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História

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1 UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ UNIOESTE CAMPUS DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON PROGRAMA DE PÓSGRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM HISTÓRIA PPGH ÁREA DE CONCENTRAÇÃO HISTÓRIA PODER E PRÁTICAS SOCIAIS LEOZIL RIBEIRO DE MORAES JUNIOR Mastro A Formação do Movimento dos Agricultores Sem Terra do Oeste do Paraná 19701990 Marechal Cândido Rondon 2010 2 UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ UNIOESTE CAMPUS DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON PROGRAMA DE PÓSGRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM HISTÓRIA PPGH ÁREA DE CONCENTRAÇÃO HISTÓRIA PODER E PRÁTICAS SOCIAIS LEOZIL RIBEIRO DE MORAES JUNIOR Mastro A Formação do Movimento dos Agricultores Sem Terra do Oeste do Paraná 19701990 Trabalho apresentado à Banca Examinadora da Universidade Estadual do Oeste do Paraná Campus Marechal Cândido Rondon como exigência para obtenção do Título de Mestre em História sob orientação da Profa Dra Sarah Tibes Ribeiro Marechal Cândido Rondon 2010 3 Dados Internacionais de CatalogaçãonaPublicação CIP Biblioteca da UNIOESTE Campus de Marechal Cândido Rondon PR Brasil Moraes Junior Leozil Ribeiro de M827m Mastro a formação do movimento dos agricultores sem terra do oeste do Paraná 19701990 Leozil Ribeiro de Moraes Junior Marechal Cândido Rondon 2011 151 p Orientadora Profª Drª Sarah Iurkiv Gomes Tibes Ribeiro Dissertação Mestrado em História Universidade Estadual do Oeste do Paraná Campus de Marechal Cândido Rondon 2011 1 Movimentos sociais 2 Movimento dos Agricultores Sem Terra do Oeste do Paraná Mastro 3 Trabalhadores Rurais SemTerra I Universidade Estadual do Oeste do Paraná II Título CDD 22ed 30556 33331 CIPNBR 12899 Ficha catalográfica elaborada por Marcia Elisa Sbaraini Leitzke CRB9539 4 UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ UNIOESTE CAMPUS DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON PROGRAMA DE PÓSGRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM HISTÓRIA PPGH ÁREA DE CONCENTRAÇÃO HISTÓRIA PODER E PRÁTICAS SOCIAIS LEOZIL RIBEIRO DE MORAES JUNIOR Mastro A Formação do Movimento dos Agricultores Sem Terra do Oeste do Paraná 19701990 Dissertação de Mestrado apresentada como prérequisito para a obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós Graduação Stricto Sensu em História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná campus de Marechal Cândido Rondon Marechal Cândido Rondon de de 2010 BANCA EXAMINADORA Profa Dra Sarah Tibes Ribeiro Orientadora UNIOESTE Prof Dr Antônio de Pádua Bosi UNIOESTE Prof Dr Vagner José Moreira UNIOESTE Prof Dr Cláudio Lopes Maia UFG Campus de Catalão 5 Resumo Este trabalho procura compreender os processos que tornaram possível a organização dos sujeitos em movimentos sociais de luta pela terra no oeste do Paraná nas décadas de 70 e 80 O estudo do Movimento dos Agricultores Sem Terra do Oeste do Paraná Mastro desconstrói perspectivas que colocam como sujeitos apenas lideranças eou entidades organizativas como sindicatos partidos e igrejas Ou ainda as políticas de modernização da agricultura que excluíram milhares de famílias de suas pequenas propriedades e posses Assim seguindo a fala e a interpretação daqueles que fizeram parte do processo procurasse contrapor as noções que usam as memórias dos sujeitos apenas como complemento e ilustração de bibliografias esses vistas como as únicas formas de construção de posições políticas e historiográficas A pesquisa aponta à importância do Mastro para a constituição do MST revela uma quantidade importante de fontes e problematiza a questão da concentração fundiária no oeste do Paraná Tenta percorrer os debates de classes e os conflitos que se estabeleceram no seio do Mastro e indica a consciência de classe desses grupos Palavraschave Organização Movimentos Sociais e Oeste do Paraná Abstract This work seeks to understand the processes that made possible the organization of individuals in social movements that struggle for land in western Parana in the 70 and 80 The study of the Movement of Landless Farmers in the West of Paraná Mastro deconstructs prospects subject only posing as leaders and or organizational entities such as unions churches and parties Or the modernization of agriculture policies that excluded thousands of families from their small holdings and possessions Thus following and interpreting the speech of those who were part of the process sought to counter the notion that use the memories of the subject only as a complement and illustration of bibliographies those seen as the only ways to build political and historiographical positions The research points to the importance of Mast for the constitution of the MST reveals a number of important sources and discusses the issue of concentration of land ownership in western Paraná Try to go through class debates and conflicts that have been established within the Mast and indicates the class consciousness of these groups Keyboards Organization Social Movements e West of Paraná 6 Agradecimentos Agradeço e dedico esse trabalho ao meu amor Flaviane Mônica Christ Rosangela Christ e Elemar Christ por ajudarme a tornálo possível Agradeço a Antonio de Pádua Bosi pelas ajudas e a Sarah IurKiv Ribeiro pela paciência e compreensão 7 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO 08 CAPÍTULO 1 1 SUJEITO EM FORMAÇÃO DINÂMICAS DE VIDA NA DÉCADA DE 70 27 CAPÍTULO 2 2 O MASTRO A INSTITUCIONALIZAÇÃO DE UM MOVIMENTO 58 CAPÍTULO 3 3 O MASTRO E O MST LEGADO DA LUTA 101 CONSIDERAÇÕES FINAIS 139 FONTES Fontes escritas 145 Fontes orais 146 Referências Bibliográficas 148 8 APRESENTAÇÃO Desde 2001 quando da eleição do presidente Luiz Inácio da Silva que se colocava a favor de movimentos sociais de trabalhadores sobretudo os ligados as questões campo como o MST surge o interesse de pesquisar os movimentos de trabalhadores sem terra O interesse se deu a principio pela própria superexposição que a mídia fazia dos movimentos naquele contexto com as tentativas de criminalização das lideranças e a classificação massiva dos movimentos como sendo um grupo em oposição a legalidade e que as medidas violentas tomadas pelo Estado ou por grupos armados da sociedade civil eram perfeitamente justificáveis diante da ilegalidade do próprio Movimento Mas sobretudo comecei a estudar esses movimentos sociais no campo como tentativa de compreender mais profundamente os processos de sua constituição de sua lógica e principalmente na tentativa de formar uma concepção quanto a justeza de suas propostas e as formas delas serem aplicadas No ano de 2003 ao término do curso de Comunicação Social apresentei um trabalho monográfico em que analiso nos principais jornais da cidade de Cascavel Gazeta do Paraná e O Paraná durante todo ano de 2001 as formas como essas mídias tentaram criminalizar o MST já que a região oeste era palco de conflitos entre trabalhadores sem terras nas ocupações de áreas e o Estado ou por vezes com o próprio latifúndio Desse trabalho em que uso uma teoria do Jornalismo chamada Agenda Setting que procura explicar os comportamentos e opiniões que as informações causam nos mais variados públicos leitores cheguei a conclusões simplistas como o fato de que em públicos sem contato real como o MST as informações seriam de algum modo tidas como verdade e portanto as pessoas tenderiam a ter visões distorcidas do Movimento Mas a pesquisa ficou incompleta na medida em que não fui na prática verificar se a teoria estava de fato confirmada Mas foi importante como um pequeno exercício de entendimento dos meios de comunicação e sua relação com movimentos sociais Esse estudo nos mostrou que esses jornais eram embora entrecortados por lutas de classe já que formados por pessoas da sociedade dirigidos no intuito de denegrir o MST pois as formas de direção e manipulação dos donos dos jornais que senão eram políticos e latifundiários a ligação se estabelecia de maneira fácil Assim uma visão política progressista no levou ao interesse de procurar entender ainda mais profundamente esse movimento 9 Um segundo trabalho realizado na graduação do curso de História da Unioeste procurou entender um pouco o debate do movimento que naquele momento se mostrava como um discurso ecologista e de preservação do meio ambiente que se implantava no MST a partir de 2006 Esse trabalho nos levou a conclusão que embora o MST partilhasse de discursos com ONGs de preservação de recursos apenas como forma de desviar o foco das atenções dos verdadeiros problemas do campo o movimento ia além e usava esse discurso para se contrapor as propostas de capitalização do campo levadas a termo por grandes empresas multinacionais no oeste do Paraná E muito distante das propostas de uma luta sem inimigos claros em que todos o são como é o discurso ecologista o MST apontava e debatia com os causadores da destruição do ecossistema inclusive fazendo um enfrentamento direto ocupando áreas de empresas multinacionais como a Singenta Esse estudo iniciouse a partir da colaboração com a irmã amiga e namorada Flaviane M Christ que pesquisava o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Miguel do Iguaçu e eu na época o tema MST e o discurso conservacionista a partir de uma coleta de fontes para seus trabalhos monográficos tomei conhecimento de um rico conjunto de fontes cuidadosamente arquivada dentro desse sindicato de um movimento chamado MASTRO Movimento dos Agricultores Sem Terra do Oeste do Paraná Qual não foi minha surpresa em perceber que o oeste paranaense havia tido não apenas um rico movimento social levado a cano por trabalhadores do campo como um Movimento reconhecidamente importante para a articulação e desenvolvimento anos mais tarde de um movimento nacional o MST Esse material colocava apenas por sua existência mas muito mais pelo seu conteúdo em dúvida os vários trabalhos locais e até nacionais que contavam uma história dos movimentos sociais no campo sem mostrar esses sujeitos ou quando muito apenas em trechos introdutórios mas nunca de uma maneira aprofundada muitas das vezes apenas citando míseros trabalhos de outros A partir desse conjunto de fontes principalmente atas correspondências ofícios fotografias relatórios de assembléias e encontros tornou possível a indicação de outro conjunto ainda mais rico de fonte os próprios trabalhadores que participaram do processo de luta e suas memórias esquecimentos e silêncios que como nos indica Michel Pollak embora deixada de lado por uma historiografia oficial que forma uma memória coletiva não pode ser silenciada e apenas fica subterrânea mas nas disputas pode novamente aparecer Do mesmo 10 modo concordamos com as noções de Yara Aun Khoury1 que percebe as memórias num campo de disputa e instrumento de poder pois é a partir das memórias que circulam interagem e são apropriadas pela História e que são transformadas em experiência social vivida é que nos debruçamos Portelli2 propõem que não se pode trabalhar apenas com essas narrativas pois estaríamos lidando com uma multiplicidade de memórias fragmentadas e internamente divididas que são ideológica e culturalmente mediadas daí a importância de historicizar essas falas a partir do passado e presente dos indivíduos e interpretálas criticamente Noção ampliada por Khoury ao dizer que os processos sociais são apreendido na sua singularidade mas relacionados a dinâmica social mais ampla Pois a História é igualmente influenciada pelos modos específicos de como as pessoas vivem e interpretam os processos sociais pois enquanto disputa de forças sociais envolve igualmente valores sentimentos e interesses que produzem significações sociais e viram memórias interferindo na História Assim percebemos que os sindicatos dos trabalhadores rurais do oeste do Paraná guardam um significativo conjunto de documentos em seus arquivos apenas provisoriamente organizados e que os dirigentes não tem conhecimento da importância desse material historiográfico ou que em alguns casos podem ficar vitima de pessoas que não pretendem que uma memória de luta e confrontos deva existir Assim tanto o sindicato de São Miguel do Iguaçu como o de Medianeira que tiveram uma participação no MASTRO possuem correspondências com órgãos governamentais boletins internos e jornais da época fichas não digitalizadas de todos os membros com informações material iconográfico constantemente mudando de sala sob o risco de alguém os jogar em lixo Esse trabalho ao se ater no entendimento do MASTRO parte da compreensão de que olhar a historicidade é ver como Le Goff3 propõe o futuro e o presente dentro da temporalidade do passado assim nosso tema abrange a própria história dos movimentos organizados por trabalhadores rurais na região e seus encaminhamentos na atualidade Por isso não estabelecemos um corte separador entre o passado o presente e o futuro mas 1 KHOURY Yara Aun Muitas memórias outras histórias cultura e sujeito na história In et alli org FENELON Déa MACIEL Laura Antunes ALMEIDA Paulo Roberto de KHOURY Yara PEIXOTO Muitas Memórias Outras Histórias SP Olho D Água 2004 2 PORTELLI Alessandro O massacre de Civitella Val di Chiana Toscana 29 de junho de 1944 mito e política luto e senso comum In FERREIRA Marieta e AMADO Janaina Usos e Abusos da História Oral Rio de Janeiro Ed FGV 1996 3 LE GOFF Jaques História e Memória Campinas editora da Unicamp 2003 11 ligamos o passado e a atualidade percebendo as permanências e as rupturas entre o MASTRO e o atual movimento dos Trabalhadores Sem Terra o MST As aproximações e comparações entre as lutas e a história dos movimentos MASTRO e MST que podem ser a princípio pensadas como anacrônicas são analisadas a partir das diferenças que se processam em contextos diferentes mas como reflete João Pedro Stédile4 carregam o mesmo caráter de serem de trabalhadores rurais que reivindicam para si as experiências anteriores Mas a parte de ser uma contribuição também reivindicamos que a experiência do nosso movimento não foi moldada pelo contexto socioeconômico do país mas também porque procuramos aproveitar as experiências e os acertos dos movimentos sociais que nos antecederam fazendo questão de resgatar essa experiência histórica educando a nossa militância como sendo os verdadeiros herdeiros dos que lutaram antes de nós no meio rural começando por Canudos e Contestado e se quiser ir mais longe por Zumbi Ajuricaba e tantos outros lutadores do povo no período colonial5 Também precisamos pensar como se processa as lutas de memórias pois se percebe que o MASTRO não é um Movimento lembrado dentro da história do MST e dos movimentos sociais no campo Ou apenas numa breve citação em muitos trabalhos Stédile mesmo afirma que o MST tem a oportunidade de aprender e incorporar elementos de luta de classe no campo como as empreendidas por movimentos anteriores como as da ULTABs União de lavradores e trabalhadores agrícolas do Brasil com sua vida clandestina e a sua formação de sindicatos com as Ligas Camponesas e a radicalidade maior de suas lutas e com o MASTER Movimento dos agricultores sem terra que influenciados pela corrente trabalhista passam a um conhecimento mais preciso das questões agrárias Mas mesmo assim reconhece muito apressadamente as influencias e participações do MASTRO É insuficiente observar e afirmar que o MST nasceu de um processo de enfrentamento e resistência à política de modernização do setor agropecuário efetivada antes e durante o Regime Militar O fato de destrinchar tal política e revelar sua composição e extensão concentração da propriedade da terra expropriação de posseiros meeiros parceiros e pequenos proprietários mudança técnica nos padrões de produção e negociação das culturas 4 STÉDILE João Pedro Os Trabalhadores Sem Terra MST Alguns dados históricos IN CHEVITARESE André Leonardo org O campesinato na História Relume Dumará 2002 5 Idem ibidem Pg 238 12 etc não nos exime de discutirmos os sentidos que compuseram e compõem tais processos históricos A historiografia que tem se debruçado sobre as lutas dos trabalhadores no campo tanto quanto a sociologia avançou muito no reconhecimento e na problematização das relações entre as políticas de governo e os trabalhadores Trabalhos que têm investido neste tipo de abordagem com abrangência nacional como o de Zilda Iokoi6 de Bernado Mançano7 e de José de Souza Martins8 e trabalhos que discutem esta questão no Oeste do Paraná como o de Davi Felix Schereiner9 e de Eliane Cardoso Brennesien10 esclareceram diversos pontos sobre a constituição de sujeitos coletivos que lutam pelo direito a terra como o MST Certamente que esta realização feita por este tipo de abordagem nos colocou num patamar que permite agora questionar a pressão produzida pelas políticas de governo sobre os trabalhadores como o motivo privilegiado que explica a convergência de homens e mulheres em movimentos sociais Também nos amparamos numa tradição historiográfica mais antiga que rejeita interpretar as lutas dos trabalhadores como reações a tais políticas Inspirados em Edward Thompson11 entendemos que os trabalhadores não respondem simplesmente às situações vividas sob o peso da expansão e das mudanças nas relações de trabalho no campo Vivendo suas próprias experiências os trabalhadores pensam e agem a partir de seus próprios recursos culturais construindo e participando de lutas que traduzem suas compreensões sobre os sujeitos e as instituições que lhes pressionam Desse modo procuramos entender e explicar a formação do MASTRO recorrendo à percepção dos trabalhadores que o fizeram em meio a pressões e limites vividos historicamente O nosso processo de escolha dos sujeitos para falar do movimento parte de inicio dos documentos encontrados no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Miguel do Iguaçu lá vimos também os nomes dos dirigentes e que ocupavam funções de lideranças como Sávio Élcio Benke e outros Mas para tentar fugir dessa perspectiva de dar voz apenas que sabe o que falar fomos atrás dos trabalhadores que foram acampados na região com a luta do 6 IOKOI Zilda M Gricoli Lutas pela Terra Rio de Janeiro Paz e Terra 1986 7 FERNANDES Bernardo Mançano MST formação e territorialização São Paulo Hucitec 1996 8 MARTINS José de Souza Camponeses e a Política As lutas sociais no campo e seu lugar no processo político Petrópolis Vozes 1986 9 SCHREINER Davi Felix Entre a Exclusão e a Utopia Um Estudo Sobre os Processos de Organização da Vida Cotidiana nos Assentamentos Rurais São Paulo USP 2002 Tese 10 BRENNESIEN Eliane Cardoso Lutas pela terra no oeste paranaense Limites e contradições de um projeto coletivo de produção Dissertação de mestrado São Paulo Puc 1994 11 THOMPSON Edward P A miséria da teoria ou um planetário de erros Rio de Janeiro Zahar 1981 13 MASTRO O primeiro assentamento visitado foi em São Miguel do Iguaçu que carrega o nome de Miguel Isolar Sávio Lá fizemos quatro importantes e aprofundadas entrevistas com assentados que haviam participado do movimento desde o começo seu Otomar José Felipe Antonio de Souza Martins Vlademiro Sorsuk Carlito dos Santos Abreu Depois fomos até centrooeste do Paraná na cidade de Mangueirinha conversar com sujeitos que participaram da primeira ocupação de terras e acampamentos inclusive na capital do estado e como resultado os primeiros assentados da região Lá no assentamento Vitória da Conquista conversamos com mais quatro pessoas que nos ajudaram a entender as violências e as dificuldades do início de uma radicalização maior no movimento Foram elas Noeli Becker e seu esposo Arno Becker Alfredo Danhause e Lenir Altissimo Ainda entrevistamos alguns trabalhadores no próprio sindicato em momentos que estávamos coletando fontes escritas e esse indivíduos eram indicados pelo presidente do sindicato Claudio Rodrigues como participantes da luta mas que necessariamente não conquistaram a terra ou não continuavam nos assentamentos Esse podemos destacar Elcio Benke Miguel Isolar Sávio Eloi Faccio No caso do Pastor Fuchs fomos até Curitiba em sua casa para realizar a entrevista Havia nas entrevistas um norte a partir das questões que se tentava entender mas as entrevistas iniciavam a partir do presente das pessoas de suas vidas como questões pessoais se eram casados quantos filhos escolaridade Num segundo momento falávamos do passado mas sem ainda entrar no MASTRO suas origens por que da decisão de vir para o Oeste do Paraná Depois entravamos nas sua participação no movimento a história e sua trajetória nele como e porquê da entrada no movimento Depois pedia que refletissem sobre a participação ou não no MST se participavam ainda e concordavam com a luta Em média cada entrevista durava em torno de uma hora e meia algumas a conversa se alongou até por duas horas e meia e seguia muito o ritmo e a fala de cada entrevistado Por exemplo se ele começava falando de sua participação no movimento já que introduzíamos o assunto a ser tratado quando nos apresentávamos ao trabalhador e assim deixávamos as questões mais pessoais para o fim Procuro enfocar nesse trabalho o problema da expulsão dos trabalhadores de suas terras abordar as tentativas de retorno ao campo através das lutas e organizações em movimentos tentando traçar uma trajetória embora incompleta pela dinâmica concreta das 14 vidas que tente dar conta de mostrar a própria historicidade do movimento e não abordálo enquanto pronto e acabado do início Assim embora no início da pesquisa e mesmo na confecção do projeto trabalhavase e afirmavase que fazia uma história da luta camponesa no oeste do Paraná percebi a partir do momento que as leituras foram sendo feitas que abordar o tema na perspectiva de questão agrária ou de movimento camponês era empobrecer a experiência dos sujeitos além de lançar mão de um conceito que não respondia as questões que na atualidade se configuravam Por exemplo Marcus Dezemone12 que segue a tradição de interpretar os movimentos de trabalhadores rurais como a partir da noção de camponeses fala que esses tem sido estudados por historiadores sociólogos e economistas mas são tomados a partir das mobilizações políticas onde se enfatiza o conservadorismo e reacionarismo aversão a mudanças e transformações sociais como incapaz de lutar e reivindicar interesses e demandas próprias Essas vêm de posturas políticas permeadas de preconceitos urbanos cuja origem vem do Iluminismo do século XVIII das teses de pensadores como Voltaire que irá afirmar que o camponês não conhece nada além de suas terras que seria o selvagem da Europa pois cria uma distinção social e política que justifica a visão pejorativa do camponês incapaz de vida política e opiniões próprias Isso por que o movimento burguês tinha como objetivo reafirmar a diferenciação e a superioridade das elites ditas civilizadas Outro conjunto de interpretações dos movimentos de trabalhadores rurais tem se efetivado a partir das mobilizações políticas inspiradas por Karl Marx e Friedrich Engels No 18 Brumário segundo Marx13 o Bonapartismo calcavase no conservadorismo da massa camponesa da França que elege Napoleão e depois o apóia em seu golpe que estabelece o Segundo Império Marx descreve as famílias camponesas dedicadas a subsistência empobrecidas e tecnologicamente atrasadas em comparação com as da cidade com pouca ou nenhuma comunicação incapazes de articularem interesses comuns Contudo sua análise apenas pode ser entendida como pontual de um dado momento histórico de um país e não uma matriz interpretativa que se deva aplicar para todos os movimentos vindos de trabalhadores do campo Dezemone denuncia análises que falam de uma incapacidade de luta e organização por parte dos camponeses e uma perspectiva do fim do campesinato Contudo procurando 12 DEZEMONE Marcus Revoluções camponesas do século XX IN SILVA Francisco Carlos Teixeira coord O século sombrio Guerras e revoluções do século XX Rio de Janeiro Elsevier 2004 13 MARX Karl O 18 Brumário de Napoleão Bonaparte Rio de Janeiro Editora Vitória 1956 15 desmontar uma noção estereotipada de trabalhadores do campo tende a criar outra ao generalizar e a perceber uma classe social que é atemporal e portanto fora da história Dezemone avança na compreensão de camponês ao não limitar sua análise à apenas a questões de estrutura econômicas como a não propriedade da terra o trabalho essencialmente familiar e uma autonomia das decisões econômicas para uma concepção que envolve as mobilizações políticas e as demandas efetivas como também o reconhecimento do grupo e de outros grupos no conjunto de suas reivindicações e interesses próprios Maria Paula Araújo analisa sobre a ótica do campesinato como isso foi interpretado na teoria marxista e a partir do projeto revolucionário socialista no fim do século XIX e início do XX A análise das lutas camponesas pode romper com uma visão essencialista dos grupos sociais que atribui a priori quais seriam as características de uma classe O que se busca é dar conta dos diferentes comportamentos observados em função das diferentes condições históricas resgatando com isso a especificidade de cada luta 14 Araújo também aborda a questão dos movimentos sociais de trabalhadores do campo dentro do conceito de camponês e procura mostrar a aparente incompatibilidade do camponês enquanto pequeno proprietário e a teoria marxista Analisando a obra do marxista Karl Kaustsky A Questão Agrária Araujo revisita autores que afirmaram que o desenvolvimento capitalista levaria ao fim da pequena propriedade camponesa Essa hipótese foram reforçadas durante o século XX pelo êxodo rural e a concentração fundiária Contudo esse debate não fora inaugurada com autores contemporâneos mas a muito já vem sendo discutido Essa perspectiva já fora questionada por Lênin sobretudo pelo apoio camponês a Revolução Russa Sensível aos imperativos da realidade no plano político Lênin através da NEP Nova Política Econômica permite a coexistência entre a propriedade socialista e a privada do campo tanto como solução econômica para acelerar a produtividade como para manter o apoio camponês Segundo Araújo tratavase de manter o campesinato dentro do bloco revolucionário Essa visão da autora demonstra a perspectiva de não considerar os sujeito no seu fazer histórico mas apenas os blocos a massa e nessa noção que entende esse camponês Araújo fala que a partir de Stalin o processo de socialização do campo na URSS feito com violência passou a tratar o camponês como inimigo e noção advinda e formadora 14 ARAÚJO Maria Paula Nascimento A questão camponesa na teoria marxista clássica IN CHEVITERESE André Leonardo org O campesinato na História Rio de Janeiro Relume Dumará 2002 Pg 72 16 de que o desenvolvimento histórico é feito por etapas Os partidos socialista teria então adotado estratégias que levassem adiante o que acreditavam ser a revolução burguesa nacional e democrática que supostamente levaria a proletarização vista como um passo necessário a Revolução Socialista Essas perspectivas mecânicas e etapistas continuam presentes nas noções que abordam o tema dos movimentos dos trabalhadores rurais como sendo revoltas camponesas sem realmente ver quem são esses sujeitos as contingências e expectativas que envolveram as suas lutas a decisão de se reunirem num movimento de se reconhecerem apesar da sociedade que os envolvem seja família legislação e Estado serem contra como parte do MASTRO A perspectiva de análise desses autores vão se concentrar nas estruturas discutindo por exemplo se o modo de produção camponês se é ou não capitalista Araújo reafirma a noção de Chayanov de que o fato de ser proprietário do solo não qualifica esse como capitalista já que diferente do empresário capitalista que procura maximizar os lucros o pequeno proprietário produtor se dedica a uma atividade familiar e de subsistência Embora avaliando como José de Souza Martins15 que os movimentos dos trabalhadores sem terra iniciem ocupando fazendas que não cumpriam sua função social como forma de chamar a atenção da sociedade para a pobreza a miséria e a desigualdade social brasileira do mesmo modo podemos pensar que o fato de serem excluídos do campo pelo capital e excluídos da cidadania na cidade os leva a partilhar e a partir disso pensar uma identidade de sem terra mas isso não pode ser uma conclusão descolada da sua vida e genérica que serve como regra para qualquer movimento Se assim se procede se deixou de fazer a História desses Movimentos É preciso explicar como Esses movimentos configuram embates paralelos mas ao mesmo tempo com objetivos comuns acabar com a exclusão social e criar espaços de participação política dos camponeses para a democratização da sociedade São modos de lutas constituídas na cultura e na experiência social16 Mas essa tradição de lutas no campo apareciam em muitos trabalhos que tivera contato até então como sendo exógenas ou então aplicadas na região de forma externa Primeiro por que o início desse movimento eram apresentados como sendo o Rio Grande do Sul e as experiências de Encruzilhada Natalino e Ronda Alta 15 MARTINS José de Souza Camponeses e a Política As lutas sociais no campo e seu lugar no processo político Petrópolis Vozes 1986 16 Idem ibidem Pg 80 17 Qual não foi a surpresa quando ajudando no levantamento de dados de uma pesquisa sobre o sindicalismo rural no oeste do Paraná vejo diante de mim um conjunto de fontes falando de um movimento de trabalhadores rurais sem terra na região bem antes da fundação do MST Assim percebi que poderia entender melhor a constituição do movimento nacional dos trabalhadores sem terra MST os processos históricos da região oeste do Paraná e a constituição do movimento de trabalhadores do próprio oeste do Paraná o MASTRO O MASTRO surgiu no fim do primeiro ano da década de 80 no mês de outubro realizouse a primeira reunião Embora o nome agricultores sem terra seja diferente de trabalhadores sem terra percebese que apenas em documentos do inicio é que os sujeitos do MASTRO se denominam agricultores O que parece evidenciar uma tentativa de direção seja por parte de Igrejas Sindicatos Rurais Entidades Assistencialistas e Órgãos de Governo ou Partidos Políticos Esse movimento existiu efetivamente por apenas meia década de fim de 80 até 86 mas as pessoas assentadas no estado nesse período lembram do movimento e se sentem mais participantes dele de que do MST Num sentido histórico é sempre difícil estabelecer inícios e fins para eventos ainda mais difícil para um movimento composto por pessoas e histórias individuais e coletivas que sentiram fazendo parte do movimento em momentos diferentes O MASTRO era constituído sobretudo de filhos de pequenos agricultores que ao entrarem na vida adulta e constituírem família não puderam continuar usando a terra como laboratório de sua existência e organizamse num movimento que lutou e criou estratégias para a volta e manutenção dos trabalhadores rurais no campo Na interpretação de outros pesquisadores ele foi apenas um pequeno interlúdio para a formação daquele que seria o verdadeiro representante dos trabalhadores sem terra em nível nacional o MST Dentre os trabalhos que tem uma discussão sobre o Mastro podemos citar o de Eliane Cardoso Brenneisen17 que dedica um capitulo de sua dissertação ao movimento Mas a perspectiva avança até o reconhecimento de que a estrutura concentracionista da deterioração das condições de vida e trabalho identificado como um processo de pauperização e proletarização que submetia esses trabalhadores fezlos reagir mas não avança no sentido de mostrar os sujeitos do movimento mas apenas o movimento como um sujeito 17 BRENNESIEN Eliane Cardoso Lutas pela terra no oeste paranaense Limites e contradições de um projeto coletivo de produção Dissertação de mestrado São Paulo Puc 1994 18 Tratase de um sujeito social que se constitui frente à situação de exclusão proletarização e deterioração das condições de vida e de reprodução da sua existência social É nesse contexto de expropriação aliada ao agravamento dessa situação pelo processo desapropriatório para a construção da Usina Hidroelétrica de Itaipu e da experiência de acumulada desta luta que emergiu a figura política coletivamente construída Os SemTerra do oeste paranaense18 Brennesien não prioriza em sua investigação a percepção dos trabalhadores envolvidos nas lutas por terra Seu foco voltase mais para os processos de construção de barragens que desapropriaram os pequenos proprietários e atribui a tradição de luta pela terra no Oeste paranaense a movimentos anteriores Brennesien traça a trajetória política dos movimentos sociais durante a ditadura insistindo na perspectiva de que eram novos movimentos por suas características de fazer política de maneira descentralizada autônoma e espontânea e com caráter que segundo ela ultrapassariam o econômico por exemplo movimentos negros por saúde e educação Insiste ainda na visão da importância das igrejas cristãs através da CPT que segundo ela iniciaram com uma proposta de apoiadora dos movimentos sociais e passa a assumir a posição de mediadora para afastar dos partidos vanguardistas Visão que supervaloriza a importância das igrejas Propondo queA despeito disso importa aqui ressaltar o papel empreendedor das CEBs nos movimentos na década de 70 e também da CPT no caso dos movimentos pela terra na construção de novas identidades políticas nos movimentos que atuam a nova maneira de fazer política que anunciam estimulando comportamentos autônomos e democráticos Podemos facilmente concordar com a participação das igrejas mas não sem avaliar seus interesses e muito menos pensando que ela propiciou a emergência de um novo espírito democrático Se essa identidade política foi criada não foi de cima para baixo mas segundo nossa interpretação histórica fruto da luta dos trabalhadores Brennesien quando fala da organização do movimento fala a partir de números estatísticos que mostram o crescimento da participação de novas cidades que passam a formar esses grupos de que preferencialmente os lideres de cada comunidade eram agentes da Pastoral da Rural e da CPT que houve um estimulo para a elaboração de reivindicações feitas pela base mas utiliza fala de pessoas que fizeram parte do movimento Cita apenas uma entrevista nesse trecho do trabalho e não cita o nome dela mostrando que sua perspectiva não 18 Idem ibidem Pg 83 19 é de valorizar os trabalhadores mas o movimento enquanto entidade política espiritual mesmo que fosse dessa forma fantasmagórica precisaria de homens para fazêlos mas esses homens não aparecem E assim dedica boa parte do capitulo em que debateria a organização do movimento em um subcapítulo denominado A atuação da igreja na formação de uma identidade político religiosa em que fala sobre a conscientização e politização que a igreja teria feito ao movimento Ao discorrermos no capítulo anterior sobre a fundamentação bíblica do ensino social da igreja a opção preferencial pelos pobres defendida em Medellin e Puebla e já traçarmos a trajetória política da Igreja progressista do Brasil até a formação da CPT nosso objetivo foi de através dessa breve incursão histórica sem a pretensão de ser conclusiva obter subsídios para a análise da atuação da própria Igreja no Movimento principalmente na formação de uma identidade políticoreligiosa entre os agricultores19 A formação de uma identidade teve muito pouco a haver com as intenções bíblicas da igreja como analisaremos mas na visão de Bernnesien a intenção da igreja era promover a superação da situação de opressão de forma autônoma Quando apresenta os indivíduos diluídos e sem poder As decisões formas de pressão e estratégias de luta definidas nestes congressos foram levadas até à base pelas lideranças com ampla divulgação que passam a ser ponto de referência e de direção para o Movimento dos SemTerras a nível local Guiados por decisões de dirigentes ou precisando de cursos para entender a sua realidade a posse da terra os problemas enfrentados pelo movimento e para a troca de experiências que vencesse o isolamento essa noção que perpassa esse trabalho Outro trabalho A reforma agrária e o movimento camponês20 que aborda as questões de terra no oeste do Paraná são os anais de um encontro de geografia agrária reunido na Universidade Estadual de Maringá Embora o caráter de anais por si só já impõem ao texto um caráter de resumo e de apanhado geral percebese que na tentativa estabelecer uma retrospectiva histórica as noções sobre a luta por terra no oeste são de que os movimentos tenham surgido por causa de três etapas de interferência do Estado na colonização da região Na década de 30 e 40 o Estado teria agido no sentido de uma colonização empresarial e na criação de núcleos de pequenos agricultores 19 BRENNESIEN Eliane Cardoso Lutas pela terra no oeste paranaense Limites e contradições de um projeto coletivo de produção Dissertação de mestrado São Paulo Puc 1994 Pg 101 20 Xl ENCONTRO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA Anais Vol ll Mesas Redondas Maringá Universidade Estadual de MaringáDepartamento de Geografia dez 1992 20 Nos dois casos o objetivo visado era a ocupação das zonas interioranas com base na pequena unidade de produção De tabela estimulando as pequenas unidades produtivas o poder público estariam conseguindo a garantia do abastecimento de gêneros alimentícios nos centros urbanos o desenvolvimento econômico do setor agrícola e ao mesmo tempo interferir no processo de repartição da terra agrícola e atenuar os níveis de concentração da propriedade que já eram preocupantes Essa perspectiva considera o Estado com poderes sobre o conjunto da colonização quando na verdade isso não é possível e ainda acredita que o Estado estaria interessados em diminuir a concentração fundiária quando nós partimos da noção de um Estado entrecortado pela luta de frações de classe mas representante de uma classe assim muito diferente de atenuar a concentração da propriedade os governos procuraram titular terras em nome de grande empresas O exemplo citado pelo texto de que a Cango Colonia Agrícola Nacional General Osório que teria sido uma experiência de reforma agrária não representou em termos proporcionais nada de significativo na região apenas servindo para atrair os primeiros colonos Sobre as décadas de 50 e 60 o texto aponta que houve um esgotamento das terras na região e que isso teria gerado conflitos rurais entre posseiros e grileiros e companhias de colonização Assim o Estado teria assumido a postura de arbitro da questão e com o uso de tropas policiaismilitares forçando a desocupação das terras irregularmente apropriadas ato incrementado pela regulamentação fundiária através da distribuição de títulos de propriedade Novamente a perspectiva de ver a história se formando por forças do Estado sem a participação dos sujeitos Precisaríamos nos perguntar por que o Estado precisou usar o exército e polícia Em que momento e contra quem E duvidarmos principalmente que a intenção do Estado seja colocarse simplesmente como arbitro Essa visão de um estado positivo isento pode ser questionada Ao analisar os anos 70 o texto repete a mesma interpretação agora culpando outros elementos visíveis como motivo da organização dos trabalhadores Crises teriam sido provocadas pela construção da Hidroelétrica de Itaipu que teria inundado milhares de hectares e isso teria expulsado os agricultores essa perspectiva é problematizada no nosso trabalho E também coloca o processo de modernização da agricultura com responsável no aumento dos níveis de concentração de terra e expropriação dos trabalhadores sobretudo pequenos proprietários e empregados rurais 21 Por isso Nos dois casos os agricultores expropriados se organizaram e surge no Paraná os movimentos de reação que passam a contestar a estrutura fundiária como um todo e a exigir a Reforma Agrária dentro de um conjunto de medidas destinadas a solucionar a crise no campo21 As discussões sistematizadas nesses anais demonstram uma perspectiva de compreensão da organização de movimentos sóciomecânica materialista vulgar crise gerada pela ocupação desordenada conflitos sem interesses o Estado procurando resolver e o resultado é a reação Propondo uma supervalorização do papel do Estado acreditando no discurso de que ele procurava solucionar o problema agrário viabilizando o acesso a terra quando na verdade o papel dele era dificultar e impossibilitar esse acesso até como forma de valorização do Capital e do mercado de mãodeobra Um aspecto positivo desse texto é uma sistematização que mostra como a demora e a tentativa da Itaipu de ludibriar os agricultores que teriam direitos em indenizações por terem a contragosto que aceitarem uma proposta de modernização energética que atenderiam basicamente ao desenvolvimento do setor urbano e industrial e assim perderem para sempre seu espaço social de existência que não se limitava apenas a terra mas a todo conjunto de relações processada nas comunidades que foram igualmente inundadas No segundo semestre de 1981 na mesma época das primeiras reuniões do MASTRO após acampamentos de protestos na região que exigiam indenização justa a empresa aceita pagar 50 do valor da terra para as pessoas que não possuíam títulos de propriedade de suas terras antes a proposta era de pagar apenas as benfeitorias feitas o que daria um valor impossível de compra de outra terra Além de providenciar áreas para assentar esses agricultores no Estado do Paraná 400 famílias em Arapoti e 200 em Toledo Esse episódio depois de um tempo de luta dos agricultores demonstrou que o caminho no trato com o Estado era através de organização confronto e luta através de acampamentos de protesto abaixo assinados e greves como alguns interpretam sua participação política daquele momento Mas discordamos apenas no sentido de que Itaipu foi o laboratório para as primeiras aulas praticas que levaram ao aprendizado da mobilização camponesa no Paraná nos períodos mais recentes22 Itaipu fora um processo de aprendizado mas não o único e que na maioria dos casos nem sequer atingiu os sujeitos do MASTRO como veremos Nos anos 70 temos um grande conflito armado entre posseiros e grileiros e ainda não estudado pela historiografia na cidade de Medianeira e que teria gerado mortes bem como o 21 Idem ibidem Pg 113 22 Idem ibidem Pg 127 22 uso intensivo de tropas do batalhão do exército de Foz do Iguaçu na expulsão de posseiros de varias áreas que foram entregues às companhias colonizadoras no oeste e que também respondem muito melhor ao problema do que simplesmente afirmar que uma experiência gerou outra é bem provável que o movimento Justiça e Terra tenha aprendido com essas experiências bem mais do que as tenha formado como pretende as análises do texto que é representativo de muitas analises historiográficas feitas sobre a região Entusiasmados outros movimentos semterra de outras regiões também passam a se mobilizar aproveitando a experiência do movimento do Oeste que por sua vez havia aproveitado a experiência adquirida pelos expropriados de Itaipu E continua afirmando que novos movimento teriam surgido como o Mastes Movimento dos Agricultores SemTerra do Sudoeste do Paraná Afirmação quase desprovida de sentido uma vez que desde a década de 50 grandes conflitos tinha se processado no sudoeste do Paraná basta lembrar da Revolta dos Posseiro na região e perceber que experiência de Itaipu não poderia ter toda essa supervalorização embora tenha sido um momento de amadurecimento da organização de trabalhadores rurais que lutavam diante da perda de sua terra e de seu modo de vida Mas precisamos igualmente fugir de interpretações sobre a emergência de movimentos sociais no campo e aí os estudos são dedicados ao MST que valorizam em demasiado os processos sociais e esquecem que por detrás desse encontramse sujeitos A exemplo disso Bernardo Mançano Fernando23 que discute o surgimento do MST como um processo de enfrentamento e resistência às políticas de desenvolvimento agropecuário antes e durante o período do regime militar demonstra um processo de luta mas colocar o surgimento do movimento apenas como enfrentamento retira dos sujeitos a própria decisão de escolha no processo colocandoo apenas como alguém que reage a uma situação cada vez mais difícil O autor prossegue dizendo que a lógica da militarização da questão agrária tinha mantido o controle sobre as terras devolutas e distribuído imensas áreas a grandes grupos empresariais aumentando o número e a quantidade de terras dos grandes proprietários e que isso aliado aos financiamentos e subsídios do Estado proporcionou uma modernização da agricultura que alterou a estrutura da agrária com a intensificação da concentração de terras e que para isso teria gerado o MST Mas falta nessa explicação em que momento e de que forma os sujeitos resolveram se organizar A perspectiva desse trabalho aponta para que os trabalhadores sem terra apenas fosse guiados pelas condições de empobrecimento e