powerless com novos modelos incriminadores dirigidos às classes altas crime of the powerful 42 A TUTELA DIFUSA E DIREITO PENAL Ao perquirir sobre a relação entre a tutela difusa ou seja a necessidade de o direito penal garantir os bens jurídicos difusos e o sistema penal especificamente no tocante à tipicidade mais uma vez são notadas as desincorporações de certos paradigmas e a conseqüente incorporação de outros como fenômeno de compreensão da sociedade de risco Não obstante o conceito de bem jurídico tenha assumido as mais diversas feições dentro da sistemática penal ao longo dos tempos com as construções de PJA FEUERBACH BIRNBAUM BINDING 143 PASCHOAL Janaína Conceição Constituição criminalização e direito penal mínimo São Paulo Ed Revista dos Tribunais 2003 p 26 Praticamente todos os doutrinadores que tratam do bem jurídico penal afirmam ser todo Paul Johann Anselm Feuerbach o primeiro estudioso a limitar o recurso ao Direito Penal à proteção de um direito subjetivo ou de interesse afeto a um sujeito específico 144 O pensamento de BIRNBAUM traz o bem jurídico para o mundo da realidade afastandoo da noção anterior de direito subjetivo violado mais adstrito à própria noção do contrato social O surgimento do bem jurídico produzse por razões de natureza política e dogmática No primeiro aspecto vem a ser quase uma conseqüência necessária das transformações econômicas e políticas da época uma nova concepção de Estado Do ponto de vista doutrinário justificase a introdução do conceito de bem jurídico por sua utilidade para servir como termo de referência de fatos ofensivos e porque devido à sua maior amplitude pode ser aplicado ao campo das delitos religiosos e contra os costumes Em um momento ulterior Birnbaum 1843 que introduziu o conceito de bem no contexto jurídicopenal em substituição ao de direito subjetivo observa ser decisivo para a tutela penal a existência de um bem radicado diretamente no mundo do ser ou da realidade objeto material importante para a pessoa ou a coletividade e que pudesse ser lesionado pela ação delitiva Essa teoria se afasta da tese de lesão do direito em três pontos na configuração do conceito de bem comum na ampliação do fim do Estado e na renúncia de extrair a doutrina do objeto do delito postulado das condições de vida em sociedade como haviam feito o iluminismo e o liberalismo originário PRADO Luiz Regis Bem jurídicopenal e Constituição 3 ed São Paulo Ed Revista dos Tribunais 2003 p 3132 145 O pensamento de BINDING consiste simplesmente em identificar direito com a lei de forma com que o bem jurídico deve ser extraído do próprio conteúdo legislado alcançando o máximo do da riqueza permite compreender esta passagem Os bens jurídicos individuais apresentavam ao Direito Penal a função de tipificar os comportamentos que significassem formas específicas de agressão a estes mesmos bens Assim a idéia da propriedade privada ao mesmo tempo em que estruturava e estrutura o modo de produção capitalista exigia que os indivíduos pudessem obter do Estado por meio dos tipos penais a garantia da inviolabilidade de seu patrimônio Assim mais do que garantir a propriedade em si mesma como bem jurídico idealizado o Estado reprime determinadas condutas humanas capazes de tornar o cidadão desprovido daquilo que é seu criando no proprietário a pretensão de que isto seja respeitado 151 A alteração da dinâmica atual do tipo penal não consiste na faculdade que a este é concedida de garantir expectativas de comportamentos posto que tal função sempre foi exercida pelo sistema penal O que se altera de fato são as novas estruturas sociais instâncias indispensáveis que o tipo penal de certa forma agora deve manter O bem jurídico individual possui em seu proprietário o elemento fundamental dito de outra forma ao direito penal concebe a qualidade de proteger certas pessoas de determinada agressão comportamental lesividade perpetrada por outros cidadãos através de formas específicas No caso dos atuais bens jurídicos difusos sua característica diferenciadora é a orientação da tipicidade penal no sentido de proteger uma determinada instância social ou localidade social na qual as pessoas interagem com os mais diversos tipos de comportamentos Todavia o próprio funcionamento destas instâncias não pode permitir qualquer maneira de atuação mas sim atividades que respeitem ao mínimo determinados padrões Apenas o respeito concomitante por parte de todos consegue obter desta instância coletiva ou difusa a sua esperada funcionalidade Nesse sentido a própria noção de lesividade é reinterpretada uma vez que ao comportamento típico é prescindível sua lesividade individual Em seu lugar colocase uma nova constatação do que venha a ser lesividade a lesividade à instância à boa operacionalização de um setor social 151 JAKOBS aponta com bastante lucidez esta relação intersubjetiva que o direito penal proíbe e que acaba por tornar crítica à própria noção de bem jurídico como ente abstrato e absoluto há um bem que é a propriedade por exemplo e esta não deve ser lesada O proprietário do bem pode permitir sua destruição Se o bem está ameaçado não procede que todos devam auxiliálo a salválo unicamente se pretende que não ocorra a destruição ou subtração do mesmo Portanto do ponto de vista do direito penal o bem aparece exclusivamente como pretensão do proprietário de que este seja respeitado JAKOBS Günther O que protege o direito penal os bens jurídicos ou a vigência da norma In CALLEGARI André Luís GIACOMOLLI Nereu José Coords Direito penal e funcionalismo Trad André Luís Callegari et al Porto Alegre Livr do Advogado Ed 2005 p 34 Estas instâncias da sociedade de risco elaboradas com o avanço das forças produtivas tornam indispensáveis os crimes de perigo os quais embora chamados de perigo são danosos para a manutenção da organização e necessários ao seu gerenciamento Os crimes de perigo entendidos como antecipadores da tutela penal ao mesmo tempo em que antecipam a punição considerando a lesividade individual punem a já existente lesividade sistêmica da instância A partir do momento em que a indústria consegue poluir em larga escala de sorte a comprometer o meio ambiente jamais no sistema de produção capitalista vai se imaginar o fechamento das fábricas É possível conceber contudo e até para não se esgotar a matéria natural modalidades penais de gerenciamento da forma com que se pode produzir sistema penal gerencial Os mercados financeiros os transportes o avanço sobre o meio ambiente são instâncias que não desejam ser suprimidas pelo sistema produtivo com criminalizações típicas totais Os avanços das forças produtivas fizeram apenas com que tais espaços ocupassem um papel preponderante modulando inclusive a forma do homem de viver em sociedade Para o bom funcionamento destas instâncias é necessário o controle por meio do sistema penal decorrendo daí a noção empírica percebida de sua expansão Da mesma forma é impossível pensar na admissão de qualquer forma de comportamento no interior destas instâncias sendo o direito penal o responsável por este regramento O direito penal portanto quando cria novos modelos típicos não contradiz sua função burguesa apenas a adapta à nova realidade da produção social da riqueza com a qual é em última instância condicionado O domínio do homem por completo da natureza por um lado criou a sua incorporação no sistema social152 e por outro a degradou de forma incontornável O exercício da reflexão próprio do segundo momento de institucionalização da sociedade de risco mostrou que bens antes abundantes já não mais se encontram assim153 A sociedade de risco criou a tecnologia que gerou o sequestro dos homens pela sua própria obra Surge o mercado mundo e com ele as elementares intocáveis e impassíveis de qualquer crítica a concorrência o consumo de larga escala e alucinado 152 BECK Ulrich La sociedad del riesgo cit p 8992 153 O problema do meio ambiente traz a atenção de todos os ramos jurídicos notadamente da processualística geral e o desenvolvimento dos procedimentos de tutela aos bens difusos e coletivos Vide GRINOVER Ada Pellegrini A problemática dos interesses difusos In Coord A tutela dos interesses difusos São Paulo Max Limonad 1984 cunho preponderantemente prescritivo embora também ideológico enquanto opção política de força o segundo é notadamente ideológico mas se presta a reconhecer e viabilizar a prescritividade62 Sem o discurso jurídico ou a dogmática jurídicopenal não há regras de decisão a permitirem as postulações prescritivas A produção científica ou até mesmo o compilado de jurisprudência por mais ingênuos que possam parecer atribuem a prescritividade ao ordenamento abstrato conciso e teoricamente neutro e igual em face de todos A dogmática reduz as diversas opiniões em opiniões dominantes e minoritárias colocase à disposição das decisões dos tribunais e ao mesmo tempo orientaas63 Dentro desta relação entre tipo penal e seu produto no discurso jurídico aqui centrado na produção acadêmica refletida pelo conteúdo deôntico do discurso do direito imprescindível é a visitação ao desenvolvimento de sua formulação conceitual e categorial no seio do direito penal Não se trata de mera descrição histórica factual mas forma de compreensão da elaboração dos preceitos inerentes ao tipo penal e que portanto apreende aspectos ideológicos e necessários demarcando as vicissitudes de um Direito sempre atento com a capacidade prática de limitação de condutas indesejáveis em momentos específicos e da mesma forma com as justificações axiológicas legitimadoras O traçado da evolução do tipo penal encerra em si mesmo um plexo de lutas e contradições A legalidade em época de arbítrio os bens jurídicos em momentos de abstração contínua o tipo aberto em ensaios garantistas Sinteticamente o tipo nada mais é senão o homem expondo suas esperanças de controle comportamental na instrumentalização penal 62 CORREAS Oscar op cit p 118119 Chamaremos ideologia do direito ao sentido ideológico do discurso do direito ou seja o que não constitui seu sentido deônico Denominaremos em troca ideologia jurídica a ideologia expressada no discurso jurídico ou seja no discurso que acompanha o direito como no discurso de quem fala dele Tal como o direito também o discurso jurídico possui ideologias Tratase por exemplo do discurso que descreve normas supostamente discurso científico mas também do discurso que referindose ao direito o avalia como justo ou injusto conveniente ou não conveniente ajustado ou não à realidade como costumam dizer os juristas Igualmente se trata do discurso que acompanhando o direito o explica o fundamenta ajuda a interpretálo o maquila ou inclusive prescreve condutas que o poder espera que se acredite que se produzam e que não efetivamente se produzam Isto não impede que às vezes de fato fundamentem as resoluções de funcionários de ideologia não previstas como poucos juízes que fundamentalmente na ideologia do direito presente em alguns textos constitucionais como o direito à moradia produziram sentenças rechçando a pretensão de desalojar os ocupantes pobres de imóveis pertencentes a ricos investidores em bens de raiz 63 HASSEMER Winfried Introdução aos fundamentos do direito penal cit p 272 o sistema financeiro internacional os bolsões de investimento a repleta volatilidade da riqueza Todas estas novas realidades se para alguns trazem benefícios e circulação de divisas inegavelmente também se percebeu da necessidade de confiança disciplina cumprimento das regras do jogo e exatamente neste ponto entra a dinâmica do direito penal sua tipificação gerencial e como afirma BERGALLI sua eficiência Neste enfoque constróise a chamada expansão do direito penal na sociedade de risco de preponderância econômica posto seu reflexo decorrente do aumento da criminalidade de massa pela onde irrefreável de exclusão pela conscientização da destruição da natureza e pela desesperada tentativa de regramento do Leviatã ideológico do mercado Ao mesmo tempo e numa cadeia contínua de conseqüências a percepção dos mencionados problemas reflexão deriva do aumento necessário dos riscos sociais reflexividade culminando num individualismo de massas atomizadas que invertem o eixo do estereótipo do homem aventureiro154 A produção dos riscos inerentes a estas atividades instâncias cresce continuamente de forma retardada tais riscos vão sendo percebidos de imediato buscase no direito penal a ânsia de controlar os efeitos desta insuportabilidade Esta miríade de condições acaba por enveredar o sistema de controle penal por meio da extensão dos bens jurídicos alvo de tutela e da conseqüente tipificação que supostamente os afronte para horizontes jamais pensados numa realidade onde o crime culposo já se compreendia por exceção aos delitos dolosos de resultado As novas dinâmicas de uma sociedade aglutinadora de riscos e promotora de relações humanas mediatizadas por tecnologias transformadoras da humanidade do erro em forças destrutivas passam a empenhar o direito penal na necessidade de gerenciar este concerto O malogro do direito administrativo pela burocracia exacerbada e a descrença no rigorismo de sua atuação apontam como a única solução o direito penal e a tipicidade A opinião pública construtora da diminuição da margem de tolerância dos riscos suportabilidade em vista das inseguranças e do comprometimento das esferas de organização individual por fatores exógenos e incontroláveis o que gera o sentimento puro de impotência acredita quase como profissão de fé e desespero que o direito penal é a melhor senão a única forma de criação de expectativas de atuação Não se acredita que a administração por meio de seus instrumentos notoriamente intervencionistas possa controlar adequadamente a qualidade dos produtos que saem das fábricas e direcionamse aos hipermercados para o consumo da massa populacional Sem embargo e com este raciocínio o direito penal deve punir aquele que serve alimento impróprio para o consumo ou emprega substância proibida ou acrescenta invólucro com falsa indicação caso contrário estarseá exposto aos contatos anônimos da sociedade de risco sem qualquer proteção do Estado e de seus novos modelos de tipicidade A alteração da tipicidade penal mais uma vez representa a alteração das relações sociais e conseqüentemente a mudança dos comportamentos necessários de evitação Incluise ainda nestes fatores de transmutação do modelo clássico os gestores atípicos da moral identificados por SILVA SANCHEZ como um pensamento notadamente de esquerda que da defesa de um abolicionismo penal centrado na identificação deste setor jurídico como expressão da opressão da burguesia sobre o proletariado acabou invertendo o eixo e tornandose defensor de um direito penal máximo o qual deve afiar suas garras punitivas e voltarse àquela camada privilegiada que sempre o utilizou155 Os gestores atípicos nessa linha de pensamento hoje desejam ver através da repressão penal a responsabilização pela até então ultima ratio de personagens sociais que jamais foram protagonistas do papel de criminosos 155 SILVA SÁNCHEZ JesusMaria A expansão do direito penal aspectos da política criminal nas sociedades pósindustriais cit p 6568 156 SILVEIRA também aponta o papel dos gestores atípicos da moral por exemplo na exacerbação de um suposto direito penal do consumidor Afóra poucos casos não parece ser justificável a atuação penal na defesa do consumidor sendo notada a grita dos gestores atípicos da moral em sentido contrário SILVEIRA Renato de Mello Jorge Direito penal supra individual interesses difusos cit p 152153 ou baseadas em vinganças históricas reside na própria dinâmica do sistema produtivo e exatamente nesse caminho objetivase a demonstração do malogro da concepção penal liberal O tipo penal tem sua formulação como exercício de poder o que não exclui a participação de determinados grupos neste processo decisório Todavia a supervalorização de grupos sociais determinados e minoritários na expansão do direito penal não parece o mais acertado A compreensão levada ao extremo acaba por esquecer da relação dialética entre as forças produtivas e as relações sociais das quais a proibição penal é expressão O direito não tipifica suas condutas na globalidade por desejos localizados e específicos As formas como a riqueza é produzida embora não determinem condicionam os limites e as funções do sistema penal considerando inclusive os limites que o próprio sistema encontra em seu contato com a realidade A dinâmica do capitalismo implica na alteração de seu sistema e estruturas e por mais que se pense poder ser o direito penal alterado com idéias momentaneamente não hegemônicas em que pese a inegável existência destas num modelo de formal democracia os padrões de tipicidade são resultados do desenvolvimento liberal Não se trata de ser mais ou menos garantista na defesa dos corolários clássicos em detrimento do direito penal do risco mas simplesmente notar as alterações das relações sociais Não é à toa e aqui dizer que a constitucionalização da incriminação de bens jurídicos difusos é obra dos gestores atípicos já se torna inviável tendo em vista o próprio sistema de legitimação do Estado que a própria ConstituiçãoCidadã anota a relevância de criminalização de tais bens jurídicos157 fomentando toda a pertinente discussão acerca da imposição ou sugestão de tipicidade conforme o postulado no texto da Carta Maior158 O mais importante contudo é como o direito penal tendo em vista a necessidade de tutela destes novos bens jurídicos impostos pela reflexividade da sociedade de risco direciona a tipicidade para tal controle Sem embargo ocorre a inequívoca relativização de todos os princípios liberais clássicos sedimentados na dogmática penal159 O papel da ciência jurídica consiste agora em detalhar como compatibilizar a realidade imposta de criminalização de condutas para proteger bens difusos com a mínima garantia do cidadão em face da agressão estatal Afinal os tipos de perigo abertos normativos continentes do risco proibido são a forma genuína de proteção ao meio ambiente ao consumidor e à economia por mais que se possa discutir com real importância a relevância prática ou os respectivos fundamentos da dignidade de tutela penal destes bens160 Os delitos de perigo ou aqueles que trazem à tipificação uma conduta que não ocasiona um dano como resultado de alterações naturalísticas empiricamente verificáveis de lesividade individual morte inversão da posse prejuízos econômicos lesões corporais etc foram distinguidos na doutrina tradicional como reflexo do positivismo tecnicista nos chamados crimes de perigo concreto e abstrato Não obstante todas as discussões que se travaram acerca da objetividade ou subjetividade do perigo de um certo modo convencionouse que os perigos concretos são aqueles que necessitam de investigação caso a caso portanto aperfeiçoados com um juízo de valoração ex post Por sua vez os delitos de perigo abstrato operariam com presunções de efetivação do perigo uma vez realizada a conduta Nesta espécie o legislador efetuaria uma generalização apriorística de quais comportamentos deveriam ser evitados porquanto são sempre e irremediavelmente perigosos161 157 Exemplo máximo desta positivação constitucional está no art 225 3 da Constituição Federal de 1988 que afirma As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores pessoas físicas ou jurídicas a sanções penais e administrativas independentemente da obrigação de reparar os danos causados 158 PASCHOAL Janaína Conceição op cit Em sentido contrário ao da autora ou seja concedendo ao direito penal maiores possibilidades que as previstas constitucionalmente COSTA José de Faria Direito penal especial contributo a uma sistematização dos problemas especiais da parte especial Coimbra Coimbra Ed 2004 p 33 159 BECK Ulrich La democracia a sus enemigos Trad Daniel Romero Álvarez Buenos Aires Ed Paidós Ibérica 2000 p 17 160 CALLEGARI em obra específica acerca do Direito Penal Econômico ao citar KLAUS TIEDEMANN ressalta as reflexões feitas por este acerca da viabilidade e dignidade da tutela penal na economia e seus agentes Para Tiedemann porém algumas perguntas devem ser feitas sobre a política econômica e a política criminal como deve um Estado proteger jurídicopenalmente a economia e os atores econômicos ou deve pelo contrário pôr aos empresários as menores restrições possíveis em favorecimento de um suspeito crescimento econômico Deve o legislador penal prever uma regulação aberta no Código Penal ou deve relegar a regulação dos delitos econômicos à legislação penal especial e nesse marco deixálos à potestade sancionadora da Administração econômica configurandolhes especialmente como infrações administrativas Deve o legislador conformar os tipos penais econômicos de modo acessório ao Direito Econômico ou deve empreender uma regulação jurídico penal autônoma As indagações têm fundamento porque muitas vezes se tem a impressão de que a criação de tipos penais serve para resolver os problemas que a administração não consegue é dizer problemas tributários fiscais previdenciários etc Assim as perguntas de Tiedemann merecem atenção pois em alguns casos a criação de tipos penais não surtirá qualquer efeito uma vez que nem sempre se conseguirá o esperado isto é não são os novos tipos penais ou a intervenção do Direito Penal que solucionará os problemas da economia de um país CALLEGARI André Luís Direito penal econômico e lavagem de dinheiro Porto Alegre Livr do Advogado Ed 2003 p 1718 161 NORONHA Edgar Magalhães Direito penal 25 ed São Paulo Saraiva 2000 v3 p 314 Numa linguagem mais próxima da interação entre tipicidade e perigo poderseia dizer que nos casos de tipos de perigo concreto a efetivação da exposição danosa é elemento integrante do tipo penal de modo com que sem este não há que se falar no juízo de atribuição crimes de resultado de perigo Nos delitos de perigos abstratos punese ou buscase evitar uma simples realização humana bastando mera conduta para a perfeita tipicidade crimes de mera conduta perigosa A ocorrência destas modalidades dogmáticas do tipo penal encontra sua explicação exatamente na necessidade de gerenciamento das instâncias sociais difusas localidades onde os indivíduos mantêm relações anímicas e intersubjetivas O gerenciamento destes sistemas implica na necessidade estatal de manter padrões mínimos de comportamento etiquetando de perigosos aqueles desviados ou que extrapolem o risco permitido Esta zona entre os riscos permitidos e proibidos deve ser comunicada por meio do tipo penal o qual não pode sob pena de disfunção do sistema deixar a valoração para os cidadãos individualizados O tipo penal nesse traçado centraliza os limites do risco proibido o qual se não fosse assim estaria descentralizado nas consciências múltiplas Seria impensável um controle do trânsito por exemplo que desprezasse as tipificações do risco e abandonasse nas mãos dos motoristas individuais o próprio autocontrole da periculosidade de sua condução Um sistema que se baseia na fidúcia da riqueza não pode deixar que apenas os capitalistas individuais possam estabelecer os padrões mínimos de administração financeira Portanto quando aparentemente se coíbe o livre mercado punindo o agente econômico não se esta limitando o capitalism pelo contrário estáse gerenciando para funcionar ainda melhor e com maior credibilidade em face de suas regras atinentes Resulta desta é conhecida a distinção entre perigo abstrato e concreto o que entretanto também não é pacífico O primeiro é o que a lei considera como resultante de certas ações baseadas em regras ditadas pela experiência ou pela lição dos fatos Há então presunção de perigo O segundo deve ser investigado e provado caso por caso Assim enquanto no perigo abstrato a situação perigosa é presumida no concreto há de ser demonstrada no fato JAKOBS Günther Ciência do direito e ciência do direito penal cit p 3334 Em tais casos o legislador costuma concretizar centralmente os postulados normativos e o faz de tal modo que ele mesmo descreve também sem mencionar de modo algum o resultado não desejado da ação a configuração dos comportamentos contrários à norma e com isso o que se vai produzindo descentralizadamente fica reduzido à simples verificação de em que caso se dá tal configuração de comportamento Assim a lei proíbe coisas muito diferentes desde o falso testemunho até a condução de veículo sob a influência de bebidas alcoólicas e o faz também quando o indivíduo não vê resultado perigoso de seu comportamento e quiçá tampouco poderia vêlo nesses crimes de perigo abstrato o tipo de comportamento se define como não permitido por si mesmo é dizer centralizadamente sem atender à especialidades não centrais afirmação a demontração do equívoco de achar que as normas penais podem interferir no sistema para mudálo A interferência implica sempre em forma de manutenção uma vez que o direito nunca afirma o que deve ser mas aquilo que é diante das alterações estruturais Em face deste quadro são inerentes duas ponderações que adiantase não pretendem oferecer respostas satisfatórias Primeiramente debate se o direito penal dentro de um sistema de garantias pode permitir a criminalização dos delitos de perigo abstrato ou se tal afirmação poderia direcionar para situações máximas de antecipação de lesões A segunda e ainda mais complicada emerge da questão de como pode o jurista dentro da complexidade da sociedade de risco estipular os juízos capazes de apontar para a real periculosidade de certos comportamentos A divisão dos delitos entre tipos de perigo concreto e tipos de perigo abstrato facilita a aproximação Entendendo os crimes de perigo concreto como delitos de resultado de perigo e os crimes de perigo abstrato como crimes de mera conduta perigosa pode ser afirmado que para ambos basta a turbação do bem jurídico ou instância ou sistema social para sua concretização independentemente do resultado naturalístico A premissa de qualquer compreensão baseiase na aceitação da própria noção de perigo como um elemento normativo do tipo objetivo devendo destarte assim ser avaliado A probabilidade e possibilidade de lesão tida pelo legislador em abstrato e pelo jurista em concreto deve ser pautada na especificidade da esfera criminal e seus contornos de relevância posto que o âmbito de proteção da norma deve relacionar a criação de perigos que sejam relevantes ao sistema penal risco proibido incremento do risco de uma atividade já perigosa Se assim não for acabam por ratificar de imediato todas as positivaçãoes de perigo abstrato além de instaurar a plena arbitrariedade nos delitos de perigo concreto Entendendo portanto que na sociedade de risco todas as atividades já possuem um perigo inerente risco permitido o tipo penal estará realizado apenas na existência de um risco que se torne proibido em face de sua própria relevância jurídicopenal Aceitando os crimes de perigo abstrato mas exigindo sua conferência com as premissas constitucionais A tipificação de tipos de perigo abstrato não ofende ao princípio da proporcionalidade sempre que de acordo com as regras de experiência e bom senso o legislador no momento nomogenético averiguando a necessidade a idoneidade e a ponderação em torno da razoabilidade na relação entre o meio incriminacão e o fim tutela do bem conformar a norma penal a tais requisitos Do contrário restará desrespeitado sempre que o legislador não observar qualquer dos subprincípios referidos SILVA Ângelo Roberto Ilha Dos crimes de perigo abstrato em face da Constituição São Paulo Ed Revista dos Tribunais 2003 p 150 foi de modo evidente influenciado pelo positivismo jurídico de BINDING admitindo plenamente o corolário maior da teoria positivista vislumbrado na cisão total entre direito e moral e conseqüentemente a completa desvinculação dos valores do segundo em face do anterior Nesse aspecto a teoria do tipo vem como exemplo maior do apego à lei e à construção científica de limitação do poder no Estado de Direito salientando o caráter liberal burguês do pensamento da época reinante na sociedade69 A construção do tipo penal em sua modalidade incipiente acabou por criar uma estrutura exclusivamente objetiva desprovida de qualquer aspecto normativo ou valorativo e subjetivo ou anímico Esta característica simplesmente descritiva aliás foi o verdadeiro diferencial desta etapa de pensamento abrindo inclusive o espaço para as brutais críticas sofridas por BELING realizadas pelos demais pensadores que o sucederam70 capitalista aos moldes do que era a propriedade individual nos três últimos séculos O sistema penal conforme apontado na metodologia escancara definitivamente suas portas para o discurso jurídico ou a linguagem do jurista sobre a norma no discurso do discurso Bem verdade que este discurso jurídico sempre existiu como forma de validade e aplicabilidade das palavras do direito ou da lei mas se antes consistia mais numa espécie de metalinguagem hoje assume além daquela feição um caráter de complementação de outorga preponderante de sentido sem a qual o próprio tipo não se faz e nada diz As letras da lei adstritas à literalidade do tipo penal incriminador não são mais suficientes na sociedade de risco O mundo social ficou grande demais para o hermetismo da tipicidade clássica Não surpreende assim a crise sobre as normas penais em branco e os tipos abertos na irreversível expansão do direito penal Isso não deriva da vontade e da consciência desprezada da realidade do legislador mas sim da necessidade de controle de uma infraestrutura jamais espelhada nas relações sociais postas defronte do jurista clássico O crime de gestão temerária art 4º parágrafo único da Lei nº 749286 os crimes de complementação administrativa da lei ambiental Lei nº 960598 ou as vagas textualizações do Código de Defesa do Consumidor Lei nº 807890 muito pouco ou nada dizem se considerada simplesmente a ação textual tipificada E mais do que isso se de repente resolvessem solucionar o problema seria inconcebível compreender no tipo penal todas as hipóteses possíveis de realização dos perigos que se visa evitar Negar esta realidade e impedir a atuação do direito penal significa manter a contradição lógica do sistema consistente no condicionamento exercido pelas forças produtivas nas relações sociais e suas instituições A normatização do elemento central do tipo penal e a noção do risco integrador do discurso jurídico do intérprete ou da ciência significam as ressalvas feitas por BECK quanto à suposta certeza da sabedoria humana em lidar com suas criações A sociedade de risco gera um paradoxo no sistema penal e na tipicidade pois sem a abertura os bens não são tutelados Se a racionalização da tradição oferta ferramentas para lidar com o mundo a racionalização da racionalização insere as dúvidas necessárias quanto à funcionalidade daquelas ferramentas166 SILVEIRA ao apontar as imensas dificuldades do tema relata a construção de SCHRÖDER delegado alemão no X Congresso Internacional de Direito Penal na tentativa de construção de um construtao de um modelo intermediário aos crimes de perigo abstrato e concreto Ele desenha portanto uma subclassificação da figura do perigo distinguindo delitos em que a concordância formal entre ação e descrição legislativa conduz à afirmação de que a sua tipicidade há de ser verificada judicialmente a fim de que se comprove a idoneidade desta ação para a produção de um perigo ao bem jurídico protegido A isso chamaria de perigo abstratoconcreto uma categoria intermédia entre o perigo concreto e abstrato SILVEIRA Renato de Mello Jorge Direito penal supra individual interesses difusos cit p 99 legitimados pela mera presunção legislativa A centralização das noções dos riscos proibidos levaria em consideração por meio da cognição do intérprete a real necessidade de atribuir tipicidade e suas consequências penais tendo em vista a lesividade do funcionamento e da expectativa sobre uma determinada instância sistema financeiro tráfego etc O outro problema da relação entre tipo penal e sociedade de risco está no momento de operacionalização destes instrumentos no perfazimento do conteúdo do que seja o risco proibido margem de tolerância Com o conceito de risco proibido bem como sua entrada no tipo normativo por meio do âmbito de proteção da norma a forma de determinar quais riscos são de fato proibidos ou permitidos tornase conflituosa e interpretativa discurso jurídico Perguntase quais condutas verdadeiramente criam perigos para os bens jurídicos difusos que hoje são alvos da tutela penal Este ponto nodal corrompe o positivismo na sua coerência de centralizar na lei o universo de cognição do jurista A sociedade de risco e a gama dos resultados derivados do plexo de atividades não permitem sua positivação textual Em suma o tipo penal prescreve a conduta que supostamente extrapola o risco permitido mas não diz qual é realmente o seu conceito Se antes bastava dizer que é crime matar alguém pois isto exprimia uma faceta identificável do universo social hoje dizer simplesmente que é crime gerir de forma temerária uma empresa é muito pouco para delinear o mundo O tipo penal ao espelhar a ação proibida na sociedade de risco é destarte interpretativo vago gasoso ou de forma dogmática essencialmente normativo165 Esta normatização do tipo que com a sociedade de risco gradativamente alcança seu apogeu explica a perda da certeza clareza e hermetismo das postulações proibitivas A rigor ou se admite a relativização destes princípios não obstante se debata em quais limites ou a tutela penal jamais será apta a ofertar expectativas comportamentais nas grandes corporações na pulverizada cadeia de produção na degradação cumulativa do meio ambiente na difusão do consumo de massas enfim nestes atuais bens jurídicos importantes para a manutenção do sistema 165 CAMARGO Antonio Luís Chaves Imputação objetiva e direito penal brasileiro cit p 129 A aplicação da imputação objetiva na análise da ação determinará a presença de todos os elementos indicados sem a possibilidade de partirse de um conceito puramente causal pois outros elementos integram a ação determinante da intervenção no mundo exterior Não se pode desprezar que o conteúdo da ação é composto por elementos como convenções sociais acordos entre grupos educação e outros fatores que formam a complexidade intersubjetiva das ações específicas A noção da tipicidade aqui se fazia de modo independente desligada de aspectos factuais cumprindo apenas a missão de imagem reitora O tipo penal em BELING não possui conteúdo algum rebatendo veementemente todos aqueles que visavam à demonstração de elementos subjetivos ou normativos em sua composição Na teoria do pensador o tipo penal tem como razão de existência o cumprimento de função sistemática responsável por ordenar o emprego dos conteúdos da parte geral da legislação penal e regular a punição estatal conceito metodológico de ordenação71 As críticas sofridas por BELING principalmente pelos neokantianos já possibilitam alguns sinais que posteriormente seriam esquematizados como as finalidades contidas na tipicidade penal elementos subjetivos do tipo todavia muito pouco desenhadas e desenvolvidas naquele período O tipo inicialmente congrega funções sistemáticas e garantidoras posto que até então o fato criminoso era especificado apenas como uma ação antijurídica culpável e passível de sanção BELING acima de tudo percebeu que esta definição tornava bastante vaga e imprecisa a noção do delito para os tempos do positivismo centralizador da responsabilidade penal na norma jurídica em si mesma A teoria do delito ganha pois um conceito de crucial importância porém já bastante afastado do atual cenário dogmático penal e da noção hodierna de tipicidade e seu cunho finalista e axiológico72 BELING determina de forma muito clara sua teoria fazendo incutir de modo compreensível a idéia da tipicidade e sua relação com os elementos já consagrados A estrutura formalizada do crime em dois aspectos subjetivo e objetivo está muito precisa no autor sendo a primeira responsabilidade exclusiva da culpabilidade diretório aglutinador do dolo também sua importância no controle social atinente à tutela dos deten tores dos bens individuais O sistema penal inegavelmente sempre se direcionou para classes soci ais menos favorecidas o que tem por explicação sua historicidade liberal destinada a centralizar a proteção na figura da propriedade Basta a per functória análise dos tipos incriminadores constantes da legislação codifi cada e extravagante para constatar a quantidade de normas proibitivas rela cionadas direta ou indiretamente às questões de cunho patrimonial Por óbvio um sistema que constrói sua sistemática para a proteção deste bem jurídico traçará sua população alvo naquelas pessoas desprovidas deste mesmo bem Não é à toa portanto a existência de algumas construções teóreticas como por exemplo o empirismo do positivismo antropológico italiano inaugurado por LOMBROSO167 ou o caldo de cultura capaz de potencializar a criminologia crítica em todas as suas vertentes168 Nesse diapasão o modelo de tipicidade penal apto à defesa intransi gente da propriedade estava adstrito à sua circunstância histórica o que faz com que mais do que garantir por completo este bem jurídico o sistema obtenha uma forma específica de garantir o bem169 Evitase clara 167 FERRI Enrico Princípios de direito criminal 2 ed Trad Paolo Capitanio CampinasSP Ed Bookseller 1999 p 250 O homem que comete um delito ou por seu preponderante impulso fisiopsíquico causa endógena ou por seu predomínio de condições de ambiente causa exógena pelo menos no momento em que realiza o fato está em condições anormais Se assim não fosse a repugnância do senso moral e a previsão de suas consequências dolorosas a que vai de encontro impedilo iam de fazer mal Se delinqüir isso significa que ou por condição transitória ou por condição permanente congênita ou adquirida a sua atividade psíquica funciona anormalmente quer dizer de modo não adaptado às condições de existência social segundo o ambiente especial em que todo homem vive e trabalha 168 SHECAIRA Sérgio Salomão Criminologia São Paulo Ed Revista dos Tribunais 2004 p 331 Ao expor as bases do pensamento da Escola da Criminologia Crítica o autor aponta claramente suas bases marxistas A lei penal nada mais é do que uma estrutura também designada supe restrutural dependente do sistema de produção infraestrutura ou base econômica O direito ao contrário do que afirmam os funcionalistas não é uma ciência mas sim uma ideologia que só será entendida mediante uma análise sistêmica denominada método histórico dialético O homem por sua vez não tem o livrearbítrio que lhe atribuem pois está submetido a um valor econômico que lhe é insuperável e que acaba por produzir não só o crime em particular mas também a criminalidade como um fenômeno mais global com as feições patrimoniais e econô micas que todos conhecem 169 GRACIA MARTIN Luis Prolegomenos para la lucha por la modernización y expansion del derecho penal y para la crítica del discurso de resistencia Valencia Tirant lo Blanch 2003 p 5152 O autor ao combater a imemorialidade que se tenta ofertar ao pensamento clássico por meio da denominada Escola de Frankfurt imputa claramente ao pensamento iluminista uma situação histórica específica e de impossível extensão El sentido fundamental histórico de la denominación por otro lado permite advertir que el mencionado modelo penal ha sido uno dependiente en sus formas y en sus contenidos de un determinado modelo histórico de sociedad y por tanto de unas determinadas coordenadas espaciotemporales De este modo se ha de comprender que su adecuación y su validez están condicionadas por la subsistencia del modelo e da culpa e a segunda dividida em dois conceitos a antijuridicidade como mecanismo de valoração jurídicopenal e a tipicidade como formatação descritiva objetiva e não valorativa apta à simples explicitação do comportamento escolhido como proibido e indesejável pelo legislador De fato o mais puro dos discursos do direito prescritivo imperativo sancionatório e vinculador Destarte a norma se diferencia integralmente da valoração que se faz sobre ela mesma ou seja tipicidade e ilicitude não se misturam O primeiro é objeto de avaliação do segundo e com este não se confunde estabelecendo padrões de cognição sucessivos porém isoláveis73 Assim o juízo de tipicidade ou a verificação em concreto que determinado comportamento corresponde ao modelo reitor