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ÁGUAS PARA VIDA NÃO PARA MORTE Esta é uma publicação do Movimento de Atingidos por Barragens MAB realizada com recursos da Fundação Ford Carlos Vainer e Flávia Braga Vieira Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional Universidade Federal do Rio de Janeiro IPPURUFRJ Paulo Brandi Daniella Feteira Soares e Raquel Mattos Viana Darlan de S Latuff Associação para o Desenvolvimento da Imprensa AlternativaADIA Carvalho Carmo Índice 1 Uma história de organização e luta parte 1 2 Uma história de organização e luta parte 2 3 Impactos sociais e ambientais de barragens 4 Setor elétrico brasileiro uma breve história de ligações perigosas entre o público e o privado 5 Legislação ambiental brasileira conhecendo um instrumento de luta 6 História da luta internacional contra barragens ultrapassando as fronteiras nacionais para combater o inimigo em comum Neste caderno do Manual do Atingido vamos contar a história dos primeiros movimentos de atingidos por barragens que surgiram no Brasil em diferentes regiões e que depois de algum tempo foram se reunir no MAB A história de cada um destes movimentos é ao mesmo tempo própria deles e também a história de todos os atingidos por barragem 1 PRIMEIROS PASSOS NA ÉPOCA DA DITADURA protestos isolados pouco organizados Foi em Itaipu que a organização dos atingidos começou a dar seus 11 16 de outubro de 1978 convocados pela primeiros passos Comissão Pastoral da Terra no pátio da Igreja de 12 Desde o final dos anos 60 a ditadura militar vinha Santa Helena 1500 pequenos agricultores cujas ter reprimindo brutalmente as organizações populares e ras serão inundadas pela barragem de Itaipu encam qualquer tipo de oposição No início dos anos 70 tor inham ao General Geisel penúltimo presidente da turando e violentando os direitos humanos os mil ditadura militar abaixoassinado denunciando o itares haviam derrotado as tentativas de guerrilha e a preço irrisório das indenizações que estão sendo ofer resistência urbana dos grupos revolucionários que se tinham isolado dos trabalhadores O caminho tinha ecidas 14 a 19 de julho de 1980 agricultores atingidos pela ficado aberto para implantarem seu modelo de desen barragem de Itaipu organizados no Movimento volvimento Justiça e Terra acampam em frente ao escritório da empresa em Santa Helena exigindo abertura de negociações Se os expropriados de Itaipu do Movimento Justiça e Terra não alcançaram grandes vitórias pelo menos conseguiram mel horar um pouco as indeniza ções Fizeram o primeiro acam pamento da história dos atingi dos e escreveram o primeiro capítulo da história da luta dos atingidos por barragens no Brasil lutando contra a expropri ação por terra e por justiça Na verdade desde os anos 40 e 50 tinha havido reclamações contra as barragens Mas eram As consequências foram dramáticas arrocho salarial concentração de renda modern ização da agricultura e êxodo rural urbanização acelerada com crescimento das favelas e periferias pobres Era o chama do milagre brasileiro como disse um ministro daquela época a economia ia bem mas o povo ia mal 13 Os grandes projetos hidrelétricos foram parte deste modelo de desenvolvimento Grandes usinas hidrelétricas começaram a ser construídas em todo o pais A energia gera da deveria sustentar a urbaniza ção e industrialização aceler marcos são arrancados em Machadinho RG 1988 22 NA REGIÃO NORTE A BARRAGEM DE TUCURUÍ no rio Tocantins estado do Pará inundou 2830 km e deslocou mais de 25000 pessoas Em 1978 sem quaisquer informações acerca do proje to as famílias a serem ATINGIDAS começaram a ser cadastradas para fins de indenização pela Eletronorte empresa responsável pela obra Em 1981 a empresa dava por concluídas as indenizações e oferecia uma pequena ajuda para aqueles atingidos que optassem por abandonar a área por conta própria Os poucos reassentados enfrentavam uma realidade bem distin ta do que havia sido prometido No final de 1981 constituiuse sempre com o apoio de sindicatos de trabalhadores rurais o Movimento dos Expropriados pela Barragem de Tucuruí que encaminhou à ELETRONORTE e outras autoridades governamentais suas denúncias e reivindicações Em setembro de 1982 400 pessoas acamparam por 3 dias em frente ao escritório da empresa na cidade de Tucuruí Suas reivindicações terra por terra lotes de 21 alqueires vila por vila casa por casa indeniza ções justas e ressarcimento dos prejuízos Em abril de 1983 novo acampamento reuniu 2000 pes soas A ELETRONORTE aceitou abrir negociações e uma Comissão Representativa dos Expropriados de Tucuruí foi a Brasília dialogar com a presidência da empresa O acampamento foi mantido até o retorno da Comissão com a notícia de que a ELETRONORTE se comprometia a relocar todos em lotes de 100 hectares pagar indenizações justas e ressarcir os prejuízos pelo tempo em que tinham ficado proibidos de plantar A luta pelo cumprimento do acordo passou a ser o objetivo central do movimento Mas a realidade tornouse ainda mais dramática em virtude do fato de que 600 famílias já reassentadas tiveram suas terras tomadas pelo lago a ELETRONORTE se equivocou na demarcação das áreas a serem inundadas Em outra trágica demonstração de irresponsabilidade a margem esquerda do reservatório onde havia sido assentada a maioria dos expropriados foi infestada por uma praga de mosquitos até então desconhecidos na região adas que alimentavam o sonho propagandeado para as classes médias urbanas fazer do Brasil uma grande potência As grandes barragens eram usadas como símbolo da potência do país e do regime militar E serviam também para fornecer energia barata para a exportação de produtos eletrointensivos como o alumínio 14 Estas grandes obras expulsavam dezenas de mil hares de pessoas Pequenos produtores perdiam suas terras suas casas e seu trabalho E iam se jun tar aos milhões de expropriados pelo latifúndio con denados ao desemprego e miséria nas favelas mocambos invasões e periferias das grandes cidades Em alguns lugares sobretudo no sul do país o governo vendeu o sonho de que quem quisesse ser colono na Amazônia teria muita terra boa e barata muitos dos que acreditaram nessa história fizeram a viagem de volta desesperançados e doentes indo engrossar nos anos 80 os acampamentos de semterra 15 Mas no final dos anos 70 e o início dos anos 80 ressurgiam a organização e a resistência dos movi mentos populares nas cidades e nos campos A classe média urbana desencantada com a estag nação económica e a falta de liberdade perdia as ilusões e recusava apoio à ditadura Até mesmo setores das classes dominantes achavam que os mil itares já tinha cumprido seu papel e podiam voltar para os quartéis O regime militar se enfraquecia e era obrigado a conceder a anistia Os presos políticos saíam das cadeias e os exilados políticos começaram a retornar ao país Das greves e do sindicalismo combativo nasceram a CUT Central Única dos trabalhadores e o Partido dos Trabalhadores No campo no Nordeste e em São Paulo cortadores de cana e colhedores de laranja faziam greves Se iniciavam as lutas dos Sem Terra Em 7 de setembro de 1979 110 famílias ocupavam a Fazenda Macali em Ronda Alta no Rio Grande do Sul e quase dois anos depois se organiza o histórico acampamento dos semterra na Encruzilhada Natalino As Comunidades Eclesiais de Base a Comissão Pastoral da Terra e outras pastorais pro gressistas apoiavam a organização popular pela base Foi neste período que surgiram as lutas e organiza ções que dariam origem ao Movimento Nacional de Atingidos por Barragens 2 AS LUTAS LOCAIS E REGIONAIS 21 No início dos anos 80 3 grandes movimentos começaram cada a um a sua maneira a se organizar Na Região Norte no Nordeste e no Sul os atingidos por barragens criavam diferentes palavras de ordem formas de organização e formas de luta para defen derem seus direitos UMA HISTÓRIA DE ORGANIZAÇÃO E LUTA parte 1 Em Tucuruí diferentemente do ocorrido em outras barragens também a população a justante da bar ragem se mobilizou sobretudo a partir de 1986 quan do o barramento do rio provocou a degradação da qualidade da água com repercussões na saúde públi ca redução drástica da pesca e alterações no regime do rio de que dependem as populações ribeirinhas para realizar sua agricultura de vazante Na mobiliza ção destas populações tiveram papel de destaque os sindicatos dos municípios a jusante Em 1989 5 anos após a inauguração da usina ocorrida em 24 de novembro de 1984 constituíase a CAHTU Comissão dos Atingidos pela Hidrelétrica de Tucuruí reunindo os expropriados de montante e os atingidos de jusante para levar adiante suas lutas e reivindicações Em virtude de um estudo realizado pela Comissão Mundial de Barragens em outro caderno do Manual do Atingido vamos falar melhor sobre esta Comissão em 1999 e a ameça da segunda etapa de Tucuruí os atingidos realizaram várias reuniões e reiniciaram o processo de negociação com a ELETRONORTE Em 2001 no 14 de março mais de 1000 expropriados ficaram acampados em Tucuruí e fizeram marcha até a entrada da obra atingidos não se organizassem O fato é que mais ou menos na época em que a CHESF fechava as com portas de Sobradinho 1977 iniciaramse as obras da barragem de Itaparica No entanto apenas em 1979 lideranças de sindicatos rurais começaram a pro mover reuniões nos municípios Invocando a trágica situação dos atingidos pela barragem de Sobradinho muitos deles relocados na caatinga semiárida o movimento nascente se concentrou nas seguintes reivindicações terra por terra na margem do lago água nas casas e nos lotes indenizações justas das benfeitorias Em agosto de 1979 ocorreu a primeira concen tração de trabalhadores rurais em Petrolândia Pernambuco e neste mesmo ano sindicatos rurais de vários municípios atingidos constituíram uma espé cie de coalizão sindical sob o nome de Pólo Sindical de Trabalhadores Rurais do Submédio São Francisco Vale a pena destacar o fato de que con trariamente ao que havia acontecido no sul do país não se constituiu aqui uma forma de organização específica dos atingidos mas uma articulação inter sindical para levar adiante a luta A segunda concentração em janeiro de 1980 reuniu mais de 5000 pessoas em Petrolândia Em 1984 os sindicatos com apoio de técnicos elaboraram um documento 23NAREGIÃONORDESTEA BARRAGEM DE FTAPARICA no médio São Francisco Diretrizes Básicas para o Reassentamento em que reiteravam e detalhavam antigas reivindicações introduzindo algumas novas como por exemplo lotes de 25 hectares dos quais 6 irrigados irrigação por aspersão administração do projeto pelos trabalhadores melhor escolha das ter ras estradas Mas a CHESF só conversava segun do os relatos A falta de resposta às reivindicações e o atraso do cronograma social em relação ao crono grama das obras civis aumentavam a angústia e provocavam a ampliação e radicalização do movimen to Em outubro de 1985 6 mil manifestantes ocu param o canteiro de obras A CHESF continuava entre Pernambuco e Bahia inundou 834 km e expul sou 40000 pessoas No Vale do São Francisco a construção no início dos anos 70 das barragens de Moxotó sobretudo Sobradinho feitas sem qualquer consideração para os problemas sociais funcionou como advertência do que poderia vir a ocorrer em outras barragens se os e 24 NA REGIÃO SUL NA BACIA DO RIO URUGUAI o Plano 2010 da Eletrobrás projetava a construção de 23 barragens que expulsari am 200000 pessoas nos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina A organização e luta de resistência no Alto Uruguai de um lado seguiram um caminho parecido com o de Itaipu ação de religiosos e militantes da CPT na mobi lização presença dos sindicatos de trabalhadores rurais importância fundamental da informação orga nização dos atingidos nas comunidades e municípios Houve porém uma grande e decisiva novidade pela primeira vez as populações ameaçadas de desloca mento começaram a se mobilizar e organizar antes do início da obra Em 24 de abril de 1979 350 agricul tores reunidos em Concórdia Santa Cataria criaram a Comissão Regional de Barragens com o objetivo de obter junto à ELETROSUL maiores informações sobre o projeto e divulgálas amplamente advertindo os atingidos acerca da ameaça que pairava sobre suas vidas Aos poucos na Comissão Regional de Atingidos por Barragens do Alto Uruguai CRAB desenvolveuse uma organização que cobria o con junto da área ameaçada Em fevereiro de 1983 em Carlos Gomes distrito dos mais combativos na luta contra a barragem de Machadinho 20 mil pessoas participaram da Romaria da Terra cujo tema foi Águas para vida não para a morte tema que 15 anos depois se transformaria em palavradeordem do movimento internacional PO Fulgêncio Manuel da Silva 1997 rejeitando as principais reivindicações e em 1986 anuncia o fechamento das comportas para 1987 Em 1 de dezembro de 1986 os atingidos voltaram a ocupar o canteiro Foi um ato de grande repercussão regional e mesmo nacional A solidariedade de religiosos entidades sindicais organizações populares ONGs e parlamentares foi expressiva As obras foram paralisadas até que um acordo fosse firmado terra por terra 25 salários mínimos até o início da produção participação dos trabalhadores na compra de terras e na adminis tração do reassentamento No entanto a conquista do acordo não deu por encerrada a luta que daí por diante se concentrou em tentar garantir o cumpri mento do acordo militante levanta a bandeira do MAB Desde o ano de setenta e seis Que a gente iniciou Nossa organização De todo trabalhador Para não perder as terras Que a gente sempre plantou Isso a gente iniciou Quando se ouviu falar Que essa empresa CHESF Aqui ia começar A construção de uma barragem Pra poder nos afogar Fulgêncio Manuel da Silva líder sindical rural de Pernambuco e um dos fundadores do MAB Nacional é o autor desta e de muitas outras poesias sobre a luta contra as barragens Fulgêncio foi assassinado em 1997 Uma enorme perda para a luta dos atingidos e dos trabalhadores rurais em geral no Brasil contra barragens Em 1985 o abaixoassinado Não às Barragens com mais de um milhão de assinat uras recolhidas pela CRAB foi entregue ao Ministro Extraordinário de Assuntos Fundiários Após ter de forma tímida pedido indenizações justas a CRAB havia dado prioridade à luta por terra por terra enfa tizando a necessidade de reassentar os colonos com pulsoriamente deslocados A partir daí era o confronto aberto a luta contra a construção das barragens Terras Sim Barragens Não A radicalização do movimento criou obstáculos políti cos complexos para a execução do projeto É bom destacar que muitas e eficazes foram as iniciativas de ação direta marcos colocados pela empresa eram arrancados técnicos da ELETROSUL ou de suas con tratadas em trabalhos de campo eram proibidos de invadir as propriedades e convidados a passar algum tempo com as comunidades atingidas Esta situação acabou empurrando a ELETROSUL em direção ao acordo de julho de 1987 Do ponto de vista da ELET ROSUL e do Setor Elétrico brasileiro o acordo signifi cava o compromisso com uma série de condições para seguir adiante com o projeto Dentre estas as mais importantes eram fim das negociações individu ais e aceitação de que todas as negociações seriam feitas comunidade por comunidade com a presença de representantes da CRAB atrelamento do crono grama das obras ao cronograma de negociação e solução dos problemas sociais oferta a todos os atingidos inclusive aos não proprietários da possibil idade de reassentamento coletivo A história da luta após o acordo histórico de 1987 pode ser descrita em poucas palavras luta pelo cumprimento do acordo UMA HISTÓRIA DE ORGANIZAÇÃO E LUTA parte 1 No final da década de 1980 houve forte mobiliza 25 Embora as lutas em Tucuruí no Vale do São ção da população atingida pela barragem de Irai Francisco e na Bacia do Uruguai fossem as mais SCRS realizando festival de canção reuniões fortes outras lutas também começaram a acontecer concentrações que resultaram no cancelamento nos anos 80 As principais foram na região norte da UHE Irai O mesmo processo ocorreu na bar Balbina Belo MonteJuruá Babaquara Cachoeira ragem de Itapiranga uma das primeiras que Porteira JiParaná na região nordeste Xingó Pedra estavam planejadas para o rio Uruguai Em 06 do Cavalo Pão de Açúcar e Castanhão na região janeiro de 1986 ocorreu uma grande concen sudeste Simplício SapucaiaAnta Itaocara e Santa tração no município de RiguezaSC reunindo mais Rita na região centrooeste Cana Brava Foz do de 3 mil atingidos Na assembléia decidiuse por Bezerra e Peixe na região sul Dona Francisca e as arrancar todos os marcos e expulsar os técnicos barragens do rio Iguaçu tais como Foz do Areia da ELETROSUL que já estavam morando em Salto Santiago Salto Segredo e Salto Caxias E quan Itapiranga e a obra até hoje não saiu Esses são tas outras mais que surgiram sumiram e das quais alguns exemplos de algumas lutas que efetiva não se tem notícia pois tudo o que contamos aqui não mente impediram a construção de barragens na está na história oficial mas sim na memória dos luta dores e lutadoras que viveram estas experiências Bacia do Rio Uruguai PARA A DISCUSSÃO E O ESTUDO 1 Quando a seu ver teve início a a luta dos atingidos por barragens no Brasil Por quê 2 Lembre o que aconteceu em cada uma das datas abaixo e escolha aquela que lhe parece mais impor tante para a história do movimento dos atingidos Explique sua escolha 16 de outubro de 1978 1419 de julho de 1980 abril de 1983 outubro de 1985 06 janeiro de 1986 julho de 1987 3 Quais foram os três principais focos de resistência dos atingidos durante a década de 1980 4 Quais são na sua opinião os principais focos de resistência no momento atual Neste caderno do Manual do Atingido vamos continuar contando a história do movimento de atingi dos por barragens no Brasil Vamos falar da criação do movimento nacional o desenvolvimento das bandeiras de lutas nos anos 1990 vitórias e conquistas até chegar a criação de um movimento inter nacional de atingidos 1 O NASCIMENTO DO MOVIMENTO NACIONAL 13 Em todos os projetos em todas as bacias e vales UNIDADE E DIVERSIDADE o inimigo era o mesmo as empresas energéticas o Plano 2010 da Eletrobrás que previa a implantação de usinas hidrelétricas A ditadura militar já tinha 11 Com a ajuda de setores da Igreja Católica e do movimento sindical na época era o Departamento acabado uma nova constituição estava em vigor Nacional de Trabalhadores Rurais da CUT a CRAB algumas liberdades democráticas tinham sido con tornou a iniciativa de organizar em abril de 1989 em quistadas mas o modelo energético implantado Goiânia o I Encontro Nacional de Trabalhadores pela ditadura militar permanecia o mesmo Lutar con Atingidos por Barragens O encontro foi preparado tra este adversário comum contra a política e o mod erna encontros regionais Norte Nordeste Sudeste e Sul elo energético era o objetivo comum daquelas pes 12 O I Encontro Nacional de TrabalhadoresAtingidos soas vindas de todas as regiões do país por Barragens foi principalmente consagrado à troca de experiências Quase todos os relatos contavam uma 1 Encontro Nacional de Trabalhadores Atingidos por Barragens Goiânia 1921 de abril de 1989 Em Goiânia atingidos por barra gens de todo o país aprovaram pela primeira vez na história uma pauta e um plano de lutas nacionais 1 elaboração de uma nova política para o setor elétrico com a participação da classe trabal hadora 2 que sejam imediatamente solucionados os problemas soci ais e ambientais gerados pelas hidrelétricas já construídas e que isto seja condição para implantação de novos projetos SP rJrcv 1 i wmmÈSm história parecida grandes proje tos hidrelétricos decididos sem consultar ninguém falta de informações direitos dos atingi dos desprezados Os relatos contavam também de como apesar das dificuldades o povo atingido ia se organizando man ifestando conseguindo impor negociações ampliando sua influência e conseguindo algu mas conquistas Acampamentos ocupações de canteiros arrancação de mar cos marchas abaixoassina dos estas eras as formas de ação mais usadas i encontro da Coordenação Nacional do MAB RJ 2002 3 cumprimento dos acordos já firmados entre os atingidos e as concessionárias 4 fim imediato dos subsídios tarifários às indústrias favorecidas pelo setor elétrico Reforma agrária já sob o controle dos trabalhadores Demarcação das terras indígenas Demarcação das terras das comunidades negras remanescentes de quilombos Não pagamento da dívida externa extraído da Carta de Goiânia 15 A diversidade não ameaçava a unidade do Movimento Nacional que estava nascendo Ao con