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Direito Tributário
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SISTEMA TRIBUTÁRIO 251 REFORMA TRIBUTÁRIA URGÊNCIA DESAFIOS E DESCAMINHOS Rogério L F Werneck 1 Agenda fiscal e reforma tributária O limiar de um novo governo é momento especialmente propício para se rediscutir a difícil agenda de reformas que o país vem arrastando há pelo menos uma década A perspectiva de mudança traz novos ares que reanimam o debate e dão plausibilidade a avanços que já há algum tempo vinham sendo vistos com ceticismo Por outro lado é também verdade que essa mesma perspectiva alimenta temores de que o novo governo possa colocar em risco a preservação de conquistas importan tes que tanto custaram ao país nos últimos dez anos O que é fundamental preservar é o avanço representado pela nova forma de condução de política macroeconômica que foi viabilizada a duras penas após longo esforço de construção institucional e consoli dação de credibilidade tanto interna como externamente São esteios desse avanço o compromisso inequívoco com a responsabilidade fiscal com o controle da inflação e com a abertura da economia o respeito ao estrito cumprimento do serviço da dívida pública a gestão com profissionalismo e independência de facto se não de jure do Banco Central o apego ao gradualismo a preocupação em assegurar o máxi mo de previsibilidade na condução da política macroeconômica e tanta transparência quanto possível no trato das informações relevantes Esta é uma área na qual preservar o que hoje já se tem deve ser a escolha óbvia A retomada de um processo de crescimento sustentado só será possível com a preservação da estabilidade macroeconômica Tal escolha não impede que em muitas outras dimensões da política econômica o novo governo tenha amplo espaço para almejar mudanças Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUCRio DESENVOLVIMENTO EM DEBATE 252 marcantes em relação ao governo de Fernando Henrique Cardoso Sem ir mais longe há toda uma agenda pendente assustadoramente vasta relacionada a duas questões básicas envolvidas na relação entre o go verno e a sociedade Questões que hoje entravam a construção de uma economia mais dinâmica mais justa e mais estável De um lado temse a forma absolutamente irracional com que o setor público hoje extrai da economia tributos correspondentes a pelo menos 35 do PIB De ou tro temse um dispêndio governamental agregado que já se aproxima da marca dos 40 do PIB e que ainda continua concentrado em gastos públicos cada vez mais difíceis de defender Em suma há pela frente o desafio da reforma tributária abrangente que o país aguarda já há tanto tempo e a tarefa imensa de abrir espaço no orçamento dos três níveis de governo para programas de dispêndio público que sejam mais defensá veis que favoreçam o crescimento econômico sejam mais focados no atendimento das parcelas efetivamente pobres da população e permi tam vislumbrar a eliminação da pobreza absoluta no país em horizonte de tempo decentemente curto É lamentável constatar que essa complexa agenda fiscal não recebeu a devida atenção na campanha para a eleição presidencial Em parte porque os principais candidatos ficaram seduzidos por uma visão um tanto equivocada do que é preciso fazer para desatar o nó que vem im pedindo a retomada do crescimento sustentado da economia brasileira Disseminouse a idéia de que bastaria uma melhora das contas externas para fazer desabar as taxas de juros e recolocar a economia numa traje tória de crescimento rápido Seria bom se o problema fosse assim tão simples Na verdade as contas externas parecem a cada dia mais robus tas Mas o mais provável é que sem a perspectiva de um quadro fiscal mais sólido a queda possível de taxa de juros seja bastante limitada Não é difícil perceber que o país ainda enfrenta uma situação fiscal bastante precária agravada em muito nos últimos meses pelos efeitos da depreciação cambial sobre o endividamento do setor público Por mais louvável que tenha sido o esforço de ajuste fiscal que teve lugar a partir de 1998 a verdade é que a qualidade do ajuste deixou muito a desejar Do lado do dispêndio tendo em vista as restrições cons titucionais os cortes tiveram de seguir a linha de menor resistência e acabaram concentrados em programas que podiam ser cortados e não necessariamente nos que deveriam ter sido cortados É verdade que houve também um notável esforço de construção institucional que culminou no novo regime de gestão das contas públicas fundado na Lei de Res SISTEMA TRIBUTÁRIO 253 ponsabilidade Fiscal Mas o controle de despesas que acabou sendo politicamente possível vem dando lugar em todas as esferas de gover no a um inequívoco sentimento de repressão fiscal que precisa ser ur gentemente revertido Como bem se viu na campanha eleitoral são cada vez maiores as pressões em favor da expansão de programas de gasto público perfeitamente legítimos Mas para que tais pressões possam ser acomodadas é preciso reduzir a importância de programas de dis pêndio menos defensáveis boa parte deles ainda protegidos de cortes pela Constituição É natural que a Lei de Responsabilidade Fiscal exacerbe esse senti mento de repressão fiscal A obrigatoriedade do respeito a restrições orçamentárias efetivamente rígidas já vem ampliando as pressões polí ticas em favor de medidas de alívio Inclusive porque a maior parte dos estados e municípios bem como a própria União vêm enfrentando um quadro de evolução explosiva de encargos previdenciários A grande questão é que formas de alívio acabarão prevalecendo É fundamental evitar que a convergência dessas pressões acabe por esgarçar os meca nismos de controle da Lei de Responsabilidade Fiscal Na medida do possível o descontentamento com a repressão fiscal deve ser canalizado para reforçar coalizões suprapartidárias capazes de viabilizar a remoção dos entraves legais que ainda protegem de cortes programas de dispêndio absolutamente indefensáveis Continua caben do ao governo federal o papel de liderar esse processo e acenar de for ma crível com a possibilidade de alívio pelo lado das reformas Cabe portanto ao novo presidente liderar a mobilização política que será ne cessária para aprovar reformas constitucionais capazes de dar aos esta dos e municípios e à própria União maior poder de controle sobre a evolução dos seus dispêndios com pessoal ativo e inativo Isto deve requerer a retomada da agenda de reformas nas áreas administrativa e previdenciária É comum que se alegue que insistir nas reformas fiscais é coisa de quem não conhece o Congresso É inegável que assegurar o avanço das reformas é um desafio de enorme complexidade política como tão bem pôde constatar o presidente Fernando Henrique Cardoso Mas não é por isto que se deve dar alento à fantasia de que passou a ser perfeita mente possível dar solidez às contas públicas nos próximos anos sem desmontar os mecanismos responsáveis pela evolução explosiva de uma parte importante do dispêndio público Os problemas não costumam desaparecer quando se constata que sua solução é difícil DESENVOLVIMENTO EM DEBATE 254 É contra esse pano de fundo da agenda mais ampla de reforma fiscal que se deve analisar a questão da reforma tributária Sem isso não se pode colocar em perspectiva adequada nem os entraves nem as possibi lidades de avanço do esforço de reconstrução do sistema tributário naci onal que hoje se faz necessário 2 A mobilização tributária na estabilização Na segunda metade da década de oitenta quando se disseminou a constatação de que a economia brasileira teria de passar por um grande ajuste fiscal uma indagação importante era saber em que medida uma ele vação da carga tributária poderia contribuir para o ajuste que se fazia neces sário Como a receita agregada dos três níveis de governo havia permaneci do praticamente estável por quase vinte anos em torno de um quarto do PIB viase com algum ceticismo a possibilidade de que uma parte subs tancial do ajuste fiscal requerido pudesse acabar provindo de aumento de arrecadação E na verdade o desempenho da receita tributária no início dos anos noventa contribuiu de certa forma para reforçar esse ceticismo Embora tenha havido um grande salto no ano de 1990 explicado por um aumento excepcional de arrecadação de IOF no Plano Collor a carga tribu tária voltou a flutuar em torno de 25 do PIB no período 199193 Nin guém diria então que cerca de dez anos mais tarde esta carga saltaria para mais de 34 do PIB ou seja quase nove pontos percentuais acima da média do período 199193 como se pode observar na Tabela 1 Tabela 1 Brasil Carga Tributária Bruta 19682001 Fontes Secretaria para Assuntos Fiscais BNDES SISTEMA TRIBUTÁRIO 255 De certa forma é quase incrível que tenha sido possível uma eleva ção tão pronunciada da carga tributária em tão pouco tempo E é inegá vel que esta elevação foi responsável por boa parte do ajuste fiscal que vem viabilizando a consolidação do esforço de estabilização que tem ocorrido desde 1993 É bem sabido que o ajuste fiscal que acabou sendo possível não foi nem de longe o que seria desejável Dada a eficácia da coalizão política que teve de ser enfrentada não se pôde desencastelar boa parte dos dispendiosos privilégios que foram introduzidos na Constituição de 1988 E o ajuste acabou tendo de ser feito muito mais pelo lado da receita do que pelo lado da despesa Para manter as contas públicas sob relativo controle e o endividamento do setor público estabilizado tornouse ne cessário extrair da sociedade mais de um terço do PIB em tributos o que representa um esforço impositivo extraordinário para uma econo mia no estágio de desenvolvimento em que se encontra a brasileira Fazer o ajuste primordialmente pelo