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Este artigo está licenciado sob a Creative Commons Attribution 40 Licence Ensaio sobre a relação entre desenvolvimento geográfico desigual e regionalização do espaço brasileiro p 2750 Como citar este artigo CRUZ R C A Ensaio sobre a relação entre desenvolvi mento geográfico desigual e regionalização do espaço bra sileiro Geousp Espaço e Tempo Online v 24 n 1 p 2750 abr 2020 ISSN 21790892 Disponível em httpswwwrevistasuspbrgeousparticle view155571 doi httpsdoiorg1011606issn21790892 geousp2020155571 Volume 24 nº 1 2020 ISSN 21790892 Rita de Cássia Ariza da Cruz Universidade de São Paulo São Paulo SP Brasil email ritacruzuspbr 0000000347265295 CRUZ R C A 27 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 Ensaio sobre a relação entre desenvolvimento geográfico desigual e regionalização do espaço brasileiro Resumo Neste artigo analisamos a regionalização do espaço brasileiro com base na noção de desenvolvimento geográfico desigual Partimos de regionalizações de diferentes épocas e autores fundamentadas em metodologias também diferentes e a partir daí dirigimos o olhar para o processo histórico de produção do espaço brasileiro considerando seus legados espaciais As noções de totalidade fragmentação do espaço e configuração geográfica são centrais para esta análise assim como as noções de divisão territorial do trabalho forças produtivas e condições gerais de produção Ao final sobrepomos cartograficamente informações acerca da distribuição geográ fica da força de trabalho no país a rede rodoviária federal e um indicador de renda de que resulta um mapa síntese da regionalização do espaço brasileiro Palavraschave Produção do espaço Configurações geográficas Desenvolvimento geográfico desigual Regionalização Brasil An essay on the uneven neven geographical development and the regionalization of Brazilian territory Abstract In this article we analyze the regionalization of Brazilian space based on the notion of uneven geographical development We start from regionalizations of Brazil from different times and authors based on different methodologies and from there we analyze the historical process of production of Brazilian space considering spatial legacies of this process The notions of totality space fragmentation and geographical configurations as well as the notions of Territorial Labor Division productive forces and production general conditions are central to the analysis undertaken In the end we graphically surpass information on the geographic CRUZ R C A 28 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 distribution of the workforce in the country the federal road network and an income indicator the result of which is presented in a Synthesis Map of Brazilian Space Regionalization Keywords Production of space Geographical configurations Uneven geographical development Regionalization Brazil Ensayo sobre la relación entre desarrollo geográfico desigual y regionalización del espacio brasileño Resumen En este artículo analizamos la regionalización del espacio brasileño basada en la noción de desarrollo geográfico desigual Partimos de las regionalizaciones del territorio de diferentes épocas y autores basados en diferentes metodologías y desde allí dirigimos nuestra mirada al proceso de producción histórico del espacio brasileño considerando los legados espaciales de este proceso Las nociones de totalidad fragmentación del espacio y configuraciones geográficas son centrales para el análisis realizado al igual que las nociones de la División Territorial del Trabajo las fuerzas productivas y las condiciones generales de producción Al final superponemos cartográficamente información sobre la distribución geográfica de la fuerza laboral en el país la red vial federal y un indicador de ingresos cuyo resultado se presenta en un Mapa de Síntesis de la Regionalización del Espacio Brasileño Palabras clave Producción del espacio Configuraciones geográficas Desarrollo geográfico desigual Regionalización Brasil CRUZ R C A 29 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 Introdução O espaço é um produto da história com algo outro e algo mais que a história no sentido clássico do termo Henri Lefebvre 2008 Regionalizações do espaço brasileiro vêm sendo propostas desde meados do século XIX1 com diferentes finalidades destacandose entre estas a didática como a divisão regional de Delgado de Carvalho de 1913 e a metodológica como as divisões de Milton Santos de 1999 ou de Ruy Moreira de 2004 entre outras e no caso das regionalizações oficiais a finalidade da produção de estatísticas do planejamento ou do ordenamento territorial como as divisões regionais do Conselho Técnico de Economia e Finanças de 1939 ou do IBGE de 1942 1970 e 1990 por exemplo O ato de regionalizar pode portanto não ter a priori uma aplicação prática constituin dose como exercício intelectual que apenas se propugna a concorrer para um melhor enten dimento da realidade social e territorial sendo esse o exato propósito da regionalização objeto deste texto Nos termos de Haesbaert 2014 p 95 estaríamos tomando a região como um artifício um instrumento metodológico buscando responder a questões analíticas Sobre o que não existe dúvida é o fato de que o território brasileiro é marcado por um complexo conjunto de diferenças que envolvem desde características naturais base material original sobre a qual se desenrola a história até desigualdades socioespaciais que se revelam em todas as escalas geográficas de análise No que tange à natureza e se tratando de uma escala macrorregional essas diferenças foram objetivamente apontadas por Aziz AbSaber no mapeamento dos Domínios morfocli máticos brasileiros de 1965 mais tarde também chamados pelo próprio autor de domínios de natureza Segundo AbSaber haveria no Brasil seis grandes domínios amazônico cerrado mares de morros caatingas araucárias e pradarias majoritariamente separados por faixas de transição No decorrer do tempo essa base material natural originalmente muito pouco trans formada pelos povos que aqui viveram e viviam no momento da colonização foi cedendo lugar a paisagens cada vez mais humanamente produzidas Como afirmara Moraes 2008 p 70 acerca dos processos de colonização em geral A colonização pode finalmente ser equacionada como um processo de valoriza ção do espaço realizando todas as modalidades já descritas de tal relação apro priação de meios naturais transformação de tais meios numa segunda natureza apropriação destes meios naturais transformados produção de formas espaciais e apropriação do espaço produzido A importância que tiveram e têm as características naturais do território nos arranjos espaciais historicamente produzidos é reconhecida em maior ou menor grau por todos aqueles 1 De acordo com Guimarães 1941 em 1843 Friedrich Phillip Von Martius propôs uma divisão regional do Brasil indicando o estudo da história do país de forma pioneira com base em grupos regionais CRUZ R C A 30 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 que se propuseram a regionalizar o Brasil desde o século XIX Situado no plano das ideias esse processo revela a progressiva importância ao longo do tempo dos critérios sociais e econômi cos para a definição de grandes regiões brasileiras ao contrário das primeiras regionalizações sobretudo do fim do século XIX e das primeiras décadas do XX fortemente influenciadas pelo método positivista e consequentemente pelo peso atribuído à natureza no entendimento dos arranjos socioespaciais no território Não queremos com isso dizer que a natureza não desempenha nenhum papel na defi nição do desenvolvimento geográfico desigual mas sim que não se lhe pode atribuir sua razão de existir Ao lado do valor da força de trabalho dos custos de insumos intermediários dos níveis de demanda efetiva entre outros aspectos atuando conjuntamente a generosidade da natureza influi diretamente na definição da vantagem de uma localização para o capitalista Harvey 2013 p 495 A natureza sozinha entretanto pouco explica encontrandose no desenvolvimento geral das forças produtivas basicamente força de trabalho humana e meios de produção e nas condições gerais de produção2 um caminho analítico que nos permite dialetizar sua eventual generosidade Já na segunda metade do século XX destacamse algumas leituras do território brasileiro traduzidas numa regionalização de seu espaço Mapas 1A 1B 1C e 1D Uma delas jamais cartografada é a de Jacques Lambert 190119913 que pautado no reconhecimento da profunda desigualdade existente entre as porções sulsudeste e nortenor deste do país vislumbrou em 1953 a existência de dois Brasis Pouco mais de uma década depois4 em 1964 Pedro Pinchas Geiger 1922 definiu três regiões geoeconômicas baseando se na história da formação territorial e nos efeitos da industrialização no território brasileiro Fundado na noção de divisão territorial do trabalho DTT Roberto Lobato Corrêa 1939 identificou em sua proposta de regionalização de 1989 o que ele chamou de três Brasis bas tante semelhante à regionalização de Geiger com a diferença de haver optado por respeitar os limites estaduais Corrêa 1989 Em 1999 Milton Santos 19262001 propôs a existência de quatro Brasis levando em conta a geografização do meio técnicocientíficoinformacio nal pelas diferentes regiões brasileiras definidas pelo IBGE Santos Silveira 2001 Por fim em 2004 Ruy Moreira 1941 identificou tendências de regionalização5 relativas à DTT e o fez rompendo com os paradigmas das propostas anteriores desrespeitando limites estaduais sobrepondo regiões e definindo regiões não contíguas 2 De acordo com Lencioni 2007 p 5 as condições gerais de produção articulam o particular ao geral e podem ser agru padas em dois conjuntos o primeiro dizendo respeito àquelas condições que mantêm conexão direta com o processo de produção e circulação do capital como bancos alguns serviços e redes de circulação material e imaterial e o segundo relativo àquelas condições cuja conexão com o processo de produção e circulação são indiretas como escolas hospitais e centros de lazer esportivos e culturais a titulo de exemplo 3 No livro Os dois Brasis de 1957 originalmente editado na França em 1953 com o título Le Brésil structures sociales et institutions politiques 4 Durante o período em que trabalhava no IBGE 5 Essa proposta de regionalização está originalmente no texto A nova divisão territorial do trabalho e as tendências de configuração do espaço brasileiro do livro Brasil século XXI por uma nova regionalização publicado pelo PPGEOUFF em 2004 Para este artigo entretanto baseamonos no capítulo de mesmo nome e também de Ruy Moreira 2014 CRUZ R C A 31 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 Mapa 1 Regionalização do espaço brasileiro segundo A Pedro Pinchas Geiger 1964 B Roberto Lobato Corrêa 1989 C Milton Santos 1999 e D Ruy Moreira 2004 A B C D Embora nenhum desses autores tenha proposto regionalizar o Brasil a partir da noção de desenvolvimento geográfico desigual é notório que suas regionalizações expressam claramente o entendimento de que os processos socioeconômicoespaciais que marcaram e marcam o terri tório brasileiro produziram desigualdades que se manifestam também em uma escala regional Pressupostos teóricos e metodológicos Com o objetivo de nos aproximarmos de uma interpretação plausível da regionaliza ção do espaço brasileiro fundamos nossa análise nas noções de totalidade de desenvolvimento CRUZ R C A 32 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 geográfico desigual de produção do espaço e de configuração geográfica ou espacial Com a noção de totalidade pretendemos demarcar nossa visão de que o Estadonação brasileiro pode ser compreendido como uma totalidade em si ao mesmo tempo em que é contido pela totalida demundo ambas totalidades abertas e em movimento Lefebvre 1955 Lencioni 2015b A partir do preposto acima delimitamos uma primeira opção de método qual seja a de evitar expressões metafóricas como dois três ou quatro Brasis as quais se por um lado iluminam as profundas diferenças que marcam a nação brasileira por outro podem ofuscar as dimensões dialética e contraditória que a caracterizam como uma totalidade una Naturalmente os autores que as propuseram estavam cientes desse risco Por exemplo Milton Santos e María Laura Silveira 2001 p 268 enunciam sua proposta nos seguintes termos poderíamos assim grosseiramente e como sugestão para um debate reconhecer a existência de quatro Brasis Por outro lado pensando o lugar do Brasil no movimento da totalidademundo e as relações que se estabelecem entre a escala global e a escala da naçãoEstado é na noção de desenvolvimento geográfico desigual que encontramos guarida Considerando o espaço como sendo social e historicamente produzido nos termos de Lefebvre 2008 p 5557 ou seja de que vemos no espaço o desenvolvimento de uma atividade social pois toda sociedade produz um espaço é preciso reconhecer que as contradições do espaço não adviriam de sua forma racional tal como se revela nas matemáticas Elas advêm de seu conteúdo prático e social e especificamente do conteúdo capitalista Nesse sentido entendemos também que tal como coloca Milton Santos 1997 do processo social e histórico de produção do espaço resultam distintas configurações geográficas ou espaciais Essas configurações são refeitas pelas sociedades a cada momento seja do ponto de vista de sua existência material seja no que concerne a seus usos seus sentidos e seus signifi cados As configurações geográficas ligamse umbilicalmente às geografias produzidas pelo pro cesso de espacialização das forças produtivas e das condições gerais de produção no território Como afirma Santos 1997 p 2 cada lugar está sempre mudando de significação graças ao movimento social a cada instante as frações da sociedade que lhe cabem não são as mesmas Partindo do pressuposto de Milton Santos e aplicandoo à escala regional podemos dizer que além de datada historicamente toda regionalização