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EDITORA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ REITOR Prof Dr Mauro Luciano Baesso VICEREITOR Prof Dr Julio César Damasceno DIRETORA DA EDUEM Profa Dra Terezinha Oliveira EDITORACHEFE DA EDUEM Profa Dra Gisella Maria Zanin CONSELHO EDITORIAL PRESIDENTE Profa Dra Terezinha Oliveira EDITORES CIENTÍFICOS Profa Dra Ana Lúcia Rodrigues Profa Dra Angela Mara de Barros Lara Profa Dra Analete Regina Schelbauer Prof Dr Antonio Ozai da Silva Profa Dra Cecília Edna Mareze da Costa Prof Dr Eduardo Augusto Tomanik Profa Dra Elaine Rodrigues Profa Dra Larissa Michelle Lara Prof Dr Luiz Roberto Evangelista Profa Dra Luzia Marta Bellini Prof Me Marcelo Soncini Rodrigues Prof Dr Márcio Roberto do Prado Prof Dr Mário Luiz Neves de Azevedo Profa Dra Maria Cristina Gomes Machado Prof Dr Oswaldo Curty da Motta Lima Prof Dr Raymundo de Lima Profa Dra Regina Lúcia Mesti Prof Dr Reginaldo Benedito Dias Prof Dr Sezinando Luiz Menezes Profa Dra Valéria Soares de Assis EQUIPE TÉCNICA FLUXO EDITORIAL Edneire Franciscon Jacob Marinalva Spolon Almeida Mônica Tanamati Hundzinski Vania Cristina Scomparin PROJETO GRÁFICO E DESIGN Luciano Wilian da Silva Marcos Kazuyoshi Sassaka Marcos Roberto Andreussi MARKETING Gerson Ribeiro de Andrade COMERCIALIZAÇÃO Paulo Bento da Silva Solange Marly Oshima COPYRIGHT 2016 EDUEM Todos os direitos reservados Proibida a reprodução mesmo parcial por qualquer processo mecânico eletrônico reprográfico etc sem a autorização por escrito do autor Todos os direitos reservados desta edição 2016 para a editora EDUEM EDITORA DA UNIV ESTADUAL DE MARINGÁ Av Colombo 5790 Bloco 40 Campus Universitário 87020900 Maringá Paraná Fone 0xx44 30114103 wwweduemuembr eduemuembr Eduem Maringá 2010 42 Renilson José Menegassi Annie Rose dos Santos Lilian Cristina Buzato Ritter Organizadores Escrita e Ensino FORMAÇÃO DE PROFESSORES EAD Eduem Maringá 2010 Coleção Formação de Professores EAD Apoio técnico Rosane Gomes Carpanese Normalização e catalogação Ivani Baptista CRB 9331 Revisão Gramatical Annie Rose dos Santos Edição Produção Editorial e Capa Carlos Alexandre Venancio Eliane Arruda Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Escrita e ensino Renilson José Menegassi Annie Rose dos Santos Lílian Cristina Buzato Ritter 2 ed Maringá Eduem 2010 112 p 21 cm Formação de Professores EAD v 42 ISBN 9788576282846 1 Escrita Estudo e ensino 2 Leitura e escrita Estudo e ensino 3 Escrita Produção de textos 4 Linguística I Menegassi Renilson José org II Santos Annie Rose dos org III Ritter Lílian Cristina Buzato org CDD 21 ed 3724 E74 Copyright 2010 para o autor 2a reimpressão 2016 revisada Todos os direitos reservados Proibida a reprodução mesmo parcial por qualquer processo mecânico eletrônico reprográfico etc sem a autorização por escrito do autor Todos os direitos reservados desta edição 2010 para Eduem Eduem Editora da Universidade Estadual de Maringá Av Colombo 5790 Bloco 40 Campus Universitário 87020900 Maringá Paraná Fone 0xx44 30114103 wwweduemuembr eduemuembr 5 Sobre os autores Apresentação da coleção Apresentação do livro Capítulo I Concepções de escrita Renilson José Menegassi Capítulo 2 Os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita Cláudia Lopes N Saito Elvira Lopes Nascimento Capítulo 3 A produção de textos nos anos iniciais Cláudia Valéria Doná Hila Capítulo 4 Análise linguística no ensino fundamental Lilian Cristina Buzato Ritter 7 9 11 13 27 59 87 Sumário 7 CLÁUDIA LOPES NASCIMENTO SAITO Graduada em Letras Vernáculas pela Universidade Estadual de Londrina UEL Mestre em Estudos da Linguagem UEL Doutora em Linguística e Filo logia de Língua Portuguesa Unesp CLÁUDIA VALÉRIA DONÁ HILA Professora da Universidade Estadual de Maringá UEM Graduada em Letras UEM Mestre em Linguística Aplicada UEM Doutora em Estudos da Lingua gem pela UEL ELVIRA LOPES NASCIMENTO Professora da Universidade Estadual de Londrina UEL Graduada em Letras Anglo Portuguesas UEL Mestre em Filologia e Língua Portuguesa USP Doutora em Filologia e Língua Portuguesa USP LÍLIAN CRISTINA BUZATO RITTER Professora da Universidade Estadual de Maringá UEM Graduada em Letras UEM Mestre em Linguística Aplicada UEM Doutora em Estudos da Lingua gem pela UEL RENILSON JOSÉ MENEGASSI Professor da Universidade Estadual de Maringá UEM Graduado em Letras UEM Mestre em Linguística UFSC Doutor em Letras Unesp Sobre os autores 9 A coleção Formação de Professores EAD teve sua primeira edição em 2004 com a publicação de 33 títulos fi nanciados pela Secretaria de Educação a Distância SEED do Ministério da Educação MEC para que os livros pudessem ser utilizados como material didático nos cursos de licenciatura ofertados no âmbito do Programa de Formação de Professores PróLicenciatura 1 A tiragem da primeira edição foi de 2500 exemplares A partir de 2008 demos início ao processo de organização e publicação da segunda edição da coleção com o acréscimo de 12 novos títulos A conclusão dos trabalhos deverá ocorrer somente no ano de 2012 tendo em vista que o fi nanciamento para esta edição será liberado gradativamente de acordo com o cronograma estabelecido pela Diretoria de Educação a Distância DED da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior CAPES que é responsável pelo do programa denominado Universidade Aberta do Brasil UAB A principio serão impressos 695 exemplares de cada título uma vez que os livros da nova coleção serão utilizados como material didático para os alunos matriculados no Curso de Pedagogia Modalidade de Educação a Distância ofertado pela Universi dade Estadual de Maringá no âmbito do Sistema UAB Cada livro da coleção traz em seu bojo um objeto de refl exão que foi pensado para uma disciplina específi ca do curso mas em nenhum deles seus organizadores e autores tiveram a pretensão de dar conta da totalidade das discussões teóricas e práticas construídas historicamente no que se refere aos conteúdos apresentados O que se busca com cada um dos livros publicados é abrir a possibilidade da leitura da refl exão e do aprofundamento das questões pensadas como fundamentais para a formação do Pedagogo na atualidade Por isso mesmo esta coleção somente poderia ser construída a partir do esforço coletivo de professores das mais diversas áreas e departamentos da Universidade Esta dual de Maringá UEM e das instituições que tem se colocado como parceiras nesse processo Em função disto agradecemos sinceramente aos colegas da UEM e das demais instituições que organizaram livros ou escreveram capítulos para os diversos livros desta coleção Agradecemos ainda à administração central da UEM que por meio da atuação direta da Reitoria e de diversas PróReitorias não mediu esforços para que os trabalhos Apresentação da Coleção 10 ESCRITA E ENSINO pudessem ser desenvolvidos da melhor maneira possível De modo bastante especifi co destacamos aqui o esforço da Reitoria para que os recursos para o fi nanciamento desta coleção pudessem ser liberados de acordo com os trâmites burocráticos e os prazos exíguos estabelecidos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação FNDE Internamente destacamos ainda o envolvimento direito dos professores do De partamento de Fundamentos da Educação DFE vinculado ao Centro de Ciências Humanas Letras e Artes DFE que no decorrer dos últimos anos empreenderam esforços para que o curso de Pedagogia na modalidade de educação a distância pu desse ser criado ofi cialmente o que exigiu um repensar no trabalho acadêmico e uma modifi cação signifi cativa da sistemática das atividades docentes No que se refere ao Ministério da Educação ressaltamos o esforço empreendido pela Diretoria da Educação a Distância DED da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior CAPES e pela Secretaria de Educação de Educação a Distância SEEDMEC que em parceria com as Instituições de Ensino Superior IES conseguiram romper barreiras temporais e espaciais para que os convênios para libe ração dos recursos fossem assinados e encaminhados aos órgãos competentes para aprovação tendo em vista a ação direta e efi ciente de um número muito pequeno de pessoas que integram a Coordenação Geral de Supervisão e Fomento e a Coordenação Geral de Articulação Esperamos que a segunda edição da Coleção Formação de Professores EAD possa contribuir para a formação dos alunos matriculados no curso de Pedagogia bem como de outros cursos superiores a distância de todas as instituições públicas de en sino superior que integram e possam integrar em um futuro próximo o Sistema UAB Maria Luisa Furlan Costa Organizadora da Coleção 11 Este livro como o próprio título indica pretende abordar alguns conceitos relati vos às concepções de escrita visando sobretudo ao ensino da Língua Portuguesa nas séries iniciais do Ensino Fundamental Neste sentido o organizamos com a fi nalidade de que tais concepções de escrita possam ser apreendidas por você caroa alunoa em uma abordagem objetiva e pedagógica a começar pelo uso da linguagem o mais didática possível como deve ser em se tratando de um livro didático como é o caso deste livro que se pretende de longo alcance e efi cácia aos Cursos de Pedagogia sejam estes na modalidade a distân cia sejam na presencial Dessa forma no primeiro capítulo intitulado Concepções de Escrita Renilson José Menegassi apresenta algumas concepções de escrita discutidas no Brasil a partir dos aportes teóricos de Bakhtin e Vygotsky agrupandoas de acordo com a perspectiva teórica assumida por esses pesquisadores que se constituem na atualidade a fonte dos estudos dos que se debruçam sobre o ensino da língua portuguesa e seus desdo bramentos O capítulo ainda traz exemplos bastante ilustrativos dessas concepções de escrita cujas atividades podem ainda ser trabalhadas em sala de aula por você objeti vando a interação social entre aluno texto professor No segundo capítulo Os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendiza gem da leitura e da escrita Cláudia Lopes Nascimento Saito e Elvira Lopes Nascimento discorrem sobre os gêneros textuais na perspectiva do ensino e da aprendizagem da leitura e da escrita Em sua exposição temos clara a defi nição de gêneros textuais como construções sociais e históricas e que apesar de confi gurarem as ações humanas em qualquer contexto ou discurso não são instrumentos estanques que enrijecem a ação criativa do homem mas são maleáveis dinâmicos transformamse e se adaptam às necessidades e atividades sociais e culturais Essa defi nição auxilia e muito o traba lho em sala de aula calcado na visão interacionista da língua portuguesa Apresentação do livro 12 ESCRITA E ENSINO No terceiro capítulo A produção de textos nos anos iniciais Cláudia Valéria Doná Hila preocupase em demonstrar com exemplos consistentes a diferença existente já nas primeiras séries do Ensino Fundamental entre redação e produção textual A fi na lidade é demonstrar que a compreensão do signifi cado das concepções de linguagem para o ensino da escrita é fundamental para garantir o uso efi caz da linguagem não apenas no âmbito da escrita mas de outras práticas da sala de aula como a alfabetiza ção o trabalho com a leitura e ainda o trabalho com a gramática No quarto e último capítulo Análise linguística no Ensino Fundamental Lilian Cristina Buzato Ritter debruçase sobre o eixo prático que compõe o ensino de Língua Portuguesa a análise linguística O enfoque abordado não é fazer com que o aluno sai ba gramática como um fi m em si mesmo mas que esta seja concebida como um instru mento para melhorar a sua competência discursiva Destacase no capítulo a necessi dade de a instituição escolar possibilitar que o aluno aprenda a lidar com os diferentes modos de concretização que a linguagem apresenta tomando o conceito bakthiniano de gêneros discursivos para respaldar o ensino e a aprendizagem da língua portuguesa Esperamos que a organização destes capítulos as temáticas neles trabalhadas as concepções de linguagem e de escrita a eles subjacentes os exemplos desenvolvidos e explicitados consigam o objetivo maior a que nos propomos como organizadores do livro preocupados com a questão do ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa propiciar aos futuros professores das séries iniciais do Ensino Fundamental subsídios para um trabalho efi caz em sala de aula de modo que possam levar os seus alunos a experienciarem o ensino e a aprendizagem da língua portuguesa em uma concepção interacionista com um trabalho voltado à realidade social que permeia texto profes sor e aluno Annie Rose dos Santos Lilian Cristina Buzato Ritter Renilson José Menegassi Organizadores 13 Renilson José Menegassi Ao considerarmos a abordagem de ensino e aprendizagem de língua que se ins pira no sociointeracionismo aprender bem como ensinar signifi ca construir novo conhecimento a partir de outros já estabelecidos Entretanto o que observamos nas escolas é que o professor não passa de um treinador e o processo de aprendizagem uma alienação Percebemos também que aquele que ensina a escrever não escreve pois conforme Menegassi o professor não é um produtor de textos É um avaliador dos textos produzidos pelos alunos 2003 p 55 além disso a sua participação no processo de produção de textos em situação de ensino é restrita a dois momentos es tanques a entrega do comando ao aluno e a avaliação da redação produzida p 55 Por isso temse discutido muito sobre a formação dos professores e especifi camente no ensino de língua questionase a sua formação sobre o ensinar os alunos e o seu aprender a ler e a escrever Algumas concepções de escrita são discutidas na literatura produzida no Brasil to das a partir dos pressupostos teóricos de Bakhtin e Volochinov 1992 Bakhtin 2003 e Vygotsky 1998 Neste sentido expomos aqui algumas dessas concepções que são agrupadas em função da perspectiva teórica assumida pelos pesquisadores Assim observamos na literatura brasileira sobre Linguística Aplicada discussões relativas às concepções de escrita a partir de dois agrupamentos que são apresentados separada mente contudo suas caracterizações convergem em muitos aspectos a escrita treinada e escrita espontânea b escrita com foco na língua como dom ou inspiração como consequência como trabalho A ESCRITA TREINADA E A ESCRITA ESPONTÂNEA Soares 2001 mostra a diferença entre a escrita treinada e a espontânea Na primei ra há a reprodução a imitação de ideias e textos em que as hipóteses do aluno nesse caso o produtor do texto são impedidas já que não se pode errar nesse processo de produção Deparamonos com uma concepção tradicional em que se escreve para a 1 Concepções de escrita 14 ESCRITA E ENSINO escola não havendo singularidade pois são produzidos textos coletivos homogêneos isto é redações escolares Alguns exemplos de atividades de produção de texto aplicadas no Ensino Funda mental demonstram como essa concepção de escrita é treinada Vejamos Exemplo 1 A FORMIGA VIRIATA Viriata é uma formiga feliz Ela mora num buraco atrás do canteiro de alface Ela anda sempre afobada porque faz entregas na feira Hoje ela levou couve feijão farinha e fubá Viriata é uma ótima vendedora Autora Graça Batituci Aumente a estória ou seja crie outras frases que continuem o texto Nesse exemplo o aluno é convidado a aumentar a história da formiga Viriata apenas criando frases Notamos que o texto apresentado como apoio à produção é também formado apenas por frases e nesse contexto ao aluno cabe apenas a formu lação de frases o que atende adequadamente à solicitação do comando Com isso a concepção de escrita treinada demonstra como a construção frasal foi trabalhada em sala de aula e se efetiva na produção do texto do aluno em níveis evidentemente fragmentários Exemplo 2 Escolha um dos seguintes temas e faça uma produção de texto Um dia no circo Um palhaço engraçado Nesse exercício o aluno deve demonstrar como o treinamento de escrita realiza do em sala de aula se manifesta no papel Para tanto basta ao aluno buscar informa ções em seus conhecimentos prévios sobre um dos temas apresentados e escrever um texto que por sinal não há delimitação alguma isto é não se determina o que escrever para quem escrever que texto escrever apenas determinase de maneira subliminar que a escrita treinada em sala de aula se manifeste a partir da solicitação apresentada 15 Exemplo 3 A CHUVA Solzinho vem vem que eu doute um vintém Por cima do telha do que eu doute um real rasgado Quem cantava assim era o Zezinho Você não quer chuva hoje Zezinho perguntou o pai Nem hoje nem nunca A chuva é uma coisa muito aborrecida O paizinho não acha Às vezes meu fi lho Mas você está enganado A chuva é uma coisa muito necessária Só se for para lavar os telhados Não Sem chuva todas as plantas morreriam Morrendo as plantas os animais não teriam que comer Todos morreriam também Expressão escrita Como dizia o pai do Zezinho a chuva é uma coisa muito necessária Escreve um pequeno texto onde explique qual a importância da chuva sob que forma cai e o que acontece à chuva que cai na terra quando chove muito Nessa atividade a escrita treinada se mostra a partir das perguntas apresentadas no comando Dessa forma ao aluno cabe responder na sequência a qual a importância da chuva b sob que forma a chuva cai c o que acontece à chuva que cai na terra quando chove demais O aluno responde às perguntas e seu texto está pronto Com esse treinamento o aluno não foge ao tema proposto pois as perguntas são direcionadoras do processo de escrita A segunda concepção de escrita é a espontânea A partir dela criamse hipóteses em que o erro é permitido o aluno usa as palavras que achar necessário havendo portanto a produção de textos singulares heterogêneos Para Carvajal Pérez e Ramos Garcia 2001 na escrita treinada considerase um sujeito passivo de aprendizagem que reconhece recorda reproduz e repete e na espontânea um ser inteligente com capacidades cognitivas não só sujeito de apren dizagem mas também portador de conhecimento p 19 Conhecimento que não se forma pela imitação somente mas que se constrói a partir da interação com o outro e com o meio dentro e fora da escola E como ensinar a escrita espontânea Será que os professores sabem como fazer ou apre sentam os requisitos necessários para ensinála Segundo Carvajal Pérez e Ramos Garcia Concepções de escrita 16 ESCRITA E ENSINO É preciso facilitar a interação com a língua escrita tal qual ela é e apresentar a leitura e a escrita em contextos funcionais é necessário interpretar e produzir textos de diversos estilos e gêneros e lidar com toda a gama de materiais escri tos utilizados fora do âmbito escolar Temos de apresentar a leitura e a escrita como um desafi o cognitivo e não como uma aprendizagem mecânica de uma técnica 2001 p 23 Logo para que isso ocorra é preciso que haja tempo sufi ciente para a internaliza ção do conhecimento amadurecimento e sedimentação das palavras alheias oriundas desses textos até que se tornem palavras próprias do indivíduo que produz textos BAKHTIN 2003 GERALDI 1993 É necessária a presença de um mediador que faça a intervenção e desestabilize o outro além da presença de um meio social amplo que determine a estrutura da enunciação BAKHTIN VOLOCHINOV 1992 Como forma de auxiliar no desenvolvimento de habilidades de escrita espontânea junto aos alunos Soares 2001 também apresenta várias atividades como sugestões de ação pedagógica como a atividades que criem oportunidades para que o aluno descubra a possibili dade ou necessidade de usar a língua escrita como forma de comunicação de interlocução apresentando uma diversidade de gêneros textuais da sociedade para que ele perceba a importância da comunicação escrita em sua vida social b situações de produção de texto tanto quanto possível naturais e reais a despei to da inevitável artifi cialidade do contexto escolar ou seja propiciar situações naturais em que o aluno possa se expor e apresentar suas experiências sua vida tornarse autor de seus textos c situações em que a expressão escrita se apresente como uma resposta a um de sejo ou a uma necessidade de comunicação de interação a partir de situações naturais de escrita espontânea em que se escreva na escola e não para a escola tendo a noção de que a escrita não é somente uma atividade a ser aplicada em um futuro próximo em situações sociais que somente acontecerão quando ele se tornar um efetivo trabalhador perante a sociedade d o aluno tenha pois objetivos para escrever e destinatários leitores para quem escrever isto é que o aluno não escreva apenas para tirar nota e lograr aprovação mas para atender a uma função social e que o interlocutor não seja apenas o professor e devem seguirse atividades de análise e avaliação dos textos produzidos para que o educando aprenda juntamente com o professor na posição de coprodu tor e não somente de corretoravaliador do texto a analisar seu texto e consiga aos poucos realizar a atividade sem auxílio de outrem 17 f atividades em que se discutam se as peculiaridades do gênero do texto foram observadas se o texto está bem estruturado e se há coerência no desenvolvi mento das ideias a fi m de que o produtor aprenda a refl etir sobre o conteúdo e a forma de seu texto com o intuito de chegar à autocorreção g se o nível de informatividade corresponde às características do leitor preten dido enfatizando assim a importância dos interlocutores nesse processo de interação social via textos escritos h se recursos de coesão são utilizados de forma apropriada e ainda se costuram o texto para que o aprendiz entenda que as ideias e os parágrafos precisam estar articulados formando uma unidade de sentido i se a variedade linguística e o registro escolhidos são adequados ao tema ao ob jetivo à situação interlocutiva ou seja se o texto está respondendo de forma adequada as suas condições de produção De tal modo para colocar em prática essas atividades conforme Soares é necessá rio que o professor Conheça bem as relações entre o sistema fonológico e o sistema ortográfi co compreenda a escrita como representação e não como transcrição da língua oral seja capaz de identifi car a variedade linguística falada pela criança e assim não só prever os problemas que essa criança enfrentará mas também com preender esses problemas e saber discutilos com a criança compreen da o processo linguístico e psicolinguístico de aprendizagem da língua escrita saiba identifi car em que estágio do processo de apropriação do sistema a criança se encontra saiba interpretar as hipóteses selecionar e organi zar dados levála a confrontar essas hipóteses tenha compreendido e assumido uma concepção de língua como discurso de língua escrita como atividade enunciativa conheça os princípios que regem as relações autor leitor autortexto leitortexto saiba dominar as características dos diferen tes gêneros de texto escrito as exigências de diferentes portadores da escrita 2001 p 7273 O educador que preenche esses requisitos tem de forma consolidada uma con cepção de língua e de escrita a partir da abordagem interacionista em que o texto é visto como o próprio lugar da interação KOCH 2002 p 17 em que se consideram na escrita os aspectos da interação verbal nos pressupostos bakhtinianos e vygots kianos a internalização do conhecimento a mediação o diálogo e os mecanismos sociais e interativos Enfi m que a escrita seja sinônimo de trabalho com a língua O exemplo para a concepção de escrita espontânea é apresentado junto à concep ção de escrita como trabalho Concepções de escrita 18 ESCRITA E ENSINO AS CONCEPÇÕES DE ESCRITA O ensino da produção textual escrita em língua materna passou ao longo da histó ria da educação brasileira por várias concepções de escrita que se estabeleceram em função das concepções de linguagem e de ensino vigentes em cada período histórico Assim são conhecidas quatro concepções de escrita escrita com foco na língua escrita como dominspiração escrita como consequência escrita como trabalho As duas primeiras concepções estão voltadas às pressuposições teóricometodo lógicas da concepção de linguagem como expressão do pensamento KOCH ELIAS 2009 em que o domínio de regras gramaticais é o princípio para a construção de um texto escrito Consequentemente esse domínio é de poucos somente daqueles que apresentam inspiração divina que nascem com o dom de escrever conforme determinavam as ideias platonianas que deram origem a essa metáfora Por outro lado a concepção de escrita com consequência SERCUNDES 2001 é abordada pela con cepção de linguagem como instrumento de comunicação em que basta a aquisição de estruturas linguísticas de uma determinada língua para que um indivíduo esteja apto a desenvolver um texto escrito Por fi m a concepção de escrita como trabalho abordada pela concepção interacionista de linguagem GERALDI 1993 2001 FIAD MAYRINKSABINSON 1994 KOCH ELIAS 2009 A escrita com foco na língua É muito frequente a um professor de língua materna ou até mesmo qualquer pes soa que avalie textos escritos ao se deparar como uma produção textual ter como primeira reação corrigir diretamente no texto erros de grafi a desvios de concordân cia e sintaxe isto é aspectos formais que apresentam desvios à norma padrãoculta da língua escrita Tal postura evidencia a concepção de escrita com foco na língua que essa pessoa tem internalizada como procedimento metodológico de trabalho com o texto escrito Para que essa concepção se estabeleça ao aluno são apresentadas muitas regras gramaticais assim como vários exercícios de gramática com o fi m de que internalize todas as funções gramaticais e perspectivas linguísticas que a língua erudita fornece KOCH ELIAS 2009 Para tanto o aluno realiza inúmeros exercícios referentes a si nais de pontuação grafi a de palavras concordância regência colocação pronominal e muitos outros tópicos da gramática tradicional Assim com essas regras internalizadas 19 o aluno produzirá seu texto dentro da norma padrão escrita Por isso muitos alunos afi rmam que escrever é conhecer as regras gramaticais da língua é ter um bom voca bulário porque na realidade são esses os critérios que normalmente são empregados para se avaliar seus textos Exemplo de solicitação de produção escrita nessa concepção ocorre em situações como a descrita Contexto Os alunos trabalharam com dois exercícios que discuti am as regras de apresentação de adjeti vo anteposto e posposto ao substanti vo Num deles havia ati vidades de adjeti vos pospostos no outro ati vidades com adjeti vos antepostos Em seguida é oferecido um comando de produção escrita ao aluno Escreva algumas linhas sobre a responsabilidade do profi ssional em qualquer área de trabalho Não se esqueça de empregar adjeti vos antepostos e pospostos conforme a necessidade da descrição realizada no texto Nessa produção escrita o aluno tem como objetivo apenas a escrita de poucas linhas porém devese atentar à utilização do adjetivo e às posições que ocupa na frase evidenciandose a concepção de escrita com foco na língua A escrita como dominspiração divina Nessa concepção a produção textual escrita nasce de um título de uma frase que expõe um tema ao aluno para que produza um texto sem qualquer atividade prévia de sustentação de informações ou até mesmo de consolidação de ideias para o de senvolvimento do texto SERCUNDES 2001 Neste sentido o autor do texto produz apenas a partir das informações internalizadas acerca do assunto que é pressuposto como conhecido e divulgado pelos meios de comunicação sem qualquer discussão sobre o tema De certa maneira essa estratégia de produção ocupa o espaço de tem po do aluno e mantém a disciplina na sala de aula evitando que circule pela sala e pela escola fazendo com que seu comportamento seja controlado pela escrita que deve produzir não pela interação que deveria se estabelecer com a situação de pro dução textual Nessa perspectiva o autor no caso o aluno pensa que o ato de escrever é articular informações de maneira a exteriorizar logicamente o pensamento suas intenções sem levar em conta as experiências e os conhecimentos do leitor ou a interação que envolve esse processo Dessa forma o compromisso com o ato de escrever se dilui já que o aluno é consciente de que o professor apenas irá recolher as redações e vistálas apresentando a marca diretamente no texto que signifi ca visto pelo professor do verbo ver e não lido pelo professor como efetivamente deveria acontecer Concepções de escrita 20 ESCRITA E ENSINO Um exemplo típico dessa concepção de escrita ocorre quando na sala de aula o professor coloca no quadro uma frase como Amazônia o pulmão do mundo E solicita dos alunos a produção de uma redação sobre esse tema O aluno deverá buscar em seus conhecimentos e nas informações que conhece subsídios para escre ver um texto para isso basta que tenha o dom divino ou a inspiração divina para produzilo em uma recorrência a poderes espirituais divinos para escrever conforme sustentavam os antigos escribas dos templos religiosos O resultado dessa abordagem metodológica é um texto sem fi nalidade marcada sem interlocutor defi nido sem gê nero textual proposto e consequentemente