lado da receita já seria em si lamentável mesmo que o aumento de arrecadação tivesse advindo de uma elevação criteriosa de impostos Contudo mais lamentável ainda se torna o ajuste quando se constata que a maior parte da arrecadação adici onal teve de ser obtida pela imposição de tributos cumulativos de péssi ma qualidade envolvendo incidência em cascata Na verdade desde a Constituição de 1988 quando perdeu parte significativa da sua arrecada ção para os estados e os municípios a União fez o possível para recuperar as perdas que lhe foram impostas E de fato conseguiu muito mais do que recuperálas persistentemente buscando as mais variadas e exóticas formas de tributação capazes de gerar receitas não compartilhadas com estados e municípios Houve nesse aspecto uma involução deplorável marcada pela exploração cada vez mais intensa de formas primitivas de tributação que há mais de trinta anos pareciam ter sido definitivamente extintas no país pela reforma tributária de meados dos anos sessenta Não se trata de chorar sobre leite derramado ou mesmo sugerir que era perfeitamente possível adotar outro tipo de solução Dadas as cir cunstâncias sabidamente adversas foi o ajuste fiscal possível E nunca é demais repetir foi graças a ele que se pôde consolidar a estabilização Mas reconhecer tudo isto não significa deixar de olhar com grande preocupação o sistema tributário que está emergindo da longa e penosa campanha da estabilização Os dados da Tabela 2 são particularmente contundentes Mostram que desde meados da década de oitenta e especialmente desde 1993 DESENVOLVIMENTO EM DEBATE 256 tem havido uma deterioração impressionante na qualidade da carga tri butária imposta pela União A participação da soma das arrecadações da CPMF da Cofins e da contribuição para o PISPasep no total da receita administrada pela SRF saltou de uma média de 73 no perío do 198688 para uma média de 296 no período 199498 E tornou a saltar para quase 40 do PIB em 2001 Já na esfera estadual distorções de outra natureza foram se acumulan do E o pioneiro sistema de tributação de valor adicionado introduzido na reforma dos anos sessenta por meio do ICM foi aos poucos transforma do em um inadministrável e desarmônico pandemônio tributário que a ninguém mais interessa preservar Os governadores sobrevivem como podem permitindose práticas tributárias cada vez menos defensáveis Concedem renúncias fiscais faraônicas com uma mão e impõem alíquotas escorchantes de ICMS sobre certos serviços com outra Em meados desse ano a Secretaria de Receita Federal aventou a pos sibilidade de que a carga tributária pudesse atingir a marca de 37 do PIB em 20021 É bem possível que não chegue a tanto Mas é inegável que a economia vem sendo sufocada por um aprofundamento da extração fiscal que não parece ter fim A elevação de pressão que vem sendo exercida pelo fisco há dez anos está longe de ter sido sustada Se nada for feito em contrário o mais provável é que a arrecadação continue a crescer bem mais rápido do que o PIB O Frankenstein tributário que emergiu da lon ga batalha da estabilização fortemente baseada em impostos em cascata dá mostras de ser uma máquina arrecadadora extremamente poderosa particularmente quando aplicada a uma economia em recuperação Tabela 2 Governo Federal importância dos tributos cumulativos Participação na Receita Administrada pela SRF Inclui arrecadação de IPMFCPMF FINSOCIALCOFINS e PISPASEP Fonte Secretaria da Receita Federal 1 Ver Carga tributária em 2002 deve superar 37 do PIB Valor Econômico 17 de junho de 2002 SISTEMA TRIBUTÁRIO 257 Em princípio isto poderia soar como boa música Afinal depois de anos e anos de compressão de gastos nenhum dos três níveis de gover no teria qualquer dificuldade para conceber formas perfeitamente de fensáveis de gastar recursos provenientes de um novo e substancial au mento de arrecadação Mas a esta altura o que é relevante perguntar é que efeitos isto poderá ter sobre a galinha de ovos de ouro É bem sabi do que a carga tributária já atingiu no Brasil um nível completamente despropositado Não há qualquer economia com características e nível de desenvolvimento similares com carga remotamente semelhante 3 Reconversão do sistema tributário proporções do desafio Não cabe mais dúvida de que chegou a hora de soar o alarme A mobilização tributária que acabou sendo requerida para enfrentar a bata lha da estabilização tem que dar lugar agora a formas de tributação me nos primitivas compatíveis com a eficiência a competitividade a equidade e o crescimento econômico Ainda não parece ser o caso de se pensar em redução da carga tributária Mas é fundamental conceber e implantar uma maneira mais racional de extrair da economia os vultosos recursos necessários ao financiamento do Estado por mais complexas que sejam as negociações políticas requeridas Depois de uma década de esforço de estabilização é preciso agoradesmontar os toscos mecanismos de extra ção fiscal a que se teve de recorrer às pressas no calor da batalha Da mesma forma que o sistema produtivo de uma economia de guer ra tem de ser reconvertido ao fim de um longo conflito é o momento de se reconverter o sistema tributário brasileiro de forma a adequar o seu papel à tarefa maior de construção de uma economia mais dinâmica mais eficiente e mais justa além de mais estável2 Não é que a batalha da estabilização esteja definitivamente terminada A verdade é que ela jamais termina Mas se os avanços e as consolidações duramente con quistados não forem abandonados tal batalha está fadada a ser travada de forma menos extenuante no futuro No que diz respeito à tributação sobre bens e serviços é preciso que a discussão da reforma tributária volte a ser norteada pela mesma pre 2 Explorando a analogia um pessimista diria que a reconversão que hoje se faz necessá ria no sistema tributário brasileiro pode acabar sendo bem mais difícil que a reconversão do sistema produtivo de uma economia de guerra DESENVOLVIMENTO EM DEBATE 258 missa básica que inspirou várias propostas de reforma defendidas tanto pelo Executivo como pelo Congresso a partir do final de 1997 Por divergentes que tenham sido tais propostas partiram todas do mesmo diagnóstico De que a reforma que se fazia necessária requeria a elimina ção dos tributos cumulativos bem como do IPI do ICMS e do ISS e a introdução de uma nova forma de taxação indireta centrada em esquema amplo e coerente de impostos sobre valor adicionado A grande questão e é nisso que as propostas divergem é como fazer essa mudança Seja como for as dificuldades envolvidas só têm aumentado Mesmo que se exclua a CPMF da lista de tributos a eliminar como sempre quis o governo a verdade é que a receita total que teria de ser gerada pelos novos impostos aumentou substancialmente desde 1997 Naquele ano a arrecadação conjunta advinda da Cofins da contribuição para o PISPasep do IPI do ICMS e do ISS somou R 108 bilhões o que correspondia a 124 do PIB Já em 2001 esta mesma arrecadação conjunta atingiu mais de R 178 bilhões equivalentes a 151 do PIB Se a CPMF for incluída a cifra de 2001 chega a quase R 196 bilhões correspondentes a 165 do PIB quase metade da carga tributária bruta Deste total R 121 bilhões advieram da arrecadação do ICMS do IPI e do ISS e R 75 bilhões dos tributos cumulativos Cofins PISPasep e CPMF Antes de discutir sobre como os novos impostos deveriam ser distri buídos entre as três esferas de governo questão que consumiu a melhor parte dos humores e da energia de prefeitos governadores e autoridades fazendárias federais no debate sobre a questão talvez valha a pena per guntar como de um ponto de vista agregado deixando por um momento de lado as complexidades do federalismo fiscal os R196 bilhões pode riam ser mais racionalmente arrecadados Se toda esta receita tivesse de ser inteiramente gerada por um novo imposto sobre valor adicionado qual seria a alíquota média requerida deste imposto A resposta é claro depende do que se presuma ser a base de incidência do novo tributo O mais defensável é que dela se excluam exportações investimentos despesas com novos equipamen tos máquinas e instalações e o dispêndio do próprio governo Neste caso o que sobra como base é o consumo privado agregado É verdade que boa parte dos tributos indiretos hoje existentes já re caem primordialmente sobre o consumo Contudo a crescente impor tância dos tributos federais em cascata vem dando ao sistema tributário brasileiro um formato cada vez mais distorcido Ninguém sabe qual é exatamente o caótico padrão de incidência da Cofins do PISPasep ou SISTEMA TRIBUTÁRIO 259 da CPMF Mas não resta dúvida de que uma parte substancial dos R 75 bilhões arrecadados com esses três tributos no ano passado acabou recaindo sobre poupança investimento e exportações Embora a neces sidade de se conceberem formas de compensar os exportadores pelo ônus de tais tributos venha recebendo alguma atenção parece não haver preocupação similar com o impacto da tributação em cascata sobre o investimento e a poupança Por outro lado mesmo impostos menos ir racionais como o IPI e o ICMS continuam a onerar bens de capital e portanto o investimento Em 2001 o consumo das famílias deve ter atingido algo da ordem de R 720 bilhões Mas há que se ter em mente que tal montante inclui impostos indiretos Por outro lado é bem sabido que por várias razões as contas nacionais tendem a subestimar em boa medida o verdadeiro valor do produto agregado E dada a forma residual com que se estima o consumo é sobre ele que acaba recaindo a maior parte dessa subestimação Se para simplificar for possível imaginar que a subestimação do consumo e os impostos indiretos que sobre ele incidem têm valor equivalente e que portanto se compensam R 720 