será sempre uma tentativa de refletir uma realidade em permanente transformação Para Harvey 2013 p 479 a produção de configura ções espaciais pode então ser tratada como um momento ativo dentro da dinâmica temporal geral da acumulação e da reprodução social Isso porque a transformação radical das relações sociais que deriva da subordinação formal da atividade humana ao capital como afirma o autor não ocor reu de forma regular Segundo Harvey 2013 p 477 ela se moveu mais rápido em alguns lugares do que em outros tendo resistido mais fortemente aqui e sido mais bemvinda ali Assim é no entrelaçamento entre totalidademundo em movimento desenvolvimento geográfico desigual produção do espaço e configurações geográficas que embasamos nossa reflexão compreendendo que é desse entrelaçamento que resultam fragmentações do espaço total da naçãoEstado Brasil as quais têm sido expressas por meio de propostas de regionaliza ção tal como fizeram Geiger Corrêa Santos e Moreira entre tantos outros CRUZ R C A 33 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 O desenvolvimento geográfico desigual à brasileira Se o desenvolvimento geográfico desigual é por um lado compreendido desde os pri mórdios do século XX por pensadores como Lenin Trotsky Novack e Mandel como uma determinação do modo de produção capitalista o espaço por outro lado não é um mero recep táculo das ações humanas Pelo contrário há uma relação dialética entre sociedade e espaço um se realizando no outro e através do outro indicando a imanência da produção do espaço no processo de constituição da sociedade Carlos 2011 p 53 É nesse sentido que nos remetemos não apenas ao desenvolvimento geográfico desigual manifesto no território brasileiro mas também a um desenvolvimento geográfico desigual que chamamos de à brasileira ou seja caracterizado por particularidades do processo de produção do espaço que fazem do Brasil um caso único ainda que profundamente marcado por determi nações históricas gerais do passado e do presente A formação socioespacial brasileira cuja história remete à própria gênese do modo de pro dução capitalista é uma expressão concreta das transformações políticas econômicas sociocul turais e espaciais pelas quais passou o mundo nos últimos cinco séculos mas também é um retrato único de si mesma como toda formação socioespacial Abrigo de ordens distantes o território brasileiro segue revelando suas contradições internas ao mesmo tempo universais e particulares Ao refletir sobre a história colonial do país vale dizer que se por um lado à colônia cor responde a existência de uma metrópole por outro cada país colonizador possui a sua geopo lítica metropolitana Moraes 2008 p 6364 Mais ainda essa geopolítica não é indiferente aos territórios colonizados Ao contrário como afirma Prado Jr 2017 p 15 há um certo sentido da colonização pois todo povo tem na sua evolução vista à distância um certo sentido o qual se percebe não nos pormenores de sua história mas no conjunto dos fatos e aconteci mentos essenciais que a constituem num largo período de tempo Como afirma Moraes 1999 p 31 todos os fluxos de colonização do Novo Mundo partiram de centros de difusão assentados na costa que articulavam a hinterlândia explorada com as rotas oceânicas que alavancavam tal exploração E ainda no dizer do autor a forma ção territorial do Brasil teria sido típica no que tange à reiteração desse padrão colonial É o que em certo sentido também afirma Andrade 2004 p 35 O sistema colonial organizou o espaço de forma a que nele se fizesse a exploração das áreas ricas em produtos de interesse no mercado europeu ligando estas áreas a portos que desempenhavam a função de relais entre a hinterlândia e a metrópole Moreira 2014 p 3233 fala num modelo brasileiro de acumulação que difere do europeu dado que se assenta em um sistema agrícola montado pelo e em função do modo de produção o colonial agroexportador constituído basicamente de dois subsetores articulados a grande empresa agromercantil e a pequena lavoura de subsistência Contrapondo esse ao modelo clássico de acumulação Moreira 2014 p 37 afirma que por ser uma economia colo nial de grandes empresas agroexportadoras movidas inicialmente pelo trabalho escravo e a seguir por formas de relações de trabalho de cunho clientelista o quadro estrutural e conjuntural em que evolui a urbanoindustrialização é distinto daquele da Europa CRUZ R C A 34 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 Todavia ao longo de mais de cinco séculos de história o território brasileiro foi sendo reconfigurado entre heranças de um passado mais remoto e outras de tempos mais recentes amalgamadas a processos contemporâneos atrelados a lógicas próprias de um desenvolvimento geográfico desigual tal como descrito por Harvey e Smith Os Mapas 2 3 4A 4B e 5 expres sam em parte esses legados territoriais e as configurações geográficas deles decorrentes Divisão territorial do trabalho desenvolvimento geográfico desigual e configurações geográficas A organização do território brasileiro em municípios é indicativa da profunda diferença em termos de divisão políticoadministrativa entre suas porções ocidental e oriental esta última muito mais subdividida que a outra Como se pode notar no Mapa 2 é uma característica marcante das regiões Norte e CentroOeste a existência de municípios com territórios significativamente extensos em relação às dimensões territoriais de muitos localizados no que chamamos de porção oriental do país Essa divisão políticoadministrativa sugere também uma história territorial marcada por suces sivas divisões territoriais do trabalho e pelo desenvolvimento geográfico desigual das condições gerais de produção das quais decorrem outras diferenças espaciais e configurações geográficas Ressaltese o fato de que por mais de três séculos o Brasil foi uma colônia de explora ção a qual tal como outras colônias nessa condição devia seu dinamismo às possibilidades de acumulação Moraes 2008 p 67 que propiciava à metrópole Mapa 2 Brasil divisão municipal fonte Evolução da malha municipal 2018 Pela importância econômica que adquirira com a produção de canadeaçúcar a zona da mata nordestina teve um povoamento precoce em relação ao restante do território colonial É nesse CRUZ R C A 35 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 mesmo sentido que a região aurífera das Minas Geraes e outras destinadas à criação de gado entre outras regiões coloniais resultaram em fixação populacional e no surgimento de povoados muitas vezes alçados à condição de freguesias e de vilas6 de acordo com a legislação territorial vigente Uma segunda característica marcante da história territorial brasileira reside no fato de ter cabido a Portugal desde o Tratado de Tordesilhas 1494 a extensa faixa de terras entre esta linha imaginária e o atual litoral brasileiro Como coloca Prado Jr 2017 p 35 visando ocupação e defesa eficientes a dispersão do povoamento da colônia obrigou os colonizadores a encetar a colonização simultaneamente em vários pontos dela sendo esse o motivo da ado ção do sistema de capitanias hereditárias de 1530 como se sabe formado originalmente por 15 faixas de terra traçadas da costa até a linha imaginária de Tordesilhas De acordo com Moraes 2008 p 69 formavamse nas colônias de um modo geral zonas de difusão que o autor considera núcleos de assentamento original que servem de base para os movimentos expansivos posteriores No caso brasileiro esses núcleos foram pri meiramente litorâneos ainda no século XVI chegaram ao planalto como é o caso da Vila de São Paulo de Piratinynga fundada em 1560 e nos séculos seguintes foram adentrando o terri tório para muito além dos limites previstos por Tordesilhas A economia extravertida que caracterizou a colônia também favoreceu localidades litorâneas com função portuária contribuindo para consolidar um padrão espacial de ocupa ção territorial costeira Como resultado chegamos ao século XIX como apontara Prado Jr 2017 p 34 com uma população distribuída de forma bastante irregular pelo território ainda colonial Núcleos apenas alguns bastantes densos mas separados uns dos outros por largos vácuos de povoamento ralo se não inexistente O seu aspecto geral guardadas naturalmente as devidas proporções quantitativas é mais ou menos o mesmo de hoje Há uma flagrante semelhança entre a distribuição do povoamento naquele princípio do século XIX e a de nossos dias Salvo o adensamento posterior a estru tura geral do povoamento continua mais ou menos a mesma excetuase apenas a remodelação que sofreram o Sul e o CentroSul do país bem como esta região dos altos afluentes do Amazonas que hoje formam o território do Acre e que não fazia ainda parte do Brasil nem se achava ocupada O que se passa nos séculos seguintes definitivamente não desfaz completamente o quadro territorialdemográfico descrito acima Pelo contrario ele é reforçado por novos pro cessos econômicos da nação independente com grande concentração espacial e centralização de capitais promovidas pela atividade cafeeira e pelo processo de industrialização beneficiando sobretudo como se sabe estados das atuais regiões Sul e Sudeste do país Embora os escri tos originais de Prado Jr remetam à década de 1940 e a despeito de um recente processo de interiorização a população brasileira em geral e a população economicamente ativa PEA seguem distribuídas territorialmente de forma bastante irregular com uma clara concentração na porção oriental Mapas 7 e 8 6 A partir de 1891 chamados respectivamente de distritos e municípios CRUZ R C A 36 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 Mapa 3 Brasil densidade demográfica 2010 fonte Densidade demográfica 2012 No que tange às configurações geográficas propriamente ditas optamos metodologi camente por abordar dois aspectos que consideramos estruturantes a distribuição espacial da indústria e a rede de circulação Quanto à indústria nossa escolha se justifica pela relevância dessa atividade econô mica na organização do espaço brasileiro a partir do fim do século XIX No dizer de Moreira 2014 p 250 a industrialização representou uma ruptura na forma histórica de relação socie dadeespaço no Brasil em relação aos séculos anteriores E mais do que isso o processo de industrialização reorganizou o país regionalmente Como afirma o autor ao se referir às décadas de 195070 a revolução industrial brasileira desigualiza a estrutura industrial a favor de São Paulo subsidiariamente dos estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais Moreira 2014 p 257 Nas décadas seguintes a despeito da restrutração industrial pela qual passou o país envol vendo desconcentração espacial e perda relativa de importância da indústria na composição do PIB nacional Lencioni 2015a é preservada a hegemonia industrial da região Sudeste tanto no que toca ao volume da produção quanto no valor envolvido e no número de pessoas empregadas Ao analisar o novo mapa da indústria brasileira no início do século XXI Lencioni 2015a p 31 fala da importância da inovação na atividade industrial e entre outras conclusões afirma que os estabelecimentos industriais que implantaram inovação de produto eou processo concentramse em especial no SulSudeste do Brasil particularmente no estado de São Paulo Retratase assim uma grande desigualdade quanto à dis tribuição territorial das indústrias inovadoras aquelas com maiores possibilidades CRUZ R C A 37 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 de gerar riqueza Até porque são as de maior porte E é sabido também que elas têm maior potencial de mercado Do ponto de vista da inovação na atividade industrial somos um país muito desigual Os Mapa 4A e 4B expressam a concentração tanto da atividade industrial em geral como das atividades intensivas em conhecimento na porção oriental do território corroborando a leitura de Milton Santos quanto à existência de uma região concentrada formada pelas regiões Sudeste e Sul Mapa 4 Brasil A empresas industriais 2016 e B distribuição concentrada das atividades intensivas em conhecimento por estado em 20092011 fontes Mapa 4A Empresas industriais 2008 Mapa 4B Tunes 2015 Quanto às infraestruturas de circulação compreendidas como parte importante das con dições gerais de produção afirmam Santos e Silveira 2001 p 261 que hoje não basta produ zir pois seria uma característica do presente momento a necessidade de criar condições para maior circulação dos homens dos produtos das mercadorias do dinheiro de informação das ordens etc o que se traduz na criação ou aperfeiçoamento dos sistemas de engenharia que facilitam o movimento Conforme Santos 1996 p 219 é indispensável pôr a produção em movimento pois agora é a circulação que preside à produção Por outro lado afirmam Santos e Silveira 2001 p 261262 o processo de criação de fluidez em países de maior extensão territorial e com grandes disparidades regionais e de renda é seletivo e não igualitário sendo orientado basicamente por nexos econômicos sobretudo os da economia internacional As infraestruturas de circulação de mercadorias de pessoas de informação acom panham a concentração demográfica urbana e industrial que caracteriza o território bra sileiro como expresso no Mapa 5 Essas infraestruturas formam verdadeiras redes técnicas Santos 1996 as quais na atualidade segundo Arroyo 2015 p 42 enquanto sistemas de CRUZ R C A 38 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 engenharia modernos e complexos transmitem valor às atividades que delas se utilizam os lugares melhor dotados dessas infraestruturas serão mais disputados entre as empresas que entram no jogo da competitividade Mapa 5 Brasil redes de transporte 2014 fonte Théry MelloThéry 2018 As configurações geográficas produzidas pelas redes de circulação devem ser com preendidas portanto para além de sua simples materialidade e sim como expressões no ter ritório do poder das empresas e do Estado Como afirma Arroyo 2015 p 423 caminhos estradas de ferro canais rios dragados são entendidos como linhas