transformação de pequenos 23 FERNANDES Bernardo Mançano MST formação e territorialização São Paulo Hucitec 1996 Pg 39 23 proprietários em trabalhadores destituídos das ferramentas meio e matérias para seu trabalho e reprodução de suas vidas Fernandes24 diz Em 1967 o maior latifundiário do Brasil cadastrado pelo IBRA homens do tinha coitado uns míseros 500 mil hectares Hoje temos na terra sem homens do Amazonas latifundiários com mais de 4 milhões de hectares havendo 3 com mais de 2 milhões 4 entre 1 e 2 milhões e 11 entre 500 mil e 1 milhão Essa concentração da propriedade da terra por si só não pode ser a explicação do surgimento do MST é preciso lembrar que esses dados podem inclusive explicar a realidade do Amazonas mas de outras regiões que sofreram processos parecidos e não iguais Essa concepção economicista e mecânica de interpretação dos processos históricos se desdobra em reflexões com as de Caio Prado Junior25foi no período que se fomentou a transformação das populações rurais em urbanas o que teria agravado a condições de sobrevivência das pessoas do campo Pois durante a segunda metade do século XX saltou de 50 para quase 80 a participação de urbanos na população total e nem todos os que continuam a fazer parte dessa minoria rural são dependentes de atividades agropecuárias para sobreviver ao contrário do acontecia antes de 1950 Nesse tipo de explicação os efeitos são usados para explicar as causas de maneira direta sem mostrar a riqueza e os conflitos que no concreto existiam Assim os movimentos rurais surgiam mecanicamente para se contrapor a processo que expropriaram os sujeitos de suas terras Sem se atentar para o fato de muitas vezes existirem outras expropriações que concretamente muitas vezes eram tão cara aos trabalhadores como a perca da terra Deste modo a afirmação de Fernandes de que No capitalismo o processo de produção do espaço social determina as suas formas por meio das relações sociais que são compreendidas na tríade formada pelo Capital trabalho assalariado e propriedade fundiáriaExplica de maneira geral mas não mostra como na prática isso ocorre na vida das pessoas explica a reprodução do Capital através da reprodução das relações sociais por ele retroalimentadas mas deixa dúvidas quando isso é colocado como análise final do processo de formação dos Movimentos Sociais 24 Idem ibidem 25 PRADO Caio Jr A questão agrária no Brasil São Paulo Hucitec 1992 24 Por isso sua interpretação de que Diante dessa realidade os trabalhadores rurais tem criado diversas formas de resistências durante toda a sua história através de lutas sociais no enfrentamento com o Estado com os proprietários de terras e capitalistas Carece de uma análise de como isso se processou na realidade pois como é apresentada a análise significa que as pessoas apenas constroem perspectiva de revolta e contestação na medida em que são pressionadas para tal ou que todas os momentos de expulsão de trabalhadores do campo poderiam gerar movimentos sociais de luta pela terra Na mesma perspectiva Eliane Paludo26 coloca o surgimento do MST como sendo provocado pela crise econômica na década de 70 que geraram trabalhadores sem terra A autora diz que as tecnologias através das máquinas e insumos agrícolas substituíram as velhas técnicas de cultivo e de manejo manual por tecnologia motorizada Essa modificação do espaço de trabalho modificou as relações sociais e por isso os trabalhadores se organizaram mas esses não são apresentados e suas falas valorizadas são apenas as dos representantes e líderes ou dos documentos oficiais Outra estudiosa que trilha essa noção é Zilda Iokoi27 que diz com o desenvolvimento e a subseqüente mecanização da agricultura os trabalhadores rurais se transformaram em mãodeobra desagregada estrutura produtiva e muitos perdiam suas terras açambarcadas pela agroindústria que se expandia em todo o país A questão agrária no Brasil28 obra política e social do militante do MST João Pedro Stédile faz um apanhado da história da má distribuição de terras no Brasil mostrando como surgiram as grandes propriedades de terra amparadas por legislação e as ações do governo Mostrando também o debate em torno da reforma agrária e as propostas desde as que pretendiam apenas um desenvolvimento do capitalismo a outras como a das igrejas que visavam afastar os trabalhadores sem terra de propostas de sociedade mais progressistas como as do PCB O autor procura do mesmo modo através de dados estatísticos mostrar como ainda hoje continua a situação da propriedade concentrada nas mãos de poucos com uma utilização que cumpre a função apenas de manter a riqueza concentrada a uma parcela pequena das elites do país 26 PALUDO Eliane Representação do Movimento dos Trabalhadores Rurais em terra Uma análise dos editoriais e artigos do Jornal Estado do Paraná e Folha de São Paulo MC Rondon Unioeste 1999 27 IOKOI Zilda M Grcoli Lutas pela terra Rio de Janeiro Paz e Terra 1986 Pg 73 28 STÉDILE João Pedro A questão agrária no Brasil Atual São Paulo 1997 25 Essa realidade associada a violência com que o governo tratou a questão durante o regime militar teria feito surgir o MSTDe 1979 a 1983 foram realizadas diversas ocupações de terra por um grande número de famílias de camponeses sem terra As lideranças dessas lutas foram trocando experiências e após vários encontros decidiram em janeiro de 1984 na cidade de Cascavel PR organizarse como um movimento nacional de luta pela terra e pela reforma agrária29A perspectiva de que as lideranças fizeram o processo ou decidem é outra noção que procuramos desconstruir Nossa hipótese de trabalho é de que o Mastro através de seus sujeitos trabalhadores sem terra foi um movimento que questiona o capital De que no recorte temporal de sua constituição o Mastro mais especificamente os indivíduos que o formam agiam numa perspectiva de sociedade e de História a qual estavam inseridos conscientes como classe Decorrente dessa hipótese tentamos questionar as perspectivas que apontam o Mastro como um movimento prépolítico cujo papel mais importante e de verdadeira contribuição histórica é o MST E assim o Mastro é percebido como fundamental na constituição do MST Outra análise se torna necessária a verificação de que o Mastro é constituído embora denominado por pesquisadores como agricultores e por eles mesmo num momento especifico de sua luta são trabalhadores rurais como meeiros posseiros bóiasfrias filhos de agricultores em vias de se tornarem sem terra ou então forçados a migração Ainda procuramos provar que o Mastro não foi um movimento controlado por nenhum partido agente externo ou personalidades mas se constituiu ele próprio num movimento específico como resultado das decisões e experiência de seus indivíduos Outra questão é que as pessoas que fizeram parte desse movimento se não eram ligadas a nenhuma suposta vanguarda de pensamento de esquerda de algum modo entenderam que aquele momento de suas vidas era importante a união e a formação de uma consciência coletiva que superasse os limites impostos pelo capital ou seja sua efetiva expropriação dos meios necessários a sua reprodução No primeiro Capitulo Sujeitos em formação dinâmicas de vida na década de 1970 Busco identificar analisar e discutir as condições históricas que antecederam a constituição do Mastro apresentadas pelos sujeitos que nele atuaram Entrevistas com ativistas do Mastro Bibliografia relacionada ao recorte proposto 1970 que aborde aspectos e dimensões do processo de expropriação desses sujeitos Trabalhadores rurais como meeiros posseiros 29 Idem ibidem Pg 44 26 bóias frias filhos de agricultores em vias de se tornarem semterra ou forçados a migração e fontes de jornal e fontes oficiais do governo me ajudam a entender este contexto No segundo Capítulo O Mastro a institucionalização de um movimento Identifico as principais demandas dos sujeitos que constituíram o Mastro atentando para as possíveis divergências existentes durante este processo proponho uma datação que expresse tal processo Tais divergências são explicitadas e discutidas a luz da percepção dos sujeitos que deram vida a elas Discuto ainda a presença de agentes externos ao movimento Igrejas partidos governos etc São agentes externos porque seus interesses não eram a terra isto é não eram sujeitos que lutavam pela terra Busco ainda discutir com a bibliografia sobre os movimentos sociais dos anos de 1970 e 1980 o significado de tal movimento é meramente reivindicativo e portanto temporário à medida que tem seus interesses contemplados ou se é mais denso e complexo à medida que expressa valores fixados na identidade centrada no trabalho No terceiro capítulo O Mastro e o MST legado da luta procuro identificar e discutir a relação do Mastro com o MST para o bem ou para o mal Isso principalmente com através das entrevistas com ativistas do Mastro e com militantes do MST que viveram tal processo histórico E ainda a documentação jornalística e sindical me ajudam a entender essas dinâmicas das lutas de classe 27 CAPÍTULO 1 1 SUJEITO EM FORMAÇÃO DINÂMICAS DE VIDA NA DÉCADA DE 70 Temos a disposição de nossos estudos uma rica e variada bibliografia oriunda principalmente de teses e dissertações ou mesmo livros30 que refletem sobre os processos históricos na década de 70 que de algum modo são importantes para se entender a história atual do oeste do Paraná Embora trabalhos tenham contribuído nesse entendimento muito pouco se refletiu sobre esse processo ora chamado de mecanização ora de modernização conservadora sob o ponto de vista dos sujeitos envolvidos nessa dinâmica os trabalhadores rurais do oeste do Paraná Faltanos ainda entender os sentidos e os significados que esses processos adquiriram nas vidas das pessoas Como os sujeitos experimentaram e quais valores atribuíram a projetos que certos momentos foram bem vindos mas em muitos outros contribuíram para a expropriação desses sujeitos Também precisamos refletir sobre quem são os sujeitos Seriam apenas as lideranças de movimentos sociais surgidos diante dos processos Se não são esses por que se gastou tanto tempo entrevistando apenas esses Por que as falas de inúmeros bóiasfrias meeiros arrendatários parceiros e trabalhadores das cidades tenham sido mantidas em silêncio nos círculos acadêmicos Será que esses trazem em suas falas aspectos que desconstroem as perspectivas daqueles que apontam como sujeitos os agentes governamentais empresas projetos desenvolvimentistas Muitas teses são escritas a partir dessa posição Itaipu desalojou e expropriou e por isso surgiram os movimentos sociais Quem é o sujeito histórico dessa perspectiva Se afirmamos que a CPT os sindicatos combativos e as igrejas luteranas e católicas organizaram o povo para a luta de algum modo diminuímos a importância dos trabalhadores na história Muitos trabalhos são a todo o momento finalizados com milhares de fontes como se isso já significasse qualidade por si só principalmente entrevistas com líderes eou documentos gentilmente cedidos pela Itaipu e órgãos governamentais E nada dos outros sujeitos 30 Analisados na apresentação desse trabalho 28 aparecerem Mesmo quando o autor começa o trabalho falando do fazerse da classe da experiência ou de dialética Dialética mecânica por sinal modernização logo expropriação daí a luta e formação de movimentos de classe Estudos apontam para a compreensão de que em meados dos anos 70 tenha finalizado o processo de migração para a região oeste do Paraná Nesse sentido as reflexões feitas por Ivone Teresinha Caletto de Lima31 revelam seu entendimento do modo pouco dinâmico com que vê a imigração do oeste a partir da década de 40 orientada quase exclusivamente pelas companhias colonizadoras e estado A escolha para a ocupação efetiva recaiu sobre o elemento sulista assim chamado por ser originário do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina32Em nossas entrevistas nos deparamos com muitos mineiros alagoanos e trabalhadores do norte do Brasil que não aparecem nas pesquisas referidas E esse fato pode ser porque ainda hoje estamos operando dentro do que seja o homem preferencial dentro do Paraná continuando de outros modos a reproduzir os ideais de sociedade e homem moderno e dinâmico responsável pelo desenvolvimento Principalmente porque os homens os quais são silenciados nessas historiografias são pobres ou membros de organizações sociais que lutam na contra mão da perspectiva desses estudos Assim se os trabalhadores se organizaram tendo como motivação principal as desapropriações de Itaipu isso não explica sozinho a constituição do movimento Se esses trabalhadores se mobilizaram o fizeram em condições sociais e culturais que procuro analisar É o caso de seu Tó das Culher33 mineiro de Teófilo Antonio quase divisa com a Bahia como nos disse Seu Tó aos 82 anos nos recebeu em seu sítio no assentamento Miguel Isolar Sávio interior do município de São Miguel do Iguaçu Com fala mansa e certeira sempre que questionado sobre temas mais polêmicos dizia apenas isso eu não sei Chegou no Paraná em 1971 casado e com 2 filhos Perguntado sobre o motivo que o trouxera aqui respondeu apenas Procura o mió porque diz que essa região juntava dinheiro com um rastel E o velho meu pai Vá lá no Paraná caça trabaio Eu não conheço lá pai dizem que é longe Eu conheço São Paulo Ele disse Não outros vai com você E viemos Nessa interpretação de seu passado vemos que percebe sua vida a partir do trabalho embora o 31 LIMA Ivone Carletto de Itaipu as faces de um mega projeto de desenvolvimento 19301984 Niterói 2004 32 Idem ibidem pg112 33 MARTINS Antonio Entrevista concedida em 12 de junho de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior no Assentamento Miguel Isolar Sávio em São Miguel do IguaçuPR 29 dinheiro seja lembrado ele representa apenas a abstração de seu trabalho que aqui demarca o elemento central de sua vida e de toda sua família Assim as mudanças de municípios e até de estados em busca de algo melhor da sobrevivência e o desconhecido se articulam com a coragem na presença de outros do mesmo local de origem e que se reconhecem na mesma situação Quando questionado sobre sua ocupação responde com firmeza que trabalhava na roça era colono tinha uma terrinha em Minas E compramos outra aqui Nesse momento avalia também as dificuldades encontradas nesse começo A véia não acostumou foi embora voltou outra vez Era muito frio Veio a família toda 4 irmãos Não era o que esperava né Daí metemo o ferro trabaiando até hojeDiante do ambiente diverso do que estavam acostumados faz uma avaliação negativa da região usando a experiência da família como elemento de análise No momento seguinte pauta a fala nas dificuldades avaliadas pela sua trajetória pessoal de trabalho como arrendatário e bóiafria em muitas fazendas Essa mudança de pequeno proprietário para trabalhador rural sem terra na vida de seu Tó representa a saída da casa de seus pais ao se casar E daqui eu já mudei em vários lugar Morei em Iporã Nova Aurora a região de São Miguel duas vezes Foz do Iguaçu Medianeira Então nós moramos em vários lugares Só numa fazenda aqui eu morrei 9 anos pra lá de São Jorge Sangra Funda do Antonio Palate No mais em Jaguaraiva Sergéis Amoxi em Foz do Iguaçu só nessa fazenda eu morrei duas vezes Primeira veis 4 anos depois voltei pra Foz e voltei pra lá e fiquei mais 5 anos É a vida de escravo não é fácil 34 Descreve um vivido muito mais pelas mudanças do que outra coisa Ao lembrarse do passado depara com uma vida sem paradeiros Demarcando um passado de transformações constantes sem fixação geográfica porém mais a frente revela que essas mutações são até mesmo experimentadas nos diferentes empregos e categorias pelas quais transita Esse mudar tem para ele uma denotação de escravidão não ter um lugar para morar e tirar seu sustento é interpretado com tristeza E continua Óia em virtude dos apertos eram muitos Que nem eu Eu trabaiava pro fazendeiro Eu só tinha direito nas caídas de murundum Mas não de criar 34 MARTINS Antonio Entrevista concedida em 12 de junho de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior no Assentamento Miguel Isolar Sávio em São Miguel do IguaçuPR 30 nem uma galinha também Era assim sem direito a nada E assim eram os outros também Era o pesado Ai se obrigavam a reuni fazer grupo né Partiram pra esse ladoEu trabalhava como agregado nem bem um agregado tipo assim um escravo A pessoa quando chega barrigaverde quando chega aqui encosta numa espera Vai trabalhando de escravo não tem direito a nada É escravo35 Ao descrever sua atividade como agregado em fazenda seu Tó busca reafirmar e reconstruir os sentidos do vivido como um período de dificuldades justamente pela falta do direito de plantar para si e sua família Faz essa avaliação do passado a partir de um presente em que tem sua própria terra conquistada após a luta no MASTRO Nessa modalidade de trabalho seu Tó explicita uma economia de base não assalariada resistente e residual em que o trabalhador é preso por laços de necessidade ao proprietário sem um contrato capitalista que lhe garante benefícios sem direito a nada como se refere parece indicar a possibilidade de obrigações trabalhistas vistas por seu Tó como direitos Nessa experiência seu Tó evidencia o direito de apenas plantar em locais onde as máquinas do fazendeiro não conseguem donde aparece a aproximação com um escravo Um elemento que se repetiu muitas vezes em nossa pesquisa foi o fato de os pequenos agricultores e trabalhadores rurais sem terra que fizeram parte do MASTRO se recordarem em nossas conversas sobre a importância e a participação dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais sobretudo o de São Miguel do Iguaçu nos processos de luta que desencadearam muitas vezes a ocupação o acampamento e mesmo o assentamento de muitas famílias na região oeste no Estado e até em nível nacional Isso explica em termos o fato de um conjunto importante de documentos produzidos por membros do MASTRO se encontrarem nos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais da região o que evidencia uma relação entre esses sindicatos e o movimento No caso de São Miguel do Iguaçu o presidente e o secretário do Sindicato dos Trabalhadores Rurais STRs agiram no sentido de fomentar o surgimento do MASTRO Assim as primeiras reuniões foram feitas em sindicatos de São Miguel Santa Helena e Medianeira E os primeiros dirigentes eram lideranças nesses sindicatos Por isso o Sindicato dos Trabalhadores de São Miguel do Iguaçu guarda um conjunto de documentos que podem nos ajudar na interpretação do movimento Utilizamos em nossa busca dos sujeitos do MASTRO o cadastro feito entre o fim de 1981 e início de 1982 pelos coordenadores do movimento em cada localidade e que foram 35 MARTINS Antonio Entrevista concedida em 12 de junho de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior no Assentamento Miguel Isolar Sávio em São Miguel do IguaçuPR 31 reunidos com significativo titulo Levantamento de Agricultores Sem Terra36 Já outro documento intitulado MASTRO 2801198237 comprova esse levantamento ao estabelecer um relatório de 10 comunidades ou grupos de sem terra Nesse documento38 apenas consta o nome do presidente do secretário do tesoureiro e quantos participantes naquele momento E nos confirma 6250 inscritos com um total de 23813 dependentes de todos os cinco municípios da região oeste que faziam parte desse movimento Foz do Iguaçu Medianeira Matelândia Santa Helena e São Miguel do Iguaçu Já o Levantamento dos Agricultores Sem Terra39 é composto por 7 gruposlocalidades de São Miguel do Iguaçu como Santa Eliza com 56 trabalhadores cadastrados Caramurú com 41 Jacutinga com 53 agricultores São Jorge com 54 Santa Rosa do Ocoí com 221 trabalhadores São José do Itavó tendo 207 e num mesmo cadastro Saquarema e Paulistania com 57 trabalhadores A importância desse conjunto de fontes se dá porque além do grande número de cadastrados cerca de 690 agricultores eles perfazem 7 de 10 comunidades no município de São Miguel do Iguaçu Assim temos uma grande amostragem dos sujeitos que fizeram parte desse movimento ou pelo menos se cadastraram Esse cadastro feito pelos próprios indivíduos e por vezes ajudado pelos responsáveis e traz informações como Nome completo Idade Estado Civil Número de Dependentes Situação Origem e Grau de Instrução Na forma de uma tabela alocada numa folha A4 na orientação de retrato com 20 cadastros por página Esses dados não podem apenas ser tratados estatisticamente e em tabelas precisam ser problematizados e interpretados Assim faço um trabalho de análise dos dados de uma maneira mais específica Para entender alguns aspectos dos indivíduos que formam o MASTRO Do ponto de vista quantitativo e estatístico nossa amostragem se torna pequena se em determinados momentos o MASTRO teve 6250 cadastrados com cerca de 52 comunidades Contudo a qualidade das informações contidas nesse documento nos ajudam a entender quem foram as pessoas que se identificaram e se organizaram numa experiência de luta pela terra no início dos anos 80 no oeste paranaense Essas informações serão articuladas às interpretações 36 LEVANTAMENTO dos Agricultores SemTerra sd Arquivado no STRs Cadastro feito possivelmente entre o fim de 1981 e início de 1982 São sete cadastros diferentes de cada comunidade Santa Eliza em Caramurú Jacutinga Saquarema e Paulistania São José do Itavó São Jorge Santa Rosa Do Ocoí 37 MASTRO 28011982 Que apresenta uma síntese do número de participantes geral do MASTRO e os responsáveis na região dos municípios de Foz do Iguaçu Medianeira Matelândia Santa Helena e São Miguel do Iguaçu 38 MASTRO 28011982 39 LEVANTAMENTO dos Agricultores SemTerra sd Arquivado no STRs Cadastro feito possivelmente entre o fim de 1981 e início de 1982 32 feitas a partir das entrevistas buscando relacionar as informações com aspectos de vida dos depoentes O primeiro dado de nosso conjunto de cadastros é o nome porém não consideraremos esse elemento apenas por não provocar discussão nos limites desse trabalho O segundo dado é a Idade desse nos interessa primeiramente uma média geral de todos os cadastrados Dos 690 cadastros temos as médias por localidade assim Santa Eliza 38 em Caramurú 36 Jacutinga 32 Saquarema e Paulistania 38 São José do Itavó 34 São Jorge 34 Santa Rosa do Ocoí 28 O que dá uma média de 34 anos de idade dos cadastrados Essa média de 34 anos se aproxima da idade de seu Otomar José Felipe Antonio40 que hoje tem 53 anos na época com 30 Otomar é de Três Passos Rio Grande do Sul um agricultor que também conquistou a terra com a luta no MASTRO através de uma ocupação primeiro em uma área pública a praia construída no lago do reservatório de Itaipu em São Miguel do Iguaçu e depois a fazenda Mineira desapropriada pelo INCRA hoje Assentamento Miguel Isolar Sávio41 Seu Otomar que chegou ao Paraná com dois anos de idade diz que foi procurando uma vida melhor que seu pai veio para a região oeste De uma família de 8 irmãos seu pai vê no Paraná a possibilidade de acesso à terra Eles gostavam de trabalhar a terra Daí veio vindo Veio os parentes e daí veio tudo Gostaram daqui do Paraná Refletindo avalia que o pai saíra do Rio Grande do Sul porque Meu pai nunca teve terra dele mesmo assim Sempre trabalhando de agregado de arrendatário Quando ele veio aqui no Paraná daí ele conseguiu comprar um pedaço de terra Seu Otomar busca justificar essa problemática de acesso a terra como uma tradição familiar desse modo procurando mostrar que a sua luta têm um passado e não é algo irrefletido e sem análise Otomar falando de sua experiência de agregado revela um pouco a situação que encontramos entre os sem terra que formam o MASTRO Eu não tinha terra casei e fui trabalhar de agregado para o sogro daí não tinha condições Eles também não tinham grande coisa Daí nunca tinha condição de comprar uma terra É difícil né Daí surgiu essa oportunidade garrei Naquela época nós morava no Paraguai eu mesmo vim pra cá tinha 40ANTONIO Otomar José Felipe Entrevista concedida em 11 de junho de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior no Assentamento Miguel Isolar Sávio em São Miguel do IguaçuPR 41 Assentamento e processo de luta que discutiremos no segundo capítulo 33 14 mil guaranis hoje não dá 5 reais Vim direto no movimento e ali acampamos na prainha42 Seu Otomar em 2009 é um pequeno proprietário do assentamento Sávio seus 6 alqueires foram conquistados a partir da luta no MASTRO e neles trabalha e produz fumo mas retira sua renda também das vacas de leite O principal trabalho é o familiar porque além dele e da mulher outros dois filhos trabalham e garantem a renda da família A princípio sua análise de entrada do movimento parece uma atitude sem muita reflexão pois vem do Paraguai onde era arrendatário e entra direto no acampamento todavia a fala oculta uma escolha a partir de sua trajetória de vida A entrada no movimento então é reconhecida como uma oportunidade e uma tentativa de mudar sua situação e assim fica claro que teve uma reflexão e uma ponderação cuidadosa na escolha Repete de algum modo a experiência de seu Tó de ter saído de um lugar de trabalho e de sustento de sua família e entrar no movimento e mais do que isso numa luta com ocupação de terra que é um processo político complexo Isso nos autoriza a pensar que de algum modo esses indivíduos não foram convencidos por outros a entrarem na luta pela terra mas que foi a partir de suas análises e situações vividas que decidem procurar se reunir e formar um movimento Pois quando pergunto o porquê da entrada no MASTRO a resposta de seu Otomar vai de encontro as análises feitas por outros sujeitos Ah por que eu não tinha terra eu sempre trabalhei de agregado casei e fui trabalhar de agregado sempre E arrendatário nunca tinha muita coisa Daí surgiu àquela oportunidade meu irmão que morava em Foz veio primeiro nesse movimento Daí me convidou e eu falei Mas eu vou mesmo e vim e dei sorte43 Se de algum modo parece um atitude de impulso em seguir o irmão é preciso considerar as dificuldades vividas pelos sujeitos nesses regimes de trabalho de arrendatário agregado ou parceiro lembrando o que seu Tó dissera É tipo assim uma escravidão Ou como disse seu Otomar sobre o que levou as pessoas a formar o movimento 42 ANTONIO Otomar José Felipe Entrevista concedida em 11 de junho de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior no Assentamento Miguel Isolar Sávio em São Miguel do IguaçuPR 43 ANTONIO Otomar José Felipe Entrevista concedida em 11 de junho de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior no Assentamento Miguel Isolar Sávio em São Miguel do IguaçuPR 34 Ah a necessidade da terra que existia muita gente desempregada naquela época também tinha bastante Hoje que nem num assentamento em Laranjeiras vocês vão lá ver quase metade é gente da cidade tavam desempregado Então a necessidade maior é essa né Tu ta desempregado as vezes tu ta trabalhando de agregado ou ta junto com teu pai Tudo ajudo pra gente formar o movimento Seu Otomar em sua reflexão se utiliza das referências do espaço urbano e na falta de emprego para se colocar no diálogo e justificar sua escolha Assim sua reflexão não abarca apenas o seu meio rural mas é uma análise que articula dois elementos diversos e evidencia as possibilidades de compreensão da realidade desses sujeitos E ao avaliar a vida anterior diz Agora eu tenho tudo que eu faço é meu Seu você ta trabalhando na terra de algum você vai plantando você não tem como fazer muita coisa tem patrão que não deixa você ter muita coisa Só tem direito a plantar e dar a renda e alguma coisinha pra ti né Pra comer pra manter E aqui não a diferença daqui é que tu pode ter teu carro teu trator pode ter bastante criação Tu planta como quiser tu colhe guarda se não ocupa É bem diferente isso aí44 Seu Otomar constrói sua narrativa numa relação passado e presente antes da conquista da terra diante de uma vida difícil e sem muitas possibilidades de mudanças e depois no sistema em que ele se torna dono de seus meios de reprodução Quando a vida passa a significar uma melhoria com a possibilidade de adquirir bens que ajudam o seu trabalho no campo e até mesmo com a garantia de se fazer uma reserva para a segurança da família Essa preocupação com a família também estava posta entre outros membros do MASTRO Segundo o Levantamento dos Agricultores Sem Terra45 quando os dados organizados apontam o Estado Civil as pessoas casadas são maioria como é o caso de seu Otomar Agrupamos a partir do cadastro as pessoas casadas com as separadas e viúvas e assim temos nas 7 localidades em São Miguel do Iguaçu as seguintes informações de um total de 690 cadastros 497 são ou foram casados e 193 são solteiros Ou seja 72 são pessoas casadas e 28 solteiras Desse dado percebemos que a referência à família é um elemento importante que os orientam para a luta 44 ANTONIO Otomar José Felipe Entrevista concedida em 11 de junho de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior no Assentamento Miguel Isolar Sávio em São Miguel do IguaçuPR 45 LEVANTAMENTO dos Agricultores SemTerra sd Arquivado no STRs Cadastro feito possivelmente entre o fim de 1981 e início de 1982 35 Seu Élcio Teobaldo Benck46 era solteiro lutou e continua até hoje participando de movimentos sociais no campo Hoje é membro da Liga Camponesa47 em Belo Horizonte No dia que chegamos em sua casa se preparava para uma viagem a Minas Gerais onde participaria de um encontro Seu Élcio é lembrado por vários dos entrevistados como sendo uma pessoa importante para o desenrolar das lutas do MASTRO sobretudo a que se refere a ocupação da praia municipal de São Miguel do Iguaçu em 1985 Seu Élcio nos conta sua trajetória de vida A saída de casa com 19 anos a ida para o Mato Grosso trabalhar em serraria e depois no garimpo A volta a casa dos pais com malária e desenganado dos médicos Segundo ele o médico havia lhe mandado embora apenas para morrer Depois uma tentativa de voltar para o Garimpo contra a vontade da família o pai lhe apresenta ao secretário do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Miguel do Iguaçu na esperança de que ele decidisse não mais partir Natural de Horizontina Rio Grande do Sul casado e divorciado pai de três filhos Élcio diz que chegou ao Paraná e no lugar que ainda hoje seus pais residem Aurora do Iguaçu um distrito do município de São Miguel do Iguaçu com 6 meses de idade Avaliando os motivos da migração para a região aponta junto que haviam possibilidades diferentes para a aquisição de terras no momento histórico que seu pais vindos do Rio Grande do Sul se fixaram em São Miguel do Iguaçu O motivo de sempre da migração procurar mais terra Lá meu pai era açougueiro não conseguia comprar terra Comprou uma mas era direito e perdeu Daí meu pai vendeu o açougue e veio pra cá Naquele tempo era tudo mato e comprou ali na Aurora Ele tinha medo de posse não comprou onde era mais barato as posses Por que tinha medo 48 46 BENCK Elcio Teobaldo Entrevista concedida em 11 de junho de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior em São Miguel do IguaçuPR 47 Movimento surgido no fim da década de 50 e inicio dos anos 60 no Engenho Galiléia em Vitória de Santo Antão Pernambuco Ao serem impedidos de se organizarem em sindicatos os trabalhadores rurais mantidos num regime próximo a servidão decidem criar uma associação de ajuda mútua para socorremse em momentos de necessidade sobretudo pela falta de pagamentos momentos de morte dos progenitores Após a tentativa de fundar a Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de Pernambuco que não é aceita pelos senhores de engenho pois seus trabalhadores estão fugindo de seu controle ao proporem outras estratégias para enfrentarem seus problemas de vida e trabalho No decorrer desse processo o Partido Comunista tentar dirigir os trabalhadores e renascendo a idéia das Ligas Camponesas e usando o exemplo do engenho da Galiléia como possibilidade de novas manifestações oque a transforma numa ameaça a ordem social 48 BENCK Elcio Teobaldo Entrevista concedida em 11 de junho de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior em São Miguel do IguaçuPR 36 Nessa avaliação percebemos que a experiência de ter perdido a posse da terra lá no Rio Grande do Sul e o desejo de retornar a terra movera seu pai a migrar para o Paraná do mesmo modo como ele mesmo narra sua ida para o garimpo como uma tentativa de adquirir terra Pois quando de sua primeira reserva econômica feita pela extração de ouro em Sinop Mato Grosso compra uma área no Estado do Pará no entanto perde esse pedaço porque novamente eram terras sem documentação Na avaliação que faz da trajetória de seu pai existe muito da sua e das dificuldades de se conquistar uma terra que não se encerrava apenas na compra de uma área mas em outras tantas dificuldades como a de serem enganados e comprarem terras sem documentação Essa experiência de migração também foi vivida por Carlito dos Santos Abreu 55 anos Casado 3 filhos natural de Redentura Rio Grande do Sul Eu vim com 23 anos pro Paraná nós viemos em 1975 Eu vim com meus pais a gente é duma família de colonos pequenos meu pai tinha um sitiozinho lá no Rio Grande acabou vendendo e viemos pro Paraná E nós eram em seis filhos quatro homens e duas moças Daí cada um tinha casado Na época quando entramos ali nós era dois irmãos casados e os pais Então era 3 famílias em 6 alqueires de terra A gente viu que aquilo ali ia ser difícil Mais tarde se quisesse alimentar tinha que procurar outras coisas Aí a gente começou a participar do movimento começo a organização do movimento naquela época era o MASTRO hoje é o MST A pequena propriedade pra comprar área não tinha maneira Nós somos da roça desde que nascemos do sitio Conhecemos a cidade por que viemos pra cidade mas sempre permanecemos na propriedade rural49 Na fala de seu Carlito aparece uma das dificuldades que permearam a vida das famílias quanto à sua vinda para a região oeste do Paraná que fora as mesmas enfrentadas pelos antepassados migrantes as possibilidades de que os filhos continuassem o modo tradicional de reprodução de suas vidas na terra como pequenos proprietários Essa dificuldade descrita por seu Carlito de famílias com um número considerável de filhos e que por medidas legais e econômicas não podiam ter acesso a terra de seus pais já que o parcelamento mínimo da terra previsto em lei era de que uma propriedade precisava ter 15 hectares para receber titulação e ser reconhecida como uma nova propriedade Assim muitas famílias não podiam garantir aos filhos a divisão da propriedade e a solução muitas vezes encontrada era de que apenas um 49 ABREU Carlito dos Santos Entrevista concedida em 12 de junho de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior em São Miguel do IguaçuPR 37 ficava com a terra ou essa era vendida e o dinheiro dividido Esse não fracionamento é um elemento reiterado por muitos entrevistados Seu Carlito também participou ativamente no movimento e conseguiu conquistar a terra no Assentamento Miguel Isolar Sávio onde permanece até os dias de hoje Além de agricultor participa também de uma feira de produtos orgânicos na cidade de São Miguel do Iguaçu Seu Carlito diz Na época tinha gente que vendia as coisas e achava que nunca terminava aquele dinheiro Ia pra cidade achava que arrumava um bom emprego Hoje emprego é só pra quem tem profissão Ele se mantém no emprego Agora se eu não sou profissional como é que um da roça vai querer arrumar um emprego na cidade É dificultoso então tem muita gente que tem aquela mentalidade Ah eu vou pra cidade e vou arrumar um emprego Mas não é assim Acaba comendo aquele dinheirinho que ele tinha de capital e parando na favela vivendo de favor dos outros Porque a maioria hoje das favelas foi gente que saiu do sítio50 Aparece o sentimento de perda enfrentado por aqueles que diante da não possibilidade de ficarem na roça acabam indo parar nas cidades Em sua análise essa ida para a cidade e a troca de profissão aparece mais como uma escolha errada Mas é preciso considerar que faz essa análise a partir de sua experiência de luta no MASTRO para permanecer na terra e assim passa a desconsiderar um pouco as experiências daqueles que não fizeram o mesmo Quando é preciso perceber que para muitos a luta dentro de um movimento ou a permanência na terra não foi possível e não pode ser encarada como uma escolha somente individual é preciso considerar como a vida estava estruturada de modo mais geral Assim o final de muitos agricultores como sendo a favela aparece na fala de seu Carlito como uma exortação e uma valorização das escolhas que fez em sua trajetória Em outro momento reflete sobre suas escolhas com a única chance vista na época para ele e os demais para permanecerem na terra Então eu acho o que faz a gente entrar na organização é o próprio sofrimento nosso Se nós temos numa fase que queremô crescer nós temos que se organizar Porque se ficar isolado exemplos temos por que quem fez 50 ABREU Carlito dos Santos Entrevista concedida em 12 de junho de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior em São Miguel do IguaçuPR 38 os cadastro no Incra naquela época não ganho terra Hoje prefere entrar na organização pra poder batalhar por uma área de terra51 A organização em um movimento na análise dele foi a forma de conquistar o direito de uso e propriedade sobre a terra Do mesmo modo a forma legal prevista através de um é descrita pelos sujeitos como uma forma inviável e que ainda hoje não conseguiu dar contar de resolver o problema Esse posicionamento reflete uma perspectiva que forma e é formada pelo MASTRO de que uma luta apenas nos moldes da legalidade não garantiria a permanecia na terra Uma vez que a legalidade parecia orientar as trajetórias de vida a se tornarem pessoas urbanas e a concentração das terras nas mãos de poucos Como mostram dados da concentração fundiária da época Segundo os dados cadastrais do INCRA divulgados na reportagem do jornal Folha de Londrina52 escrita por Paulo Roberto Pegoraro de 21 de abriu de 1982 sobre a região oeste revelava que as atividades agrícolas e pecuárias do oeste se estendiam numa área de 1610413 hectares com 72540 propriedade mas uma grande maioria desses proprietários 66061 cerca de 91 detinham 45 da área total mostrando que a maioria eram pequenas propriedades com 15 a 50 hectares Por outro lado mais da metade das terras da região estariam nas mãos de uma parcela de menos de 10 dos latifundiários Precisamos lembrar que estamos considerando apenas os proprietários pois se considerássemos a população total envolvida com atividades no meio rural da região oeste esses números se modificariam chegando possivelmente a menos do 1 da população detendo a maior parte das terras Ou seja a propriedade da terra estava e ainda está concentrada nas mãos de poucos Embora precisamos entender nas falas dos sujeitos como se perceberá a terra e acesso a ela vai muito além da vida material e a sobrevivência dos sujeitos porém diz respeito a visão subjetiva que se forma na sociedade que os cerca e que muda a partir da conquista da terra Apesar do jornal publicar esses dados diante das informações gerais da reportagem eles ficam meio diluídos o que acaba por distorcer seu grave conteúdo não causado assim grande impacto na opinião pública Mas serve aqui para entendermos as condições mais estruturais que não podem ser negadas diante do processo de organização dos sujeitos que aqui estão sendo apresentados e das reivindicações que vão travar ao longo da formação do MASTRO 51 ABREU Carlito dos Santos Entrevista concedida em 12 de junho de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior em São Miguel do IguaçuPR 52PEGORARO Paulo Roberto Homem à terra sem Homem Luta dos Homens Sem Terra Jornal Folha de Londrina 21 de maio de 1982 Pg 24 39 Ainda sobre as condições vividas diante dessa disparidade seu Carlito avalia que muitos conhecidos entraram na luta porque precisavam Você sabe que de primeiro um pai criava 10 filhos 12 e até 15 filho em cima de um sítio E aquilo era serviço braçal não tinha maquinário A mãode obra era as pessoas que trabalhavam na terra E ali do ano 70 que entrou a mecanização as máquinas essas coisas Entrou a destoca e foi entrando o maquinário foi tirando o empregado né A mãodeobra foi esvaziando por causa das máquinas que foram entrando Foi substituindo as máquinas pela mãodeobra nossa E daí que aconteceu alguém tem de se mexer e procurar algum recurso É onde surgiu as idéias né Pra se fazer uma organização pra possuir um pedaço de terra Por que pro pequeno o espaço ficou menor Só ia favorecer o quem tinha grande área Por que ele tinha maquinário ele tinha poder de comprar mais terras E o pequeno acabou a chance53 Seu Carlito se coloca no processo como sujeito mesmo que excluído Alguém que perdeu seu posto de trabalho e sua reprodução social enquanto agricultor e trabalhador da terra para as máquinas Assim as máquinas são avaliadas por esses sujeitos históricos como uma forma de exclusão da terra Nessa avaliação podemos destacar o processo de crescimento das famílias e a exclusão por não possuírem condições para adquirirem mais terras O número de integrantes das famílias também faz parte do Levantamento dos Agricultores Sem Terra54 Assim com relação aos dependentes são ao todo 2147 o que dá uma média de 311 pessoas por cadastro Se descontássemos os solteiros seria 431 a média de dependentes Contudo não podemos aqui descontar todos os solteiros o que aumentaria o tamanho das famílias porque muitos dos solteiros apresentam dependentes Se não podemos chegar ao cálculo exato podemos conseguir com uma estimativa Podemos supor que o fato de 28 serem solteiro e uma pequena parcela destes terem dependentes assim podemos seguramente afirmar que as famílias apresentavam a média de 4 dependentes e se somado com o próprio cadastrado teríamos famílias de 5 indivíduos O que parece ser um tamanho característico de pequenos agricultores que precisam do trabalho de toda a família para a sua reprodução Essa estimativa não é exatamente a da família de seu Vlademiro Sorsuk todavia tem uma proximidade já que os dependentes nesse caso são quatro a mulher e os três filhos Seu 53ABREU Carlito dos Santos Entrevista concedida em 12 de junho de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior em São Miguel do IguaçuPR 54 LEVANTAMENTO dos Agricultores SemTerra sd Arquivado no STRs Cadastro feito possivelmente entre o fim de 1981 e início de 1982 40 Vlademiro Sorsuk tem hoje 75 anos de idade se criou em Cruz Machado Paraná perto de Faxinal do Céu de lá foi para o norte do Paraná onde ficou 10 anos tocando café Vem para a região oeste trabalhar de agregado em uma fazenda em Ramilândia A Padroeira Nessa fazenda ocorre uma grande saga da família que é assim explicada por seu Vlademiro Nós tava contratado pelo fazendeiro por dois anos mas ele morreu o velho Depois a velha ficou tomando conta quando nós tava lá Ela pega ela tinha um pontal de 850 alqueires o pontal lá perto de ponte queimada Ai ela pegou vendeu pro Padrevane e o Padrevane Padovani ponhou jagunço Eram 250 famílias lá beirando o rio Eles tinha uma serraria e a serraria era grande também Não sei quantos funcionário tinha Saia carretona de madeira pra Curitiba55 Ao falar de um processo de violência que sofrera junto com mais de 250 famílias de arrendatários expõe um pouco de como que antes da mecanização existia trabalho para uma grande quantidade de trabalhadores rurais Mas que em determinado momento esses postos são retirados a força de jagunços Descreve ainda o sofrimento e o medo passados pela intimidação A gente sofreu por causa disso a gente sofre muito Lá morreu muita gente Vinha um cara dentro da água tirou o chinelo pra passar o rio São Domingos ele morava fora da Padroeira só que ele tinha dois alqueires de mamona plantado lá dentro Era um mamonal que era uma coisa louca Daí ele vinha embora dentro da água mataram ele Eles dava o caminhão pra pessoa tirar a mudança fora Mas eles já levava Era acompanhado pelos jagunços eles ajudava a ponhar a mudança no caminhão e já vinha desmanchando tudo Eles pegava lá dos quartos tirava o guarda roupas e as camas e outros já vinha desmanchando a parede O que não desmanchava eles pegava a gasolina e o fogo Queimaram tudo as moradas que o povo morava Quem vai querer morar num lugar daqueles Nós tinha era na época de colher o milho deixemos ainda um saco e meio de milho plantado56 Como muitos agregados mesmo correndo risco de vida permaneceram na fazenda já que tinham um contrato de mais tempo com o antigo proprietário isso teria forçado o novo proprietário conceder uma indenização para os trabalhadores Seu Vlademiro compra então uma casa na cidade de Ramilândia e vai viver com sua família como bóiafria e hoje se 55 SORSUK Vlademiro Entrevista concedida em 11 de junho de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior no Assentamento Miguel Isolar Sávio em São Miguel do IguaçuPR 56 SORSUK Vlademiro Entrevista concedida em 11 de junho