erigido pelo direito penal como relevante para o controle do aparato estatal não significa em hipótese alguma qualquer relação com a antijuridicidade e muito menos com o juízo de culpabilidade O tipo possui um significado autônomo dependendo de modo imprescindível da realização dos demais elementos para a perfeição do crime Decorre daí a essência da independência típica postulada com tamanha firmeza pelo autor transbordando toda sua influência positivista e redundando no modelo de ampla capilaridade formal que apresenta O tipo identificase apenas com a lei enquanto a antijuridicidade é a única estrutura capaz de normatização apta a conferir verdadeiramente se a ação conduta humana escolhida externa e voluntária74 atenta contra o ordenamento jurídico BELING identicamente restringe em sua perspectiva positivista fechada e lógicoformal a antijuridicidade ao conjunto regrado do Estado sendo este o verdadeiro bem jurídico não acatando hipóteses de qualquer confusão entre valores extrajurídicos e sua teoria hermética Apontase nessa postura um dos principais alvos de ataque dos neokantianos de Baden em suas tentativas metodológicas de mente a transferência da propriedade de modo ilegal ou sua destruição por nãodetentores ensejando como consequência a perfeita incidência dos tipos dolosos de resultado tais como o roubo o furto o estelionato ou a apropriação indébita A tipicidade tradicional espelha as relações individuais estabelecidas na produção social da riqueza A subsunção do tipo penal nestas relações específicas pressupõe necessariamente uma vinculação subjetiva desigual O crime contra a propriedade é sempre o delito do carecedor em face do possuidor mesmo que ambos os conceitos restrinjamse ao objeto determinado na interação O crime contra a propriedade espelha a desi gualdade que não é propriamente do direito penal mas por este é refle tida e legitimada através dos conteúdos inerentes à tipicidade Na socie dade de risco estas modalidades delitivas não desaparecem mas são afeta das de duas formas diferentes perdem gradativamente o espaço central do sistema penal e passam por um forte recrudescimento como resulta do de sua insuportabilidade social170 A sociedade de risco ao não resolver o problema da divisão da rique za aprofunda os bolsões de pobreza e de exclusão social diminuindo além disso os mecanismos de controle informais família igrejas centros comunitários etc num mundo de massas atomizadas A ruptura com a noção de classes sociais como forma de apoio coletivo ao plano de vida singular redunda no individualismo como forma existencial individuali zando sem cessar a própria noção de desigualdade Conforme BECK o indi vidualismo não significa a solidão sendo muito mais profundo do que isso De fato resulta na dissolução e no desmembramento das formas de vida da sociedade industrial substituídas pela montagem e improvisação que os homens devem fazer de suas próprias biografias171 de sociedad que lo sustenta y por ello que aquéllas tendrán que considerarse de caídas en la misma medida en que se haya tranformado el modelo de sociedad y precisamente en primer lugar porque como abandonó el propio discurso ilustrado la tarea del Derecho penal es la protección de las condiciones básicas de subsistencia de la sociedad y en segundo lugar sobre todo porque la mayor parte de tales condiciones de subsistencia no constituyen ningún material con validez a priori intemporal por que solo pueden definirse como formaciones e invenciones históricas resultantes de las condiciones de posibilidad dy en este sentido si constituyen un a priori pero histórico de un modelo sólo historico de sociedad determinado y de ningún otro distinto en su lugar 170 Um dos fatores deste produto que é a insuportabilidade social com a criminalidade de massa reside nos meios de comunicação os quais transformam o crime e o criminoso em espetáculo de dor sofrimento e violência Tais influências estimulam na sociedade o sentimento de temor e insegu rança gerando o clamor de mais punição e rigor por parte do aparato formal de controle do Estado Nesse sentido vide capítulo acerca da relação entre mídia e crime em SHECAIRA Sérgio Salomão CORRÊA JÚNIOR Alceu Teoria da pena São Paulo Ed Revista dos Tribunais 2002 p 374392 171 BECK Ulrich La democracia e sus enemigos cit p 35 inserir a cognição das ciências axiológicas ao mundo do direito positivo malgrado não se afastem deste último por completo O paradigma erigido por BELING foi prontamente criticado pelos seus opositores acadêmicos de forma bastante severa nos seus dois principais pilares de sustentação Demonstrouse em primeiro lugar que a diferenciação entre elementos do tipo e subjetividade do atuar humano não se sustentava uma vez que as ações ao buscarem determinado alcance inseriam no tipo alguma finalidade o que influenciaria posteriormente o próprio pensamento de WELZEL Em segundo lugar com destaque para a originalidade de MAYER percebeuse que embora pudessem não se confundir sistematicamente a tipicidade não poderia ser absolutamente desconectada da ilicitude tendo em vista a existência de conceitos normativos no tipo que apenas ganhariam significados quando desta forma avaliados criando já há época um substrato de inserção do discurso jurídico como único instrumento de vitalidade do discurso do direito Se o apego ao fim do agir humano fosse desprezado criariase ia empecilho incomensurável na delimitação típica de condutas hoje classificadas como homicídio e lesão corporal seguida de morte De forma mais direta a voluntariedade do comportamento não poderia ser esquecida se de fato a tipicidade resolvesse por abarcar um sentido verdadeiro de garantia classificação e diferenciação de comportamentos proibidos pela lei penal O problema aprofundase ainda mais quando a simples percepção sensorial da tipicidade não permite a compreensão das denotações impostas como as ferramentas valorativas indispensáveis para o entendimento do que seja homem coisa alheia móvel mulher honesta cheque enfim hipóteses em que se abre o espaço para as novas teorias do tipo que salvariam o futuro do conceito75 e propiciariam o desenvolvimento de sua ciência como imagem reguladora76 Neste enfoque a apontada separação e identificação que BELING faz entre tipicidade e lei por um lado e antijuridicidade e norma de outro culminando na não aceitação dos elementos normativos do tipo como quebra da independência deste último vai ser o ponto nevrálgico de modificações apontadas pelos neokantianos para romper a formalizada independência típica do gênio de BELING Ao invés da luta sindical ou da associação para embates políticos a criminalidade aparece ao homem da sociedade de risco como uma op ção mais eficiente e menos coletivista de ascensão Igualmente quando se obtém a identificação com um determinado grupo esta identidade não ocorre pela existência de uma forma de vida estandarizada Surge pela conjuntura que vislumbra na criminalidade a única saída172 Com estas premissas é notório nos países periféricos o aumento da criminalidade na sociedade de risco bem como seu potencial de violên cia empregada As fronteiras sociais de suscetibilidade ao crime de massa se rompem continuamente na medida da impossibilidade de proteção pessoal Não existe mais o bairro totalmente seguro o esquema de prote ção invulnerável a pessoa que se pode a todo é qualquer custo confiar As respostas por sua vez para esta criminalidade se dão de todas as formas e em generalizadas camadas sociais dos ricos aos pobres na variabilidade do poder aquisitivo173 O contexto políticocriminal da sociedade de risco assume o espectro de um Estado preventivo e ineficaz O outro não mais é cidadão mas pode ser um real inimigo174 Esta construção do chamado direito penal do inimigo de JAKOBS175 traz uma conseqüência bastante significativa para a idéia dos limites de tipificação penal e sua correlação com a lesividade A tipicidade penal neste intérim passa a conceber a criminalização de condutas prévias à efetiva lesão do bem jurídico Em outras palavras há a antecipação da tutela no tocante ao antigo iter criminis dos delitos de resultado naturalístico Essa retração do tipo em face das etapas do comportamento criminoso culmina na necessita de de reinterpretação do conceito de lesividade também para a criminalidade de massa Os delitos de perigo passam a ser aqui igualmente utilizados con figurando uma mudança global da tipicidade penal e não somente restrita aos bens jurídicos difusos propriamente ditos A proteção da propriedade individual não se concebe apenas com a criminalização da efetiva inversão da posse mas estendese à simples conduta de por exemplo portar ferra mentas destinadas à prática de arrombamentos O Estado preventivo formatado na modernidade busca de maneira frenética e intolerante a segurança tão sonhada nas vozes da opinião públi ca com o apoio irrestrito da mídia policial e dos movimentos de Lei e Ordem Se no caso dos delitos de classes altas serão estipulados níveis me nos tolerantes dos riscos sistemáticos no caso dos delitos tradicionais a sociedade de risco instaura a desenfreada criminalização de condutas de questionável lesividade A fórmula é tipificar antecipando as restrições e alcançando gradativamente uma totalização de controles comportamentais Como afirmado se antes apenas a transferência da propriedade estava devidamente tutelada agora como ressalta SCHÜNEMANN176 a pró pria utilização dos bens e suas simples existências podem acarretar a puni ção pela tipicidade consistente nas presunções de utilidades deletérias para certos objetos As condutas tipicamente objetivas como as presentes nos artigos 291 e 294 do Código Penal Brasileiro as quais punem a mera posse ou guarda de petrechos destinados à falsificação de moedas ou documen tos crescem a cada ato legiferante Interessa notar contudo que na prática forense o juízo de tipicidade destas normas incriminadoras leva em consi deração inúmeros fatores indiciários os quais supostamente permitem pre sumir esta destinação ilícita tais como o local de apreensão e as pessoas que possuíam e suas condições sociais Nessas premissas é inserido o mais com pleto discurso jurídico preconceituoso na clara demonstração de qual é o público alvo da tutela penal de massa 172 Id La sociedad del riesgo cit p 110 BECK faz esta mesma análise quanto à domesticação da luta de classes pelo Direito do Trabalho narrando a transformação de uma movimentação humana coletiva para a individualidade dos casos particulares La juridificación ha trasladado al movimiento obrero de la calle a los despachos donde se lleva a cabo como esperar sentarse volver a esperar volver a sentarse rellenar um formulario rellenar otro y como conversación de asesoramiento con el funcionario competente que transforma el antiguo destino de clase en las categorias jurídicas individualizadas del caso particular 173 PASTANA Débora Regina Cultura do medo reflexões sobre a violência criminal controle social e cidadania no Brasil São Paulo Ed Método 2003 p 93 O empresário manda blindar o automóvel transformando o num veículo de proteção contra o eventual ataque de bandidos seqüestradores ou de assaltos nas esquinas Na sua casa são colo cados alarmes câmeras de vídeo portões automáticos tudo como medidas preventivas Mesmo com todo esse aparato ele ainda contrata segurança particular para defesa da sua vida e de seu patrimônio Já o trabalhador levanta o muro de sua casa coloca grades nas janelas lanças no portão cacos de vidro nos muros e como segurança particular arruma um cão raivoso e feroz 174 SILVA SÁNCHEZ JesusMaria op cit p 32 O fenômeno da criminalidade de massas determina que o outro se mostre muitas vezes preci samente e sobretudo como um risco o que constitui a outra dimensão não tecnológica de nossa sociedade de risco 175 JAKOBS Günther Fundamentos do direito penal cit p 114115 Em relação à tentativa de participação e com a constituição de associações criminais e terroristas pode parecer que não é evidente uma inclusão como a efetuada aqui em princípio no âmbito interno do sujeito É portanto assim caberia perguntar a formação de quadrilha um assunto privado Na medida em que se insinue com essa pergunta que a perseguição de fins antijurídicos não é uma questão privada por ela não se vir afetada não somente a formação de quadrilha como também a concepção em seu conjunto Toda a preparação de um delito pode ser definida como uma conduta que é nãoprivada mas então já não se tem nenhum motivo para se deter ante a incriminação de pensamentos Por essa via todo o direito penal se converte um direito penal de inimigos 176 SCHÜNEMANN Bernd Del derecho penal de la clase baja al derecho penal de la clase alta Un cambio de paradigma como exigencia moral In Temas actuales y permanentes del derecho penal después del milenio cit TIPO PENAL E IMPUTAÇÃO OBJETIVA1 Nome do Aluno RA Turma A teoria da imputação objetiva tem como objetivo principal a resolução das questões que envolvem a imputação de um resultado a um ato prévio realizado pelo autor Isso porque essas mencionadas questões se não forem exploradas da maneira correta podem levar o operador do direito a um regresso infinito o que redundaria em uma responsabilização do primeiro homem que já habitou o planeta terra por todos os problemas causados nos dias atuais Em uma análise histórica temos que a teoria da imputação objetiva teve como precursores os estudiosos Larenz e Honig Larenz foi o responsável por dividir os acontecimentos imputáveis daqueles fortuitos para ele o fundamento principal da análise acerca da prática de um crime reside no ato de vontade de dominar determinado acontecimento causal Já Honig entendia que somente quando se chega à finalidade real do agente com a prática daquele ato é que se torna possível separar os resultados fortuitos daqueles que deverão ser imputados a quem praticou Porém foram as teorias seguintes que trouxeram maior clareza sobre o tema Essas teorias foram formuladas por Claus Roxin Günther Jakobs e Wolfgang Frisch Para Claus Roxin a imputação objetiva nada mais é que um instrumento que permite interpretar a norma objetiva que está contida dentro do tipo penal Ainda para ele é necessário analisar se o resultado atingido se derivou de uma conduta desviante por parte do agente Como se pode observar Roxin acrescentou em sua visão sobre a teoria da imputação dois elementos já estudos por seus antecessores a realização de um risco não permitido e a efetivação deste risco no resultado Estes dois elementos se juntarão a ação o nexo causal e o resultado sendo a junção de todos a composição do tipo penal Mas o autor vai além ao entender que é necessário inserir ainda o que ele chama de âmbito de proteção do tipo dentro do estudo da conduta humana reprovável em outras palavras para Roxin o comportamento adotado pelo agente precisa estar inserido dentro daqueles que a norma penal tinha como objetivo reprimir 1 Resumo do capítulo 52 tipo penal e imputação objetiva e seus subtítulos contidos na obra intitulada Tipicidade Penal e Sociedade de Risco do autor Alamiro Velludo Salvado Netto pág 136 Entretanto o pensamento de Claus Roxin acabou sendo superado por seus seguidores quando da elaboração da imputação objetiva e do tipo penal As ideias de Günther Jakobs se mostram muito diferentes das de Roxin Isso porque a construção das categorias trazidas por Jakobs para explicar a imputação objetiva trazem uma universalidade maior abrangendo diversas modalidades de tipos penais podendo aplicar a teoria aos crimes dolosos culposos comissivos consumados ou tentados Na visão de Jakobs a estrutura da imputação objetiva se dará em dois momentos imputação objetiva do comportamento e imputação objetiva do resultado A primeira traz a ideia de que é necessário que haja uma violação do papel social por parte do agente em seu comportamento Assim necessário destacar que Jakobs estabelece quatros critérios para verificação de um comportamento tido como reprovável e imputável sendo eles risco proibido princípio da confiança proibição de regresso e competência da vítima Entretanto o autor é bastante criticado em razão da elaboração do que se chamou de Direito Penal do Inimigo Dentro do estudo imputação objetiva o que se extrai de importante do Direito Penal do Inimigo é que Jakobs tipifica condutas que antes eram tidas como meros atos preparatórios de outros tipos penais transformandoas em tipos penais autônomos de perigo Porém da mesma foram que a teoria de Roxin a visão de Jakobs sofreu críticas por prever apenas mecanismos formais de imputação Assim os limites materiais entre o risco permitido e os proibidos permanecem sem uma análise específica A teoria de Wolfgang Frisch por sua vez vem para contestar todo o estudo feito por Claus Roxin Estando diametralmente opostos em pensamentos Roxin entende que a imputação objetiva deve ser analisada sob o prisma da imputação do comportamento típico enquanto que Frisch entende que esta imputação se refere a imputação do resultado Ainda Claus Roxin entende que a tipicidade não está inserida no mesmo contexto que a da proteção da norma risco proibido Já Frisch entende que o risco proibido não é uma categoria diferente ou complementar do tipo penal estando inclusa nele Tendo como base a teoria desenvolvida por Frisch temos que o comportamento típico é compreendido com a ação que está atrelada ao perigo juridicamente desaprovado o que criaria um risco relevante já proibido para o bem jurídico que é objeto da tutela do tipo penal incriminados determinado Na visão de Frisch o risco proibido deve ser verificado através da análise de três categorias idoneidade necessidade e adequação ou proporcionalidade Só após a observância destes requisitos é que se pode afirmar a existência de um juízo de reprovação éticosocial Como se pode observar na teoria desenvolvida por Frisch ficarão excluídas a existência do âmbito de proteção da norma e o âmbito de proteção do tipo Ambos passaram a ser vistos como uma questão apenas denominada de âmbito do comportamento típico Assim como mencionado anteriormente em relação aos outros dois estudiosos do direito Frisch também não apontou um critério para esclarecer quais seriam os limites de tolerância que transformariam um risco numa periculosidade relevante para o mundo jurídico Como uma análise final o autor do livro em questão traz a sua visão acerca do tema definindo que a imputação objetiva é um importante meio para manejar os conceitos do risco mas que tais estudos são essencialmente formais uma vez que não trazem a ideia de limites de tolerância e suas implicações JAÉN VALLEJO Manuel El concepto de acción en la dogmática penal Madrid Ed Colex 1994 p 4142 Especialmente reveladoras de esta tendencia resultan las siguientes palabras de JAKOBS el concepto de acción no se busca antes de la sociedad sino dentro de la sociedad No es la naturaleza la que enseña lo que es una acción como pretendia la escuela de V LISZT con su separación de lo físico y lo psicológico y el concepto de acción tampoco puede extrarase de la ontologia sino que en ébtito del concepto de acción lo decisivo es interpretar la realidad social hacerla comprensible en la medida en que está relacionada con el derecho penal Por tanto un concepto jurídico penal de acción debe combinar sociedad y derecho penal debe contener una teoria lo mas completa posible del comportamiento jurídico penal relevante El concepto final de acción suscita inmediatamente una gran discusión en la doctrina alemana sobre todo por haber sustraido a la culpabilidade el dolo y la culpa lo que suponia un cambio sustancial en el sistema de la teoría del delito entonces imperante decada de los trenta Curiosamente desde hace ya tiempo es aceptado en forma casi unanime en Alemania una excepción la representan BaumannWeber que el dolo e la culpa no formam parte de la culpabilidade sino del tipo penal lo que no ha supuesto como se caba de indicar la aceptación de la idea de la vinculacíon del legislador a las estructuras lógicoobjetivas o previas a la ley asi como tampoco del concepto de acción del finalismo Las razones más bien habría que buscarlas en existencia de los elementos subjetivos del tipo asi como en la punibilidad de la tentativa 102 WELZEL Hans O novo sistema jurídico penal uma introdução à teoria da ação finalista cit p 31 A esse respeito é indiferente para o sentido da ação final que a conseqüência produzida voluntariamente represente na estrutura total da ação o fim desejado o meio utilizado ou mesmo um mero efeito concomitante compreendido pela vontade de realização 103 Importante notar que o conceito de culpa em WELZEL assume um grau de importância quase exclusiva à ação não residindo no resultado a tamanha importância que lhe era atribuído pelos causalistas Naturalmente Welzel havia derivado antes este disvalor de acción de la acción imprudente igualmente de seu finalidad de una finalidad defectuosa de la finalidad potencial no totalmente actualizada y con ello convirtió a la culpabilidad en el sentido de la imprudencia subjetiva en presupuesto del ilícito así evita en adelante esta inconsecuencia dejando decidir a favor del ilícito la contrariedad objetiva de la conducta al deber de cuidado ZIELINSKI Diethart Disvalor de acción y disvalor del resultado en el concepto de ilícito Trad Marcelo A Sancinetti Buenos Aires Editorial Hammurabi 1990 p 177 104 CHAVES CAMARGO trabalha a idéia da culpabilidade e sua relação com o mundo da vida expressando tal respeito dialético como característica fundamental do princípio da dignidade humana construida no Estado de Direito demarcandoa como sendo a consideração do ser como

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TIPICIDADE PENAL E SOCIEDADE DE RISCO Salientese que o autor não se propõe a uma descrição linear das teorias mas o faz com um caráter crítico tornando a leitura mais interessante e o estudo mais adequado a quem pretende caminhar além do positivismo jurídico ou do tecnicismo jurídico Após esta apresentação ingressa o autor na análise do tema mais atual da dogmática jurídicopenal que é a sociedade de risco Vários são os pontos que preocupam o cientista penal na atualidade que são o conceito e amplitude do risco e quais os efeitos do mesmo para o Direito Penal Este tem ainda que se preocupar com a tutela dos bens difusos que determinam uma criminalidade complexa Todos estes pontos foram analisados pelo autor com base em penalistas modernos e que mais desenvolvem o tema em especial na Alemanha e Espanha Por outro lado o autor mostra o sistema penal aberto e explicita o seu significado como opção para o Direito Penal atuar na sociedade atual aproximandose da realidade social que tem como característica a complexidade o que transformou o estudo do tipo penal Encerra a análise com clareza expositiva e referências críticas sobre a tarefa a que se propôs no início do trabalho demonstrando o autor Alamiro Velludo Salvador Netto clareza na análise o que produz um resultado positivo consistindo seu estudo em completo e atual sobre o tema Antonio Luis Chaves Camargo Professor Titular e Vicediretor da FDUSP QUARTIER LATIN ALAMIRO VELLUDO SALVADOR NETTO Advogado criminalista Mestre e doutorando em Direito Penal pela Faculdade de Direito da USP Pósgraduado em Direito Penal pela Universidade de Salamanca Espanha TIPICIDADE PENAL E SOCIEDADE DE RISCO Editora Quartier Latin do Brasil São Paulo inverno de 2006 quartierlatinquartierlatinartbr wwwquartierlatinartbr Editora Quartier Latin do Brasil Rua Santo Amaro 349 CEP 01315001 Vendas Fone 11 31015780 Email vendasquartierlatinartbr Site wwwquartierlatinartbr TODOS OS DIREITOS RESERVADOS Proibida a reprodução total ou parcial por qualquer meio ou processo especialmente por sistemas gráficos microfilms fotográficos reprográficos fonomagnéticos videográficos Vedada a memorização c ou a recuperação total ou parcial bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados Essas proibições aplicamse também às características gráficas da obra e à sua editoração A violação dos direitos autorais é punível como crime art 184 e parágrafos do Código Penal com pena de prisão e multa busca e apreensão e indenizações diversas arts 101 a 110 da Lei 9610 de 19021998 Lei dos Direitos Autorais EDITORA QUARTIER LATIN DO BRASIL Rua Santo Amaro 349 Centro São Paulo Editor Vinicius Vieira Formado em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas FGVSP Editora de Texto Priscila Tanaca Mestra em Direito pela PUCSP Produção Editorial Monica A Guedes Formada em Letras pela FFLCHUSP Produção de Arte Thiago Kazuo Muniz de Souza SALVADOR NETTO Alamiro Velludo Tipicidade Penal e Sociedade de Risco São Paulo Quartier Latin 2006 ISBN 8576741520 1 Direito Penal Brasil I Título Índices para catálogo sistemático 1 Brasil Direito Penal 2 Brasil Direito Contato editoraquartierlatinartbr wwwquartierlatinartbr Agradeço aos professores da eterna academia o acolhimento e apoio oferecido por inesquecíveis oito anos quando aqui entrei pela primeira vez para iniciar a graduação Minha admiração e carinho ao Prof Chaves Camargo meu orientador sem o qual nada disso realmente teria ocorrido Aos meus queridos pais como ínfima retribuição de uma vida que jamais será à altura recompensada SUMÁRIO Apresentação e Agradecimentos 9 Prefácio 11 1 Introdução 15 2 Tipo e Tipicidade Penal Objeto e Metodologia 19 21 Variantes do Tipo Penal na doutrina tradicional 31 211 Tipo Penal fechado 35 212 Tipo Penal aberto 38 213 Norma Penal em branco 40 22 Referências Críticas 42 3 A Evolução Metodológica do Tipo Penal 49 31 O pensamento de Ernst Beling e o Tipo Descritivo 54 32 O pensamento de Max Ernst Mayer e o Tipo Indiciário 60 33 O pensamento de Edmund Mezger e o Tipo Essência 64 34 O pensamento de Hans Welzel e o Tipo Finalista 69 35 Referências críticas 78 4 A Sociedade de Risco como Paradigma Sociológico 81 41 O Risco e o Direito Penal 90 42 A Tutela Difusa e Direito Penal 99 43 A criminalidade de massas na Sociedade de Risco 113 44 A criminalidade complexa como fruto da Sociedade de Risco 120 5 Tipo Penal Sociedade de Risco e Imputação Objetiva 127 51 O sistema penal aberto 133 52 Tipo Penal e Imputação Objetiva 137 521 O Tipo Penal a Imputação Objetiva e a proposta de Claus Roxin 139 522 O Tipo Penal a Imputação Objetiva e a proposta de Günther Jakobs 144 523 O Tipo Penal a Imputação Objetiva e a proposta de Wolfgang Frisch 150 53 O Discurso de Resistência O Direito Penal Simbólico 153 531 A formulação de Winfried Hassemer e o Direito de Intervenção 158 532 A formulação de Silva Sánchez e o Direito Penal de Duas Velocidades 162 533 Referências Críticas 164 54 O Tipo Penal e o Risco Social Direito como expressão democrática do consenso social 167 6 Conclusões 173 Referências Bibliográficas 183 APRESENTAÇÃO E AGRADECIMENTOS A presente obra editada pela editora Quartier Latin resulta da dissertação de mestrado por mim apresentada perante o Departamento de Direito Penal Medicina Forense e Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo A defesa do trabalho ocorreu na data de 1º de novembro de 2005 oportunidade em que tive a imensa honra de obter o grau de mestre em Direito Penal pela renomada instituição A publicação mantém quase que a originalidade do trabalho apresentado com algumas alterações sugeridas pela Banca Examinadora A edição de um livro neste sentido espelha sempre um momento ou mesmo um instante intelectual específico de seu autor uma vez que a dinâmica humana sempre significa sua transformação constante e em consequência a infinita releitura conflitosa de nossas próprias idéias e formulações Não poderia deixar de publicamente agradecer e dedicar esta obra ao meu caríssimo orientador e autor do prefácio deste livro Professor Titular Antonio Luis Chaves Camargo Certamente todo este trabalho o qual significa o cumprimento de uma importante etapa da vida universitária jamais teria sido realizado sem a dedicada e competente orientação a qual reflete vigorosamente a vocação acadêmica e o brilhantismo intelectual deste Professor que há diversos anos forma admiráveis seguidores no instigante universo do Direito Penal Agradeço também aos professores Alaôr Caffé Alves e Fábio Guedes de Paula Machado pelas importantes participações em minha Banca Examinadora tendo em vista a relevância dos comentários críticas e sugestões que foram feitas à dissertação apresentada Exalto da mesma forma a ajuda imensa e fundamental ofertada pelo Professor Renato de Mello Jorge Silveira em razão de sua paciência na leitura dos constantes esboços que eram entregues por este aluno sempre na expectativa de suas preciosas avaliações e orientações bibliográficas Não poderia ainda olvidar de muito agradecer aos Professores Miguel Reale Júnior e Eduardo Reale Ferrari pela oportunidade de trabalhar e auxiliálos na condição de monitorassistente do Programa de Aperfeiçoamento do Ensino PAE na disciplina Direito Penal Parte Especial I e II o que tanto contribuiu para as reflexões que de alguma forma estão sedimentadas ao longo do texto final Gostaria de mencionar também sob pena de ingratidão os meus queridos amigos Fábio Costa Sá e Silva Fernando Gaspar Neisser e Humberto Mitsunori Matsuda sempre atentos com o desenvolvimento acadêmico e exímios colaboradores através de debates discussões e recomendações Aos meus pais do mesmo modo ficam aqui as mais justas homenagens Por fim e como previsível a qualquer de seus alunos dedico também este livro a Velha e Sempre Nova Academia nossa querida Faculdade de Direito do Largo São Francisco Após oito anos sob seus cuidados sendo cinco na graduação e três no curso de mestrado sinto mais uma vez a certeza de que o antigo convento torna inesquecível sua participação na vida de todos nós Suas memórias são e serão sempre cantadas com emoção e em cada canto daquele histórico Largo está o coração deste estudante O Autor PREFÁCIO O presente trabalho é produto da reflexão sobre a sociedade de risco tema que tenho estimulado nos cursos de pósgraduação da Faculdade de Direito da USP O mestre Alamiro Velludo Salvador Netto sempre demonstrou desde os bancos acadêmicos do curso de graduação dedicação e seriedade nos estudos o que lhe possibilitou apresentar uma obra ampla e profunda sobre o tema que elegeu Tipicidade Penal e Sociedade de Risco Destacase em primeiro lugar a importância do tema tipicidade penal quando há a preocupação do autor em analisar os tipos penais fechados e os tipos penais abertos e a norma penal em branco Estes três aspectos são relevantes para a compreensão dos demais capítulos A preocupação da dogmática penal com relação ao tipo e tipicidade remonta a Ernst Belling quando introduziu o princípio segundo o qual não haveria crime sem tipicidade Desde esta máxima com conteúdo meramente formal há um caminhar pelas diversas fases metodológicas do tipo penal de modo que o leitor possa ter uma visão completa sobre a evolução do conceito de tipo penal nas diversas escolas penais Salientese que o autor não se propõe a uma descrição linear das teorias mas o faz com um caráter crítico tornando a leitura mais interessante e o estudo mais adequado a quem pretende caminhar além do positivismo jurídico ou do tecnicismo jurídico Após esta apresentação ingressa o autor na análise do tema mais atual da dogmática jurídicopenal que é a sociedade de risco Vários são os pontos que preocupam o cientista penal na atualidade que são o conceito e amplitude do risco e quais os efeitos do mesmo para o Direito penal Este tem ainda que se preocupar com a tutela dos bens difusos que determinam uma criminalidade complexa Todos estes pontos foram analisados pelo autor com base em penalistas modernos e que mais desenvolvem o tema em especial na Alemanha e Espanha Por outro lado o autor mostra o sistema penal aberto e explicita o seu significado como opção para o Direito Penal atuar na sociedade atual aproximandose da realidade social que tem como característica a complexidade o que transformou o estudo do tipo penal A imputação objetiva tema ainda recente na doutrina jurídicopenal brasileira é resaltada juntamente com a análise do tipo penal e da sociedade de risco Destaquese que não é tranqüila a exposição da imputação objetiva na doutrina brasileira Esta ainda tem como fundamento o tecnicismojurídico de inspiração positivista jurídica e no geral colocaa num mesmo patamar dogmático destas linhas o que torna difícil sua compreensão resultando em equívocos conceituais e doutrinários O instrumento de análise do fato no sentido de imputar objetivamente ao sujeito este mesmo fato como obra sua é portanto indispensável quando se trata do Direito Penal na sociedade de risco A imputação objetiva da forma como foi analisada esclarece não só seus elementos como também a importância de sua utilização na tipificação de crimes tratandose em especial de bens jurídicos difusos Além destes e outros aspectos importantes o autor nos oferece um eficaz estudo sobre o sistema penal aberto como único capaz de aproximarse da realidade social no sentido de solução de conflitos no âmbito jurídicopenal O tipo penal e a imputação objetiva mereceram uma análise pormenorizada com relação às propostas de Claus Roxin Günther Jakobs e Wolfgang Frisch demonstrando a preocupação do autor com as teorias mais recentes da dogmática jurídicopenal alemã Diante da situação atual do Direito Penal brasileiro não foi esquecida a proposta da Escola de Frankfurt de Direito Penal com o pensamento de Winfried Hassemer e o Direito Penal da Intervenção como uma forma de flexibilização com menos garantias capazes de coibir e reprimir os desvios desta sociedade de risco Junto a esta formulação há a de Silva Sanchez denominada de Direito Penal de Duas Velocidades num enfoque que pretende resolver a questão da criminalidade na sociedade atual também conhecida como complexa Não se trata assim como sugere o autor de transferência pura e simples de teorias européias em especial alemãs para o Direito Penal brasileiro mas de um referencial para adaptação da nossa cultura jurídica para podermos enfrentar a criminalidade organizada em seus vários aspectos Encerra a análise com clareza expositiva e referências críticas sobre a tarefa a que se propôs no início do trabalho demonstrando o autor Alamiro Velludo Salvador Netto clareza na análise o que produz um resultado positivo consistindo seu estudo em completo e atual sobre o tema indicando que não é mais uma promessa mas um mestre que muito contribuirá para a dogmática jurídicopenal brasileira Antonio Luis Chaves Camargo Professor Titular e Vicediretor da FDUSP 1 INTRODUÇÃO A sociedade de risco representa o modelo social da incerteza na qual o conceito de risco apresentase ao mesmo tempo como um elemento existente reflexividade e vinculador do homem ao seu futuro reflexão O direito penal definido como um sistema normativo de controle social obedece a estas transformações alterando suas formatações típicas e estendendo sua tutela para situações antes impensadas para este modelo de regulação Neste enfoque as próprias formas coletivas de interação são imprevisíveis O desenvolvimento do conceito de tipicidade penal ao longo dos trabalhos elaborados por diversos autores e estudiosos da teoria geral do delito é inconteste Os avanços dogmáticos que o sistema jurídico penal vem sofrendo hoje em dia demonstram o empenho acadêmico que lhe é peculiar A teoria da imputação objetiva os novos estudos sobre o problema do concurso de agentes os delitos de perigo e cumulativos o direito penal do inimigo o sistema penal integral as teses acerca do bem jurídico refletem com clareza como em passos largos e firmes o direito penal vai abandonando a dualidade causalismofinalismo que por muito tempo significou seu foco principal O fim do jusnaturalismo reafirmado pelo desencantamento do mundo e a crise do positivismo perpetuada pela complexidade da sociedade moderna impulsionaram uma nova forma de pensar as modalidades penais e o direito como um todo ou seja propiciaram um formato teórico de abertura cognitiva entre o direito penal e a respectiva sociedade a ser regulada De nada serve contudo a afirmação genérica constante no discurso jurídico que postula a relação próxima e existente entre o direito e a estrutura social O problema maior de todo este relacionamento turbulento colocase na forma como esta interação é promovida Uma verificação mais simples poderia ser capaz de outorgar ao direito uma vida autônoma em face do universo social absolutamente independente em sua produção e operatividade demarcando apenas encontros e contatos esporádicos contingentes e circunstanciais Outro modo de pensar com rasgo notoriamente mais crítico seria a assunção da premissa de que a sociedade determina o direito ou seja este último estaria simplesmente reduzido a uma espécie de imagem refletida de um cenário já précons tituído de contatos entre os homens Esta dificuldade de diagnóstico dos parâmetros da complicada relação é a mesma que norteia o vínculo existente entre o tipo penal incriminador e a sociedade de risco De todo modo o fato é que os tipos penais incriminadores tendo em vista o conteúdo e as fórmulas que admitem para a criminalização têm como cenário de atuação uma sociedade específica e delimitada Sempre que se vislumbra a proibição penal de um comportamento buscase esta consequência em determinado espaço e em certo tempo A criminalização ao menos nos dias atuais não é universal perene vinculada a todo e qualquer modo de vida atemporal Ao contrário a tipificação reflete as necessidades de regulação social as quais vão surgindo e na mesma medida submetendose ao crivo legislativo da instância jurídicopenal A sociedade de risco neste aspecto cria novas necessidades de tutela penal antes totalmente inimagináveis Além disso as próprias criações desta mesma sociedade não são passíveis de diagnósticos precisos o que importa na dificuldade de se encontrar a forma adequada de criminalização Iniciase como consequência um sério processo de desconfiança da capacidade do sistema de ultima ratio em atuar com eficiência Os tipos penais recrudescem alcançam novos bens jurídicos tornamse normatizados perdem a certeza e o hermetismo mas por outro lado a criminalidade de massa apenas aumenta em países como o Brasil a impunidade é significativa nos delitos financeiros as organizações criminosas aprimoramse mais e melhor do que as instâncias formais de controle Evidentemente que a resposta a este paradoxo do maior estado policial e maior sociedade criminosa passa por diversos aspectos dentre os quais principalmente questões de natureza social como a efetivação de uma democracia material que permita distribuir renda igualar o acesso à educação e possibilitar às pessoas desenvolverem plenamente suas capacidades O presente trabalho todavia como forma de realizar o corte objetivo visando à elaboração de uma dissertação de mestrado procura compreender como o tipo penal reage e irritase dentro da teoria do delito com estas alterações externas proporcionadas pelo paradigma da sociedade de risco Para aproximarse de todo este problema o primeiro passo a ser seguido é exatamente traçar um método capaz de colocar em balizas racionais a forma com a qual o direito penal relacionase com a sociedade em que deve agir O materialismo dialético fundamento da tese do materialismo histórico na forma propugnada por MARX e por aqueles que trouxeram tais embasamentos à compreensão do direito tem o condão de desmistificar alguns ideais abstratos do direito penal os quais além de derivarem de um pensamento tradicional clássico e de derivações neokantianas acabam obstaculizando um contato mais imparcial com os delitos de perigo e abertos Ao invés de simplesmente ser realizada a crítica a estes modelos por suas dissonâncias com valores superestruturais do universo jurídicopenal buscase uma metodologia que possa permitir a compreensão dos motivos pelos quais estas modalidades parecem enxergar um fecundo cenário de reprodução na sociedade de risco Destacase que não se menospreza a crítica apenas buscase compreender suas razões Após a elaboração da metodologia a ser aplicada inclusive com as fixações dos conceitos de tipo penal fechado e suas categoriais tradicionais é importante uma análise da evolução do dogmatismo adstrito à tipicidade Não se pretende aqui um vazio esboço histórico de evolução mas fundamentalmente vislumbrouse a percepção de quatro pensamentos distintos de colocação do tipo penal