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1 RESISTÊNCIA QUILOMBOLA HISTÓRIA ORGANIZAÇÃO E DESAFIOS EM IVAPORUNDUVA Helber Henrique Guedes Unesp Faculdade de Ciências e Tecnologia FCT Email helberguedesunespbr Vanda Moreira Machado Lima Unesp Faculdade de Ciências e Tecnologia FCT Email vandammlimaunespbr Eixo temático Eixo Temático 6 Quilombos Povos Originários Comunidades Tradicionais e Territorialidades RESUMO O presente artigo investiga a resistência de uma comunidade Quilombola evidenciando sua história organização e desafios A pesquisa se insere na abordagem qualitativa tendo como instrumentos metodológicos a entrevista de história oral temática a pesquisa documental e a observação participante A entrevista foi realizada em setembro de 2024 no quilombo com dois líderes locais da comunidade A pesquisa documental incluiu a análise de documentos históricos legislação sobre direitos quilombolas estudos prévios sobre a comunidade e relatórios de organizações não governamentais que atuam no Vale do Ribeira A observação participante ocorreu durante dois dias junto à comunidade Quilombola de Ivaporunduva no Vale do Ribeira São Paulo na qual o estudo se desenvolveu Constatamos a importância da agricultura orgânica e do turismo de base comunitária como fontes de renda além de destacar a atuação política da comunidade A luta pela terra somada à resistência cultural permanece central na trajetória da Comunidade Quilombola pesquisada PALAVRASCHAVE Quilombos Ivaporunduva Resistência Agricultura orgânica Direitos quilombolas QUILOMBOLA RESISTANCE HISTORY ORGANIZATION AND CHALLENGES IN IVAPORUNDUVA ABSTRACT This article investigates the resistance of a Quilombola community highlighting its history organization and challenges The research adopts a qualitative approach employing thematic oral history interviews document analysis and participant observation as methodological tools The interviews were conducted in September 2024 with two local leaders of the community Document analysis included reviewing historical documents legislation on Quilombola rights prior studies on the community and reports from nongovernmental organizations operating in the Vale do Ribeira Participant observation took place over two days within the Quilombola community of Ivaporunduva in the Vale do Ribeira São Paulo where the study was developed We found the importance of organic agriculture and communitybased tourism as sources of income alongside the communitys political engagement The struggle for land combined with cultural resistance remains central to the trajectory of the researched Quilombola community KEYWORDS Quilombos Ivaporunduva Resistance Organic agriculture Quilombola rights COMISSÃO CIENTÍFICA IV FESTIVAL OCUPAÇÃO PRETA A HISTÓRIA DE UM É A NARRATIVA DE TODOS 2 RESISTENCIA QUILOMBOLA HISTORIA ORGANIZACIÓN Y DESAFÍOS EN IVAPORUNDUVA RESUMEN Este artículo investiga la resistencia de una comunidad Quilombola destacando su historia organización y desafíos La investigación se enmarca en un enfoque cualitativo utilizando entrevistas de historia oral temática análisis de documentos y observación participante como herramientas metodológicas Las entrevistas se realizaron en septiembre de 2024 con dos líderes locales de la comunidad El análisis de documentos incluyó la revisión de documentos históricos legislación sobre derechos quilombolas estudios previos sobre la comunidad y reportes de organizaciones no gubernamentales que operan en el Vale do Ribeira La observación participante se llevó a cabo durante dos días en la comunidad Quilombola de Ivaporunduva en el Vale do Ribeira São Paulo donde se desarrolló el estudio Encontramos la importancia de la agricultura orgánica y el turismo comunitario como fuentes de ingresos además de destacar la participación política de la comunidad La lucha por la tierra junto con la resistencia cultural sigue siendo central en la trayectoria de la comunidad Quilombola investigada PALABRAS CLAVE Quilombos Ivaporunduva Resistencia Agricultura orgánica Derechos quilombolas INTRODUÇÃO Este artigo se origina da vivência da disciplina de Trabalho de Campo voltada à Dinâmica Territorial realizada pela Faculdade de Ciências e TecnologiaUnesp FCTUnesp em setembro de 2024 que possibilitou examinar as dinâmicas sociais culturais e econômicas da comunidade Quilombola de Ivaporunduva situada no Vale do Ribeira São Paulo A pesquisa sobre essa comunidade proporciona uma visão abrangente da organização interna dessas populações que não apenas simbolizam a resistência histórica das pessoas escravizadas mas também ilustram a constante luta por direitos territoriais pela preservação cultural e por uma sustentabilidade econômica O Quilombo de Ivaporunduva sendo uma das comunidades quilombolas mais antigas da região destacase como um emblema vivo dessa resistência e um exemplo de perseverança na busca por autonomia e reconhecimento Ressaltamos a importância de evidenciar as comunidades quilombolas que historicamente foram marginalizadas e cujas vozes muitas vezes não têm espaço no debate público Ao examinar a organização interna da comunidade suas práticas de sustentabilidade e os desafios que enfrentam diante das pressões do sistema capitalista a pesquisa contribui para o entendimento das estratégias de resistência e sobrevivência dessas populações O presente artigo tem como objetivo geral investigar a resistência de uma comunidade Quilombola evidenciando sua história organização e desafios Os objetivos COMISSÃO CIENTÍFICA IV FESTIVAL OCUPAÇÃO PRETA A HISTÓRIA DE UM É A NARRATIVA DE TODOS 3 específicos são i compreender a formação histórica do Quilombo de Ivaporunduva ii analisar sua organização social e econômica atual com foco nas práticas de agricultura orgânica e turismo de base comunitária e iii identificar os principais desafios enfrentados pela comunidade em relação à preservação de seu território e cultura O artigo está estruturado em cinco seções A primeira seção aborda a metodologia da pesquisa detalhando o percurso metodológico desenvolvido e a análise dos dados A segunda seção explora a identidade e as práticas culturais dos quilombolas refletindo sobre sua resiliência e adaptações Em seguida a terceira seção apresenta o contexto histórico do Quilombo de Ivaporunduva contextualizando sua formação e evolução ao longo do tempo A quarta seção analisa a resistência cultural e a luta por direitos da comunidade destacando a importância da mobilização política e das práticas sustentáveis A quinta seção discute os desafios contemporâneos enfrentados pela comunidade especialmente em relação às pressões