de poder estratégico que configuram os territórios sendo central a participação do Estado no traçado na construção e na gestão da infraestrutura de transporte e comunicação Para Lencioni 2007 p 6 ao permitir a circulação da mercadoria e consequentemente sua realização no mercado as redes de circulação em conexão direta com o processo produtivo acabam sendo equipamentos prio ritários em detrimento de equipamentos coletivos de consumo relacionados indiretamente ao processo de produção Naturalmente o conjunto de aspectos abordados nesta seção divisão políticoadminis trativa municipal densidade demográfica indústria e redes de circulação tem uma existência profundamente imbricada além de só poder ser compreendido se se considerar sua natureza social e histórica e consequentemente conflituosa e contraditória Assim a sequência de mapas apresentados poderia levar a pensar na existência de dois Brasis não nos termos de Jacques Lambert dado que o autor apontou uma divisão entre nortenordeste regiões economicamente menos desenvolvidas e uma porção sulsudeste mais desenvolvida e próspera Em verdade CRUZ R C A 39 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 o que nos sugerem os Mapas 4A 4B e 5 assim como os Mapas 2 e 3 é a existência de um país cindido entre uma porção oriental concentradora da força de trabalho mais bem dotada de objetos técnicos relativos à atividade industrial e à circulação de pessoas e de mercadorias onde forças produtivas e condições gerais de produção se apresentam portanto mais den sas e outra porção ocidental com um território bem menos fragmentado do ponto de vista políticoadministrativo menos fluído Santos Silveira 2001 e menos denso no que tange à demografia assim como à presença de capital fixo relativo a atividades industriais como sis temas de engenharia que dão suporte à circulação onde consequentemente as condições gerais de produção encontramse menos desenvolvidas Embora não retratadas nos mapas são bastante conhecidas as profundas diferenças entre as porções leste e oeste do país no tocante à estruturação de sua rede urbana dada a forte concentração demográfica na porção oriental do território nacional Se entretanto por um lado as configurações geográficas do território brasileiro sugerem um sentido longitudinal de sua fragmentação a análise de aspectos socioeconômicos aponta efetivamente outro sentido latitudinal como indicara Lambert em que as regiões Norte e Nordeste se destacam por seus indicadores sociais piores que os apresentados pelas regiões CentroOeste Sudeste e Sul E é desse aspecto que tratamos no próximo tópico A desigualdade social e territorial brasileira A despeito das sete décadas que separam a análise de Jacques Lambert e o momento atual e não obstante as políticas distributivas de riqueza e de renda das últimas décadas o Brasil segue sendo um país bastante desigual e as diferenças sociais entre norte e sul são reafirmadas por estudos recentes Nesse sentido primeiramente precisamos demarcar nosso entendimento com base em Arretche 2015 p 194 de que a desigualdade não se restringe à renda pois no caso do acesso a serviços por exemplo pessoas com mesmos ganhos podem ter padrões de vida muito diferentes caso tenham distinto acesso Segundo Arretche 2015 p 195 no processo recente entre 1970 e 2010 de expansão das coberturas de acesso a serviços essenciais água esgoto e energia elétrica no Brasil houve melhora generalizada dos indicadores Porém ressalta que quando o ponto de partida são taxas muito baixas pode mesmo ocorrer aumento das desigualdades se essa expansão for concen trada em algumas jurisdições e outras forem deixadas para trás Apesar da melhora generalizada nos indicadores de desigualdade do período a desigual dade de riqueza medida pelo PIB per capita permaneceu rigorosa e escandalosamente estável Além disso aumentou a desigualdade entre os municípios brasileiros no que tange à concen tração da pobreza medida pelo percentual de indivíduos vivendo com renda inferior a meio saláriomínimo Arretche 2015 p 196 Baseada nos dados dos Censos Demográficos de 1970 1980 1991 2000 e 2010 Arretche 2015 p 201 grifo do original conclui que a redução da pobreza e da desigualdade de renda teve desigual distribuição territorial aumentando a distância entre áreas com menor e maior concentração de pobres As mais altas taxas de pobreza aponta estão concentradas CRUZ R C A 40 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 na região Nordeste e em parte das regiões Norte e Sudeste e essa geografia espelha uma alta desigualdade territorial no país Arretche 2015 p 204 Mapeamento realizado por Théry e MelloThéry 2018 Mapa 6A dá conta igual mente de um país cindido em norte e sul no que tange ao rendimento nominal médio mensal Segundo Guerra Pochmann e Silva 2014 p 11 no Brasil assim como na América Latina a primeira década do século XXI trouxe consigo o retorno do crescimento econômico combi nado com a redução da pobreza e da desigualdade social Porém continuam os autores não obstante o protagonismo da região persegue ainda formas antigas e modernas de manifestação da exclusão social Guerra Pochmann Silva 2014 p 12 Baseado no Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil desenvolvido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Pnud pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada Ipea e pela Fundação João Pinheiro FJP Boscariol 2017 identifica também uma certa fronteira regional entre uma porção norte e uma porção sul do país tendo esta última um melhor desempenho que a primeira no que tange ao índice de desenvolvimento humano munici pal IDHM Essa diferença entre territórios mais ao norte e outros a sul permanece a despeito do crescimento generalizado do IDHM para a quase totalidade dos municípios brasileiros e da diminuição das diferenças intra e interregionais entre 2000 e 2010 Boscariol 2017 Cabe ainda dizer que os autores citados neste artigo são unânimes em reconhecer que a desigualdade social no Brasil se manifesta em diferentes escalas ou seja os melhores indicadores alcançados por Sul e Sudeste não apagam uma realidade contraditória intrarregional segundo a qual mesmo onde figuram os melhores indicadores de riqueza e de renda existem inúmeras situações de pobreza ou de exclusão Guerra Pochmann Silva 2014 Mapa 6 Brasil A valor do rendimento nominal médio mensal 2010 e B distribuição espacial do IDHM no território nacional 2010 A B fontes Mapa 6A Théry MelloThéry 2018 Mapa 6B Boscariol 2017 CRUZ R C A 41 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 Por outro lado a cartografia da exclusão social no Brasil Mapas 6A e 6B assim como as análises de diferentes pesquisadores organizadas por Arretche 2015 não deixa dúvidas de que o Brasil permanece um país cindido no que tange a indicadores socioeconômicos entre uma porção norte e uma porção sul além das diferenças profundas que caracterizam internamente cada uma dessas grandes porções do território nacional Desenvolvimento geográfico desigual e regionalização do espaço brasileiro Como exposto até aqui o desenvolvimento geográfico desigual em território brasileiro manifestase de diferentes formas entre as quais destacamos de um lado as configurações geográficas que espelham a desigual distribuição espacial das condições gerais de produção pelo território nacional as quais por sua vez são resultantes das relações sociais de produção no desenrolar de processos históricos sociais e econômicos materializados no território Além disso o desenvolvimento geográfico desigual não pode ser descolado da desigualdade de renda como dimensão da iniquidade em sentido amplo É importante também demarcar que compreendemos que as configurações geográficas não são apenas marcas do passado e do presente cristalizadas no espaço posto que represen tam possibilidades para o futuro ao assumir o papel de vantagens comparativas na encarniçada disputa por investimentos Assim é considerando o encontro entre essas dimensões tangível e intangível do desenvolvimento geográfico desigual distribuição espacial da população em geral e da força de trabalho especificamente configurações geográficas e renda no processo histórico de produção do espaço que chegamos a uma regionalização do espaço brasileiro a qual nos ajuda a compreender melhor as contradições agudas que caracterizam nossa história ter ritorial e que se expressam no momento presente Para tanto a cartografia temática foi fundamental pois a partir dela buscamos sobrepor informações antes apresentadas e ana lisadas fragmentariamente De acordo com esse caminho analítico concebemos e confrontamos o Mapa 7 que reúne informações sobre renda média mensalPEA em números absolutosrede viária e o Mapa 8 baseado no método de clusters e que traz uma tipologia que reúne as variáveis densi dade renda média mensal e taxa de atividade7 7 A largura das barras expressa o perfil de cada grupo barras à direita indicam que nessa variável o grupo está acima da média e à esquerda abaixo da média N é o número de municípios que compõem cada grupo CRUZ R C A 42 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 Mapa 7 Brasil renda média mensal PEA e rede viária federal e estadual elaboração Hervé Théry 2020 Mapa 8 Brasil renda média mensal PEA e rede viária federal e estadual tipologia elaboração Hervé Théry 2020 CRUZ R C A 43 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 Como se vê os Mapas 7 e 8 dão uma visão clara da manifestação espacial da desi gualdade no território nacional considerandose as três variáveis primeiramente sobrepostas A forte concentração da PEA em regiões metropolitanas com destaque para São Paulo e Rio de Janeiro é uma expressão também da concentração demográfica em geral e da concentração de renda no país assim como da existência de uma rede urbana fortemente hierarquizada Além disso enquanto o Mapa 7 evidencia mais claramente uma fragmentação do espaço no sentido lesteoeste o Mapa 8 aponta as históricas cisões nortenordeste e sulsudeste a que se junta mais recentemente considerando melhores indicadores sociais a região CentroOeste Nessa busca pela manifestação do desenvolvimento geográfico desigual no território brasileiro concebemos e elaboramos um último mapa do qual se desdobram os Mapas 9 e 10 no qual pelo método coroplético sobrepusemos densidade demográfica renda e densidade de rodovias o que nos conduziu a uma visão complementar à revelada pelos Mapas 7 e 8 permi tindonos com base nos retratos do território nacional expressos nesses e também nos Mapas 2 3 4A 4B e 5 assim como no referencial bibliográfico em que se fundamentou nossa argu mentação chegar a uma proposta de regionalização Desenvolvimento geográfico desigual e regionalização do espaço brasileiro Mapa 9 Base CRUZ R C A 44 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 Mapa 10 Delimitação das regiões Mapa 11 Síntese da divisão regional do Brasil CRUZ R C A 45 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 Diferentemente de outras regionalizações e emprestando de Moacir Silva 19398 e de Aziz AbSaber 19659 a ideia de faixas de transição entendemos que ao tratar de aspectos sociohistóricoeconômicos a passagem de uma região para outra também é raramente abrupta sobretudo quando lidamos com a escala macrorregional Concluímos desse modo não existirem dois ou quatro Brasis mas sete grandes regiões que são fragmentos de um espaço total uma totalidade aberta una e contraditória em movimento entre as quais três regiões de transição que amalgamam características das grandes regiões com as quais fazem fronteira sem identificarse integralmente conforme critérios adota dos com uma ou com outra Ressaltese que não definimos limites precisos para cada uma delas pelo possível deslin damento de dados municipais Ao contrário conscientemente definimos esses limites com base nos mapas sínteses construídos para esta análise a partir da interpretação visual possibilitada pela cartografia temática Quanto à nomenclatura optamos por designar as regiões com nomes que remetem principalmente a sua posição geográfica no território nacional evitando supervalorizar uma ou outra de suas respectivas qualidades Exceção é feita à Amazônia dada a força histórica desse nome Por fim ressaltamos que estamos cientes de que toda macrorregionalização de um território com dimensões continentais como o Brasil implica um alto grau de generalização Embora as regiões Norte e Nordeste conforme divisão oficial do IBGE partilhem os piores desempenhos em termos de indicadores de renda do país há uma importante diferença entre elas do ponto de vista da distribuição espacial das forças produtivas e das condições gerais de produção sendo o Nordeste mais populoso mais industrializado e mais bem dotado de infraes truturas de circulação que o Norte Além disso ambas as regiões abrigam diferenças internas não negligenciáveis Somase a isso o fato de configurações geográficas e padrões de renda aproxi marem parte do estado do Pará das porções mais dinâmicas do que conhecemos por Nordeste Assim identificamos uma região que forma uma espécie de arco que abarca fragmentos de todos os estados nordestinos além de parte do Pará A essa região chamamos de Arco Atlântico O Arco Atlântico abriga porções do espaço geográfico brasileiro de ocupação bastante antiga séculos XVI e XVII no caso das localidades mais próximas ao litoral todas regiões metropolitanas do Nordeste assim como a RM de Belém destacandose ainda uma porção do sudeste do Pará que mantém forte relação com o Maranhão considerandose a exportação de ferro pelo Porto da Madeira assim como o processamento na cidade de São Luís da bauxita extraída de minas do oeste paraense Ao contrário de uma visão histórica desde a regionalização de André Rebouças de 1889 segundo a qual a Amazônia é vista com uma recorrente homogeneidade vislumbramos diversas Amazônias tal como Carlos Walter PortoGonçalves ainda que o caminho analítico per corrido aqui seja diferente do adotado pelo autor Vemos uma Amazônia Ocidental