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Saúde Soc São Paulo v33 n3 e230297pt 2024 1 DOI 101590S010412902024230297pt Artigos originais Contexto geográfico e HIVSIDA múltiplos olhares de saúde sobre as mulheres moçambicanas1 Geographic context and HIVAIDS multiple healthrelated perspectives on mozambican women Correspondência Mateus Fachin Pedroso KM 12 Caixa Postal 364 MS162 Dourados MS Brasil 79804970 mateuspedrosoufgdedubr Mateus Fachin Pedrosoa httpsorcidorg0000000295550405 Email mateuspedrosoufgdedubr Raul Borges Guimarãesb httpsorcidorg0000000299255374 Email raulguimaraesunespbr Boaventura Manuel Cauc httpsorcidorg0000000331556047 Email boacauuemacmz a Universidade Federal da Grande Dourados Faculdade de Ciências Humanas Departamento de Geografia Dourados MS Brasil b Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho Faculdade de Ciências e Tecnologia Departamento de Geografia Presidente Prudentes SP Brasil c Universidade Eduardo Mondlane Faculdade de Letras e Ciências Sociais Departamento de Geografia Maputo Moçambique Resumo O objetivo deste texto é compreender a vulnerabilidade de gênero experienciada pelas mulheres que vivem com HIVSíndrome de Imunodeficiência Adquirida SIDA na Cidade de Maputo Moçambique através dos relatos de representantes e lideranças dos serviços de saúde que atuam diretamente sobre as questões dessas condições para o público feminino Para isso a pesquisa se embasou em metodologias qualitativas visto que a produção dos dados foi respaldada por um roteiro semiestruturado que considera os seguintes temas HIVSIDA gênero cultura e serviços de saúde As interpretações são mediadas pela Análise do Discurso AD que possibilita a imersão nos recursos linguísticos por meio dos sentidos e conexões Isso permite a interpretação da complexidade do contexto geográfico das mulheres que vivem com HIVSIDA na região evidenciando a necessidade de se empenhar mais ações voltadas às questões das doenças uma vez que se faz premente estabelecer uma interpretação geográfica da saúde sobretudo no que diz respeito à realidade vivida pelas que experienciam dificuldades opressões estigmas e discriminações no cotidiano Palavraschave Contexto Geográfico HIVSIDA Vulnerabilidade Gênero Mulheres 1 Financiamento Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo FAPESP pelo financiamento da pesquisa nacional e internacional 2018057062 2019050710 Saúde Soc São Paulo v33 n3 e230297pt 2024 2 Abstract The aim of this text is to understand the gender vulnerability experienced by women living with HIVacquired immune deficiency syndrome AIDS in the city of Maputo Mozambique from the accounts of representatives and leaders of the health services who work directly on these issues for women To this end the research was based on qualitative methodologies since the production of the data was supported by a semistructured script that considered the following themes HIV AIDS gender culture and health services The interpretations are mediated by Discourse Analysis DA which enables immersion in linguistic resources by meanings and connections This makes it possible to interpret the complexity of the geographical context of women living with HIV AIDS in the region highlighting the need for more action on the issues of these diseases since it is urgent to establish a geographical interpretation of health especially regarding the reality experienced by women who experience difficulties oppression stigma and discrimination on a daily basis Keywords Geographic context HIVAIDS Vulnerability Genre Women Introdução Atualmente o HIVSIDA ou HIVAIDS é uma das doenças que mais tem afetado a população mundial acumulando o número aproximado de 379 milhões de pessoas vivendo com ela no mundo fato que evidencia tal situação como uma problemática que transpassa diferentes escalas e atinge diversos segmentos que vão desde o local ao global UNAIDS 2019 Em algumas localidades a situação do HIVSIDA se mostra muito agravada devido à rápida difusão da doença e a falta de subsídios para contenção prevenção e tratamento o que complexifica as diferentes realidades Assim cabe compreender que sua disseminação está relacionada às condições de espaçotempo em que se realiza como fenômeno dado que os elementos sociais econômicos políticos e culturais configuram a produção do espaço geográfico que caracteriza a multiplicidade da epidemia Bastos Barcellos 1995 Nesse sentido convém reforçar que a magnitude e o desenvolvimento do problema do HIV faz com que as suas manifestações patogênicas adquiram o caráter de pandemia Esse é o caso de grande parte do continente africano em específico a África Subsaariana que continua a apresentar os mais elevados níveis de HIVSIDA do mundo UNAIDS 2019 Isso se deve ao conjunto de fatores que envolvem a complexidade encontrada nas inúmeras faces da epidemia visto que a manifestação da doença se ajusta ao contexto geográfico Pedroso 2017 Considerando os elementos anteriormente mencionados direcionamos esforços para nos aproximar da realidade vivida acerca do HIVSIDA em Moçambique dado que esse é um dos países que maior expressa necessidade de interpretação devido às suas condições no âmbito mundial Allison Harpham 2002 À vista disso a gravidade da situação do HIVSIDA em Moçambique se torna uma das mais agudas pois o país possui uma realidade muito delicada sendo a oitava prevalência nacional mais alta do mundo ao ponto que o desenvolvimento social e econômico fica ameaçado pois mais de um quarto dos adultos apresentamse infectados pelo vírus do HIV ou acometidos pela SIDA em algumas regiões Cau 2014 Saúde Soc São Paulo v33 n3 e230297pt 2024 3 Muitas dessas complexidades presentes na realidade moçambicana dizem respeito às mulheres É necessário apresentar as diferentes relações que se configuram dentro desse contexto sob a perspectiva de gênero pois a relação dos sujeitos e das suas vivências possuem ligações estritas com o espaço em que vivem e produzem Alves Pedroso Guimarães 2019 Destacados os principais aspectos deste estudo direcionamos esforços na interpretação da realidade experienciada pelas mulheres que vivem com HIV SIDA na Cidade de Maputo Moçambique tendo como objetivo compreender qualificadamente a vulnerabilidade de gênero vivenciada por elas através dos relatos de representantes e lideranças dos serviços de saúde que atuam diretamente sobre as questões do HIVSIDA para o público feminino Essa proposta adentra uma seara complexa que envolve inúmeros distintos e importantes elementos atinentes às realidades das mulheres maputenses moçambicanas devido a interlocução entre aspectos sociais econômicos políticos educacionais de gênero e culturais que situam essas mulheres em posições majoritariamente desfavoráveis Estavela Seidl 2015 Exemplo disso são algumas tradições moçambicanas que organizam as linhagens familiares em patrilinear Sul do país e matrilinear Centro e Norte do país Segundo Maúngue 2015 p 56 esses sistemas ditam as formas como as mulheres e homens são socializados e consequentemente as posições que cada um ocupa na sociedade São também aspectos culturais relevantes e parte da tradição o lobolo a poligamia casamentos prematuros ritos de iniciação e rituais de purificação das viúvas pelo país todo 2015 p 56 Ao considerarmos a realidade da Cidade de Maputo capital localizada no extremo sul do país compreendemos que a organização patrilinear é preponderante bem como as sistematizações e as reflexões decorrentes dessa estrutura Manuel 2011 Tais relações de forma conjunta criam assimetrias como a submissão das mulheres aos homens a instabilidade de segurança na comunidade a qual pertencem e situações de pobreza e prostituição Estavela Seidl 2015 que agudizam a vida das mulheres tornandoas vulneráveis à infecção pelo HIVSIDA Destarte tal problemática configura um processo geográfico dinâmico que constrói e é construído pelas experiências e vivências cotidianas espaciais a partir de representações e que estas mesmas são fundadas em uma ordem sócioespacial específica Silva 2003 p 42 acréscimo nosso de espaço tempo conteúdo e agência o que para nós constitui o contexto geográfico enquanto um raciocínio interpretativo calcado no real Pedroso 2022 Frente a isso se faz premente evidenciar que o conceito de contexto geográfico contribui de forma significativa uma vez que versa sobre a configuração de um conjunto de relações dialógicas relacionais e dinâmicas que tomam os sujeitos como princípio de ação e significação e portanto são passíveis de transformações que o configuram ao mesmo tempo que os conectam ao particular e ao universal Pedroso 2022 p 118 Esse aparato conceitual nos possibilita elucidar a complexidade de fenômenos reais destacando os contornos que fundam a conformação de realidades específicas de espaço tempo conteúdo e agência que majoritariamente apresentam movimentos flexíveis de afetamentos des continuidades e complementariedades interseccionais principalmente no que tange as questões de gênero saúde e doença Guimarães et al 2023 Por esses motivos priorizamos investigar a realidade de Moçambique pelo contexto geográfico das mulheres que vivem na Cidade de Maputo tornando possível averiguar as condições a cultura as políticas e as ações frente à epidemia do HIVSIDA Ao partirmos desses pressupostos passamos a interpretar as questões de gênero de modo relacional e temporalmente e espacialmente situado enquanto uma construção social que parte dos elementos culturais políticos educacionais e econômicos específicos que por sua vez criam inúmeras possibilidades nas diferentes formas dos sujeitos experienciarem suas vidas tratandose dos respectivos contextos geográficos São por esses caminhos que buscamos interpretar a realidade das mulheres maputenses moçambicanas ao ponto que outras conjunturas que se fazem associadas que partam da realidade das mesmas e que considerem seus modos espaciais de Saúde Soc São Paulo v33 n3 e230297pt 2024 4 existência em relação ao processo de saúde e doença sejam levadas em conta Guimarães 2019 Materiais e métodos A realidade do HIVSIDA encontrada em Moçambique se torna cada vez mais expressiva para as mulheres Estavela Seidl 2015 o que aguçou em nós a necessidade de aprofundamento teórico para a sua compreensão altamente complexa Isso fez com que buscássemos entender o contexto geográfico do HIVSIDA por caminhos trilhados como passos metodológicos Nesse sentido foi necessário avançarmos para além das questões estatísticas sendo necessário compreender os sujeitos que conjecturam esses elementos e mais do que isso buscar entender as configurações estruturantes dos contextos geográficos que são produzidos relacionalmente por essas pessoas Guimarães 2015 Pedroso 2022 Guimarães et al 2023 Ao partirmos dessas premissas reforçamos a ideia de que é importante adentrar no contexto geográfico de modo que haja a interação sobretudo com as pessoas e com os serviços de saúde levando em conta as estruturas que dão base para a formação da realidade investigada Foi necessário estabelecer um raciocínio pautado no agenciamento desses elementos e partindo desse pressuposto nos debruçamos sobre as iniquidades presentes na interação HIVSIDA e gênero com enfoque na luta das mulheres maputensesmoçambicanas contra as estruturas condicionantes Maúngue 2020 Este trabalho tomou como base a abordagem qualitativa de pesquisa que aconteceu a partir da triangulação metodológica Tuzzo Braga 2016 vislumbrando a interpretação da realidade a partir das vivências e das experiências de representantes e lideranças dos serviços de saúde que se dedicam às questões do HIVSIDA em mulheres na Cidade de Maputo Para isso foi necessário aplicar esforços na implementação de estratégias de investigações prévias à aproximação com o reconhecimento a testagem e o estabelecimento de contatos sendo ações importantes para uma construção qualificada dos processos empíricos Minayo 1994 Como Quem e Por que passos metodológicos e interação com o contexto As ações empíricas foram materializadas por meio de inúmeros trabalhos de campo de modo que tal processo permitiu de forma contínua o estabelecimento de reflexões ativas entre o teórico e o prático Zusman 2011 A respeito dos passos metodológicos é preciso evidenciar as dificuldades iniciais de aproximação e estabelecimento de vínculos com as representantes e lideranças dos serviços de saúde Tais dificuldades decorreram de uma excessiva burocratização documental desencontros de agenda e certo estranhamento pelo fato de sermos pesquisadores do campo das ciências humanas interessados em temáticas atinentes ao HIVSIDA o que a priori foi interpretado como algo incomum Nesse âmago cabe salientar que as ações exigidas foram de caráter formal e gradativo levando em consideração que algumas instituições requereram a submissão do projeto de pesquisa de cartas de apresentação e de ofícios institucionais tendo por finalidade