econômicas e políticas Por fim as considerações finais ressaltam a relevância dos resultados da pesquisa enfatizando a continuidade da luta quilombola e a valorização dos saberes tradicionais METODOLOGIA Este estudo se insere na abordagem qualitativa tendo como instrumentos metodológicos a entrevista de história oral temática a pesquisa documental e observação participante A abordagem qualitativa permite uma compreensão mais profunda das experiências vividas pelos membros da comunidade bem como de seus processos de resistência e adaptação frente aos desafios contemporâneos A pesquisa qualitativa documental é uma das abordagens utilizadas para explorar fenômenos sociais e culturais por meio da análise de materiais escritos e visuais Segundo Godoy 1995 a pesquisa documental oferece uma possibilidade inovadora dentro da abordagem qualitativa permitindo ao pesquisador trabalhar com fontes já existentes como jornais cartas relatórios e estatísticas Esses documentos por não serem produzidos com fins de pesquisa podem trazer viés mas também permitem o estudo de contextos históricos e sociais sem o contato direto com as pessoas envolvidas O principal benefício da pesquisa documental é o acesso a informações de indivíduos ou eventos que não estão mais disponíveis fisicamente e sua natureza nãoreativa garante que os dados contidos nos COMISSÃO CIENTÍFICA IV FESTIVAL OCUPAÇÃO PRETA A HISTÓRIA DE UM É A NARRATIVA DE TODOS 4 documentos permaneçam inalterados com o tempo Por outro lado algumas dificuldades incluem a representatividade dos documentos e a interpretação de suas informações A entrevista foi realizada em setembro de 2024 com dois líderes locais e membros da Comunidade Quilombola de Ivaporunduva no Vale do Ribeira Estado de São Paulo A entrevista de história oral temática é uma técnica utilizada para coletar relatos e memórias sobre eventos específicos focalizando temas predeterminados De acordo com Meihy e Ribeiro 2011 p 17 a história oral temática se estrutura a partir de eixos centrais previamente estabelecidos onde o entrevistado é convidado a narrar suas experiências relacionadas a esses temas Essa técnica permite uma investigação direcionada preservando as perspectivas pessoais dos participantes mas mantendo o foco nos assuntos de interesse da pesquisa como a resistência e adaptação de uma comunidade frente a determinados desafios A seleção dos sujeitos para a pesquisa considerou sua relevância e participação ativa nas atividades políticas e econômicas da comunidade Foram escolhidos dois entrevistados Elson Alves da Silva historiador e coordenador da comunidade que possui uma vasta experiência no trabalho com questões culturais e sociais que envolvem a população quilombola Seu papel social é fundamental atuando como um elo entre os moradores e as políticas públicas promovendo a preservação da cultura local e a inclusão social Com formação em História Elson é capacitado a narrar e preservar as tradições da comunidade A entrevista foi realizada em sua residência onde ele também coordena atividades comunitárias Figura 01 Momento da Entrevista com Elson COMISSÃO CIENTÍFICA IV FESTIVAL OCUPAÇÃO PRETA A HISTÓRIA DE UM É A NARRATIVA DE TODOS 5 Foto Daniele Henares 2024 O segundo entrevistado Laudessandro Marinho da Silva é coordenador geral do grupo de agricultura orgânica e um agricultor ativo que lidera iniciativas sustentáveis Ele implementa práticas agrícolas que respeitam o meio ambiente e promovem a autossuficiência econômica dos moradores Com formação em Agroecologia Laudessandro tem experiência em projetos de desenvolvimento rural e trabalha para fortalecer a segurança alimentar na região Sua entrevista ocorreu em um dos campos de cultivo comunitário onde demonstra as práticas agrícolas adotadas Figura 02 Momento da entrevista com o Laudessandro Fonte Giovanna Angeli 2024 Esses dois entrevistados oferecem uma perspectiva abrangente sobre a vida e os desafios enfrentados pela comunidade quilombola Meu nome é Laudessandro Marinho da Silva tenho 40 anos formação técnica em agricultura e Barachel em Administração de empresas Hoje sou coordenador geral do grupo de agricultura orgânica Trabalho no processo de controle gerenciamento prestação de contas e entregas dos alimentos que saem da comunidade para a alimentação escolar Laudessandro 2024 A pesquisa documental se fundamentou na análise de documentos escritos utilizando a definição de que a pesquisa documental é um método que utiliza documentos como fontes primárias de informação permitindo a análise e interpretação de dados já existentes contribuindo para a construção de conhecimento sobre determinado tema SáSilva 2009 No âmbito da pesquisa foram examinados diversos documentos relevantes incluindo a legislação sobre direitos quilombolas como a Constituição Federal de 1988 que garante os direitos dos quilombolas a Lei nº 122512010 Brasil 2010 que regulamenta COMISSÃO CIENTÍFICA IV FESTIVAL OCUPAÇÃO PRETA A HISTÓRIA DE UM É A NARRATIVA DE TODOS 6 os direitos territoriais dessa população e o Decreto nº 48872003 Brasil 2003 que dispõe sobre a titulação das terras ocupadas por remanescentes de quilombos Além disso foram analisados estudos preliminares sobre a comunidade como o relatório da Fundação Palmares que aborda a situação dos quilombolas no Brasil e trabalhos acadêmicos de universidades locais sobre a comunidade quilombola do Vale do Ribeira Também foram considerados relatórios de organizações não governamentais como o da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de São Paulo que analisa a situação dos direitos humanos nas comunidades quilombolas documentos do Instituto Socioambiental ISA que discutem as condições socioeconômicas e ambientais dos quilombolas na região e relatórios do Movimento Quilombo que abordam as lutas e conquistas dessa população Esses documentos forneceram uma base sólida para entender a realidade e os direitos da comunidade quilombola além de auxiliar na análise das políticas públicas voltadas para essa população Esses documentos permitiram contextualizar as falas dos entrevistados e compreender o cenário legal e político em que a comunidade se insere As entrevistas e a análise documental contribuíram para conhecer a formação histórica do Quilombo de Ivaporunduva compreender a organização social e econômica atual da comunidade com foco nas práticas de agricultura orgânica e turismo de base comunitária e identificar os principais desafios enfrentados pela comunidade em relação à preservação de seu território e cultura A observação participante segundo Becker 2021 é uma técnica de pesquisa qualitativa que envolve o envolvimento