na teoria do delito As comparações das teorias de BEILING MAYER MEZGER e WELZEL refletem de uma certa forma como as diferentes sociedades perceberam a atuação do direito penal e em consequência da tipicidade A evolução do tipo penal significa uma constante normatização ou em outras palavras uma gradativa perda de objetividade e exatidão Tudo isso ocorre não como simples e meras elaborações acadêmicas feitas pela doutrina mas decorre do próprio desenvolvimento social o qual obriga que os mandamentos jurídicos sigam seu grau de complexidade estabelecido pela relação de condicionamento entre as forças produtivas e as relações sociais de produção A sociedade de risco e suas específicas forças produtivas faz com que o direito penal tenha que garantir expectativas em relação às mais diversas instâncias de interação coletiva Disso resulta um direito penal econômico do meio ambiente das relações de consumo dentre outros Além disso os próprios entendimentos das relações sociais passam a ser dificultados posto a detecção de um risco socialmente inerente porém não quantificável Somase a tudo isso a dificuldade humana de compreensão destas mesmas relações Os tipos penais de perigo as normas penais em branco em suma a tipicidade aberta deriva desta constituição de um direito penal preventivo destinado à garantia das estabilidades de expectativas normativas A causalidade não consegue mais compreender as formas sucessivas de interação a tipicidade penal fechada não é capaz de comportar todas as várias possibilidades complexidade de comportamentos que devem ser evitados O mercado depende para a mantença de sua credibilidade de boas administrações de contabilides honestas de igualdadede concorrências Numa sociedade de risco ainda que não se pense em concordar tais questões são de absoluta importância para a sustentação do meio produtivo Assim é preciso vedar condutas que causem desigualdades na concorrência enganem os agentes do mercado com informações equívocas ou gerem prejuízos para as empresas e suas centenas de investidores Todavia para criminalizar estas condutas de nada adiantam os tipos fechados pois seriam incapazes de descrever integralmente as modalidades adstritas aos comportamentos delitivos e negativos ao sistema Os tipos penais abertos perfazemse como um imperativo social uma esperança de controle e manutenção das expectativas cognitivas destinadas à reprodução de uma forma de vida hoje consagrada Por fim empreendemse esforços na tentativa de compreender os modelos jurídicos que a doutrina penal tem criado para atuarem no cenário de tipos abertos e sociedade de risco O funcionalismo e seu método através de uma compreensão estrutural do direito possibilitam uma visão desprovida de contornos essencialmente ideológicos o que permite inclusive uma utilização crítica da forma como descrevem o direito penal na modernidade Por outro lado surgem as vozes do discurso de resistência defendendo um direito penal que retorne ao tradicional núcleo central de imputação realçando as teorias pessoais do bem jurídico O presente trabalho dividese tendo em vista estas ponderações e excetuando a introdução e as posteriores conclusões em quatro capítulos com os quais se pretende i explicitar a metodologia para a aproximação dos problemas ii demarcar as visões doutrinárias que desenvolveram as idéias acerca da tipicidade e os seus respectivos padrões iii descrever as relações entre o direito penal e a sociedade moderna aqui trazida sob o enfoque de uma sociedade de risco e por fim iv estudar as posições escolas dogmáticas que tentam se mostrar hábeis a lidar com o atual cenário de desencaixe existente entre a tipicidade penal e os comportamentos destinados à tutela Certamente mais perguntas existem que respostas Mais problemas do que soluções O mínimo que se pode contribuir é com a reflexão a problematização de situações de um direito penal que insiste em parecer imparcial ocultar sua verdadeira intenção e que ao ser combatido em suas novas modalidades tantas vezes apenas se reforça meras traduções da dogmática jurídica criaram o problema da especificidade das definições que resta por culminar ou no profundo e restrito espaço de aplicação de um termo ou na mais ampla da vulgaridade interpretativa Assim os termos expressos cientificamente tornamse gradativamente mais inacessíveis para o conhecimento comum alcançando altitude que os restringem ao universo especializado da academia na tentativa de explicar precisamente a realidade viva Ganham quase que uma instrumentalidade da ciência e outra da prática Apenas para utilizar um exemplo tradicional mas de grande relevância para as ciências humanas principalmente a partir do século XIX citase a expressão ideologia de onde são extraídos inúmeros significados e implicações consistindo o termo em verdadeira polissemia A utilização de ideologia no cotidiano acaba impingindo à palavra a acepção de conjunto de idéias mas seu sentido em muito é alterado quando se direciona obrigatoriamente à filosofia grega ao pensamento de HEGEL ou à idéia de MARX sobre o conteúdo do vocábulo O exemplo serve para ilustrar um paradoxo na leitura do desenvolvimento na modernidade visto sua dificuldade crescente em razão do acumulado produzido na seara das ciências humanas Um determinado estudo por qualquer que seja pressupõe um conjunto teórico já previamente concebido criando obstáculos infindáveis para avanços científicos do conhecimento nas áreas de humanidades Cada conceito ou construção acaba por dialogar com um plexo de reflexões já sedimentadas tornando penoso o trabalho com significações precisas Não é possível mais prescindir de escolhas metodológicas claras sob pena de se tomar uma idéia por outra e assim turvar as conclusões obtidas A realização científica não consegue mais rechaçar opções metodológicas em verdade eleitas como mais adequadas à finalidade do especulador de sorte a proferir determinado enfoque à pesquisa e assim caracterizála como pertencente a este ou àquele ramo do saber O material que se estuda em visões diferentes é tantas vezes exatamente o mesmo porém as indagações e pontos de partida sob os quais recaem os olhos do analista são os reais elementos caracterizadores De outra forma e em diversas palavras o enfoque caracteriza a denominação na época da interdisciplinaridade outorgar conteúdo aos vocábulos elevados à condição de normas constituindo tanto o horizonte normativo do direito quanto as próprias razões da opção legislativa de criminalização desta e daquela conduta humana princípio da seletividade O Direito Penal se faz como seletivo fenômeno jurídico relacionado com as estruturas sociais sendo derivado destas Não é o direito que estabelece as relações sociais em sua forma mais essencial mas o contrário são as compreensões de arquétipos sociais determinados que formulam e ofertam consistência ao Direito A dificuldade reside exatamente na autonomia que a produção jurídica parece assumir em face das formas sociais que a condicionam reportandose a estas como se por si só existisse Assim apenas a leitura dinâmica pode romper a ideologia do direito apresentando esta relação dialética Ao mesmo tempo em que a sociedade produz o direito esta se transforma em certo sentido Todavia não se pode aceitar qualquer compreensão do mundo jurídico que o afaste das relações produtivas como condicionantes o que enseja afirmar a imbricação entre direito e política por um lado e das normas como discursos imperativos de um contexto especificado de outro lado O foco centrase i na norma como processo político de formação ii sua eficiência na busca do escopo assumido e inerente ao procedimento de legislação iii na forma como tal elemento jurídico é capaz de introjetarse na tessitura social Podese perceber assim a complexa e reflexiva interação e cotejo entre i tipo penal ii a verificação da tipicidade das condutas realizadas no corpo social e iii este mesmo organismo social respectivamente Para o diagnóstico duas grandes construções são basilares quais sejam a sociedade atual de risco e o direito penal suas opções seus valores e fundamentalmente sua finalidade adstrita ao tipo penal como categoria essencial da teoria do delito Para que a norma possa incidir na sociedade como fruto destas mesmas relações sociais que lhe são condicionantes impondo controle ou criando expectativas não frustradas de comportamento é preciso que o tipo penal esteja adequado aos padrões sociais com os quais pretende convergir Se determinados comportamentos devem ser evitados e se sua evitação tutelase pelo Direito Penal logo por meio do tipo penal incriminador resta saber se os moldes típicos trazidos pela ciência penal estão aptos ao controle É inafastável como premissa a admissão do desencaixe entre a tipicidade penal clássica seguida pela doutrina brasileira e os fenômenos da sociedade moderna de risco bastante diferenciados daqueles verificados quando da construção da dogmática penal tradicional Com esse parâmetro de comparação de nada se faz explicativa a visão do direito penal como valoração ética a qual não se nega a existência mas sim das normas penais como reais prescrições destinadas ao controle eficiente A relação direito e política admitida no sentido prático da produção de entendimentos discursivos deve ser capaz de criar uma forma de prescrição que mesmo que não alcance a justiça material in compatível com o sistema produtivo evite o simbolismo que hoje se assemelha à verdadeira peça teatral A aproximação da sociedade de risco se dá por meio do tipo penal ajustando sua compatibilidade com a teoria do delito apta à tutela através da normativização de seus elementos no sistema aberto A virtude da aprimoramento dos instrumentos jurídidos de contenção do crime ainda os mesmos concebidos na primeira metade do século item nº 5 Lei nº 720984 Exposição de Motivos do Código Penal Interessante notar ademais que a lei não deriva da simples vontade do legislador ao contrário ela está condicionada a diversos aspectos situacionais tais como a configuração social as forças políticas e econômicas a mídia setores da sociedade civil etc HABERMAS Jürgen Direito e democracia entre facticidade e validade Trad Flávio Bueno Siebeneichler Rio de Janeiro Ed Tempo Brasileiro 2003 v 1 p 191 O sistema penal aberto tornase o único efetivamente passível da realização na sociedade de risco tendo em vista sua exclusiva permissividade aos aspectos sociais reais possibilitando ao jurista o confronto do material teórico com os novos problemas constantemente colocados defronte de exigências resolutivas Nesse sentido o sistema aberto de Direito Penal tem um caráter norma penal está em que pese todas as devidas considerações de seu conteúdo necessariamente acordado com o Estado Democrático de Direito em seu imperativo dirigido ao cidadão11 Evidente que a existência do imperativo reflete uma desvalorização prévia da conduta como desinteressante ao corpo social mas a norma perfazse jurídica com a criação da expectativa normativa persistente na comunidade Na sociedade moderna é impossível a vinculação irrestrita e fechada a um único e exclusivo método essencialmente jurídico pois este procedimento acentuaria o risco de fechamento das portas para uma visão ampla das correlações entre as escolhas do direito penal e sua ineficiência A análise contemporânea da realidade obriga à necessária utilização de uma miríade de conceitos convergindo para a melhor aproximação em perspectivas diversas Buscar dedutivamente os princípios que supostamente direcionam o direito penal na atualidade não deve significar o rechaço à indução ponderada de necessidades sociais através da observação seja dos sistemas dos fatos sociais das necessidades humanas ou dos índices de criminalidade e suas razões12 A metodologia do sistema encerrado em si já se mostrou insuficiente assim como as construções típicas daí deduzidas Não pela falha dos modelos teórica e abstratamente mas pelas suas deficiências na correla ção com os parâmetros sociais e suas dinâmicas hoje estabelecidas Não mais convém se afirmar que a lei penal é um sistema fechado conforme frisava HUNGRIA há sessenta anos13 No seio deste relacionamento turbulento e complicado entre sociedade e Direito Penal o tipo postulado como objeto do corte epistemológico sua estruturação e seu papel delimitador das globais possibilidades de comportamento social mostrase um centro de interesse de estudo para o jurista Ainda mais quando se acrescenta ao tipo penal não somente sua percepção estanque positivada mas a real função na criação de expectativas de comportamentos e sua conseqüente eficiência na manutenção de determinada ordem circunscrita no tempo e espaço A sociedade moderna deposita no Direito quase que exclusivamente o tratamento das expectativas comportamentais capazes de atingir a tranqüilidade sistêmica necessária ao desenvolvimento do modo produtivo diminuição das zonas indiferentes ao direito Assim o direito penal serve como instrumento de promoção da segurança no sentido de que o cidadão pode acreditar que não será atingido por certos atos capazes de afrontar seu círculo de organização A sanção a qual pode ser tratada como aplicação da norma prescritiva faz com que a expectativa não seja abalada pelo ato de transgressão uma vez que o Estado diante da conduta delitiva prontamente reafirmou a vigência da norma ou a manutenção da expectativa14 Essas expectativas contudo são realizadas pela redação típica e escolhidas dentre aquelas mais interessantes para o sistema Sempre é por meio do tipo penal pelo menos na vigência do princípio da legalidade que se divulga o comportamento proibido criminalmente que não se deseja ver realizado Logo independentemente de seu caráter divulgador do não permitido ou seu aspecto de garantia do cidadão em face da força repressora estatal o tipo também reflete mediante análises mais contextualizadas a escolha de determinado poder em dadas situações Poder este desta forma que abre a premissa assumida de lidar com a criminalização de modo político mesmo que este fenômeno não implique necessariamente em exercícios arbitrários e desmedidos do comando para os padrões estabelecidos pela maturidade hodierna das liberdades humanas O direito penal na sociedade de risco que quebrou qualquer possibilidade de visão mágica do mundo tradicional deve ser capaz de ordenar os comportamentos prever gerir com precisão as massas atomizadas A dominação legalracional feita através da burocracia na democracia de massas conforme apontado por WEBER estendese ao direito penal previsível técnico único capaz de funcionalidade na lógica do mercado competitivo e da soberania da economia Recaíse portanto numa visão genericamente instrumental utilitária do direito penal na tipificação podendo tal ramo jurídico servir para a contenção dos crimes em lógicas tanto religiosas ou democráticas15 e dentro destas em democracias de sociedades estruturadas ou desestruturadas e de baixa ou alta complexidade Através do tipo estipulado em seu conteúdo como as opções expostas e seletivas para a realidade criminal permitese diagnosticar o estado do próprio Direito Penal em sua relação de derivação do poder A propósito LUHMANN definia a complexidade como a situação onde existe no organismo social sempre mais possibilidades do que se pode realizar Desta forma o direito assume um posicionamento próprio do mundo contemporâneo de criar expectativas positivas e desejadas pelo corpo social ao menos no limite onde possam ser identificadas estruturas cognitivas e normativas destas mesmas expectativas16 A criação de expectativas de comportamentos por meio do sistema penal porém é mais delicada do que nos demais espectros jurídicos Tratandose da ultima ratio de intervenção podese afirmar que ao Di O referido no texto tem como finalidade apontar que o sistema penal visto como utilitário permite a perda da noção de imparcialidade de tratamento igualitário As simples escolhas dos comportamentos tipificados já apontam opções determinadas e acobertadas pela generalização ideológica da igualdade No que se refere ao direito penal abstrato isto é a criminalização primária isto tem a ver com os conteúdos mas também com os não conteúdos O sistema de valores que nele se exprime reflete predominantemente o universo moral próprio de uma cultura burguesa individualista dando a máxima ênfase à proteção do patrimônio privado e orientandose predominantemente para atingir as formas de desvio típicas dos grupos socialmente mais débeis e marginalizados BARATTA Alessandro Criminologia crítica e crítica do direito penal Trad Juarez Cirino dos Santos 3 ed Rio de Janeiro Ed Revan 2002 p 176 16 LUHMANN Niklas Sociologia do direito I cit p 45 Isso também ocorre através da diferenciação entre estruturas normativas e cognitivas de expectativas dependendo se no caso de desapontamento está prevista sua assimilação ou não Expectativas normativas são mantidas apesar da não satisfação Daí seus problemas e suas condições estarem vinculados ao ajustamento de desapontamentos que assegura a estabilidade no tempo no sentido de estabelecer a continuidade de expectativa jurisprudência Parte também deste enfoque a visão hermética do direito que exclui de sua ciência qualquer conteúdo não jurídico conforme preleciona o positivismo de KELSEN22 Aquilo que não for verificável pela demonstração analítica na opinião destes autores apenas é passível de especulações não científicas alcançando o bojo do completo relativismo23 24 De acordo com o analisado não se deve permitir de forma acrítica a utilização de categorias que visem à universalização da idéia para uma gama indiferenciada de fenômenos jurídicos construídos em diferentes cenários A inferência é pautada tendo a ciência do papel humano de criação do Direito haja vista as diversas reflexões que as instâncias de poder fazem da realidade social e conseqüentemente direcionam o aparato estatal da força O materialismo oferece um interessante substrato conceitual para a crítica e reflexão da tipicidade penal e suas opções principalmente quando consideradas na perspectiva de objetivação de determinada finalidade advinda do poder O Direito Penal não se faz somente como ideologia embora desta não prescinda pois não se reduz ao mundo intangível já que impõe comportamentos e constrange violentamente os seus interlocutores Da construção do Direito Penal e da fundamentação do discurso normativo por meio da descrição jurídica emanam formas de controle e justificação das decisões tomadas quando da efetivação das normas Neste enfoque é possível apontar os institutos jurídicopenais relacionados ao tipo numa aproximação diversa da tradicional construção imperativa categórica de bens jurídicos ou do neokantismo de pretensa fundamentação do sistema lógicoformal Antes de tudo porém convém elucidar algumas conceituações típicas da dogmática atual que remontam à idéia mais difundida 21 VARIANTES DO TIPO PENAL NA DOUTRINA TRADICIONAL A doutrina tradicional constrói as caracterizações do tipo penal sempre considerando os valores erigidos à condição de corolários orientadores do sistema Grande parte do estudo da atual dogmática penal brasileira aponta para a compreensão e crítica dos modelos penais incriminadores através dos postulados clássicos bastante difundidosA própria historicidade do tipo e sua conseqüente evolução sempre verificou a incidência destas mesmas premissas ressaltando a valoração iluminista que deve recair sobre o direito penal como molde convencional e ideal de formatação Assim a peculiaridade da tipicidade penal vista na ótica consagrada deve significar o respaldo que a norma penal encontra nos princípios gerais do sistema criminal os quais se apresentam inclusive na nucleação constitucional Resolvese a legitimação do tipo por meio dos princípios da fragmentariedade subsidiariedade e taxatividade de sorte a se obter o produto desejado qual seja a certeza jurídica25 Podem os indivíduos diante destes preceitos traçar a fronteira precisa entre os comportamentos relevantes e irrelevantes na seara da ultima ratio26 Tendo em vista a concepção universalista das valorações trazidas como princípios e sob os quais se submetem os juízos acadêmicos acerca da legitimidade de determinado tipo penal incriminador a doutrina tantas vezes aparenta conceber o efêmero como eterno Assim a concepção da tipicidade sempre é vista em si mesma circunscrita aos seus próprios derivativos legais ou axiológicos Não se consegue uma análise da tipicidade que ultrapasse as barreiras de elementos deduzidos ou inferi 22 KELSEN Hans Teoria pura do direito 6 ed Trad João Baptista Machado São Paulo Martins Fontes 2000 p 1 Quando a si própria se designa como pura a teoria do Direito isto significa que ela se propõe garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir deste conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto tudo quanto não se possa rigorosamente determinar como Direito Quer isto dizer que ela pretende libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos Esse é o seu princípio metodológico fundamental KELSEN Hans O que é justiça 3 ed Trad Luís Carlos Borges São Paulo Martins Fontes 2001 A superação da noção positivista que restringia o universo da racionalidade hoje já é refutada em absoluto na área da lingüística altamente desenvolvida depois do surgimento da nova retórica de PERELMAN e a possibilidade de se verificar racionalidade no discurso argumentativo recuperando inclusive o gênero discursivo denominado epidíctico ATIENZA Manuel A razão es do direito teorias da argumentação jurídica Trad Maria Cristina Guimarães Copertino 2 ed São Paulo Ed Landy 2002 SUDATTI Ariani Bueno Raciocínio jurídico e nova retórica São Paulo Ed Quartier Latin 2003 23 24 dos do universo puro da axiologia Ao máximo alcançase a visão da teoria do delito mas jamais a estrutura da sociedade que outorga sentido expresso ou oculto para a determinação de um comportamento Voltase uma vez mais à inversão das causas e conseqüências Não é o tipo e seus valores que determina a sociedade Ocorre exatamente o contrário Os valores assim como os comportamentos tipificados não existem a não ser como opções sociais27 ou seja determinações de parcelas de poder desta mesma sociedade através de formas especificadas O materialismo estabelece o vínculo entre as relações sociais e o tipo penal Permite sua compreensão no bojo das condições objetivas dos homens mediados pelos meios de produção e retira o enfoque exclusivo do valor jurídico em abstrato construído na consciência coletiva social28 O tipo penal passa a ser visto como obra humana tanto em suas construções normativas pontuais como em sua perspectiva dogmática como elemento essencial do delito Os modelos incriminadores identificamse com seus autores espelham vontades desejos intolerâncias suportabilidade quanto a determinados comportamentos O Direito encerra um objeto sempre modificável capaz de espelhar seu momento histórico por dentre o complexo quadro normativo A análise de uma legislação penal mais do que apontar a eventual respeitabilidade a certos valores tangencia a capacidade de compreender as necessidades de um momento A adoção da pena de morte no Brasil no Código de 1830 quando já se apresentavam fortes resistências à medida por grande parte dos congressistas mais do que representar um desvalor à vida humana alcança a compreensão da necessidade vivida à época por parte dos defensores do poder em manter a ordem do meio de produção escravocrata29 Dizer simplesmente que o senhor de escravos não tinha incutido o respeito à condição humana quando relacionada aos negros não possui caráter explicativo Acentuar o valor e desprezar a estrutura é entender que o primeiro é mais importante que o segundo compreensão ideológica A pena de morte nada mais era que a garantia da própria sobrevivência do trabalho escravo o que dialecticamente importava na segurança de existência do senhor de engenho Ao mesmo tempo as críticas ao regime escravocrata insurgiamse da própria incompatibilidade que esta forma começava a apresentar em face de um regime mais dinâmico necessitado de consumo e livreiniciativa A escravidão é superada no momento em que sua contradição se torna insuportável diante das novas formas de produção A sociedade neste aspecto tendo em vista as relações sociais que permite reproduzir seja a sociedade medieval a sociedade mercantilista a sociedade industrial e moderna ou a contemporânea sociedade de risco ou reflexiva estipula novas formas jurídicas de balizamento necessário imperativo dos comportamentos ocasionando a relevância do direito penal e sua extensão haja vista seu poder e aparato institucional30 27 REALE JUNIOR Miguel Teoria do delito São Paulo Ed Revista dos Tribunais 1998 p 17 Concordase aqui com a postulação do autor ao afirmar que O Direito os seus conceitos os juristas e os destinatários do direito inseremse em uma situação cultural variável segundo os fins últimos e valores que a informam Ao construirse o direito escolhemse fontes e métodos cujas raízes se afundam na situação cultural presente como reflexos de opções culturais fundamentais 28 MARX Karl ENGELS Friederich A ideologia alemã cit p XXIXXIII De preciosa valia a análise de Jacob Gorender da mencionada obra já clássica Marx e Engels saltaram sobre as fronteiras da realidade dentro das quais se comprimia Feuerbach para o terreno da história universal Do ponto de vista materialista o sistema hegeliano devia ser revirado As idéias de toda ordem religiosas filosóficas morais jurídicas artísticas e políticas não se desenvolviam por si mesmas como entidades substantivas condensadas no ápice pela Idéia Absoluta identidade final entre Ser e Saber O desenvolvimento das idéias era subordinado dependente predicativo As idéias se sistematizavam na ideologia compêndio de ilusões através dos quais os homens pensavam sua própria realidade de maneira enviesada deformada fantasmagórica A primeira e máxima ilusão própria de toda ideologia consistia em lhe atribuir a criação da história dos homens Sob o prisma da história é que a ideologia se desenvolve como criação da Idéia Absoluta da Consciência Crítica dos conceitos da liberdade da justiça e assim por diante Ora tais idéias não possuem existência própria mas derivada do substrato material da história 29 O debate estabelecido no Parlamento entre liberais e conservadores e posteriormente vencidos pelos segundos ao admitir a pena de morte para alguns delitos demonstrou claramente que a reprimenda tinha como destinatário os escravos funcionando como um instrumento adicional para a manutenção da ordem No Parlamento correntes liberais e conservadores trava seu pugilato Por pequena maioria e em parte vencem os conservadores Ela não é aceita a aceitação dos crimes políticos e de rebelião cabendo sempre recurso obrigatório à Coroa A outros casos pontuais contudo principalmente para a manutenção da ordem por entre os escravos cuidando da criminalidade servil entendeuse ela fundamental SILVEIRA Renato e Mello Jorge 170 anos de legislação penal brasileira as luzes na Constituição de 1824 e no Código Criminal do Império Revista Brasileira de Ciências Criminais São Paulo v 8 n 32 p 180 outdez 2000 30 A recente tese de doutoramento defendida na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo intitulada MASCARO Alysson Leandro Crítica da legalidade e do direito brasileiro São Paulo Ed Quartier Latin 2003 p 31 traz com bastante segurança ao analisar o conceito de legalidade sua inserção num ambiente de relações sociais específicas rompendo as simples apologias que outorgam aspectos imemoriais ao direito positivo Em citação a MARX na qual se admite reproduzir bastante clara se torna a idéia de vinculação entre Direito e Formas de Produção A justiça das transações que se realizam entre os agentes da produção consiste em que estas transações se derivam das relações de produção como uma consequência natural As formas jurídicas que estas transações econômicas revestem como atos de vontade dos interessados como exteriorizações de sua vontade comum e como contratos cuja execução pode se impor pela força aos indivíduos mediante a intervenção do Estado não podem determinar como meras formas que são esse conteúdo Não fazem mais que expressálo Podemos dizer que este conteúdo é justo enquanto corresponde ao regime de produção enquanto é adequado a ele É injusto quando se encontra em contradição a ele A escravidão dentro do sistema capitalista de produção é injusta como o é também a fraude quanto à qualidade da mercadoria HUNGRIA Nélson Comentários ao Código Penal 4 ed Rio de Janeiro Companhia Ed Forense 1958 v 1 t 1 p 13 14 LUHMANN Niklas Procedimenti giuridici e legittimazione sociale Milano Giuffré 1995 p 240 Una regolazione delle delusioni diviene tanto più importante quanto più cresce la complessità dei sistemi e della loro comprension nell ambiente cioé quanto piú aumenta il numero delle alternative che possono essere percepite nellambiente o attivate nel sistema A sociedade de risco traz de modo arrebatador o individualismo gerado pelo desencantamento do mundo O tipo penal assim vai expressar essas novas modalidades pois não fazendo desta forma instaurarseão a já conhecida crise de legitimidade dos aparelhos repressores e as sensações de impotência decorrentes dos novos acontecimentos até então inimagináveis Aliás a reflexão sobre a reflexividade31 da sociedade de risco responsável pelo abaloamento das categorias da sociedade moderna industrial significa uma possibilidade de demarcação crucial da ineficiência dos institutos penais baseados nos princípios consagrados do pensamento de BECCARIA no séc XVIII32 Da mesma forma o nexo causal hoje complementado pelas relações de risco a transnacionalização dos mercados a comunicação em grande escala o poder destrutivo das tecnologias não mais permitem um sistema penal como de outrora gerando a crise espelhada no simbolismo penal Enfim tem a dificuldade até por se estar inserido no mundo de enxergar o presente pelos olhos do passado33 O direito penal ao expor uma compreensão específica da realidade encontrase em forte crise de legitimidade pois seus instrumentos apresentamse incompatíveis com a realidade do risco tendo dentre estes instrumentos o tipo e a conseqüente tipificação Assim apenas é possível conceber o causalismo penal opção jurídica de esgotamento do tipo penal no nexo de causalidade ou as estruturas lógicoobjetivas do finalismo numa sociedade onde as relações sociais são facilmente perceptíveis ou mais de tranqüila apreensão em sua completude O tipo penal hoje em dia na doutrina nacional apresenta sua teorização com base no dogma fechado ou seja fundamenta sua existência na capacidade do legislador ao normatizar em ceifar com precisão um segmento comportamental específico Como forma de demarcar a incompatibilidade destes paradigmas com a sociedade de risco importante se faz um sucinto exame destas construções 211 TIPO PENAL FECHADO O tipo penal fechado é aquele que mais reflete o suposto respeito sedimentado ao princípio da legalidade Através do tipo penal nesta modalidade estarseia diante do texto legal capaz de sem qualquer questionamento maior demonstrar qual o comportamento humano visando pelo legislador34 A norma penal neste enfoque ganha a premissa de ser certa e particularmente estrita As palavras falam por si só não abrem brechas à interpretação dispensando comentários ou maiores aprofundamentos A descrição do modelo de conduta nesta modalidade é completa restando ao aplicador praticamente o trabalho fácil de subsumila em face do comportamento realizado pelo agente relação de mera correspondência O exemplo claro e incansavelmente apresentado de tipo fechado é a norma matar alguém contida no artigo 121 do Código Penal brasileiro Com esta preterpansmente estarseia cumprindo o pleno respeito ao princípio da legalidade Todavia o tipo penal fechado apresenta dois problemas sérios e concomitantes Em primeiro lugar espelha uma sociedade muito pouco complexa e muito previsível Em segundo a prática judiciária demonstra que nem mesmo as normas de fácil apreensão estão completamente desligadas do problema da interpretação e das divergências sobre seu verdadeiro alcance fundamentalmente em razão da característica instável e contingente da segunda modernidade35 31 Os conceitos atinentes à reflexividade e seu aspecto definidor da segunda modernidade estão minuciosamente desenvolvidos no capítulo 4 32 Percebese que aqui não se postula a forma jurídica como simples ideologia mas como um fato social que existe força os cidadãos embora parta de pressupostos interessantes e adequados para a formulação do sistema vigente A realidade social da mesma forma é objetivada estando os indivíduos de fato inseridos numa realidade complexa atualmente entendida na sociedade mundial do risco Saltar o posicionamento de PASUKANIS Eugeny Bronislavovich A teoria geral do direito e o marxismo Trad Paulo Bessa Rio de Janeiro Renovar 1989 p 78 e 44 para quem não se considera a forma jurídica como simples reflexo de pura ideologia A este respeito penso haver usado expressões suficientemente claras o direito considerado como forma não existe somente na mente das pessoas ou nas teorias dos juristas especializadas ele tem uma história real paralela que tem seu desenvolvimento não como um sistema conceitual mas como um particular sistema de relação O Estado não é apenas uma forma ideológica mas também e simultaneamente uma forma de ser social A natureza ideológica de um conceito não suprime a realidade e a materialidade das relações das quais ele é expressão 33 PERELMAN Chaïm Retóricas Trad Maria Ermetina Galvão G Pereira São Paulo Martins Fontes 1997 p 31 34 Espelha a posição acerca do tipo fechado Tipos penais fechados são todos os que para a sua compreensão o intérprete ou aplicador da lei não necessita recorrer a qualquer indagação estranha Aos elementos constantes da norma incriminadora DOTTI René Ariel Curso de direito penal parte geral Rio de Janeiro Forense 2002 p 312 35 Quando se levam em conta todas essas mudanças fundamentais em sua interação constatase em todo caso é esta a hipótese da Segunda Modernidade duas coisas por um lado os desenvolvimentos são em sua maioria conseqüências de efeitos colaterais de uma Primeira Modernidade radicalizada eles não provêm de um processo político nem de uma revolução consciente nem de uma decisão humana neste sentido são isto sim impelidos pela dinâmica desses efeitos BECK Ulrich Liberdade ou capitalismo Trad Luis Antonio Oliveira de Araújo São Paulo Ed Unesp 2003 p 25 34 35 Ao invés de historicizar prefere imortalizar como garantia de permanência A razão da escolha vislumbrada nas ciências econômicas levada ao limite quando de sua extensão ao direito penal impede a própria visão dinâmica do homem fruto da objetividade social do seu tempo e portanto vinculado ao universo pelo próprio modo de pensar A racionalidade instrumental da modernidade fruto do desencantamento do mundo postulado por WEBER não deixa de incutir aos seres humanos a idéia de abstração e universalização de certas premissas a rigor momentâneas circunstanciais ocasionadas pelas relações elementares de produção A profissaõ de fé que se faz sobre a racionalidade ocidental se transmuta de objeto em adoração significando a perfeita imersão na ideologia18 As formas sociais e em decorrência as categórais penais restam aparentemente imodificáveis Tal noção expandese para toda a ciência jurídicopenal Passa a ser impossível a constatação de novos padrões válidos de criminalização pois existe o bem jurídico a priori a antijuridicidade a priori a culpabilidade a priori e a tipicidade a priori Todos os elementos da teoria do delito são concebidos como verdadeiras deduções do mundo platônico das idéias aplicadas normalmente ao homem constante deste mesmo mundo ou seja o homem médio Estas fórmulas derivam expressamente das criações neokantianas as quais enxergam as normas como fenômenos contingentes porém sempre com a necessidade lógica de correlação com categórais universais e puramente racionais O método científico que se adota no presente trabalho é o materialismo dialético19 o qual permite relacionar de modo dinâmico o tipo penal e a sociedade de risco Podese destarte e como exemplo utilizar sem propedêuticas maiores o conceito de ideologia como falsa consciên A sociedade para tutelarse apenas através de tipos fechados aqui entendidos na concepção tradicional traçada demanda relações facilmente diagnosticáveis capazes de fazer saltar aos olhos do operador a relação de causa e consequência Não foi à toa que a idéia hermética da tipicidade quase sempre foi baseada no lastro oferecido pelo conceito causal de ação comprovado jurídicopenalmente pela teoria da equivalência das condições Assim a ação humana mostravase empiricamente como a razão suficiente de alteração da ordem das coisas Por meio de um disparo de arma de fogo retiravase a vida de uma pessoa e conseqüentemente deveria ser reconhecida a tipicidade homicida O agente responde pela prática de dano ao destruir coisa alheia assim perceptível no universo sensorial devidamente assessorado pelo laudo de exame de corpo de delito como prova de materialidade A dinâmica social contemporânea do risco contudo impede a tranqüila apreensão destas mesmas relações de causa e efeito Os resultados dos atos e fenômenos modernos são desencaixados de instâncias espaciais e temporais de sorte que este mesmo resultado tantas vezes apenas pode ser percebido muito tempo depois ou em localidade significativamente diversa do ambiente da ação Os resultados são difundidos a ponto de se tornarem intangíveis num primeiro momento reverberando de formas tão anormais e impassíveis de liames objetivos seqüenciais A sonegação fiscal no seio de uma sociedade com acionistas e controladores é impossível no mais das vezes de ser imputada a um específico e limitato comportamento O defeito de fabricação de um produto comercializado em todo o mundo não possibilita a identificação perfeita do agente produtor ao longo de uma complexa e infindável carreira industrial definindo por exemplo a complexidade da responsabilidade pelo produto Daí se afirmar conforme BECK que a sociedade moderna suprime e substitui as relações de causalidade por relações de risco Ou ainda como prefere DE GIORGIO o conceito de risco passa a constituir o próprio parâmetro do homem em se vincular com o futuro imerso na instabilidade autoproduzida A evolução social da mesma forma determina novos desenvolvimentos jurídicos aprimorando e multiplicando institutos normas formas de se estabelecer relações sociais através do cenário jurisdicional As leis trazem denominações fórmulas e categoriais inovadoras as quais por sua vez somente são compreendidas à luz de construções sediadas fora da órbita circunscrita do direito penal Os produtos das relações de negócios criam linguagens jurídicas administrativas e econômicas próprias que não podem sob pena de incapacidade imperativa ser desprezadas pelo legislador poder no momento da elaboração do tipo penal incriminador Não há como criminalizar condutas numa sociedade que tem a pessoa jurídica como elemento central do foco produtivo sem mencionar expressões como ações debêntures valores mobiliários De há muito o direito penal sequer consegue evitar os elementos normativos cheque duplicata ou warrant Em poucas palavras a sociedade ficou grande e dinâmica demais para os limites do tipo penal fechado Somase a tudo isso que mesmo as definições típicas mais singelas impedem a interpretação Os avanços das ciências e da tecnologia adicionados à racionalização das tradições tornam duvidosa a constatação do que seja até mesmo o alcance de normas básicas como o homicídio ou o aborto O conceito de vida se transforma com constantes descobertas e pesquisas criando discussões acerca de temas como aborto do feto desprovido do conteúdo cefálico ou as polêmicas acerca do limite de investigações relacionadas à genética Assim o tipo fechado como garantia ao princípio da legalidade resta abalar oado pelas dinâmicas estruturais da sociedade a ser garantida em suas expectativas pelo sistema penal A sociedade de risco encaminha a tipicidade para a normatização os elementos normativos do tipo assumem grau de imprescindibilidade as categoriais consolidadas já não se mostram verdadeiras e estáveis como imaginadas 36 CAMARGO Antonio Luis Chaves Imputação objectiva e direito penal