bilhões podem ser considerados o limite superior da base potencial do novo imposto sobre valor adicionado Na hipótese superotimista de que tal imposto possa contar com base tão ampla seria requerida uma alíquota média por fora de cerca de 27 para arrecadar os R 196 bilhões que são hoje arrecadados por meio dos três tributos em cascata do ICMS do IPI e do ISS Mas é preciso levar em conta que cerca de um quinto destes R 720 bilhões corresponde a aluguéis entendidos não só como pagamentos explícitos pois que estão aí também incluídos aluguéis implícitos atribuídos como renda aos pro prietários de casa própria É difícil antever o Congresso aprovando um imposto sobre valor adicionado com base tão ampla Se os aluguéis forem excluídos da base a alíquota média requerida passa a ser 34 já bem acima do que poderia ser considerado razoável E é pouco provável que o Congresso se contente em excluir só isso da base potencial do novo im posto É possível que fique também tentado a dela excluir bens e serviços cujo consumo possa ser considerado de caráter essencial ou meritório como por exemplo medicamentos e serviços médicos e educacionais Como ademais é prudente presumir que alguma evasão haverá não é difícil antever que a base efetiva pode acabar sendo bem menos de 70 da base potencial Se chegasse a tanto a alíquota requerida também cal culada por fora já seria de quase 39 ou seja absurdamente alta DESENVOLVIMENTO EM DEBATE 260 É por isto que algumas das propostas de reforma que vêm sendo discutidas desde 1997 têm também previsto a introdução de um outro im posto de caráter seletivo sobre certos bens e serviços Várias delas têm incluído ainda um imposto sobre vendas a varejo mas cuja função não é tanto complementar a capacidade de arrecadação do imposto sobre valor adicionado mas redistribuir a competência para tributar o valor adicionado dentro da federação Função semelhante à desempenhada em algumas pro postas pelo IVA dual que envolve a coexistência de dois impostos sobre valor adicionado um federal e outro estadual Caso se presuma que seja possível arrecadar com o imposto seletivo cerca de 25 do PIB como se supunha na proposta delineada inicialmente pelo governo federal em 1997 isto representaria cerca de R 30 bilhões em 2001 Dada a necessidade de gerar uma receita total de R 196 bilhões caberia ao imposto sobre valor adicionado arrecadar apenas R 166 bilhões Se a base efetiva pudesse chegar a 70 da base potencial de R 720 bilhões a alíquota média requerida seria de cerca de 33 por fora Muito alta ainda Apenas tendo em mente quão absurdamente altas são as alíquotas requeridas para que os tributos em cascata sejam substituídos por tribu tação sobre valor adicionado é que se pode perceber com a devida nitidez as reais proporções do desafio a ser enfrentado pelo esforço de reforma É bem possível que a eliminação dos impostos em cascata aca be envolvendo a convivência de várias formas diferentes de tributação do valor adicionado na linha do já vem sendo defendido em algumas propostas Mas quando a discussão é colocada nesses termos é preciso cuidado para não perder de vista que a combinação dessas várias for mas de tributação poderá acabar impondo à base tributável de valor adicionado da economia uma carga conjunta extremamente alta como bem sugere a análise feita acima Alíquotas requeridas tão altas apenas evidenciam quão longe se foi no aprofundamento do processo de extra ção fiscal que vem tendo lugar no país há cerca de uma década Mos tram de forma contundente a real proporção da dificuldade de conce ber formas menos primitivas de tributação capazes de gerar a mesma receita tributária com que hoje se conta Um imposto amplo sobre valor adicionado baseado no consumo cons titui uma forma reconhecidamente eficaz e racional de tributação Mas não assegura progressividade à carga tributária Uma alternativa para evitar que a taxação do valor adicionado seja excessivamente sobrecarregada seria compensar parte da perda de receita que adviria da eliminação dos tributos em cascata com um aumento de arrecadação SISTEMA TRIBUTÁRIO 261 do imposto de renda da pessoa física É certamente um caminho a ser explorado Todavia o ideal seria conseguir o ganho de receita sem eleva ção das alíquotas marginais De tempos em tempos ressurgem propostas de elevação da alíquota máxima do IRPF para 35 ou até mais A idéia de que esta seja a forma de se elevar a carga tributária das famílias de alta renda é um tanto fantasiosa Basta verificar a receita de IRPF que hoje se obtém da tributação de contribuintes sujeitos à alíquota de 275 Parece certamente pífia quando contraposta aos dados que evidenciam a brutal concentração de renda que se observa no país Como recentemente lem brou Paul Krugman em coluna em que discutia o sistema tributário nor teamericano muito mais equânime e bem estruturado do que o brasilei ro se há algo que o dinheiro é capaz de comprar é assessoria eficaz de especialistas em redução de imposto de renda a pagar A elevação de alíquotas marginais tornaria ainda mais compensador este tipo de asses soria além de simplesmente estimular a sonegação Talvez seja oportuno lembrar que existe no país um arranjo incoe rente e um tanto cínico envolvendo a tributação de renda pessoal É cada vez mais comum ver profissionais liberais e pessoas relativamente bem remuneradas abrigaremse da tributação do IRPF oferecendo seus serviços através de firmas que lhes propiciam taxação bem mais branda da renda auferida Isto só evidencia a inconsistência e a irracionalidade do atual sistema tributário Em princípio para um profissional liberal deveria ser indiferente do ponto de vista fiscal vender serviços direta mente como pessoa física que mantém livrocaixa ou através de uma firma Em outras palavras o ideal seria que do sistema tributário não adviesse qualquer estímulo que pudesse distorcer esta escolha O que no Brasil está longe se ser o caso Isto não significa que a solução seja a taxação mais pesada do lucro de firmas prestadoras de serviços como também vem sendo proposto O que parece mais recomendável é algo muito distinto na linha que há algum tempo chegou a ser aventada pela própria Secretaria da Receita Federal No final de 2000 um estudo baseado em simulações feitas pela SRF permitiu constatar que toda a arrecadação que então se obtinha com o complexo sistema de tributação do IRPF poderia ser obtida por meio de um esquema alternativo de taxação incomparavelmente mais simples Se fosse preservado o nível de isenção na época de R 900 mensais mas fossem eliminadas todas as deduções bastaria uma alíquota marginal única de não mais do que 77 para se arrecadar o total que então se arrecadava com o IRPF DESENVOLVIMENTO EM DEBATE 262 Tais resultados são mais do que contundentes Sublinham a exten são da ineficácia e da injustificável complexidade do sistema de tributa ção de renda pessoal que hoje se tem no país E apontam um caminho promissor para a reforma que se faz necessária no IRPF para que este seja transformado em imposto simplificado de base ampla e de difícil sonegação capaz de gerar parcela substancial da receita tributária fede ral O esquema de tributação cujo desempenho foi simulado pela SRF pode ser aperfeiçoado A combinação de uma alíquota marginal única um pouco mais alta com um nível mais elevado de isenção poderia tornálo bem mais progressivo A alíquota média imposto pago como proporção da renda seria zero para a maior parte dos contribuintes e para aqueles com imposto a pagar seria tanto mais elevada quanto mais alta a renda A idéia de um imposto de renda de base ampla é fundamental E embora o ideal seja partir de um nível de isenção razoavelmente alto não faz sentido que tal nível seja estabelecido com base no que se observa na tributação da renda pessoal em países desenvolvidos como certos analis tas chegaram a sugerir no debate recente Em um país rico com renda per capita dez vezes mais alta do que a que hoje se tem no Brasil é natural que se possa ter um imposto de renda de base ampla com um nível de isenção muito mais elevado do que aqui seria possível Por outro lado é preciso ter em conta que embora seja importante assegurar que o sistema tributário tenha alguma progressividade é muito mais importante ainda assegurar a progressividade pelo lado do dispêndio tornando os menos favorecidos na sociedade os grandes beneficiários do gasto público 3 Federalismo e economia política As dificuldades que parecem estar envolvidas na reforma tributária quando se enfoca a questão do ponto de vista de uma análise agregada parecem ainda maiores quando se tem em conta a complexidade do federa lismo fiscal brasileiro e a intrincada economia política da reforma Não há hoje no país quem se declare satisfeito com o atual sistema tributário A constatação da necessidade de uma ampla e profunda reforma tornouse consensual Perpassa de ponta a ponta o espectro político no Congresso Mas o consenso esgotase na idéia genérica da reforma E dá lugar a pro fundo dissenso quando a discussão se torna um pouco mais detalhada Há pela frente um longo delicado e desgastante jogo político entre o Executivo e o Congresso de cujo desfecho vai depender a qualidade do SISTEMA TRIBUTÁRIO 263 sistema tributário com que o país poderá contar no futuro A reforma de meados dos anos sessenta que acabou moldando boa parte do nosso atu al sistema tributário foi feita à sombra do regime militar que então se iniciava A de 1988 já findo o regime militar foi negociada em clima marcado por escassa preocupação do Congresso com a consistência fis cal Nos dois casos ainda que por razões distintas a extensão do antago nismo dos interesses envolvidos aflorou com bem menos intensidade do que provavelmente deve