·
Cursos Gerais ·
História
Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora
Recomendado para você
107
Deslocamento e Isolamento Social na América Latina: TCC de Edson Alencar Farias
História
UNILA
56
Populações Atingidas por Barragens no Paraná: Como e Por Que Lutamos por Direitos
História
UNILA
50
Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens
História
UNILA
16
Comentários sobre o PL 27882019 e a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens
História
UNILA
150
A Formação do Movimento dos Agricultores Sem Terra do Oeste do Paraná (1970-1990)
História
UNILA
43
Águas para Vida Não para Morte - História dos Movimentos de Atingidos por Barragens
História
UNILA
20
Território e Conflito: Impactos da Usina Hidroelétrica Itaipu Binacional
História
UNILA
Texto de pré-visualização
ANO I VOLUME I Nº 1 JANEIROJUNHO 2017 PELOTASRS ISSN 25265318 A implantação da Usina Hidrelétrica de Itaipu Binacional BrasilParaguai e a disputa pela terra no Brasil na década de 1970 entre a história e a memória Maria de Fátima Bento Ribeiro1 Resumo A instalação da hidrelétrica de Itaipu na fronteira do Brasil com Paraguai transformouse em um episódio importante na história contemporânea pois foi um projeto considerado de maior impacto na história de transformação da natureza e da ecologia do planeta visto que a usina representou um impacto ambiental e de prejuízos humanos Neste texto temos o objetivo de analizar o discurso presente na Obra Entre a Cruz e a Política querelata eventos durante operíodo de instalação da Itaipu contextualizando toda uma época Tal discurso refletea questão da luta pela terra do fortalecimento da oposição e seu crescimento nas cidades do oeste paranaense principalmente com a formação do MDB naquela região De modo geral são memórias do cotidiano que ganham vida no interior de um discurso narrativo e este material se faz importante para que a memória na perspectiva das lutas populares não caia no esquecimento Palavraschave Terra Migrações Fronteira Itaipu Memória Abstract The installation of the hydroelectric plant from Itaipu on the border of Brazil with Paraguay it turned into an important episode in contemporary history because it was a project considered of greater impact in the history of transformation of the nature and the ecology of the planet seeing that the hydroelectric plant represented an environmental impact and human damages In this text we have the objective of analyzing the discourse presents in the book called Between the Cross and the Politics that it reports events during the installation period of Itaipu contextualizing a whole epoch This discourse reflects the question of the struggle for land of the strengthening of the opposition and its growth in the cities of western Paraná especially with the formation of the MDB in this region Generally it is memories of daily that won life inside a narrative discourse and this material becomes important in order that memory in the perspective of popular struggles does not fall into forgetfulness Key words Land Migration Border Itaipu Memory 1 Professora Dra Maria de Fátima Bento Ribeiro vinculada ao curso de Bacharelado em Relações Internacionais da Universidade Federal de Pelotas UFPEL Email mfabentohotmailcom Recebido em 02032017 Aprovado para publicação em 15032017 ANO I VOLUME I Nº 1 JANEIROJUNHO 2017 PELOTASRS ISSN 25265318 121 Considerações iniciais década de 1970 do século passado foi uma época de profundas transformações na fronteira do Brasil com o Paraguai com a implantação da Itaipu Binacional projeto considerado de maior impacto na história de transformação da natureza e da ecologia do planeta Foi o momento dos grandes deslocamentos de agricultores e de suas famílias devido à construção do lago de Itaipu o que ocasionou amigração para o norte do Brasil como consequência a formação de várias cidades transformando o antigo Território de Guaporé no Estado de Rondônia como também ocasionou a penetração brasileira no Paraguai provocando uma questão em torno da problemática de sua soberania Neste cenário a política externa brasileira será de debates constantes quer com Argentina ou com Paraguai e foi nesse contexto que os jornais do Brasil e de outros países cobriram a luta dos trabalhadores rurais Neste texto escolhemos para trabalhar uma série de pronunciamentos realizados por Gernote Kirinus2 na década em questão Os pronunciamentos foram reunidos em uma obra intitulada Entre a Cruz e a Política publicada pela Editora BeijaFlor de CuritibaParaná3O livro é dividido em três capítulos na primeira parte constam os pronunciamentos são 12 no total na segunda parte A Realidade Agrícola do Paraná e Trabalhos da Comissão de Terras Colonização e Imigração estão os trabalhos em comissõese na terceira contém entrevistas publicadas na imprensa relativas ao período de março a junho de 1979 trazendo seus pronunciamentos nos primeiros meses de mandato no final da década de 70 na Assembleia Legislativa do Estado do Paraná PR 2 Gernote Gilberto Kirinus nasceu em 1948 no município gaúcho de NãoMeToque 3Trabalho realizado com base na apresentação no II Ciclo de Estudos e Debates do Grupo de Pesquisa Cultura Relações de Gênero e Memória Mesa Redonda Memória da Resistência à Ditadura Militar no OesteSudoeste Paranaense ocorrido no ano de 2004 na Universidade Estadual do Oeste do Paraná UNIOESTE campus ToledoPR A ANO I VOLUME I Nº 1 JANEIROJUNHO 2017 PELOTASRS ISSN 25265318 122 Constitui no seu conjunto uma fonte documental parapossíveis pesquisas nas mais diferentes áreas do saber literatura história sociologia antropologia geografia economia etc E mais são registros da memória de um dos períodosmais complexos da história brasileiraDesta forma podemos afirmar que com essa dramática carga individual e coletiva a memória é concebida como valor e poder ético e além disso como um meio indubitável para instrumentalizar uma política Sosnowski 1994 p 15 Neste caminho concordamos com White 1999 quando escreve que é possívelcontar um grande número de estórias diferentes sobre o único acontecimento em suas palavras porum arranjo específico dos acontecimentos e sem prejuízo do valor de verdade dos fatos selecionados uma dada sequência de eventos pode ser urdida de inúmeras formas diferentes p 77 Assim encontramos também todo o imaginário de uma época memória coletiva de uma região do país Nos pronunciamentos de Kirinus emergem a luta de pequenos agricultores explorados e expulsos de suas terras pela modernidade ocorrida nos campos devidoà mecanização da agricultura pela violência causada pelos jagunços ou pelas águas do lago represa de Itaipu Este material faz parte da história e da memória da região em um momento de grande transformação eimpacto não apenas dos espaços físicos das paisagens mas também da vida de milhares de pessoas e podecontribuir para que experiências vividas no passado portanto a memória deste eventosejam reatualizadas no presente quer seja por historiadores ou por outro pesquisador Segundo Samuel 1997a memória longe de ser meramente um receptáculo passivo ela é uma força ativa que molda que é dinâmica o que a memória planeja esquecer é tão importante quanto o que ela lembra 44Nesse sentido amemória reatualiza os eventos do passado pois eles estão entrelaçados com a experiência presente de acordo com De Decca 1999 apaziguar os eventos do passado assim se constitui o trabalho da História muito diferente da memória que os reatualiza exigindo que eles entrem novamente na experiência do vivido se debatam e se confrontam com o nosso presentep 115 ANO I VOLUME I Nº 1 JANEIROJUNHO 2017 PELOTASRS ISSN 25265318 123 É nesse caminho que gostaríamos de situar esse trabalho o livro relata várias frentes de luta ora contra o autoritarismo dos prefeitos então nomeados ora contra a forma como eram tratados os agricultores posseiros arrendatários expulsos de suas terras pelos jagunços estado Sabemos por meio de pesquisas desenvolvidas no mestrado e doutorado queos agricultores se organizaram para conseguiram reverterem o preço que seria pago pelas suas terras revelandoos longe da passividade que permearam os estudos do homem rural e sim como sujeitos ativos que lutam por seus direitos talvez tenha sido um equívoco trocarem o tema de suas reivindicações que no início era terra por terra por queremos um preço justo pela terra no entanto o movimento provocou uma mudança significativa ao mostrarem a importância da luta da uniãoda organização coletiva é essa foi sua grande forçanos seus protestos contra