sem objetivo para produção Essa con cepção de escrita ocorreu como abordagem de trabalho por muitos anos e ainda é empregada em muitas salas de aula A escrita como consequência Nessa concepção a escrita é uma consequência de um trabalho realizado na sala ou extraclasse de maneira homogeneizada Na sala de aula o aluno é conduzido à reali zação de uma pesquisa a assistir um fi lme a participar de um debate SERCUNDES 2001 Na situação extraclasse o aluno é levado a um passeio a visitar um determina do lugar escolhido pela professora enfi m a alguma atividade que retire o aluno do perímetro escolar Em ambas as situações a consequência por realizar uma atividade diferenciada das tradicionais é a produção escrita normalmente de um relatório que será visto pelo professor não necessariamente lido e corrigido Assim fi ca a im pressão de que a penalidade por ter realizado uma atividade motivadora de interação dentro ou fora da sala de aula é a produção de um texto escrito Nessa perspectiva o texto produzido pelo aluno é visto como registro escrito que serve para a atribuição de uma nota registro escrito que penaliza o aluno pela atividade extra realizada registro escrito que comprova que o aluno participou da atividade proposta não necessariamente que a compreendeu produto para a correção do professor produto que leva o professor à comparação com os textos mais fracos produto da avaliação da atividade realizada Nessa concepção não há consideração do tempo de sedimentação necessário para a internalização dos conhecimentos e das informações que o aluno recebeu 21 VYGOTSKY 1998 SERCUNDES 2001 MENEGASSI OHUSCHI 2008 O texto deve ser escrito logo em seguida entregue e avaliado com rapidez para que uma nova ati vidade possa ser implementada em sala de aula Nesse contexto desconsiderase que cada aluno tem seu próprio tempo de sedimentação de informações o qual se estabe lece em função da fi nalidade proposta para o trabalho de produção escrita Um exemplo de trabalho com essa abordagem acontece quando o professor leva os alunos de um determinado ano para a estação de tratamento de água da cidade para que aprendam de onde vem a água que bebem como é tratada e distribuída diretamente às casas dos moradores Nesse processo é comum observar os alunos munidos de caderno ou prancheta e caneta anotando o que for possível das inúmeras informações que o técnico da empresa de tratamento de água repassa Nesse caso a preocupação em anotar informações para a produção do relatório a ser entregue é maior do que a de aprender sobre o tratamento de água pois a fi nalidade de estar ali tem como consequência a produção do relatório a ser entregue ao professor que normalmente apenas o vista A escrita como trabalho Nessa concepção a escrita é considerada um processo contínuo de ensino e apren dizagem em que há reais necessidades para o aluno escrever Assim as atividades prévias são essenciais como pontos de partida para se desencadear uma proposta de escrita a partir da interação SERCUNDES 1998 Nela o texto é o ponto de partida e de chegada a novas produções GERALDI 1993 constituindose também como o lugar de interação aos participantes desse processo BAKHTIN VOLOCHINOV 1992 BAKHTIN 2003 GERALDI 1993 no caso o professor o aluno e o próprio texto em construção Para que se produza o texto escrito o autor passa pelas etapas do processo plane jamento execução do texto escrito revisão reescrita Nelas o professor auxilia como coprodutor do texto orientando sempre a fi nalidade o interlocutor e o gênero a ser produzido MENEGASSI 2003 Nesse âmbito a escrita é um trabalho conscien te deliberado planejado repensado por isso a denominação trabalho para essa concepção É no trabalho de planejamento que as atividades prévias são aproveitadas e orientadas para a execução da escrita Nessa etapa o aluno considera a fi nalidade o interlocutor eleito e o gênero textual escolhido para trabalhar sobre o tema a orga nização composicional e o estilo de língua na produção textual BAKHTIN 2003 Por sua vez nos processos de revisão nasce a reescrita que leva a modifi cações no texto inicial considerandose os elementos já mencionados Por isso essa concepção de escrita é conhecida como trabalho porque dá trabalho preparar construir revisar Concepções de escrita 22 ESCRITA E ENSINO reescrever e avaliar um texto por isso mesmo ela é considerada como pertencen te à abordagem processualdiscursiva de escrita distinguindose das concepções já discutidas Como exemplo dessa concepção de escrita observemos a descrição da atividade que levou alunos à estação de tratamento de água e à produção do relatório advindo desse trabalho Evidentemente essa proposta é uma ampliação daquela exposta na concepção de escrita como consequência que precisa ser adaptada ao ano escolar à fi nalidade ao interlocutor e ao gênero textual defi nidos previamente A atividade está adequada aos propósitos da concepção de escrita como trabalho sendo pertinente às propostas teóricometodológicas atuais Tema O TRATAMENTO DA ÁGUA QUE BEBEMOS I Leitura e trabalho com textos envolvendo a temática sobre água em algumas disciplinas em uma relação interdisciplinar Língua Portuguesa poema letra de música Ciências texto científi co sobre a composição e o tratamento de água História relatos sobre o uso da água ao longo da história humana e as formas de tratamento empregadas Geografi a descrições e relatos sobre as localizações e utilizações de manan ciais de água para consumo humano Matemática as medidas e formas de envasamento da água II Delimitação da fi nalidade do interlocutor e do gênero textual que será produzido Finalidade apresentar como ocorre o processo de captação tratamento arma zenamento e distribuição da água para consumo humano Interlocutor alunos das séries que participaram da visita à estação de trata mento de água Gênero textual relato de experiência Suporte textual folha de papel sulfi te Meio de circulação social quadro de madeira exposto no corredor da escola III Delimitação de regras entre os participantes a Escribas escolha de duas pessoas na sala que farão o papel de escribas isto é aqueles que anotarão as informações importantes que os participantes deter minarem como relevantes Devemos observar que não são anotações que os 23 escribas determinarão como pertinentes mas sim aquelas que os participantes os demais alunos da sala escolherem b Participantes não levarão material para anotações contudo deverão repassar aos escribas quais são as informações mais relevantes que são expostas durante a visita Um detalhe nesse caso é que as informações não podem se repetir o que leva cada participante a prestar atenção em quais delas já foram apresenta das aos escribas IV Planejamento do texto Em dia posterior todas as anotações realizadas pelos escribas são expostas no qua dro para visualização geral A partir disso iniciase o processo de planejamento do gênero textual escolhido a levantamento de todas as informações no quadro b observações de quais informações são repetidas c eliminação das informações repetidas eou desarticuladas com o tema d escolha de dez ou mais informações principais que representem o conjunto de informações levantadas e encaminhamento da produção do relato de experiência V Execução do texto O aluno de posse das dez principais informações levantadas na visita à estação de tratamento de água produz o texto solicitado de maneira individual ou coletiva conforme orientação docente Essa produção pode ser realizada na sala de aula ou até mesmo em casa VI Revisão do texto Os textos são revisados de duas maneiras a pelo próprio aluno b por um de seus pares da sala de aula Nessa revisão devese observar que as dez informações levanta das como as principais devem ser analisadas para que se verifi que se estão constando completamente do texto produzido Caso falte uma delas o aluno deve reescrever seu texto à luz desse levantamento Outra situação é observar se no texto produzido há alguma informação que não está sufi cientemente esclarecida articulada relacionada e coesa com o texto construído Caso isso aconteça o processo de reescrita é ativado VII Avaliação do texto Todo texto deve ser avaliado com critérios que sejam apresentados anteriormen te ao aluno Assim devemos apresentar aos participantes o critério inicial de que seu texto será avaliado a partir da exposição das dez informações consideradas mais Concepções de escrita 24 ESCRITA E ENSINO relevantes para toda a classe Com isso o professor faz a avaliação de um texto muito mais completo já pensado e modifi cado pelo aluno em uma nítida confi guração de que o processo de escrita está sendo efetivamente implementado VIII Circulação social do texto Após todo esse trabalho o texto é exposto no quadro de madeira no corredor da es cola para que os alunos que não foram à estação de tratamento de água conheçam como é o processo a partir dos relatos de experiências apresentados à comunidade da escola Como podemos observar o trabalho de produção textual escrita nessa concepção é muito diferente daqueles descritos nas seções que discutem as demais concepções de escrita Com isso podemos afi rmar categoricamente que escrever é um trabalho deli berado pensado interativo dialógico e produtivo Assim essa é a proposta ideal para a efetivação da produção de textos em situação de ensino BAKHTIN M VOLOCHINOV M Marxismo e Filosofi a da Linguagem 6 ed São Paulo Hucitec 1992 BAKHTIN M Estética da criação verbal 4 ed São Paulo Martins Fontes 1997 2003 CARVAJAL PÉREZ F RAMOS GARCIA J Org Ensinar ou aprender a ler e a escrever Porto Alegre Artmed 2001 EVANGELISTA A A M et al Professorleitor alunoautor refl exões sobre avaliação do texto escolar IntermédioCadernos Ceale Belo Horizonte Ano 11 v 3 out 1998 FIAD R S MAYRINKSABINSON M L T A escrita como trabalho In MARTINS M H Org Questões de linguagem 4 ed São Paulo Contexto 1994 p 5463 GARCEZ L H C A escrita e o outro os modos de participação na construção do texto Brasília DF UNB 1998 Referências 25 Concepções de escrita GERALDI J W Portos de passagem São Paulo Martins Fontes 1993 GERALDI J W Da redação à produção de textos In GERALDI J W CITELLI B Org Aprender e ensinar com textos de alunos São Paulo Cortez 1997 v 1 p1724 JESUS C A Reescrevendo o texto a higienização da escrita In GERALDI J W CITELLI B Org Aprender e ensinar com textos dos alunos 4 ed São Paulo Cortez 2001 v 1 p 99117 KOCH I G V Desvendando os segredos do texto São Paulo Cortez 2002 MENEGASSI R J Professor e escrita a construção de comandos de produção de textos Trabalhos em Linguística Aplicada CampinasSP n 42 p 5579 2003 MENEGASSI R J OHUSCHI M C G O ensino da escrita no curso de Letras Polifonia Cuiabá n 15 p 3766 2008 SERCUNDES M M Ensinando a escrever In GERALDI J W CITELLI B Org Aprender e ensinar com textos dos alunos 4 ed São Paulo Cortez 1997 v 1 p 7597 SOARES M Aprender a escrever ensinar a escrever In ZACCUR E Org A magia da linguagem 2 ed Rio de Janeiro DPA SEPE 2001 VYGOTSKY L S A formação social da mente 2 ed São Paulo Martins Fontes 1988 SÍTIOS NA INTERNET wwwalbcombr Associação de Leitura do Brasil wwwescritauembr Grupo de Pesquisa Interação e Escrita Universidade Estadual de Maringá Proposta de Atividades 1 Prepare uma proposta de atividade de produção textual a partir das descrições apresenta das para a concepção de escrita como trabalho Faça a descrição considerando cada uma das etapas descritas na seção 24 27 Cláudia Lopes Nascimento Saito Elvira Lopes Nascimento A ADOÇÃO DAS PRÁTICAS DE LINGUAGEM COMO PONTO CENTRAL DO TRABALHO PEDAGÓGICO Você já parou para pensar na variedade de práticas sociais que vivenciamos em nosso dia a dia Você sabe que muitas delas só existem com e pela linguagem e é com ela e por ela que nós seres humanos interagimos com nossos semelhantes logo não podemos pensar nela como algo estanque de nossa vida ou das nossas relações sociais Nas práticas sociais desempenhamos diversos papéis de aluno ou professor de amigo ou namorado de mãe ou pai de eleitor de consumidor etc e acionamos formas cristalizadas de comunicação ou seja de tipos relativamente estáveis de enunciados os gêneros do discurso ou gêneros textuais Em cada esfera da comunicação humana do cotidiano da criação literária da reli gião do jurídico do comércio do saber científi co da escola etc a comunicação entre os parceiros da interação constitui práticas sociais da cultura em que se inserem Pode mos considerar as práticas sociais como construções sociais e as atividades como ações dos indivíduos exigidas por essas práticas Dessa forma podemos concluir que toda sociedade se organiza por práticas sociais Essa organização social é diferente de lugar para lugar de época histórica para época histórica de cultura para cultura As socieda des ao se transformarem geram e transformam práticas sociais ou extinguem algumas já existentes Estas defi nem não apenas as atividades de linguagem mas instituem pa péis e lugares sociais para os que nelas se envolvem Os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita 2 28 ESCRITA E ENSINO Assim por exemplo a prática social vender exige a atividade de apresentação do objeto por parte do vendedor e a de ouvir apresentação por parte do cliente Essa prática social exige ainda a ação de comprar o objeto ou recusar o produto por parte do cliente Nessas atividades e nessa esfera de troca verbal a esfera das relações comer ciais o homem elabora gêneros do discurso ou gêneros textuais cheque nota fi scal formulário lista de compras apresentação cumprimento telefonema email batepa po garantia carta comercial manual de instrução anúncio publicitário etc Já na prática social reunião de condomínio as atividades exigidas são outras e os gêneros de discurso ou de texto a serem elaborados também convocação edital lista de presença ata etc Como também na prática social tribunal de júri discurso de defesa discurso da promotoria lei petição intimação mandado de segurança alegações fi nais recurso etc Você percebeu que as práticas sociais instauram diferentes atividades de linguagem que por sua vez envolvem diferentes formas de expressão Em outras palavras existem relações entre as práticas sociais as atividades humanas e os tipos de enunciados que a elas se relacionam O trabalho didático com a linguagem em situação implica uma concepção de linguagem que não se fecha na sua condição de sistema de formas mas abrese para a sua condição de atividade e acontecimento social Como afi rma Bakhtin e Voloschinov toda palavra é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém como pelo fato de que se dirige a alguém Ela constitui justa mente o produto da interação do locutor e do ouvinte A palavra é território comum do locutor e do interlocutor 1995 p 149 O discurso emerge da atividade comunicativa entre interlocutores em um contexto social determinado linguagem efetivamente utili zada nas práticas sociais como por exemplo quando um estudante lê ensaios científi cos e reportagens produz resenhas or ganiza os dados resultantes de suas observações em tabelas e gráfi cos inseridos em um relatório e o envia ao professor Quando o pai de um aluno para efetuar a matrícula do fi lho preenche um for mulário e um cheque e o apresenta com o registro de nascimento Quando a dona de casa prepara um bolo lendo uma receita culinária faz uma lista de compras vai ao mercado onde lê anúncios e embalagens e participa de uma discussão para obter desconto nos preços Quando os alunos organizam um roteiro das tarefas a cumprir para a organização 29 de uma festa na escola escrevem bilhetes para os pais enviam convites e colam faixas e anúncios nas paredes da escola Quando a mãe lê a bula do remédio de seu fi lho conta um conto de fadas para ele canta uma canção de ninar e lê uma parábola da Bíblia Quando o professor apresenta um enunciado de problema matemático no teste que organiza para seus alunos Quando o diretor da empresa envia um email para o gerente e este escreve car tas comerciais aos clientes Como você pode perceber essas atividades organizam e ao mesmo tempo são or ganizadas por meio de enunciados que são tão variados heterogêneos e complexos quanto as próprias atividades do homem Como enuncia Bakhtin a riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infi nitas pois a variedade virtual da atividade humana é inesgotável e cada esfera dessa atividade compor ta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciandose e amplian dose à medida que a própria esfera se desenvolve e fi ca mais complexa 1992 p 279 Em cada esfera ou domínio discursivo das trocas verbais o homem nas inúmeras situações sociais de exercício da cidadania responde às exigências da comunicação so cial adequando seus enunciados às características próprias de diferentes gêneros orais ou escritos que foram criados pelas gerações que o precederam O conceito de esferas de comunicação em que se dão as práticas sociais que se utilizam da leitura e da escrita constitui uma possibilidade para refl etirmos sobre as práticas sociais constituídas pela linguagem e nos dão uma ideia da imensa variedade de gêneros do discurso que podem ser referência para didatização em nossas aulas E como advertem MoitaLopes e Rojo ensinar o uso da língua e entender como funciona a linguagem no mundo atual é tarefa crucial da escola na construção da cidadania a menos que queiramos deixar grande parte da população no mundo do faceaface excluída das benes ses do mundo contemporâneo das comunicações rápidas da tecnoinformação e da possibilidade de se expor e fazer escolhas entre discursos contrastantes sobre a vida social 2004 p 78 Os gêneros são construções sociais e históricas como tudo o que é criado pelo ho mem e que apesar de confi gurarem as ações humanas em qualquer contextodiscurso não são instrumentos estanques que enrijecem a ação criativa do homem ao contrário os gêneros são maleáveis dinâmicos transformamse e sobretudo se adaptam às ne cessidades e atividades sociais e culturais Os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita 30 ESCRITA E ENSINO Com o aparecimento da cultura letrada escrita e já se fala em cultura eletrônica multiplicaramse os gêneros textuais Hoje podemos dizer que a construção do letra mento escolar é um processo de apropriação de gêneros secundários complexos ou seja de transmutação dos gêneros primários aqueles que ocorrem em situação de cotidiano os quais a criança já domina antes de ingressar na escola A transformaçãoadaptação de gêneros pode gerar novos gêneros como por exem plo ocorreu com a conversação cotidiana batepapo que se adaptou para a conversa ao telefone e chegou ao email Mas os usos dos gêneros novos possuem identidade própria instauram novas relações interpessoais novas relações entre a oralidade e a escrita possibilitando novos ângulos de observação e de ensinoaprendizagem Tudo isso torna as abordagens advindas de métodos de alfabetização tradicionais sintético ou analítico inviáveis ou seja não há mais espaço para a fragmentação da pa lavrafrase em seus constituintes menores sílabasletras valorizando a fonética e a gra fi a o oral e o escrito apresentadas de forma mecânica descontextualizada e repetitiva Ao contrário o letramento passa a ser visto como um conjunto de práticas sociais aliadas à leitura e à escrita realizado pelos indivíduos mergulhados em um contexto social de produção o que torna falsa a inferência de que é possível separar o insepa rável isto é que concepções de alfabetização letramento e práticas de alfabetização e letramento possam ser consideradas como autônomas e independentes SOARES 2008 p 9 As práticas de alfabetização e letramento da atualidade embasadas nos pressupostos da teoria socioconstrutivista buscam considerar como o ser humano se relaciona com o objeto de conhecimento Nesse quadro defendese que alfabetização e letramento são processos concomitantes isto é a compreensão e o uso das práticas sociais de leitura e escrita devem ocorrer simultaneamente ao processo de codifi cação e decodifi cação O que signifi ca isso Signifi ca acreditarmos que ações de alfabetização e letramento devem levar em con ta a inserção da criança nas práticas sociais considerando os modos do discurso neces sários à criança para os quais ela é motivada ou seja que despertam nela o desejo de ler e escrever em uma atividade social em curso inserida em um uso signifi cativo de leitura eou produção escrita formatada em um gênero de texto que é construído em um processo de interlocução espontânea Nesse processo de interlocução a criança tem de sentir o motivo para escrever e ter uma intenção clara a ser atingida diante de um destinatário específi co Ela está diante de dois desafi os que são simultâneos e interdependentes apropriarse do sistema da escrita e desenvolver habilidades de produção do texto escrito E você deve concordar conosco com uma palavra uma frase uma redação ninguém vai realizar o seu intuito 31 discursivo pois se trata de uma expressão escrita que não expressa nada porque está desprovida de um contexto de produção A eleição dos gêneros do discursotextuais como objetos de ensino pelo fato de que esse objeto contempla aspectos da ordem do contexto e do discurso efetivamente rea lizado busca contemplar o complexo processo de produção e compreensãorecepção de textos visto que o gênero oral ou escrito permite incorporar em um único objeto elementos de ordem do social e do histórico situação de produção de um dado discurso quem fala para quem lugares so ciais dos interlocutores posicionamentos ideológicos em que situação em que momento histórico em que veículo com que objetivo fi nalidade ou intenção em que registro etc conteúdo temático o que pode ser dizível em um dado gênero construção composicional sua forma de dizer e a sua organização geral que não é inventada a cada vez que nos comunicamos estilo verbal orientado pela posição enunciativa do produtor do texto Entre as razões que citamos NASCIMENTO 2009 para justifi car a importância do estudo do gênero está o fato de ele se constituir em uma opção mais atraente do que o ensino da linguagem fundamentado na gramática descontextualizada na medida em que o gênero responde de maneira mais adequada a questões relacionadas aos diferen tes usos da linguagem e sua interface com o exercício da cidadania Nos ciclos iniciais para poder contemplar de maneira articulada e simultânea a alfabetização e o letramento ou para o alfabetizar letrando essa proposta caminha em direção às capacidades competências e atitudes a serem desenvolvidas na Educação Fundamental articulando atividades em torno dos cinco eixos mais relevantes para os diferentes ciclos 1 compreensão e valorização da cultura da escrita 2 apropriação do sistema de escrita 3 leitura 4 produção de textos escritos 5 desenvolvimento da oralidade Para o desenvolvimento do trabalho didático percebemos os gêneros textuais apre sentados implícita ou explicitamente como ferramentas de ensinoaprendizagem em todos os eixos da Educação Fundamental Assim é que nos ciclos em que se dá a aqui sição do sistema de escrita alfabético e o letramento como processos simultâneos e Os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita 32 ESCRITA E ENSINO interdependentes tornase um desafi o maior quando se tratam dos contextos escolares das séries iniciais pois o professor precisa conciliar esses dois processos de forma a assegurar aos aprendizes a apropriação do sistema alfabéticoortográfi co e a plena con dição de uso da língua nas práticas sociais de leitura e escrita Caro professor porque acreditamos ser fundamental que a escola ao reconhecer o letramento como prática social se constitua cada vez mais como agente desse letra mento esperamos contribuir para implementar em seu fazer pedagógico a interação verbal e os usos signifi cativos da linguagem nas práticas sociais em que seus alunos estão inseridos o que pressupõe as atividades de linguagem nas diferentes esferas da vida social A sua mediação professor juntamente com as ferramentas VYGOTSKY 1993 que você seleciona para criar ambientes que auxiliem o acesso do aluno ao mundo letrado pressupõe o ensino deliberado de diferentes gêneros textuais que circulam no ambien te cultural cada um marcado por convenções e normas que o confi guram exigindo uma determinada maneira de usar a língua oral ou escrita como por exemplo ocorre com o gênero carta comercial aberta de reclamação de leitor de pedido de conselho a uma revista de amor etc Constituem textos peculiares em relação às condições de produção em que emergem a certas convenções como a estrutura e a organização do texto os recursos de coesão textual os níveis de informatividade a disposição na página o tipo de discurso predominante narrativo expositivo etc que podemos con siderálos como diferentes gêneros textuais Essas peculiaridades dos gêneros nos incentivam a estudálos não é mesmo Na seção a seguir começaremos enfocando o contexto de produção A BASE DE ORIENTAÇÃO PARA O USO DO GÊNERO O CONTEXTO DE PRODUÇÃO Será que para utilizarmos um determinado gênero temos que ter alguma orientação específi ca Específi ca não Mas estudiosos como Bronckart 2003 elenca seis fatores que cor respondem às condições enunciativas que constituem toda produção de linguagem I Esfera de comunicação o cenário ou formação social instituição escola empresa mídia família etc com as regras e rotinas interacionais em que o texto circula II Identidade social dos interlocutores o lugar social de onde falam os parcei ros da interação professor pai patrão empregado aluno A avaliação que o 33 locutor faz de si mesmo e dos outros quanto as suas capacidades de ação com e pela linguagem e quanto as suas intenções na interação Os traços ou marcas que os interlocutores deixam das imagens que têm de si mesmos e dos outros nesse contexto particular III Finalidade o intuito discursivo da interação ou seja a sua intenção nessa interação IV Concepção de referente o conteúdo temático o referente de que se fala e como é julgadoavaliado nessa situação de interação V Suporte material as circunstâncias físicas em que o ato de interação se de senrola outdoor livro didático revista jornal impresso jornal online oral ou escrito embalagem vestuário parede muro placa cartaz etc VI A relação interdiscursiva o modo como se dá o diálogo entre as vozes que circulam na sociedade qual é a voz da dona de casa do político do religio so que fala em certas passagens do discurso de uma determinada esfera ou formação discursiva como a da propaganda da política vozes que emergem e se confrontam polemizando entre si negandose ou se confi rmam no diálogo que é constitutivo da linguagem segundo Bakhtin 1992 A partir desse contexto de produção o enunciador toma decisões para a seleção do gênero e para a arquitetura interna do texto que o materializa Você percebeu que toda ação de linguagem é situada e por isso mantém es trita relação de interdependência com a situação de produção e com os efeitos visados no destinatário Diante disso como deveria ser a postura da escola A postura da escola deveria ser a de explorar transformar e enriquecer as possibi lidades de uso dos gêneros Também de apresentar aos alunos os seus esquemas de utilização que de acordo com Schneuwly 2004 vão desde a escolha do gênero e de sua adequação à situação ao tratamento do conteúdo ao tipo de composição à relação que instaura com os participantes da troca verbal até ao tratamento linguístico que lhe dá o estilo visto aqui não como efeito da individualidade do produtor mas como elemento constitutivo do gênero Para o referido autor vai ser a partir do esquema de utilização que o gênero será adequado ao contexto comunicativo a base de orientação da ação de linguagem será dada por ele Os esquemas de utilização do gênero compreendem então a capacidade de integrar as relações do texto com o contexto assim como a de colaborar para a cons trução da arquitetura interna do texto BRONCKART 2003 Os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita 34 ESCRITA E ENSINO Desse modo podemos concluir que uma ação discursiva é prefi gurada pelos meios para agir sobre si mesma o que signifi ca que o instrumentogênero é um meio de co nhecimento que permite agir efi cazmente na situação de comunicação Por exemplo a existência do Manual de Instrução é o conhecimento necessário para o uso e a condição necessária para a ação discursiva escrever um Manual de Instrução Da mesma forma que o conhecimento e o controle da enxada são condições necessá rias para a ação de plantar uma semente Ainda segundo Schneuwly 2004 a base de orientação da ação de linguagem fun ciona em duas direções Gênero como instrumento uma unidade composta por conteúdo temático composição e estilo que deve ser adaptado a um destinatário a uma fi nalidade em uma determinada situação O conhecimento do gênero como condição mínima para o bom desempenho de diferentes situações de linguagem Nessa perspectiva quando você fala ou escreve conforme o lugar social que ocu pa o papel social que desempenha ao enunciar você enunciador sujeito produtor sempre tem uma