brasileiro São Paulo Ed Cultura Paulista 2001 p 88 O conceito de ação evoluiu no século XIX inicialmente no sistema LisztBeling que o considerou num sistema natural tendo sido definida por Von Liszt como uma modificação do mundo exterior e dentro de sua visão naturalista para incluir a omissão afirmou ser a conduta Verhalten voluntária no mundo exterior causa voluntária ou não impeditiva de uma mudança no mundo externo 37 BECK Ulrich La sociedad del riesgo hacia una nueva modernidad Trad Jorge Navarro Daniel Jimenez e Maria Rosa Borras Buenos Aires Ed Paidós 1998 38 DE GIORGIO Raffaele Direito democracia e risco vínculos com o futuro Porto Alegre Sergio Antonio Fabris Editor 1998 p 192 Vide SOUZA Paulo Vinicius Sporleder A criminalidade genética São Paulo Ed Revista dos Tribunais 2001 econômica que por sua vez ainda é pensada de forma linear e deixa todas as outras dimensões relativas à ecologia à cultura à política e à sociedade civil sob o domínio subordinador do mercado mundial A essência do globalismo consiste muito mais no fato de que aqui se liquida uma distinção fundamental em relação à primeira modernidade a distinção entre economia e politica BECK Ulrich O que é globalização equívocos do globalismo respostas à globalização Trad André Carona São Paulo Ed Paz e Terra 1999 p 2728 De grande poder exemplificativo o pensamento de POSNER Richard A Economic analysis of law 5 ed Chicago US A Division of Aspen Publishers Inc 1996 p 56 quando analisa a perspectiva econômica que a própria pena adquire em sua relação com a sociedade e o delin quente Punishment is at least from the criminals standpoint why not from societys unless the punishment is in the form of a fine the price that society charge for a criminal offense The economist predicts that an increase the severity of the punishment or likelihood of its imposition will raise the price of crime and therefore reduces its incident The criminal will be encouraged to substitute other activity Economist call nonpecuniary prices shadow prices Acerca do materialismo histórico vide por exemplo ARON Raymond O marxismo de Marx Trad Jorge Bastos São Paulo Ed Arx 2003 p 209242 212 Tipo Penal Aberto Com a constante diminuição proporcional dos tipos fechados na gama total das figuras reitoras penais a tipicidade aberta iniciou um processo irreversível de proliferação principalmente no espaço que foi ocupado pelos crimes culposos A definição que pode ser ofertada e suficiente para esta abordagem é aquela que considera tipos abertos as normas incriminadoras indicativas de comportamentos proibidos tendo em vista a absorção de elementos exteriores40 Os arquétipos de tipos abertos consistem naqueles formatos onde se permitiria a interpretação ou seja a conduta e o resultado não estariam sensorialmente ligados por um nexo de causalidade Como formas inequivocas de modelos abertos inserirseiam os crimes culposos violação do dever objetivo de cuidado os crimes omissivos impróprios valoração do conceito de garante e os crimes definidos por vocábulos não inferidos do universo exclusivamente penal elementos normativos do tipo jurídicos ou culturais Todavia o rol taxativo permite duas certificações Em primeiro lugar resta incompleto por sua intrínseca limitação Em segundo comprova a tendência natural de normatização da tipicidade trabalhada pelo funcionalismo Conforme apontado a sociedade para inserirse no universo penal depende da normatização ao mesmo tempo em que os tipos vistos como essencialmente fechados não sustentam esta própria definição quando da inserção de seu sentido numa realidade de transformações rápidas profundas e desencantadas O princípio da taxatividade penal neste aspecto ganha contornos diferentes devendo ser interpelado numa concepção dinâmica afastando a estática de se imaginar hipótese típica que significa por si mesmo No tipo penal aberto ganha definitivo espaço o discurso jurídico aquele capaz de sobrepor às normas como práxis de outorga de sentido apto a avivar a prescrição 40 Parafraseiase aqui a definição seguinte de tipos penais abertos Consideramse tipos penais abertos aquelas normas incriminadoras que não contêm a indicação da conduta proibida que somente é identificada em função dos elementos exteriores ao tipo DOTTI René Ariel op cit p 60 No mesmo sentido é a definição que assevera consistirem os tipos penais abertos na descrição incompleta do modelo de conduta proibida transferindose para o intérprete o encargo de completar o tipo dentro dos limites e das indicações nele contidas TOLEDO Francisco de Assis Princípios básicos de direito penal 5 ed São Paulo Saraiva 1999 p 136 41 PORTo Alegre Sérgio Antonio Fabris Editor 1995 Com base numa noção lingüística de discursos justapostos a maior extensão da tipicidade aberta mesmo para os antigos tipos fechados concluise logicamente A todo tempo afastase a idéia defensora da possibilidade de separação da compreensão do tipo penal e da realidade políticocriminal A construção funcionalista soube perceber através da constatação real de normatização crescente que o modelo clássico malograva ao tentar cindir a relação imbricada entre a dogmática penal e os sistemas sociais Disso tudo resultou a consagrada reviravolta dada por ROXIN ao método assumido por VON LISZT Enquanto para o segundo a teoria do delito funcionava como o limite intransponível para os anseios da políticacriminal para o primeiro este limite se transmuta para o interior da dogmática jurídica assumindo o papel de baliza interpretativa dos limites de proteção da norma risco proibido e do tipo alcance das condutas42 A tendência moderna do direito penal assume como ferramenta de controle de comportamentos desviados a normatividade do tipo ou seja os tipos penais abertos inseridos num sistema também aberto A dinâmica de estudos criminais aponta a crescente importância de compreensão de um sistema regulador do poder por meio dos pensamentosproblema vinculados a grupos de casos As possibilidades de concreção da lei com finalidade exclusivamente jurídica tornam o direito penal contemporâneo gradativamente mais longínquo das constatações alcançadas pelo pensamento clássico de viés causalista Frisese pois que a leitura da evolução do tipo penal é o exato traçado da objetividade fechada rumo à normatização aberta WELZEL já assinalava esta demarcação Em sua época o aumento dos crimes culposos apontava para novas fórmulas capazes de propiciar ao juiz e ao cidadão quais as condutas que se tornavam proibidas pela lei penal As alterações das relações sociais difundiam a necessidade de controle de comportamentos que poderiam por sua violação dos deveres de cuidado criar externalidades não desejadas pela ordem vigente A eleição dos fins passava a dividir importância com as eleições dos meios uma vez que o agente para alcançar determinada meta não poderia se preocupar apenas com a legalidade desta mas também deveria representar acerca dos prováveis efeitos colaterais que seu ato eventualmente promoveria43 A diferença do pensamento de WELZEL colocase contudo no plano filosófico e 42 MIR PUIG Santiago op cit p 264 43 WELZEL Hans O novo sistema jurídico penal uma introdução à teoria da ação finalista Trad Luiz Régis Prado São Paulo Ed Revista dos Tribunais 2001 p 50 cia disposto a demarcar a alienação decorrente do momento em que o indivíduo não mais se relaciona com o mundo e suas próprias obras não se identificando como verdadeiro sujeito da história mas simplesmente como receptor passivo de categorias elementares prontas e predispostas As relações entre os homens mediadas pelas forças produtivas culminam na abstração das realizações e papéis desgarrando os seres de seus trabalhos e conseqüentemente dando a impressão de que as coisas da vida dentre elas as formas jurídicas e suas expressões dogmáticas são independentes existem per si reificando desse modo a própria consciência20 O pensamento da sociologia positivista de DURKHEIM no tocante à sua afirmação de que os fatos sociais são modos de agir e pensar que se impõem às mentes dos indivíduos e possuem objetividade e ascendência sobre os mesmos existindo fora das consciências individuais e apontando para um verdadeiro estado da alma coletiva21 cria um complicador na assunção da premissa de separação entre pensamento e ação Tal resultado é derivado de um modo de pensar a ciência que a compreende apenas na cisão completa entre observador e objeto A forma como DURKHEIM trabalha o fato social reproduzindo o menos como um produto da vontade e ação mas como algo dada pela existência coletiva acaba por conduzir ao resultado de que o tipo penal não é o que deve ser na idéia do jurista mas sim como se apresenta em suas características na positvação das leis impassível de críticas Em última instância a adoção desta perspectiva sociológica imprime ao jurista um papel de criador doutrinário pautado somente na metalinguagem da letra abstrata da lei com sua aplicação restrita ao prévio almanaque de metodológico Enquanto aqui se postula o difícil afastamento dos tipos abertos por questões relacionadas à infraestrutura produtiva capaz de estabelecer mais complexas relações de produção o ontologismo de WELZEL propugnava a tipicidade aberta em determinados casos com fundamento nas estruturas lógicoobjetivas ontologismo finalista Importante salientar que mesmo possuindo os tipos abertos relação de importância clararnente estabelecida com as formas sociais a utilização desta modalidade deve respeitar certos limites Ao deparar com o tipo penal o intérprete deve ao menos ser capaz de inferir um conjunto de situações factuais que visam ser evitadas pelo legislador O que tantas vezes sequer é respeitado Uma descrição penal que torna infindáveis as possibilidades sem qualquer limitação ao poder de punir não se trata de um tipo aberto mas de verdadeiro nãotipo 213 Norma Penal Em Branco A norma penal em branco não pode ser relacionada direta e imediatamente com o modelo de tipos penais fechados ou abertos podendo ser encontrada na visão tradicional tanto numa quanto noutra categoria As normas penais em branco se identificam com a incapacidade sistemática do tipo penal em abarcar todos os requisitos ou condições viáveis para a sua concretização e eficácia Comumente espelham conceitos técnicos destinados à complementação das proibições genéricas positivadas pelo legislador por meio de algumas expressões tipos penais incompletos O conteúdo que condiciona a classificação de um tipo penal como lei penal em branco deriva das normas em sentido amplo Assim o preceito indeterminado é complementado por outras regras jurídicas outras leis regulamentos portarias etc45 O exemplo mais comentado desta modalidade relacionase com as condutas vinculadas aos entorpecentes ou precisamente em nossa legislação Lei n 636876 substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica Neste caso o que venha a ser substância entorpecente não é definido pela lei penal mas por outro instrumento normativo como as portarias da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde Nestes casos portanto não se trata de estabelecer a distinção entre tipos penais abertos ou fechados uma vez que a essência da norma penal em branco não reside em sua objetividade elementos descritivos objetivos ou normatização elementos normativos Simplesmente o tipo penal incompleto pela sua relevância técnica precisa de outra norma para a consolidação dos seus limites e objetos de proteção As normas penais em branco também são muito utilizadas e proliferam na expansão atual do direito penal o que resulta em certas críticas a esta modalidade Todavia os contrastes da atual sociedade com os modelos sociais antigos possibilitam algumas verificações explicativas da sua constante utilização Os limites entre direito penal e direito administrativo tornamse cada vez mais tênues o que resulta na aplicação de normas em branco com remissões a regulamentos autorizações concessões e demais particularidades deste setor do direito público O simbolismo penal ademais assume o compromisso de orientar o sistema rumo às conseqüências e prevenção Por fim e principalmente os novos momentos de proteção penal não são facilmente diagnosticáveis ou então vislumbram tamanhas possibilidades complexidade que seriam inalcançáveis pela simples tipificação Em resumo as normas penais em branco atendem à dinâmica mutante da sociedade fruto da tecnologia e dos conhecimentos além de permitirem ao tipo englobar um maior número de condutas com rigor e precisão sistemática Não se despreza que as normas penais em branco devem apontar problemas quanto à utilização indeterminada de regras jurídicas de diferentes 45 Definição clássica de norma penal em branco é Nela o preceito quanto ao conteúdo é indeterminado sendo preciso somente quanto à sanção É aquele pois preenchido por outra disposição legal por decretos regulamentos e portarias Na conhecida frase de Binding a lei penal em branco é o corpo errante em busca de alma NORONHA Edgar Magalhães Direito penal 33 ed São Paulo Saraiva 1998 v 1 p 48 Na análise clássica do tipo penal e seus elementos vide também MÉDICI Sérgio de Oliveira Teoria dos tipos penais parte especial do direito penal São Paulo Ed Revista dos Tribunais 2004 p 105120 46 HASSEMER Winfried Derecho penal simbólico e protección de bienes jurídicos In BUSTOS RAMÍREZ Juan Pena y Estado Ed Jurídica ConoSur 1995 p 3134 CHAUÍ Marilena op cit p 42 também imprime ao conceito de alienação sua formulação outorgada pelo materialismo histórico admitindo o processo alienante quando a interiorização não ocorre isto é quando o sujeito não se reconhece como produtor das obras e sujeito da história mas torna as obras e a história como forças estranhas exteriores alheias a ele e que o dominam e o perseguem temos o que Hegel designa como alienação é a impossibilidade de o sujeito histórico identificarse com sua obra tornandoa como um poder separado dele ameaçador e estranho outro que não ele mesmo DURKHEIM Émile As regras do método sociológico 2 ed Trad Paulo Neves São Paulo Martins Fontes 1999 p 114 Eis aí portanto maneiras de agir de pensar e de sentir que apresentam essa notável propriedade de existirem fora das consciências individuais Esses tipos de conduta ou de pensamento não apenas são exteriores ao indivíduo como também são dotados de uma força imperativa e coercitiva em virtude da qual se impõe a ele quer ele queira quer não Mas dirão um fenômeno só pode ser coletivo se for comum a todos os membros da sociedade ou pelo menos a maior parte deles portanto se for geral Certamente mas se ele é geral é porque é coletivo o que é bem diferente de ser coletivo por ser geral Esse fenômeno é um estado do grupo que se repete nos indivíduos porque se impõe a eles Ele está em cada parte porque está no todo o que é diferente de estar no todo por estar em cada parte naturezas o que até certo ponto resultaria em forte contrariedade ao princípio da taxatividade penal De fato as normas penais em branco além do conteúdo prescritivo imanente possuem um outro aspecto interessante qual seja um conteúdo tácito de delegação jurídicolegal Isso resulta do fato da complementação da norma não ser necessariamente relacionada com diplomas de natureza penal mas por exemplo administrativas Questionase assim se uma norma administrativa não estaria assumindo a competência da penal no conteúdo criminalizado e assim suscitase a questão da constitucionalidade destas disposições O fato todavia que aqui é pertinente resumese ao comprovado aumento da utilização deste expediente no direito penal atual e assim resta a tentativa de explicação das razões que fazem as normas penais em branco serem sedutoras na sociedade de risco 22 REFERÊNCIAS CRÍTICAS O modo de produção atual e dominante trouxe ao homem uma visão inovadora de desenvolvimento visto ser imprescindível ao próprio sistema a criação constante de necessidades O modelo tem sua realização no porvir evitando a monotonia produtiva e consagrando o enriquecimento e posterior consumo como símbolos absolutos de successo felicidade realização e reprodução As matérias de proibição penal eleitas pelo legislador e em seguida tipificadas não possuem como característica o questionamento do sistema mas pelo contrário a garantia de sua estabilidade Os direitos fundamentais na modalidade formal do Estado brasileiro a centralização do direito penal na propriedade privada a proporção das penas em face dos delitos os delitos financeiros tributários ambientais todos não possuem o interesse de alterar o sistema reverterlo contraditálo Pretendem mantêlo com a devida adequação às novas realidades no tocante a propiciar as expectativas comportamentais A realidade feudal por exemplo jamais poderia conhecer a idéia de desenvolvimento nos moldes atuais de modo que séculos se passavam e muito pouco se alterava nas relações entre os homens e seus padrões de existência exigindo pois regulamentações jurídicas muito mais simples O próprio Código Penal brasileiro de 1830 ou seja já no bojo do incipiente modo de produção hoje consagrado sequer vislumbrava a mínima precisão aos tipos penais de modalidade culposa posta a desnecessidade de tal imputação em decorrência das relações sociais que se realizavam47 Vivemos hoje assim a velocidade alucinada das transformações exigindo novas positivaçãoes tantas vezes em desacordo com o modelo legalracional positivista capaz de ser oferecido pelo aparato do Estado Os tipos penais fechados até então apontavam plena capacitação para a leitura jurídica da sociedade Onde não há o tráfego de veículos o avanço enorme da tecnologia o belicismo a destruição do meio ambiente fazemse desnecessárias postulações de proibições culposas ou de perigo ou seja os tipos penais abertos não possuem sequer razão ou alcance de existência 48 As coisas atualmente alteramse a todo tempo em todo o espaço construindo uma sociedade em demasia complexa onde toda a gama de desenvolvimento científico e tecnológico se representa nas relações humanas e nas dificuldades de diagnósticos acerca das mesmas A potencialidade dos homens alcançou níveis elevadíssimos possibilitando em última instância a autodestruição ULRICH BECK através do método analíticodescritivo descreveu as sujeições nas quais os seres humanos foram colocados em face de suas próprias evoluções O poder desta era é o poder do perigo que suprime todas as zonas protegidas e todas as eventuais diferenciações sociais que possam ser construídas na sociedade do modelo em essência desigual49 Diante deste quadro construído na sociedade mundial de risco o direito penal assim como os demais ramos jurídicos e suas respectivas ciências não podem eximirse de alterar sua formatação mesmo que tal modificação im 47 Neste mesmo caminho é a obra de PIERANGELI Não defini a culpa mencionando apenas o dolo art 2º e 3º conquanto no art 6º a ela se referisse capitulando logo mais adiante crimes 48 49 culposos art 125 e 153 olvidou os homicídios e as lesões corporais culposas Essa omissão só veio a ser suprida através da Lei 2033 de 1871 Contudo é de ressaltar que o silêncio do Código na época em que veio a lume pouco ou nada significava pois a importância dos crimes culposos só surgiu com a advento das máquinas com os meios de transporte e com a evolução da indústria PIERANGELI José Henrique Códigos Penais do Brasil evolução histórica 2 ed São Paulo Ed Revista dos Tribunais 2001 p 71 O Art 3º dizia que Não haverá criminoso ou delinquente sem má fé isto é sem conhecimento do mal e intenção de o praticar O Art 125 capitula o crime daquele que deixa os presos sob a sua custódia fugirem enquanto o Art 153 aponta para Falta de exação no cumprimento dos deveres A passagem da construção sociológica de GIDDENS demonstra as alterações da sociedade moderna À primeira vista os perigos ecológicos que enfrentamos atualmente podem parecer semelhantes às vicissitudes da natureza encontradas na era prémoderna O contraste contudo é muito nítido A ameaças ecológicas são o resultado de conhecimento socialmente organizado mediado pelo impacto do industrialismo sobre o meio ambiente material São parte do que chamou de um novo perfil de risco introduzido pelo advento da modernidade Chamo de perfil de risco um elenco específico de ameaças ou perigos característicos da vida social moderna GIDDENS Anthony As conseqüências da modernidade Trad de Raul Fiker São Paulo Ed UNESP 1991 p 111112 BECK Ulrich La sociedad del riesgo hacia uma nueva modernidad cit Afirma BECK nas diferentes passagens identificadas que el hecho de que el sistema mundial se encuentre merced de la naturaleza integrada y contaminada industrialmente Contra las ameaças de la naturaleza exterior hemos aprendido a construir cabanas e acumular conocimiento Por el contrario estamos entregados casi sin protección a las ameaças industriales de la segunda naturaleza incluida nel sistema industrial Lo que causa la catastrofe no es un erro sino los sistemas que transforman la humanidad del error en fuerzas destructivas incomprensibles Por outro lado é inquestionável o papel que a economia assumiu no mundo moderno sociedade de risco sociedade reflexiva segunda modernidade BECK através do conceito de globalismo traz a relação da dinâmica econômica com os demais setores sociais o mercado mundial bane ou substitui ele mesmo a ação política tratase portanto da ideologia do império do mercado mundial da ideologia do neoliberalismo O procedimento é monocausal restrito ao aspecto econômico e reduz a pluridimensionalidade da globalização a uma única dimensão a plique em dificultosa busca do conhecimento das atuais e elementares relações entre homem sociedade e natureza Evidentemente tais alterações são realizadas no mundo jurídico de modo pontual esparsas de sorte com que tãosomente após certo tempo a teoria será capaz de inventariar e racionalizar sua integralidade Não é à toa a ampliação percebida no direito penal para ramos jamais pensados como aptos à tutela demandando a reformulação do conceito de bem jurídico visto até então na construção a priori como limitador da ofensividade lesividade e dignidade de tutela criminal50 Um dos reflexos desta modernidade no direito penal foi o desenvolvimento de uma nova metodologia de estudos para a matéria Incontestes as vantagens trazidas pelo finalismo de WELZEL ao sistema penal e à própria configuração do tipo Todavia o ontologismo propugnado pelos seus seguidores com o desenvolvimento de estruturas lógicoobjetivas além de deduzir formas absolutas do mundo incompatíveis com uma visão histórica e material não conseguiu ser capaz de lidar com as inquietações propaladas pela sociedade de risco As estruturas lógicoobjetivas as quais segundo a postura finalista deveriam ser seguidas pelo legislador na elaboração da tipicidade comportam apenas uma apreensão estática da realidade51 A edificação ontológica pressupõe conceitos verdadeiros do mundo os quais são imutáveis na realidade aproximandose embora em caminho oposto aos mesmos efeitos das categorias a priori trazidas pelos neokantianos Da mesma forma embora com a vitória das idéias finalistas no bojo do dogmatismo jurídico percebese gradativamente a superação dos resquícios ainda vigentes das buscas de precisões conceituais sem qualquer conseqüên 50 SILVEIRA Renato de Mello Jorge Direito penal supra individual interesses difusos São Paulo Ed Revista dos Tribunais 2003 p 1718 Como o avanço dos meios tecnológicos novos riscos sociais foram postos modificando por completo o dia a dia dos homens Essa nova fase da vida em sociedade dos tempos chamados pósmodernos tem sido profundamente questionado por filósofos sociólogos e juristas Atualmente ainda que se fale em Direito Penal mínimo Direito Penal de última ratio em uma real limitação de abrangência criminal verificase uma amplitude de figuras repressivas relativas e esses novos riscos Verdadeiro motivo de inquietação a chamada expansão do Direito Penal tem sido vista de forma diversa e distinta por várias escolas penais Constatada a ruptura no paradigma de proteção dos bens individuais e sociais os novos riscos impostos ao homem revestemse de características multifárias tendo diversas repercussões em diversas áreas do Direito Com estudos aprofundados a partir dos anos 70 os direitos difusos ou supraindividuais começaram a se mostrar como um dos elementos mais importantes para a ciência Ao Direito Penal outro destino não é o reservado do que também essa preocupação 51 CAMARGO Antonio Luis Chaves Tipo penal e linguagem Rio de Janeiro Forense 1982 p 26 O finalismo na concepção de Welzel é um conceito ontológico como é a causalidade e também uma lei objetiva da estrutura do ser e do atuar humano O tempo contemporâneo do pensamento penal é momento de reflexão social e transformações dogmáticas cuja análise permite até mesmo vislumbrar a encoberta função que o direito penal exerce na manutenção da desigualdade social A sociedade do conhecimento envolve em qualquer aproximação preceitos interdisciplinares fazendo a abertura expressa no pensamento de HABERMAS acerca da incessante busca do melhor argumento Interpretar é convencerse de uma dentre várias hipóteses e exatamente esta escolha condicionada inafastável num sistema aberto é o que permite apontar a decisão penal como algo político baseado na força diferenciandose da concepção que lhe outorga valor de verdade As ciências não jurídicas com destaque para a filosofia e a sociologia não podem mais ser vistas como corpos estranhos ao sistema penal mas ao contrário devem integrar o seu próprio pensamento culminando em síntese na finalidade última que se busca com a tutela penal Optase livremente no intérim do direito penal e seu sistema funcionalista outorgandolhe o sentido de efetivação da políticacriminal ROXIN ou na sua capacidade de reafirmação dos valores vigentes CHAVES CAMARGO ou ainda na extremada busca da fidelidade ao Direito JAKOBS Todavia tal decisão não pode eximirse inocente ou deliberadamente de seu caráter de exercício do poder Ocorre portanto a alteração completa dos institutos penais e suas relações com o mundo material visando à funcionalidade teleológica na realização dos preceitos do Estado Democrático de Direito forma história de organização erigida sob o respeito formal positivado à dignidade da pessoa humana e o pluralismo ideológico Constituição Federal artigo 1º incisos III e V Surge assim forma de adaptação das construções típicas e de realização da tipicidade adequada aos novos acontecimentos adstritos à esquematização social do capitalismo qual seja a sociedade de risco cerne propulsor de conceitos ainda em gestação no país como a responsabilidade penal da pessoa jurídica e a imputação objetiva54 Dentro destes diversos aspectos de modificação o tipo penal tem crucial importância seja em razão de modificarse em si mesmo importando na criminalização de novas condutas seja pelas alterações reflexas de que é alvo pelas novas construções do sistema penal autônomo em certo sentido O tipo percorre o inusitado caminho jurídico de alcançar o concreto saindo do concreto e navegando pelo abstrato incidindo sobre ele neste trajeto todos os aspectos da dogmática jurídicopenal A conduta concreta realizada e a posterior subsunção de demarcação da etiqueta jurídicocriminal jamais pode ser feita ao menos no âmbito de legalidade constitucional princípio nulla poena sine lege sem a utilização do modelo ideal típico e portanto desta categoria aglomerante de diversos elementos capazes de demonstrar a criminalidade ou a eventual descriminalização Dentro do caminho destinado ao apontamento de um fato como criminoso o tipo penal é o filtro que relata os aspectos constitutivos da conduta proibida e exige destarte tal adequação Ao tipo penal incumbe a tarefa de janela do direito penal para o mundo sofrendo suas influências sistêmicas internas ou seja sua configuração no corpo da teoria do delito bem como influências externas tanto da atualização constante de seu conteúdo pelo órgão jurisdicional aplicador quanto pela iniciativa política traduzida em seu verdadeiro combustível Por meio da leitura dos tipos apreendese o que determina da sociedade entende como insuportável e ao mesmo tempo o tipo é capaz de ensinar sobre esta mesma sociedade que controla Todas estas influências que consistem em irritações sociais no direito penal como um todo demarcam a vida humana seus valores suas expectativas seus prognósticos para um mundo construído no embate da sobrevivência ao longo da acumulação desigual dos tempos O que se postula nada mais é senão o entendimento da inserção do tipo penal em seu universo de atuação sua adaptabilidade o que torna obrigatória a análise do fenômeno da tipicidade teoricamente possibilitada pela teoria do delito e pelos princípios do direito penal Tudo isso contudo apenas ganha relevância na verificação do fenômeno social que cria o cenário para tais institutos existirem e de algum modo possuírem determinado significa 54 CAMARGO Antonio Luis Chaves Imputação objetiva e direito penal brasileiro cit p 63 O autor ao expor o pensamento de HONIG responsável por trazer as idéias de Imputação Objetiva desenvolvida por LARENZ para o Direito Civil assim descreve as incipientes concepções que já apontavam a insuficiência da relação causal naturalística posteriormente como é sabido de tal forma abstraída na sociedade do risco e conseqüentemente superada Em 1930 no livro em homenagem a FRANK pelo seu septuagésimo aniversário Richard Honig no sentido de uma revisão na teoria de LARENZ trouxe para o Direito Penal a Imputação Objetiva com base na persecução objetiva da finalidade objektive Zweckhaftigkeit excluindo os cursos causais determinados pela causalidade e estabelecendo um juízo de imputação autônomo no qual o resultado é o reflexo de um fim Zweckhaft Houve uma alteração na perspectiva de analisar a relação causal pois não se pode com base exclusiva no curso causal estabelecer a responsabilidade de uma pessoa mas é necessário que sejam eleitos os critérios para a imputação a uma pessoa de determinado resultado do e instrumentalização como ferramentas institucionais do mundo desencantado portador da racionalização própria da cultura do Ocidente O método assim estabelecese partindo do paradigma construído pela teoria sociológica de BECK acerca da sociedade mundial do risco Porém a análise do direito penal não pode circunscreverse às simples decorrências naturais de um sistema social como se este e aquela já estivessem predispostos e latentes a existirem na criação coletiva do homem Ocorre pois a aceitação de um segundo critério qual seja a humanização dos processos sociais em sua inteireza o que possibilita ao menos com indicações do materialismo dialético inserir o direito penal em seu contexto de relações restando por verificálo como mecanismo destinado a certos alcances O tipo penal conforme expressado indica opção de poder a qual ao mesmo tempo em que impõe permite a explicação das causas determinantes deste mesmo comando Aceitar a inteireza e o porvir do direito penal nas relações humanas redunda necessariamente em incluir o homem em sua realidade de sorte que estudar a estruturação típica na sociedade do risco termina por recair no estudo e autocrítica da própria sociedade A ciência ao menos permite exatamente este trabalho no instante em que acaba por servir à reflexão desmascarando verdades tidas como absolutas puramente construídas e protagonizadas no campo ideológico Afinal que a ciência serve ao interesse já os filósofos apontaram entretanto também apontada já foi sua capacidade de busca do consenso social erigido num agir democrático capaz de alcançar escolhas destinadas aos fins almejados do corpo social e do relevante papel do direito penal instrumentalidade O direito penal e a sociedade modificamse dialeticamente sendo o corpo social composto por membros individualizados o protagonista desta manifestação Isto dificulta inclusive o conhecimento deste mesmo relacionamento no foco onde se acaba diretamente agindo TERCIO FERRAZ JUNIOR exprime com clareza as ponderações de WITTGENSTEIN em seu Tractatus Lógicophilosophicus 1921 onde afirma acerca de saber algo sobre o mundo em sua totalidade só se poderia saber algo se saíssemos fora dele Mas se isso fosse possível este mundo já não seria todo o mundo O mundo assim é finito e ao mesmo tempo ilimitado Ilimitado porque precisamente nada existe fora que junto ao de dentro possa constituir uma fronteira Mas assim conclui ele o mundo e a vida são uma coisa só isto é o sujeito não pertence ao mundo é o limite do mundo55 55 FERRAZ JUNIOR Tercio Sampaio Estudos de filosofia do direito reflexões sobre o poder a liberdade a justiça e o direito São Paulo Atlas 2002 p 243244 3 A EVOLUÇÃO METODOLÓGICA DO TIPO PENAL O direito penal se expressa em sua comunicação mais imediata e direta com os membros do corpo social através da figura típica ou em expressão mais técnica do tipo penal incriminador Realizando a leitura ou tendo o conhecimento dos delitos aqui identificados como simples figuras taxativas os cidadãos leigos ou acadêmicos adquirem as informações suficientes para se cientificarem quais as condutas proibidas ou permitidas no Código Penal e nas leis penais extravagantes modulando seus comportamentos senão de acordo tendo em vista a existência genérica das normas princípio da legalidade56 Podese dizer assim que dentre as diversas funções o tipo penal possui relevante aspecto de motivação57 sobre as condutas humanas Essa escolha de atos humanos defesos em lei portanto selecionados dentre as infindáveis formas e mecanismos da atuação em sociedade trazem a verdadeira essência da construção principiológica penal da fragmentariedade A clareza com que é feita a escolha de determinados comportamentos criminosos dentre outros que assim não vão se qualificar configura a própria índole seletiva inerente ao sistema penal de ultima ratio Desse fenômeno algumas considerações podem ser trazidas desde logo constituindose em premissas para o desenvolvimento científico no tocante à consubstanciação do processo de conhecimento com o fim nitidamente crítico construtivismo O entendimento do caráter seletivo do sistema penal demonstrado através do tipo aponta para a relativização de conteúdos proibitivos Mais que significarem impedimentos aos comportamentos humanos imemoriais verdadeiros ou lógicoobjetivos os tipos 56 WELZEL identificava claramente a correlação natural entre a tipicidade penal e o princípio da legalidade constitucionalmente exigido para este ramo repressivo do direito El principio constitucional de que la punibilidad de um hecho tiene que estar determinado por la ley antes de su comision se asienta sobre la idea de que la ley misma tiene que describir de un modo exhaustivo la materia de la prohibición el tipo mediante la indicación de las diversas caracteristicas de la conducta delictiva WELZEL Hans Derecho penal alemán Trad Juan Bustos Ramírez y Sérgio Yañez Pérez 3 ed Santiago Ed Jurídica de Chile 1987 p 75 57 A função de motivação do tipo penal é apresentada por exemplo por CUESTA AGUADO Para conseguir que la sociedad a la que va dirigida la pauta de conducta reciba claramente el significado y el contenido de ésta y pueda adecuar su comportamiento a lo exigido por el ordenamiento jurídico Función de motivánción el tipo ha de describir de forma clara precisa e comprensible la conducta exigida o prohibida CUESTA AGUADO Paz Mercedes de la Tipicidad e imputación objetiva Mendoza Ediciones Jurídicas Cuyo 1998 p 6970 penais espelham as opções políticas de controle de uma determinada sociedade em determinado tempo e principalmente de determinada forma Nesse diapasão a primeira constatação que se faz é a escolha política da tipificação A análise do método e do conteúdo do direito penal encarados por meio de sua principal entrada tipo penal incriminador ofertam o potencial cognitivo dos valores dos homens quando de sua utilização instrumental ou os aspectos axiológicos que nortearam a criação penal Todo este caldo de cultura ao mesmo tempo em que fomenta a criação de delitos limita suas formas de expressão fazendo respeitar certos corolários também valorativos de um Estado mais ou menos apegado ao modelo ideal de humanidade e suas implicações58 O tipo penal bem como sua individualidade prescritiva e construção dogmática representa quase que todos os valores humanos imbricados no direito penal O fato de ser mais fácil perceber o desvalor ofertado àquela conduta delimitada não impede ser também possível estabelecer a forma pela qual o Estado comunicase com o cidadão Ao mesmo tempo em que os valores insistem na criminalização também impõem que esta ocorra de modo peculiar respeitando os aspectos que naquela comunidade devem ser primordiais Por mais que não seja tolerada a prática homicida isso não implica necessariamente em dizer que aquele que infringe a conduta deva ser condenado à pena de morte Estas assertivas apresentamse com bastante clareza no mundo moderno em sua realidade vivente sendo apenas posteriormente sistematizadas e compreendidas pelo olhar científico Quando se debate no parlamento quais as condutas que devem ou não devem ser criminalizadas as escolhas opções e divergências restam por permanecer muito mais no campo das idéias sentimentos e valores do que em constatações dogmáticas jurídicopenais A lei alcança ao máximo a abstração e este é o locus do tipo penal in concreto A construção da ciência vem apenas posteriormente trabalhando a dogmática penal e a teoria do delito na qual o tipo é elemento essencial como coleta e elaboração de dados científicos sediados em nível médio de abstração entre a lei e o caso concreto regras de decisão59 Nesse sentido os próprios valores funcionam como mecanismos de forma e conteúdo dos tipos penais especiais Estes mesmos valores logo depois introjetamse na elaboração conceitual dos juristas e suas criações O direito penal entendido na organização de suas postulações positivadas encontra mediante a análise de sua exposição dos conteúdos proibidos o que tãosomente pode ser feito por meio do tipo penal em tempos de legalidade as hipóteses e perspectivas de soluções de conflitos que fomentam sua própria criação A necessidade de punir balizada na crença de que a pena é capaz de conter os respectivos livresarbítrios dos seres racionais e pensantes exprimindo um raciocínio conservador retributivo antagonizase com a visão do Direito do Estado Democrático e se assim quiser de cunho liberal e garantista Valores portanto diametralmente opostos são constantemente engendrados e atualizados no ato legiferante de clara opção política e no ato jurisdicional talvez de não tão clara opção política À ciência do direito penal permanece a função de sistematizar estes dados e oferecer a orientação ao primeiro e racionalidade decisória ao segundo Assim expressase a proibição de liberdades provisórias na vigência concomitante do princípio da presunção de inocência Da mesma forma imprimese a significativa majoração da pena de furto em comparação ao dano ainda que se respeite em tese as noções de proporcionalidade60 Sequer seria necessário mencionar as discussões acerca da pena de morte prisão perpétua ou da menoridade penal diante da diáfana inconstitucionalidade destas disposições Valores e visões de mundo se digladiam a todo instante na luta pela hegemonia de suas aplicabilidades 58 MATTOS Patrícia Castro As visões de Weber e Habermas sobre direito e política Porto Alegre Sérgio Antonio Fabris Editor 2002 p 43 Dissertativa sobre a ciência e sua finalidade na perspectiva de WEBER é a passagem transcrita que embora possa parecer um afastamento completo de determinada opção ideológica intrínseca no realizar científico serve para trazer a meta da ciência em refletir o mundo circundante O valor da ciência está relacionado com o papel de interpretação que a sociedade faz de si mesma Schluchter ressalta que Weber percebe que a ciência oferece algo para a condução consciente da vida Primeiramente ela nos oferece um conhecimento empírico que podemos usar tecnicamente para dominar tanto o mundo natural quanto o mundo dos valores que nos ajuda a esclarecer a nós mesmos o nosso lugar no mundo Ela pode nos mostrar tudo o que está em jogo numa escolha valorativa É interessante observar a tese de Schluchter de que a ciência desempenha um papel de interpretação da sociedade quando o autor faz a comparação entre ciência e religião A ciência ao contrário do agir religioso vive