de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior no Assentamento Miguel Isolar Sávio em São Miguel do IguaçuPR 41 lamenta ao perceber que o INCRA esteve na fazenda para fazer um levantamento da área e apoiou o proprietário para expulsar os agricultores Seguido de um movimento de retirada desses trabalhadores de suas fontes de reprodução o próprio trabalho Pois as pessoas enfrentaram a mecanização como uma experiência que lhes tirava o trabalho e a possibilidade de sobrevivência não como uma facilitação ou como um avanço e modernização Isso fica bem presente no que diz seu Vlademiro Sorsuk A Ramilândia não vai muito pra frente por causa das fazendas que tem Onde tem fazendas nem cidade vai pra frente É só um que comanda Tem milhares e milhares de alqueires e um só toca Passa venenonão tem mato não tem nada a planta saí Tem maquinaria Onde que o pobre se obriga a fazer alguma coisa pra ele ficar colocado E o que acabou tá acabando com os pobres os pequenos é o veneno né Por que se não fosse o veneno tinha muito serviço Ficou ruim pra nós por que entrou aquele tempo foi a época que veio as máquinas né Então quem tinha uma fazenda uma roça era à máquina Passava veneno cabô Que nem agora pra você achar um bóiafria é difícil Onde nós lá antigamente onde nós morava era seis caminhão Agora pega veneno joga no trator passa um mundo de veneno ali na terra O que acabou com o pobre é o trator e o veneno O veneno matou muitos pobres A ceifa colhe um mundo de soja por dia Eu vim conhecer máquina quando nós mudamos pra Padroeira ai eu conheci trator Naquele tempo pra nós pobres era difícil sobrevivê A gente trabalhava mas tinha valor 57 O seu Vlademiro tem consciência de que seu trabalho foi prejudicado com a entrada das tecnologias no campo Assim vê nos venenos utilizados o fator de instabilidade no emprego e na vida Embora elabore sua fala culpando as fazendas pela miséria e dificuldades referese a quem a comanda um só toca Argumenta que a maquinaria facilita a concentração fundiária E seu Tó Na fazenda onde nóis morava era 135 famílias Depois que afastou tudo ficou um peão com a máquina E vai pra banda das favelas e daquipracolá Assim nesse ponto é que surgiu mais um movimento sem terra Em parte foi a máquina Na experiência desse sujeito histórico também há o reconhecimento de que a máquina cria desigualdades já que muitos perdem seus empregos e como resultado vão para a favela e permanecem como ele antes da conquista da terra ou seja na instabilidade de não terem um lugar seguro Essa perspectiva é também retomada por seu Vlademiro 57 SORSUK Vlademiro Entrevista concedida em 11 de junho de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior no Assentamento Miguel Isolar Sávio em São Miguel do IguaçuPR 42 Só num ano nós fizemos 5 mudança Nós tocava terras pros outros a gente não tinha nada quando eu entrei aqui eu tinha apenas a roupa do corpo não tinha nada Agregado é feroz pra trabaiá Sempre pagava 25 ai não sobrava quase nada E o ano tinha de correr bem né Se corresse mal daí tava lascado58 Refletindo que para o trabalhador a vontade de possuir um pedaço de terra se expressa no interesse de se fixar num lugar e ter segurança para sua família Vlademiro Sorsuk reforça aspectos do vivido na década de 70 antes do MASTRO Nós viemos pra cá com a roupa do corpo Nós trabaiava de bóiafria Até que veio alguma coisainha levou dois anos Ai veio não to bem lembrado mas parece que veio mixaria que dava pra compra uma casinha muito pequenininha A primeira né É dentro da minha casa tudo esse tempo que eu já vivi primeiro lugar que tem energia dentro de minha casa Foi aqui A gente trabaiando de arrendatário nunca Agora não tem isto mais mas antigamente a gente trabaiava um ano aqui o outro lá em Itaipulândia o outro lá pra Medianeira Era assim Todo ano era mudado E sabe que casa de empregado não é como a casa da pessoa59 O depoente lembra as dificuldades vividas e também tem na mudança o aspecto central de sua narrativa E ao falar da moradia lembrase do momento anterior quando nem energia elétrica tinha na casa E que com o trabalho de bóiafria e arrendatário não era possível adquirir uma terra já que nem mesmo uma vida com qualidade era possível A cidade então não era vista como um lugar próspero Sobre os empregos na cidade esses indivíduos avaliam como seu Vlademiro Uma coisa que tu vê um empregado que nem tem aquele matador de frango ali na cooperativa no Borsão eles troca a cada dois anos de empregados Por que se o empregado fica velho a indenização fica muito alta Então eles manda embora Outra um que trabalha assim só com 35 anos pode se aposentar e um que trabalha assim com 40 anos não pega mais emprego Isso é muito mal Isso impede a pessoa de se aposentar60 Revelando que as experiências de vidas e lutas desses agricultores apontam para uma consciência do que seja o mercado de trabalho e sua recusa em entrar e permanecer nele 58 SORSUK Vlademiro Entrevista concedida em 11 de junho de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior no Assentamento Miguel Isolar Sávio em São Miguel do IguaçuPR 59 SORSUK Vlademiro Entrevista concedida em 11 de junho de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior no Assentamento Miguel Isolar Sávio em São Miguel do IguaçuPR 60 SORSUK Vlademiro Entrevista concedida em 11 de junho de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior no Assentamento Miguel Isolar Sávio em São Miguel do IguaçuPR 43 Seu Vlademiro avalia sua vida e dos outros naquela época Que nem nóis que morava em Ramilândia de bóiafria 6 horas você tinha que ta no ponto pra ir trabalhar ia de bóiafria Perdeu aquele horário Perdeu o dia de serviço E ali era contadinho o dinheiro Já no fim de semana tinha que te aquele dinheiro contadinho pra pagar o mercado Ai o cara se apura vamos procurar outro meio É que nem nóis feiz Nóis quando entrou aqui nóis plantava tudo não precisava comprar né Criava porco criava galinha e tem de tudo E bóiafria não tem é tudo o dinheirinho contado Trabalha e come61 Ao usar os símbolos do mercado para explicar a dificuldade da vida e trabalho de bóia fria e a necessidade daquele trabalho expõe que as atividades desenvolvidas por esses agricultores sem terra não possuem as barreiras que existem nas explicações daqueles que estudam o processo definindo as vidas dos sujeitos a partir das categorias as quais pertencem Assim na trajetória de vida de seu Vlademiro vemos ele num momento se definindo como arrendatário no momento a seguir se coloca como bóiafria Para muitos dos sujeitos do MASTRO não existe a separação entre categorias Em 1986 embora pequeno proprietário assentado seu Vlademiro trabalhava de bóiafria Assim como seu Tó que se dizia arrendatário na lembrança da conquista de sua terra e depois passa a trabalhar de bóiafria para conseguir dinheiro e assim plantar a sua própria terra Nós entremos aqui bem dizer com a roupa do corpo Eu não tinha nada nada Não tinha um frango não tinha um ovo nada Quem sai da bóiafria pra acampar é assim Passemô muita dificuldade no começo Tinha que sair pra fora trabalhar pra comer62 Muitas vezes durante a pesquisa quando perguntava para os entrevistados qual era a sua categoria na época sua fala parecia então não se encaixar na pesquisa E quando questionava quais outras categorias de trabalhadores que existiam essa pergunta parecia não fazer sentido para os entrevistados E a resposta era como a de seu Vlademiro A maioria era assim Ou como seu Carlito que quando pergunto de outros trabalhadores Na verdade a gente trabalhava no sítio era área pequena o que sobrava nós trabalhava de diária bóiafria também Por que a área era pequena pra sustentar três famílias Então nós buscava serviço fora quando nós tinha tempo Para muitos entrevistados esse é o elemento mais importante 61 SORSUK Vlademiro Entrevista concedida em 11 de junho de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior no Assentamento Miguel Isolar Sávio em São Miguel do IguaçuPR 62SORSUK Vlademiro Entrevista concedida em 11 de junho de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior no Assentamento Miguel Isolar Sávio em São Miguel do IguaçuPR 44 na descrição dos membros do movimento o fato de ser pequeno ou ser pobre na fala de outros Élcio Benk também expressa essa tendência verificada em muitos depoimentos de que as categorias não existem fixas nas vidas dos sujeitos elas variam durante suas vidas e muitas vezes se expressam conforme a situação exige Trabalhava ali na Aurora trabalhava com o Crespim Rosario trabalhava com o trator dele Trabalhava com o Olvideo Kum trabalhava com o pai em casa e fora pra ganhar uns trocos Ele não tinha condições de dar terra pra nós um estudo alguma coisa Eles veio pobre do Rio Grande do Sul Tudo que fizemos foi no muque no braço Nós era em quatro irmão63 Ao se expressar como filho de pequeno proprietário e trabalhador volante Benk reafirma a experiência que muitos articulam em seus diálogos o fato de serem trabalhadores sem seus meios de produção Vejamos as reflexões de seu Otomar sobre sua situaçãocategoria Na verdade eu trabalhei de arrendatário vários anos Depois fui pra Foz e fiquei uns dois anos Trabalhei na barragem Saí e fui para o Paraguai trabalhei de arrendatário O cara que é da roça não se acostuma na cidade Num momento na casa dos pais no seguinte arrendatário na casa do sogro um pouco depois como empregado numa empresa estatal e por fim pequeno proprietário Nessa definição categoria em mudança e transformação e não estática é possível identificar uma identidade que solidificou a união e o reconhecimento de experiências comuns desses trabalhadores o fato de todos se reconhecerem como pequenos Ou seja pequenos agricultores como seu Carlito porque pro pequeno o espaço ficou menor ou trabalhadores pobres como seu Tó a vida de escravo não é fácil Isso em antagonismo aos interesses dos grandes proprietários Diante do Levantamento dos Agricultores Sem Terra64 a categoria se apresenta no cadastro como Situação Na comunidade de Santa Eliza todos se denominaram parceiros Esse item será respondido de forma bem diferente em outros locais em alguns até foi avaliado pelos trabalhadores como situação de vida 63 BENCK Elcio Teobaldo Entrevista concedida em 11 de junho de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior em São Miguel do IguaçuPR 64 LEVANTAMENTO dos Agricultores SemTerra sd Arquivado no STRs Cadastro feito possivelmente entre o fim de 1981 e início de 1982 45 Em Caramurú o responsável pelo cadastro Bruno Soares entendeu que no item Situação a resposta deveria ser a condição de vida dos sujeitos e preencheu em todos os 41 agricultores como situação precária Em Jacutinga são cadastradas 4 mulheres uma como doméstica e três estão na categoria peão Pela análise do conjunto de documentos peão pode ser considerado como bóiafria ou trabalhador volante uma vez que nessa localidade aparecem apenas categorias de peão arrendatário pouca terra e da roça Sendo 37 peões um da roça outro pouca terra 13 arrendatários e uma doméstica Na comunidade de São José do Itavó aparecem duas categorias 164 bóiasfrias e 43 arrendatários apontam para aquilo que discutimos antes a partir das falas dos entrevistados muitas vezes refletem jovens iniciando suas vidas e morando com os pais já que a apresentação como pequenos proprietários poderia causar um malestar com outras categorias Esses agricultores trabalham fora em terras de outros e então se colocam como bóiasfrias Nesse conjunto de cadastros pareceu claro que o responsável Ramon Martins Rui provavelmente interpretou assim e orientou os cadastrados a se colocarem apenas nessas duas situações quando em outras localidades há tantas outras situações apresentadas Na localidade de Santa Rosa do Ocoí no item Situação no cadastro foi preenchida de uma maneira bem clara e bem diversificada tentando de algum modo caracterizar o trabalho e a ocupação da pessoa Aqui vemos que diferentes responsáveis fizeram parte em momentos distintos do cadastro porque algumas situações que representam a mesma ocupação são chamadas por nomes diferentes mas dizem respeito a mesma atividade As ocupações descritas foram 12 empregados 115 volantes 24 parceiros 18 agricultores 34 arrendatários 4 bóiasfrias 1 diarista 3 desempregados 1 pescador 1 trabalhador rural 9 pequenos proprietários Chama atenção nessa localidade o grande número de volantes e bóiasfrias confirmando os dados a partir das entrevistas que realizamos que os filhos dos pequenos proprietários ao entrarem em idade produtiva passam a trabalhar fora de casa como complemento de renda E a quantidade de arrendatários nesse cadastro que os processos perda de trabalho se intensificaram nos últimos anos Em Saquarema e Paulistanea as categorias são expressas nessa lógica são 57 cadastrados 34 se declararam bóiasfrias 4 arrendatários 7 assalariados 4 meeiros e 8 mensalistas O que nos mostra que a maioria estava em regimes de trabalho mais intenso e com menos garantias sociais 46 Na localidade de São Jorge são 20 meeiros 18 arrendatários 11 empregados 1 agregado 1 servente 1 vendedor 1 pintor e 1 pedreiro Nesse cadastro em que aparecem pessoas de ocupações urbanas provavelmente pela localização próxima da cidade vemos que o fato de o pintor e o pedreiro estarem riscados no próprio cadastro indicando que foram eliminados do cadastro posteriormente mostra que havia certa seleção de quem poderia fazer parte do movimento Contudo o servente e a vendedora não foram rasurados no cadastro indicando penso que era o caráter de menor renda ou o pertencimento às atividades no campo o determinante que orientava o aceite do sujeito no movimento O dado Situação é um pouco mais complicado por que fora interpretado de maneira diversa em cada localidade Assim temos que ao todo as pessoas se declararam como sendo 355 bóiasfrias 112 arrendatários 105 parceiros e meeiros 38 empregados e assalariados 30 pequenos proprietários e pouca terra 5 de atividades urbanas de pintor servente construtor doméstica e vendedor e 3 desempregados Ainda precisamos avaliar que 41 se declararam na Situação precária Interessante perceber que os relatos das entrevistas confirmam essa situação e que uma grande maioria se apresenta como bóiasfrias quando são ao mesmo tempo filhos de pequenos proprietários Alguns entrevistados são enfáticos e assumem um tom até ríspido quando eram perguntados se haviam pessoas cujo os pais já tinham terra outros dizem que sim porém com certo cuidado em admitir mesmo que eram pequenos lotes de terra que não poderiam ser divididos em tantos filhos Quando pergunto sobre quem é o colono que forma o MASTRO segunda a definição que vinha me expondo seu Élcio Benk diz O colono é o pequeno proprietário por exemplo o cara tem 4 ou 5 alqueires de terra e tem 5 ou 6 filhos aí não sobrevive os filhos crescem e não tem como sobreviver Categoria estática é algo sem muito sentido para essas pessoas eles se reconhecem em uma situação que representam as condições materiais de sobrevivência Assim mesmo morando numa pequena propriedade dos pais e trabalhando de bóiafria se reconhece como tal no momento a seguir se está na condição de arrendatário é nessa situação que se descreve Desse modo a categoria não tem um único sentido para essas pessoas porque estão se representando em muitas categorias diferentes num mesmo momento E a Situação se revela muito mais uma interpretação das condições de vida do que uma categoria apenas Embora as pessoas transitem por muitas atividades e estatutos jurídicos e sociais isso ao invés de significar diferenças gera um reconhecimento de vidas próximas e assim os laços de experiências em comum vão se delimitando quando percebemos que embora indivíduos 47 diferentes de lugares diversos de culturas e etnias distantes passam a ter experiências de expropriação de trabalho e sobrevivência distinta na medida em que um poderia já ter sofrido o processo e outro em vias de o sofre todavia distintas inclusive porque um expropriava da terra outra de um saber e que o trabalhador do campo no oeste do Paraná passa a sofrer um processo de proletarização E assim esse processo de expropriações serão sentidos como próximos A partir disso podemos pensar a formação do MASTRO como resultado de uma identidade que une agricultores na luta pela terra Se o não acesso a terra é um aspecto que une a falta de estudo também como é possível identificar nas narrativas Sobre isso Otomar lembra dizendo que apenas fez os três anos iniciais E ao falar de sua infância revela que desde os 6 anos sai da casa dos pais e o trabalho é algo presente desde cedo Não tenho nada de estudo Naquela época os velhos não deixavam muito estudar Fui morar com minha irmã mais velha que casou Morei bastante ano junto com ela Passei a maior parte da infância com ela Voltei em casa de volta com 16 ou 17 anos Daí comecei a trabalhar em casa com os irmãos Já estavam só dois ou três Os outros tinha casado Assim fumo trabaiando Na análise do pequeno agricultor o estudo é visto como algo importante em detrimento das dificuldades que teve para estudar Esse exame encontra uma relação com a do seu Carlito que reflete sobre as possibilidades e a relação de estudo e trabalho hoje para seus filhos e assim analisa que esse significado estava posto para ele na década de 70 Eu digo eu vivi meus 32 anos com meus pais sai da casa dos meus pais pra organização do movimento mas para mim eu não tenho estudo e eu digo hoje que foi uma faculdade que eu fiz A experiência que eu tenho hoje a minha tendência é ficar em cima do meu pedaço de terra E fazer a cabeça de meus filhos que tem que permanecer no campo Por que é dali que tira o sustento A não ser que o cara tenha um bom estudo e pode conseguir um bom emprego Mas pra gente que é fraco como vai fazer uma faculdade não é fácil né Mas acho que a gente pensa de viver em cima da terra65 Seu Carlito procura projetar a experiência do passado sem estudo com a luta política dentro do movimento e os aprendizados daí decorrentes para o futuro de seus filhos novamente sem oportunidades de avançarem os estudos pelo menos o quanto a sociedade atual exige para a conquista de um emprego na cidade ou seja uma faculdade 65 ABREU Carlito dos Santos Entrevista concedida em 12 de junho de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior em São Miguel do IguaçuPR 48 Outro entrevistado seu Elcio66 quando perguntado sobre educação e estudo avalia também a sua situação pela lógica do trabalho Nem cheguei a acabar a 8º série porque daí eu fui pro Mato Grosso trabalhar né Mas eu sempre fui uma pessoa que não se conformava com a situação que eu via Sempre trabalhei pra ganhar a vida Mas eu não me conformava porque os outros ficava rico e quem trabalhava não O fato de não terminar o ensino fundamental é relacionado por ele como um elemento de luta de classe pois diz que precisa trabalhar para ganhar a vida sem chances de estudos enquanto outra classe ficava rica sem trabalhar É sua forma consciente da luta classe de expressar a angústia por não ter tido direito de estudar já que aos 19 anos precisava trabalhar para se manter Seu Vlademiro analisa o presente a partir desse passado sem estudo Tá difícil agora de viver qualquer um não te dá serviço na cidade se você não tem estudo você não ganha serviço Que nem eu não tenho estudo naquela época nós morava longe e um ano aqui e outro lá Meu piá também não tem estudo o outro tem um pouco a menina também tem um pouco Naquela época era tudo longe Ia na aula lá em Ramilandia dá 18 quilômetros e vai de que Vai de a pé naquela época não tinha ônibus Hoje pega na porta a criança Leva e trás67 Nas entrevistas muitas vezes a possibilidade de escola é apresentada como algo ainda difícil para os filhos numa análise de presente e futuro A escolaridade dos pequenos agricultores e trabalhadores é mais um dado do Levantamento dos Agricultores Sem Terra68 Nele os registros são 202 agricultores sem terra se declararam com o primário completo ou seja 4 anos de escola 193 se definem como aqueles que lê e escreve indicando pessoas que não freqüentaram a escola e aprenderam por outros meios como com irmãos pais ou parentes ou que freqüentaram apenas parte de um ano 104 com o primário incompleto ou seja uma freqüência de 1 a 3 anos na escola temos 56 com o ginásio incompleto na divisão atual da educação o ensino fundamental entre 5 e 7 anos na escola 41 com o ginásio ou primeiro grau completo ou seja 8 anos de escola 1 cadastrado como técnico agrícola ensino médio na divisão atual 93 se declararam nãoalfabetizados ou analfabetos 66 BENCK Elcio Teobaldo Entrevista concedida em 11 de junho de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior em São Miguel do IguaçuPR 67 SORSUK Vlademiro Entrevista concedida em 11 de junho de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior no Assentamento Miguel Isolar Sávio em São Miguel do IguaçuPR 68 LEVANTAMENTO dos Agricultores SemTerra sd Arquivado no STRs Cadastro feito possivelmente entre o fim de 1981 e início de 1982 49 Esses números nos mostram um pouco do que as entrevistas nos apresentaram com relação a dificuldade da escola na vida dos pequenos agricultores e trabalhadores do campo Embora tenhamos um número relativamente alto dos que se declararam com até quatro anos na escola 50 é preciso lembrar porém que esses permaneceram na escola poucos anos Isso se deve ao que as entrevistas apontam já que as crianças entravam num período da vida em que sua força de trabalho era importante para as famílias e seu trabalho não podia ser dispensado Os relatos indicam que a entrada na escola ocorria em torno dos 10 anos assim no quarto ano a criança estava por volta dos 14 ou 15 anos Apenas 41 dos cadastrados tinham conseguido atingir 8 anos de escola ou seja 6 revelando assim que era muito difícil para uma família ter seus filhos estudando por um período de tempo prolongado Por isso temos um número de analfabetos de 13 e se somados com os que não freqüentaram a escola e apenas lêem e escrevem que são 28 temos que quase metade dos cadastrados 41 sendo pessoas sem instrução formal O significado do ensino na escola para os pequenos agricultores e trabalhadores rurais se articula com a vida da pessoa e a possibilidade de sobrevivência apenas no campo uma vez que o estudo era uma forma de seleção de quem poderia ter um trabalho na cidade e assim a falta de estudo faz com que decidam que seu espaço é o campo pois não terão colocação no urbano Um dos principais articuladores do MASTRO foi seu Miguel Isolar Sávio 60 anos natural de Araranguá Santa Catarina chegou no oeste do Paraná aos 13 anos Trabalhou na agricultura até os dezoito anos participou da fundação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais STRs de São Miguel do Iguaçu quando entrou como secretário Em 1983 se torna presidente do sindicato atividade que exerceu até 1992 Hoje Sávio ocupa um cargo dentro da empresa Itaipu Ele fala sobre o vivido Aí houve vários conflitos agrários várias disputas muita injustiça Além da mecanização ser introduzida durante os anos 70 surgiu em 73 o tratado com o Paraguai para a construção da usina hidrelétrica de Itaipu E já com boatos que iriam desapropriar 100 mil hectares de terras que isso ia ficar tudo embaixo da água que tava lá tinha que sair tudo Mas era boato 73 74 75 e 76 começou desapropriar e 75 começou também Eles tinham cronograma estabelecido porque era contrato com o Banco Mundial Então eles tinha dois cronogramas Um era a construção da Usina propriamente dito e a outra era limpar a área para colocar água Bom ai então a Itaipu começou a usar algumas táticas pra começar a eliminar as famílias que estavam no campo AI começou a haver injustiças né Pagava bem pra um dez mal para outro Tudo pra que eles tivessem argumentos para justificar aos 50 movimentos que porventura surgissem as denúncias que surgissem na imprensa que a Itaipu estava pagando mal Então ele pegam um dois sete e oito e pagava bem e uns 100 200 300 paga mal Mas mal mesmo69 Existe na apreciação de Sávio a valorização dos conflitos gerados por Itaipu muito embora não tenhamos entrevistado nenhum pequeno agricultor posseiro ou arrendatário que fora indenizado pela empresa ao suas terras terem sido engolidas pelas águas e argumentos de modernização que estavam inseridos na proposta de Itaipu Mas há dados concretos que esses fizeram parte do movimento como uma minoria que recebendo uma indenização pequena por suas terras não conseguiu compra outra área e assim se tornou trabalhador sem terra Porém aqui a fala de Sávio se refere muito mais as lutas que os agricultores desenvolveram por causa do baixo preço pago pela hidroelétrica aos mesmos e pelas propostas de assentamento distantes da região oeste do Paraná que desagradou os colonos e que gerou até o fim de 1981 muitos confrontos diretos inclusive com acampamentos e ocupações de áreas públicas como forma de protesto que de algum modo mostraram para a sociedade de que o caminho do diálogo era um enfrentamento direto com o governo e seus órgãos ligados a terra Esse evento é valorizado por Miguel Isolar Sávio porque foi um dos primeiros em que sindicatos e igrejas participam e dão seu apoio pois muitos outros movimentos localizados que não contaram com esse apoio não são valorizados pelo expresidente do sindicato dos trabalhadores rurais Por exemplo a expulsão dos posseiros da fazenda Padroeira em Ramilândia que narra seu Vlademiro e que embora derrotado foi um evento que também colaborou na formação de uma consciência desses trabalhadores enquanto sem terras E que terminou com a expulsão das famílias de forma violenta usando jagunços Por fim com uma pequena indenização que deve ter sido importante para os sujeitos que participaram das lutas pois para seu Vlademiro deu para comprar uma casa simples na cidade Sávio continua nesse exame de Itaipu Como a classificação das terras com o valor que não correspondia ao mercado atual Eles se baseavam no mercado nacional de terras aí imagine você vai pegar o mercado nacional o preço cai lá embaixo Tem que pegar regional o nosso aqui Então houve muita injustiça Bom era Aí a Comissão Pastoral da Terra que a sede era em Santa Helena que era 69 SÁVIO Miguel Isolar Entrevista concedida em 08 de junho de 2007 Realizada por Flaviane Mônica Christ nas dependências do Sindicato Rua Vânio Ghellere em São Miguel do IguaçuPR 51 liderada pela Igreja Luterana junto com alguns sindicatos da região criamos o Movimento Justiça e Terra Pra combater as injustiças que a Itaipu vinha cometendo Assim começou a haver algumas conquistas contra Itaipu melhoria no preço da terra indenização da rede elétrica que até então não era paga indenização das estradas uma porção de coisas70 As experiências de Itaipu também ajudaram os sem terra no momento de avaliar as formas de luta pela própria proximidade dos acontecimentos e muito mais pela forma parecida com que governo e seus órgãos trataram os agricultores com injustiças denunciadas por Sávio Mas é preciso são sobrevalorizar em demasiado esses eventos porque uma pequena parte dos agricultores sem terra eram expropriados por Itaipu O documento71 Intitulado MASTRO 28011982 que traz o resultado sintetizado dos cadastros de todos os trabalhadores apresenta que dos 6251 cadastrados apenas 253 eram atingidos e indenizados de Itaipu De repente teve uma dessas reuniões que a gente fazia no interior dos municípios que ia ser atendido começou a se levantar o problema de quem não tinha terra Quem tem terra tudo bem 10 aqui mal ou bem ele compra lá na frente tem 20 aqui compra 5 ou 10 lá na compra ele si coloca E aquele que não tem vai ficar embaixo da água Ai começou a se pensar o que se faria Então começar fazer um cadastro das pessoas que moram aqui na região que não tem terra que são empregados que são parceiros meeiros arrendatários E vão pra cima da Itaipu e do INCRA que é o órgão no país responsável pela reforma agrária para assentar essas famílias aí comecemos a fazer o cadastro das famílias que moravam dentro da área que ia ser alagada pela Itaipu72 Sindicatos e igrejas participaram ativamente na organização do movimento dos atingidos por Itaipu na busca por melhores indenizações sobretudo para aqueles que não sendo proprietários apenas tinham direito sobre as benfeitorias que construíram E assim teriam dificuldades de se recolocarem na região diante do processo mecanização que tirava seus empregos Só que aqui fora da área da Itaipu os trabalhadores rurais que estava sendo eliminado pela força do trator da mecanização agrícola também começaram a vim pro sindicato e pra Igreja dizendo Perá ai e nós também estamos sem terra Também tamo na rua Então com aquele movimento Justiça e Terra a gente consegui assentar uma parte das famílias que não 70 SÁVIO Miguel Isolar Entrevista concedida em 08 de junho de 2007 Realizada por Flaviane Mônica Christ nas dependências do Sindicato Rua Vânio Ghellere em São Miguel do IguaçuPR 71 MASTRO 28011982 Que apresenta uma síntese do número de participantes geral do MASTRO e os responsáveis na região dos municípios de Foz do Iguaçu Medianeira Matelândia Santa Helena e São Miguel do Iguaçu 72 SÁVIO Miguel Isolar Entrevista concedida em 08 de junho de 2007 Realizada por Flaviane Mônica Christ nas dependências do Sindicato Rua Vânio Ghellere em São Miguel do IguaçuPR 52 tinha terra Um pouco foi para Arapoti aqui no Paraná 401 família onde cabia 150 colocaram 400 Levaram 69 para Minas Gerais ou pra Bahia E grande parte deles foram pro assentamento chamado Padre Peixoto no Rio Branco no Acre Eu tive lá chorando era triste de ver a gente se comove quando lembra da situação das famílias tanto aqui como lá triste73 Na fala do líder sindical a valorização da sua atuação e o reconhecimento de que o problema não se restringia a Itaipu que de maneira insatisfatória e injusta tinha sido parcialmente resolvido E ai a Itaipu alagou o espaço dela ali tava um clima que nós precisava criar alguma coisa pros sem terra da região Estava insuportável a situação As famílias tinham que sair e não tinha onde Então a gente criou o MASTRO chamado Movimento dos Agricultores Sem Terra do Oeste E ai a gente começou a fazer o cadastro das famílias que não tinha terra da região oeste e começamos ir pra cima do Incra no mais só pra cima da Itaipu porque o governo implantou a mecanização agrícola e não previu isso Tem o Estatuto da Terra que prevê o acesso a terra e ai o trabalhador rural começou a ver o sindicato e que era sindicato ai começou a entender Tudo por força da conseqüência do próprio governo Se não até hoje o sindicato taria ai servindo de assistência74 A fala de Miguel se articula dentro da busca de resolver o problema a partir da legalidade recorrendo aos órgãos governamentais e a partir das leis que poderiam ser usadas como argumento para que a solução fosse resolvida Culpa o governo por uma alteração até mesmo dentro do sindicato dos trabalhadores rurais que deixa de se preocupar apenas em ser assistencialista e passa a encampar lutas dos trabalhadores muito embora o encaminhamento proposto por Sávio fosse ultrapassado pela experiência dos trabalhadores Seu Arno Becks75 de 54 anos mora no assentamento Vitória da Conquista na linha 13 de maio na região sudoeste do Paraná município de Mangueirinha terra conquistada segundo ele através da luta dentro do MASTRO Seu Arno como muitos outros chegou à região oeste do Paraná no início dos anos 60 na cidade de Missal com 7 anos de idade seu pai pequeno agricultor havia comprado um pedaço de terra aqui na região pois era mais barato Segundo seu Arno quando seu pai faleceu a pequena propriedade não podia mais ser dividida entre o inúmeros irmãos já casados Sobre sua entrada no movimento e dos demais 73 SÁVIO Miguel Isolar Entrevista concedida em 08 de junho de 2007 Realizada por Flaviane Mônica Christ nas dependências do Sindicato Rua Vânio Ghellere em São Miguel do IguaçuPR 74 SÁVIO Miguel Isolar Entrevista concedida em 08 de junho de 2007 Realizada por Flaviane Mônica Christ nas dependências do Sindicato Rua Vânio Ghellere em São Miguel do IguaçuPR 75 BECKS Arno Entrevista concedida em 16 de agosto de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior em MangueirinhaPR 53 companheiros de situação relata A gente era muito explorado a época quando trabalhava de meeiro ou arrendatário ganhava muito pouco A gente trabalhava só pro patrão Seu Arno Becks pessoalmente relata que sua entrada no movimento se deu a partir do momento em que ficou desempregado e voltava de Capanema onde teria ido morar depois que se casou Daí eu recebi um jornal de um seminarista diz ele lute por uma causa própria e por um pedaço de terra Hoje ele é padre no Rio Grande do Sul Daí eu disse um dia vou ser dono do meu próprio nariz Eu era pedreiro lá em Capanema Voltei pra Missal e já entrei no movimento Era reunião pra cá reunião pra lá E eu trabalhando sem ser fixado E eu pensando naquele jornal que eu tinha recebido de um seminarista que me escreveu76 A memória do entrevistado revela uma produção do passado porque num momento diz que teria encontrado com o seminarista agora lembra que recebera uma carta Revelando na verdade que existia um incentivo da igreja direta e indiretamente na articulação dessa luta dos trabalhadores Mas articula uma experiência que muitos como ele estavam enfrentando fato de constituírem famílias e não terem um pedaço de terra para retirarem sua sobrevivência e o fato de terem que trabalhar primeiro de arrendatários suportado cargas de trabalho e divisão de produtos que beneficiavam aos proprietários e não aos trabalhadores e depois até mesmo em empregos urbanos que não dominavam e que os desloca não apenas socialmente longe de suas famílias mas também fisicamente para as cidades estranhas as suas vidas Assim o valor da terra para esses trabalhadores se encontra na possibilidade emancipatória que ela provoca em suas vidas Seu Alfredo Danhause de 50 anos casado pai de três filhos nasceu em São Carlos Santa Catarina e veio com treze anos para Missal no Paraná ele também mora no assentamento Vitória da Conquista Muito embora tenha participado de todo o processo de luta do movimento ele não conseguiu conquistar a terra apenas seu pai que hoje é falecido e deixou um pedaço de terra para ele Segundo seu Alfredo o pai dele era arrendatário e nunca conseguiu ter uma terra apenas seu avô porém eram apenas dois alqueires que não podiam ser divididos entre os filhos Por isso ficaram 20 anos trabalhando como arrendatários Para seu Alfredo a vida nesse regime funcionava assim 76 BECKS Arno Entrevista concedida em 16 de agosto de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior em MangueirinhaPR 54 Nós arrendava assim Até que eles não ocupava com a máquina era tudo manual Daí nós plantava as meia Tinha que dar a metade pro patrão Criação que nós criava galinha boi porco tudo era as meia Nós fazia a terra do patrão nós fazia a lavoura se ele tinha serviço na lavoura nós tinha que comparecer se não arrumava uma cerca Na fazenda onde nós morava era quatro família Era dobrado Onde era mais plano ele plantava com a máquina77 O trecho da entrevista indica uma vivência mais longa de expropriação desde seu avô Participavam de uma economia complementar definida pelo fazendeiro que os utilizava como força de trabalho na manutenção da plantação feita mecanicamente e nos espaços irregulares onde era impraticável a presença de máquinas Era um regime de produção diversificado que embora não tivesse descartado o trabalhador deteriorava o valor e o uso dos trabalhadores Na avaliação de seu Alfredo quanto a quem participava do MASTRO Ele expõe É que nem nós lá chamava o arrendatário de bóiafria O arrendatário trabalhava um mês pra ele e tinha que trabalhar um mês de bóiafria pra sobreviver nóis era assim Reforçando a concepção de que essas categorias diferentes na experiência dos trabalhadores eram na verdade apenas uma gerando um reconhecimento comum A experiência de dona Lenir Altissimo78 de 52 anos que como muitos outros agricultores sem terra veio da cidade gaúcha Três de Maio com seis anos de idade e se estabeleceu em Medianeira onde seu pai ainda mora na mesma pequena propriedade Em uma família de nove irmãos aos dezessetes anos se casa e então a experiência se aproxima dos outros sujeitos que conversamos Desde criança eu sempre trabalhei na roça Só que aquela propriedade que o pai tinha não conseguia sustentar todos os filhos ali né A gente casou né E não tinha terra pra trabalhar Fomos trabalhar de empregado na cidade E lá a gente viu que não tinha estudo não tinha terra Porque 30 anos atrás os pais não tinham condições de dar estudo pros filhos Não é que nem hoje que o ônibus passa na porta Então a gente não sabia O que a gente sabia fazê era trabalhar na lavoura ai que nós resolvemos lutar por um pedaço de terra79 77 DANHAUSE Alfredo Entrevista concedida em 16 de agosto de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior em MangueirinhaPR 78 ALTISSIMO Lenir Entrevista concedida em 16 de agosto de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior em MangueirinhaPR 79 ALTISSIMO Lenir Entrevista concedida em 16 de agosto de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior em MangueirinhaPR 55 Antes de entrar no MASTRO dona Lenir trabalhara 10 anos como merendeira numa escola municipal em Medianeira e o marido como motorista de ônibus Porém ela avalia muito pelo aspecto de que estavam fora de seu ramo Não adianta você fazer uma coisa que você não sabe fazer e se emociona reafirmado insistentemente que era a conquista de um pedaço de terra que orientava sua esperança Então resolvem se reunir ao MASTRO Importante avaliar que esse depoimento demonstra que aparentemente uma análise diferente daquela que de que só existiam trabalhadores rurais no movimento Mas é preciso entender que ao serem filhos de agricultores e terem trabalhado na terra a maior parte de suas vidas o emprego na cidade colocaos numa situação de incompletude de suas potencialidades humanas Isso explica o sentimento de angústia envolvido nas memórias dos sujeitos que como Lenir sentemse inseguros e com necessidade de reafirmarse ainda hoje depois de 25 anos vivendo no pedaço de terra que conquistou com sua luta como uma agricultora E esse afirmarse como agricultora significa que é alguém que mais do que proprietária tem um conjunto de saberes e práticas desvalorizadas pela urbanidade e hora até por perspectivas científicas que colocando essas análises do vivido ao nível de um saber irrefletido natural e intrínseco e por isso a análise de dona Lenir que precisa se reafirmar diante de um citadino como agricultora como alguém da terra e da roça Dona Lenir avalia a vinda dos pais dela do Rio Grande do Sul e aproxima de sua experiência anos mais tarde dizendo que o motivo era a pouca terra que os pais deles tinham lá E foram vindo pro Paraná pra comprar um pedaço de terra e aí foram vindo por causa disso Pouca terra mesma coisa aconteceu com a gente Importante pensar que diante de um módulo rural mínimo de 15 hectares impossibilitava pequenos proprietários de conseguirem guardar uma soma de dinheiro suficiente para adquirir mais terra num período que o estado do Rio Grande do Sul já se encontrava ocupado e com uma infraestrutura que encarecia suas terras As experiências de vida de seu Alfredo como da dona Lenir e de seu Arno Becks se diferenciam um pouco dos outros entrevistados O primeiro por não terem conquistado a terra e os outros de ter trabalhado na área urbana No entanto essas diferenças não excluíram a possibilidade de se reconhecerem como agricultores sem terra Não foram essas diferenças que impediram a formação do MASTRO e mesmo a existência de outras ainda mais complexas como os locais de origem diversos não causaram falta de identificação dos sujeitos Assim formam o movimento de pessoas vindas de 56 diferentes localidades como Rio Grande do Sul Santa Catarina Paraná Minas Gerais e outros como aponta o Levantamento dos Agricultores Sem Terra80 Que pode ser resumida como 276 cadastros do Rio Grande do Sul 145 do Paraná 104 Santa Catarina 75 Minas Gerais 36 São Paulo 23 Bahia 08 Alagoas 05 Paraíba e Ceará 04 Sergipe 02 de Pernambuco e Espírito Santo 01 do Mato Grosso do Sul Temos uma grande maioria de pessoas vindas dos três estado do sul 76 o Rio Grande do Sul representa sozinho 40 da origem dos cadastrados sem duvida é um número significativo porém não podemos classificar como insignificante a presença de 75 mineiros que representam a metade dos paranaenses nem mesmo os 144 sujeitos vindos do centrooeste nordeste e sudeste principalmente Importante pensar que o papel de cada estado não pode ser avaliado apenas pelo número de seus indivíduos mas pela importância de cada sujeito na luta e na organização do MASTRO Deste modo cabe destacar a presença relevante de sujeitos oriundos de outras localidades e que têm sido subtraídas em diversas análises que adotam como critério de pesquisa o pressuposto da identidade étnica germânicos italianos polacos etc religiosa luteranos católicos etc ou cultural gaúchos e catarinenses etc desconsiderando as vivências sociais desses sujeitos face ao trabalho às relações de dominação à perda da terra aos conflitos e lutas voltados para sua restituição etc como constituintes das experiências que formam a classe social É em função desta diferença de perspectiva que valorizo as trajetórias de cada entrevistado É no fazerse de cada um que podemos encontrar o fazerse da classe e a constituição de um sujeito coletivo E assim a origem não atrapalhou a formação da classe já que a classe se faz na luta que é descrita pelos sujeitos como um processo de expulsão e também de organização Pois as pessoas enfrentaram a mecanização como uma experiência que lhes tirava o trabalho e a possibilidade de sobrevivência não como uma facilitação ou como um avanço tecnológico Diante disso não pretendemos chegar a conclusões e análises simplistas e dizer que os sujeitos que se reuniram para formar o MASTRO em 1981 foram indivíduos de tal idade com x estado civil vindo de y lugar Queremos antes é perceber que existiam pessoas diferentes e não iguais mas que as condições experimentadas contribuíram para a formação de uma consciência e uma identidade de pequenos de pobres de fracos no sentido financeiro 80 LEVANTAMENTO dos Agricultores SemTerra sd Arquivado no STRs Cadastro feito possivelmente entre o fim de 1981 e início de 1982 57 Todavia de fortes e vitoriosos na luta política por um pedaço de terra que tinha o significado de dar continuidade ao modo de vida do trabalhador na terra No segundo capítulo perceberemos que experiências anteriores ajudaram na perspectiva de que eles deviam se colocar na condição dos verdadeiros agentes históricos Sem que isso signifique que foram determinados a pensar assim Relacionando os dados com as entrevistas percebemos que uma parte desses eram sujeitos vindos para a região ainda muito jovens nos primeiros anos de vida com seus pais E encontravam no MASTRO a possibilidade de continuarem fazendo e sobrevivendo da forma que historicamente seus pais viviam no trabalho com a terra na pequena propriedade Outras entrevistas referemse a indivíduos que chegaram na região já casados e trabalhando de agregados e arrendatários bóiasfrias e assim entram movimento porque vêem nele a possibilidade de adquirirem essas terra já que no seu local de origem isso não teria sido possível e é apontado como o elemento principal da migração na vida dessas pessoas Eram indivíduos na sua maioria esmagadora primeiro em idade produtiva entre 32 anos dominando as técnicas e os conhecimentos agrícolas já que se passaram duas ou mais décadas de ajuda aos pais em casa A possibilidade de mudar de emprego se bem que existisse remotamente eram ao contrário impulsionados pela destruição de seus postos de trabalhos provocado como vimos pela entrada de máquinas e venenos E com famílias recém formadas filhos pra alimentar foram essas condições que permitiram a formação do MASTRO Se em alguns aspectos havia diferenças importa pensar que em outros aspectos materiais ou não havia elementos em comum fortes o suficiente que permitiram a formação de uma identidade de agricultores sem terra que os fez se unirem para discutir suas dificuldades e buscarem soluções de sobrevivência ocupando terras públicas e privadas Assim não é só a mecanização que faz com que formem o MASTRO Mas também a dificuldade de se reconhecer em uma única categoria de trabalhador o que gera ao invés de desentendimentos união A falta de conseguir estudar A necessidade de criar a família os filhos e também a visão de que a cidade não era o espaço daqueles que nasceram na roça Isso tudo faz com que se formem no MASTRO 58 CAPÍTULO 2 2 O MASTRO A INSTITUCIONALIZAÇÃO DE UM MOVIMENTO A proposta desse capítulo é de apresentar o MASTRO Movimento dos Agricultores Sem Terra no Oeste do Paraná no seu processo de constituição as lutas e reivindicações dos sujeitos que fizeram parte dele