imagem opiniões e valores construídos tanto dos destinatários quanto do tema ao qual se refere Percebeu Estamos falando do julgamento da apreciação valorativa da avaliação positiva ou negativa em relação ao interlocutor ao tema tratado aos objetos do discurso Esses são os parâmetros que constituem a situação imediata de produção devendo ser sempre combinados com a abordagem das condições sóciohistóricas em que se dão as intera ções sociais São essas representações sobre o contexto de produção que levam o enunciador de um texto oral ou escrito a tomar decisões sobre o gênero do texto mais adequado à situação de interação como também à escolha das operações discursivas e linguísticas mais efi cazes para a sua textualização Assim a construção do letramento escolar vista como um processo de apropriação de gêneros deve levar os aprendizes a entenderem que Nem todos os participantes de uma prática social desempenham papéis seme lhantes ou obedecem às mesmas regras sociais Que todas as escolhas realizadas pelo enunciador têm como base o contexto ou condições de produção Por exemplo ao dar uma palestra que constitui um gênero textual o enunciador produtor tem um papel dominante é ele quem assegura a palavraturno Difi cilmente 35 alguém o interromperá pois foi estabelecido em um contrato tácito que os interlocu tores destinatários devem seguir as explicações rir das anedotas apresentadas pelo palestrante mas não se manifestar verbalmente no decorrer da palestra Somente se o palestrante abrir espaço para ao fi nal de sua apresentação responder possíveis dúvidas à plateia é que a palavra é cedida aos interlocutores Fica subentendido então que nessa situação de comunicação quem dita as regras interacionais é o palestrante cabendo ao auditório apenas prestar atenção A observa ção dessas regras sociais por parte dos parceiros da interação vai constituir um requisito básico para o sucesso de um evento comunicativo Também será pautado nas condições de produção e na fi nalidade de determinada situação comunicativa que o enunciador vai traçar as suas estratégias discursivas No caso da palestra serão informações de como é o espaço da apresentação o horário o dia a duração os recursos físicos e de pessoal disponíveis o interesse e a formação da plateia e o objetivo proposto para tal evento que defi nem as estratégias discursivas realizadas pelo enunciador Resumindo quanto maior o domínio que tivermos das características dos gêneros em uso nas situações públicas formais maiores serão as possibilidades de agir efi caz mente com a linguagem Podemos sintetizar os elementos que constituem o contexto de produção nas questões a seguir Quem é o emissor Em que papel social se encontra Quais valores sociais assume e coloca em circulação Como ele valora seus temas Positivamente Negativamente A quem se dirige Que grau de adesão ele intenciona Em que papel social se encontra o receptor Em que local é produzido Em que instituição social se produz e circula Em que momento Em que suporte Com qual objetivo é produzido Em que tipo de linguagem formal ou informal Qual é a atividade social com a qual se relaciona Professor sem a refl exão em torno dessas questões a compreensão de um texto fi ca em um nível de adesão ao conteúdo literal o que é insufi ciente para uma leitura crítica e cidadã Sem uma leitura crítica o leitor não dialoga com o texto fi ca subordinado a ele A partir desse contexto de produção o enunciador toma decisões para a seleção do gênero e para a arquitetura interna do texto que o materializa A RELAÇÃO DA ESCOLA COM OS GÊNEROS TEXTUAIS Em uma perspectiva enunciativodiscursiva da linguagem a língua será tratada da mesma forma que foi no ensino tradicional Os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita 36 ESCRITA E ENSINO Apostamos que a sua resposta foi negativa pois quando enfocamos a linguagem na perspectiva enunciativodiscursiva não tratamos mais a língua como sistema abstrato ideal e fechado em si mesmo sem manter qualquer relação com os aspectos sociais e culturais das interações Na abordagem enunciativa bakhtiniana é na interação verbal e no enunciado que encontramos a verdadeira substância da língua Por isso é que a enunciação ato de enunciar ou produzir enunciados vista como produto das interações sociais constitui a unidade de estudo da língua tanto nas interações face a face informais como também naquelas que ocorrem em contextos sociais mais amplos e complexos A enunciação se dá em uma determinada situação de produção por meio de enun ciados gêneros textuais que exercendo a função de signo ideológico acompanham os atos de compreensão e de interpretação da vida humana Para nós o texto é a mate rialização do gênero mas o objeto de ensino são os gêneros textuais Pensando assim é fundamental que a escola em seus projetos pedagógicos colabo re para a reconstrução da situação de produção e recepção do texto lido Estamos nos referindo à atenção que nós professores devemos dar às atividades didáticas com o contexto social em que são produzidos os enunciadosgêneros com as relações dialógicas de sentido que se travam entre os enunciados porque estes são plenos de ecos de vozes que se cruzam em um processo contínuo de comunicação Os gêneros são ferramentas indispensáveis à comunicação e devem constituir o objeto de aprendizagem para o aluno Ao se aproximar desse instrumento a criança desenvolve as capacidades para a prática que seja adequada à interação social que o professor poderá recriar na sala de aula dentro dos limites impostos pelo contexto escolar e o mais próximo possível do real Observemos como a professora a seguir deixa de criar uma situação de uso signi fi cativo da linguagem e ignora as práticas discursivas como conteúdo estruturante do processo de ensinoaprendizagem A professora entrou com seus alunos na sala de aula O planejamento era para uma aula sobre adjeti vos As crianças sentaramse em seus lugares e ti raram o material Muitos conversavam e levantavamse A professora então falou Peguem o livro de português Achem a página 107 Em seguida começou a explicar Existem palavras que falam da qualidade dos objetos ou pessoas essas palavras são os adjeti vos Elas são muito importantes porque com elas você pode descrever melhor aquilo que está tentando dizer A professora colocou algumas frases no quadro e circulou os adjeti vos reforçando a explicação Em seguida pediu para que os alunos lessem silenciosamente o que o livro dizia sobre o assunto Depois pediu que resolvessem em seus cadernos os exer cícios propostos no livro 37 Como você deve ter percebido o foco dessa aula recai sobre a gramática descritiva e a metalinguagem deixando de focalizar a língua viva dialógica em constante movi mentação refl exiva e produtiva O objetivo da aula não é o de agir sobre o processo de desenvolvimento das habi lidades de uso da escrita do aluno nem sobre a utilização do sistema linguístico para uma interação social nem sobre aspectos da organização de um texto em uma atividade discursiva Resumindo o enfoque dessa aula não é o uso da língua escrita como forma de comunicação ou seja um exercício de produzir texto Mas também não é um exercí cio de aprender a produzir texto uma vez que não enfoca os processos pelos quais o aluno poderia operar com a linguagem para realizar um intuito discursivo atividade epilinguística O seu enfoque é o de falar sobre a linguagem metalinguagem especi fi camente sobre a classe dos adjetivos o que nada tem a ver com os processos efetivos de produção oral ou escrita de leitura ou escuta de um texto oral ou escrito Dolz Noverraz e Schneuwly 2004 reconhecem que a transposição didática de gêneros textuais constitui uma prática de linguagem em parte fi ctícia porque as con dições de produção que são recriadas não são idênticas àquelas que acontecem na realidade social Mas o professor pode criar situações signifi cativas como em mais esse exemplo A professora interagindo com seus alunos Vamos fazer o passeio que combinamos Mas para sair devemos deixar um aviso no quadro informando a todos que nos procurarem que fomos ao parque Mas antes cada um de vocês vai escrever um bi lhete para a mamãe contando que faremos esse passeio Na volta vocês irão contar oralmente o que viram no parque Depois vão escrever uma lista das ati vidades que desenvolvemos lá Vamos também produzir cartazes sobre o parque e a visita para que outras pessoas se interessem e também queiram ir Os gêneros citados aviso bilhete contar lista cartazes foram escolarizados a professora fez deles instrumentos para levar os alunos a determinadas situações de uso da linguagem e a partir daí implementar o trabalho de refl exão e operação sobre a linguagem que possibilite aos alunos a consciência dos processos envolvidos Os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita 38 ESCRITA E ENSINO Em uma situação de ensino como essa certamente o professor desenvolverá ativida des com seus alunos que irão contribuir para que eles se apropriem das características contextuais discursivas e linguísticas dos textos pertencentes aos gêneros que foram acionados Tomandose como exemplo o gênero textual bilhete que os alunos leram ou produziram coletivamente na lousa com a professora Quais são os elementos que compõem a estrutura composicional desse gênero as convenções do gênero Qual pronome de tratamento podemos utilizar para nos referirmos ao destina tário da mensagem Qual é o propósito comunicativo Qual é a imagem que o enunciador faz de si ao agir e de seu destinatário ao receber A variedade linguística e o registro escolhido são adequados ao tema ao objeti vo à situação de interação O tema que foi abordado é adequado para ser tratado em um bilhete Como o texto será organizado em sua arquitetura interna os fatos são narrados ou expostos ao parceiro da interação O texto apresenta passagem narrativa O autor recorre a organizadores espaçotemporais do tipo na semana seguin te na casa da vovó Apresenta sequência descritiva articulada à sequência narrativa Tendo em vista a base de orientação que o contexto de produção lhe dá por que o produtor recorre a esses tipos de sequência textual na sua ação de linguagem Como se dá o fechamento do texto Enfi m a partir dessas e outras indagações progressivamente o professor vai capa citando o aluno para o uso cada vez mais consciente da construção composicional do estilo e do tema do gênero focalizado Todas essas indagações a respeito das decisões que levam o produtor a selecionar elementos para o uso de um gênero constituem os três conceitos interdependentes de Bakhtin para caracterizar os gêneros o tema a sua composição e seu estilo Bakhtin 1992 representa como sendo a primeira característica o tema que dá unidade de sentido ao texto que por sua vez é individual não é reiterável porque expressa uma situação histórica concreta a origem do texto é determinado pelas for mas linguísticas palavras formas morfossintáticas sons entonação e pelos elementos nãoverbais da situação e do contexto sóciohistórico mais amplo que o envolvem A segunda característica a construção composicional é a estrutura e organização do 39 texto de um determinado gênero que é resultante de vários fatores as necessidades da situação de interação e da tradição pois os gêneros nos são dados pelas gerações anteriores que dele se utilizaram E por último a terceira o estilo que é a escolha do agente produtor por formas da língua as seleções lexicais as formas gramaticais a organização dos enunciados que darão o acabamento ao enunciadogênero CRITÉRIOS PARA A SELEÇÃO DE GÊNEROS A SEREM DIDATIZADOS O discurso como prática social é o conteúdo estruturante preconizado pelas diretri zes educacionais para a educação básica no Brasil para as práticas da oralidade a prática da leitura a prática da escrita a prática com a literatura prática de análise linguística na oralidade leitura e escrita Essas diretrizes conduzem o professor à questão Qual prática de linguagem enfo car para o trabalho que me proponho a realizar com os meus alunos Quais gêneros do discurso confi guram práticas de linguagem interessantes para aquilo que desejo enfocar em minha sala de aula Com o objetivo de desenvolver capacidades para melhorar uma determinada prática de linguagem o professor pode contar com dois critérios para a seleção dos gêneros 1 O critério das esferas de comunicação Bakhtin e 2 O critério de agrupamentos de gêneros de Dolz Noverraz e Schneuwly 2004 O AGRUPAMENTO DOS GÊNEROS Sabemos que durante muito tempo o ensino de leitura e produção escrita esteve atrelado a uma concepção de tipos de texto narração descrição dissertação o que restringia a uma abordagem do texto centrada nas características linguísticas o texto era utilizado como pretexto para ensinar gramática O texto não era vinculado às práticas sociais de linguagem haja vista que essas clas sifi cações tipológicas não forneciam muitos critérios para o professor decidir o que deveria ensinar Quando se falava em narração era como se todos os textos narrativos tivessem uma estrutura geral um cenário que incluiria a descrição das personagens do lugar etc uma ou mais complicações ou problemas uma ou mais resoluções e fi nalmente um desfecho que até poderia conter uma avaliação ou moral Acreditava se que a construção dessa estrutura por parte dos alunos forneceria elementos para a apropriação dos textos narrativos Eles teriam começo meio e fi m Os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita 40 ESCRITA E ENSINO Sabemos o quanto isso tudo tem se mostrado inócuo para a aprendizagem Até é possível reconhecermos algumas dessas categorias em uma fábula um conto de fadas uma crônica um conto policial Mas isso não faz com que esses textos narrativos deixem de ter grandes diferenças entre si não é mesmo Por quê Porque cada um desses gêneros visa a atingir propósitos comunicativos diferentes refl etindo e refratando a sua sóciohistória de aparecimento de modifi cação de adapta ção aos contextos sociais em que vão circulando Seria incoerente classifi carmos vários textos como sendo narrativas Afi nal eles se concretizam em formas diferentes em gêneros distintos que possuem características contextuais discursivas e linguísticas específi cas que precisam ser objeto de ensino sistemático Pensemos agora em uma dissertação que antes era apresentada aos nossos alunos como tendo uma introdução um desenvolvimento e uma conclusão Ora o que dizer do editorial de jornal do artigo de opinião da carta do leitor da resenha crítica do relatório científi co do artigo científi co e de tantos outros gêneros textuais que são co locados sob esse rótulo dissertação O editorial o artigo de opinião a resenha crítica e a carta do leitor são textos perten centes a gêneros da ordem do argumentar ou seja o produtor procura defender uma opinião sustentandoa com argumentos considerando possíveis contraargumentos e levando o leitor a uma conclusão mas cada um possui sua estrutura composicional seu estilo e tema Não podemos dizer o mesmo do relatório do artigo científi co do verbete de enci clopédia do texto explicativo do livro didático da exposição oral da palestra que são textos pertencentes a gêneros da ordem do expor mas neles apesar de o produtor procurar expor explicar ou construir saberes percebemos diferenças Por exemplo será que as condições de produção são as mesmas para todos E o suporte em que são vinculados O que você acha Como já assinalamos nas diferentes esferas de atividades humanas as práticas so ciais propiciam diferentes usos e funções para a linguagem e não são os mesmos os textos empíricos orais ou escritos que circulam Exemplifi cando novamente imagine que você quer levar os seus alunos a fazerem as tarefas de casa porque observa que eles 41 não estão levando a sério essa atividade escolar Que ferramenta ou instrumento você usará para essa prática e atividade de lingua gem Que gênero textual poderia ser um sermão Ou um conto infantil Ou uma anedota Uma carta Um email Uma peça teatral Uma reportagem Uma palestra com pedagogo Acreditamos que sim qualquer um desses gêneros poderia ser adequado depen dendo dos objetivos da interação Contudo não seria adequado que você utilizasse um requerimento um ofício ou um manual de instruções não é mesmo Sabemos que as linguagens e textos que circulam em diferentes esferas são adequa dos a determinados contextos ou situações e por essa razão não podem ser os mesmos Há textos que pertencem a gêneros que são adequados às esferas da vida burocráti ca como requerimentos ofícios passaporte declaração depoimentos requerimentos instruções relatórios roteiros mapas listas regulamentos Já outros são adequados às esferas da criação literária como os contos de fadas os romances os poemas etc Outros circulam nas esferas jornalísticas publicitárias e se encontram vinculados em di ferentes veículos de comunicação de massa como imprensa televisão rádio e Internet como por exemplo manchete infográfi co editorial reportagem entrevista notícias propaganda fi lme publicitário1 VT spot etc Os textos que circulam no mesmo contexto apresentam aspectos comuns de forma to e de linguagem o que signifi ca que eles pertencem a uma mesma esfera ou domínio discursivo Com o objetivo de construir progressões didáticas Bronckart 2003 Dolz Nover raz e Schneuwly 2004 propõem o seguinte agrupamento de gêneros com base em domínios sociais de comunicação narrar relatar argumentar expor e prescrever Agora observe abaixo esses cinco agrupamentos de gêneros de acordo com os cri térios propostos pelos autores 1 domínio social de comunicação 2 aspectos tipológicos 3 capacidades de linguagem dominantes 1 O fi lme publicitário ou VT é aquela publicidade que tem duração de 30 segundos é fi lmada fora dos estúdios de uma agência de publicidade ou emissora de televisão e em sua produção são utilizadas técnicas de cinema Já o spot são as chamadas que são veiculadas no rádio para informar sobre algum produtoserviço ou promoção de loja Os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita 42 ESCRITA E ENSINO Domínios Sociais Aspecitos tipológicos Capacidades de linguagem Exemplos Cultura literária Narrar imitação da ação humana através da criação de intriga no domínio do faz de conta do verossímil Contos de Fadas HQs Fábula Romance Documentação e memorização das ações humanas vivenciadas Relatar Representação pelo discurso de experiências vividas situadas no tempo Notícia Memória Autobiografia Relatório Diário Discussão de problemas sociais controversos Argumentar Sustentação refutação negociação de tomadas de posição Anúncio publicitário Editorial Debate Carta de Reclamação Resenha crítica Artigo de opinião Transmissão e construção de saberes Expor Apresentação textual de diferentes formas de saberes Texto informativo Seminário Exposição oral Regulação de ações Prescrição e Instruções Regulação mútua de comportamentos por meio da orientação normativa prescritiva ou dscritiva para a ação Receita culinária Regras de jogos Bula Lei Regulamento OS GÊNEROS TEXTUAIS E O ENSINO EM ESPIRAL A proposta dos autores constitui uma boa referência para as práticas pedagógicas nas séries iniciais como no ensino Fundamental e Médio Como nós professores temos de organizar o planejamento de nossas atividades com leitura produção e análise linguística os três eixos sobre os quais trabalhamos com nossos alunos devemos organizar as transposições didáticas dos gêneros textuais tendo em vista um ensino em espiral como recomenda Dolz 2009 Você deve estar se indagando mas o que é ensino em espiral Ensino em espiral é o contrário daquele ensino linear em que se trabalha com um tipo de texto e depois se passa a outro e outro subindo degraus em difi culdades como por exemplo o professor da 5ª série 6º ano deixava para trabalhar os gêneros do argumentar artigo de opinião dissertação argumentativa carta de leitor debate regrado etc para a 8ª série 9º ano e trabalhava com os gêneros do relatar e do narrar nas séries iniciais 43 Por que razão o professor agia assim Talvez porque ele considerasse a argumentação oralescrita muito difícil para as crianças Talvez justifi casse argumentando que as crianças não têm ainda opinião for mada sobre as coisas os alunos não sabem argumentar para defender uma opinião não conhecem a estrutura básica da argumentação tese argumentos contraargumen tos refutação e conclusão No entanto vejamos como a variedade de gêneros de textos pode ser trabalhada em todas as séries em um movimento em espiral não linear de acordo com a sugestão de Dolz 2009 Não se trata de considerar a narração por exemplo como prérequisito para o es tudo de um texto seguinte ou seja como um textobase para se chegar aos textos mais difíceis como a explicação e a argumentação Ao invés de seguir uma linha reta que vai de um texto a outro a progressão seria em curva distanciandose gradualmente do en sinado para voltar a abordálo mais adiante segundo uma abordagem mais adequada ao momento e ao progresso do aluno Assim a variedade de gêneros de textos pode ser trabalhada nos projetos didáticos em todas as séries como preconiza Dolz 2009 A aprendizagem em espiral referese ao ensinoaprendizagem em todos os níveis escolares da diversidade discursiva narração explicação argumentação descrição e diálogo O que varia de um nível escolar para outro é que de um lado está o gênero escolar e de outro as dimensões ensináveis desse gênero que vão progredindo em com plexifi cação DOLZ NOVERRAZ SCHNEUWLY 2004 isto é vão sendo aprofundadas conforme o avanço do aluno Tudo isso sempre considerando aspectos culturais sociais e históricos do contexto de produção e não só enfatizando a estrutura formal O que inclui gêneros do narrar do relatar do descrever do prescrever do argumentar desde o início do processo do letramento escolar em atividades bem adaptadas para cada ciclo O professor sempre proporcionando uma dimensão mais ampla aos textos trabalha dos estabelecendo relações de sentido com outros textos a fi m de que a leitura não seja apenas um espelho da ideia que o autor produz O exemplo a seguir é de uma atividade adaptada aos ciclos iniciais A atividade para a leitura e produção textual foi articulada em torno de uma unidade temática e de di versos gêneros textuais epistolares em que predomina um discurso da ordem do expor carta bilhete email cartãopostal cartão de apresentação carta de amor carta aberta carta do leitor carta literária carta de apresentação e carta formal Os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita 44 ESCRITA E ENSINO Cada um desses textos constitui adaptações de modelos já existentes mas as condi ções de produção de cada um apresentam especifi cidades que precisam ser levadas em consideração fi nalidade intenção tema imagens recíprocas papéis sociais maior ou menor intimidade entre os interagentes valoração apreciativa de cada gênero no grupo social em que circula Diante disso esses textos apresentam diferentes arquiteturas ainda que alguns se assemelhem muito o tipo de discurso expor interativo ou expor teórico relato inte rativo ou narração fi ccional Também apresenta formas particulares de coesão textual de seleção lexical de pontuação etc Pense sobre isto quando nos referimos a diversos gêneros epistolares carta de re clamação carta aberta carta do leitor carta comercial carta íntima percebemos que há cartas escritas com a intenção de expressar a opinião pessoal sobre um tema social polêmico ou a opinião de um grupo de pessoas abertamente há as que são produzidas com a intenção de relatar acontecimentos vividos etc Tudo vai depender como já pon tuamos do contexto de produção que dá ao enunciador os parâmetros para a ação de linguagem que ele vai empreender O trabalho didático com os gêneros epistolares poderia começar por exemplo com a leitura de várias histórias da literatura infantil para que depois as crianças criassem si tuações em que as personagens teriam de recorrer a diferentes formas de comunicação interpessoal Em seguida começariam aproveitando situações reais acontecidas na escola sobre as quais as crianças trocariam cartões postais cartas íntimas emails ou cartas para opi nar sobre fatos reais importantes como por exemplo carta ao colega para mostrar a importância da vacinação carta ao prefeito para solicitar uma campanha para vacinar cachorro carta ao diretor pedindolhe para dar opinião sobre as brigas de alunos no pátio do colégio carta à mãe pedindolhe para criar um cachorro carta aos pais dando a sua opinião sobre os pais que fazem as tarefas para os fi lhos carta aberta dos morado res de sua rua pedindo uma campanha de vacinação para os cães até mesmo carta ao Presidente da República ao Governador ao Prefeito para defender a opinião de que se devem dar melhores condições de vida aos portadores de defi ciência física Como podemos notar as atividades levariam os alunos a produzirem textos em dife rentes gêneros epistolares tendo como base para a seleção a adequação ao contexto de produção e ao conteúdo temático carta aberta carta de reclamação carta do leitor etc O trabalho poderia também ser iniciado por um fi lme em que as cartas poderiam ser um gancho temático para a construção da intriga por exemplo ou sobre um texto gerador que detonaria discussões orais sobre o tema 45 Também poderia ser feito o levantamento dos argumentos que dessem sustentação ao ponto de vista defendido ou então à enumeração de aspectos negativos ou positi vos relativos à questão enfocada Ainda no momento da elaboração do texto coletivo em torno da proposta poder seia chamar a atenção para os seguintes aspectos a estrutura do texto como se pode descrever o texto pertencente a esse gênero a importância de escolher argumentos que dessem sustentação à opinião defendida a necessidade de recorrer a um discurso do expor argumentativo de saber relacionar o término do texto à ideia inicial os re cursos linguísticos expressivos que poderiam ser utilizados a seleção das palavras mais adequadas os aspectos ortográfi cos de concordância as variações linguísticas e tudo o que já salientamos sobre gêneros aos quais já nos referimos e que contribuem para levar os alunos a se apropriarem do instrumento gênero que servirá como ferramenta de mediação entre os parceiros das interações que vivenciam Ao fi nal do processo esse texto coletivo poderia servir tanto para a leitura como para a produção de outro texto como também para a análise dos mecanismos linguísti cos acionados pelo produtor do texto que são comuns aos textos desse gênero análise linguística Vejamos a carta a seguir que uma aluna da 1ª série 2º ano da professora Luzinete Souza 2003 elabora tomando uma posição em nome dos colegas e construindo uma operação de justifi cação servindose de nove argumentos e um contraargumento Observemos que a intenção da aluna é a de apresentar sua opinião sobre um tema controverso o que a leva a recorrer a um tipo de discurso do expor argumentativo que confi gura uma sequência argumentativa em todas as suas fases fase da premissa toma da de posição dos contraargumentos e da conclusão Goiana 22 de novembro de 1999 Sr Presidente Fernando Henrique Cardoso Nos alunos da 1ª serie B queremos que Você merole as situasões de mininos e meninas esta com defisiente físico nas Ruas ele entra na igreja e tei escada eles não entra não tei nigei para por eles la dentro e nei uma jite que eles e elas não coiese ela e ele e também não ce coiesem ele e ela porque eles e elas e defisiente e eles não e defisiente eles não pode joga Bola e nei andar de Bicicrete e nei di patis e também não pode pasia nas Ruas dos colega nei estudar Praque ele não da comta de escrever e nei ler oque ele vai fazer na escola so llarcha e brimcar na escola Dese jeito eles não podi pasar di ano Obrigada porter Aterder o meu pidido Lu Examinando o texto de Lu podemos verifi car a seguinte organização do texto Os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita 46 ESCRITA E ENSINO Tomada de posição Nós alunos da 1ª série B queremos que você melhore a situa ção de meninos e meninas com defi ciência física Argumentos 1 porque ele quer entrar na igreja 2 e tem escada e não tem ninguém para pôr eles lá dentro 3 e nem uma gente que eles e elas não conhecem 4 porque eles e elas e defi ciente e eles defi cientes não podem jogar bola 5 e nem andar de bicicleta 6 e nem de patins 7 e também não podem passear nas ruas dos colegas nem estudar 8 porque ele não dá conta de escrever e nem ler 9 o que ele vai fazer na escola é só lanchar e brincar Contraargumento 10 porque eles não podem passar de ano A aluna defende a sua opinião na carta que escreve ao presidente recorrendo a um tipo de discurso do expor interativo implicando a si própria como enunciadora nós da primeira série B e ao interlocutor você no início do texto Depois o discurso continua do expor mas em autonomia em relação à situação de produção não emprega dêiticos de pessoa eu tu vocês nós dêiticos de lugar aqui aí ou de tempo agora neste momento que remetem à situação de produ ção Recorre a mecanismos de textualização os chamados