grosso modo porção oeste dos estados de Roraima Acre e Amazonas menos densamente ocupada menos dotada de infraestruturas de circulação rodoviária havendo que destacar a importância dos cursos 8 Moacir Silva 1939 p 93 parte da regionalização do Brasil de Delgado de Carvalho que considera cinco regiões e propõe o desmembramento de alguns estados entendendoos como zonas de transição 9 Entre as áreas nucleares dos domínios morfoclimáticos e fitogeográficos Aziz AbSaber 2003 p 23 apontou a exis tência de áreas de contato e de transição CRUZ R C A 46 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 fluviais para a circulação intrarregional e com piores indicadores de renda onde não se encontram atividades industriais relevantes na estruturação do espaço regional Por outro lado nos deparamos com outra Amazônia amalgamada ao chamado CentroOeste abarcando fragmentos dos estados do Acre porção leste incluindo a capital Rio Branco todo o estado de Rondônia e uma pequena área ao sul do Amazonas microrregião de Purus Essa região está estruturada pela atividade mineradora e pelo agronegócio industria lizado com densidades demográficas maiores assim como com melhores indicadores de renda embora a circulação territorial não tenha alcançado aí até os dias atuais o mesmo desenvolvi mento da região vizinha a leste Embora seu indicador de renda o inscreva entre as regiões mais ricas do país10 o Centro Oeste segundo o IBGE distanciase do Sudeste e do Sul em termos de concentração de PEA apenas cerca de 7 nessa região contra 43 e 7 no Sudeste e no Sul respectivamente11 de redes de circulação territorial cerca de 134 da extensão total das rodovias e de concentra ção espacial de empresas industriais Mapas 4A e 4B Por outro lado também se distancia da Amazônia Ocidental da Amazônia Oriental e do CentroNordeste no que tange ao indicador de renda Fortemente marcada pelo desenvolvimento do agronegócio essa região se distingue das circundantes pela industrialização maciça do campo contraditoriamente acompanhada de uma urbanização raquítica para usar uma expressão de Milton Santos Chamamos essa região de Arco CentroNorte Ainda na Amazônia encontramos uma região de transição entre a Amazônia Ocidental e o Arco Atlântico abrangendo todo o Amapá fragmentos a leste dos estados de Roraima com a capital Boa Vista e do Amazonas com a Região Metropolitana de Manaus grande parte do Pará e uma faixa a norte do Mato Grosso A essa região chamamos de Amazônia Oriental Essa porção do vasto território amazônico é geograficamente mais próxima do Nordeste e do Sudeste segundo o IBGE e está mais bem integrada à economia nacional destacandose a ati vidade agropecuária e mineradora Como uma região de transição uma de suas características é a aparente maior heterogeneidade interna destacandose contrastes significativos em termos demográficos de infraestruturas e de redes de circulação Regiões de transição chamam atenção para a plasticidade dos processos sociais que con trariam limites euclidianos e tensionam os estudos regionais Nessas regiões as densidades em termos de configurações geográficas são grosso modo intermediárias em relação às regiões que lhes são próximas É o que encontramos também entre as regiões do Arco Atlântico e SuSul onde se mesclam características marcantes de uma e de outra tal como indicadores demográ ficos médios e uma relativa densidade das redes de circulação rodoviária além de indicadores socioeconômicos mais heterogêneos em relação a seu respectivo entorno Tais pressupostos nos levaram a identificar outras duas regiões de transição a que esta mos chamando de CentroNordeste bastante extensa abarcando o estado de Tocantins e frag mentos ao sul dos estados do Maranhão e do Piauí oeste da Bahia norte de Goiás norte de 10 De acordo com a PNAD Contínua 2018 o rendimento médio mensal real da população residente com rendimento no Centro Oeste foi de R 244000 um pouco maior que na região Sul com R 240100 e um pouco menor que no Sudeste o maior do país com R 256300 Norte e Nordeste tiveram rendimentos médios de R 164600 e R 141200 respectivamente 11 Com base em dados da Rais 2015 Fapespa 2015 CRUZ R C A 47 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 MatoGrosso e a que chamamos de CentroAtlântica territorialmente menor que as outras duas situada entre o Arco Atlântico o CentroNordeste e o SuSul A região CentroNordeste caracterizase por um menor desenvolvimento das forças pro dutivas em relação às regiões com que faz limite Arco Atlântico CentroAtlântico e SuSul à exceção da Amazônia Oriental O agronegócio da soja e do algodão tem sido responsável por uma rápida e profunda transformação de parte dessa região onde todavia os indicadores de renda e as infraestruturas de circulação seguem sendo mais baixos em relação a regiões adja centes A única capital de estado nessa região é Palmas Já a região CentroAtlântica tem uma localização geográfica peculiar na porção oriental do território nacional e entre as duas regiões com os melhores indicadores em termos de desen volvimento das forças produtivas consideradas nesta análise força de trabalho inferida a partir de indicadores demográficos e rede de circulação rodoviária assim como melhor rendimento médio mensal Embora as condições de circulação sejam boas os indicadores de renda são piores que aqueles encontrados no Arco Atlântico e na região SuSul Por fim identificamos assim como outros autores que parte da região Sudeste e a região Sul conforme o IBGE formam juntas uma área densamente povoada qualitativa mente muito mais bem dotada de redes de circulação rodoviária que todas as outras regiões do Brasil além de abrigar os melhores indicadores de renda Tratase da região mais industrializada do país que concentra a indústria de alta tecnologia Mapa 4B e outras atividades intensi vas em conhecimento Grande parte dela coincide com aquela que Milton Santos chamou de Região Concentrada mas segundo nossa interpretação ela integra parte do estado de Goiás e o Distrito Federal dados sobretudo a densidade das redes de circulação e os indicadores de renda que a aproximam de estados do Sul e do Sudeste Ela também coincide parcialmente com a porção de território onde se sobrepõem na regionalização de Ruy Moreira as regiões do Polígono Industrial e do Complexo Agroindustrial Como dito anteriormente a esta mos chamando de região SuSul onde a partícula su indica sudeste A região SuSul abriga a única megarregião do país identificada por Lencioni 2015c p 11 composta pelas metrópoles de São Paulo e do Rio de Janeiro uma forma híbrida da urbanização regional com intensa integra ção produtiva forte interação com a economia global e grande densidade dos movimentos pen dulares É importante pontuar que a megarregião Rio de JaneiroSão Paulo organiza em grande parte toda a região SuSul considerando inclusive que seu raio de influência a extrapola muito Considerações finais As diferentes regiões brasileiras compreendidas assim a partir do desenvolvimento geo gráfico desigual são o resultado das relações sociais de produção ao longo do tempo histó rico incluindo o presente Além disso podem ser compreendidas tal como fizemos aqui como fragmentos de uma totalidade una contraditória e em movimento e por isso mesmo em permanente transformação As linhas divisórias que separam cada região da outra devem ser entendidas apenas como linhas imaginárias plásticas e flexíveis pois a nova divisão territorial do trabalho desfaz e refaz a organização espacial e a cada etapa a desigualdade sócioespacial é refeita a regionalização CRUZ R C A 48 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 é refeita desfazendo antigas regiões que tiveram existência sob outros processos e condições Corrêa 2001 p 199 Finalmente ressaltamos a importância dos exercícios intelectuais de regionalização que abrem perspectivas para compreendermos melhor o extenso território brasileiro e suas con tradições do passado e do presente sem fechar as largas portas abertas por todos aqueles que antes de nós se debruçaram sobre esse mesmo desafio Referências ABSABER A Os domínios de natureza no Brasil potencialidades paisagísticas São Paulo Ateliê 2003 ANDRADE M C A questão do território no Brasil São Paulo Hucitec 2004 ARRETCHE M Trazendo o conceito de cidadania de volta a propósito das desigualdades ter ritoriais In ARRETCHE M Org Trajetórias das desigualdades como o Brasil mudou nos últimos cinquenta anos São Paulo Ed UnespCEM 2015 p 193222 ARROYO M Redes e circulação no uso e controle do territórioIn ARROYO M CRUZ R C A Org Território e circulação a dinâmica contraditória da globali zação São Paulo Annablume 2015 p 3749 BEZZI M L Região uma revisão historiográfica da gênese aos novos paradigmas Tese Doutorado em Geografia Instituto de Geociências e Ciências Exatas Universidade Estadual Paulista Rio Claro 1995 BOSCARIOL R A Região e regionalização no Brasil uma análise segundo os resultados do índice de desenvolvimento humano municipal IDHM In MARGUTI B O COSTA M A PINTO C V S Territórios em números insumos para políticas públicas a partir da análise do IDHM e do IVS de municípios e das unidades da federação brasileira Brasília IpeaINCT 2017 v 1 p 185208 CARLOS A F A Da organização à produção do espaço no movimento do pensamento geográfico In CARLOS A F A SOUZA M L SPOSITO M E B Org A produção do espaço urbano agentes e processos escalas e desafios São Paulo Contexto 2011 p 5373 CLAVAL P Geoépistémologie Paris Armand Colin 2017 CORRÊA R L Trajetórias geográficas Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2001 CORRÊA R L A organização regional do espaço brasileiro Geosul Florianópolis v 4 n 8 p 716 1989 DENSIDADE DEMOGRÁFICA Densidade demográfica 2010 Brasília DF IBGE 2012 Disponível em httpsatlasescolaribgegovbrimagesatlasmapasbrasilbra sildensidadedemograficapdf Acesso em 10 mar 2020 CRUZ R C A 49 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 EMPRESAS INDUSTRIAIS Distribuição espacial da indústria 2016 Brasília DF IBGE 2018 Disponível em httpsatlasescolaribgegovbrimagesatlasmapasbra silbrasildistribuicaoindustriaspdf Acesso em 10 mar 2020 EVOLUÇÃO DA MALHA MUNICIPAL Brasília DF IBGE 2018 Disponível em httpsatlasescolaribgegovbrimagesatlasmapasbrasilbrasilevolucaomalhamuni cipalpdf Acesso em 10 mar 2020 FAPESPA FUNDAÇÃO AMAZÔNIA DE AMPARO A ESTUDOS E PESQUISAS População economicamente ativa segundo Brasil grandes regiões e unidades da fede ração 20112015 Belém Fapespa 2015 Disponível em httpwwwfapespapagov brsistemaspara2017tabelas9mercadodetrabalho6populacaoeconomicamente ativa20112015htm Acesso em 10 mar 2020 GEIGER P P Organização Regional do Brasil Revista Geográfica v 33 n 61 p 2557 1964 Disponível em httpwwwjstororgstable40991791seq1pagescantab contents Acesso em 10 mar 2020 GUERRA A POCHMANN M SILVA R Org Atlas da exclusão social no Brasil dez anos depois São Paulo Cortez 2014 v 1 GUIMARÃES F S M Divisão regional do Brasil Revista Brasileira de Geografia v III n 2 p 318373 1941 HAESBAERT R Regionalglobal dilemas da região e da regionalização na geografia con temporânea 2 ed Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2014 HARVEY D Os limites do capital Trad Magda Lopes São Paulo Boitempo 2013 LAMBERT J Os dois Brasis Rio de Janeiro InepMEC 1959 LEFEBVRE H Espaço e política Trad Margarida Maria de Andrade e Sérgio Martins Belo Horizonte Ed UFMG 2008 LEFEBVRE H La notion de totalité dans les sciences sociales Cahier Internationaux de Sociologie Nouvelle Serie v 18 p 5577 janjuin 1955 LENCIONI S Estado de São Paulo lugar de concentração da inovação e da intensidade tec nológica da indústria brasileira In SPÓSITO E S Org O novo mapa da indús tria no início do século XXI diferentes paradigmas para a leitura das dinâmicas territoriais do estado de São Paulo São Paulo Ed Unesp 2015a p 1334 LENCIONI S Totalidad y triadas comprendiendo el pensamiento de Lefebvre In MATOS C LINK F Lefebvre revisitado capitalismo vida cotidiana y el derecho a la ciudad Santiago CL Ril 2015b p 5777 LENCIONI S Urbanização difusa e a constituição de megarregiões o caso de São Paulo Rio de Janeiro Revista Eletrônica de Estudos Urbanos e Regionais Rio de Janeiro v 6 n 22 p 615 2015c CRUZ R C A 50 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 LENCIONI S Condições gerais de produção um conceito a ser recuperado para a compreen são das desigualdades de desenvolvimento regional Scripta Nova v XI n 24507 p 111 ago 2007 MARKUSEN A Região e regionalismo um enfoque marxista Espaço Debates v 1 n 2 p 6199 1981 MORAES A C R Território e história no Brasil 3 ed São Paulo Annablume 2008 MORAES A C R Contribuições para a gestão da zona costeira do Brasil elemen tos para uma geografia do litoral brasileiro São Paulo EduspHucitec 1999 MOREIRA R A formação espacial brasileira contribuição crítica aos fundamentos espa ciais da geografia do Brasil Rio de Janeiro Consequência 2014 MOURA R O complexo dialogo entre o urbano e o regional Revista Brasileira de Desenvolvimento Regional Blumenau v 4 n 2 p 526 2016 MOURA R LIRA S A Aplicação da análise exploratória espacial na identificação de confi gurações territoriais Revista Brasileira de Estudos Populacionais Rio de Janeiro v 28 n 1 p 153168 2011 PRADO JR C Formação do Brasil contemporâneo São Paulo Companhia das Letras 2017 SANTOS M Espaço e método 4 ed São Paulo Nobel 1997 SANTOS M A natureza do espaço São Paulo Hucitec 1996 SANTOS M SILVEIRA M L Brasil território e sociedade no início do século XXI Rio de Janeiro Record 2001 SILVA M M F Geografia dos transportes no Brasil Revista Brasileira de Geografia Rio de Janeiro IBGE v 1 n 2 p 8496 abr 1939 SMITH N Desenvolvimento desigual natureza capital e a produção de espaço Rio de Janeiro Bertand Brasil 1988 THÉRY H MELLOTHÉRY N A Atlas do Brasil 3 ed São Paulo Edusp 2018 TUNES R H Geografia da inovação território e inovação no Brasil no século XXI Tese Doutorado em Geografia Humana Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas Universidade de São Paulo São Paulo 2015