ativo do pesquisador no ambiente e nas atividades da comunidade que está sendo estudada Esse método permite uma compreensão mais profunda das interações sociais e das dinâmicas culturais do grupo em questão já que o pesquisador não apenas observa mas também participa do cotidiano da comunidade No caso do presente estudo a observação participante foi realizada durante dois dias na comunidade quilombola de Ivaporunduva localizada no Vale do Ribeira São Paulo Durante esse período o pesquisador teve a oportunidade de interagir diretamente com os moradores compreendendo suas práticas culturais desafios e a forma como vivenciam seus direitos e a luta pela manutenção de seu território Essa imersão possibilitou uma análise mais rica e contextualizada da realidade da comunidade contribuindo para a coleta de dados qualitativos que refletem suas vivências e perspectivas COMISSÃO CIENTÍFICA IV FESTIVAL OCUPAÇÃO PRETA A HISTÓRIA DE UM É A NARRATIVA DE TODOS 7 A observação participante permitiu maior imersão no cotidiano da comunidade e uma compreensão mais direta das práticas de sustentabilidade como a agricultura orgânica e o turismo de base comunitária O contato direto com a comunidade também possibilitou captar nuances culturais e práticas de resistência que muitas vezes não aparecem em documentos escritos Para a análise dos dados utilizouse a técnica de análise de conteúdo que permite a interpretação de informações de forma sistemática e objetiva Segundo Bardin 2016 p 9 a análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise de comunicação que visa obter por meio de procedimentos sistemáticos e objetivos a descrição do conteúdo de mensagens Essa abordagem possibilita identificar padrões e significados nas falas dos entrevistados contribuindo para uma compreensão mais aprofundada do fenômeno estudado Organizamos a análise em três etapas i leitura flutuante dos depoimentos e documentos buscando identificar temas recorrentes ii categorização dos dados com base em eixos temáticos como resistência cultural práticas sustentáveis e desafios territoriais e iii análise interpretativa confrontando as falas dos entrevistados com o referencial teórico sobre quilombos resistência e sustentabilidade Esta metodologia permitiu uma abordagem integrada da pesquisa garantindo que as vozes da comunidade fossem expressas e que as análises fossem contextualizadas dentro da realidade local de Ivaporunduva OS QUILOMBOLAS IDENTIDADE PRÁTICAS E RESISTÊNCIAS O Decreto Federal nº 4887 de 20 de novembro de 2003 Brasil 2003 que regulamenta o procedimento para identificação reconhecimento delimitação demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos no artigo 2º afirma que consideramse remanescentes das comunidades dos quilombos para os fins deste Decreto os grupos étnicoraciais segundo critérios de autoatribuição com trajetória histórica própria dotados de relações territoriais específicas com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida Brasil 2003 São de modo geral comunidades oriundas daquelas que resistiram à brutalidade do regime escravocrata e se rebelaram frente a quem acreditava serem eles sua propriedade As comunidades quilombolas remanescentes adaptaramse a viver em regiões muitas vezes COMISSÃO CIENTÍFICA IV FESTIVAL OCUPAÇÃO PRETA A HISTÓRIA DE UM É A NARRATIVA DE TODOS 8 adversas preservando suas tradições culturais Ao longo do tempo desenvolveram a habilidade de obter sustento dos recursos naturais disponíveis assumindo também a responsabilidade direta por sua preservação Além disso essas comunidades interagem tanto com outros povos e comunidades tradicionais quanto com a sociedade ao seu redor fortalecendo laços culturais e sociais Seus membros são agricultores seringueiros pescadores extrativistas e dentre outras desenvolvem atividades de turismo de base comunitária em seus territórios pelos quais continuam a lutar Brasil 2018 Embora a maioria se localize na zona rural também existem quilombos em áreas urbanas e periurbanas Os conceitos de rural urbano e periurbanas referemse a diferentes tipos de ambientes cada um com suas características específicas e modos de vida O ambiente rural é definido por áreas de baixa densidade populacional geralmente associada à agricultura e atividades extrativas As comunidades rurais mantêm uma forte relação com a natureza e suas economias são frequentemente baseadas na produção de alimentos Contudo essas áreas enfrentam desafios como acesso limitado a serviços públicos e infraestrutura IBGE 2018 Por outro lado o ambiente urbano é caracterizado por alta densidade populacional e infraestrutura desenvolvida As cidades são centros de comércio serviços indústria e cultura e a vida urbana é marcada pela diversidade social No entanto essa urbanização traz desafios como poluição trânsito e desigualdade social resultando em um contexto que pode dificultar a coesão comunitária Cavalcanti 2020 As áreas periurbanas estão situadas nas periferias das cidades e representam uma transição entre os ambientes rural e urbano Essas regiões apresentam características mistas combinando atividades agrícolas residenciais e comerciais Com a crescente urbanização as áreas periurbanas muitas vezes enfrentam pressões sobre o uso da terra levando a conflitos entre desenvolvimento urbano e práticas tradicionais de uso da terra Santos Almeida 2019 Em algumas regiões do país as comunidades quilombolas mesmo aquelas já certificadas são conhecidas e se autodefinem de outras maneiras como terras de preto terras de santo comunidade negra rural ou ainda pelo nome da própria comunidade como Gorutubanos Kalunga Negros do Riacho etc De todo modo a comunidade remanescente de quilombo é um conceito políticojurídico que tenta dar conta de uma realidade extremamente complexa e diversa que implica na valorização de nossa memória e no reconhecimento da dívida histórica e presente que o Estado brasileiro tem com a população negra Brasil 2023 COMISSÃO CIENTÍFICA IV FESTIVAL OCUPAÇÃO PRETA A HISTÓRIA DE UM É A NARRATIVA DE TODOS 9 Segundo o Censo Demográfico de 2022 há 1330186 quilombolas no Brasil espalhados por diversos estados incluindo Amazonas Bahia Maranhão Minas Gerais e São Paulo A Bahia e o Maranhão concentram mais da metade dessa população com 397502 e 269168 quilombolas respectivamente Brasil 2023 Os quilombos formados por pessoas escravizadas que resistiram à escravidão surgiram de diversas formas como fugas para terras livres heranças e doações A resistência e a busca por autonomia caracterizam a formação dessas comunidades Os quilombos continuam a existir após a abolição da escravidão em 1888 e são