os direitos que estavam sendo retirados no final dos protestos conseguiram um preço mais justo pelas suas terras Sua força talvez não tenha vindo da vitória do movimento em si uma vez que a questão da terra continua sendo uma luta histórica em nosso país mas foram revolucionáriosao servirem de referência para formação de outros movimentos sociais Cidade política e memória As belezas naturais e as terras consideradas férteis motivo que ocasionou amigração para o Oeste do Paraná durante a década de 50 são os pontos fortes da região paranaense que desde então revelouse como polo agrícola Na década de 70 havia nesta área um grandenúmero de pequenos e médios proprietários em torno de 2500 posseiros com problemas de definição de suas terras Conforme escrito em texto anterior omomento de maior tensão ocorreu quando milhares de agricultores abandonarem suas terras devido à construção da Hidrelétrica de Itaipu um dos projetos implantados nos anos de ditadura com maior impacto na história de ANO I VOLUME I Nº 1 JANEIROJUNHO 2017 PELOTASRS ISSN 25265318 124 transformação da natureza e da ecologia do planeta cf Ribeiro 2002O consequente represamento das águas para a formação dolago ocasionará o êxodo de vários trabalhadores para outras regiões do país e para o Paraguai e o alagamento de terras cultiváveis O país era então palco de uma das maiores migrações ocorridas no século XX a migração para a região norte e noroeste do Brasil em que milhares de famílias de agricultores partiram em busca de novas terras principalmente para Rondônia Nesse contexto o pequeno agricultor não tinha mais condições de permanecer no Paraná e era forçado a procurar novos horizontes outra alternativa foi comprar terras no Paraguai acarretando no fluxo da fronteira entre os dois países se intensificam com a penetração brasileira e com formação da sociedade dos brasiguaios Nos pronunciamentos de Kirinus a má distribuição das riquezas e portanto a opressão a que estavam submetidos os pequenos lavradores e os oprimidos tem relação com a forma com que o país é governado devido à concentração de riquezas das terras e dominação dos interesses políticosNo período de que trata Kirinus isso ocorre de forma mais intensa pois alguns setores mais progressistas da Igreja aliaramse aos agricultores na sua luta contra Itaipu que representava os interesses do Estado Cabe salientarmos que não eram contrários à instalação da hidrelétrica mas como seu programa de desapropriação estava sendo instalado4 As tensões entre Igreja e Estado fazem parte da história da humanidade 4 Sobre o duelo que dividia Kirinus entre a religião e a política encontrase similar no romance A Montanha Mágica de Thomas Mann mediante dois personagens por um lado Naphta que era jesuíta e contrário à modernidade e ao progresso e pregava uma forma alternativa de distribuição de riquezas e um forte poder da igreja e do outro lado Settembrini um humanista italiano que acreditava no progresso na razão e principalmente na modernidade Este dualismo de Thomas Mann está presente em Kirinus ao mesmo tempo em que este questionava a instalação da Hidrelétrica de Itaipu que significava modernidade a solução dos problemas energéticos que o país enfrentava naquele momento não era contrário à sua instalação Ele era contrário à forma como Itaipu lidava com o problema das desapropriações dos agricultores e reivindicava a necessidade de uma forma mais justa de distribuição de terras ANO I VOLUME I Nº 1 JANEIROJUNHO 2017 PELOTASRS ISSN 25265318 125 Naquele momento alguns setores religiosos encontravamse fortemente marcados pela Teologia da Libertação e Kirinus era um destes adeptos A Comissão Pastoral da Terra CPT surge na região por seu intermédio e com o apoio do bispo católico Dom Frei Agostinho José Sartori da Diocese de PalmasFrancisco Beltrão PROutra bandeira de luta que defende é o fim do regime militar e a democratização do país Kirinus questiona o número de pessoas desaparecidas no Paraná presos políticos que não retornaram ao seu lar Com esta preocupação filiase ao Movimento Democrático Brasileiro MDB5 partido de oposição ao governo da Aliança Renovadora Nacional ARENA Estes são os principais partidos políticos originários do bipartidarismo imposto pelo Ato Institucional n 2 1965 no cenário político brasileiro A entrada de Kirinus na vida política deuse inicialmente ao fato de responder a provocações No seu relato em Marechal Cândido Rondon quando fui participar a convite sem maior interesse do lançamento do Subdiretório do MDB Como convidado participei E fui barrado à entrada do recinto por um membro da minha igreja dizendo que eu não deveria participar Kirinus sd p 142 Kirinus foi criticado por alguns membros de sua igreja e pelos políticos locais da ARENA por participar de reuniões políticas No jornal ele contesta esta posição de que como pastor não deveria se envolver com política partidária e inicia uma briga que de acordo com seu depoimento se estende por dois anos Segundo ele o povo paranaense de Marechal Cândido Rondon estava com a ARENA E foi neste município que a ARENA obteve as mais expressivas vitórias eleitorais no país motivo da visita do presidente Ernesto Geisel 5O MDB consegue crescer e se fortalecer ao longo da década de 70 florescendo sobretudo em dois contextos específicos onde havia enraizada a tradição das forças políticas que grosso modo compunham o grupo político petebista pessedista populista ou das chamadas esquerdas aliado do poder pelos militares aliados à UDN e num segundo momento em que a prosperidade econômicaou a urbanização acelerada tornavam a sociedade mais complexa resultando em mudanças sociais e políticas que trombavam constantemente com a rigidez do modelo de regime engendrado pelo autoritarismo cf Melhem 1998 ANO I VOLUME I Nº 1 JANEIROJUNHO 2017 PELOTASRS ISSN 25265318 126 Para acabarem com a situação das cidades consideradas áreas de segurança nacional por meio do autoritarismo dos prefeitos nomeados e também pela repressão acreditavase que a união dos políticos de esquerda libertaria o povo da fronteira brasileira da opressão Afinal para nosso narrador o MDB era o caminho para aluz e para a democracia que libertaria o povo das injustiças por meio da Associação das Câmaras de Vereadores da Faixa de Fronteira fundada em 08071978 Quando já eleito deputado fazia críticas ao prefeito da cidade nomeado pelo então governador do Paraná Jayme Canet Junior e pronunciavase em favor de eleições diretas na faixa de fronteira ou área de segurança nacional Como veremos no trecho a seguir E lá está nomeado mais um miniditador a garantir votos da Arena através de ameaças a funcionários e professores como ocorreu recentemente naquele município Ninguém imagina o despotismo ao qual está submetido aquele povo E com a nomeação feita recentemente confirmouse mais uma vez que Marechal Cândido Rondon irá continuar abandonado aos interesses túrbios de pequenos tiranos que resolveram fazer daquele Município a sede de sobrevivência do III Reich Kirinus sd p 2425 Marechal Cândido Rondon segundo Wachowicz 1987 ao comentar sobre a colonização do oeste paranaense apresenta uma característica marcante seja uma das características mais marcantes dessa colonização é a dicotomia italianoalemã e católico protestante A própria procedência étnica e religiosa dos acionistas de Maripá condicionou esse processo p 178 E mais Willy Barth elegeu o núcleo de Marechal Cândido Rondon para rivalizar com Toledo Rondon deveria tornarse o grande centro urbano de origem alemã com característica religião evangélica luterana Wachowicz 1987 p 178 ANO I VOLUME I Nº 1 JANEIROJUNHO 2017 PELOTASRS ISSN 25265318 127 Em 1961 a população de Marechal Cândido Rondon elegeu seu primeiro prefeito Arlindo Lamb Seu segundo prefeito eleito em 1965 foi Werner Wanderer que representava a força jovem do município Com o desenrolar dos fatos políticos nacionais o município passa a ser considerado como área de segurança nacional como toda a faixa de fronteira de Guairá até Foz do Iguaçu Com isso os prefeitos passam a ser nomeados e o povo perde o direito de escolher seus representantes O município é considerado o mais germânico do Estado Sua arquitetura festas e comemorações servem para exaltar este estilo Inclusive existe no imaginário da população uma memória que remonta à tentativa de sobrevivência do III Reich na cidade Talvez essa memória seja influenciada pelas narrativas que circularam nas décadas de 6070 de acordo com a pesquisa de Stein 2000 Os discursos dos anos de 1960 e 1970 