organizadores textuais que permitem a costura do texto porque ligando o argumento à tomada de posição e também e nem para acrescentar argumento Quanto à coesão referencial anafórica que remete a um referente expresso anterior mente no texto percebemos que a produtora do texto recorre a uma progressão do conteúdo temático por meio da repetição de pronome ele ela Mais tarde ao desen volver capacidades linguísticas irá recorrer ao mecanismo de coesão nominal anafórica por repetição ou por sinônimo por exemplo Eles querem entrar na igreja As crianças não podem jogar bola Como você pode notar o texto opinativo da criança apresenta uma sequência argu mentativa completa com todas as fases que a constituem fase da premissa dos argu mentos contraargumentos e de conclusão O texto é iniciado com sua opinião premissa em seguida apresenta um argumento 47 que a defenda começa com o organizador textual porque mostrando assim indícios da operação de justifi cação Ela sabe que um contraargumento pode surgir na mente do destinatário então considerando a réplica desse destinatário ela argumenta nova mente com uma tomada de posição Observe que o texto apresenta um arremedo de conclusão mas seu texto opinativo já apresenta legibilidade Não se esqueça a aluna cursava a primeira série Você viu nesse exemplo a experiência relatada por uma professora SOUZA 2003 com a aprendizagem inicial da escrita e o gênero de opinião Observou que a criança produziu um texto que pertence ao domínio social da prática de linguagem do argu mentar veja no quadro de agrupamentos dos gêneros no início desse tópico Essa criança recémsaída da préescola fez isso sem que a professora a pressionasse ou a coagisse para escrever corretamente simplesmente foi levada a usar a língua escrita de forma signifi cativa ela tinha um motivo e uma intenção a atingir em relação ao desti natário para interagir com alguém dando a sua opinião sobre um tema controverso polêmico pois nem todos têm a mesma opinião a respeito Mesmo a Lu com seus 7 anos e o seu pequeno conhecimento linguístico demons trou ter capacidades discursivas e linguísticas para argumentar Então você viu que o argumentar não depende da idade ou do grau de escolaridade Continuando a focalizar as atividades de nossa professora SOUZA 2003 ela exer citava com os alunos ações de linguagem que levavam as crianças a produzirem textos opinativos orais e escritos sobre temas do cotidiano como O cesto do lixo deve fi car no canto da sala Dê a sua opinião sobre isso Você concorda que é preciso ter carteira da biblioteca O que você acha da criação de um animal em casa As pessoas devem comer sem lavar as mãos Defenda a sua opinião Os pais devem deixar a criança dormir tarde O que você acha disso Os pais devem fazer a tarefa para os fi lhos As crianças expressavam sua opinião em textos escritos coletivos ou individuais No início eram arremedos de textos escritos mas que em alguns meses eram legíveis como textos do gênero artigo de opinião Vejamos agora outro texto como resposta à seguinte questão polêmica proposta pela professora Você acha que o cão é amigo do homem Os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita 48 ESCRITA E ENSINO Eu axo purque cachoro ajuda o cego atravesar a rua ajuda a pulicia procurar o ladrão ajuda a pulicia procurar droga mais ele faz coco na rua e a gente preciza linpar eu acho bom sim ter cachoro em casa Marcia 7 anos Diante desse exemplo real você concorda com o ensino textual linear que deixa a argumentação para as últimas séries do Fundamental Para Bakhtin 1992 esses são os parâmetros que constituem a situação imediata de produção devendo ser sempre combinados com a abordagem das condições sóciohis tóricas de produção Por isso é que as estratégias de ensino devem implicar a busca de intervenções que favoreçam a apropriação dos gêneros e das situações de comunicação que lhes correspondem levando os alunos a progredirem naquilo que eles já sabem em relação ao gênero e decompondo em forma de atividades tudo aquilo que eles ainda não estão aptos a realizar sozinhos Isso levará o professor a organizar sequências didáticas DOLZ MOVERRAZ SCHNEUWLY 2004 que estejam adaptadas às capacida des de linguagem que se deseja desenvolver nos alunos em relação ao gênero que está constituindo o objeto de ensino HETEROGENEIDADE TEXTUAL A ORGANIZAÇÃO SEQUENCIAL DOS TEXTOS Não podemos nos esquecer de que todo gênero textual se materializa em um texto que geralmente é heterogêneo nos tipos de discurso que o constituem porque pode ser constituído por um tipo de discurso do expor ou do narrar Você já viu que segundo Bronckart 2003 os tipos de discurso se resumem em quatro expor interativo expor teórico relato interativo e narração Também em sua organização sequencial ADAM apud BRONCKART 2003 um texto pode ser constituído por cinco tipos de sequências sequências narrativas sequências descritivas explicativas argumentativas injuntivas e dialogais Uma carta pessoal por exemplo pode conter sequência narrativa ao relatar acontecimentos sequências descritivas ao descrever ações ou contexto das ações etc sequência argumentativa ao apresentar e defender uma tomada de posição sequências explicativas observáveis nos textos informativos e didáticos para ex plicar as causas ou razões para um fato sequências injuntivas observáveis nas receitas culinárias manuais de instrução 49 regulamentos cuja fi nalidade é levar o destinatário a um fazer sequências dialogais no discurso direto Para exemplifi car observe a heterogeneidade textual do diário a seguir Querido diário Hoje o dia foi muito legal sequência descritiva Fui conhecer a casa da Vilma sequência narrativa A casa dela fi ca num novo bairro da cidade tem um jardim lindo sequência descritiva Eu logo soube que aquela era a casa dela sequência narrativa porque ela sempre teve mania de plantar fl ores por toda partesequência explicativa Quando eu cheguei lá peguei todo o mundo dançandosequência narrativa Você imagine sequência injuntiva Era o aniversário do Valter e fi zeram uma festasupresa para ele Fiquei pensando se quência narrativa Como é bom conviver com gente de bem com a vida faz bem diminui o stress Além disso o amor entre todos contagia a gente e isso faz bem ao coração sequência argumentativa amanhã conto mais novidades para você sequência narrativa Observou como é complexo o emaranhado a tessitura de tipos textuais ou seja de sequências textuais em um texto Vejamos agora o texto produzido por mais uma aluna da 1ª série apresentado por Marcuschi 2003 em uma atividade de produção englobada em projeto sobre gêneros do agrupamento do narrar que também constituem gêneros secundários e que neces sitam de uma progressão em espiral que dê conta de atividades didáticas de difi culdade crescente A proposta da professora se desenvolve assim o gênero vai adquirindo signifi ca do em situações concretas de produção a atividade em que se inclui a produção do conto abaixo é recortada da atividade Hora da história em que as crianças primeiro reproduzem oralmente desenham as partes de que mais gostam e depois escrevem até chegar ao objetivo visado montar um livro de histórias com os textos construídos pela turma O intuito discursivo como podemos ver está claro para os produtores o gênero escolhido também A partir de um gênero primário o relato oral passam a utilizar um instrumento mais complexo conto para o livro de histórias da turma Este terá de ser moldado para mediar a interação na esfera da criação literária Essa será uma produção controlada autossufi ciente autônoma além disso vai pas sar por um processo de adaptação em sua estrutura composicional tratamento do tema Os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita 50 ESCRITA E ENSINO e estilo próprios para circular nessa nova esfera Portanto o gênero primário se trans formará em gênero secundário que precisa ser aprendidoensinado ou seja didatizado NASCIMENTO 2009 Observemos o conto que Ana aluna da primeira série produziu O peixe Era uma vez que ti nha uma menina que jamava Magali ela foi peca no rio que tem la peto da casa e ela falou para a mãe dela Mãe eu vou para o rio e vai traze um peixe E ela esta pescando e o anzol trem e ela puxou avara e saiu um peixe grande ela pegou o peixe e foi ti ra uma foto com ele e façou para o home Home voce fais um favor o que voe quer menina eu quero ti ra uma foto com o meu peixe que eu pesque coto que paga Paga 50 setavo tão toma o diero Mais a foto não sai escuro e ela leva o peixe para a mãe dela fritar Qando foi come ela esqueseu a iscama que intalou na boca e a mãe dela salvou ela ela qasi qui si afogou Ela não podi come peixe com iscama que é pirigozo Observemos que o texto da menina produz um efeito de coerência no texto con seguindo prender a atenção do leitor através da intriga tensão provocada pelas ações criadas A sequência de fatos obedece a uma ordem temporal O texto se organiza em cinco fases da sequência narrativa situação inicial complica ção ações resolução e situação fi nal Há também a fase de avaliação e a fase moral que dependem mais do narrador Quanto aos mecanismos de textualização construídos no texto percebemos a preo cupação do produtor com a conexão textual há organizadores textuais que contribuem para manter as ligações e as relações entre as estruturas do texto A conexão e aparece muitas vezes no texto Como por exemplo na linha 8 em que o uso do mais estabe lece o encadeamento argumentativo de duas frases Quanto aos mecanismos de coesão nominal anáfora pronominais ou nominais que asseguram a retomada ou a substituição de elementos do texto a menina se utiliza do pronome ela inúmeras vezes em substituição a uma menina construindo assim uma cadeia anafórica pronominal 51 O trabalho da professora que culminou no texto da aluna trabalhado em suas três dimensões contextual discursivas e linguísticas em uma atividade sóciodiscursiva possibilitou a uma pequena cidadã a compreensão crítica de um gênero com que pode lidar no cotidiano GÊNEROS HÍBRIDOS GÊNEROS QUE SE ENTRECRUZAM A diversidade de funções que um mesmo gênero pode exercer é outro exemplo de como é preciso estar atento à exploração dos gêneros na sala de aula Os gêneros não são imóveis sobretudo em certas esferas de atividade em que o agente da interação recorre a estratégias criativas tornandoos mais imprevisíveis e fl exíveis Nessas situações de produção podem simular uma canção em forma de carta um regulamento em forma de história em quadrinhos um conto de mistério repleto de bilhetes interrogatório cartas anônimas etc São gêneros híbridos que se entrecru zam em um diálogo que pode confundir o leitor sobre a natureza e função desse jogo intergenérico Observemos no anúncio publicitário que a decisão do produtor foi a de dar a forma de organização textualdiscursiva de um bilhete para convencer os jovens que as garotas devem usar minisaia mas para isso devem usar meias de seda e com isso aumentar as vendas do produto anunciado Figura 1 Revista Cláudia março de 2001 Observemos como ao recorrer a um procedimento de enquadramento contextual dialógico um texto se relaciona indissoluvelmente ao outro Ao encaixar um discurso em outro o autor conseguiu uma notável transformação do enunciado alheio o gênero bilhete sofre modifi cações na situação social na qual exerce uma nova função Os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita 52 ESCRITA E ENSINO Esse híbrido de bilhete e anúncio publicitário passa a ter uma identidade própria vinculada às condições de sua produção e à comunidade discursiva que faz uso dele houve uma retextualização que produziu uma mudança no gênero inicial o bilhete O estilo de um bilhete é bastante coloquial simulando uma interação oral através do vocativo Cara Rochele do uso de um expor interativo observe o dêitico você Ele se encaixa no anúncio em uma espécie de paródia do gênero bilhete como forma de dar um conselho ao amigo Essa interdiscursividadeintertextualidade se constitui em ação persuasiva sobre o destinatário Portanto temos aí um gênero que deixou de circular em uma esfera de comunicação privada escrever um bilhete para um amigo íntimo e passou a ser um gênero que cir cula em uma esfera de comunicação pública e não mais privada dirigido a um público consumidor desse tipo de produto O formato que servia para veicular conteúdo de caráter íntimo pessoal passou a vincular outros conteúdos pois a fi nalidade do autor do anúncio é recorrendo à estra tégia do bilhete mostrar convencer as garotas como Rochele que devem usar minis saia com meias fi nas Vejamos que no bilhete o autor recorre a marcas linguísticas desse gênero o uso da primeira pessoa que demonstra a implicação do interlocutor ao qual o bilhete se dirige e também a fórmula de como iniciar e terminar o mesmo Quanto ao anúncio publicitário tratase de gênero que se caracteriza por estratégias de persuasão Por exemplo frases imperativas recursos como fi guras de linguagem ambiguidade jogos de palavras provérbios metáfora por similaridade ou por contigui dade identifi cação comparação nível de linguagem de acordo com o público que se quer atingir NASCIMENTO 2004 Sua estrutura composicional é bem variável mas em geral é composta por título texto que amplia o argumento sobre o título assinatura logotipo ou marca do anunciante PALAVRAS FINAIS Neste capítulo buscamos contribuir para lançar alguns fundamentos para uma vi rada enunciativa no que diz respeito ao enfoque de textos e de seus usos em sala de aula proposta que tem ecoado nas diretrizes curriculares ofi ciais nas quais se convoca a noção de gêneros discursivostextuais como instrumento mediador que representa as atividades de linguagem e ao mesmo tempo signifi camnas Buscamos respostas para algumas questões Como podemos articular o trabalho didático nos eixos da alfabetização e do letramento Que subsídios teóricos e práticos necessitamos para o trabalho pedagógico com gêneros de diferentes esferas de atividade 53 Como podemos organizar as atividades em sala de aula de forma a favorecer a interação o trabalho em grupo a contextualização das práticas escolares com a leitura a produção oral e escrita a análise linguística inseridas nas práticas sociais que confi guram diferentes gêneros do discurso Apresentamos um conjunto de refl exões teóricas e práticas da abordagem dos gê neros que infl uenciam a elaboração de atividades didáticas a serem selecionadas pelo professor para criar ambientes que auxiliem o acesso do aluno ao domínio da leitura e dos mecanismos de produção de textos em diferentes esferas e situações de uso consi derando que desde a fase inicial quando o professor ainda se posiciona como leitor e escriba ele é o organizador de atividades e interferências buscando sempre explorar as operações de linguagem que dão suporte às práticas sociais No processo de construção e reconstrução de textos e de leitura buscamos enfatizar a importância de que as atividades didáticas constituam atividades signifi cativas para o aluno como por exemplo a produção de carta ao colega doente que falta à aula a produção de contos para um livro a ser doado à biblioteca a produção de artigos para o jornal mural os convites para a festa junina a entrevista ao pioneiro do município a produção de poemas que comporão um CD para as mães etc O importante é que o aluno sinta despertar em si a vontade enunciativa como diria Bakhtin que implica motivações para discursar em determinadas situações de produ ção tendo em vista um destinatário específi co As atividades com e sobre os gêneros de textos abrangem a a compreensão da base alfabética da escrita b a compreensão das regras do sistema de representação c a organização textual d os recursos expressivos próprios da escrita e os aspectos construtivos do processo de interpretação dos textos que vão mui to além da leitura do sentido literal Portanto vão muito além da alfabetização centrada na grafi a ou ortografi a ou mesmo na representação gráfi ca do universo sonoro da linguagem Esperamos ter deixado claro que para nós escrever é mais do que aprender a grafar sons Aprender a escrever é se apropriar de práticas discursivas e usos signifi cativos da es crita confi guradas em diferentes modos do discurso gêneros em novas maneiras de se re lacionar com temas e signifi cados e novos motivos para comunicar e interagir com o outro Tudo isso implica uma alfabetizaçãoletramento centrados na construção do discur so confi gurado nas práticas sociais os gêneros textuais Os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita 54 ESCRITA E ENSINO BAKHTIN M Estética da criação verbal São Paulo Martins Fontes 1992 BAKHTIN M VOLOCHINOV V N Marxismo e Filosofi a da linguagem Tradução de Michel Lahud e Yara F Vieira 7 ed São Paulo Hucitec 1995 BRASIL Secretaria de Educação Fundamental Parâmetros curriculares nacionais terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental língua portuguesa Brasília DF 1998 BRONCKART J P Atividade de linguagem textos e discursos por um interacionismo sóciodiscursivo São Paulo Educ 2003 BRONCKART J P Atividade de linguagem discurso e desenvolvimento humano Organização Anna Rachel Machado e Maria de Lourdes Meirelles Matêncio Campinas SP Mercado de Letras 2006 DOLZ J Claves para enseñar a escribir Suiza Universidad de Ginebra Facultad de Psicología y Ciencias de la Educación 2009 cópia interna DOLZ J GAGNON R TOULOU S Production écrite et diffi cultés dapprentissage Sl Universite de Geneve Faculte de Psychologie et des Sciences de Leducation 2008 DOLZ J NOVERRAZ M SCHNEUWLY B Sequências didáticas para o oral e a escrita apresentação de um procedimento In SCHNEUWLY B DOLZ J Gêneros orais e escritos na escola Tradução de Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro Campinas SP Mercado de Letras 2004 p 95129 MARCUSCHI L A Gêneros textuais defi nição e funcionalidade In DIONISIO A P MACHADO A R BEZERRA M A Gêneros textuais ensino Rio de Janeiro Lucerna 2003 Referências 55 Os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita MOITALOPES Luiz Paulo ROJO Roxane Linguagens códigos e suas tecnologias In BRASIL Ministério da Educação Orientações curriculares do ensino médio Brasília DF MECSEB 2004 Disponível em httpwebmaccomrrojoRoxane RojoEspaC3A7oBloghtml Acesso em 12 ago 2009 MOULIN M F A construção de histórias nas séries iniciais Intercâmbio Campinas SP v 10 p 113125 2001 NASCIMENTO E L Org Gêneros textuais da didática das línguas aos objetos de ensino São Carlos Claraluz 2009 NASCIMENTO E L A transposição didática de gêneros textuais uma proposta de trabalho In CRISTOVÃO V L L NASCIMENTO Elvira L Org Gêneros textuais teoria e prática Londrina Moriá 2004 p 167188 NASCIMENTO E L SAITO Cláudia Lopes N Gêneros textuais na mídia Ponta Grossa UEPGCefortec 2004 v 1 ROJO R H R Elaborando uma progressão didática de gêneros aspectos linguísticos enunciativos envolvidos no agrupamento de gêneros do relatar Intercâmbio Campinas SP v 8 p 101119 1999 SCHNEUWLY B Gêneros e tipos de discurso considerações psicológicas e ontogenéticas In SCHNEUWLY B DOLZ J Gêneros orais e escritos São Paulo Mercado de Letras 2004 p 21 41 SAITO Claudia Lopes Nascimento Telejornal um gênero para o letramento midiático In NASCIMENTO E L Org Gêneros textuais da didática das línguas aos objetos de ensino São Carlos Claraluz 2009 p 195249 SOARES Magda Alfabetização e letramento São Paulo Contexto 2008 SOUZA Luzinete Vasconcelos de As proezas das crianças em textos de opinião São Paulo Mercado de Letras 2003 VYGOTSKY L S Pensamento e linguagem Tradução de Jeferson Luiz Camargo São Paulo Martins Fontes 1993 56 ESCRITA E ENSINO Proposta de Atividades SÍTIOS NA INTERNET httpwwwceleirodeprojetoscombr Projetos baseados na Internet httpwwwescolanetcombr httpwwwestudiowebcombr Guia de pesquisas para alunos e professores do ensino Fundamental httpwwwfuturouspbr Informações para alunos de primeiro grau sobre cada disciplina Pesquisas bibliotecas e links educacionais httpwwwklickeducaçaocombr Conteúdos curriculares jornal da educação debates intercâmbios de projetos entre escolas httpwwwmecgovbr Ministério da Educação e Cultura do Brasil wwwmecgovbrseedtvescola Secretaria de Educação a Distância do MEC httpwwwnovaescolacombr Revista Nova Escola httpwwwpsicopedagogiacombr Conselho Federal de Psicopedagogia 1 Você vai refl etir sobre o contexto de produção dos textos a seguir Texto I Fico muito agradecida a você pelo adjetivo entediante atribuído a minha cida de Será que você considera entediante a cidade porque não é tão esculham bada quanto a sua Maria Aparecida Curitiba PR CARTAS Revista Veja Nº 55 ano 36 Texto II Na cara dura Quando eu tinha 12 anos ia para o colégio de carona com a mãe de uma amiga Às vezes a gente parava no supermercado um saco eu sei mas não reclamar faz parte do manual de etiqueta da carona e essa amiga colocava um chocolate no bolso e saía sem pagar Além de precisar de coragem não pense que as câmeras das lojas são caixas de papelão pintadas ela corria o risco de morrer de dor na consciência E eu pensava afi nal por que alguém faz isso Outras garotas paravam não pela dor na consciência mas porque foram pegas As câ maras fi lmavam tudo e então vinha o trauma de uma terrível experiência Tô fora disso Agora pegar coisas das amigas e se esquecer de devolver eu faço algumas vezes Juliana Conte sua Experiência Revista Capricho 27052004 57 Texto III ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Lei n 8069 de 13 7 1990 TÍTULO I DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES Art 1º Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente Art 2º Considerase criança para os efeitos desta Lei a pessoa até 12 doze anos de idade incompletos e adolescente aquela entre 12 doze e 18 dezoito anos de idade Parágrafo único Nos casos expressos em lei aplicase excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre 18 dezoito e 21 vinte e um anos e idade Texto IV A ÁRVORE QUE CONTAVA Houve uma árvore que pensava E pensava muito Um dia transpuseramna para a praça no centro da cidade Fezlhe bem a deferência Ela entusiasmouse cres ceu agigantouse Aí vieram os homens e podaram os seus galhos A árvore estranhou o fato e corrigiu seu crescimento pensando estar na direção de seus galhos a causa da insatisfação dos homens Mas quando ela novamente se agigantou os homens voltaram e novamente amputaram seus galhos A árvore queria satisfazer aos homens por julgálos seus benfeitores e parou de crescer E como ela não crescesse mais os homens a arrancaram da praça e colocaram em outro lugar França Júnior As laranjas iguais 2ª ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 1996 p 16 a Preencha a tabela Texto 1 Texto 2 Texto 3 Texto 4 Função social do autor leitora da revista Veja que geralmente possui bom nível de escolaridade e informação Objeti vo intuito discursivointenção do autor do texto demonstrar pela carta a sua indignação com a forma pejorati va com que sua cidade foi tratada pelo jornalista Os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita 58 ESCRITA E ENSINO Imagem que o autor tem de seu desti natário que ele é jornalista da revista Veja portanto é um importante profi ssional da mídia mas é arrogante e agressivo Locais ou suportes pelos quais esse gênero de texto circula revista semanal da Editora Abril seus assinantes são considerados das classes A e B Contexto sócio histórico possível da produção nos dias seguintes à publicação da reportagem da revista que a autora da carta cita 2 Coloque cada gênero textual em seu respectivo agrupamento considerando os três crité rios sugeridos por Dolz e Schneuwly 2004 Artigo de opinião editorial receita verbete fábula debate oral seminário regras de jogo crítica de cinema curriculum vitae telenovela conferência notícia horóscopo diário de viagem peça teatral regulamento escolar histórico escolar carta de recla mação notícia história em quadrinhos charge autobiografi a diário cordel texto in formativo monografi a carta do leitor lista de compras lenda lei bula regulamento piada contrato de locação Narrar Relatar Argumentar Expor InstruirPrescrever Anotações 59 Cláudia Valéria Doná Hila REDAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS A PARTIR DE GÊNEROS DISCURSIVOS Vamos iniciar este capítulo a partir da leitura três de textos desenvolvidos por crian ças da mesma idade de séries iniciais conforme elas escreveram Texto 1 A iscola e muitu importanti a iscola ajuda agente a ter futuro eu gosto muito da iscola e da minha professora e poriso a gente tem que dexar a iscola bem limpa M 8 anos escola municipal Texto 2 Maringá 23 de maio de 2008 Senhora diretora Gostaria muito de pedir pra senhora que Mude a nossa sala do 2o B para a sala que era da biblioteca porque náo consiguimos aprender com o barulho que fi ca todo dia na quadra que dá ao lado da nossa sala Grata P 8 anos escola municipal Texto 3 Texto 3 O melhor amigo do mundo se chama g d g bom esse enino conheço desde os 3 anos de idade esse sim daria um amigo bom mas eu to falando serio sericimo esse menino é legal genti l palhaço engraçado mas muiti ssimo amigo é simpati co esperto e muito esporti zado gosta de estudar mas éo segundo mas esperto da sala eu sou o primeiro néesse amigo tem muito carinhoo é entereçado nos dinos e nunca avandonarei ele porque 1 chorava ele estava do meu lado 2 brincava estava ao meu lado 3 estudava estava ao meu lado 4 brigava mesmo assim estava ao meu ladooooo enfi m esse é o melhor amigo k alguem pode terrrrrrrrrr t vejo na aula c cuida G 8 anos escola privada A produção de textos nos anos iniciais 3 60 ESCRITA E ENSINO Você consegue perceber a diferença entre esses três textos No texto 1 a criança diz aquilo que deve ser dito ou seja escreve um texto sobre a escola ressaltando seus aspectos positivos a iscola ajuda a gente ter futuro o valor da professora eu gosto muito da minha professora mas um valor que depende de uma ação a de deixar a escola limpa Esse discurso na realidade denota uma fala que não é a da criança mas da professora e da própria instituição escolar que com suas normas e seus deveres instaura aquilo que a criança deve dizer Nesse caso temos um clássico exemplo de redação escolar pois a criança escreve um texto produzido para a professora ler e corrigir a criança escreve aquilo que a professora quer ouvir a criança não se coloca como alguém que tem algo a dizer de si própria Geraldi 1993 explica que o termo redação remete àqueles textos produzidos para a escola ou seja não existe um objetivo concreto para se escrever o que se es creve nem tampouco uma razão para dizer o que se diz e muito menos alguém para escrever um interlocutor diferente do próprio professor Brito 1997 p 19 ratifi ca essa ideia ao afi rmar que à criança quando escreve uma redação resta falar para nin guém ou mais exatamente não saber a quem falar Lopes Rossi 2002 complementa a discussão ressaltando que escrever redação limitase a um ensino voltado apenas à aprendizagem das chamadas tipologias textuais narração descrição e dissertação Para a autora esse tipo de ensino é inadequado e está fadado ao insucesso porque artifi cializa as condições de produção de um texto na medida em que não se escreve um texto que é produto de uma prática social autêntica descaracteriza o aluno como sujeito no uso da linguagem fazendo como no exemplo 1 que reproduza o próprio discurso da escola não estabelece um real interlocutor exceto o professor para que o texto seja produzido e para que esse interlocutor dê sentido e motivação para se escrever não há objetivos reais para se escrever a não ser o de cumprir um exercício escolar não se obedecem às etapas da escrita fundamentais para o desenvolvimento da criança nessa prática como o planejamento a revisão e a reescrita Como efeito a redação passa a ser um mero exercício escolar desprovida de senti do para a criança e na maioria das vezes o coringa o tapaburacos da sala de aula isto é uma atividade a ser executada quando falta um professor ou quando sobra tempo na aula e não há mais nada planejado a se fazer Em outras situações é colocada como tarefa de casa pois em sala não é possível trabalhála 61 Nesses casos falta aos professores o entendimento sobre a relação entre as pro postas de escrita e as concepções de linguagem que cada uma implica Entender o signifi cado dessas concepções para o ensino da escrita e suas devidas implicações é fundamental para garantir que o uso efi caz da linguagem não apenas no âmbito da escrita mas de outras práticas da sala de aula como a alfabetização o trabalho com a leitura o trabalho com a gramática Para entender melhor esse ponto observemos os exemplos O peixeiro puxou o peixe da vara O peixe mexia mexia O peixe caiu debaixo do caixote Ele abaixou e pegou o peixe Ele assou o peixe Ele comeu o peixe assado Carti lha ALMEIDA D P F No Reino da Alegria sd TEXTO DE ALUNO A casa é bonita A casa é do menino A casa é do pai A casa tem uma sala A casa é amarela aluno de 8 anos aixo GERALDI J W Escrita uso da escrita e avaliação In Org O texto na sala de aula Cascavel Assoeste 1987 p 121125 O texto