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Pedagogia ·
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Texto de pré-visualização
N CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E ENSINO DE PORTUGUÊS João Wanderley Geraldi Na realidade toda palavra comporta duas faces Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém como pelo fato de que se dirige para alguém Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro MIKHAIL BAKHTIN O baixo nível de utilização da língua o inventário das deficiências que podem ser apontadas como resultados do que já nos habituamos a chamar de crise do sistema educacional brasileiro ocupa lugar privilegiado o baixo nível de desempenho lingüístico demonstrado por estudantes na utilização da língua quer na modalidade oral quer na modalidade escrita Não falta quem diga que a juventude de hoje não consegue expressar seu pensamento que estando a humanidade na era da comunicação há incapacidade generalizada de articular um juízo e estruturar lingüisticamente uma sentença E para comprovar tais afirmações os exemplos são abundantes as redações de vestibulandos o vocabulário da gíria jovem o baixo nível de leitura comprovável facilmente pelas baixas tiragens de nossos jornais revistas obras de ficção etc Apesar do ranço de muitas dessas afirmações e dos equívocos de algumas explicações é necessário reconhecer um fracasso da escola e no interior desta do ensino de língua portuguesa tal como vem sendo praticado na quase totalidade de nossas aulas Reconhecer e mesmo partilhar com os alunos tal fracasso não significa em absoluto responsabilizar o professor pelos resultados insatisfatórios de seu ensino Sabemos e vivemos as condições de trabalho do professor especialmente do professor de primeiro e segundo graus Mais ainda sabemos que a educação tem muitas vezes sido relegada à inércia administrativa a professores mal pagos e mal remunerados a verbas escassas e aplicadas com tal falta de racionalidade que nem mesmo a lógica do sistema poderia explicar Mello 1979 Aceitamos com a mesma autora citada a premissa de que apenas a igualdade social e econômica garante a igualdade de condições para ter acesso aos benefícios educacionais Mas acreditamos também que no interior das contradições que se presentificam na prática efetiva de sala de aula poderemos buscar um espaço de atuação profissional em que se delineie um fazer agora na escola que temos alguma coisa que nos aproxime da escola que queremos mas que depende de determinantes externos aos limites da ação da e na própria escola Nesse sentido as questões aqui levantadas procuram fugir tanto da receita quanto da denúncia buscando construir alguma alternativa de ação apesar dos perigos resultantes da complexidade GERALDI João Wanderley et al orgs O texto na sala de aula 3 ed São Paulo Ática 1999 do tema ensino da língua materna Uma questão prévia a opção política e a sala de aula Antes de qualquer consideração específica sobre a atividade de sala de aula é preciso que se tenha presente que toda e qualquer metodologia de ensino articula uma opção política que envolve uma teoria de compreensão e interpretação da realidade com os mecanismos utilizados em sala de aula Assim os conteúdos ensinados o enfoque que se dá a eles as estratégias de trabalho com os alunos a bibliografia utilizada o sistema de avaliação o relacionamento com os alunos tudo corresponderá nas nossas atividades concretas de sala de aula ao caminho por que optamos Em geral quando se fala em ensino uma questão prévia para que ensinamos o que ensinamos e sua correlata para que as crianças aprendem o que aprendem é esquecida em benefício de discussões sobre o como ensinar o quando ensinar o que ensinar etc Pareceme no entanto que a resposta ao para que dará efetivamente as diretrizes básicas das respostas Ora no caso do ensino de língua portuguesa uma resposta ao para que envolve tanto uma concepção de linguagem quanto uma postura relativamente à educação Uma e outra se fazem presentes na articulação metodológica Por isso são questões prévias Atenhome aqui a considerar a questão da concepção de linguagem apesar dos riscos da generalização apressada Concepções de linguagem Fundamentalmente três concepções podem ser apontadas A linguagem é a expressão do pensamento essa concepção ilumina basicamente os estudos tradicionais Se concebemos a linguagem como tal somos levados a afirmações correntes de que pessoas que não conseguem se expressar não pensam A linguagem é instrumento de comunicação essa concepção está ligada à teoria da comunicação e vê a língua como código conjunto de signos que se combinam segundo regras capaz de transmitir ao receptor certa mensagem Em livros didáticos é a concepção confessada nas instruções ao professor nas introduções nos títulos embora