uma realidade em vários países da América Latina onde seus direitos territoriais são reconhecidos pela legislação Santos Almeida 2019 A identidade étnica das comunidades quilombolas é fundamental para sua organização social e política Apenas em 1988 a Constituição brasileira reconheceu oficialmente os direitos dessas comunidades assegurandolhes a propriedade coletiva de suas terras Contudo a efetivação desse direito ainda enfrenta muitos desafios com a primeira titulação de terras ocorrendo somente em 1995 quando o Quilombo Boa Vista se tornou proprietário de seu território Silva e Reis 2016 propõem uma análise da ressignificação da figura de Zumbi e do conceito de quilombo em poemas afrobrasileiros contemporâneos enfatizando seu valor simbólico e mobilizador Beatriz Nascimento 1985 afirma que a origem do conceito de quilombo que remonta às sociedades africanas bantos e é discutida revelando sua evolução de um espaço de acolhimento para negros escravizados fugitivos a um símbolo de resistência Os Imbangala que dominaram Angola eram considerados um povo terrível que vivia inteiramente do saque não criava gado nem possuía plantação Ao contrário das outras linhagens não criavam os filhos pois estes poderiam atrapalhálos nos diversos deslocamentos que se faziam necessários Matavamnos ao nascer e adotavam os adolescentes das tribos que derrotaram Eram antropófagos e em sua cultura adereços tatuagem e o vinho de palma tinham especial significado Esta característica nômade dos Imbangalas acrescida da especificidade de sua formação social pode ser reconhecida na instituição Quilombo Ainda outro significado para kilombo dizia respeito ao local casa sagra onde processavase o ritual de iniciação O acampamento de escravos fugitivos assim como quando alguns Imbangalas estavam em comércio negreiro com os portugueses também era Kilombo Nascimento 1985 p 43 COMISSÃO CIENTÍFICA IV FESTIVAL OCUPAÇÃO PRETA A HISTÓRIA DE UM É A NARRATIVA DE TODOS 10 Os quilombos frequentemente vistos como perigos para o Império serviram como locais de sobrevivência e resistência onde os negros buscavam não apenas escapar do cativeiro mas também recuperar sua identidade e cultura Abdias Nascimento argumenta que o quilombo não é meramente um refúgio mas uma reunião fraterna e livre um espaço de solidariedade e comunhão Nascimento 1985 A busca por identidade e resistência dos descendentes africanos é fundamental para entender o impacto do quilombismo O conceito transcende a mera sobrevivência física representando uma luta por dignidade e reconhecimento conforme enfatizado por Nascimento 1985 Essa ideia de quilombismo como ideiaforça mobilizadora inspira não apenas a literatura mas também a luta social e política dos afrobrasileiros evidenciando a continuidade da resistência diante da opressão Nascimento 1985 A transformação do quilombo de uma instituição a um símbolo de resistência é também uma crítica às narrativas históricas que marginalizam a experiência negra no Brasil Essa revisão histórica impulsionou o movimento negro e resultou em conquistas significativas como a proposta de reconhecer o dia 20 de novembro como um marco de resistência Nascimento 1985 Ao discutir os quilombos como resistência é relevante refletir que essa resistência vem de longe como afirma Silva 2018 p 29 apud Cunha Nogueira e Fialho 2022 p 950 Nunca foi abordada a resistência de nosso povo quando por exemplo os negros pulavam dentro do mar com intuito de morrer afogado das mães que matavam seus filhos ao nascer pois para estes escravizados antes a morte do que viver uma vida sem liberdade Em conclusão o estudo de Silva e Reis 2016 destaca a relevância do quilombismo na literatura e na luta pela valorização da identidade afrobrasileira O quilombismo representa um modelo de organização e resistência que ainda se faz presente servindo como uma plataforma para a busca de direitos e cidadania no Brasil contemporâneo Nascimento 1985 Assim a reflexão sobre a mística quilombola se torna um poderoso instrumento de autoafirmação e resistência contra a desigualdade social permitindo que a história dos afrobrasileiros seja recontada sob uma nova luz HISTÓRICO DO QUILOMBO DE IVAPORUNDUVA Essa seção visar narrar à formação histórica da comunidade quilombola de Ivaporunduva localizado no município de Eldorado no estado de São Paulo às margens do Rio Ribeira de Iguape Conforme demonstrado na Figura 03 o acesso à comunidade se dá COMISSÃO CIENTÍFICA IV FESTIVAL OCUPAÇÃO PRETA A HISTÓRIA DE UM É A NARRATIVA DE TODOS 11 pela rodovia SP165 que liga Eldorado a Iporanga Essa localização estratégica próxima ao rio teve um papel fundamental no desenvolvimento da comunidade tanto no aspecto econômico quanto no cultural A presença do Rio Ribeira de Iguape permitiu à comunidade de Ivaporunduva tirar proveito dos recursos naturais da região ao mesmo tempo em que promoveu a preservação ambiental e o fortalecimento de suas práticas tradicionais de subsistência Quilombos do Ribeira 2011 Figura 03 Acesso à comunidade Fonte Guedes 2024 A história da Ivaporunduva remonta ao século XVI quando a região foi explorada por Martin Afonso de Souza em uma expedição que margeou o litoral brasileiro É importante ressaltar que ao chegarem aqui os colonizadores encontraram povos originários já estabelecidos que utilizavam o território há gerações O processo de colonização não foi portanto uma descoberta mas sim uma série de invasões e expropriações Quilombos do Ribeira 2011 Em 1531 Martin Afonso reportou à Coroa Portuguesa sobre as riquezas potenciais da região Essa informação atraiu mais expedições e contribuiu para o surgimento dos primeiros povoados e fazendas que formaram a base da economia local predominantemente ligada à exploração de recursos naturais como o ouro A partir desse contexto surgem também as primeiras famílias quilombolas Quilombos do Ribeira 2011 O Quilombo de Ivaporunduva possui uma rica e complexa história que remonta ao século XVI A figura de Maria Joana uma portuguesa que chegou à região no século XVII é central para a história de Ivaporunduva Ela trouxe consigo um grupo de africanos escravizados para explorar os recursos da região principalmente o ouro COMISSÃO CIENTÍFICA IV FESTIVAL OCUPAÇÃO PRETA A HISTÓRIA DE UM É A NARRATIVA DE TODOS 12 Em sua explicação Elson destaca que a comunidade Ivaporunduva é a mais antiga da região e representa seu papel como um símbolo de resistência Ele menciona como a comunidade preservou suas tradições e cultura ao longo dos anos enfrentando desafios impostos pela modernização e pela exploração econômica Em 2002 tivemos a segunda parte reconhecida e o