trário fortalecia esta unidade afirmando a riqueza da diversidade da cultura da organização e da experiên cia de cada luta e de cada organização local ou regional Em respeito a esta diversidade o Encontro de Goiânia afirmou a necessidade de serem respeitadas as diferentes realidades citando como exemplo as diferentes formas de organização no Vale do São Francisco Pólo Sindical e na Bacia do Rio Uruguai Comissão Regional de Atingidos por Barragens 16 O Encontro de Goiânia criou uma Comissão Nacional Provisória para organizar no ano seguinte o I Congresso Nacional dos Atingidos por Barragens Mas o Congresso só aconteceu em março de 1991 em Brasília Delegados vindos de todo o país decidiram então fundar o MAB Movimento dos Atingidos por Barragens como um movimento nacional popular e autónomo Foi eleita a primeira Coordenação Nacional do MAB Também se resolveu que o Movimento teria sede em São Paulo com uma secretaria nacional funcionando permanen temente Para marcar o nascimento do MAB o dia da plenária final do I Congresso 14 de março foi consagrado como Dia Nacional de Luta Contra as Barragens sendo celebrado desde então em todo o país Em 1997 o I Encontro Internacional de Povos Atingidos por Barragens Curitiba 1997 consagrou o 14 de março como Dia Internacional de Luta con tra Barragens 14 Parecia que a mesma história se repetia nos mais diferentes vales e regiões Em Goiânia ficou claro que os atingidos de todo o país tinham os mesmos proble mas e os mesmos inimigos Mas ficou claro também que em cada região em cada vale ou beira de rio os movimentos tinham encontrado caminhos próprios para a organização e a luta Em alguns lugares os sindicatos organizavam e lideravam os atingidos em outros os atingidos tinham criado organizações próprias Em alguns lugares a luta tinha começado depois de a obra já estar pronta ou começada em out ros os atingidos estavam lutando para que a obra não fosse realizada Além disso cada localidade tinha suas próprias experiências políticas Todos aprendiam com todos a experiência de um servia de aprendizado aos outros Trabalhadores rurais sem terra pequenos produtores povos indíge nas remanescentes de quilombos populações urbanas caboclos sertanejos mineiros e gaúchos descendentes de escravos e de imigrantes europeus esta enorme diversidade deu um extraordinário colori do ao nascimento do Movimento Nacional UMA HISTÓRIA DE ORGANIZAÇÃO E LUTA parte 2 para coordenar as regionais Mas a legitimidade do MAB crescia 24 Os Congressos Nacionais do MAB passaram a ser realizados de três em três anos Em dezembro de 1993 realizouse o II Congresso Nacional do MAB quando se deliberou dentre outras coisas pela necessidade da organização de um encontro interna cional de atingidos Em dezembro de 1996 em São Paulo aprofundando o debate sobre as linhas gerais de ação trabalho de base política de alianças e posição frente o setor elétrico realizouse o III Congresso Nacional do MAB 2 A LUTA NOS ANOS 90 III Congresso Nacional do Movimento de Atingidos por Barragens São Paulo 1013 de dezembro de 1996 Em São Paulo os atingidos por barragens de todo o país reafirmaram suas convicções e aprofundaram posições políticas principalmente frente o Setor Elétrico brasileiro O MAB exige do governo brasileiro a formulação de uma nova política energética que a contemple a participação da população no seu planejamento decisão e execução b priorize as questões sociais e ambientais antes da implementação da barragem considerando sem pre a bacia hidrográfica c corrija as distorções existentes no Setor Elétrico acabando com desperdícios na transmissão exe cução e consumo de energia bem como o fim dos subsídios aos grandes consumidores d invista em pesquisa na busca de novas fontes energéticas e priorize o desenvolvimento de fontes alternativas energéticas por exemplo energia solar eólica pequenas barragens em local adequado com critérios estabelecidos pela população f garanta o acesso à energia para todas as famílias e principalmente aquelas atingidas As principais bandeiras de luta são Exigir o cumprimento dos acordos já firmados entre atingidos e as concessionárias do setor elétrico Exigir soluções para os problemas sociais e ambi entais antes de construir a obra e para os causados pelas barragens já construídas e em construção e que não sejam concedidas licenças para novas até a solução dos mesmos Exigir o fim imediato dos subsídios tarifários às indústrias favorecidas pelo setor elétrico Exigir o destinamento nos orçamentos federais e estaduais dos recursos necessários para a solução dos problemas sócioambientais das barragens já construídas ou em construção Exigir a adoção de critérios socialmente justos economicamente viáveis e ambientalmente corretos extraído do documento final do III Congresso 21 Os anos 90 se iniciaram pois com novos desafios construir um movimento nacional unificar as lutas dos atingidos colocar na ordem dia a necessi dade de implantar um novo modelo energético e um novo modelo de desenvolvimento A realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento RIO 92 no Rio de Janeiro em junho de 1992 favoreceu em certa medida a divulgação dos graves impactos sociais e ambientais provocados pelas grandes barragens O MAB nesta época participou do Fórum Nacional de ONGs e através da CRAB coordenou o Grupo de Trabalho sobre Energia do Fórum Isso foi importante pois colocava os atingidos e seu movimento em con tato com algumas organizações e militantes ecologis tas que poderiam ser aliados da luta contra as barra gens e por um novo modelo energético 22 Por outro lado a crise económica prolongada havia tornado impossível realizar os planos de expan são do setor elétrico Isso teve um aspecto positivo porque embora apenas adiadas as barragens não estavam sendo construídas Mas teve também um aspecto negativo porque favorecia a desmobilização e desorganização em algumas regiões pois muita gente começou a acreditar que as barragens não viri am mais Também foi negativa a desaceleração dos investimen tos ali onde as barragens já estavam em construção ou tinham sido recentemente construídas como Itá Serra de Mesa Tucuruí Itaparica entre outras botan do a culpa na falta de recursos as empresas atrasavam os investimentos para reassentamento e para indenização provocando enormes prejuízos e sofrimentos aos atingidos 23 As lutas dos anos 90 foram sobretudo para forçar as empresas a cumprirem os compromissos assumidos Ocupações de canteiros de obra acam pamentos e manifestações foram importantes instru mentos de luta A organização nacional se mostrava tarefa bastante difícil faltavam recursos faltava gente a secretaria de São Paulo tinha dificuldades 3 ANTIGAS REIVINDICAÇÕES NOVOS DESAFIOS A LUTA CONTINUA O IV Congresso realizado em novembro de 1999 em Belo Horizonte confirmou as diretrizes anteriores e definiu a linha de combate contra as políticas neo liberais e o processo de privatização do setor elétrico Em 1999 também se avançou na elaboração das lin has gerais sobre o que poderia vir a ser um Novo Modelo Energético e um Projeto Popular para o Brasil Uma vez mais o Congresso afirmou a priori dade da organização de base e da luta de massa como principal forma de fortalecer o movimento e alcançar seus objetivos 25 Como ressaltamos anteriormente para ampliar as relações do MAB com os movimentos de atingidos de outros países e fortalecer a solidariedade interna cional o II Congresso MAB tinha deliberado convocar um Encontro Internacional Em setembro de 1995 realizouse em Itamonte Minas Gerais um Encontro Internacional PreparatórioA troca de experiências e a discussão acerca do caráter internacional da luta dos atingidos mostraram grandes acordos entre as diversas organizações presentes Estas organizações decidiram compor um Comité de Convocação e Organização do Povos Atingidos por Barragens Este Encontro aconteceu em março de 1997 em Curitiba com a participação de delegações de 20 países dentre elas organizações de atingidos por barragens e organizações de apoio Durante o encon tro atingidos por barragens da Ásia América África e Europa puderam compartilhar suas experiências de lutas e conquistas fazer denúncias e discutir as políti cas energéticas a luta contra as barragens em escala internacional bem como formas de defender os dire itos das famílias atingidas e o fortalecimento interna cional do Movimento Este Encontro aprovou a Declaração de Curitiba plataforma internacional de lutas dos atingidos e definiu o 14 de Março como o Dia Internacional de Luta contra as Barragens 31 Já se passaram mais de 20 anos desde que os expropriados de Itaipu desafiaram a ditadura militar para defender seus direitos Muitas foram as derrotas e dificuldades enfrentadas pelo movimento Muito importantes também foram as vitórias No Vale do Ribeira em São Paulo e Paraná os ameaçados por barragens muitos deles remanescentes de quilom bos têm resistido e conseguido impedir a construção de barragens no Rio Ribeira do Iguape Na Bacia do Rio Uruguai após ter impedido a obra por vários anos a heroica resistência contra Machadinho obrigou à definição de um novo eixo da barragem reduzindo de Encontro Internacional dos 3500 para 1600 o número de famílias deslocadas Em Itá e também em Machadinho pela primeira vez na história as empresas foram obrigadas a assumir plenamente o reassentamento inclusive dos semterra atingidos Na Bacia do Rio Uruguai outros projetos menores como das barragens de Irai e Itapiranga foram cancelados pela mobilização popular Por toda a parte os atingidos vêm pressionando as empresas e obtendo vitórias parciais 32 Como os expropriados de Itaipu no final dos anos 70 os atingidos por barragens seguem hoje lutando por terra e por justiça Como os atingidos dos anos 80 na Bacia do Uruguai em Itaparica e Tucuruí os atingi dos continuam lutando por reassentamento negoci ação coletiva e justa reparação de todas as perdas Mas hoje a luta é muito mais ampla O MAB luta para impedir que se continue construindo barragens destrutivas do ponto de vista social e ambiental Luta para que nenhuma barragem seja construída sem a informação e acordo da população como recomen dou a Comissão Mundial de Barragens CMB 33 O MAB é radicalmente contra o processo de pri vatização do setor elétrico que está entregando o controle da energia e das águas ao capital privado muitas vezes estrangeiro O MAB defende um setor elétrico público em que as empresas estatais e o planejamento energético estejam submetidos ao con trole democrático dos trabalhadores e da sociedade muito diferente do modelo tecnocrático e autoritário que predominou durante a ditadura e permanece a i n d a h o j e n a E l e t r o b r á s e m F u r n a s Eletronorte CHESF 34 Finalmente o MAB luta por um novo modelo energético baseado na economia de energia e no desenvolvimento de fontes alternativas solar dos ventos eólica Este modelo energético alternativo que é também um modelo de controle e uso democráticos dos recursos hídricos é parte indispen sável de um Projeto Popular para o Brasil que unifique as lutas de todo o povo por uma sociedade m a i s j u s t a s e m o p r e s s ão e x p l o r a ç ã o e discriminação 35 A história da luta dos atingidos por barragens é muito rica O breve histórico que acabamos de apre sentar não dá conta de todas as lutas vitórias e difi culdades Seriam necessárias muito mais páginas para contar a história de resistência em cada bar ragem em cada vale em cada região do Brasil em todas as partes onde as pessoas lutaram e continuam lutando para garantir sua casa sua t e r r a seu trabalho Na verdade cada dia esta história está sendo reescri ta com novas lutas e conquistas É uma história que se mantém viva pela ação E é uma história que deve se manter viva também nos corações e mentes na memória de todos Para que os começam a lutar agora possam aprender com aqueles que vieram antes Os mais jovens devem pedir aos mais velhos que relatem suas histórias e lembranças E os mais v e l h o s d e v e m a j u d a r o s m a i s j o v e m c o m suas experiências Tem sido uma longa caminhada E a caminhada prossegue UMA HISTÓRIA DE ORGANIZAÇÃO E LUTA parte 2 PARA A DISCUSSÃO E O ESTUDO 1 Lembre o que aconteceu em cada uma das datas abaixo e escolha aquela que lhe parece mais importante para a história do movimento dos atingidos Explique sua escolha 1921 de abril de 1989 14 de março de 1991 junho de 1992 dezembro de 1996 novembro de 1999 14 de março de 1997 2 Qual foi o principal passo dado em direção a construção de uma organização nacional dos atingi dos Quais são as principais conclusões da Carta de Goiânia 3 A Carta de Goiânia afirmava que a necessidade de unificar o movimento nacional não pode repre sentar o desconhecimento das realidades locais e regionais Você concorda com isso Como combinar unidade e diversidade no movimento 4 Quais foram os principais aliados dos atingidos no momento de sua estruturação em nivel nacional Em sua região quais são os principais aliados dos atingidos 5 Quais as principais deliberações do I Congresso Nacional dos Atingidos por Barragens 6 Quais as principais formas de oraganização e luta utilizadas pelos atingidos ao longo da história 7 O que significa o dia 14 de março para os atingidos 8 Cite dois exemplos de vitórias na história da luta dos atingidos no Brasil 9 Quais poderiam ser formas de documentar a história de luta dos atingidos Na sua região é possív el reconstruir a história da luta contra as barragens Como isso deveria ser feito M O V I M E N T O D O S A T I N G I D O S P O R B A R R A G E N S IMPACTOS SOCIAIS E AMBIENTAIS DE BARRAGENS Neste caderno do Manual do Atingido vamos tratar dos principais efeitos que podem acontecer na construção e operação de uma barragem São efeitos sociais e ambientais 1 O DEBATE POLÍTICO efeitos variam conforme cada rio conforme as condições físicas em que o rio está inserido As con sequências de um barragem também variam con forme as populações suas formas de vida sua cul tura etc Para falar dos efeitos de uma barragem é preciso conhecer todos estes fatores com profundi dade Apesar disso a experiência e o conhecimento acumulados permitem dizer quais são os efeitos mais frequentes associados à construção e operação de barragens É este quadro que apresentaremos agora 11 As barragens causam diversos impactos Isso já começa no planejamento passa pela construção até o período de operação Há impactos no meio ambi ente e há impactos sobre a vida das pessoas Há impactos concretos e materiais tais como o alaga mento de florestas casas e cidades Mas também pode haver impactos imateriais como a perda dos laços comunitários de um determinado grupo a sepa ração de membros da mesma família ou a destruição de uma capela ou de um território indígena sagrado onde se realizavam cerimónias e rituais antigos 2IMPACTOS AMBIENTAIS 21 Inundação das áreas do reservatório 12 Os Estudos e Relatórios de Impactos Ambiental chamados EIAs e RIMAs só estudam o impactos de um projeto de cada vez Ora muitas vezes há dois ou mais projetos em um mesmo rio ou bacia O efeito acumulado destes impactos normalmente não é considerado pelos con strutores de barragens e pelos órgãos ambientais A inundação de florestas e da vida selvagem em geral talvez seja o efeito ambi ental mais óbvio de uma bar ragem As barragens inundam terras extremamente férteis que abrigam ecossistemas diversos Boa parte da fauna e da flora que vive nessas áreas normal mente não consegue sobreviver em outras regiões Além disso as barragens normalmente são construídas em áreas que repre sentam o último refúgio de espé cies deslocadas pelo desenvolvi mento de outras regiões Os reservatórios ainda contribuem para ameaçar as rotas migratórias de muitos animais Além da perda inestimável da fauna e da flora os reservatórios também destroem paisagens cênicas algumas delas as mais 13 Cada rio tem caracteristicas únicas espécies animais e vege tais próprias vazão e ciclos natu rais particulares Também as relações entre as populações e os rios variam Por isso cada bar ragem vai ter efeitos específicos ao ser construída Desta forma nunca será possível dizer todos os efeitos da construção e oper ação de todas as barragens Os bonitas do mundo Um caso clássico deste tipo de perda foi a inundação da cachoeira de Sete Quedas no município de Guaíra no Paraná em decorrência do enchimento do reservatório de Itaipu científico sobre a relação entre barragens e tremores de terras começou ainda na década de 1930 Naquela época se acreditava que as atividades sísmicas só poderiam ocorrer enquanto o reservatório estivesse sendo preenchido ou imediatamente após seu com pleto enchimento Hoje se sabe que podem ocorrer tremores quando o nível de água no reservatório é diminuído e até mesmo após alguns anos do seu enchimento quando o nível de água está relativa mente estável 22 Sedimentos Junto com a água os rios transportam sedimentos tirados do solo e das rochas erosão Quando uma barragem é construída esse processo é interrompido Como a água corre muito lentamente no reservatório os sedimentos se depositam no fundo e não seguem rio abaixo Como forma de recuperar o abastecimento normal de sedimentos o rio a jusante abaixo da bar ragem vai aumentar a erosão do leito O processo de erosão do leito de um rio pode causar aprofundamen to e alargamento das margens colocando em risco a fundação de pontes e estradas Também o abasteci mento de água pode ser prejudicado porque as tomadas de água ficam fora de nível Os cientistas ainda discutem sobre os processos que provocam tremores e terremotos Mas é certo que a pressão e o peso da água estocada no reservatório em alguns casos são suficientes para explicar um ter remoto ou tremor 24 Qualidade da água Ao se interromper o fluxo normal do curso de um rio acontecem diversas mudanças na temperatura e na composição química Também são diversas as conse quências para a qualidade da água do reservatório e do rio Em alguns casos também a foz dos rios e a faixa costeira onde lançam as águas ao mar podem sofrer aumento da erosão Com a redução da quantidade de sedimentos carregados pelos rios que desembocam no mar muitas praias e faixas litorâneas perdem sua antiga proteção e passam a sofrer erosão das ondas e das marés É o que está acontecendo no Pontal do Atafona no delta do rio Paraíba do Sul no estado do Rio de Janeiro A água do fundo de um reservatório de uma grande barragem normalmente é mais fria no verão e mais quente no inverno do que a água do rio Já a água da superfície do reservatório é mais quente do que a do rio durante praticamente todo o ano O aquecimento ou resfriamento muda os ciclos de vida dos seres aquáticos tais como período de procriação de caça de metamorfose da larva etc 23 Tremores de terra As barragens podem provocar ou intensificar tremores de terras e atividades sísmicas movimentação dos solos nas vizinhanças dos reservatórios O debate Muito importante é a decomposição da vegetação e do solo submerso pelo reservatório Durante os torres da igreja matriz da cidade de Itá SC vatório Em algumas áreas da borda do lago uma pessoa que ficasse uma hora parada receberia 600 picadas A qualidade da água também se altera por causa da maior concentração de sais A construção dos reser vatórios aumenta em muito a superfície de água exposta aos raios solares o que provoca uma ele vação da evaporação O resultado é o aumento da concentração de sais na água cujo efeito pernicioso é o envenenamento de animais aquáticos e corrosão de tubos e máquinas primeiros anos do enchimento do reservatório essa decomposição pode reduzir a quantidade de oxigénio na água O apodrecimento de matéria orgânica tam bém pode levar a uma liberação de gases tóxicos Nos trópicos região do planeta onde se encontra a maior parte do território brasileiro a decomposição da matéria orgânica pode demorar algumas décadas Uma forma de diminuir este problema seria através da limpeza da zona do reservatório antes do seu enchi mento Entretanto devido aos custos e à pressa nor malmente apenas parte do reservatório acaba sendo devidamente desmatada Um caso brasileiro bem conhecido é o da Usina Hidrelétrica de Tucuruí no estado do Pará Dos 2430 Km de floresta que foram inundados para a formação do lago apenas 400 Km foram desmatados Além da decomposição da matéria orgânica a não limpeza da área facilitou a prolifer ação de algas no reservatório Estas por sua vez foram responsáveis por uma terrível praga de mosqui tos que trouxe graves consequências para a popu lação recémrelocada na margem esquerda do reser 25 Peixes Os efeitos