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Este artigo está licenciado sob a Creative Commons Attribution 40 Licence Ensaio sobre a relação entre desenvolvimento geográfico desigual e regionalização do espaço brasileiro p 2750 Como citar este artigo CRUZ R C A Ensaio sobre a relação entre desenvolvi mento geográfico desigual e regionalização do espaço bra sileiro Geousp Espaço e Tempo Online v 24 n 1 p 2750 abr 2020 ISSN 21790892 Disponível em httpswwwrevistasuspbrgeousparticle view155571 doi httpsdoiorg1011606issn21790892 geousp2020155571 Volume 24 nº 1 2020 ISSN 21790892 Rita de Cássia Ariza da Cruz Universidade de São Paulo São Paulo SP Brasil email ritacruzuspbr 0000000347265295 CRUZ R C A 27 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 Ensaio sobre a relação entre desenvolvimento geográfico desigual e regionalização do espaço brasileiro Resumo Neste artigo analisamos a regionalização do espaço brasileiro com base na noção de desenvolvimento geográfico desigual Partimos de regionalizações de diferentes épocas e autores fundamentadas em metodologias também diferentes e a partir daí dirigimos o olhar para o processo histórico de produção do espaço brasileiro considerando seus legados espaciais As noções de totalidade fragmentação do espaço e configuração geográfica são centrais para esta análise assim como as noções de divisão territorial do trabalho forças produtivas e condições gerais de produção Ao final sobrepomos cartograficamente informações acerca da distribuição geográ fica da força de trabalho no país a rede rodoviária federal e um indicador de renda de que resulta um mapa síntese da regionalização do espaço brasileiro Palavraschave Produção do espaço Configurações geográficas Desenvolvimento geográfico desigual Regionalização Brasil An essay on the uneven neven geographical development and the regionalization of Brazilian territory Abstract In this article we analyze the regionalization of Brazilian space based on the notion of uneven geographical development We start from regionalizations of Brazil from different times and authors based on different methodologies and from there we analyze the historical process of production of Brazilian space considering spatial legacies of this process The notions of totality space fragmentation and geographical configurations as well as the notions of Territorial Labor Division productive forces and production general conditions are central to the analysis undertaken In the end we graphically surpass information on the geographic CRUZ R C A 28 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 distribution of the workforce in the country the federal road network and an income indicator the result of which is presented in a Synthesis Map of Brazilian Space Regionalization Keywords Production of space Geographical configurations Uneven geographical development Regionalization Brazil Ensayo sobre la relación entre desarrollo geográfico desigual y regionalización del espacio brasileño Resumen En este artículo analizamos la regionalización del espacio brasileño basada en la noción de desarrollo geográfico desigual Partimos de las regionalizaciones del territorio de diferentes épocas y autores basados en diferentes metodologías y desde allí dirigimos nuestra mirada al proceso de producción histórico del espacio brasileño considerando los legados espaciales de este proceso Las nociones de totalidad fragmentación del espacio y configuraciones geográficas son centrales para el análisis realizado al igual que las nociones de la División Territorial del Trabajo las fuerzas productivas y las condiciones generales de producción Al final superponemos cartográficamente información sobre la distribución geográfica de la fuerza laboral en el país la red vial federal y un indicador de ingresos cuyo resultado se presenta en un Mapa de Síntesis de la Regionalización del Espacio Brasileño Palabras clave Producción del espacio Configuraciones geográficas Desarrollo geográfico desigual Regionalización Brasil CRUZ R C A 29 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 Introdução O espaço é um produto da história com algo outro e algo mais que a história no sentido clássico do termo Henri Lefebvre 2008 Regionalizações do espaço brasileiro vêm sendo propostas desde meados do século XIX1 com diferentes finalidades destacandose entre estas a didática como a divisão regional de Delgado de Carvalho de 1913 e a metodológica como as divisões de Milton Santos de 1999 ou de Ruy Moreira de 2004 entre outras e no caso das regionalizações oficiais a finalidade da produção de estatísticas do planejamento ou do ordenamento territorial como as divisões regionais do Conselho Técnico de Economia e Finanças de 1939 ou do IBGE de 1942 1970 e 1990 por exemplo O ato de regionalizar pode portanto não ter a priori uma aplicação prática constituin dose como exercício intelectual que apenas se propugna a concorrer para um melhor enten dimento da realidade social e territorial sendo esse o exato propósito da regionalização objeto deste texto Nos termos de Haesbaert 2014 p 95 estaríamos tomando a região como um artifício um instrumento metodológico buscando responder a questões analíticas Sobre o que não existe dúvida é o fato de que o território brasileiro é marcado por um complexo conjunto de diferenças que envolvem desde características naturais base material original sobre a qual se desenrola a história até desigualdades socioespaciais que se revelam em todas as escalas geográficas de análise No que tange à natureza e se tratando de uma escala macrorregional essas diferenças foram objetivamente apontadas por Aziz AbSaber no mapeamento dos Domínios morfocli máticos brasileiros de 1965 mais tarde também chamados pelo próprio autor de domínios de natureza Segundo AbSaber haveria no Brasil seis grandes domínios amazônico cerrado mares de morros caatingas araucárias e pradarias majoritariamente separados por faixas de transição No decorrer do tempo essa base material natural originalmente muito pouco trans formada pelos povos que aqui viveram e viviam no momento da colonização foi cedendo lugar a paisagens cada vez mais humanamente produzidas Como afirmara Moraes 2008 p 70 acerca dos processos de colonização em geral A colonização pode finalmente ser equacionada como um processo de valoriza ção do espaço realizando todas as modalidades já descritas de tal relação apro priação de meios naturais transformação de tais meios numa segunda natureza apropriação destes meios naturais transformados produção de formas espaciais e apropriação do espaço produzido A importância que tiveram e têm as características naturais do território nos arranjos espaciais historicamente produzidos é reconhecida em maior ou menor grau por todos aqueles 1 De acordo com Guimarães 1941 em 1843 Friedrich Phillip Von Martius propôs uma divisão regional do Brasil indicando o estudo da história do país de forma pioneira com base em grupos regionais CRUZ R C A 30 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 que se propuseram a regionalizar o Brasil desde o século XIX Situado no plano das ideias esse processo revela a progressiva importância ao longo do tempo dos critérios sociais e econômi cos para a definição de grandes regiões brasileiras ao contrário das primeiras regionalizações sobretudo do fim do século XIX e das primeiras décadas do XX fortemente influenciadas pelo método positivista e consequentemente pelo peso atribuído à natureza no entendimento dos arranjos socioespaciais no território Não queremos com isso dizer que a natureza não desempenha nenhum papel na defi nição do desenvolvimento geográfico desigual mas sim que não se lhe pode atribuir sua razão de existir Ao lado do valor da força de trabalho dos custos de insumos intermediários dos níveis de demanda efetiva entre outros aspectos atuando conjuntamente a generosidade da natureza influi diretamente na definição da vantagem de uma localização para o capitalista Harvey 2013 p 495 A natureza sozinha entretanto pouco explica encontrandose no desenvolvimento geral das forças produtivas basicamente força de trabalho humana e meios de produção e nas condições gerais de produção2 um caminho analítico que nos permite dialetizar sua eventual generosidade Já na segunda metade do século XX destacamse algumas leituras do território brasileiro traduzidas numa regionalização de seu espaço Mapas 1A 1B 1C e 1D Uma delas jamais cartografada é a de Jacques Lambert 190119913 que pautado no reconhecimento da profunda desigualdade existente entre as porções sulsudeste e nortenor deste do país vislumbrou em 1953 a existência de dois Brasis Pouco mais de uma década depois4 em 1964 Pedro Pinchas Geiger 1922 definiu três regiões geoeconômicas baseando se na história da formação territorial e nos efeitos da industrialização no território brasileiro Fundado na noção de divisão territorial do trabalho DTT Roberto Lobato Corrêa 1939 identificou em sua proposta de regionalização de 1989 o que ele chamou de três Brasis bas tante semelhante à regionalização de Geiger com a diferença de haver optado por respeitar os limites estaduais Corrêa 1989 Em 1999 Milton Santos 19262001 propôs a existência de quatro Brasis levando em conta a geografização do meio técnicocientíficoinformacio nal pelas diferentes regiões brasileiras definidas pelo IBGE Santos Silveira 2001 Por fim em 2004 Ruy Moreira 1941 identificou tendências de regionalização5 relativas à DTT e o fez rompendo com os paradigmas das propostas anteriores desrespeitando limites estaduais sobrepondo regiões e definindo regiões não contíguas 2 De acordo com Lencioni 2007 p 5 as condições gerais de produção articulam o particular ao geral e podem ser agru padas em dois conjuntos o primeiro dizendo respeito àquelas condições que mantêm conexão direta com o processo de produção e circulação do capital como bancos alguns serviços e redes de circulação material e imaterial e o segundo relativo àquelas condições cuja conexão com o processo de produção e circulação são indiretas como escolas hospitais e centros de lazer esportivos e culturais a titulo de exemplo 3 No livro Os dois Brasis de 1957 originalmente editado na França em 1953 com o título Le Brésil structures sociales et institutions politiques 4 Durante o período em que trabalhava no IBGE 5 Essa proposta de regionalização está originalmente no texto A nova divisão territorial do trabalho e as tendências de configuração do espaço brasileiro do livro Brasil século XXI por uma nova regionalização publicado pelo PPGEOUFF em 2004 Para este artigo entretanto baseamonos no capítulo de mesmo nome e também de Ruy Moreira 2014 CRUZ R C A 31 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 Mapa 1 Regionalização do espaço brasileiro segundo A Pedro Pinchas Geiger 1964 B Roberto Lobato Corrêa 1989 C Milton Santos 1999 e D Ruy Moreira 2004 A B C D Embora nenhum desses autores tenha proposto regionalizar o Brasil a partir da noção de desenvolvimento geográfico desigual é notório que suas regionalizações expressam claramente o entendimento de que os processos socioeconômicoespaciais que marcaram e marcam o terri tório brasileiro produziram desigualdades que se manifestam também em uma escala regional Pressupostos teóricos e metodológicos Com o objetivo de nos aproximarmos de uma interpretação plausível da regionaliza ção do espaço brasileiro fundamos nossa análise nas noções de totalidade de desenvolvimento CRUZ R C A 32 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 geográfico desigual de produção do espaço e de configuração geográfica ou espacial Com a noção de totalidade pretendemos demarcar nossa visão de que o Estadonação brasileiro pode ser compreendido como uma totalidade em si ao mesmo tempo em que é contido pela totalida demundo ambas totalidades abertas e em movimento Lefebvre 1955 Lencioni 2015b A partir do preposto acima delimitamos uma primeira opção de método qual seja a de evitar expressões metafóricas como dois três ou quatro Brasis as quais se por um lado iluminam as profundas diferenças que marcam a nação brasileira por outro podem ofuscar as dimensões dialética e contraditória que a caracterizam como uma totalidade una Naturalmente os autores que as propuseram estavam cientes desse risco Por exemplo Milton Santos e María Laura Silveira 2001 p 268 enunciam sua proposta nos seguintes termos poderíamos assim grosseiramente e como sugestão para um debate reconhecer a existência de quatro Brasis Por outro lado pensando o lugar do Brasil no movimento da totalidademundo e as relações que se estabelecem entre a escala global e a escala da naçãoEstado é na noção de desenvolvimento geográfico desigual que encontramos guarida Considerando o espaço como sendo social e historicamente produzido nos termos de Lefebvre 2008 p 5557 ou seja de que vemos no espaço o desenvolvimento de uma atividade social pois toda sociedade produz um espaço é preciso reconhecer que as contradições do espaço não adviriam de sua forma racional tal como se revela nas matemáticas Elas advêm de seu conteúdo prático e social e especificamente do conteúdo capitalista Nesse sentido entendemos também que tal como coloca Milton Santos 1997 do processo social e histórico de produção do espaço resultam distintas configurações geográficas ou espaciais Essas configurações são refeitas pelas sociedades a cada momento seja do ponto de vista de sua existência material seja no que concerne a seus usos seus sentidos e seus signifi cados As configurações geográficas ligamse umbilicalmente às geografias produzidas pelo pro cesso de espacialização das forças produtivas e das condições gerais de produção no território Como afirma Santos 1997 p 2 cada lugar está sempre mudando de significação graças ao movimento social a cada instante as frações da sociedade que lhe cabem não são as mesmas Partindo do pressuposto de Milton Santos e aplicandoo à escala regional podemos dizer que além de datada historicamente toda regionalização