em geral seja abandonada nos exercícios gramaticais A linguagem é uma forma de interação mais do que possibilitar uma transmissão de informações de um emissor a um receptor a linguagem é vista como um lugar de interação humana Por meio dela o sujeito que fala pratica ações que não conseguiria levar a cabo a não ser falando com ela o falante age sobre o ouvinte constituindo compromissos e vínculos que não preexistiam à fala Grosso modo essas três concepções correspondem às três grandes correntes dos estudos lingüísticos a gramática tradicional o estruturalismo e o transformacionalismo a lingüística da enunciação A discussão aqui proposta procurará se situar no interior da terceira concepção de linguagem Acredito que ela implicará uma postura educacional diferenciada uma vez que situa a linguagem como o lugar de constituição de relações sociais onde os falantes se tornam sujeitos A interação lingüística A língua só tem existência no jogo que se joga na sociedade na interlocução E é no interior de seu funcionamento que se pode procurar estabelecer as regras de tal jogo Tomo um exemplo Dado que alguém Pedro dirija a outro José uma pergunta como Você foi ao cinema ontem tal fala de Pedro modifica suas relações com José estabelecendo um jogo de compromissos Para José só há duas possibilidades responder sim ou não ou pôr em questão o direito de Pedro em lhe dirigir tal pergunta fazendo de conta que não ouviu ou respondendo o que você tem a ver com isso No primeiro caso diríamos que José aceitou o jogo proposto por Pedro No segundo caso José não aceitou o jogo e pôs em questão o próprio direito de jogar assumido por Pedro Estudar a língua é então tentar detectar os compromissos que se criam por meio da fala e as condições que devem ser preenchidas por um falante para falar de certa forma em determinada situação concreta de interação Dentro de tal concepção já é insuficiente fazer uma tipologia entre frases afirmativas interrogativas imperativas e optativas a que estamos habituados seguindo manuais didáticos ou gramáticas escolares No ensino da língua nessa perspectiva é muito mais importante estudar as relações que se constituem entre os sujeitos no momento em que falam do que simplesmente estabelecer classificações e denominar os tipos de sentenças A democratização da escola Tal perspectiva ao jogarnos diretamente no estudo da linguagem em funcionamento também nos obriga a uma posição na sala de aula em relação às variedades lingüísticas Refirome ao problema enfrentado cotidianamente pelo professor das variedades quer sociais quer regionais Afinal dadas as diferenças dialetais e dado que sabemos hoje por menor que seja nossa formação que tais variedades correspondem a distintas gramáticas como agir no ensino Pareceme que um pouco da resposta à perplexidade de todos aqueles que de uma forma ou de outra estão envolvidos com o sistema escolar em relação ao baixo nível do ensino contemporâneo pode ser buscado no fato de que a escola hoje não recebe apenas alunos provenientes das camadas mais beneficiadas da população A democratização da escola ainda que falsa trouxe em seu bojo outra clientela e com ela diferenças dialetais bastante acentuadas De repente não damos aulas só para aqueles que pertencem a nosso grupo social Representantes de outros grupos estão sentados nos bancos escolares E eles falam diferente Sabemos que a forma de fala que foi elevada à categoria de língua nada tem a ver com a qualidade intrínseca dessa forma Fatos históricos econômicos e políticos determinaram a eleição de uma forma como a língua portuguesa As demais formas de falar que não correspondem à forma eleita são todas postas num mesmo saco e qualificadas como errôneas deselegantes inadequadas para a ocasião etc Entretanto uma variedade lingüística vale o que valem na sociedade os seus falantes isto é vale como reflexo do poder e da autoridade que eles têm nas relações econômicas e sociais Essa afirmação é válida evidentemente em termos internos quando confrontamos variedades de uma mesma língua e em termos externos pelo prestígio das línguas no plano internacional Gnerre 1978 A transformação de uma variedade lingüística em variedade culta ou padrão está associada a vários fatores entre os quais Gnerre aponta a associação dessa variedade à modalidade escrita a associação dessa variedade à tradição gramatical a dicionarização dos signos dessa variedade a consideração dessa variedade como portadora legítima de uma tradição cultural e de uma identidade nacional Agora dada a situação de fato em que estamos qual poderia ser a atitude do professor de língua portuguesa A separação entre a forma de fala de seus alunos e a variedade lingüística considerada padrão é evidente Sabendose que tais diferenças são reveladoras de outras diferenças e sabendose