aflorar na reforma a ser doravante enfrentada Em princípio a reforma deverá ser conduzida de forma a preservar a receita tributária agregada qualquer que seja a solução que se dê à par tilha dos recursos arrecadados entre os três níveis de governo É fácil constatar portanto que só será possível abrir mão dos tributos em cas cata e da farta receita que hoje geram se as novas formas de tributação sobre valor adicionado forem capazes de gerar receita substancialmente superior à que hoje é obtida por meio do ICMS do IPI e do ISS Isto só será viável se a base de tributação do valor adicionado passar a ser mui to mais ampla do que é atualmente Para que essa tributação gere a receita dela requerida com alíquotas razoavelmente baixas é essencial que seja imposta sobre base realmente ampla Embora em princípio nada impeça que o governo proponha uma abrangência bastante ampla da definição legal da nova base de tributa ção do valor adicionado não deve ser subestimada a intensidade da oposição que uma proposta deste tipo terá de enfrentar no Legislativo A atual base do ICMS teria de ser ampliada em muito especialmente no sentido de passar a abranger a maior parte dos setores produtores de serviços que em geral vêm sendo mantidos ao abrigo de uma tributa ção significativa através de impostos indiretos explícitos Tudo indica que uma mudança neste sentido deverá ter de lidar com forte resistência no Legislativo Por outro lado a ampliação da base de tributação do valor adicionado deverá também exigir que este passe a gravar de forma mais efetiva um grande número de produtos e serviços usualmente con siderados de consumo essencial ou meritório Tampouco será pequena a oposição no Legislativo a um movimento neste sentido É inevitável portanto que se formem poderosas e complexas coali zões no Congresso em torno da aprovação de modificações da proposta do governo que por vias variadas impliquem em última análise na erosão da base potencial dos novos impostos Isto poderia acabar em purrando a reforma para a imposição de alíquotas pouco razoáveis Há que se ter em mente que qualquer que seja a abrangência legal da tributação DESENVOLVIMENTO EM DEBATE 264 sobre valor adicionado que o Executivo afinal consiga extrair do Congres so resta a incerteza sobre que grau de exploração efetiva desta base poderá ser viável dadas as limitações do aparato de fiscalização disponível De fato vale aqui uma relação de mão dupla De um lado a base deve ser ampla para que as alíquotas possam ser baixas De outro se as alíquotas forem altas não será possível contar na prática com uma base ampla mes mo que no papel a definição da base possa parecer ampla O grande desafio é conseguir que no calor das inevitáveis disputas em torno da partilha da arrecadação entre os três níveis de governo a maioria do Congresso não deixe de perceber quão inexoráveis são estas restrições envolvendo base e alíquotas das novas formas de tributação do valor adicionado Sem isto não há como o jogo chegar a bom termo 5 Aversão ao risco conformismo e ousadia Ao longo dos últimos cinco anos desde que o governo federal deu a público a proposta de 1997 a discussão da reforma tributária não teve o avanço que se esperava Os resultados acabaram sendo algo melancóli cos É preciso refletir sobre as raízes dessas dificuldades A esta altura sair buscando culpados não vai ajudar muito Parece mais proveitoso tentar entender melhor os interesses as apreensões as razões e as moti vações dos principais atores envolvidos Sem compreender claramente os temores e as resistências fica difícil vislumbrar de que maneira o esforço de reforma pode acabar redundando em desfecho menos melan cólico no futuro A verdade é que a ampliação e a racionalização da tributação sobre valor adicionado de forma a que seja possível extinguir ainda que pau latinamente a tributação em cascata envolve uma operação extraordi nariamente complexa e cercada de incertezas especialmente quando se tem em conta o intrincado federalismo fiscal brasileiro Desde o princí pio na discussão de como avançar nesse sentido o governo federal teve a preocupação de deixar claro que a intenção era assegurar que a refor ma não impusesse perdas seja à União seja a qualquer estado ou muni cípio Por louvável que tenha sido a intenção é mais do que sabido que numa reforma deste alcance é praticamente impossível impedir que haja perdedores É verdade que tem sido aventada a possibilidade de se re correr a fundos compensatórios mas perdedores potenciais parecem ter boas razões para ver com ceticismo a possibilidade de que a preserva ção de suas receitas fique dependente destas compensações SISTEMA TRIBUTÁRIO 265 Com as três esferas de governo engajadas já há algum tempo em um desgastante esforço de ajuste fiscal a preocupação com a perda de receita tornouse especialmente exacerbada De início quando as li nhas gerais da reforma foram propostas em 1997 eram governadores e prefeitos que pareciam mais apreensivos com possíveis perdas impos tas pela reforma Posteriormente contudo o governo federal passou a dar mostras de crescente apreensão com modificações que pudessem de alguma forma reverter o espetacular crescimento de receita que conse guiu assegurar desde 1994 A verdade é que a discussão da reforma tem envolvido um fragoroso entrechoque de posições conflitantes marcadas de forma cada vez mais clara pela aversão ao risco de perda de receita das várias partes interessa das Temese que regras de compensação de perdas inicialmente acorda das possam vir a ser alteradas no futuro Que a distribuição da base fiscal do novo imposto sobre valor adicionado acabe sendo muito diferente da do ICMS Que o próprio bolo tributário possa de fato encolher Que mu danças na legislação possam abrir flancos para infindáveis contestações judiciais E que seja por uma razão ou por outra haja perda de receita Apesar da consciência crescente de que a guerra fiscal entre os esta dos acaba sendo prejudicial para todos governadores continuam a se pre ocupar com a possibilidade de perder autonomia na condução da política tributária e especialmente na concessão de isenções descontos ou diferimentos de impostos para atrair investimentos Governadores de es tados localizados em regiões beneficiadas por incentivos fiscais federais também temem que uma reforma coloque em risco tais privilégios Teme rosos de trocar o certo pelo duvidoso prefeitos de municípios que hoje extraem do ISS uma parte significativa de suas receitas mostramse pro pensos a tentar bloquear propostas de racionalização da tributação do valor adicionado gerado na produção de serviços A resultante da interação de todas estas apreensões na discussão da reforma tem sido um jogo cada vez menos cooperativo marcado por desconfiança crescente Um jogo que tem arrastado as partes envolvi das para posições pouco razoáveis Na área federal ganhou força o dis curso de que impostos cumulativos no fundo não são tão ruins Na estadual há governadores que parecem defender como sagrado o direi to de tributar determinados serviços como os de telecomunicações a uma alíquota por fora de 40 Mesmo que o jogo fosse cooperativo o que é uma hipótese um tanto irrealista a reforma tributária já seria uma operação bastante complexa DESENVOLVIMENTO EM DEBATE 266 A complexidade contudo fica amplificada e em muito no quadro de conflito em que a questão passou a ser tratada Como as negociações vêmse arrastando há anos as relações entre alguns interlocutores im portantes ficaram muito agastadas E certas posições vãose tornando injustificavelmente cristalizadas Dada a importância da reforma é pre ciso saber começar de novo Nada justifica a preservação da forma bru talmente irracional com que os três níveis de governo vêm extraindo da economia 35 do PIB em tributos As contas mostram que não há soluções simples E tendo em vista todas as dificuldades adicionais advindas da complexidade do federa lismo fiscal brasileiro bem como o risco de perda de receita o governo federal parece ter sido tomado pelo ceticismo Passou a descrer da pos sibilidade de levar à frente a reforma tributária nas linhas por ele mes mo propostas no final de 1997 Cabe ao novo governo vencer o desa lento e voltar às negociações Um novo presidente e novos governadores representam a oportuni dade de se recolocar o jogo da reforma tributária em novas bases Na medida do possível é fundamental que o esforço seja mantido no plano suprapartidário As resistências advindas do temor de perda de receita talvez possam vir a ser parcialmente contornadas se a reforma tributá ria puder ser conjugada com outras reformas que possam oferecer aos governos subnacionais a perspectiva de algum alívio fiscal pelo lado do dispêndio como discutido na seção 1 No que diz respeito ao esforço de reforma tributária propriamente dito é preciso evitar tanto o excesso de ousadia quanto o conformismo exa gerado O governo federal parece ter transitado de um extremo ao outro nos últimos cinco anos Há que se resistir a propostas impetuosas de se botar abaixo para se fazer de novo E há que se reconhecer os méritos dos avanços paulatinos e da necessidade de se decompor em módulos e de se distribuírem no tempo modificações mais radicais E há também que abrir espaço para a experimentação e a calibragem Por outro lado é pre ciso evitar a crença exagerada nas possibilidades das pequenas refor mas Não importa quão prudente seja o avanço é preciso ter em mente que os pequenos passos têm de fazer parte de um plano de jogo mais ousado que envolva um movimento determinado de construção de um novo sistema tributário claramente vislumbrado e bastante diferente do que hoje se tem Um sistema tributário compatível com a enorme potencialidade e os grandes anseios do país nesse início de milênio