será sempre uma tentativa de refletir uma realidade em permanente transformação Para Harvey 2013 p 479 a produção de configura ções espaciais pode então ser tratada como um momento ativo dentro da dinâmica temporal geral da acumulação e da reprodução social Isso porque a transformação radical das relações sociais que deriva da subordinação formal da atividade humana ao capital como afirma o autor não ocor reu de forma regular Segundo Harvey 2013 p 477 ela se moveu mais rápido em alguns lugares do que em outros tendo resistido mais fortemente aqui e sido mais bemvinda ali Assim é no entrelaçamento entre totalidademundo em movimento desenvolvimento geográfico desigual produção do espaço e configurações geográficas que embasamos nossa reflexão compreendendo que é desse entrelaçamento que resultam fragmentações do espaço total da naçãoEstado Brasil as quais têm sido expressas por meio de propostas de regionaliza ção tal como fizeram Geiger Corrêa Santos e Moreira entre tantos outros CRUZ R C A 33 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 O desenvolvimento geográfico desigual à brasileira Se o desenvolvimento geográfico desigual é por um lado compreendido desde os pri mórdios do século XX por pensadores como Lenin Trotsky Novack e Mandel como uma determinação do modo de produção capitalista o espaço por outro lado não é um mero recep táculo das ações humanas Pelo contrário há uma relação dialética entre sociedade e espaço um se realizando no outro e através do outro indicando a imanência da produção do espaço no processo de constituição da sociedade Carlos 2011 p 53 É nesse sentido que nos remetemos não apenas ao desenvolvimento geográfico desigual manifesto no território brasileiro mas também a um desenvolvimento geográfico desigual que chamamos de à brasileira ou seja caracterizado por particularidades do processo de produção do espaço que fazem do Brasil um caso único ainda que profundamente marcado por determi nações históricas gerais do passado e do presente A formação socioespacial brasileira cuja história remete à própria gênese do modo de pro dução capitalista é uma expressão concreta das transformações políticas econômicas sociocul turais e espaciais pelas quais passou o mundo nos últimos cinco séculos mas também é um retrato único de si mesma como toda formação socioespacial Abrigo de ordens distantes o território brasileiro segue revelando suas contradições internas ao mesmo tempo universais e particulares Ao refletir sobre a história colonial do país vale dizer que se por um lado à colônia cor responde a existência de uma metrópole por outro cada país colonizador possui a sua geopo lítica metropolitana Moraes 2008 p 6364 Mais ainda essa geopolítica não é indiferente aos territórios colonizados Ao contrário como afirma Prado Jr 2017 p 15 há um certo sentido da colonização pois todo povo tem na sua evolução vista à distância um certo sentido o qual se percebe não nos pormenores de sua história mas no conjunto dos fatos e aconteci mentos essenciais que a constituem num largo período de tempo Como afirma Moraes 1999 p 31 todos os fluxos de colonização do Novo Mundo partiram de centros de difusão assentados na costa que articulavam a hinterlândia explorada com as rotas oceânicas que alavancavam tal exploração E ainda no dizer do autor a forma ção territorial do Brasil teria sido típica no que tange à reiteração desse padrão colonial É o que em certo sentido também afirma Andrade 2004 p 35 O sistema colonial organizou o espaço de forma a que nele se fizesse a exploração das áreas ricas em produtos de interesse no mercado europeu ligando estas áreas a portos que desempenhavam a função de relais entre a hinterlândia e a metrópole Moreira 2014 p 3233 fala num modelo brasileiro de acumulação que difere do europeu dado que se assenta em um sistema agrícola montado pelo e em função do modo de produção o colonial agroexportador constituído basicamente de dois subsetores articulados a grande empresa agromercantil e a pequena lavoura de subsistência Contrapondo esse ao modelo clássico de acumulação Moreira 2014 p 37 afirma que por ser uma economia colo nial de grandes empresas agroexportadoras movidas inicialmente pelo trabalho escravo e a seguir por formas de relações de trabalho de cunho clientelista o quadro estrutural e conjuntural em que evolui a urbanoindustrialização é distinto daquele da Europa CRUZ R C A 34 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 Todavia ao longo de mais de cinco séculos de história o território brasileiro foi sendo reconfigurado entre heranças de um passado mais remoto e outras de tempos mais recentes amalgamadas a processos contemporâneos atrelados a lógicas próprias de um desenvolvimento geográfico desigual tal como descrito por Harvey e Smith Os Mapas 2 3 4A 4B e 5 expres sam em parte esses legados territoriais e as configurações geográficas deles decorrentes Divisão territorial do trabalho desenvolvimento geográfico desigual e configurações geográficas A organização do território brasileiro em municípios é indicativa da profunda diferença em termos de divisão políticoadministrativa entre suas porções ocidental e oriental esta última muito mais subdividida que a outra Como se pode notar no Mapa 2 é uma característica marcante das regiões Norte e CentroOeste a existência de municípios com territórios significativamente extensos em relação às dimensões territoriais de muitos localizados no que chamamos de porção oriental do país Essa divisão políticoadministrativa sugere também uma história territorial marcada por suces sivas divisões territoriais do trabalho e pelo desenvolvimento geográfico desigual das condições gerais de produção das quais decorrem outras diferenças espaciais e configurações geográficas Ressaltese o fato de que por mais de três séculos o Brasil foi uma colônia de explora ção a qual tal como outras colônias nessa condição devia seu dinamismo às possibilidades de acumulação Moraes 2008 p 67 que propiciava à metrópole Mapa 2 Brasil divisão municipal fonte Evolução da malha municipal 2018 Pela importância econômica que adquirira com a produção de canadeaçúcar a zona da mata nordestina teve um povoamento precoce em relação ao restante do território colonial É nesse CRUZ R C A 35 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 mesmo sentido que a região aurífera das Minas Geraes e outras destinadas à criação de gado entre outras regiões coloniais resultaram em fixação populacional e no surgimento de povoados muitas vezes alçados à condição de freguesias e de vilas6 de acordo com a legislação territorial vigente Uma segunda característica marcante da história territorial brasileira reside no fato de ter cabido a Portugal desde o Tratado de Tordesilhas 1494 a extensa faixa de terras entre esta linha imaginária e o atual litoral brasileiro Como coloca Prado Jr 2017 p 35 visando ocupação e defesa eficientes a dispersão do povoamento da colônia obrigou os colonizadores a encetar a colonização simultaneamente em vários pontos dela sendo esse o motivo da ado ção do sistema de capitanias hereditárias de 1530 como se sabe formado originalmente por 15 faixas de terra traçadas da costa até a linha imaginária de Tordesilhas De acordo com Moraes 2008 p 69 formavamse nas colônias de um modo geral zonas de difusão que o autor considera núcleos de assentamento original que servem de base para os movimentos expansivos posteriores No caso brasileiro esses núcleos foram pri meiramente litorâneos ainda no século XVI chegaram ao planalto como é o caso da Vila de São Paulo de Piratinynga fundada em 1560 e nos séculos seguintes foram adentrando o terri tório para muito além dos limites previstos por Tordesilhas A economia extravertida que caracterizou a colônia também favoreceu localidades litorâneas com função portuária contribuindo para consolidar um padrão espacial de ocupa ção territorial costeira Como resultado chegamos ao século XIX como apontara Prado Jr 2017 p 34 com uma população distribuída de forma bastante irregular pelo território ainda colonial Núcleos apenas alguns bastantes densos mas separados uns dos outros por largos vácuos de povoamento ralo se não inexistente O seu aspecto geral guardadas naturalmente as devidas proporções quantitativas é mais ou menos o mesmo de hoje Há uma flagrante semelhança entre a distribuição do povoamento naquele princípio do século XIX e a de nossos dias Salvo o adensamento posterior a estru tura geral do povoamento continua mais ou menos a mesma excetuase apenas a remodelação que sofreram o Sul e o CentroSul do país bem como esta região dos altos afluentes do Amazonas que hoje formam o território do Acre e que não fazia ainda parte do Brasil nem se achava ocupada O que se passa nos séculos seguintes definitivamente não desfaz completamente o quadro territorialdemográfico descrito acima Pelo contrario ele é reforçado por novos pro cessos econômicos da nação independente com grande concentração espacial e centralização de capitais promovidas pela atividade cafeeira e pelo processo de industrialização beneficiando sobretudo como se sabe estados das atuais regiões Sul e Sudeste do país Embora os escri tos originais de Prado Jr remetam à década de 1940 e a despeito de um recente processo de interiorização a população brasileira em geral e a população economicamente ativa PEA seguem distribuídas territorialmente de forma bastante irregular com uma clara concentração na porção oriental Mapas 7 e 8 6 A partir de 1891 chamados respectivamente de distritos e municípios CRUZ R C A 36 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 Mapa 3 Brasil densidade demográfica 2010 fonte Densidade demográfica 2012 No que tange às configurações geográficas propriamente ditas optamos metodologi camente por abordar dois aspectos que consideramos estruturantes a distribuição espacial da indústria e a rede de circulação Quanto à indústria nossa escolha se justifica pela relevância dessa atividade econô mica na organização do espaço brasileiro a partir do fim do século XIX No dizer de Moreira 2014 p 250 a industrialização representou uma ruptura na forma histórica de relação socie dadeespaço no Brasil em relação aos séculos anteriores E mais do que isso o processo de industrialização reorganizou o país regionalmente Como afirma o autor ao se referir às décadas de 195070 a revolução industrial brasileira desigualiza a estrutura industrial a favor de São Paulo subsidiariamente dos estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais Moreira 2014 p 257 Nas décadas seguintes a despeito da restrutração industrial pela qual passou o país envol vendo desconcentração espacial e perda relativa de importância da indústria na composição do PIB nacional Lencioni 2015a é preservada a hegemonia industrial da região Sudeste tanto no que toca ao volume da produção quanto no valor envolvido e no número de pessoas empregadas Ao analisar o novo mapa da indústria brasileira no início do século XXI Lencioni 2015a p 31 fala da importância da inovação na atividade industrial e entre outras conclusões afirma que os estabelecimentos industriais que implantaram inovação de produto eou processo concentramse em especial no SulSudeste do Brasil particularmente no estado de São Paulo Retratase assim uma grande desigualdade quanto à dis tribuição territorial das indústrias inovadoras aquelas com maiores possibilidades CRUZ R C A 37 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 de gerar riqueza Até porque são as de maior porte E é sabido também que elas têm maior potencial de mercado Do ponto de vista da inovação na atividade industrial somos um país muito desigual Os Mapa 4A e 4B expressam a concentração tanto da atividade industrial em geral como das atividades intensivas em conhecimento na porção oriental do território corroborando a leitura de Milton Santos quanto à existência de uma região concentrada formada pelas regiões Sudeste e Sul Mapa 4 Brasil A empresas industriais 2016 e B distribuição concentrada das atividades intensivas em conhecimento por estado em 20092011 fontes Mapa 4A Empresas industriais 2008 Mapa 4B Tunes 2015 Quanto às infraestruturas de circulação compreendidas como parte importante das con dições gerais de produção afirmam Santos e Silveira 2001 p 261 que hoje não basta produ zir pois seria uma característica do presente momento a necessidade de criar condições para maior circulação dos homens dos produtos das mercadorias do dinheiro de informação das ordens etc o que se traduz na criação ou aperfeiçoamento dos sistemas de engenharia que facilitam o movimento Conforme Santos 1996 p 219 é indispensável pôr a produção em movimento pois agora é a circulação que preside à produção Por outro lado afirmam Santos e Silveira 2001 p 261262 o processo de criação de fluidez em países de maior extensão territorial e com grandes disparidades regionais e de renda é seletivo e não igualitário sendo orientado basicamente por nexos econômicos sobretudo os da economia internacional As infraestruturas de circulação de mercadorias de pessoas de informação acom panham a concentração demográfica urbana e industrial que caracteriza o território bra sileiro como expresso no Mapa 5 Essas infraestruturas formam verdadeiras redes técnicas Santos 1996 as quais na atualidade segundo Arroyo 2015 p 42 enquanto sistemas de CRUZ R C A 38 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 engenharia modernos e complexos transmitem valor às atividades que delas se utilizam os lugares melhor dotados dessas infraestruturas serão mais disputados entre as empresas que entram no jogo da competitividade Mapa 5 Brasil redes de transporte 2014 fonte Théry MelloThéry 2018 As configurações geográficas produzidas pelas redes de circulação devem ser com preendidas portanto para além de sua simples materialidade e sim como expressões no ter ritório do poder das empresas e do Estado Como afirma Arroyo 2015 p 423 caminhos estradas de ferro canais rios dragados são entendidos como linhas