presente na cartilha é bastante característico da concepção de linguagem como expressão do pensamento presente nas décadas de 1960 e meados da de 1970 Nessa visão acreditase que a expressão é construída no interior da mente do aluno sem quaisquer infl uências externas Da capacidade do indivíduo organizar logicamen te seu pensamento depende portanto sua correta exteriorização Por isso se existem regras e normas gramaticais a serem seguidas e se elas se constituem como normas do bem falar e do bem escrever a função da linguagem passa a ser a de representar ou refl etir o pensamento humano Por isso mesmo o texto do aluno que vemos à direita no quadro representa essa tentativa de adequarse à produção de frases bem formadas ainda que desprovidas de coesão Em meados da década de 1970 surge uma nova concepção de linguagem como instrumento de comunicação Nessa visão a escrita é concebida como modelo a se imitar característico das infl uências estruturalistas da época Vejamos por exemplo essa acepção a partir de uma proposta retirada de um livro didático A produção de textos nos anos iniciais 62 ESCRITA E ENSINO VAMOS IMAGINAR Imagine uma criança muito feliz ou se preferir muito infeliz com seu jeito de ser Como ela é fi sicamente Como é o seu jeito de ser ou seja como ela se comporta Por que ela age assim Como essa criança trata essas pessoas Como ela gostaria de ser tratada O que vai ser essa criança quando crescer Desenhe sua personagem e complete a história com as ideias que imaginou e depois dê um tí tulo adequado SORDI R Língua portuguesa comunicação oral e escrita 1ª série São Paulo Moderna 1995 p 88 Para auxiliar o trabalho é colocado o seguinte modelo para a criança A criança da minha história chamase Fisicamente é Essa criança é muito porque Quando conversa com as pessoas é muito porque A criança da minha história gostaria que a tratassemporque Quando crescer vai ser porque Nesse caso é solicitado primeiro que a criança imagine uma personagem como se escrever não dependesse de um ensino intencionalmente planejado mas da ima ginação e do dom da criança SERCUNDES 1997 Depois ela preencherá as lacunas de um texto previamente organizado que já traz inclusive aquilo que a criança deve escrever como se ela não tivesse o que escrever As características de um ensino de escrita voltado a essas concepções são as seguintes LINGUAGEM COMO EXPRESSÃO DO PENSAMENTO LINGUAGEM COMO INSTRUMENTO DE COMUNICAÇÃO Saber se expressar e escrever equivale a saber produzir frases e orações corretas à luz da gramáti ca tradicional O foco de atenção é a frase Escrever é dominar a normapadrão da língua por meio da escrita de um amontoado de frases desconexas Não há preocupação com a signifi cação Saber escrever é saber imitar uma estrutura de texto com base em outra preestabelecida notadamente aquela escrita por escritores da esfera literária O foco de atenção é a estrutura do texto Escrever é saber imitar um modelo padrão Não há preocupação com o signifi cado Essas duas concepções de linguagem mostraramse insufi cientes para promover o desenvolvimento da escrita no aluno exatamente porque não nos comunicamos por frases ou por imitações de textos de escritores famosos ou ainda pelas tipologias 63 textuais mas nos comunicamos por meio de uma conversa um email um artigo de opinião uma carta de reclamação um boletim de ocorrência uma entrevista uma fofoca ou seja nos comunicamos por meio de gêneros textuais Por isso mesmo a partir da década de 1980 emerge uma nova concepção de lingua gem a de linguagem como forma de interação entre os sujeitos baseada sobretudo em uma corrente linguística denominada Interacionismo Social tendo Mikail Bakhtin como seu representante maior Ao assumirmos essa concepção de linguagem no ensi no pensando no ato da escrita partimos da ideia de que a criança tem um papel ativo no momento de sua produção utilizando a linguagem para interagir concretamente com outra pessoa E o que podemos entender como uma atividade interativa Antunes 2003 p 45 explica que uma atividade é interativa quando é realizada conjuntamente por duas ou mais pessoas cujas ações se inter dependam na busca dos mesmos fi ns Assim numa interação ação entre o que cada um faz depende daquilo que o outro faz também a iniciativa de um é regulada pelas condições do outro e toda decisão leva em conta essas condições Nesse sentido a escrita é tão interativa tão dialógica dinâmica e negociável quanto a fala Para que a criança entre em interação como o outro é necessário ensinála a redigir textos de circulação real ou os chamados textos de uso Pense usamos a narração pura como uma modalidade de texto de uso Não Usamos a narração por exemplo para nos auxiliar a escrever uma reportagem uma crônica uma carta etc Da mesma forma usamos o discurso dissertativo para escrevermos um artigo de opinião uma carta de re clamação para realizar um debate oral As tipologias seriam desse modo instrumentos para a construção dos diversos gêneros textuais Por isso mesmo é que os Parâmetros Curriculares Nacionais BRASIL 1997 elegem o texto como unidade de ensino das aulas de língua materna e os gêneros textuais como objetos de aprendizagem já que são por intermédio deles que nos comunicamos e nos relacionamos uns com os outros Agora reparemos no exemplo do texto 2 que colocamos no início desta seção Você consegue identifi car que texto é este Diferentemente do primeiro texto no segundo fi ca claro que a criança está escrevendo uma carta de solicitação para a diretora para que ela mude sua sala para outra devido ao barulho Há portanto uma necessidade real de interação com o outro e por isso mesmo há o que se dizer e para quem se dizer Aqui diferentemente da primeira situação temos um exemplo de produção textual a partir de um gênero textual específi co no qual a criança tem o que dizer fruto de sua vivência pessoal na sala tem um interlocutor que não a professora pra se dizer nesse caso a diretora da escola A produção de textos nos anos iniciais 64 ESCRITA E ENSINO defi ne um gênero específi co para se dizer a carta de reclamação sabe como dizer pois ao escrever uma carta de solicitação evidencia um proces so de aprendizagem realizado na escola mediado pela professora utilizase de um gênero textual para interagir com o outro O mesmo ocorre no texto 3 Onde você se lembra ter visto esse tipo de texto Acertou se disse que é na Internet Esse texto é o gênero depoimento presente nas páginas do Orkut uma rede social presente na Internet criada em 2004 cujo pro pósito é divulgar o perfi l de uma pessoa e dar espaço para criar novas amizades e manter relacionamentos entre amigos que compartilhem com ela fotos batepapos e depoimentos porém diferentemente do texto 2 que foi resultado de um ensino inten cionalmente planejado pela professora aqui temos um exemplo do que Freinet 1977 e Cagliari 1998 denominam escrita espontânea ou seja a escrita que ocorre sem a mediação de outra pessoa sem a interferência da escola mas que também exemplifi ca uma situação autêntica de interação porque a criança tem um objetivo e o que dizer fazer um depoimento para seu melhor amigo tem para quem dizer para seu ami go constituise como locutor real que busca em si mesmo as informações para dizer insere o texto no veículo adequado no caso a página do Orkut e realiza inclusive a adequação da linguagem a esse veículo com apenas 8 anos de idade Por isso mesmo os textos 2 e 3 atendem hoje a outro conceito importante para o trabalho com a escrita o conceito de letramento escolar Para Soares 2002 ser letra do signifi ca ir além da mera aquisição do código escrito é preciso fazer uso da leitura e da escrita no cotidiano se uma criança sabe ler mas não é capaz de ler um livro uma revista um jornal se sabe escrever palavras e frases mas não é capaz de escrever uma carta é alfabetizada mas não é letrada Exatamente por isso a autora defende que a escola alfabetize letrando a criança colocandoa em contato com textos reais de circulação o que signifi ca produzir também gêneros discursivos específi cos presentes nas mais diversas formas de interação social Kleiman 2003 defi ne letramento como o conjunto de práticas sociais que utilizam a escrita em contextos específi cos e com fi nalidades específi cas Podemos considerar as práticas sociais como formas de organização de uma sociedade das atividades e das ações realizadas pelos indivíduos em grupos organizados São por meio dessas práti cas que se defi nem as atividades humanas bem como os papéis e lugares sociais para aqueles que nela estão envolvidos A prática social ir à escola por exemplo exige diversas atividades tanto por parte do professor como por parte do aluno como planejar a aula ouvir o professor elaborar realizar exercícios discutir tópicos prestar atenção na aula organizar atividades etc Exige 65 também que assumamos nessa esfera social o papel social quer de professor quer de aluno e não por exemplo de namorados de patrão de empregado Nessas e em outras inúmeras atividades o homem elabora os chamados gêneros do discurso tais como agen da prova discussão oral resumo debate regrado seminário plano de aula etc Dessa forma as práticas sociais mobilizam diversas atividades de linguagem as quais envolvem diferentes maneiras de expressão por meio dos gêneros discursivos que implicam em diferentes capacidades de compreensão e de produção Isso expli ca então a razão pela qual não podemos mais usar em sala de aula apenas a noção de tipologia textual entendida como sequências textuais defi nidas por propriedades meramente linguísticas descrição narração dissertação já que além de não nos comunicarmos por esses tipos de textos eles não dão conta de desenvolver as ca pacidades de leitura e de escrita necessárias para a participação efetiva do indivíduo em um mundo multissemiótico no qual há necessidades de leitores e escritores não apenas do texto verbal mas de textos que trazem múltiplos sistemas de linguagem verbal visual audiovisual gestual denominados gêneros multimodais como por exemplo história em quadrinhos tiras em quadrinho canção anúncio publicitário reportagem propaganda televisiva etc Por isso mesmo a noção de letramento passa a ser ampliada ou seja o bom leitor e principalmente o bom escritor não é mais aquele que e escreve uma boa narração ou dissertação mas é aquele que é capaz de escrever e de compreender diversos gêne ros discursivos mobilizados nas mais diversas práticas sociais atendendo a fi nalidades específi cas de interação TIPOLOGIAS E GÊNEROS DISCURSIVOS Na seção anterior você percebeu que nos comunicamos por gêneros textuais e não por tipologias textuais No entanto como temos uma tradição muito forte nesse último tipo de ensino ainda percebemos que uma das grandes confusões presentes na escola diz respeito à difi culdade de compreensão dessas noções Para compreender melhor vamos observar alguns exemplos retirados de livros didáticos Observemos a seguinte proposta de escrita Invente uma história cujas personagens sejam crianças e animais Você pode fazer individual mente ou em grupo CÓCCO M F HAILER M A ALP 4 análise Linguagem e pensamento um trabalho de lingua gem numa proposta sócioconstruti vista São Paulo FTD 2000 A produção de textos nos anos iniciais 66 ESCRITA E ENSINO Tomemos outro exemplo agora o paradidático de Jacqueline Peixoto Barbosa 2003 intitulado Receita no qual temos a seguinte proposta produção de um livro de receitas da sala decorrente de um projeto desenvolvido em sala de aula Em grupo vocês vão produzir um pequeno livro de no mínimo seis receitas Cada grupo deve escolher o ti po de livro de receitas que vai produzir Seguem quatro sugestões 1 Recei tas baratas 2 Receitas rápidas e práti cas 3 Receitas fáceis 4 Receitas malucas ou receitas da bruxa Em seguida a autora sugere os passos metodológicos para a realização do livro 1 Defi nição das receitas que farão parte do livro 2 Reescrita da receita 3 Revisão da receita 4 Edição da receita 5 Publicação da receita Para cada passo apresentado há orientações específi cas Finalmente a orientação para publicação das receitas é Agora que os livros estão prontos resta mostrálos para outros grupos Você também deverá levar o livro para casa e mostrar para seus familiares Afi nal eles poderão se diverti r com as receitas mais estranhas que vocês inventaram Combinem quanto tempo cada membro do grupo fi cará com o livro e quem vai levar o livro primeiro BARBOSA J P Receita trabalhando com os gêneros do discurso 1 ed São Paulo FTD 2003 No primeiro caso relatado temos um trabalho com a escrita voltado à tipologia narrativa e no segundo caso uma proposta de escrita baseada na noção de gêneros textuais no caso a receita As diferenças entre essas propostas podem ser mais bem observadas no quadro abaixo TIPOLOGIAS TEXTUAIS PROPOSTA 1 GÊNEROS DISCURSIVOS PROPOSTA 2 1 A proposta não defi ne um gênero em específi co apenas solicita à criança que invente uma história Inventar parte da premissa da escrita como um dom 1 A proposta defi ne um gênero específi co a receita e parte de um projeto trabalhado em sala de aula oportunizando à criança ter o que dizer 2 A proposta não se defi ne por uma necessidade real de comunicação da criança 2 A proposta de escrever uma receita defi ne uma necessidade real de comunicação da criança escrever um livro de receitas 3 A proposta não defi ne um interlocutor específi co é escrita para a professora 3 A proposta defi ne interlocutores específi cos do livro de receitas amigos e familiares 4 A proposta não pressupõe um ensino intencionalmente mediado para cumprir uma função sociocomunicati va 4 A proposta cumpre uma função sociocomunicati va a de escrever um livro para ser comparti lhado com amigos e familiares Quadro 1 Diferenças entre propostas de escrita a partir de tipologias e a partir de gêneros discursivos O que vemos em um ensino baseado apenas nas tipologias é a repetição de con teúdos no âmbito da produção textual Por exemplo em séries iniciais o estudo dos elementos da narrativa ou de sua estrutura composicional situação inicial confl ito e desfecho notoriamente segundo o padrão da chamada narrativa tradicional clássica na qual temos a seguinte estrutura a ser ensinada 67 FASES DA SEQUÊNCIA NARRATIVA TRADICIONAL Situação inicial situa ou orienta o leitor a respeito da narrati va o estado das coisas aparece equilibrado Complicação transformação desse estado equilibrado introduzindo à narrati va uma perturbação criando uma tensão Ações reúne acontecimentos desencadeados por essa perturbação Resolução solução da tensão Situação fi nal novo estado de equilíbrio estabelecido Avaliação ou moral comentário relati vo à história que pode aparecer explícito ou não Não estamos querendo afi rmar que você não deva ensinar essa estrutura aliás ela é uma etapa importante para o processo de construção da escrita nas séries iniciais O problema é repetila insistentemente ao longo dos anos escolares mesmo quando a criança já se apropriou dela Essa estrutura clássica da narrativa literária advinda da Antiga Retórica pode ser visualizada em alguns gêneros como o conto de fadas Porém o grande problema é que muitas escolas ensinam essa estrutura como se ela se realizasse da mesma forma em outros gêneros textuais da ordem do narrar Observemos o texto Cinderela Era rei um fi lia e rei se caso O rei morreu e a Cinderela fi cou com a madasta A madasta fi cava chemmendo a Cinderela Cinderela cinderela javou javou Cinderela que ir comigo no baile meninas mispere e Secolar é meu e se visti do é meu fada madrinha pegou a vara majica e empeistou o visti dio cinderela meia noite voce fi cara sem o visti dio e sem a caroça e votaralnormau e ela foi a obaile e dansou com prisipi O jaé meia noite euprisiso eu vou imbora E cinderala num vio mais o pincipe nunc amais e Fico pra ti ti a Patrícia Juliana 7 anos A situação de produção da história oferecida pela professora da 2º ano foi a se guinte Reproduza com suas palavras a história da Cinderela No entanto Patrícia nome fi ctício da aluna não apenas reproduz a história mas modifi ca o seu desfecho atualizando o conto Na versão tradicional temos o desfecho fi nal feliz já na versão de Patrícia Cinderela fi ca pra titia portanto a situação de confl ito não é resolvida da mesma forma Patrícia na realidade quer dizer além daquilo que leu se colocando como alguém que também tem o que dizer que leu o texto mas acabou trazendoo muito provavelmente para a sua realidade mais próxima atualizando com isso o pró prio conto de fadas isto é fazendo uma paráfrase do conto ao mesmo tempo que A produção de textos nos anos iniciais 68 ESCRITA E ENSINO acrescenta uma informação que não estava presente nele O desfecho inesperado aca ba revelando a necessidade de dizer algo mais do que se encontrava no conto de fadas O mesmo ocorre com uma narrativa de terror Como normalmente terminam essas narrativas Com um desfecho que resolve a situação de confl ito Claro que não Nar rativas de terror por vezes de suspense e de aventura podem trazer outros tipos de desfecho que denominamos a fi nal em aberto quando permite ao leitor imaginar o que ocorreu ou b fi nal com quebra da expectativa quando algo inusitado não esperado fi naliza o enredo HILA 2004 Por isso mesmo não podemos ensinar uma única estrutura narrativa que sirva para todos os gêneros da ordem do narrar pois cada gênero trará sua estrutura composicional que será variável porque cada gênero tem uma condição de produção diferente e muitas vezes trabalhará com diversos tipos de sequências em seu interior não apenas a narrativa Mas lembrese as sequências presentes em gêneros da ordem do narrar como o conto de fadas ou a narrativa de suspense serão diferentes mas seus elementos como os personagens o tempo as ações o espaço sempre estarão presentes O que que remos ressaltar com essa discussão é que você pode e deve trabalhar com sequências narrativas tradicionais a exemplo da que ocorre com os contos de fadas mas à medida que a criança se aproprie delas procure avançar para novos gêneros textuais com novas organizações composicionais possibilitando que novos aprendizados ocorram Vejamos o caso da carta do leitor abaixo Eu achei bem intereçante esse texto mas isso não serve pra todo mundo não porqeue eu não gosto muito de conto de fadas é coisa de minina e o fi nal é sempre igual eu gosto mesmo é di jogar vidiogame é mais legal e diverti do e eu não sou um dos piores da sala de aula eu vim de Curiti ba lá eu sempre brinquei de vidiogame na lanrouse até meu pai se mudar e faz três semanas que estou aqui eu gosto é de ler coisas anti gas sabe ti po história anti ga mesmo de países e também gosto muito de matemáti ca porque esses assuntos naun tão na revista Mateus 3º Ano Nessa carta o aluno faz uso da sequência argumentativa porque coloca as razões de não ter gostado do tema conto de fadas em uma provável reportagem da revista é coisa de minina e o fi nal é sempre igual mas também há passagens típicas da se quência narrativa como eu vim de Curitiba lá eu sempre brinquei de vidiogame na lanrouse até meu pai se mudar e faz três semanas que estou aqui O que queremos destacar é que no caso dessa carta do leitor e de tantos outros gêneros utilizamonos das tipologias textuais como recursos para a produção de um gênero específi co Por tudo isso é que os Parâmetros Curriculares Nacionais PCN BRASIL 1997 propalam que para aprender a escrever é necessário ter acesso à diversidade de textos 69 escritos p 66 é preciso inserir a criança diante de situações reais de escrita ou seja é fundamental que as práticas de escrita na sala de aula estejam voltadas ao aprendiza do da linguagem a partir da diversidade de textos e portanto de gêneros discursivos que circulem socialmente com vistas à formação de um escritor competente Um escritor competente é alguém que ao produzir um discurso conhecen do possibilidades que estão postas culturalmente sabe selecionar o gênero no qual seu discurso se realizará escolhendo aquele que for apropriado a seus objetivos e à circunstância enunciativa em questão Por exemplo se o que se deseja é convencer o leitor o escritor competente selecionará um gênero que lhe possibilite a produção de um texto predominantemente argumentativo se é fazer uma solicitação a determinada autoridade provavelmente redigirá um ofício se é enviar notícias a familiares escreverá uma carta Um escritor compe tente é alguém que planeja o discurso e consequentemente o texto em função do seu objetivo e do leitor a que se destina sem desconsiderar as características específi cas do gênero É alguém que sabe elaborar um resumo ou tomar notas durante uma exposição oral que sabe esquematizar suas anotações para estu dar um assunto que sabe expressar por escrito seus sentimentos experiências ou opiniões BRASIL 1997 p 48 Escrever com competência signifi ca saber selecionar o gênero mais adequado para se expressar em uma dada situação de interação respeitando aí suas características temáticas estruturais e de estilo signifi ca ter um propósito para se escrever e ter um destinatário para isso Todavia quais gêneros mobilizar para as atividades de escrita Os PCNs exemplifi cam alguns gêneros adequados para o trabalho com a linguagem escrita nos primeiros ciclos da escola BRASIL 1997 p 11 receitas instruções de uso listas textos impressos em embalagens rótulos calendários cartas bilhetes postais cartões de aniversários de natal etc convites diários pessoais de classe de viagem etc quadrinhos textos de jornais revistas e suplementos infantis títulos lides no tícias classifi cados etc anúncios slogans cartazes folhetos parlendas canções poemas quadrinhas adivinhas travalínguas piadas contos de fada de assombração etc mitos e lendas populares folhetos de cordel fábulas textos teatrais relatos históricos textos de enciclopédia verbetes de dicionário textos exposi tivos de diferentes fontes fascículos revistas livros de consulta didáticos etc Da mesma forma as Diretrizes Estaduais para o ensino de Língua Portuguesa preconizam que o trabalho da disciplina de Língua Portuguesa deve considerar os A produção de textos nos anos iniciais 70 ESCRITA E ENSINO gêneros discursivos que circulam socialmente PARANÁ 2005 p 11 orientando para a prática da escrita a escolha de gêneros de diversas esferas sociais A esfera social é en tendida como um campo ideológico em que vários gêneros estão agrupados Vejamos os exemplos abaixo Esfera da literatura poema conto de fadas narrativa de aventura narrativa de enigma poema etc Esfera jornalística reportagem artigo de opinião carta do leitor entrevista de especialista etc Esfera publicitária propaganda impressa propaganda televisiva anúncio publi citário etc Há ainda outras esferas como a jurídica a religiosa a midiática As Diretrizes deixam claro que é importante escolher gêneros discursivos de esferas diferentes o que opor tunizará que a noção de letramento anteriormente discutida realmente ocorra Por isso é preciso ir avançando na escolha de gêneros diferentes pertencentes a esferas também diferentes ao longo das séries iniciais Nada impede por exemplo que o mesmo gênero possa entrar em todas as séries como componente programático A esse procedimento Dolz e Schneuwly 2004 denominam ensino em espiral O que deve ser levado em conta nesse tipo de ensino é que um mesmo gênero pode ser objeto de ensino e de aprendizagem visando à escrita para todas as séries o que deve ocorrer é uma gradativa complexifi cação em torno das atividades relativas à leitura e à produção textual do gêne ro fazendo com que a criança avance em seu desenvolvimento Por exemplo podemos trabalhar com crianças da 2ª série a carta do leitor focando o trabalho por exemplo na prática da leitura posteriormente nos 4º e 5º anos podemos voltar a esse gênero priorizando agora suas características comunicativas composicionais e de estilo Neste sentido o ensino da escrita a partir da perspectiva do gênero amplia as pos sibilidades de trabalho com a escrita utilizandose de textos de circulação de uso real além de favorecer o trabalho com a leitura Em última instância trabalhar com a diversidade de textos e de gêneros permite à criança se apropriar da linguagem de forma mais viva e dinâmica CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DE UM TEXTO A partir da concepção de que a linguagem é interação vista no início deste capítulo é preciso entender que todo gênero discursivo inserese em um contexto de produ ção conceito esse fundamental para as atividades de leitura e de escrita No quadro teórico do Interacionismo Social o conceito acerca do contexto de pro dução parte da premissa que a produção de sentidos é decorrente de um lado das 71 particularidades constitutivas daquilo que cerca o texto ou do seu contexto e de outro das características do próprio texto BAKHTIN 2003 Por isso mesmo ao solicitar que a criança realize uma produção textual não basta apenas defi nir um tema para que ela escreva como por exemplo Escreva uma história bem interessante sobre a aventura de um dragão Faça uma narrativa contanto um fato curioso da sua vida Escreva um texto sobre a importância da água Nesses exemplos além de não se defi nir qual é o gênero que a criança irá produzir uma narrativa de aventura um artigo de opinião uma narrativa de suspense também não são estabelecidas as condições de produção de cada um dos textos o que torna esses exemplos típicos em redação escolar Geraldi 1993 um estudioso das ideias de Bakthin trouxe já na década de 1980 de forma sintética as condições de produção de um texto a se tenha o que dizer b se tenha uma razão para dizer o que se tem a dizer c se tenha para quem dizer o que se tem a dizer d o locutor se constitui como tal enquanto sujeito que diz o que diz para quem diz o que implica responsabilizarse no processo por suas falas e se escolham as estratégias para realizar a b c e d Hila 1999 explicanos essas condições Ter o que dizer diz respeito à experiência daquilo que a criança viveu ou seja o ponto de partida para toda a refl exão do aluno deve ser as experiências por ele trazidas suas ansiedades e vivências É fundamental que ao propor uma proposta de escrita se parta de conhecimentos já existentes nas crianças Por exemplo se em uma atividade de produção solicitase à criança que elabore uma receita na sala de aula o professor já deve ter trabalhado atividades de leitura e de escrita que envolvam esse gênero Dessa forma o aluno precisa sentir que escrever seja algo importante em que a experiência do vivido passe a ser o objeto inicial de refl exão na escola o vivido é portanto o ponto de partida para a refl exão GERALDI 1993 p 163 A segunda condição de produção é ter uma razão para dizer ou seja é preciso que tanto o professor como o aluno encontrem uma motivação interna para o trabalho a ser executado O aluno deve perceber que seu texto é o resultado de uma necessi dade real de expressão e não um exercício imaginário desvinculado completamente de sua realidade sóciohistórica que não se traduz em uma forma de interação com o próprio mundo Sem isso correse o risco de que o exercício da escrita mais uma vez transformese em uma tarefa sem sentido penosa o que gradativamente afastará o aluno da própria escrita A terceira condição se tenha para quem dizer o que se tem a dizer diz respeito à defi nição de um interlocutor para o texto pois será a partir da imagem que se faz A produção de textos nos anos iniciais 72 ESCRITA E ENSINO dele que o aluno defi nirá os recursos linguísticos e textuais para desenvolver o texto Daí novamente a importância com os gêneros textuaisdiscursivos porque diferentes gêneros mobilizarão o trabalho com diferentes recursos de expressão Por exemplo escrever uma carta para um amigo mobiliza recursos bem diferentes de escrever uma carta de reclamação para a diretora da escola A quarta condição o locutor se constitua como tal é decorrente da anterior ou seja à medida que o texto tem um interlocutor real o aluno se constituirá como locu tor como alguém que tem o que dizer A quinta e última condição se escolham estratégias para realizar as operações anteriores diz respeito às operações necessárias para a realização de todas as etapas Isso poderá ser realizado levando em consideração que o professor ao escolher uma proposta de produção que atenda às condições anteriores deve observar que é ne cessário oferecer à criança condições para que se aproprie do gênero em questão As sim por exemplo ao pedir que a criança produza um conto de assombração primeiro o professor deve conhecer as características desse gênero estilo tema estrutura com posicional para em seguida transformar esses conhecimentos em conhecimentos ensináveis aos alunos por exemplo como é a estrutura composicional desse tipo de história como são as personagens quais os temas desse tipo de gênero etc Na realidade todas essas condições trabalhadas por Geraldi tiverem como base as ideias de um fi lósofo da linguagem Mikhail Bakthin considerado o maior represen tante de uma corrente linguística denominada Interacionismo Social