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SISTEMA TRIBUTÁRIO 251 REFORMA TRIBUTÁRIA URGÊNCIA DESAFIOS E DESCAMINHOS Rogério L F Werneck 1 Agenda fiscal e reforma tributária O limiar de um novo governo é momento especialmente propício para se rediscutir a difícil agenda de reformas que o país vem arrastando há pelo menos uma década A perspectiva de mudança traz novos ares que reanimam o debate e dão plausibilidade a avanços que já há algum tempo vinham sendo vistos com ceticismo Por outro lado é também verdade que essa mesma perspectiva alimenta temores de que o novo governo possa colocar em risco a preservação de conquistas importan tes que tanto custaram ao país nos últimos dez anos O que é fundamental preservar é o avanço representado pela nova forma de condução de política macroeconômica que foi viabilizada a duras penas após longo esforço de construção institucional e consoli dação de credibilidade tanto interna como externamente São esteios desse avanço o compromisso inequívoco com a responsabilidade fiscal com o controle da inflação e com a abertura da economia o respeito ao estrito cumprimento do serviço da dívida pública a gestão com profissionalismo e independência de facto se não de jure do Banco Central o apego ao gradualismo a preocupação em assegurar o máxi mo de previsibilidade na condução da política macroeconômica e tanta transparência quanto possível no trato das informações relevantes Esta é uma área na qual preservar o que hoje já se tem deve ser a escolha óbvia A retomada de um processo de crescimento sustentado só será possível com a preservação da estabilidade macroeconômica Tal escolha não impede que em muitas outras dimensões da política econômica o novo governo tenha amplo espaço para almejar mudanças Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUCRio DESENVOLVIMENTO EM DEBATE 252 marcantes em relação ao governo de Fernando Henrique Cardoso Sem ir mais longe há toda uma agenda pendente assustadoramente vasta relacionada a duas questões básicas envolvidas na relação entre o go verno e a sociedade Questões que hoje entravam a construção de uma economia mais dinâmica mais justa e mais estável De um lado temse a forma absolutamente irracional com que o setor público hoje extrai da economia tributos correspondentes a pelo menos 35 do PIB De ou tro temse um dispêndio governamental agregado que já se aproxima da marca dos 40 do PIB e que ainda continua concentrado em gastos públicos cada vez mais difíceis de defender Em suma há pela frente o desafio da reforma tributária abrangente que o país aguarda já há tanto tempo e a tarefa imensa de abrir espaço no orçamento dos três níveis de governo para programas de dispêndio público que sejam mais defensá veis que favoreçam o crescimento econômico sejam mais focados no atendimento das parcelas efetivamente pobres da população e permi tam vislumbrar a eliminação da pobreza absoluta no país em horizonte de tempo decentemente curto É lamentável constatar que essa complexa agenda fiscal não recebeu a devida atenção na campanha para a eleição presidencial Em parte porque os principais candidatos ficaram seduzidos por uma visão um tanto equivocada do que é preciso fazer para desatar o nó que vem im pedindo a retomada do crescimento sustentado da economia brasileira Disseminouse a idéia de que bastaria uma melhora das contas externas para fazer desabar as taxas de juros e recolocar a economia numa traje tória de crescimento rápido Seria bom se o problema fosse assim tão simples Na verdade as contas externas parecem a cada dia mais robus tas Mas o mais provável é que sem a perspectiva de um quadro fiscal mais sólido a queda possível de taxa de juros seja bastante limitada Não é difícil perceber que o país ainda enfrenta uma situação fiscal bastante precária agravada em muito nos últimos meses pelos efeitos da depreciação cambial sobre o endividamento do setor público Por mais louvável que tenha sido o esforço de ajuste fiscal que teve lugar a partir de 1998 a verdade é que a qualidade do ajuste deixou muito a desejar Do lado do dispêndio tendo em vista as restrições cons titucionais os cortes tiveram de seguir a linha de menor resistência e acabaram concentrados em programas que podiam ser cortados e não necessariamente nos que deveriam ter sido cortados É verdade que houve também um notável esforço de construção institucional que culminou no novo regime de gestão das contas públicas fundado na Lei de Res SISTEMA TRIBUTÁRIO 253 ponsabilidade Fiscal Mas o controle de despesas que acabou sendo politicamente possível vem dando lugar em todas as esferas de gover no a um inequívoco sentimento de repressão fiscal que precisa ser ur gentemente revertido Como bem se viu na campanha eleitoral são cada vez maiores as pressões em favor da expansão de programas de gasto público perfeitamente legítimos Mas para que tais pressões possam ser acomodadas é preciso reduzir a importância de programas de dis pêndio menos defensáveis boa parte deles ainda protegidos de cortes pela Constituição É natural que a Lei de Responsabilidade Fiscal exacerbe esse senti mento de repressão fiscal A obrigatoriedade do respeito a restrições orçamentárias efetivamente rígidas já vem ampliando as pressões polí ticas em favor de medidas de alívio Inclusive porque a maior parte dos estados e municípios bem como a própria União vêm enfrentando um quadro de evolução explosiva de encargos previdenciários A grande questão é que formas de alívio acabarão prevalecendo É fundamental evitar que a convergência dessas pressões acabe por esgarçar os meca nismos de controle da Lei de Responsabilidade Fiscal Na medida do possível o descontentamento com a repressão fiscal deve ser canalizado para reforçar coalizões suprapartidárias capazes de viabilizar a remoção dos entraves legais que ainda protegem de cortes programas de dispêndio absolutamente indefensáveis Continua caben do ao governo federal o papel de liderar esse processo e acenar de for ma crível com a possibilidade de alívio pelo lado das reformas Cabe portanto ao novo presidente liderar a mobilização política que será ne cessária para aprovar reformas constitucionais capazes de dar aos esta dos e municípios e à própria União maior poder de controle sobre a evolução dos seus dispêndios com pessoal ativo e inativo Isto deve requerer a retomada da agenda de reformas nas áreas administrativa e previdenciária É comum que se alegue que insistir nas reformas fiscais é coisa de quem não conhece o Congresso É inegável que assegurar o avanço das reformas é um desafio de enorme complexidade política como tão bem pôde constatar o presidente Fernando Henrique Cardoso Mas não é por isto que se deve dar alento à fantasia de que passou a ser perfeita mente possível dar solidez às contas públicas nos próximos anos sem desmontar os mecanismos responsáveis pela evolução explosiva de uma parte importante do dispêndio público Os problemas não costumam desaparecer quando se constata que sua solução é difícil DESENVOLVIMENTO EM DEBATE 254 É contra esse pano de fundo da agenda mais ampla de reforma fiscal que se deve analisar a questão da reforma tributária Sem isso não se pode colocar em perspectiva adequada nem os entraves nem as possibi lidades de avanço do esforço de reconstrução do sistema tributário naci onal que hoje se faz necessário 2 A mobilização tributária na estabilização Na segunda metade da década de oitenta quando se disseminou a constatação de que a economia brasileira teria de passar por um grande ajuste fiscal uma indagação importante era saber em que medida uma ele vação da carga tributária poderia contribuir para o ajuste que se fazia neces sário Como a receita agregada dos três níveis de governo havia permaneci do praticamente estável por quase vinte anos em torno de um quarto do PIB viase com algum ceticismo a possibilidade de que uma parte subs tancial do ajuste fiscal requerido pudesse acabar provindo de aumento de arrecadação E na verdade o desempenho da receita tributária no início dos anos noventa contribuiu de certa forma para reforçar esse ceticismo Embora tenha havido um grande salto no ano de 1990 explicado por um aumento excepcional de arrecadação de IOF no Plano Collor a carga tribu tária voltou a flutuar em torno de 25 do PIB no período 199193 Nin guém diria então que cerca de dez anos mais tarde esta carga saltaria para mais de 34 do PIB ou seja quase nove pontos percentuais acima da média do período 199193 como se pode observar na Tabela 1 Tabela 1 Brasil Carga Tributária Bruta 19682001 Fontes Secretaria para Assuntos Fiscais BNDES SISTEMA TRIBUTÁRIO 255 De certa forma é quase incrível que tenha sido possível uma eleva ção tão pronunciada da carga tributária em tão pouco tempo E é inegá vel que esta elevação foi responsável por boa parte do ajuste fiscal que vem viabilizando a consolidação do esforço de estabilização que tem ocorrido desde 1993 É bem sabido que o ajuste fiscal que acabou sendo possível não foi nem de longe o que seria desejável Dada a eficácia da coalizão política que teve de ser enfrentada não se pôde desencastelar boa parte dos dispendiosos privilégios que foram introduzidos na Constituição de 1988 E o ajuste acabou tendo de ser feito muito mais pelo lado da receita do que pelo lado da despesa Para manter as contas públicas sob relativo controle e o endividamento do setor público estabilizado tornouse ne cessário extrair da sociedade mais de um terço do PIB em tributos o que representa um esforço impositivo extraordinário para uma econo mia no estágio de desenvolvimento em que se encontra a brasileira Fazer o ajuste primordialmente pelo lado da receita já seria em si lamentável