a análise e aprovação para início das atividades A partir dessas prerrogativas metodológicas desenvolvemos por um período de quatro meses e meio as atividades de campo permeadas por leituras visitas técnicas encontros de aproximação participação de eventos e reuniões bem como a realização das entrevistas As primeiras ações em campo estiveram lastreadas pela aproximaçãointeração com os contatos iniciais se dando através de pesquisadorases que já detinham conhecimento direto sobre a realidade por nós investigada Essa relação criou estratégias e direcionamentos que garantiram a interlocução com pessoaschave diretamente conectadas à proposta central Assim conseguimos adentrar uma rede de sociabilidade que garantiu indicações e apresentações de pessoas sendo essas especialistas funcionárias públicas de saúde e ativistas que lidam diariamente com as questões do HIVSIDA em mulheres Durante a realização dessas etapas fomos prontamente recebidos por todas as participantes Saúde Soc São Paulo v33 n3 e230297pt 2024 5 que aceitaram compor a pesquisa de imediato não exitando em oportunizar diálogos ricos e profundos sobre a realidade das mulheres que vivem com HIV SIDA na Cidade de Maputo Inicialmente as ações supracitadas nos permitiram construir importantes vínculos de caráter contínuo viabilizando a realização de entrevistas com as representantes dos serviços de saúde e ativistas com preocupação em estabelecer reflexões a respeito dos contextos geográficos de mulheres que vivem com HIVSIDA na Cidade de Maputo Moçambique Nesse âmbito vale evidenciar que efetuamos três encontros com cada participante da pesquisa a saber 1 o primeiro dedicado à apresentaçãoaproximação 2 o segundo voltado à realização das entrevistas e 3 o terceiro empenhado na devolutiva das análises realizadas enquanto resultados Para tanto foi construído um roteiro contendo questões estruturadas por campos temáticos que nos serviram enquanto eixos norteadores das narrativas uma vez que estiveram dedicados a temas estruturais como o HIVSIDA gênero cultura e serviços de saúde Esse processo foi gestado pelos pesquisadores tendo em vista a construção das entrevistas por meio de perguntas que compunham um roteiro semiestruturado Manzini 1991 Sob essas proposições fizemos uso de recursos tecnológicos de gravação áudio para registar os relatos produzidos em campo e esses foram transcritos buscando captar fielmente os detalhes presentes na entrevista Também fizemos uso do diário de campo para o registro de dados nãograváveis expressões sentimentos movimentos etc Por meio dessa abordagem salientase que não propomos uma análise amostral probabilística e ou estatística prévia pois compreendemos que o universo de pesquisa investigado bem como as estratégias utilizadas requeriam outros caminhos metodológicos Frente a isso priorizamos a realização das entrevistas pela acessibilidade e conveniência dos envolvidos pois é por essa via que o pesquisador seleciona os elementos a que tem acesso e admite que possam representar o universo Pessôa Ramires 2013 p 122 investigativo tanto o que versa sobre as potencialidades quanto aquilo que é atinente às limitações da pesquisa A partir de tais embasamentos teórico metodológicos garantimos a participação de seis entrevistadas que lidam diretamente com as questões do HIVSIDA em suas ações de trabalho atuação pesquisa e militância destacando o ponto de que as participantes apresentam contato direto com as questões atinentes a mulheres vivendo com HIV SIDA residente na Cidade de Maputo Moçambique como pode ser observado no quadro 1 que apresenta o perfil das entrevistadas Quadro 1 Perfil das entrevistadas Identificação Sexo Formação Local de atuação Entrevistada X Feminino Geógrafa Universidade Eduardo Mondlane UEM Women and Law in Southern Africa Research and Education Trust WLSA Entrevistada O Feminino Enfermeira Associação das Parteiras da Cidade de Moçambique APARMO Centro de Saúde 1 de Maio Entrevistada J Feminino Ativista Associação Hixikanwe Entrevistada A Feminino Saúde Pública Programa de Controle de ITSHIVSIDA Ministério da Saúde MISAU Entrevistada E Feminino Assistente Social Serviços de Saúde da Cidade de Maputo Departamento de Saúde Maternoinfantil Entrevistada S Feminino Médica Serviços de Saúde da Cidade de Maputo Departamento de HIVSIDA Fonte elaborado pelos autores Saúde Soc São Paulo v33 n3 e230297pt 2024 6 Como acima mencionado as entrevistas foram regidas tendo como instrumento operacional metodológico os roteiros semiestruturados Manzini 1991 o que garantiu a articulação de inúmeras facetas acerca da vida das mulheres que vivem com HIVSIDA na região abordada Tais elementos possibilitaram um rico e plural diálogo com diferentes frentes de ação relacionadas ao combate dessa epidemia e suas respectivas relações de gênero o que proporcionou trocas profundas por meio das narrativas construídas Cabe mencionar que as entrevistas foram realizadas a partir da promoção de constantes encontros com cada participante no período de setembro a dezembro de 2019 Ainda nesse âmago se faz necessário salientar que as entrevistas individuais em média tiveram a duração aproximada de uma hora o que rendeu intensos esforços no realizar das transcrições já que consideramos esse processo metodológico como uma préanálise dos dados produzidos Enfim os processos acima mencionados nos permitiram centralizar esforços nas questões metodológicas atinentes à sistematização e à organização dos dados qualitativos Para a realização dessa tarefa foi necessário o aprofundamento na Análise do Discurso AD o que possibilitou imersão nos recursos linguísticos e nas distintas possibilidades de investigação dos materiais Maingueneau 1997 Essa estratégia metodológica visou a organicidade das falas enunciados e evocações e a interpretação dos sentidos e conexões que são estabelecidos nos discursos dos sujeitos À vista disso a AD configurou para esse trabalho a elaboração de um corpus discursivo que foi entendido por nós enquanto um arquivo que aglutina informações articuladas dialogicamente a outros elementos outros discursos e diferentes sujeitos enunciadores em tempos distintos Isso nos exigiu enquanto pesquisadores o protagonismo em assumir as interpretações construídas a partir dos textos visto que tal exercício só pode ser atingido por meio de movimentos hermenêuticos em espiral que em cada nova retomada do fenômeno possibilitada uma compreensão mais radical e aprofundada Moraes 2003 p 201 Por esse caminho tivemos como pretensão central elucidar as consequências que a camada feminina da população moçambicana residente da Cidade de Maputo vem sofrendo com o acometimento dessa doença visto que se mostra cada vez mais agressiva Maúngue 2020 Assim é necessário levar em consideração as vivências das mulheres a partir da ótica dos serviços de saúde uma vez que essa dimensão se faz de suma importância na composição do contexto geográfico das mulheres moçambicanas que vivem com HIVSIDA pois compõe a esfera política de enfrentamento da pandemia Perspectivas e discursos acerca das mulheres vivendo com HIVSIDA na Cidade de Maputo Moçambique Para iniciarmos esta reflexão é necessário compreender que majoritariamente o perfil dos casos notificados de SIDA em mulheres está diretamente atrelado à fatores que corroboram à situação de vulnerabilidade entendido que a infecção pelo HIV e o adoecimento é resultado de um conjunto de características dos contextos político econômico e socioculturais que ampliam ou diluem o risco individual Buchalla Paiva 2002 p 118 Isso leva em conta uma série de elementos que atravessam a vida dos sujeitos de diferentes formas Um exemplo é a realidade experienciada por grande parte das mulheres moçambicanas analisando que as notificadas com o HIVSIDA apresentam menor grau de escolaridade que os homens sob as mesmas condições relações de dependência econômica responsabilização compulsória pela prole e seus cuidados etc Esses elementos condicionam as mulheres a situações menos privilegiadas tornando as mais vulneráveis à infecção Andrade Iriart 2015 Nesse sentido cabe destacar que o diálogo construído quando pautado o recorte analítico da Cidade de Maputo manteve lastro com as escalas geográficas que sustentam as respectivas análises com as constituições dos discursos ora se dedicando à realidade geral de Moçambique ora se aprofundando no contexto específico da capital como podemos observar ao realizarmos a primeira indagação acerca da situação do HIVSIDA no país Ao pensarmos tais movimentos como processos relacionais as colocações da Entrevistada E se fazem Saúde Soc São Paulo v33 n3 e230297pt 2024 7 pertinentes visto que apresenta não só o contexto de Moçambique em relação aos outros países africanos mas também evidencia a realidade vivida na Cidade de Maputo o que possibilita uma interpretação geográfica entre o local global Massey 2008 acerca do fenômeno do HIVSIDA Em Moçambique no geral a situação do HIV tem estado a aumentar apesar de que algumas províncias têm prevalências altas outras têm prevalências baixas mas concretamente para nós na Cidade de Maputo nossa prevalência é alta porque é a grande cidade onde todo mundo vem para aqui E também tem a nossa vizinhança com outro país com a África do Sul e isso faz com que a nossa província tenha índices elevados de HIV SIDA Entrevistada E 2019 As argumentações da Entrevistada E caracterizam as relações fluxos e escalas que permeiam a complexidade do HIVSIDA em Moçambique mormente na Cidade de Maputo uma vez que não despreza a realidade experienciada pela população moçambicana Assim tal complexidade é intrínseca do contexto geográfico moçambicano o que acaba por conferir características que transitam entre o geral e o específico dado que a realidade de Moçambique bem como a da Cidade de Maputo são expressivas frente aos registros e notificações dos casos ao longo dos anos Nesse sentido também é preciso considerar outras problemáticas que fazem parte dessa conjuntura como os valores sociais e culturais e os de gênero e sexualidade assim como as questões da vulnerabilidade e os diversos estigmas e preconceitos atinentes ao HIVSIDA A tendência da feminização do HIVSIDA é encontrada em toda a África subsaariana onde as mulheres representam 58 do total de pessoas vivendo com HIV e também em todas as regiões de Moçambique tendo como via de transmissão predominante as relações heterossexuais Andrade Iriart 2015 p 566 Relações de gênero e seus contextos geográficos É extremamente relevante refletir do ponto de vista espacial sobre a vulnerabilidade e as questões de gênero vivenciadas pelas mulheres moçambicanas em relação ao HIVSIDA Estavela Seidl 2015 Assim é preciso focalizar as relações existentes entre a conceituação de vulnerabilidade gênero e HIVSIDA já que se atravessam e se encontram no fenômeno da feminização da doença Silva et al 2007 Passador 2010 como nos explica as entrevistadas X e J Eu te digo que não é diferente dos outros países da África Austral salvo que aqui a situação em termos da posição da mulher na sociedade e na construção das relações sociais entre homens e mulheres as relações de gênero é um bocadinho mais acentuado Acentuado em termos da discriminação e opressão que se faz ao entorno das mulheres Por isso que tu tens uma feminização do SIDA que em outras partes do mundo não estão Entrevistada X 2019 A situação falando no contexto da mulher é uma situação que ainda precisa de muita luta principalmente para nós mulheres que trabalhamos na comunidade Então ainda é um grande desafio porquê o HIV já vivemos há muitos anos esta epidemia temos acima de vinte anos essa epidemia aqui em Moçambique mas é como se fosse uma coisa nova Então existem ainda muitos desafios que é para se estancar que é para manter as pessoas no tratamento para que elas próprias aceitem esta condição de serem seropositivas Entrevistada J 2019 As contribuições das entrevistadas X e J trazem para a discussão a questão de gênero com enfoque nas mulheres para o debate da epidemia na região analisada pois a feminização do HIVSIDA se faz um grave problema Maúngue 2020 A partir das falas é possível depreender que as reverberações acerca da epidemia mantêm estritos laços com as formas de estruturação da sociedade moçambicana que de modo geral reproduz a concepção socialpatriarcal e historicamente considera a população feminina subordinada e inferior aos homens reforçando a ideia de dominante e dominado Essa construção parte das prerrogativas do poder ou mesmo do exercício de poder entre os sujeitos Foucault 1979 Isso configura uma estruturação Saúde Soc São Paulo v33 n3 e230297pt 2024 8 assimétrica em que os envolvidos passam a viver sob desigualdade como nos explica Andrade e Iriart 2015 ao dizer que as desigualdades de gênero e de poder entre os sexos fazem com que recaia sobre as mulheres submetidas a julgamento moral a culpa pela infecção do HIV O