Resumidamente a partir do quadro teórico do Interacionismo Social teríamos como elementos do contexto de produção ELEMENTOS DO CONTEXTO DE PRODUÇÃO NO INTERACIONISMO SOCIAL 1 Parceiros da interação locutor e desti natário 2 Objeti vo da interação o intuito ou quererdizer do locutor 3 A esfera onde ocorrerá a interação que delimita o contexto da situação com suas marcas ideológicas sociais e culturais contexto social mais amplo 4 O tema e seu tratamento exausti vo 5 O gênero escolhido e suas formas realizáveis Quadro 2 Condições de produção no Interacionismo Social HILA 2007 Esses elementos constituem a base para as atividades de leitura e de escrita que visem à autoria do aluno ou seja a apropriação do gênero pela criança exige que o professor desenvolva uma série de atividades anteriores no interior de projetos ou não para que ela se aproprie 73 a do contexto de produção do gênero reconhecimento desse gênero onde ele se encontra qual o seu objetivo para quem se destina quais seus temas típicos b da estrutura composicional do gênero como o gênero se organiza quais suas sequências prototípicas c das marcas do estilo mecanismos linguísticoenunciativos próprios do gênero Por esse motivo uma atividade de autoria entendida como aquela atividade de produção na qual a criança deve pensar sobre o tema sobre a estrutura composicional e sobre o estilo do gênero normalmente está inserida no interior de projetos que possibilitem o trabalho com os elementos descritos TIPOS DE ATIVIDADES DE ESCRITA A atividade de escrever sem dúvida é uma operação mental de nível superior exigindo da criança uma série de operações e de esforços para que ela aconteça do professor o planejamento adequado para que a criança avance na forma e no conteú do daquilo que escreve Assim sendo muito embora se pretenda ao longo do trabalho escolar a escrita visando à autoria ou seja que o aluno se constitua como alguém que tem o que dizer especialmente enquanto a criança ainda está em processo de alfabe tização e seus esforços voltamse para isso outras atividades de escrita são igualmente importantes Os PCN 1997 orientam quatro tipos de atividades principais de escrita 1 Atividades de transcrição 2 Atividades de reprodução 3 Atividades de decalque 4 Atividades de autoria Além dessas atividades acrescentamos 5 Resposta a enunciados de cunho expositivoargumentativo As atividades de transcrição mobilizam a atenção do aluno para garantir a fi deli dade ao registro e ao domínio das convenções gráfi cas da escrita especialmente co locadas quando a criança ainda está em fase de alfabetização Nesse caso a criança já tem em mãos o que dizer o tema e o como dizer a estrutura e seu esforço mental recairá sobre o estilo particularmente nas séries inicias para questões ortográfi cas e fonológicas Nesse conjunto estariam as atividades que levem as crianças a compreender as diferenças existentes entre os sinais do sistema de escrita alfa béticoortográfi co e outras formas gráfi cas e sistemas de representação identifi car as letras do alfabeto inclusive maiúsculas de minúsculas dominar as convenções da escrita como direção correta da escrita segmentação A produção de textos nos anos iniciais 74 ESCRITA E ENSINO compreender as relações entre grafemas e fonemas como por exemplo pb fv transcrever os textos que já sabe de memória A título de exemplo vejamos a atividade abaixo para reconhecimento e identifi ca ção das letras do alfabeto proposta por Batista et al 2005 p 4 Além dessa atividade podem ser trabalhadas outras atividades focadas na transcrição escrita de lista de nomes dos alunos da turma escrita de títulos de contos de fadas conhecidos escrita de datas escrita de uma lista de compras relacionar legendas de notícias com as imagens escrita de manchete de uma notícia diferenciação entre escrita e outras formas gráfi cas a partir da observação de anúncios de embalagens completar títulos de contos conhecidos a partir de uma lista de palavras completar lacunas de parlendas associação de um logotipo de uma embalagem à imagem etc As atividades de reprodução oral ou escrita permitem que o aluno fi que liberado da tarefa de pensar sobre o que irá escrever e como irá escrever pois o conteúdo e a estrutura já estão defi nidos pelo texto modelo Nesse caso sua atenção estará centralizada mais uma vez no plano da expressão no como dizer São exemplos desse tipo de atividade reproduzir oral ou escrito um conto de fadas reproduzir oral ou escrito uma tira sem elementos verbais e depois com ele mentos verbais 75 elaborar um resumo de uma notícia de uma reportagem quando a criança já se alfabetizou etc As atividades de decalque funcionam quase que como modelos lacunados nas quais o como dizer e a estrutura composicional são dados para a criança que deverá centrar seu esforço no que dizer Exemplos dessas atividades são escrever uma paródia de uma música conhecida ou de um poema completar o fi nal de uma carta de reclamação escrever uma receita baseada em outra etc As atividades de autoria são conseguidas principalmente por meio de projetos e serão comentadas nas próximas seções Finalmente outra atividade constante de escrita desenvolvida na sala de aula não apenas nas aulas de língua portuguesa são atividades que levem as crianças a escreve rem respostas de cunho expositivo eou argumentativo Nesses casos cabe ao profes sor ajudar a criança a entender como se escreve cada tipo de resposta Por exemplo se a fi nalidade é que a criança argumente ela precisa ter a consciência e o professor também que uma sequência argumentativa é composta das seguintes fases FASES DA SEQUÊNCIA ARGUMENTATIVA FASE DAS PREMISSAS em que se propõe uma constatação opinião ou ponto de parti da FASE DAS APRESENTAÇÕES DOS ARGUMENTOS em que se apresentam as ideias que provam a opinião por meio de exemplos explicações relatos etc FASE DA APRESENTAÇÃO DOS CONTRAARGUMENTOS em que se opera uma restrição em relação à orientação argumentati va Essa restrição pode ser apoiada por exemplos constata ções explicações etc A FASE DA CONCLUSÃO ou da nova tese que integra os argumentos e contraargumentos Vejamos como exemplo a seguinte atividade realizada por uma professora de uma segunda sérieterceiro ano Após ter trabalhado em sala de aula um texto em que se discutia o trabalho das crianças em casa a professora pediu que respondessem no caderno à seguinte questão Em sua opinião as crianças devem trabalhar em casa Por quê Nesse caso a criança precisa dar uma resposta de cunho argumentativo Marina 8 anos na primeira versão escreve o seguinte Proque o fi nho temqui ajuda a mãe e a mãe e o pai tem que trabaia A produção de textos nos anos iniciais 76 ESCRITA E ENSINO Nessa primeira versão a criança coloca apenas a fase da premissa Se o professor desconhece as fases da sequência argumentativa consideraria correta a resposta Mas após o trabalho com a reescrita e a intervenção da professora a versão fi nal de Marina foi a seguinte Proque o fi nho temqui ajuda a mãe e a mãe e o pai tem que trabaia pra pode sus tenta a famia e a gente pode estuda então eu axo que a gente podi ajuda um pouco mas tamem tem que brinca pra pode fi ca felis e fi ca bem na iscola então faze as duas coisas um pouco Obviamente os aspectos ortográfi cos são desconsiderados já que a criança ainda está em fase de alfabetização Notamos que pelo trabalho da professora Marina agora apresenta os argumentos a criança tem que ajudar no trabalho em casa porque os pais precisam trazer o sustento mas também os contraargumentos a criança tam bém precisa brincar para poder fi car feliz e ainda faz uma conclusão usando um co nector então afi rmando que tanto brincar como trabalhar são atividades necessárias sintetizando o argumento e o contraargumento Esse trabalho só foi possível porque a a professora conhecia os elementos da sequência argumentativa b a professora realizou o trabalho com a reescrita e c respeitou as fases do trabalho com a escrita Ao propor uma atividade de escrita de autoria ou não o professor deve orientar seus alunos desde as primeiras produções a respeito dos momentos ou das fases da escrita momento do planejamento no qual o professor ensina as estratégias neces sárias à elaboração do texto momento da textualização da elaboração do texto propriamente dito momento da revisão que deve ser visto como etapa natural do processo de produção e não como erro ou castigo imputado ao aluno momento da reescrita na qual o aluno pensa conscientemente sobre os aspectos que precisam ser modifi cados no seu texto Se desde as séries inicias o aluno encarar esses momentos como naturais ao processo de escrita gradativamente com a mediação do professor ele alcançará processos de elaboração de textos mais ricos e complexos Exatamente por isso nos debruçaremos um pouco mais sobre esse assunto na próxima seção Da mesma forma que existem fases para a escrita do aluno por tudo o que já abor damos até aqui existem igualmente fases ou momentos específi cos para o professor momento da escolha da proposta de escrita momento da execução e o momento da avaliação Ao escolher uma proposta o professor deve estar consciente dos motivos que o levaram a isso Por que escolhi essa proposta Ela é adequada às condições de 77 produção Ela respeita aquilo que a criança já sabe e tem ao menos internalizado Ela preenche uma necessidade real de comunicação Qual é o seu objetivo No momento da execução é necessário pensar ofereci as estratégias necessárias para as crianças es creverem esse gênero E no momento da avaliação levar em conta o que foi ensinado e como foi ensinado REVISÃO E REESCRITA A revisão e a reescrita devem ser adotadas como procedimentos corriqueiros em sala de aula sem os quais difi cilmente uma criança avança e se desenvolve em termos de escrita Os PCN de Língua Portuguesa do 1º e 2º ciclos BRASIL 1997 esclarecem que o objetivo é que os alunos tenham uma atitude crítica em relação à sua própria produção de textos o conteúdo a ser ensinado deverá ter procedimentos de revisão A seleção deste tipo de conteúdo já traz em si um componente didático pois ensinar a revisar é completamente diferente de ensinar a passar a limpo um texto corrigido pelo professor No entanto mesmo assim ensinar a revisar é algo que depende de se saber articular o necessário em função do que se pretende e o possível em função do que os alunos realmente conseguem aprender num dado momento Considerar o conhecimento prévio do aluno é um princípio didático para todo professor que pretende ensinar procedimen tos de revisão quando o objetivo é muito mais do que a qualidade da produção a atitude crítica diante do próprio texto Fica claro portanto que revisar é uma atitude muito diferente que da de higieni zar que por muito tempo acompanhou as atividades de avaliação do professor A reescrita transformavase numa espécie de operação de limpeza em que o objetivo principal consistia em eliminar as impurezas previstas pela profi laxia linguística ou seja os textos são analisados apenas no nível da transgressão ao estabelecido pelas regras de ortografi a concordância e pontuação sem se dar a devida importância às relações de sentido emergentes na interlocução Como resultado temos um texto quando muito linguisticamente correto mas pre judicado na sua potencialidade de realização JESUS 1997 p 102 Percebemos assim que há normalmente uma predileção para a higienização de elementos apenas na superfície do texto especialmente em relação aos erros de orto grafi a pontuação e concordância como se esses elementos tivessem supremacia sobre os elementos de base semântica em seus aspectos de coesão e coerência Revisar portanto é conseguir encontrar no texto por meio de um mediador que pode ser o professor ou outros os problemas que interferem na produção daquele gênero pro blemas não apenas da ordem da gramática mas também da organização do texto das escolhas temáticas da adequação à situação de produção Já a reescrita é o momento em que o aluno irá pensar sobre esses problemas com A produção de textos nos anos iniciais 78 ESCRITA E ENSINO vistas a transformálos Não restam dúvidas de que a reescrita é um espaço privilegia do de articulação das práticas de leitura produção e refl exão sobre a língua BRASIL 1997 p 80 possibilitando ao aluno uma relação mais interativa com seu próprio texto provocando um diálogo entre o alunoautor com o seu produto além de auxiliálo a en xergar por meio da mediação do professor o que antes ele não conseguia ver sozinho Sercundes 1997 também aponta outra razão da importância das atividades de reescrita Para a autora se o aluno parte de seu próprio texto e emite sobre ele um olhar mais analítico e avaliativo ele terá condições de realmente perceber que escrever é trabalho mas não um trabalho associado à visão negativa do termo como algo enfa donho mas usando a perspectiva freinetiana observar que o trabalho é uma atividade natural do homem que o ajudará a se tornar um usuário mais efetivo de sua própria língua Interessante também é a posição de Jolibert 1994 ao reforçar que as ativida des de reescrita quando malentendidas ou malplanejadas feitas de forma repetitiva e entediante tendem a afastar o aluno de sua própria língua Do mesmo modo que Freinet 1977 o autor enuncia que o trabalho com a reescrita deve ser visto como uma etapa signifi cativa que permita ao aluno avançar gradualmente em sua própria aprendizagem Reforça ainda que reescrita não é cópia do texto Neste sentido o professor ao término de uma atividade de produção seja ela uma atividade de transcrição de reprodução de decalque de autoria de respostas a enunciados poderá trabalhar a reescrita de diversas formas utilizando o texto todo partes do texto parágrafos e até unidades menores como a frase O importante é que em cada momento priorizemse aspectos para além dos problemas formais que de vem ser objetos da reescrita mas que não devem ser apenas eles O ideal é selecionar para aquelas produções quais aspectos chamaram mais a atenção e trabalhálos alter nando forma e conteúdo No caso da forma por exemplo que é bastante signifi cativa nessa fase ou o professor se debruça sobre ela ou sobre a pontuação ou sobre os aspectos de coesão Quanto ao conteúdo aspectos como a progressão das ideias a adequação do conteúdo ao gênero proposto também podem e devem ser objetos de uma refl exão Para as crianças muito pequenas a atitude da revisão por si só é uma tarefa que consideram difícil exatamente porque exige o distanciamento do próprio texto daí procedimentos como utilizar textos alheios para serem analisados coletivamente são interessantes Nesse caso é preponderante o papel do professor que deverá colocar questões a serem avaliadas para o problema que deseja focar É o professor nesse caso o primeiro modelo de revisor Há também algumas formas ou estratégias de auxiliar o aluno a elaborar a revi são a partir de si próprio por meio de fi chas de autoavaliação nas quais o professor 79 estabelece aspectos que pressupõe que as crianças já internalizaram e pede que obser vem no texto aspectos da forma e do conteúdo Os próprios colegas também podem cumprir esse papel com o texto do outro As fi chas são interessantes quando inseridas sobretudo em projetos Ao elaborar uma fi cha devemos incluir como itens aqueles que efetivamente foram trabalhados durante o projeto envolvendo os aspectos temáticos composicionais e de estilo GONÇALVES 2009 A título de exemplo vejamos a fi cha elaborada por uma professora da 4ª série5º ano por ocasião do desenvolvimento de um projeto envolvendo a carta do leitor PONTOS PARA VOCÊ OBSERVAR OK PRECISOA MUDAR A linguagem uti lizada na minha carta está de acordo com os leitores da Revista Atrevida Deixei claro para os leitores o objeti vo da minha carta tópico trabalhado no capítulo 3 Usei apenas opiniões ou desenvolvi argumentos tópico trabalhado no capítulo 4 Consegui argumentar em relação à minha opinião sobre a matéria lida isto é por meio de fatos exemplos comparações Usei uma pontuação adequada no parágrafo respeitando as pausas e evitando muitas vírgulas Marquei minha opinião por meio de expressões indicati vas do meu ponto de vista tópico trabalhado no capítulo 5 Usei expressões específi cas para fi nalização dos meus argumentos Com base nessa fi cha o professor para o processo de avaliação do aluno pode elaborar uma fi cha de constatação GONÇALVES 2009 sobre os elementos alcançados ou não por cada criança como por exemplo em relação ao contexto de produção o aluno x ainda não conseguiu perceber o que diferencia uma carta do leitor de uma carta ao leitor o aluno y conseguiu reconhecer e assim por diante com cada aspecto que foi objeto de ensino Por tudo isso é preciso que o aluno tenha um trabalho continuado com o processo da reescrita Fiad e MarynkSabinson 1991 p 55 ratifi cam essa afi rmação pois ao encarar a reescritura como uma atividade inerente à própria escritura do texto os A produção de textos nos anos iniciais 80 ESCRITA E ENSINO alunos passam a se preocupar mais com a maneira como os leitores verão os seus tex tos Passarão a considerar o texto escrito como resultado de um trabalho consciente deliberado planejado e repensado PROJETOS DE ESCRITA NA ESCOLA Discutimos em tópico anterior a importância das condições de produção para que a escrita se aproxime de situações reais de interação Metodologicamente o trabalho com projetos torna mais fácil para o professor e para o aluno encontrarem espaço para pôr em prática uma escrita mais viva e aproximar a criança de atividades de autoria Os Parâmetros Curriculares Nacionais BRASIL 1997 p 7071 assim preconizam Os projetos são excelentes situações para que os alunos produzam textos de forma contextualizada além do que dependendo de como se organizam exigem leituras produção de textos orais estudo pesquisa ou outras ativida des Podem ser de curta ou média duração envolver ou não outras áreas do conhecimento e resultar em diferentes produtos uma coletânea de textos de um mesmo gênero poemas contos de assombração ou de fadas lendas etc um livro sobre um tema pesquisado uma revista sobre vários temas estudados um mural uma cartilha sobre cuidados com a saúde um jornal mensal um folheto informativo um panfl eto cartazes de divulgação de uma festa na escola ou um único cartaz Um projeto pode ser entendido como um tipo de organização didática que tem um objetivo defi nido e compartilhado por todos os envolvidos e que terá necessa riamente um destinatário uma forma de divulgação e circulação social na escola ou fora dela Há várias formas de se fazer um projeto de docência ou de sala a partir dos gêneros discursivos seja por meio de uma ofi cina de leitura eou produção por meio de uma sequência didática ou mesmo projetos que visem a auxiliar problemas específi cos de aprendizagem dos alunos Vamos no entanto enfocar os projetos na visão proposta por este capítulo ou seja na visão do Interacionismo Social Bakthi niano LopesRossi 2002 p 81 com base em sua experiência como professora forma dora com o estágio supervisionado propõe que nem todos os gêneros se prestam bem à produção escrita na escola porque suas situações de produção e de circulação social difi cilmente seriam reproduzidas na sala de aula Isso signifi ca que alguns gêneros se prestariam mais a projetos apenas de leitura não envolvendo a efetiva produção escrita do gênero tais como rótulos de produtos bulas de remédio pro pagandas de produtos propagandas políticas etiquetas de roupas manuais de ins trução de equipamentos contratos nota fi scal A leitura de gêneros discursivos na escola não pressupõe portanto sempre sua produção escrita 81 Se quisermos desenvolver um projeto de ensino envolvendo um determinado gênero voltado também para a produção escrita precisamos pensar se realmente aquele gênero escolhido é ensinável para a dimensão escrita e mais se é socialmente válido para integrar um projeto para aquela turma em específi co preenchendo uma necessidade real da sala Pensando em um projeto que envolva a escrita de um gênero discursivo poderíamos ter as seguintes fases Início do projeto Explicação aos alunos sobre o objeti vo do projeto sua forma de divulgação ao público fora da sala e eventual mente fora da escola dos textos a serem produzidos defi nindose o gênero a ser objeto da escrita Fase de moti vação para o projeto MÓDULO 1 Leitura para apropriação das característi cas tí picas do gênero discursivo Série de ati vidades de leitura e de escrita comentários e discussões de vários exemplos do gênero para conhe cimento dos elementos de seu contexto de produção de suas característi cas temáti cas composicionais ver bais e nãoverbais e de esti lo MÓDULO 2 Produção escrita do gênero de acordo com suas condições de produção tí picas Série de ati vidades de produção planejamento da pro dução assunto contexto de produção esboço geral forma de obtenção de informações recursos neces sários coleta de informações produção da primeira versão revisão colaborati va do texto ou por fi chas de autoavaliação produção da segunda versão revisão colaborati va do texto produção da segunda versão re visão colaborati va do texto produção da versão fi nal incluindo o suporte para circulação do texto MÓDULO 3 Divulgação ao público de acordo com a forma tí pica de circulação do gênero Série de providências para efeti var a circulação da pro dução dos alunos fora da sala de aula e mesmo na es cola de acordo com as necessidades de cada evento de divulgação e das característi cas de circulação do gênero Quadro 3 Fases de um projeto a partir de um gênero discursivo adaptado de LOPESROSSI 2002 p 82 Quando bem planejados os projetos visando à produção escrita a partir de um gênero discursivo importante e necessário ao letramento da criança adequado a uma determinada situação de comunicação da escola e da turma sejam eles de quaisquer natureza oportunizam a aproximação da criança com uma escrita mais viva eviden ciam que escrever é o resultado de um ensino planejado para esse fi m tornam a escrita menos artifi cial e levam principalmente nossas crianças a perceberem que escrever é uma forma de participar mais plenamente do próprio mundo A produção de textos nos anos iniciais 82 ESCRITA E ENSINO ANTUNES I Aula de português encontro interação São Paulo Parábola 2003 BAKTHIN M Os gêneros do discurso In BAKTHIN M Estética da criação verbal 2 ed São Paulo Martins Fontes 2003 p 279326 BAKTHIN M Formas de Tempo e de cronotopo no romance In BAKTHIN M Questões de Literatura e estética a teoria do romance BAKHTIN M VOLOSHINOV V N Marxismo e Filosofi a da linguagem 2 ed São Paulo Hucitec 1992 BARBOSA J P Receita trabalhando com os gêneros do discurso 1 ed São Paulo FTD 2003 BRITO LPL A sombra do caos ensino de língua x tradição gramatical Campinas Mercado de Letras 1997 BRASIL Secretaria de Educação fundamental Parâmetros Curriculares Nacionais primeiro e segundo ciclos do ensino fundamental língua portuguesa Brasília DF MEC 1997 BATISTA A A G et al Avaliação diagnóstica da alfabetização Belo Horizonte CealeFaEUFMG 2005 Coleção instrumentos de alfabetização 3 CAGLIARI L C A produção de textos espontâneos In CAGLIARI L C Alfabetizando sem o bábébibóbu São Paulo Scipione 1998 p 197240 CÓCCO M F HAILER M A ALP 4 análise linguagem e pensamento um trabalho de linguagem numa proposta sócioconstrutivista São Paulo FTD 2000 Referências 83 A produção de textos nos anos iniciais DOLZ J SHNEUWLY B Gêneros e progressão em expressão oral e escrita elementos para refl exões sobre uma experiência suíça francófona In ROJO R CORDEIRO G S Org Gêneros orais e escritos na escola Campinas SP Mercado de Letras 2004 p 4170 FIAD R S MAYRINKSABINSON M L T A escrita como trabalho In MARTINS M H Org Questões de linguagem São Paulo Contexto 1991 p 5463 FREINET C O método natural III a aprendizagem da escrita Tradução de Tereza Medeiros Lisboa Estampa 1977 GERALDI J W Portos de passagem 2 ed São Paulo Martins Fontes 1993 GONÇALVES A V As listas de controleconstatações como ferramentas para a reescrita de gêneros In GONÇALVES A V BAZARIM M Org Interação gêneros e letramento a reescrita em foco São Carlos Editora Clara Luz 2009 p 1733 HILA C V D As representações do contexto de produção da redação de vestibular In SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE ESTUDOS DE GÊNEROS TEXTUAIS SIGET 4 2007 Tubarão SC Anais Tubarão SC Universidade do Sul de Santa Catarina 2007 p 837852 HILA C V D Intersecções entre tema e superestrutura narrativa em situação de vestibular In SIMPÓSIO DE LEITURA DA UEL 5 SEMINÁRIO DE ESTUDOS SOBRE LINGUAGEM E SIGNIFICAÇÃO IMAGEM E MEMÓRIA 4 2004 Londrina Anais Londrina Ed da UEL 2004 HILA C V D Quem propõe as tarefas de casa Dissertação Maringá UEM 1999 JESUS C A Reescrevendo o texto a higienização da escrita In CHIAPPINI L Coord Aprender e ensinar com textos de alunos São Paulo Cortez 1997 v 1 p 99117 JOLIBERT J Org Formando crianças produtoras de textos Tradução de Walquíria M F Settineri e Bruno Charles Magne Porto Alegre Artes Médicas 1994 84 ESCRITA E ENSINO KLEIMAM A Os signifi cados do letramento novas perspectivas sobre a prática social da escrita 6 ed Campinas SP Mercado de Letras 2003 LEME BRITTO L P Em terra de surdosmudos um estudo sobre as condições de produção dos textos escolares In GERALDI J W Org O texto na sala de aula São Paulo Ática 1997 p117125 LOPESROSSI M A G Org Gêneros discursivos no ensino de leitura e produção de textos Taubaté SP Cabral Editora Livraria Universitária 2002 MARCUSCHI L A Gêneros textuais defi nição e funcionalidade In DIONÍSIO A P MACHADO A R BEZERRA M A Org Gêneros textuais ensino 3 ed Rio de Janeiro Lucerna 2005 p 1936 PARANÁ Secretaria do Estado da Educação Diretrizes curriculares da Educação fundamental da rede de Educação básica do Estado do Paraná DCE versão preliminar Curitiba Secretaria do Estado da Educação 2005 SERCUNDES M M I Ensinando a escrever In CHIAPPINI L Coord Aprender e ensinar com textos de alunos São Paulo Cortez 1997 v 1 p 7597 SOARES M B Português uma proposta para o letramento São Paulo Moderna 2002 VYGOTSKY L V Pensamento e linguagem São Paulo Martins Fontes 1988 SÍTIOS NA INTERNET httpwwwceleirodeprojetoscombr httpwwweducaredeorgbr httpwwwescritauembr httpklickeducacaocombr httpnovaescolacombr httprevistaescolaabrilcombrespeciaisjogosbrincadeirasespecialhtml 85 A produção de textos nos anos iniciais Proposta de Atividades Anotações 1 Elabore um comando para a escrita de autoria de um gênero específi co utilizandose dos elementos explanados neste capítulo e imaginando que esse comando fi nalizará um pro jeto sobre o gênero escolhido 2 Tendo em vista os tipos de atividade de escrita que exploramos no capítulo elabore a uma atividade de transcrição para o 1º ano b uma atividade de reprodução para o ano c uma atividade em que a criança tenha que construir uma resposta a uma questão de cunho expositivoargumentativo para o 4º ano 87 Lilian Cristina Buzato Ritter O tema deste capítulo é sobre um dos eixos práticos que compõem o ensino de Língua Portuguesa a análise linguística Em capítulos anteriores já foram feitas muitas refl exões sobre o ensino de língua materna a partir da concepção de língua como forma de interação social Reforçamos neste momento a ideia de que não se fala em alunogramático como se fala em alunoleitor e produtor de textos porque não se pretende que o aluno saiba gramática para saber gramática A gramática deve ser vista portanto como um instrumento para melhorar a competência discursiva do aluno e não como um fi m em si mesmo Mendonça 2001 contudo salienta que para muitos aula de Língua Portuguesa ainda é sinônimo do ensino de regras gramaticais Por isso é muito frequente em cur sos de formação de professores de língua materna a formulação de perguntas calcadas nessa concepção normativa de ensino de língua como por exemplo a indagação Análise linguística é um novo nome para aula de gramática Há mais de duas décadas pesquisadores brasileiros preocupados com o ensino aprendizagem de língua defendem a necessidade de mudanças assumindo a concep ção de linguagem como lugar de interação interlocução humana não cabendo mais uma visão monológica e imanente da língua sob a perspectiva formalista que separa a linguagem de seu contexto social Desse modo por entendermos que o objetivo do ensino da língua materna seja ampliar a competência do aluno para o exercício da fala da leitura e da escrita ou seja dar condições para que ele tenha o domínio de atividades verbais como ler criti camente escrever para alguém ler falar para auditórios diferenciados dentro da mo dalidade adequada e refl etir sobre a própria linguagem salientamos a necessidade de a instituição escolar possibilitar que o aluno aprenda a lidar com os diferentes modos de concretização que a linguagem apresenta Se não devemos mais nos pautar em uma concepção de trabalho com a linguagem compreensão e produção de textos orais e escritos que considere somente a aqui sição do código escrito então em qual quais conceito s podemos nos ancorar Uma Análise linguística 4 no ensino fundamental 88 ESCRITA E