Incra reconheceu todo o território foi um processo maior Em 2003 a última faixa que faltava foi reconhecida O título foi registrado em 2010 em julho Nós somos a primeira comunidade do Vale do Ribeira a ter o registro definitivo das terras O restante é área de proteção ambiental Nós estamos lutando pelo título de todos os territórios quilombolas não só aqui E há também uma coisa do Governo Estadual de tentar emitir títulos provisórios de usufruto e nós não estamos aceitando isso Nós queremos o título de posse definitiva dos territórios para que as famílias possam dar continuidade sem o medo de ser destituído daquele local Elson 2024 A história da comunidade é narrada desde o período colonial com a chegada de Martin Afonso de Souza à região no século XVI e a posterior exploração do ouro Segundo Elson registros indicam que mais de 400 arrobas de ouro foram extraídas da região lideradas pela portuguesa Maria Joana que utilizou mão de obra africana escravizada Elson também explica a transição de Ivaporunduva após o abandono da fazendeira Maria Joana quando os africanos escravizados que ali estavam começaram a se organizar e formar as primeiras famílias quilombolas Ele critica as leis abolicionistas brasileiras chamandoas de falsas leis abolicionistas argumentando que as leis como a Lei do Ventre Livre e a Lei dos Sexagenários não ofereciam reais condições de liberdade e dignidade aos negros escravizados Segundo registros dona Maria Joana faleceu enquanto se tratava no exterior devido a problemas de saúde Sem herdeiros suas terras foram deixadas para os negros que ali estavam escravizados o que estimulou a vinda de escravos fugitivos que resistiram à captura dos capitães do mato formando o quilombo por volta de 1690 O livro de tombo da paróquia de Xiririca datado de 1813 destaca Ivaporunduva como a mais antiga comunidade do vale do Ribeira surgindo como povoado no século XVII impulsionada pela mineração de ouro que atraía mineradores e seus escravos como Domingos e Antonio Rodrigues Cunha Quilombos do Ribeira 2011 Lá no século XVI veio prá cá nessa região Martin Afonso de Souza em uma expedição e aí ele passa pelo Rio de Janeiro Guanabara faz uma pausa lá após dias de navegação com seu grupo é já era explorada aquela região e depois continuou margeando o litoral até chegar aqui COMISSÃO CIENTÍFICA IV FESTIVAL OCUPAÇÃO PRETA A HISTÓRIA DE UM É A NARRATIVA DE TODOS 13 na nossa região do Ribeira e eles percebem que já havia pessoas aqui na região né Os povos originários já estavam por aqui e faziam essa caminhada até o Paraná né Pelo litoral já faziam o uso deste território então já havia pessoas ali não foi uma descoberta assim né Porque assim como os demais e chegando aqui lá em 1531 eles veem a área e têm a percepção da extensão do território e da possibilidade de riqueza Eles comunicam a Coroa portuguesa da possibilidade de exploração aqui na região e seguem viagem Então daqui ele vai lá pra baixada santista município de São Vicente Então São Vicente é de 1532 e aí eles colocam lá o slogan da cidade São Vicente é a primeira cidade do Brasil mas já tinha passado aqui por Cananéia e pelo Vale do Ribeira então a partir deste informe de Portugal as pessoas começam a vir com mais expedições pra cá aí começa a formar os municípios do Vale do Ribeira principalmente Cananéia e Iguape Registro Sete Barrase aí o pessoal vem chegando Votuporanga Eldorado como que eles vem chegando Pelo Rio Ribeira de Iguape vocês vão ver amanhã vão ter a possibilidade de ver esse rio que é um rio interestadual deságua lá no Paraná E deságua aqui em Iguape aqui no litoral E esse rio era um rio possível de navegação Chegou em Eldorado foram criando os povoados as fazendas e então ali a gente Tem a fazenda Poçã Lajeado tem a fazenda Caiacanga a gente tem em Registro o quilombo Peropava é em Iguape a gente têm a comunidade quilombola e aí foi né local de exploração foi ampliando os territórios e depois foram vindo para esta região Aí a portuguesa Maria Joana chega um pouco depois no século XVII A margem abaixo já tava mais povoada e ela sobe o Rio Ribeira e com os seus pararam às margens e percebem a possibilidade de riqueza Então adentraram no Rio Bocó viram que tinha vários córregos que desaguavam nele e como possibilidade de minério né E também pequenas pepitas de ouro Em alguns registros a gente têm parte dessa história Elson 2024 Com a crise da exploração do ouro os mineradores abandonaram a região em busca de oportunidades em Minas Gerais A comunidade passou a cultivar a terra dedicandose ao cultivo de arroz feijão milho mandioca entre outros As casas eram construídas utilizando técnicas tradicionais como o pauapique com barro madeira e cipós disponíveis na própria localidade Para caçar a comunidade utilizava laços e armadilhas O vestuário era simples e prático e as trocas comerciais eram realizadas com fazendeiros de café onde parte da produção era trocada por produtos essenciais para o dia a dia Quilombos do Ribeira 2011 Nos anos seguintes após a abolição formal da escravidão em 1888 muitos negros libertos encontraram dificuldades para se estabelecer em novas terras enfrentando a exclusão territorial Na Constituição Federal de 1988 Brasil 1988 o artigo 68 garantiu o reconhecimento dos quilombos mas a luta pela valorização da cultura e história quilombola continua COMISSÃO CIENTÍFICA IV FESTIVAL OCUPAÇÃO PRETA A HISTÓRIA DE UM É A NARRATIVA DE TODOS 14 A Fundação Cultural Palmares criada em 1989 foi um marco na luta pelo reconhecimento das comunidades quilombolas e na promoção de políticas públicas que visam à valorização cultural e social desse povo Em 1994 Ivaporunduva foi oficialmente reconhecida como comunidade quilombola um passo significativo por justiça e dignidade Figura 04 Localização do Quilombo Ivaporunduva Fone Oliveira Guedes 2024 em questão de localização geográfica nós estamos aqui no Vale do Ribeira município de Eldorado região do Estado de São Paulo um município que concentra aí o maior número de comunidades quilombolas do Estado de São Paulo sendo treze comunidades quilombolas e Ivaporunduva é a mais antiga delas Ivaporunduva vem aí do Guarani então significa rios de águas boas de muitos frutos No processo de colonização foi dado esse nome aqui para este território quilombo Assim como Eldorado que tinha o nome de Xiririca também do Guarani aí depois mais recente há cinco seis décadas atrás mudaram para Eldorado por conta de ser um município onde ocorreu a corrida do ouro né Eldorado é também o quarto município em extensão territorial Elson 2024 Os primeiros núcleos familiares de Ivaporunduva foram formados por Francisco