desconhecimento de seus direitos leva a que muitas se vejam despossuídas de seus bens após a morte de seus maridos ou abandonadas por eles quando seu diagnóstico é revelado Andrade Iriart 2015 p 572 Assim sendo a relação de dominação mantém laços inerentes à construção social a partir dos gêneros sendo essa uma concepção que parte das diferenças entre os sexos e faz com que alguns estejam mais vulneráveis a situações do que outros Um exemplo disso é a infecção do HIVSIDA em mulheres moçambicanas Essas lógicas estruturantes condicionam o processo de feminização do HIVSIDA estando esse concatenado à vulnerabilidade de gênero como nos relata a Entrevistada A Apresenta um tipo de relação porque nós estamos a ver os níveis de infecção que tem se rebatido sobre as mulheres Tratase da vulnerabilidade ligada as mulheres e não somente pela sua estrutura pela sua fisiologia mas pela vulnerabilidade em termos de a maioria não ter ido à escola pelo seu nível de literacia ser muito inferior e algumas não serem alfabetizadas Você vê também os casamentos que são prematuros ou seja elas têm que estar dotadas de conhecimento sendo essa uma lacuna que nós encontramos apesar de que na generalidade o moçambicano não tem muita informação sobre o HIVSIDA e isso se incide ainda mais nas mulheres porque nós temos uma fragilidade muito grande Entrevistada A 2019 As contribuições da Entrevistada A perpassam a esfera do socialcoletivo e adentram a esfera da especificidade das mulheres de modo que elenca pontos estruturantes que elucidam a vulnerabilização delas em relação ao HIVSIDA como a desigualdade educacional Maúngue 2020 e a dependência econômica e marital Tais arranjos são resultantes da forma organizacional e cultural da sociedade moçambicana que de modo geral reforça a submissão da mulher Estavela Seidl 2015 tornando mais complexa e dificultosa sua capacidade de resposta em situações de vulnerabilidade como destacado nas falas das entrevistadas J e O Bem certas mulheres ainda conseguem dialogar mas as outras que em maioria estão nas zonas rurais acabam sendo dependentes mesmo aqui na Cidade de Maputo é uma dependência financeira não é Isso é o que faz com que as mulheres acabem aceitando a culpa sofrendo humilhações porque não querem perder o marido e também por causa do sustento dos filhos Entrevistada J 2019 Em relação a mulher é aquilo que eu havia falado é um desafio para que essa mulher consiga de fato trazer o parceiro ou consiga negociar o uso do preservativo tanto que mesmo para poderem negociar a vida sexual em casa é muito difícil porque aquilo que é a educação o que é oferecido como educação a nível da família quando a mulher casa Se nós conseguirmos esse exercício em que a mulher seja capaz de poder por si decidir já seria um passo enorme porque ela vai poder negociar o preservativo Se você não consegue negociar aquilo que é seu direito vai conseguir negociar preservativo São poucas são poucas as mulheres que conseguem negociar o preservativo com seu esposo em casa Entrevistada O 2019 As falas das entrevistadas J e O trazem elementos que são pertinentes para a discussão da realidade vivida pelas mulheres moçambicanas É a partir desses aspectos que o contexto geográfico se torna preponderante na análise uma vez que a forma que se debruça sobre as diferentes interfaces que compõem a realidade vivida pelos sujeitos sociais permite desempenhar uma interpretação situada e corporificada acerca do fenômeno experienciado Pedroso 2022 Tal conjuntura passa a ter materialidade quando nos dedicamos a pensar a concepção de gênero e seus rebatimentos na sociedade moçambicana sobretudo ao que se refere ao HIVSIDA e seus aspectos culturais Pensar essas configurações nos ajuda não somente a compreender o contexto geográfico Saúde Soc São Paulo v33 n3 e230297pt 2024 9 vivido pelas mulheres mas também a refletir ações que combatam o processo de vulnerabilização das mesmas tendo uma vez entendido que esses fatores se perpetuam pela desigualdade social e de gênero que mantém conexões com as dimensões políticas econômicas e culturais corroborando com a manutenção crescente da feminização do HIVSIDA Cruz e Silva et al 2007 Desse modo as colocações de Passador e Thomaz 2006 nos põem a refletir sobre a acurácia desta realidade evocada nas falas pois questiona a rápida associação que se faz entre relações de gênero ou masculinidades dentro de um modelo normativo ocidental e a expansão da epidemia que constitui mais do que nunca o resultado de uma visão etnocêntrica preconceituosa e essencialista com relação a essas esferas da vida social moçambicana e em menor medida uma forma de se associar com a diminuta elite urbana existente no país e que em grande medida também desconhece o universo rural ou aquele que povoa as periferias das cidades moçambicanas Passador Thomaz 2006 p 272273 Logo entendemos que é imprescindível a compreensão do contexto geográfico produzido socialmente para entender os fenômenos espaciais que ocorrem por decorrência dos sujeitos Isso se justifica porque essas relações são oriundas de um sistema opressor que por vezes condiciona as capacidades de respostas e ações das mulheres Essa prerrogativa é destacada na fala das entrevistadas A e E que alertam para questões que não necessariamente partem das mulheres mas que estão diretamente concatenadas as condições experienciadas na especificidade do espaço tempo conteúdo e agência do contexto geográfico moçambicano principalmente quando abordado o processo saúdedoença relacionado às questões de gênero e seus respectivos impactos como vemos a seguir Para o homem perder algum tempo dentro da unidade sanitária para ele é perder alguma coisa aquilo que é o sustento que tem que trazer já que é ele que tem a responsabilidade sobre a sua família O local de trabalho seu trabalho seja formal ou informal tem que ter condições de informar sobre os serviços de HIVSIDA para os homens Entrevistada A 2019 Essa parte sim porque o homem é o tal provedor principalmente em uma família que o homem trabalha mesmo tendo o HIV a mulher está aí para cuidar do seu marido mas se é a mulher em um casal serodiscordante quando foi a mulher que foi testada e saiu positivo e o homem naquele momento é negativo cria muito impacto sim Entrevistada E 2019 Os relatos das entrevistadas A e E apresentam especificidades que contribuem para a caracterização do contexto geográfico através do plano vivido no qual as relações acontecem no cotidiano Para além desses elementos é possível observar nas falas o peso e a importância do papel do homem na sociedade moçambicana principalmente na perspectiva patrilinear e como isso se torna um elemento estruturante na construção das masculinidades que acabam por impactar no processo de saúdedoença de homens e mulheres quando pautadas as questões do HIVSIDA Esse conjunto acaba por ser resultado da estruturação social do contexto moçambicano uma vez que o homem é tido como provedor econômico de todas as necessidades Essas relações distanciam os homens dos serviços e cuidados em saúde sobretudo os que são correlatos ao HIVSIDA fazendo com que recaia sobre as mulheres a responsabilidade desses cuidados majoritariamente de si e dasos filhasos Cruz e Silva et al 2007 HIVSIDA aspectos sociais e culturais nos contextos geográficos A presente conjuntura abordada traz alguns elementos sociais e culturais que são pertencentes a realidade de Moçambique de modo geral uma vez que há nuances e particularidades que podem ser acentuadas ou abrandadas conforme as características do contexto geográfico produzido As falas anteriores expressam o forte teor que a cultura desempenha nas relações de gênero em Moçambique dado que acaba por ser um pilar estruturante para a compreensão do contexto geográfico das mulheres que vivem com HIVSIDA na Cidade de Maputo Ao considerarmos tais elementos na referida realidade incorporamos a interpretação da cultura e as decorrentes influências sob o ponto de vista da saúde das mulheres uma vez que a Saúde Soc São Paulo v33 n3 e230297pt 2024 10 cultura se agrega a outros elementos que favorecem a epidemia do HIVSIDA Passador Thomaz 2006 Nesse sentido é preciso destacar que as contribuições acerca da cultura do gênero e do HIV SIDA são interconectadas porque perpassaram a reflexão desempenhada pelas entrevistadas e permitem estabelecer diferentes conexões e interpretações sobre esses quesitos na realidade moçambicana sobretudo o da Cidade de Maputo de modo que podemos observar esses pontos quando colocada a questão sobre a construção social e cultural de Moçambique em relação ao HIVSIDA Absolutamente absolutamente absolutamente porque o controle do corpo da mulher aqui em termos culturais é 500 é horrível porque o próprio rito de iniciação tem como objetivo fundamental estabelecer esse controle sobre a sexualidade sobre a reprodução e força de trabalho das mulheres por parte dos homens esse é o objetivo fundamental ou seja esses ritos de iniciação são de alguma maneira normativos para a identidade masculina e feminina em que esta identidade feminina deva ser culturalmente porque assim é e precisa se manter oprimida por parte da identidade masculina Entrevistada X 2019 No referido trecho a Entrevistada X relata sobre a realidade vivida pelas mulheres moçambicanas de forma que enfatiza a interrelação dos sujeitos por meio dos diferentes poderes que arregimentam a construção de gênero Foucault 1979 e salienta que eles ocorrem desde muito cedo nos ritos de iniciação sexual que doutrinam as mulheres por meio do controle estabelecido pela valoração do que é ser homem e mulher na sociedade moçambicana Além dessa construção basal são destacados outros elementos e práticas que se fazem presentes no contexto geográfico de Moçambique Lobolo Pitakufa Kudjinga como podemos observar nas falas das entrevistadas E e O que retratam sobretudo os rituais de purificação Em alguns aspectos culturais sim porque têm os casamentos prematuros início precoce das relações sexuais algumas tradições que nós temos como as cerimônias de purificação estes todos proporcionam e facilitam o HIV É comum você ver uma viúva que perdeu o marido por causa do HIV mas ela tem de fazer a cerimônia de purificação e na cerimônia de purificação não é aceito o uso de preservativo então a pessoa que vai fazer a cerimônia de purificação esta mais exposto a contrair o HIV Entrevistada E 2019 Em algum momento estabelece sim digo isso em relação a alguns rituais quando alguém perde o marido e depois tem que se ter um sucessor para fazer o ritual de purificação da viúva em que tem que ter um contato sexual com o familiar mais próximo do falecido A pessoa às vezes nem sabe e quem vai se infectar pode ser até ele que vem para purificar porque às vezes o senhor morreu de HIV e a mulher já esteja infectada E essa purificação não se pode usar preservativo E como é que fica Este que vai fazer a purificação sabe qual foi a doença que vitimou o outro Entrevista O 2019 As contribuições das Entrevistadas E e O estão direcionadas sobre algumas práticas que se fazem presentes na cultura moçambicana que acontecem no Centro e Sul do país nas quais segundo a tradição a mulher viúva deve aceitar ter relações sexuais sem proteção com um familiar do falecido marido PitakufaKudjinga Tratase de uma prática tradicional moçambicana quando o marido morre a viúva deve fazer sexo não protegido com o cunhado para purificála Se o ato for recusado pela viúva ela pode perder os bens da família retirados pelos familiares do falecido Estavela Seidl 2015 p 571 Algumas dessas práticas como os rituais de purificação embora possam não estar a ocorrer na Cidade de Maputo de alguma forma a sua influência pode ser sentida nesse contexto geográfico dado que o mesmo é parte da sociedade moçambicana Vias de fato algumas ações dentro dos ritos de iniciação e de purificação acabam por expor as mulheres a um maior risco à infecção ao HIVSIDA o que acaba por levantar um debate necessário e articulado ao contexto geográfico considerando o espaçotempo a cultura e a saúde dos sujeitos que produzem e vivenciam essa realidade Ainda nesse âmbito são importantes algumas chamadas de atenção pois não se pode estritamente culpabilizar ou mesmo criminalizar a cultura em relação ao HIVSIDA É necessário manter o Saúde Soc São Paulo v33 n3 e230297pt 2024 11 respeito às tradições e aos costumes cabendo um aprofundamento investigativo pois uma das consequências reverberadas são as intervenções que tendem a criar desconfiança e descontentamento na população alvo uma vez que esta sente que as suas crenças os seus valores e as lógicas que definem o seu ser e um contexto social harmonioso estão a ser desrespeitados Manuel 2011 p 347 Desse modo é necessário criar ações orientadoras que reduzam e minimizem os danos em saúde sem interferir diretamente na construção social e cultural dos sujeitos Esse debate toma corpo na fala