que a língua padrão resulta de uma imposição social que desclassifica os demais dialetos qual a postura a ser adotada pelo professor Dominar que forma de falar Pareceme que simplesmente valorizar as formas dialetais consideradas não cultas mas lingüisticamente válidas tomandoas como o objeto do processo de ensino é desconhecer que a começar do nível mais elementar de relações com o poder a linguagem constitui o arame farpado mais poderoso para bloquear o acesso ao poder Gnerre 1978 Como aponta Magda Soares 1983 de um lado há os que pretendem que a escola deva respeitar e preservar a variedade lingüística das classes populares e sua peculiar relação com a linguagem consideradas tão válidas e eficientes para comunicação quanto a variedade lingüística socialmente privilegiada Nesse caso a escola deveria assumir a variedade lingüística das classes populares como instrumento legítimo do discurso escolar dos professores dos alunos e do material didático Por outro lado há os que afirmam a necessidade de que as classes populares aprendam a usar a variedade lingüística socialmente privilegiada própria das classes dominantes e aprendam a manter com a linguagem a relação que as classes dominantes com ela mantêm porque a posse dessa variedade e dessa forma específica de relação com a linguagem é instrumento fundamental e indispensável na luta pela superação das desigualdades sociais Mais próximo à segunda posição me parece que cabe ao professor de língua portuguesa ter presente que as atividades de ensino deveriam oportunizar aos seus alunos o domínio de outra forma de falar o dialeto padrão sem que signifique a depreciação da forma de falar predominante em sua família em seu grupo social etc Isso porque é preciso romper com o bloqueio de acesso ao poder e a linguagem é um de seus caminhos Se ela serve para bloquear e disso ninguém duvida também serve para romper o bloqueio Não estou afirmando que por meio das aulas de língua portuguesa se processará a modificação da estrutura social Estou tão e somente querendo dizer que o princípio quem não se comunica se trumbica não pode servir de fundamento de nosso ensino afinal nossos alunos se comunicam em seu dialeto mas têm se trumbicado que não é fácil E é claro que este se trumbicar não se deve apenas à sua linguagem Ensino da língua e ensino da metalinguagem Se o objetivo das aulas de língua portuguesa é oportunizar o domínio do dialeto padrão devemos acrescentar outra questão a dicotomia entre ensino da língua e ensino da metalinguagem A opção de um ensino da língua considerando as relações humanas que ela perpassa concebendo a linguagem como lugar de um processo de interação a partir da perspectiva de que na escola se pode oportunizar o domínio de mais outra forma de expressão exige que reconsideremos o que vamos ensinar já que tal opção representa parte da resposta do para que ensinamos Nesse sentido a alteração da situação atual do ensino de língua portuguesa não passa apenas por uma mudança nas técnicas e nos métodos empregados na sala de aula Uma diferente concepção de linguagem constrói não só uma nova metodologia mas principalmente um novo conteúdo de ensino Pareceme que o mais caótico da atual situação do ensino de língua portuguesa em escolas de primeiro grau consiste precisamente no ensino para alunos que nem sequer dominam a variedade culta de uma metalinguagem de análise dessa variedade com exercícios contínuos de descrição gramatical estudo de regras e hipóteses de análise de problemas que mesmo especialistas não estão seguros de como resolver Apenas para exemplificar já tive a oportunidade de folhear cadernos de anotações de aluno de quinta série O pobre menino anotara que para Saussure a língua é um conjunto estruturado de signos lingüísticos arbitrários por natureza mas que para Chomsky grafado Jonsqui estudar uma língua era estabelecer regras profundas da competência dos falantes Exemplo menos caótico mas nem por isso menos triste e infelizmente mais freqüente são páginas e páginas de conjugações verbais em todos os tempos e modos sem que o aluno nem sequer suspeite o que significa indicativo subjuntivo ou maisqueperfeito A maior parte do tempo e do esforço gastos por professores e alunos durante o processo escolar serve para aprender a metalinguagem de análise da língua com alguns exercícios e eu me arriscaria a dizer exercícios esporádicos de língua propriamente ditos Entretanto uma coisa é saber a língua isto é dominar as habilidades de uso da língua em situações concretas de interação entendendo e produzindo enunciados percebendo as diferenças entre uma forma de expressão e outra Outra é saber analisar uma língua dominando conceitos e metalinguagens a partir dos quais se fala sobre a língua se apresentam suas características estruturais e de uso Entre