das barragens sobre os peixes são os mais diversos possíveis Em primeiro lugar estão as dificul dades criadas para a migração e procriação dos peix es A construção das barragens e a consequente alter ação do fluxo dos rios criam um grande obstáculo para o ciclo migratório dos peixes piracema e até mesmo para a sobrevivência das espécies O segun do impacto que pode ser mortal está relacionado às alterações na temperatura da água Por fim a alta concentração de poluentes nos reservatórios pode aumentar a quantidade e variedade de doenças em peixes Algumas medidas de mitigação ou compensação têm sido usadas para diminuir os impactos negativos nos peixes A mais usada é a escada de peixe cuja eficá cia tem sido questionada por muitos especialistas Mesmo quando isso ajuda um pouco a manter a vida aquática raramente se consegue evitar que espécies nativas entrem em extinção No caso da Usina de Tucuruí por exemplo os dados demonstram que 11 IMPACTOS SOCIAIS E AMBIENTAIS DE BARRAGENS A 0 Conceito de Atingido As empresas do Setor Elétrico sempre tentam restringir o conceito de atingido para não ter que arcar com indenizações e reparações a todos os que sofrem os efeitos das obras O I Encontro Nacional de Trabalhadores Atingidos por Barragens em abril de 1989 definiu como atingidos todos aqueles que sofrem modifi cações nas suas condições de vida como conse quência da implantação das barragens indepen dente do local em que vivem ou trabalham É assim que o Movimento pensa todo mundo que tenha sua vida afetada de alguma forma pela con strução da barragem é um atingido Ainda hoje a ampliação do conceito de atingido é objeto da luta política e social Em cada rio em cada bacia em cada região as cul turas valores as atividades económicas e os modos de vida assim como as experiências de luta e organi zação são diferentes Por isso os efeitos sociais das barragens podem variar muito de um lugar para outro Apesar disso é possível e necessário apresentar os principais impactos sociais económicos e culturais que costumam acontecer 31 População deslocada pelas grandes barragens espécies desapareceram da região A jusante da bar ragem de Tucurui a situação dos pescadores ficou dramática com enorme redução da pesca de que muitos dependiam para sobreviver 3 IMPACTOS SOCIAIS Ninguém sabe dizer com precisão quantas pessoas foram deslocadas até hoje por barragens Falase que foram entre 40 e 80 milhões Mas os deslocados não são os únicos a serem atingi dos Este é um grave problema das estatísticas de atingidos por barragens A maioria dos levantamentos realizados pelos governos eou empresas consider am como atingidos pelo projeto apenas aquelas pes soas que são deslocadas por causa do enchimento do reservatório e que possuem o título de pro priedade Assim muitas pessoas famílias e comu nidades são deixadas de lado a população a montante e a jusante da barragemos posseiros parceiros meeiros arrendatários agrega dos e trabalhadores assalariados da área inundadaas pessoas deslocadas por causa de outras partes do projeto como por exemplo as linhas de transmissão a casa de máquina etcas famílias que perdem suas terras ou parte delas mas que permanecem com suas casasas pessoas que utilizam as terras comuns para pastagem do gado colheita de frutos vegetais e madeiraas pessoas que têm seu acesso a escolas hospitais e comércios obstruído em função da destru ição e alagamento de estradas as pessoas cujas atividades económicas dependiam da população deslocada como por exemplo professoras de escolas inundadas caminhoneiros que transportavam a pro dução etc As famílias e comunidades deslocadas sofrem enormes perdas O impacto mais evidente é a perda de terras casas igrejas clubes escolas comércios etc Costumase chamar este conjunto de impactos de perda dos meios materiais de vida Mas há também uma série de outros impactos menos evidentes que são chamados de perdas imateriais pois não são coisas concretas que são derrubadas assim como as paredes de uma construção É a destruição dos laços e redes sociais É isto que acontece com as pessoas que ao serem obrigadas a sair de sua localidade perdem os vizinhos o contato com amigos de infância com parentes Esta perda pode provocar muita tristeza solidão depressão Pode provocar também algumas perdas materiais como por exemplo a possibilidade de fazer um mutirão para construir um galpão As pessoas que são deslocadas por barragens têm que começar a vida de novo Elas têm que construir novas casas galpões e comércios Têm que matricu larse em novas escolas em novos clubes entrar para uma nova paróquia ou templo fazer novos ami gos e vizinhos Em resumo elas têm que fazer de novo tudo o que foi construído ao longo de sua vida e mesmo da vida de seus antepassados 32 População a jusante e no entorno dos reser vatórios das barragens Como já foi dito anteriormente os impactos sociais económicos e culturais decorrentes da construção de barragens não se limitam à área inundada Isso sig nifica que também são afetadas as populações que vivem a jusante da barragem e que de alguma maneira se utilizam dos recursos tais como rios flo restas pastos estradas destruídos pelo projeto Em alguns casos aqueles que vivem a justante podem ser os maiores prejudicados Existem também populações que ficam no entorno dos reservatórios depois das barragens construí das e que sofrem prejuízos incalculáveis É o caso de comunidades que ficaram muito reduzidas porque muita gente foi embora Quem fica não tem como montar um time de futebol nos fins de semana ou como vender os produtos no pequeno comércio local O problema agravase ainda mais porque tanto para os que estão a jusante quanto para os do entorno alguns dos principais impactos somente são sentidos depois de concluída a obra e decorridos muitos anos Além disso a dispersão dessas comunidades dificulta a organização e luta desses atingidos o que faz com que muitas vezes não recebam nenhum tipo de com pensação durante toda sua vida Por isso é da maior importância desde o início da luta e organização envolver todos os atingidos os inun dados e os não inundados a montante e a jusante da barragem perto e longe A luta dos atingidos é a luta de todos os que tiveram ou vão ter sua vidas prejudi cadas 33 População Indígena Gupos indígenas e minorias étnicas se encontram entre as principais vítimas das barragens O impacto das grandes barragens sobre os povos indígenas IMPACTOS SOCIAIS E AMBIENTAIS DE BARRAGENS tornase especialmente grave porque os séculos de exploração e deslocamento imposto à maioria das tri bos indígenas torna os remotos vales e florestas de suas reservas o último refúgio contra a sua destru ição cultural investir na melhoria de suas casas e roças com medo de perder tudo Assim mesmo quando há plano de reassentamento no momento em que este começa a ser posto em prática a população já se encontra em condições materiais e psicológicas muito piores do que as áreas vizinhas Esse problema tornase extrema mente grave por causa do tempo que pode levar um projeto Podem se passar décadas desde o anúncio até a construção Nessas comunidades o trauma do reassentamento é ainda maior por causa de sua forte ligação espiritual com o território os laços espirituais e as práticas cul turais que ajudam a definir suas sociedades são destruídos pelo deslocamento e pela perda de recursos comunais em que sua economia é baseada A chegada de centenas de trabalhadores máquinas pesadas álcool prostituição e violên cia que sempre acompanham os projetos de barra gens também representam uma ameaça de destru ição e desaparecimento das tribos indígenas 34 Tempo e Incerteza Há um aspecto que nunca é levado em conta nas políticas e planos o tempo que leva um projeto e seus impactos Ao contrário do que se pensa e diz os sofrimentos da população atingida iniciamse muito antes de o projeto começar a ser implementado A partir do momento em que uma barragem é anunci ada a população atingida começa a sofrer com a interrupção de investimentos públicos e privados Os bancos param de emprestar dinheiro Novas escolas e hospitais deixam de ser construídos Serviços e comodidades existentes podem ser interrompidos ou fechados muito tempo antes de a população ser trans ferida Os próprios agricultores decidem não mais Além do tempo existe a incerteza da população Ninguém sabe ao certo se de fato a barragem vai ser construída Nem quando Nem quantas casas e pro priedades serão inundadas quem deverá receber compensação e qual será o valor da compensação Este clima de incerteza pode gerar situações dramáticas e até suicídios 35 Doenças O primeiro tipo de problema de saúde provocado por barragens começa com a chegada de um grande número de trabalhadores da construção civil para trabalhar na obra São trabalhadores que circulam por toda parte e muitas vezes carregam consigo doenças contagiosas como tuberculose sífilis AIDS entre outras Mas os trabalhadores da obra também são víti mas de condições de trabalho perigosas e insalubres na maioria dos casos Os acidentes e mortes são numerosos Além disso doenças parasitárias em especial a esquistossomose e a malária podem aumentar reservatório da barragem de Sardar Sarovar no rio Narmada Também podem ocorrer a febre amarela a dengue e a filaríaseA razão para isso é que as barragens prop iciam um ambiente favorável para a criação de mos quitos caramujos e outros animais que servem de transmissores das doenças ragem e a consequente urbanização da região são fatores que podem elevar o nível de doenças sexual mente transmissíveis especialmente a Aids O aumento da violência doméstica decorrente da ele vação do alcoolismo é outro efeito agravado pelo empobrecimento económico e pela desestruturação das comunidades Outro problema é a acumulação de altos níveis de mercúrio nos reservatórios Este mercúrio se concen tra nos peixes quando usados na alimentação esses peixes trazem um grande risco para a saúde humana Ao mesmo tempo em que as mulheres têm que arcar com os maiores custos do projeto elas são a parte da população que tem menos acesso aos benefícios Por exemplo os empregos criados durante a construção do projeto normalmente são destinados aos homens Além disso a propriedade das terras de reassenta mento e as indenizações na maioria das vezes é são dadas aos homens e não às mulheres Existem ainda os efeitos psicológicos causados pela ruptura cultural e alienação social como stress depressão e em alguns casos suicídio Por fim a destruição das bases produtivas da comu nidade agricultura e pesca pode gerar um período muitas vezes longo de escassez de comida agra vando a fome e a má nutrição Apesar da gravidades desses impactos sobre a saúde a preocupação com essa questão tem sido quase nenhuma na elaboração dos projetos 37 Património Cultural Grandes barragens também costumam provocar a eliminação de recursos culturais templos san tuários elementos sagrados da paisagem lugares e construções de grandes importância cultural ou reli giosa para a comunidade 36 Relações de Gênero O empobrecimento e a ruptura social das comu nidades o trauma e os impactos na saúde têm um efeito muito mais severo nas mulheres Em alguns casos o empobrecimento gerado pelo deslocamento compulsório é responsável pelo aumento da migração masculina para as áreas urbanas aumentando assim o número de casas chefiadas por mulheres que passam a arcar sozinhas com os custos de manutenção dos filhosQuanto à saúde das mulheres a chegada de imigrantes durante a construção da bar A inundação pode provocar a perda de recursos arqueológicos como cavernas fósseis de plantas e animais cemitérios e etc No Vale do Ribeira em São Paulo maravilhosas cavernas campo de muitas pesquisas científicas e de visitação turística estão ameaçadas de inundação Uma das maiores preocu pações das comunidades atingidas diz respeito aos túmulos e cemitérios onde estão enterrados seus ancestrais IMPACTOS SOCIAIS E AMBIENTAIS DE BARRAGENS PARA A DISCUSSÃO E O ESTUDO 1 Quais são os principais impactos ambientais das barragens Na sua região quais são os dois piores 2 Quais são os maiores impactos sociais de barragem em sua região 3 Você acha que as perdas imateriais são importantes Dê exemplos de sua região 4 Para as empresas e governos quem é o atingido Para o Movimentos de Atingidos por Barragens quem é o atingido Compare as duas definições Qual a seu ver é mais correta Por quê M O V I M E N T O D O S A T I N G I D O S P O R B A R R A G E N S SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO UMA BREVE HISTÓRIA DE LIGAÇÕES PERIGOSAS ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO Neste caderno do Manual do Atingido vamos contar brevemente a história do Setor Elétrico Brasileiro Falaremos das três fases pelas quais passou o Setor e ao final analisaremos o momento que vivemos hoje 1 1a FASE A REPÚBLICA DO CAFÉ COM LEITE E O PARAÍSO DAS COMPANHIAS ESTRANGEIRAS 18891930 instalação de uma pequena usina no Ribeirão de Inferno nas proximidades de Diamantina Essa usina servia para alimentar duas bombas que com jatos d água revolviam um terreno rico em diamantes Em 1889 um aproveitamento hidrelétrico de maior porte entrou em operação em Juiz de Fora na época prin cipal centro industrial de Minas Gerais Com capaci dade instalada de 250 KW Marmelos foi construída às margens do rio Paraibuna para o abastecimento de fábrica têxtil e a iluminação elétrica local 13 Durante os primeiros anos do regime republicano houve novos investimentos em energia elétrica mas de pequena montaA partir de 1900 surgiram dezenas de concessionárias em vários pontos do país inclu sive por iniciativa de capitais nacionais As concessões de maior vulto e mais rentáveis foram monopolizadas pelas empresas do grupo canadense Brazilian Traction Light and Power Company conhecido como Light Os negócios da Light come çaram em São Paulo em 1899 e se estenderam ao Rio de Janeiro em 1905 abrangendo serviços de iluminação e bondes elétricos e também de telefonia e gás A geração de eletricidade foi garantida pelo aproveitamento de potenciais hidráulicos de baixo custo nas proximidades do 11 Quando a República foi proclamada em 1889 a economia brasileira dependia essencialmente das exportações de bens primários sobretudo do café cul tivado na região Sudeste e da borracha extraída na Amazônia A expansão do café em bases capitalistas e os altos preços desse produto no mercado externo possibilitaram a modernização e a dinamização de atividades tipicamente urbanas A urbanização o aumento da demanda por serviços públicos e o incre mento das atividades industriais foram a mola propul sora das primeiras experiências no campo da energia elétrica 12 A primeira demonstração pública da iluminação elétrica ocorreu ainda no Império em 1879 no Rio de Janeiro com a instalação de seis lâmpadas na estação central da antiga Estrada de Ferro D Pedro II depois conhecida como Central do Brasil Em 1883 o imperador inaugurou na cidade de Campos no norte do Estado do Rio de Janeiro o primeiro serviço de iluminação elétrica pública da América do Sul A primeira utilização de energia hidrelétrica ocorreu também em 1883 em Minas Gerais com a bonde tétricos começo daeletrificação brasileira Distrito Federal e da capital paulista No Rio de Janeiro os canadenses colocaram em operação em 1909 a usina de Fontes no ribeirão de Lajes Com potência de 24 MW era uma das maiores do mundo naquela época Em 1930 o grupo Light respondia por cerca de metade de toda a capacidade de geração de energia elétrica do país estimada em 700 MW 14 Fora do eixo RioSão Paulo as concessões mais importantes passaram ao controle do grupo norte americano American Foreign Power Company Amforp Tendo iniciado suas atividades no Brasil em 1927 a Amforp adquiriu dezenas de empresas nacionais e as concessões dos serviços de eletrici dade em numerosas cidades do interior de São Paulo e de outros estados como Belo Florizonte Recife Salvador Porto Alegre Pelotas Curitiba Niterói Vitória Maceió e Natal Ao lado das duas gigantes multinacionais Light e AMFORP pequenas companhias privadas sobre viviam em pequenas cidades com mercado pouco lucrativo 15 Até 1930 o Governo não tomou nenhuma medi da importante de intervenção nas áreas de produção e distribuição de energia elétrica limitandose a con ferir autorizações e concessões para o funcionamento das empresas Estados e municípios tinham grande autonomia para firmar contratos com as conces sionárias de capital privado Os prazos de concessão podiam variar de 30 até 90 anos Os contratos com a Light e outras companhias consagraram a famosa cláusulaouro permitindo o reajuste das tarifas sem pre que houvesse desvalorização da moeda brasileira naquela época denominada milréis Era o paraíso para as grandes empresas privadas estrangeiras usavam a água à vontade produziam a quantidade de energia que queriam e onde queriam Cobravam o preço que achassem necessário e ainda por cima o governo convertia isso em ouro para que elas pudessem enviar os lucros para as matrizes no exterior 2 2a FASE O CÓDIGO DE ÁGUAS E A TENTATIVA DE REGULAR AS COMPANHIAS PRIVADAS ESTRANGEIRAS 19301962 21 A Revolução de 1930 conduziu Getúlio Vargas ao poder e marcou uma nova etapa na vida política do país Foi também o início de uma nova orientação para o setor de energia elétrica Forças que partici param e apoiaram a revolução defenderam uma maior intervenção dos poderes públicos na utilização das fontes energéticas do país Em 1933 Vargas extinguiu a cláusulaouro Em 1934 foi lançado o Código de Águas 22 Com o Código de Águas muitas foram as modifi cações introduzidas As mais importantes foram as seguintes A propriedade dos rios deixava de ser do proprietário da terra e passava a ser propriedade do município do estado ou da União O Código também estabelecia uma série de regras e restrições ao uso das águas determinando que o uso para abastecimento humano era o mais importante A propriedade das quedas dágua e do potencial hidrelético deixava de ser do proprietário da terra e passava a ser património da nação sob a forma de propriedade da União A partir de então o aproveita mento de potencial hidrelétrico passou a depender de autorização ou concessão do governo por prazo máximo de 30 ou 50 anos conforme o montante dos investimentos As tarifas passariam a ser fixadas segundo os custos de operação e o valor histórico dos investimentos o que significava o fim da cláusulaouro e da correção monetária automática conforme a variação cambial O Estado governo federal passava a deter o poder de concessão e de fiscalização estabelecendo pelo menos teoricamente as condições para controlar as atividades das empresas privadas 23 As grandes empresas privadas partiram para a guerra contra a nova legislaçãoTudo fizeram para boicotála A Light em razão de seu enorme poder chegou a ser apelidada nos anos 50 de polvo canadense pois controlava com seus tentáculos parte dos poderes judiciário legislativo e judiciário Assim como os latifundiários têm hoje sua bancada parlamentar a chamada bancada ruralista existia a bancada da Light Também tinham muitos juízes a seu serviço assim como grandes jornais e revistas estações de rádio A Light apoiava sistematicamente os candidatos e partidos conservadores antipopu lares e submetidos ao imperialismo 24 Como enviavam para a matriz no exterior a maior parte dos seus lucros sobrava muito pouco n tá o d e i L o fdp Deereca o CÓdlgo de Águas At 9 d doo oázdx fyncdo doá 9iaoid Q COZMO usando daa atribuiçBea que lhe coníére o art 1 do decreto n 19398 de 11 de novembro de 1930 e CCBSEDERASDO que o uso das aguas no Srasll temse regido até hoje por uma legislaçEo obsoleta em desaoSro com as nece sldadesInteresses da coletividade nacional CONSIDSRJUfbO que se toma nooessarlo modificar esse estado de oolsas dotando o país de una legislaçEo adequada que de ao8r do com a tendencia átual permita ao poder publioo oon trolar e inoentivar o aproveitamento industrial das aguas CCHSIDERAKDO que em particular a energia hídraulioa exige medidas que faollitem e garantam seu aproveitamento racional CCMSIDEEAHDO que com a reférma por que passaram os serviços afétos ao Ministério da Agricultura está o Governo aparelha do por seu3 orgSos competentes a ministrar assistência técnica e material Indispensável á oonseouçSo de tais objetivos RESOLVE decretar o seguinte Código de Aguas cujo ereouçEo oonpéte ao Ministério da Agricultura e que vai assinado pelos ministros de Estado SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO UMA BREVE HISTÓRIA DE LIGAÇÕES PERIGOSAS ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO para que a Light e Amforp investissem na expansão da geração e distribuição de energia elétrica E elas só investiam ali onde tinham a certeza de que os retornos seriam altos Com o avanço da urbanização e da industrialização a crise se instalou Faltava ener gia elétrica para o abastecimento das cidades para a expansão industrial Para a agricultura nem falar pois não achavam lucrativo Por isso também muitos bair ros pobres das grandes cidades como as favelas não tinham abastecimento de luz elétrica Em 1954 no segundo Governo Vargas um Plano Nacional de Eletrificação vai tentar enfrentar a crise crónicaPara isso também foram criados mecanismos financeiros através de um Fundo Federal de Eletrificação que seria alimentado com um Imposto Único sobre Energia Elétrica a ser cobrado em todas as contas de luz 25 Mas todas as tentativas de controle estatal sobre as grandes companhias esbarravam em seu boicote à legislação e sua recusa de investir na expansão da geração Como as companhias privadas controlavam a produção de enegia tinham extraordinário poder de pressão Os exércitos de advogados juízes deputa dos jornalistas a serviço da Light protegiam seus interesses e garantiam o sistemático desrespeito da lei constrição da primeira subestação da SF em Paulo Afonso BA 1953 3 3a FASE O MODELO ESTATAL DAS GRANDES HIDRELÉTRICAS 1962 1990 31 A primeira intervenção direta do governo federal na produção de eletricidade aconteceu em 1945 quando foi criada a Companhia HidroElétrica do São Francisco Chesf para construir e operar a Usina de Paulo Afonso inaugurada em 1955 com potência instalada de 180000 kW Na época a capacidade total de geração no Nordeste era de 110000 kW Em 1957 foi criada a Central Elétrica de Furnas SA Furnas 32 A falência do modelo privado de geração de ener gia elétrica na década de 1950 também levou vários governos estaduais a intervirem no setor A primeira entre as empresas estaduais foi a CEEE do Rio Grande do Sul que já em 1947 tinha inaugurado a hidrelétrica de Passo do Inferno com potência de 1400 kW para abastecer Caxias do Sul e São Leopoldo Em 1952 foi criada a CEMIG Centrais Elétricas de Minas Gerais cuja principal obra foi a Usina FHidrelétrica de Três Marias que entrou em operação em 1962 O governo paulista criou duas empresas Usinas Elétricas do Paranapanema Uselpa em 1953 e Companhia Elétrica do Rio Pardo Cherp em 1955 No mesmo estado em 1961 nasceu a Centrais Elétricas de Urubupungá SA Celusa com partici pação também dos governos de Santa Catarina Mato Grosso Goiás Minas Gerais e Paraná No Paraná a Copei data de 1954 e a Celesc de Santa Catarina foi criada no ano seguinte No Rio de Janeiro a Empresa Fluminense de Energia Elétrica foi fundada de 1954 Também no Espírito Santo Goiás Mato Grosso Amapá e Maranhão foram criadas companhias estad uais nesta época No início dos anos 60 foram criadas a Coelba Bahia Energipe Sergipe Ceai Alagoas e Cosem Rio Grande do Norte 33 No final dos anos 50 a crise energética atingia os principais centros urbanos do país inclusive a capital Rio de Janeiro Os cortes de energia e o racionamen to entravam para a vida quotidiana Esta situação e a recusa sistemática da Light e da Amforp de reinve stirem seus lucros no país impulsionaram a inter venção estatal 1960 é o ano de criação do Ministério de Minas e Energia e em 1962 é a vez de Eletrobrás prevista na legislação desde 1954 Estavam dadas as condições para a estatização do setor A estatização vai ser levada adiante pela ditadura militar que subiu ao poder através do golpe de 1o de abril de 1964 Somente em 1979 a Light Rio foi estatizada em 1981 foi a vez da Light São Paulo que passou à Eletropaulo empresa estadual Mas já desde 1973 se consolidava a estrutura básica do sistema Eletrobrás com a Eletronorte 1973 Eletrosul 1968 Furnas e Chesf 34 Em 1973 um evento internacional vai mudar a situação energética em todo o mundo a crise do petróleo Com a elevação dos preços que é reforça da por uma segunda crise no final da década os pais es centrais passam a transferir para países periféri cos dependentes e ricos em potencial energético como o Brasil uma série de indústrias que consomem muita energia Assim o Brasil se transformava pro gressivamente juntamente com outros países periféri cos em um exportador de produtos eletrointensivos isto é que exigem grande quantidade de energia para serem produzidos O Japão por exemplo pratica mente fecha sua indústria de alumínio primário e passa a importar de países como o Brasil Na Europa quase toda a indústria siderúrgica fechou as portas 35 Em poucas palavras os países dominantes nos emprestavam dinheiro para construirmos hidrelétricas para produzir alumínio e outros produtos eletrointensivos para exportar e pagar a dívida contraída Os países centrais ficavam com o alumínio e os juros da divida As grandes empreiteiras construtoras de barra gens e as empresas de consultoria ficavam com o dinheiro da obra quase sempre superfatu radas Os políticos e partidos dominantes ficavam com o dinheiro da corrupção e o povo brasileiro ficava com a dívida externa as florestas destruídas os férteis vales inunda dos as populações expulsas de suas terras 36 A política energética e os grandes projetos eram decididos e implantados sem qualquer debate público Ninguém era consultado Consideradas de segurança nacional as decisões eram tomadas nos palácios e nos quartéis secretamente Ali decidiram que a Eletronorte subsidiaria os preços da energia de Tucuruí a ser fornecida às indústrias de alumínio Só os projetos de alumínio da Albrás da Alumar e da Camargo Corrêa Metais segundo dados divulgados pela Eletrobrás em 1989 envolviam subsídios de mais de 1 bilhão de dólares por um prazo de 20 anos Grandes empresas multinacionais como a Alcoa e nacionais como a Votorantim sempre pagaram pela energia um preço abaixo do custo algo em torno de US 10 a US 20 por MWh enquanto o custo de geração de Tucuruí por exemplo era de US 38 por MWh Estes favores têm causado a perda de cente nas de milhões de dólares Enquanto isso cerca de 20 milhões de pessoas per maneciam sem acesso à eletricidade No meio rural somente 13 das propriedades recebiam energia elétri ca E as populações atingidas eram tratadas como gado tangidas com violência e total desrespeito aos seus direitos em Sobradinho que expulsou cerca de 70 mil pessoas as pessoas quase são atingidas pelas águas pois não havia sido providenciado nem mesmo seu reassentamento E quando como em Itaipu houve tentativas de resistência a represssão foi brutal 37 Desta forma o modelo estatal de grandes barra gens hidrelétricas construídas sem qualquer consulta à sociedade e aos atingidos constituiu elemento cen tral para estruturar o modelo de desenvolvimento durante o regime militar PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO MODELO ESTATISTA BASEADO EM GRANDES BARRAGENS Aprofundamento das desigualdades sociais con centrando riqueza e poder nas mãos de um número cada vez menor de empresas e indivíduos Aprofundamento das desigualdades regionais promovendo o êxodo rural e o crescimento das miséria urbana nas periferias e favelas Ocupação violenta dos territórios tradicionais de povos indígenas ameaçando muitos deles de extinção cultural e mesmo física Destruição acelerada e descontrolada de recursos ambientais em nome de um desenvolvimento que apenas enriqueceu os mais ricos e aumentou o poder dos poderosos As empresas estatais inclusive as empresas do Setor Elétrico funcionavam como mecanismos de poder e de corrupção sem qualquer controle social servindo aos interesses de grandes grupos nacionais e estrangeiros 38 Este modelo estatal centralizado autoritário baseado em grandes barragens foi apoiado pelas agências multilaterais fiéis defensoras dos interesses dos grandes grupos industriais e financeiros Desde 1944 quando foi criado até 1993 o Banco Mundial principal financiador de grandes barragens ajudou a construir mais de 600 barragens em 93 países com empréstimos de 58 bilhões de dólares Quem hoje vê os portavozes do Banco Mundial con denando as empresas estatais e a intervenção do Programa Nacional de Desestatização durante o Governo Collor O Programa foi mantido nos governos de Itamar Franco e Fernando Henrique O primeiro leilão para a venda de uma empresa de distribuição de eletricidade Escelsa aconteceu em julho de 1995 Quatro empresas já haviam sido transferidas para empresas privadas quando em outubro de 1997 foi criada a Agência Nacional de Energia Elétrica ANEEL com a função regular o funcionamento do Setor no novo modelo 43 Transformadas em antros de corrupção e cabides de emprego as empresas estatais foram levadas à desmoralização Os serviços foram degradados O banco federal BNDES era usado para financiar grupos económicos estrangeiros ou nacionais para com prarem o património público Mas as empresas estatais eram proibidas de fazer qualquer investimen to para respeitar os acordos com o FMI de fazer o chamado ajuste fiscal Os investimentos do Setor Elétrico que em 1980 alcançaram US 139 bilhões foram reduzidos para US 45 bilhões em 1995 e US 6 bilhões em 1998 44 A sociedade e os atingidos por barragens exigiam democratização do Setor Elétrico discussão pública das políticas e dos planos controle social sobre as empresas estatais Ao invés disso o governo pro moveu a desmontagem do setor público A sociedade e os atingidos por barragens exigiam um uso responsável e socialmente controlado do património público representado pelos recursos hídri cos e pelo potencial energético Ao invés disso o gov erno promovia o processo de privatização da água e da energia 45 Foi contratada um empresa de consultoria ingle sa Coopers Lybrand que veio dizer qual o novo modelo privado a ser aplicado O que novo mode lo pretende O modelo neoliberal privatista trata a energia como uma mercadoria como outra qualquer Tenta voltar ao paraíso das companhias privadas do período anterior a 1930 o mercado funcionando livremente com as empresas privadas determinando a quantidade a ser produzida as tarifas quem recebe e quem não recebe eletricidade Até mesmo a cláusula ouro está sendo reeditada só que agora é cláusula dólar é a chamada garantia cambial Os preços foram indexa dos ao dólar Isso quer dizer o seguinte o povo brasileiro recebe sua renda em reais mas paga a energia elétrica em dólar para que as empresas pri vadas estrangeiras possam remeter seus lucros para as matrizes 46 Mas a energia não é uma mercadoria qualquer Ela é elemento fundamental da vida moderna Ela é estratégica para o país Nossos rios são património da nação e não podem ser explorados por empresas cujo objetivo é o lucro máximo hidrelétrica de Itaipú PR estado na economia não deve esquecer que foi este mesmo Banco que durante décadas apoiou política e financeiramente ditaduras brutais e seus grandes pro jetos estatais que deveriam como se dizia na época promover o desenvolvimento Nós sabemos hoje que tipo de desenvolvimento eles promoveram 4 O MOMENTO ATUAL A PRIVATIZAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO 41A adoção de uma orientação neoliberal e antiesta tista por parte dos países dominantes em primeiro lugar os Estados Unidos e a Inglaterra levou a uma mudança nas diretrizes e estratégias do Banco Mundial do FMI Fundo Monetário Internacional do BID Banco Interamericano de Desenvolvimento e out ras instituições a serviço do capital internacional A dívi da externa dos países dominados passou a ser usada como instrumento de chantagem Novos empréstimos passaram a ser condicionados ao cumprimento da dire trizes do chamado consenso de Whasington privati zação e redução dos gastos públicos liberalização comercial isto é abertura das fronteiras aos produtos estrangeiros prioridade para o pagamento da dívida externa As pressões dos grandes grupos económicos interna cionais e as orientações do FMI do Banco Mundial do BID encontraram terrreno fértil no Brasil É grande a dependência económica e política característica da burguesia brasileira É tradicional a submissão dos sucessivos governos aos mandamentos dos grandes grupos financeiros e industriais internacionais Este processo culmina com a total abdicação da soberania nacional por parte do Governo PSDBPFLPMDB que praticamente entrega ao FMI e ao Banco Mundial a direção da economia e a definição de políticas gover namentais 42 A privatização do Setor Elétrico se legalizou a par tir da Lei 8301 de 12 de abril de 1990 que instituiu o SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO UMA BREVE HISTÓRIA DE LIGAÇÕES PERIGOSAS ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO 47A privatização do setor de energia elétrica caminha de braços dados com a privatização das águas empre sas privadas impõem sua lei em um número crescente de bacias hidrográficas E tudo isso sob a proteção da novas leis leis sobre concessões de serviços públicos Lei 8987 de 13021995 e Lei 9074 de 7071995 leis sobre recursos hídricos Lei 9433 de 8011997A Lei 9074 chega ao absurdo de considerar de interesse público entregar nossas águas e terras ribeirinhas para que um empresário produza energia elétrica para seu uso exclusivo Onde está o interesse ou a utilidade pública se tudo fica com o empresário 480 processo de privatização veio acompanhado de um forte ataque às conquistas sociais e ambientais dos anos 80 e 90 Por causa da luta dos atingidos houve nos anos 80 e 90 alguns avanços no tratamen to das questões sociais e ambientais por parte de algumas empresas estatais Até mesmos estes pequenos avanços estão agora ameaçados A Lei 9074 estabelece o regime de concessão de serviços de energia elétrica mas não diz nada sobre os prob lemas sociais e ambientais 49 Com a eleição do Governo Lula abrese a possi bilidade de caminhar na direção de um novo modelo do Setor Elétrico Empresas estatais sob controle público com um planejamento democrática e participativo são o primeiro elemento do novo modelo Será necessário investir nas novas tecnologias nas fontes alternativas e na economia de energia Será necessário suspender os subsídios às indústrias eletrointensivas Será necessário finalmente implantar um modelo social mente justo e ambientalmente responsável PARA A DISCUSSÃO E O ESTUDO 1 Numere a segunda coluna de acordo com a primeira Fases do Setor Elétrico Brasileiro Características dos Períodos O modelo estatal autoritário e as grandes barragens O paraíso das companhias estrangeiras a privatização neoliberal A água se torna legalmente um bem público 2 Na sua opinião quais os principais beneficiários da primeira fase da história do Setor Elétrico Brasileiro E da terceira fase 3 O que a história do Setor Elétrico Brasileiro nos ensina Que lições que podem ser tiradas 4 Na sua opinião que características do Setor Elétrico não podem se repetir em um novo modelo E quais as características novas que não podem faltar 1 18891930 2 19301962 3 19621990 4 A partir de 1990 Neste caderno do Manual do Atingido vamos ver como a questão ambiental tem sido tratada pelo Estado brasileiro Vamos ver também as principais leis ambientais relacionadas ao licenciamento de barragens Além disso discutiremos de que forma a legislação ambiental pode ser utilizada nas lutas dos atingidos por barragens 1 BREVE HISTÓRIA DA QUESTÃO AMBIENTAL NO ESTADO BRASILEIRO O Governo do General Figueiredo por intermédio da SEMA instituiu em agosto de 1981 a Política Nacional do Meio Ambiente Foi criado o Sistema Nacional do Meio Ambiente que passou a congregar todos os órgãos federais estaduais e municipais responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental Foi criado também o Conselho Nacional do Meio Ambiente CONAMA com a atribuição de detalhar leis e padrões ambientais 11 O conceito de meio ambiente é novo no Brasil Na década de 1960 o Governo brasileiro começa a se comprometer com a questão do meio ambiente através de sua participação em convenções e reuniões internacionais como por exemplo a Conferência Internacional promovida pela UNESCO em 1968 sobre a Utilização Racional e a Conservação dos Recursos da Biosfera No entanto somente após a participação da delegação brasileira na Conferência das Nações Unidas para o Ambiente Humano realizada em 1972 em Estocolmo Suécia é que algumas medidas efetivas começaram a ser tomadas com relação ao meio ambiente 13 Com a Constituição de outubro de 1988 foi dado um passo a mais para a formulação de uma política ambiental A Constituição dedicou um capítulo inteiro ao meio ambiente Logo depois da Constituição em fevereiro de 1989 foi criado o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis IBAMA que é o órgão executor das leis e políticas de meio ambiente 12 Em 1973 no auge da ditadura militar foi criada a Secretaria Especial do Meio Ambiente SEMA que tinha como objetivo a discussão junto à opinião pública da questão ambiental fazendo com que as pessoas se preocupassem mais com o meio ambiente e evitassem atitudes predatórias No entanto a SEMA não tinha nenhum poder de fiscalização e punição para atuar na defesa do meio ambiente Influenciado pela Rio92 Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento o Governo Federal criou em outubro de 1992 o Ministério do Meio Ambiente MMA com a responsabilidade de estruturar a política do meio ambiente no Brasil 2 LEGISLAÇÃO AMBIENTAL BRASILEIRA são aquelas que deveriam diminuir determinado impacto ou pelo menos fazer com que este impacto não seja tão ruim para o meio ambiente e para a população Define que o RIMA refletirá as conclusões do EIA devendo ser apresentado de forma objetiva e em linguagem de fácil entendimento para a população Estabelece a realização de Audiência Pública para informação sobre o projeto e seus impactos ambientais e discussão do RIMA A legislação ambiental brasileira é bastante ampla e compreende leis decretos e resoluções tanto federais Apresentaremos agora as principais leis federais que incidem diretamente sobre o licenciamento de barragens visto que as leis estaduais e municipais complementam estas leis federais mas não podem ser contrárias a elas Lei n 693881 de 21 de agosto de 1981 Esta é a lei que criou a Política Nacional de Meio Ambiente e grande parte do Sistema Nacional de Meio Ambiente Ela estabeleceu vários instrumentos de atuaçãoentre os quais se destacam estaduais e municipais como Resolução CONAMA n 00687 de 16 de setembro de 1987 Esta Resolução diz como deve ser o processo de licenciamento ambiental Ela estabelece que serão expedidas as seguintes licenças ambientais Licença Prévia LP é dada depois do EIARIMA pronto e aprovado É a LP que autoriza o início das negociações Licença de Instalação LI autoriza o início da obra Licença de Operação LO autoriza o início da operação Resolução CONAMA n 00987 de 3 de dezembro de 1987 Regulamenta a realização de Audiência Pública cujo objetivo é expor aos interessados o projeto em análise e o RIMA esclarecendo dúvidas e recolhendo críticas e sugestões Pela lei a Audiência Pública não tem poder deliberativo A Audiência Pública será promovida pelo Órgão Ambiental sempre que se julgar necessário ou quando for solicitada por entidade civil pelo Ministério Público ou por 50 ou mais cidadãos Resolução CONAMA n 00296 de 18 de abril de 1996 Determina a obrigatoriedade de implantação de Unidades de Conservação como compensação pelos danos causados pela destruição de florestas e outros ecossistemas por empreendimentos de grande porte Determina que o montante de recursos não poderá ser inferior a 05 dos custos totais previstos para implantação do empreendimento Resolução CONAMA n 30202 de 20 de março de 2002 Cria as Áreas de Preservação Permanente de reservatórios artificiais estabelecendo os limites e o regime de uso do entorno dos lagos Lei 9433 de 8 de janeiro de 1997 Esta Lei cria a Política Nacional de Recursos Hídricos A Lei afirma que a água é um bem público e que a bacia hidrográfica é a unidade territorial para ações ligadas aos recursos hídricos a Avaliação de Impacto Ambiental o Licenciamento Ambiental para a construção instalação ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais considerados poluidores bem como os capazes de causar degradação ambiental barragens estão incluídas As licenças ambientais serão concedidas pelo órgão ambiental competente isto é o órgão de meio ambiente estadual quando forem empreendimentos que atingem apenas um estado da federação ou o IBAMA quando forem empreendimentos que atingem dois ou mais estados da federação Resolução CONAMA n 00186 de 23 de janeiro de 1986 Esta Resolução define o que é Avaliação de Impacto Ambiental