de poder estratégico que configuram os territórios sendo central a participação do Estado no traçado na construção e na gestão da infraestrutura de transporte e comunicação Para Lencioni 2007 p 6 ao permitir a circulação da mercadoria e consequentemente sua realização no mercado as redes de circulação em conexão direta com o processo produtivo acabam sendo equipamentos prio ritários em detrimento de equipamentos coletivos de consumo relacionados indiretamente ao processo de produção Naturalmente o conjunto de aspectos abordados nesta seção divisão políticoadminis trativa municipal densidade demográfica indústria e redes de circulação tem uma existência profundamente imbricada além de só poder ser compreendido se se considerar sua natureza social e histórica e consequentemente conflituosa e contraditória Assim a sequência de mapas apresentados poderia levar a pensar na existência de dois Brasis não nos termos de Jacques Lambert dado que o autor apontou uma divisão entre nortenordeste regiões economicamente menos desenvolvidas e uma porção sulsudeste mais desenvolvida e próspera Em verdade CRUZ R C A 39 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 o que nos sugerem os Mapas 4A 4B e 5 assim como os Mapas 2 e 3 é a existência de um país cindido entre uma porção oriental concentradora da força de trabalho mais bem dotada de objetos técnicos relativos à atividade industrial e à circulação de pessoas e de mercadorias onde forças produtivas e condições gerais de produção se apresentam portanto mais den sas e outra porção ocidental com um território bem menos fragmentado do ponto de vista políticoadministrativo menos fluído Santos Silveira 2001 e menos denso no que tange à demografia assim como à presença de capital fixo relativo a atividades industriais como sis temas de engenharia que dão suporte à circulação onde consequentemente as condições gerais de produção encontramse menos desenvolvidas Embora não retratadas nos mapas são bastante conhecidas as profundas diferenças entre as porções leste e oeste do país no tocante à estruturação de sua rede urbana dada a forte concentração demográfica na porção oriental do território nacional Se entretanto por um lado as configurações geográficas do território brasileiro sugerem um sentido longitudinal de sua fragmentação a análise de aspectos socioeconômicos aponta efetivamente outro sentido latitudinal como indicara Lambert em que as regiões Norte e Nordeste se destacam por seus indicadores sociais piores que os apresentados pelas regiões CentroOeste Sudeste e Sul E é desse aspecto que tratamos no próximo tópico A desigualdade social e territorial brasileira A despeito das sete décadas que separam a análise de Jacques Lambert e o momento atual e não obstante as políticas distributivas de riqueza e de renda das últimas décadas o Brasil segue sendo um país bastante desigual e as diferenças sociais entre norte e sul são reafirmadas por estudos recentes Nesse sentido primeiramente precisamos demarcar nosso entendimento com base em Arretche 2015 p 194 de que a desigualdade não se restringe à renda pois no caso do acesso a serviços por exemplo pessoas com mesmos ganhos podem ter padrões de vida muito diferentes caso tenham distinto acesso Segundo Arretche 2015 p 195 no processo recente entre 1970 e 2010 de expansão das coberturas de acesso a serviços essenciais água esgoto e energia elétrica no Brasil houve melhora generalizada dos indicadores Porém ressalta que quando o ponto de partida são taxas muito baixas pode mesmo ocorrer aumento das desigualdades se essa expansão for concen trada em algumas jurisdições e outras forem deixadas para trás Apesar da melhora generalizada nos indicadores de desigualdade do período a desigual dade de riqueza medida pelo PIB per capita permaneceu rigorosa e escandalosamente estável Além disso aumentou a desigualdade entre os municípios brasileiros no que tange à concen tração da pobreza medida pelo percentual de indivíduos vivendo com renda inferior a meio saláriomínimo Arretche 2015 p 196 Baseada nos dados dos Censos Demográficos de 1970 1980 1991 2000 e 2010 Arretche 2015 p 201 grifo do original conclui que a redução da pobreza e da desigualdade de renda teve desigual distribuição territorial aumentando a distância entre áreas com menor e maior concentração de pobres As mais altas taxas de pobreza aponta estão concentradas CRUZ R C A 40 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 na região Nordeste e em parte das regiões Norte e Sudeste e essa geografia espelha uma alta desigualdade territorial no país Arretche 2015 p 204 Mapeamento realizado por Théry e MelloThéry 2018 Mapa 6A dá conta igual mente de um país cindido em norte e sul no que tange ao rendimento nominal médio mensal Segundo Guerra Pochmann e Silva 2014 p 11 no Brasil assim como na América Latina a primeira década do século XXI trouxe consigo o retorno do crescimento econômico combi nado com a redução da pobreza e da desigualdade social Porém continuam os autores não obstante o protagonismo da região persegue ainda formas antigas e modernas de manifestação da exclusão social Guerra Pochmann Silva 2014 p 12 Baseado no Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil desenvolvido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Pnud pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada Ipea e pela Fundação João Pinheiro FJP Boscariol 2017 identifica também uma certa fronteira regional entre uma porção norte e uma porção sul do país tendo esta última um melhor desempenho que a primeira no que tange ao índice de desenvolvimento humano munici pal IDHM Essa diferença entre territórios mais ao norte e outros a sul permanece a despeito do crescimento generalizado do IDHM para a quase totalidade dos municípios brasileiros e da diminuição das diferenças intra e interregionais entre 2000 e 2010 Boscariol 2017 Cabe ainda dizer que os autores citados neste artigo são unânimes em reconhecer que a desigualdade social no Brasil se manifesta em diferentes escalas ou seja os melhores indicadores alcançados por Sul e Sudeste não apagam uma realidade contraditória intrarregional segundo a qual mesmo onde figuram os melhores indicadores de riqueza e de renda existem inúmeras situações de pobreza ou de exclusão Guerra Pochmann Silva 2014 Mapa 6 Brasil A valor do rendimento nominal médio mensal 2010 e B distribuição espacial do IDHM no território nacional 2010 A B fontes Mapa 6A Théry MelloThéry 2018 Mapa 6B Boscariol 2017 CRUZ R C A 41 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 Por outro lado a cartografia da exclusão social no Brasil Mapas 6A e 6B assim como as análises de diferentes pesquisadores organizadas por Arretche 2015 não deixa dúvidas de que o Brasil permanece um país cindido no que tange a indicadores socioeconômicos entre uma porção norte e uma porção sul além das diferenças profundas que caracterizam internamente cada uma dessas grandes porções do território nacional Desenvolvimento geográfico desigual e regionalização do espaço brasileiro Como exposto até aqui o desenvolvimento geográfico desigual em território brasileiro manifestase de diferentes formas entre as quais destacamos de um lado as configurações geográficas que espelham a desigual distribuição espacial das condições gerais de produção pelo território nacional as quais por sua vez são resultantes das relações sociais de produção no desenrolar de processos históricos sociais e econômicos materializados no território Além disso o desenvolvimento geográfico desigual não pode ser descolado da desigualdade de renda como dimensão da iniquidade em sentido amplo É importante também demarcar que compreendemos que as configurações geográficas não são apenas marcas do passado e do presente cristalizadas no espaço posto que represen tam possibilidades para o futuro ao assumir o papel de vantagens comparativas na encarniçada disputa por investimentos Assim é considerando o encontro entre essas dimensões tangível e intangível do desenvolvimento geográfico desigual distribuição espacial da população em geral e da força de trabalho especificamente configurações geográficas e renda no processo histórico de produção do espaço que chegamos a uma regionalização do espaço brasileiro a qual nos ajuda a compreender melhor as contradições agudas que caracterizam nossa história ter ritorial e que se expressam no momento presente Para tanto a cartografia temática foi fundamental pois a partir dela buscamos sobrepor informações antes apresentadas e ana lisadas fragmentariamente De acordo com esse caminho analítico concebemos e confrontamos o Mapa 7 que reúne informações sobre renda média mensalPEA em números absolutosrede viária e o Mapa 8 baseado no método de clusters e que traz uma tipologia que reúne as variáveis densi dade renda média mensal e taxa de atividade7 7 A largura das barras expressa o perfil de cada grupo barras à direita indicam que nessa variável o grupo está acima da média e à esquerda abaixo da média N é o número de municípios que compõem cada grupo CRUZ R C A 42 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 Mapa 7 Brasil renda média mensal PEA e rede viária federal e estadual elaboração Hervé Théry 2020 Mapa 8 Brasil renda média mensal PEA e rede viária federal e estadual tipologia elaboração Hervé Théry 2020 CRUZ R C A 43 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 Como se vê os Mapas 7 e 8 dão uma visão clara da manifestação espacial da desi gualdade no território nacional considerandose as três variáveis primeiramente sobrepostas A forte concentração da PEA em regiões metropolitanas com destaque para São Paulo e Rio de Janeiro é uma expressão também da concentração demográfica em geral e da concentração de renda no país assim como da existência de uma rede urbana fortemente hierarquizada Além disso enquanto o Mapa 7 evidencia mais claramente uma fragmentação do espaço no sentido lesteoeste o Mapa 8 aponta as históricas cisões nortenordeste e sulsudeste a que se junta mais recentemente considerando melhores indicadores sociais a região CentroOeste Nessa busca pela manifestação do desenvolvimento geográfico desigual no território brasileiro concebemos e elaboramos um último mapa do qual se desdobram os Mapas 9 e 10 no qual pelo método coroplético sobrepusemos densidade demográfica renda e densidade de rodovias o que nos conduziu a uma visão complementar à revelada pelos Mapas 7 e 8 permi tindonos com base nos retratos do território nacional expressos nesses e também nos Mapas 2 3 4A 4B e 5 assim como no referencial bibliográfico em que se fundamentou nossa argu mentação chegar a uma proposta de regionalização Desenvolvimento geográfico desigual e regionalização do espaço brasileiro Mapa 9 Base CRUZ R C A 44 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 Mapa 10 Delimitação das regiões Mapa 11 Síntese da divisão regional do Brasil CRUZ R C A 45 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 Diferentemente de outras regionalizações e emprestando de Moacir Silva 19398 e de Aziz AbSaber 19659 a ideia de faixas de transição entendemos que ao tratar de aspectos sociohistóricoeconômicos a passagem de uma região para outra também é raramente abrupta sobretudo quando lidamos com a escala macrorregional Concluímos desse modo não existirem dois ou quatro Brasis mas sete grandes regiões que são fragmentos de um espaço total uma totalidade aberta una e contraditória em movimento entre as quais três regiões de transição que amalgamam características das grandes regiões com as quais fazem fronteira sem identificarse integralmente conforme critérios adota dos com uma ou com outra Ressaltese que não definimos limites precisos para cada uma delas pelo possível deslin damento de dados municipais Ao contrário conscientemente definimos esses limites com base nos mapas sínteses construídos para esta análise a partir da interpretação visual possibilitada pela cartografia temática Quanto à nomenclatura optamos por designar as regiões com nomes que remetem principalmente a sua posição geográfica no território nacional evitando supervalorizar uma ou outra de suas respectivas qualidades Exceção é feita à Amazônia dada a força histórica desse nome Por fim ressaltamos que estamos cientes de que toda macrorregionalização de um território com dimensões continentais como o Brasil implica um alto grau de generalização Embora as regiões Norte e Nordeste conforme divisão oficial do IBGE partilhem os piores desempenhos em termos de indicadores de renda do país há uma importante diferença entre elas do ponto de vista da distribuição espacial das forças produtivas e das condições gerais de produção sendo o Nordeste mais populoso mais industrializado e mais bem dotado de infraes truturas de circulação que o Norte Além disso ambas as regiões abrigam diferenças internas não negligenciáveis Somase a isso o fato de configurações geográficas e padrões de renda aproxi marem parte do estado do Pará das porções mais dinâmicas do que conhecemos por Nordeste Assim identificamos uma região que forma uma espécie de arco que abarca fragmentos de todos os estados nordestinos além de parte do Pará A essa região chamamos de Arco Atlântico O Arco Atlântico abriga porções do espaço geográfico brasileiro de ocupação bastante antiga séculos XVI e XVII no caso das localidades mais próximas ao litoral todas regiões metropolitanas do Nordeste assim como a RM de Belém destacandose ainda uma porção do sudeste do Pará que mantém forte relação com o Maranhão considerandose a exportação de ferro pelo Porto da Madeira assim como o processamento na cidade de São Luís da bauxita extraída de minas do oeste paraense Ao contrário de uma visão histórica desde a regionalização de André Rebouças de 1889 segundo a qual a Amazônia é vista com uma recorrente homogeneidade vislumbramos diversas Amazônias tal como Carlos Walter PortoGonçalves ainda que o caminho analítico per corrido aqui seja diferente do adotado pelo autor Vemos uma Amazônia