apresentavam o município como uma célula nazista e abrigaria ex criminosos de guerra e admiradores do nazismo p336 Como em Marechal Cândido Rondon não havia o partido do MDB Kirinus resolve iniciar um movimento para a formação do partido ajudando ferrenhamente a formar o diretório do MDB em um trabalho de comunidade de base como era seu ideal de formação política Acompanhou o desenvolvimento do partido em um território que era liderado exclusivamente pelos políticos da ARENA e em 1976 foram nomeados dois vereadores do MDB fato inédito naquela cidade Para ele o MDB representava um partido de resistência à ditadura Utilizandonos do seu pensamento aproveitando a margem a fresta de liberdade que nos estava no regime opressor e ditatorial em que vivemos Fazia uma pregação política Kirinus sdata p 143 6 Interessante a dissertação de mestrado de Marcos Nestor Stein intitulada A construção do discurso de germanidade em Marechal Candido Rondon 19461996 No segundo capítulo o autor aborda os discursos que na década de 6070 do século passado apresentam o município como uma célula nazista onde estariam escondidos criminosos de guerra Fonte Disponível em httpsrepositorioufscbrhandle12345678979286 Acesso em 26022017 ANO I VOLUME I Nº 1 JANEIROJUNHO 2017 PELOTASRS ISSN 25265318 128 É interessante observarmos como o tema da liberdade é constante em sua oratória Não podemos deixar de mencionar que sob regime ditatorial as pessoas têm medo de expressar suas opiniões Por isso é interessante repararmosnuma imagem recorrente em sua narrativa seja ela a imagem da fresta do local estreito por onde entra luz e ar contrário à escuridão Se relacionarmos ao imaginário ocidental a escuridão está relacionada às trevas com a ideia de inferno Para Kirinus a luz entrava por uma pequena fresta e era nesta pequena fresta de liberdade que fazia sua pregação política e quem sabe o MDB naquele contexto era o partido de oposição conduziria à luz e à liberdade Se bem compreendemos a insistência e a repetição da imagem de liberdade estãoligadas ao tema a que dedicou sua militância Além disso tem a ver com uma característica particular pois era duplamente censurado por sua Igreja e pelo Estado Apesar de o país viver em uma ditadura o narrador sentia uma maior liberdade ao fazer uso da palavra na tribuna local que poderia usar para falar mais das coisas da terra do que do céu Esta é uma temática recorrente em vários personagens que vivenciaram este período da ditadura Na década de 70 o movimento de resistência era muito ativo aparecia no cinema música teatro literatura em toda a América Latina No Brasil destacaramse trabalhos de escritores cantores jornalistas educadores dentre outros Apenas à título de exemplificação poderíamos mencionar a obra de um dos maiores artistas deste país o cantor compositor Francisco Buarque de Holanda Suas canções fazem parte da memória coletiva do país em Apesar de você temos um hino de crítica ao Governo Médici a ideia de escuridão como cerceamento da liberdade está presente assim como na narrativa de Kirinus que vê a liberdade por uma pequena fresta Nessa perspectiva Kirinus continuou um trabalho junto ao diretório de seu partido chegando a se eleger deputado estadualemblemado como comunista e tachado como Grupo dos 11 Sua maior atuação foi em defesa dos interesses dos pequenos agricultores Havia para ele dois tipos de violência que expulsavam o homem da terra uma era a modernização do campo com a mecanização da agricultura o outro mais ANO I VOLUME I Nº 1 JANEIROJUNHO 2017 PELOTASRS ISSN 25265318 129 violento era o jaguncismo da grilagem da terra Vejamos seu pronunciamento na Assembleia Legislativa do Paraná em 110579 O Governo Moysés Lupion inaugurou uma escalada de grilagem de terra uma verdadeira guerra subversiva contra o nosso povo não só contra o índio contra também o lavrador que tantas mortes já gerou neste Estado e hoje depois de 30 anos um acordo desse tipo depois de trinta anos grassar a violência em nosso Estado não só contra o índio mas também contra o pequeno lavrador Moisés Lupion continua vivo e solto continua grilando terras sob a cobertura de órgãos do Estado e do Governo Refirome à industrial Lupion Ltda que mantém em cadastro no INCRA as Áreas de pouso Frio nos Municípios de Toledo Marechal Cândido Rondon enquanto o ITC nos informa que estas terras estão cadastradas no INCRA de propriedade de Madeireira Rio Paraná Ltda que colonizou aquela área Mas a verdade é que ainda em 1979 reclamase neste país por Justiça e Liberdade liberdade por exemplo de uma escravidão vergonhosa a que estão incluídas varias famílias em nosso Estado que aqui aportaram em 1950 para trabalhar numa área de terras e que hoje em 1979 estão vivendo em apenas 4 alqueires cercados de arame enfarpado como se fosse um campo de concentraçãoEstão encurraladas sob a ameaça de grileiros que se encontram armados promovendo uma serie de barbaridades A esses infelizes lavradores que possuem como armas a enxada e o arado os grileiros agem com armas em punho inclusive com armas pesadas com metralhadora Aqui no Paraná ainda hoje se mata se incendeiam casas se promovem despejos à força com armas pesadas em áreas de terras em litígios que povoam nosso Estado Os responsáveis por tais barbarismos de subversão da ordem social continuam ainda livres e promovendo cada vez mais o ANO I VOLUME I Nº 1 JANEIROJUNHO 2017 PELOTASRS ISSN 25265318 130 desentendimento a desordem o medo e o terror a miséria e a morte entre famílias de humildes lavradores sem que as autoridades constituídas tomem providencias O que fez até hoje o Governo para solucionar tais problemas Ou o Governo está de olhos fechados a tão graves problemas Porque esta Casa como a Bancada majoritária ainda continua a dizer que na Oposição estão os vermelhinhos e que a intenção da oposição é de tumultuar ao invés de se inteirar dos casos como os que passamos a relatar Kirinus sd p 47 Em seu pronunciamento Kirinus evoca um passado de mortes e descaso com o outro sejam o pobre e o índio Enfim para que servem as leis Para atender aos interesses dos proprietários de terras e dos governantes E para o povo e os simples trabalhadores a repressão A imagem dos agricultores vivendo em pequeno espaço cercado de arame farpado comparado com um campo de concentração é uma imagem importante utilizada inclusive na capa do livro Entre a Cruz e a Política para representar o massacre e a violência imposta aos lavradores nesta região de fronteira e para mostrar a brutalidade cotidiana imposta pelos donos de terra e jagunços e o papel do estado frente a problemas tão graves Observamos a imagema seguir Figura 1 capa do livro Entre a Cruz e a Política Fonte Disponível em acervo da pesquisadora Acesso em 03032017 ANO I VOLUME I Nº 1 JANEIROJUNHO 2017 PELOTASRS ISSN 25265318 131 Os campos de concentração para onde foram levados e massacrados milhares de judeus durante a Segunda Guerra Mundial servem de referência para estabelecer a comparação com o massacre que estava ocorrendo nesta região onde as pessoas eram cerceadas de toda autonomia e liberdade A guerra é quase sempre um cenário de destruição Em sua narrativa Kirinus conclui em tom de ironia que aqueles que lutam pelo interesse dos oprimidos são estigmatizados de vermelhinhos e poderiam representar uma ameaça para a ordem social Movimento Justiça e Terra Neste ínterim cabe destacarmos o trabalho de Kirinus junto aos agricultores que foram expropriados de suas terras pela Hidrelétrica de Itaipu Ao revisarmos a forma como ocorreram as desapropriações de Itaipu encontramos um dos movimentos políticos mais importantes da região e do país naquele momento o movimento organizado pelos agricultores que seriam expropriados com o apoio das Igrejas católica e luterana o Movimento Justiça e Terra7Este movimento não surge do nada mas é fruto de um longo trabalho de base realizado nas capelas e nas igrejas A experiência do narrador com dinâmica de grupos com base também nos ensinamentos de Paulo Freire e sua pedagogia do oprimido teologia da libertação foram fundamentais para o rumo que o movimento tomou e para as lideranças que surgiram entre os agricultores Assim o trabalho de basenascia no seio das igrejas ou seja nas comunidades e unia as pessoas em interesses comuns de reivindicação 7Os programas de desapropriações foram executados de maneira esparsa nos oito municípios num período compreendido entre 1978 a 1982 Eles abrangeram uma população estimada em aproximadamente 40000 pessoas somente do lado brasileiro conforme os