Bem como os debates políticos e religiosos que atravessaram o movimento Ao iniciar a pesquisa já se percebeu que não havia um dia que pudesse demarcar o começo e que as datas iniciais mudavam a cada tentativa de delimitar Assim quando num primeiro momento pensamos que esse início poderia ser definido a partir da primeira ata81 cuja data é de 02 de setembro de 1981 vemos que no próprio documento está presente uma descrição de um trabalho que vinha há muito sendo feito Dando continuidade foi feita também uma apresentação por localidade e respondiam as seguintes perguntas Quantas reuniões o grupo fez Quantas pessoas participaram Que outras sugestões poderiam dar para o bom funcionamento do MASTRO e quem pode participar do MASTRO Estavam presentes quinze comunidades num total de seiscentas pessoas Faltou algumas comunidades que já estão estudando o Mastro talvez por falta de informação quanto ao dia da reunião No final da exposição deu pra perceber que a maioria dos grupos teve aumento no sentido de participação a cada reunião que se fazia Assim é possível perceber algumas iniciativas de discussões acerca da realidade vivida pelos agricultores e diante disso é possível perceber o envolvimento da comunidade naquilo que seria o preâmbulo do MASTRO O motivo do surgimento dessas primeiras reflexões feitas no interior do Município de São Miguel do Iguaçu são no entendimento de Miguel Isolar Sávio82 fruto de um amadurecimento e das dificuldades impostas aos agricultores na década de 70 81 Ata escrita em A4 datilografado esse grupo de atas utilizadas demonstra ser um meio de apresentação do movimento com um veiculo de informação para as pessoas pois existe um cuidado com a estrutura e a linguagem na apresentação dos temas discutidos E encontrouse muitas dessas atas em papel mimeografado revelando que de alguma forma eram divulgadas Numa das atas consta que serviam também ao propósito de divulgar as reflexões feitas 82SÁVIO Miguel Isolar Entrevista concedida em 08 de junho de 2007 Realizada por Flaviane Mônica Christ nas dependências do Sindicato Rua Vânio Ghellere em São Miguel do IguaçuPR 59 Foram suas percepções acerca da realidade e da organização dos trabalhadores rurais que levaram esses a participar da formação do MASTRO Podemos conjecturar que depois de uma década de participação ativa no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Miguel do Iguaçu83 como secretário e presidente que como sujeito histórico passa a apostar e fomentar outras formas de intervenção da realidade que estavam todos experimentando Numa manhã fria de agosto de 1980 eu que ainda era secretário desse sindicato e o pastor Fuchs que está em Curitiba hoje que era coordenador da Pastoral da Terra e o presidente do sindicato da Siacri de Medianeira na época numa das salinhas aqui desse sindicato nós então decidimos criar o MASTRO só que o movimento sindical que nós tinha aqui era muito atrasado conscientemente falando A consciência da maioria das diretorias dos sindicatos os presidente principalmente era ainda aquela visão estreita de assistência médica não tinha muito interesse em abrir os olhos do trabalhador sobre qual a função do sindicato Os convênios eles entendia que existia a sustentabilidade do sindicato e que o sindicato sem isso ia falir Então nós tivemos muitas dificuldade porque o movimento era muito atrelado a FETAEP que naquela época era também muito atrelado ao governo e que não aderia muito qualquer movimento contra o governo Nós tava num regime militar mesmo então essa covardia essa falta de coragem dos sindicalistas da região prejudicou muito a categoria na época Ai a relação do MASTRO era muito limitada com os sindicatos Então como a gente tinha dificuldade de usar os sindicatos a gente tinha apoio muito da Igreja Católica da Luterana dos padres nem todos Então a gente utilizava nas comunidades os espaços que a Igreja tinha né Pra fazer reuniões eventos Sávio argumenta que o MASTRO surge dentro do sindicato dos trabalhadores mas sem muito apoio desse Revelandose uma perspectiva que tem sido oficializada pelo discurso que se proclama competente da memória que antagoniza dois tipos de sindicalismo rural um autentico outro assistencialista discurso embasado em trabalhos acadêmicos que valorizam mais o trabalho e a participação de agentes externos que a participação dos trabalhadores Claro que a participação das igrejas luteranas e católicas com seus pastores e padres é recorrente na constituição do MASTRO inclusive nas reuniões nas comunidades Em muitas atas o Pastor Werner Fuchs84 participara inclusive coordenando as discussões 83 CHRIST Flaviane M Sindicalismo Rural e a Luta pela Terra São Miguel do Iguaçu anos 70 e 80 Monografia Unioeste Marechal Cândido Rondon 2007 Pg 23 28 32 84 Pastor Werner Fuchs nasceu em 1949 em Santa Cruz do Sul Rio Grande do Sul Filho de pequenos agricultores Estudou Teologia em São Leopoldo Ele fez pósgraduação de na Índia e atuou em Concórdia Santa Catarina E em 1978 mudou para Marechal Cândido Rondon oeste do Paraná onde assumiu a coordenação da Comissão Pastoral da Terra CPT 60 Dessas primeiras reuniões no interior dos Municípios de São Miguel do Iguaçu e Medianeira a princípio seu Alfredo fala das reuniões no início do movimento que seu pai participava É era tudo reunião A mesma coisa de hoje Só que quem começou o MASTRO foi o sindicato com o Miguelzinho Tinha o presidente de Medianeira o Artur de Missal o Otilho Desde 81 que começou as reunião entre as comunidades Quem incentivou lá foi o presidente do sindicato de São Miguel do Iguaçu Na época esqueci o nome dele acho que ele é até morto foi matado Esqueci o nome dele Esse homem o José Cassimiro que era tudo de um lugar O falecido Capanema e o pai e o Valdir Altissimo Aí eles se reuniram e começaram a sair assim começava com o que trabalhava de arrendatário e fazia reunião de noite ou nos domingos na comunidade Ao recordar das primeiras atividades do movimento seu Alfredo tentando ressaltar o papel histórico de seu falecido pai e de um pequeno grupo de quatro líderes que mais tarde fora assentado num mesmo local em Mangueirinha deixa entrever a participação muito forte dos sindicatos dos trabalhadores rurais principalmente de São Miguel e Medianeira É importante perceber que na análise desse sujeito histórico não existe a transformação de um incentivo de Miguel Isolar como secretário depois presidente do sindicato que seu Alfredo pela memória pensa estar morto em uma determinação Ao invés disso realça a participação dos próprios trabalhadores na organização e nas discussões Outro trabalhador rural seu Élcio fala da presença do sindicato como formadora do MASTRO Isso vem por causa das posse né Você lembra que aqui a região oeste ela tinha colonizadora mas as terras a maioria era posse Então vem de filho de pequeno colono a tradição de pequeno colono E surgiu o MASTRO essas coisas justamente por causa do sindicato O sindicato de São Miguel e Medianeira era classista naquela época É uma pena que hoje se fala que é bom mas não tem nada de classe Um sindicato que senta com o governo não é classista Então eu acho que boa parte era questão da igreja aquela libertação como é A teoria da libertação e esses sindicatos combativos né Compra esse lado de brigá e a tradição de filho de pequeno colono não pode comprar terra e tem que ir pra briga Essa leitura da realidade feita por seu Elcio é muito próxima da avaliação de setores da igreja nos anos 80 sobre o problema da posse da terra sobretudo a tese de que um setor mais progressista da Igreja atuou no sentido da defesa dos interesses dos trabalhadores A seguir temos outro elemento como uma cartilha da igreja para a formação dos trabalhadores durante reuniões que mostra como as igrejas procuravam organizar e influenciar os trabalhadores do 61 que seria a luta por terra no oeste do Paraná Mas cabe analisarmos se essas propostas foram incorporadas pelos trabalhadores sem terra em suas lutas Nas reflexões do que teria acontecido naquele momento que levou os trabalhadores numa organização social seu Élcio fala dos problemas e das contradições dentro da forma de colonização da região oeste do Paraná esses dados foram sentidos e debatidos dentro do movimento Num documento85 feito pela CPT e sindicatos dos trabalhadores rurais Micro região 2 que envolve todos os municípios da região oeste nos municípios com sindicato Embora sem data pelas análises feitas percebese que fora feito no fim de 1981 já que apresenta o resultado das primeiras reuniões do MASTRO feitas nesse ano Essa cartilha que servia de base para as discussões traz além de um histórico da luta pela terra no Brasil e na região apresenta dados que estão ligados a reflexão de Élcio a terra tornouse mais terra dos grandes Hoje 60 das terras são do governo 21 são dos latifúndios 11 são dos médios produtores rurais e apenas 8 das terras brasileiras são dos pequenos agricultores Somente 5 das terras brasileiras têm agricultura O Governo não faz a terra produzir os latifúndios fazem produzir apenas 12 de suas terras e os pequenos proprietários usam 70 de suas terras A pequena propriedade é 300 mais produtiva do que a grande isto é um hectare da pequena propriedade produz em média tanto como 3 hectares da grande Na propriedade dos grandes trabalham um milhão de pessoas Nas propriedades dos pequenos trabalham 20 milhões de pessoas Esse documento fazia parte de uma proposta de discussão dos problemas relacionados à terra que afetavam os trabalhadores naquele momento Esse debate como se percebe tentava incidir as responsabilidades aos órgãos públicos e nunca às pessoas os latifundiários Era uma forma de avaliar o problema sem estabelecer um inimigo direto e isolado no corpo do estado seria difícil para os trabalhadores se voltarem contra culpados que pudessem ser alcançados No máximo com uma proposta de reintegração das áreas ao governo A seguir o documento propõe que as terras distribuídas às empresas colonizadoras sejam devolvidas ao governo para que sejam divididas ao trabalhador rural Nas reflexões de seu Élcio percebemos a formação da consciência no trabalho do movimento ele fora um dos líderes que ajudou na organização das primeiras reuniões mas também era filho de pequeno agricultor dai uma reflexão que de alguma forma estabelece uma relação mais forte entre a formação do MASTRO e o sindicato justamente por causa do sindicato Muito embora nenhum dos sujeitos históricos desse movimento afirme apenas a presença do sindicato como 85 MASTRO QUEREMOS TERRA sd Arquivo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Medianeira 62 determinante mas sempre numa relação que ora o peso do sindicato é mais expressivo ora os sujeitos Seu Otomar se alterna entre as duas possíveis avaliações Isso aí no começo foi o sindicato No começo eles faziam tipo um papel escrevia e dava pra eles E tu segurava um Onde surgia um acampamento eles te chamava Naquela época pra nóis nem precisou Nóis viemos por conta nóis quizemo muito O sindicato só deu uma mão pra nós Que nem aquela vez era o Miguelzinho Conhece o Miguelzinho Aquele lá era nosso patrão da querência Ele era muito forte na luta Contudo indica que se o sindicato fomentou o MASTRO o que fez com que as pessoas deixarem a casa dos pais ou os incipientes empregos na cidade ou os escassos trabalhos de arrendatário e meeiro vão além da participação do sindicato por isso seu Otomar frisa que nóis quizemo muito Na perspectiva de seu Carlito o MASTRO Ele surge através da necessidade nossa Quem tem uma família ele sempre vai procurar a crescer E se tu ficar parado não entrar em organização tu nunca vai ter uma chance Então eu acho o que faz a gente entrar na organização é o próprio sofrimento nosso Se nós tamos numa faze que queremos crescer nós temos que se organizar Porque se ficar isolado exemplo temos porque quem fez esses cadastros naquela época não ganhou terra Hoje prefere ter que entrar na organização pra poder batalhar por uma área de terra Nessa forma de representar seu passado e dos demais participantes do movimento está presente também a justificativa de que a luta organizada foi a forma encontrada para que a violenta transferência para a cidade e empregos urbanos se tornasse apenas um escolha na vida dos pequenos proprietários e não resultado de um expulsão dos trabalhos agrícolas A formação de uma coletividade com experiências e interesses comuns representa o primeiro passo para a formação de uma classe Sobre a importância nessa organização Carlito diz Que na verdade o governo não reconhecia o movimento dos sem terra na época Eles achavam que era uma turma de baderneiro até inclusive eles criaram muita coisa pra poder destruir a organização Até pregavam que quem ia pra debaixo da lona não ganhava terra Só ganhava terra quem fazia cadastro Eles fizeram cadastro do município só que os cadastrados ainda hoje não ganharam terra E quem foi pra luta tá um exemplo que nem nois Se nóis tivesse ficado esperando pelo governo nois tava em casa ainda hoje Então a organização ajudou muito pra nois 63 Avaliando a partir da conquista de seu lote de terra no assentamento Miguel Isolar Sávio em São Miguel do Iguaçu seu Carlito reflete naquilo que durante o processo de luta no MASTRO era apenas uma possibilidade mas que desde o início é incômodo para governo e grandes proprietários E sentese vitorioso por não ter escolhido a forma de atuação proposta pelo governo que era uma inscrição no INCRA e a espera por muitos anos Seu Alfredo sobre as reuniões para iniciar o movimento lembra que Nós se reunia pra abrir assentamento 7 ou 8 família daí tirava a liderança que ia nas reunião mais grande Começou assim Nesse seu exame está presente a constituição de pequenos grupos de famílias que se reúnem para o debate dos problemas Seu Carlito fala das reuniões Na verdade surgiu as lideranças que foram fazendo a reunião chamando nas comunidades começou por comunidade na verdade Foi visto quem não tinha terra morava com os pais Foi pegando o pessoal nessa área que era os que mais que precisava um pedaço de terra E foi se organizando foi crescendo porque hoje não é só na agricultura que tá os sem terra Hoje os sem terra a maioria tá na periferia das grandes cidades nas favelas Em uma comparação com o hoje seu Carlito está reinterpretando o passado e o MASTRO das primeiras reuniões feitas nas comunidades As comunidades são as linhas rurais de cada município onde existe um pequeno aglomerado de casas e negócios como bares pequenos mercados moinho de descascar cereais igreja e órgãos do estado com postos de saúde e escola Esses pequenos centros quando passam a crescer muitas vezes acabaram virando as sedes dos novos municípios que se formaram quando da emancipação de uma área Assim eles representam um centro de coletividade de encontro e troca não apenas de produtos mas de convívio social A igreja nessas comunidades rurais é um ponto importante é nela que aos domingos que membros da própria coletividade se transvestem de ministros da eucaristia e celebram cultos na falta de padres são os encontros das comunidades rurais no fim de cada semana Seu Carlito representante da igreja em sua comunidade como ministro e ainda como membro do MST faz uma análise justificando uma escolha atual e uma época da formação do MASTRO a de organizar o movimento a partir de filhos de pequenos agricultores Mas reelaborando essa fala a partir do presente na reflexão de que nas cidades hoje existem os sem terras também Assim no passado segundo sua discussão foi convidado a participar e 64 mais que isso quem aceitou participar e construir o movimento foi quem era os que mais que precisava um pedaço de terra O filho de pequeno produtor rural É possível que houvesse a organização em outros municípios mas os que estavam com uma discussão e organização mais desenvolvida eram São Miguel do Iguaçu e Medianeira Miguel Sávio ao debater sobre essa organização diz Então no movimento era organizado mais ou menos assim nós tinha as comissões comunitárias Com a coordenação um secretário um tesoureiro e nós tinha a comissão municipal Então os coordenadores nas comunidades se reuniam nos municípios faziam avaliação de como tava o movimento fazia avaliação nas negociação com o governo E nós tinha as coordenações que eram regional que o Mastro era regional Então se fazia as reuniões periódicas para transmitir pra base como estava as negociações e pra saber da base como é que tava E através das comunicações dos coordenadores se via que a crise era grave que a situação se agravava que mais famílias saiam do campo Então tu imagina a quantia de família que foi pra esse Paraguai pra esse Mato Grosso pra essa Rondônia naqueles anos 70 e 80 Tu não faz idéia E nós não temos também idéia Mas foi milhares de gente E muitas que não tinham acabaram se encostando nas pequenas cidades nas grandes cidades e foram formado as favelas Na fala é possível perceber a organização dos agricultores que estavam deixando suas terras Os que escolhiam não migrar para outros lugares se organizavam no movimento em suas comunidades Eram escolhidos dentro de cada comunidade uma coordenação comunitária com secretário e tesoureiro depois em nível municipal dentre esses eram escolhidos os representantes do município e regionais Mais do que uma tentativa de hierarquização para de algum modo enfraquecer a luta essa forma de organização partia segundo Sávio de uma necessidade de um movimento que estava se tornando regional Pois as decisões partiam de análises feitas com as comunidades no interior do município e não serviam de órgãos de mando dentro do movimento mas como um elo para transmitir as reivindicações ao governo e tentar uma negociação e ainda permitir que as bases dessem as coordenadas e as direções a serem tomadas pelo MASTRO Dona Lenir fala das primeiras reuniões Eles fazia reunião falavam como é que as decisões tinham sido tomadas As lideranças através dos sindicatos as pessoas que ajudavam eles orientavam as pessoas a fazer Eles falavam assim Vamos reivindicar um pedaço de terra só que sem violência Nada de injustiça Pega aquele pedaço de terra mas trabaiá Na análise de dona Lenir ficou presente o caráter de um movimento que deveria lutar estritamente dentro da legalidade sem usar violência mas essa sua fala está mais ligada à 65 reflexão do que hoje pensa sobre a forma de organização dos movimentos sociais dos sem terra Sobre essas reuniões nas comunidades seu Arno diz Nós fazia reunião uma vez por mês Nós sentava junto antigamente nós não podia avisar o público nós avisava de um por um quem era filho de agricultor e gente casado que morou na roça e trabalhava de arrendatário e meeiro nós com esse povo Ó vamo fazê um movimento vocês querem terra Queremo Não terra do governo terra nossa Vamos atrás que é nosso Não não vai dar Daí comecemo a fazer reunião nós vamos atrás da terra prometida E trabalhamo em cima disso Essa fala de seu Arno revela um pouco da periodicidade dessas reuniões que ocorriam uma vez por mês e da forma como as pessoas eram convidadas a participar do movimento Seu Arno reflete a partir de uma constatação de que a liberdade de reunião no início dos anos 80 na região oeste ainda sofria um cerceamento Assim as pessoas não podiam ser avisadas publicamente e a forma encontrada era um convite mais pessoal e direto o que revela as dificuldades que enfrentavam Mesmo no trecho em que reforça que a terras serão conseguidas de maneira legal pois as terras seriam deles mesmo pela lei está um pouco das possibilidades de perseguição que o movimento e as pessoas poderiam sofrer bem como o medo das pessoas diante de fazer algo que desagradasse o governo Na ata da primeira reunião entre os coordenadores das comunidades pelas linhas do município de São Miguel do Iguaçu vemos que ocorreu um discussão em torno de como conseguir terra interessante que o movimento nesse momento faz essa análise da seguinte maneira As treze e trinta teve reinício dos trabalhos com o esclarecimento de onde poderia ser feita uma desapropriação O estatuto da terra e o DecretoLei 25269 ajudou no esclarecimento86 Essa proposta de agir orientado pelas leis e decretos não se manterá por muito tempo ou era apenas uma forma de não sofrer as pressões que poderiam ocorrer no contexto do regime ditatorial Essa primeira fase do movimento de reuniões e assembléias ocorre em pelos três municípios da região oeste Medianeira São Miguel do Iguaçu e Matelândia Essa primeira organização de grupos de discussão em cada comunidade onde existe um grupo coordenador possivelmente com experiência de grupos de discussão vindos das experiências da igreja católica através das Comunidades Eclesiais de Base CEBs 86 ATA 1 do Mastro 04 setembro de 1981 Arquivada no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Miguel do Iguaçu 66 Em registros feitos no livro tombo da igreja dos primeiros meses de 1980 da Igreja Matriz de São Miguel do Iguaçu vemos a preocupação da instituição com o problema dos agricultores Continua acentuado êxodo migratório do interior do município com destino ao Mato Grosso do Norte Rondônia e em menor escala para o Paraguai Os padres realizam um trabalho de conscientização junto às comunidades a fim de evitarem ilusões ganâncias ou vendas desnecessárias de terras pois há grandes proprietários acumulando latifúndios forçando os pequenos a venderem suas terras Muitos já estão saindo devido a hidroelétrica de Itaipu que dentro de três anos deverá alagar aproximadamente a terça parte desse município Várias comunidades preparam a partida dos migrantes com ricas celebrações comunitárias permeados de solidariedade humana e cristã e a benção do sacerdote87 Embora a preocupação da igreja liderada desde 1977 pelo pároco Augustinho Sopelsa com a ajuda dos padres Onorio Benacchio e Agostinho Betú esteja aqui enfocando muito mais a partir do ângulo da perda de fiéis para a paróquia percebese que o problema que afeta os pequenos proprietários provoca à igreja uma necessidade de conscientizar esses trabalhadores Claro que essa conscientização é a partir do ponto de vista da igreja pois nossos sujeitos não são pessoas inconscientes dos problemas que os afetam e muito menos sem reação diante deles Em pouco tempo depois há mais um registro de abril de 198088 falando de uma atividade de preparação para a Páscoa Na ocasião é feita encenação de cinco acontecimentos na vida do migrante e duas da morte e ressurreição de cristo A igreja relaciona os dois acontecimentos e se dizia ao lado do migrante e prometeu auxílio para amenizar sua opressão e sofrimento As CEBs fizeram parte das discussões nesse início de 1980 embora o registro seja bem sintético apenas afirmando que no dia 23 de abril acontecera um encontro No dia 23 de abril houve concentração de elementos das CEBs ou seus líderes para um dia de formação e esclarecimento sobre Sindicato89 O tom do registro evidencia que quem fez o registro não concordava com o encontro e o trata com certo desprezo primeiro fazendo um registro muito rápido quando essa forma de registro se mostra incomum no Tombo depois chamando os 87 ÊXODO Migratório ano 1980 Livro Tombo 1 do ano de 1958 à 2000 Paróquia São Miguel de São Miguel do Iguaçu folha 47 88 VIA SACRA do Migrante abril de 1980 Livro Tombo 1 do ano de 1958 à 2000 Paróquia São Miguel de São Miguel do Iguaçu folha 47 89 CEBs 23 de abril de 1980 Livro Tombo 1 do ano de 1958 à 2000 Paróquia São Miguel de São Miguel do Iguaçu folha 47 67 participantes de elementos e podemos acreditar que ao colocar em aspas o sindicato a padre que efetuou o registro discordava do posicionamento desse No dia 5 de agosto de 198090 a igreja dá um curso de três dias de Pastoral Agrária em Cascavel sete líderes rurais são levados para aprenderem e montarem essa pastoral no município Percebese a igreja preparando agricultores e trabalhadores rurais para os conflitos agrários que irão submergir dentre muito em breve Nos meses de setembro e outubro é retomado um trabalho de reflexão feito em comunidades pelo interior do município o registro reafirma foi insistido nas comunidades do interior a importância da formação das Comunidades de Base91 Embora a justificativa seja de que esses grupos preparariam melhor as liturgias de natal vemos que esse não era o único objetivo pois o trabalho ocorria no município desde 1978 Nesse registro consta a descrição parcial do trabalho A partir de outubro semanalmente são visitados alguns grupos de reflexão revendo e animando os mais experientes e encaminhando aqueles em formação Quem visita são os padres e as irmãs Nessa descrição percebemos que havia um investimento da igreja nas pessoas que participavam das CEBs dando formação e enviando padres e irmãs as comunidades Desde 17 de julho de 197892 a igreja vinha por algum interesse se articulando e formando as CEBs em muitas regiões do Paraná o registro do Livro Tombo nessa data consta apenas que era um curso para formar líderes que iriam então desenvolver esses grupos de reflexão que recebia estímulo e elogios da CNBB CELAM do Concilio Vaticano ll e do próprio Papa Foi realizado um curso de líderes para a formação de Comunidades Eclesiais de Base Dirigiu o curso uma equipe da diocese de Palmas que em outras oportunidades e em muitos lugares do Paraná estão treinando estes grupos de reflexão Em poucos anos os registros falando das CEBs se mostram freqüentes evidenciando a importância dada pela igreja a esses grupos Em junho de 1979 na primeira visita do bispo da recém fundada diocese de Foz do Iguaçu Olívio Aurélio Fazza dá cursos pelo município de São Miguel do Iguaçu visitando as comunidades do interior e faz um registro93 de próprio punho em que reforça a importância de 90 PASTORAL AGRÁRIA 05 de agosto de 1980 Livro Tombo 1 do ano de 1958 à 2000 Paróquia São Miguel de São Miguel do Iguaçu folha 50 91 CEBs setembro e outubro de 1980 Livro Tombo 1 do ano de 1958 à 2000 Paróquia São Miguel de São Miguel do Iguaçu folha 51 92 CEBs 17de agosto de 1979 Livro Tombo 1 do ano de 1958 à 2000 Paróquia São Miguel de São Miguel do Iguaçu folha 38 93 VISITA PASTORAL junho de 1979 Livro Tombo 1 do ano de 1958 à 2000 Paróquia São Miguel de São Miguel do Iguaçu folha 38 68 criação das CEBs Insisti em todas as comunidades na formação ou incentivo das Comunidades Eclesiais de Base com os respectivos grupos de reflexão Num momento a seguir torna a registrar que teria se reunido com cada grupo que teve contato durante sete dias que permanece no município dentre eles catequistas encontro de casais religiosas e grupo de jovens enfatizado a importância das CEBs que seriam na sua interpretação a maneira adequada de participação social e reflexão da realidade Em 197994 outro registro denota a proposta da igreja nesses grupos de leigos dirigidos por padres e freiras No dia 22 de agosto o Pe Oscar de Campo Mourão dirigiu várias palestras a um numeroso grupo de mais de 160 pessoas provenientes da cidade e de varias comunidades do interior para uma maior conscientização aprofundamento e animação das Comunidades Eclesiais de Base que já estão se formando em nossa Paróquia correspondendo aos desejos da Igreja em nossos dias As palestras foram muito proveitosas e esperase o crescimento em numero e em qualidade destes grupos Avaliamos que a intenção da igreja católica com essa maior conscientização proposta era tentar promover uma direção nas lutas que já se anunciavam dentro da realidade de expulsão das pessoas de suas terras Assim os líderes formados em seus quadros que seriam seus leigos difundiriam a proposta de luta e enfrentamento ao poder público muito próximo do que a instituição pretendia embora poderemos ver que em alguns momentos não foi isso que ocorreu Assim a igreja estava ativa na constituição do MASTRO Seu Tó fala dessa participação Tinha Eu não sei explicar direito mas eu sei que a igreja dava força pra nóis Por aí Na experiência desses homens ficou gravado esse apoio que não era qualquer coisa pois quando a maior parte da sociedade recrimina o movimento ter apoio de uma instituição como a igreja teve um significado marcante na vida das pessoas Para seu Vlademiro Ajudava Sempre tava no pavilhão da igreja as reunião Aquele padre Antonio de São Miguel ajudava muito a gente ele já morreu Embora não possamos afirmar ainda que as CEBs viraram os grupos do MASTRO no interior do município parece bem lógico que ao ceder o seu espaço físico nas comunidades seja nas capelas e pavilhões das igrejinhas a igreja não apenas concorda em termos com o movimento mas mais que isso 94 CEBs 22 de agosto de 1979 Livro Tombo 1 do ano de 1958 à 2000 Paróquia São Miguel de São Miguel do Iguaçu folha 44 69 confia num termo a seu favor ou seja que tenha elementos seus participando ativamente no MASTRO Seu Otomar coloca de outra maneira a participação da igreja Naquela época nóis tinha padre bom Padre que enfrentava mesmo Nós tinha padre aqui que até expulsaram eles Levaram eles lá pra não sei pra onde Aqueles tiravam o chapéu pros sem terra Fazia força mesmo Hoje em dia não Hoje em dia eles são a favor mas eles não se mostram Naquela época tinha padre que deitava mesmo né Na interpretação comparando com os dias atuais seu Otomar estabelece um corte dentro da igreja dizendo que existia aqueles que apoiavam e abertamente se envolviam na luta a ponto de serem expulsos e pouco aceitos pelas comunidades E não falando de outra deixa entender que não era a igreja como um todo que dava seu apoio mas certos indivíduos porém o apoio do bispo um representante maior da igreja indica que essa não divergia a ponto de se dividir A igreja aqui precisa ser pensada como uma instituição com interesses e não como uma representante divina imparcial e neutra dentro da sociedade Carlito é ministro e participa ativamente na igreja católica hoje Na verdade não foi cem por cento Tinha padres que era a favor da luta e tinha padre que não olhava com bons olhos pra luta do movimento Inclusive tinha padre que nem vinha celebrar missa no acampamento Já eram A nossa sociedade você sabe como é ela tem Não era a igreja como um todo que apoiava mas nóis tinha sustentação sim de padres que eram autênticos sobre a organização da luta Sabia que era uma coisa justa Porque a reforma agrária era desde 64 que tava só no papel Nunca foi feito Já era um projeto de distribuição de terra só que governo nenhum tiro do papel E foi saindo um pouco esses assentamentos através da organização e pressão aos governos os próprios políticos mesmo Ao distinguir o governo e as leis que falam da reforma agrária com a igreja que segundo ele tinha uma parte que apoiavam a luta dos trabalhadores seu Carlito parece ter aceito uma reflexão vinda da própria igreja e da formação e influencia que exercia na construção de uma memória e da própria história do movimento E justamente toca no ponto central que na minha interpretação cerca a participação das igrejas sabia que era uma coisa justa ou seja a igreja com sua participação no interior do movimento procura organizar e dirigir o MASTRO dentro de uma proposta legalista e ordeira luta por direitos que de fato não deixe a luta tomar um caráter de luta de classe entre proprietários e o Estado contra trabalhadores sem terra 70 A presença da igreja protestante também se coloca Na continuação da fala de seu Otomar vemos que faz esse alerta Tinha gente de outra religião Nóis sempre tinha apoio de tudo eles né Na ata95 segunda reunião dos coordenadores vemos que o Pastor Werner Fuchs participa ativamente da reunião coordenandoa trazendo de Curitiba o engenheiro agrônomo assessor da Comissão Pastoral da Terra Clauss Germer que com a posse do governador José Richa em 1982 será escolhido como secretário da agricultura o que nos mostra que as possibilidades de negociação com o governo são provocadas muitas vezes pelo próprio governo escolhendo seu secretariado que em certa medida e aparentemente poderia estar apto a negociar e ter respaldo junto com os sem terra Nesse dia Clauss Germer proferiu uma palestra sobre a situação da agricultura brasileira Se a primeira ata terminava pedindo aos trabalhadores para explorar onde há terra mal explorada Nessa segunda reunião a ata revela que essa tática foi posta em prática Em ato contínuo os grupos apresentaram as áreas de terra que podem ser desapropriadas para o assentamento dos trabalhadores sem terra na região Do mesmo período um documento Relação de Fazendas cujos proprietários não moram em São Miguel do Iguaçu demonstra uma levantamento de fazendas com área e residência do proprietário Evidenciando que a principal demanda do MASTRO A terra é para quem nela vive e trabalha não é uma contraposição ao trabalhador da cidade mas contra os latifundiários Assim esse documento em que os próprios sujeitos em suas comunidades pelo conhecimento que tinham de seu espaço rural avaliaram as fazendas existentes e que na sua perspectiva não cumpriam sua função social e poderiam ser desapropriadas Os dados apresentados nesse documento são em forma de tabela com o nome da fazenda e seguido da área a que tudo indica aproximada pois está tudo arredondado na casa das centenas ou milhares e depois a residência do proprietário Assim temos que na avaliação do movimento existiam cerca de 22 grandes fazendas contabilizando 5950 alqueires embora duas dessas não tenham a estimativa da área As maiores possuem entre 500 e 1000 alqueires Vejamos alguns exemplos Banco Comind com 700 alqueires e a residência do proprietário sendo São Paulo Banco Bamerindus com 500 alqueires de Curitiba Passo Cuê com 1000 alqueires de São Paulo Apesar de os dados serem imprecisos não podemos afirmar que são falsos pois é sabida a referência que o homem do campo tem do espaço que ocupam e seu 95 Ata 2 30 de setembro de 1981 71 conhecimento da comunidade que o envolve inclusive das terras em que muitas vezes ele próprio ou familiares seus trabalhou como arrendatário ou bóiafria Logo após apresentar os dados das fazendas que poderiam ser desapropriadas para os assentamentos dos trabalhadores sem terra da região temos esses relato na segunda ata Fazendose presente o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Miguel do Iguaçu Sr Ivo Adamante sugeriu se aproveitar a vinda do Exmo Sr Ministro da Agricultura Dr Amaury Stábile a Cascavel e entregar um requerimento no sentido de se atingir o objetivo acima exposto o que foi aprovado por unanimidade e escolhido uma comissão representativa a fazer a referida entrega do requerimento O requerimento96 é um documento bem simples sem apresentação de estudos ou expondo através de leis e artigos constitucionais a necessidade da reforma agrária e do movimento Expressa em apenas uma página dessa forma O MASTRO Movimento Sem Terra no Oeste do Paraná representado pela Comissão Abaixo assinada que já conta com 22 vinte e dois grupos formados com 1780 hum mil setecentos e oitenta trabalhadores rurais inscritos atingindo atualmente 3 três municípios do Oeste do Paraná São Miguel do Iguaçu Santa Helena e Medianeira vem respeitosamente a Vossa presença solicitar o seguinte Considerando nossa região ser altamente mecanizada e contribuindo para o êxodo rural inchando as Cidades e aumentando o desemprego como já deve ser de seu conhecimento Considerando que a pequena propriedade sempre produziu mais distribuindo melhor a renda e contribuindo para a paz social no campo e na Cidade Considerando que temos terras disponíveis e meios legais para o nosso assentamento solicitamos que seja desapropriadas as grandes áreas de terra eou parte delas e que seja distribuídas a famílias deste movimento em lotes de 25 vinte e cinco hectares tendo em vista ser uma área ideal para a sobrevivência de uma família em nossa região Vemos expresso nesse documento as analises do movimento e que prevalece por que eram significativas para os trabalhadores que pretendem e encaminham a luta pela manutenção de um modo de vida e de trabalho baseado na pequena propriedade Esse é o argumento central do documento e principal mote de luta do movimento assim podemos pensar que de certa forma a perspectiva legalista da igreja influenciava no interior do movimento e encontrava apoio ao mesmo tempo O modo de vida e de trabalho ideal não são as propriedades coletivas ou de cooperativas Evidenciando uma diferença com propostas comunistas ou mais progressistas de sociedade Esse projeto de sociedade materializado num modelo de propriedade privada organizada em pequena propriedade estruturada no trabalho familiar e numa vida social mais ampa fixada na idéia de comunidade contudo não se inseria no modelo social do Capital que exige a transformação de 96 Requerimento 30 de setembro de 1981 72 pequenos proprietários em assalariados urbanos disponíveis pela pauperização a se inserirem no mercado de trabalho Importante avaliar que houve um crescimento na quantidade dos grupos e na participação das pessoas na primeira ata eram 15 grupos com 600 pessoas no mesmo mês de setembro na segunda reunião o número é como apresenta o documento de 22 grupos e 1780 pessoas Interessante o tom todo respeitoso e solícito do documento Na primeira parte tinha como objetivo a solicitação das reivindicações do movimento vemos mais uma análise da realidade e o uso dessa na possibilidade de negociar com o ministro da agricultura Entregar esse documento as autoridades demonstra o embate de uma proposta mais legalista Percebe se uma discussão pautada na legalidade e quando muito na tentativa de convencer os órgãos públicos de sua situação difícil E nisso a análise dos próprios agricultores parece estar muitas vezes imbuída do preconceito da sociedade de que o campo é menos importante que a Cidade com C maiúsculo quando na verdade essa análise e outras da sociedade em que vivem feita aparentemente sem muita análise pelos agricultores se revela uma reflexão que está relacionada com uma vida de conhecimentos desprezados pelo urbano e pela ciência e academia No terceiro e último parágrafo do requerimento é que vai conter realmente a solicitação que diante das análises apresentadas não soa mais como um pedido mas até uma negociação com o conhecimento do ministro da sociedade e dos problemas enfrentados e mais que isso com a estrutura social e seus fundamentos legais Apesar desse documento apresentar uma demanda geral do MASTRO internamente os sujeitos se colocavam de modo particular e as reivindicações assumiam significados na vida de cada um Assim as divergências também eram parte do processo de constituição dos sujeitos e do movimento Para seu Tó a demanda Era a terra não tinha outro objetivo Para poder trabalhar para viver em cima da terra Tirá o sustento Agora uns que não permaneciam em cima então eles não queriam terra Queria negócio Já foi Seu Tó interpreta a própria pergunta feita a ele como uma crítica e responde que era apenas a posse da terra como laboratório de sobrevivência o objetivo principal da luta para reforçar que as pessoas que venderam suas terras pois no assentamento onde mora formam uma maioria assumiam que a reivindicação era a terra mas para seu Tó eles queria negócio Esse negócio visto como negativo pois representa a venda da terra em conseqüência a desvalorização da luta 73 Carlito sobre as demanda do MASTRO revela Na verdade hoje se tu parar e ver não é só por terra Se você não tiver recurso pra tu se organizar não consegue mesmo Então o movimento também brigava por recurso por crédito habitação tudo Era completa a luta nossa pela terra pra se manter O objetivo não era só ganhar a terra e tava solucionado o problema Então mudar um pouco nossa sociedade precisa Na avaliação de seu Carlito está um exame muito pautado nas discussões atuais do movimento dos sem terra mas nas discussões e reuniões do início do MASTRO vemos que as demandas por terra nem mesmo nos primeiros encontros foram tratadas como os únicos interesses Ele apresenta que a luta não se limitava a aquisição de terra mas também de outras necessidades para se manter na terra Seu Otomar ao relatar sobre o objetivo da luta do MASTRO e sua concordância quanto a ela afirma É não existia algo que a gente não concordava não Naquela época era difícil tudo era tudo tava naquela luta por um pedacinho de terra Embora outras demanda serão percebidas como aponta a fala de Carlito seu Otomar tem razão em falar que era a terra a única luta pois as demais reivindicações são na verdade desdobramentos da luta pela posse da terra e a permanência nela As duas falas apesar de diversas não se desmentem diante do avançar da luta Além de perceber essas demandas se construindo junto com o movimento houve mudanças embora não deixaram de ser na essência as mesmas É importante percebermos as formas utilizadas pelo movimento para conseguir que suas reivindicações sejam atendidas Assim no fim da ata da segunda reunião após as sugestões do presidente do sindicato dos trabalhadores de São Miguel do Iguaçu Ivo Adamante de enviar esse requerimento que analisamos acima outra sugestão é feita Em seguida a Assembléia sugeriu que se tivesse um encontro com o coordenador do INCRA em São Miguel do Iguaçu cuja data sugerida foram os dias 14 quatorze ou 21 vinte e hum na impossibilidade o próprio coordenador marcaria uma data Pelos documentos é possível entender que esse encontro não aconteceu como se pretendia com a presença do coordenador em uma reunião do MASTRO mas sim o coordenador apenas deve ter mandado resposta as pois na ata97 da quarta reunião das 97 ATA da quarta reunião do Mastro 17 de novembro de 1981 Arquivada no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Miguel do Iguaçu 74 comissões do MASTRO o Pastor Funchs apresenta aos agricultores a resposta do INCRA quanto a área mal explorada apresentada pelo MASTRO Percebemos que a formas de luta nesse início do MASTRO para conseguir atingir suas demandas é sobretudo uma proposta de debate com os órgãos governamentais Então nessa segunda reunião é proposta a criação de uma comissão de acompanhamento ao INCRA compostos dois representantes de São Miguel dois de Medianeira dois de Santa Helena e representante da CPT e outro do Sindicato dos Trabalhadores Rurais sem especificar de qual Essa intervenção direta da CPT dentro do movimento através do Pastor Funchs que em muitas reuniões estava propondo táticas para encaminhar essa luta a ponto de a resposta do INCRA aos trabalhadores chegar pelo pastor mostra uma articulação das igrejas em torno dessa luta por terra Funchs segundo a ata da reunião teria ido para Ronda Alta acompanhar as primeiras ocupações de terra feitas no Rio Grande do Sul em agosto ou setembro a comissão que visitou o acampamento dos Agricultores sem terra em Ronda Alta RS fez um relato da situação e dos acontecimentos98 Embora seja importante afirmar que a experiência que vinha se acumulando em várias regiões como em Ronda Alta contribuíram para a formação do MASTRO também é importante perceber os intermediários que se envolveram numa luta que não era a princípio a sua e funcionavam como filtros de sentido e explicação por qual passaram informações e lutas antes de chegar aos sem terra da região oeste muito embora pensamos que esses organismo e instituições não determinaram por eles mesmo o significado do MASTRO que era um movimento de sujeitos reais enfrentado os seus problemas concretos Percebemos pela periodicidade das atas que dispomos que as reuniões tinham uma regularidade eram feitas uma a cada mês Apenas no mês de setembro de 1981 primeira e segunda ata temos duas reuniões Interessante compreender que em novembro se decide pela mudança do local das reuniões que aconteciam até então no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Miguel do Iguaçu na quarta ata a próxima reunião é marcada para o dia 17 de dezembro de 1981 em Medianeira Não temos essa quinta ata e as discussões encaminhadas A princípio pouco podemos conjecturar sobre essa mudança de local se enfrentava alguma resistência dentro do sindicato se a percepção por parte da diretoria do sindicato quanto a uma radicalização maior 98 ATA da quarta reunião do Mastro 17 de novembro de 1981 Arquivada no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Miguel do Iguaçu 75 das discussões incomodou pessoas ou grupos o que podemos afirmar é que se tratava apenas uma mudança por localização pois era a cidade de São Miguel que dispunha de melhor localização geográfica pois estava entre as três Mas iremos perceber importantes mudanças que houveram a partir da transferência do local das reuniões Essa transferência está articulada com a relação com o sindicato dos trabalhadores rurais na ata da primeira reunião realizada no sindicato de São Miguel do Iguaçu percebemos que o movimento espera um apoio sempre maior dos sindicatos de toda a região Foi feita também uma breve explanação sobre os sindicatos do Oeste do Paraná sendo que os mesmos prometeram numa reunião da MICROREGIÃO de levar a luta do MASTRO a toda região Oeste do Paraná Essa intenção nem sempre significou um comprometimento desses sindicatos com o MASTRO A troca de