estabelecendo responsabilidades critérios básicos e diretrizes gerais para esta avaliação Estabelece os empreendimentos que deverão submeter Estudo de Impacto Ambiental EIA e Relatório de Impacto Ambiental RIMA à aprovação do órgão de meio ambiente competente barragens estão incluídas Define que para fins de licenciamento os EIAs deverão descrever o empreendimento proposto e suas alternativas tecnológicas e de localização incluindo a possibilidade de não execução do projeto conter um diagnóstico ambiental da área meio físico meio biológico e aspectos sócioeconômicos descrever identificar e analisar os impactos causados pela implantação do empreendimento definir as medidas mitigadoras dos impactos negativos O Que São Medidas Mitigadoras Mitigar que dizer abrandar diminuir tornar alguma coisa menos penosa Então medidas mitigadoras A Lei cria também o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos que é composto pela Agência Nacional de Águas ANA pelos Comités de Bacia e pelos órgãos estaduais de recursos hídricos interrompêlo o meio judicial mais rápido é a Medida Cautelar que tem como finalidade evitar prejuízo grave e de difícil reparação Qualquer um que esteja sofrendo ou que possa vir a sofrer o dano pode requerer esta medida Cabe ao Comité de Bacia definir o plano diretor bem como autorizar o uso da água da bacia É também sua responsabilidade assegurar a quantidade e qualidade da água Ação Popular Na definição legal de património público incluise o meio ambiente jazidas arqueológicas e paisagens notáveis Qualquer cidadão através da ação popular pode pedir a anulação ou a declaração de atos lesivos ao património público da União dos Estados e Municípios 3 LEGISLAÇÃO AMBIENTAL UM DIREITO DA POPULAÇÃO 31 Nas teorias do Direito Ambiental o meio ambiente é considerado como património coletivo A Constituição Brasileira de 1988 define o meio ambiente como um bem de uso comum do povo Justamente por ser um bem de uso comum o acesso ao meio ambiente deve se dar de forma igualitária Disso se conclui que o meio ambiente não deve se resumir a ser fonte de recursos para a exploração económica que atenda aos interesses de grupos privilegiados Ação Civil Pública É cabível a ação civil pública nos casos de danos ao meio ambiente ao consumidor e a bens de valor artístico estético histórico turístico e paisagístico Podem propor essa ação o Ministério Público associações com legitimidade o Poder Público e também pessoas que não são afetadas na causa discutida 34 Em muitos casos os atingidos podem e devem usar a legislação para defender seus direitos Mas nunca se deve esquecer que não se pode entregar a advogados e juízes o destino da população A única garantia de que os direitos dos atingidos venham a ser respeitados é a sua organização unidade e luta Se estiverem organizados e mobilizados os atingidos terão maiores chances de obter vitórias e ver seus direitos reconhecidos pelas empresas pelo governo e pelos tribunais Outro princípio do Direito Ambiental é o da precaução isto é devese sempre adotar medidas preventivas para evitar danos ambientais Em outras palavras isso quer dizer o seguinte se não se sabe se um projeto ou plano vai ter consequências negativas o certo é não fazer 32 Os princípios da reparação da informação e da participação também estão assegurados no Direito Ambiental brasileiro Isso faz da Legislação Ambiental brasileira pelo menos no papel bastante democrática No entanto sabemos que estes instrumentos jurídicos nem sempre são utilizados ou quando são utilizados nem sempre atingem seus próprios objetivos 33 Para utilizar os instrumentos legais de que dispomos é importante conhecêlos e usálos na hora certa Tomemos o exemplo da Audiência Pública que como vimos é um direito da população atingida Se o órgão ambiental não convocar uma Audiência Pública 50 cidadãos podem pedir esta audiência Se isto for feito o órgão ambiental é obrigado a realizar a audiência Além disso é preciso exigir as informações sobre o projeto e sobre o andamento do licenciamento ambiental tanto do empreendedor quanto do órgão ambiental responsável Cidadania ambiental Alguns instrumentos jurídicos podem ser bastante úteis na luta ambiental Medida Cautelar Existem casos que por sua urgência não podem esperar por um julgamento Quando é necessário evitar um prejuízo ou LEGISLAÇÃO AMBIENTAL BRASlLElRACONHECENDO UM INSTRUMENTO DE LUTA PARA A DISCUSSÃO E O ESTUDO 1Lembre o que aconteceu em cada uma das datas abaixo e escolha aquela que lhe parece mais importante para a história da legislação ambiental brasileira Explique sua escolha fevereiro de 1989 outubro de 1992 2Quais são as exigências legais básicas que um Estudo de Impacto Ambiental EIA deve preencher agosto de 1981 outubro de 1988 3Segundo a legislação qual deve ser a linguagem do Relatório de Impacto Ambiental RIMA 4Você já viu um RIMA Ele usava uma linguagem de fácil compreensão como está determinado pela lei 5Quais os objetivos de uma Audiência Pública 6Você já participou de alguma Audiência Pública Relate sua experiência Você acha que ela cumpriu com seus objetivos Por quê M O V I M E N T O D O S A T I N G I D O S P O R B A R R A G E N S J 4 0 m HISTÓRIA DA LUTA INTERNACIONAL CONTRA BARRAGENS ULTRAPASSANDO AS FRONTEIRAS NACIONAIS PARA COMBATER O INIMIGO EM COMUM Neste caderno do Manual do Atingido vamos conhecer um pouco da história da luta internacional con tra as grandes barragens Apresentaremos as alianças que têm sido feitas entre ambientalistas e movi mentos de atingidos para denunciar o modelo de grandes barragens focalizando nas ações conjuntas e também na história de alguns movimentos populares de outros países do mundo que se tornaram aliados fundamentais do MAB 1 O DEBATE INTERNACIONAL SOBRE GRANDES BARRAGENS Grandes barragens contribuem com 20 da geração de eletricidade no globo As principais motivações e justificativas para a construção de barragens são a geração de energia elétrica a irrigação e o controle de inundações 13 Por outro lado o número de deslocados por bar ragens nos últimos 20 anos é estimado em mais de 40 milhões de pessoas Boa parte são populações indí genas e tribais Os defensores das barragens costu mam afirmar que a hidreletricidade é uma energia limpa isto é que não polui o meio ambiente Ora isso não é verdade Degradação de florestas redução drástica da pesca emissão de gases que contribuem para o efeito estufa e o aquecimento global riscos de tremores de terra mudanças climáticas morte dos cursos dágua mostram que a hidreletricidade não tem nada de limpa Para maiores informações ver o fascículo do Manual do Atingidos sobre Impactos Sociais e Ambientais de Barragens Sem falar no endividamento das economias de nações pobres como o Brasil em função de empréstimos gigantescos para a construção destas obras enormes e caríssimas 14 De um lado da disputa estão 11 O debate internacional sobre grandes barragens desenvolveuse enormemente durante as décadas de 1980 e 1990 De um lado os defensores destes grandes projetos alegam suas contribuições para o desenvolvimento de outro lado os críticos destacam seus efeitos negativos como a destruição de ecossis temas naturais e o deslocamento compulsório de mil hões de pessoas 12 As barragens desempenham um papel crucial na vida económica e social da humanidade e são frequente mente identificadas como sinais de progresso e de domínio do homem sobre a natureza Mais de 800000 represas já foram construídas no planeta e 45000 delas são grandes barra gens isto é têm mais de 15 metros de altura Os reser vatórios das grandes barragens inundaram algo em torno de 1 milhão de metros quadrados 1 da superfície do planeta Além disso existem hoje cerca de 1600 barragens em con strução no mundo Essas obras movimentam aproximadamente 50 bilhões de dólares por ano os governos as empresas privadas e agências multi laterais envolvidos com a construção de barragens com seu financiamento planejamento construção e operação De outro lado estão os movimentos locais de resistência principalmente de populações atingi das e organizações nãogovernamentais ONGs ambientalistas que agem de forma isolada ou combi nada Progressivamente se foram criando coalizões regionais e internacionais com resultados efetivos tais como alterações de cronogramas e formatos de obras e mesmo interrupções de projetos 15 O debate trouxe mudanças consideráveis no ritmo de construção A construção de barragens está decaindo substancialmente de um pico de aproxi madamente 540 por ano na década de 1970 para 200 por ano na década de 1990 Além disso partir da década de 1970 as agências financiadoras Banco Mundial BID e outras foram pressionadas e criaram regras específicas para o tratamento das questões social e ambiental Vários governos também se viram pressionados a adotar regras para licenciar barra gens de modo a obter os empréstimos desejados O licenciamento ambiental e as audiências públicas são exemplos deste processo Mas além de sua pre cariedade nem sempre estas normas e requisitos vêm sendo respeitados 2 MOMENTOS FUNDAMENTAIS DA LUTA INTERNACIONAL 21 No final da década de 1980 surgiram alguns ele mentos importantes na luta internacional contra barra gens Em 1987 na Califórnia foi fundada a ONG Rede Internacional de Rios IRN que desde então tem sido um dos principais articuladores da resistên cia internacional às barragens Além disso alguns movimentos locais de atingidos se tornaram mais fortes e ganharam expressão nacional como o Movimento para Salvar o Rio Narmada Narmada Bachao Andolan NBA da India e o Movimento de Atingidos por Barragens MAB do Brasil 22 Em Junho de 1994 por iniciativa do IRN e do NBA foi lançada no vale do Rio Narmada a Declaração de Manibeli Este documento foi assinado por 326 grupos de 44 países e se tornou um marco na luta por maior transparência nos projetos apoiados pelo Banco Mundial O Banco foi um dos principais financiadores de barragens do século XX A Declaração pede uma moratória no financiamento do Banco Mundial às grandes barragens até que certas condições sejam cumpridas criação de um fundo para reparação das pessoas compulsoriamente deslo cadas sem compensação desenvolvimento de práti marcha do MAB contra o BID em Fortaleza CE 2002 cas mais transparentes no momento da discussão e aprovação de projetos avaliação independente de todas as barragens construídas com recursos do Banco A Declaração foi entregue ao Presidente do Banco Mundial em setembro de 1994 durante as comemo rações de 50 anos da instituição Apesar de nunca ter respondido formalmente a esta carta 4 meses depois de recebêla o Departamento de Avaliação do Banco iniciou a primeira avaliação de um conjunto de barra gens que tiveram seu apoioA Declaração de Manibeli é dedicada à heroica resistência da população da vila de Manibeli e de outras no vale do Rio Narmada ao tante a ajuda de alguns amigos internacionais Neste evento um comité organizador foi escolhido contando com a participação dos americanos da Rede Internacional de Rios IRN dos indianos do Movimento para Salvar o Rio Narmada NBA dos chilenos do Grupo de Ação pelo Bio Bio GABB dos europeus da Rede Européia de Rios ERN e do próprio MAB Dois anos mais tarde a idéia se tornou realidade 24 Em Março de 1997 na cidade de Curitiba ocor reu o I Encontro Internacional de Atingidos por Barragens Neste encontro estiveram presentes rep resentantes de movimentos sociais e ONGs de 20 diferentes países do mundo projeto da Barragem de Sardar Sarovar e aos milhões de deslocados por barragens de todo o mundo 23 O momento seguinte na construção de um movi mento internacional contra barragens foi idealizado e conduzido pelo MAB Em dezembro de 1993 no II Congresso Nacional do MAB surgiu a proposta de um Encontro Internacional de Atingidos O primeiro passo dado nesta direção foi um encontro preparatório em Itamonte Minas Gerais que o MAB organizou em setembro de 1995 com o apoio do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro IPPURUFRJ FASE e IBASE Também foi impor barragens naíndia diferentes protestos contra a HISTÓRIA DA LUTA INTERNACIONAL CONTRA BARRAGENS ULTRAPASSANDO AS FRONTEIRAS NACIONAIS PARA COMBATER O INIMIGO EM COMUM ATING0S POR DOS INTERNATIONAL MEEÇINGOFAFFECTEO 11 A PEOPLE BY DAMià A 14 DE MARCO 97 U A 14 03 1997 CURITIBA PR BRASIL CURITIBA BRAZIL j d í T A iI U 1 éie v 1 ja r NÂOMARAtM0RTEJ cnp ICC MT FOR DEARj DECLARAÇÃO DE CURITIBA PELO DIREITO À VIDA E AOS MODOS DE VIDA DAS POPULAÇÕES ATINGIDAS POR BARRAGENS do que projetado mesmo se não se incluem os cus tos sociais e ambientais Barragens têm produzido menos eletricidade e irrigado menos terras do que foi prometido Elas tornaram as enchentes ainda mais destruidoras Elas beneficiaram latifundiários grandes empresas agroindustriais e especuladores Elas expropriaram pequenos agricultores trabal hadores rurais pescadores comunidades indíge nas tribais e tradicionais comunidades remanes centes de quilombos Nossa luta é a mesma porque estamos enfrentando os mesmos interesses poderosos os mesmos financiadores internacionais as mesmas agências multilaterais e bilaterais de crédito e ajuda as mes mas empresas de construção e de produção de equipamentos as mesmas firmas de consultoria em engenharia e meio ambiente as mesmas corpo rações envolvidas com indústrias eletrointensivas fortemente subsidiadas Nossa luta é a mesma porque por toda parte as pop ulações que mais sofrem por causa das barragens são excluídas dos processos de decisão As decisões são tomadas por tecnocratas políticos e elites empresariais que ampliam seu próprio poder e riqueza graças à construção de barragens Nossas lutas comuns nos convenceram de que é necessário e possível dar por encerrada a era das Aprovada no I Encontro Internacional de Atingidos por Barragens Curitiba Brasil 14 de Março de 1997 Nós pessoas de 20 países reunidas em Curitiba Brasil representando organizações das populações atingidas e movimentos de oposição a barragens destrutivas partilhamos nossas experiências de perdas e de ameaças enfrentadas por causa das barragens Embora essas experiências reflitam a diversidade de nossas culturas e realidades socais políticas e ambientais nossas lutas são uma só Nossa luta é a mesma porque por toda parte as bar ragens expulsam as pessoas de suas casas inun dam terras agrícolas férteis florestas e lugares sagrados destroem reservas pesqueiras e de abastecimento de água potável provocam a desin tegração social e cultural assim como o empobrec imento económico de nossas comunidades Nossa luta é a mesma porque por toda parte existe uma grande distância entre os benefícios económi cos e sociais prometidos pelos construtores de bar ragens e a realidade do que acontece após a con strução Barragens quase sempre têm custado mais barragens destrutivas Também necessário e pos sível implementar modos alternativos equitativos sustentáveis e efetivos de abastecimento de ener gia e de gestão de recursos hídricos Para que isso aconteça exigimos uma real democ racia o que inclui a participação pública e a transparência no desenvolvimento e implementação das políticas energéticas e de recursos hídricos juntamente com a descentralização do poder políti co e o fortalecimento das comunidades locais Devemos reduzir as desigualdades através de medidas que incluam a democratização do acesso à terra Também reafirmamos os direitos inalienáveis das comunidades ao controle e gestão de suas águas terras florestas e outros recursos e o direito de todos a um meio ambiente saudável Devemos avançar em direção a uma sociedade na qual seres humanos e natureza não mais sejam submetidos à lógica do mercado onde o único valor é o das mercadorias e o único objetivo o lucro Devemos avançar em direção a uma sociedade que respeite a diversidade e seja fundada em relações justas e equitativas entre as pessoas as regiões e as nações Somos fortes diversos e unidos e nossa causa é justa Conseguimos barrar barragens e forçamos os construtores de barragens a respeitar nossos dire itos Barramos barragens no passado e vamos bar rar muitas mais no futuro Comprometemonos a intensificar a luta contra as destruidoras barragens Das pequenas cidades da índia Brasil e Lesotho até os escritórios de Washington Tóquio e Londres forçaremos os con strutores de barragens a aceitarem nossas exigên cias Para fortalecer nosso movimento vamos construir e reforçar redes regionais e internacionais Para sim bolizar nossa crescente unidade declaramos que o 14 de Março Dia Nacional de Luta contra as Barragens brasileiro será a partir de agora o Dia Internacional de Luta contra as Barragens e Pelos Rios Pela Água e Pela Vida ÁGUAS PARA A VIDA NÃO PARA A MORTE AGUAS PARA LA VIDA NO PARA LA MUERTE WATER FOR LIFE NOT FOR DEATH 25 Depois do I Encontro Internacional os movimen tos passaram a estar mais em contato devido a uma série de eventos internacionais que culminaram na cri ação da Comissão Mundial de Barragens CMB Esta Comissão foi um fórum misto com governos empre sas agências multilaterais ONGs e movimentos soci ais Durante dois anos avaliou e propôs critérios para a construção de barragens no mundo O relatório final da Comissão incorporou algumas das reinvindicações dos movimentos contra barragens apesar de muito influenciado também pelos representantes de gover nos e empresários 26 O mais importante em todo este processo tem sido a aproximação e colaboração entre os movimen tos Com a instalação da Comissão Mundial de Barragens foi criado o Comité Internacional contra Barragens pelos Rios e pelos Povos ICDRP Mesmo após o final da CMB em novembro de 2000 este Comité continuou funcionando O II Encontro Internacional de Atingidos por Barragens na Tailândia em dezembro de 2003 foi organizado por esse Comité HISTÓRIA DA LUTA INTERNACIONAL CONTRA BARRAGENS ULTRAPASSANDO AS FRONTEIRAS NACIONAIS PARA COMBATER O INIMIGO EM COMUM A LUTA DO NARMADA BACHAO ANDOLAN NA ÍNDIA enchimento do reservatório começou no período das chuvas de 1993 A polícia teve que tirar as pes soas à força de suas casas porque elas estavam dispostas a permanecer até que morressem afo gadas junto com a terra Estas cenas se repetiram muitas outras vezes pois em 1999 foi permitida uma elevação de alguns metros no tamanho da bar ragem que aumentou muito a área inundada Durante os anos 1990 o NBA também ajudou a organizar os atingidos por outros projetos no vale do Rio Narmada Em janeiro de 2000 o canteiro de obras da barragem de Maheshwar foi ocupado pela oitava vez em três anos 4 mil pessoas foram presas A escritora Arundhati Roy diz que a luta do NBA passou a representar muito mais do que a luta por um rio O que está em questão agora é a verdadeira natureza de nossa democracia A quem pertence esta terra A quem pertencem seus rios Suas flo restas Seus peixes Atualmente os militantes indianos antibarragem estão focalizando sua atenção em formas de irri gação e abastecimento de água que são proble mas reais do país que não sejam baseadas em grandes barragens Para isso estão recorrendo ao conhecimento ancestral e indígena de captação de águas que não destrói os rios e as pessoas Em 1989 o crescente número de atingi dos pela barragem de Sardar Sarovar no Vale do Rio Narmada e seus apoiadores se uniram em um movimento único o Movimento para Salvar o Rio Narmada NBA Em 1990 o NBA adotou uma posição que se tornou o coração de sua longa batal ha o projeto deveria ser suspenso até que uma revisão independente e participativa fosse realiza da Até que isto acontecesse os atingidos iriam se recusar a mudar para os reassentamentos mesmo que precisassem morrer afogados no reservatório Uma das maiores vitórias do NBA veio em 1991 quando uma longa marcha de milhares de apoiadores do movimentos e um jejum de 21 dias de alguns militantes forçaram o Banco Mundial a organizar uma avaliação independente do projeto Esta avaliação foi profundamente crítica ao projeto e ao papel do Banco Mundial no processo Em 1993 o Banco cancelou seu financiamento ao projeto Mas o governo de um dos estados da ídia que seri am beneficiados com o projeto continuou interessa do na Barragem de Sardar Sarovar e conseguiu os recursos necessário para completar a construção O A LUTA CONTRA BARRAGENS NA TAILÂNDIA nunca mais irá construir barragens para produção de energia Hoje as populações atingidas pela bar ragem de Pak Mun ainda estão lutando por justas reparações dos danos causados a sua saúde e a seu modo de vida Além disso o movimento dos atingidos na Tailândia faz parte de uma grande articulação nacional de movimentos populares chamada Assembléia dos Pobres