das Entrevistadas A e S que advogam por essa construção Sim é aquilo que eu digo sempre existe aquilo que é a relação mas nós não podemos ver certas coisas como negativas na nossa cultura Nós temos que aceitar aquilo que vem dos nossos antepassados mas temos que saber como nós abordamos esses aspectos Por exemplo temos o hábito de dizer que os ritos de iniciação são prejudiciais por causa do HIVSIDA O que é prejudicial dentro dos ritos de iniciação pergunta retórica É isso que nós temos que discutir Agora há algumas práticas dentro daquilo que são os ritos de iniciação Essas que devem ser olhadas e analisadas isso não é um aspecto médico é um aspecto cultural é um aspecto da sociedade é antropológico do qual nós temos que estudar do qual nós temos que analisar Porque nós temos que entender somos africanos e temos nossos aspectos mas temos de ver o que é de negativo dentro desses aspectos Entrevistada A 2019 Nós temos aspectos culturais muito pessoais nós temos a sociedade construída de certa forma e depois vem a doença em cima Então o serviço de saúde tem que vir moldando todas essas coisas É claro que a saúde serviços não vai chegar e dizer que agora nós somos assim mas é preciso que nós através de tudo que já existe ainda assim conseguirmos fornecer cuidados Esse é o papel da saúde serviços dar um pacote de cuidados a todos independentemente das crenças de cada um e respeitando Entrevistada S 2019 Ambas as entrevistadas ressaltam em suas contribuições que os aspectos culturais devem ser cuidadosamente analisados quando intermediados pelas questões da saúde porque todos esses elementos são importantes para a elaboração de uma resposta efetiva à epidemia do HIVSIDA E mais do que isso chamam a atenção para que tipo de saúde deve ser construída e oferecida à população uma vez que os relatos apontam para a necessidade de um serviço geograficamente contextualizado com a realidade que se situa evidenciando que a proposta de saúde em si não deve ser hermética e cristalizada Guimarães 2019 Assim sendo as articulações destacadas em todos os relatos são de suma importância para a constituição de um serviço de saúde contextualizado à realidade pautada uma vez que passa a considerar as questões de gênero junto aos valores culturais moçambicanos enquanto parte da imprescindível resposta à epidemia do HIVSIDA Isso porque toma como ação a análise das práticas experienciadas pelas mulheres moçambicanas bem como pela população em geral o que pondera a necessidade de se manter um olhar geográfico na produção da saúde de diferentes grupos populacionais que permita assim uma leitura adequada do contexto geográfico do HIVSIDA na Cidade de Maputo bem como em toda a Moçambique Considerações finais O debate acumulado criou possibilidades de estabelecermos outros olhares para a realidade das mulheres que vivem com HIVSIDA na Cidade de Maputo uma vez que o raciocínio estabelecido esteve sustentado pelas relações existentes entre as questões de gênero cultura e saúde sob uma perspectiva geográfica de análise Assumir tal posição prefigura uma destacada importância bem como traz consigo grandes desafios porque se debruça sobre aspectos reais da vida dos sujeitos evidenciando a necessidade de aprofundamentos que partem de tensões entre a teoria e a prática O empreendimento dessa proposta esteve conectado a diferentes ações que por sua vez estiveram situadas em outros segmentos de compreensão sendo eles de espaçotempo conteúdo e agência Através desse movimento foi possível interpretar a realidade das mulheres residentes da Cidade de Maputo à luz da compreensão dos serviços Saúde Soc São Paulo v33 n3 e230297pt 2024 12 de saúde e nos pautamos sobre a percepção das profissionais eou representantes de instituições que estão envolvidos diretamente com a temática do HIV SIDA uma vez que são esses que lidam diariamente com as demandas que atravessam a vida delas Por meio dessas articulações construímos as interpretações acerca da vulnerabilidade de gênero vivida por essas mulheres em relação ao HIVSIDA com as entrevistas realizadas nos possibilitando debater as diferentes vulnerabilidades que se fazem presentes na vida das maputensesmoçambicanas Essa interpretação se configura por acreditarmos que tais relações são intrínsecas na dinamicidade dos fenômenos de saúde e doença o que corrobora para a compreensão das complexidades presentes nos contextos geográficos abordados Esse conjunto apresenta os avanços e dificuldades enfrentados em relação a epidemia do HIVSIDA tanto na Cidade de Maputo como também em Moçambique reforçando a importância da temática do HIVSIDA quando pautadas as vulnerabilidades de gênero já que essas mulheres experienciam dificuldades e opressões que são distintas de outros sujeitos Desse modo acreditamos que os esforços aqui empenhados apontam para caminhos ainda pouco abertos e que carecem de novas investigações dedicadas a elementos como o processo históricogeográfico de Moçambique os fluxos migratórios a saúde das mulheres jovens a saúde maternoinfantil o acesso e a adesão ao tratamento entre outros que assim venham garantir a contemplação da saúde universal das mulheres nos mais diferentes contextos geográficos Ainda nesse âmago relacional é possível destacar a necessidade de interpretação da realidade vivida pelos homens dado que eles mantêm relações socioculturais majoritariamente hierarquizantes com as mulheres principalmente como protagonistas das ações opressoras e dominadoras que as vulnerabilizam em relação ao HIVSIDA Por esse motivo salientamos a importância de se criar oportunidades de estudos que visem a compreensão contextual geográfica sobre o processo de formação e construção das masculinidades e dos espaços heteronormativos que acabam por apresentar rebatimentos significativos no processo de saúdedoença do HIVSIDA em Moçambique Portanto cremos que são essas perspectivas que devem ser incorporadas a políticas e práticas em saúde enquanto estratégias de intervenções política de saúde de modo que sejam capazes de retornar à população de forma eficaz ao estarem alinhadas às demandas específicas de espaçotempo conteúdo e agência do contexto geográfico em que se efetua o fenômeno Logo reforçamos a imprescindibilidade de fortalecer a interlocução entre os diferentes serviços de saúde e os movimentos sociaisativistas dedicados as questões do HIVSIDA para que assim sejam evidenciadas as diferentes vozes ou seja o que asos moçambicanasos têm a dizer promover e construir acerca das políticas que combatam a epidemia Com isso reiteramos que a organização dos serviços de saúde deve estar aparelhada em um movimento uníssono que considere os aspectos políticos econômicos sociais e culturais de forma que haja a possibilidade de transformações efetivas em seus contextos geográficos Referências ALLISON M HARPHAM T Southern African perspectives on the geography of health Health Place Oxford n 8 v 4 p 223225 2002 DOI 101016S1353829202000047 ALVES N C PEDROSO M F GUIMARÃES R B Corpos que falam interpretações geográficas entre saúde gênero e espaço Caderno Prudentino de Geografia Pesidente Prudente n 41 v 3 p 924 2019 Disponível em httpsrevista fctunespbrindexphpcpgarticleview6435 Acesso em 30 de setembro de 2020 ANDRADE R G IRIART J A B Estigma e discriminação experiências de mulheres HIV positivo nos bairros populares de Maputo Moçambique Cadernos de Saúde Pública Rio de Janeiro n 31 v 3 p 565574 2015 DOI 1015900102311X00019214 BASTOS F I BARCELLOS C Geografia social da AIDS Revista de Saúde Pública São Paulo v 29 n 1 p 5262 1995 DOI 101590S003489101995000100009 BUCHALLA C M PAIVA V Da compreensão da vulnerabilidade social ao enfoque multidisciplinar Revista de Saúde Pública São Paulo v 36 n 4 p 117119 2002 DOI 101590S003489102002000500016 Saúde Soc São Paulo v33 n3 e230297pt 2024 13 CAU B M O estigma do HIV e SIDA e a testagem de infecção pelo HIV entre adolescentes e jovens em Moçambique Gazeta de População e Saúde Maputo n 3 p 133 2014 Disponível em httpswwwsandboxexplicadorcomzstorage gazettesOctober2023ecYgj9XlCBhSYtjSg3nj pdf Acesso em 23 maio 2024 CRUZ E SILVA T et al Representações e práticas da sexualidade entre os jovens e a feminização do SIDA em Moçambique estudos de caso no Centro e Sul do país Maputo WLSA Mocambique 2007 Disponível em httpswwwwlsaorgmzwp contentuploads201411SIDA2007pdf Acesso em 17 de outubro de 2019 ESTAVELA A J SEIDL E M F Vulnerabilidades de gênero práticas culturais e infecção pelo HIV em Maputo Psicologia Sociedade Belo Horizonte n 27 v 3 p 569578 2015 DOI 101590180703102015v27n3p569 FOUCAULT M Microfísica do poder Rio de Janeiro Graal 1979 GUIMARÃES R B Saúde Coletiva e o fazer geográfico Caderno Prudentino de Geografia Presidente Prudente n 41 v 1 p 119132 2019 Disponível em httpsrevista fctunespbrindexphpcpgarticleview6299 Acesso em 10 de julho de 2020 GUIMARÃES R B Saúde fundamentos de Geografia Humana São Paulo Editora UNESP 2015 GUIMARAES R B et al Contexto geográfico e corpo outras possibilidades de desconstrução das normas de saúde e gênero In SILVA JM ORNAT M J CHIMIN JUNIOR AB Org Corpos e Geografia expressões de espaços encarnados 1 ed Ponta Grossa Todapalavra 2023 p 434455 MAINGUENEAU D Novas tendências em análise do discurso 3 ed Campinas Editora da Unicamp 1997 MANUEL S Políticas de HIV e SIDA e dinâmicas socioculturais em Moçambique notas para reflexão In BRITO L CASTELBRANCO C N CHICHAVA S FRANCISCO A Desafios para Moçambique 2011 Maputo IESE 2011 p 333351 MANZINI E J A entrevista na pesquisa social Didática São Paulo v 2627 p 149158 1991 Disponível em httpswwwmariliaunespbr HomeInstituicaoDocentesEduardoManzini Entrevistanapesqu isasocialpdf Acesso em 02 de fevereiro de 2018 MASSEY D Pelo espaço uma nova política da espacialidadeRio de Janeiro Bertrand Brasil 2008 MAÚNGUE H B A face feminina do HIV e SIDA um estudo sobre as experiências de mulheres infectadas pelo HIV na cidade de Maputo Moçambique 2015 Dissertação Mestrado em Sociologia Política Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis 2015 MAÚNGUE H B Mulher moçambicana cultura tradição e questões de género na feminização do HIVSIDA Revista Estudos Feministas Florianópolis n 28 v 1 e68328 2020 DOI 1015901806 95842020v28n168328 MINAYO M C S Ciência técnica e arte o desafio da pesquisa social In MINAYO M C S Org Pesquisa social teoria método e criatividade Petrópolis Vozes 1994 p 930 MORAES R Uma tempestade de luz a compreensão possibilitada pela análise textual discursiva Ciência Educação Bauru v 9 n 2 p 191211 2003 DOI 101590S151673132003000200004 PASSADOR L H A mulheres são más pessoas gênero e doença no sul de Moçambique Cadernos Pagu Campinas n 35 p 177210 2010 DOI 101590S010483332010000200007 PASSADOR L H THOMAZ O R Raça sexualidade e doença em Moçambique Revista Estudos Feministas Florianópolis n 14 v 1 p 263286 2006 DOI httpsdoi org101590S0104026X2006000100014 PEDROSO M F Contextos geográficos da AIDS e os espaços vividos por jovens com HIV em Presidente Prudente SP 2017 Monografia Graduação em Geografia Universidade Estadual Paulista UNESP Presidente Prudente 2017 PEDROSO M F Flores e dores vozes e vidas contexto geográfico de mulheres e suas experiências intereseccionais em Presidente Prudente SP 2022 Tese Doutorado em Saúde Soc São Paulo v33 n3 e230297pt 2024 14 Geografia Universidade Estadual Paulista UNESP Presidente Prudente 2022 PESSÔA V L S RAMIRES J C L Amostragem em pesquisa qualitativa subsídios para a pesquisa geográfica In MARAFON G J et al Org Pesquisa qualitativa em Geografia reflexões teóricoconceituais e aplicadas Rio de Janeiro EdUERJ 2013 p 117134 SILVA J M Um ensaio sobre a potencialidade do uso do conceito de gênero na análise geográfica Revista de História Regional Ponta Grossa v 8 n 1 p 3145 2003 Disponível em httpsrevistas2uepgbrindexphprhrarticle view2167 Acesso em 23 de janeiro de 2019 SILVA T C et al Representações e práticas da sexualidade entre os jovens e a feminização Contribuição dos autores Mateus Fachin Pedroso Conceitualização Curadoria de dados Análise Formal Aquisição de financiamento Investigação Metodologia Administração de projetos Recursos Programas Supervisão Validação Visualização Redação rascunho original Redação revisão e edição Raul Borges Guimarães Análise Formal Aquisição de financiamento Administração de projetos Recursos Supervisão Redação rascunho original Redação revisão e edição Boaventura Manuel Cau Curadoria de dados Análise Formal Metodologia Administração de projetos Supervisão Redação rascunho original Agradecimentos Agradecemos em primeira instância a todas as participantes que compartilharam conosco suas experiências É necessário também agradecer ao apoio institucional da Universidade Eduardo Mondlane UEM da Universidade Estadual Paulista FCTUNESP do MISAU Ministério da Saúde de Moçambique da Direcção de Saúde da Cidade de Maputo da Organização Women and Law in Southern Africa Research and Education Trust WLSA da Associação das Parteiras de Moçambique APARMO e da Associação Hixikanwe que garantiram articulação à pesquisa Também agradecemos a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo Fapesp pelo financiamento da pesquisa nacional e internacional 2018057062 2019050710 Recebido 05052023 Reapresentado 01092023 Aprovado 13052024 do SIDA em Moçambique Maputo WLSA Moçambique 2007 TUZZO S A BRAGA C F O processo de triangulação da pesquisa qualitativa o meta fenômeno como gênese Revista Pesquisa Qualitativa São Paulo v 4 n 5 p 140158 2016 Disponível em httpseditorasepqorgbrrpq articleview3831 Acesso em 29 de agosto de 2019 UNAIDS Global HIV AIDS statistics fact sheet 2019 Disponível em httpswwwunaidsorgenresources factsheet Acesso em 04 de setembro de 2020 ZUSMAN P La tradición del trabajo de campo em Geografía Geograficando Buenos Aires v 7 n 7p 1532 2011 Disponível em httpsedici unlpeduarhandle1091513996 Acesso em 13 de novembro de 2018