lugar das reuniões dos coordenadores do MASTRO que no início de 1982 passam a ocorrer em Medianeira tangencia a questão do espaço físico do sindicato que talvez tenha se tornado pequeno pois se na primeira ata participavam apenas 15 comunidades num total de 600 pessoas agora na sexta reunião realizada pela segunda vez em Medianeira que ocorre em 28 de janeiro de 1982 há a presença de 52 comunidades e seus representantes Embora a essa explicação precisa considerar os elementos apontados por Sávio Na ata99 da sexta reunião vemos As nove horas e trinta minutos aconteceu a abertura da assembléia por Miguel Isolar Sávio Em seguida foi apresentado o programa do dia e leuse também a ata anterior Realizouse a apresentação dos grupos e anotação dos novos grupos A Assembléia foi transferida do Centro Social para a Igreja Matriz com a autorização do Padre Adriano Van de Vem em vista do grande número de participantes Na Igreja Matriz foi lida a ata anterior pelo Sr Alfonso Portinieri de Matelândia Podemos afirmar que essa mudança de local envolve questões mais profundas que apenas aumento do número de participantes mas envolve um amadurecimento do MASTRO meses de reuniões nas comunidades discussões reflexões embora muitas vezes pautadas no discurso religioso mas isso não determina pois o que orienta mais as discussões são as experiências de cada trabalhador sem terra e marcam a partir de 1982 outras propostas de luta e enfretamento da realidade vindas da construção coletiva de outras demandas 99 ATA da sexta reunião do Mastro 28 de janeiro de 1982 Arquivada no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Miguel do Iguaçu 76 Essas discussões provocaram uma clareza dos objetivos do movimento e fez com que outros surgissem Provavelmente sejam desdobramentos da primeira e fundamental reivindicação que é o acesso a terra enquanto laboratório de sobrevivência e reprodução de suas vidas Na ata da sexta reunião é apresentado aos trabalhadores um material que esclareceu o objetivo do movimento que é reivindicar terra e não tomar terra de ninguém100 Esse material nos meses seguintes será enviado a muitos órgão instituições departamentos e setores da sociedade por exemplo para a FETAEP para a Igreja Católica na pessoa de Dom Olívio Fazza bispo de Foz do Iguaçu para a CNBB em Brasília para a Assembléia Legislativa do Paraná para inúmeros deputados como Tércio Alves de Albuquerque e Gernote Kirinus Antonio Mazurek para o INCRA e seu presidente Paulo Yokota em Brasília para o Presidente da República João Batista Figueiredo para a Comissão de Agricultura do Senado em Brasília para Associação Brasileira de Reforma Agrária ABRA em Campinas para o Ministro extraordinário de assuntos fundiários Gal Danilo Venturini para o governador nomeado José Hosken de Novaes e possivelmente a muitos outros órgãos que tivessem relação com as questões agrárias da época Esse documento101 enviado entre os meses de abril e agosto de 1982 é muito mais complexo que aquele pedido entregue meses antes ao ministro da agricultura Amaury Stábile que em resumo era uma solicitação diante das realidades que viviam mas que barganhava com o conhecimento da realidade do próprio interlocutor e terminava solicitando a desapropriação de grandes áreas de terras ou partes delas Nesse novo documento temos desdobramentos com um aprofundamento nas solicitações que agora são chamadas de reivindicações básicas A apresentação dessas reivindicações já chama atenção pelo posicionamento firme e decidido que se manifesta Cumprenos comunicarlhe que em virtude da grave situação em que se encontram os trabalhadores Rurais da Região Oeste organizaram o MASTROMovimento dos Agricultores sem Terra no Oeste sendo que os inscritos no movimento são 6200 trabalhadores cujas inscrições foram remetidas ao INCRA 100 ATA da sexta reunião do Mastro 28 de janeiro de 1982 Arquivada no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Miguel do Iguaçu 101 OFÍCIO nº 43182 São Miguel do Iguaçu 31 de agosto de 1982 Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Miguel do Iguaçu 77 As entidades instituições e órgãos do governo que receberam esse documento provavelmente tenham sentido a maneira resoluta de um movimento que não tem dúvidas da sua legitimidade e da importância da suas demandas e apresenta através dos seus números o argumento central da importância do MASTRO Se pensarmos que do início do movimento com 600 trabalhadores até aqui em que o número está multiplicado por 10 se passaram alguns meses teremos a dimensão do que esses números causavam na interpretação dos sujeitos e na força que teriam para suas reivindicações Vejamos as demandas apontadas pelos trabalhadores As reivindicações básicas são as seguintes a Terra no Oeste do Paraná já que a aquisição no mercado imobiliário é impossível visto uma série de obstáculos como alta nos preços Módulo Rural alto custo de produção e preço baixo na comercialização dos cereais produzidos Diferente do que ocorrera com seus pais migrantes de muitas regiões do país em busca de espaço para reproduzir suas vidas esses sujeitos pensam em permanecer no Oeste paranaense e lutam para conquistar esse direito essa reivindicação parece não avançar muito sendo próxima daquelas já feitas em outros momentos vejamos outras que são a maneira vista pelos agricultores sem terra com possibilidade de acesso a terra e manutenção dessa b Extinção da fração mínima de parcelamento pelo INCRA pois se observa que um parceiro ao trabalhar em uma determinada propriedade consegue ao final de seu contrato e com sua economia e trabalho juntar uma certa importância em cruzeiros porém não consegue adquirir terra devido ao MÓDULO rural onde o mesmo toma o dinheiro e acaba comprando um carro velho eletrodoméstico de segunda ou terceira necessidade e acaba sempre parceiro ou arrendatário102 É uma análise pautada na realidade nas experiências dos sem terra pois pelo tamanho das famílias naquele momento variando como observamos no cadastro feito com os próprios trabalhadores entre 5 e 7 pessoas por famílias ficava difícil a situação pois no caso da família ter um pequeno espaço esse não poderia ser dividido entre os filhos A legislação sobre o Módulo Mínimo extinta mais tarde graças a luta do MASTRO determinava que a propriedade para ser titulada deveria ter no mínimo 15 hectares103 assim a quantidade de 102 OFÍCIO nº 43182 São Miguel do Iguaçu 31 de agosto de 1982 Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Miguel do Iguaçu 103 Um hectare ha unidade de medida que equivale a 10000 metros quadrados Já um alqueire equivale a 242 ha ou 24200 metros quadrados 78 dinheiro para se adquirir um pedaço de terras não permitia aos pequenos produtores ou trabalhadores sem terra de tentar comprar Esse tema da fração mínima será enfaticamente discutido e analisado por parte do movimento A este respeito cabe destacar um documento104 de agosto de 1982 em que o coordenador regional do INCRA José Gilherme L Cavagnari responde a um oficio do Sindicato dos Trabalhadores de São Miguel do Iguaçu importante lembrar que a maior parte dos documentos ofícios e comunicados do MASTRO continuam saindo desse sindicato utilizandose inclusive de papel timbrado com endereço e CGC do sindicato já que seu secretário é um importante coordenador do movimento Em atenção ao OF Nº 36782 desse Sindicato informo que a Nova Fração Mínima de Parcelamento FMP deverá ser aplicada conforme orientação prestada pelo OFCircINCRA4 09nº2 isto é variando de 20 a 30 ha conforme o Módulo Hortigranjeiro da microrregião homogênea que esteja inserido o imóvel rural Nesse ofício ocorre uma importante redução no fracionamento mínimo que vinha sendo praticado e que tanto que o MASTRO vem querendo mudar isso Essas são das poucas respostas dos órgãos governamentais que não desapontam os sem terra veremos muitas atas falando da inoperância do governo quanto à resolução dos problemas apresentados pelo MASTRO A terceira reivindicação do documento enviado aos vários órgãos competentes da questão agrária é um desdobramento em defesa da pequena propriedade e uma reflexão que sugere que sem acabar com o latifúndio é impossível o acesso à terra c Que seja estabelecido o Módulo Máximo da propriedade da terra visto termos fazendas maiores que muitos municípios dificultando assim a cada dia que passa o acesso a terra ao brasileiro que tem esse direito assegurado pela Constituição Federal105 Uma análise que pretende desnudar a suposta igualdade perante a lei e direitos da sociedade capitalista mas o debate fica ainda contraditoriamente pautado na lei Na nossa interpretação essa demanda é nova e resultado de um amadurecimento do movimento Analisar a questão agrária a partir da luta de classe de que o acesso aos trabalhadores sem 104OFÍCIO INCRA 4 09 nº 560 em 16 de agosto de 1982 105 OFÍCIO nº 43182 São Miguel do Iguaçu 31 de agosto de 1982 Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Miguel do Iguaçu 79 terra é dificultado e impedido pelo latifúndio embora articulado com a legalidade é um avanço na reflexão do problema Outra reivindicação nesse documento fala sobre o crédito fundiário ou seja o empréstimo aos trabalhadores rurais sem terra de dinheiro para a compra de terra importante avaliar que embora parecesse um item de luta que vá contra o próprio embate dos sem terra em conquistar terra através de sua luta política com os órgãos do governo essa demanda revela que o avanço político do MASTRO precisa ser visto não como uma linearidade que parte de reivindicações de compra da terra e chega a propostas revolucionárias Ou seja o processo de amadurecimento da luta passa por etapas que aparentemente parecem regredir no quesito da luta política quando propõem a compra da terra e não a luta para conquistálas contudo essas novas possibilidades são formas diferentes de pressão ao governo e fruto de reflexões e possibilidades outras E basta continuar a leitura da ata da sexta reunião ocorrida no dia 28 de janeiro de 82 que perceberemos mudanças Logo em seguida se fez um cochicho de dois minutos e depois se realizou trabalho em grupo onde se respondeu duas perguntas Primeira qual o tipo de ação que devemos desenvolver daqui para a frente Segundo O que falar ou pedir ao Secretário da agricultura o senhor Eugenio Estefanello106 O texto indica primeiro uma discussão feita pelos participantes coordenadores do movimento no momento da reunião o cochicho aparece em vários momentos das reuniões e parece indicar que era a partir das reflexões dos agricultores é que o MASTRO avançava Os sujeitos que participaram se posicionam por vezes como seu Tó Não aí vinha a lei de lá aquela comissão estabelecia ali Aí tinha que seguir as normas né Era bem organizado Essas decisões que fala seu Tó vem justamente das discussões feitas pelos coordenadores mas esses eram também agricultores sem terra e supomos que nenhum estaria numa posição confortável de apresentar uma medida impopular ao chegar na sua comunidade assim mesmo que as decisões não fosse até aqui de toda a base e alguns percebessem isso como seu Tó esse dado não autoriza o pensamento que o movimento era hierarquizado e as decisões e demandas surgiam de uma cúpula Conquanto não possamos negar que um grupo mais dirigente existisse de fato 106 ATA da sexta reunião do Mastro 28 de janeiro de 1982 Arquivada no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Miguel do Iguaçu 80 Seu Élcio fala das discussões O MASTRO era bastante discussão mas era mais discussão aérea do que de fato Era época sem experiência Perseguições ameaças A interpretação de seu Élcio está carregada das disputas do presente em que pensa que o movimento dos sem terras hoje está cooptado pelo governo e até pelo estado por isso analisa que as discussões eram aéreas e de certo modo justifica essa cooptação fruto da falta de experiência e perseguições que eram sujeitos naquele momento Assim uma explicação que considere o movimento apenas dirigido pode ser pensado como uma proposta a histórica pois as discussões haviam e desse momento em diante se tornaram mais decisivas para os rumos do MASTRO Aparece muito presente que essa reunião também foi uma reavaliação das ações do movimento O daqui para frente indica uma fronteira entre mudanças que seriam tomadas Ocorre também uma preparação das discussões com o secretário da agricultura que desde as primeiras reuniões era procurado pelo movimento para conversar O debate com o governo e seus órgãos responsáveis pela agricultura e reforma agrária é até aqui uma maneira encontrada para se atingir as demandas Convidavam autoridades para o debate cobravam do INCRA e ITC apresentação de terras disponíveis para assentamento O ofício107 contendo as reivindicações enviado aos vários órgãos e instituições termina apresentando dificuldades sofridas pelos arrendatários como a não renovação dos contratos e a cada dia mais difícil se encontrar terra para arrendamento ou parceria pois nossa região é altamente mecanizável etc e as altas porcentagens cobradas pelos proprietários Além das demandas que o documento listou e discutiu ele de maneira concisa apresenta os principais motivos que fizeram muitos trabalhadores rurais se insurgirem na forma de um movimento que passa a questionar a sua situação E depois Temos a informar a V Exa Que o ITC Instituto de Terras e Cartografia órgão vinculado a Secretaria da Agricultura efetuou um levantamento no nosso Estado e encontrou 507000 hectares de terras possíveis a serem desapropriadas em diversos pontos do Estado e que poderão ser assentados muitos trabalhadores que possuem mãodeobra qualificada que certamente com sua interferência seremos atendido mais rapidamente Esse parágrafo não está presente no mesmo documento para outros órgãos mas apenas no que foi dirigido ao ministro extraordinário para assuntos fundiários o general Danilo 107 OFÍCIO nº 43182 São Miguel do Iguaçu 31 de agosto de 1982 Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Miguel do Iguaçu 81 Venturini Revelando uma maneira de negociar com o governo colocando as informações de uma agencia do governo para pressionar outra a agir Mas continuavam sendo práticas a tentativa de negociar com o governo como a que se desenrola na sexta reunião Mas note que já há mudanças em vista À tarde reinicio dos trabalhos Miguel Isolar ao receber Sr Eugenio Estefanello expôs a ele como surgiu o Movimento dos sem terra MASTRO Eugenio Esfanello ao fazer uso da palavra informou à todos sobre os créditos aos mini e pequenos agricultores Alguns agricultores descontentes com a informação dada reagiram dizendo que não adianta vir falar aos colonos sobre créditos se não temos terra Os agricultores ao fazerem uso da palavra dirigiram ao secretário da agricultura uma série de perguntas onde o mesmo foi respondendo e também prometendo dar seu apoio Ao final os agricultores pediram se o movimento deve continuar O secretário Estefanello respondeu que o movimento deve continuar firme e pacifico Essas mudanças que foram percebidas pelos trabalhadores de que o governo não os atenderia e a luta deveria tomar outros rumos E um descontentamento aparece aqui porque o secretário da agricultura fala de um assunto que não lhe interessa revelando que o descontentamento maior existe e as perguntas feitas ao secretário como indica pelo tom do documento também foi uma forma de se contrapor ao secretário Embora no fim haja algo como o um pedido de legitimação ao secretário o movimento deve continuar Mas esse pedido soa mais como uma forma de perceber o impacto que o movimento vinha provocando Uma forma de sentir a audiência e principalmente a impressão que provocou no secretário e não uma forma pedir permissão ao governo para existir A resposta do secretário que foi a mais óbvia possível já que ele não poderia negar o movimento dentro do movimento e ao afirmar que deveria continuar pacífico significa justamente que o secretário possivelmente tenha sentido a pressão estabelecida ao governo através do enfretamento e descontentamento que tenha aparecido nas questões feitas pelos sem terra percebendo a possibilidade do movimento se radicalizar Essa análise está mais relacionada com os acontecimentos que virão a seguir do que uma interpretação impossível dessa fala mas é possível que Estefanello tenha percebido o descontentamento dos sem terra com a informação que o secretário proferiu sobre créditos quando eles esperavam uma fala no sentido da resolução e encaminhamento de seu problema a possibilidade de posse de terras De muitas formas diferentes temos uma percepção de que o Estado não toma atitudes para resolver os problemas dos sem terra através de uma maneira legal como o movimento 82 vem lutando e apresentando soluções aos órgãos governamentais Primeiro de uma forma mais direta é apresentada uma reclamação depois de cancelada a primeira participação do Bispo Dom Olívio Fazza e das orações seguirem com o padre Adriano Van de Ven O agricultor Celso pediu proteção de Deus ao povo que sofre no abandono e são marginalizados pelo poder Ou de uma maneira ainda mais direta denunciando abusos policiais e negligência desse órgão no cumprimento das leis Dando seqüência a caminhada do dia Miguel fez a apresentação dos grupos sendo que de quarenta e seis grupos trinta e seis se fizeram presentes O presidente do sindicato dos trabalhadores de Medianeira Senhor Guido falou de uma possível comunicação de que a assembléia não iria se realizar e acentuou de que qualquer informação sobre o MASTRO deve dirigirse a Comissão do movimento Guido falou ainda sobre a agressão policial as torturas que se faz com agricultores Constatouse que o tratamento com trabalhador é de uma maneira com o rico é de outra maneira Num dado momento um agricultor de um grupo comunicou a assembléia de que recebeu um bilhete de ameaça de um pistoleiro Esquina Rosa Pe Adriano observou temos que denunciar as torturas que se faz com os companheiros108 Em outros momentos essa insatisfação com o governo e seus órgãos e representantes ocorre de uma maneira menos direta Miguel Sávio apresentou a assembléia o resultado da reunião da comissão em Curitiba com secretário da agricultura Senhor Eugenio Estefanello e José Guilherme do INCRA Falouse que no Paraná não tem terra o INCRA já fez um levantamento onde se constatou que os imóveis existentes são improdutivos O Agricultor Jandir colocou a idéia de uma possível vistoria nessas terras onde se percebeu que eles não gostam da proposta apresentada Há aqui uma desconfiança e descrença nos órgãos do governo na figura do secretário da agricultura e do coordenador regional do INCRA e até mesmo indicação de uma reflexão aprofundada de que o governo não pretende ajudálos na conquista da terra o que até pouco tempo não havia pois víamos o movimento recorrendo para o diálogo com o governo É o caso da análise feita por seu Vlademiro que ao serem expulsos da fazenda Padroeira por jagunços percebem a presença do governo assim Aí eles viram que o povo não queria deixar né Daí eles indenizaram O INCRA passou 2 vezes lá O INCRA mesmo fez levantamento daquela terra lá Eu não sei como não deixou o povo lá O INCRA eu acho que ele apoiou o Padovani pra tirar o povo 108 ATA da nona reunião do Mastro 18 de março de 1982 Arquivada no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Miguel do Iguaçu 83 Nos anos 70 temos no Paraná a formação de 4 governos na década sendo que contando com as trocas entre os vices e substitutos ocorreram 10 diferentes governadores em 10 anos O ultimo desses quatro mandatos e que adentra a década de 80 foi o do Governo Ney Braga Formado pelo curso superior na Escola Militar na década de 30 representa no Paraná a continuidade dos projetos do regime militar que então vigorava com toda questões de democracia e cerceamento de direitos desse regime Em 1983 ganha as eleições o candidato José Richa com uma proposta de democratização maior do Estado Miguel Sávio disse que eles prometeram um projeto para o Paraná ainda este ano para duzentas e cinquenta famílias Ele pediu a comissão para que não venha fazer cobrança dele109 Promessa de assentar duzentas e cinquenta famílias quando o movimento apenas representando o oeste do Paraná possui seis mil e duzentas e cinquenta famílias precisando de terras essa proposta possivelmente irritou os trabalhadores Pior ainda é o secretário ou o coordenador do INCRA já que a ata não esclarece a qual dos dois essa fala pertence ter pedido para que a comissão do movimento não vá mais lá fazer cobranças dele Uma forma autoritária de governo se revela nesse diálogo o que possivelmente contribuiu para que o movimento cada vez mais veja o governo não mais como um aliado como no início do movimento nem mais um interlocutor como até então se processava Contudo por outro lado a presença das igrejas luterana através do pastor Fuchs e católica com o padre Adriano Van de Ven muito além de coordenar leituras de trechos da bíblia e orações parecem tentar imprimir a todo o momento uma proposta de diálogo com as autoridades e mesmo uma pressão para que o movimento não tome atitudes que procurem se distanciar de um movimento pacífica e legalista Diante da proposta de Miguel Isolar Sávio de procurar fazendas mal exploradas já que a proposta tinha partido de um agricultor que observou e relatou que um fazendeiro tinha três fazendas e apenas uma era ocupada a igreja manifesta sua interpretação que deseja do movimento Pe Adriano observou que a questão da terra ociosa e não ocupada pode ser sanado plantando capim e colocado gado Com isso o problema do sem terra vai continuar e sempre se agravando mais Então a luta tem que ser no 109 ATA da nona reunião do Mastro 18 de março de 1982 Arquivada no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Miguel do Iguaçu 84 sentido de pressionar os deputados de qualquer partido exigindo que se faça uma lei do módulo máximo porque a terra é de quem nela trabalha110 Essa proposta vai ser apresentada pelo movimento em vários momentos Veremos que para os trabalhadores o significado das igrejas será outro pois essas em muitos momentos ajudam na tentativa de manter até materialmente os sem terra Ao fim dessa reunião um trabalho de grupo acontece para definir qual o próximo passo da caminhada como resultado é proposto uma grande concentração A ata apresenta que embora a maioria tenha decidido pela realização do evento no dia 25 de maio em Medianeira um grupo pensa que é cedo para fazer esse evento Então a comissão fica responsável em convidar líderes de outros movimentos e autoridades e montar a programação do dia da concentração E também fazer um documento reivindicatório para ser entregue ao presidente João Batista Figueiredo quando da sua visita a cidade de Cascavel Essa concentração do dia 25 de maio 1982 Dia do Trabalhador Rural será um evento que marcará o movimento Foi a primeira grande concentração com todos os participantes do MASTRO Temos um conjunto de documentos111 são convites enviados para muitos setores da sociedade como para CPT nacional em Goiânia e para o secretário estadual para os padres de Foz do Iguaçu São Miguel do Iguaçu Toledo e muitos outros para o Bispo de Foz Dom Olívio Fazza bem como para muitos pastores para todos os sindicatos dos trabalhadores rurais da região e até de outras localidades para Associação Brasileira de Reforma Agrária ABRA para a secretaria da agricultura do estado do Paraná para o INCRA para a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura Contag Esse documento enviado a todos é um cumprimento cordial e o convite direto e a forma sutil de pressionar os trabalhadores Rurais se sentirão honrados com a presença de representantes dessa entidade Para alguns órgãos existe uma diferença por exemplo o do secretário da agricultura e do coordenador regional do INCRA existe um apelo maior quando da importância de sua participação para responder sobre as reivindicações enviadas anteriormente e assim que confirme a presença 110 ATA da nona reunião do Mastro 18 de março de 1982 Arquivada no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Miguel do Iguaçu 111 OFÍCIO nº 2082 Convites enviados a vários órgãos e entidades entre os dias 20 de abril e 12 de maio 85 O coordenador regional do INCRA responde poucos dias depois através de um ofício112 dizendo que em face de outros compromisso não pode participar e que diversas medidas de interesse dessa região foram encaminhadas Essa é justamente a questão que passa a complicar as negociações entre o movimento e o governo pois esse começa dar respostas ao problema dos sem terra que não satisfazem o movimento Quanto a fração mínima de parcelamento e outros aspectos fundiários levantados por Vossa Senhoria constitui atribuição legislativa que merece um exame aprofundado devendo as sugestões respectivas receberem aprovação do Poder Legislativa Ou então A pretensão para o reassentamento das famílias relacionadas por esse e outros sindicatos da região na qualidade de agricultores sem terra foi estudada e encaminhada a administração deste instituto em Brasília à qual deve equacionar as diferentes opções de áreas para o assentamento frente ao orçamento programa vigente e disponibilidade de terras principalmente considerando o elevado número de interessados Sobre essa atitude do INCRA e de outro órgão Sávio fala E numa das reuniões regionais em Medianeira quando um dos companheiros leram as repostas do INCRA e nós já tava saturado das promessas das desculpas que eles apresentaram diante da coordenação regional que tinha lá uns cento e poucos coordenadores do movimento depois deles reler eu dei um muro na mesa E disse companheiro Até quanto nós vamo ficar ouvindo o governo nessa lenga lenga Até quando nossas famílias vão ficar desse jeito ai até quando nós vamo acreditar no que o governo está dizendo Eu acho que é hora do movimento tomar uma medida mais drástica E nós tinha já mapeado na região as fazendas que eram mal exploradas ou que tava servindo só para especulação imobiliária E não deu outra o movimento entendeu que a coisa realmente era partir a atitude mais drástica era ocupação das terras O sujeito chama para si uma responsabilidade e uma decisão que talvez não tenham sido assim mas importa perceber que esse momento de ruptura com o governo chegou Dias depois 18 de maio de 1982 na décima reunião realizada em Medianeira sempre no Centro Social da igreja ou na própria igreja conforme o número de participantes Vemos muito claro que o tom das discussões muda muito Na ata113 do dia 18 de maio de 1982 aparece uma insistente tentativa de marcar audiência com o governador através do Bispo de 112 OFÍCIO INCRA4 09 nº 356 de 12 de maio de 1982 113 ATA da décima reunião dos coordenadores do MASTRO 18 de maio de 1982 Arquivada no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Miguel do Iguaçu 86 Curitiba Dom Pedro Fedalto mas que segundo o bispo o governador alega que já está a par do Movimento e das nossas reivindicações Em outro momento é avaliado o ofício do INCRA falando que as medidas cabíveis dependem do legislativo e do INCRA nacional sobre esse assunto É interessante a forma como a coordenação do movimento tenta manipular a resposta do INCRA para não desanimar os sem terra Recebemos da coordenadoria do INCRA resposta do ofício enviado acima relatado conforme resposta já estudaram nossas reivindicações e encaminharam para Brasília Uma resposta esperançosa foi de que Um movimento organizado como nós temos estamos mais próximos da terra Na verdade o INCRA regional através de seu coordenador Guilherme L Cavagnari dizia o contrário desvalorizava de muitas formas a organização do movimento Negava por exemplo que imóveis apontados pelo movimento eram propícios para desapropriação e assentamento E termina dizendo que a preocupação com a reforma agrária era de sua alçada e que já teria feito estudos sobre a fração mínima de parcelamento e enviado a Brasília E não fala em nenhum momento que enviou para a capital federal a proposta do MASTRO Essa manipulação da informação por parte da coordenação pode ser supostamente uma tentativa de não desanimar os sujeitos do MASTRO e não uma tentativa de parte do movimento ficar atrelada apenas ao debate e negociação com o governo por que logo abaixo nessa ata vemos os políticos e com ela o governo e suas agências serem tratadas de forma crítica E a negociação passa a ser vista cada vez menos como opção Assim por exemplo temos nessa ata uma avaliação dos políticos Foi sugerido fazer um panfleto com nossas reivindicações para ser apresentado aos políticos quando estes chegarem junto a nós fazendo promessas e falando bonito Este panfleto teria como objetivo fazer o político se comprometer em atender nossas reivindicações se for eleito Hoje se percebe que os homens do poder são eleitos pelo povo pagos pelo povo mas não representam o povo O próprio passa a ser visto com descrédito e se sugere que uma nova vistoria seja feita nas fazendas denunciadas pelo MASTRO mas agora com a presença de coordenadores do movimento Assim surgem as análises como Nosso movimento está cansado de esperar resposta que não vem foi até sugerido partir para a ação Esta questão foi bastante debatida e assim ficou decidido se depois da concentração os responsáveis que deveriam nos atender não tomarem atitudes favoráveis o Movimento tomará medidas a 87 serem estudadas na base Uma coisa fica claro estamos prontos para o que der e vier Quase que todos se mostraram favoráveis a isso Sem dúvida é uma reflexão que não encontrávamos nas primeiras reuniões e evidencia um aprofundamento na consciência dos políticos de que não se fará nada na tentativa de resolver o problema E diante disso a luta tendeu a se radicalizar ainda mais Quando o assunto parecia encerrado nessa reunião depois de um intervalo para almoço ele ressurge e agora a consciência de que as leis estão erradas Foi muito debatido a questão das leis chegouse a conclusão que as leis são feitas pelos grandes e só servem os interesses dos grandes Porém mesmo demonstrado que a consciência se faz na luta é preciso ter cuidado de não extrapolar as conclusões e manipular as fontes e mesmo com essa consciência não significa que uma teoria socialista tenha surgido Pois ainda é uma proposta que pretende estar ligada a legalidade A única maneira de se mudar as leis que estão erradas é a união dos fracos porque ele não tem a sua voz não é ouvida Da concentração no dia 25 de maio de 1982 dia do trabalhador rural temos um documento intitulado O GRITO DOS SEM TERRA114 que é uma síntese das discussões e das propostas apresentadas e decididas naquele que foi o maior encontro até então realizado pelo MASTRO Importante apontar que foi uma apresentação geral para as bases e uma reafirmação de propostas que não eram novas naquele momento mas vinham sendo discutidas Essa demostração política de força impôs uma mudança de posição do governo como por exemplo a aceitação do INCRA de rever o módulo mínimo e a necessidade de efetivar assentamentos Do mesmo modo os eventos estabeleceram relações primeiramente de estranhamento e depois de compreensão de setores urbanos do problema da terra e bem como a divulgação desse movimento para outras regiões no Estado e até para o país O que é novo Primeiro uma percepção de proximidades entre o trabalhador do campo e da cidade até ousaria em pensar em um sentimento de classe mesmo Enriquecidos pela experiência de outros companheiros que estão nesta luta vimos pelo depoimento dos operários o grito dos trabalhadores da cidade que a nossa luta por terra interessa ao povo da cidade que paga caro pelo que come pela moradia pelo transporte que enfrentam o desemprego porque muita gente sai da lavoura procurar emprego na cidade Vimos também que o trabalhador expulso da terra procura uma vida melhor e encontra na cidade mais exploração do que aqui na lavoura Vimos que é do suor e sofrimento do operário que saem os grandes lucros dos poderosos da cidade que acabam comprando nossas terras 114 O GRITO DOS SEM TERRA Medianeira 25 de maio de 1982 88 Claro que muito ligado aos seus interesses mas uma aproximação interessante Continua e se aprofunda aquela análise do governo e dos órgãos competentes mas agora refletindo sobre os interesses que o silêncio e não resoluções dos problemas escondem para defender interesses obscuros ou de grandes grupos que querem se apoderam da terra e explorar o trabalhador rural Quando não massacram este movimento dos trabalhadores com falsas promessas procuram desorganizar e intimidar o agricultor sem terra com forças policiais e repressão A experiência de Itaipu e da luta por melhores indenizações é lembrada no documento como uma prova de que os projetos governamentais não consideram o povo e suas necessidades básicas A desapropriação da terra por parte da Itaipu foi feita sempre abaixo do preço real das terras na região Alguns poucos recebiam um alto valor por suas propriedades para enfraquecer o próprio movimento dos lavradores Por outro lado a maioria entendeu que só através da organização da mobilização e da pressão quer dizer não ficando em casa mas unidos partindo para a luta é que se conseguiria a justiça necessária Esse trecho é seguido com a análise de que foi dessa forma que o movimento dos atingidos por Itaipu conseguiram preços dignos e reassentamento no próprio Paraná evidenciando que a experiência de Itaipu foi um marco para a mobilização do MASTRO Sobre esse grande evento Sávio relembra E um dos eventos que marcou foi 25 de maio para comemorar o dia do trabalhador rural porque existe lá uma lei e não o dia do colono que é outra coisa que é dia 25 de julho Esse é do produtor rural mas do trabalhador rural é 25 de maio Então a gente convocou a assembléia geral na Paróquia de Medianeira com a presença do INCRA e de deputados só que eles não puderam usar a palavra nós limitava isso a qualquer partido porque nós não queria que o movimento caísse na questão político partidária nós queria ter um movimento independente Teve a presença não quero me enganar mas tinha mais de 5 mil trabalhadores rurais onde a gente consagrou né A criação do movimento do oeste Que a gente começou bater encima do INCRA sobre a situação e a gente fez o cadastro das famílias chegando a 6 mil e 200 famílias que não tinha terra aqui na região Pegamo tudo desde Rondon Guairá Santa Helena tudo esse município que foram criados depois São Miguel Medianeira Matelândia Missal Céu Azul Isso começou a preocupar o governo ai os trabalhadores de outras regiões como o Sudoeste que também sofria com mecanização e outras regiões começaram a perceber o nosso movimento e começaram a criar um movimento lá com mesma sigla um pouco diferente No sudoeste foi Mastes no norte era Mastrom no leste era Mastel Isso começou a dar resultado O governo a ter uma visão 89 embora nós vivesse no regime militar e a gente era muito visado pela polícia federal mas não deixava de ser um movimento justo eles não tinha como negar A situação era crítica era precária E outros Estados perceberam que nós comecemos aqui e também começaram a criar os movimentos Estaduais dos sem terras deles e quase todos independentes do sindicalismo porque o sindicalismo dá época não queria aderir Não queria reconhecer a situação grave que existia A avaliação de expandir o movimento para outras regiões do Paraná e até do Brasil eram decisões a serem tomadas para que as autoridades atendessem suas reivindicações Mas também figuravam entre essas o envio de uma comissão para conversar como o governo federal e estadual procurar apoio na Federação dos Trabalhadores Agricultura do Estado do Paraná Fetaep conscientizar pequenos agricultores para não venderem suas terras buscar apoio dos sindicatos da região O documento fala que as principais reivindicações já foram muito discutidas pelo movimento e que a assembléia de hoje confirmou a necessidade de terra no Paraná terra só para que nela trabalha e dela precisa viver extinção do módulo mínimo criação do módulo máximo crédito fundiário para o pequeno agricultor Mas a partir das novas discussões pautas de reivindicações são propostas nessa assembléia um pedaço de terra para o assalariado rural poder plantar hortaliças e verduras Fiscalização das grandes fazendas improdutivas para encaminhar sua desapropriação para fins de reforma agrária Proibir incentivos e benefícios fiscais que facilitem aquisição de terras por aqueles que não são agricultores Impedimento do direito de proprietários de módulo máximo comprem mais terras inclusive em nome de parentes Melhoria na assistência médica Aposentadoria aos 50 anos para homens e mulheres Financiamento da casa própria para o agricultor Reconhecimento do agricultor como trabalhador profissionalizado Medidas urgentes e rigorosas para acabar com pistoleiros e mandantes Como se observa são medidas mais práticas que afetam mais diretamente a vida dos sujeitos do MASTRO fruto da análise dos problemas concretos enfrentados por eles O documento que foi assinado pelas entidades e instituições presentes foi também remetido ao governo e termina com um ultimato Considerando o acima exposto nós agricultores reunidos nesta Assembléia concordamos o prazo de dois meses 60 dias a partir dessa data para que as autoridades afetas ao problema apresentem propostas de solução para as reivindicações Se até essa data não forem consideradas e atendidas as reivindicações marcaremos nova Assembléia e através dela buscaremos nós mesmos encontrar soluções que julgamos justas 90 Essa assembléia marca o fim das negociações e o momento em que o MASTRO se apresenta apenas pedindo De agora em diante perceberemos outro tipo de correlação de forças se articulando e exigindo do governo soluções E as soluções não agradariam decerto o governo e suas agências muito menos os latifundiários paranaenses Neste sentido nesta Assembléia já foram dadas sugestões que devem ser aprofundadas nos grupos e decididas na próxima Assembléia Entre as sugestões estão acampamento defronte o INCRA em Cascavel acampamento defronte o Palácio do Governo não pagar impostos defronte 1 ou 2 anos ocupar áreas de terras de fazendas improdutivas ou devolutas do Paraná Pouco tempo depois o coordenador regional do INCRA José Guilherne L Cavagnari manda a resposta através de um ofício115dirigido ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais com o assunto sendo Fração mínima de parcelamento Embora esse assunto devesse predominar ele é apenas uma rápido informe de uma orientação legal de que módulo estipulado deve ser seguido O que interessa nesse documento é a tentativa do governo em dar uma resposta a reivindicação primeira e fundamental do movimento antes e depois da assembléia que é o acesso a terra Quanto as áreas disponíveis para reassentamento de agricultores as mesmas se localizam nas novas Fronteiras Agrícolas situadas na PréAmazônia ou seja nos Estados do Acre Roraima e Mato Grosso Há uma tentativa do governo de dar uma resposta rápida aos agricultores embora possa representar uma proposta não bem vinda pelo movimento já que não se sabe se a infraestrutura prometida é verdadeira O INCRA assegura uma infraestrutura básica principalmente no que se refere a estrada e demarcação dos lotes Juntamente com o Estado providencia o crédito a assistência técnicaeducacional e de saúde Difícil acreditar nessa proposta pois o próprio documento se desmente no que se refere as estradas O período de deslocamento vai de maio a agosto sendo que de setembro a abril é o período de chuva e até que as estradas sejam asfaltadas não há condições de trânsito Além do mais o conhecimento do agricultor paranaense se distancia das culturas da região a seringueira cacau guaraná inclusive café A mudança política no interior do movimento provocada pelo amadurecimento de uma consciência de luta por seu direito de sobrevivência na terra provocou senão o fim mas uma 115 OFÍCIO INCRA 4 09 nº 560 16 de agosto de 1982 91 diminuição das reuniões dos coordenadores do movimento que eram periódicas e aconteciam a cada mês e por vezes até duas vezes no mês E assim por outro lado o MASTRO passa a ter mais assembléias com toda a base do movimento essas se tornam periódicas Tanto é que em 28 de agosto de 1982 outra assembléia se realiza O tema central dessa reunião é justamente debatemos acerca da proposta enviada pelo INCRA e do resultado dos contatos feitos por dirigentes do MASTRO com autoridades e órgãos governamentais116 O documento começa com o relato de que na assembléia de 25 de maio quando um documento foi produzido e enviado as autoridades competentes exigindo uma soluções e que as resposta que chegaram foram 1 O INCRA nos enviou uma proposta de assentamento imediato de agricultores na área chamada PréAmazônica Mato Grosso Acre Roraima bem como comunicou a redução do tamanho do módulo mínimo para 2 e 3 hectares conforme a região Embora seja uma vitória muito parcial é de muito significado pois em quase um ano de negociações foi a primeira vez que o movimento obteve uma conquista Essa percepção com certeza ajudou na formação da consciência dos sujeitos de que um novo tipo de luta deve ser levado a frente O segundo item das respostas que o MASTRO recebe é de que o ITC informa que existe 507000 hectares de terras no Paraná passiveis de desapropriação mas depende de decisões do governo O terceiro item é de que os coordenadores continuam tentando uma audiência com o governo mas sem sucesso É no item um que as bases detêm as discussões e esperanças A grande maioria fez considerações sobre a proposta do INCRA e manifestou seu descontentamento com a mesma tendo em vista que um dos pontos fundamentais do movimento do MASTRO é a reivindicação de terras no Paraná Os agricultores ainda baseados em depoimentos de companheiros que já estiveram naquela região viram que a solução para os seus problemas não está na transferência para o norte do Brasil além do que os próprios projetos do INCRA mostraram que o agricultor descapitalizado não tem condições de reassentamento e sobrevivência117 Uma vitória já que receberam uma proposta mas ao mesmo tempo uma derrota nas duas perspectivas impulsionando o MASTRO para uma consciência das formas de luta importantes para se atingir o objetivo de terra aqui no Paraná E assim em votação aberta as 116 DOCUMENTO da segunda assembléia do Mastro O grito dos sem terra 28 de agosto de 1982 117 DOCUMENTO da segunda assembléia do Mastro O grito dos sem terra 28 de agosto de 1982 92 bases decidem não aceitar a proposta do INCRA e reafirmando as reivindicações do movimento Mas não apenas reafirmam as antigas propostas que são terra no Paraná terra pra que nela trabalha criação do modulo máximo e extinção do módulo mínimo e crédito fundiário ao pequeno e sem terras Chama atenção para as discussões terem avançando por áreas que em tempos atrás não eram pensadas Como a luta por transporte gratuito para as crianças até a 8º série E essa proposta é levada a diante pois encontramos muitos ofícios dirigidos aos prefeitos da região exigindo transporte escolar às crianças Considerando que um dos principais motivos do êxodo rural é a dificuldade de ensino básico para os filhos reivindicamos como medida paliativa o transporte gratuito aos filhos de trabalhadores rurais sem terra e sem máquinas agrícolas ou então que tenham pouca terra mas não tenham condição de pagar o transporte de seus filhos de sua residência até o estabelecimento de ensino118 Esse documento é enviado a pelo menos para os municípios de Medianeira Matelândia São Miguel do Iguaçu Foz do Iguaçu Santa Helena e APP O significado do ensino escolar para o homem do campo é difícil de ser avaliado pois tem um sentido de possibilidade de segurança caso a vida no campo não possa ser reproduzida pelos filhos A tática do MASTRO agora passa pela pressão aos órgãos governamentais e um conjunto grande de medidas que serão tomadas para forçar uma que as reivindicações sejam atendidas Inclusive medidas imediatas e outras a médio prazo MEDIDAS IMEDIATAS encaminhar Comissão de Representantes do MASTRO para ir ao Governo em Brasília falar com o Presidente da República e Ministro da Terra exigindo a desapropriação das grandes fazendas improdutivas e não exploradas no Paraná na próxima Assembléia Geral exigir a presença do Coordenador do INCRA fazer ao final desta Assembléia uma passeata pelas ruas de Medianeira em protesto pelo Governo do Estado não ter comparecido à Assembléia119 Aqui a maturidade política do movimento pode ser percebida pela forma resoluta das propostas As de médio prazo mostram ainda uma radicalização do movimento com propostas que fogem da legalidade até então mantida fazer acampamento defronte ao Palácio Iguaçu ou INCRA em Curitiba ocupar terras devolutas do governo ocupar terras improdutivas e não 118 SÉRIE de documentos enviados a prefeitos da região setembro de 1982 119 DOCUMENTO da segunda assembléia do Mastro O grito dos sem terra 28 de agosto de 1982 93 exploradas das grandes fazendas e latifundiário do Estado foi sugerida ainda