que é membro da Via Campesina A Assembléia conta com a participação de sete grandes movimentos populares e foi fundada em 1995 Os atingidos desempenham um papel de articulação e liderança nesta que é hoje a principal aliança popular do país Sua importância é tanta que o documento de fundação da Assembléia dos Pobres chamase Carta de Pak Mun Por toda essa combatividade o II Encontro Internacional de Atingidos por Barragens se realizou na Tailândia ao lado da barragens de Pak Mun Em 1988 após muita luta ambientalistas pesquisadores e estudantes conseguiram impedir a construção da barragem de Nam Choan no rio Khwae Pouco tempo depois o Santuário Natural Thung Yai que seria destruido pela barragem foi declarado Património Natural Mundial As lições aprendidas e as alianças construídas na campanha contra Nam Choan permitiram alcançar outras vitórias A mais notável de todas foi o bani mento nacional da atividade madeireira e o adia mento de algumas barragens A barragem de Pak Mun que provocou a mais penosa e amarga batalha desde Nam Choan infe lizmente foi construída Mas a longa luta das popu lações atingidas por compensações justas fez com que em 1995 o Primeiro Ministro declarasse que para o bem da proteção ambiental a Tailândia A LUTA CONTRA BARRAGENS NA AMÉRICA LATINA a luta é levada adiante com a ajuda de ONGs nacionais e internacionais para que a cota do reser vatório não suba destruindo ainda mais o meioambi ente e os modos de vida da população Há casos mais graves como o das comunidades ameaçadas por diversas barragens no rio BioBio no ChileAlguns dos projetos para o BioBio já foram con struídos e outros estão em fase de planejamento ou construção Este rio além de ser território ancestral de um grupo indígena abastece cidades e regiões rurais totalizando mais de 1 milhão de pessoas o Chile tem população de 15 milhões de habitantes O alto BioBio é a região de um dos grupos indígenas mais importantes e representativos do país os índios Pehuenche Alguns dos projetos para o BioBio têm forçado uma longa batalha judicial entre a Lei de Proteção às Terras Indígenas e a Lei de Energia Elétrica do país que foi aprovada durante o regime do ditador Pinochet e dá carta branca para qualquer pro jeto de geração de energia no que diz respeito às questões sócioambientais Assim como no Brasil em outros países da América Latina a construção de barragens está infimamente relacionada aos interesses de empresas multina cionais em associação com regimes autoritários e for mas antidemocráticas de tomada de decisões e planejamento Boa parte dos países da América Latina viveu nos anos 1960 1970 e 1980 sob ditaduras militares que expandiram muito a indústria de barragens no continente Na experiência de nossos vizinhos a construção de barragens também afetou de forma direta comu nidades tradicionais já muito fragilizadas como é o caso das comunidades indígenas É o caso das comunidades negras à jusante da bar ragem de Urra no Rio Sinú na Colombia Há anos vêm lutando por indenizações pela perda de sua prin cipal fonte de sobrevivência a pesca É o caso tam bém dos atingidos pela barragem de Yacyretá no Rio Paraná na divisa entre o Paraguai e a Argentina Aqui HISTÓRIA DA LUTA INTERNACIONAL CONTRA BARRAGENS ULTRAPASSANDO AS FRONTEIRAS NACIONAIS PARA COMBATER O INIMIGO EM COMUM Por fim na América Central um experiência trágica ancestral O governo ditatorial mandou o exército para chama a atenção por vir sendo considerada em resolver o problema e exterminou aproximadamente instâncias internacionais como um caso de genocídio 400 índios entre eles mulheres e crianças O caso só étnico Em 1982 na Guatemala uma comunidade veio à tona em 1996 quando ONGs de luta pelos dire indígena Maya Achí atingida pela barragem de itos humanos denunciaram o massacre em diversos Chixoy no rio Negro se recusou a sair de uma área fóruns internacionais que seria inundada pelo projeto pois era sua terra PARA A DISCUSSÃO E O ESTUDO 1 Na sua opinião quais são os dois momentos mais marcantes para a articulação internacional dos atingi dos por barragens 2 Quais as principais deliberações do I Encontro Internacional dos Atingidos por Barragens 3 Cite dois exemplos de vitórias na história da luta dos atingidos no mundo 4 Quais as principais formas de organização e luta utilizadas pelos atingidos do mundo ao longo da história 5 Você já conhecia algumas destas formas de luta Quais 6 Como se pode fortalecer a luta internacional dos atingidos por barragens 7 Qual a importância da luta internacional para a luta que se trava no Brasil E na sua região
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ÁGUAS PARA VIDA NÃO PARA MORTE Esta é uma publicação do Movimento de Atingidos por Barragens MAB realizada com recursos da Fundação Ford Carlos Vainer e Flávia Braga Vieira Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional Universidade Federal do Rio de Janeiro IPPURUFRJ Paulo Brandi Daniella Feteira Soares e Raquel Mattos Viana Darlan de S Latuff Associação para o Desenvolvimento da Imprensa AlternativaADIA Carvalho Carmo Índice 1 Uma história de organização e luta parte 1 2 Uma história de organização e luta parte 2 3 Impactos sociais e ambientais de barragens 4 Setor elétrico brasileiro uma breve história de ligações perigosas entre o público e o privado 5 Legislação ambiental brasileira conhecendo um instrumento de luta 6 História da luta internacional contra barragens ultrapassando as fronteiras nacionais para combater o inimigo em comum Neste caderno do Manual do Atingido vamos contar a história dos primeiros movimentos de atingidos por barragens que surgiram no Brasil em diferentes regiões e que depois de algum tempo foram se reunir no MAB A história de cada um destes movimentos é ao mesmo tempo própria deles e também a história de todos os atingidos por barragem 1 PRIMEIROS PASSOS NA ÉPOCA DA DITADURA protestos isolados pouco organizados Foi em Itaipu que a organização dos atingidos começou a dar seus 11 16 de outubro de 1978 convocados pela primeiros passos Comissão Pastoral da Terra no pátio da Igreja de 12 Desde o final dos anos 60 a ditadura militar vinha Santa Helena 1500 pequenos agricultores cujas ter reprimindo brutalmente as organizações populares e ras serão inundadas pela barragem de Itaipu encam qualquer tipo de oposição No início dos anos 70 tor inham ao General Geisel penúltimo presidente da turando e violentando os direitos humanos os mil ditadura militar abaixoassinado denunciando o itares haviam derrotado as tentativas de guerrilha e a preço irrisório das indenizações que estão sendo ofer resistência urbana dos grupos revolucionários que se tinham isolado dos trabalhadores O caminho tinha ecidas 14 a 19 de julho de 1980 agricultores atingidos pela ficado aberto para implantarem seu modelo de desen barragem de Itaipu organizados no Movimento volvimento Justiça e Terra acampam em frente ao escritório da empresa em Santa Helena exigindo abertura de negociações Se os expropriados de Itaipu do Movimento Justiça e Terra não alcançaram grandes vitórias pelo menos conseguiram mel horar um pouco as indeniza ções Fizeram o primeiro acam pamento da história dos atingi dos e escreveram o primeiro capítulo da história da luta dos atingidos por barragens no Brasil lutando contra a expropri ação por terra e por justiça Na verdade desde os anos 40 e 50 tinha havido reclamações contra as barragens Mas eram As consequências foram dramáticas arrocho salarial concentração de renda modern ização da agricultura e êxodo rural urbanização acelerada com crescimento das favelas e periferias pobres Era o chama do milagre brasileiro como disse um ministro daquela época a economia ia bem mas o povo ia mal 13 Os grandes projetos hidrelétricos foram parte deste modelo de desenvolvimento Grandes usinas hidrelétricas começaram a ser construídas em todo o pais A energia gera da deveria sustentar a urbaniza ção e industrialização aceler marcos são arrancados em Machadinho RG 1988 22 NA REGIÃO NORTE A BARRAGEM DE TUCURUÍ no rio Tocantins estado do Pará inundou 2830 km e deslocou mais de 25000 pessoas Em 1978 sem quaisquer informações acerca do proje to as famílias a serem ATINGIDAS começaram a ser cadastradas para fins de indenização pela Eletronorte empresa responsável pela obra Em 1981 a empresa dava por concluídas as indenizações e oferecia uma pequena ajuda para aqueles atingidos que optassem por abandonar a área por conta própria Os poucos reassentados enfrentavam uma realidade bem distin ta do que havia sido prometido No final de 1981 constituiuse sempre com o apoio de sindicatos de trabalhadores rurais o Movimento dos Expropriados pela Barragem de Tucuruí que encaminhou à ELETRONORTE e outras autoridades governamentais suas denúncias e reivindicações Em setembro de 1982 400 pessoas acamparam por 3 dias em frente ao escritório da empresa na cidade de Tucuruí Suas reivindicações terra por terra lotes de 21 alqueires vila por vila casa por casa indeniza ções justas e ressarcimento dos prejuízos Em abril de 1983 novo acampamento reuniu 2000 pes soas A ELETRONORTE aceitou abrir negociações e uma Comissão Representativa dos Expropriados de Tucuruí foi a Brasília dialogar com a presidência da empresa O acampamento foi mantido até o retorno da Comissão com a notícia de que a ELETRONORTE se comprometia a relocar todos em lotes de 100 hectares pagar indenizações justas e ressarcir os prejuízos pelo tempo em que tinham ficado proibidos de plantar A luta pelo cumprimento do acordo passou a ser o objetivo central do movimento Mas a realidade tornouse ainda mais dramática em virtude do fato de que 600 famílias já reassentadas tiveram suas terras tomadas pelo lago a ELETRONORTE se equivocou na demarcação das áreas a serem inundadas Em outra trágica demonstração de irresponsabilidade a margem esquerda do reservatório onde havia sido assentada a maioria dos expropriados foi infestada por uma praga de mosquitos até então desconhecidos na região adas que alimentavam o sonho propagandeado para as classes médias urbanas fazer do Brasil uma grande potência As grandes barragens eram usadas como símbolo da potência do país e do regime militar E serviam também para fornecer energia barata para a exportação de produtos eletrointensivos como o alumínio 14 Estas grandes obras expulsavam dezenas de mil hares de pessoas Pequenos produtores perdiam suas terras suas casas e seu trabalho E iam se jun tar aos milhões de expropriados pelo latifúndio con denados ao desemprego e miséria nas favelas mocambos invasões e periferias das grandes cidades Em alguns lugares sobretudo no sul do país o governo vendeu o sonho de que quem quisesse ser colono na Amazônia teria muita terra boa e barata muitos dos que acreditaram nessa história fizeram a viagem de volta desesperançados e doentes indo engrossar nos anos 80 os acampamentos de semterra 15 Mas no final dos anos 70 e o início dos anos 80 ressurgiam a organização e a resistência dos movi mentos populares nas cidades e nos campos A classe média urbana desencantada com a estag nação económica e a falta de liberdade perdia as ilusões e recusava apoio à ditadura Até mesmo setores das classes dominantes achavam que os mil itares já tinha cumprido seu papel e podiam voltar para os quartéis O regime militar se enfraquecia e era obrigado a conceder a anistia Os presos políticos saíam das cadeias e os exilados políticos começaram a retornar ao país Das greves e do sindicalismo combativo nasceram a CUT Central Única dos trabalhadores e o Partido dos Trabalhadores No campo no Nordeste e em São Paulo cortadores de cana e colhedores de laranja faziam greves Se iniciavam as lutas dos Sem Terra Em 7 de setembro de 1979 110 famílias ocupavam a Fazenda Macali em Ronda Alta no Rio Grande do Sul e quase dois anos depois se organiza o histórico acampamento dos semterra na Encruzilhada Natalino As Comunidades Eclesiais de Base a Comissão Pastoral da Terra e outras pastorais pro gressistas apoiavam a organização popular pela base Foi neste período que surgiram as lutas e organiza ções que dariam origem ao Movimento Nacional de Atingidos por Barragens 2 AS LUTAS LOCAIS E REGIONAIS 21 No início dos anos 80 3 grandes movimentos começaram cada a um a sua maneira a se organizar Na Região Norte no Nordeste e no Sul os atingidos por barragens criavam diferentes palavras de ordem formas de organização e formas de luta para defen derem seus direitos UMA HISTÓRIA DE ORGANIZAÇÃO E LUTA parte 1 Em Tucuruí diferentemente do ocorrido em outras barragens também a população a justante da bar ragem se mobilizou sobretudo a partir de 1986 quan do o barramento do rio provocou a degradação da qualidade da água com repercussões na saúde públi ca redução drástica da pesca e alterações no regime do rio de que dependem as populações ribeirinhas para realizar sua agricultura de vazante Na mobiliza ção destas populações tiveram papel de destaque os sindicatos dos municípios a jusante Em 1989 5 anos após a inauguração da usina ocorrida em 24 de novembro de 1984 constituíase a CAHTU Comissão dos Atingidos pela Hidrelétrica de Tucuruí reunindo os expropriados de montante e os atingidos de jusante para levar adiante suas lutas e reivindicações Em virtude de um estudo realizado pela Comissão Mundial de Barragens em outro caderno do Manual do Atingido vamos falar melhor sobre esta Comissão em 1999 e a ameça da segunda etapa de Tucuruí os atingidos realizaram várias reuniões e reiniciaram o processo de negociação com a ELETRONORTE Em 2001 no 14 de março mais de 1000 expropriados ficaram acampados em Tucuruí e fizeram marcha até a entrada da obra atingidos não se organizassem O fato é que mais ou menos na época em que a CHESF fechava as com portas de Sobradinho 1977 iniciaramse as obras da barragem de Itaparica No entanto apenas em 1979 lideranças de sindicatos rurais começaram a pro mover reuniões nos municípios Invocando a trágica situação dos atingidos pela barragem de Sobradinho muitos deles relocados na caatinga semiárida o movimento nascente se concentrou nas seguintes reivindicações terra por terra na margem do lago água nas casas e nos lotes indenizações justas das benfeitorias Em agosto de 1979 ocorreu a primeira concen tração de trabalhadores rurais em Petrolândia Pernambuco e neste mesmo ano sindicatos rurais de vários municípios atingidos constituíram uma espé cie de coalizão sindical sob o nome de Pólo Sindical de Trabalhadores Rurais do Submédio São Francisco Vale a pena destacar o fato de que con trariamente ao que havia acontecido no sul do país não se constituiu aqui uma forma de organização específica dos atingidos mas uma articulação inter sindical para levar adiante a luta A segunda concentração em janeiro de 1980 reuniu mais de 5000 pessoas em Petrolândia Em 1984 os sindicatos com apoio de técnicos elaboraram um documento 23NAREGIÃONORDESTEA BARRAGEM DE FTAPARICA no médio São Francisco Diretrizes Básicas para o Reassentamento em que reiteravam e detalhavam antigas reivindicações introduzindo algumas novas como por exemplo lotes de 25 hectares dos quais 6 irrigados irrigação por aspersão administração do projeto pelos trabalhadores melhor escolha das ter ras estradas Mas a CHESF só conversava segun do os relatos A falta de resposta às reivindicações e o atraso do cronograma social em relação ao crono grama das obras civis aumentavam a angústia e provocavam a ampliação e radicalização do movimen to Em outubro de 1985 6 mil manifestantes ocu param o canteiro de obras A CHESF continuava entre Pernambuco e Bahia inundou 834 km e expul sou 40000 pessoas No Vale do São Francisco a construção no início dos anos 70 das barragens de Moxotó sobretudo Sobradinho feitas sem qualquer consideração para os problemas sociais funcionou como advertência do que poderia vir a ocorrer em outras barragens se os e 24 NA REGIÃO SUL NA BACIA DO RIO URUGUAI o Plano 2010 da Eletrobrás projetava a construção de 23 barragens que expulsari am 200000 pessoas nos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina A organização e luta de resistência no Alto Uruguai de um lado seguiram um caminho parecido com o de Itaipu ação de religiosos e militantes da CPT na mobi lização presença dos sindicatos de trabalhadores rurais importância fundamental da informação orga nização dos atingidos nas comunidades e municípios Houve porém uma grande e decisiva novidade pela primeira vez as populações ameaçadas de desloca mento começaram a se mobilizar e organizar antes do início da obra Em 24 de abril de 1979 350 agricul tores reunidos em Concórdia Santa Cataria criaram a Comissão Regional de Barragens com o objetivo de obter junto à ELETROSUL maiores informações sobre o projeto e divulgálas amplamente advertindo os atingidos acerca da ameaça que pairava sobre suas vidas Aos poucos na Comissão Regional de Atingidos por Barragens do Alto Uruguai CRAB desenvolveuse uma organização que cobria o con junto da área ameaçada Em fevereiro de 1983 em Carlos Gomes distrito dos mais combativos na luta contra a barragem de Machadinho 20 mil pessoas participaram da Romaria da Terra cujo tema foi Águas para vida não para a morte tema que 15 anos depois se transformaria em palavradeordem do movimento internacional PO Fulgêncio Manuel da Silva 1997 rejeitando as principais reivindicações e em 1986 anuncia o fechamento das comportas para 1987 Em 1 de dezembro de 1986 os atingidos voltaram a ocupar o canteiro Foi um ato de grande repercussão regional e mesmo nacional A solidariedade de religiosos entidades sindicais organizações populares ONGs e parlamentares foi expressiva As obras foram paralisadas até que um acordo fosse firmado terra por terra 25 salários mínimos até o início da produção participação dos trabalhadores na compra de terras e na adminis tração do reassentamento No entanto a conquista do acordo não deu por encerrada a luta que daí por diante se concentrou em tentar garantir o cumpri mento do acordo militante levanta a bandeira do MAB Desde o ano de setenta e seis Que a gente iniciou Nossa organização De todo trabalhador Para não perder as terras Que a gente sempre plantou Isso a gente iniciou Quando se ouviu falar Que essa empresa CHESF Aqui ia começar A construção de uma barragem Pra poder nos afogar Fulgêncio Manuel da Silva líder sindical rural de Pernambuco e um dos fundadores do MAB Nacional é o autor desta e de muitas outras poesias sobre a luta contra as barragens Fulgêncio foi assassinado em 1997 Uma enorme perda para a luta dos atingidos e dos trabalhadores rurais em geral no Brasil contra barragens Em 1985 o abaixoassinado Não às Barragens com mais de um milhão de assinat uras recolhidas pela CRAB foi entregue ao Ministro Extraordinário de Assuntos Fundiários Após ter de forma tímida pedido indenizações justas a CRAB havia dado prioridade à luta por terra por terra enfa tizando a necessidade de reassentar os colonos com pulsoriamente deslocados A partir daí era o confronto aberto a luta contra a construção das barragens Terras Sim Barragens Não A radicalização do movimento criou obstáculos políti cos complexos para a execução do projeto É bom destacar que muitas e eficazes foram as iniciativas de ação direta marcos colocados pela empresa eram arrancados técnicos da ELETROSUL ou de suas con tratadas em trabalhos de campo eram proibidos de invadir as propriedades e convidados a passar algum tempo com as comunidades atingidas Esta situação acabou empurrando a ELETROSUL em direção ao acordo de julho de 1987 Do ponto de vista da ELET ROSUL e do Setor Elétrico brasileiro o acordo signifi cava o compromisso com uma série de condições para seguir adiante com o projeto Dentre estas as mais importantes eram fim das negociações individu ais e aceitação de que todas as negociações seriam feitas comunidade por comunidade com a presença de representantes da CRAB atrelamento do crono grama das obras ao cronograma de negociação e solução dos problemas sociais oferta a todos os atingidos inclusive aos não proprietários da possibil idade de reassentamento coletivo A história da luta após o acordo histórico de 1987 pode ser descrita em poucas palavras luta pelo cumprimento do acordo UMA HISTÓRIA DE ORGANIZAÇÃO E LUTA parte 1 No final da década de 1980 houve forte mobiliza 25 Embora as lutas em Tucuruí no Vale do São ção da população atingida pela barragem de Irai Francisco e na Bacia do Uruguai fossem as mais SCRS realizando festival de canção reuniões fortes outras lutas também começaram a acontecer concentrações que resultaram no cancelamento nos anos 80 As principais foram na