Marinho e Salvador Pupo Esses pioneiros organizavam mutirões para a roça construção de casas e manutenção dos caminhos da comunidade Quilombos do Ribeira 2011 A construção da igreja de Nossa Senhora do Rosário no coração da comunidade é um símbolo de resistência Erguida por mãos africanas escravizadas a igreja representa tanto a opressão sofrida quanto a resiliência dos nossos ancestrais Ao longo dos anos essa construção se tornou um espaço de acolhimento e resistência cultural onde práticas religiosas variadas coexistem refletindo um sincretismo único Quilombos do Ribeira 2011 COMISSÃO CIENTÍFICA IV FESTIVAL OCUPAÇÃO PRETA A HISTÓRIA DE UM É A NARRATIVA DE TODOS 15 Além disso celebravam festas tradicionais como a do Divino Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos e São Sebastião A luta pela terra e a resistência contra as barragens planejadas para o Rio Ribeira contribuíram para fortalecer a organização da comunidade levando à fundação da Associação Quilombo de Ivaporunduva em 1994 Quilombos do Ribeira 2011 Esses eventos históricos não apenas refletem a resistência e a adaptação da comunidade quilombola mas também evidenciam a importância da preservação da cultura e da identidade dos povos que por gerações lutaram por seus direitos e por sua terra Quilombos do Ribeira 2011 A RESISTÊNCIA CULTURAL E A LUTA POR DIREITOS NA COMUNIDADE QUILOMBOLA DE IVAPORUNDUVA No Vale do Ribeira a comunidade quilombola de Ivaporunduva se destaca pela resistência cultural e pela luta por direitos desde a época da colonização Os habitantes de Ivaporunduva têm se organizado em associações e conselhos que promovem a luta pelos direitos quilombolas Segundo Oliveira e Borges 2023 essas instituições desempenham um papel central na defesa da terra e na promoção da cultura atuando como intermediárias entre a comunidade e o poder público A criação da Associação Quilombo de Ivaporunduva em 1994 exemplifica esse esforço organizacional que visa não apenas a reivindicação de direitos mas também a valorização da identidade cultural quilombola A organização social e política da comunidade de Ivaporunduva é fundamentada em princípios de cooperação e solidariedade As associações quilombolas se tornaram espaços de discussão e ação onde a comunidade se reúne para debater questões importantes como a preservação de suas tradições e a luta por políticas públicas que atendam suas necessidades Almeida 2021 A educação desempenha um papel fundamental na resistência quilombola Em Ivaporunduva a transmissão de saberes tradicionais e acadêmicos é importante para a continuidade da luta pela preservação do território e da cultura quilombola A comunidade tem buscado integrar saberes locais com conhecimentos acadêmicos fortalecendo sua identidade e empoderamento Oliveira Borges 2023 Essa educação comunitária não apenas preserva as tradições mas também capacita os jovens a se tornarem agentes de mudança capazes de articular suas demandas e se posicionar diante das adversidades COMISSÃO CIENTÍFICA IV FESTIVAL OCUPAÇÃO PRETA A HISTÓRIA DE UM É A NARRATIVA DE TODOS 16 Figura 05 Quilombo Ivaporunduva atualmente visão externa da comunidade Fotos Giovanna Angeli 2024 Figura 06 Quilombo Ivaporunduva atualmente visão das casas da comunidade Fotos Giovanna Angeli 2024 A resistência quilombola em Ivaporunduva é uma expressão de luta pela autonomia e pela preservação da cultura Apesar dos desafios contemporâneos a organização comunitária e a educação se mostram fundamentais para garantir a continuidade dessa luta A história de Ivaporunduva nos ensina que a resistência é um caminho de construção coletiva e afirmação de identidade Quilombos do Ribeira 2011 A HISTÓRIA DA COMUNIDADE DE IVAPORUNDUVA PELA PERSPECTIVA DOS RESIDENTES Elson apresenta sua atuação tanto localmente quanto em esferas estaduais e nacionais Ele menciona seu envolvimento com a Coordenação Nacional de Quilombos CONAQ e a Comissão Nacional de Educação Escolar Quilombola além de seu papel como membro do Conselho Nacional de Educação onde discute currículos das ciências humanas COMISSÃO CIENTÍFICA IV FESTIVAL OCUPAÇÃO PRETA A HISTÓRIA DE UM É A NARRATIVA DE TODOS 17 Nós éramos excluídos desses programas O CONAF abriu as portas do Banco do Brasil aqui na região em 2002 a fundação do Instituto Terras de São Paulo nós não tínhamos acesso Passamos a ter acesso após os nossos terem acesso à universidade e voltarem Nós fortalecemos com o conhecimento da Academia com o conhecimento prático nosso do dia a dia e passamos a dizer não Elson 2024 Laudessandro por sua vez explica como a comunidade se organiza atualmente para entregar alimentos produzidos no quilombo como banana orgânica que é uma das principais fontes de comercialização da comunidade Hoje nós entregamos para as escolas estaduais pelo projeto PNAE Programa Nacional de Alimentação Escolar que é um projeto estadual Então entregamos para a região centro centrosul e Mogi das Cruzes E esse processo de prestação de contas emissão de nota fiscal e controle das entregas é a minha função e também participar dos eventos e reuniões dentro do território quilombola Laudessandro Laudessandro é responsável pelo controle e gerenciamento da produção agrícola orgânica além da prestação de contas e da emissão de notas fiscais dos alimentos que saem da comunidade para o Programa Nacional de Alimentação Escolar PNAE O PNAE permite que a comunidade quilombola forneça alimentos para as escolas da região centrosul de São Paulo incluindo Mogi das Cruzes Laudessandro destaca que a agricultura orgânica é uma das principais fontes de renda da comunidade junto com a venda de banana com o turismo e o artesanato A comunidade Quilombola de Ivaporunduva destacase pela sua organização coletiva que se manifesta no compartilhamento de renda entre aproximadamente 110 famílias Essa estrutura social não apenas fortalece a identidade quilombola mas também permite à comunidade enfrentar desafios socioeconômicos e ambientais com resiliência A agricultura orgânica é um dos pilares dessa organização sendo fundamental para garantir a segurança alimentar e promover a preservação dos saberes tradicionais Ao cultivar produtos sem agrotóxicos a comunidade não só assegura a saúde dos moradores mas também protege o meio ambiente Essa prática agrícola permite a comercialização direta gerando renda e fortalecendo a autonomia econômica além de contribuir para a valorização da biodiversidade local Os agricultores locais mencionam a agricultura orgânica não apenas como uma alternativa econômica mas também como uma prática que reforça sua identidade cultural e promove a preservação do meio