a possibilidade de fazer uma greve com bloqueio nas estradas como medida de força maior120 Percebese que a mudança das lutas ocorre com propostas de lutas diferentes e embora estabelecer o que seja mais ou menos radical é uma tarefa complicada analisamos que essas mudanças são num sentido de amadurecimento do movimento E então temos no inicio de 82 as primeiras proposta de ocupação de terra É ratificado nessa reunião que todo esse avanço político deve ser mantido e que não se pode mais dar passos atrás nem nas reivindicações e nas táticas para se conquistar os objetivos Existe também a proposta de ampliar o movimento para outros municípios reabrindo as inscrições aumentando a ajuda financeira para a Comissão de Coordenação mas uma das decisões mais importante é de realizar as assembléias em outros municípios Propostas como essa em que o movimento encontra maneiras de pressionar o governo estão aliadas a propostas de agir pacificamente e dentro da lei exigindo a aplicação do Estatuto da Terra principalmente dos artigos que falam da desapropriação por interesse social contudo paradoxalmente caminha uma perspectiva de perca da confiança nas leis e no governo denunciando ao mesmo tempo a forma de meiasmedidas ou a contagotas como diz o documento de o governo agir Existe numa ata de uma reunião da comissão do MASTRO feita em 19 de outubro de 1982 que apesar de estar deteriorada pelo tempo com a perda da maior parte por desgaste da tinta vemos um relato dos coordenadores de como anda seus grupos A seguir sob a coordenação de Celso Anghinoni os 38 grupos de base constatouse que muitos grupos diminuíram em número de participantes por causa das migrações em busca de um novo arrendamento e de trabalho Outro motivo seria a falta de conscientização dos membros esperando solução a jato Em compensação os que continuam freqüentando as reuniões estão cada vez mais convencidos da validade se sua organização e tem certeza que um dia conseguirão seu objetivo121 Tem fortes indícios para pensar que a falta de conscientização apontada é muito mais o reflexo de que a base está pressionando as comissões do MASTRO para atitude e uma radicalização da luta 120 DOCUMENTO da segunda assembléia do Mastro O grito dos sem terra 28 de agosto de 1982 121 ATA da reunião do dia 19 de outubro de 1982 Arquivada no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Miguel do Iguaçu 94 Outra Assembléia que nesse caso não podemos chamar de geral ocorreu no dia 05 de dezembro de 1982 como prometido em outra cidade Foz do Iguaçu o andamento dessa assembléia revela que ela se tratava mais de uma forma de buscar um crescimento do MASTRO pois ao invés de avanço nas discussões e elaboração de novas formas de luta ocorre na verdade mais uma explicação do que é o movimento pelo que luta as propostas já apresentadas pelo INCRA etc um histórico possivelmente para pessoas que estejam entrando no movimento Foi uma assembléia sem debate em que Miguel Isolar Sávio e dois outros da coordenação do movimento expõem assuntos ligados a luta Nessa assembléia aparece pela primeira vez uma proposta do governo de assentamento no Paraná Aqui ainda aparece muito como um boato sem muita certeza Depois o Sr Sávio falou e explicou a atitude do INCRA que o mesmo oferecia terras no Acre Roraima e Mato Grosso e depois disso no dia vinte e quatro de novembro uma pessoa ou melhor varias pessoas foram manter contato com o INCRA que os da comissão ficaram até surpresos com o projeto do INCRA que afirmaram iria ser feito um reassentamento ainda no início do ano de mil novecentos e oitenta e três no Estado do Paraná por isso exige de nós uma boa organização122 Se a história se confirmar representa uma tentativa do INCRA de desarticular o movimento que após um ano e várias audiências não atende ao MASTRO mas negocia com um grupo isolado Dois dias depois no dia 07 de dezembro uma nova assembléia se reúne em Medianeira cujo tema principal e único são as novas propostas de terras do INCRA e um estudo das anteriores no norte do Brasil Um membro da comissão do movimento possivelmente Sávio fala sobre um contato feito com INCRA quando de maneira difusa pela primeira vez o coordenador do INCRA Guilherme Cavagnari fala de uma proposta dentro dos ideais do MASTRO de terra no Paraná Um assentamento aprovado dá resultado e voltando a palavra ao dirigente falou do ultimo encontro com Guilherme coordenador do INCRA que ficou surpreso pela proposta do mesmo porque antes só prometiam no norte do país E agora veio com um projeto de assentamento no Paraná123 122REGISTRO da assembléia realizada em Foz do Iguaçu no dia 05 de dezembro de 1982 123ATA da assembléia do MASTRO do dia 07 de dezembro de 1982Arquivada no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Miguel do Iguaçu 95 O tom confuso e desencontrado da informação revela justamente que o encontro com o coordenador do INCRA não aconteceu como diz o registro da assembléia sendo mais um desabafo de perceber que o INCRA tem negociado na tentativa de isolar o movimento das decisões Nesse encontro está presente um representante do INCRA que vem falar não das novas propostas de assentamento do Paraná mas de critérios para seleção do governo e dados de projetos feitos Em cima desses dados o movimento faz um trabalho em grupo de discussão mas em cima da proposta antiga de assentamento no norte do Brasil com as seguintes questões propostas as bases 1º Aceita terra no norte Com que condições 2º Que dúvidas ficaram diante do INCRA 3º Que fazer agora Após o trabalho em grupo foi relatado as respostas que deu o seguinte 1º Aceitamos terra no norte com todas as condições como infraestrutura completa escolas estradas crédito 2º Gostaria que seria esclarecido o devido lugar Ver também se a terra é fértil que preço e o prazo seja praticável ver condições de transferências 3º Se organizar melhor levar todas as informações aos grupos continuar unidos e pressionar exigir terra no Paraná e sua localização124 É um movimento que se torna mais consciente a cada luta que enfrenta mas precisa agir dentro das possibilidades e a possibilidade real de adquirir terras do governo de algum modo sensibiliza os sem terra Não precisamos ver como um retrocesso na luta e nas reivindicações já que o primeiro item era terra no Paraná indicando também que o move o MASTRO é a terra enquanto laboratório de reprodução da vida e que outros desdobramentos desse objetivo como módulo máximo e mínimo se revelam mais análise políticas das coordenações e entidades envolvidas como as igrejas e os sindicatos Entre os dias 01 e 03 de fevereiro do ano de 1983 ocorre um Encontro do MASTRO Contudo o próprio documento produzido indica um teor diferente desse que não é uma assembléia geral com as bases nem uma reunião das coordenações mas um encontro que mesclam várias atividades como um curso ministrado pelo pastor Fuchs sobre 1 O que é Grupo Liderança funcionamento de um grupo 2 Experiência de distribuição de terras 3 Realidade INCRA e chances de Reforma Agrária 4 Organização e propostas do MASTRO125 124ATA da assembléia do MASTRO do dia 07 de dezembro de 1982Arquivada no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Miguel do Iguaçu 125 ENCONTRO do MASTRO Medianeira 13 de fevereiro de 1983 96 Importante perceber que embora hoje numa retrospectiva olhemos para o passado e pensemos que a presença de liderança e coordenação de algum modo possa significar que o MASTRO era conduzido por essas lideranças uma análise da documentação mostra por outro lado o contrário que eram as base que impulsionavam o MASTRO para um avanço político e toda a tentativa de apaziguar os descontentes com o governo feita muitas vezes nas reuniões seja transmitindo uma mensagem diferente da que foi recebida pelo governo às bases seja chamando pra si momentos de análise da realidade mas o movimento apenas avança no momento em que as assembléias gerais com debate de toda a base acontece Nem mesmo a presença das igrejas consegue impor um caráter único ao MASTRO O assunto da liderança repercutiu nas discussões feitas na tarde desse primeiro dia de encontro Os relatos de um agricultor sobre um assentamento com 21 famílias expulsas por Itaipu feito pelo INCRA em Toledo onde problemas de desunião ocorreram por causa da formação de uma comissão feita pelo INCRA que vinha representando apenas seus interesses e não os da comunidade como um todo Então após discussões em grupo chegouse a algumas conclusões Um trabalho de grupo deve ter a colaboração de todos que a comunicação deve ser feita em forma de uma estrela com a participação de todos e que no grupo precisase de um líder e não de chefe Na parte da noite foi assistido um filme sobre Ronda Alta vale demarcar que pelo menos temos registro de três viagens de lideranças e de agricultores sem terra no último ano para o acampamento no Rio Grande do Sul O que chamou atenção de quase todos no filme que pelo que indica era um documentário com entrevistas com acampados e lideranças dos sem terra gaúchos foi a violência e os abusos das leis que com medidas injustas e também violência física e coerção moral o governo do Estado vinha tentando destruir a mobilização No segundo dia Ronda Alta retorna as discussões agora é feito o relato de uma experiência que a igreja católica colocara em prática para ajudar paliativamente o movimento Segundo um membro que foi até lá a igreja comprou um pedaço de 108 hectares de terracom oferta do povo e acampou 174 famílias até que o INCRA ofereça terra com preço justo E existe no documento toda uma análise que mais do que falar sobre o movimento em si pretende supervalorizar o papel exemplar da igreja e após uma análise dos pontos positivos e negativos do acampamento em Ronda Alta a discussão da noite é sobre a campanha da fraternidade através de um áudiovisual que A realidade apresentada impressionou a todos e levantou a questão sobre que atitudes devemos tomar diante do mal Evidenciase um 97 discurso que pretende jogar para os níveis da espiritualidade os problemas essa parece ser a todo momento a postura das igrejas envolvidas com o movimento Tanto é que o primeiro ponto positivo levantado da experiência de Ronda Alta é a presença da igreja É complicado fazer uma análise histórica da presença da igreja no movimento porque as fontes escritas foram na sua maioria feitas na presença da igreja e de seus representantes e as pessoas a uma visão positiva não percebendo a possibilidade da igreja funcionar como freio político do movimento e até representante dos interesses dos grandes proprietários e governo Sávio avalia a presença da igreja e dicotomiza o interior da igreja Tu sabe que nós temos duas Igreja Católica nós temo a linha conservadora aquela que tem que ir pra igreja pra adorar imagem reza ave Maria até cansar Isso te lava pro céu E tem o outro lado da igreja que também pensa nisso que tem que preservar o espiritualismo que tem que fortalecer a fé mas que tem que pensar que o ser humano precisa de comida de educação Então nós temos essa ala na igreja que defende ala que vê lado pobre essa turma ai Então essa ala das pastorais Pastoral operaria das crianças pastoral da terra Enfim essas pastorais é a igreja nossa Que defende que prega a fé o evangelho e tudo mas que também defende a organização popular pra que se viva melhor aqui nessa terra e não só no céu Então é isso rege Infelizmente tem pouca gente que se envolve isso dá trabalho126 Além do assunto igreja que foi o que predominou nos dois primeiros dias do encontro houve a discussão pela primeira vez do tema reforma agrária de forma ampla e tentando por si próprios encontrar caminhos para levála adiante porém o que fica no papel e hoje é visto por nós como documento foi feito não pelas bases mas por lideranças que pensam que conscientização é um privilegio que poucos têm e precisam ser alcançado pelos outros e que é preciso se unir aos órgãos governamentais e ao mesmo tempo pressionálos Contudo é preciso pensar que essas lideranças ao mesmo tempo em que acabam segurando o avanço do movimento dialético também propõem avanços como a articulação do movimento dos agricultores com outros movimentos políticos e de que o momento político do Paraná pode ser utilizado pelo movimento para fazer pressão O terceiro dia de encontro vai à direção de uma análise do MASTRO de maneira mais direta e mais profunda também cada ação e tática é discutida como por exemplo a negociação com o INCRA avaliando sempre a partir de pontos positivos e negativos e ao final com sugestões de melhora A regularidade das reuniões e assembléias é avaliada como 126 SÁVIO Miguel Isolar Entrevista concedida em 08 de junho de 2007 Realizada por Flaviane Mônica Christ nas dependências do Sindicato Rua Vânio Ghellere em São Miguel do IguaçuPR 98 pontos positivos As passeatas e documentos enviados as autoridades também Como pontos negativos foi o não cumprimento das ameaças feitas ao INCRA com a ocupação de áreas improdutivas e do governo Como sugestões aparecem à necessidade de mais encontros como esses para formar líderes ficando evidente de onde vem as propostas legalista dessas lideranças que apartadas das bases nessas reuniões passam a valorizar propostas próximas da igreja As medidas de pressão aprovadas nesse encontro vão bem em direção dessa legalidade Procurar repercussão na imprensa busca de apoio de todas as classes Esclarecimento da opinião pública Formação de comitê de apoio com representantes de todos os partidos e movimentos populares Medidas ditas como de pressão revelam muito pouco avanço senão retrocesso ao que já vinha discutindo quando as bases estão presentes nesse encontro há apenas líderes e o apoio e direção da igreja naquilo que se aproxima muito de um retiro religioso mais do que um encontro político porém é preciso considerar que esse caráter religioso e legalista que se pretende imprimir ao MASTRO não é o que predominará no momento a seguir De fevereiro até novembro de 1983 as reuniões assembléias e encontros parecem ter se extinguido não conseguimos avaliar o motivo disso apenas podemos conjeturar que os coordenadores de cada grupo que também são bases são arrendatários bóiasfrias e filhos de pequenos agricultores tenham percebido como as bases que essa luta não tinha avançado no sentido de resolver concretamente o problema e isso é avaliado como falta de consciência em certos momentos pelas lideranças e tenham desanimado da luta No último encontro em que se pretende formar lideranças através de um curso de três dias percebese que a preocupação maior do encontro é com a desistência e desanimo de muitos Desistência de inscritos falta de lideranças preparadas Não comprometimento da comissão central127 Ao mesmo tempo o movimento entende que a Pouca pressão sobre o INCRA e o Não cumprimento das ameaças feitas ao INCRA são os pontos negativos em suas avaliações e portanto o que fazia o MASTRO não avançar Assim a quarta assembléia no dia 30 de novembro de 1983 revela uma postura que mescla as duas tendências numa mesma análise Reunimonos em Ato Público para protestar pelos 19 anos da não aplicação do Estatuto da Terra e discutimos com as autoridades os meios de ir ao encontro a uma Reforma Agrária urgente para resolver o problema dos sem terra Nossa Assembléia é para celebrar a entrada dos sem terra nas fazendas Anoni e 127 ENCONTRO do MASTRO Medianeira 13 de fevereiro de 1983 99 Cavernoso128 Celebrar uma ocupação e ao mesmo tempo sentarse com o governo Assim como em outra situação esse relatório indica que são as lideranças que defendem o dialogo e por algumas vezes modificarem o tom das conversas com as autoridades ao passar para a base se revelando assim muitas vezes defendendo o governo ou pelo menos para que as bases não dirigissem sua indignação para com o governo Por exemplo quando há a indicação de que A palavra das autoridades do Governo Estadual foram de que os agricultores não devem se iludir e ir para a Amazônia que fiquem aqui lutem pela justiça social e se organizem em movimentos como o Mastro Isso não é verdade pois foram os órgão governamentais que apresentaram anteriormente as propostas de ida para Amazônia como única alternativa e em outro momento em que os líderes citam a carta resposta do INCRA com o suposto incentivo de que continuem a luta no movimento esse indicativo não aparece na carta É uma decisão das lideranças do movimento expor o tema com se o governo se interessasse pela luta dos sem terra numa avaliação do momento político em que as pessoas se preocupavam com a opinião do governo sobre sua luta Em outro momento o documento dessa quarta assembléia sai em defesa do governo e de seus órgãos responsáveis pelo problema as autoridades Falaram contudo que apesar da boa vontade do governo do Estado e de esforços para a solução dos sem terra como levantamento das terras públicas levantamento de perto de 50000 há de áreas improdutivas e indicadas pelo Governo Federal para desapropriação agilização da atuação do ITC apesar de tudo isso não está sendo fácil conseguir terras no Paraná e recursos financeiros para a aquisição de terras O titulo desse documento e lema dessa quarta assembléia foi Reforma Agrária custe o que custar mostrando que as duas tendências caminham até esse momento juntas ora uma mais progressista se apresenta ora essa mais legalista defendida pelas coordenação e pelas igrejas aflora Tanto é assim que logo após essa defesa ao governo a palavra é passada para dom Olivio Fazza que manifesta apoio aos trabalhadores unidos na fé e na ação para pressionar as autoridades responsáveis pela política fundiária Sobre esse debate com o Governo INCRA e ITC Miguel Sávio relembra que O surgimento de algumas ocupações porque nós queria um movimento fomos bater até a porta do governo pelo Incra e nós não Era sempre enrolado nunca dizia que não sempre promessa de solução que ia resolver que era pra nós ter paciência Mas paciência de que jeito se as famílias eram expulsas do campo e precisava criar os filhos tu via assistia aquela cenas da 128 DOCUMENTO intitulado Reforma Agrária já custe o que custa 30 de novembro de 1983 100 mulher sai com a criança no colo olha pra traz e chorar porque tinham plantado na frente da casa e tinha que deixar tudo E eles pedia paciência olha se ia ter paciência foi dois três anos que a gente ia para Curitiba com a comissão mandava documento pra deputado pra INCRA pra presidente da República pra Senado alegando tudo quanto era situação tudo quanto era direito com o Estatuto da Terra e a reposta era de paciência que ia se solucionar Claro que é uma avaliação pautada numa reflexão feita hoje essa era mais a reflexão das bases do que de um coordenador mas serve para mostrar um pouco que o clima no fim de 1983 caminhava para um sentido de ocupações acampamentos e invasões de órgãos públicos como veremos no próximo capítulo Importante perceber que quando o movimento passa a caminhar nessa direção os documentos escritos como as atas relatórios e avaliações simplesmente acabam no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Miguel do Iguaçu A proposta legalista passa a perder cada vez mais terreno nas ações políticas do MASTRO não que ela deixe de existir mas ela perde influência diante das pressões da base seja desistindo do movimento seja pressionando as coordenações dos grupos a pensarem e agirem no sentido dos trabalhadores sem terra 101 CAPÍTULO 3 3 O MASTRO E O MST LEGADO DA LUTA A experiência de ocupação de terras parece demarcar o surgimento de uma nova etapa na constituição da identidade dos trabalhadores sem terra De modo tão saliente que representa um momento de rupturas e continuidades que culminam com a formação de outro movimento de trabalhadores sem terra o MST Dona Lenir Altissimo129 faz uma análise de como tiveram conhecimento do movimento Primeira vez foi assim foi difícil né A gente fazia as reuniões Por exemplo assim muitas famílias vinham vinham todos Daí eu que trabalhava não tinha como largar e ir junto com meu marido mas ele ia Tem que falar certo o que aconteceu Na verdade eles foram e invadiram um pedaço de terra Mas instruídos por alguém por sindicato e coisa e tal assim né E do movimento sem terra o MASTRO Foi instruído ir lá e invadir Invadiram uma área na verdade Esse povo todo que ta aqui Se você for saber de quem mora lá eles vai contar tudo Eles invadiram esse pedaço de terra Esse acontecimento que dona Lenir procura resignificar falando que era uma invasão tem relação com sua experiência após assentamento pois como aparece em outras falas é uma posição que enquanto proprietários deixaram o movimento e foram cuidar de suas vidas particulares criarem suas famílias e filhos e é assim que avaliam o movimento dos sem terra atualmente É uma postura de proprietária de que já tem terra e não de uma sem terra atuante no movimento como era no momento dos fatos vividos e que ela relata na entrevista Dona Lenir e seu Arno moram dentro de um dos três assentamentos na mesma região entre os municípios de Mangueirinha Rio Bonito do Iguaçu e Canta Galo que além terem as bandeiras do MST têm uma participação desse movimento dentro da comunidade deles No dia em que estivemos no assentamento Vitória da Conquista eram os preparativos do MST em comemoração aos seus 25 anos e aquele local era comemorado como primeiro assentamento do MST no Paraná Mesmo assim aqueles sujeitos que fizeram parte do MASTRO 129 ALTISSIMO Lenir Entrevista concedida em 16 de agosto de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior em MangueirinhaPR 102 procuraram não se afirmar como do MST colocando essa relação problemática que existe É o que discutiremos ainda nesse terceiro capítulo junto com as contribuições do MASTRO a formação do MST Essa primeira ocupação foi feita na fazenda Mineira um grande imóvel rural que abrangia os municípios de Medianeira Missal e São Miguel do Iguaçu que não era ocupada e utilizada pelos proprietários A ideia de ocupação dessa área parece ter vindo dos próprios agricultores sem terra pois ela é uma das fazendas que figuram num documento produzido a partir do levantamento dos próprios sujeitos no qual constava o tamanho da propriedade e nome do dono e seu local de residência que mostrava que a maioria eram de outros Estados A fazenda Mineira aparece na avaliação dos sujeitos como um imóvel de 500 alqueires ou seja quase 1000 hectares e a dona moradora de Belo Horizonte Pouco sabemos sobre essa primeira ocupação quando e como foram tomadas as decisões até a entrada na fazenda Não encontramos documentação escrita e os sujeitos movidos por essa resignificação negativa do passado dão poucos detalhes sobre esses acontecimentos Segundo os depoimentos a ocupação foi feita por 86 famílias e durou oito dias e logo uma ordem de reintegração de posse foi expedida pela justiça e a polícia fez a desocupação Dona Lenir guarda sua experiência sobre esses acontecimentos O meu marido na verdade ele tava lá e eu tava em casa tinha filho pequeno não tinha como eu ta zanzando acampada Nós tinha uma casinha muito simples na cidade daí eu fiquei na casa Trabalhava também Não tinha como largar tudo não tinha como nós viver A gente se combinou vamos guentar né Em suas palavras vemos agora não mais um sentindo negativo de ocupação mas a defesa da possibilidade de luta para o acesso a terra as dificuldades enfrentadas pelo casal para manter a luta e ao mesmo tempo sobreviver materialmente Sobre a expulsão da terra dona Lenir relembra Eles fizeram uma liderança E daí quando chegou um belo dia a polícia foram lá e pediram que é a liderança aqui Chamaram 12 Inclusive meu marido junto Chamaram todos eles e daí falaram o seguinte agora vocês estão presos Prenderam eles levaram na delegacia em Medianeira e ficaram 24 horas lá 103 Assim vemos a interpretação da pessoa sobre seu passado ao analisar o acontecimento e dizer que eles foram injustamente presos e que não estavam devendo nada porque o objetivo era apenas terra para trabalhar que ninguém havia invadindo nada de ninguém Isso mostra um pouco as reinterpretações feitas do passado a partir do presente dos sujeitos Depois da amostra que a justiça deu rapidamente na defesa das propriedades privadas mesmo que não exploradas e improdutivas os agricultores sem terra não poderiam voltar atrás na luta como acontecia antes com medidas reivindicatórias e de diálogo com o governo Até mesmo porque pessoas deixaram seus empregos de arrendatários meeiros ou mesmo na cidade e não tinham mais para onde ir Dona Nelci Maria Sott Beckes130 de 53 anos é esposa de seu Arno como o marido veio criança do Rio Grande do Sul trabalhou na roça com os pais e estudou até o quarto ano primário Apesar do pouco estudo foi professora durante muitos anos até essa primeira ocupação quando largou tudo e foi com o marido para o acampamento No dia de sua retirada pela polícia alguns eventos marcaram a violência a que foram submetidos Eu quase levei uma machadada na cabeça É o comandante nós queria ir na gabina por que o filho não tinha nenhum aninho e daí nós queria ir na gabina Imagina era mês de junho inverno e daí o comandante disse Não vocês vão na carroceria encima com as crianças Sabe o que é a pele do Leandro escorria sangue de tanto frio que partiu E daí eles queriam levar nós em São Miguel do Iguaçu e jogar nós na BR Daí alguém disse então dá um passaporte e manda nós pro Paraguai de uma vez já que o Brasil nós sendo brasileiro não querem aceitar nós Ele passou a mão num machado que tinha E ameaçou nós131 Dona Nelci retrata o sentimento de violência a que foram submetidos pelo Estado e o Governo que até pouco tempo sinalizava para um diálogo mas que naquele momento explicitou a defesa dos interesses de uma classe não admitindo ocupações daquelas áreas improdutivas que serviam apenas para a especulação imobiliária e investimento financeiro de grandes latifundiários Segundo ela os coordenadores do MASTRO como Jandir Basso e Ana Moretto sabiam da desapropriação e na passagem do caminhão jogaram um bilhete enrolado numa pedra ou parafuso dizendo para que fossem para a Igreja de Medianeira 130 BECKES Nelci Maria Sott Entrevista concedida em 16 de agosto de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior em MangueirinhaPR 131 BECKES Nelci Maria Sott Entrevista concedida em 16 de agosto de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior em MangueirinhaPR 104 O motorista do caminhão parou e daí pediu numa altura da estrada onde é que vocês vão daí eu disse já que vocês não querem levar nós para o Paraguai então leva nós atrás da igreja matriz de Medianeira Daí eu disse porque lá é a casa de deus e deus nunca expulsou ninguém do terreiro dele132 Esse evento de acolhida que a igreja fez aos sem terra ficou marcado em suas vidas para sempre Por isso as pessoas para além do aspecto religioso e espiritual passaram a ver a igreja a partir dessa ajuda material que se desenvolveu por um longo tempo pois o acampamento na igreja dura mais de um ano Não apenas o tempo e a contribuição econômica precisa ser analisada pois ao gozar de prestígio social e governamental a igreja estendeu essa proteção aos agricultores que apesar da instabilidade financeira econômica e de sobrevivência viram uma proteção nessa ação Após serem jogados até mesmo pelos lixões da cidade ou beiras de estradas a possibilidade de abrigo da igreja é algo muito considerado pelas pessoas Dona Lenir relembra Foram expulsos daí quando todos foram despejados da fazenda daí pegaram esse povo e iam jogar no lixão da prefeitura uma parte até jogaram atrás da igreja Enquanto esses tavam lá presos esse resto do povo que tava lá na fazenda foi lá um caminhão não lembro se da prefeitura ou de quem era esses caminhões foram lá e carregaram todos os bagulhos lona o diabo aquatro que tinha lá e jogaram dentro do caminhão e pincharam perto da igreja de Medianeira Como se fosse um bagulho foram jogados 133 Esse acampamento na igreja durou de junho de 1982 até maio de 1984 Embora tais datas sejam imprecisas valem pelo significado atribuído pelos entrevistados que viveram tais momentos de dramática definição em seus destinos Assim sobre esse período de acampamento dona Lenir relembra como um tempo difícil Quando o pessoal do interior um granjeiro precisava de um peão vinha ali pegava esse povo e ia trabalhar Mas quando tinha serviço Trabalhavam e daí de noite retornavam ali de volta pros barracos que ali era só barraco que tinha Cada família tinha o seu cantinho Às vezes um barraco muitos usa 134 132 BECKES Nelci Maria Sott Entrevista concedida em 16 de agosto de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior em MangueirinhaPR 133 BECKES Nelci Maria Sott Entrevista concedida em 16 de agosto de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior em MangueirinhaPR 134 BECKES Nelci Maria Sott Entrevista concedida em 16 de agosto de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior em MangueirinhaPR 105 A vida coletiva no trabalho é um aspecto que de algum modo marcou os trabalhadores Assim perguntada sobre a vida dentro do acampamento dona Nelci destaca como uma parte dos acampados iam trabalhar por dia como bóiafria e uma parte ficava arrumando e cuidando do local Tratavase de uma realidade provisória e temporária mas que definiu a trajetória daqueles trabalhadores à medida que lhes impôs uma situação ambígua de passagem em que foram abandonados pelo Estado e tiveram sua presença social questionada sendo obrigados a refazer coletivamente seu lugar político no mundo O que marca esse acampamento para seu Arno 54 anos que chegou a Missal com 7 anos vindo de Frederico Westfalem Rio Grande do Sul e está no movimento desde 1982 ano da primeira ocupação da Mineira quando foram despejados na Igreja e permaneceram acampados por mais de um ano Além da experiência coletiva de trabalho ele destaca as formas de violência que sofreram Primeiro relata a tentativa do presidente do sindicato patronal de Medianeira em fazêlos desistir do acampamento Daí veio o presidente do sindicato patronal veio lá no meu acampamento e disse quanto é que você ganhava Eu ganhava um salário quase um salário e meio Nós te pagamos de rancada 2 salários E pra ela um salário e meio Em uma granja Daí eu disse cara eu te conheço você é do sindicato patronal Além da perseguição moral e econômica tentando comprar as pessoas com promessas de emprego e ganhos principalmente as que mais ajudavam a articular o movimento havia a perseguição policial que foi a mais sentida pelos colonos Quando eles me prenderam lá em Medianeira foi perseguição Eu tava indo no Trento comprar Eu tinha recebido dinheiro do pessoal e daí eu trabalhava na organização sabe Daí me deram o dinheiro ela passou e fez a lista Que tinha que comprar pra distribuir no acampamento todo Daí eu peguei aquele montante de dinheiro nós entregava esse dinheiro pro secretário da paróquia O Dalézio botava no banco e cada quando ele ia retirava botou a juro quando nós precisava tirava lá e trazia tudo contabilizado cada vintém Daí eu tava indo no Trento pra fazer o rancho e daí a policia me prendeu E nada de eu aparecer Um colega meu correu Daí me pegaram eu E fui com eles então O que é essa perseguição Eu disse Ó cara você não tem motivo para me prender eu não tenho passagem em delegacia nenhuma Não tenho passagem pela polícia Não fiz nada não matei não roubei Eu só to tentando um pedaço de terra pra sobreviver 106 Depois do dia inteiro preso no batalhão da polícia militar segundo ele uma tática para escondêlo e pressionálo o pessoal do movimento foi avisado por um companheiro conseguiu encontrálo e com a ajuda de um advogado tiramno da prisão Uma das táticas apontadas por seu Arno para se livrarem das perseguições era o uso de apelidos que funcionava também como um rebatismo dentro do movimento já que ao dar nomes as pessoas de algum modo era uma maneira de se aproximar delas de conhecêlas melhor O apelido funcionava como disfarce para camuflálos entre a multidão e mesmo entre o próprio movimento Era uma perseguição que ta loco Então nós trabaiava só com apelido Tudo nós quem tava na frente só apelido Tinha apelido feio A minha esposa era professora O oficial ia no nosso acampamento pra ver se descobria o nome dela ou o meu Até hoje ele tá procurando135 A experiência de violência que os órgãos governamentais como justiça e polícia praticaram contra os agricultores é um dos elementos lembrados pelos sujeitos que chama a atenção e que provavelmente por ser um dos aspectos que ajudou na criação de laços de solidariedade entre os membros do Mastro e permitiram maior avanço político do movimento daí quando eles me prenderam daí sim Eu primeiro tava meio desanimado eu até ia sair Eu disse não agora quero ver o fim Agora não vou deixar esse povo pra traz diz Seu Arno Seu Vlademiro fala dos apelidos Meu apelido era Dudu Aqui no acampamento quando surgiu cada pessoa tinha um apelido perdeu o nome O Carlito é o Juruna O Clóvis era o Tripa Ele é alto sabe Por isso chamava Tripa O velho Tó era o homem das culher Ele fazia culher de pau Explica como surgiram os apelidos pelas características de cada um e era a forma de as pessoas se conhecerem mais rapidamente segundo suas análises Porém o próprio desprezo também foi uma forma de violência sofrida pelos sem terra naquele momento Tinha uma comunidade perto de São Miguel que não queria que os padres rezasse mais missa Por que o padre aceitou nós morar atrás da igreja matriz Daí eles consideravam nós comunista invasor de terra bandido pistoleiro Nós passamos por tudo Nessa fala evidenciasse a experiência de sentir a rejeição da sociedade a qual faz parte Seu Alfredo Danhause percebe o posicionamento da igreja pelas posições contrárias de fiéis que não concordavam com o apoio dado pela igreja católica e reconhece os rótulos 135 DANHAUSE Alfredo Entrevista concedida em 16 de agosto de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior em MangueirinhaPR 107 recebidos pelos sem terra como uma forma de violência pois muitos fiéis se negaram ao convívio com os trabalhadores acampados na igreja e mesmo na não aceitação de um religioso que não apoiava o MASTRO Do acampamento na igreja matriz de Medianeira Seu Alfredo não participou efetivamente apenas alguns dias Seu pai foi quem teve maior participação e como um dos coordenadores Segundo Seu Alfredo a família na época arrendava uma área e ele como um dos mais velhos da casa precisou continuar na lavoura onde plantavam enquanto uma parte da família foi para o acampamento Ele fala das dificuldades de conseguir sobreviver e não apenas de adquirir um pedaço de terra como sendo o motivo que levou a família ao movimento Meu deus era muito difícil muito sofrido Além de trabalhá de arrendatário tinha que trabalhar fora Na época tudo manual não sobrava muito A falta de mecanização também é percebida às vezes como dificuldade na fala dos sujeitos Por isso invadia as fazenda pela condição O povo começou a lutar Perdemo tudo Ficaram oito dia na fazenda Mineira Interessante que embora use o termo invasão noutro momento da entrevista seu Alfredo tenta dizer que nunca participou de invasão numa reelaboração e numa análise em que procura se contrapor ao MST ainda que no dia da entrevista tenhamos encontrado ele participando dos preparativos para a festa de 25 anos do MST e ele mesmo tenha dito que faz parte do movimento Sobre os poucos dias que ficou no pátio da igreja Seu Alfredo considera como importante narrar a experiência coletiva de trabalho embora a considere difícil Foram experiências que marcaram muitos dos trabalhadores Na época as comissão levava a gente nas lavouras Na época não tinha esse negócio de veneno limpar soja era tudo na enxada Daí pegava empreita pra limpar soja daí aquele dinheiro entrava no caixa pra comprar alimentos ou quando as lideranças precisava viajar por exemplo pra Curitiba ou Brasília136 Essa experiência de trabalho coletivo em que o lucro é repartido entre as pessoas na forma de alimentos é pela minha análise ainda que timidamente uma experiência de socialização que poderia ter avançado mais a ponto de ter gerado nas pessoas a vontade de que isso acontecesse Por exemplo Seu Arno quando relembra da conquista da terra onde hoje mora lamentase pela comunidade ter escolhido entre a forma coletiva e privada de 136 DANHAUSE Alfredo Entrevista concedida em 16 de agosto de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior em MangueirinhaPR 108 ocupação Na época nós decidimo que cada um teria sua terra Se a decisão fosse por a terra sê um direito repassado aos filho seria melhor daí ninguém tinha vendido isso Essa experiência de trabalho Seu Arno usa para distanciar o movimento de influências de partidos políticos Na época eles queriam distância Eles não aceitavam Nós ganhava ajuda pela prefeitura mas pra nós manter no acampamento nós trabaliava fora Uma equipe ficava no acampamento outra equipe quebrava milho na região de Medianeira Matelândia São Miguel do Iguaçu Eles vinham buscar nós de ônibus na época Aí nós quebrava milho e fazia colheita O dinheiro mesmo era pra comprar alimentos Um pessoal que ficava no acampamento pra cuidar e outro trabaiava fora No acampamento nós não ganhava ajuda do governo Comida nós não ganhava137 Seu Arno como outros sujeitos relembra da participação da Igreja Católica no movimento como uma ajuda ao MASTRO O assentamento em que vive hoje foi fruto de uma luta em que a Igreja de Medianeira participou ativamente Ele chegou a recolher e abrigar em seu pátio o acampamento que havia sido desmontado na Fazenda Mineira onde ocorreram duas ocupações A primeira experiência desse tipo na região oeste do Paraná e possivelmente uma das primeiras do Brasil na qual um grupo de famílias ocupa uma área em que os possíveis proprietários não ocupavam Essa experiência de acampados em frente à igreja de Medianeira em que os trabalhadores sem terra ficam 11 meses gerou e significou a entrada em outra fase das lutas do movimento pois a partir dela as discussões se aprofundam e os atos políticos do movimento se radicalizam como um acampamento feito por 120 dias em frente ao INCRA em Curitiba Seu Arno fala do acampamento em Curitiba Na época o Álvaro Dias era deputado federal se não to enganado daí ele convidou nós pra ir na reunião nós tava acampado em Curitiba Convidou nós pra ir numa reunião com o finado Tancredo que ele tava vindo pra campanha pra presidente e pra governador José Richa Uns dez de vocês pode ir Chegamo lá não deixaram nós entrar o próprio Álvaro Dias que tinha convidado não quis Olhou pra nós se deparou com nós disse ele Que esse homem vai dizer pra vocês Não Daí ele subiu na sala eu disse Mas nós vamos entregar esse documento pra ele pra vê o que esse homem vai dizer pra nós Se vamos ter uma esperança ou não Eu disse pros rapaz de Capanema e outros da região eu disse Esse povo vai descer tudo vai desocupar essa escadaria aí vamos ascender nossos crioulo forte aí e vamos 137 BECKS Arno Entrevista concedida em 16 de agosto de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior em MangueirinhaPR 109 mandar fumaça pra cima não vão agüentar pois a janela lá encima tá aberta e a fumaça vai subir Dito e feito desceram limpou a escada e nós subimos lá em cima Chegamos lá colocamos nossos crioulos fora entregamos o documento pro finado Tancredo Diz ele Não o dia em que eu tomar posse vou assinar a desapropriação da área Daí o Figueiredo viu que perdeu assinou a desapropriação138 Percebese o cortejamento de partidos políticos via deputados ao movimento o candidato a governador parece ter alimentado a princípio uma possível proximidade com os trabalhadores sem terra mas é bom lembrar que 83 era período eleitoral e em 84 depois da vitória de Jóse Richa essa proximidade é revista Do mesmo modo que na reunião no último momento as portas são fechadas ao movimento A narrativa trabalha dois tempos da História do Brasil que são ensaiados pelo Sr Arno Figueiredo perdeu Significa uma derrota simbólica da ditadura dos tempos de violência em que os movimentos sociais eram duramente reprimidos Tancredo Neves aparece como um redentor representante dos novos tempos da democracia e os recebeu Esse é um fato importante para a memória do movimento talvez o evento nem tenha ocorrido O mais importante é o significado disso para o Sr Arno e a memória construída sobre este ponto da virada em suas vidas Depois de 120 dias acampados na frente do INCRA Dona Becker lembra Tinha um padre que trazia ajuda o frei José um magrinho alto que rica de uma pessoa O que lá na Seab ia pra fora daí aquele padre botava na combi dele e trazia tudo lá pra nós Então aquilo nós reaproveitava cenoura nós botava no arroz Dava um jeito as beterrabas nós cozinhava e fazia uma salada Tudo nós dava um jeito de consumir aquilo lá Até as cascas de banana nós aproveitava Porque não tinha dinheiro pra comprar nada Sobre a organização na capital do Estado ela lembra Um dia uma turma de Medianeira que fazia a comida outro dia era a turma de Mangueirinha Todo dia tinha um pessoal Pra não ficar tudo de uma vez só Daí quando vinha arrecadação de roupa calçado essas coisas Jogava num monte fazia um circulo da mulherada e cada uma pegava uma coisa por vez Nós deixemos as coisas tudo em casa Não tinha nem colchão Vemos aí pela primeira vez que o movimento não estava sozinho lutando pelo acesso a terra em Curitiba e no Paraná Esses movimentos como o Mastro não surgiram nesse 138 BECKS Arno Entrevista concedida em 16 de agosto de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior em MangueirinhaPR 110 momento e foi da união deles é que a terra no Município de Mangueirinha é conquistada pelos trabalhadores Esse assentamento na região centro oeste do Paraná não atendeu todos os acampados mas parte das famílias Seu Arno fala da luta pelo assentamento Vitória da Conquista Nós era 86 famílias daí se unimo com os daqui Entremo com 366 família aqui Daí nós brigava pela fazenda Mineira lá tava muito difícil de ser desapropriada na época Daí se aliamos MASTRO e MASTER daqui do sudoeste e oeste se unimo se demo as mãos e vamos brigar junto Temos o mesmo objetivo e conseguimo Daí fomos acampar em Curitiba na frente do Governo e conseguimos só passagens pra ir negociar em Brasília Das duas passagens de avião transformamos elas e fomo 14 de ônibus Daí o governo lá na época era a ditadura eles queria receber nós de sapato social e terno e gravata E nós fumo pra lá de chinelo de dedo do jeito que nós tava no acampamento nós pegemo e fumo Depois fiquemos 90 e poucos dias cento e poucos dias em Curitiba Daí quando o Figueiredo viu que perdia a eleição pro Tancredo ele assinou a desapropriação dessa área aqui Daí erguemo o acampamento de Curitiba voltemo pra Medianeira pra organizar tudo Como é que nós vinha Ai quem tinha caminhão se prontificou a levar Daí viemo pra cá e tamo aqui até hoje Na época foi difícil era mato fechado abrimos tudo na foice e não sobrou muitos dos assentados muitos depois que tava legalizado venderam Evidenciase a presença de outros movimentos na constituição do assentamento Cada região do Paraná a exemplo do oeste com o MASTRO tinha seu movimento dos trabalhadores sem terra sendo da pressão em comum e da união dessas forças que o processo de luta avança no sentido da formação de uma coletividade mais ampla que superou os limites do estado Esse processo resultou na constituição do MST não sem construções e desconstrução de lógicas diferentes Na fala Seu Arno atribui ao movimento um protagonismo político relacionando a trajetória do movimento à mudança do regime político no país Os enfrentamentos e os antagonismos entre a política democrática do Mastro e a autoritária e elitista do governo são ativados com ricos símbolos a exemplo da oposição entre a identidade formal do terno e gravata e a informal ligada ao trabalho com a terra do chinelo de dedo Também os cigarros de palha na fala anterior no evento que descreve a participação política do movimento servem na análise de seu Arno como arma evidenciando o enfrentamento e um pouco da lógica das construções das lutas Ou seja de que as estratégias eram construídas a partir da construção e da experiência concreta dos sujeitos daquilo que dispunham em seus bolsos e memórias 111 Durante a pesquisa e entrevistas percebemos que muitas pessoas e documentos estabeleciam relações entre o Mastro e o MST Muitos caracterizavam ligações que demonstraram o Movimento dos Agricultores do Oeste do Paraná como sendo a origem do MST por outro lado outros pretendiam afastar os dois movimentos como sendo coisas distintas Contudo para compreendermos as relações e as diferenças entre o Mastro e o MST precisamos compreender alguns acontecimentos que fizeram parte da história do movimento no momento em que ocorrem mudanças no interior da luta dos trabalhadores rurais sem terra Principalmente no que se refere à ocupação e acampamento de um local público do Município de São Miguel do Iguaçu a praia municipal A experiência feita em frente à Igreja Católica