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Saúde Soc São Paulo v33 n3 e230297pt 2024 1 DOI 101590S010412902024230297pt Artigos originais Contexto geográfico e HIVSIDA múltiplos olhares de saúde sobre as mulheres moçambicanas1 Geographic context and HIVAIDS multiple healthrelated perspectives on mozambican women Correspondência Mateus Fachin Pedroso KM 12 Caixa Postal 364 MS162 Dourados MS Brasil 79804970 mateuspedrosoufgdedubr Mateus Fachin Pedrosoa httpsorcidorg0000000295550405 Email mateuspedrosoufgdedubr Raul Borges Guimarãesb httpsorcidorg0000000299255374 Email raulguimaraesunespbr Boaventura Manuel Cauc httpsorcidorg0000000331556047 Email boacauuemacmz a Universidade Federal da Grande Dourados Faculdade de Ciências Humanas Departamento de Geografia Dourados MS Brasil b Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho Faculdade de Ciências e Tecnologia Departamento de Geografia Presidente Prudentes SP Brasil c Universidade Eduardo Mondlane Faculdade de Letras e Ciências Sociais Departamento de Geografia Maputo Moçambique Resumo O objetivo deste texto é compreender a vulnerabilidade de gênero experienciada pelas mulheres que vivem com HIVSíndrome de Imunodeficiência Adquirida SIDA na Cidade de Maputo Moçambique através dos relatos de representantes e lideranças dos serviços de saúde que atuam diretamente sobre as questões dessas condições para o público feminino Para isso a pesquisa se embasou em metodologias qualitativas visto que a produção dos dados foi respaldada por um roteiro semiestruturado que considera os seguintes temas HIVSIDA gênero cultura e serviços de saúde As interpretações são mediadas pela Análise do Discurso AD que possibilita a imersão nos recursos linguísticos por meio dos sentidos e conexões Isso permite a interpretação da complexidade do contexto geográfico das mulheres que vivem com HIVSIDA na região evidenciando a necessidade de se empenhar mais ações voltadas às questões das doenças uma vez que se faz premente estabelecer uma interpretação geográfica da saúde sobretudo no que diz respeito à realidade vivida pelas que experienciam dificuldades opressões estigmas e discriminações no cotidiano Palavraschave Contexto Geográfico HIVSIDA Vulnerabilidade Gênero Mulheres 1 Financiamento Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo FAPESP pelo financiamento da pesquisa nacional e internacional 2018057062 2019050710 Saúde Soc São Paulo v33 n3 e230297pt 2024 2 Abstract The aim of this text is to understand the gender vulnerability experienced by women living with HIVacquired immune deficiency syndrome AIDS in the city of Maputo Mozambique from the accounts of representatives and leaders of the health services who work directly on these issues for women To this end the research was based on qualitative methodologies since the production of the data was supported by a semistructured script that considered the following themes HIV AIDS gender culture and health services The interpretations are mediated by Discourse Analysis DA which enables immersion in linguistic resources by meanings and connections This makes it possible to interpret the complexity of the geographical context of women living with HIV AIDS in the region highlighting the need for more action on the issues of these diseases since it is urgent to establish a geographical interpretation of health especially regarding the reality experienced by women who experience difficulties oppression stigma and discrimination on a daily basis Keywords Geographic context HIVAIDS Vulnerability Genre Women Introdução Atualmente o HIVSIDA ou HIVAIDS é uma das doenças que mais tem afetado a população mundial acumulando o número aproximado de 379 milhões de pessoas vivendo com ela no mundo fato que evidencia tal situação como uma problemática que transpassa diferentes escalas e atinge diversos segmentos que vão desde o local ao global UNAIDS 2019 Em algumas localidades a situação do HIVSIDA se mostra muito agravada devido à rápida difusão da doença e a falta de subsídios para contenção prevenção e tratamento o que complexifica as diferentes realidades Assim cabe compreender que sua disseminação está relacionada às condições de espaçotempo em que se realiza como fenômeno dado que os elementos sociais econômicos políticos e culturais configuram a produção do espaço geográfico que caracteriza a multiplicidade da epidemia Bastos Barcellos 1995 Nesse sentido convém reforçar que a magnitude e o desenvolvimento do problema do HIV faz com que as suas manifestações patogênicas adquiram o caráter de pandemia Esse é o caso de grande parte do continente africano em específico a África Subsaariana que continua a apresentar os mais elevados níveis de HIVSIDA do mundo UNAIDS 2019 Isso se deve ao conjunto de fatores que envolvem a complexidade encontrada nas inúmeras faces da epidemia visto que a manifestação da doença se ajusta ao contexto geográfico Pedroso 2017 Considerando os elementos anteriormente mencionados direcionamos esforços para nos aproximar da realidade vivida acerca do HIVSIDA em Moçambique dado que esse é um dos países que maior expressa necessidade de interpretação devido às suas condições no âmbito mundial Allison Harpham 2002 À vista disso a gravidade da situação do HIVSIDA em Moçambique se torna uma das mais agudas pois o país possui uma realidade muito delicada sendo a oitava prevalência nacional mais alta do mundo ao ponto que o desenvolvimento social e econômico fica ameaçado pois mais de um quarto dos adultos apresentamse infectados pelo vírus do HIV ou acometidos pela SIDA em algumas regiões Cau 2014 Saúde Soc São Paulo v33 n3 e230297pt 2024 3 Muitas dessas complexidades presentes na realidade moçambicana dizem respeito às mulheres É necessário apresentar as diferentes relações que se configuram dentro desse contexto sob a perspectiva de gênero pois a relação dos sujeitos e das suas vivências possuem ligações estritas com o espaço em que vivem e produzem Alves Pedroso Guimarães 2019 Destacados os principais aspectos deste estudo direcionamos esforços na interpretação da realidade experienciada pelas mulheres que vivem com HIV SIDA na Cidade de Maputo Moçambique tendo como objetivo compreender qualificadamente a vulnerabilidade de gênero vivenciada por elas através dos relatos de representantes e lideranças dos serviços de saúde que atuam diretamente sobre as questões do HIVSIDA para o público feminino Essa proposta adentra uma seara complexa que envolve inúmeros distintos e importantes elementos atinentes às realidades das mulheres maputenses moçambicanas devido a interlocução entre aspectos sociais econômicos políticos educacionais de gênero e culturais que situam essas mulheres em posições majoritariamente desfavoráveis Estavela Seidl 2015 Exemplo disso são algumas tradições moçambicanas que organizam as linhagens familiares em patrilinear Sul do país e matrilinear Centro e Norte do país Segundo Maúngue 2015 p 56 esses sistemas ditam as formas como as mulheres e homens são socializados e consequentemente as posições que cada um ocupa na sociedade São também aspectos culturais relevantes e parte da tradição o lobolo a poligamia casamentos prematuros ritos de iniciação e rituais de purificação das viúvas pelo país todo 2015 p 56 Ao considerarmos a realidade da Cidade de Maputo capital localizada no extremo sul do país compreendemos que a organização patrilinear é preponderante bem como as sistematizações e as reflexões decorrentes dessa estrutura Manuel 2011 Tais relações de forma conjunta criam assimetrias como a submissão das mulheres aos homens a instabilidade de segurança na comunidade a qual pertencem e situações de pobreza e prostituição Estavela Seidl 2015 que agudizam a vida das mulheres tornandoas vulneráveis à infecção pelo HIVSIDA Destarte tal problemática configura um processo geográfico dinâmico que constrói e é construído pelas experiências e vivências cotidianas espaciais a partir de representações e que estas mesmas são fundadas em uma ordem sócioespacial específica Silva 2003 p 42 acréscimo nosso de espaço tempo conteúdo e agência o que para nós constitui o contexto geográfico enquanto um raciocínio interpretativo calcado no real Pedroso 2022 Frente a isso se faz premente evidenciar que o conceito de contexto geográfico contribui de forma significativa uma vez que versa sobre a configuração de um conjunto de relações dialógicas relacionais e dinâmicas que tomam os sujeitos como princípio de ação e significação e portanto são passíveis de transformações que o configuram ao mesmo tempo que os conectam ao particular e ao universal Pedroso 2022 p 118 Esse aparato conceitual nos possibilita elucidar a complexidade de fenômenos reais destacando os contornos que fundam a conformação de realidades específicas de espaço tempo conteúdo e agência que majoritariamente apresentam movimentos flexíveis de afetamentos des continuidades e complementariedades interseccionais principalmente no que tange as questões de gênero saúde e doença Guimarães et al 2023 Por esses motivos priorizamos investigar a realidade de Moçambique pelo contexto geográfico das mulheres que vivem na Cidade de Maputo tornando possível averiguar as condições a cultura as políticas e as ações frente à epidemia do HIVSIDA Ao partirmos desses pressupostos passamos a interpretar as questões de gênero de modo relacional e temporalmente e espacialmente situado enquanto uma construção social que parte dos elementos culturais políticos educacionais e econômicos específicos que por sua vez criam inúmeras possibilidades nas diferentes formas dos sujeitos experienciarem suas vidas tratandose dos respectivos contextos geográficos São por esses caminhos que buscamos interpretar a realidade das mulheres maputenses moçambicanas ao ponto que outras conjunturas que se fazem associadas que partam da realidade das mesmas e que considerem seus modos espaciais de Saúde Soc São Paulo v33 n3 e230297pt 2024 4 existência em relação ao processo de saúde e doença sejam levadas em conta Guimarães 2019 Materiais e métodos A realidade do HIVSIDA encontrada em Moçambique se torna cada vez mais expressiva para as mulheres Estavela Seidl 2015 o que aguçou em nós a necessidade de aprofundamento teórico para a sua compreensão altamente complexa Isso fez com que buscássemos entender o contexto geográfico do HIVSIDA por caminhos trilhados como passos metodológicos Nesse sentido foi necessário avançarmos para além das questões estatísticas sendo necessário compreender os sujeitos que conjecturam esses elementos e mais do que isso buscar entender as configurações estruturantes dos contextos geográficos que são produzidos relacionalmente por essas pessoas Guimarães 2015 Pedroso 2022 Guimarães et al 2023 Ao partirmos dessas premissas reforçamos a ideia de que é importante adentrar no contexto geográfico de modo que haja a interação sobretudo com as pessoas e com os serviços de saúde levando em conta as estruturas que dão base para a formação da realidade investigada Foi necessário estabelecer um raciocínio pautado no agenciamento desses elementos e partindo desse pressuposto nos debruçamos sobre as iniquidades presentes na interação HIVSIDA e gênero com enfoque na luta das mulheres maputensesmoçambicanas contra as estruturas condicionantes Maúngue 2020 Este trabalho tomou como base a abordagem qualitativa de pesquisa que aconteceu a partir da triangulação metodológica Tuzzo Braga 2016 vislumbrando a interpretação da realidade a partir das vivências e das experiências de representantes e lideranças dos serviços de saúde que se dedicam às questões do HIVSIDA em mulheres na Cidade de Maputo Para isso foi necessário aplicar esforços na implementação de estratégias de investigações prévias à aproximação com o reconhecimento a testagem e o estabelecimento de contatos sendo ações importantes para uma construção qualificada dos processos empíricos Minayo 1994 Como Quem e Por que