de acordo com o universo que pretende dominar Ao comportamento religioso falta um distanciamento do mundo a ausência desta mediação tornao incompatível com o pluralismo de valores e a fé na ciência A ciência deve inscreverse como um instrumento de crítica em relação ao mundo moderno 59 HASSEMER Winfried Introdução aos fundamentos do direito penal Trad Pablo Rodrigo Auflen da Silva Porto Alegre Sérgio Antonio Fabris Editor 2005 p 271 60 O atual Código Penal brasileiro atribui ao furto simples art 155 as penas de reclusão de 1 um a 4 quatro anos e multa Já ao delito de dano simples art 163 a punição consiste em detenção de 1 um a 6 seis meses ou multa 31 O PENSAMENTO DE ERNST BELING E O TIPO DESCRITIVO O tipo penal como categoria sistemática da teoria do delito foi trazido pela primeira vez por ERNST BELING em 190664 conseguindo superar a visão processual que se tinha do chamado Tatbestand e em decorrência criando o primeiro grande modelo do delito conhecido como Modelo LisztBeling65 em alusão a FRANZ VON LISZT Antes da formulação o delito viase compreendido pela noção de se tratar de um fato contrário ao direito e ao mesmo tempo culpável sendo de difícil apreensão prática e instrumental a realização concreta da noção de taxatividade da lei penal Dessa forma a antijuridicidade salientava um aspecto objetivonormativo enquanto a culpabilidade psicológica ou normativa possibilitava um juízo de atribuição do comportamento a determinada pessoa absorvendo as modalidades dolosas e culposas A rigor a noção que se estabelecia do tipo penal até então em muito pouco se aproximava à construção categorial do conceito O tipo de delito Tatbestand des Verbrechens dividiase em geral allgemeinen Tatbestende e especial besondere Tatbestand sendo o primeiro praticamente entendido como sinônimo de crime na totalidade de seus elementos enquanto o segundo restava por compreender tãosomente as concretas classes de delitos estabelecidas pelo legislador Nesse aspecto percebese de maneira muito simples que o conceito era absolutamente prescindível para a verificação dos elementos consistentes na teoria do delito posto que ora os admitia na integralidade tipo de delito geral ora empreendia sentido meramente classificatório tipo de delito especial Busca BELING destarte e em palavras precisas a criação de uma teoria geral dos tipos de delito especiais BELING acentua de forma preponderante a necessidade de se alçar o tipo à condição de elemento constitutivo essencial do delito e assim sendo detentor de autonomia em face dos juízos posteriores de antijuridicidade e culpabilidade O tipo penal pela primeira vez passa a existir em si mesmo diferenciandose das demais estruturas até então reunidas sob a conceituação de figura delitiva Para cada figura delitiva passa a corresponder um delitotipo ou seja um paradigma objetivo do comportamento66 A constatação de BELING significou uma crucial possibilidade de operacionalização do direito penal constituindo um catálogo de comportamentos filosoficamente acordado com a garantia do cidadão em face do arbítrio do Estado67 darseá nesse instante a mais cristalina visão do positivismo como adequado ao momento social68 Destacase que contemporaneamente VON LISZT consagrava a alusão ao direito penal e sua codificação como a Magna Carta do delinquente Com a idéia do tipo penal enquanto elemento autônomo introjetamse na teoria do delito os valores de legalidade proporcionalidade e fragmentariedade É inquestionável que embora já estivessem na época presentes algumas noções do neokantismo que orientariam notoriamente as construções de MAYER e MEZGER fiéis representantes desta linha do pensar BELING foi de modo evidente influenciado pelo positivismo jurídico de BINDING admitindo plenamente o corolário maior da teoria positivista vislumbrado na cisão total entre direito e moral e conseqüentemente a completa desvinculação dos valores do segundo em face do anterior Nesse aspecto a teoria do tipo vem como exemplo maior do apego à lei e à construção científica de limitação do poder no Estado de Direito salientando o caráter liberal burguês do pensamento da época reinante na sociedade69 A construção do tipo penal em sua modalidade incipiente acabou por criar uma estrutura exclusivamente objetiva desprovida de qualquer aspecto normativo ou valorativo e subjetivo ou anímico Esta característica simplesmente descritiva aliás foi o verdadeiro diferencial desta etapa de pensamento abrindo inclusive o espaço para as brutais críticas sofridas por BELING realizadas pelos demais pensadores que o sucederam70 32 O PENSAMENTO DE MAX ERNST MAYER E O TIPO INDICIÁRIO A superação e revisão do modelo proposto por BELING não significaram simplesmente uma alteração adaptada ou restrita às figuras dos elementos do crime ou da teoria do delito Pelo contrário foi um resultado muito mais abrangente e expressivo pois em verdade a alteração das proposições até então existentes incorporadas nos trabalhos e escritos que sucederam a idéia incipiente frutificou da modificação do homem em lidar com o próprio mundo e com as possibilidades do conhecimento científico nas humanidades A verificação histórica sob este prisma ganha um caráter fundamental de compreensão das alterações que propiciaram a mudança da própria existência da dogmática jurídica permitindo apontar para a premissa metodológica Assim o tipo penal e suas elaborações muito mais que construções absolutizadas no tempo e no espaço incorporam claramente a historicidade do homem e suas motivações filosóficas Em tempos de positivismo sistema hermético lógico e formal no qual o Direito inserese como sinônimo de norma verificada somente em face de um ordenamento posto haja vista a idéia circular de bem jurídico para BELING passam a existir questionamentos traçados com a finalidade de demarcar sentidos para o mundo buscando paradigmas valorativos As críticas se iniciam tendo em vista a própria inutilidade de um pensamento formal que mais busca a dogmática insossa e classificatória do que propriamente a verdade do direito sua axíologia e fundamentação metafísica77 Como reflexo natural das novas posturas adotadas perante o 77 Exatamente neste enfoque caminha a crítica do jurista brasileiro NÉLSON HUNGRIA ao tratar da pandectização do Direito Penal O movimento ou diretriz de pandectização do direito penal teve o seu início entre os modernos germanos afirmouse com Carlos Binding e atingiu seu apogeu com Ernesto Beling Foi um trabalho quase sistemático de deformação do Direito Penal Quase se poderia dizer que aconteceu com o Direito Penal o mesmo que aconteceu com aquela mosca azul de que nos contam os versos de Machado de Assis o poleá que a acbou quis decifrar o mistério de seu esplendor e Dissecouaa tal ponto e com tal arte que ela rota baça nojenta vil sucumbiu HUNGRIA Nélson op cit v 1 t 2 p 447448 O mesmo apontamento também é feito pelo italiano ANTOLISEI E fuori dubbio che il reato non deve essere estudiato sólo sinteticamente come abbiamo fatto finora e cioè nella sua unità e nelle note comuni che lo caratterizzano occorre anche procedere allanalisi di esso vale a dire allindividuazione e all esame degli elemento che lo compongono La dottrina in questi ultimi tempi ha molto approponito lo estudio analítico del reato ma per il suo orimamento metodológico è incorsa in gravi esagerazioni creando astrazioni che non giovane alla chiarezza delle idee e perdendosi in sottigliezze ANTOLISEI Francesco Manuale di diritto penale parte generale 5 ed Milano Giuffré 1963 p 151 direito penal especialmente decorrente das alterações dos fundamentos filosóficos e ideológicos do momento iniciase uma substituição dos mecanismos utilizados para encarar a conduta penal e transportála para a dogmática do delito Na visão de BELING a ação conforme salientado embutiase em construções meramente causais de alteração do mundo exterior o que contemplava plenamente um tipo penal desprovido de valor objetivo e descritivo de tais alterações naturais Impunhase como conseqüência a assunção de noções legalistas e ordenadas Com MAYER a ação embora ainda pautada no mecanismo da causalidade não pode mais ser vislumbrada e compreendida tãosomente em sua ocorrência de fácil percepção mas as atenções se voltam para a conduta e sua consonância com valorações construindo um enfoque normativista Está aberto pois o espaço para a enraizada incorporação do neokantismo ao direito penal A inspiração neokantiana deriva de toda uma linha de raciocínio implementada pela chamada Escola Sudocidental Alemã ou Escola de Baden a qual ao reconstruir o pensamento de KANT passa a entender a possibilidade humana de compreensão científica não apenas dos aspectos das ciências naturais mas também das ciências humanas desde que com a utilização diferenciada e correta de ferramentas de trabalho78 O neokantismo dirigiuse como toda grande linha de pensamento para diversos caminhos opostos mas algumas de suas premissas comuns entre seus formuladores foram incorporadas significativamente no âmbito do Direito esculpindo ao seu modo tanto o pensamento de MAYER quanto de MEZGER Em primeiro lugar os pensamentos de STAMMLER7 e RICKERT este último pertencente à chamada Escola de Marburgo introduziram a 78 CARDENAL MOTRAVETA Sergi op cit p 303 Los autores neokantianos dieron uma fundamentación distinta a las ciencias culturales Conservaron la distinción kantiana entre la materia y las formas a priori asi como la tesis de que el conocimiento científico se obtiene de la aplicación de éstas en la materia Pero a diferencia de Kant entendieron que la posibilidad del conocimiento científico no se reduce al ambito de las ciencias naturales y que por lo tanto debía corregirse la distinción que aquel habia establecido entre conocimiento científico y metafísica entre ciencia y filosofía La singularidad del conocimiento que proporcionan las ciencias del espíritu radicaria en la escoficidad de sus categoríais a priori y en la consiguiente diferencia entre el conocimiento acerca del contenido de la realidad que se obtiene a través ellas y el que se obtiene a partir de las formas a priori de las ciencias naturales A pescar de la identidad de la materia cuyo contenido se conoce científicamente la aplicación de formas a priori distintas daria lugar a un contenido diverso de esa materia eventualmente unitaria Solo en este sentido caberia hablar de una diversidad del metodo y del objeto de las ciencias naturales y las ciencias culturales 79 Merece destaque o papel assumido por STAMMLER Mais extensa e importante para o Direito foi contudo a obra de Stammler considerado por muitos como o fundador da moderna Filosofia do nal descrito como genial por JIMENEZ DE ASÚA85 MAYER assevera que a tipicidade remete à possibilidade de cognição da ilicitude sendo portanto indiciária da mesma86 Seu valor assim não se confunde com a antijuridicidade agora vista como normativa e despregada do ordenamento jurídico mas ao mesmo tempo a ela faz remissão uma vez que a comprovação da existência típica marcará indícios de existência de uma conduta também contrária à norma87 O pensamento de MAYER teve fundamental importância para a manutenção da discussão acerca do tipo penal colocandoo como elemento central dos debates acadêmicos reavivando as polêmicas e através do tipo como ratio cognoscendi da antijuridicidade inflamando o surgimento das novas elaborações e contornos científicos 33 O PENSAMENTO DE EDMUND MEZGER E O TIPO ESSÊNCIA O pensamento de Edmund Mezger certamente é o que melhor espelha o ideal de construção neokantiano de sua geração fazendo com que o tipo alcance no bojo da teoria do delito a função de ratio essendi da antijuridicidade A formulação é dotada de notória importância no desenvolvimento dogmático penal pois além de incorporar os postulados filosóficos antagônicos ao positivismo jurídico puro altera a própria estrutura do delito unificando e fundindo os elementos tidos como objetivos e normativos e criando a estratificação bipartida do crime88 De um 85 JIMENEZ DE ASÚA Luis op cit p 238 86 ROXIN Claus Teoria del tipo penal tipos abiertos y elementos del deber jurídico Trad Enrique Bacigalupo Buenos Aires Depalma 1979 Mayer subraya con mayorprecisión que Beling el carácter indiciaiio del tipo penal con relación a la antijuridicidad y su carácter de más importante fundamento para su conocimiento El tipo guarda respecto de la antijuridicidad la misma relación que el humo con el fuego El humo no es fuego ni contiene fuego pero mientras no se pruebe lo contrario indica la existencia de fuego 87 No mesmo sentido Nesta definição foi colocado acento nos critérios da tipicidade e da antijuridicidade assinalandose que a tipicidade deixa de ter um simples caráter descritivo mas lhe é atribuído um valor indiciário De fato uma conduta típica já é indício de sua antijuridicidade CAMARGO Antonio Luis Chaves Tipo penal e linguagem cit p 9 A separação entre tipicidade e antijuridicidade ainda é mantida mas agora temse que a constatação de um fato típico já se constitui de forma indiciária em possibilidade de antijuridicidade Impõese pois o enfoque tricotômico do delito SILVEIRA Renato de Mello Jorge Direito penal supra individual interesses difusos cit p 77 Mayer não se afasta integralmente da noção de tipo de Beling pois considera a tipicidade e a antijuridicidade como elementos distintos porém relacionados pois a antijuridicidade se manifesta indiciariamente na conformidade do fato ao tipo Por meio do tipo em uma relação obrigatória é que se alcança a antijuridicidade REALE JÚNIOR Miguel Teoria do delito cit p 40 88 CARDENAL MOTRAVETA Sergi op cit p 471 lado acentuase a tipicidade como base real de sustentação do ilícito legalidade89 e de outro a subjetividade como juízo de reprovação vinculado ao agente teoria normativa da culpabilidade Todo o pano de fundo da construção de MEZGER o que já havia ocorrido com MAYER é a percepção intuitiva da existência de elementos no tipo penal que impossibilitam a acepção completamente objetiva de sua verificação Todavia diante desta mesma constatação alvo da crítica do neokantismo como um todo ao positivismo de BELING os autores tomaram posições diferenciadas de modo que MAYER foi mais tímido nas alterações trabalhadas em seu modelo não rompendo completamente com seu antecessor90 Conforme descrito ERNST MAYER resolveu por manter a estruturação tríplice do delito entendendo que os elementos normativos que impingiam deficiências à tese da independência constituíam substratos apenas para ressaltar a noção indiciária que o tipo penal fazia aos bens jurídicos consubstanciados como normas de cultura no seio social Os elementos do tipo que não faziam menção a objetividades ou à relação de causalidade pertenciam como se poderia dizer ao mesmo tempo ao tipo e à antijuridicidade conceitos estanques mas com determinadores certas vezes comuns Logo as expressões coisa alheia e mulher honesta em ambos autores eram condições suficientes para destronar o paradigma neutro de BELING mas até então conforme a formulação de MAYER tãosomente instrumentalizavam o tipo penal na sua condição de indiciário da ilicitude 89 A medida que la ciencia del Derecho penal fue tomando concinecia de que la construccion de los conceptos y del propio sistema de la dogmática del derecho penal debían reducir su nivel de abstracción y abordarse mediante referencias valorativas la teoria del tipo adquieríe un interés y un protagonismo en el marco de la teoria del delito superior al que poseis hasta entonces La concepción de Mezger sobre la teoría general del delito y el lugar que en ella ocupa la teoría del tipo representa seguramenta la mejor plasmación de la metodologia neokantiana de la Escuela Sudocidental en la teoría del Derecho penal Si la concepción de M E Mayer se caracterizaba de completer desde una perspectiva material la teoria del tipo prupos Beling el concepto valorativo de tipo de Mezger supone el abandono del punto de partida el que Beling había ediniado la teorí del tipo la distinción entre la ley penal y la norma que infringe la conducta delictiva y determina su carácter antijurídico 90 MEZGER Edmond Direito penal TradFilippo Mandalari Padova Dott Antonio Milani 1935 p 194195 MEZGER não olvida nesta passagem da relação também necessária entre legalidade e tipo penal che per fondare la pretesa penale non è sufficiente ogni qualsiasi azione antijuridica bensì si richiede un torto tutto ecspeciale un torto conforme ad una fattispecie un torto tipicizzato Nesse sentido ROXIN Claus Teoria del tipo penal tipos abertos y elementos del deber jurídico cit p 6162 MEZGER rompe definitivamente com o corolário de BELING e sua estruturação derivada de BINDING colocando a existência de uma ação típica e antijurídica como uma ação tipicamente antijurídica o que resulta em diversas consequências O pensamento se constrói no sentido de que o legislador ao estipular uma determinada conduta como típica não apenas impõe esta qualidade mas o ato de especificação normativa em si mesmo atribui de imediato a noção de antijurídico teoria das normas neokantianas91 Não existe a possibilidade de existência de um fato típico não antijurídico pois tal constatação seria ilógica para a extremada visão valorativa neokantiana O autor imiscui a axiologia e a positivação embora com isso seja obrigado ao contorcionismo realizado nas causas de justificação elementos negativos do tipo Ao mesmo tempo não há o que se falar em ilícito penal sem tipicidade eis que desde os tempos de VON LISZT a categoria penal estava adstrita umbilicalmente às noções de legalidade Espelhase assim a reciprocidade entre tipicidade e antijuridicidade que consegue explicar a criação da teoria dos chamados elementos negativos do tipo penal postulado por MERKEL também neokantiano Esta é a única maneira de explicitar a existência sem contradições da tipicidade como ratio essendi do injusto O Direito apenas se faz num ambiente de relações humanas dotado de constantes valorações inexistindo a possibilidade de cisão para os neokantianos entre valores e normas o que deve ser espelhado logicamente na construção dogmática do sistema penal O tipo penal concretiza factualmente as noções valorativas sendo impossível o vislumbre de alguma norma de conteúdo ou caráter independente ou exclusivamente indicadores da antijuridicidade92 O grande problema da teoria de MEZGER embora de certo grau persuasiva93 é a falha epistemológica que resta por cometer na cognição antijurídica das relações sediadas no sistema penal e no Direito como um todo Ao sustentar a existência da antijuridicidade na própria tipicidade em sentido contrário poderseia dizer ser impensável a possibilidade da primeira sem a segunda o que a rigor não corresponde ao fenômeno do Direito Ao incluir o tipo como injusto objetivo na antijuridicidade como injusto tipificado MEZGER não resta por resolver possibilidades e hipóteses onde mesmo verificada a ilicitude esta incidência não se faz quanto ao modelo reitor Em outras palavras o jurista acaba por criar duas modalidades de antijuridicidade Ao lado da antijuridicidade penal colocase outra não penal cindindo assim a existência do Direito como objeto único94 Notase que o ponto fundamental de todo o aparato de desenvolvimento neokantiano aplicado à ciência jurídico penal é a forte preponderância que o discurso jurídico passa a ter em referência como elemento constitutivo ao discurso do Direito A entrada e o reconhecimento dos elementos normativos do tipo retirados de sua condição de objetividade e designados para a esfera da ilicitude local normativo e de valoração desmascaram com maior facilidade a constante atualização do Direito em sua aplicabilidade concreta ou mais do que isso sua realização construtiva de sentido da norma sendo levada a efeito mais pelo intérprete do que propriamente pelo legislador ordinário Dentro de um dinamismo social crescente onde as construções intelectivas e conceituais saem das mentes e ocupam espaço real no universo das relações entre homens mediados por meios de produção os elementos normativos são os espaços adequados para a inserção definiti 91 MEZGER Edmondo op cit p 204 92 BUSTOS RAMÍREZ Juan J HORMAZÁBAL MALARÉE Hernán op cit v 2 p 19 Pero como el tipo individualiza los hechos antijurídicos que informan al derecho penal se produce un círculo vicioso Por eso habría se sostener que constatada la tipicidad necessariamente tiene que darse la antijurídicidád 93 Defendendo atualmente uma teoria do tipo de ilícito num sistema teleológico funcional DIAS Jorge de Figueiredo Questões fundamentais de direito penal revisitas São Paulo Ed Revista dos Tribunais 1999 p 218 94 Anotando tais críticas irrefutáveis as considerações de JIMENEZ DE ASÚA sobre a problemática En verdad Mezger subraya que la antijuridicidad de la acción es un carácter del delito pero no una característica del tipo posto que pueden existir acciones que non son antijuridicas pero en cambio es esencial a la antijuridicidad la tipificación Esta tesis lleva inevitablemente a crear una antijuridicidad penal frente a la antijuridicidad general absolutamente inadmisible en las concepciones actuales El propio Mezger trata de defenderse contra las consecuencias a que le lleva su doctrina e insiste vigorosamente en que sus ideas engendran una antijuridicidad penal específica JIMENEZ DE ASÚA Luis op cit p 239 Da mesma forma as ponderações de REALE JÚNIOR A ilicitude não é elemento da tipicidade mas sim do crime posto que pode haver ações típicas não antijurídicas pela ocorrência das causas de exclusão da antijuridicidade Os elementos normativos poderiam levar a idéia de que a antijuridicidade integra a tipicidade contudo esses elementos malgrado representam juízos são dados do tipo por serem juízos de menor grau que o da antijuridicidade A ilicitude constitui um juízo superior acerca dos elementos constitutivos do crime porém não deixam de ser um elemento também do crime pois a diagnose do delito compreende não só a percepção do sintoma do crime os componentes do tipo como também a própria doença a antijuridicidade A tipicidade para Mezger conforme procura demonstrar através da elaboração do tipo penal constitui a razão de ser da antijuridicidade e entretanto a seu ver esta não é elemento constitutivo da tipicidade A antijuridicidade é tãosomente elemento do crime não da tipicidade tendo em vista a possibilidade da incidência de uma causa de justificação sobre um fato típico A nosso ver com MEZGER essa matéria permanece em forma nebulosa pois pode parecer contraditório que a tipicidade seja a razão de existência da ilicitude sem que esta contudo não a integre Mezger sem dizêlo distinguiu o tipo que contém um juízo valorativo revelador da antijuridicidade da adequação típica que constitui a rati essendi da antijuridicidade sem que contudo esta integra aquela REALE JÚNIOR Miguel Teoria do delito cit p 43 va do direito penal como especializado mecanismo de imposições de comportamentos que ideologicamente apresentase como o criador de expectativas justas libertárias e garantidoras da paz social A construção dogmática neokantiana permite esta reflexão A crítica da objetividade da linguagem do direito foi feita mesmo que indiretamente e pontualmente especificada por MEZGER e MAYER os quais reconheceram a impossibilidade da descrição jurídica independente de qualquer aspecto axiológico Assim os elementos normativos ensejam momentos diversos de poder político decisório e vinculativo estendendo para o cotidiano da aplicabilidade o sentido determinado no momento decisório que concretiza o aspecto mandamental A demarcação dos valores e seus sentidos suscitam uma disputa constante sobressai ndose em relação à frieza simples da lei e recaindo sobre as mãos do jurista e intérprete capaz de analisar o que de fato constitui a coisa allehia ou a gestão fraudulenta exemplo claro do que se viu como tipo aberto para a doutrina penal tradicional A procura dos valores apriorísticos do neokantismo por outro lado impõe necessariamente um formato uníssono de ver o mundo e de encarar seus conflitos ensejando a disputa na capacidade de fazer preponderar determinadas colocações sobre outras divergentes ou menos apropriadas A verdade valorativa imemorial é para esta corrente a essencial verdade imodificável e assim inquestionável pelo cidadão Portanto a mais pura ideologia na visão materialista de falsa consciência A universalização dos bens jurídicos do neokantismo e suas análises de imutabilidade atingirão diretamente a formatação do Direito nas sentenças fazendo do elemento normativo o espelho refletor de concepções dominantes e capazes de manter um direito penal do controle A vida a propriedade a família todos vistos como abstrações categóricas certamente outorgarão maior legitimidade ao Direito que a doutrina de capilaridade dos positivistas Contudo a imposição e a impossibilidade de relativização dos valores tornamse um óbice para a consolidação de um ambiente participativo e plural em significados A descoberta do aspecto valorativo do Direito foi resolvida por estes pensadores dentro do vislumbre idealista próprio da filosofia de Baden a da tradição germânica de KANT e HEGEL A II Guerra e o advento deletério e totalizador da Escola de Kiel pormenorizada no Direito Penal do Autor e nos Estranhos à Communidade trazem por sua vez o pólo oposto ou seja a busca de um ontologismo ou de estruturas lógico objetivas prévies à realidade humana como garantias de horizontes mais seguros e razoáveis Surge a doutrina finalista que não obstante vislumbrar a busca da realidade e significar ganho indelével à teoria do delito e ao tipo penal dará a volta ao círculo e retornará ao mais puro mundo do normativismo axiológico conforme a ponderada crítica desenvolvida por ROXIN e seus seguidores funcionalistas 34 O PENSAMENTO DE HANS WELZEL E O TIPO FINALISTA A avaliação superficial das conclusões de HANS WELZEL talvez o maior expoente do direito penal na primeira metade do século XX pode significar alguns equívocos de posição acerca da própria aceitação e perenidade de suas assertivas A divisão tríplice hoje aceita do crime entre seus elementos autónomos tipicidade antijuridicidade e culpabilidade embora resgate neste sentido o modelo LISZTBELING não representa apenas por este aspecto a total concordância com os postulados da teoria finalista Assim a existência nos ordenamentos da expressa construção dos três conceitos que perfazem o crime não pode ser entendida por si só como a absoluta admissão de todas as categorias diagnosticadas por WELZEL Não é porque alguém afirma a estrutura tripartite que de imediato tornase finalista Apenas para se ter idéia a formulação de teorias como a imputação objetiva ou o próprio funcionalismo os quais aceitam no mais das vezes a tripartição delitiva não implica o juízo de coerência epistemológica com o quanto aplicado por WELZEL Da mesma forma aceitar a transposição dos elementos dolo e culpa da culpabilidade para a tipicidade na sedimentação do conceito de tipo subjetivo também não basta para o título de defensor do finalismo Para o entendimento das bases da formulação de WELZEL resta inafastável a compreensão da mais importante tese suscitada por este autor qual seja a noção de ação final verdadeira fonte de alimentação de todo seu edifício teórico Se assim não se faz pode permanecer a impressão de que a íntegra do movimento de alteração dos componentes do crime deuse de forma casual baseada simplesmente no automático combinatório de peças o qual acabou por assumir fecunda relevância O tipo penal na concepção do autor vai reconstruir a realidade assim compreendida no modelo finalista mundo ordenado ação humana organizada em contexto ontológico95 WELZEL parte de forte acumulado científico para a formulação da teoria da ação final aqui refletida em construções dogmáticas que a incorporam de modo prático O próprio pensador diante dos diversos questionamentos que sofreu acerca de suas influências filosóficas fez questão de salientar em sua obra qual o vértice que pautou suas incipientes reflexões sobre a teoria finalista embebendose da psicologia e da fenomenologia conforme detalhadamente frisa no prefácio da quarta edição de sua obra O Novo Sistema JurídicoPenal Uma introdução à doutrina da ação finalista96 O desenvolvimento do trabalho de WELZEL consiste na ruptura com os modelos de ação vigentes até então naturalista ou teoria social Refutase a visão inspirada no idealismo de HEGEL e pautada na noção de ato humano como expressão da vontade moral Ao mesmo tempo não aceita o empirismo positivista de entender o ato humano como externo e voluntário porém desprovido de importância intencional para o tipo configurado no modelo de BELING e VON LISZT Desprezase ainda a ação causal e social dos neokantianos que tentam outorgar um sentido valorativo como base de interpretação do mundo desorganizado Todas estas concepções enfrentavam problemas com destaque para o plano causal de limitação e extensão da ação em termos jurídicopenais O reflexo das tentativas de limitar a causalidade apresentase na teoria da equivalência das condições artigo 13 do Código Penal brasileiro pois se levada ao limite seria capaz de criminalizar os primeiros mortais por todos os males do mundo As dificuldades da causalidade importaram na tentativa de contornála por respaldos interpretativos de proibição de regresso causalidade adequada ou relevância tudo como desespero de limitação de sua abrangência 97 WELZEL atribui ao comportamento humano a finalidade o intuito o escopo de alcançar determinado objetivo Por conseguinte para o pensador não se pode pensar a ação humana desprovida de finalidade ou intenção haja vista que os homens possuem a capacidade de acionar e movimentar os cursos causais visando sempre a atingir determinadas metas A espinha dorsal da ação finalista é a vontade a qual não pode por isso mesmo ser relegada ao plano secundário ou periférico de análise científica A finalidade pertence à ação como categoria prédeterminada e apenas dessa forma tem de ser incorporada pela teoria do delito atribuindo ao atuar humano seu sentido de vidência em contraponto à cegueira resultante de sua percepção no aspecto causal ou naturalista sensorial A análise ontológica e suas estruturas lógicoobjetivas não podem ser desprezadas pelo legislador sendo certo que este permanece adstrito a estas sob pena de insanável equívoco Se o tipo penal tem a missão de ler o mundo deve fazêlo tal qual de fato o é A finalidade distinguese da mera voluntariedade percebida até então como elemento de culpabilidade O conteúdo da atuação humana apenas pode ser vislumbrado diante do querer elemento volitivo e do conhecer elemento cognitivo A ruptura que WELZEL realiza por meio do conceito de ação subjetivada e sua respectiva efetividade na matéria de proibição98 implicam necessariamente na reelaboração da tipicidade99 95 As relações do tipo com a realidade ontológica são condicionadas A ação humana como estrutura lógicoobjetiva determina como deve ser a estrutura do tipo Como consectário é evidente que os conceitos normativos isto é os da lei bem como os elaborados pelo juiz ou pela ciência do direito não transformam dando ordenação e sentido a uma realidade heterogênea e desorganizada mas encontrando uma realidade com estruturas ontológicas que a faz organizada e mesmo cheia de valores limitamse à descrição dessa realidade LUISI Luiz O tipo penal e a teoria finalista da ação Porto Alegre Sérgio Antônio Fabris Editor 1987 p 38 96 WELZEL Hans O novo sistema jurídico penal uma introdução à teoria da ação finalista cit p 1120 Não teria sem dúvida alguma nenhum motivo para me envergonhar se a origem de minha doutrina estivesse na filosofia de Nicolai Hartmann se isso fosse correto Mas esse não é o caso As sugestões para a formulação da teoria finalista da ação não procederam de N Hartmann mas da Psicologia do Pensamento e a primeira delas da obra Grundlagen der Denkpsychologie Fundamentos da Psicologia do Pensamento do recémfalecido filósofo Richard Honigswald Recebi também outras sugestões dos trabalhos dos psicólogos Karl Bühler Theodor Erismann Eric Jaench Wilhelm Peters e dos fenomenólogos P F Linke e Alexander Pfänder entre outros Todos esses trabalhos que apareceram entre 1920 e 1930 promoveram uma ruptura com a antiga psicologia mecanicista de elementos e associações e evidenciaram uma forma de realização dos atos anímicos que não era causalmecânica Em meu primeiro artigo denominei essa forma de realização intencional dos fins e a seguir a partir da ação interna dos atos do pensamento que haviam sido destacados pelos trabalhos daqueles autores até os atos voluntários e a realização da vontade por conseguinte até a ação externa 97 CAMARGO Antonio Luis Chaves Imputação objetiva e direito penal brasileiro cit p 4560 O Autor traz com detalhes em sua obra a evoluçãodas tentativas de correção aos corolários da teoria causal da ação iniciando sua exposição feita na Parte II do Livro com a seguinte ponderação A evolução da teoria do delito foi acompanhada de uma questão crucial que é a relação que pode determinar a existência de um crime Há no mundo real determinadas ações que não interessam ao Direito Penal mas somente aquelas que nos termos da lei são atribuídas a possuír sem interesse jurídico penal 98 Para WELZEL a matéria de proibição contém como um de seus elementos a tipicidade entendida na descrição objetiva material modelo de conduta do comportamento proibido WELZEL Hans Derecho penal alemán cit p 74 99 WELZEL Hans O novo sistema jurídico penal uma introdução à teoria da ação finalista cit p 30 A finalidade não deve ser confundida por isso com a mera voluntariedade A voluntariedade significa que um movimento corporal e suas consequências podem ser conduzidas a algum ato voluntário sendo indiferente quais as consequências queria produzir o autor Nesse O atuar humano na construção finalista pode ser examinado em dois momentos diversos sendo o primeiro transcorrido completamente no aspecto intelectivo ou do pensamento e o segundo relacionado diretamente com as conseqüências trazidas pela realização daquela determinada conduta A fase inicial do pensamento pode ser subdividida em três etapas quais sejam i antecipação do fim ii a seleção dos meios necessários para sua realização e iii consideração dos efeitos concomitantes Na etapa final o resultado é visto como o conjunto das conseqüências tanto aquelas derivadas da intencionalidade principal do agente atuante tanto daquelas derivadas da eleição dos meios externalidade na medida em que o autor tenha contado com a possibilidade de sua produção Esta construção idealizada por WELZEL trará as alterações sistemáticas como conseqüências lógicas tendo em vista a ligação umbilical da elaboração dogmática com as estruturas lógicoobjetivas que perfazem a ação Se a ação não pode mais ser vista simplesmente como externalidade causal o tipo penal não poderá da mesma forma ser compreendido dessa maneira O tipo penal assume duas perspectivas objetiva e subjetiva A primeira desligada da antijuridicidade e capaz de realizar a leitura objetiva das matérias de proibição permitindo ao cidadão e ao juiz identificarem quais são os comportamentos proibidos A segunda perspectiva conterá a faceta volitiva da conduta sendo integrada pelos elementos dolo e culpa retirados da culpabilidade neokantiana A noção pura do tipo descritivo de BELING não mais vai ser admitida em seu aspecto de objetividade tendo em vista o elemento anímico que a partir de agora passa a integrar o delito em sua face subjetiva100 sentido a enfermeira e o atirador nos casos mencionados realizam também atos voluntários se se faz mentalmente abstração do conteúdo de suas vontades Para se compreender contudo a ação para além de sua característica abstrata de mera voluntariedade é dizer de sua forma essencial concreta determinada em seu conteúdo só é possível logrâlo mediante a referência a um determinado resultado querido O ato voluntário da enfermeira é final apenas em relação a aplicar a injeção o do atirador em relação a atingir a árvore mas nenhum dos dois diz respeito à morte de alguém A finalidade é essencial a referencia à determinada conseqüência desejadas sem ela resta apenas a voluntariedade que é incapaz de caracterizar uma ação de um conteúdo determinado 100 A postulação do tipo subjetivo no finalismo retirou a característica exclusivamente objetiva do tipo em BELING Todavia quanto ao tipo objetivo tãosomente WELZEL aproximase mais de BELING do que dos pensadores neokantianos Tal constatação originou na doutrina diversas posições acerca da relação das conclusões estabelecidas por WELZEL e BELING naó obstante derivarem de métodos claramente opostos Salutar nesse sentido a análise de ROXIN sobre o belinguianismo de WELZEL ROXIN Claus Teoria del tipo penal tipos abertos y elementos del deber jurídico cit p 6981 proibir simplesmente o resultado natural de inversão da posse mas as formas humanas que possibilitam esta determinada ocorrência ilícita O aspecto subjetivo agora construído na égide do dolo e da culpa será capaz ao seu turno de outorgar sentido ao agir humano finalidade vidente possibilitando inclusive a justificação científica e teórica da tentativa subsumida ao comportamento incriminado através do juízo de tipicidade ainda que inexistente a ocorrência naturalística do resultado material desvalor da ação Com WELZEL a atenção penal voltase para a ação constituindo o juízo de reprovação tanto no desvalor intencional e final desta tantas vezes desprezado como no desvalor de sua produção ou resultado O tipo doloso assim realizase na desvalorização dada ao agir e ao produzir vislumbrados O tipo culposo será determinado pela violação do dever de cuidado na eleição dos meios direcionados a um específico fim mesmo que esta finalidade principal se apresente como irrelevante para a esfera do direito penal Assume também a culpa a idéia de ação final pautada no elenco dos meios razoáveis para a consecução do resultado almejado com a referida violação do dever de cuidado102 Diante da construção deste modelo WELZEL consegue a despeito das críticas sofridas imaginar um plexo sistemático e até certo ponto coerente de limitação da importância da ação na perspectiva penal O tipo subjetivo consegue ser contemplado pela previsibilidade do autor em face de seu comportamento devendo atuar com dolo ou culpa103 para a sua configuração Posteriormente o juízo de culpabilidade transformase em puramente normativo juízo de reprovação centrado na consciência da ilicitude traçada por meio do relativismo de valores e na consciência profana do mundo da vida104 Para resolver a limitação do tipo objetivo e seu nexo causal de imputação WELZEL determina o conceito de adequação social percebendo um caráter de historicidade nas postulações proibidas e dessa forma dando um primeiro passo para a definitiva introdução do direito penal nas relações sociais A teoria da adequação social exerce importante papel para as noções de imputação objetiva mesmo que as ferramentas desta última já sejam muito mais complexas e desenvolvidas A introdução da adequação como critério de interpretação típica realizou a incipiente aproximação da realidade com o sistema de direito penal Iniciou a ultrapassagem da barreira então intransponível entre política criminal e dogmática jurídica105 Nesse sentido o pensamento de WELZEL assume a relativização axiológica e o rompimento com as construções valorativas idealistas típicas do neokantismo as quais entendiain ser capazes de revalidar a desorganização do mundo contingentes por meio das categoriais universais eternas Contudo a estruturação do ontologismo culmina em fechar o horizonte do pensamento finalista significando um freio nos avanços de historicidade e introdução do fenômeno social no sistema dogmático A tentativa de WELZEL de evitar o normativismo explicase na convivência totalitária da Escola de Kiel mas por outro lado como em pontos distantes de uma grande curva de raio longo o ontologismo acaba por se identificar com seu grande rival A miríade de vertentes e prénoções que orientaram as motivações da escola finalista buscou o total rejeição das postulações da Escola de Kiel no sentido da necessidade de desconstrução dos embasamentos desenvolvidos pelo aparato jurídico do nacionalsocialismo derrotado na II Guerra Mundial O pensamento de Kiel parte da premissa de que o pessoa humana com sua competência