indicativos da Itaipu Binacional ANO I VOLUME I Nº 1 JANEIROJUNHO 2017 PELOTASRS ISSN 25265318 132 As capelas serviam de locais de socialização para os agricultores Utilizando o Evangelho começavam a descobrir a opressão e as injustiças de que eram vítimas A partir destes fatos organizaramse para a luta neste caso contra Itaipu e seus representantes exigindo um preço justo pelas suas terras A Igreja durante o período de construção das grandes obras construídas nosgovernos militares esteve preocupada em defender o homem da terra tendo umavisão ruralista centrada na pequena propriedade Defendendo esta posição alguns setores das Igrejas luterana e católica apoiaram a luta gerada no meio deste embate entre a Itaipu e os agricultores surgindo na região um dos movimentos mais importantes daquele momento o Movimento Justiça e Terra organizado para questionar o valor para a terra A defesa também da perda territorial e de riquezas naturais que o Estado do Paraná sofria frente ao alagamento é outra preocupação da CPT e de alguns políticos cf Ribeiro 2000 Neste contexto mencionado as lideranças do Movimento Justiça e Terra com muita insistência conseguiram chamar a atenção da opinião pública do Brasil inteiro e os principais jornais do país acompanhavam o desenrolar dos acontecimentos8 É importante salientarmos que o pastor foi secretário da CPT até o momento em que este movimento do oeste atingiu a força política necessária para atrair a atenção dos principais jornais do país e do mundo Naquele momento os olhares estavam voltados para a grandiosa obra e as reivindicações dos agricultores ganhavam espaço na mídia pois contavam com apoio das Igrejas e de muitos políticos do Paraná Foi o momento em que surgiu uma tensão decorrente da liderança exercida por Kirinus como pastor luterano que como já mencionamos não teve o apoio da ala mais conservadora de sua Igreja De outro lado a Igreja Católica começou a reivindicar o seu espaço de atuação política uma vez que o movimento estava então sob o comando de 8O Instituto de Terras e Cartografia ITC num programa de pesquisa dos preços de terras na região provou que os preços de mercado eram de 491 mil cruzeiros por alqueire de terra nua de 1 classe A Itaipu aceitou pagar 470 mil cruzeiros Antes do movimento a empresa pretendia pagar 290 mil cruzeiros por alqueire ANO I VOLUME I Nº 1 JANEIROJUNHO 2017 PELOTASRS ISSN 25265318 133 um pastor de outra instituição Este conflito foi muito interessante entre católicos e protestantes uma vez que decidiria quem seriao portavoz dos agricultores9 Foi deste movimento em reunião de agricultores realizado em Medianeira PR que surgiu aideia da criação do MASTRO Movimento do Agricultor Sem Terra no Oeste movimentoorganizado por trabalhadores semterra para reivindicarem o direito de acesso à terra na regiãoSob o lema Unidos Queremos Terra eles receberam o apoio de sindicatos e de igrejascomprometidascom a luta do homem pela Terra Nesse viés o MASTRO deu origem na região ao Movimento Sem Terra MST cf Ribeiro 2000 Atualmente a luta do MST não diz respeito apenas a questão da terra de acordo com Pinheiro 2012 a luta do MST parte de questão da terra avança nos combate aos problemas da água dos recursos naturais da alimentação e contribui para unificar uma perspectiva dos trabalhadores como contraponto a essa situação que atinge o conjunto da sociedade brasileira em seus problemas vitais p59 Congruente ao autor vale destacarmos que o MST é um dos movimentos sociais de destaque na América Latina Considerações finais Diante do que foi posto podemos compreender que a memória pode evitar o esquecimento das lutas populares E para que não ocorra o esquecimento é que propomos neste trabalho rememorar a partir da percepção e da narrativa na perspectiva dos vencidos pois é necessário escovar a história a contrapelo como diriaBenjamin 1987 p225 Utilizandonos de suas palavras nunca houve um monumento de cultura que também não fosse um monumento da barbárie E assim como a cultura não é isenta 9Estas questões do movimento e o rumo que tomou fazem parte da pesquisa sobre a trajetória de Kirinus e sua militância política na região trazidas no artigo A Reinvenção da Paisagem e os Espaços da Memória Ribeiro 2000 publicado no livroPaisagem território e região em busca da identidade de autoria de Álvaro Souza e outros autores ANO I VOLUME I Nº 1 JANEIROJUNHO 2017 PELOTASRS ISSN 25265318 134 de barbárie não é tampouco o processo de transmissão da cultura Por isso na medida do possível o materialista histórico se desvia dela Considera sua tarefa escovar a história a contrapelo Benjamin 1987 p 225 No contexto visto a memória da luta pela terra foi preservada no Boletim Poeira Material produzido pela Comissão Pastoral da Terra durante todo o período do embate com a Itaipu bem como nos pronunciamentos do então deputado Gernote Kirinus Assim revisitar esse momento da história e fazer emergir as tensões e os conflitos sobre o uso da terra e sua apropriação trazendo à tona a problemática terra e homem são questões que nos moveram no presente trabalho em tempos em que os direitos frutosde lutas históricas estão sendo retirados através de reformas O livro Entre a Cruz e a Política traz pronunciamentos no tempo dos acontecimentos e questiona tais eventos portanto pode ser considerado contemporâneo a esse tempo pois ao questionálo percebe os abusos cometidos Muitas pessoas tinham medo de protestar serem presas em outras palavras vivíamos em um período de silenciamentos podemos lembrar que o último preso da ditatura militar no Brasil foi preso na cidade de Foz do Iguaçu Nessa conjuntura a forma como os agricultores organizavamse é fruto de todo um trabalho em dinâmicas de grupos de reflexões na esteira da teologia da libertação fruto dessa formação Retomemos o fragmento do livro disposto no seu prefácio que é revelador do seu conteúdo a nós não importa ser derrotados ou ser vencedor O fugir da luta e escondernos sob a sombra da tirania Assim o livro é registro da memória de um dos períodos mais complexos da história brasileira Da história da América do Sul o Paraguai também vivia em regime ditatorial e uma parcela paranaense dos expropriados migraram para lá constituindo os brasiguaios A construção da hidrelétrica de Itaipu é fruto da parceria Brasil e Paraguai mas essa é outra história Aqui o que nos interessa acentuar é que O Movimento Justiça e Terra pode nos ANO I VOLUME I Nº 1 JANEIROJUNHO 2017 PELOTASRS ISSN 25265318 135 alertar que sem organização e luta nossos direitos estarão perdidos e mais lembrar que eleserviu de referênciapara um dos movimentos sociais mais bonitos da América Latina e nesse sentido revisitar a forma como no passado foi possível reverter as medidas autoritárias talvez não seja perca de tempo Referências BENJAMIN Walter Magia técnica arte e política obras escolhidas v1 São Paulo Brasiliense 1987 DE DECCA Edgar Ensaio sobre a memória anarquista a história como ficção coletiva In Revista História Oral São Paulo n2 1999 p 111134 KIRINUS Gernote Entre a Cruz e a Política Curitiba BeijaFlor sd MANN Thomas A Montanha Mágica Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 MELHEM Célia Política de botinas amarelas o MDBPMDB paulista de 1965 a 1988 São Paulo Hucitec 1998 PINHEIRO Milton Operador político movimentos sociais e lutas antissistêmicas In A reflexão marxista sobre os impasses do mundo atual Organização de Milton Pinheiro São Paulo Outras Expressões2012 p2571 RIBEIRO Maria de Fátima A reinvenção da paisagem e os espaços da memória In Paisagem território e região Organização de Àlvaro de Souza et al Cascavel Edunioeste 2000p259273 Memórias do concreto vozes na construção de Itaipu Cascavel Edunioeste 2002 ANO I VOLUME I Nº 1 JANEIROJUNHO 2017 PELOTASRS ISSN 25265318 136 SAMUEL Raphael Teatros da Memória Projeto História Revista do Programa de Estudos PósGraduados em História e do Departamento de História da PUCSP São Paulo n14 1997 p4181 SOSNOWSKI Saul Contraos consumidores do esquecimento In O trânsito da memória Organização de Jorge Schwartz e Saul Sosnowski São Paulo Editora da Universidade de São Paulo 1994 STEIN Marcos A construção do discurso da germanidade em Marechal Cândido Rondon 19461996 2000 147 f Dissertação de mestrado Universidade Federal de Santa Catarina Centro de Filosofia e Ciências Humanas Florianópolis mar 2000 WACHOWICZ Ruy Obrageros mensus e colonos história do oeste paranaense 2 ed Curitiba Vicentina 1987 WHITE Hayden Trópicos do Discurso ensaios sobre a crítica da cultura São Paulo EDUSP 1999
Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora
Recomendado para você
107
Deslocamento e Isolamento Social na América Latina: TCC de Edson Alencar Farias
História
UNILA
56
Populações Atingidas por Barragens no Paraná: Como e Por Que Lutamos por Direitos
História
UNILA
50
Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens
História
UNILA
16
Comentários sobre o PL 27882019 e a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens
História
UNILA
150
A Formação do Movimento dos Agricultores Sem Terra do Oeste do Paraná (1970-1990)
História
UNILA
43
Águas para Vida Não para Morte - História dos Movimentos de Atingidos por Barragens
História
UNILA
20
Território e Conflito: Impactos da Usina Hidroelétrica Itaipu Binacional
História
UNILA
Texto de pré-visualização
ANO I VOLUME I Nº 1 JANEIROJUNHO 2017 PELOTASRS ISSN 25265318 A implantação da Usina Hidrelétrica de Itaipu Binacional BrasilParaguai e a disputa pela terra no Brasil na década de 1970 entre a história e a memória Maria de Fátima Bento Ribeiro1 Resumo A instalação da hidrelétrica de Itaipu na fronteira do Brasil com Paraguai transformouse em um episódio importante na história contemporânea pois foi um projeto considerado de maior impacto na história de transformação da natureza e da ecologia do planeta visto que a usina representou um impacto ambiental e de prejuízos humanos Neste texto temos o objetivo de analizar o discurso presente na Obra Entre a Cruz e a Política querelata eventos durante operíodo de instalação da Itaipu contextualizando toda uma época Tal discurso refletea questão da luta pela terra do fortalecimento da oposição e seu crescimento nas cidades do oeste paranaense principalmente com a formação do MDB naquela região De modo geral são memórias do cotidiano que ganham vida no interior de um discurso narrativo e este material se faz importante para que a memória na perspectiva das lutas populares não caia no esquecimento Palavraschave Terra Migrações Fronteira Itaipu Memória Abstract The installation of the hydroelectric plant from Itaipu on the border of Brazil with Paraguay it turned into an important episode in contemporary history because it was a project considered of greater impact in the history of transformation of the nature and the ecology of the planet seeing that the hydroelectric plant represented an environmental impact and human damages In this text we have the objective of analyzing the discourse presents in the book called Between the Cross and the Politics that it reports events during the installation period of Itaipu contextualizing a whole epoch This discourse reflects the question of the struggle for land of the strengthening of the opposition and its growth in the cities of western Paraná especially with the formation of the MDB in this region Generally it is memories of daily that won life inside a narrative discourse and this material becomes important in order that memory in the perspective of popular struggles does not fall into forgetfulness Key words Land Migration Border Itaipu Memory 1 Professora Dra Maria de Fátima Bento Ribeiro vinculada ao curso de Bacharelado em Relações Internacionais da Universidade Federal de Pelotas UFPEL Email mfabentohotmailcom Recebido em 02032017 Aprovado para publicação em 15032017 ANO I VOLUME I Nº 1 JANEIROJUNHO 2017 PELOTASRS ISSN 25265318 121 Considerações iniciais década de 1970 do século passado foi uma época de profundas transformações na fronteira do Brasil com o Paraguai com a implantação da Itaipu Binacional projeto considerado de maior impacto na história de transformação da natureza e da ecologia do planeta Foi o momento dos grandes deslocamentos de agricultores e de suas famílias devido à construção do lago de Itaipu o que ocasionou amigração para o norte do Brasil como consequência a formação de várias cidades transformando o antigo Território de Guaporé no Estado de Rondônia como também ocasionou a penetração brasileira no Paraguai provocando uma questão em torno da problemática de sua soberania Neste cenário a política externa brasileira será de debates constantes quer com Argentina ou com Paraguai e foi nesse contexto que os jornais do Brasil e de outros países cobriram a luta dos trabalhadores rurais Neste texto escolhemos para trabalhar uma série de pronunciamentos realizados por Gernote Kirinus2 na década em questão Os pronunciamentos foram reunidos em uma obra intitulada Entre a Cruz e a Política publicada pela Editora BeijaFlor de CuritibaParaná3O livro é dividido em três capítulos na primeira parte constam os pronunciamentos são 12 no total na segunda parte A Realidade Agrícola do Paraná e Trabalhos da Comissão de Terras Colonização e Imigração estão os trabalhos em comissõese na terceira contém entrevistas publicadas na imprensa relativas ao período de março a junho de 1979 trazendo seus pronunciamentos nos primeiros meses de mandato no final da década de 70 na Assembleia Legislativa do Estado do Paraná PR 2 Gernote Gilberto Kirinus nasceu em 1948 no município gaúcho de NãoMeToque 3Trabalho realizado com base na apresentação no II Ciclo de Estudos e Debates do Grupo de Pesquisa Cultura Relações de Gênero e Memória Mesa Redonda Memória da Resistência à Ditadura Militar no OesteSudoeste Paranaense ocorrido no ano de 2004 na Universidade Estadual do Oeste do Paraná UNIOESTE campus ToledoPR A ANO I VOLUME I Nº 1 JANEIROJUNHO 2017 PELOTASRS ISSN 25265318 122 Constitui no seu conjunto uma fonte documental parapossíveis pesquisas nas mais diferentes áreas do saber literatura história sociologia antropologia geografia economia etc E mais são registros da memória de um dos períodosmais complexos da história brasileiraDesta forma podemos afirmar que com essa dramática carga individual e coletiva a memória é concebida como valor e poder ético e além disso como um meio indubitável para instrumentalizar uma política Sosnowski 1994 p 15 Neste caminho concordamos com White 1999 quando escreve que é possívelcontar um grande número de estórias diferentes sobre o único acontecimento em suas palavras porum arranjo específico dos acontecimentos e sem prejuízo do valor de verdade dos fatos selecionados uma dada sequência de eventos pode ser urdida de inúmeras formas diferentes p 77 Assim encontramos também todo o imaginário de uma época memória coletiva de uma região do país Nos pronunciamentos de Kirinus emergem a luta de pequenos agricultores explorados e expulsos de suas terras pela modernidade ocorrida nos campos devidoà mecanização da agricultura pela violência causada pelos jagunços ou pelas águas do lago represa de Itaipu Este material faz parte da história e da memória da região em um momento de grande transformação eimpacto não apenas dos espaços físicos das paisagens mas também da vida de milhares de pessoas e podecontribuir para que experiências vividas no passado portanto a memória deste eventosejam reatualizadas no presente quer seja por historiadores ou por outro pesquisador Segundo Samuel 1997a memória longe de ser meramente um receptáculo passivo ela é uma força ativa que molda que é dinâmica o que a memória planeja esquecer é tão importante quanto o que ela lembra 44Nesse sentido amemória reatualiza os eventos do passado pois eles estão entrelaçados com a experiência presente de acordo com De Decca 1999 apaziguar os eventos do passado assim se constitui o trabalho da História muito diferente da memória que os reatualiza exigindo que eles entrem novamente na experiência do vivido se debatam e se confrontam com o nosso presentep 115 ANO I VOLUME I Nº 1 JANEIROJUNHO 2017 PELOTASRS ISSN 25265318 123 É nesse caminho que gostaríamos de situar esse trabalho o livro relata várias frentes de luta ora contra o autoritarismo dos prefeitos então nomeados ora contra a forma como eram tratados os agricultores posseiros arrendatários expulsos de suas terras pelos jagunços estado Sabemos por meio de pesquisas desenvolvidas no mestrado e doutorado queos agricultores se organizaram para conseguiram reverterem o preço que seria pago pelas suas terras revelandoos longe da passividade que permearam os estudos do homem rural e sim como sujeitos ativos que lutam por seus direitos talvez tenha sido um equívoco trocarem o tema de suas reivindicações que no início era terra por terra por queremos um preço justo pela terra no entanto o movimento provocou uma mudança significativa ao mostrarem a importância da luta da uniãoda organização coletiva é essa foi sua grande forçanos seus protestos contra os direitos