mesmo que o aumento de arrecadação tivesse advindo de uma elevação criteriosa de impostos Contudo mais lamentável ainda se torna o ajuste quando se constata que a maior parte da arrecadação adici onal teve de ser obtida pela imposição de tributos cumulativos de péssi ma qualidade envolvendo incidência em cascata Na verdade desde a Constituição de 1988 quando perdeu parte significativa da sua arrecada ção para os estados e os municípios a União fez o possível para recuperar as perdas que lhe foram impostas E de fato conseguiu muito mais do que recuperálas persistentemente buscando as mais variadas e exóticas formas de tributação capazes de gerar receitas não compartilhadas com estados e municípios Houve nesse aspecto uma involução deplorável marcada pela exploração cada vez mais intensa de formas primitivas de tributação que há mais de trinta anos pareciam ter sido definitivamente extintas no país pela reforma tributária de meados dos anos sessenta Não se trata de chorar sobre leite derramado ou mesmo sugerir que era perfeitamente possível adotar outro tipo de solução Dadas as cir cunstâncias sabidamente adversas foi o ajuste fiscal possível E nunca é demais repetir foi graças a ele que se pôde consolidar a estabilização Mas reconhecer tudo isto não significa deixar de olhar com grande preocupação o sistema tributário que está emergindo da longa e penosa campanha da estabilização Os dados da Tabela 2 são particularmente contundentes Mostram que desde meados da década de oitenta e especialmente desde 1993 DESENVOLVIMENTO EM DEBATE 256 tem havido uma deterioração impressionante na qualidade da carga tri butária imposta pela União A participação da soma das arrecadações da CPMF da Cofins e da contribuição para o PISPasep no total da receita administrada pela SRF saltou de uma média de 73 no perío do 198688 para uma média de 296 no período 199498 E tornou a saltar para quase 40 do PIB em 2001 Já na esfera estadual distorções de outra natureza foram se acumulan do E o pioneiro sistema de tributação de valor adicionado introduzido na reforma dos anos sessenta por meio do ICM foi aos poucos transforma do em um inadministrável e desarmônico pandemônio tributário que a ninguém mais interessa preservar Os governadores sobrevivem como podem permitindose práticas tributárias cada vez menos defensáveis Concedem renúncias fiscais faraônicas com uma mão e impõem alíquotas escorchantes de ICMS sobre certos serviços com outra Em meados desse ano a Secretaria de Receita Federal aventou a pos sibilidade de que a carga tributária pudesse atingir a marca de 37 do PIB em 20021 É bem possível que não chegue a tanto Mas é inegável que a economia vem sendo sufocada por um aprofundamento da extração fiscal que não parece ter fim A elevação de pressão que vem sendo exercida pelo fisco há dez anos está longe de ter sido sustada Se nada for feito em contrário o mais provável é que a arrecadação continue a crescer bem mais rápido do que o PIB O Frankenstein tributário que emergiu da lon ga batalha da estabilização fortemente baseada em impostos em cascata dá mostras de ser uma máquina arrecadadora extremamente poderosa particularmente quando aplicada a uma economia em recuperação Tabela 2 Governo Federal importância dos tributos cumulativos Participação na Receita Administrada pela SRF Inclui arrecadação de IPMFCPMF FINSOCIALCOFINS e PISPASEP Fonte Secretaria da Receita Federal 1 Ver Carga tributária em 2002 deve superar 37 do PIB Valor Econômico 17 de junho de 2002 SISTEMA TRIBUTÁRIO 257 Em princípio isto poderia soar como boa música Afinal depois de anos e anos de compressão de gastos nenhum dos três níveis de gover no teria qualquer dificuldade para conceber formas perfeitamente de fensáveis de gastar recursos provenientes de um novo e substancial au mento de arrecadação Mas a esta altura o que é relevante perguntar é que efeitos isto poderá ter sobre a galinha de ovos de ouro É bem sabi do que a carga tributária já atingiu no Brasil um nível completamente despropositado Não há qualquer economia com características e nível de desenvolvimento similares com carga remotamente semelhante 3 Reconversão do sistema tributário proporções do desafio Não cabe mais dúvida de que chegou a hora de soar o alarme A mobilização tributária que acabou sendo requerida para enfrentar a bata lha da estabilização tem que dar lugar agora a formas de tributação me nos primitivas compatíveis com a eficiência a competitividade a equidade e o crescimento econômico Ainda não parece ser o caso de se pensar em redução da carga tributária Mas é fundamental conceber e implantar uma maneira mais racional de extrair da economia os vultosos recursos necessários ao financiamento do Estado por mais complexas que sejam as negociações políticas requeridas Depois de uma década de esforço de estabilização é preciso agoradesmontar os toscos mecanismos de extra ção fiscal a que se teve de recorrer às pressas no calor da batalha Da mesma forma que o sistema produtivo de uma economia de guer ra tem de ser reconvertido ao fim de um longo conflito é o momento de se reconverter o sistema tributário brasileiro de forma a adequar o seu papel à tarefa maior de construção de uma economia mais dinâmica mais eficiente e mais justa além de mais estável2 Não é que a batalha da estabilização esteja definitivamente terminada A verdade é que ela jamais termina Mas se os avanços e as consolidações duramente con quistados não forem abandonados tal batalha está fadada a ser travada de forma menos extenuante no futuro No que diz respeito à tributação sobre bens e serviços é preciso que a discussão da reforma tributária volte a ser norteada pela mesma pre 2 Explorando a analogia um pessimista diria que a reconversão que hoje se faz necessá ria no sistema tributário brasileiro pode acabar sendo bem mais difícil que a reconversão do sistema produtivo de uma economia de guerra DESENVOLVIMENTO EM DEBATE 258 missa básica que inspirou várias propostas de reforma defendidas tanto pelo Executivo como pelo Congresso a partir do final de 1997 Por divergentes que tenham sido tais propostas partiram todas do mesmo diagnóstico De que a reforma que se fazia necessária requeria a elimina ção dos tributos cumulativos bem como do IPI do ICMS e do ISS e a introdução de uma nova forma de taxação indireta centrada em esquema amplo e coerente de impostos sobre valor adicionado A grande questão e é nisso que as propostas divergem é como fazer essa mudança Seja como for as dificuldades envolvidas só têm aumentado Mesmo que se exclua a CPMF da lista de tributos a eliminar como sempre quis o governo a verdade é que a receita total que teria de ser gerada pelos novos impostos aumentou substancialmente desde 1997 Naquele ano a arrecadação conjunta advinda da Cofins da contribuição para o PISPasep do IPI do ICMS e do ISS somou R 108 bilhões o que correspondia a 124 do PIB Já em 2001 esta mesma arrecadação conjunta atingiu mais de R 178 bilhões equivalentes a 151 do PIB Se a CPMF for incluída a cifra de 2001 chega a quase R 196 bilhões correspondentes a 165 do PIB quase metade da carga tributária bruta Deste total R 121 bilhões advieram da arrecadação do ICMS do IPI e do ISS e R 75 bilhões dos tributos cumulativos Cofins PISPasep e CPMF Antes de discutir sobre como os novos impostos deveriam ser distri buídos entre as três esferas de governo questão que consumiu a melhor parte dos humores e da energia de prefeitos governadores e autoridades fazendárias federais no debate sobre a questão talvez valha a pena per guntar como de um ponto de vista agregado deixando por um momento de lado as complexidades do federalismo fiscal os R196 bilhões pode riam ser mais racionalmente arrecadados Se toda esta receita tivesse de ser inteiramente gerada por um novo imposto sobre valor adicionado qual seria a alíquota média requerida deste imposto A resposta é claro depende do que se presuma ser a base de incidência do novo tributo O mais defensável é que dela se excluam exportações investimentos despesas com novos equipamen tos máquinas e instalações e o dispêndio do próprio governo Neste caso o que sobra como base é o consumo privado agregado É verdade que boa parte dos tributos indiretos hoje existentes já re caem primordialmente sobre o consumo Contudo a crescente impor tância dos tributos federais em cascata vem dando ao sistema tributário brasileiro um formato cada vez mais distorcido Ninguém sabe qual é exatamente o caótico padrão de incidência da Cofins do PISPasep ou SISTEMA TRIBUTÁRIO 259 da CPMF Mas não resta dúvida de que uma parte substancial dos R 75 bilhões arrecadados com esses três tributos no ano passado acabou recaindo sobre poupança investimento e exportações Embora a neces sidade de se conceberem formas de compensar os exportadores pelo ônus de tais tributos venha recebendo alguma atenção parece não haver preocupação similar com o impacto da tributação em cascata sobre o investimento e a poupança Por outro lado mesmo impostos menos ir racionais como o IPI e o ICMS continuam a onerar bens de capital e portanto o investimento Em 2001 o consumo das famílias deve ter atingido algo da ordem de R 720 bilhões Mas há que se ter em mente que tal montante inclui impostos indiretos Por outro lado é bem sabido que por várias razões as contas nacionais tendem a subestimar em boa medida o verdadeiro valor do produto agregado E dada a forma residual com que se estima o consumo é sobre ele que acaba recaindo a maior parte dessa subestimação Se para simplificar for possível imaginar que a subestimação do consumo e os impostos indiretos que sobre ele incidem têm valor equivalente e que portanto se compensam R 720 bilhões podem ser considerados o limite