região norte da UHE Irai O mesmo processo ocorreu na bar Balbina Belo MonteJuruá Babaquara Cachoeira ragem de Itapiranga uma das primeiras que Porteira JiParaná na região nordeste Xingó Pedra estavam planejadas para o rio Uruguai Em 06 do Cavalo Pão de Açúcar e Castanhão na região janeiro de 1986 ocorreu uma grande concen sudeste Simplício SapucaiaAnta Itaocara e Santa tração no município de RiguezaSC reunindo mais Rita na região centrooeste Cana Brava Foz do de 3 mil atingidos Na assembléia decidiuse por Bezerra e Peixe na região sul Dona Francisca e as arrancar todos os marcos e expulsar os técnicos barragens do rio Iguaçu tais como Foz do Areia da ELETROSUL que já estavam morando em Salto Santiago Salto Segredo e Salto Caxias E quan Itapiranga e a obra até hoje não saiu Esses são tas outras mais que surgiram sumiram e das quais alguns exemplos de algumas lutas que efetiva não se tem notícia pois tudo o que contamos aqui não mente impediram a construção de barragens na está na história oficial mas sim na memória dos luta dores e lutadoras que viveram estas experiências Bacia do Rio Uruguai PARA A DISCUSSÃO E O ESTUDO 1 Quando a seu ver teve início a a luta dos atingidos por barragens no Brasil Por quê 2 Lembre o que aconteceu em cada uma das datas abaixo e escolha aquela que lhe parece mais impor tante para a história do movimento dos atingidos Explique sua escolha 16 de outubro de 1978 1419 de julho de 1980 abril de 1983 outubro de 1985 06 janeiro de 1986 julho de 1987 3 Quais foram os três principais focos de resistência dos atingidos durante a década de 1980 4 Quais são na sua opinião os principais focos de resistência no momento atual Neste caderno do Manual do Atingido vamos continuar contando a história do movimento de atingi dos por barragens no Brasil Vamos falar da criação do movimento nacional o desenvolvimento das bandeiras de lutas nos anos 1990 vitórias e conquistas até chegar a criação de um movimento inter nacional de atingidos 1 O NASCIMENTO DO MOVIMENTO NACIONAL 13 Em todos os projetos em todas as bacias e vales UNIDADE E DIVERSIDADE o inimigo era o mesmo as empresas energéticas o Plano 2010 da Eletrobrás que previa a implantação de usinas hidrelétricas A ditadura militar já tinha 11 Com a ajuda de setores da Igreja Católica e do movimento sindical na época era o Departamento acabado uma nova constituição estava em vigor Nacional de Trabalhadores Rurais da CUT a CRAB algumas liberdades democráticas tinham sido con tornou a iniciativa de organizar em abril de 1989 em quistadas mas o modelo energético implantado Goiânia o I Encontro Nacional de Trabalhadores pela ditadura militar permanecia o mesmo Lutar con Atingidos por Barragens O encontro foi preparado tra este adversário comum contra a política e o mod erna encontros regionais Norte Nordeste Sudeste e Sul elo energético era o objetivo comum daquelas pes 12 O I Encontro Nacional de TrabalhadoresAtingidos soas vindas de todas as regiões do país por Barragens foi principalmente consagrado à troca de experiências Quase todos os relatos contavam uma 1 Encontro Nacional de Trabalhadores Atingidos por Barragens Goiânia 1921 de abril de 1989 Em Goiânia atingidos por barra gens de todo o país aprovaram pela primeira vez na história uma pauta e um plano de lutas nacionais 1 elaboração de uma nova política para o setor elétrico com a participação da classe trabal hadora 2 que sejam imediatamente solucionados os problemas soci ais e ambientais gerados pelas hidrelétricas já construídas e que isto seja condição para implantação de novos projetos SP rJrcv 1 i wmmÈSm história parecida grandes proje tos hidrelétricos decididos sem consultar ninguém falta de informações direitos dos atingi dos desprezados Os relatos contavam também de como apesar das dificuldades o povo atingido ia se organizando man ifestando conseguindo impor negociações ampliando sua influência e conseguindo algu mas conquistas Acampamentos ocupações de canteiros arrancação de mar cos marchas abaixoassina dos estas eras as formas de ação mais usadas i encontro da Coordenação Nacional do MAB RJ 2002 3 cumprimento dos acordos já firmados entre os atingidos e as concessionárias 4 fim imediato dos subsídios tarifários às indústrias favorecidas pelo setor elétrico Reforma agrária já sob o controle dos trabalhadores Demarcação das terras indígenas Demarcação das terras das comunidades negras remanescentes de quilombos Não pagamento da dívida externa extraído da Carta de Goiânia 15 A diversidade não ameaçava a unidade do Movimento Nacional que estava nascendo Ao con trário fortalecia esta unidade afirmando a riqueza da diversidade da cultura da organização e da experiên cia de cada luta e de cada organização local ou regional Em respeito a esta diversidade o Encontro de Goiânia afirmou a necessidade de serem respeitadas as diferentes realidades citando como exemplo as diferentes formas de organização no Vale do São Francisco Pólo Sindical e na Bacia do Rio Uruguai Comissão Regional de Atingidos por Barragens 16 O Encontro de Goiânia criou uma Comissão Nacional Provisória para organizar no ano seguinte o I Congresso Nacional dos Atingidos por Barragens Mas o Congresso só aconteceu em março de 1991 em Brasília Delegados vindos de todo o país decidiram então fundar o MAB Movimento dos Atingidos por Barragens como um movimento nacional popular e autónomo Foi eleita a primeira Coordenação Nacional do MAB Também se resolveu que o Movimento teria sede em São Paulo com uma secretaria nacional funcionando permanen temente Para marcar o nascimento do MAB o dia da plenária final do I Congresso 14 de março foi consagrado como Dia Nacional de Luta Contra as Barragens sendo celebrado desde então em todo o país Em 1997 o I Encontro Internacional de Povos Atingidos por Barragens Curitiba 1997 consagrou o 14 de março como Dia Internacional de Luta con tra Barragens 14 Parecia que a mesma história se repetia nos mais diferentes vales e regiões Em Goiânia ficou claro que os atingidos de todo o país tinham os mesmos proble mas e os mesmos inimigos Mas ficou claro também que em cada região em cada vale ou beira de rio os movimentos tinham encontrado caminhos próprios para a organização e a luta Em alguns lugares os sindicatos organizavam e lideravam os atingidos em outros os atingidos tinham criado organizações próprias Em alguns lugares a luta tinha começado depois de a obra já estar pronta ou começada em out ros os atingidos estavam lutando para que a obra não fosse realizada Além disso cada localidade tinha suas próprias experiências políticas Todos aprendiam com todos a experiência de um servia de aprendizado aos outros Trabalhadores rurais sem terra pequenos produtores povos indíge nas remanescentes de quilombos populações urbanas caboclos sertanejos mineiros e gaúchos descendentes de escravos e de imigrantes europeus esta enorme diversidade deu um extraordinário colori do ao nascimento do Movimento Nacional UMA HISTÓRIA DE ORGANIZAÇÃO E LUTA parte 2 para coordenar as regionais Mas a legitimidade do MAB crescia 24 Os Congressos Nacionais do MAB passaram a ser realizados de três em três anos Em dezembro de 1993 realizouse o II Congresso Nacional do MAB quando se deliberou dentre outras coisas pela necessidade da organização de um encontro interna cional de atingidos Em dezembro de 1996 em São Paulo aprofundando o debate sobre as linhas gerais de ação trabalho de base política de alianças e posição frente o setor elétrico realizouse o III Congresso Nacional do MAB 2 A LUTA NOS ANOS 90 III Congresso Nacional do Movimento de Atingidos por Barragens São Paulo 1013 de dezembro de 1996 Em São Paulo os atingidos por barragens de todo o país reafirmaram suas convicções e aprofundaram posições políticas principalmente frente o Setor Elétrico brasileiro O MAB exige do governo brasileiro a formulação de uma nova política energética que a contemple a participação da população no seu planejamento decisão e execução b priorize as questões sociais e ambientais antes da implementação da barragem considerando sem pre a bacia hidrográfica c corrija as distorções existentes no Setor Elétrico acabando com desperdícios na transmissão exe cução e consumo de energia bem como o fim dos subsídios aos grandes consumidores d invista em pesquisa na busca de novas fontes energéticas e priorize o desenvolvimento de fontes alternativas energéticas por exemplo energia solar eólica pequenas barragens em local adequado com critérios estabelecidos pela população f garanta o acesso à energia para todas as famílias e principalmente aquelas atingidas As principais bandeiras de luta são Exigir o cumprimento dos acordos já firmados entre atingidos e as concessionárias do setor elétrico Exigir soluções para os problemas sociais e ambi entais antes de construir a obra e para os causados pelas barragens já construídas e em construção e que não sejam concedidas licenças para novas até a solução dos mesmos Exigir o fim imediato dos subsídios tarifários às indústrias favorecidas pelo setor elétrico Exigir o destinamento nos orçamentos federais e estaduais dos recursos necessários para a solução dos problemas sócioambientais das barragens já construídas ou em construção Exigir a adoção de critérios socialmente justos economicamente viáveis e ambientalmente corretos extraído do documento final do III Congresso 21 Os anos 90 se iniciaram pois com novos desafios construir um movimento nacional unificar as lutas dos atingidos colocar na ordem dia a necessi dade de implantar um novo modelo energético e um novo modelo de desenvolvimento A realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento RIO 92 no Rio de Janeiro em junho de 1992 favoreceu em certa medida a divulgação dos graves impactos sociais e ambientais provocados pelas grandes barragens O MAB nesta época participou do Fórum Nacional de ONGs e através da CRAB coordenou o Grupo de Trabalho sobre Energia do Fórum Isso foi importante pois colocava os atingidos e seu movimento em con tato com algumas organizações e militantes ecologis tas que poderiam ser aliados da luta contra as barra gens e por um novo modelo energético 22 Por outro lado a crise económica prolongada havia tornado impossível realizar os planos de expan são do setor elétrico Isso teve um aspecto positivo porque embora apenas adiadas as barragens não estavam sendo construídas Mas teve também um aspecto negativo porque favorecia a desmobilização e desorganização em algumas regiões pois muita gente começou a acreditar que as barragens não viri am mais Também foi negativa a desaceleração dos investimen tos ali onde as barragens já estavam em construção ou tinham sido recentemente construídas como Itá Serra de Mesa Tucuruí Itaparica entre outras botan do a culpa na falta de recursos as empresas atrasavam os investimentos para reassentamento e para indenização provocando enormes prejuízos e sofrimentos aos atingidos 23 As lutas dos anos 90 foram sobretudo para forçar as empresas a cumprirem os compromissos assumidos Ocupações de canteiros de obra acam pamentos e manifestações foram importantes instru mentos de luta A organização nacional se mostrava tarefa bastante difícil faltavam recursos faltava gente a secretaria de São Paulo tinha dificuldades 3 ANTIGAS REIVINDICAÇÕES NOVOS DESAFIOS A LUTA CONTINUA O IV Congresso realizado em novembro de 1999 em Belo Horizonte confirmou as diretrizes anteriores e definiu a linha de combate contra as políticas neo liberais e o processo de privatização do setor elétrico Em 1999 também se avançou na elaboração das lin has gerais sobre o que poderia vir a ser um Novo Modelo Energético e um Projeto Popular para o Brasil Uma vez mais o Congresso afirmou a priori dade da organização de base e da luta de massa como principal forma de fortalecer o movimento e alcançar seus objetivos 25 Como ressaltamos anteriormente para ampliar as relações do MAB com os movimentos de atingidos de outros países e fortalecer a solidariedade interna cional o II Congresso MAB tinha deliberado convocar um Encontro Internacional Em setembro de 1995 realizouse em Itamonte Minas Gerais um Encontro Internacional PreparatórioA troca de experiências e a discussão acerca do caráter internacional da luta dos atingidos mostraram grandes acordos entre as diversas organizações presentes Estas organizações decidiram compor um Comité de Convocação e Organização do Povos Atingidos por Barragens Este Encontro aconteceu em março de 1997 em Curitiba com a participação de delegações de 20 países dentre elas organizações de atingidos por barragens e organizações de apoio Durante o encon tro atingidos por barragens da Ásia América África e Europa puderam compartilhar suas experiências de lutas e conquistas fazer denúncias e discutir as políti cas energéticas a luta contra as barragens em escala internacional bem como formas de defender os dire itos das famílias atingidas e o fortalecimento interna cional do Movimento Este Encontro aprovou a Declaração de Curitiba plataforma internacional de lutas dos atingidos e definiu o 14 de Março como o Dia Internacional de Luta contra as Barragens 31 Já se passaram mais de 20 anos desde que os expropriados de Itaipu desafiaram a ditadura militar para defender seus direitos Muitas foram as derrotas e dificuldades enfrentadas pelo movimento Muito importantes também foram as vitórias No Vale do Ribeira em São Paulo e Paraná os ameaçados por barragens muitos deles remanescentes de quilom bos têm resistido e conseguido impedir a construção de barragens no Rio Ribeira do Iguape Na Bacia do Rio Uruguai após ter impedido a obra por vários anos a heroica resistência contra Machadinho obrigou à definição de um novo eixo da barragem reduzindo de Encontro Internacional dos 3500 para 1600 o número de famílias deslocadas Em Itá e também em Machadinho pela primeira vez na história as empresas foram obrigadas a assumir plenamente o reassentamento inclusive dos semterra atingidos Na Bacia do Rio Uruguai outros projetos menores como das barragens de Irai e Itapiranga foram cancelados pela mobilização popular Por toda a parte os atingidos vêm pressionando as empresas e obtendo vitórias parciais 32 Como os expropriados de Itaipu no final dos anos 70 os atingidos por barragens seguem hoje lutando por terra e por justiça Como os atingidos dos anos 80 na Bacia do Uruguai em Itaparica e Tucuruí os atingi dos continuam lutando por reassentamento negoci ação coletiva e justa reparação de todas as perdas Mas hoje a luta é muito mais ampla O MAB luta para impedir que se continue construindo barragens destrutivas do ponto de vista social e ambiental Luta para que nenhuma barragem seja construída sem a informação e acordo da população como recomen dou a Comissão Mundial de Barragens CMB 33 O MAB é radicalmente contra o processo de pri vatização do setor elétrico que está entregando o controle da energia e das águas ao capital privado muitas vezes estrangeiro O MAB defende um setor elétrico público em que as empresas estatais e o planejamento energético estejam submetidos ao con trole democrático dos trabalhadores e da sociedade muito diferente do modelo tecnocrático e autoritário que predominou durante a ditadura e permanece a i n d a h o j e n a E l e t r o b r á s e m F u r n a s Eletronorte CHESF 34 Finalmente o MAB luta por um novo modelo energético baseado na economia de energia e no desenvolvimento de fontes alternativas solar dos ventos eólica Este modelo energético alternativo que é também um modelo de controle e uso democráticos dos recursos hídricos é parte indispen sável de um Projeto Popular para o Brasil que unifique as lutas de todo o povo por uma sociedade m a i s j u s t a s e m o p r e s s ão e x p l o r a ç ã o e discriminação 35 A história da luta dos atingidos por barragens é muito rica O breve histórico que acabamos de apre sentar não dá conta de todas as lutas vitórias e difi culdades Seriam necessárias muito mais páginas para contar a história de resistência em cada bar ragem em cada vale em cada região do Brasil em todas as partes onde as pessoas lutaram e continuam lutando para garantir sua casa sua t e r r a seu trabalho Na verdade cada dia esta história está sendo reescri ta com novas lutas e conquistas É uma história que se mantém viva pela ação E é uma história que deve se manter viva também nos corações e mentes na memória de todos Para que os começam a lutar agora possam aprender com aqueles que vieram antes Os mais jovens devem pedir aos mais velhos que relatem suas histórias e lembranças E os mais v e l h o s d e v e m a j u d a r o s m a i s j o v e m c o m suas experiências Tem sido uma longa caminhada E a caminhada prossegue UMA HISTÓRIA DE ORGANIZAÇÃO E LUTA parte 2 PARA A DISCUSSÃO E O ESTUDO 1 Lembre o que aconteceu em cada uma das datas abaixo e escolha aquela que lhe parece mais importante para a história do movimento dos atingidos Explique sua escolha 1921 de abril de 1989 14 de março de 1991 junho de 1992 dezembro de 1996 novembro de 1999 14 de março de 1997 2 Qual foi o principal passo dado em direção a construção de uma organização nacional dos atingi dos Quais são as principais conclusões da Carta de Goiânia 3 A Carta de Goiânia afirmava que a necessidade de unificar o movimento nacional não pode repre sentar o desconhecimento das realidades locais e regionais Você concorda com isso Como combinar unidade e diversidade no movimento 4 Quais foram os principais aliados dos atingidos no momento de sua estruturação em nivel nacional Em sua região quais são os principais aliados dos atingidos 5 Quais as principais deliberações do I Congresso Nacional dos Atingidos por Barragens 6 Quais as principais formas de oraganização e luta utilizadas pelos atingidos ao longo da história 7 O que significa o dia 14 de março para os atingidos 8 Cite dois exemplos de vitórias na história da luta dos atingidos no Brasil 9 Quais poderiam ser formas de documentar a história de luta dos atingidos Na sua região é possív el reconstruir a história da luta contra as barragens Como isso deveria ser feito M O V I M E N T O D O S A T I N G I D O S P O R B A R R A G E N S IMPACTOS SOCIAIS E AMBIENTAIS DE BARRAGENS Neste caderno do Manual do Atingido vamos tratar dos principais efeitos que podem acontecer na construção e operação de uma barragem São efeitos sociais e ambientais 1 O DEBATE POLÍTICO efeitos variam conforme cada rio conforme as condições físicas em que o rio está inserido As con sequências de um barragem também variam con forme as populações suas formas de vida sua cul tura etc Para falar dos efeitos de uma barragem é preciso conhecer todos estes fatores com profundi dade Apesar disso a experiência e o conhecimento acumulados permitem dizer quais são os efeitos mais frequentes associados à construção e operação de barragens É este quadro que apresentaremos agora 11 As barragens causam diversos impactos Isso já começa no planejamento passa pela construção até o período de operação Há impactos no meio ambi ente e há impactos sobre a vida das pessoas Há impactos concretos e materiais tais como o alaga mento de florestas casas e cidades Mas também pode haver impactos imateriais como a perda dos laços comunitários de um determinado grupo a sepa ração de membros da mesma família ou a destruição de uma capela ou de um território indígena sagrado onde se realizavam cerimónias e rituais antigos 2IMPACTOS AMBIENTAIS 21 Inundação das áreas do reservatório 12 Os Estudos e Relatórios de Impactos Ambiental chamados EIAs e RIMAs só estudam o impactos de um projeto de cada vez Ora muitas vezes há dois ou mais projetos em um mesmo rio ou bacia O efeito acumulado destes impactos normalmente não é considerado pelos con strutores de barragens e pelos órgãos ambientais A inundação de florestas e da vida selvagem em geral talvez seja o efeito ambi ental mais óbvio de uma bar ragem As barragens inundam terras extremamente férteis que abrigam ecossistemas diversos Boa parte da fauna e da flora que vive nessas áreas normal mente não consegue sobreviver em outras regiões Além disso as barragens normalmente são construídas em áreas que repre sentam o último refúgio de espé cies deslocadas pelo desenvolvi mento de outras regiões Os reservatórios ainda contribuem para ameaçar as rotas migratórias de muitos animais Além da perda inestimável da fauna e da flora os reservatórios também destroem paisagens cênicas algumas delas as mais 13 Cada rio tem caracteristicas únicas espécies animais e vege tais próprias vazão e ciclos natu rais particulares Também as relações entre as