esses dois tipos de atividades é preciso optar pelo predomínio de um sobre o outro Tradicionalmente prevaleceu o ensino da descrição lingüística eu diria que nem sequer a descrição prevaleceu mas o exemplário de descrições previamente feitas pois na escola não se aprende a descrever fatos novos formular hipóteses de descrição etc O que se aprende na verdade é exemplificar descrições previamente feitas pela gramática Mais modernamente as descrições tradicionais foram substituídas por descrições da teoria da comunicação e hoje o aluno sabe o que é emissor receptor mensagem etc Na verdade substituiuse uma metalinguagem por outra Pareceme que para o ensino de primeiro grau as atividades devem girar em torno do ensino da língua e apenas subsidiariamente se deverá apelar para a metalinguagem quando a descrição da língua se impõe como meio para alcançar o objetivo final de domínio da língua em sua variedade padrão Gostaria de encerrar essas breves considerações sobre concepção de linguagem variedades lingüísticas e ensino de línguaensino de metalinguagem reafirmando que a reflexão sobre o para quê de nosso ensino exige que pensemos sobre o próprio fenômeno de que somos professores no nosso caso a linguagem porque tal reflexão ainda que assistemática ilumina toda a atuação do professor em sala de aula Este texto retoma e desenvolve idéias expostas em Subsídios metodológicos para o ensino de língua portuguesa Cadernos da Fidene 18 1981 As mesmas idéias foram também publicadas
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as redações de vestibulandos o vocabulário da gíria jovem o baixo nível de leitura comprovável facilmente pelas baixas tiragens de nossos jornais revistas obras de ficção etc Apesar do ranço de muitas dessas afirmações e dos equívocos de algumas explicações é necessário reconhecer um fracasso da escola e no interior desta do ensino de língua portuguesa tal como vem sendo praticado na quase totalidade de nossas aulas Reconhecer e mesmo partilhar com os alunos tal fracasso não significa em absoluto responsabilizar o professor pelos resultados insatisfatórios de seu ensino Sabemos e vivemos as condições de trabalho do professor especialmente do professor de primeiro e segundo graus Mais ainda sabemos que a educação tem muitas vezes sido relegada à inércia administrativa a professores mal pagos e mal remunerados a verbas escassas e aplicadas com tal falta de racionalidade que nem mesmo a lógica do sistema poderia explicar Mello 1979 Aceitamos com a mesma autora citada a premissa de que apenas a igualdade social e econômica garante a igualdade de condições para ter acesso aos benefícios educacionais Mas acreditamos também que no interior das contradições que se presentificam na prática efetiva de sala de aula poderemos buscar um espaço de atuação profissional em que se delineie um fazer agora na escola que temos alguma coisa que nos aproxime da escola que queremos mas que depende de determinantes externos aos limites da ação da e na própria escola Nesse sentido as questões aqui levantadas procuram fugir tanto da receita quanto da denúncia buscando construir alguma alternativa de ação apesar dos perigos resultantes da complexidade GERALDI João Wanderley et al orgs O texto na sala de aula 3 ed São Paulo Ática 1999 do tema ensino da língua materna Uma questão prévia a opção política e a sala de aula Antes de qualquer consideração específica sobre a atividade de sala de aula é preciso que se tenha presente que toda e qualquer metodologia de ensino articula uma opção 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não conseguiria levar a cabo a não ser falando com ela o falante age sobre o ouvinte constituindo compromissos e vínculos que não preexistiam à fala Grosso modo essas três concepções correspondem às três grandes correntes dos estudos lingüísticos a gramática tradicional o estruturalismo e o transformacionalismo a lingüística da enunciação A discussão aqui proposta procurará se situar no interior da terceira concepção de linguagem Acredito que ela implicará uma postura educacional diferenciada uma vez que situa a linguagem como o lugar de constituição de relações sociais onde os falantes se tornam sujeitos A interação lingüística A língua só tem existência no jogo que se joga na sociedade na interlocução E é no interior de seu funcionamento que se pode procurar estabelecer as regras de tal jogo Tomo um exemplo Dado que alguém Pedro dirija a outro José uma pergunta como Você foi ao cinema ontem tal fala de Pedro modifica suas relações com José estabelecendo um jogo de compromissos Para José só há duas possibilidades responder sim ou não ou pôr em questão o direito de Pedro em lhe dirigir tal pergunta fazendo de conta que não ouviu ou respondendo o que você tem a ver com isso No primeiro caso