que estavam sendo retirados no final dos protestos conseguiram um preço mais justo pelas suas terras Sua força talvez não tenha vindo da vitória do movimento em si uma vez que a questão da terra continua sendo uma luta histórica em nosso país mas foram revolucionáriosao servirem de referência para formação de outros movimentos sociais Cidade política e memória As belezas naturais e as terras consideradas férteis motivo que ocasionou amigração para o Oeste do Paraná durante a década de 50 são os pontos fortes da região paranaense que desde então revelouse como polo agrícola Na década de 70 havia nesta área um grandenúmero de pequenos e médios proprietários em torno de 2500 posseiros com problemas de definição de suas terras Conforme escrito em texto anterior omomento de maior tensão ocorreu quando milhares de agricultores abandonarem suas terras devido à construção da Hidrelétrica de Itaipu um dos projetos implantados nos anos de ditadura com maior impacto na história de ANO I VOLUME I Nº 1 JANEIROJUNHO 2017 PELOTASRS ISSN 25265318 124 transformação da natureza e da ecologia do planeta cf Ribeiro 2002O consequente represamento das águas para a formação dolago ocasionará o êxodo de vários trabalhadores para outras regiões do país e para o Paraguai e o alagamento de terras cultiváveis O país era então palco de uma das maiores migrações ocorridas no século XX a migração para a região norte e noroeste do Brasil em que milhares de famílias de agricultores partiram em busca de novas terras principalmente para Rondônia Nesse contexto o pequeno agricultor não tinha mais condições de permanecer no Paraná e era forçado a procurar novos horizontes outra alternativa foi comprar terras no Paraguai acarretando no fluxo da fronteira entre os dois países se intensificam com a penetração brasileira e com formação da sociedade dos brasiguaios Nos pronunciamentos de Kirinus a má distribuição das riquezas e portanto a opressão a que estavam submetidos os pequenos lavradores e os oprimidos tem relação com a forma com que o país é governado devido à concentração de riquezas das terras e dominação dos interesses políticosNo período de que trata Kirinus isso ocorre de forma mais intensa pois alguns setores mais progressistas da Igreja aliaramse aos agricultores na sua luta contra Itaipu que representava os interesses do Estado Cabe salientarmos que não eram contrários à instalação da hidrelétrica mas como seu programa de desapropriação estava sendo instalado4 As tensões entre Igreja e Estado fazem parte da história da humanidade 4 Sobre o duelo que dividia Kirinus entre a religião e a política encontrase similar no romance A Montanha Mágica de Thomas Mann mediante dois personagens por um lado Naphta que era jesuíta e contrário à modernidade e ao progresso e pregava uma forma alternativa de distribuição de riquezas e um forte poder da igreja e do outro lado Settembrini um humanista italiano que acreditava no progresso na razão e principalmente na modernidade Este dualismo de Thomas Mann está presente em Kirinus ao mesmo tempo em que este questionava a instalação da Hidrelétrica de Itaipu que significava modernidade a solução dos problemas energéticos que o país enfrentava naquele momento não era contrário à sua instalação Ele era contrário à forma como Itaipu lidava com o problema das desapropriações dos agricultores e reivindicava a necessidade de uma forma mais justa de distribuição de terras ANO I VOLUME I Nº 1 JANEIROJUNHO 2017 PELOTASRS ISSN 25265318 125 Naquele momento alguns setores religiosos encontravamse fortemente marcados pela Teologia da Libertação e Kirinus era um destes adeptos A Comissão Pastoral da Terra CPT surge na região por seu intermédio e com o apoio do bispo católico Dom Frei Agostinho José Sartori da Diocese de PalmasFrancisco Beltrão PROutra bandeira de luta que defende é o fim do regime militar e a democratização do país Kirinus questiona o número de pessoas desaparecidas no Paraná presos políticos que não retornaram ao seu lar Com esta preocupação filiase ao Movimento Democrático Brasileiro MDB5 partido de oposição ao governo da Aliança Renovadora Nacional ARENA Estes são os principais partidos políticos originários do bipartidarismo imposto pelo Ato Institucional n 2 1965 no cenário político brasileiro A entrada de Kirinus na vida política deuse inicialmente ao fato de responder a provocações No seu relato em Marechal Cândido Rondon quando fui participar a convite sem maior interesse do lançamento do Subdiretório do MDB Como convidado participei E fui barrado à entrada do recinto por um membro da minha igreja dizendo que eu não deveria participar Kirinus sd p 142 Kirinus foi criticado por alguns membros de sua igreja e pelos políticos locais da ARENA por participar de reuniões políticas No jornal ele contesta esta posição de que como pastor não deveria se envolver com política partidária e inicia uma briga que de acordo com seu depoimento se estende por dois anos Segundo ele o povo paranaense de Marechal Cândido Rondon estava com a ARENA E foi neste município que a ARENA obteve as mais expressivas vitórias eleitorais no país motivo da visita do presidente Ernesto Geisel 5O MDB consegue crescer e se fortalecer ao longo da década de 70 florescendo sobretudo em dois contextos específicos onde havia enraizada a tradição das forças políticas que grosso modo compunham o grupo político petebista pessedista populista ou das chamadas esquerdas aliado do poder pelos militares aliados à UDN e num segundo momento em que a prosperidade econômicaou a urbanização acelerada tornavam a sociedade mais complexa resultando em mudanças sociais e políticas que trombavam constantemente com a rigidez do modelo de regime engendrado pelo autoritarismo cf Melhem 1998 ANO I VOLUME I Nº 1 JANEIROJUNHO 2017 PELOTASRS ISSN 25265318 126 Para acabarem com a situação das cidades consideradas áreas de segurança nacional por meio do autoritarismo dos prefeitos nomeados e também pela repressão acreditavase que a união dos políticos de esquerda libertaria o povo da fronteira brasileira da opressão Afinal para nosso narrador o MDB era o caminho para aluz e para a democracia que libertaria o povo das injustiças por meio da Associação das Câmaras de Vereadores da Faixa de Fronteira fundada em 08071978 Quando já eleito deputado fazia críticas ao prefeito da cidade nomeado pelo então governador do Paraná Jayme Canet Junior e pronunciavase em favor de eleições diretas na faixa de fronteira ou área de segurança nacional Como veremos no trecho a seguir E lá está nomeado mais um miniditador a garantir votos da Arena através de ameaças a funcionários e professores como ocorreu recentemente naquele município Ninguém imagina o despotismo ao qual está submetido aquele povo E com a nomeação feita recentemente confirmouse mais uma vez que Marechal Cândido Rondon irá continuar abandonado aos interesses túrbios de pequenos tiranos que resolveram fazer daquele Município a sede de sobrevivência do III Reich Kirinus sd p 2425 Marechal Cândido Rondon segundo Wachowicz 1987 ao comentar sobre a colonização do oeste paranaense apresenta uma característica marcante seja uma das características mais marcantes dessa colonização é a dicotomia italianoalemã e católico protestante A própria procedência étnica e religiosa dos acionistas de Maripá condicionou esse processo p 178 E mais Willy Barth elegeu o núcleo de Marechal Cândido Rondon para rivalizar com Toledo Rondon deveria tornarse o grande centro urbano de origem alemã com característica religião evangélica luterana Wachowicz 1987 p 178 ANO I VOLUME I Nº 1 JANEIROJUNHO 2017 PELOTASRS ISSN 25265318 127 Em 1961 a população de Marechal Cândido Rondon elegeu seu primeiro prefeito Arlindo Lamb Seu segundo prefeito eleito em 1965 foi Werner Wanderer que representava a força jovem do município Com o desenrolar dos fatos políticos nacionais o município passa a ser considerado como área de segurança nacional como toda a faixa de fronteira de Guairá até Foz do Iguaçu Com isso os prefeitos passam a ser nomeados e o povo perde o direito de escolher seus representantes O município é considerado o mais germânico do Estado Sua arquitetura festas e comemorações servem para exaltar este estilo Inclusive existe no imaginário da população uma memória que remonta à tentativa de sobrevivência do III Reich na cidade Talvez essa memória seja influenciada pelas narrativas que circularam nas décadas de 6070 de acordo com a pesquisa de Stein 2000 Os discursos dos anos de 1960 e 1970 apresentavam