comunicativa no que se denomina seu mundo de vida LEBENSWELT na expressão habermasiana do agir comunicativo CAMARGO Antonio Luis Chaves Culpabilidade e reprovação penal São Paulo Ed Sugestes Literárias 1994 p 74 A consciência da ilicitude determina uma diferença elementar para a própria ciência penal que teve seu espaço aberto pelo finalismo apresentando um enfoque humano em face do fato cometido Não se pode relegar ao segundo plano o resultado contudo desprezar o homem e seus valores arraigados e conquistados em circunstâncias peculiares significa desprezar a própria essência do Direito Penal Isto contamina de maneira insanável a natureza limitadora da pena exercida pela culpabilidade pois para a aplicação da reprimenda penal razoável para determinado e específico indivíduo devese acima de tudo conhecer este sujeito como detentor de sonhos e decepções pessoais construídas e destruídas através dos valores profanos exalados pela sociedade e nos dizeres do positivista BINDING adquiridos naturalmente com o ar que a gente respira CANCIO MELIÁ Manuel La teoria de la adecuación social em Welzel Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales Madrid 1993 homem não pode ser compreendido em sua individualidade em virtude de ser tal concepção fruto de versão conservadora e liberal devendo o Direito servir como mecanismo de defesa da organicidade social estatúida pela raça como elemento unificador da nação O homem é identificado como membro orgânico do povo e o Estado como forma natural e preponderante de vida106 Assim tudo aquilo que atentar contra esta forma de vida em coletividade deve estar sancionado pelo Direito sendo a fonte do direito não simplesmente a lei balizada por princípios como a legalidade mas sim o espírito da nação a sá consciência sá mentalidade do povo alemão Alcançase um direito penal completamente apto a punir expressões incapazes de qualquer lesão questões intimistas enfim abstraise por completo a noção de bem jurídico e criase um direito penal do autor e acima de tudo arbitrário107 Neste contexto as estruturas lógicoobjetivas percebidas por WELZEL assumem um sentido coerente ao vincular o legislador e o aplicador do Direito ao mundo e suas verdades eternas derivadas da própria essência ou natureza das coisas O espaço para o discurso jurídico e sua respectiva criatividade fica até certo ponto significativamente limitado Se a legislação penal e conseqüentemente toda sua estrutura de legitimação e aplicabilidade estão vinculadas de forma imanente ao mundo prévio à organização humana é inegável que o respeito e a atenção a esta anterior montagem dos objetos mundanos retiram o caráter discricionário que o homem tem para modificar alterar e interagir na natureza como espaço já estabelecido O papel do jurista não está na criação mas simplesmente no reconhecimento Se a ação é final em sua essência o homem não possui opção ao construir a teoria do delito haja vista que se torna completamente absurda a colocação do dolo e a da culpa na culpabilidade O esquema da teoria do delito para entender o mundo e lhe conferir praticidade deve respeitar suas categorias prévias ou estruturas lógicoobjetivas sendo imprescindível que o tipo ao se dirigir à ação contenha os seus elementos formadores Esta modelagem do pensamento de WELZEL foi uma clara resposta ao pensamento vigente à época fundamentalmente à ideologia proposta pelo neokantismo que simplesmente deduzia aleatoriamente valores universais absolutos e a priori108 O ontologismo em outras palavras ao buscar a essência das coisas na natureza comanda aos cientistas induzilas do plano real e não deduzilas do universo abstrato e imemorial Em ambos os casos todavia as teorias fomentam a mesma conclusão qual seja por meio de um discurso puro de legitimação em bases entendidas como seguras mundo dos valores ou estruturas lógicoobjetivas o universo de construção do Direito jamais conseguiu perder seu espaço notadamente ideológico e de exercício do poder O Direito a rigor não traz verdades em local algum mas situase como foco de conflito das possibilidades de opções sociais direcionadas neste ou naquele sentido A evolução da conceituação do tipo penal tem sua relevância exatamente nesta demonstração como uma pequena ponta do iceberg que reflete em última instância o quadro estanque de um contexto de relações produtivas e de interações humanas Reside neste interím a tentativa de fuga nos dizeres de WARAT do senso commun dos juristas que certamente culmina nestes mesmos juristas acreditarem no fato de que interpretar é encontrar a significação real das palavras da lei109 A construção de WELZEL ao verificar a culpa como violação de um dever de cuidado e conseqüentemente trazendo à luz a incipiente noção do risco possibilitará às novas formulações funcionais que podem adaptar o direito à nova modernidade social WELZEL enfeixa uma tentativa filosófica de encontrar o critério interpretativo para as leis penais na natureza das coisas almejando assim a superação do neokantismo A natureza das coisas é o deverser projetado no ser um valor que se manifesta na realidade o topos onde se encontram o ser e o deverser uma dimensão unitária o lugar metódico da vinculação correspondência de realidade e valor110 35 REFERÊNCIAS CRÍTICAS A construção da teoria do delito e do tipo penal pressupõe conforme se demonstrou um conteúdo mais amplo de reflexões que a simples dogmática jurídica A tipicidade descritiva de BELING não teria sentido se não derivasse da idéia naturalista da ação percebida pelos meios sensoriais A visão neokantiana do tipo penal e sua normatização a priori da mesma forma também não poderiam ser utilizadas senão partindo da desorganização do mundo contingente e sua correlação com formas puras e verdadeiras da metafísica A pretensão finalista tampouco possui o privilégio de poder ser desconectada do ontologismo atribuído às relações e dados do mundo real Contudo a dinâmica decisória do Direito resta em desconectar estes padrões construindo teorias que reúnem elementos diversos e concepções filosóficas distintas tantas vezes incompatíveis O atual cenário do Direito Penal brasileiro ostenta claramente esta situação o que pode ser constatado pelas motivações jurisprudenciais como pelas formulações doutrinárias Atualmente e diante da Lei nº 7209 de 11 de julho de 1984 responsável pela alteração da Parte Geral do Código Penal Decretolei nº 2848 de 7 de dezembro de 1940 podese afirmar que o finalismo assumiu preponderante papel na doutrina brasileira ao que tange ao menos à estruturação da teoria do delito Ao mesmo tempo contudo diversas concepções ressaltadas pela leitura neokantiana são constantemente utilizadas ainda que em dissonância com o ontologismo finalista supostamente assumido Chegase ao extremo portanto de se adotar uma teoria 110 GIMBERNAT ORDEIG Enrique Conceito e método da ciência do direito penal Trad José Carlos Gobbis Pagliuca São Paulo Ed Revista dos Tribunais 2002 p 88 em determinado aspecto tipo penal objetivo e subjetivo e desprezála nos demais ação finalista ontológica como se a parcela assumida não fosse conseqüência do restante abandonado A cultura jurídica brasileira acaba ao mesmo tempo no bojo jurisprudencial em conseguir aplicar a teoria do tipo finalista a noção de bem jurídico neokantiana e senão bastasse a postulação causalnaturalista do conceito de ação Tudo isso culmina numa amorfa teoria do delito dissonante em si mesma admitindose conclusões de tipicidade incompatíveis por exemplo com a culpabilidade normativa arpegoada pelo finalismo Como bem observa CHAVES CAMARGO a teoria da culpabilidade assim como a ação finalista parece nunca ter sido incorporada à prática judiciária não obstante sua vigência há mais de dez anos111 Ainda hoje se verificam decisões judiciais que aplicam a suposta tese finalista e concomitantemente determinam penas e medidas gravosas fundamentadas em periculosidade caráter delinqüente em suma construções teóricas positivistas italianas que jamais foram recepcionadas pela teoria final e remetem às teorias do dolo A situação do direito prático nesse sentido é inusitada no Brasil Sem dúvida a influência do neokantismo em nossas decisões é constante sempre avalizada na busca da suposta verdade trazida pela jurisprudência pretensiosamente capaz de alcançar aquilo que de mais imemorial e puro possa existir no direito Por outro lado a teoria finalista da ação e sua decorrência dogmática deveriam implicar em respostas lastreadas pelo mundo ontológico do ser pelas categorias lógicoobjetivas que segundo os seguidores desta doutrina antecedem ao próprio conhecimento humano Os valores da matéria de proibição deveriam estar no mundo profano e não na metafísica como quer no mais das vezes transparecer a cultura jurídica nacional De qualquer modo estas considerações fazemse relevantes no tocante às críticas atuais sofridas pelo funcionalismo como nova escola penal no Brasil Longe de ser impassível de críticas ou contrapontos o funcionalismo contudo apenas pode ser combatido com concepções que sejam coerentes com a escola penal e ser seguida pelo intérprete ou 111 CAMARGO Antonio Luis Chaves Aids e direito penal aspectos gerais Revista USP São Paulo n 33 p 58 marmaio 1997 Tratando do tema acerca da tipicidade da conduta que transmite o vírus HIV em relações sexuais o autor aponta a dificuldade de compreensão no Brasil das categorias dogmáticas Ignorase toda a doutrina moderna que trata da tipicidade penal esquecendose ainda do princípio da culpabilidade que orienta a Parte Geral de 1984 então por filosofias que consigam superar as contingências e elaborar a negação do direito penal como um todo histórico De rigor e para introdução do direito penal na sociedade de risco o sistema aberto teleológico apresentase ao menos como mais explicativo e coerente ainda que possa ser dito através de uma metodologia materialista aqui assumida que continuaria a instrumentalizar o Direito Penal visando à proteção de bens interessados a determinado modo de produção A sociedade de risco e as relações humanas que propicia destroem as formas conceituais da ação naturalista social neokantiana ou finalista Assim como conseqüência lógica consome os modelos da teoria do delito adstritos a estas formatações dos comportamentos A imputação objetiva e o sistema teleológicofuncional são as únicas edificações teóricas que conseguem vislumbrar alguma capacidade de garantir expectativas expectativas normativas na sociedade complexa Diante disso imperativa se faz a análise das formatações sociais dos novos modelos erguidos à condição de tipos penais e ao mesmo tempo do discurso dogmático que compreende esta sistematização A dinâmica social reflexividade superou a possibilidade de aplicabilidade das categorias até então analisadas Não se consegue racionalizar o poder com os postulados neokantismos ou ontológicos quando aplicados ao meio ambiente ao sistema financeiro à genética os quais por mais que se possa discordar tornaramse irreversivelmente objetos da tutela dos tipos penais da modernidade 4 A SOCIEDADE DE RISCO DOMO PARADIGMA SOCIOLÓGICO A historicidade do desenvolvimento da teoria do delito especificamente no tocante ao tipo penal como elemento ou estrutura essencial permite a compreensão mais apurada da maneira como hoje em dia na elaboração doutrinária com fortes reflexos na reprodução jurisprudencial espelhamse as mais diversas teorias reverberadas A forma como a teoria da tipicidade estruturase possui a faculdade de conceder ao cientista a abertura suficiente para o entendimento da própria base sobre as quais os homens produzem socialmente suas riquezas De acordo com o método elaborado materialismo dialético o sistema jurídico possui independência e autonomia lógica própria em face das relações sociais de produção mas ao mesmo tempo em que desta se diferencia por esta é determinado em última instância112 De fato não se pode afirmar que conhecendo a realidade estrutural da produção de riqueza é possível inferir a realidade jurídica posto que agindo assim estarseia diante de uma concepção determinista equivocada Todavia a inserção do tipo penal na sociedade demanda a sua verificação concreta sob pena de perderse nas amarras do puro idealismo ou então do positivismo tecnicista De fato colocase a questão fundamental de ser o direito penal enquanto elemento prescritivo de determinadas relações sociais capaz ou não de atuar no atual estágio de desenvolvimento das forças produtivas O sistema jurídico penal apresenta atualmente como já destacado uma complicada espécie de sincretismo de filiações o que culmina sem dúvidas na dificuldade de através da análise de escolas e autores identificar de maneira orgânica e uniforme a utilização de um sistema coerente de pensamento baseado na estruturação filosófica que lhe outorga significado A possibilidade de compreensão das formulações científicas 112 Bastante elucidativa da tese aqui explanada da correlação do sistema jurídico com a dinâmica social como um todo é a obra de MAILLLE A autonomia das diferentes instâncias não é pois uma afirmação gratuita convidanos pelo contrário a justificar estados distintos dos diferentes níveis em que podemos surpreender a actividade social Estudar o nível político ou jurídico tem um sentido porque cada um deles exprime ao mecanismo de conjunto o efeito da sua própria determinação A separação entre base e superestrutura nada tem pois de um corte metafísico entre a realidade e a aparência o real e o reflexo como uma leitura superficial de Marx enunciaria MAILLE Michel Introdução crítica ao direito Lisboa Editorial Estampa 1994 p 75 que servem de sustentáculo aos modelos neokantianos ou finalistas se misturam na mente do jurista contemporâneo e nas decisões dos tribunais de sorte a obstaculizar por completo a segurança jurídica ou a organicidade que se busca tão incessantemente por meio da própria condição de existir da dogmática jurídico penal O problema afeto a esta pouca vinculação ou fidelidade estrutural que se salienta não ser prerrogativa exclusiva deste ou daquele país conforme apontado por ROXIN113 acaba por imputar ao sistema de pensamento penal em seus mais variados contornos não uma função de regularidade ou racionalização na resolução dos conflitos mas simplesmente de suposta fundamentação científica de juízos de ocasião Esta constatação a propósito aponta para uma primeira característica do direito penal na sociedade de risco qual seja a desorganização dos argumentos lógicos e legitimadores das decisões do próprio sistema Esta problemática típica da introdução dos paradigmas de uma sociedade de risco insinua a constatação do desencaixe das estruturas de controle tradicionais ou formatadas no molde tradicional com os comportamentos que fomentam a tutela jurisdicional tendo em vista que diariamente nossas próprias condições cognitivas de vida são alteradas114 O sistema penal e suas escolas como mecanismos autônomos de construção social vinculados à estrutura de produção apresentamse em contradição com o avanço das forças produtivas O momento da ciência penal assim é um momento de incertezas e questionamentos uma vez que sua construção como formato de relações sociais determinadas não mais espelha a realidade concreta restando daí a afirmação da contrariedade entre formas e relações de produção Se o Direito Penal e suas categorias não se amoldam mais às relações sociais este mesmo direito tornase incapaz de gerenciar conflitos derivados destes novos padrões de relacionamento Dessa forma ou se altera o sistema penal como um todo ou como parece ser feito utilizase os modelos antigos simplesmente unidos por problemas de ocasião Desta forma criase um impasse irresoluto De um lado a dogmática como categoria científica de juízos certos precisos e orgânicos parece cada vez mais distanciada da realidade social enquanto aparato teórico apto à efetivação do controle e previsibilidade de comportamentos na medida em que se restringe ao universo do positivismo ou idealismo De outro lado as decisões no anseio desesperado deste mesmo controle assumem um julgamento tanto mais arbitrário quanto lastreado em uma tida e suposta opinião pública que de forma ambivalente ao mesmo tempo em que critica a ciência penal por entendêla distante e diletante a utiliza como mero argumento de convencimento para decisões predeterminadas dissimulandoa e descontextualizandoa A contradição existente entre a formatação jurídicopenal e seu universo de atuação acaba na aplicabilidade da norma em não ser sequer anotada Os padrões do direito penal da propriedade privada e das ofensas individuais e seu respectivo mundo axiológico são utilizados indiscriminadamente para a tentativa do controle culminando evidentemente na contumácia das desilusões115 Porém destas mesmas desilusões retirase mais uma conclusão equivocada uma vez que o sentimento generalizado de anomia do direito penal não culmina em sua revisão em face do desenvolvimento da tecnologia mas paradoxalmente redunda na sua utilização em escala ainda maior de severidade e extensão Dessa correlação extraise um segundo reflexo da sociedade de risco e seu vínculo com o direito penal a constância das desilusões ao invés de impulsionar uma releitua do sistema resulta em seu maior e ineficaz recrudescimento Vivese o momento absoluto da criminalização com o mais forte dos rigorismos não obstante um Estado Democrático de Direito e a repetida vivência das garantias liberais Concomitantemente ao desenvolvimento da ciência penal as opções jurídicas de efetividade das normas restam por 113 ROXIN Claus Funcionalismo e imputação objetiva no direito penal Trad Luis Greco São Paulo Renovar 2002 p 203 A opinião ainda preponderante na dogmática mais recente projeta suas construções sistemáticas nos moldes assinalados pelo sistema neoclássico e finalista As modernas exposições didáticas por vezes mas cada vez mais raramente adotam a estrutura do delito das concepções neoclássicas BAUMANNWEBERMITSCH em parte seguem também a teoria finalista da ação WELZEL MAURACHZIPF STRANTERWERTH A maioria dos autores contudo esforçase no sentido de uma síntese entre os novos impulsos que devemos ao finalismo e alguns resultados imprescindíveis da época anterior de nossa ciência orientada pela idéia de valor e fim isto é da teoria do delito neoclássica Destaque para o questionamento proposto por GIDDENS acerca da dificuldade recíproca de se estabelecer padrões de confiança e tranqüilidade ao mesmo tempo em que a ciência é capaz de a todo tempo alterar as certezas antes por ela mesma defendidas A mistura de risco e oportunidade é tão complexa em muitas das circunstâncias envolvidas que é extremamente difícil para os indivíduos saberem até onde atribuir confiança a prescrições ou sistemas específicos e em que medida suspendêla Como se pode conseguir comer saudavelmente por exemplo quando todos os tipos de alimentos possuem qualidades tóxicas de uma espécie ou de outra e quando o que é afirmado bom para você por peritos nutricionistas varia com as mudanças de estado do conhecimento científico GIDDENS Anthony op cit p 148 115 LUHMANN Niklas Procedimenti giuridici e legitimazione sociale cit 84 Alamiro Velludo Salvador Netto trazer em seu bojo como tentativa de superação dos conflitos noções confusas e muito pouco razoáveis espelhando os dois problemas apontados e derivados da sociedade de risco Negase a ciência jurídicopenal mas se aplicam suas assertivas quando interessantes para lastrear esta ou aquela tomada de opinião sempre voltadas à aplicação de pena como fator de resolução conflituosa Assim o desespero de respostas para situações novas e insitadas típicas do paradigma da sociedade de risco parece esquecer a diferenciação entre as bases construtoras da ciência e da opinião pública deixando que esta adentre como fator preponderante de valoração dos casos mas sem qualquer análise crítica desta última como a ficção liberal do topos da razão verdadeira e do conhecimento razoável110 A construção dogmática da tipicidade nesse interim resta completamente afastada embora sirva não como método de orientação mas sim como mecanismo de propiciar maiores punições O diagnóstico da dificuldade do controle do sistema penal mais uma vez ao invés de originar uma leitura dogmática do sistema como forma de adequálo ao estágio das forças produtivas de verdade ocasiona o suposto afastamento recíproco da teoria e da prática O estudo do direito penal assim é criticado quando impede decisões supostamente punitivas e da mesma forma acatado quando para justificar posturas determinadas A contradição da dogmática penal com a sociedade de risco serve para transmitir a ciência jurídica da condição do método a discurso de fundamentação escolhido circunstancialmente Ao aplicador do direito não importa a escola filosófica para alcançar a decisão mas exatamente o contrário ou seja apenas interessa a eventual filiação que permita atingir e fundamentar uma decisão préconcebida Exatamente neste aspecto encontrase o problema que se desenvolve hoje acerca do tipo e da tipicidade penal dentro desta plêiade de sincretismos doutrinários constantes imposições sociais por criminalização e ao mesmo tempo irracionalidade nas ofertas de respostas jurídicas para o contorno dos impasses Assim o legislador tipifica criminalmente as mais diversas e pensáveis modalidades de condutas como apelo à voz dos cidadãos inseguros O aplicador utilizase irrefutavelmente deste mesmo e incessante apelo para subsumir aqueles tipos de modo severo sem qualquer comprometimento com os âmbitos de proteção estabelecidos através dos instrumentos coerentes da dogmática penal E o jurista por sua vez corre desesperadamente atrás de um entendimento possível da calamitosa situação na busca da construção de um sistema razoável para o direito penal da modernidade Eis aí o fenômeno da sociedade de risco Para começar a compreendêlo contudo é necessária a superação dos moldes e paradigmas do direito penal clássico uma vez que tais institutos espelhavam relações de produção intersubjetivas completamente dissonantes das atuais relações humanas derivadas das novas forças produtivas A contradição nos dizeres de BECK que torna conflituosa a relação entre estruturas da sociedade industrial desincorporadas relações sociais de produção dentre elas o direito e os efeitos da modernização incorporados forças produtivas desenvolvidas redunda na reflexão dos novos problemas obtendo esta mesma reflexão conclusões equivocadas e conturbadas na era das especulações117 As relações conflituosas no bojo desta sociedade de risco e as alterações que incorpora no direito penal como fruto desta segunda etapa 116 HABERMAS ao tratar a dialética da esfera pública e a análise deste aspecto na filosofia de HEGEL aponta como o filósofo realizou a desconstrução da noção idealizada da opinião pública no cerne da construção burguesa de universalidade constatada empiricamente das opiniões Senão basstasse a própria estrutura de dominação ideológica que ao alienar faz o agente reconhecer como justificadas e corretas certas estruturas sociais a crítica hegeliana vai ainda mais longe neste processo de identificação da racionalidade das ciências e da subjetividade A medida que a utilização pública da razão é uma coisa da pessoa culta confi Kant O Conflito das Faculdades o conhecimento transcende o seu mero fenómeno por isso é que para Hegel a ciência fica fora do âmbito da opinião pública As ciências se elas são verdadeiramente ciências não se encontram de maneira nenhuma no terreno da opinião e dos pontos de vista subjetivos e também a sua exposição não consiste na arte dos torneios retóricos das ilusões dos subentendidos e dos escamoteamentos mas na enunciação inequívoca definida e aberta do significado e do sentido elas não recem na categoria daquilo que constitui a opinião pública Tal degradação da opinião pública resulta necessariamente do conceito que Hegel tinha da sociedade burguesa Bem que ele louvava uma vez as leis dela apontando a Economia Política de Smith Say e Ricardo como aparecia de racionalidade mas a sua visão do caráter anárquico e antagônico desse sistema de necessidades destrói decididamente as ficções liberais sobre as quais repousava o autoentendimental da esfera pública Trad Flavio R Kothe Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 2003 p 143 86 Alamiro Velludo Salvador Netto entendida como da modernidade reflexiva importam na necessária tentativa de intelecção jurídicodogmática dos fenómenos ocasionados O corte epistemológico deste estudo da introjecção de novas forças produtivas sociais de certa forma pode ser feito em diversos aspectos e momentos sendo absolutamente possível esta busca de compreensão nas novas modalidades adstritas à políticacriminal118 ao sistema de penas119 ou dentre outras várias à formulação dogmática e principiológica do tipo penal A criação de novas tecnologias importa no estabelecimento de também novas relações sociais O mundo atual é estruturado principalmente por riscos humanamente criados120 diminuindo por completo quase que todos os espaços destinados às mágicas e diante disso reduzindo na assimilação pelo direito de todos os papéis de outorga valorativa de sentido antes dividido com a ética ou a tradição121 A violência militar belicismo a agressão ao meio ambiente as fraudes gigantescas no cerne das corporações globalizadas não podem ser controladas pela tipificação estabelecida para os crimes de baixa complexidade Dizer que a tecnologia chegou ao limite de destruir o mundo significa dizer que as relações intersubjetivas estabelecemse com a potencialidade de factualmene destruílo Da mesma forma os crimes fiscais ou empresariais utilizamse das mesmas forças produtivas para serem perpetrados posto que se a globalização impõe o distanciamento do homem de seu espaçotemporal este mesmo processo facilita práticas até então inimagináveis Estas mesmas práticas ao menos para a manutenção do sistema produtivo deverão ser coibidas e para tal será utilizado o mecanismo de tipificação penal Este encontro tipificação e novas formas delitivas é a pedra de toque de toda a crise do sistema penal em sua contradição com o estágio atual de desenvolvimento Não obstante toda a evolução e alteração da compreensão do tipo em suas fisionomias neutra indiciária essência da antijuridicidade ou finalista 118 MACHADO Marta Rodriguez de Assis Sociedade de risco e reflexividade uma avaliação jurídicosociológica de novas tendências políticocriminais 2003 Dissertação Mestrado Faculdade de Direito Universidade de São Paulo São Paulo 2003 119 CAMARGO Antonio Luis Chaves Sistema de penas dogmática jurídico penal e política criminal cit 120 GIDDENS Anthony op cit p 112 121 Esta generalização do direito na outorga de sentido e normatização balizamento às relações sociais é típica do direito moderno de uma sociedade capitalista nos moldes da hoje vivenciada O que é específico do direito actual é a abstração e a generalidade nas quais esta expressão das relações sociais é realizada Esta forma jurídica está profundamente ligada ao modo de produção capitalista em nenhum outro modo de produção da vida social o direito possui esta hegemonia e abstração MIAILLE Michel op cit p 96 88 Alamiro Velludo Salvador Netto Além disso destacase a característica típica do sistema penal de informação ou motivação uma vez que por meio da descrição normativa o cidadão adquire pleno conhecimento das pautas de atividades que deve necessariamente evitar Noutro aspecto reflete a materialidade existencial do direito penal sinalizando os bens jurídicos protegidos e as preponderâncias sociais que devem ser assim entendidas no seio da coletividade O tipo penal ameaça e decorre exatamente desta premissa a impossibilidade de se dizer que o direito em si é somente ideologia Por meio destes princípios foi estruturada toda a história do tipo e da tipicidade penal passando estes elementos a integrar um sistema dogmático capaz de ordenar e sistematizar preceitos legais e conceitos abstratos possibilitando o estudo do direito aos operadores decisões com o mínimo de previsibilidade interpretações metódicas e realização das eventuais e necessárias reformas125 Por meio deste discurso todo peculiar que ora é contraposto e contraditório com a dinâmica da sociedade de risco a dogmática do tipo penal apresentava ao menos na sociedade tradicional resultados de decisões126 colocados à disposição dos tribunais fazendo com que os demais operadores pudessem vislumbrar coerência e sistematicidade nos julgamentos Ocorre que e mesmo que não se admita a profecia marxiana de uma teoria de revoluções que retiraria o homem de sua préhistória as forças produtivas do capitalismo contemporâneo restaram por abalar por completo as relações de produção então integradas ao sistema industrial dentre elas as próprias noções e limites do tipo penal Na formulação de BECK como de outros autores como GIDDENS e LUHMANN surgiu a sociedade do risco onde as estruturas são explodidas por completo pela afirmada modernização reflexiva colocandose o afastamento da realidade imposta na simples causalidade e trazendo uma nova modalidade de convivência capitalista demarcada na figura dos riscos da necessidade preventiva do perigo da autodestruição todos trazidos pelos sapatos silenciosos da modernidade hoje questionadores do anterior encantamento com o controle possível e absoluto das ciências e da tecnologia Mais do que isso o avanço da ciência e da tecnologia traz a preocupação com o uso que destas pode ser feito bem como do necessário cuidado relacionado ao agente que pode usar e suas reais finalidades 125 CUESTA AGUADO Paz Mercedes de Ia op cit p 2325 126 HASSEMER Winfried Introdução aos fundamentos do direito penal cit p 272 comportamentos inadequados à reprodução do sistema social agora os problemas fixamse na própria discussão dos caminhos deste mesmo sistema social até então idolatado De uma vez por todas emerge a imbricada relação entre tipicidade penal e sociedade de risco A aproximação destarte necessita da retirada do idealismo e conseqüentemente precisa se questionar acerca da real finalidade destes novos tipos penais que surgem nesta sociedade Mais do que transformar o direito penal parece conservar a preferência pela manutenção de um sistema produtivo que deve contudo respeitar suas modificações estruturais adaptabilidade sem alterar a função do direito como instância autônoma mas condicionada em último grau 41 O RISCO E O DIREITO PENAL Para iniciar sua analítica obra de relato da nova sociedade mundial do risco BECK traz um exemplo suficientemente elucidativo capaz de em poucas palavras adiantar várias confirmações de sua teoria Ao proceder uma primeira distinção entre uma sociedade industrial de forças tecnológicas capazes de setoriziar os riscos e uma sociedade propriamente de riscos o autor aponta para o acidente nuclear de Chernobil verificando corretamente que a hecatombe ali provocada atingiu milhares de pessoas das mais diversas localidades e sem qualquer relação com a produção energéticaatômica O risco foi derivado da própria atuação e desenvolvimento da produção humana De extrema dificuldade é a previsibilidade dos aspectos deletérios deste mesmo desenvolvimento Com o mencionado exemplo o autor possibilita sua distinção metodológica entre modernização simples aquela ocorrida quando do surgimento da sociedade industrial Revolução Industrial e modernização reflexiva segunda modernidade Se a modernização simples significava uma possibilidade do homem em alterar a sua realidade produtiva com a utilização de avanços científicos e tecnológicos que propiciaram o desencantamento do mundo a modernização reflexiva integra oferecedor de tradições e mitos mas se impõe a descrença coletiva do homem em lidar de modo confiável com os objetos de sua própria produção A sociedade neste instante caminha da demanda da produção tecnológica para a necessidade de gerenciamento Passase a buscar sistemas capazes de regular seus próprios contornos diminuindo a periculosidade da ação do homem em seu universo circundante A periculosidade alcança não apenas o mundo material físico como os rios as águas os animais a saúde mas também as esferas institucionais elementares para a manutenção do capitalismo de padrões avançados Surgem leis buscando a garantia na confiabilidade do mercado a repressão a todo custo da lavagem de dinheiro a tentativa de padrões mínimos de administração empresarial controle de fluxos de remessa de capitais etc A tutela do tipo penal alarga seus braços para abarcar não apenas a propriedade estática mas suas formas de uso e criação Como sintoma da contradição entre forças produtivas e relações sociais a forma de controle dos problemas até então apresentados também não é mais apta para o combate destas novas situações aprofundando sobremaneira uma crise institucional do sistema penal O direito penal e seus modelos de imputação designados e alinhados pela estandarização dos corolários liberais idealistas não mais conseguem qualquer eficiência para a sustentação dos novos bens alçados à proteção da ultima ratio Verificase o malogro de todas as instâncias jurídicas de controle O medo e o descontrole da sociedade de risco se faz visível pela tipificação total por um direito penal esperançoso em pelo simples fato de poder criminalizar possuir aptidão de diminuir os riscos produzidos pelos próprios homens e agora inerentes a todas as facetas da complexidade social Está instaurada a tensão constante e irresoluta entre as novas forças produtivas e a contradição das super estruturas derivadas de antigas relações de produção Aliás se as forças produtivas estão em descompasso com as relações sociais esta dissociação mostrarseá ainda maior quando analisado o direito penal uma vez que este nada mais tenta fazer senão compor em seu próprio sistema aquelas mesmas relações Não é viável garantir a ordenação da confiabilidade no mercado financeiro no atual formato sem lançar mão de uma estrutura máxima de intervenção estatal A história resguardou a curiosa situação do rompimento do preceito liberal da tipicidade certa e fechada para o desenvolvimento da mesma economia liberal que hoje deve ver seus dogmas jurídicos afundados com a escalada dos riscos criados A tipificação quando posicionada em face da sociedade de risco com sua conseqüente e gradativa perda dos valores então lhe atribuídos pelo direito penal clássico voltase exatamente para a noção do risco sendo este o elemento fundamental para articularse no bojo da teoria do delito e possibilitar algum modo de previsibilidade comportamental nos cidadãos Os tipos descritivos indiciários ou ontológicos não podem mais sequer ser pensados A história da evolução típica atinge ao máximo a normatividade e a abertura Conforme se pode afirmar o mundo tornase grande demais para os limites rígidos da criminalização penal certa e fechada A integração do risco no delito trazendoo para a própria configuração da tipicidade possui claramente uma de suas bases de elaboração na sociologia jurídica de LUHMANN onde o direito se coloca como uma estrutura de importante correlação com a sociedade dinâmica entendida como um macro sistema estruturado pelo sistema jurídico dotado de interesse sobre o meio envolvente O desenvolvimento da sociedade perfaz um crescente aumento dos riscos atinentes aos comportamentos de forma que na tese funcionalista isso significará o aumento do número de expectativas normativas estabelecidas pelo Direito aumentando em tese o grau de previsibilidade comportamental na exata medida em que diminui o número de opções 137 Exatamente no mesmo sentido porém com maior enfoque aos sistemas de política criminal e seus reflexos na opinião pública MACHADO Marta Rodriguez de Assis op cit p 1516 Constatase portanto que a transposição da sociedade do risco ao sistema penal traz o conflito para o âmbito do funcionamento das suas estruturas e instituições Em outras palavras inserido nesse momento de crise da modernidade reflexiva o direito penal revelase um dos campos mais problemáticos de contradições no qual se contrapõem as novas exigências de controle sobre os fenômenos da sociedade de risco e os princípios tradicionais da atuação do sistema penal 138 A legitimação através de uma norma suprema e inquestionável cede lugar a uma orientação sobre interesses quer dizer sobre o meio envolvente social LUHMANN Niklas A restituição do décimo segundo camelo do sentido de uma análise sociológica do direito In ARNAUD AndréJean LOPES JÚNIOR Dalmir Eds Niklas Luhmann do sistema social à sociologia jurídica Trad Dalmir Lopes Júnior et al Rio de Janeiro Lumen Juris Ed 2004 p 66 139 LUHMANN Niklas Sociologia do direito I cit p 58 De fato não mais se está protegido em lugar algum Se antes os problemas residiam fundamentalmente nas forças da natureza que ainda nos dias atuais ocasionam surpreendentes tragédias em larga escala hoje a maior preocupação decorre dos limites impostos ao próprio desenvolvimento humano haja vista que o principal objeto de análise social passou a ser a própria sociedade entendida como reflexiva exatamente neste aspecto A constatação aponta para um importante enfoque da sociedade de risco na medida em que ao posicionar na reflexão suas instituições e fundamentos traz relevância preponderante para a tipicidade penal O desenvolvimento tecnológico e científico incessante colocado à disposição dos homens dentro do sistema de produção capitalista foi visto até muito pouco tempo de modo absolutamente positivo capaz de outorgar aos seres uma qualidade de vida cada vez maior mesmo que restrita ao enfoque do consumo de mercadorias As forças produtivas foram capazes de intensificações e transformações jamais vistas em todo o tempo ainda que para isso a ideologia do sistema negasse insistentemente os efeitos colaterais que estas mesmas forças poderiam ocasionar Tais efeitos cumpre ressaltar não se resumem ao aspecto da natureza mas estendemse à própria lógica do sistema produtivo e ao abalo das expectativas essenciais ao seu bom funcionamento Os debates acerca do meio ambiente da qualidade dos alimentos das condições de trabalho da abstração do capital foram completamente desprezados num primeiro momento Quando estas mesmas discussões obtinham alguma atenção por parte dos setores hegemônicos o discurso que as permeava utilizavase tão somente de um raciocínio pragmático capaz de tudo racionalmente instrumentalizar para justificar as próprias expansões da ciência e da técnica A realidade deste mundo que estava nas relações de produção que colocavam em risco todas as bases institucionais de um universo desencantado sempre esteve fundamentada pela ideologia apta a legitimar esta forma de vida Apenas com a percepção da perda do controle do próprio desenvolvimento é que se começa a constatar a quebra do sonho do domínio integral pela razão burguesa Redunda daí a própria dissonância temporal entre reflexividade e a reflexão radical o potencial para formas catastróficas de terrorismo a proliferação de armas de destruição em massa e a crescente pressão sobre as instituições internacionais BARBOSA Rubens O Brasil e o mundo em 2020 O Estado de S Paulo São Paulo 08 fev 2005 p A2 Exatamente neste ponto MARX já tratava a dualidade da realidade material das relações e as próprias constatações que os homens faziam das mesmas A crítica ao idealismo postulava exatamente a impossibilidade de querermos conhecer o mundo por meio da consciência uma vez que o caminho A sociedade moderna ao constatar que a produção social da riqueza vem acompanhada necessariamente da produção dos riscos gerados pelas forças produtivas não cria com esta simples compreensão a existência destes riscos em si mesmos mas apenas os reconhece A reflexividade consubstanciada na explosão das formas de vida relações estabelecidas para a produção social da riqueza inerentes ao capitalismo industrial como por exemplo a destruição de uma sociedade de classes rigorosas e duais aos moldes da construção do marxismo científico ou a produção de tecnologia que enquanto inicialmente valorada positivamente se transmuta em potencialidade de destruição na simples humanidade do erro e do desconhecimento existe independentemente de se acreditar conhecer ou não em sua realidade Por esta razão a reflexão é apenas posterior Chernobil não é a essência da sociedade de risco mas é a externalidade que desperta o olhar humano e sua racionalidade