Ocidental grosso modo porção oeste dos estados de Roraima Acre e Amazonas menos densamente ocupada menos dotada de infraestruturas de circulação rodoviária havendo que destacar a importância dos cursos 8 Moacir Silva 1939 p 93 parte da regionalização do Brasil de Delgado de Carvalho que considera cinco regiões e propõe o desmembramento de alguns estados entendendoos como zonas de transição 9 Entre as áreas nucleares dos domínios morfoclimáticos e fitogeográficos Aziz AbSaber 2003 p 23 apontou a exis tência de áreas de contato e de transição CRUZ R C A 46 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 fluviais para a circulação intrarregional e com piores indicadores de renda onde não se encontram atividades industriais relevantes na estruturação do espaço regional Por outro lado nos deparamos com outra Amazônia amalgamada ao chamado CentroOeste abarcando fragmentos dos estados do Acre porção leste incluindo a capital Rio Branco todo o estado de Rondônia e uma pequena área ao sul do Amazonas microrregião de Purus Essa região está estruturada pela atividade mineradora e pelo agronegócio industria lizado com densidades demográficas maiores assim como com melhores indicadores de renda embora a circulação territorial não tenha alcançado aí até os dias atuais o mesmo desenvolvi mento da região vizinha a leste Embora seu indicador de renda o inscreva entre as regiões mais ricas do país10 o Centro Oeste segundo o IBGE distanciase do Sudeste e do Sul em termos de concentração de PEA apenas cerca de 7 nessa região contra 43 e 7 no Sudeste e no Sul respectivamente11 de redes de circulação territorial cerca de 134 da extensão total das rodovias e de concentra ção espacial de empresas industriais Mapas 4A e 4B Por outro lado também se distancia da Amazônia Ocidental da Amazônia Oriental e do CentroNordeste no que tange ao indicador de renda Fortemente marcada pelo desenvolvimento do agronegócio essa região se distingue das circundantes pela industrialização maciça do campo contraditoriamente acompanhada de uma urbanização raquítica para usar uma expressão de Milton Santos Chamamos essa região de Arco CentroNorte Ainda na Amazônia encontramos uma região de transição entre a Amazônia Ocidental e o Arco Atlântico abrangendo todo o Amapá fragmentos a leste dos estados de Roraima com a capital Boa Vista e do Amazonas com a Região Metropolitana de Manaus grande parte do Pará e uma faixa a norte do Mato Grosso A essa região chamamos de Amazônia Oriental Essa porção do vasto território amazônico é geograficamente mais próxima do Nordeste e do Sudeste segundo o IBGE e está mais bem integrada à economia nacional destacandose a ati vidade agropecuária e mineradora Como uma região de transição uma de suas características é a aparente maior heterogeneidade interna destacandose contrastes significativos em termos demográficos de infraestruturas e de redes de circulação Regiões de transição chamam atenção para a plasticidade dos processos sociais que con trariam limites euclidianos e tensionam os estudos regionais Nessas regiões as densidades em termos de configurações geográficas são grosso modo intermediárias em relação às regiões que lhes são próximas É o que encontramos também entre as regiões do Arco Atlântico e SuSul onde se mesclam características marcantes de uma e de outra tal como indicadores demográ ficos médios e uma relativa densidade das redes de circulação rodoviária além de indicadores socioeconômicos mais heterogêneos em relação a seu respectivo entorno Tais pressupostos nos levaram a identificar outras duas regiões de transição a que esta mos chamando de CentroNordeste bastante extensa abarcando o estado de Tocantins e frag mentos ao sul dos estados do Maranhão e do Piauí oeste da Bahia norte de Goiás norte de 10 De acordo com a PNAD Contínua 2018 o rendimento médio mensal real da população residente com rendimento no Centro Oeste foi de R 244000 um pouco maior que na região Sul com R 240100 e um pouco menor que no Sudeste o maior do país com R 256300 Norte e Nordeste tiveram rendimentos médios de R 164600 e R 141200 respectivamente 11 Com base em dados da Rais 2015 Fapespa 2015 CRUZ R C A 47 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 MatoGrosso e a que chamamos de CentroAtlântica territorialmente menor que as outras duas situada entre o Arco Atlântico o CentroNordeste e o SuSul A região CentroNordeste caracterizase por um menor desenvolvimento das forças pro dutivas em relação às regiões com que faz limite Arco Atlântico CentroAtlântico e SuSul à exceção da Amazônia Oriental O agronegócio da soja e do algodão tem sido responsável por uma rápida e profunda transformação de parte dessa região onde todavia os indicadores de renda e as infraestruturas de circulação seguem sendo mais baixos em relação a regiões adja centes A única capital de estado nessa região é Palmas Já a região CentroAtlântica tem uma localização geográfica peculiar na porção oriental do território nacional e entre as duas regiões com os melhores indicadores em termos de desen volvimento das forças produtivas consideradas nesta análise força de trabalho inferida a partir de indicadores demográficos e rede de circulação rodoviária assim como melhor rendimento médio mensal Embora as condições de circulação sejam boas os indicadores de renda são piores que aqueles encontrados no Arco Atlântico e na região SuSul Por fim identificamos assim como outros autores que parte da região Sudeste e a região Sul conforme o IBGE formam juntas uma área densamente povoada qualitativa mente muito mais bem dotada de redes de circulação rodoviária que todas as outras regiões do Brasil além de abrigar os melhores indicadores de renda Tratase da região mais industrializada do país que concentra a indústria de alta tecnologia Mapa 4B e outras atividades intensi vas em conhecimento Grande parte dela coincide com aquela que Milton Santos chamou de Região Concentrada mas segundo nossa interpretação ela integra parte do estado de Goiás e o Distrito Federal dados sobretudo a densidade das redes de circulação e os indicadores de renda que a aproximam de estados do Sul e do Sudeste Ela também coincide parcialmente com a porção de território onde se sobrepõem na regionalização de Ruy Moreira as regiões do Polígono Industrial e do Complexo Agroindustrial Como dito anteriormente a esta mos chamando de região SuSul onde a partícula su indica sudeste A região SuSul abriga a única megarregião do país identificada por Lencioni 2015c p 11 composta pelas metrópoles de São Paulo e do Rio de Janeiro uma forma híbrida da urbanização regional com intensa integra ção produtiva forte interação com a economia global e grande densidade dos movimentos pen dulares É importante pontuar que a megarregião Rio de JaneiroSão Paulo organiza em grande parte toda a região SuSul considerando inclusive que seu raio de influência a extrapola muito Considerações finais As diferentes regiões brasileiras compreendidas assim a partir do desenvolvimento geo gráfico desigual são o resultado das relações sociais de produção ao longo do tempo histó rico incluindo o presente Além disso podem ser compreendidas tal como fizemos aqui como fragmentos de uma totalidade una contraditória e em movimento e por isso mesmo em permanente transformação As linhas divisórias que separam cada região da outra devem ser entendidas apenas como linhas imaginárias plásticas e flexíveis pois a nova divisão territorial do trabalho desfaz e refaz a organização espacial e a cada etapa a desigualdade sócioespacial é refeita a regionalização CRUZ R C A 48 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 é refeita desfazendo antigas regiões que tiveram existência sob outros processos e condições Corrêa 2001 p 199 Finalmente ressaltamos a importância dos exercícios intelectuais de regionalização que abrem perspectivas para compreendermos melhor o extenso território brasileiro e suas con tradições do passado e do presente sem fechar as largas portas abertas por todos aqueles que antes de nós se debruçaram sobre esse mesmo desafio Referências ABSABER A Os domínios de natureza no Brasil potencialidades paisagísticas São Paulo Ateliê 2003 ANDRADE M C A questão do território no Brasil São Paulo Hucitec 2004 ARRETCHE M Trazendo o conceito de cidadania de volta a propósito das desigualdades ter ritoriais In ARRETCHE M Org Trajetórias das desigualdades como o Brasil mudou nos últimos cinquenta anos São Paulo Ed UnespCEM 2015 p 193222 ARROYO M Redes e circulação no uso e controle do territórioIn ARROYO M CRUZ R C A Org Território e circulação a dinâmica contraditória da globali zação São Paulo Annablume 2015 p 3749 BEZZI M L Região uma revisão historiográfica da gênese aos novos paradigmas Tese Doutorado em Geografia Instituto de Geociências e Ciências Exatas Universidade Estadual Paulista Rio Claro 1995 BOSCARIOL R A Região e regionalização no Brasil uma análise segundo os resultados do índice de desenvolvimento humano municipal IDHM In MARGUTI B O COSTA M A PINTO C V S Territórios em números insumos para políticas públicas a partir da análise do IDHM e do IVS de municípios e das unidades da federação brasileira Brasília IpeaINCT 2017 v 1 p 185208 CARLOS A F A Da organização à produção do espaço no movimento do pensamento geográfico In CARLOS A F A SOUZA M L SPOSITO M E B Org A produção do espaço urbano agentes e processos escalas e desafios São Paulo Contexto 2011 p 5373 CLAVAL P Geoépistémologie Paris Armand Colin 2017 CORRÊA R L Trajetórias geográficas Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2001 CORRÊA R L A organização regional do espaço brasileiro Geosul Florianópolis v 4 n 8 p 716 1989 DENSIDADE DEMOGRÁFICA Densidade demográfica 2010 Brasília DF IBGE 2012 Disponível em httpsatlasescolaribgegovbrimagesatlasmapasbrasilbra sildensidadedemograficapdf Acesso em 10 mar 2020 CRUZ R C A 49 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 EMPRESAS INDUSTRIAIS Distribuição espacial da indústria 2016 Brasília DF IBGE 2018 Disponível em httpsatlasescolaribgegovbrimagesatlasmapasbra silbrasildistribuicaoindustriaspdf Acesso em 10 mar 2020 EVOLUÇÃO DA MALHA MUNICIPAL Brasília DF IBGE 2018 Disponível em httpsatlasescolaribgegovbrimagesatlasmapasbrasilbrasilevolucaomalhamuni cipalpdf Acesso em 10 mar 2020 FAPESPA FUNDAÇÃO AMAZÔNIA DE AMPARO A ESTUDOS E PESQUISAS População economicamente ativa segundo Brasil grandes regiões e unidades da fede ração 20112015 Belém Fapespa 2015 Disponível em httpwwwfapespapagov brsistemaspara2017tabelas9mercadodetrabalho6populacaoeconomicamente ativa20112015htm Acesso em 10 mar 2020 GEIGER P P Organização Regional do Brasil Revista Geográfica v 33 n 61 p 2557 1964 Disponível em httpwwwjstororgstable40991791seq1pagescantab contents Acesso em 10 mar 2020 GUERRA A POCHMANN M SILVA R Org Atlas da exclusão social no Brasil dez anos depois São Paulo Cortez 2014 v 1 GUIMARÃES F S M Divisão regional do Brasil Revista Brasileira de Geografia v III n 2 p 318373 1941 HAESBAERT R Regionalglobal dilemas da região e da regionalização na geografia con temporânea 2 ed Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2014 HARVEY D Os limites do capital Trad Magda Lopes São Paulo Boitempo 2013 LAMBERT J Os dois Brasis Rio de Janeiro InepMEC 1959 LEFEBVRE H Espaço e política Trad Margarida Maria de Andrade e Sérgio Martins Belo Horizonte Ed UFMG 2008 LEFEBVRE H La notion de totalité dans les sciences sociales Cahier Internationaux de Sociologie Nouvelle Serie v 18 p 5577 janjuin 1955 LENCIONI S Estado de São Paulo lugar de concentração da inovação e da intensidade tec nológica da indústria brasileira In SPÓSITO E S Org O novo mapa da indús tria no início do século XXI diferentes paradigmas para a leitura das dinâmicas territoriais do estado de São Paulo São Paulo Ed Unesp 2015a p 1334 LENCIONI S Totalidad y triadas comprendiendo el pensamiento de Lefebvre In MATOS C LINK F Lefebvre revisitado capitalismo vida cotidiana y el derecho a la ciudad Santiago CL Ril 2015b p 5777 LENCIONI S Urbanização difusa e a constituição de megarregiões o caso de São Paulo Rio de Janeiro Revista Eletrônica de Estudos Urbanos e Regionais Rio de Janeiro v 6 n 22 p 615 2015c CRUZ R C A 50 GEOUSP Online São Paulo v 24 n 1 p 2750 janabr 2020 LENCIONI S Condições gerais de produção um conceito a ser recuperado para a compreen são das desigualdades de desenvolvimento regional Scripta Nova v XI n 24507 p 111 ago 2007 MARKUSEN A Região e regionalismo um enfoque marxista Espaço Debates v 1 n 2 p 6199 1981 MORAES A C R Território e história no Brasil 3 ed São Paulo Annablume 2008 MORAES A C R Contribuições para a gestão da zona costeira do Brasil elemen tos para uma geografia do litoral brasileiro São Paulo EduspHucitec 1999 MOREIRA R A formação espacial brasileira contribuição crítica aos fundamentos espa ciais da geografia do Brasil Rio de Janeiro Consequência 2014 MOURA R O complexo dialogo entre o urbano e o regional Revista Brasileira de Desenvolvimento Regional Blumenau v 4 n 2 p 526 2016 MOURA R LIRA S A Aplicação da análise exploratória espacial na identificação de confi gurações territoriais Revista Brasileira de Estudos Populacionais Rio de Janeiro v 28 n 1 p 153168 2011 PRADO JR C Formação do Brasil contemporâneo São Paulo Companhia das Letras 2017 SANTOS M Espaço e método 4 ed São Paulo Nobel 1997 SANTOS M A natureza do espaço São Paulo Hucitec 1996 SANTOS M SILVEIRA M L Brasil território e sociedade no início do século XXI Rio de Janeiro Record 2001 SILVA M M F Geografia dos transportes no Brasil Revista Brasileira de Geografia Rio de Janeiro IBGE v 1 n 2 p 8496 abr 1939 SMITH N Desenvolvimento desigual natureza capital e a produção de espaço Rio de Janeiro Bertand Brasil 1988 THÉRY H MELLOTHÉRY N A Atlas do Brasil 3 ed São Paulo Edusp 2018 TUNES R H Geografia da inovação território e inovação no Brasil no século XXI Tese Doutorado em Geografia Humana Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas Universidade de São Paulo São Paulo 2015