superior da base potencial do novo imposto sobre valor adicionado Na hipótese superotimista de que tal imposto possa contar com base tão ampla seria requerida uma alíquota média por fora de cerca de 27 para arrecadar os R 196 bilhões que são hoje arrecadados por meio dos três tributos em cascata do ICMS do IPI e do ISS Mas é preciso levar em conta que cerca de um quinto destes R 720 bilhões corresponde a aluguéis entendidos não só como pagamentos explícitos pois que estão aí também incluídos aluguéis implícitos atribuídos como renda aos pro prietários de casa própria É difícil antever o Congresso aprovando um imposto sobre valor adicionado com base tão ampla Se os aluguéis forem excluídos da base a alíquota média requerida passa a ser 34 já bem acima do que poderia ser considerado razoável E é pouco provável que o Congresso se contente em excluir só isso da base potencial do novo im posto É possível que fique também tentado a dela excluir bens e serviços cujo consumo possa ser considerado de caráter essencial ou meritório como por exemplo medicamentos e serviços médicos e educacionais Como ademais é prudente presumir que alguma evasão haverá não é difícil antever que a base efetiva pode acabar sendo bem menos de 70 da base potencial Se chegasse a tanto a alíquota requerida também cal culada por fora já seria de quase 39 ou seja absurdamente alta DESENVOLVIMENTO EM DEBATE 260 É por isto que algumas das propostas de reforma que vêm sendo discutidas desde 1997 têm também previsto a introdução de um outro im posto de caráter seletivo sobre certos bens e serviços Várias delas têm incluído ainda um imposto sobre vendas a varejo mas cuja função não é tanto complementar a capacidade de arrecadação do imposto sobre valor adicionado mas redistribuir a competência para tributar o valor adicionado dentro da federação Função semelhante à desempenhada em algumas pro postas pelo IVA dual que envolve a coexistência de dois impostos sobre valor adicionado um federal e outro estadual Caso se presuma que seja possível arrecadar com o imposto seletivo cerca de 25 do PIB como se supunha na proposta delineada inicialmente pelo governo federal em 1997 isto representaria cerca de R 30 bilhões em 2001 Dada a necessidade de gerar uma receita total de R 196 bilhões caberia ao imposto sobre valor adicionado arrecadar apenas R 166 bilhões Se a base efetiva pudesse chegar a 70 da base potencial de R 720 bilhões a alíquota média requerida seria de cerca de 33 por fora Muito alta ainda Apenas tendo em mente quão absurdamente altas são as alíquotas requeridas para que os tributos em cascata sejam substituídos por tribu tação sobre valor adicionado é que se pode perceber com a devida nitidez as reais proporções do desafio a ser enfrentado pelo esforço de reforma É bem possível que a eliminação dos impostos em cascata aca be envolvendo a convivência de várias formas diferentes de tributação do valor adicionado na linha do já vem sendo defendido em algumas propostas Mas quando a discussão é colocada nesses termos é preciso cuidado para não perder de vista que a combinação dessas várias for mas de tributação poderá acabar impondo à base tributável de valor adicionado da economia uma carga conjunta extremamente alta como bem sugere a análise feita acima Alíquotas requeridas tão altas apenas evidenciam quão longe se foi no aprofundamento do processo de extra ção fiscal que vem tendo lugar no país há cerca de uma década Mos tram de forma contundente a real proporção da dificuldade de conce ber formas menos primitivas de tributação capazes de gerar a mesma receita tributária com que hoje se conta Um imposto amplo sobre valor adicionado baseado no consumo cons titui uma forma reconhecidamente eficaz e racional de tributação Mas não assegura progressividade à carga tributária Uma alternativa para evitar que a taxação do valor adicionado seja excessivamente sobrecarregada seria compensar parte da perda de receita que adviria da eliminação dos tributos em cascata com um aumento de arrecadação SISTEMA TRIBUTÁRIO 261 do imposto de renda da pessoa física É certamente um caminho a ser explorado Todavia o ideal seria conseguir o ganho de receita sem eleva ção das alíquotas marginais De tempos em tempos ressurgem propostas de elevação da alíquota máxima do IRPF para 35 ou até mais A idéia de que esta seja a forma de se elevar a carga tributária das famílias de alta renda é um tanto fantasiosa Basta verificar a receita de IRPF que hoje se obtém da tributação de contribuintes sujeitos à alíquota de 275 Parece certamente pífia quando contraposta aos dados que evidenciam a brutal concentração de renda que se observa no país Como recentemente lem brou Paul Krugman em coluna em que discutia o sistema tributário nor teamericano muito mais equânime e bem estruturado do que o brasilei ro se há algo que o dinheiro é capaz de comprar é assessoria eficaz de especialistas em redução de imposto de renda a pagar A elevação de alíquotas marginais tornaria ainda mais compensador este tipo de asses soria além de simplesmente estimular a sonegação Talvez seja oportuno lembrar que existe no país um arranjo incoe rente e um tanto cínico envolvendo a tributação de renda pessoal É cada vez mais comum ver profissionais liberais e pessoas relativamente bem remuneradas abrigaremse da tributação do IRPF oferecendo seus serviços através de firmas que lhes propiciam taxação bem mais branda da renda auferida Isto só evidencia a inconsistência e a irracionalidade do atual sistema tributário Em princípio para um profissional liberal deveria ser indiferente do ponto de vista fiscal vender serviços direta mente como pessoa física que mantém livrocaixa ou através de uma firma Em outras palavras o ideal seria que do sistema tributário não adviesse qualquer estímulo que pudesse distorcer esta escolha O que no Brasil está longe se ser o caso Isto não significa que a solução seja a taxação mais pesada do lucro de firmas prestadoras de serviços como também vem sendo proposto O que parece mais recomendável é algo muito distinto na linha que há algum tempo chegou a ser aventada pela própria Secretaria da Receita Federal No final de 2000 um estudo baseado em simulações feitas pela SRF permitiu constatar que toda a arrecadação que então se obtinha com o complexo sistema de tributação do IRPF poderia ser obtida por meio de um esquema alternativo de taxação incomparavelmente mais simples Se fosse preservado o nível de isenção na época de R 900 mensais mas fossem eliminadas todas as deduções bastaria uma alíquota marginal única de não mais do que 77 para se arrecadar o total que então se arrecadava com o IRPF DESENVOLVIMENTO EM DEBATE 262 Tais resultados são mais do que contundentes Sublinham a exten são da ineficácia e da injustificável complexidade do sistema de tributa ção de renda pessoal que hoje se tem no país E apontam um caminho promissor para a reforma que se faz necessária no IRPF para que este seja transformado em imposto simplificado de base ampla e de difícil sonegação capaz de gerar parcela substancial da receita tributária fede ral O esquema de tributação cujo desempenho foi simulado pela SRF pode ser aperfeiçoado A combinação de uma alíquota marginal única um pouco mais alta com um nível mais elevado de isenção poderia tornálo bem mais progressivo A alíquota média imposto pago como proporção da renda seria zero para a maior parte dos contribuintes e para aqueles com imposto a pagar seria tanto mais elevada quanto mais alta a renda A idéia de um imposto de renda de base ampla é fundamental E embora o ideal seja partir de um nível de isenção razoavelmente alto não faz sentido que tal nível seja estabelecido com base no que se observa na tributação da renda pessoal em países desenvolvidos como certos analis tas chegaram a sugerir no debate recente Em um país rico com renda per capita dez vezes mais alta do que a que hoje se tem no Brasil é natural que se possa ter um imposto de renda de base ampla com um nível de isenção muito mais elevado do que aqui seria possível Por outro lado é preciso ter em conta que embora seja importante assegurar que o sistema tributário tenha alguma progressividade é muito mais importante ainda assegurar a progressividade pelo lado do dispêndio tornando os menos favorecidos na sociedade os grandes beneficiários do gasto público 3 Federalismo e economia política As dificuldades que parecem estar envolvidas na reforma tributária quando se enfoca a questão do ponto de vista de uma análise agregada parecem ainda maiores quando se tem em conta a complexidade do federa lismo fiscal brasileiro e a intrincada economia política da reforma Não há hoje no país quem se declare satisfeito com o atual sistema tributário A constatação da necessidade de uma ampla e profunda reforma tornouse consensual Perpassa de ponta a ponta o espectro político no Congresso Mas o consenso esgotase na idéia genérica da reforma E dá lugar a pro fundo dissenso quando a discussão se torna um pouco mais detalhada Há pela frente um longo delicado e desgastante jogo político entre o Executivo e o Congresso de cujo desfecho vai depender a qualidade do SISTEMA TRIBUTÁRIO 263 sistema tributário com que o país poderá contar no futuro A reforma de meados dos anos sessenta que acabou moldando boa parte do nosso atu al sistema tributário foi feita à sombra do regime militar que então se iniciava A de 1988 já findo o regime militar foi negociada em clima marcado por escassa preocupação do Congresso com a consistência fis cal Nos dois casos ainda que por razões distintas a extensão do antago nismo dos interesses envolvidos aflorou com bem menos intensidade do que provavelmente deve aflorar na reforma a ser doravante