histórica para a representação dos seus fenômenos Esta reflexão conhecimento e contato dos novos riscos por sua vez acaba ocasionando fenômenos complexos e de difícil solução na sociedade moderna A consciência dos novos riscos ao ser largamente difundida muitas vezes de modo equivocado e midiatizado salienta uma nova forma de desencantamento Não mais se desacredita no mundo divino deve ser trilhado exatamente ao inverso Na sociedade de risco embora não possamos dizer que se sustenta enquanto formulação teórica marxista a tese da vida determinando a consciência resta por se confirmar na teorização crítica Eis portanto os fatos indivíduos determinados com atividade produtiva segundo um modo determinado entram em relações sociais e políticas determinadas Em cada caso isolado a observação empírica deve mostrar nos fatos e sem nenhuma especulação ou mistificação a ligação entre a estrutura social e política e a produção A estrutura social e o Estado passam continuamente do processo vital de indivíduos determinados mas desses indivíduos não tais como aparecem nas representações que fazem de si mesmos ou nas representações que os outros fazem deles mas na sua existência real isto é tais como trabalham e produzem materialmente portanto do modo como atuam em bases condições e limites materiais determinados e independentes de sua vontade MARX Karl ENGELS Friederich A ideologia alemã cit p 18 A própria sociologia liberal de DAHRENDORF ao claramente combater MARX em publicação da década de sessenta do século passado já apregoava como as classes sociais se desfaziam na sociedade dando ato ao que BECK posteriormente chamaria de planos de vida singulares de seres humanos solitários no mundo Enfim tornouse também menor e não maior a uniformidade interna de ambas as classes burgueses e proletários pelo menos desde o começo do século Entre trabalhadores formaramse novas linhas diferenciadoras segundo a qualificação Hoje em dia uma hierarquia emaranhada leva desde o engenheiro e o operário especializado ao grupo cada vez mais reduzido dos poees sem nenhuma aprendizagem Dentro da burguesia a separação da propriedade e controle das empresas industriais fez surgir os dois grupos nem sempre coordenates dos acionistas e gerentes managers Os chamados capitalistas financeiros foram um terceiro grupo junto a estes DAHRENDORF Ralf Sociedade e liberdade Trad de Vamirch Chacon Brasília IEd da UnB 1981 p 9899 Preferese aqui continuar com a posição de BECK acerca do risco muito embora alguns sociólogos tragam este conceito para um âmbito mais subjetivado como a idéia do risco funcionando como parâmetro humano de vínculo com o futuro A tese apresentada pelos sistemas de LUHMANN confere ao funcionamento do Direito um grau bastante profundo de formatação Contudo o desprezo dado até certo ponto aos conteúdos das disposições jurídicas acaba sendo criticado quando enfocado sob análises que verificam o direito como um espaço de exercício de poder de alcance de consenso social ou de especulação em face da real capacidade humana de diagnosticar os riscos e em contrapartida querer agir normativamente para diminuílos A existência dos riscos prescinde de seu reconhecimento e mais do que isso não se modifica em vista de diagnósticos equivocados ou maquiadores da realidade O que pode mudar é simplesmente a opinião pública ou a relação de pavor dos indivíduos nas suas existências dentro de um sistema e assim ocasionar a diminuição da tensão sob o falso sentimento de controle por parte das estruturas institucionais de gerenciamento dentre elas o vigor dos tipos penais incriminadores O inequívoco por sua vez é que a sociedade de risco ao alcançar seu estágio de reflexão exalando por completo os efeitos da reflexividade que desincorpora os alicerces do capitalismo industrial de classes faz demandar do sistema penal sempre por meio inicial do tipo uma ampla reformulação prática que insiste pela dinâmica rápida de mudanças em desprezar a compreensão crítica de suas motivações políticas e de manutenção do sistema produtivo Os bens jurídicos não agem mais como limitadores da criminalização tendo em vista o vazio atual do discurso de resistência acerca da dignidade de tutela Ao mesmo tempo a própria caracterização dos comportamentos a serem evitados na complexidade produtiva demanda formas de prevenção que extrapolam os limites das garantias do cidadão em face do intervencionismo Os bens jurídicos Como o auxilio desta diferenciação a sociedade pode ajustar um compromisso entre a necessidades de adaptação à realidade e de constância de expectativas Ela institucionalizará cognitivamente expectativas comportamentais isto é não censurará seus membros por uma adaptação da expectativa à realidade da ação se predominanr o interesse na adaptação Ela deslocará e articulará as expectativas ao nível normativo quando forem vitais a segurança e a integração social das expectativas com a crescente complexidade da sociedade crescem também os riscos estruturais que tem que ser prevenidos através de uma maior diferenciação entre as expectativas cognitivas e normativas A separação entre ser e dever ser ou entre verdade e direito não é estrutura do mundo dada a priori mas uma aquisição da evolução Nesse caminho CAMARGO Antonio Luis Chaves Culpabilidade e reprovação penal cit p 134135 Quando há coincidência entre a motivação geral e individual existe um consenso sobre os valores vigentes diminuindo o campo de atrito e portanto o dissenso atingindo o índice de criminalidade Ao contrário quando a norma é simplesmente imposta por uma minoria o atrito comunicacional será acentuado podendo surgir o Direito Penal como defensor de interesses de uma minoria passam a ser vagos e indefinidos economia meio ambiente mercado exterior e o tipo penal incriminador como instrumento prático de mínima legalidade colocase diante da ingrata tarefa de angariar o controle de perigos abstratos que carecem de limitação Apenas para acrescentar o direito processual penal criação procedimental para a concretização da tipicidade no mundo material segue o mesmo caminho transpondo preceitos e garantias em face da executoriedade de resultados na tentativa de realizar as esperanças depositadas na já malograda esfera penal A perda de controle caracterizadora de sociedade do risco na formulação de BECK trazida como paradigma importa na noção de que todas as atividades agora gerenciadas por um direito penal que integra o risco em seu esquema definem a margem mínima de segurança de qualquer relação social contemporânea Essa assertiva quando trazida para o âmbito da tipicidade colocase defronte da inescapável constatação é terminantemente impossível evitar todos os riscos sociais Retornase assim à função seletiva do tipo penal consistente na escolha fragmentária dos comportamentos que signifiquem riscos intoleráveis para o sistema O tipo penal ao abandonar a idéia circunscrita da descrição redundará na linguagem do sistema jurídico consistente na afirmação de quais são os limites de suportabilidade do risco na vivência das relações sociais de produção e riqueza No centro do tipo penal reside a normatividade da fronteira delimitadora do risco proibido e do risco permitido em certas circunstâncias Disso resultam epistemologicamente três momentos de natureza pontual e conseqüente primeiro encontrase o problema já existente na tipicidade clássica acerca de quais as condutas que devem ser criminalizadas porque passam a comportar um risco social insuportável Em segundo lugar questionase qual o limite dos riscos toleráveis no próprio contexto da tipicidade pois se afasta o modelo descritivo de BELING e valorizase o normativismo da definição do que se entende por risco proibido no âmbito de proteção da norma bem como por comportamentos incluídos no âmbito de proteção do tipo Em terceiro lugar aprofundase a importância da crítica na opção do comportamento típico e seus limites 141 HASSEMER Winfried Crises y caracteristicas del moderno derecho penal Doctrina actualidad penal n 4322 nov 1993 Acerca da premissa gerenciadora que assumiu o direito penal no mundo do chamado neoliberalismo destacando seu enfoque de eficiência e organização vide BERGALLI Roberto La eficiencia del sistema penal identificación ideológica e instrumentalización política Nueva Doctrina Penal Buenos Aires p 467468 1998 como exercício do poder legislativo e judicial visando à manutenção do sistema social impõese questionar quais formulações sociais o direito penal verdadeiramente busca preservar As anotações naturalmente interpenetramse Afinal a escolha do modelo que se busca preservar ofertará o sentido numa lógica pragmática de meios e fins ao legislador para optar por criminalizar determinadas condutas cuja reiteração colocará em sinal de alerta as estruturas do modo de produção da riqueza Ato contínuo esta mesma lógica ensejará ao intérprete aplicador a racionalidade de extrair a efetividade das normas para manutenção deste mesmo modelo A própria elaboração da teoria de BECK e aqui se faz um corte material e radical com o funcionalismo visto como a simples forma de articular uma sociedade posta e impassível de críticas esclarece que a diagnose do risco fundamental para sua posterior inserção no modelo típico não é elaborada de modo essencialmente democrático Por mais que a sociedade mundial do risco tenda como fenômeno empiricamente constatado à percepção das ameaças pelo sentido comum e isto culmine num desencantamento e maior publicidade dos debates a ciência como espaço restrito e privilegiado ainda possui o argumento de autoridade para relacionar limites e atividades supostamente razoáveis Com a premissa do sistema penal como gerente de um sistema social específico e cercado pelos riscos produzidos pelo desenvolvimento das forças produtivas sedimentamse as bases para o entendimento das alterações na dinâmica dogmática do tipo e na relação de subsunção superveniente estabelecida pela tipicidade A realidade material da sociedade de risco não ignorada ou idolat rada num puro fetiche permite pois a entrada na seara propriamente da dogmática penal e suas constatações de alteração factual da proteção BECK critica do seguinte modo a suposta expertise de determinação das condutas de risco Pero com ello se gira la cara de la moneda la no aceptación de la definición científica de riesgo no es algo que se le pueda reprochar a la población como irracionalidad sino que se indica precisamente lo contrario que las premisas culturales de aceptación las cuales están contenidas en los enunciados técnicocinetíficos del riesgo son falsas los científicos extraen sus observaciones protegidas de la aceptación cultural de la crítica empírica las elevan a dogmas por encima de otras observaciones y se erigen en ese trono bamboaleante como jueces acerca de la irracionalidad de la población cuyas observaciones en el fondo tendrían que ser averiguadas por éstos y tornadas como base de su trabajo Mais adiante continua BECK sua severa crítica ao absolutismo da verdade científica Los creadores dos limites de tolerancia son videntes tienen um tercero ojo son magos tardolndustriales de la quimica que estan trabajando con todo el montaje de series experimentales e coeficientes BECK Ulrich La sociedad del riesgo cit p 65 e 77 positivismo Os cidadãos neste sentido estão submetidos à discricionariedade do legislador e seus desideratos políticos haja vista serem espetaculares e destinatários da norma diante das quais a única decisão correta deve ser seu estreito cumprimento MALARÉE Hernán Hormazábal Bien juridico y estado social y democratico de derecho Barcelona PPU 1991 PASCHOAL Janaína Conceição op cit p 33 Liszt defende que o bem jurídico penal não é criado pelo legislador sendo sim identificado por ele no cenário social e posteriormente protegido mediante a norma penal Podese portanto dizer ter sido Liszt o primeiro a expressamente defender a idéia de um bem jurídico penal material PRADO Luiz Regis Bem jurídicopenal e Constituição cit p 6061 ROXIN Claus Funcionalismo e imputação objetiva no direito penal cit p 281284 rídicocriminal Se o risco com todos seus problemas de delimitação e conceituação entrou no sistema penal ocasionando a reviravolta do sistema clássico para um novo sistema de bases funcionais deverseão ser analisados os dois pontos principais desta mutação Primeiramente a tutela de novos bens jurídicos agora não mais concretos mas diferenciados dos padrões clássicos neokantianos de valores ou finalistas ontológicos Noutra vertente vislumbrase a modificação dos próprios sujeitos da intervenção penal a qual passa a experimentar o convívio dos antigos tipos penais voltados às classes baixas e de massas de contorno tradicional crime of the powerless com novos modelos incriminadores dirigidos às classes altas crime of the powerful 42 A TUTELA DIFUSA E DIREITO PENAL Ao perquirir sobre a relação entre a tutela difusa ou seja a necessidade de o direito penal garantir os bens jurídicos difusos e o sistema penal especificamente no tocante à tipicidade mais uma vez são notadas as desincorporações de certos paradigmas e a conseqüente incorporação de outros como fenômeno de compreensão da sociedade de risco Não obstante o conceito de bem jurídico tenha assumido as mais diversas feições dentro da sistemática penal ao longo dos tempos com as construções de PJA FEUERBACH BIRNBAUM BINDING 143 PASCHOAL Janaína Conceição Constituição criminalização e direito penal mínimo São Paulo Ed Revista dos Tribunais 2003 p 26 Praticamente todos os doutrinadores que tratam do bem jurídico penal afirmam ser todo Paul Johann Anselm Feuerbach o primeiro estudioso a limitar o recurso ao Direito Penal à proteção de um direito subjetivo ou de interesse afeto a um sujeito específico 144 O pensamento de BIRNBAUM traz o bem jurídico para o mundo da realidade afastandoo da noção anterior de direito subjetivo violado mais adstrito à própria noção do contrato social O surgimento do bem jurídico produzse por razões de natureza política e dogmática No primeiro aspecto vem a ser quase uma conseqüência necessária das transformações econômicas e políticas da época uma nova concepção de Estado Do ponto de vista doutrinário justificase a introdução do conceito de bem jurídico por sua utilidade para servir como termo de referência de fatos ofensivos e porque devido à sua maior amplitude pode ser aplicado ao campo das delitos religiosos e contra os costumes Em um momento ulterior Birnbaum 1843 que introduziu o conceito de bem no contexto jurídicopenal em substituição ao de direito subjetivo observa ser decisivo para a tutela penal a existência de um bem radicado diretamente no mundo do ser ou da realidade objeto material importante para a pessoa ou a coletividade e que pudesse ser lesionado pela ação delitiva Essa teoria se afasta da tese de lesão do direito em três pontos na configuração do conceito de bem comum na ampliação do fim do Estado e na renúncia de extrair a doutrina do objeto do delito postulado das condições de vida em sociedade como haviam feito o iluminismo e o liberalismo originário PRADO Luiz Regis Bem jurídicopenal e Constituição 3 ed São Paulo Ed Revista dos Tribunais 2003 p 3132 145 O pensamento de BINDING consiste simplesmente em identificar direito com a lei de forma com que o bem jurídico deve ser extraído do próprio conteúdo legislado alcançando o máximo do LISZT entre outros é inegável por outro lado que tal instituto sempre foi dotado de instrumentalidade orientando sempre o sistema de direito penal e contribuindo com suas funções doutrinariamente aceitas de limitação ao direito de punir do Estado teleologia ou interpretação individualização da pena diante da gravidade de lesão e sistematizaçãoclassificação A relação entre bem jurídico e tipicidade tendo em vista as funções sistêmicas que executam ocorre de maneira umbilical A natureza conceito do bem jurídico que se busca proteger e sua representação social demandará da tipicidade um certo ferramental para o exercício do controle É impossível pensar uma proteção jurídica à vida humana sem a tipificação e criminalização das condutas que promovam resultados de abalo a esta ou seja atitudes de resultado material com clara relação de causalidade vg o homicídio o aborto o infanticídio ou o induzimento auxílio e instigação ao suicídio Da mesma maneira o patrimônio e suas formas de transferência como bem jurídico individualizado e concretizável possui seus meios de proteção na proibição do furto do roubo da apropriação indebita do dano etc Tudo isso é o exemplo de um direito penal que desde longo tempo possui este bem jurídico individual como o elemento axiológico central de suas restrições seletivas de comportamentos A complexidade dos comportamentos que hoje se vislumbra evitar destarte segue o grau de variabilidade de atuações dentro de relações sociais estipuladas pela forma da produção da riqueza Assim numa sociedade elementar de contatos pouco imbricados e de precária utilização de máquinas e tecnologias o direito penal sempre demonstra a mera utilização de tipos de dano de modalidade dolosa sendo de certa tranqüilidade a indicação do nexo causal conforme a uma lei natural O tipo penal se faz simplesmente como uma ação preponderantemente dolosa embora se identificasse o dolo como integrante da culpabilida positivismo Os cidadãos neste sentido estão submetidos à discricionariedade do legislador e seus desideratos políticos haja vista serem espetaculares e destinatários da norma diante das quais a única decisão correta deve ser seu estreito cumprimento MALARÉE Hernán Hormazábal Bien juridico y estado social y democratico de derecho Barcelona PPU 1991 PASCHOAL Janaína Conceição op cit p 33 Liszt defende que o bem jurídico penal não é criado pelo legislador sendo sim identificado por ele no cenário social e posteriormente protegido mediante a norma penal Podese portanto dizer ter sido Liszt o primeiro a expressamente defender a idéia de um bem jurídico penal material PRADO Luiz Regis Bem jurídicopenal e Constituição cit p 6061 ROXIN Claus Funcionalismo e imputação objetiva no direito penal cit p 281284 rídicocriminal Se o risco com todos seus problemas de delimitação e conceituação entrou no sistema penal ocasionando a reviravolta do sistema clássico para um novo sistema de bases funcionais deverseão ser analisados os dois pontos principais desta mutação Primeiramente a tutela de novos bens jurídicos agora não mais concretos mas diferenciados dos padrões clássicos neokantianos de valores ou finalistas ontológicos Noutra vertente vislumbrase a modificação dos próprios sujeitos da intervenção penal a qual passa a experimentar o convívio dos antigos tipos penais voltados às classes baixas e de massas de contorno tradicional crime of the powerless com novos modelos incriminadores dirigidos às classes altas crime of the powerful 42 A TUTELA DIFUSA E DIREITO PENAL Ao perquirir sobre a relação entre a tutela difusa ou seja a necessidade de o direito penal garantir os bens jurídicos difusos e o sistema penal especificamente no tocante à tipicidade mais uma vez são notadas as desincorporações de certos paradigmas e a conseqüente incorporação de outros como fenômeno de compreensão da sociedade de risco Não obstante o conceito de bem jurídico tenha assumido as mais diversas feições dentro da sistemática penal ao longo dos tempos com as construções de PJA FEUERBACH BIRNBAUM BINDING 143 PASCHOAL Janaína Conceição Constituição criminalização e direito penal mínimo São Paulo Ed Revista dos Tribunais 2003 p 26 Praticamente todos os doutrinadores que tratam do bem jurídico penal afirmam ser todo Paul Johann Anselm Feuerbach o primeiro estudioso a limitar o recurso ao Direito Penal à proteção de um direito subjetivo ou de interesse afeto a um sujeito específico 144 O pensamento de BIRNBAUM traz o bem jurídico para o mundo da realidade afastandoo da noção anterior de direito subjetivo violado mais adstrito à própria noção do contrato social O surgimento do bem jurídico produzse por razões de natureza política e dogmática No primeiro aspecto vem a ser quase uma conseqüência necessária das transformações econômicas e políticas da época uma nova concepção de Estado Do ponto de vista doutrinário justificase a introdução do conceito de bem jurídico por sua utilidade para servir como termo de referência de fatos ofensivos e porque devido à sua maior amplitude pode ser aplicado ao campo das delitos religiosos e contra os costumes Em um momento ulterior Birnbaum 1843 que introduziu o conceito de bem no contexto jurídicopenal em substituição ao de direito subjetivo observa ser decisivo para a tutela penal a existência de um bem radicado diretamente no mundo do ser ou da realidade objeto material importante para a pessoa ou a coletividade e que pudesse ser lesionado pela ação delitiva Essa teoria se afasta da tese de lesão do direito em três pontos na configuração do conceito de bem comum na ampliação do fim do Estado e na renúncia de extrair a doutrina do objeto do delito postulado das condições de vida em sociedade como haviam feito o iluminismo e o liberalismo originário PRADO Luiz Regis Bem jurídicopenal e Constituição 3 ed São Paulo Ed Revista dos Tribunais 2003 p 3132 145 O pensamento de BINDING consiste simplesmente em identificar direito com a lei de forma com que o bem jurídico deve ser extraído do próprio conteúdo legislado alcançando o máximo do da riqueza permite compreender esta passagem Os bens jurídicos individuais apresentavam ao Direito Penal a função de tipificar os comportamentos que significassem formas específicas de agressão a estes mesmos bens Assim a idéia da propriedade privada ao mesmo tempo em que estruturava e estrutura o modo de produção capitalista exigia que os indivíduos pudessem obter do Estado por meio dos tipos penais a garantia da inviolabilidade de seu patrimônio Assim mais do que garantir a propriedade em si mesma como bem jurídico idealizado o Estado reprime determinadas condutas humanas capazes de tornar o cidadão desprovido daquilo que é seu criando no proprietário a pretensão de que isto seja respeitado 151 A alteração da dinâmica atual do tipo penal não consiste na faculdade que a este é concedida de garantir expectativas de comportamentos posto que tal função sempre foi exercida pelo sistema penal O que se altera de fato são as novas estruturas sociais instâncias indispensáveis que o tipo penal de certa forma agora deve manter O bem jurídico individual possui em seu proprietário o elemento fundamental dito de outra forma ao direito penal concebe a qualidade de proteger certas pessoas de determinada agressão comportamental lesividade perpetrada por outros cidadãos através de formas específicas No caso dos atuais bens jurídicos difusos sua característica diferenciadora é a orientação da tipicidade penal no sentido de proteger uma determinada instância social ou localidade social na qual as pessoas interagem com os mais diversos tipos de comportamentos Todavia o próprio funcionamento destas instâncias não pode permitir qualquer maneira de atuação mas sim atividades que respeitem ao mínimo determinados padrões Apenas o respeito concomitante por parte de todos consegue obter desta instância coletiva ou difusa a sua esperada funcionalidade Nesse sentido a própria noção de lesividade é reinterpretada uma vez que ao comportamento típico é prescindível sua lesividade individual Em seu lugar colocase uma nova constatação do que venha a ser lesividade a lesividade à instância à boa operacionalização de um setor social 151 JAKOBS aponta com bastante lucidez esta relação intersubjetiva que o direito penal proíbe e que acaba por tornar crítica à própria noção de bem jurídico como ente abstrato e absoluto há um bem que é a propriedade por exemplo e esta não deve ser lesada O proprietário do bem pode permitir sua destruição Se o bem está ameaçado não procede que todos devam auxiliálo a salválo unicamente se pretende que não ocorra a destruição ou subtração do mesmo Portanto do ponto de vista do direito penal o bem aparece exclusivamente como pretensão do proprietário de que este seja respeitado JAKOBS Günther O que protege o direito penal os bens jurídicos ou a vigência da norma In CALLEGARI André Luís GIACOMOLLI Nereu José Coords Direito penal e funcionalismo Trad André Luís Callegari et al Porto Alegre Livr do Advogado Ed 2005 p 34 Estas instâncias da sociedade de risco elaboradas com o avanço das forças produtivas tornam indispensáveis os crimes de perigo os quais embora chamados de perigo são danosos para a manutenção da organização e necessários ao seu gerenciamento Os crimes de perigo entendidos como antecipadores da tutela penal ao mesmo tempo em que antecipam a punição considerando a lesividade individual punem a já existente lesividade sistêmica da instância A partir do momento em que a indústria consegue poluir em larga escala de sorte a comprometer o meio ambiente jamais no sistema de produção capitalista vai se imaginar o fechamento das fábricas É possível conceber contudo e até para não se esgotar a matéria natural modalidades penais de gerenciamento da forma com que se pode produzir sistema penal gerencial Os mercados financeiros os transportes o avanço sobre o meio ambiente são instâncias que não desejam ser suprimidas pelo sistema produtivo com criminalizações típicas totais Os avanços das forças produtivas fizeram apenas com que tais espaços ocupassem um papel preponderante modulando inclusive a forma do homem de viver em sociedade Para o bom funcionamento destas instâncias é necessário o controle por meio do sistema penal decorrendo daí a noção empírica percebida de sua expansão Da mesma forma é impossível pensar na admissão de qualquer forma de comportamento no interior destas instâncias sendo o direito penal o responsável por este regramento O direito penal portanto quando cria novos modelos típicos não contradiz sua função burguesa apenas a adapta à nova realidade da produção social da riqueza com a qual é em última instância condicionado O domínio do homem por completo da natureza por um lado criou a sua incorporação no sistema social152 e por outro a degradou de forma incontornável O exercício da reflexão próprio do segundo momento de institucionalização da sociedade de risco mostrou que bens antes abundantes já não mais se encontram assim153 A sociedade de risco criou a tecnologia que gerou o sequestro dos homens pela sua própria obra Surge o mercado mundo e com ele as elementares intocáveis e impassíveis de qualquer crítica a concorrência o consumo de larga escala e alucinado 152 BECK Ulrich La sociedad del riesgo cit p 8992 153 O problema do meio ambiente traz a atenção de todos os ramos jurídicos notadamente da processualística geral e o desenvolvimento dos procedimentos de tutela aos bens difusos e coletivos Vide GRINOVER Ada Pellegrini A problemática dos interesses difusos In Coord A tutela dos interesses difusos São Paulo Max Limonad 1984 cunho preponderantemente prescritivo embora também ideológico enquanto opção política de força o segundo é notadamente ideológico mas se presta a reconhecer e viabilizar a prescritividade62 Sem o discurso jurídico ou a dogmática jurídicopenal não há regras de decisão a permitirem as postulações prescritivas A produção científica ou até mesmo o compilado de jurisprudência por mais ingênuos que possam parecer atribuem a prescritividade ao ordenamento abstrato conciso e teoricamente neutro e igual em face de todos A dogmática reduz as diversas opiniões em opiniões dominantes e minoritárias colocase à disposição das decisões dos tribunais e ao mesmo tempo orientaas63 Dentro desta relação entre tipo penal e seu produto no discurso jurídico aqui centrado na produção acadêmica refletida pelo conteúdo deôntico do discurso do direito imprescindível é a visitação ao desenvolvimento de sua formulação conceitual e categorial no seio do direito penal Não se trata de mera descrição histórica factual mas forma de compreensão da elaboração dos preceitos inerentes ao tipo penal e que portanto apreende aspectos ideológicos e necessários demarcando as vicissitudes de um Direito sempre atento com a capacidade prática de limitação de condutas indesejáveis em momentos específicos e da mesma forma com as justificações axiológicas legitimadoras O traçado da evolução do tipo penal encerra em si mesmo um plexo de lutas e contradições A legalidade em época de arbítrio os bens jurídicos em momentos de abstração contínua o tipo aberto em ensaios garantistas Sinteticamente o tipo nada mais é senão o homem expondo suas esperanças de controle comportamental na instrumentalização penal 62 CORREAS Oscar op cit p 118119 Chamaremos ideologia do direito ao sentido ideológico do discurso do direito ou seja o que não constitui seu sentido deônico Denominaremos em troca ideologia jurídica a ideologia expressada no discurso jurídico ou seja no discurso que acompanha o direito como no discurso de quem fala dele Tal como o direito também o discurso jurídico possui ideologias Tratase por exemplo do discurso que descreve normas supostamente discurso científico mas também do discurso que referindose ao direito o avalia como justo ou injusto conveniente ou não conveniente ajustado ou não à realidade como costumam dizer os juristas Igualmente se trata do discurso que acompanhando o direito o explica o fundamenta ajuda a interpretálo o maquila ou inclusive prescreve condutas que o poder espera que se acredite que se produzam e que não efetivamente se produzam Isto não impede que às vezes de fato fundamentem as resoluções de funcionários de ideologia não previstas como poucos juízes que fundamentalmente na ideologia do direito presente em alguns textos constitucionais como o direito à moradia produziram sentenças rechçando a pretensão de desalojar os ocupantes pobres de imóveis pertencentes a ricos investidores em bens de raiz 63 HASSEMER Winfried Introdução aos fundamentos do direito penal cit p 272 o sistema financeiro internacional os bolsões de investimento a repleta volatilidade da riqueza Todas estas novas realidades se para alguns trazem benefícios e circulação de divisas inegavelmente também se percebeu da necessidade de confiança disciplina cumprimento das regras do jogo e exatamente neste ponto entra a dinâmica do direito penal sua tipificação gerencial e como afirma BERGALLI sua eficiência Neste enfoque constróise a chamada expansão do direito penal na sociedade de risco de preponderância econômica posto seu reflexo decorrente do aumento da criminalidade de massa pela onde irrefreável de exclusão pela conscientização da destruição da natureza e pela desesperada tentativa de regramento do Leviatã ideológico do mercado Ao mesmo tempo e numa cadeia contínua de conseqüências a percepção dos mencionados problemas reflexão deriva do aumento necessário dos riscos sociais reflexividade culminando num individualismo de massas atomizadas que invertem o eixo do estereótipo do homem aventureiro154 A produção dos riscos inerentes a estas atividades instâncias cresce continuamente de forma retardada tais riscos vão sendo percebidos de imediato buscase no direito penal a ânsia de controlar os efeitos desta insuportabilidade Esta miríade de condições acaba por enveredar o sistema de controle penal por meio da extensão dos bens jurídicos alvo de tutela e da conseqüente tipificação que supostamente os afronte para horizontes jamais pensados numa realidade onde o crime culposo já se compreendia por exceção aos delitos dolosos de resultado As novas dinâmicas de uma sociedade aglutinadora de riscos e promotora de relações humanas mediatizadas por tecnologias transformadoras da humanidade do erro em forças destrutivas passam a empenhar o direito penal na necessidade de gerenciar este concerto O malogro do direito administrativo pela burocracia exacerbada e a descrença no rigorismo de sua atuação apontam como a única solução o direito penal e a tipicidade A opinião pública construtora da diminuição da margem de tolerância dos riscos suportabilidade em vista das inseguranças e do comprometimento das esferas de organização individual por fatores exógenos e incontroláveis o que gera o sentimento puro de impotência acredita quase como profissão de fé e desespero que o direito penal é a melhor senão a única forma de criação de expectativas de atuação Não se acredita que a administração por meio de seus instrumentos notoriamente intervencionistas possa controlar adequadamente a qualidade dos produtos que saem das fábricas e direcionamse aos hipermercados para o consumo da massa populacional Sem embargo e com este raciocínio o direito penal deve punir aquele que serve alimento impróprio para o consumo ou emprega substância proibida ou acrescenta invólucro com falsa indicação caso contrário estarseá exposto aos contatos anônimos da sociedade de risco sem qualquer proteção do Estado e de seus novos modelos de tipicidade A alteração da tipicidade penal mais uma vez representa a alteração das relações sociais e conseqüentemente a mudança dos comportamentos necessários de evitação Incluise ainda nestes fatores de transmutação do modelo clássico os gestores atípicos da moral identificados por SILVA SANCHEZ como um pensamento notadamente de esquerda que da defesa de um abolicionismo penal centrado na identificação deste setor jurídico como expressão da opressão da burguesia sobre o proletariado acabou invertendo o eixo e tornandose defensor de um direito penal máximo o qual deve afiar suas garras punitivas e voltarse àquela camada privilegiada que sempre o utilizou155 Os gestores atípicos nessa linha de pensamento hoje desejam ver através da repressão penal a responsabilização pela até então ultima ratio de personagens sociais que jamais foram protagonistas do papel de criminosos 155 SILVA SÁNCHEZ JesusMaria A expansão do direito penal aspectos da política criminal nas sociedades pósindustriais cit p 6568 156 SILVEIRA também aponta o papel dos gestores atípicos da moral por exemplo na exacerbação de um suposto direito penal do consumidor Afóra poucos casos não parece ser justificável a atuação penal na defesa do consumidor sendo notada a grita dos gestores atípicos da moral em sentido contrário SILVEIRA Renato de Mello Jorge Direito penal supra individual interesses difusos cit p 152153 ou baseadas em vinganças históricas reside na própria dinâmica do sistema produtivo e exatamente nesse caminho objetivase a demonstração do malogro da concepção penal liberal O tipo penal tem sua formulação como exercício de poder o que não exclui a participação de determinados grupos neste processo decisório Todavia a supervalorização de grupos sociais determinados e minoritários na expansão do direito penal não parece o mais acertado A compreensão levada ao extremo acaba por esquecer da relação dialética entre as forças produtivas e as relações sociais das quais a proibição penal é expressão O direito não tipifica suas condutas na globalidade por desejos localizados e específicos As formas como a riqueza é produzida embora não determinem condicionam os limites e as funções do sistema penal considerando inclusive os limites que o próprio sistema encontra em seu contato com a realidade A dinâmica do capitalismo implica na alteração de seu sistema e estruturas e por mais que se pense poder ser o direito penal alterado com idéias momentaneamente não hegemônicas em que pese a inegável existência destas num modelo de formal democracia os padrões de tipicidade são resultados do desenvolvimento liberal Não se trata de ser mais ou menos garantista na defesa dos corolários clássicos em detrimento do direito penal do risco mas simplesmente notar as alterações das relações sociais Não é à toa e aqui dizer que a constitucionalização da incriminação de bens jurídicos difusos é obra dos gestores atípicos já se torna inviável tendo em vista o próprio sistema de legitimação do Estado que a própria ConstituiçãoCidadã anota a relevância de criminalização de tais bens jurídicos157 fomentando toda a pertinente discussão acerca da imposição ou sugestão de tipicidade conforme o postulado no texto da Carta Maior158 O mais importante contudo é como o direito penal tendo em vista a necessidade de tutela destes novos bens jurídicos impostos pela reflexividade da sociedade de risco direciona a tipicidade para tal controle Sem embargo ocorre a inequívoca relativização de todos os princípios liberais clássicos sedimentados na dogmática penal159 O papel da ciência jurídica consiste agora em detalhar como compatibilizar a realidade imposta de criminalização de condutas para proteger bens difusos com a mínima garantia do cidadão em face da agressão estatal Afinal os tipos de perigo abertos normativos continentes do risco proibido são a forma genuína de proteção ao meio ambiente ao consumidor e à economia por mais que se possa discutir com real importância a relevância prática ou os respectivos fundamentos da dignidade de tutela penal destes bens160 Os delitos de perigo ou aqueles que trazem à tipificação uma conduta que não ocasiona um dano como resultado de alterações naturalísticas empiricamente verificáveis de lesividade individual morte inversão da posse prejuízos econômicos lesões corporais etc foram distinguidos na doutrina tradicional como reflexo do positivismo tecnicista nos chamados crimes de perigo concreto e abstrato Não obstante todas as discussões que se travaram acerca da objetividade ou subjetividade do perigo de um certo modo convencionouse que os perigos concretos são aqueles que necessitam de investigação caso a caso portanto aperfeiçoados com um juízo de valoração ex post Por sua vez os delitos de perigo abstrato operariam com presunções de efetivação do perigo uma vez realizada a conduta Nesta espécie o legislador efetuaria uma generalização apriorística de quais comportamentos deveriam ser evitados porquanto são sempre e irremediavelmente perigosos161 157 Exemplo máximo desta positivação constitucional está no art 225 3 da Constituição Federal de 1988 que afirma As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores pessoas físicas ou jurídicas a sanções penais e administrativas independentemente da obrigação de reparar os danos causados 158 PASCHOAL Janaína Conceição op cit Em sentido contrário ao da autora ou seja concedendo ao direito penal maiores possibilidades que as previstas constitucionalmente COSTA José de Faria Direito penal especial contributo a uma sistematização dos problemas especiais da parte especial Coimbra Coimbra Ed 2004 p 33 159 BECK Ulrich La democracia a sus enemigos Trad Daniel Romero Álvarez Buenos Aires Ed Paidós Ibérica 2000 p 17 160 CALLEGARI em obra específica acerca do Direito Penal Econômico ao citar KLAUS TIEDEMANN ressalta as reflexões feitas por este acerca da viabilidade e dignidade da tutela penal na economia e seus agentes Para Tiedemann porém algumas perguntas devem ser feitas sobre a política econômica e a política criminal como deve um Estado proteger jurídicopenalmente a economia e os atores econômicos ou deve pelo contrário pôr aos empresários as menores restrições possíveis em favorecimento de um suspeito crescimento econômico Deve o legislador penal prever uma regulação aberta no Código Penal ou deve relegar a regulação dos delitos econômicos à legislação penal especial e nesse marco deixálos à potestade sancionadora da Administração econômica configurandolhes especialmente como infrações administrativas Deve o legislador conformar os tipos penais econômicos de modo acessório ao Direito Econômico ou deve empreender uma regulação jurídico penal autônoma As indagações têm fundamento porque muitas vezes se tem a impressão de que a criação de tipos penais serve para resolver os problemas que a administração não consegue é dizer problemas tributários fiscais previdenciários etc Assim as perguntas de Tiedemann merecem atenção pois em alguns casos a criação de tipos penais não surtirá qualquer efeito uma vez que nem sempre se conseguirá o esperado isto é não são os novos tipos penais ou a intervenção do Direito Penal que solucionará os problemas da economia de um país CALLEGARI André Luís Direito penal econômico e lavagem de dinheiro Porto Alegre Livr do Advogado Ed 2003 p 1718 161 NORONHA Edgar Magalhães Direito penal 25 ed São Paulo Saraiva 2000 v3 p 314 Numa linguagem mais próxima da interação entre tipicidade e perigo poderseia dizer que nos casos de tipos de perigo concreto a efetivação da