diríamos que José aceitou o jogo proposto por Pedro No segundo caso José não aceitou o jogo e pôs em questão o próprio direito de jogar assumido por Pedro Estudar a língua é então tentar detectar os compromissos que se criam por meio da fala e as condições que devem ser preenchidas por um falante para falar de certa forma em determinada situação concreta de interação Dentro de tal concepção já é insuficiente fazer uma tipologia entre frases afirmativas interrogativas imperativas e optativas a que estamos habituados seguindo manuais didáticos ou gramáticas escolares No ensino da língua nessa perspectiva é muito mais importante estudar as relações que se constituem entre os sujeitos no momento em que falam do que simplesmente estabelecer classificações e denominar os tipos de sentenças A democratização da escola Tal perspectiva ao jogarnos diretamente no estudo da linguagem em funcionamento também nos obriga a uma posição na sala de aula em relação às variedades lingüísticas Refirome ao problema enfrentado cotidianamente pelo professor das variedades quer sociais quer regionais Afinal dadas as diferenças dialetais e dado que sabemos hoje por menor que seja nossa formação que tais variedades correspondem a distintas gramáticas como agir no ensino Pareceme que um pouco da resposta à perplexidade de todos aqueles que de uma forma ou de outra estão envolvidos com o sistema escolar em relação ao baixo nível do ensino contemporâneo pode ser buscado no fato de que a escola hoje não recebe apenas alunos provenientes das camadas mais beneficiadas da população A democratização da escola ainda que falsa trouxe em seu bojo outra clientela e com ela diferenças dialetais bastante acentuadas De repente não damos aulas só para aqueles que pertencem a nosso grupo social Representantes de outros grupos estão sentados nos bancos escolares E eles falam diferente Sabemos que a forma de fala que foi elevada à categoria de língua nada tem a ver com a qualidade intrínseca dessa forma Fatos históricos econômicos e políticos determinaram a eleição de uma forma como a língua portuguesa As demais formas de falar que não correspondem à forma eleita são todas postas num mesmo saco e qualificadas como errôneas deselegantes inadequadas para a ocasião etc Entretanto uma variedade lingüística vale o que valem na sociedade os seus falantes isto é vale como reflexo do poder e da autoridade que eles têm nas relações econômicas e sociais Essa afirmação é válida evidentemente em termos internos quando confrontamos variedades de uma mesma língua e em termos externos pelo prestígio das línguas no plano internacional Gnerre 1978 A transformação de uma variedade lingüística em variedade culta ou padrão está associada a vários fatores entre os quais Gnerre aponta a associação dessa variedade à modalidade escrita a associação dessa variedade à tradição gramatical a dicionarização dos signos dessa variedade a consideração dessa variedade como portadora legítima de uma tradição cultural e de uma identidade nacional Agora dada a situação de fato em que estamos qual poderia ser a atitude do professor de língua portuguesa A separação entre a forma de fala de seus alunos e a variedade lingüística considerada padrão é evidente Sabendose que tais diferenças são reveladoras de outras diferenças e sabendose que a língua padrão resulta de uma imposição social que desclassifica os demais dialetos qual a postura a ser adotada pelo professor Dominar que forma de falar Pareceme que simplesmente valorizar as formas dialetais consideradas não cultas mas lingüisticamente válidas tomandoas como o objeto do processo de ensino é desconhecer que a começar do nível mais elementar de relações com o poder a linguagem constitui o arame farpado mais poderoso para bloquear o acesso ao poder Gnerre 1978 Como aponta Magda Soares 1983 de um lado há os que pretendem que a escola deva respeitar e preservar a variedade lingüística das classes populares e sua peculiar relação com a linguagem consideradas tão válidas e eficientes para comunicação quanto a variedade lingüística socialmente privilegiada Nesse caso a escola deveria assumir a variedade lingüística das classes populares como instrumento legítimo do discurso escolar dos professores dos alunos e do material didático Por outro lado há os que afirmam a necessidade de que as classes populares aprendam a usar a variedade lingüística socialmente privilegiada própria das classes dominantes e aprendam a manter com a linguagem a relação que as classes dominantes com ela mantêm porque a posse dessa variedade e dessa forma específica de relação com a linguagem é instrumento fundamental e indispensável na luta pela superação das desigualdades sociais Mais próximo à segunda posição me parece que cabe ao professor de língua portuguesa ter presente