enfrentada Em princípio a reforma deverá ser conduzida de forma a preservar a receita tributária agregada qualquer que seja a solução que se dê à par tilha dos recursos arrecadados entre os três níveis de governo É fácil constatar portanto que só será possível abrir mão dos tributos em cas cata e da farta receita que hoje geram se as novas formas de tributação sobre valor adicionado forem capazes de gerar receita substancialmente superior à que hoje é obtida por meio do ICMS do IPI e do ISS Isto só será viável se a base de tributação do valor adicionado passar a ser mui to mais ampla do que é atualmente Para que essa tributação gere a receita dela requerida com alíquotas razoavelmente baixas é essencial que seja imposta sobre base realmente ampla Embora em princípio nada impeça que o governo proponha uma abrangência bastante ampla da definição legal da nova base de tributa ção do valor adicionado não deve ser subestimada a intensidade da oposição que uma proposta deste tipo terá de enfrentar no Legislativo A atual base do ICMS teria de ser ampliada em muito especialmente no sentido de passar a abranger a maior parte dos setores produtores de serviços que em geral vêm sendo mantidos ao abrigo de uma tributa ção significativa através de impostos indiretos explícitos Tudo indica que uma mudança neste sentido deverá ter de lidar com forte resistência no Legislativo Por outro lado a ampliação da base de tributação do valor adicionado deverá também exigir que este passe a gravar de forma mais efetiva um grande número de produtos e serviços usualmente con siderados de consumo essencial ou meritório Tampouco será pequena a oposição no Legislativo a um movimento neste sentido É inevitável portanto que se formem poderosas e complexas coali zões no Congresso em torno da aprovação de modificações da proposta do governo que por vias variadas impliquem em última análise na erosão da base potencial dos novos impostos Isto poderia acabar em purrando a reforma para a imposição de alíquotas pouco razoáveis Há que se ter em mente que qualquer que seja a abrangência legal da tributação DESENVOLVIMENTO EM DEBATE 264 sobre valor adicionado que o Executivo afinal consiga extrair do Congres so resta a incerteza sobre que grau de exploração efetiva desta base poderá ser viável dadas as limitações do aparato de fiscalização disponível De fato vale aqui uma relação de mão dupla De um lado a base deve ser ampla para que as alíquotas possam ser baixas De outro se as alíquotas forem altas não será possível contar na prática com uma base ampla mes mo que no papel a definição da base possa parecer ampla O grande desafio é conseguir que no calor das inevitáveis disputas em torno da partilha da arrecadação entre os três níveis de governo a maioria do Congresso não deixe de perceber quão inexoráveis são estas restrições envolvendo base e alíquotas das novas formas de tributação do valor adicionado Sem isto não há como o jogo chegar a bom termo 5 Aversão ao risco conformismo e ousadia Ao longo dos últimos cinco anos desde que o governo federal deu a público a proposta de 1997 a discussão da reforma tributária não teve o avanço que se esperava Os resultados acabaram sendo algo melancóli cos É preciso refletir sobre as raízes dessas dificuldades A esta altura sair buscando culpados não vai ajudar muito Parece mais proveitoso tentar entender melhor os interesses as apreensões as razões e as moti vações dos principais atores envolvidos Sem compreender claramente os temores e as resistências fica difícil vislumbrar de que maneira o esforço de reforma pode acabar redundando em desfecho menos melan cólico no futuro A verdade é que a ampliação e a racionalização da tributação sobre valor adicionado de forma a que seja possível extinguir ainda que pau latinamente a tributação em cascata envolve uma operação extraordi nariamente complexa e cercada de incertezas especialmente quando se tem em conta o intrincado federalismo fiscal brasileiro Desde o princí pio na discussão de como avançar nesse sentido o governo federal teve a preocupação de deixar claro que a intenção era assegurar que a refor ma não impusesse perdas seja à União seja a qualquer estado ou muni cípio Por louvável que tenha sido a intenção é mais do que sabido que numa reforma deste alcance é praticamente impossível impedir que haja perdedores É verdade que tem sido aventada a possibilidade de se re correr a fundos compensatórios mas perdedores potenciais parecem ter boas razões para ver com ceticismo a possibilidade de que a preserva ção de suas receitas fique dependente destas compensações SISTEMA TRIBUTÁRIO 265 Com as três esferas de governo engajadas já há algum tempo em um desgastante esforço de ajuste fiscal a preocupação com a perda de receita tornouse especialmente exacerbada De início quando as li nhas gerais da reforma foram propostas em 1997 eram governadores e prefeitos que pareciam mais apreensivos com possíveis perdas impos tas pela reforma Posteriormente contudo o governo federal passou a dar mostras de crescente apreensão com modificações que pudessem de alguma forma reverter o espetacular crescimento de receita que conse guiu assegurar desde 1994 A verdade é que a discussão da reforma tem envolvido um fragoroso entrechoque de posições conflitantes marcadas de forma cada vez mais clara pela aversão ao risco de perda de receita das várias partes interessa das Temese que regras de compensação de perdas inicialmente acorda das possam vir a ser alteradas no futuro Que a distribuição da base fiscal do novo imposto sobre valor adicionado acabe sendo muito diferente da do ICMS Que o próprio bolo tributário possa de fato encolher Que mu danças na legislação possam abrir flancos para infindáveis contestações judiciais E que seja por uma razão ou por outra haja perda de receita Apesar da consciência crescente de que a guerra fiscal entre os esta dos acaba sendo prejudicial para todos governadores continuam a se pre ocupar com a possibilidade de perder autonomia na condução da política tributária e especialmente na concessão de isenções descontos ou diferimentos de impostos para atrair investimentos Governadores de es tados localizados em regiões beneficiadas por incentivos fiscais federais também temem que uma reforma coloque em risco tais privilégios Teme rosos de trocar o certo pelo duvidoso prefeitos de municípios que hoje extraem do ISS uma parte significativa de suas receitas mostramse pro pensos a tentar bloquear propostas de racionalização da tributação do valor adicionado gerado na produção de serviços A resultante da interação de todas estas apreensões na discussão da reforma tem sido um jogo cada vez menos cooperativo marcado por desconfiança crescente Um jogo que tem arrastado as partes envolvi das para posições pouco razoáveis Na área federal ganhou força o dis curso de que impostos cumulativos no fundo não são tão ruins Na estadual há governadores que parecem defender como sagrado o direi to de tributar determinados serviços como os de telecomunicações a uma alíquota por fora de 40 Mesmo que o jogo fosse cooperativo o que é uma hipótese um tanto irrealista a reforma tributária já seria uma operação bastante complexa DESENVOLVIMENTO EM DEBATE 266 A complexidade contudo fica amplificada e em muito no quadro de conflito em que a questão passou a ser tratada Como as negociações vêmse arrastando há anos as relações entre alguns interlocutores im portantes ficaram muito agastadas E certas posições vãose tornando injustificavelmente cristalizadas Dada a importância da reforma é pre ciso saber começar de novo Nada justifica a preservação da forma bru talmente irracional com que os três níveis de governo vêm extraindo da economia 35 do PIB em tributos As contas mostram que não há soluções simples E tendo em vista todas as dificuldades adicionais advindas da complexidade do federa lismo fiscal brasileiro bem como o risco de perda de receita o governo federal parece ter sido tomado pelo ceticismo Passou a descrer da pos sibilidade de levar à frente a reforma tributária nas linhas por ele mes mo propostas no final de 1997 Cabe ao novo governo vencer o desa lento e voltar às negociações Um novo presidente e novos governadores representam a oportuni dade de se recolocar o jogo da reforma tributária em novas bases Na medida do possível é fundamental que o esforço seja mantido no plano suprapartidário As resistências advindas do temor de perda de receita talvez possam vir a ser parcialmente contornadas se a reforma tributá ria puder ser conjugada com outras reformas que possam oferecer aos governos subnacionais a perspectiva de algum alívio fiscal pelo lado do dispêndio como discutido na seção 1 No que diz respeito ao esforço de reforma tributária propriamente dito é preciso evitar tanto o excesso de ousadia quanto o conformismo exa gerado O governo federal parece ter transitado de um extremo ao outro nos últimos cinco anos Há que se resistir a propostas impetuosas de se botar abaixo para se fazer de novo E há que se reconhecer os méritos dos avanços paulatinos e da necessidade de se decompor em módulos e de se distribuírem no tempo modificações mais radicais E há também que abrir espaço para a experimentação e a calibragem Por outro lado é pre ciso evitar a crença exagerada nas possibilidades das pequenas refor mas Não importa quão prudente seja o avanço é preciso ter em mente que os pequenos passos têm de fazer parte de um plano de jogo mais ousado que envolva um movimento determinado de construção de um novo sistema tributário claramente vislumbrado e bastante diferente do que hoje se tem Um sistema tributário compatível com a enorme potencialidade e os grandes anseios do país nesse início de milênio