passos metodológicos e interação com o contexto As ações empíricas foram materializadas por meio de inúmeros trabalhos de campo de modo que tal processo permitiu de forma contínua o estabelecimento de reflexões ativas entre o teórico e o prático Zusman 2011 A respeito dos passos metodológicos é preciso evidenciar as dificuldades iniciais de aproximação e estabelecimento de vínculos com as representantes e lideranças dos serviços de saúde Tais dificuldades decorreram de uma excessiva burocratização documental desencontros de agenda e certo estranhamento pelo fato de sermos pesquisadores do campo das ciências humanas interessados em temáticas atinentes ao HIVSIDA o que a priori foi interpretado como algo incomum Nesse âmago cabe salientar que as ações exigidas foram de caráter formal e gradativo levando em consideração que algumas instituições requereram a submissão do projeto de pesquisa de cartas de apresentação e de ofícios institucionais tendo por finalidade a análise e aprovação para início das atividades A partir dessas prerrogativas metodológicas desenvolvemos por um período de quatro meses e meio as atividades de campo permeadas por leituras visitas técnicas encontros de aproximação participação de eventos e reuniões bem como a realização das entrevistas As primeiras ações em campo estiveram lastreadas pela aproximaçãointeração com os contatos iniciais se dando através de pesquisadorases que já detinham conhecimento direto sobre a realidade por nós investigada Essa relação criou estratégias e direcionamentos que garantiram a interlocução com pessoaschave diretamente conectadas à proposta central Assim conseguimos adentrar uma rede de sociabilidade que garantiu indicações e apresentações de pessoas sendo essas especialistas funcionárias públicas de saúde e ativistas que lidam diariamente com as questões do HIVSIDA em mulheres Durante a realização dessas etapas fomos prontamente recebidos por todas as participantes Saúde Soc São Paulo v33 n3 e230297pt 2024 5 que aceitaram compor a pesquisa de imediato não exitando em oportunizar diálogos ricos e profundos sobre a realidade das mulheres que vivem com HIV SIDA na Cidade de Maputo Inicialmente as ações supracitadas nos permitiram construir importantes vínculos de caráter contínuo viabilizando a realização de entrevistas com as representantes dos serviços de saúde e ativistas com preocupação em estabelecer reflexões a respeito dos contextos geográficos de mulheres que vivem com HIVSIDA na Cidade de Maputo Moçambique Nesse âmbito vale evidenciar que efetuamos três encontros com cada participante da pesquisa a saber 1 o primeiro dedicado à apresentaçãoaproximação 2 o segundo voltado à realização das entrevistas e 3 o terceiro empenhado na devolutiva das análises realizadas enquanto resultados Para tanto foi construído um roteiro contendo questões estruturadas por campos temáticos que nos serviram enquanto eixos norteadores das narrativas uma vez que estiveram dedicados a temas estruturais como o HIVSIDA gênero cultura e serviços de saúde Esse processo foi gestado pelos pesquisadores tendo em vista a construção das entrevistas por meio de perguntas que compunham um roteiro semiestruturado Manzini 1991 Sob essas proposições fizemos uso de recursos tecnológicos de gravação áudio para registar os relatos produzidos em campo e esses foram transcritos buscando captar fielmente os detalhes presentes na entrevista Também fizemos uso do diário de campo para o registro de dados nãograváveis expressões sentimentos movimentos etc Por meio dessa abordagem salientase que não propomos uma análise amostral probabilística e ou estatística prévia pois compreendemos que o universo de pesquisa investigado bem como as estratégias utilizadas requeriam outros caminhos metodológicos Frente a isso priorizamos a realização das entrevistas pela acessibilidade e conveniência dos envolvidos pois é por essa via que o pesquisador seleciona os elementos a que tem acesso e admite que possam representar o universo Pessôa Ramires 2013 p 122 investigativo tanto o que versa sobre as potencialidades quanto aquilo que é atinente às limitações da pesquisa A partir de tais embasamentos teórico metodológicos garantimos a participação de seis entrevistadas que lidam diretamente com as questões do HIVSIDA em suas ações de trabalho atuação pesquisa e militância destacando o ponto de que as participantes apresentam contato direto com as questões atinentes a mulheres vivendo com HIV SIDA residente na Cidade de Maputo Moçambique como pode ser observado no quadro 1 que apresenta o perfil das entrevistadas Quadro 1 Perfil das entrevistadas Identificação Sexo Formação Local de atuação Entrevistada X Feminino Geógrafa Universidade Eduardo Mondlane UEM Women and Law in Southern Africa Research and Education Trust WLSA Entrevistada O Feminino Enfermeira Associação das Parteiras da Cidade de Moçambique APARMO Centro de Saúde 1 de Maio Entrevistada J Feminino Ativista Associação Hixikanwe Entrevistada A Feminino Saúde Pública Programa de Controle de ITSHIVSIDA Ministério da Saúde MISAU Entrevistada E Feminino Assistente Social Serviços de Saúde da Cidade de Maputo Departamento de Saúde Maternoinfantil Entrevistada S Feminino Médica Serviços de Saúde da Cidade de Maputo Departamento de HIVSIDA Fonte elaborado pelos autores Saúde Soc São Paulo v33 n3 e230297pt 2024 6 Como acima mencionado as entrevistas foram regidas tendo como instrumento operacional metodológico os roteiros semiestruturados Manzini 1991 o que garantiu a articulação de inúmeras facetas acerca da vida das mulheres que vivem com HIVSIDA na região abordada Tais elementos possibilitaram um rico e plural diálogo com diferentes frentes de ação relacionadas ao combate dessa epidemia e suas respectivas relações de gênero o que proporcionou trocas profundas por meio das narrativas construídas Cabe mencionar que as entrevistas foram realizadas a partir da promoção de constantes encontros com cada participante no período de setembro a dezembro de 2019 Ainda nesse âmago se faz necessário salientar que as entrevistas individuais em média tiveram a duração aproximada de uma hora o que rendeu intensos esforços no realizar das transcrições já que consideramos esse processo metodológico como uma préanálise dos dados produzidos Enfim os processos acima mencionados nos permitiram centralizar esforços nas questões metodológicas atinentes à sistematização e à organização dos dados qualitativos Para a realização dessa tarefa foi necessário o aprofundamento na Análise do Discurso AD o que possibilitou imersão nos recursos linguísticos e nas distintas possibilidades de investigação dos materiais Maingueneau 1997 Essa estratégia metodológica visou a organicidade das falas enunciados e evocações e a interpretação dos sentidos e conexões que são estabelecidos nos discursos dos sujeitos À vista disso a AD configurou para esse trabalho a elaboração de um corpus discursivo que foi entendido por nós enquanto um arquivo que aglutina informações articuladas dialogicamente a outros elementos outros discursos e diferentes sujeitos enunciadores em tempos distintos Isso nos exigiu enquanto pesquisadores o protagonismo em assumir as interpretações construídas a partir dos textos visto que tal exercício só pode ser atingido por meio de movimentos hermenêuticos em espiral que em cada nova retomada do fenômeno possibilitada uma compreensão mais radical e aprofundada Moraes 2003 p 201 Por esse caminho tivemos como pretensão central elucidar as consequências que a camada feminina da população moçambicana residente da Cidade de Maputo vem sofrendo com o acometimento dessa doença visto que se mostra cada vez mais agressiva Maúngue 2020 Assim é necessário levar em consideração as vivências das mulheres a partir da ótica dos serviços de saúde uma vez que essa dimensão se faz de suma importância na composição do contexto geográfico das mulheres moçambicanas que vivem com HIVSIDA pois compõe a esfera política de enfrentamento da pandemia Perspectivas e discursos acerca das mulheres vivendo com HIVSIDA na Cidade de Maputo Moçambique Para iniciarmos esta reflexão é necessário compreender que majoritariamente o perfil dos casos notificados de SIDA em mulheres está diretamente atrelado à fatores que corroboram à situação de vulnerabilidade entendido que a infecção pelo HIV e o adoecimento é resultado de um conjunto de características dos contextos político econômico e socioculturais que ampliam ou diluem o risco individual Buchalla Paiva 2002 p 118 Isso leva em conta uma série de elementos que atravessam a vida dos sujeitos de diferentes formas Um exemplo é a realidade experienciada por grande parte das mulheres moçambicanas analisando que as notificadas com o HIVSIDA apresentam menor grau de escolaridade que os homens sob as mesmas condições relações de dependência econômica responsabilização compulsória pela prole e seus cuidados etc Esses elementos condicionam as mulheres a situações menos privilegiadas tornando as mais vulneráveis à infecção Andrade Iriart 2015 Nesse sentido cabe destacar que o diálogo construído quando pautado o recorte analítico da Cidade de Maputo manteve lastro com as escalas geográficas que sustentam as respectivas análises com as constituições dos discursos ora se dedicando à realidade geral de Moçambique ora se aprofundando no contexto específico da capital como podemos observar ao realizarmos a primeira indagação acerca da situação do HIVSIDA no país Ao pensarmos tais movimentos como processos relacionais as colocações da Entrevistada E se fazem Saúde Soc São Paulo v33 n3 e230297pt 2024 7 pertinentes visto que apresenta não só o contexto de Moçambique em relação aos outros países africanos mas também evidencia a realidade vivida na Cidade de Maputo o que possibilita uma interpretação geográfica entre o local global Massey 2008 acerca do fenômeno do HIVSIDA Em Moçambique no geral a situação do HIV tem estado a aumentar apesar de que algumas províncias têm prevalências altas outras têm prevalências baixas mas concretamente para nós na Cidade de Maputo nossa prevalência é alta porque é a grande cidade onde todo mundo vem para aqui E também tem a nossa vizinhança com outro país com a África do Sul e isso faz com que a nossa província tenha índices elevados de HIV SIDA Entrevistada E 2019 As argumentações da Entrevistada E caracterizam as relações fluxos e escalas que permeiam a complexidade do HIVSIDA em Moçambique mormente na Cidade de Maputo uma vez que não despreza a realidade experienciada pela população moçambicana Assim tal complexidade é intrínseca do contexto geográfico moçambicano o que acaba por conferir características que transitam entre o geral e o específico dado que a realidade de Moçambique bem como a da Cidade de Maputo são expressivas frente aos registros e notificações dos casos ao longo dos anos Nesse sentido também é preciso considerar outras problemáticas que fazem parte dessa conjuntura como os valores sociais e culturais e os de gênero e sexualidade assim como as questões da vulnerabilidade e os diversos estigmas e preconceitos atinentes ao HIVSIDA A tendência da feminização do HIVSIDA é encontrada em toda a África subsaariana onde as mulheres representam 58 do total de pessoas vivendo com HIV e também em todas as regiões de Moçambique tendo como via de transmissão predominante as relações heterossexuais Andrade Iriart 2015 p 566 Relações de gênero e seus contextos geográficos É extremamente relevante refletir do ponto de vista espacial sobre a vulnerabilidade e as questões de gênero vivenciadas pelas mulheres moçambicanas em relação ao HIVSIDA Estavela Seidl 2015 Assim é preciso focalizar as relações existentes entre a conceituação de vulnerabilidade gênero e HIVSIDA já que se atravessam e se encontram no fenômeno da feminização da doença Silva et al 2007 Passador 2010 como nos explica as entrevistadas X e J Eu te digo que não é diferente dos outros países da África Austral salvo que aqui a situação em termos da posição da mulher na sociedade e na construção das relações sociais entre homens e mulheres as relações de gênero é um bocadinho mais acentuado Acentuado em termos da discriminação e opressão que se faz ao entorno das mulheres Por isso que tu tens uma feminização do SIDA que em outras partes do mundo não estão Entrevistada X 2019 A situação falando no contexto da mulher é uma situação que ainda precisa de muita luta principalmente para nós mulheres que trabalhamos na comunidade Então ainda é um grande desafio porquê o HIV já vivemos há muitos anos esta epidemia temos acima de vinte anos essa epidemia aqui em Moçambique mas é como se fosse uma coisa nova Então existem ainda muitos desafios que é para se estancar que é para manter as pessoas no tratamento para que elas próprias aceitem esta condição de serem seropositivas Entrevistada J 2019 As contribuições das entrevistadas X e J trazem