de Medianeira apesar de demorar 14 meses de acampamento sofrer perseguições dos órgãos governamentais que prenderam muitos trabalhadores como forma de desestimular os sem terra e receber a reação de parte da comunidade contra os acampados deu o resultado que se esperava a conquista da terra Aproximadamente 112 famílias foram assentadas em Mangueirinha centrooeste do Paraná no Assentamento União da Vitória em lotes de 10 a 13 alqueires Desse modo ao perceberem que aparentemente a luta pela terra podia ser atendida pelos órgãos do governo os trabalhadores procuraram se organizar em novas ocupações A escolha do local para um novo ato que deveria também chamar a atenção foi no município de São Miguel do Iguaçu não foi aleatória como nos fala Eloi Faccio A idéia foi de quatro pessoas quer pegar o nome aí só que eu não sei onde anda esse pessoal hoje Era o Darci Apio Miguel Isolar Sávio Pastor Fuchs esse ta em Curitiba mas não sei aonde E o Miguel Isolar Sávio trabalha na Itaipu Binacional e o Darci Apel nunca mais tive notícia dele Aí eles que botaram ali Mas daí precisava de gente para orientar os agricultor e eu era um desses Daí levemo um pessoal ali era em torno de 800 famílias aqui na prainha de São Miguel aí na época o prefeito era o Albino Bisolotti nossa senhora ele ficou louco tinham recém feito ela as árvore eram tudo pequeninha não tinha sombra nada nada E ele ia na rádio dele e dizia que a turma tinha arrancado tudo que estavam destruído tudo que não sei o quê Mas não é nada disso vai lá vê e confere o tanto de árvore a maioria quem plantou foi o sem terra que ficou ali daí ficaram um ano ali ocuparam a fazenda Mineira Essa fazenda Mineira era improdutiva Tanto é que logo que já foram lá já foi desapropriada Tem o assentamento Dois Vizinhos e o assentamento Sávio lá De um lado eram 19 famílias e do outro eram 21 Só 112 que daqueles que receberam terra tem bem pouco muitos caíram fora de lá As prefeituras não dão apoio tipo de São Miguel e os outros prefeitos139 Seu Elói procura valorizar sua experiência colocandose no papel de um líder ou um orientador ao mesmo tempo dizendo que as pessoas de alguma forma eram levadas por esses líderes contudo sua perspectiva não discorda dos depoimentos de arrendatários bóias frias meeiros e filhos de pequenos proprietários rurais que afirmam ter ido para esse acampamento porque as suas situações eram difíceis pois a decisão para a ocupação desse local surgiu dos próprios acampados como mostra o documento de levantamento das fazendas da região No documento produzido a partir de dados dos próprios trabalhadores rurais sem terra intitulado Relação de Fazendas cujos proprietários não moram em São Miguel do Iguaçu a fazenda Mineira foi descrita como a quarta maior fazenda com 500 alqueires no qual os donos não moravam e não usavam o local para produção sendo a residência do proprietário em Belo Horizonte Sobre esse acampamento as memórias dos membros do MASTRO se fixam a exemplo de Seu Élcio Benk com um momento de decisão e luta Inclusive revelando conflitos internos numa reunião com lideranças de toda a região De tarde foi pra criar as comissão Botaram eu de coordenador regional Eu e aquele Jandir Bastos Daí o Jandir Bastos disse que aqueles sem terra que existia por aí pronto que queria ir em cima de uma área tinha que levar lá perto de Imaribo lá tinha uma fazenda Daí eu disse mas ir lá naquele frio Tirá daqui e botá lá com tanta terra aqui Não mas tem que ir pra lá porque outro lugar não vão ganhar Ia ter uma inauguração da praia dia 26 de outubro Daí eu falei Eu sou um bobo que não sei de nada mas eu vou dar uma idéia Eu fico mas desde que em vez de invadir uma fazenda nós invade a praia um dia antes de inaugurar Vocês não falaram que tem que chamar a atenção dos políticos Então nós entra com tudo esses miseráveis lá dentro quero ver eles inaugura isso Daí nós pedimos a terra E daí o padre tinha dito de cinco fazenda que foi desapropriada e o governo não tomava providência ninguém resolvia nada Daí eu falei Nós invade a praia damos um mês de prazo se o governo não assenta nós vai em cima dessas áreas Daí um puxo pra um lado e outro pra outro Daí decidiram ocupar a fazenda Mineira Já tinham uma vez levado um pau O Mastro apanhou que foi feio de ver do lado de Medianeira Essa ocupação Élcio resalta como sendo a primeira ocupação do MASTRO na região em que ao serem expulsos da área pela polícia são despejados em frente à Igreja Matriz de 139 FACCIO Eloi Entrevista concedida em 17 de abril de 2009 Realizada por Flaviane Mônica Christ nas dependências do Sindicato dos Trabalhadores Rurais Rua Vânio Ghellere em São Miguel do IguaçuPR 113 Medianeira A fazenda localizavase nos dois municípios com a subida das águas da represa de Itaipu sendo dividida pelas águas em duas partes uma ficou em São Miguel do Iguaçu e outra em Medianeira Nessas avaliações Élcio deixa claro que sua posição era atrair atenções para o movimento Descreve como iniciativa sua a decisão da ocupação da praia municipal Diz que outras lideranças pediram que ele fizesse uma reunião com as famílias e acertasse a ocupação da Fazenda Mineira mas que resolve ocupar com as 800 famílias a praia Nós ocupemô a praia lá daí tiramos umas famílias dali de outros acampamentos que outro fez Essa frase revela que além do MASTRO em 1983 havia já outros movimentos articulandose em outras regiões do Paraná Essa ocupação é importante para nossa análise sobretudo porque vai demonstrar outra fase da luta dos trabalhadores numa nova articulação não mais regional com trabalhadores apenas das cidades da região como era o MASTRO Falando sobre a dificuldade de alimentar três famílias dois irmãos casados e os pais na pequena propriedade de seis alqueires Seu Carlito lembra a busca de uma oportunidade de sobrevivência através da participação do Mastro e a organização do movimento E a gente começou a participar do movimento começou a organização do movimento naquela época era o Mastro hoje é o MST Mas é a mesma organização só mudou a sigla o movimento é o mesmo né Daí a gente começou a participar das reuniões Daí a decisão era de se formar acampamento pra conseguir um pedaço de terra Seu Carlito procura aproximar os dois movimentos a partir de experiências pessoais de sua trajetória como alguém que se manteve no lote de terra conquistado com a luta e também como parte da luta dos movimentos posteriores que reivindicavam terra Ele ainda hoje participa das reuniões e encontros do MST Importante perceber que ao descrever o processo de escolha e tomada de decisão para a entrada no MASTRO pesou as necessidades e contingências da família e não decisões externas aos seus interesses Daí a gente como era em três meu pai era de idade daí eu e outro irmão que era casado nós participava das reunião Nós decidimos que um ia se acampar e outro ficar com os pais E foi o que aconteceu Então a decisão ficou pra mim e a minha família ir se acampar Daí a gente foi e se acampou aqui na vila Ipiranga Isso foi no ano de 1986 Daí nós podemo dizer que fomos privilegiados da onde se acampamô dá 6 quilômetros até onde nós estamos 114 Essa fala revela um pouco da dinâmica dos acampamentos e das escolhas das áreas a serem ocupadas Nesse exemplo específico vemos que o local era próximo ao lugar de vida das pessoas a vila rural Ipiranga área que foi parcialmente alagada pela represa de Itaipu dentro do município de São Miguel do Iguaçu Essa área havia sido desocupada pela Hidroelétrica de Itaipu e construiuse no lugar um complexo turístico com áreas de camping e uma praia artificial Ficou na memória dos membros do Mastro o fato deles não destruírem nada do que tinha sido construído ou plantado apenas ocuparem o espaço como uma forma de pressionar as autoridades sobre seu problema Outro motivo revelado pelos entrevistados era a existência de uma grande área que margeava o lago formado com a barragem Mapas do INCRA mostrando áreas com problemas de titulação apontam a área chamada de Território do Ocoí com 55624 alqueires titulado para a Companhia de Viação de Comércio Braviaco em 1921 Isso pode ser conferido na imagem 1 IMAGEM 1 Oeste do Paraná Localização do Território do Ocoí Fonte Mapa organizado pelo INCRA Arquivado no INCRACASCAVEL 115 Em outros documentos mapas do INCRA e decretos o mesmo território aparece como Imóvel Guaicará com 69000 alqueires como na imagem 2 IMAGEM 2 Oeste do Paraná Localização do Território do Ocoí agora Colônia Guairacá Fonte Mapa organizado pelo INCRA Arquivado no INCRACASCAVEL E assim os decretos nº 75280 e nº 76772 de 1975 procuram ser decisões finais para a titulação das terras O decreto nº 75280 de 23 de janeiro de 1975 de origem executiva assinado por Ernesto Geisel diz Declara de interesse social para fins de desapropriação imóveis rurais situados nos Municípios de Céu Azul Matelândia Medianeira e São Miguel do Iguaçu no Estado do Paraná compreendidos na área prioritária de 116 Reforma Agrária de que trata o Decreto nº 69411 de 22 de outubro de 1971140 Embora citada como área prioritária de reforma agrária podemos questionar esse argumento primeiramente porque até 1984 nada havia sido realizado nesse sentido Os mapas do INCRA indicando dupla e tripla titulação apontavam uma possível disputa entre elites políticas e econômicas pela área mais do que interesse em reforma agrária Do mesmo modo em 1975 já se tinha realizado os primeiros estudos sobre Itaipu e concluído que boa parte da área seria alagada logo as medidas tomadas configuravam uma tentativa de o governo diminuir os conflitos e desapropriações que em breve entrariam em curso O PRESIDENTE DA REPÚBLICA usando das atribuições que lhe confere o artigo 81 item III e 161 2º da Constituição e nos termos dos artigos 18 letras a b e d e 20 item V da Lei nº 4504 de 30 de novembro de 1964 e do Decretolei nº 554 de 25 de abril de 1969 DECRETA Art 1º É declarada de interesse social para fins de desapropriação nos termos dos artigos 18 letra a b e d e 20 item V da Lei nº 4504 de 30 de novembro de 1964 uma área de terras pertencentes a diversos proprietários medindo aproximadamente 5703860ha cinquenta e sete mil trinta e oito hectares e sessenta ares compreendendo os lotes rurais nºs 1 a 293 da gleba nº 1 nºs 1 a 26 da gleba nº 2 nºs 1 a 18 da gleba nº 3 nºs 1 a 19 da gleba nº 4 números 1 a 27 da gleba nº 5 nºs 1 a 29 da gleba nº 6 e nºs 1 a 48 da gleba nº 7 todos da Colônia Guairacá situados nos Municípios de Céu Azul Matelândia Medianeira e São Miguel da Iguaçu no Estado do Paraná O decreto cita artigos das Leis de Terras de 1964 e declara como de interesse social Possivelmente ainda que não com a mesma facilidade com que obtemos os decretos hoje via consulta aos portais online do governo mas na época o movimento teve conhecimento da situação legal que se encontravam essas terras Por isso a decisão firme de ocupálas mesmo depois de uma reintegração rápida e violenta como ocorrera com a primeira ocupação da Fazenda Mineira ao lado de Medianeira um ano antes O conjunto de mapas do INCRA procura mostrar problemas com a titulação das terras na região Três mapas com os títulos Primeiro Segundo e Terceiro andar mostram como uma mesma área foi titulada três vezes pelo governo revelando um histórico de conflitos pela terra 140 DECRETO nº 75280 de 23 de janeiro de 1975 Disponível em httpwww6senadogovbrlegislacao DetalhaDocumentoactionid204622 Acesso em 17 de setembro de 2010 117 e principalmente o fato dos agricultores saberem desses problemas pela sua própria percepção O decreto nº 75280 assinala do mesmo modo essa perspectiva Art 4º É ressalvado o direito da União de questionar o domínio das áreas tituladas irregularmente observado sempre o disposto no parágrafo único do artigo 13 de Decretolei número 554 de 25 de abril de 1969 na Lei nº 2597 de 12 de setembro de 1955 e na Lei nº 4947 de 6 de abril de 1966 Assim o próprio decreto governamental prevê e confirma que possíveis erros e irregularidades foram cometidos na titulação Deste modo parte dessa área em disputa e com irregularidades que ficava no município de São Miguel do Iguaçu as margens do rio Ocoí e que no início dos anos 1980 foram inundadas pelo represamento do rio Paraná para a formação do lago da Hidroelétrica de Itaipu foi ocupada pelo Mastro após o acampamento da praia municipal Pois os trechos não alagados haviam sido transformados em reserva legal da empresa Itaipu como forma de minimizar os problemas ambientais causados Hoje é nesse espaço que fica o assentamento Sávio e Dois Vizinhos separados apenas pelo braço alagado do rio Ocoí um fica no município de São Miguel do Iguaçu e o outro de Itaipulândia na época Medianeira Sávio tem 20 lotes e o Dois Vizinhos 21lotes Outro decreto que trata do mesmo tema é o de nº 76772 que propõe uma alteração no primeiro Tal mudança apenas acrescenta o nome das empresas colonizadoras que eram proprietárias da área Entre os diversos proprietários dos 69 mil alqueires estão sete glebas da Colônia Guairacá registradas no cartório de Foz do Iguaçu em nome de Alfredo Paschoal Ruaro Terreno Itacorá em nome Sociedade Colonizadora Matelândia Ltda em nome de terceiros mas transcritos pela Sociedade Pinho e Terra Limitada do mesmo modo outros da Sociedade Industrial e Agrícola Bento Gonçalves Limitada e ainda uma área pertencente à Colonizadora Gaúcha Ltda Embora esse decreto pareça não ter efeito prático algum já que ele repete na íntegra o outro ele abre um precedente no que diz respeito à tentativa de devolução das terras aos antigos donos tanto é que em 15 de maio de 1991 outro decreto revogou os anteriores ou seja pretendeu devolver as terras para os antigos donos Isso na prática não significou a perda da terra pelos novos donos mas possibilitou que o Estado tenha que pagar por essas terras Do acampamento da praia Seu Tó das Cuié lembra as dificuldades mas reelabora a partir da conquista da terra em que ainda hoje se encontra aquilo até que não foi Foi 118 bom e foi ruim Ali a gente sofreu demais daí foi ruim 8 meses debaixo de uma lona sofrendo que nem cachorro mas a gente aguentemô dali nós viemos pra aqui Miguel Isolar Sávio também recorda dessa passagem do acampamento na praia para o assentamento Foi um dilema Desapropriou 690 hectares da fazenda Mineira Nem toda ela foi considerada improdutiva Só 690 hectares Ali só cabia 41 família foi assentada 41 Mas no acampamento nós tinha 600 700 famílias Como fazer Como tirar 40 lá do meio pra colocar numa terra E as outras Bom nós tinha um acampamento em protesto na frente do palácio do Iguaçu em Curitiba Ai se fez uma assembléia geral numa noite daquelas pra selecionar as famílias Só que tivemo que de usar um subterfúgio meio feio mas não tinha outra saída Nós fomo obrigado a mentir naquela noite Dizê que nós tinha que selecionar 41 família pra ir acampar em frente ao palácio Iguaçu porque as famílias que estava lá estavam cansada e nós tinha que substituir elas Na verdade era pra ocupar a fazenda que tinha sido desapropriada Mas graças a deus foi compreensível não houve atrito no movimento foi compreensível Então se extraiu 41 família dali e sem eles perceber a gente contratou os caminhões e botou as família nos caminhões numa madrugada e se acampou lá na fazenda Mineira Pra pressionar o governo a vim fazer a medição dos lotes a determinar a reserva legal que era necessária Enfim abrir as estradas que até então não existia Então foi feito um acampamento lá dentro do assentamento No assentamento Miguel Isolar Sávio localizado ao lado de São Miguel do Iguaçu Dois Vizinhos e Medianeira foram assentados 41 famílias muitas permanecem até hoje Os assentamentos ficam a cinco quilômetros da praia onde foi o acampamento de protesto e pressão Sobre essa área as lembranças de Seu Tó mostram a percepção de que existiam terras com problemas e sem ocupação na região Isso aqui era grande essa que mesmo vizinha da Ipiranga Esse mundaréu que enxerga pra cá até o Portão do Ocoí era uma fazenda só Muito chão Aqui ficou 6 alqueires de terra pra cada família Trabalhamos muito Todos aqui tem sua vaquinha de leite tem seu porco já tem até meio bãodeboca O frigorífico no assentamento ali na entrada era gente pobre Todos tem sua vaquinha de leite Percebemos que a função social dessa terra na vida concreta das pessoas não foi apenas parte de um discurso mas sobrevivência real Uma terra uma vaquinha e um porco são a materialização de sua existência efetivada graças a conquista e divisão de um latifúndio improdutivo e irregularmente titulado Miguel Isolar Sávio era presidente do sindicato dos trabalhadores rurais de São Miguel do Iguaçu e comenta sobre esse momento de organização do Mastro 119 E através das comunicações dos coordenadores se via que a crise era grave que a situação se agravava que mais famílias saiam do campo Então tu imagina a quantia de família que foi pra esse Paraguai pra esse Mato Grosso pra essa Rondônia naqueles anos 70 e 80 Tu não faz idéia E nós não temos também idéia Mas foi milhares de gente E muitas que não tinham acabaram se encostando nas pequenas cidades nas grandes cidades e foram formado as favelas E numa das reuniões regionais em Medianeira quando um dos companheiros leram as repostas do INCRA e nós já tava saturado das promessas das desculpas que eles apresentaram diante da coordenação regional que tinha lá uns cento e poucos coordenadores do movimento depois deles reler eu dei um muro na mesa E disse companheiro Até quanto nós vamo ficar ouvindo o governo nessa lenga lenga Até quando nossas famílias vão ficar desse jeito ai até quando nós vamo acreditar no que o governo está dizendo Eu acho que é hora do movimento tomar uma medida mais drástica E nós tinha já mapeado na região as fazendas que eram mal exploradas ou que tava servindo só para especulação imobiliária E não deu outra o movimento entendeu que a coisa realmente era partir a atitude mais drástica era ocupação das terras Então nós tinha a fazenda Mineira que em minha homenagem botaram o meu sobrenome nome do assentamento Sávio Então essa foi a primeira ocupação na região pra que o governo visse que a situação estava insuportável Isolar tende a personificar o movimento até mesmo pelo reconhecimento que tem de sua participação na luta como esse assentamento que leva seu nome ou mesmo a lembrança dos entrevistados de sua posição ao lado dos trabalhadores sem terra Porém noutra discussão percebemos que as decisões de tomar medidas mais drásticas estavam ligadas de alguma forma as intenções dos próprios trabalhadores Era eleição municipal na área de fronteira porque até então não existia pra prefeito E o candidato oficial do governo aqui com o prefeito que era nomeado resolveu fazer uma festa na prainha aonde eles iam distribuir convites esse convite valia churrasco uma churrascada com toda a comunidade Lá eles ia fazer então um mega comício com a presença da diretoria da Itaipu Eram dia 28 de outubro dia 15 de novembro seria a eleição é isso mesmo Então eles programaram essa festa Nós nem sabia disso nós estava com uma barbaridade de problemas que nós nem tava participando de nada do movimento político de nada Nós queria encontrar uma saída para a situação que tinha Bom numa das reuniões de avaliação em Medianeira com aquelas ocupações que teve se entendeu que além das ocupações que devia continuar era necessário se formar um acampamento de protesto Aonde esse acampamento seria regional ia ter famílias de toda região nesse acampamento deveria ter uma organização de segurança de comissão de trabalho alimentação de saúde e que tinha que ser num local público não na cidade Tinha que ser num local público Aí se começou a se pensar mas aonde As margens da BR Sim mas o perigo de ser atropelado as crianças E a distância E a águae como acomodar essa gente Pensa daqui dali pensa num lugar no outro Se chegou a conclusão de fazer um acampamento tinha que ser a noite na prainha de São Miguel 120 Nessa fala temos uma interpretação que mostra a participação não apenas de lideranças na decisão de se fazer acampamentos para forçar uma negociação mas os próprios trabalhadores viram o momento como oportuno para uma atividade política profundamente pedagógica As pessoas comuns e não apenas as lideranças sabiam da relação das eleições o comício e a festa de inauguração Outro elemento em sua fala é o caráter do MASTRO Enquanto movimento do oeste paranaense reunia um grupo bem maior que as cento e poucas famílias da ocupação passada logo um acampamento desse porte precisava ser em um local adequado ou que pelo menos mantivesse as pessoas distantes de avaliações negativas da cidade Porém a escolha se deu a partir dos elementos básicos como a sobrevivência Era um espaço público era um local que era cedido pela Itaipu que o município tava construindo a prainha Era as margens de uma estradinha de uma estrada de fácil acesso pra saúde pra alguma emergência e que com certeza ia chamar atenção da imprensa e ia ter uma repercussão desgraçada E como nós vamô fazer Embora Sávio não declare estava claro que há muito se tinha a avaliação da Fazenda Mineira como uma terra do governo improdutiva e que ficava a poucos quilômetros do novo acampamento Marquemo pro dia 25 de outubro Mas ingenuamente sem a mínima intenção Nós nem lembrava daquilo E não deu outra naquela noite naquela madrugada foi 800 família se acamparam lá E ai meio a festa deles né Imagine vão faze festa lá Pra eles era uma vergonha aquilo Imagine o lixo da região estava ali As pessoas né Fizemo o acampamento no outro dia fui lá fizemo uma reunião lá expliquei que o acampamento era por prazo indeterminado que era pra fortalecer o movimento que nós tinha que ter as comissões de ordem que tinha que ser uma coisa ordeira que não tinha que ter caçada que não tinha que ter baile Colocar a coisa um pouco em ordem E foi criada a comissão de ordem de alimentação de saúde de trabalho e a comissão saiu pelas fazendas procurar serviço Conseguiam cá e lá um pouco começavam fazer arrecadação por ai a fora Só que os autores da festa entenderam que aquilo foi provocado que aquilo foi culpa nossa que foi pra estragar o comício Não tinha nada a ver Mas quem é que vai enfiar na cabeça deles Tudo indicava que aquilo Ai eles acabaram fazendo a festa aqui na cidade Percebeuse que os participantes do Mastro que de algum modo ajudaram num nível de organização como coordenadores de grupo tendem em suas análises a confirmar a própria presença dentro do movimento como dirigentes que orientaram os agricultores ou que os 121 levaram a fazer algo quando na verdade eles não tinham esse poder de decisão porque os próprios trabalhadores se veem como atores desses processos e não conduzidos por outros Depois de alguns dias dessa ocupação o movimento decide ir até a capital do Estado Seu Élcio recorda o episódio Levemo um pessoal pra Curitiba achamo que o José Richa ia conversar com nós Mas deu um pau em nós sabe Apanhemo Mas sabe o que é ficar sem rumo Sabe por que a minha esperança era com tudo isso que nós fizemo o governador ia receber nós e explicar alguma coisa Mas desceram a polícia em nós Apanhemo apanhemo cara E tudo As mulher e criança Tudo entrou no porrete Dessa experiência segundo Élcio surge a decisão de ocupar as cinco fazendas desapropriadas no Estado Interessante perceber que essa era uma proposta que eles já tinham contato mas que somente nesse momento decidem levar a termo Isso porque a ocupação de uma grande área devia ser algo complicado para esses trabalhadores pobres Conforme Élcio foi depois de apanhar da polícia que o grupo reúnese na Praça Rui Barbosa em Curitiba e decidiu ocupar as fazendas Após debates e deliberações Aí um falava uma coisa outro falava outra De repente eu falei Ó vamos reuni nossa turma cada um volta pros acampamentos deixa esse acampamento aqui e cada um volte pro acampamento e lá vamos fazer um esquema e vamos ocupar as cinco fazendas que tão desapropriadas Mas como ocupar Nós não tinha experiência nenhuma Esse acampamento realizado no início de 1985 mostra uma articulação com outros movimentos de trabalhadores rurais sem terra no Estado reunidos e lutando junto É uma proposta em nível Estadual que Élcio apresenta ao grupo Eu falei sabe de uma coisa cada região ocupa a fazenda mais próxima e cada um vê como dá certo Aí um falou E você vai conseguir ocupar a Mineira Aquilo lá tá assim de soldado Aqui fronteira Naquela época já era complicado Novamente aparece o diálogo e a troca de experiências com outros movimentos no Estado preocupados com as dificuldades do movimento da região oeste do Paraná Sávio fala de outros movimentos Mas aí começou a pipocar invasões no Paraná pelo Sudoeste aonde tinha os movimentos E numa reunião de avaliação do movimento em Medianeira eu recebi o telefonema do INCRA onde comunicava a desapropriação da fazenda Mineira hoje assentamento Sávio pra fins de reforma agrária Isso 122 foi a primeira vitória concreta que nós tivemos de desapropriação no oeste E hoje é um assentamento com 41 famílias aqui no município de São Miguel do Iguaçu e Medianeira Eram movimentos bem organizados e que faziam ocupações semelhantes as da praia de São Miguel conseguindo retirar alguma resposta dos órgãos do governo Essas ocupações por todo o Estado marcam o início de um novo movimento social do campo o MST não mais limitado a poucas cidades de cada região mas da união dessas regiões Sávio aborda a questão enfatizando a vanguarda do Mastro Teve a presença não quero me enganar mas tinha mais de 5 mil trabalhadores rurais onde a gente consagrou né A criação do movimento do oeste Que a gente começou bater em cima do INCRA sobre a situação e a gente fez o cadastro das famílias chegando a 6 mil e 200 famílias que não tinha terra aqui na região Pegamo tudo desde Rondon Guairá Santa Helena tudo esse município que foram criados depois São Miguel Medianeira Matelândia Missal Céu Azul Isso começou a preocupar o governo ai os trabalhadores de outras regiões como o Sudoeste que também sofria com mecanização e outras regiões começaram a perceber o nosso movimento e começaram a criar um movimento lá com mesma sigla um pouco diferente No sudoeste foi Mastes no norte era Mastrom no leste era Mastel Isso começou a dar resultado O governo a ter uma visão embora nós vivesse no regime militar e a gente era muito visado pela polícia federal mas não deixava de ser um movimento justo eles não tinha como negar A situação era crítica era precária E outros Estados perceberam que nós comecemos aqui e também começaram a criar os movimentos Estaduais dos sem terras deles e quase todos independentes do sindicalismo porque o sindicalismo dá época não queria aderir Não queria reconhecer a situação grave que existia Em 84 em Cascavel se chamou a assembléia Nacional dos sem terra e se criou o MST Movimento sem terra já com uma postura diferente com uma linha diferente que algumas coisas até a gente é fundador do MST mas não concorda com determinadas atitudes Mas como a gente não milita mais às vezes eles tem até motivos que justificam isso com a gente não ta participando a gente às vezes estranha à atitude deles mas se a gente for analisar eles tem justificativas para isso Claro que a cronologia apresentada por Sávio destaca o movimento que ele ajudou a organizar e não necessariamente o MASTRO como o primeiro movimento do estado ou do Brasil Na fala de Sávio o MST inaugura uma nova fase da luta pela conquista da terra e com posturas diferentes lógica lutas decisões e participações distintas que muitas vezes não estavam mais em acordo com o pensamento dos participantes do MASTRO mas iram os militantes como Sávio respeitar a luta se não concordam integralmente com ela O Pastor Werner Fuchs é lembrado pelos participantes do MASTRO com um dos grandes apoiadores do movimento na época secretário da Comissão Pastoral da Terra órgão 123 da CNBB que reúne membros de várias igrejas cristãs Nascido em 1949 em Santa Cruz do Sul Rio Grande do Sul ele disse que sempre esteve ligado as questões rurais porque seu pai era pequeno agricultor e depois passou a ser dirigente de cooperativa Fuchs lembra que o primeiro contato foi com quatorze ou quinze anos quando passou a participar de reuniões com agricultores que o pai fazia no interior do município motivando os agricultores a saírem da monocultura do fumo E aí eu lembro também que meu pai era um leigo engajado na igreja luterana mas ele participou de uma comunidade eclesial de base na primeira CEB ecumênica que existiu no Brasil que foi lá em Santa Cruz Lá é uma colônia alemã tanto católica como protestante então teve a primeira comunidade de base que meu pai participou era metade metade parte luterana e parte católica Isso eu lembro e fez com que desde de o inicio eu sempre tive uma trajetória ecumênica Dessa trajetória ligada à Igreja Luterana e ao campo Fuchs destaca ainda sua atividade de militante no movimento estudantil no fim dos anos 60 e início dos 70 Lembra de uma conferência luterana sobre a fome no mundo que ajudou organizar É que na época principalmente na Europa tinha muita gente refugiada do Brasil E eles começaram a denunciar que no Brasil tem tortura que tem genocídio dos índios essas coisas sabe E a gente tinha o contato com essas denúncias que eram dadas lá fora E a gente na organização do evento tinha contato com esse pessoal E a gente tava sabendo e não tinha razão nenhuma pra não acreditar que fosse verdade Mas a direção da igreja o comitê organizador maior eles fechavam o olho e diziam Não isso não existe o regime militar não tá fazendo isso Quer dizer eles taparam a panela até ela explodir né Não deixaramVamos conversar Sempre negando tudo E eu me envolvi nisso já era estudante na época E tinha bastante tensão com a minha própria igreja nessa parte E a gente tinha vários tipos de envolvimento porque não era só uma conferência era assim um processo umas quatro semanas antes já viriam delegações de jovens sabe o que ta sendo feito no Brasil em termos sociais Embora coloque uma distinção entre ele e as propostas da Igreja luterana essa diferenciação respeita a hierarquia e as decisões e mesmo hoje Fuchs é presidente de uma organização da igreja que promove projetos sociais ligados ao campo Assim seu afastamento é mais uma tentativa de mostrar que sua trajetória foi uma decisão pessoal No oeste do Paraná era bem mais complicado existia muita tensão posseiros e várias coisas assim E daí então eles insistiram que eu viesse pra lá Eu fiquei muito dividido e tal No fim eu decidi que eu iria pra lá oeste do Paraná Eu me mudei em 1978 em setembro me mudei pra lá Era a idéia de eu assumir imediatamente a coordenação da Pastoral da Terra 124 Vocês já pesquisaram alguma coisa sobre a Pastoral da Terra Então ela foi fundada na verdade já em 76 a nível nacional em 75 mais preocupado com Amazônia Mas como tinha muito sulista indo pra lá eles disseram que eles tinham que fazer alguma coisa no sul pra sabe por que essa migração toda Temos nessa análise de Fuchs a função dos órgãos relacionados às igrejas cristãs procurando articularse para pensar sobre o problema do surgimento de trabalhadores sem terra em nível nacional ainda na década de 1970 Pastor no oeste do Paraná Fuchs se insere nos processos de luta dos trabalhadores rurais sem terra e fala das primeiras reuniões E aí o curioso foi o seguinte que a gente não sabia como articular isso aí Veio gente de tudo que é canto desde Santa Terezinha até Guaíra Toda a região veio gente Então a gente dividiu como no pátio da Igreja tinha muitas árvores de cinamão enumeramos as árvores Daí o pessoal da linha tal fica na árvore número tal Pessoal do lugar tal fica árvore Foi feito desse jeito Foi feito a assembléia E sem querer de repente sobrou umas quinze pessoas que não era de lugar nenhum que era infiltrada E a gente dizia Pessoal da linha tal converse só com quem você conhece Não vão conversá com quem vocês não conhecê Não vão entregá o ouro pros espiões da policial federal E aí no fim a gente neutralizou esse pessoal Nessa análise percebemos o caráter regional do movimento com pessoas de várias cidades e ainda um pouco da estrutura montada para burlar as interferências da censura de quem procurou participar camuflado nas reuniões para saber os passos do movimento Porém é preciso entender que as próprias igrejas através das organizações também eram elementos externos as lutas que se processavam e funcionavam talvez elas próprias como órgãos de fomento e censura da luta Na tentativa de explicar o movimento Fuchs argumenta Então nós tinha um dado estatístico em Porto Mendes nós perguntamos pro pessoal das canoas que atravessavam famílias para o Paraguai Então fotografamos bonitinho as famílias indo Era na faixa de 50 famílias por dia em um dos portos atravessando Era gente que tinha perdido tudo que tinha pouca terra no oeste e sudoeste do Paraná E tava indo praticamente com as crianças e com as mochilas nas costas atravessando com algumas panelas para o lado do Paraguai Se aventurando pra lá Porque lá disse que a terra era dada de graça Era aquela fama que tinha E esse documento eu sei que coube pra mim os carlistas redigiram o documento final mas eu tive que achar uma gráfica pra imprimir esse documento E foi impresso em Toledo e o titulo ficou Sem terra e sem rumo Quando eu conto pros movimentos sem terra da onde vem o nome sem terra digo antes de 1980 não existia a palavra sem terra tinha como adjetivo um agricultor sem terra lavrador sem terra mas como substantivo o semterra existiu a partir de oitenta só E o MST só surgiu em oitenta e quatro lá em Cascavel também Numa reunião lá Então acho que na mesma casa que é o centro de formação que tem ali na saída pra Toledo Foi ali que foi esse encontro de migrações e acho que foi 125 também o encontro de fundação do MST nacional Daí foi uma junção Nós criamos o MASTRO só como movimento dos sem terra do oeste A tentativa de inserir a Igreja no processo de constituição dos sujeitos em luta estabelece uma dependência daquelas famílias em relação à leitura e ao entendimento corretos da realidade cuja dimensão não era facilmente alcançada pelos trabalhadores O esforço da memória em vincular acontecimentos a datas é menos importante do que a estrutura narrativa que é utilizada por Fuchs Ela é bíblica e lida com os sem terra evidenciados como um povo motivado por objetivos comuns em busca do que foi perdido do que foi injustamente retirado deles Assim o panfleto Sem terra e sem rumo referido por Fuchs sintetiza a organização que a Igreja procurou conferir aos trabalhadores São sem terra porque tinham perdido tudo E o lugar do encontro de migrações onde seria fundado o MST era uma reedição de Canaã a terra prometida Sobre essa reunião inicial Fuchs relembra Então o movimento a gente diz assim ele não tem personalidade jurídica então ele não era uma coisa estruturada ele era mais simples eu sempre dizia assim eu conheci gente que discutia e falava nos grupos do MASTRO mas que na reunião do sindicato não abria a boca Por quê Porque no sindicato tem nome feio você sabe o que é quórum Imagina um analfabeto E ata assembléia estatuto Isso é tudo complicadíssimo para as pessoas então elas não abrem a boca é um estágio cultural diferente um nível cultural bem diferente Então o movimento é simples qualquer um um analfabeto a pessoa mais humilde entende o que é o movimento É a grande reunião nomeia uma comissão no dia que a comissão não funciona demite nomeia outra Agora no sindicato você não pode fazer isso Você tem que respeitar o mandato das pessoas tem um monte de coisas assim então já a pessoa se intimida e não tem coragem de falar no sindicato Quando seu Élcio avalia o surgimento do MST estabelece relações com o Mastro Do MASTRO que surgiu o MST O MASTRO era a nível de região era só na região Mas daí surgiu por causa da influência do MASTRO surgiu as lutas em Cruz Alta no Rio Grande do Sul Santa Catarina e Sudoeste do Paraná Nas regiões do Paraná Gente sindicatos classistas que andavam Daí o que nós fizemos reunimos todo mundo em Cascavel e criamos o MST movimento dos trabalhadores sem terra As organizações de Cruz Alta RS como uma luta de trabalhadores sem terra começaram antes do Mastro tanto que no segundo capítulo analisamos quando é que membros do Mastro foram para lá com o intuito de buscar exemplos de experiência do 126 movimento gaúcho para o Mastro Interessante perceber a aproximação que faz Élcio do MST e Mastro dizendo que o Mastro teria dado origem ao MST Élcio contudo ao falar dessa reunião que funda o MST recorda que não participou e os trabalhadores também não tiveram participaçao Foi esses que fizeram Desses aí que tão hoje na cúpula do MST O Genaro era bem novinho e tava só que é do MST Daí temos elementos que mostram um aspecto importante do movimento nacional não mais regional como era o Mastro o fato das decisões muitas vezes não partirem dos trabalhadores sem terra envolvidos não terem a participação direta destes Porém isso não indica que as decisões foram tomadas a revelia de seus interesses ou contrários a eles Seu Eloi Faccio fala da relação Mastro e MST O Mastro é uma organização diferente do MST porque o MST ele partiu pro pesado já Mastro não é só negociação Daí na negociação não arrumava nada porque o Mastro aqui nós comecemô com o Mastro daí que foi aonde que veio a idéia do MST que tinha que partir pra força se não não arrumava nada E foi aí que surgiu e essa Itaipu vinha pra cima dos colonos já dizia não planta mais os cara quebrava as roça dos cara lá pra assustar e não é por aí o caminho ta certo que nós tava saindo de uma ditadura e tinha muita gente Tinha daqueles que nós levemô na Linha Ipiranga eles tinha um medo que a polícia vinha em cima deles desce o cacete pra arrebentar tudo com nós Mas não era por aí E tem tem ligação sim só que o Mastro era um movimento mais devagar E hoje vocês pode ver onde tem greve bem organizada é logo que os patrão chega agora se é uma greve que eles vê que é meio desorganizada eles nem liga e tudo quanto é lugar é assim porque que lá no Rio de Janeiro eu não conheço mas a gente acompanha alguma coisa você vê lá os traficantes tão tomando conta do Estado o Lula coloca até militar lá pra pode fazê obra lá dentro e os cara vão lá e destroem tudo ainda eu acho que não é por aí o caminho tem que investir em educação nesse povo Na avaliação de Seu Eloi o Mastro não tomava atitudes concretas de luta No limite restringiase às negociações Em contraposição o MST era o movimento que partia para a força Seu Eloi teve um papel importante dentro do Mastro como articulador A interpretação de que era um movimento devagar e pouco organizado em contraposição ao exemplo da greve ou da realidade social do Rio de Janeiro precisa ser entendida a partir da avaliação de um membro que em algum momento passa a não fazer mais parte da luta Sua perspectiva de que o medo das pessoas e da polícia dificultava a luta se passava a partir das lutas que ocorreram em Medianeira no acampamento na Igreja e assim reflete no medo como impulso para a luta 127 As formas de liderança da época conforme destaca eram da cidade atualmente deixou de ser aquele movimento do povo unido que podia decidir hoje é só eles que decidem Seu Otomar crítica sobretudo as lideranças que mantém pouca relação com as bases ou seja que essas são de certa maneira profissionais dentro do movimento e não como no momento do MASTRO em que as lideranças eram elas próprias os trabalhadores sem terra Essa hipótese de uma crítica interna se mantém quando perguntolhe se tinha filiado ao MST depois do assentamento e fundação do MST Já entrei de vereda no caso tô até hoje Quanta caminhada fizemos Deus me livre enjoei de andar nesse mundo afora Daí nós já fomos assentados daí já tinha de cuidar de sua terrinha mas nós saia também em reunião Fazia parte de tudo Dos encontros em Curitiba Brasília tudo isso aí Daí aqui dentro o pessoal que são assentados mesmo eles não largam mão de lutar O passado de luta não é negligenciado por sua construção narrativa apenas aponta a falta de tempo uma vez que tinha de deixar de cuidar a terrinha para ir a reunião uma das dificuldades que o faz abandonar a luta Seu Vlademiro Sorsuk avalia essa questão das tomadas de decisão de uma maneira dialética Ao perguntar sobre as decisões na época do acampamento da praia se eram tomadas pelos próprios acampados responde Não não Pelos acampados não Erro no acampamento era expulso Se ele errou se ele era pinguço bêbado a comissão expulsava mandava embora Não era só o povo que mandava Era a comissão que nós tinha Então tinha os líderes dos grupos vamos supor que nós veio de Ramilândia E bagunça não era pra ter no acampamento não Deu 10 horas tá tudo dormindo Se tem bagunça vai lá na comissão dá queixa que amanhã eles chama ele lá é bem organizado E outra que tinha era um arame em roda do acampamento e de noite uns até meia noite tomava conta e outros depois da meia noite até amanhecê Se a principio a resposta parece desdizer a anterior basta perceber que a comissão era formada pelos próprios trabalhadores pois a decisão saiu em seguida ao problema observado Até mesmo uma organização de segurança e proteção era feita por eles Essa resposta relacionase muito com o posicionamento dele em relação ao MST é a comparação de um passado organizado por eles mesmos com um presente no qual ele não participa das decisões dentro do movimento atual MST Pergunto se quando acaba o MASTRO ele se liga ao MST 128 Não nunca vieram ali Vieram um e disse que tava fazendo pesquisa pro INCRA Então ele fez pesquisa de tudo quanta terra eu tocava plantio quanto pasto tinha Porque disse que gente que falou lá fora que essa terra não dá pra viver Uma coisa assim Muito tempo mexemos com fumo mas esse ano vamos parar de plantar fumo Muito difícil e ocupa muito veneno só um pra passar É muito judiado a pessoa que passa veneno Novamente a análise do porque não participar do MST indica as relações com a terra o tempo e as dificuldades de se manter na lavoura Embora pareça que esteja dando resposta a outra pergunta Seu Vlademiro força nossa capacidade de compreensão de suas falas ao afirmar que o MST não tenha procurado por ele e sua família Otomar José Felipe diz que não participa mais do MST porque Pra tu sair não tem condição né Tem que sair do bolso daí é ruim Daí fui parando de vagarzinho Hoje volte e meia eles me chamam né Mas tá difícil Essa avaliação é partilhada pelos trabalhadores assentados que não participam mais dos Movimentos de luta pela terra e a maioria reconhece assim como Seu Otomar a importância do movimento Eu acho que foi importante se eu não tivesse participado sabe aonde eu que eu tava hoje Trabalhando de agregado ou de empregado Eu pra mim foi bom Eu até hoje faz 23 anos não tenho vontade de sair Seu Carlito comenta sobre o fim Mastro Na verdade o movimento ele meio se Quando nós entramos era uma coisa Ninguém tinha recurso Era feito assim as coletas Ninguém tinha salário Hoje o movimento está mais forte Então os mais de frente tem um salário A gente naquela época não trabalhava por salário trabalhava pela Simplesmente nós ganhava a passagem nós ganhava a alimentação que ia É o que nós recebia na época Inclusive a gente fez parte da coordenação Mas nós não tinha salário nenhum Até hoje Daí depois que a gente tem a família da gente Em primeiro plano é a família A gente ajudava dentro das possibilidades que a gente tinha Por que em primeiro lugar é a família que tinha que manter Na fala desse sujeito a falta de uma estrutura que possibilitasse pagamento para os trabalhadores afastaremse dos trabalhos é o que dificultou a continuidade do Mastro Outros apontam isso como sinônimo do enfraquecimento da luta pois alguns apenas se preocupariam com os ganhos transformando um lugar político num cargo na possibilidade de se fazer carreira dentro do movimento e não mais com a luta Seu Carlito membro ativo do MST vê como importante o pagamento de um salário para militantes Seu Carlito dos Santos Abreu fala de sua passagem do Mastro ao MST 129 Sim a gente respeita as coisas Não é que a gente ta lá trabalhando isolado Sempre a gente respeita a organização Por que se a gente não tivesse organizado nós não tinha nosso pedaço de terra Eu tenho de agradecer essa organização por que se eu fosse isolado eu não tava onde to hoje Não tava Foi através da organização que a gente chegou num pedaço de terra Essa mesma análise é feita por muitos trabalhadores que percebem o MST como importante embora tecendo as críticas que em suas avaliações são necessárias Sobre a reunião de formação do MST em 1984 em Cascavel pergunto a Seu Carlito se teria participado Não A gente era mais da parte da comunidade Assim de parte porque tem a regional a estadual e até a nacional A gente esteve mais na parte da comunidade até na região a gente foi Só que daí a gente ficou mais na organização do acampamento Depois já fomos assentados e fomos pra cima da terra Nós ficamos 13 mês acampado aqui na praia Depois saiu o acampamento pra