exposição danosa é elemento integrante do tipo penal de modo com que sem este não há que se falar no juízo de atribuição crimes de resultado de perigo Nos delitos de perigos abstratos punese ou buscase evitar uma simples realização humana bastando mera conduta para a perfeita tipicidade crimes de mera conduta perigosa A ocorrência destas modalidades dogmáticas do tipo penal encontra sua explicação exatamente na necessidade de gerenciamento das instâncias sociais difusas localidades onde os indivíduos mantêm relações anímicas e intersubjetivas O gerenciamento destes sistemas implica na necessidade estatal de manter padrões mínimos de comportamento etiquetando de perigosos aqueles desviados ou que extrapolem o risco permitido Esta zona entre os riscos permitidos e proibidos deve ser comunicada por meio do tipo penal o qual não pode sob pena de disfunção do sistema deixar a valoração para os cidadãos individualizados O tipo penal nesse traçado centraliza os limites do risco proibido o qual se não fosse assim estaria descentralizado nas consciências múltiplas Seria impensável um controle do trânsito por exemplo que desprezasse as tipificações do risco e abandonasse nas mãos dos motoristas individuais o próprio autocontrole da periculosidade de sua condução Um sistema que se baseia na fidúcia da riqueza não pode deixar que apenas os capitalistas individuais possam estabelecer os padrões mínimos de administração financeira Portanto quando aparentemente se coíbe o livre mercado punindo o agente econômico não se esta limitando o capitalism pelo contrário estáse gerenciando para funcionar ainda melhor e com maior credibilidade em face de suas regras atinentes Resulta desta é conhecida a distinção entre perigo abstrato e concreto o que entretanto também não é pacífico O primeiro é o que a lei considera como resultante de certas ações baseadas em regras ditadas pela experiência ou pela lição dos fatos Há então presunção de perigo O segundo deve ser investigado e provado caso por caso Assim enquanto no perigo abstrato a situação perigosa é presumida no concreto há de ser demonstrada no fato JAKOBS Günther Ciência do direito e ciência do direito penal cit p 3334 Em tais casos o legislador costuma concretizar centralmente os postulados normativos e o faz de tal modo que ele mesmo descreve também sem mencionar de modo algum o resultado não desejado da ação a configuração dos comportamentos contrários à norma e com isso o que se vai produzindo descentralizadamente fica reduzido à simples verificação de em que caso se dá tal configuração de comportamento Assim a lei proíbe coisas muito diferentes desde o falso testemunho até a condução de veículo sob a influência de bebidas alcoólicas e o faz também quando o indivíduo não vê resultado perigoso de seu comportamento e quiçá tampouco poderia vêlo nesses crimes de perigo abstrato o tipo de comportamento se define como não permitido por si mesmo é dizer centralizadamente sem atender à especialidades não centrais afirmação a demontração do equívoco de achar que as normas penais podem interferir no sistema para mudálo A interferência implica sempre em forma de manutenção uma vez que o direito nunca afirma o que deve ser mas aquilo que é diante das alterações estruturais Em face deste quadro são inerentes duas ponderações que adiantase não pretendem oferecer respostas satisfatórias Primeiramente debate se o direito penal dentro de um sistema de garantias pode permitir a criminalização dos delitos de perigo abstrato ou se tal afirmação poderia direcionar para situações máximas de antecipação de lesões A segunda e ainda mais complicada emerge da questão de como pode o jurista dentro da complexidade da sociedade de risco estipular os juízos capazes de apontar para a real periculosidade de certos comportamentos A divisão dos delitos entre tipos de perigo concreto e tipos de perigo abstrato facilita a aproximação Entendendo os crimes de perigo concreto como delitos de resultado de perigo e os crimes de perigo abstrato como crimes de mera conduta perigosa pode ser afirmado que para ambos basta a turbação do bem jurídico ou instância ou sistema social para sua concretização independentemente do resultado naturalístico A premissa de qualquer compreensão baseiase na aceitação da própria noção de perigo como um elemento normativo do tipo objetivo devendo destarte assim ser avaliado A probabilidade e possibilidade de lesão tida pelo legislador em abstrato e pelo jurista em concreto deve ser pautada na especificidade da esfera criminal e seus contornos de relevância posto que o âmbito de proteção da norma deve relacionar a criação de perigos que sejam relevantes ao sistema penal risco proibido incremento do risco de uma atividade já perigosa Se assim não for acabam por ratificar de imediato todas as positivaçãoes de perigo abstrato além de instaurar a plena arbitrariedade nos delitos de perigo concreto Entendendo portanto que na sociedade de risco todas as atividades já possuem um perigo inerente risco permitido o tipo penal estará realizado apenas na existência de um risco que se torne proibido em face de sua própria relevância jurídicopenal Aceitando os crimes de perigo abstrato mas exigindo sua conferência com as premissas constitucionais A tipificação de tipos de perigo abstrato não ofende ao princípio da proporcionalidade sempre que de acordo com as regras de experiência e bom senso o legislador no momento nomogenético averiguando a necessidade a idoneidade e a ponderação em torno da razoabilidade na relação entre o meio incriminacão e o fim tutela do bem conformar a norma penal a tais requisitos Do contrário restará desrespeitado sempre que o legislador não observar qualquer dos subprincípios referidos SILVA Ângelo Roberto Ilha Dos crimes de perigo abstrato em face da Constituição São Paulo Ed Revista dos Tribunais 2003 p 150 foi de modo evidente influenciado pelo positivismo jurídico de BINDING admitindo plenamente o corolário maior da teoria positivista vislumbrado na cisão total entre direito e moral e conseqüentemente a completa desvinculação dos valores do segundo em face do anterior Nesse aspecto a teoria do tipo vem como exemplo maior do apego à lei e à construção científica de limitação do poder no Estado de Direito salientando o caráter liberal burguês do pensamento da época reinante na sociedade69 A construção do tipo penal em sua modalidade incipiente acabou por criar uma estrutura exclusivamente objetiva desprovida de qualquer aspecto normativo ou valorativo e subjetivo ou anímico Esta característica simplesmente descritiva aliás foi o verdadeiro diferencial desta etapa de pensamento abrindo inclusive o espaço para as brutais críticas sofridas por BELING realizadas pelos demais pensadores que o sucederam70 capitalista aos moldes do que era a propriedade individual nos três últimos séculos O sistema penal conforme apontado na metodologia escancara definitivamente suas portas para o discurso jurídico ou a linguagem do jurista sobre a norma no discurso do discurso Bem verdade que este discurso jurídico sempre existiu como forma de validade e aplicabilidade das palavras do direito ou da lei mas se antes consistia mais numa espécie de metalinguagem hoje assume além daquela feição um caráter de complementação de outorga preponderante de sentido sem a qual o próprio tipo não se faz e nada diz As letras da lei adstritas à literalidade do tipo penal incriminador não são mais suficientes na sociedade de risco O mundo social ficou grande demais para o hermetismo da tipicidade clássica Não surpreende assim a crise sobre as normas penais em branco e os tipos abertos na irreversível expansão do direito penal Isso não deriva da vontade e da consciência desprezada da realidade do legislador mas sim da necessidade de controle de uma infraestrutura jamais espelhada nas relações sociais postas defronte do jurista clássico O crime de gestão temerária art 4º parágrafo único da Lei nº 749286 os crimes de complementação administrativa da lei ambiental Lei nº 960598 ou as vagas textualizações do Código de Defesa do Consumidor Lei nº 807890 muito pouco ou nada dizem se considerada simplesmente a ação textual tipificada E mais do que isso se de repente resolvessem solucionar o problema seria inconcebível compreender no tipo penal todas as hipóteses possíveis de realização dos perigos que se visa evitar Negar esta realidade e impedir a atuação do direito penal significa manter a contradição lógica do sistema consistente no condicionamento exercido pelas forças produtivas nas relações sociais e suas instituições A normatização do elemento central do tipo penal e a noção do risco integrador do discurso jurídico do intérprete ou da ciência significam as ressalvas feitas por BECK quanto à suposta certeza da sabedoria humana em lidar com suas criações A sociedade de risco gera um paradoxo no sistema penal e na tipicidade pois sem a abertura os bens não são tutelados Se a racionalização da tradição oferta ferramentas para lidar com o mundo a racionalização da racionalização insere as dúvidas necessárias quanto à funcionalidade daquelas ferramentas166 SILVEIRA ao apontar as imensas dificuldades do tema relata a construção de SCHRÖDER delegado alemão no X Congresso Internacional de Direito Penal na tentativa de construção de um construtao de um modelo intermediário aos crimes de perigo abstrato e concreto Ele desenha portanto uma subclassificação da figura do perigo distinguindo delitos em que a concordância formal entre ação e descrição legislativa conduz à afirmação de que a sua tipicidade há de ser verificada judicialmente a fim de que se comprove a idoneidade desta ação para a produção de um perigo ao bem jurídico protegido A isso chamaria de perigo abstratoconcreto uma categoria intermédia entre o perigo concreto e abstrato SILVEIRA Renato de Mello Jorge Direito penal supra individual interesses difusos cit p 99 legitimados pela mera presunção legislativa A centralização das noções dos riscos proibidos levaria em consideração por meio da cognição do intérprete a real necessidade de atribuir tipicidade e suas consequências penais tendo em vista a lesividade do funcionamento e da expectativa sobre uma determinada instância sistema financeiro tráfego etc O outro problema da relação entre tipo penal e sociedade de risco está no momento de operacionalização destes instrumentos no perfazimento do conteúdo do que seja o risco proibido margem de tolerância Com o conceito de risco proibido bem como sua entrada no tipo normativo por meio do âmbito de proteção da norma a forma de determinar quais riscos são de fato proibidos ou permitidos tornase conflituosa e interpretativa discurso jurídico Perguntase quais condutas verdadeiramente criam perigos para os bens jurídicos difusos que hoje são alvos da tutela penal Este ponto nodal corrompe o positivismo na sua coerência de centralizar na lei o universo de cognição do jurista A sociedade de risco e a gama dos resultados derivados do plexo de atividades não permitem sua positivação textual Em suma o tipo penal prescreve a conduta que supostamente extrapola o risco permitido mas não diz qual é realmente o seu conceito Se antes bastava dizer que é crime matar alguém pois isto exprimia uma faceta identificável do universo social hoje dizer simplesmente que é crime gerir de forma temerária uma empresa é muito pouco para delinear o mundo O tipo penal ao espelhar a ação proibida na sociedade de risco é destarte interpretativo vago gasoso ou de forma dogmática essencialmente normativo165 Esta normatização do tipo que com a sociedade de risco gradativamente alcança seu apogeu explica a perda da certeza clareza e hermetismo das postulações proibitivas A rigor ou se admite a relativização destes princípios não obstante se debata em quais limites ou a tutela penal jamais será apta a ofertar expectativas comportamentais nas grandes corporações na pulverizada cadeia de produção na degradação cumulativa do meio ambiente na difusão do consumo de massas enfim nestes atuais bens jurídicos importantes para a manutenção do sistema 165 CAMARGO Antonio Luís Chaves Imputação objetiva e direito penal brasileiro cit p 129 A aplicação da imputação objetiva na análise da ação determinará a presença de todos os elementos indicados sem a possibilidade de partirse de um conceito puramente causal pois outros elementos integram a ação determinante da intervenção no mundo exterior Não se pode desprezar que o conteúdo da ação é composto por elementos como convenções sociais acordos entre grupos educação e outros fatores que formam a complexidade intersubjetiva das ações específicas A noção da tipicidade aqui se fazia de modo independente desligada de aspectos factuais cumprindo apenas a missão de imagem reitora O tipo penal em BELING não possui conteúdo algum rebatendo veementemente todos aqueles que visavam à demonstração de elementos subjetivos ou normativos em sua composição Na teoria do pensador o tipo penal tem como razão de existência o cumprimento de função sistemática responsável por ordenar o emprego dos conteúdos da parte geral da legislação penal e regular a punição estatal conceito metodológico de ordenação71 As críticas sofridas por BELING principalmente pelos neokantianos já possibilitam alguns sinais que posteriormente seriam esquematizados como as finalidades contidas na tipicidade penal elementos subjetivos do tipo todavia muito pouco desenhadas e desenvolvidas naquele período O tipo inicialmente congrega funções sistemáticas e garantidoras posto que até então o fato criminoso era especificado apenas como uma ação antijurídica culpável e passível de sanção BELING acima de tudo percebeu que esta definição tornava bastante vaga e imprecisa a noção do delito para os tempos do positivismo centralizador da responsabilidade penal na norma jurídica em si mesma A teoria do delito ganha pois um conceito de crucial importância porém já bastante afastado do atual cenário dogmático penal e da noção hodierna de tipicidade e seu cunho finalista e axiológico72 BELING determina de forma muito clara sua teoria fazendo incutir de modo compreensível a idéia da tipicidade e sua relação com os elementos já consagrados A estrutura formalizada do crime em dois aspectos subjetivo e objetivo está muito precisa no autor sendo a primeira responsabilidade exclusiva da culpabilidade diretório aglutinador do dolo também sua importância no controle social atinente à tutela dos deten tores dos bens individuais O sistema penal inegavelmente sempre se direcionou para classes soci ais menos favorecidas o que tem por explicação sua historicidade liberal destinada a centralizar a proteção na figura da propriedade Basta a per functória análise dos tipos incriminadores constantes da legislação codifi cada e extravagante para constatar a quantidade de normas proibitivas rela cionadas direta ou indiretamente às questões de cunho patrimonial Por óbvio um sistema que constrói sua sistemática para a proteção deste bem jurídico traçará sua população alvo naquelas pessoas desprovidas deste mesmo bem Não é à toa portanto a existência de algumas construções teóreticas como por exemplo o empirismo do positivismo antropológico italiano inaugurado por LOMBROSO167 ou o caldo de cultura capaz de potencializar a criminologia crítica em todas as suas vertentes168 Nesse diapasão o modelo de tipicidade penal apto à defesa intransi gente da propriedade estava adstrito à sua circunstância histórica o que faz com que mais do que garantir por completo este bem jurídico o sistema obtenha uma forma específica de garantir o bem169 Evitase clara 167 FERRI Enrico Princípios de direito criminal 2 ed Trad Paolo Capitanio CampinasSP Ed Bookseller 1999 p 250 O homem que comete um delito ou por seu preponderante impulso fisiopsíquico causa endógena ou por seu predomínio de condições de ambiente causa exógena pelo menos no momento em que realiza o fato está em condições anormais Se assim não fosse a repugnância do senso moral e a previsão de suas consequências dolorosas a que vai de encontro impedilo iam de fazer mal Se delinqüir isso significa que ou por condição transitória ou por condição permanente congênita ou adquirida a sua atividade psíquica funciona anormalmente quer dizer de modo não adaptado às condições de existência social segundo o ambiente especial em que todo homem vive e trabalha 168 SHECAIRA Sérgio Salomão Criminologia São Paulo Ed Revista dos Tribunais 2004 p 331 Ao expor as bases do pensamento da Escola da Criminologia Crítica o autor aponta claramente suas bases marxistas A lei penal nada mais é do que uma estrutura também designada supe restrutural dependente do sistema de produção infraestrutura ou base econômica O direito ao contrário do que afirmam os funcionalistas não é uma ciência mas sim uma ideologia que só será entendida mediante uma análise sistêmica denominada método histórico dialético O homem por sua vez não tem o livrearbítrio que lhe atribuem pois está submetido a um valor econômico que lhe é insuperável e que acaba por produzir não só o crime em particular mas também a criminalidade como um fenômeno mais global com as feições patrimoniais e econô micas que todos conhecem 169 GRACIA MARTIN Luis Prolegomenos para la lucha por la modernización y expansion del derecho penal y para la crítica del discurso de resistencia Valencia Tirant lo Blanch 2003 p 5152 O autor ao combater a imemorialidade que se tenta ofertar ao pensamento clássico por meio da denominada Escola de Frankfurt imputa claramente ao pensamento iluminista uma situação histórica específica e de impossível extensão El sentido fundamental histórico de la denominación por otro lado permite advertir que el mencionado modelo penal ha sido uno dependiente en sus formas y en sus contenidos de un determinado modelo histórico de sociedad y por tanto de unas determinadas coordenadas espaciotemporales De este modo se ha de comprender que su adecuación y su validez están condicionadas por la subsistencia del modelo e da culpa e a segunda dividida em dois conceitos a antijuridicidade como mecanismo de valoração jurídicopenal e a tipicidade como formatação descritiva objetiva e não valorativa apta à simples explicitação do comportamento escolhido como proibido e indesejável pelo legislador De fato o mais puro dos discursos do direito prescritivo imperativo sancionatório e vinculador Destarte a norma se diferencia integralmente da valoração que se faz sobre ela mesma ou seja tipicidade e ilicitude não se misturam O primeiro é objeto de avaliação do segundo e com este não se confunde estabelecendo padrões de cognição sucessivos porém isoláveis73 Assim o juízo de tipicidade ou a verificação em concreto que determinado comportamento corresponde ao modelo reitor erigido pelo direito penal como relevante para o controle do aparato estatal não significa em hipótese alguma qualquer relação com a antijuridicidade e muito menos com o juízo de culpabilidade O tipo possui um significado autônomo dependendo de modo imprescindível da realização dos demais elementos para a perfeição do crime Decorre daí a essência da independência típica postulada com tamanha firmeza pelo autor transbordando toda sua influência positivista e redundando no modelo de ampla capilaridade formal que apresenta O tipo identificase apenas com a lei enquanto a antijuridicidade é a única estrutura capaz de normatização apta a conferir verdadeiramente se a ação conduta humana escolhida externa e voluntária74 atenta contra o ordenamento jurídico BELING identicamente restringe em sua perspectiva positivista fechada e lógicoformal a antijuridicidade ao conjunto regrado do Estado sendo este o verdadeiro bem jurídico não acatando hipóteses de qualquer confusão entre valores extrajurídicos e sua teoria hermética Apontase nessa postura um dos principais alvos de ataque dos neokantianos de Baden em suas tentativas metodológicas de mente a transferência da propriedade de modo ilegal ou sua destruição por nãodetentores ensejando como consequência a perfeita incidência dos tipos dolosos de resultado tais como o roubo o furto o estelionato ou a apropriação indébita A tipicidade tradicional espelha as relações individuais estabelecidas na produção social da riqueza A subsunção do tipo penal nestas relações específicas pressupõe necessariamente uma vinculação subjetiva desigual O crime contra a propriedade é sempre o delito do carecedor em face do possuidor mesmo que ambos os conceitos restrinjamse ao objeto determinado na interação O crime contra a propriedade espelha a desi gualdade que não é propriamente do direito penal mas por este é refle tida e legitimada através dos conteúdos inerentes à tipicidade Na socie dade de risco estas modalidades delitivas não desaparecem mas são afeta das de duas formas diferentes perdem gradativamente o espaço central do sistema penal e passam por um forte recrudescimento como resulta do de sua insuportabilidade social170 A sociedade de risco ao não resolver o problema da divisão da rique za aprofunda os bolsões de pobreza e de exclusão social diminuindo além disso os mecanismos de controle informais família igrejas centros comunitários etc num mundo de massas atomizadas A ruptura com a noção de classes sociais como forma de apoio coletivo ao plano de vida singular redunda no individualismo como forma existencial individuali zando sem cessar a própria noção de desigualdade Conforme BECK o indi vidualismo não significa a solidão sendo muito mais profundo do que isso De fato resulta na dissolução e no desmembramento das formas de vida da sociedade industrial substituídas pela montagem e improvisação que os homens devem fazer de suas próprias biografias171 de sociedad que lo sustenta y por ello que aquéllas tendrán que considerarse de caídas en la misma medida en que se haya tranformado el modelo de sociedad y precisamente en primer lugar porque como abandonó el propio discurso ilustrado la tarea del Derecho penal es la protección de las condiciones básicas de subsistencia de la sociedad y en segundo lugar sobre todo porque la mayor parte de tales condiciones de subsistencia no constituyen ningún material con validez a priori intemporal por que solo pueden definirse como formaciones e invenciones históricas resultantes de las condiciones de posibilidad dy en este sentido si constituyen un a priori pero histórico de un modelo sólo historico de sociedad determinado y de ningún otro distinto en su lugar 170 Um dos fatores deste produto que é a insuportabilidade social com a criminalidade de massa reside nos meios de comunicação os quais transformam o crime e o criminoso em espetáculo de dor sofrimento e violência Tais influências estimulam na sociedade o sentimento de temor e insegu rança gerando o clamor de mais punição e rigor por parte do aparato formal de controle do Estado Nesse sentido vide capítulo acerca da relação entre mídia e crime em SHECAIRA Sérgio Salomão CORRÊA JÚNIOR Alceu Teoria da pena São Paulo Ed Revista dos Tribunais 2002 p 374392 171 BECK Ulrich La democracia e sus enemigos cit p 35 inserir a cognição das ciências axiológicas ao mundo do direito positivo malgrado não se afastem deste último por completo O paradigma erigido por BELING foi prontamente criticado pelos seus opositores acadêmicos de forma bastante severa nos seus dois principais pilares de sustentação Demonstrouse em primeiro lugar que a diferenciação entre elementos do tipo e subjetividade do atuar humano não se sustentava uma vez que as ações ao buscarem determinado alcance inseriam no tipo alguma finalidade o que influenciaria posteriormente o próprio pensamento de WELZEL Em segundo lugar com destaque para a originalidade de MAYER percebeuse que embora pudessem não se confundir sistematicamente a tipicidade não poderia ser absolutamente desconectada da ilicitude tendo em vista a existência de conceitos normativos no tipo que apenas ganhariam significados quando desta forma avaliados criando já há época um substrato de inserção do discurso jurídico como único instrumento de vitalidade do discurso do direito Se o apego ao fim do agir humano fosse desprezado criariase ia empecilho incomensurável na delimitação típica de condutas hoje classificadas como homicídio e lesão corporal seguida de morte De forma mais direta a voluntariedade do comportamento não poderia ser esquecida se de fato a tipicidade resolvesse por abarcar um sentido verdadeiro de garantia classificação e diferenciação de comportamentos proibidos pela lei penal O problema aprofundase ainda mais quando a simples percepção sensorial da tipicidade não permite a compreensão das denotações impostas como as ferramentas valorativas indispensáveis para o entendimento do que seja homem coisa alheia móvel mulher honesta cheque enfim hipóteses em que se abre o espaço para as novas teorias do tipo que salvariam o futuro do conceito75 e propiciariam o desenvolvimento de sua ciência como imagem reguladora76 Neste enfoque a apontada separação e identificação que BELING faz entre tipicidade e lei por um lado e antijuridicidade e norma de outro culminando na não aceitação dos elementos normativos do tipo como quebra da independência deste último vai ser o ponto nevrálgico de modificações apontadas pelos neokantianos para romper a formalizada independência típica do gênio de BELING Ao invés da luta sindical ou da associação para embates políticos a criminalidade aparece ao homem da sociedade de risco como uma op ção mais eficiente e menos coletivista de ascensão Igualmente quando se obtém a identificação com um determinado grupo esta identidade não ocorre pela existência de uma forma de vida estandarizada Surge pela conjuntura que vislumbra na criminalidade a única saída172 Com estas premissas é notório nos países periféricos o aumento da criminalidade na sociedade de risco bem como seu potencial de violên cia empregada As fronteiras sociais de suscetibilidade ao crime de massa se rompem continuamente na medida da impossibilidade de proteção pessoal Não existe mais o bairro totalmente seguro o esquema de prote ção invulnerável a pessoa que se pode a todo é qualquer custo confiar As respostas por sua vez para esta criminalidade se dão de todas as formas e em generalizadas camadas sociais dos ricos aos pobres na variabilidade do poder aquisitivo173 O contexto políticocriminal da sociedade de risco assume o espectro de um Estado preventivo e ineficaz O outro não mais é cidadão mas pode ser um real inimigo174 Esta construção do chamado direito penal do inimigo de JAKOBS175 traz uma conseqüência bastante significativa para a idéia dos limites de tipificação penal e sua correlação com a lesividade A tipicidade penal neste intérim passa a conceber a criminalização de condutas prévias à efetiva lesão do bem jurídico Em outras palavras há a antecipação da tutela no tocante ao antigo iter criminis dos delitos de resultado naturalístico Essa retração do tipo em face das etapas do comportamento criminoso culmina na necessita de de reinterpretação do conceito de lesividade também para a criminalidade de massa Os delitos de perigo passam a ser aqui igualmente utilizados con figurando uma mudança global da tipicidade penal e não somente restrita aos bens jurídicos difusos propriamente ditos A proteção da propriedade individual não se concebe apenas com a criminalização da efetiva inversão da posse mas estendese à simples conduta de por exemplo portar ferra mentas destinadas à prática de arrombamentos O Estado preventivo formatado na modernidade busca de maneira frenética e intolerante a segurança tão sonhada nas vozes da opinião públi ca com o apoio irrestrito da mídia policial e dos movimentos de Lei e Ordem Se no caso dos delitos de classes altas serão estipulados níveis me nos tolerantes dos riscos sistemáticos no caso dos delitos tradicionais a sociedade de risco instaura a desenfreada criminalização de condutas de questionável lesividade A fórmula é tipificar antecipando as restrições e alcançando gradativamente uma totalização de controles comportamentais Como afirmado se antes apenas a transferência da propriedade estava devidamente tutelada agora como ressalta SCHÜNEMANN176 a pró pria utilização dos bens e suas simples existências podem acarretar a puni ção pela tipicidade consistente nas presunções de utilidades deletérias para certos objetos As condutas tipicamente objetivas como as presentes nos artigos 291 e 294 do Código Penal Brasileiro as quais punem a mera posse ou guarda de petrechos destinados à falsificação de moedas ou documen tos crescem a cada ato legiferante Interessa notar contudo que na prática forense o juízo de tipicidade destas normas incriminadoras leva em consi deração inúmeros fatores indiciários os quais supostamente permitem pre sumir esta destinação ilícita tais como o local de apreensão e as pessoas que possuíam e suas condições sociais Nessas premissas é inserido o mais com pleto discurso jurídico preconceituoso na clara demonstração de qual é o público alvo da tutela penal de massa 172 Id La sociedad del riesgo cit p 110 BECK faz esta mesma análise quanto à domesticação da luta de classes pelo Direito do Trabalho narrando a transformação de uma movimentação humana coletiva para a individualidade dos casos particulares La juridificación ha trasladado al movimiento obrero de la calle a los despachos donde se lleva a cabo como esperar sentarse volver a esperar volver a sentarse rellenar um formulario rellenar otro y como conversación de asesoramiento con el funcionario competente que transforma el antiguo destino de clase en las categorias jurídicas individualizadas del caso particular 173 PASTANA Débora Regina Cultura do medo reflexões sobre a violência criminal controle social e cidadania no Brasil São Paulo Ed Método 2003 p 93 O empresário manda blindar o automóvel transformando o num veículo de proteção contra o eventual ataque de bandidos seqüestradores ou de assaltos nas esquinas Na sua casa são colo cados alarmes câmeras de vídeo portões automáticos tudo como medidas preventivas Mesmo com todo esse aparato ele ainda contrata segurança particular para defesa da sua vida e de seu patrimônio Já o trabalhador levanta o muro de sua casa coloca grades nas janelas lanças no portão cacos de vidro nos muros e como segurança particular arruma um cão raivoso e feroz 174 SILVA SÁNCHEZ JesusMaria op cit p 32 O fenômeno da criminalidade de massas determina que o outro se mostre muitas vezes preci samente e sobretudo como um risco o que constitui a outra dimensão não tecnológica de nossa sociedade de risco 175 JAKOBS Günther Fundamentos do direito penal cit p 114115 Em relação à tentativa de participação e com a constituição de associações criminais e terroristas pode parecer que não é evidente uma inclusão como a efetuada aqui em princípio no âmbito interno do sujeito É portanto assim caberia perguntar a formação de quadrilha um assunto privado Na medida em que se insinue com essa pergunta que a perseguição de fins antijurídicos não é uma questão privada por ela não se vir afetada não somente a formação de quadrilha como também a concepção em seu conjunto Toda a preparação de um delito pode ser definida como uma conduta que é nãoprivada mas então já não se tem nenhum motivo para se deter ante a incriminação de pensamentos Por essa via todo o direito penal se converte um direito penal de inimigos 176 SCHÜNEMANN Bernd Del derecho penal de la clase baja al derecho penal de la clase alta Un cambio de paradigma como exigencia moral In Temas actuales y permanentes del derecho penal después del milenio cit TIPO PENAL E IMPUTAÇÃO OBJETIVA1 Nome do Aluno RA Turma A teoria da imputação objetiva tem como objetivo principal a resolução das questões que envolvem a imputação de um resultado a um ato prévio realizado pelo autor Isso porque essas mencionadas questões se não forem exploradas da maneira correta podem levar o operador do direito a um regresso infinito o que redundaria em uma responsabilização do primeiro homem que já habitou o planeta terra por todos os problemas causados nos dias atuais Em uma análise histórica temos que a teoria da imputação objetiva teve como precursores os estudiosos Larenz e Honig Larenz foi o responsável por dividir os acontecimentos imputáveis daqueles fortuitos para ele o fundamento principal da análise acerca da prática de um crime reside no ato de vontade de dominar determinado acontecimento causal Já Honig entendia que somente quando se chega à finalidade real do agente com a prática daquele ato é que se torna possível separar os resultados fortuitos daqueles que deverão ser imputados a quem praticou Porém foram as teorias seguintes que trouxeram maior clareza sobre o tema Essas teorias foram formuladas por Claus Roxin Günther Jakobs e Wolfgang Frisch Para Claus Roxin a imputação objetiva nada mais é que um instrumento que permite interpretar a norma objetiva que está contida dentro do tipo penal Ainda para ele é necessário analisar se o resultado atingido se derivou de uma conduta desviante por parte do agente Como se pode observar Roxin acrescentou em sua visão sobre a teoria da imputação dois elementos já estudos por seus antecessores a realização de um risco não permitido e a efetivação deste risco no resultado Estes dois elementos se juntarão a ação o nexo causal e o resultado sendo a junção de todos a composição do tipo penal Mas o autor vai além ao entender que é necessário inserir ainda o que ele chama de âmbito de proteção do tipo dentro do estudo da conduta humana reprovável em outras palavras para Roxin o comportamento adotado pelo agente precisa estar inserido dentro daqueles que a norma penal tinha como objetivo reprimir 1 Resumo do capítulo 52 tipo penal e imputação objetiva e seus subtítulos contidos na obra intitulada Tipicidade Penal e Sociedade de Risco do autor Alamiro Velludo Salvado Netto pág 136 Entretanto o pensamento de Claus Roxin acabou sendo superado por seus seguidores quando da elaboração da imputação objetiva e do tipo penal As ideias de Günther Jakobs se mostram muito diferentes das de Roxin Isso porque a construção das categorias trazidas por Jakobs para explicar a imputação objetiva trazem uma universalidade maior abrangendo diversas modalidades de tipos penais podendo aplicar a teoria aos crimes dolosos culposos comissivos consumados ou tentados Na visão de Jakobs a estrutura da imputação objetiva se dará em dois momentos imputação objetiva do comportamento e imputação objetiva do resultado A primeira traz a ideia de que é necessário que haja uma violação do papel social por parte do agente em seu comportamento Assim necessário destacar que Jakobs estabelece quatros critérios para verificação de um comportamento tido como reprovável e imputável sendo eles risco proibido princípio da confiança proibição de regresso e competência da vítima Entretanto o autor é bastante criticado em razão da elaboração do que se chamou de Direito Penal do Inimigo Dentro do estudo imputação objetiva o que se extrai de importante do Direito Penal do Inimigo é que Jakobs tipifica condutas que antes eram tidas como meros atos preparatórios de outros tipos penais transformandoas em tipos penais autônomos de perigo Porém da mesma foram que a teoria de Roxin a visão de Jakobs sofreu críticas por prever apenas mecanismos formais de imputação Assim os limites materiais entre o risco permitido e os proibidos permanecem sem uma análise específica A teoria de Wolfgang Frisch por sua vez vem para contestar todo o estudo feito por Claus Roxin Estando diametralmente opostos em pensamentos Roxin entende que a imputação objetiva deve ser analisada sob o prisma da imputação do comportamento típico enquanto que Frisch entende que esta imputação se refere a imputação do resultado Ainda Claus Roxin entende que a tipicidade não está inserida no mesmo contexto que a da proteção da norma risco proibido Já Frisch entende que o risco proibido não é uma categoria diferente ou complementar do tipo penal estando inclusa nele Tendo como base a teoria desenvolvida por Frisch temos que o comportamento típico é compreendido com a ação que está atrelada ao perigo juridicamente desaprovado o que criaria um risco relevante já proibido para o bem jurídico que é objeto da tutela do tipo penal incriminados determinado Na visão de Frisch o risco proibido deve ser verificado através da análise de três categorias idoneidade necessidade e adequação ou proporcionalidade Só após a observância destes requisitos é que se pode afirmar a existência de um juízo de reprovação éticosocial Como se pode observar na teoria desenvolvida por Frisch ficarão excluídas a existência do âmbito de proteção da norma e o âmbito de proteção do tipo Ambos passaram a ser vistos como uma questão apenas denominada de âmbito do comportamento típico Assim como mencionado anteriormente em relação aos outros dois estudiosos do direito Frisch também não apontou um critério para esclarecer quais seriam os limites de tolerância que transformariam um risco numa periculosidade relevante para o mundo jurídico Como uma análise final o autor do livro em questão traz a sua visão acerca do tema definindo que a imputação objetiva é um importante meio para manejar os conceitos do risco mas que tais estudos são essencialmente formais uma vez que não trazem a ideia de limites de tolerância e suas implicações JAÉN VALLEJO Manuel El concepto de acción en la dogmática penal Madrid Ed Colex 1994 p 4142 Especialmente reveladoras de esta tendencia resultan las siguientes palabras de JAKOBS el concepto de acción no se busca antes de la sociedad sino dentro de la sociedad No es la naturaleza la que enseña lo que es una acción como pretendia la escuela de V LISZT con su separación de lo físico y lo psicológico y el concepto de acción tampoco puede extrarase de la ontologia sino que en ébtito del concepto de acción lo decisivo es interpretar la realidad social hacerla comprensible en la medida en que está relacionada con el derecho penal Por tanto un concepto jurídico penal de acción debe combinar sociedad y derecho penal debe contener una teoria lo mas completa posible del comportamiento jurídico penal relevante El concepto final de acción suscita inmediatamente una gran discusión en la doctrina alemana sobre todo por haber sustraido a la culpabilidade el dolo y la culpa lo que suponia un cambio sustancial en el sistema de la teoría del delito entonces imperante decada de los trenta Curiosamente desde hace ya tiempo es aceptado en forma casi unanime en Alemania una excepción la representan BaumannWeber que el dolo e la culpa no formam parte de la culpabilidade sino del tipo penal lo que no ha supuesto como se caba de indicar la aceptación de la idea de la vinculacíon del legislador a las estructuras lógicoobjetivas o previas a la ley asi como tampoco del concepto de acción del finalismo Las razones más bien habría que buscarlas en existencia de los elementos subjetivos del tipo asi como en la punibilidad de la tentativa 102 WELZEL Hans O novo sistema jurídico penal uma introdução à teoria da ação finalista cit p 31 A esse respeito é indiferente para o sentido da ação final que a conseqüência produzida voluntariamente represente na estrutura total da ação o fim desejado o meio utilizado ou mesmo um mero efeito concomitante compreendido pela vontade de realização 103 Importante notar que o conceito de culpa em WELZEL assume um grau de importância quase exclusiva à ação não residindo no resultado a tamanha importância que lhe era atribuído pelos causalistas Naturalmente Welzel havia derivado antes este disvalor de acción de la acción imprudente igualmente de seu finalidad de una finalidad defectuosa de la finalidad potencial no totalmente actualizada y con ello convirtió a la culpabilidad en el sentido de la imprudencia subjetiva en presupuesto del ilícito así evita en adelante esta inconsecuencia dejando decidir a favor del ilícito la contrariedad objetiva de la conducta al deber de cuidado ZIELINSKI Diethart Disvalor de acción y disvalor del resultado en el concepto de ilícito Trad Marcelo A Sancinetti Buenos Aires Editorial Hammurabi 1990 p 177 104 CHAVES CAMARGO trabalha a idéia da culpabilidade e sua relação com o mundo da vida expressando tal respeito dialético como característica fundamental do princípio da dignidade humana construida no Estado de Direito demarcandoa como sendo a consideração do ser como

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