para a discussão a questão de gênero com enfoque nas mulheres para o debate da epidemia na região analisada pois a feminização do HIVSIDA se faz um grave problema Maúngue 2020 A partir das falas é possível depreender que as reverberações acerca da epidemia mantêm estritos laços com as formas de estruturação da sociedade moçambicana que de modo geral reproduz a concepção socialpatriarcal e historicamente considera a população feminina subordinada e inferior aos homens reforçando a ideia de dominante e dominado Essa construção parte das prerrogativas do poder ou mesmo do exercício de poder entre os sujeitos Foucault 1979 Isso configura uma estruturação Saúde Soc São Paulo v33 n3 e230297pt 2024 8 assimétrica em que os envolvidos passam a viver sob desigualdade como nos explica Andrade e Iriart 2015 ao dizer que as desigualdades de gênero e de poder entre os sexos fazem com que recaia sobre as mulheres submetidas a julgamento moral a culpa pela infecção do HIV O desconhecimento de seus direitos leva a que muitas se vejam despossuídas de seus bens após a morte de seus maridos ou abandonadas por eles quando seu diagnóstico é revelado Andrade Iriart 2015 p 572 Assim sendo a relação de dominação mantém laços inerentes à construção social a partir dos gêneros sendo essa uma concepção que parte das diferenças entre os sexos e faz com que alguns estejam mais vulneráveis a situações do que outros Um exemplo disso é a infecção do HIVSIDA em mulheres moçambicanas Essas lógicas estruturantes condicionam o processo de feminização do HIVSIDA estando esse concatenado à vulnerabilidade de gênero como nos relata a Entrevistada A Apresenta um tipo de relação porque nós estamos a ver os níveis de infecção que tem se rebatido sobre as mulheres Tratase da vulnerabilidade ligada as mulheres e não somente pela sua estrutura pela sua fisiologia mas pela vulnerabilidade em termos de a maioria não ter ido à escola pelo seu nível de literacia ser muito inferior e algumas não serem alfabetizadas Você vê também os casamentos que são prematuros ou seja elas têm que estar dotadas de conhecimento sendo essa uma lacuna que nós encontramos apesar de que na generalidade o moçambicano não tem muita informação sobre o HIVSIDA e isso se incide ainda mais nas mulheres porque nós temos uma fragilidade muito grande Entrevistada A 2019 As contribuições da Entrevistada A perpassam a esfera do socialcoletivo e adentram a esfera da especificidade das mulheres de modo que elenca pontos estruturantes que elucidam a vulnerabilização delas em relação ao HIVSIDA como a desigualdade educacional Maúngue 2020 e a dependência econômica e marital Tais arranjos são resultantes da forma organizacional e cultural da sociedade moçambicana que de modo geral reforça a submissão da mulher Estavela Seidl 2015 tornando mais complexa e dificultosa sua capacidade de resposta em situações de vulnerabilidade como destacado nas falas das entrevistadas J e O Bem certas mulheres ainda conseguem dialogar mas as outras que em maioria estão nas zonas rurais acabam sendo dependentes mesmo aqui na Cidade de Maputo é uma dependência financeira não é Isso é o que faz com que as mulheres acabem aceitando a culpa sofrendo humilhações porque não querem perder o marido e também por causa do sustento dos filhos Entrevistada J 2019 Em relação a mulher é aquilo que eu havia falado é um desafio para que essa mulher consiga de fato trazer o parceiro ou consiga negociar o uso do preservativo tanto que mesmo para poderem negociar a vida sexual em casa é muito difícil porque aquilo que é a educação o que é oferecido como educação a nível da família quando a mulher casa Se nós conseguirmos esse exercício em que a mulher seja capaz de poder por si decidir já seria um passo enorme porque ela vai poder negociar o preservativo Se você não consegue negociar aquilo que é seu direito vai conseguir negociar preservativo São poucas são poucas as mulheres que conseguem negociar o preservativo com seu esposo em casa Entrevistada O 2019 As falas das entrevistadas J e O trazem elementos que são pertinentes para a discussão da realidade vivida pelas mulheres moçambicanas É a partir desses aspectos que o contexto geográfico se torna preponderante na análise uma vez que a forma que se debruça sobre as diferentes interfaces que compõem a realidade vivida pelos sujeitos sociais permite desempenhar uma interpretação situada e corporificada acerca do fenômeno experienciado Pedroso 2022 Tal conjuntura passa a ter materialidade quando nos dedicamos a pensar a concepção de gênero e seus rebatimentos na sociedade moçambicana sobretudo ao que se refere ao HIVSIDA e seus aspectos culturais Pensar essas configurações nos ajuda não somente a compreender o contexto geográfico Saúde Soc São Paulo v33 n3 e230297pt 2024 9 vivido pelas mulheres mas também a refletir ações que combatam o processo de vulnerabilização das mesmas tendo uma vez entendido que esses fatores se perpetuam pela desigualdade social e de gênero que mantém conexões com as dimensões políticas econômicas e culturais corroborando com a manutenção crescente da feminização do HIVSIDA Cruz e Silva et al 2007 Desse modo as colocações de Passador e Thomaz 2006 nos põem a refletir sobre a acurácia desta realidade evocada nas falas pois questiona a rápida associação que se faz entre relações de gênero ou masculinidades dentro de um modelo normativo ocidental e a expansão da epidemia que constitui mais do que nunca o resultado de uma visão etnocêntrica preconceituosa e essencialista com relação a essas esferas da vida social moçambicana e em menor medida uma forma de se associar com a diminuta elite urbana existente no país e que em grande medida também desconhece o universo rural ou aquele que povoa as periferias das cidades moçambicanas Passador Thomaz 2006 p 272273 Logo entendemos que é imprescindível a compreensão do contexto geográfico produzido socialmente para entender os fenômenos espaciais que ocorrem por decorrência dos sujeitos Isso se justifica porque essas relações são oriundas de um sistema opressor que por vezes condiciona as capacidades de respostas e ações das mulheres Essa prerrogativa é destacada na fala das entrevistadas A e E que alertam para questões que não necessariamente partem das mulheres mas que estão diretamente concatenadas as condições experienciadas na especificidade do espaço tempo conteúdo e agência do contexto geográfico moçambicano principalmente quando abordado o processo saúdedoença relacionado às questões de gênero e seus respectivos impactos como vemos a seguir Para o homem perder algum tempo dentro da unidade sanitária para ele é perder alguma coisa aquilo que é o sustento que tem que trazer já que é ele que tem a responsabilidade sobre a sua família O local de trabalho seu trabalho seja formal ou informal tem que ter condições de informar sobre os serviços de HIVSIDA para os homens Entrevistada A 2019 Essa parte sim porque o homem é o tal provedor principalmente em uma família que o homem trabalha mesmo tendo o HIV a mulher está aí para cuidar do seu marido mas se é a mulher em um casal serodiscordante quando foi a mulher que foi testada e saiu positivo e o homem naquele momento é negativo cria muito impacto sim Entrevistada E 2019 Os relatos das entrevistadas A e E apresentam especificidades que contribuem para a caracterização do contexto geográfico através do plano vivido no qual as relações acontecem no cotidiano Para além desses elementos é possível observar nas falas o peso e a importância do papel do homem na sociedade moçambicana principalmente na perspectiva patrilinear e como isso se torna um elemento estruturante na construção das masculinidades que acabam por impactar no processo de saúdedoença de homens e mulheres quando pautadas as questões do HIVSIDA Esse conjunto acaba por ser resultado da estruturação social do contexto moçambicano uma vez que o homem é tido como provedor econômico de todas as necessidades Essas relações distanciam os homens dos serviços e cuidados em saúde sobretudo os que são correlatos ao HIVSIDA fazendo com que recaia sobre as mulheres a responsabilidade desses cuidados majoritariamente de si e dasos filhasos Cruz e Silva et al 2007 HIVSIDA aspectos sociais e culturais nos contextos geográficos A presente conjuntura abordada traz alguns elementos sociais e culturais que são pertencentes a realidade de Moçambique de modo geral uma vez que há nuances e particularidades que podem ser acentuadas ou abrandadas conforme as características do contexto geográfico produzido As falas anteriores expressam o forte teor que a cultura desempenha nas relações de gênero em Moçambique dado que acaba por ser um pilar estruturante para a compreensão do contexto geográfico das mulheres que vivem com HIVSIDA na Cidade de Maputo Ao considerarmos tais elementos na referida realidade incorporamos a interpretação da cultura e as decorrentes influências sob o ponto de vista da saúde das mulheres uma vez que a Saúde Soc São Paulo v33 n3 e230297pt 2024 10 cultura se agrega a outros elementos que favorecem a epidemia do HIVSIDA Passador Thomaz 2006 Nesse sentido é preciso destacar que as contribuições acerca da cultura do gênero e do HIV SIDA são interconectadas porque perpassaram a reflexão desempenhada pelas entrevistadas e permitem estabelecer diferentes conexões e interpretações sobre esses quesitos na realidade moçambicana sobretudo o da Cidade de Maputo de modo que podemos observar esses pontos quando colocada a questão sobre a construção social e cultural de Moçambique em relação ao HIVSIDA Absolutamente absolutamente absolutamente porque o controle do corpo da mulher aqui em termos culturais é 500 é horrível porque o próprio rito de iniciação tem como objetivo fundamental estabelecer esse controle sobre a sexualidade sobre a reprodução e força de trabalho das mulheres por parte dos homens esse é o objetivo fundamental ou seja esses ritos de iniciação são de alguma maneira normativos para a identidade masculina e feminina em que esta identidade feminina deva ser culturalmente porque assim é e precisa se manter oprimida por parte da identidade masculina Entrevistada X 2019 No referido trecho a Entrevistada X relata sobre a realidade vivida pelas mulheres moçambicanas de forma que enfatiza a interrelação dos sujeitos por meio dos diferentes poderes que arregimentam a construção de gênero Foucault 1979 e salienta que eles ocorrem desde muito cedo nos ritos de iniciação sexual que doutrinam as mulheres por meio do controle estabelecido pela valoração do que é ser homem e mulher na sociedade moçambicana Além dessa construção basal são destacados outros elementos e práticas que se fazem presentes no contexto geográfico de Moçambique Lobolo Pitakufa Kudjinga como podemos observar nas falas das entrevistadas E e O que retratam sobretudo os rituais de purificação Em alguns aspectos culturais sim porque têm os casamentos prematuros início precoce das relações sexuais algumas tradições que nós temos como as cerimônias de purificação estes todos proporcionam e facilitam o HIV É comum você ver uma viúva que perdeu o marido por causa do HIV mas ela tem de fazer a cerimônia de purificação e na cerimônia de purificação não é aceito o uso de preservativo então a pessoa que vai fazer a cerimônia de purificação esta mais exposto a contrair o HIV Entrevistada E 2019 Em algum momento estabelece sim digo isso em relação a alguns rituais quando alguém perde o marido e depois tem que se ter um sucessor para fazer o ritual de purificação da viúva em que tem que ter um contato sexual com o familiar mais próximo do falecido A pessoa às vezes nem sabe e quem vai se infectar pode ser até ele que vem para purificar porque às vezes o senhor morreu de HIV e a mulher já esteja infectada E essa purificação não se pode usar preservativo E como é que fica Este que vai fazer a purificação sabe qual foi a doença que vitimou o outro Entrevista O 2019 As contribuições das Entrevistadas E e O estão direcionadas sobre algumas práticas que se fazem presentes na cultura moçambicana que acontecem no Centro e Sul do país nas quais segundo a tradição a mulher viúva deve aceitar ter relações sexuais sem proteção com um familiar do falecido marido PitakufaKudjinga Tratase de uma prática tradicional moçambicana quando o marido morre a viúva deve fazer sexo não protegido com o cunhado para purificála Se o ato for recusado pela viúva ela pode perder os bens da família retirados pelos familiares do falecido Estavela Seidl 2015 p 571 Algumas dessas práticas como os rituais de purificação embora possam não estar a ocorrer na Cidade de Maputo de alguma forma a sua influência pode ser sentida nesse contexto geográfico dado que o mesmo é parte da sociedade moçambicana Vias de fato algumas ações dentro dos ritos de iniciação e de purificação acabam por expor as mulheres a um maior risco à infecção ao HIVSIDA o que acaba