ambiente A escolha por métodos de cultivo sustentáveis está diretamente ligada à valorização de conhecimentos ancestrais e ao desejo de manter a COMISSÃO CIENTÍFICA IV FESTIVAL OCUPAÇÃO PRETA A HISTÓRIA DE UM É A NARRATIVA DE TODOS 18 autonomia sobre suas terras Esta prática não só gera renda mas também fortalece a coesão social da comunidade ao envolver diversos membros em atividades coletivas como feiras e oficinas de capacitação Outro aspecto vital é o turismo de base comunitária que desenvolveuse como estratégia para valorizar a cultura local e gerar uma fonte de renda adicional Os visitantes são convidados a vivenciar o cotidiano da comunidade participando de atividades agrícolas aprendendo sobre as tradições quilombolas e explorando as belezas naturais do Vale do Ribeira Essa interação não só traz benefícios econômicos mas também ajuda a conscientizar o público sobre a importância da preservação do território e das práticas culturais Figura 07 e 08 Atividade demonstrada por Laudessandro de caça e pesca sabedoria tradicional Fotos Giovanna Angeli 2024 Os guias entrevistados relataram que o turismo de base comunitária além de proporcionar uma nova fonte de renda também promove o reconhecimento da identidade quilombola Através de experiências culturais como danças culinária e artesanato a comunidade consegue compartilhar sua história e fortalecer os laços com visitantes o que por sua vez fomenta uma maior consciência sobre os direitos dos povos quilombolas e suas lutas A luta pela terra e o reconhecimento dos direitos da comunidade são assim eixos centrais da resistência quilombola Essa dinâmica entre organização social agricultura sustentável e turismo responsável não apenas reforça a coesão comunitária mas também promove um desenvolvimento sustentável valorizando o patrimônio cultural e ambiental da região Essa abordagem integral é um exemplo de como comunidades tradicionais COMISSÃO CIENTÍFICA IV FESTIVAL OCUPAÇÃO PRETA A HISTÓRIA DE UM É A NARRATIVA DE TODOS 19 podem se adaptar e prosperar em um mundo em constante mudança sem abrir mão de suas raízes e valores Os resultados da pesquisa evidenciam que a comunidade Quilombola de Ivaporunduva apesar dos desafios enfrentados mantém uma trajetória de resistência que se expressa através de práticas sustentáveis mobilização política e uma forte identidade cultural Essa discussão não apenas contribui para a compreensão das dinâmicas sociais e econômicas da comunidade mas também destaca a importância da valorização dos saberes tradicionais e da autonomia dos povos quilombolas na construção de um futuro sustentável e justo DESAFIOS Atualmente a comunidade quilombola de Ivaporunduva enfrenta desafios significativos que ameaçam sua sobrevivência e modos de vida tradicionais Entre os principais obstáculos estão às questões ambientais e a crescente pressão de práticas capitalistas nas áreas de agricultura e turismo A expansão do agronegócio e a exploração indiscriminada dos recursos naturais na região têm comprometido tanto a terra quanto as práticas culturais ancestrais gerando tensões e conflitos que exigem uma mobilização constante para a defesa do território Silva Reis 2016 As mudanças climáticas representam um desafio adicional impactando diretamente a agricultura e a segurança alimentar da comunidade A ocorrência de secas e inundações afeta severamente a produção rural agravando as dificuldades já enfrentadas na luta por direitos e na preservação cultural Nesse cenário Laudessandro destaca a resistência ao sistema capitalista enfatizando as dificuldades de manter a agricultura orgânica diante das pressões do mercado convencional Ele declara O maior desafio é trabalhar contra o sistema capital Nosso trabalho é de proteção do ambiente e da natureza dos quais fazemos parte Contudo o sistema sempre busca o lucro Para valorizar a cultura quilombola precisamos contrabalançar esse sistema A produção do agronegócio não se destina à alimentação das pessoas mas a atender a outras demandas Por isso defendemos a agricultura de subsistência Laudessandro 20024 Além disso Laudessandro critica as políticas do governo Bolsonaro que impactaram negativamente as iniciativas voltadas para as comunidades quilombolas Ele menciona a ausência de certificações e o não reconhecimento dos territórios durante os COMISSÃO CIENTÍFICA IV FESTIVAL OCUPAÇÃO PRETA A HISTÓRIA DE UM É A NARRATIVA DE TODOS 20 quatro anos de sua gestão além da repressão política que se intensificou nesse período As políticas negacionistas agravaram a vulnerabilidade da população dificultando o acesso a recursos e a implementação de políticas públicas eficazes Almeida 2021 Essa situação é particularmente preocupante pois muitos quilombolas ainda enfrentam barreiras no reconhecimento de suas terras comprometendo sua autonomia e sobrevivência Os desafios que a comunidade enfrenta são evidentes Os entrevistados destacaram a constante ameaça de exploração econômica e a pressão de empresas que buscam expandir suas atividades na região frequentemente ignorando os direitos territoriais da comunidade Essa realidade ressalta a luta incessante por reconhecimento e proteção dos direitos quilombolas que embora amparados pela legislação brasileira ainda enfrentam barreiras significativas para sua efetivação Por outro lado a análise dos dados revela uma forte consciência política entre os membros da comunidade A mobilização em torno dos direitos territoriais e culturais tem sido uma constante na trajetória de Ivaporunduva Os líderes comunitários ressaltaram a importância da articulação com organizações externas e movimentos sociais buscando fortalecer suas reivindicações e obter apoio na defesa de seus direitos Esse aspecto da pesquisa corrobora a literatura sobre movimentos sociais que enfatiza a relevância da organização coletiva e da solidariedade como elementos essenciais na luta por justiça social Essa resistência não apenas busca garantir os direitos da comunidade mas também preservar suas identidades culturais em um contexto de crescente exploração e despojo CONSIDERAÇÕES FINAIS A pesquisa examina a formação histórica da comunidade sua luta contínua por direitos territoriais e culturais e as adversidades enfrentadas frente às pressões do sistema capitalista A análise dos dados coletados revela uma complexa rede de resistência e resiliência da comunidade Quilombola de Ivaporunduva que se expressa por meio de práticas sustentáveis e uma forte mobilização política As entrevistas destacam a importância da agricultura orgânica e do turismo de base comunitária como estratégias de sustento além de serem formas de resistência