ENSINO das possibilidades é tomarmos o conceito bakhtiniano de gêneros discursivos Essa é a perspectiva teórica tanto dos Parâmetros Curriculares Nacionais PCNs BRASIL 1998 quanto das Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná DCE de Língua Portuguesa PARANÁ 2006 Na visão de Bakhtin 2003 os gêneros do discurso são formas de dizer sócio historicamente cristalizadas provenientes de necessidades co municativas produzidas em diferentes esferas da comunicação humana Assim entendemos que os textos merecem ser estudados levandose em conta as esferas de atividades nos quais são produzidos juntamente com as relações dialógicas de sentido que se travam entre os enunciados textos pois estes conforme Bakhtin 2003 são plenos de ecos de vozes que se cruzam em um processo contínuo de co municação Além disso o sujeito faz escolhas de variedades linguísticas de palavras de entoação expressiva de acordo com seus objetivos seu interlocutor o suporte do texto o gênero discursivo sempre considerando portanto as condições de produção do discurso e todo o contexto comunicativo Em vista do exposto acreditamos na importância de a escola colaborar na re construção da situação de produção e recepção dos textos a fi m de que possamos nos aproximar com maior êxito do objetivo de formar leitoresprodutores de textos socialmente efi cazes e críticos em favor da cidadania Diante desse objetivo o ensino de Língua Portuguesa deve abranger fatores ligados às práticas da linguagem em uma abordagem discursivotextual e não ter como centro o ensino gramatical desarticulado dos usos da língua Neste sentido o intuito deste capítulo é investir na formação do professor de lín gua materna apresentandolhe uma possibilidade de refl exão mais adequada ao es tudo de práticas contextualizadas de ensino gramatical Dessa forma analisamos as marcas linguísticoenunciativas de uma crônica infantil DIA D FRATE 1996 a partir do levantamento de suas condições de produção suporte interlocutores fi nalidade e local de circulação e de seu arranjo textual discutindo seus possíveis efeitos de sentido Após essa análise propomos uma organização didática de análise linguística desse gênero Para tanto a fi m de organizar este capítulo primeiramente retomamos algumas questões teóricopráticas acerca da concepção interacionista de linguagem e o ensi no de análise linguística Em seguida de modo resumido elencamos características enunciativasdiscursivas do gênero crônica infantil como exemplo do trabalho com essa prática de linguagem em situação de ensino e aprendizagem de língua materna Em seção posterior delimitamos o contexto de produção da crônica DIA D para na sequência dedicarmos atenção ao seu arranjo textual elementos da forma compo sicional e a seleção de recursos linguísticoenunciativos sem perder de vista a relação 89 desse modo de dizer com essa situação de produção Ao fi nal do texto sugerimos uma proposta pedagógica de análise linguística e leitura como exemplo modelar de trabalho para o professor A CONCEPÇÃO INTERACIONISTA DE LINGUAGEM E O EIXO ANÁLISE LINGUÍSTICA E LEITURA A concepção interacionista de linguagem está alicerçada na concepção enunciativa de língua do Círculo de Bakhtin que assim postula Na realidade o locutor servese da língua para suas necessidades enunciativas concretas a consciência subjetiva do locutor não se utiliza da língua como de um sistema de formas normativas BAKHTIN VOLOCHINOV 1992 p 92 Mais adiante ampliase essa visão com a afi rmação a língua constitui um processo de evolução ininterrupto que se realiza através da inte ração verbal social dos locutores BAKHTIN VOLOCHINOV p 127 De acordo com esses princípios disseminouse a partir da década de 1980 em relação ao processo de ensino e aprendizagem da língua materna em nosso país essa concepção interacionista É importante entendermos que a verdadeira substância da língua é a interação verbal porque é na interação verbal estabelecida pela língua com o sujeito denominado também locutor e com os enunciados entendidos como os textos orais e escritos produzidos em determinadas condições sóciohistóricas deno minados também gêneros discursivos ou gêneros textuais no Brasil anteriores e pos teriores que a palavra discurso social e ideológico se torna real e ganha diferentes sentidos conforme o contexto Essa concepção de linguagem requer uma reorientação em termos de práticas pe dagógicas e ensino de língua Assim as atividades de linguagem são entendidas como práticas sociais e pensandose especifi camente sobre o ensino de língua materna o seu objetivo passa a propiciar ao aluno o uso adequado da oralidade e da escrita relati vas às situações de enunciações isto é aos contextos determinados em que acontecem Com a adoção da concepção interacionista de linguagem a prática pedagógica de língua materna deve acontecer em três eixos interdependentes a leitura a análise linguística e a produção de texto oral e escrita No caso deste capítulo focalizamos o eixo da análise linguística no momento da prática de leitura Muitos autores utilizam outros termos para se referirem ao eixo da análise linguís tica mas neste momento utilizamos a proposta de Geraldi 1993 que nos aponta a condição necessária para que essa prática se concretize em sala de aula Criadas as condições para atividades interativas efetivas em sala de aula quer pela produção de textos quer pela leitura de textos é no interior destas e a partir destas que a aná lise linguística se dá p 189 A condição necessária portanto para que a análise Análise linguística no ensino fundamental 90 ESCRITA E ENSINO linguística se efetue é o reconhecimento do textoenunciado como unidade de análise Por sua vez essa postura solicita um trabalho pedagógico a partir do estudo do con texto sóciohistórico da realização desse enunciado considerandose os papéis sociais dos interlocutores quem falapara quem se fala seus propósitos comunicativos a apreciação valorativa desses interlocutores sobre si mesmos e o tema a escolha da estrutura textual e do estilo da sua escrita Geraldi 1993 conceitua análise linguística como um conjunto de atividades cujo objetivo é refl etir sobre como se falaescreve Para este autor essa prática é composta por duas atividades distintas as epilinguísticas e as metalinguísticas Atividades epilin guísticas segundo ele são as que têm como objeto de análise a refl exão sobre os pró prios recursos expressivos utilizados na produção dos textos à luz de suas condições de produção Por exemplo quando o professor discute com seus alunos no momento da leitura quais sentidos possíveis efeitos de sentido do uso de uma determinada expressão vocabular dentro do texto lido refl etindo sobre a adequação ou não desse recurso expressivo ao gênero proposto ao objetivo de interação entre os interlocuto res ele está realizando uma atividade epilinguística Ou seja esse tipo de atividade dá conta de levar o aluno a refl etir sobre a adequação ou não dos recursos expressivos utilizados na escrita ao gênero de texto proposto ao destinatário ao objetivo entre outros aspectos que se julgar importantes e pertinentes para a produção de sentidos do texto lido As atividades metalinguísticas são defi nidas como uma refl exão sobre os recursos expressivos que levam à construção de noções com as quais se torna possível catego rizar tais recursos GERALDI 1993 p 190 Assim este autor concebe as atividades metalinguísticas como as ações de linguagem que tomam a própria linguagem como objeto de uma análise que constrói um sistema para falar sobre a língua Sendo assim entende por atividade metalinguística aquela que se realiza na parte fi nal do processo de produção de sentidos do texto em que se refl ete sobre o escrito como objeto de análise com o objetivo de sistematizar conceitos e normas da língua ou seja classifi car conceituar aquilo que foi considerado como aspecto ou aspectos mais importantes da gramática do texto do gênero lido e estudado Frente a esse conceito as atividades metalinguísticas darão conta de sistematizar essas normas gramaticais possibilitando que a criança entenda por exemplo o que é um verbo um adjetivo e de que maneira essas categorias gramaticais funcionam e caracterizam os textos dos gêneros a serem estudados Além dessa distinção o autor exige como podemos observar uma ordem para a realização dessas atividades primeiro as atividades epilinguísticas e só depois as metalinguísticas para que estas últimas tenham sentido nesse processo de refl exão 91 Por conseguinte a prática de análise linguística exige do professor a compreensão do aspecto histórico e social da língua pois o que importa é a refl exão sobre o processo de construção e produção de sentidos do texto para posteriormente de maneira explícita e organizada sistematizar categorias explicativas do funcionamen to da língua Dessa forma a análise linguística se dá no sentido de se observar em um texto de determinados gêneros o arranjo textual e as marcas linguís ticoenunciativas vinculadas às condições de produção interlocução suporte pos síveis fi nalidades época de publicação e circulação no processo de construção de sentidos PERFEITO 2006 p 9 A partir dessas considerações podemos afi rmar que não é o ensino de nomencla turas e classifi cações gramaticais ou seja a prática de atividades metalinguísticas que garantirá ao aluno a compreensão do funcionamento da língua mas sim a refl exão sobre sua forma de organização e uso em diferentes contextos de produção em outras palavras a prática de atividades epilinguísticas Vejamos um exemplo de exercício de Língua Portuguesa que apesar de não ter por objetivo somente a identifi cação e reconhecimento de normas gramaticais ainda não dá conta de analisar a língua em determinada situação de uso Essa atividade foi retirada do site da Secretaria de Educação de São Paulo e é recomendada para alunos dos 4º e 5º anos do Ensino Fundamental NINHO DE CUCO O cuco é o mais mafi oso dos pássaros Não gosta de trabalhar e adora ocupar o ninho dos outros Foi assim que um dia um pardal muito bondoso emprestou o seu ninho para o cuco e pediu que em troca ele fi casse por algumas horas tomando conta da ninhada toda Saiu Quando voltou encontrou o cuco numa zorra danada bagunçando seus ovinhos Quer dizer que eu lhe empresto o ninho e você faz essa bagunça Ao que o cuco respondeu Eu estou retribuindo a sua hospitalidade Nós cucos somos assim mesmo só posso ser como sou O pardal cheio de raiva deu uma bicada no cuco que ofendido disse Mas o que é isso amigo E o pardal respondeu Essa bicada é tudo o que eu lhe posso dar no momento Sinto muito mas nós pardais somos organizados e você e seu ovinho vão ter que cair fora do meu ninho E o cuco bagunceiro foi baixar noutro terreiro mais precisamente no buraco vazio de um relógio onde desde então dá duro para sobreviver trabalhando em turnos de meia hora Cucocucocuco FRATE Diléa Histórias para acordar São Paulo Companhia das Letrinhas 1996 Análise linguística no ensino fundamental 92 ESCRITA E ENSINO 1 Mas o que é isso amigo Na frase acima a palavra grifada se refere ao A cuco B pardal C relógio D ovinho 2 Na frase encontrou o cuco numa zorra danada a expressão grifada signifi ca que o cuco estava A fazendo pouco barulho B dormindo profundamente C chocando os ovinhos D desorganizando o ninho 3 O título do texto é Ninho do Cuco porque A o cuco se aproveita do ninho dos outros pássaros B o cuco constrói seu próprio ninho C o pardal dá seu ninho para o cuco D dentro de um relógio há um ninho de cuco 4 O pardal brigou com o cuco porque o cuco A não gosta de trabalhar B abandonou o ninho do pardal e foi para o relógio C bicou o pardal D bagunçou o ninho do pardal 5 O que aconteceu ao cuco depois que foi expulso do ninho do pardal A foi parar no terreiro B foi para o seu ninho C foi morar no relógio D foi cantar no terreiro 6 Na frase E o cuco bagunceiro foi baixar noutro terreiro mais precisamente no buraco vazio de um relógio qual a função dos dois pontos A fi nalizar uma frase B introduzir uma explicação C interromper a frase D destacar uma expressão httpwwwsarespedunetspgovbr2003ef3aindexhtm 93 As cinco primeiras questões referemse à compreensão textual solicitando do alu no tanto a leitura literal como a inferenciação habilidades fundamentais para o desen volvimento de um leitor profi ciente Entretanto não desmerecendo a importância desse tipo de exercício de leitura é necessário observarmos que essas atividades não abordam a língua em uso porque desconsideram as condições de produção desse enunciado no caso a narrativa produ zida Não houve preocupação em levar o aluno a refl etir sobre a organização do texto tendo em vista os elementos que constituem essa situação de produção e de interlocu ção bem como o gênero selecionado no caso a crônica literária infantil A última questão focaliza um conteúdo de análise linguística importante para a produção de sentidos do texto Todavia ainda falta uma refl exão sobre o porquê de a autora ter selecionado os dois pontos para introduzir um período explicativo em seu texto que no caso confi gurase como o gênero crônica infantil Portanto não se tem a preocupação de levar o aluno a perceber quais são os efeitos de sentido do uso desse recurso linguístico para esse momento enunciativo e para a constituição e confi gura ção do gênero selecionado Se observarmos mais atentamente percebemos que o uso dos dois pontos para introduzir uma explicação ou conclusão nesse enunciado é um recurso linguístico enunciativo ou seja é uma característica de estilo de escrita da autoraenunciadora e também da sua crônica infantil Por exemplo no período Nós cucos somos assim mesmo só posso ser como sou a autora poderia ter utilizado no lugar dos dois pon tos a conjunção portanto Essa escolha linguística é feita sempre diante de determi nadas condições de produção por isso que as atividades de análise linguística devem desenvolver no aluno a percepção do texto como resultado de escolhas temáticas estruturais e estilísticas recursos linguísticoenunciativos como as palavras e a pon tuação empregadas no texto em função do tema apresentado na crônica infantil feitas pelo autorenunciador a partir de sua situação de produção A prioridade dessas atividades centrase em criar oportunidades para o aluno refl e tir sobre a importância da função dos recursos linguísticoenunciativos para a produ ção de sentidos dos textos permitindolhe pensar na condição de empregar também esses recursos em suas produções textuais Além desses aspectos comentados fazse necessário destacarmos que ao se retirar a crônica de seu suporte original no caso o livro de literatura Histórias para acordar de Diléa Frate desconsiderouse um recurso linguísticoenunciativo para marcar a fala dos personagens modifi candose o texto original Neste todas as falas de personagem são introduzidas por meio do discurso direto marcado grafi camente pelo uso das aspas e não do travessão como por exemplo Análise linguística no ensino fundamental 94 ESCRITA E ENSINO Quando voltou encontrou o cuco numa zorra danada bagunçando seus ovi nhos Quer dizer que eu lhe empresto o ninho e você faz essa bagunça Ao que o cuco respondeu Eu estou retribuindo a sua hospitalidade Nós cucos somos assim mesmo só posso ser como sou FRATE 1996 p 64 Já na apresentação da Secretaria de Educação de São Paulo o texto aparece com esse formato marcando o discurso direto das personagens através do travessão Quando voltou encontrou o cuco numa zorra danada bagunçando seus ovinhos Quer dizer que eu lhe empresto o ninho e você faz essa bagunça Ao que o cuco respondeu Eu estou retribuindo a sua hospitalidade Nós cucos somos assim mesmo só posso ser como sou Esse uso das aspas imprime ao texto mais agilidade pois com isso só há uma marca ção de parágrafo confi gurandoo como um texto curto como normalmente é a orga nização composicional da crônica literária infantil Assim na confi guração apresentada ao aluno em situação de ensino perdese tanto uma característica estilística o uso das aspas para indicar a fala de personagens como também uma característica estrutural a marcação de somente um parágrafo Essas características que foram ignoradas nessa versão didática criam efeitos de sentido para o texto e são características constitutivas do gênero crônica especialmente nessa situação enunciativa Portanto a desconside ração desses recursos linguísticos é mais um fator que difi culta o estudo da língua em determinada situação de uso Como já assinalamos os Parâmetros Curriculares Nacionais 1998 e as Diretri zes Curriculares de Língua Portuguesa para a Educação Básica 2006 propõem que a noção de gêneros como prática social deve orientar a ação pedagógica com a língua tendo como ponto de partida a experiência do aluno com a diversidade de textos e gêneros Dessa forma a unidade básica do ensino só pode ser o texto O que isso signi fi ca em relação ao ensino de língua materna Signifi ca que as práticas escolares devem ultrapassar os níveis das palavras e das frases soltas descontextualizadas O professor deve considerar que o texto verbal ou nãoverbal a se manifesta em situações de enunciações concretas as quais denominamos condições de produção Os elementos das condições de produção de um texto orientam essa produção e estão apresentados no esquema abaixo 95 LOCUTOR EUQUEM DIZ e INTERLOCUTOR O OUTROPARA QUEM SE DIZ são os parceiros da enunciação assumindo papéis sociais adequados à situação enun ciati va LOCAL E ÉPOCA DE CIRCULAÇÃO QUANDO FOI DITO VONTADE ENUNCIATIVAOBJETIVO QUERER DIZER GÊNERO DO DISCURSO COMO DIZER o locutor faz a seleção das estratégias lin guísti codiscursivas mais adequadas para a elaboração de seu enunciado a parti r de três elementos indissolúveis no todo do enunciado o conteúdo temáti co trata mento dado ao tema pelo locutor o esti lo verbal recursos gramati cais da língua e a construção composicional partes estruturais do texto É por tudo isso que o trabalho com a análise linguística visa à construção de ins trumentos para análise do funcionamento da linguagem em situação de interlocução na escuta leitura e produção privilegiando alguns aspectos linguísticos que possam ampliar a competência discursiva do sujeito BRASIL 1998 p 36 Um dos maiores desafi os para o professor é perceber que esses aspectos linguísticos só podem ser selecionados e ensinados como marcas linguísticas que compõem um texto de um determinado gênero Vemos isso como desafi o porque essa percepção requer do pro fessor um olhar de pesquisador de estudioso dos textos que circulam em sala de aula A AULA DE GRAMÁTICA E A PRÁTICA DE ANÁLISE LINGUÍSTICA É muito importante destacar que ao se pensar em gramática inúmeras são as acep ções possíveis desde a de gramática como mecanismo geral que organiza as línguas até a de gramática como disciplina de estudo Além disso autores como Antunes 2007 ressaltam que existem e coexistem diversos tipos de gramática enquanto mé todo de investigação sobre as línguas normativa descritiva gerativa funcionalista etc A diferença entre uma e outra perspectiva já foi tratada em outro livro didático desta coleção Neste momento interessanos focar a diferença entre o que o senso comum chama de aula de gramática e a prática de análise linguística Há uma constatação por meio de pesquisas de que a gramática normativa é a base principal do ensino de gramática na escola Antunes 2007 p 30 enuncia que neste sentido a gramática não abarca toda a realidade da língua pois reconhece ape nas os usos considerados aceitáveis na perspectiva da língua prestigiada socialmente Resumidamente enquadrase portanto no domínio do normativo no qual defi ne o certo o como deve ser da língua e por oposição aponta o errado o como não deve ser dito Para uma melhor compreensão das diferenças entre aula de gramática e prática de análise linguística apresentamos um quadro elaborado por Mendonça 2006 p 207 Análise linguística no ensino fundamental 96 ESCRITA E ENSINO AULA DE GRAMÁTICA PRÁTICA DE ANÁLISE LINGUÍSTICA AL Concepção de língua como sistema estrutura infl exível e invariável Concepção de língua como ação interlocuti va situada sujeita às interferências dos falantes Fragmentação entre os eixos de ensino as aulas de gramáti ca não se relacionam necessariamente com as de leitura e de produção textual Integração entre os eixos de ensino a AL é ferramenta para a leitura e a produção de textos Metodologia transmissiva baseada na exposição deduti va do geral para o parti cular isto é das regras para o exemplo treinamento Metodologia refl exiva baseada na indução observação dos casos parti culares para a conclusão das regularidadesregras Privilégio das habilidades metalinguísti cas Trabalho paralelo com habilidades metalinguísti cas e epilinguísti cas Ênfase nos conteúdos gramati cais como objetos de ensino abordados isoladamente e em sequência mais ou menos fi xa Ênfase nos usos como objetos de ensino habilidades de leitura e escrita que remetem a vários outros objetos de ensino estruturais textuais discursivos normati vos apresentados e retomados sempre que necessário Centralidade na normapadrão Centralidade nos efeitos de senti do Ausência de relação com as especifi cidades dos gêneros uma vez que a análise é mais de cunho estrutural e quando normati va desconsidera o funcionamento desses gêneros nos contextos de interação verbal Fusão com o trabalho com os gêneros na medida em que contempla justamente a intersecção das condições de produção dos textos e as escolhas linguísti cas Unidades privilegiadas a palavra a frase e o período Unidade privilegiada o texto Preferência pelos exercícios estruturais de identi fi cação e classifi cação de unidades funções morfossintáti cas e correção Preferência por questões abertas e ati vidades de pesquisa que exigem comparação e refl exão sobre adequação e efeitos de senti do Fonte MENDONÇA 2006 p 199226 Reforçando as ideias sumarizadas no quadro afi rmamos que em relação ao pro cesso de mediação para a construção de conhecimentos linguísticos a abordagem tradicional do ensino gramatical estabelece relações artifi ciais uma vez que o objetivo maior é somente identifi car reconhecer categorias gramaticais sem nenhuma preo cupação com o para que servem para que foram usadas ou que efeitos provocam em textos orais e escritos Como exemplo dessa prática tradicional de aula de gramática apresentamos um exercício a partir da crônica Ninho de cuco 1 Leia as frases a seguir e sublinhe os substantivos a O cuco é o mais mafi oso dos pássaros b O pardal cheio de raiva deu uma bicada no cuco 2 Agora escreva no caderno uma frase com os substantivos encontrados As práticas de linguagem que ocorrem no espaço escolar são marcadas pelo artifi cialismo por isso mesmo no processo de mediação devemos minimizar o quanto for 97 possível essa artifi cialidade Uma forma de se conseguir isso é o professor observar pesquisar e analisar que gêneros discursivos fazem parte do entorno social de seus alu nos e formular atividades que os auxiliem a lerem a base social dos textos pertencentes aos gêneros selecionados Na continuidade deste capítulo apresentamos uma proposta pedagógica de análi se linguística e leitura teoricamente ancorada na perspectiva interacionista Uma proposta pedagógica de análise linguística e leitura A elaboração dessa proposta é constituída por momentos de estudo e análise dis tintos mas interdependentes Para dialogarmos com as refl exões já tecidas selecio namos outra crônica infantil do livro Histórias para acordar para se constituir como exemplar de análise do gênero selecionado no caso a crônica infantil No entanto julgamos conveniente apresentar antes disso um quadro das carac terísticas da crônica infantil a partir de um levantamento analítico prévio com as crônicas que compõem o livro da Diléa Frate Essa análise contempla primeiramente as condições de produção das crônicas locutor interlocutor tema objetivo e em seguida os três elementos constitutivos do gênero a saber a construção composicio nal o conteúdo temático e o estilo O contexto de produção Locutor o produtor de uma crônica infanti l assume o papel social de um cronista ele não se preocupa em fazer uma transcrição da realidade mas sim apresentar sua visão recriada dessa realidade por parte de sua capacidade fi ccional e artí sti ca Interlocutor o públicoalvo desse gênero encontrase no mundo infanti l ou infantojuvenil Objeti vos diverti r eou refl eti r criti camente sobre a vida eou os comportamentos humanos Local e época de circulação livro de literatura infanti l dos anos 1990 A construção composicional Narrati va curta ágil que apresenta os elementos básicos da narrati va fatos personagens tempo e lugar organizados na estrutura básica da narrati va um momento de harmonia em que os personagens são caracterizadosapresentados em um tempo e espaço um confl ito que surge para desequilibrar a situação inicial um momento máximo de tensão clímax e por fi m a resolução dos confl itos O conteúdo temáti co Reconstrução de fatos ou situações do coti diano infanti l reti randolhes algo relevante para a refl exão sobre o comportamento do homem ou do mundo As marcas linguísti co enunciati vas esti lo Predomínio de um tom leve diverti do com a uti lização de uma linguagem lúdica cuidando com o ritmo frasal a sonoridade a multi plicidade semânti ca as construções diretas e ágeis por meio do uso do discurso direto marcado grafi camente pelas aspas Análise linguística no ensino fundamental 98 ESCRITA E ENSINO A crônica DIA D circulou pela primeira vez em 1996 no livro Histórias para acor dar da autora Diléa Frate1 com ilustrações de Eva Furnari2 O livro foi altamente recomendado pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil FNLIJ recomen dação esta que qualifi ca tanto o livro em si como também a sua editora Companhia das Letrinhas e a autora que além de escritora já atuou como diretora e roteirista de alguns programas televisivos como Jô Soares Onze e Meia e Jornal Nacional da Rede Globo de Televisão Atualmente a editora Companhia das Letrinhas é reconhecida em nossa socieda de particularmente na esfera literária infantil por valorizar o leitorcriança publican do livros que abordam temas relacionados ao mundo imaginário infantojuvenil No geral o livro Histórias para acordar reúne 60 crônicas narrativas curtas apresentando uma diversidade quanto aos temas das narrativas pois há aquelas de aventura fantás tica fabulística etiológica etc Na apresentação do livro a autora caracteriza suas histórias como ligeiras cur tas com algumas chaves cliques com o objetivo de abrir uma conversa um 1 Diléa Frate como jornalista trabalhou em jornais escritos e na televisão Começou em jornal Estadão Abril em SP e logo foi para a televisão TV Globo e SBT Trabalhou em muitos se tores do jornalismo de TV até fazer o projetopiloto do programa do Jô em 1988 para o SBT É também escritora com vários contos publicados em revistas e dois livros infantis Histórias para Acordar Cia das Letrinhas e Procurase Hugo Ediouro Escreve para teatro já fez roteiros para documentários é idealizadora do site Companhia da Boa Notícia httpwwwciaboano ticiacombr que como o nome indica é especializado em notícias positivas como divulgação de descobertas de receitas de viver melhor de boas ações de curiosidades e de piadas 2 Eva Furnari é ilustradora e escritora de livros infantis Recebeu vários prêmios de institui ções literárias Formouse em Arquitetura pela Universidade de São Paulo e a partir de 1976 dedicouse inicialmente a livros com ilustrações sem texto Colaborando com a Folhinha su plemento infantil do jornal Folha de S Paulo criou sua personagem mais famosa a Bruxinha Como autora infantojuvenil e como ilustradora recebeu o Prêmio Jabuti nos anos de 1986 1991 1993 1995 1998 e 2006 Em 2002 foi escolhida para ilustrar a reedição de seis livros da obra infantil de Érico Veríssimo 99 cochicho uma refl exão um carinho ou qualquer outra coisa que possa aproximar a criança do adulto e viceversa FRATE 1996 p 3 Portanto os pais e criançasleitoras são convidados e instigados a dialogar no sentido bakhtiniano com essas histórias Desse modo pensando no momento histórico e social da produção desse livro nos parece que a obra consegue cumprir com uma de suas possíveis fi nalidades sociais promover o gosto de contar e ouvir histórias gosto que entre os vários povos da Terra é um traço comum LAJOLO 2005 Diante disso a confi guração social concreta dessa enunciação a publicação do livro pode ser descrita a partir dos seguintes aspectos tratase de uma enunciação produzida em uma esfera literária infantil com o objetivo de criar um momento de interação entre crianças e adultos Daí a enunciação se dar em um dos gêneros discur sivos permitidos e esperados nessa situação a crônica infantil No livro Histórias para acordar cada crônica ocupa uma página sendo visualmen te composta por um só parágrafo O texto DIA D se apresenta com a seguinte forma à página 45 DIA D Eram meninos sapecas os da rua de cima e os da rua de baixo Quando os da rua de baixo ousavam ir para a