por levantar um debate necessário e articulado ao contexto geográfico considerando o espaçotempo a cultura e a saúde dos sujeitos que produzem e vivenciam essa realidade Ainda nesse âmbito são importantes algumas chamadas de atenção pois não se pode estritamente culpabilizar ou mesmo criminalizar a cultura em relação ao HIVSIDA É necessário manter o Saúde Soc São Paulo v33 n3 e230297pt 2024 11 respeito às tradições e aos costumes cabendo um aprofundamento investigativo pois uma das consequências reverberadas são as intervenções que tendem a criar desconfiança e descontentamento na população alvo uma vez que esta sente que as suas crenças os seus valores e as lógicas que definem o seu ser e um contexto social harmonioso estão a ser desrespeitados Manuel 2011 p 347 Desse modo é necessário criar ações orientadoras que reduzam e minimizem os danos em saúde sem interferir diretamente na construção social e cultural dos sujeitos Esse debate toma corpo na fala das Entrevistadas A e S que advogam por essa construção Sim é aquilo que eu digo sempre existe aquilo que é a relação mas nós não podemos ver certas coisas como negativas na nossa cultura Nós temos que aceitar aquilo que vem dos nossos antepassados mas temos que saber como nós abordamos esses aspectos Por exemplo temos o hábito de dizer que os ritos de iniciação são prejudiciais por causa do HIVSIDA O que é prejudicial dentro dos ritos de iniciação pergunta retórica É isso que nós temos que discutir Agora há algumas práticas dentro daquilo que são os ritos de iniciação Essas que devem ser olhadas e analisadas isso não é um aspecto médico é um aspecto cultural é um aspecto da sociedade é antropológico do qual nós temos que estudar do qual nós temos que analisar Porque nós temos que entender somos africanos e temos nossos aspectos mas temos de ver o que é de negativo dentro desses aspectos Entrevistada A 2019 Nós temos aspectos culturais muito pessoais nós temos a sociedade construída de certa forma e depois vem a doença em cima Então o serviço de saúde tem que vir moldando todas essas coisas É claro que a saúde serviços não vai chegar e dizer que agora nós somos assim mas é preciso que nós através de tudo que já existe ainda assim conseguirmos fornecer cuidados Esse é o papel da saúde serviços dar um pacote de cuidados a todos independentemente das crenças de cada um e respeitando Entrevistada S 2019 Ambas as entrevistadas ressaltam em suas contribuições que os aspectos culturais devem ser cuidadosamente analisados quando intermediados pelas questões da saúde porque todos esses elementos são importantes para a elaboração de uma resposta efetiva à epidemia do HIVSIDA E mais do que isso chamam a atenção para que tipo de saúde deve ser construída e oferecida à população uma vez que os relatos apontam para a necessidade de um serviço geograficamente contextualizado com a realidade que se situa evidenciando que a proposta de saúde em si não deve ser hermética e cristalizada Guimarães 2019 Assim sendo as articulações destacadas em todos os relatos são de suma importância para a constituição de um serviço de saúde contextualizado à realidade pautada uma vez que passa a considerar as questões de gênero junto aos valores culturais moçambicanos enquanto parte da imprescindível resposta à epidemia do HIVSIDA Isso porque toma como ação a análise das práticas experienciadas pelas mulheres moçambicanas bem como pela população em geral o que pondera a necessidade de se manter um olhar geográfico na produção da saúde de diferentes grupos populacionais que permita assim uma leitura adequada do contexto geográfico do HIVSIDA na Cidade de Maputo bem como em toda a Moçambique Considerações finais O debate acumulado criou possibilidades de estabelecermos outros olhares para a realidade das mulheres que vivem com HIVSIDA na Cidade de Maputo uma vez que o raciocínio estabelecido esteve sustentado pelas relações existentes entre as questões de gênero cultura e saúde sob uma perspectiva geográfica de análise Assumir tal posição prefigura uma destacada importância bem como traz consigo grandes desafios porque se debruça sobre aspectos reais da vida dos sujeitos evidenciando a necessidade de aprofundamentos que partem de tensões entre a teoria e a prática O empreendimento dessa proposta esteve conectado a diferentes ações que por sua vez estiveram situadas em outros segmentos de compreensão sendo eles de espaçotempo conteúdo e agência Através desse movimento foi possível interpretar a realidade das mulheres residentes da Cidade de Maputo à luz da compreensão dos serviços Saúde Soc São Paulo v33 n3 e230297pt 2024 12 de saúde e nos pautamos sobre a percepção das profissionais eou representantes de instituições que estão envolvidos diretamente com a temática do HIV SIDA uma vez que são esses que lidam diariamente com as demandas que atravessam a vida delas Por meio dessas articulações construímos as interpretações acerca da vulnerabilidade de gênero vivida por essas mulheres em relação ao HIVSIDA com as entrevistas realizadas nos possibilitando debater as diferentes vulnerabilidades que se fazem presentes na vida das maputensesmoçambicanas Essa interpretação se configura por acreditarmos que tais relações são intrínsecas na dinamicidade dos fenômenos de saúde e doença o que corrobora para a compreensão das complexidades presentes nos contextos geográficos abordados Esse conjunto apresenta os avanços e dificuldades enfrentados em relação a epidemia do HIVSIDA tanto na Cidade de Maputo como também em Moçambique reforçando a importância da temática do HIVSIDA quando pautadas as vulnerabilidades de gênero já que essas mulheres experienciam dificuldades e opressões que são distintas de outros sujeitos Desse modo acreditamos que os esforços aqui empenhados apontam para caminhos ainda pouco abertos e que carecem de novas investigações dedicadas a elementos como o processo históricogeográfico de Moçambique os fluxos migratórios a saúde das mulheres jovens a saúde maternoinfantil o acesso e a adesão ao tratamento entre outros que assim venham garantir a contemplação da saúde universal das mulheres nos mais diferentes contextos geográficos Ainda nesse âmago relacional é possível destacar a necessidade de interpretação da realidade vivida pelos homens dado que eles mantêm relações socioculturais majoritariamente hierarquizantes com as mulheres principalmente como protagonistas das ações opressoras e dominadoras que as vulnerabilizam em relação ao HIVSIDA Por esse motivo salientamos a importância de se criar oportunidades de estudos que visem a compreensão contextual geográfica sobre o processo de formação e construção das masculinidades e dos espaços heteronormativos que acabam por apresentar rebatimentos significativos no processo de saúdedoença do HIVSIDA em Moçambique Portanto cremos que são essas perspectivas que devem ser incorporadas a políticas e práticas em saúde enquanto estratégias de intervenções política de saúde de modo que sejam capazes de retornar à população de forma eficaz ao estarem alinhadas às demandas específicas de espaçotempo conteúdo e agência do contexto geográfico em que se efetua o fenômeno Logo reforçamos a imprescindibilidade de fortalecer a interlocução entre os diferentes serviços de saúde e os movimentos sociaisativistas dedicados as questões do HIVSIDA para que assim sejam evidenciadas as diferentes vozes ou seja o que asos moçambicanasos têm a dizer promover e construir acerca das políticas que combatam a epidemia Com isso reiteramos que a organização dos serviços de saúde deve estar aparelhada em um movimento uníssono que considere os aspectos políticos econômicos sociais e culturais de forma que haja a possibilidade de transformações efetivas em seus contextos geográficos Referências ALLISON M HARPHAM T Southern African perspectives on the geography of health Health Place Oxford n 8 v 4 p 223225 2002 DOI 101016S1353829202000047 ALVES N C PEDROSO M F GUIMARÃES R B Corpos que falam interpretações geográficas entre saúde gênero e espaço Caderno Prudentino de Geografia Pesidente Prudente n 41 v 3 p 924 2019 Disponível em httpsrevista fctunespbrindexphpcpgarticleview6435 Acesso em 30 de setembro de 2020 ANDRADE R G 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Campinas Editora da Unicamp 1997 MANUEL S Políticas de HIV e SIDA e dinâmicas socioculturais em Moçambique notas para reflexão In BRITO L CASTELBRANCO C N CHICHAVA S FRANCISCO A Desafios para Moçambique 2011 Maputo IESE 2011 p 333351 MANZINI E J A entrevista na pesquisa social Didática São Paulo v 2627 p 149158 1991 Disponível em httpswwwmariliaunespbr HomeInstituicaoDocentesEduardoManzini Entrevistanapesqu isasocialpdf Acesso em 02 de fevereiro de 2018 MASSEY D Pelo espaço uma nova política da espacialidadeRio de Janeiro Bertrand Brasil 2008 MAÚNGUE H B A face feminina do HIV e SIDA um estudo sobre as experiências de mulheres infectadas pelo HIV na cidade de Maputo Moçambique 2015 Dissertação Mestrado em Sociologia Política Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis 2015 MAÚNGUE H B Mulher moçambicana cultura tradição e questões de género na feminização do HIVSIDA Revista Estudos Feministas Florianópolis n 28 v 1 e68328 2020 DOI 1015901806 95842020v28n168328 MINAYO M C S Ciência técnica e arte o desafio da pesquisa social In MINAYO M C S Org Pesquisa social teoria método e criatividade Petrópolis Vozes 1994 p 930 MORAES R Uma tempestade de luz a compreensão possibilitada pela análise textual discursiva Ciência Educação Bauru v 9 n 2 p 191211 2003 DOI 101590S151673132003000200004 PASSADOR L H A mulheres são más pessoas gênero e doença no sul de Moçambique Cadernos Pagu Campinas n 35 p 177210 2010 DOI 101590S010483332010000200007 PASSADOR L H THOMAZ O R Raça sexualidade e doença em Moçambique Revista Estudos Feministas Florianópolis n 14 v 1 p 263286 2006 DOI httpsdoi org101590S0104026X2006000100014 PEDROSO M F Contextos geográficos da AIDS e os espaços vividos por jovens com HIV em Presidente Prudente SP 2017 Monografia Graduação em Geografia Universidade Estadual Paulista UNESP Presidente Prudente 2017 PEDROSO M F Flores e dores vozes e vidas contexto geográfico de mulheres e suas experiências intereseccionais em Presidente Prudente SP 2022 Tese Doutorado em Saúde Soc São Paulo v33 n3 e230297pt 2024 14 Geografia Universidade Estadual Paulista UNESP Presidente Prudente 2022 PESSÔA V L S RAMIRES J C L Amostragem em pesquisa qualitativa subsídios para a pesquisa geográfica In MARAFON G J et al Org Pesquisa qualitativa em Geografia reflexões teóricoconceituais e aplicadas Rio de Janeiro EdUERJ 2013 p 117134 SILVA J M Um ensaio sobre a potencialidade do uso do conceito de gênero na análise geográfica Revista de História Regional Ponta Grossa v 8 n 1 p 3145 2003 Disponível em httpsrevistas2uepgbrindexphprhrarticle view2167 Acesso em 23 de janeiro de 2019 SILVA T C et al Representações e práticas da sexualidade entre os jovens e a feminização Contribuição dos autores Mateus Fachin Pedroso Conceitualização Curadoria de dados Análise Formal Aquisição de financiamento Investigação Metodologia Administração de projetos Recursos Programas Supervisão Validação Visualização Redação rascunho original Redação revisão e edição Raul Borges Guimarães Análise Formal Aquisição de financiamento Administração de projetos Recursos Supervisão Redação rascunho original Redação revisão e edição Boaventura Manuel Cau Curadoria de dados Análise Formal Metodologia Administração de projetos Supervisão Redação rascunho original Agradecimentos Agradecemos em primeira instância a todas as participantes que compartilharam conosco suas experiências É necessário também agradecer ao apoio institucional da Universidade Eduardo Mondlane UEM da Universidade Estadual Paulista FCTUNESP do MISAU Ministério da Saúde de Moçambique da Direcção de Saúde da Cidade de Maputo da Organização Women and Law in Southern Africa Research and Education Trust WLSA da Associação das Parteiras de Moçambique APARMO e da Associação Hixikanwe que garantiram articulação à pesquisa Também agradecemos a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo Fapesp pelo financiamento da pesquisa nacional e internacional 2018057062 2019050710 Recebido 05052023 Reapresentado 01092023 Aprovado 13052024 do SIDA em Moçambique Maputo WLSA Moçambique 2007 TUZZO S A BRAGA C F O processo de triangulação da pesquisa qualitativa o meta fenômeno como gênese Revista Pesquisa Qualitativa São Paulo v 4 n 5 p 140158 2016 Disponível em httpseditorasepqorgbrrpq articleview3831 Acesso em 29 de agosto de 2019 UNAIDS Global HIV AIDS statistics fact sheet 2019 Disponível em httpswwwunaidsorgenresources factsheet Acesso em 04 de setembro de 2020 ZUSMAN P La tradición del trabajo de campo em Geografía Geograficando Buenos Aires v 7 n 7p 1532 2011 Disponível em httpsedici unlpeduarhandle1091513996 Acesso em 13 de novembro de 2018