cima da área onde nós ficamos mais 6 meses Então praticamente 9 mês nós já tava encima da terra trabalhando Então foi rápido Na época era 600 famílias ali na prainha Daí saiu 41 família onde nós tamos E daí ficou o resto do acampamento ali Daí eles foram achando umas áreas Teve gente que ficou 10 anos debaixo de uma lona até que conseguiu Então é do mesmo grupo que nós tava ali Eles foram pra uma área ali em Turvo uma área muito na verdade ruim pra questão da cultura Não era uma área viável Daí saiu uma área em Querência do Norte Daí esse mesmo nosso povo foi pra lá Lá era um grupo muito forte que era dono dessa fazenda e o governo apoiava muito Eles ficaram lá debaixo daquela lona Começaram a trabalhar e foi 10 anos até que eles conseguiram ganhar a área definitiva Hoje estão bem bem estruturado É uma área boa ela produz muito arroz Estão bem aqueles colonos que foram pra lá Só que foi sofrido Seu Carlito falando da estrutura do movimento MST dividido em uma organização regional estadual e nacional aponta o que a princípio poderíamos interpretar como uma confusão da parte dos trabalhadores Questiono sobre a formação do MST como poderia já haver uma estrutura nacional dentro de um movimento regional A pesquisa tem apontado que o fim do Mastro e o início do MST são momentos confusos para os trabalhadores não porque a memória não funcione mas porque os dois movimentos guardam semelhanças e isso dificulta a interpretação pelos sujeitos Um documento de novembro de 1985 intitulado Aos amigos acampados aos sem terra e a todos quantos nos apóiam na luta pela conquista da terra141 que partiu da Secretaria 141 COMISSÃO de Negociação de Negociação dos Sem Terra Aos amigos acampados aos sem terra e a todos quantos nos apóiam na luta pela conquista da terra 23 de novembro de 1985 130 Estadual do Movimento dos Sem Terra no momento em que os membros do MASTRO estava acampados em Curitiba exigindo o assentamento das 800 famílias que ocupavam a praia municipal já a um ano pode ser uma senha importante para esta questão Esse documento pretendia informar sobre as negociações com o governo aos acampados As 19 horas fomos conversar como governador Levamos para Ele um documento pronto Era só ele assinar O documento que apresentamos a ele este O governo do Estado Paraná se compromete Assentar as 3100 famílias de sem terra acampadas no Estado até 280286 O Governo do Estado do Paraná assume a responsabilidade de fornecer alimentação e assistência a saúde a todos os acampados até a data do reassentamento O Governo do Estado do Paraná se compromete de convidar a Comissão de negociação dos acampados para participarem das decisões a serem tomadas para permitir o assentamento das famílias Esse documento marca um nível de negociação diferente do que ocorreu até então é a primeira vez os trabalhadores sem terra vão até o governo do Estado e lhe dirigem pessoalmente reivindicações Na seqüência o próprio documento revela que o governador se recusa a assinar o documento e diante disso resolvemos nos retirar e acabar com as negociações No entanto demos mais uma oportunidade aceitamos formar uma comissão e ir negociar em Brasília com o ministro da Reforma Agrária Celso Ribeiro Nessa acepção esse documento demonstra que outro sentido de luta se processa O documento aponta ainda 6 A reunião de Brasília foi um fracasso O Ministro não quis assinar o documento proposto por nós Ele não quis assinar por que ele disse que não é responsabilidade dele desapropriar áreas Deixou nas conversas que tivemos a possibilidade de até no dia 28 de fevereiro assentar os acampados Mesmo assim essa promessa foi muito vaga e sem se comprometer com ela 7 Companheiros ainda não conseguimos resolver os nossos problemas No entanto já demos um passo adiante o Governo sentiu nossa união Sentiu nossa força e começa a ter medo dos sem terra Se continuarmos firmes na luta vamos vencer Foi dessa união dos vários movimentos sem terra pouco articulados até então que o MST enquanto movimento nacional passou a tirar proveito para a luta da conquista da terra E se esta conquistas de terras demorou para acontecer pequenas vitórias foram conseguidas a partir da pressão do novo movimento embora o movimento tivesse clareza de que tais vitórias estivessem ainda ao nível das promessas 131 Vlademiro fala sobre o porquê do MASTRO terminar Termina Isso acho que morreu já A reforma agrária o Lula falou que vai assinar mas nunca assinou Tá engavetado lá Isso aqui acho que vai terminar esse negócio dos sem terra Se já não terminou Eles lá no nordeste estão brigando envolta disso Até o Alemão falou O Alemão foi lá vê se ajudava eles lá Ele falou pra mim Isso aqui eles tava tudo pronto pra vim despejar nós aqui Mas como o Alemão tava lá em Curitiba aí eles foi lá no INCRA Daí o INCRA viu o estado das terras como tava ali aí o INCRA brecô o despejo Alemão é o apelido de Élcio Benk membro importante da luta na ocupação da Mineira que hoje atua na Liga Campesina Seu Vlademiro ironiza diante do entrevistador desconhecido a quem ele a princípio desconfia ser do INCRA ao falar que o MASTRO termina com a reforma agrária querendo expressar que o único movimento que realmente se importou com a reforma agrária foi o Mastro Élcio ao lembrarse dessa ocupação da praia faz questão de diferenciar o passado do presente uma vez que hoje depois de 18 anos no MST retirou seu apoio ao movimento dos sem terra da região A primeira invasão foi uma loucura O que eu diferencio daquela época e hoje Naquela época o povo tinha vontade o povo tinha uma fibra Nós sorteamos as famílias que iam ficar com a terra e o resto ia tudo apoiar Nós emendemo do Ipiranga até lá nós fomos por São Bernardo emendemo de gente seqüestrada na estrada Nós ocupemo ela não deixemo ninguém tomar conta Daí deu certo Só que em 60 dias o Estado deu um pau Começou na Caveira Pitanga e foi limpando tudo E a ultima era fazenda Mineira por que eles viam que nós tinha reforço tinha bastante gente perto O que nós inventamo de fazer Guarita e buraco O major veio vê viu tudo aquilo lá E eu dizia pro povo dizer que até nós tiver sangue na veia nós vamos ficar Pois acredita que quando a polícia militar era pra executar o major achou que o efetivo da polícia era pouco Élcio destaca a fibra do povo como elemento que distingue o movimento do MASTRO e o MST Precisamos entender sua fala a partir da perspectiva de quem foi desligado do MST como nos revela há cinco anos atrás depois de 18 anos no movimento segundo ele por ter uma postura mais radical Por isso destaca que hoje o movimento não luta apenas pelos interesses dos trabalhadores rurais sem terra Quando pergunto a Seu Carlito se havia começado desde o início no movimento ele revela uma questão importante que vem se desenhando nos depoimentos De 84 Mas já tinha conhecimento ela foi ficando mais forte em 84 pra cima Até 82 era poucas famílias que tava Daí já em 86 na época saiu os 132 acampamentos saiu treze no Estado do Paraná daí fortaleceu a organização Tinha mais respaldo Que na verdade o governo não reconhecia o movimento dos sem terra na época Eles achavam que era uma turma de baderneiro até inclusive eles criaram muita coisa pra poder destruir a organização Até pregaram que quem ia pra baixo da lona não ganhava terra Só ganhava terra quem fazia o cadastro Eles fizeram cadastro no município Só que os cadastrados ainda hoje não ganharam terra E quem foi pra luta ta um exemplo que nem nós Se tivesse ficado esperando apelo governo nós tava em casa ainda hoje Então a organização ajudou muito pra nós Essa fala está imbuída das análises pessoais de Seu Carlito e de sua trajetória daí decorre o julgamento de que a luta se acirra apenas a partir de 1984 momento de início de sua participação Revela ainda outros elementos primeiro que a partir de 1984 já se iniciou uma fase em que as lutas dos movimentos sociais do campo se articulam nacionalmente através da experiência coletiva do MST Das primeiras reuniões seu Ano Becker lembra o clima de mistério e camuflagem que precisavam manter convidando as pessoas em particular e não publicamente Nós avisava de um por um quem era filho de agricultor gente casado que morou na roça e trabalhava de arrendatário e meeiro Nós conversava com esse povo Ó vamô fazê um movimento Vocês querem terra Queremo Terra do governo terra nossa Não não vai darDaí começemô a fazer reunião nós vamos atrás da terra prometida E trabaiando encima disso Então na época a gente não recebia gente da favela Gente que não era organizado Conforme tá hoje Entra gente de tudo que é lado Até criminoso entra no acampamento pra tá se escondendo Nós não aceitemô antigamente isso Por isso até o movimento tá meio enfraquecendo Não devia ter acontecido E nós na época não aceitemô isso aí Seu Arno compara o Mastro do qual fez parte e o MST atualmente Afirma que são dois movimentos distintos pela participação das pessoas que segundo sua interpretação seriam diferentes Embora demonstre desprezo pela gente da favela era justamente essa conotação de favelado que ele próprio recebia na época em que ficou 14 meses em frente à Igreja de Medianeira acampado Essa demarcação de diferenças entre os movimentos se relaciona ao presente Uma demarcação importante que analisa Hoje atrás disso aí tem gente mais estudada Tem advogados Tem gente do próprio poder Em comparação com o MASTRO ou sobre a organização ele diz Era organização nossa mesmo Na época não tinha político não tinha ninguém que se envolvia Era o sindicato do pequeno agricultor e o Mastro que nós elegemô 133 Tal parece ser a percepção e a análise que constrói o discurso desse e de outros entrevistados Essa compreensão está ligada as características do MASTRO que era no momento da participação desses pequenos agricultores um movimento pequeno e regional envolvendo poucas cidades vizinhas sem que o poder político estivesse descentralizado Esses agricultores envolvidos na luta participavam das decisões que afetariam suas vidas decidiam quem participava do movimento quando e como ocorriam as ocupações Junto a isso a visão de como eram vistos se aproxima muito da forma como eles veem hoje a entrada de outros no movimento no MST Vinha gente de Foz do Iguaçu que queria se inscrever queria entrar depois Não Gente de favela Como a gente ia trazer pra cá Pra ta se incomodando aqui Era só gente que os pais era da lavoura Que nunca tinha terra Hoje eles devia fazer isso Quem nunca trabalhou na roça não adianta empurrar pra lavoura Ele não sabe trabalhar na roça Talvez essa visão reflita um pouco o distanciamento que seu Arno mantém atualmente do MST ou evidencia a visão de pequeno proprietário diferente da de trabalhador rural sem terra que tinha quando estava no MASTRO Percebendo a diferenciação que se faz presente nas análises solicito que os entrevistados avaliem as diferenças entre o Mastro e o MST assim Seu Otomar José diz Hoje tá mais difícil esses acampamentos Não é como era antigamente era muito mais melhor Agora é muita baderna é muito difícil é muito alarde daí tu não Concordando com Arno Seu Tó do mesmo modo analisa Foi o primeiro só poder ser ele mesmo Agora tem vários movimentos aí que o pessoal sai atacando fazendo bagunça Isso aí não é movimento Eu sou do movimento mas eu não apoio essas coisa É diferente Eu acho comigo no meu pensar É diferente A diferença eu não sei Acho que deve ser dois Eu não entendo Eu acho que o MST é esse grupo que ta surgindo agora Eles invade bagunça pinta e borda Esses que invade eu não apoio Seu Tó em várias questões polêmicas prefere dizer que não sabe responder pois fazendo ainda parte do MST decide não se pronunciar quando envolve o fazer críticas Mas o limite do seu apoio é impreciso Por exemplo questionando se o Mastro foi importante para o surgimento do MST Quanto a isso só pode ser Isso aí eu não sei Só que o MST depois que terminou o MASTRO ele entrou só pode ser isso 134 Pergunto se o MST tem dívida com o MASTRO ele responde que não sabe Interrogo se com o fim do MASTRO se ligou ao MST Também não sei Isso aí muita sabedoria A gente é meio besta não entende Não adianta Percebese que seu Tó ao discordar de lutas do MST tende a procurar se afastar do movimento embora saibamos que ele participa e que apenas se coloca e numa posição de afastamento e recusa a responder alguns questionamentos como forma de criticar mas se mantém na luta Em seguida procura fazer sua fala pautada nas diferenças entre passado e presente das melhorias da cidade mas na desvalorização do produto do trabalho dos pequenos agricultores Comenta sobre a experiência de um conhecido que vendeu as terras e se tornou catador de recicláveis na cidade e em seguida revaloriza sua experiência no movimento Eu não me dei mal graças a Deus eu me dei bem Eu não vou dizer que tenho as coisas mas eu tenho onde morar trabalhar e criar meu bichinho ali Devido isso criei meu nome tenho nome por fora A confiança Quando pergunto sobre a importância do MASTRO seu Tó relata uma experiência de vida É foi importante o MASTRO Eu tinha esse menino o caçula Ele veio parar aqui debaixo dos barracos com nós Tava gatinhando Adoeceu pegou uma diarréia ali debaixo dos barracos Cansei de colocar ele na cacunda e ir de Ipiranga à São Miguel de a pé Não tinha um tostão pra pagar o ônibus E o ônibus custava era na base de 50 centavos o custo Mas não tinha Eu trouxe um radio veio Brequei troquei numa caixa de abelha e peguei uma volta 15 ou 16 real pra poder internar o menino De tão bom que eu tava O hospital era do lado do correio Levei o menino e internei lá com aqueles trocadinhos ali E de volta com ele na cacunda outra vez Foi sofrido Então eu digo comi o pão que o diabo amassou mas to satisfeito Valeu a pena Ele tá com 24 anos trabalha em São Miguel trabalha de pintor eletricista naqueles prédios na frente do fórum trabalha lá encima Mora aqui Todos o dia vai e vem Foi sofrido E os outros o resto da família larguei lá em Jaguaraiva trabaiava lá para um turco Morava com um turco Depois que eu conquistei eu falei agora pode vim que a terra está segura Daí saímos debaixo do cisco Ainda tamô debaixo do cisco mas agora A lona véia aqui não agüentava mais Botava a lona por debaixo e jogava capim por cima Para não soar demais Era sofrido É nessa perspectiva que precisamos avaliar suas críticas numa dialética refletida da própria vida Sofrimento e vitória Invasão e baderna mas luta e conquistas Era tudo reunião a mesma coisa de hoje Só que quem começou o MASTRO foi o sindicato com o Miguelzinho Tinha o presidente de Medianeira o Artur de Missal o Otilho O movimento foi pra fazer pressão Como hoje se não invadir pra fazer pressão para o governo 135 Alfredo Danhauser 50 anos morador do Assentamento União da Vitória natural de São Carlos em Santa Catarina Veio para o Paraná aos 13 anos com a família e se fixaram em Missal Em Santa Catarina o pai morava nas terras do avô e às vezes arrendava um pedaço O motivo que os fez mudar foi o acidente com a irmã que obrigou o pai gastar o que seria a sua parte na herança assim passaram a ser arrendatários e ficaram nessa condição durante 20 anos Ele diz Nós arrendava assim até que eles não ocupava com a máquina era tudo manual Daí nós plantava as meias Tinha que dar a metade pro patrão Criação que nós cuidava galinha boi porco era tudo as meias Faziam na lavoura cercas e tudo o que o patrão mandasse Era um trabalho manual pois o terreno era dobrado assim quatro famílias trabalhavam na fazenda Nesse sistema a família de seu Alfredo permaneceu de 1960 até 1985 quando seu pai entra para o MASTRO e conquista uma terra no município de Mangueirinha Segundo seu Alfredo seu pai era um dos que haviam participado como liderança no início do movimento Sobre as reuniões do Mastro seu Alfredo lembra Nós se reunia pra abrir assentamento de 7 ou 8 famílias daí tirava a liderança que ia nas reuniões mais grande Começo assim Era muito difícil muito sofrido trabalhar fora Na época plantava tudo manual não sobrava muito só aquele estrangeiro Foi as dificuldades Daí foi participando das reunião e por isso invadia as fazendas pela condição O povo começou a lutar Perdemô tudo Seu Alfredo participou da primeira ocupação da Fazenda Mineira do lado do município de Medianeira onde ficaram apenas uma semana acampados e foram expulsos pela polícia e exército Na sequência foram despejados em caminhões no pátio da Igreja durante 14 meses Após esse momento de pressão os órgãos governamentais disponibilizam a área em Mangueirinha para assentar não apenas as 112 famílias do MASTRO mas também das demais regiões do Estado e seus respectivos movimentos Seu Alfredo não conseguiu terra por ser solteiro já que a quantidade de terras era pouca para todos Ele revela inclusive que muito vindos de Medianeira com o MASTRO não ganharam terra no local e precisaram partir para outros acampamentos Seu Alfredo é membro ativo do MST no dia que visitávamos o assentamento era comemorado 25 anos do movimento e ele participava da organização para as comemorações Quando peço para que elenque as diferenças entre o Mastro e o MST ele 136 diz Eu acho que o movimento é quase a mesma coisa Mesmo conselho Só que pra tudo o MST é mais bruto Não é como o Mastro era Ao pedir para que explique Que nem o MSDT hoje que nóis escuita na televisão muitas fazenda invadida invadiram as propriedades As sedes das fazendas mataram as criação mecheram nas vaca do fazendeiro Naquela época o MASTRO não fazia isso O MASTRO ia mais aonde era improdutivo É que nem a gente escuita na televisão na época dava invasão e não dava morte e hoje é fogo Quando pergunto sobre as primeiras reuniões e quem incentivou revela um pouco do funcionamento da memória no tempo Lá foi o presidente do sindicato de São Miguel do Iguaçu na época esqueci o nome dele acho que ele é até morto foi matado Esqueci o nome dele Na verdade Miguel sofreu um atentado durante o processo de ocupação da fazenda Mineira mas não chegou a falecer Outro entrevistado seu Élcio Benk atribui a esse fato a conquista das terras da Mineira Pois segundo ele após o atentado em que Miguel recebe na porta de sua casa seis disparos de arma de fogo os agricultores se reúnem e acampam na praça central da cidade exigindo providências Quando questionado se o Mastro ajudou a formar o MST O Mastro e outro ajudaram Eu não sei porque trocaram o nome Agora me alembrei do presidente do sindicato O Miguelzinho ele era o chefe o organizador de tudo na época Ele ia fazê as reunião nas comunidades Tudo as reunião Esse atentado na avaliação de alguns entrevistados foi o motivo que agilizou o processo regularização da fazenda Mineira para os trabalhadores que ocupavam a praia Elcio Benk lembra dessa ocupação e faz questão de diferenciar o passado do presente uma vez que retirou seu apoio ao movimento dos sem terra da região hoje MST A primeira invasão foi uma loucura O que eu diferencio daquela época e hoje Naquela época o povo tinha vontade o povo tinha uma fibra Nós sorteamos as famílias que iam ficar com a terra e o resto ia tudo apoiar Nós emendemo do Ipiranga até lá nós fomos por São Bernardo emendemo de gente seqüestrada na estrada Nós ocupemo ela na deixemo ninguém tomar conta Daí deu certo Só que em 60 dias o Estado deu um pau Começou na Caveira Pitanga e foi limpando tudo E a ultima era fazenda Mineira por que eles viam que nós tinha reforço tinha bastante gente perto O que nós inventamo de fazer Guarita e buraco O major veio vê viu tudo aquilo lá E eu dizia pro povo dizer que até nós tiver sangue na veia nós vamos ficar Pois acredita que quando a polícia militar era pra executar o major achou que o efetivo da polícia era pouco Mandou pro governador Daí quando foi pra pedir a intervenção deu o atentado do Miguelzinho E nós acampemo na frente do sindicato e fizemos o diabo e coisa Aí o Zarão que era o secretário 137 de segurança e o chefe do Incra o Valter Tequa da secretaria especial eles vieram tudo pra cá e sentaram com o juiz que queriam desarmar nós que tava na rua Nós tava prometendo todos os fazendeiros Por que nós achava que foi um fazendeiro que atirou no Miguelzinho Nós pedia pra ninguém passar nessas ruas e nem mexer com os sem terra Nessa fala vemos um pouco das táticas que levaram a interpretação de seu Élcio chamar o MASTRO de gente de fibra sequestro guarita e buraco No período a repressão e as formas de violência caminhavam mais distantes da lei Como a tentativa de assassinato que Miguel sofre por isso o assentamento recebe o nome de Sávio Do acampamento em frente ao sindicato dos trabalhadores rurais restaram fotos que retratam o clima de guerra daquele tempo evidenciado tanto nas frases de cartazes quanto nas armas usadas pelos trabalhadores Os trabalhadores rurais reunidos na praia municipal que formavam o MASTRO em 1984 continuaram juntos até 1986 eram 800 famílias e apenas 41 foram assentadas na fazenda Mineira O restante segundo informa Sávio E as outras que ficaram depois ocuparam a fazenda Padroeira em Matelândia o Parque outra parte foi pra município de Reserva Outra parte foi pra Querência do Norte Hoje graças a deus se tu sair pelo Estado a fora tu vai encontrar gente daqui de São Miguel da região em todos os assentamentos que foram feitos Eles formaram a base do MST e acamparam inúmeras vezes até conseguirem um pedaço de terra para sobreviverem Não conseguimos conversar com nenhum deles uma vez que não ficaram na região dispersaramse Assim o próprio MST foi importante para o MASTRO pois deu uma opção para as pessoas que não conseguiriam terra no oeste do Paraná e muito mesmo no Estado Também a participação no MASTRO foi importante para seu Vlademro Sorsuk Pelo menos hoje eu tô colocado aqui Assim eu tava no mundo afora correndo e tocando terra pros outros E hoje em dia é difícil quem ponha uma família em cima da terra Sua experiência é plena das violências que os trabalhadores rurais sem terra tiveram de suportar e que os ajudou a formar uma coletividade a partir das vivências que mais tarde se solidificam em outros movimentos como o MST Nosso universo de pesquisa é limitado como todo conjunto de fontes apenas trabalhadores rurais que conquistaram a terra com a luta no Mastro analisaram de maneira geral os movimentos e se sentem mais pertencentes ao MASTRO e do que do MST Embora as suas experiências sejam permeadas pelas duas lutas Outro elemento que se observa é a dificuldade de se estabelecer um início do mesmo modo não acaba no dia que se decide acabar E ainda 138 hoje na vida dos antigos trabalhadores sem terra o MASTRO vive e sua luta não pode ser desconsiderada e esquecida Transformar um movimento importante como o Mastro foi na construção da luta social no campo em um subcapítulo da história dos movimentos sociais é desconsiderar os sujeitos na luta mais do que isso é esconder o processo que formou o Mastro e com isso camuflar os conflitos e a própria possibilidade de que a História seja construída pelos homens Nossa esperança é que a História é também constituída dessa matéria e que o Mastro seja reconhecido não apenas por sua importância no passado mas que seus frutos entrem em cena novamente 139 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nas analises que se fez no primeiro capítulo percebeuse que a maioria das pessoas que compunham o MASTRO eram trabalhadores do campo sobretudo filhos de pequenos proprietários que ao se casarem e constituírem família tinham a terra como laboratório de sobrevivência perdida tanto pela noção de propriedade privada quanto que do mesmo modo fazia parte da lógica da vida e constituição das famílias por fatores como a concentração fundiária que se processava não apenas por questões de mecanização chamada de modernização conservadora Em muitos depoimentos ouvimos se repetir que o fato de se casarem significava muitas vezes a saída da casa dos pais e a proletarização desses trabalhadores do campo em funções que variavam de acordo com os interesses do mercado de trabalho Ora atuavam como arrendatários ora como bóiafiras ora como meeiros como assalariados e por fim acabavam sem terra e sem trabalho ao se negaram a assumirem funções de trabalho e vida urbanas uma vez que suas experiências e reconhecimentos eram de trabalhos com a terra Isso teria contribuído para que se reconhecerem com trabalhadores sem terra No primeiro capítulo percebemos também como são falhas intencionalmente limitadas e preconceituosas as perspectivas que retiraram da história da região oeste do Paraná indivíduos vindo de outros lugares que não os do sul do Brasil Encontramos muitos baianos mineiros alagoanos paulistas enfim de todos os lugares mas eles desaparecem nos trabalhos que pretendem caracterizar que seja o homem do Paraná pois operam muito dentro do preconceito do que se deseja ainda hoje como ideal de homem branco cristão de origem européia com família formada e de preferência com experiência de pequenos proprietários ou de proletarização prévia Existem ainda trabalhos que fazem uma separação racial caracterizando os caboclos como descendentes de negros ou índios que não participaram do projeto das colonizadoras e não se tornaram proprietários De outro lado os colonos seriam os descendentes de europeus que se tornaram pequenos proprietários Nessas propostas embora não deixem de mostrar a existência de outros sujeitos na formação do oeste tentam colocar como menos importante sua participação na construção do espaço paranaense apenas pela limitação numérica ou financeira Enfim são tendências historiográficas que valorizam os pioneiros vindos do sul e 140 suas memórias consagradas a partir de um discurso coletivo recortado de uma infinidade de outros discursos subjugados e esquecidos Neste sentido é importante pensar esses indivíduos como trabalhadores rurais pessoas que retiram do trabalho com a terra a sua sobrevivência e a continuação de sua existência através de seus filhos E se a princípio eles mesmo se denominaram Agricultores Sem Terra provavelmente viria de uma representação formal oriunda de fatores e indivíduos externos como a igreja e o sindicatos rurais e não de uma identidade coletiva pois na medida em que o processo foi se constituindo a autodefinição é sempre de Trabalhadores Rurais Sem Terra Nos documentos até 1986 tal termo é usado a medida que o MST surge e ganha força e o Mastro deixa de existir o termo Trabalhadores Sem Terra é hifenizado tornandose um substantivo semterra Não podemos provar com este trabalho mas percebemos tendências que indicam um perda de autonomia política por parte dos trabalhadores a medida que o MASTRO deixa de existir embora como analisamos no terceiro capítulo esse movimento tenha sido e contrbuido com uma estrutura física e pessoas para a constituição do MST Essa perda política se deve sobretudo porque as decisões embora não fossem contrárias a vontade dos trabalhadores nem sempre partiam deles Claro que não discutimos a importância política de uma estrutura social que se articula nacionalmente e por isso faz uma pressão social muito mais intensa nos órgãos públicos sobretudo com ocupações de propriedades privadas ou não de terras improdutivas e portanto consegue assentar mais pessoas E com isso levar a luta e a divulgação de sua importância por todo o território nacional a ponto de nos anos 90 e primeira década do século XXI ser alvo de criminalização por parte de governos mídias e latifundiários No segundo capítulo vimos que a luta dos trabalhadores rurais sem terra passou por um processo de mudança a partir de sua constituição A luta no início muito dirigida e manipulada por fatores externos como as igrejas através da CPT e os Sindicatos de Trabalhadores Rurais com seus presidentes e secretários foi organizada dentro da legalidade As propostas eram sempre de uma luta política dentro do regime democrático fazendo pressão para que o governo decidisse distribuir terras devolutas do estado Contudo a medida que os trabalhadores vão assumindo mais as rédeas da luta vemos uma tendência das demandas serem dirigidas contrárias aos grandes proprietários que não usam as terras para a sobrevivência mas para reserva de riqueza como poupança e economia Nesse momento 141 evidenciamse atitudes de luta cada vez mais no sentido de pressão dos órgãos públicos do que de buscar a negociação com o governo Talvez pudéssemos forçar nossas conclusões a partir do limite do trabalho e entender essa mudança que percebo como o desenvolvimento da luta e a falha do projeto social das igrejas cristãs de não deixarem os conflitos pela terra no oeste do Paraná seguirem os mesmo caminhos que desde a Guerra de Canudos Contestado e a Revolta dos Posseiros tinham se encaminhado Ou seja as igrejas cristãs sobretudo católica e luterana e a política de sindicatos atrelados ao governo acreditavam que ao se antecipar ao problema da concentração fundiária poderiam resolver pacificamente e sem muitos conflitos o problema Contudo não podiam dirigir o conflito e a organização dos trabalhadores sob pena de serem percebidos como manipuladores assim ao permitir que o movimento dos trabalhadores rurais sem terra tivesse liberdade de decisão quanto a suas práticas e caminhos para a conquista da terra fomentaram a formação de líderes que debatendo com as bases decidiam os passos a seguir O movimento a partir de sua realidade em que as tentativas de negociação e pressão através de cartas relatórios sobre sua situação e da existência de terras devolutas na região perceberam e julgaram o governo em sua tentativa de impedir a perda das propriedades por parte dos grandes proprietários então escolheram caminhos que julgaram mais eficientes na conquista da terra norteados sobretudo por sua própria experiência A experiência dos primeiros acampamentos como o da frente da igreja de Medianeira e o da praia municipal de São Miguel do Iguaçu aprendidas com os movimentos dos trabalhadores do Rio Grande do Sul foi decisiva conforme análise no segundo capítulo para o entendimento e a formação de uma consciência de que a luta teria de ser violenta como era a repressão do governo através da polícia e até do exército Assim a resistência sofreu uma metamorfose e o que seria apenas um conceito teórico passou para uma experiência de resistência física e mental na medida em que o estado se colocou na defesa da propriedade dos latifúndios improdutivos e na negativa de disponibilizar terras devolutas do estado Essa pedagogia da lona do acampamento do medo da violência policial vivida foi fundamental para a radicalização da luta ou seja para que os sujeitos decidissem fazer outras táticas e lutas que antes não eram vistas como possibilidades Percebeuse assim que as demandas foram sendo modificadas no decorrer da luta quer dizer dos lemas Terra para trabalhar a luta passa a ser por possibilidades de manutenção dos trabalhadores na terra como 142 financiamentos mudanças na legislação como a diminuição do módulo mínimo de parcelamento da terra As relações entre o MASTRO e o MST estudadas no terceiro capítulo revelaram como o MST significou uma perda de participação política dos trabalhadores Pois as decisões passaram a ser tomadas cada vez mais a partir das lideranças e embora não fossem contrárias aos interesses dos sujeitos o MST pode ter afastado as bases das deliberações ainda que o movimento defenda que seu mérito é o fato de não ser um movimento que centraliza os encaminhamentos políticos Em muitas das falas dos entrevistados houve o apontamento não problematizado nesse trabalho de que o MST passou a escolher membros das bases que desempenharam funções remuneradas de coordenadores e há o ressentimento em muitas falas de que uma cúpula passou a decidir por todos Não obstante nesta análise pareça que discordemos do MST ela apenas tenta verificar que o MASTRO pode ter contribuído no sentido imprimir um caráter democrático ou então um discurso democrático ao MST já que quando o MASTRO deixou de existir a estrutura com comissões por município regional estadual e nacional do MST evidentemente não centralizou as decisões Embora na narrativa dos sujeitos hoje pareça ser um fato essa perda de decisão das bases referese mais a uma análise pautada no presente época em que muitos dos assentados como no caso de Elcio Benk foram expulsos ou abandonaram o MST Por questões de limite de recorte e até mesmo teórico e metodológico percebemos que novas pesquisas deveriam acontecer para elucidar o que ocorreu com os inúmeros trabalhadores que não foram acampados pelas lutas do MASTRO A exemplo no acampamento da praia de São Miguel das 800 famílias que participaram apenas 41 foram assentadas nos assentamentos Miguel Isolar Sávio e Dois Vizinhos Conseguimos somente levantar dados imprecisos de que algumas foram para acampamentos e ocupações no norte do Paraná Mato Grosso e outros acampamentos também no Paraná Aonde estão essas pessoas Continuam na luta pela terra Do mesmo modo deveriam ser feitas pesquisas mais aprofundadas sobre a atuação e os interesses das igrejas nos movimentos dos trabalhadores sem terra do oeste do Paraná Por exemplo problematizar qual o interesse da igreja nesses movimentos e levantar o que era discutido nos cursos que formavam lideranças para atuar como ponte entre as bases e a igreja Uma evolução da ocupação do território ainda se faz necessário também um levantamento das propriedades em cada ano ou década e os conflitos que foram ocorrendo 143 sobretudo entre as empresas privadas de colonização Bem como esclarecer as muitas titulações irregulares que o próprio estado fazia para atender aos interesses das suas classes latifundiária as quais precisavam reproduzir suas riquezas aumentando a quantidade de suas terras Além disso tudo os interesses de quem eram atendidos quando o estado doava imensas áreas a colonizadoras mas se negava a dar pequenas faixas que ainda restavam na década de 70 e 80 no Paraná Outra questão que pode ser problematizada é o fato verificado de que das 41 famílias assentadas nos assentamentos Miguel Isolar Sávio e Dois Vizinhos aproximadamente 6 continuam lá Se o processo de perda da terra continuou e foi acentuado pouco adiantou o estado disponibilizar terra sem a possibilidade de manutenção desta Quando entrevistamos as pessoas daquele local percebemos nas falas a miséria e a dificuldade que durante muitos anos foram submetidos após o assentamento nos lotes A ponto de um trabalhador conforme relatos vender suas terras para fazendeiros da região e tornarse mendigo e estar hoje preso na cadeia da cidade A história da região oeste sobretudo do campo tem sido explicada apenas a partir do enfoque das colonizadoras e de documentos destas empresas uma história sem conflitos linear que valoriza personagens e empresas privadas A história das pessoas comuns que não eram proprietários mas apenas posseiros não aparece Quando analisamos que boa parte do território não foi ocupado por colonizadoras mas violentamente invadida pelos grandes latifundiários que ainda hoje continuam no poder político e econômico que suas imensas propriedade lhes garantem pela renda e riqueza que geram percebemos que as vozes caladas foram as que perderam suas terras e os direitos de ocuparem e sobreviverem da terra e de seu trabalho nela Violentamente porque sabemos que jagunços foram usados e quando esses não eram mais legalmente permitidos as forças policiais e militares foram usadas contra os trabalhadores Mais modernamente até mesmo grupos paramilitares organizados e mantidos por grandes proprietários formaram a repressão contra os trabalhadores A história dos conflitos no oeste do Paraná tem nesse trabalho apenas um pequeno preâmbulo e contribuição na esperança que outros possam em breve surgir e analisar a presença e a importância dos trabalhadores por eles próprios e não por pessoas e entidades que falem por eles A construção da nossa região foi graças ao trabalho de pessoas que muitos pesquisadores que se julgam de esquerda progressistas ou democráticos têm negligenciado construindo uma perspectiva distorcida do desenvolvimento da região que atende aos 144 interesses que estão entrecortando através da luta de classes a pesquisa e a própria universidade 145 FONTES ORAIS ABREU Carlito dos Santos Entrevista concedida em 12 de junho de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior em São Miguel do IguaçuPR ALTISSIMO Lenir Entrevista concedida em 16 de agosto de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior em MangueirinhaPR ANTONIO Otomar José Felipe Entrevista concedida em 11 de junho de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior no Assentamento Miguel Isolar Sávio em São Miguel do IguaçuPR BENCK Elcio Teobaldo Entrevista concedida em 11 de junho de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior em São Miguel do IguaçuPR BECKES Arno Entrevista concedida em 16 de agosto de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior em MangueirinhaPR BECKES Nelci Maria Sott Entrevista concedida em 16 de agosto de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior em MangueirinhaPR DANHAUSE Alfredo Entrevista concedida em 16 de agosto de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior em MangueirinhaPR FACCIO Eloi Entrevista concedida em 17 de abril de 2009 Realizada por Flaviane Mônica Christ nas dependências do Sindicato dos Trabalhadores Rurais Rua Vânio Ghellere em São Miguel do IguaçuPR FUCHS Werner Entrevista concedida em 29 de janeiro de 2010 Pastor atuou na CPT Realizada por Flaviane Mônica Christ e a Leozil Ribeiro de Moraes Júnior na residência dele em CuritibaPR MARTINS Antonio Entrevista concedida em 12 de junho de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior no Assentamento Miguel Isolar Sávio em São Miguel do IguaçuPR SÁVIO Miguel Isolar Entrevista concedida em 08 de junho de 2007 Realizada por Flaviane Mônica Christ nas dependências do Sindicato Rua Vânio Ghellere em São Miguel do IguaçuPR SORSUK Vlademiro Entrevista concedida em 11 de junho de 2009 Realizada por Leozil Ribeiro de Moraes Junior no Assentamento Miguel Isolar Sávio em São Miguel do IguaçuPR 146 FONTES ESCRITAS ATA da primeira reunião do Mastro 02 de setembro de 1981 Arquivada no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Miguel do Iguaçu ATA da quarta reunião do Mastro 17 de novembro de 1981 Arquivada no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Miguel do Iguaçu ATA da sexta reunião do Mastro 28 de janeiro de 1982 Arquivada no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Miguel do Iguaçu ATA da nona reunião do Mastro 18 de março de 1982 Arquivada no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Miguel do Iguaçu ATA 1 do Mastro 04 setembro de 1981 Arquivada no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Miguel do Iguaçu ATA da décima reunião dos coordenadores do MASTRO 18 de maio de 1982 Arquivada no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Miguel do Iguaçu ATA da reunião do dia 19 de outubro de 1982 Arquivada no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Miguel do Iguaçu ATA da assembléia do MASTRO do dia 07 de dezembro de 1982 Arquivada no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Miguel do Iguaçu CEBs setembro e outubro de 1980 Livro Tombo 1 do ano de 1958 à 2000 Paróquia São Miguel de São Miguel do Iguaçu folha 51 CEBs 17de agosto de 1979 Livro Tombo 1 do ano de 1958 à 2000 Paróquia São Miguel de São Miguel do Iguaçu folha 38 CEBs 22 de agosto de 1979 Livro Tombo 1 do ano de 1958 à 2000 Paróquia São Miguel de São Miguel do Iguaçu folha 44 CEBs 23 de abril de 1980 Livro Tombo 1 do ano de 1958 à 2000 Paróquia São Miguel de São Miguel do Iguaçu folha 47 COMISSÃO de Negociação de Negociação dos Sem Terra Aos amigos acampados aos sem terra e a todos quantos nos apóiam na luta pela conquista da terra 23 de novembro de 1985 COMUNICADO nº 1 Curitiba 02 de janeiro de 1986 DECRETO nº 75280 de 23 de janeiro de 1975 Disponível em httpwww6senadogovbrlegislacao DetalhaDocumentoactionid204622 Acesso em 17 de setembro de 2010 DOCUMENTO intitulado Reforma Agrária já custe o que custa 30 de novembro de 1983 147 DOCUMENTO da segunda assembléia do Mastro O grito dos sem terra 28 de agosto de 1982 ÊXODO Migratório ano 1980 Livro Tombo 1 do ano de 1958 à 2000 Paróquia São Miguel de São Miguel do Iguaçu folha 47 ENCONTRO do MASTRO Medianeira 13 de fevereiro de 1983 LEVANTAMENTO dos Agricultores SemTerra sd Arquivado no STRs Cadastro feito possivelmente entre o fim de 1981 e início de 1982 MASTRO QUEREMOS TERRA Sd Arquivo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Medianeira MASTRO 28011982 Que apresenta uma síntese do número de participantes geral do MASTRO e os responsáveis na região dos municípios de Foz do Iguaçu Medianeira Matelândia Santa Helena e São Miguel do Iguaçu MOVIMENTO dos trabalhadores rurais sem terra de Cascavel de 15 de julho de 1985 OFÍCIO nº 43182 São Miguel do Iguaçu 31 de agosto de 1982 Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Miguel do Iguaçu OFÍCIO INCRA 4 09 nº 560 em 16 de agosto de 1982 OFÍCIO INCRA4 09 nº 356 de 12 de maio de 1982 OFÍCIO nº 2082 Convites enviados a vários órgãos e entidades entre os dias 20 de abril e 12 de maio OFÍCIO MIRADINCRA SN 200386 Secretário geral do MIRAD Simão Jatene e Diretor do INCRA Romão Miranda Vidal OFÍCIO 3586 Secretaria do Movimento dos Sem Terra Curitiba 07 de fevereiro de 1986 O GRITO DOS SEM TERRA Medianeira 25 de maio de 1982 PASTORAL AGRÁRIA 05 de agosto de 1980 Livro Tombo 1 do ano de 1958 à 2000 Paróquia São Miguel de São Miguel do Iguaçu folha 50 PEGORARO Paulo Roberto Homem à terra sem Homem Luta dos Homens Sem Terra Jornal Folha de Londrina 21 de maio de 1982 Pg 24 REGISTRO da assembléia realizada em Foz do Iguaçu no dia 05 de dezembro de 1982 RELATÓRIO da reunião da comissão estadual Secretaria estadual do MST Curitiba 13 de março de 1986 148 RELATÓRIO da reunião da comissão estadual dos sem terra 07 de janeiro de 1986 RELATÓRIO da reunião da comissão estadual dos sem terra 09 de janeiro de 1986 SÉRIE de documentos enviados a prefeitos da região setembro de 1982 VIA SACRA do Migrante abril de 1980 Livro Tombo 1 do ano de 1958 à 2000 Paróquia São Miguel de São Miguel do Iguaçu folha 47 VISITA PASTORAL junho de 1979 Livro Tombo 1 do ano de 1958 à 2000 Paróquia São Miguel de São Miguel do Iguaçu folha 38 149 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAÚJO Maria Paula Nascimento A questão camponesa na teoria marxista clássica IN CHEVITERESE André Leonardo org O campesinato na História Rio de Janeiro Relume Dumará 2002 BRENNESIEN Eliane Cardoso Lutas pela terra no oeste paranaense Limites e contradições de um projeto coletivo de produção Dissertação de mestrado São Paulo Puc 1994 CHRIST Flaviane M Sindicalismo Rural e a Luta pela Terra São Miguel do Iguaçu anos 70 e 80 Monografia Unioeste Marechal Cândido Rondon 2007 DEZEMONE Marcus Revoluções camponesas do século XX IN SILVA Francisco Carlos Teixeira coord O século sombrio Guerras e revoluções do século XX Rio de Janeiro Elsevier 2004 FERNANDES Bernardo Mançano MST formação e territorialização São PauloHucitec 1996 IOKOI Zilda M Gricoli Lutas pela Terra Rio de Janeiro Paz e Terra 1986 KHOURY Yara Aun Muitas memórias outras histórias cultura e sujeito na história In et alli org FENELON Déa MACIEL Laura Antunes ALMEIDA Paulo Roberto de KHOURY Yara PEIXOTO Muitas Memórias Outras Histórias SP Olho D Água 2004 LE GOFF Jaques História e Memória Campinas editora da Unicamp 2003 LIMA Ivone Carletto de Itaipu as faces de um mega projeto de desenvolvimento 1930 1984 Niterói 2004 MARTINS José de Souza Camponeses e a Política As lutas sociais no campo e seu lugar no processo político Petrópolis Vozes 1986 MARX Karl Formações econômicas Précapitalistas Rio de Janeiro Paz e Terra 1986 MARX Karl Manuscritos Econômicos e Filosóficos São Paulo Editora Martin Claret 2001 MARX Karl O 18 de Brumário de Napoleão Bonaparte Rio de Janeiro Editora Vitória 1956 PALUDO Eliane Representações do Movimento dos Trabalhadores Rurais em terra Uma análise dos editoriais e artigos do Jornal Estado do Paraná e Folha de São Paulo MC Rondon Unioeste 1999 PORTELLI Alessandro O massacre de Civitella Val di Chiana Toscana 29 de junho de 1944 mito e política luto e senso comum In FERREIRA Marieta e AMADO Janaina Usos e Abusos da História Oral Rio de Janeiro Ed FGV 1996 150 PRADO Caio Jr A questão Agrária no Brasil São Paulo Hucitec 1992 SCHREINER Davi Felix Entre a Exclusão e a Utopia Um Estudo Sobre os Processos de Organização da Vida Cotidiana nos Assentamentos Rurais São Paulo USP 2002 Tese STÉDILE João Pedro Os Trabalhadores Sem Terra MST Alguns dados históricos IN CHEVITARESE André Leonardo org O campesinato na História Relume Dumará 2002 STÉDILE João Pedro A reforma agrária e a luta do MST Petrópolis Vozes 1997 THOMPSON Edward P A miséria da teoria ou um planetário de erros Rio de Janeiro Zahar 1981 Xl ENCONTRO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA Anais Vol ll Mesas Redondas Maringá Universidade Estadual de MaringáDepartamento de Geografia dez 1992