rua de cima os da rua de cima gritavam Alto lá Território inimigo O mesmo acontecia com os da outra rua Por causa disso uma guerra foi declarada A primeira batalha foi marcada para logo depois da aula Nélio um dos meninos che gou a ti rar zero em matemáti ca tão preocupado estava em armazenar os caroços de jabuti caba que ia usar como arma A hora D chegou e armados com seus caroços eles esperaram o sinal um pum do gordo Oscar A batalha terminou quando aca bou a munição de caroços do pessoal da rua de cima Foi aí que eles perceberam que não ti nham levado a bandeira branca para pedir trégua ou paz tanto faz Alguém teve a ideia Vamos ver quem tem a bunda mais branca e quem ti ver mostra Nélio coitado foi o escolhido E naquele dia além do zero ele ganhou uma cusparada certeira bem ardida na traseira Até agora está doendo O tema abordado no texto é preanunciado a partir de seu título e pode ser assim sintetizado uma guerra entre dois grupos rivais de meninos os da rua de cima e os da rua de baixo Esse tema representa muito bem uma das grandes preocupações do mundo infantil masculino a disputa pelo domínio de um determinado território É por isso que consideramos essa crônica com características de uma narrativa de aven tura já que se propõe a narrar o desenrolar dessa batalha Podemos subdividir o texto em cinco organizadores composicionais dominantes Análise linguística no ensino fundamental 100 ESCRITA E ENSINO e observando essa subdivisão podemos asseverar que a história é contada na ordem cronológica dos acontecimentos TEXTO ORGANIZAÇÃO ESTRUTURAL Eram meninos sapecas os da rua de baixo e os da rua de cima Quando os da rua de baixo ousavam ir para a rua de cima os da rua de cima gritavam Alto lá Território inimigo O mesmo acontecia com os da outra rua Apresentação de personagens genéricos e de suas ati tudes usuais Por causa disso uma guerra foi declarada A primeira batalha foi marcada para logo depois da aula Nélio um dos meninos chegou a ti rar zero em matemáti ca tão preocupado estava em armazenar os caroços de jabuti caba que ia usar como arma A hora D chegou e armados com seus caroços eles esperaram o sinal um pum do gordo Oscar Introdução do confl ito e seu desdobramento até o momento do clímax A batalha terminou quando acabou a munição de caroços do pessoal da rua de cima Resolução da complicação Foi aí que eles perceberam que não ti nham levado a bandeira branca para pedir trégua ou paz tanto faz Introdução de um novo confl ito Alguém teve a ideia Vamos ver quem tem a bunda mais branca e quem ti ver mostra Nélio coitado foi o escolhido E naquele dia além do zero ele ganhou uma cusparada certeira bem ardida na traseira Até agora está doendo Resolução desse confl ito e comentário fi nal De acordo com Bakhtin 2003 o acabamento do enunciado concreto ocorre por que o locutorautor disseescreveu tudo o que queria ou podia em determinadas condições O grau de acabamento de um enunciado que possibilita uma resposta a compreensão responsiva é determinado por três elementos interdependentes o tratamento exaustivo do tema o querer dizer do locutor as formas típicas de estrutu ração do gênero Neste sentido a apreciação valorativa do locutor a respeito do tema e dos interlocutores de seu discurso é que indica as diversas nuances ideológicas refratadas no tratamento dado ao tema refl etidas na escolha das formas e do estilo do enunciado A partir dessa perspectiva teórica enquanto professores de língua materna podemos nos perguntar o que essas seleções realizadas pelo enunciadornarrador em relação ao tema no sentido bakhtiniano concebido como conteúdo ideologicamen te conformado à forma composicional e às marcas linguísticoenunciativas nessa 101 situação enunciativa podem signifi car Assim partimos para o levantamento dessas escolhas com o objetivo de compreendermos as signifi cações aí constituídas refl etin do sobre os efeitos de sentido provocados por essas escolhas O personagem Nélio é apresentado e caracterizado não por meio de qualifi cações explícitas mas por suas ações A história é narrada em terceira pessoa os verbos que constituem as ações estão no pretérito perfeito simples por exemplo foi declarada foi marcada chegou E os que constroem o pano de fundo do enredo estão no pre térito imperfeito por exemplo eram ousavam gritavam verbos essencialmente do mundo narrado O tempo da aventura é marcado por expressões temporais como logo depois a hora H quando naquele dia que situam a ação Como personagens de uma narrativa de aventura são audaciosas corajosas ousa das temerárias a escolha de qualifi cadores caracterizadores e até de verbos perten centes a esse campo semântico por exemplo meninos sapecas ousavam gritavam Alto lá Território inimigo se justifi ca Também a estratégia utilizada para apresentar e caracterizar os personagens refl ete a preocupação do enunciadornarrador em construir essa imagem audaciosa que as sume riscos perigos Por isso somente o personagem Nélio é especifi cado destacan do suas capacidades humanas de realização e os imprevistos e riscos assumidos por ele sua dedicação e empenho em armazenar munição para a batalha que teve como consequência um zero em matemática sua ousadia e coragem ao mostrar sua bunda branca que acarretou em uma cusparada certeira bem ardida na traseira Embora o foco narrativo de terceira pessoa queira reforçar o tom impessoal no momento em que o enunciadornarrador se refere a Nélio pelo adjetivo coitado re velase um ponto de vista uma apreciação valorativa negativa sobre as situações de insucesso vivenciadas pelo personagem confi rmada a seguir com o uso do operador argumentativo além de Com o uso desses recursos linguísticos o enunciadornarrador constrói a orientação valorativa que pretende de seu leitor elegendo a perspectiva de Nélio para narrar os fatos Essa perspectiva do narrador pode ser verifi cada no enunciado fi nal da narrativa por meio do período até agora está doendo A locução verbal de gerúndio está doen do mais a locução adverbial até agora intensifi ca a continuidade da dor de Nélio reforçando o ponto de vista negativo assumido em relação às peripécias vividas por ele e de maneira positiva ressalta sua coragem Assim as aventuras transformamse em desventuras ou melhor em peraltices de criança sapeca Essa ideia também pode ser construída a partir da própria ilustração que acom panha a história um menino loiro plantando bananeira com o calção abaixado Essa imagem traz ao texto o mundo imaginário da brincadeira e não o mundo da violência Análise linguística no ensino fundamental 102 ESCRITA E ENSINO do sentimento de subjulgamento que acompanham a situação de uma guerra É fun damental observarmos que a ilustração no caso dessas crônicas juntamente com o texto verbal compõem suas características composicionais permitindo a construção de signifi cados pelo leitor Um dos recursos linguísticoenunciativos cujo efeito é a aproximação do públi co infantil se concretiza na defi nição lexical de trégua pelo sinônimo paz reiterada pela expressão de valor interjetivo tanto faz Essa seleção lexical paz faz assim como bandeira certeira traseira reveste a crônica de certo ritmo outro recurso muito apreciado pelo leitorcriança A crônica DIA D cria situações típicas de uma aventura infantil utilizando elemen tos e fatos do cotidiano de uma criança a arma de luta são caroços de jabuticaba o sinal para o início da batalha o pum do gordo Oscar a bandeira branca a bunda de Nélio as difi culdades vividas um zero em matemática e uma cusparada na traseira A onomatopéia pum e o brasileirismo bunda introduzem nessa crônica o humor Em relação a isso é importante retomarmos a ideia bakhtiniana sobre a linguagem enquanto signo ideológico por excelência BAKHTIN 2003 que refl ete e refrata a realidade fazendo nela emergirem os valores as crenças da sua sociedade O que o autor quer enfatizar aqui é o fato de que com o signo não apenas descrevemos o mun do a ideia de refl etir mas sobretudo com ele construímos historicamente diversas interpretações refrações desse mundo Neste sentido esses valores e crenças revelamse entre outros aspectos já levanta dos pela mobilização dos recursos morfológicos sintáticos e lexicais da língua Dessa forma o enunciadornarrador também se valeu de períodos sintaticamente curtos de aspas e não de travessões para inserir o discurso direto dos mecanismos coesivos orais foi aí que e a repetição da conjunção aditiva e para instaurar o humor a graça e o despojamento nesse modelo de narrar aproximandose do modelo de narrar do mundo infantil pósanos 1990 SUGESTÃO DE UMA PROPOSTA PEDAGÓGICA DE ANÁLISE LINGUÍSTICA Passamos a apresentar nossa proposta de intervenção no ensino gramatical descon textualizado proposta que deve ser entendida como resultado do estudo e da análise expostos anteriormente Sugerimos como o estudo sobre o arranjo textual e as marcas linguísticoenunciativas do texto DIA D pertencente ao gênero crônica infantil de aventura poderia ser transposto didaticamente no processo de construção de sentidos no eixo análise linguísticaleitura O objetivo é fornecer condições para a construção de possíveis caminhos que tornem o professor e o aluno sujeitos no processo ensino aprendizagem de língua materna 103 Nessa perspectiva destacamos a ideia de LopesRossi 2005 p 81 sobre o objetivo das atividades de leitura na dimensão do trabalho com gêneros discursivos devem levar os alunos a perceberem que a composição do gênero em todos os seus aspectos verbais e nãoverbais nas informações que apresenta ou omite no destaque que dá a algumas mais do que a outras é planejada de acordo com sua função social e seus propósitos comunicativos Isso contribui para a formação de um cidadão crítico e participativo na sociedade Nesse âmbito subsidiados nos estudos bakhtinianos em primeiro lugar sugerimos a ênfase às características da esfera de comunicação em que pertence o gênero e da sua situação de produção para em seguida focarmos os elementos da forma composicio nal e por fi m os elementos linguísticos relevantes Para essa primeira fase do trabalho é essencial que o aluno discuta comente e co nheça as condições de produção e de circulação do gênero referente ao texto DIA D Portanto como o gênero pertence à esfera literária infantil o contato com o portador desse texto o livro Histórias para acordar é muito importante Ainda que reproduza o texto para todos o professor deve procurar levar o original para a sala de aula explorando as características sóciodiscursivas desse suporte a par tir de procedimentos que levem à refl exão sobre identifi cação do ano de publicação dados da fi cha catalográfi ca leitura da apresentação do livro comentários sobre a autora inferências sobre os possíveis objetivos do livro e em particular do gênero crônica infantil Neste sentido nos parece ser muito produtivas atividades como Momento da préleitura 1 Observe bem a capa do livro Histórias para acordar Qual é a relação que se pode fazer entre o título e as ilustrações da capa 2 Quais informações sobre o livro estão presentes na contracapa Elas conseguem criar em você o desejo de conhecer suas histórias Por quê 3 Quais informações são apresentadas na abertura Elas são as mesmas da capa Por que será que elas são importantes e foram selecionadas para comporem essa abertura 4 Nessa apresentação a autora informa o que sobre as histórias contadas no livro 5 Leia a última página do livro e agora quais informações são fornecidas ao leitor Por que elas são importantes 6 Você sabe quem é a autora desse livro 7 E sobre a ilustradora Você sabe alguma coisa 8 Após essas discussões pense e responda qual poderia ser o objetivo da autora em escrever essas histórias Justifi que Análise linguística no ensino fundamental 104 ESCRITA E ENSINO 9 Antes de ler o texto não mostrar ainda o texto todo só o título o título cria expectativas sobre o tema da história Quais são elas Para a próxima fase o professor pode solicitar a leitura do texto verbal e da ilus tração indagar os alunos sobre a temática desenvolvida sua forma de organização permitindo que o aluno faça inferências acerca das estratégias do dizer utilizadas no texto a partir de refl exões do tipo Momento do encontro com o texto I explorando a estrutura composicional 1 Descreva a ilustração da história Ela cria em você as mesmas expectativas que o título Explique 2 Após ler o texto as suas expectativas foram confi rmadas Por quê Então sobre o que conta a história 3 Identifi que os personagens os lugares em que acontece a história o narrador o momentoo tempo 4 Se o texto é uma história que conta uma aventura de meninos identifi que qual é a aventura como ela é desenvolvida no texto e como termina 5 No desenvolvimento do fato principal da história acontece outro fato im portante Qual é esse fato Qual palavra ou expressão introduz esse fato na história 6 Por que será que o texto tem um parágrafo Como podemos explicar isso dis cutir com os alunos que isso é uma questão estilística da autora e que esse uso no meio literário é permitido discutir também sobre o efeito visual para o leitor a história ser apresentada somente em um parágrafo 7 Reescreva o texto marcando com mais de um parágrafo as várias partes dessa história de aventura compare com outro colega e veja se a divisão fi cou igual O professor promove o confronto das respostas e sistematiza coletivamente o estudo da estrutura composicional narrativa explicando a função de cada parágrafo por meio da construção de um quadro ou um boneco do texto A seguir promover o estudo das marcas linguísticoenunciativas Para tal propósito o professor pode explorar Momento do encontro com o texto II explorando o estilo a a importância dos tempos verbais e a carga semântica de alguns verbos que con tribuem para a caracterização desse texto como gênero crônica infantil Exemplos de exercícios que contemplam esse aspecto 105 1 Há uma diferença entre os verbos destacálos no texto ressaltados na parte em que o narrador apresenta os personagens e na parte que introduz o confl ito Pesquise em uma gramática os tempos desses verbos e explique a sua utilização dentro do texto 2 Todas as palavras destacadas no texto são verbos Escolha entre elas os verbos que estão associados à ideia de guerra e justifi que sua escolha muito impor tante se estabelecer uma comparação coletiva das respostas b o foco narrativo 1 Como o narrador conta essa aventura ele participa das ações ou somente conta a história 2 Como isso está marcado no texto c apresentaçãoconstrução dos personagens 1 Faça um levantamento das palavras ou expressões do texto que caracterizam e ou apresentam os personagens da história Essa escolha do narrador está ade quada para personagens de uma história sobre aventura de meninos Explique o professor deve explicar sobre as características desse tipo de personagem 2 Qual a função dos personagens Nélio e Oscar na história Qual deles pode ser considerado o herói Por quê 3 A ilustração pode estar representando qual personagem Justifi que sua resposta d a perspectiva do narrador para contar a história 1 No fi nal da história o narrador referese ao personagem Nélio utilizando uma palavra Qual é essa palavra 2 Por que ela aparece entre vírgulas 3 Ela está adequada para caracterizar um herói Explique 4 Ela é necessária para o leitor conhecer a história Explique o fato de o narrador ter usado essa palavra ao se referir a Nélio 5 Releia a última frase do texto Se a história tivesse sido escrita sem ela seu fi nal estaria completo 6 Observe os verbos destacados Até agora está doendo Podemos afi rmar que essa locução verbal os dois verbos juntos enfatiza a ideia de que a dor já acabou ou de que ainda continua depois de feita essa refl exão o professor pode explicar que para indicar ações em curso ou seja realçar o desenvolvimento de uma ação podemos usar o gerúndio que é marcado na nossa língua pela terminação ndo 7 A partir dessas observações escreva uma conclusão sobre a função dessa frase para a história narrada Análise linguística no ensino fundamental 106 ESCRITA E ENSINO e a seleção lexical morfológica sintática e as relações entre o locutor e o interlocutor 1 De que maneira o narrador explica para o leitor o signifi cado da palavra trégua Por que será que o narrador considerou essa explicação necessária 2 Procure no dicionário o signifi cado da palavra trégua É o mesmo signifi cado que foi dado pelo narrador 3 Nas duas últimas partes do texto há palavras que rimam Quais são elas Como podemos explicar a escolha dessas palavras por parte do narrador 4 Elabore um quadro demonstrativo retirando do texto as situações típicas dessa aventura de meninos informando qual foi a arma de luta o sinal para o início da batalha a bandeira branca e as difi culdades vividas pelo herói 5 A palavra pum é uma onomatopéia e o vocábulo bunda é um brasileirismo Reescreva a frase A hora D chegou e armados com seus caroços eles esperaram o sinal um pum do gordo Oscar sem utilizar a palavra pum 6 Compare as duas frases e refl ita qual delas é mais adequada para o leitor infan til Por quê 7 A palavra bunda aparece na fala de um dos meninos da rua de cima Seria adequado para a criação desse diálogo o uso da palavra nádegas no lugar de bunda Por quê 8 Podemos considerar que o narrador escreveu essa história de uma maneira bem próxima da fala oralidade Procure exemplos do texto que comprovem essa afi rmação e justifi que essa opção do narrador 9 As falas presentes no texto são marcadas com o uso das aspas e não com traves sões Como essa escolha pode ser justifi cada Em seguida também é necessário que o professor planeje atividades didáticas com o objetivo de sistematizar os conhecimentos linguísticos que foram ampliados reela borados ou até mesmo aprendidos a partir dessa caracterização do funcionamento do gênero crônica infantil Conforme já explicamos anteriormente esse nível de conheci mento é o que Geraldi 1993 ao conceituar a prática de análise linguística chama de atividade metalinguística isto é as atividades que tomam a própria linguagem como objeto de uma análise que constrói um sistema para falar sobre a língua Assim a fi m de levar os alunos a uma sistematização dos conhecimentos construí dos podemos elaborar exercícios de caráter mais estruturais que fi xem a utilização dos elementos linguísticos relevantes para esses movimentos narrativos da crônica in fantil como por exemplo a função dos organizadores textuais para o encadeamento das ações narradas Nesse momento o professor tem a possibilidade de planejar uma aula cujo conteú do seja exatamente sobre a função de organizadores textuais para o encadeamento de 107 ações no gênero em questão Para essa fi nalidade os exercícios podem se originar de outros exemplares de textos pertencentes ao mesmo gênero e no caso ser da mesma autora já que o gênero pertence à esfera literária São exemplos desses exercícios 1 Leia as frases abaixo prestando atenção nas expressões em destaque que po dem ser chamadas de organizadores textuais a Por causa disso uma guerra foi declarada b Foi aí que eles perceberam que não tinham levado a bandeira branca para pedir trégua ou paz tanto faz c E naquele dia além do zero ele ganhou uma cusparada certeira bem ardida na traseira a Uma pode ser usada no lugar da outra Explique b Indique para cada uma das alternativas o tipo de relação que as expressões estabelecem entre as ações narradas no texto é de tempomomento é de consequência c Então qual das alternativas abaixo lhe parece a mais correta 1 Os organizadores textuais são expressões ou palavras que relacionam uma parte do texto com a outra sem interferir no sentido global do texto 2 Os organizadores textuais são expressões ou palavras que relacionam uma parte do texto com a outra e têm um papel importante na defi nição do sen tido geral do texto 4 Vamos conhecer mais uma das crônicas do livro Histórias para acordar Mas antes você tem uma tarefa a cumprir indique quais organizadores textuais abaixo são mais adequados para cada lacuna do texto um dia foi assim que onde desde então quando mais precisamente NINHO DE CUCO O cuco é o mais mafi oso dos pássaros Não gosta de trabalhar e adora ocupar o ninho dos outros um pardal muito bondoso emprestou o seu ninho para o cuco e pediu que em troca ele fi casse por algumas horas tomando conta da ni nhada toda Saiu voltou encontrou o cuco numa zorra danada bagunçando seus ovinhos Quer dizer que eu lhe empresto o ninho e você faz essa bagunça Ao que o cuco respondeu Eu estou retribuindo a sua hospitalidade Nós cucos somos assim mesmo só posso ser como sou O pardal cheio de raiva deu uma bicada no cuco que ofendido disse Mas o que é isso amigoE o pardal respondeuEssa bicada é tudo o que eu lhe posso dar no momento Sinto muito mas nós pardais somos organizados e você e seu ovinho vão ter que cair fora do meu ninhoE o cuco bagunceiro foi baixar noutro terreiro no buraco vazio de um relógio dá duro para sobreviver trabalhando em turnos de meia hora Cucocucocuco FRATE Diléa Histórias para acordar São Paulo Companhia das Letrinhas 1996 p 64 Análise linguística no ensino fundamental 108 ESCRITA E ENSINO Além da função dos organizadores textuais o professor pode também promover a sistematização de outros aspectos linguísticos pertinentes para a ampliação e apro priação por parte de seus alunos das características linguísticodiscursivas do gêne ro estudado No caso em razão do uso feito pela autora do discurso direto marcado pelas aspas este pode se constituir em outro conteúdo metalinguístico Exemplos 1 Já percebemos que nas crônicas lidas as falas dos personagens aparecem en tre aspas Isso não é um uso muito comum desse recurso gráfi co Com a ajuda de seu professor pesquisa em uma gramática sobre quais são as possibilida des de uso das aspas Registreas em seu caderno 2 Em uma narrativa as falas e os pensamentos dos personagens podem ser apresentados de diferentes maneiras Nesse momento vamos concentrar nos sa atenção em uma dessas maneiras que é o discurso direto pois essa foi a maneira utilizada nas crônicas de Diléa Frate Então pense e responda a Como estão registradas as falas das personagens das crônicas lidas com as próprias palavras das personagens ou com as palavras do narrador b A partir dessa observação podemos concluir que o discurso direto é aque le que reproduz exatamente a fala das personagens No caso das crônicas lidas a pontuação utilizada foram os dois pontos e as aspas Mas também podemos utilizar dois pontos e travessão Vamos treinar essa outra forma de marcar as falas de personagens Reescreva a crônica Dia D utilizando o dis curso direto com travessão 3 No discurso direto geralmente as falas dos personagens são introduzidas por meio de verbos chamados de verbos de elocução Eles ajudam a indicar o modo como os personagens estão se expressando Observe Quando os da rua de baixo ousavam ir para a rua de cima os da rua de cima gritavam Alto lá Repare que o verbo realçado indica a maneira como a personagem se manifestou 4 Agora pense em verbos de elocução possíveis de serem utilizados nas seguin tes situações Reescreva as frases a seguir fazendo as alterações necessárias a Alguém teve a ideia Vamos ver quem tem a bunda mais branca e quem tiver mostra b Quando voltou encontrou o cuco numa zorra danada bagunçan do seus ovinhos Quer dizer que eu lhe empresto o ninho e você faz essa bagunça 5 Destaque os verbos dos quadros abaixo que podem ser utilizados como ver bos de elocução 109 Voltar Esclarecer Ordenar Murmurar Responder Dizer Falar Comentar Ironizar Bradar Questi onar Gritar Urrar Interrogar Pedalar Comparecer Chamar Sair Entendemos também que essas atividades referentes ao estudo da crônica Dia D podem ser o início do desenvolvimento de um módulo de leitura do livro Histórias para acordar se o que se quer é criar oportunidades para que o aluno desenvolva sua competência discursiva pela apropriação das características típicas da crônica Esse trabalho pode ser organizado didaticamente a partir da seleção de outras crônicas que contemplem suas diversidades temáticas em fabulísticas fantásticas etiológicas observando quais características do gênero são regulares e quais não são e nesse caso observar por que há mudanças Na elaboração dessa proposta pedagógica de análise linguística tivemos o cuidado de não utilizar termos teóricos complexos nem uma metalinguagem sofi sticada já que o aluno do Ensino Fundamental não precisa ser um gramático de texto mas sim um leitor crítico CONSIDERAÇÕES FINAIS Acreditamos que por meio de atividades de análise linguística que privilegiam o estudo das características das situações de enunciação relacionadas às marcas linguísti coenunciativas dos textos as aulas de língua materna no Ensino Fundamental podem ser muito mais do que momentos de cópia de regras e exceções gramaticais isoladas ou ainda de exercícios de copiação textual Dessa forma no processo de recepção de textos em sala de aula o trabalho de análise linguística é essencial visto ser por meio da seleção do gênero discursivo e consequentemente da seleção da estrutura composicional do léxico das escolhas morfossintáticas enfi m dos recursos linguísticoenunciativos veiculados que se pro duzem ou coproduzem efeitos de sentido Pelas escolhas linguísticas do locutorautor podemos visualizar tanto os aspectos da situação enunciativa quanto também aspectos da subjetividade desse locutorautor que se revela e se mostra como sujeito Portanto a análise linguística tornase um importante exercício para que o alunoleitor se insti tua como coprodutor do texto DELLISOLA 1996 Análise linguística no ensino fundamental 110 ESCRITA E ENSINO ANTUNES I Muito além da gramática por um ensino de línguas sem pedras no caminho São Paulo Parábola 2007 BAKHTIN M Estética da criação verbal 4 ed São Paulo Martins Fontes 2003 p 261306 BAKHTIN M VOLOCHINOV V N Marxismo e Filosofi a da linguagem 6 ed São Paulo Hucitec 1992 BRASIL Secretaria de Educação Fundamental Parâmetros Curriculares Nacionais terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental língua portuguesa Brasília DF MEC SEF 1998 DELLISOLA R L P A interação sujeitolinguagem em leitura In MAGALHÃES I Org As múltiplas faces da linguagem Brasília DF UNB 1996 p 6975 FRATE Diléa Histórias para acordar São Paulo Companhia das Letrinhas 1996 GERALDI J W Portos de passagem 2 ed São Paulo Martins Fontes 1993 LAJOLO Marisa A narrativa na Literatura para crianças e jovens Sl sn 2005 Disponível em wwwtvebrasilcombrSALTOboletins2005nlmeiohtm Acesso em 20 jun 2006 LOPESROSSI Maria Aparecida Garcia Gêneros discursivos no ensino de leitura e produção de textos In KARWOSKI Acir Mário GAYDECZKA Beatriz BRITO Karim Siebeneicheir Gêneros textuais refl exões e ensino União da Vitória Kaygangue 2005 p 7994 MENDONÇA Marina Célia Língua e ensino políticas de fechamento In MUSSALIM Fernanda BENTES Ana Christina Org Introdução à Linguística domínios e fronteiras São Paulo Cortez 2001 v 2 p 233264 Referências 111 Análise linguística no ensino fundamental MENDONÇA M Análise Linguística no ensino médio um novo olhar um outro objeto In BUNZEN C MENDONÇA M Org Português no ensino médio e formação do professor 2 ed São Paulo Parábola 2006 p 199226 PARANÁ Secretaria de Estado da Educação Diretrizes curriculares da rede pública de Educação básica do Estado do Paraná Língua Portuguesa Curitiba SEED 2006 PERFEITO A M Análise linguística e construção de sentidos In LIMOLI L MENDONÇA A P F Nas fronteiras da linguagem leitura e produção de sentidos Londrina Mídia 2006 p 716 Site consultado httpwwwsarespedunetspgovbr2003ef3aindexhtm Sugestões de sites para leitura extra sobre o tema estudado wwwescritauembr Grupo de Pesquisa INTERAÇÃO E ESCRITA UEMCNPq wwwcceufscbrclafpl anais online do I Congresso LatinoAmericano sobre Formação de Professores de Línguas wwwielunicampbr publicações do Instituto de Estudos da Linguagem Unicamp Proposta de Atividades 1 Leia a crônica abaixo Caco Meleca Ancorandose nas características desse gênero elenca das no capítulo elabore no mínimo duas atividades de análise linguística e leitura para esta crônica CACO MELECA Caco era um menino quietinho mas gostava de comer meleca Ele tinha até uma tática para tirar a meleca sem ninguém perceber botava a mão na frente da boca e devagarinho punha o polegar dentro do nariz que saía já com a melequinha enroladinha e a enfi ava na 112 ESCRITA E ENSINO boca Que nojo Mas que muitos meninos fazem isso fazem Um dia durante uma prova a professora viu essa manobra e perguntou Caco para quem você está dando cola O que você está fazendo com essa mão na frente do rosto Eu estou meio enjoado A professora se aproximou dele Ele foi fi cando nervoso com aquela meleca na mão E agora E se ela visse aquilo Foi aí que ele grudou a meleca embaixo da carteira A professora viu e disse O que é isso Se você não estivesse enjoado eu faria você comer isso seu porco Caco respondeu Não seja por isso professora é prá já Nhoct e respirou aliviado FRATE Diléa Histórias para acordar São Paulo Companhia das Letrinhas 1996 p 56 Anotações