o município como uma célula nazista e abrigaria ex criminosos de guerra e admiradores do nazismo p336 Como em Marechal Cândido Rondon não havia o partido do MDB Kirinus resolve iniciar um movimento para a formação do partido ajudando ferrenhamente a formar o diretório do MDB em um trabalho de comunidade de base como era seu ideal de formação política Acompanhou o desenvolvimento do partido em um território que era liderado exclusivamente pelos políticos da ARENA e em 1976 foram nomeados dois vereadores do MDB fato inédito naquela cidade Para ele o MDB representava um partido de resistência à ditadura Utilizandonos do seu pensamento aproveitando a margem a fresta de liberdade que nos estava no regime opressor e ditatorial em que vivemos Fazia uma pregação política Kirinus sdata p 143 6 Interessante a dissertação de mestrado de Marcos Nestor Stein intitulada A construção do discurso de germanidade em Marechal Candido Rondon 19461996 No segundo capítulo o autor aborda os discursos que na década de 6070 do século passado apresentam o município como uma célula nazista onde estariam escondidos criminosos de guerra Fonte Disponível em httpsrepositorioufscbrhandle12345678979286 Acesso em 26022017 ANO I VOLUME I Nº 1 JANEIROJUNHO 2017 PELOTASRS ISSN 25265318 128 É interessante observarmos como o tema da liberdade é constante em sua oratória Não podemos deixar de mencionar que sob regime ditatorial as pessoas têm medo de expressar suas opiniões Por isso é interessante repararmosnuma imagem recorrente em sua narrativa seja ela a imagem da fresta do local estreito por onde entra luz e ar contrário à escuridão Se relacionarmos ao imaginário ocidental a escuridão está relacionada às trevas com a ideia de inferno Para Kirinus a luz entrava por uma pequena fresta e era nesta pequena fresta de liberdade que fazia sua pregação política e quem sabe o MDB naquele contexto era o partido de oposição conduziria à luz e à liberdade Se bem compreendemos a insistência e a repetição da imagem de liberdade estãoligadas ao tema a que dedicou sua militância Além disso tem a ver com uma característica particular pois era duplamente censurado por sua Igreja e pelo Estado Apesar de o país viver em uma ditadura o narrador sentia uma maior liberdade ao fazer uso da palavra na tribuna local que poderia usar para falar mais das coisas da terra do que do céu Esta é uma temática recorrente em vários personagens que vivenciaram este período da ditadura Na década de 70 o movimento de resistência era muito ativo aparecia no cinema música teatro literatura em toda a América Latina No Brasil destacaramse trabalhos de escritores cantores jornalistas educadores dentre outros Apenas à título de exemplificação poderíamos mencionar a obra de um dos maiores artistas deste país o cantor compositor Francisco Buarque de Holanda Suas canções fazem parte da memória coletiva do país em Apesar de você temos um hino de crítica ao Governo Médici a ideia de escuridão como cerceamento da liberdade está presente assim como na narrativa de Kirinus que vê a liberdade por uma pequena fresta Nessa perspectiva Kirinus continuou um trabalho junto ao diretório de seu partido chegando a se eleger deputado estadualemblemado como comunista e tachado como Grupo dos 11 Sua maior atuação foi em defesa dos interesses dos pequenos agricultores Havia para ele dois tipos de violência que expulsavam o homem da terra uma era a modernização do campo com a mecanização da agricultura o outro mais ANO I VOLUME I Nº 1 JANEIROJUNHO 2017 PELOTASRS ISSN 25265318 129 violento era o jaguncismo da grilagem da terra Vejamos seu pronunciamento na Assembleia Legislativa do Paraná em 110579 O Governo Moysés Lupion inaugurou uma escalada de grilagem de terra uma verdadeira guerra subversiva contra o nosso povo não só contra o índio contra também o lavrador que tantas mortes já gerou neste Estado e hoje depois de 30 anos um acordo desse tipo depois de trinta anos grassar a violência em nosso Estado não só contra o índio mas também contra o pequeno lavrador Moisés Lupion continua vivo e solto continua grilando terras sob a cobertura de órgãos do Estado e do Governo Refirome à industrial Lupion Ltda que mantém em cadastro no INCRA as Áreas de pouso Frio nos Municípios de Toledo Marechal Cândido Rondon enquanto o ITC nos informa que estas terras estão cadastradas no INCRA de propriedade de Madeireira Rio Paraná Ltda que colonizou aquela área Mas a verdade é que ainda em 1979 reclamase neste país por Justiça e Liberdade liberdade por exemplo de uma escravidão vergonhosa a que estão incluídas varias famílias em nosso Estado que aqui aportaram em 1950 para trabalhar numa área de terras e que hoje em 1979 estão vivendo em apenas 4 alqueires cercados de arame enfarpado como se fosse um campo de concentraçãoEstão encurraladas sob a ameaça de grileiros que se encontram armados promovendo uma serie de barbaridades A esses infelizes lavradores que possuem como armas a enxada e o arado os grileiros agem com armas em punho inclusive com armas pesadas com metralhadora Aqui no Paraná ainda hoje se mata se incendeiam casas se promovem despejos à força com armas pesadas em áreas de terras em litígios que povoam nosso Estado Os responsáveis por tais barbarismos de subversão da ordem social continuam ainda livres e promovendo cada vez mais o ANO I VOLUME I Nº 1 JANEIROJUNHO 2017 PELOTASRS ISSN 25265318 130 desentendimento a desordem o medo e o terror a miséria e a morte entre famílias de humildes lavradores sem que as autoridades constituídas tomem providencias O que fez até hoje o Governo para solucionar tais problemas Ou o Governo está de olhos fechados a tão graves problemas Porque esta Casa como a Bancada majoritária ainda continua a dizer que na Oposição estão os vermelhinhos e que a intenção da oposição é de tumultuar ao invés de se inteirar dos casos como os que passamos a relatar Kirinus sd p 47 Em seu pronunciamento Kirinus evoca um passado de mortes e descaso com o outro sejam o pobre e o índio Enfim para que servem as leis Para atender aos interesses dos proprietários de terras e dos governantes E para o povo e os simples trabalhadores a repressão A imagem dos agricultores vivendo em pequeno espaço cercado de arame farpado comparado com um campo de concentração é uma imagem importante utilizada inclusive na capa do livro Entre a Cruz e a Política para representar o massacre e a violência imposta aos lavradores nesta região de fronteira e para mostrar a brutalidade cotidiana imposta pelos donos de terra e jagunços e o papel do estado frente a problemas tão graves Observamos a imagema seguir Figura 1 capa do livro Entre a Cruz e a Política Fonte Disponível em acervo da pesquisadora Acesso em 03032017 ANO I VOLUME I Nº 1 JANEIROJUNHO 2017 PELOTASRS ISSN 25265318 131 Os campos de concentração para onde foram levados e massacrados milhares de judeus durante a Segunda Guerra Mundial servem de referência para estabelecer a comparação com o massacre que estava ocorrendo nesta região onde as pessoas eram cerceadas de toda autonomia e liberdade A guerra é quase sempre um cenário de destruição Em sua narrativa Kirinus conclui em tom de ironia que aqueles que lutam pelo interesse dos oprimidos são estigmatizados de vermelhinhos e poderiam representar uma ameaça para a ordem social Movimento Justiça e Terra Neste ínterim cabe destacarmos o trabalho de Kirinus junto aos agricultores que foram expropriados de suas terras pela Hidrelétrica de Itaipu Ao revisarmos a forma como ocorreram as desapropriações de Itaipu encontramos um dos movimentos políticos mais importantes da região e do país naquele momento o movimento organizado pelos agricultores que seriam expropriados com o apoio das Igrejas católica e luterana o Movimento Justiça e Terra7Este movimento não surge do nada mas é fruto de um longo trabalho de base realizado nas capelas e nas igrejas A experiência do narrador com dinâmica de grupos com base também nos ensinamentos de Paulo Freire e sua pedagogia do oprimido teologia da libertação foram fundamentais para o rumo que o movimento tomou e para as lideranças que surgiram entre os agricultores Assim o trabalho de basenascia no seio das igrejas ou seja nas comunidades e unia as pessoas em interesses comuns de reivindicação 7Os programas de desapropriações foram executados de maneira esparsa nos oito municípios num período compreendido entre 1978 a 1982 Eles abrangeram uma população estimada em aproximadamente 40000 pessoas somente do lado brasileiro conforme os indicativos