que as atividades de ensino deveriam oportunizar aos seus alunos o domínio de outra forma de falar o dialeto padrão sem que signifique a depreciação da forma de falar predominante em sua família em seu grupo social etc Isso porque é preciso romper com o bloqueio de acesso ao poder e a linguagem é um de seus caminhos Se ela serve para bloquear e disso ninguém duvida também serve para romper o bloqueio Não estou afirmando que por meio das aulas de língua portuguesa se processará a modificação da estrutura social Estou tão e somente querendo dizer que o princípio quem não se comunica se trumbica não pode servir de fundamento de nosso ensino afinal nossos alunos se comunicam em seu dialeto mas têm se trumbicado que não é fácil E é claro que este se trumbicar não se deve apenas à sua linguagem Ensino da língua e ensino da metalinguagem Se o objetivo das aulas de língua portuguesa é oportunizar o domínio do dialeto padrão devemos acrescentar outra questão a dicotomia entre ensino da língua e ensino da metalinguagem A opção de um ensino da língua considerando as relações humanas que ela perpassa concebendo a linguagem como lugar de um processo de interação a partir da perspectiva de que na escola se pode oportunizar o domínio de mais outra forma de expressão exige que reconsideremos o que vamos ensinar já que tal opção representa parte da resposta do para que ensinamos Nesse sentido a alteração da situação atual do ensino de língua portuguesa não passa apenas por uma mudança nas técnicas e nos métodos empregados na sala de aula Uma diferente concepção de linguagem constrói não só uma nova metodologia mas principalmente um novo conteúdo de ensino Pareceme que o mais caótico da atual situação do ensino de língua portuguesa em escolas de primeiro grau consiste precisamente no ensino para alunos que nem sequer dominam a variedade culta de uma metalinguagem de análise dessa variedade com exercícios contínuos de descrição gramatical estudo de regras e hipóteses de análise de problemas que mesmo especialistas não estão seguros de como resolver Apenas para exemplificar já tive a oportunidade de folhear cadernos de anotações de aluno de quinta série O pobre menino anotara que para Saussure a língua é um conjunto estruturado de signos lingüísticos arbitrários por natureza mas que para Chomsky grafado Jonsqui estudar uma língua era estabelecer regras profundas da competência dos falantes Exemplo menos caótico mas nem por isso menos triste e infelizmente mais freqüente são páginas e páginas de conjugações verbais em todos os tempos e modos sem que o aluno nem sequer suspeite o que significa indicativo subjuntivo ou maisqueperfeito A maior parte do tempo e do esforço gastos por professores e alunos durante o processo escolar serve para aprender a metalinguagem de análise da língua com alguns exercícios e eu me arriscaria a dizer exercícios esporádicos de língua propriamente ditos Entretanto uma coisa é saber a língua isto é dominar as habilidades de uso da língua em situações concretas de interação entendendo e produzindo enunciados percebendo as diferenças entre uma forma de expressão e outra Outra é saber analisar uma língua dominando conceitos e metalinguagens a partir dos quais se fala sobre a língua se apresentam suas características estruturais e de uso Entre esses dois tipos de atividades é preciso optar pelo predomínio de um sobre o outro Tradicionalmente prevaleceu o ensino da descrição lingüística eu diria que nem sequer a descrição prevaleceu mas o exemplário de descrições previamente feitas pois na escola não se aprende a descrever fatos novos formular hipóteses de descrição etc O que se aprende na verdade é exemplificar descrições previamente feitas pela gramática Mais modernamente as descrições tradicionais foram substituídas por descrições da teoria da comunicação e hoje o aluno sabe o que é emissor receptor mensagem etc Na verdade substituiuse uma metalinguagem por outra Pareceme que para o ensino de primeiro grau as atividades devem girar em torno do ensino da língua e apenas subsidiariamente se deverá apelar para a metalinguagem quando a descrição da língua se impõe como meio para alcançar o objetivo final de domínio da língua em sua variedade padrão Gostaria de encerrar essas breves considerações sobre concepção de linguagem variedades lingüísticas e ensino de línguaensino de metalinguagem reafirmando que a reflexão sobre o para quê de nosso ensino exige que pensemos sobre o próprio fenômeno de que somos professores no nosso caso a linguagem porque tal reflexão ainda que assistemática ilumina toda a atuação do professor em sala de aula Este texto retoma e desenvolve idéias expostas em Subsídios metodológicos para o ensino de língua portuguesa Cadernos da Fidene 18 1981 As mesmas idéias foram também publicadas