cultural e territorial frente à pressão do sistema capitalista A pesquisa realizada trouxe à luz aspectos cruciais sobre a resistência organização e sustentabilidade dessa população Os objetivos propostos foram plenamente alcançados COMISSÃO CIENTÍFICA IV FESTIVAL OCUPAÇÃO PRETA A HISTÓRIA DE UM É A NARRATIVA DE TODOS 21 revelando como a comunidade tem se articulado para enfrentar os desafios impostos pelo sistema capitalista ao mesmo tempo em que preserva sua identidade cultural e territorial Os dados obtidos por meio das entrevistas com líderes e membros da comunidade evidenciam que a agricultura orgânica e o turismo de base comunitária não são apenas fontes de renda mas também práticas que fortalecem a coesão social e promovem a autonomia da população Essas iniciativas permitem que os integrantes da comunidade garantam sua subsistência resgatem saberes ancestrais e promovam a valorização da cultura local contribuindo significativamente para a resistência cultural em face das adversidades contemporâneas Ressaltamos a importância da mobilização política e da articulação com movimentos sociais e organizações externas A luta pela terra e pelos direitos culturais se configura como um elemento central na trajetória de Ivaporunduva e a consciência política manifestada pelos líderes e membros da comunidade constituise relevante na busca por reconhecimento e proteção dos direitos quilombolas Entretanto os desafios enfrentados pela comunidade são significativos especialmente diante das pressões externas e da exploração econômica que ameaçam sua integridade territorial É imperativo que as políticas públicas sejam mais efetivas na proteção dos direitos dos povos quilombolas assegurando a implementação de legislações que respeitem e reconheçam suas reivindicações históricas A resistência Quilombola em Ivaporunduva representa uma luta por dignidade e direitos refletindo a necessidade de um olhar atento e respeitoso para as práticas e saberes de comunidades historicamente marginalizadas O fortalecimento das vozes quilombolas e a valorização de suas contribuições são passos essenciais para a construção de uma sociedade mais justa inclusiva e sustentável A continuidade da pesquisa e do apoio às iniciativas locais é fundamental para garantir que a história e as lutas dessas comunidades sejam reconhecidas e respeitadas contribuindo assim para um futuro em que a diversidade cultural e a justiça social sejam pilares inegociáveis REFERÊNCIAS ALMEIDA Mariléa Território de afetos práticas femininas antirracistas nos quilombos contemporâneos do Rio de Janeiro História Oral v 242 p 293309 2021 Disponível em httpsorcidorg0000000160153226 Acesso em 09 out 2024 BECKER Howard S Outsiders estudos sobre a sociologia do desvio São Paulo Editora Perspectiva 2021 COMISSÃO CIENTÍFICA IV FESTIVAL OCUPAÇÃO PRETA A HISTÓRIA DE UM É A NARRATIVA DE TODOS 22 BARDIN Laurence Análise de conteúdo Tradução de Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro São Paulo Edições 70 2016 BECKER Howard S Outsiders estudos sobre a sociologia do desvio São Paulo Editora Perspectiva 2021 BRASIL Comunidades Quilombolas 2018 Disponível em httpswwwgovbrmdhptbrnavegueportemasigualdadeetnicoracialacoeseprogr amasdegestoesanterioresartigosigualdaderacialcomunidadesquilombolas Acesso em 09 abr 2018 BRASIL Informações Quilombolas 2023 Disponível em httpswwwgovbrpalmaresptbrdepartamentosprotecaopreservacaoearticulacaoi nformacoesquilombolas Acesso em 09 out 2024 BRASIL Decreto nº 4887 de 20 de novembro de 2003 Regulamenta o procedimento para identificação reconhecimento delimitação demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos Diário Oficial da União seção 1 Brasília DF 21 nov 2003 BRASIL Constituição 1988 Constituição da República Federativa do Brasil Brasília DF Senado Federal 1988 BRASIL Lei nº 12251 de 15 de junho de 2010 Altera dispositivos da Lei nº 10260 de 12 de julho de 2001 que dispõe sobre o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior FIES entre outras providências Diário Oficial da União seção 1 Brasília DF p 1 16 jun 2010 CAVALCANTI S Desigualdade e urbanização no Brasil desafios e perspectivas Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais v 12 n 1 p 1530 2020 CUNHA Fernanda Ielpo da NOGUEIRA Aurinete Alves FIALHO Lia Machado Fiuza Do racismo à exclusão educacional do quilombo Sítio Veiga Revista Eletrônica Científica Ensino Interdisciplinar Mossoró v8 nº 28 dez 2022 p940955 FRIZERO Mariana Gonçalves Quilombo Ivaporunduva Belo Horizonte FAFICH 2016 Disponível em httpswwwgovbrincraptbrassuntosgovernancafundiariaivaporunduvapdf Acesso em 09 out 2024 GODOY Arilda Schmidt Introdução à pesquisa qualitativa e suas possibilidades RAE Revista de Administração de Empresas São Paulo v 35 n 2 p 5763 1995 IBGE Cidades e campos Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 2018 Disponível em httpswwwibgegovbr Acesso em 04 out 2024 MEIHY José Carlos Sebe Bom RIBEIRO Sílvia Lane Santana Guia prático de história oral para empresas universidades comunidades famílias São Paulo Contexto 2011 COMISSÃO CIENTÍFICA IV FESTIVAL OCUPAÇÃO PRETA A HISTÓRIA DE UM É A NARRATIVA DE TODOS 23 NASCIMENTO Beatriz O conceito de quilombo e a resistência cultural negra Afrodiáspora Revista de Estudos do mundo negro Ano 3 n 6 e 7 1985p 4149 Disponívelhttpsipeafroorgbracervodigitalleituraspublicacoesdoipeafroafrodiasp oravol6e7Acesso 05 ago 2024 OLIVEIRA Samuel Silva Rodrigues de BORGES Roberto Carlos da Silva Ruth Pinheiro trajetória de vida e movimento negro contemporâneo no Rio de Janeiro 19481988 Revista do Programa de PósGraduação em História Universidade Federal do Rio Grande do Sul v 302023 p 117 Disponível em httpsseerufrgsbranos90 Acesso em 09 out 2024 QUILOMBOS DO RIBEIRA comunidades quilombolas do Vale do Ribeira 2011 Ivaporunduva Disponível em httpswwwquilombosdoribeiraorgbrivaporunduvahistoricotextSurge20como 20povoado20no20sC3A9culoum20grupo20de201020escravos Acesso em 09 out 2024 SÁSILVA J R ALMEIDA C D GUINDANI J F Pesquisa documental pistas teóricas e metodológicas Revista Brasileira de História Ciências Sociais v 1 n 1 p 114 jul 2009 Disponível em httpsperiodicosfurgbrrbhcsarticleview10351 Acesso em 09 out 2024 SANTOS M ALMEIDA R Dinâmicas periurbanas conflitos e desafios na urbanização Revista de Geografia do Brasil v 16 n 3 p 4562 2019 SILVA Denise A REIS Tani G Um outro Zumbi de Palmares o quilombismo como valor simbólico em poemas afrobrasileiros contemporâneos Fólio Revista de Letras Vitória da Conquista v 8 n 1 p 119136 janjun 2016 COMISSÃO CIENTÍFICA IV FESTIVAL OCUPAÇÃO PRETA A HISTÓRIA DE UM É A NARRATIVA DE TODOS