da Itaipu Binacional ANO I VOLUME I Nº 1 JANEIROJUNHO 2017 PELOTASRS ISSN 25265318 132 As capelas serviam de locais de socialização para os agricultores Utilizando o Evangelho começavam a descobrir a opressão e as injustiças de que eram vítimas A partir destes fatos organizaramse para a luta neste caso contra Itaipu e seus representantes exigindo um preço justo pelas suas terras A Igreja durante o período de construção das grandes obras construídas nosgovernos militares esteve preocupada em defender o homem da terra tendo umavisão ruralista centrada na pequena propriedade Defendendo esta posição alguns setores das Igrejas luterana e católica apoiaram a luta gerada no meio deste embate entre a Itaipu e os agricultores surgindo na região um dos movimentos mais importantes daquele momento o Movimento Justiça e Terra organizado para questionar o valor para a terra A defesa também da perda territorial e de riquezas naturais que o Estado do Paraná sofria frente ao alagamento é outra preocupação da CPT e de alguns políticos cf Ribeiro 2000 Neste contexto mencionado as lideranças do Movimento Justiça e Terra com muita insistência conseguiram chamar a atenção da opinião pública do Brasil inteiro e os principais jornais do país acompanhavam o desenrolar dos acontecimentos8 É importante salientarmos que o pastor foi secretário da CPT até o momento em que este movimento do oeste atingiu a força política necessária para atrair a atenção dos principais jornais do país e do mundo Naquele momento os olhares estavam voltados para a grandiosa obra e as reivindicações dos agricultores ganhavam espaço na mídia pois contavam com apoio das Igrejas e de muitos políticos do Paraná Foi o momento em que surgiu uma tensão decorrente da liderança exercida por Kirinus como pastor luterano que como já mencionamos não teve o apoio da ala mais conservadora de sua Igreja De outro lado a Igreja Católica começou a reivindicar o seu espaço de atuação política uma vez que o movimento estava então sob o comando de 8O Instituto de Terras e Cartografia ITC num programa de pesquisa dos preços de terras na região provou que os preços de mercado eram de 491 mil cruzeiros por alqueire de terra nua de 1 classe A Itaipu aceitou pagar 470 mil cruzeiros Antes do movimento a empresa pretendia pagar 290 mil cruzeiros por alqueire ANO I VOLUME I Nº 1 JANEIROJUNHO 2017 PELOTASRS ISSN 25265318 133 um pastor de outra instituição Este conflito foi muito interessante entre católicos e protestantes uma vez que decidiria quem seriao portavoz dos agricultores9 Foi deste movimento em reunião de agricultores realizado em Medianeira PR que surgiu aideia da criação do MASTRO Movimento do Agricultor Sem Terra no Oeste movimentoorganizado por trabalhadores semterra para reivindicarem o direito de acesso à terra na regiãoSob o lema Unidos Queremos Terra eles receberam o apoio de sindicatos e de igrejascomprometidascom a luta do homem pela Terra Nesse viés o MASTRO deu origem na região ao Movimento Sem Terra MST cf Ribeiro 2000 Atualmente a luta do MST não diz respeito apenas a questão da terra de acordo com Pinheiro 2012 a luta do MST parte de questão da terra avança nos combate aos problemas da água dos recursos naturais da alimentação e contribui para unificar uma perspectiva dos trabalhadores como contraponto a essa situação que atinge o conjunto da sociedade brasileira em seus problemas vitais p59 Congruente ao autor vale destacarmos que o MST é um dos movimentos sociais de destaque na América Latina Considerações finais Diante do que foi posto podemos compreender que a memória pode evitar o esquecimento das lutas populares E para que não ocorra o esquecimento é que propomos neste trabalho rememorar a partir da percepção e da narrativa na perspectiva dos vencidos pois é necessário escovar a história a contrapelo como diriaBenjamin 1987 p225 Utilizandonos de suas palavras nunca houve um monumento de cultura que também não fosse um monumento da barbárie E assim como a cultura não é isenta 9Estas questões do movimento e o rumo que tomou fazem parte da pesquisa sobre a trajetória de Kirinus e sua militância política na região trazidas no artigo A Reinvenção da Paisagem e os Espaços da Memória Ribeiro 2000 publicado no livroPaisagem território e região em busca da identidade de autoria de Álvaro Souza e outros autores ANO I VOLUME I Nº 1 JANEIROJUNHO 2017 PELOTASRS ISSN 25265318 134 de barbárie não é tampouco o processo de transmissão da cultura Por isso na medida do possível o materialista histórico se desvia dela Considera sua tarefa escovar a história a contrapelo Benjamin 1987 p 225 No contexto visto a memória da luta pela terra foi preservada no Boletim Poeira Material produzido pela Comissão Pastoral da Terra durante todo o período do embate com a Itaipu bem como nos pronunciamentos do então deputado Gernote Kirinus Assim revisitar esse momento da história e fazer emergir as tensões e os conflitos sobre o uso da terra e sua apropriação trazendo à tona a problemática terra e homem são questões que nos moveram no presente trabalho em tempos em que os direitos frutosde lutas históricas estão sendo retirados através de reformas O livro Entre a Cruz e a Política traz pronunciamentos no tempo dos acontecimentos e questiona tais eventos portanto pode ser considerado contemporâneo a esse tempo pois ao questionálo percebe os abusos cometidos Muitas pessoas tinham medo de protestar serem presas em outras palavras vivíamos em um período de silenciamentos podemos lembrar que o último preso da ditatura militar no Brasil foi preso na cidade de Foz do Iguaçu Nessa conjuntura a forma como os agricultores organizavamse é fruto de todo um trabalho em dinâmicas de grupos de reflexões na esteira da teologia da libertação fruto dessa formação Retomemos o fragmento do livro disposto no seu prefácio que é revelador do seu conteúdo a nós não importa ser derrotados ou ser vencedor O fugir da luta e escondernos sob a sombra da tirania Assim o livro é registro da memória de um dos períodos mais complexos da história brasileira Da história da América do Sul o Paraguai também vivia em regime ditatorial e uma parcela paranaense dos expropriados migraram para lá constituindo os brasiguaios A construção da hidrelétrica de Itaipu é fruto da parceria Brasil e Paraguai mas essa é outra história Aqui o que nos interessa acentuar é que O Movimento Justiça e Terra pode nos ANO I VOLUME I Nº 1 JANEIROJUNHO 2017 PELOTASRS ISSN 25265318 135 alertar que sem organização e luta nossos direitos estarão perdidos e mais lembrar que eleserviu de referênciapara um dos movimentos sociais mais bonitos da América Latina e nesse sentido revisitar a forma como no passado foi possível reverter as medidas autoritárias talvez não seja perca de tempo Referências BENJAMIN Walter Magia técnica arte e política obras escolhidas v1 São Paulo Brasiliense 1987 DE DECCA Edgar Ensaio sobre a memória anarquista a história como ficção coletiva In Revista História Oral São Paulo n2 1999 p 111134 KIRINUS Gernote Entre a Cruz e a Política Curitiba BeijaFlor sd MANN Thomas A Montanha Mágica Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 MELHEM Célia Política de botinas amarelas o MDBPMDB paulista de 1965 a 1988 São Paulo Hucitec 1998 PINHEIRO Milton Operador político movimentos sociais e lutas antissistêmicas In A reflexão marxista sobre os impasses do mundo atual Organização de Milton Pinheiro São Paulo Outras Expressões2012 p2571 RIBEIRO Maria de Fátima A reinvenção da paisagem e os espaços da memória In Paisagem território e região Organização de Àlvaro de Souza et al Cascavel Edunioeste 2000p259273 Memórias do concreto vozes na construção de Itaipu Cascavel Edunioeste 2002 ANO I VOLUME I Nº 1 JANEIROJUNHO 2017 PELOTASRS ISSN 25265318 136 SAMUEL Raphael Teatros da Memória Projeto História Revista do Programa de Estudos PósGraduados em História e do Departamento de História da PUCSP São Paulo n14 1997 p4181 SOSNOWSKI Saul Contraos consumidores do esquecimento In O trânsito da memória Organização de Jorge Schwartz e Saul Sosnowski São Paulo Editora da Universidade de São Paulo 1994 STEIN Marcos A construção do discurso da germanidade em Marechal Cândido Rondon 19461996 2000 147 f Dissertação de mestrado Universidade Federal de Santa Catarina Centro de Filosofia e Ciências Humanas Florianópolis mar 2000 WACHOWICZ Ruy Obrageros mensus e colonos história do oeste paranaense 2 ed Curitiba Vicentina 1987 WHITE Hayden Trópicos do Discurso ensaios sobre a crítica da cultura São Paulo EDUSP 1999