populações e os rios variam Por isso cada bar ragem vai ter efeitos específicos ao ser construída Desta forma nunca será possível dizer todos os efeitos da construção e oper ação de todas as barragens Os bonitas do mundo Um caso clássico deste tipo de perda foi a inundação da cachoeira de Sete Quedas no município de Guaíra no Paraná em decorrência do enchimento do reservatório de Itaipu científico sobre a relação entre barragens e tremores de terras começou ainda na década de 1930 Naquela época se acreditava que as atividades sísmicas só poderiam ocorrer enquanto o reservatório estivesse sendo preenchido ou imediatamente após seu com pleto enchimento Hoje se sabe que podem ocorrer tremores quando o nível de água no reservatório é diminuído e até mesmo após alguns anos do seu enchimento quando o nível de água está relativa mente estável 22 Sedimentos Junto com a água os rios transportam sedimentos tirados do solo e das rochas erosão Quando uma barragem é construída esse processo é interrompido Como a água corre muito lentamente no reservatório os sedimentos se depositam no fundo e não seguem rio abaixo Como forma de recuperar o abastecimento normal de sedimentos o rio a jusante abaixo da bar ragem vai aumentar a erosão do leito O processo de erosão do leito de um rio pode causar aprofundamen to e alargamento das margens colocando em risco a fundação de pontes e estradas Também o abasteci mento de água pode ser prejudicado porque as tomadas de água ficam fora de nível Os cientistas ainda discutem sobre os processos que provocam tremores e terremotos Mas é certo que a pressão e o peso da água estocada no reservatório em alguns casos são suficientes para explicar um ter remoto ou tremor 24 Qualidade da água Ao se interromper o fluxo normal do curso de um rio acontecem diversas mudanças na temperatura e na composição química Também são diversas as conse quências para a qualidade da água do reservatório e do rio Em alguns casos também a foz dos rios e a faixa costeira onde lançam as águas ao mar podem sofrer aumento da erosão Com a redução da quantidade de sedimentos carregados pelos rios que desembocam no mar muitas praias e faixas litorâneas perdem sua antiga proteção e passam a sofrer erosão das ondas e das marés É o que está acontecendo no Pontal do Atafona no delta do rio Paraíba do Sul no estado do Rio de Janeiro A água do fundo de um reservatório de uma grande barragem normalmente é mais fria no verão e mais quente no inverno do que a água do rio Já a água da superfície do reservatório é mais quente do que a do rio durante praticamente todo o ano O aquecimento ou resfriamento muda os ciclos de vida dos seres aquáticos tais como período de procriação de caça de metamorfose da larva etc 23 Tremores de terra As barragens podem provocar ou intensificar tremores de terras e atividades sísmicas movimentação dos solos nas vizinhanças dos reservatórios O debate Muito importante é a decomposição da vegetação e do solo submerso pelo reservatório Durante os torres da igreja matriz da cidade de Itá SC vatório Em algumas áreas da borda do lago uma pessoa que ficasse uma hora parada receberia 600 picadas A qualidade da água também se altera por causa da maior concentração de sais A construção dos reser vatórios aumenta em muito a superfície de água exposta aos raios solares o que provoca uma ele vação da evaporação O resultado é o aumento da concentração de sais na água cujo efeito pernicioso é o envenenamento de animais aquáticos e corrosão de tubos e máquinas primeiros anos do enchimento do reservatório essa decomposição pode reduzir a quantidade de oxigénio na água O apodrecimento de matéria orgânica tam bém pode levar a uma liberação de gases tóxicos Nos trópicos região do planeta onde se encontra a maior parte do território brasileiro a decomposição da matéria orgânica pode demorar algumas décadas Uma forma de diminuir este problema seria através da limpeza da zona do reservatório antes do seu enchi mento Entretanto devido aos custos e à pressa nor malmente apenas parte do reservatório acaba sendo devidamente desmatada Um caso brasileiro bem conhecido é o da Usina Hidrelétrica de Tucuruí no estado do Pará Dos 2430 Km de floresta que foram inundados para a formação do lago apenas 400 Km foram desmatados Além da decomposição da matéria orgânica a não limpeza da área facilitou a prolifer ação de algas no reservatório Estas por sua vez foram responsáveis por uma terrível praga de mosqui tos que trouxe graves consequências para a popu lação recémrelocada na margem esquerda do reser 25 Peixes Os efeitos das barragens sobre os peixes são os mais diversos possíveis Em primeiro lugar estão as dificul dades criadas para a migração e procriação dos peix es A construção das barragens e a consequente alter ação do fluxo dos rios criam um grande obstáculo para o ciclo migratório dos peixes piracema e até mesmo para a sobrevivência das espécies O segun do impacto que pode ser mortal está relacionado às alterações na temperatura da água Por fim a alta concentração de poluentes nos reservatórios pode aumentar a quantidade e variedade de doenças em peixes Algumas medidas de mitigação ou compensação têm sido usadas para diminuir os impactos negativos nos peixes A mais usada é a escada de peixe cuja eficá cia tem sido questionada por muitos especialistas Mesmo quando isso ajuda um pouco a manter a vida aquática raramente se consegue evitar que espécies nativas entrem em extinção No caso da Usina de Tucuruí por exemplo os dados demonstram que 11 IMPACTOS SOCIAIS E AMBIENTAIS DE BARRAGENS A 0 Conceito de Atingido As empresas do Setor Elétrico sempre tentam restringir o conceito de atingido para não ter que arcar com indenizações e reparações a todos os que sofrem os efeitos das obras O I Encontro Nacional de Trabalhadores Atingidos por Barragens em abril de 1989 definiu como atingidos todos aqueles que sofrem modifi cações nas suas condições de vida como conse quência da implantação das barragens indepen dente do local em que vivem ou trabalham É assim que o Movimento pensa todo mundo que tenha sua vida afetada de alguma forma pela con strução da barragem é um atingido Ainda hoje a ampliação do conceito de atingido é objeto da luta política e social Em cada rio em cada bacia em cada região as cul turas valores as atividades económicas e os modos de vida assim como as experiências de luta e organi zação são diferentes Por isso os efeitos sociais das barragens podem variar muito de um lugar para outro Apesar disso é possível e necessário apresentar os principais impactos sociais económicos e culturais que costumam acontecer 31 População deslocada pelas grandes barragens espécies desapareceram da região A jusante da bar ragem de Tucurui a situação dos pescadores ficou dramática com enorme redução da pesca de que muitos dependiam para sobreviver 3 IMPACTOS SOCIAIS Ninguém sabe dizer com precisão quantas pessoas foram deslocadas até hoje por barragens Falase que foram entre 40 e 80 milhões Mas os deslocados não são os únicos a serem atingi dos Este é um grave problema das estatísticas de atingidos por barragens A maioria dos levantamentos realizados pelos governos eou empresas consider am como atingidos pelo projeto apenas aquelas pes soas que são deslocadas por causa do enchimento do reservatório e que possuem o título de pro priedade Assim muitas pessoas famílias e comu nidades são deixadas de lado a população a montante e a jusante da barragemos posseiros parceiros meeiros arrendatários agrega dos e trabalhadores assalariados da área inundadaas pessoas deslocadas por causa de outras partes do projeto como por exemplo as linhas de transmissão a casa de máquina etcas famílias que perdem suas terras ou parte delas mas que permanecem com suas casasas pessoas que utilizam as terras comuns para pastagem do gado colheita de frutos vegetais e madeiraas pessoas que têm seu acesso a escolas hospitais e comércios obstruído em função da destru ição e alagamento de estradas as pessoas cujas atividades económicas dependiam da população deslocada como por exemplo professoras de escolas inundadas caminhoneiros que transportavam a pro dução etc As famílias e comunidades deslocadas sofrem enormes perdas O impacto mais evidente é a perda de terras casas igrejas clubes escolas comércios etc Costumase chamar este conjunto de impactos de perda dos meios materiais de vida Mas há também uma série de outros impactos menos evidentes que são chamados de perdas imateriais pois não são coisas concretas que são derrubadas assim como as paredes de uma construção É a destruição dos laços e redes sociais É isto que acontece com as pessoas que ao serem obrigadas a sair de sua localidade perdem os vizinhos o contato com amigos de infância com parentes Esta perda pode provocar muita tristeza solidão depressão Pode provocar também algumas perdas materiais como por exemplo a possibilidade de fazer um mutirão para construir um galpão As pessoas que são deslocadas por barragens têm que começar a vida de novo Elas têm que construir novas casas galpões e comércios Têm que matricu larse em novas escolas em novos clubes entrar para uma nova paróquia ou templo fazer novos ami gos e vizinhos Em resumo elas têm que fazer de novo tudo o que foi construído ao longo de sua vida e mesmo da vida de seus antepassados 32 População a jusante e no entorno dos reser vatórios das barragens Como já foi dito anteriormente os impactos sociais económicos e culturais decorrentes da construção de barragens não se limitam à área inundada Isso sig nifica que também são afetadas as populações que vivem a jusante da barragem e que de alguma maneira se utilizam dos recursos tais como rios flo restas pastos estradas destruídos pelo projeto Em alguns casos aqueles que vivem a justante podem ser os maiores prejudicados Existem também populações que ficam no entorno dos reservatórios depois das barragens construí das e que sofrem prejuízos incalculáveis É o caso de comunidades que ficaram muito reduzidas porque muita gente foi embora Quem fica não tem como montar um time de futebol nos fins de semana ou como vender os produtos no pequeno comércio local O problema agravase ainda mais porque tanto para os que estão a jusante quanto para os do entorno alguns dos principais impactos somente são sentidos depois de concluída a obra e decorridos muitos anos Além disso a dispersão dessas comunidades dificulta a organização e luta desses atingidos o que faz com que muitas vezes não recebam nenhum tipo de com pensação durante toda sua vida Por isso é da maior importância desde o início da luta e organização envolver todos os atingidos os inun dados e os não inundados a montante e a jusante da barragem perto e longe A luta dos atingidos é a luta de todos os que tiveram ou vão ter sua vidas prejudi cadas 33 População Indígena Gupos indígenas e minorias étnicas se encontram entre as principais vítimas das barragens O impacto das grandes barragens sobre os povos indígenas IMPACTOS SOCIAIS E AMBIENTAIS DE BARRAGENS tornase especialmente grave porque os séculos de exploração e deslocamento imposto à maioria das tri bos indígenas torna os remotos vales e florestas de suas reservas o último refúgio contra a sua destru ição cultural investir na melhoria de suas casas e roças com medo de perder tudo Assim mesmo quando há plano de reassentamento no momento em que este começa a ser posto em prática a população já se encontra em condições materiais e psicológicas muito piores do que as áreas vizinhas Esse problema tornase extrema mente grave por causa do tempo que pode levar um projeto Podem se passar décadas desde o anúncio até a construção Nessas comunidades o trauma do reassentamento é ainda maior por causa de sua forte ligação espiritual com o território os laços espirituais e as práticas cul turais que ajudam a definir suas sociedades são destruídos pelo deslocamento e pela perda de recursos comunais em que sua economia é baseada A chegada de centenas de trabalhadores máquinas pesadas álcool prostituição e violên cia que sempre acompanham os projetos de barra gens também representam uma ameaça de destru ição e desaparecimento das tribos indígenas 34 Tempo e Incerteza Há um aspecto que nunca é levado em conta nas políticas e planos o tempo que leva um projeto e seus impactos Ao contrário do que se pensa e diz os sofrimentos da população atingida iniciamse muito antes de o projeto começar a ser implementado A partir do momento em que uma barragem é anunci ada a população atingida começa a sofrer com a interrupção de investimentos públicos e privados Os bancos param de emprestar dinheiro Novas escolas e hospitais deixam de ser construídos Serviços e comodidades existentes podem ser interrompidos ou fechados muito tempo antes de a população ser trans ferida Os próprios agricultores decidem não mais Além do tempo existe a incerteza da população Ninguém sabe ao certo se de fato a barragem vai ser construída Nem quando Nem quantas casas e pro priedades serão inundadas quem deverá receber compensação e qual será o valor da compensação Este clima de incerteza pode gerar situações dramáticas e até suicídios 35 Doenças O primeiro tipo de problema de saúde provocado por barragens começa com a chegada de um grande número de trabalhadores da construção civil para trabalhar na obra São trabalhadores que circulam por toda parte e muitas vezes carregam consigo doenças contagiosas como tuberculose sífilis AIDS entre outras Mas os trabalhadores da obra também são víti mas de condições de trabalho perigosas e insalubres na maioria dos casos Os acidentes e mortes são numerosos Além disso doenças parasitárias em especial a esquistossomose e a malária podem aumentar reservatório da barragem de Sardar Sarovar no rio Narmada Também podem ocorrer a febre amarela a dengue e a filaríaseA razão para isso é que as barragens prop iciam um ambiente favorável para a criação de mos quitos caramujos e outros animais que servem de transmissores das doenças ragem e a consequente urbanização da região são fatores que podem elevar o nível de doenças sexual mente transmissíveis especialmente a Aids O aumento da violência doméstica decorrente da ele vação do alcoolismo é outro efeito agravado pelo empobrecimento económico e pela desestruturação das comunidades Outro problema é a acumulação de altos níveis de mercúrio nos reservatórios Este mercúrio se concen tra nos peixes quando usados na alimentação esses peixes trazem um grande risco para a saúde humana Ao mesmo tempo em que as mulheres têm que arcar com os maiores custos do projeto elas são a parte da população que tem menos acesso aos benefícios Por exemplo os empregos criados durante a construção do projeto normalmente são destinados aos homens Além disso a propriedade das terras de reassenta mento e as indenizações na maioria das vezes é são dadas aos homens e não às mulheres Existem ainda os efeitos psicológicos causados pela ruptura cultural e alienação social como stress depressão e em alguns casos suicídio Por fim a destruição das bases produtivas da comu nidade agricultura e pesca pode gerar um período muitas vezes longo de escassez de comida agra vando a fome e a má nutrição Apesar da gravidades desses impactos sobre a saúde a preocupação com essa questão tem sido quase nenhuma na elaboração dos projetos 37 Património Cultural Grandes barragens também costumam provocar a eliminação de recursos culturais templos san tuários elementos sagrados da paisagem lugares e construções de grandes importância cultural ou reli giosa para a comunidade 36 Relações de Gênero O empobrecimento e a ruptura social das comu nidades o trauma e os impactos na saúde têm um efeito muito mais severo nas mulheres Em alguns casos o empobrecimento gerado pelo deslocamento compulsório é responsável pelo aumento da migração masculina para as áreas urbanas aumentando assim o número de casas chefiadas por mulheres que passam a arcar sozinhas com os custos de manutenção dos filhosQuanto à saúde das mulheres a chegada de imigrantes durante a construção da bar A inundação pode provocar a perda de recursos arqueológicos como cavernas fósseis de plantas e animais cemitérios e etc No Vale do Ribeira em São Paulo maravilhosas cavernas campo de muitas pesquisas científicas e de visitação turística estão ameaçadas de inundação Uma das maiores preocu pações das comunidades atingidas diz respeito aos túmulos e cemitérios onde estão enterrados seus ancestrais IMPACTOS SOCIAIS E AMBIENTAIS DE BARRAGENS PARA A DISCUSSÃO E O ESTUDO 1 Quais são os principais impactos ambientais das barragens Na sua região quais são os dois piores 2 Quais são os maiores impactos sociais de barragem em sua região 3 Você acha que as perdas imateriais são importantes Dê exemplos de sua região 4 Para as empresas e governos quem é o atingido Para o Movimentos de Atingidos por Barragens quem é o atingido Compare as duas definições Qual a seu ver é mais correta Por quê M O V I M E N T O D O S A T I N G I D O S P O R B A R R A G E N S SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO UMA BREVE HISTÓRIA DE LIGAÇÕES PERIGOSAS ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO Neste caderno do Manual do Atingido vamos contar brevemente a história do Setor Elétrico Brasileiro Falaremos das três fases pelas quais passou o Setor e ao final analisaremos o momento que vivemos hoje 1 1a FASE A REPÚBLICA DO CAFÉ COM LEITE E O PARAÍSO DAS COMPANHIAS ESTRANGEIRAS 18891930 instalação de uma pequena usina no Ribeirão de Inferno nas proximidades de Diamantina Essa usina servia para alimentar duas bombas que com jatos d água revolviam um terreno rico em diamantes Em 1889 um aproveitamento hidrelétrico de maior porte entrou em operação em Juiz de Fora na época prin cipal centro industrial de Minas Gerais Com capaci dade instalada de 250 KW Marmelos foi construída às margens do rio Paraibuna para o abastecimento de fábrica têxtil e a iluminação elétrica local 13 Durante os primeiros anos do regime republicano houve novos investimentos em energia elétrica mas de pequena montaA partir de 1900 surgiram dezenas de concessionárias em vários pontos do país inclu sive por iniciativa de capitais nacionais As concessões de maior vulto e mais rentáveis foram monopolizadas pelas empresas do grupo canadense Brazilian Traction Light and Power Company conhecido como Light Os negócios da Light come çaram em São Paulo em 1899 e se estenderam ao Rio de Janeiro em 1905 abrangendo serviços de iluminação e bondes elétricos e também de telefonia e gás A geração de eletricidade foi garantida pelo aproveitamento de potenciais hidráulicos de baixo custo nas proximidades do 11 Quando a República foi proclamada em 1889 a economia brasileira dependia essencialmente das exportações de bens primários sobretudo do café cul tivado na região Sudeste e da borracha extraída na Amazônia A expansão do café em bases capitalistas e os altos preços desse produto no mercado externo possibilitaram a modernização e a dinamização de atividades tipicamente urbanas A urbanização o aumento da demanda por serviços públicos e o incre mento das atividades industriais foram a mola propul sora das primeiras experiências no campo da energia elétrica 12 A primeira demonstração pública da iluminação elétrica ocorreu ainda no Império em 1879 no Rio de Janeiro com a instalação de seis lâmpadas na estação central da antiga Estrada de Ferro D Pedro II depois conhecida como Central do Brasil Em 1883 o imperador inaugurou na cidade de Campos no norte do Estado do Rio de Janeiro o primeiro serviço de iluminação elétrica pública da América do Sul A primeira utilização de energia hidrelétrica ocorreu também em 1883 em Minas Gerais com a bonde tétricos começo daeletrificação brasileira Distrito Federal e da capital paulista No Rio de Janeiro os canadenses colocaram em operação em 1909 a usina de Fontes no ribeirão de Lajes Com potência de 24 MW era uma das maiores do mundo naquela época Em 1930 o grupo Light respondia por cerca de metade de toda a capacidade de geração de energia elétrica do país estimada em 700 MW 14 Fora do eixo RioSão Paulo as concessões mais importantes passaram ao controle do grupo norte americano American Foreign Power Company Amforp Tendo iniciado suas atividades no Brasil em 1927 a Amforp adquiriu dezenas de empresas nacionais e as concessões dos serviços de eletrici dade em numerosas cidades do interior de São Paulo e de outros estados como Belo Florizonte Recife Salvador Porto Alegre Pelotas Curitiba Niterói Vitória Maceió e Natal Ao lado das duas gigantes multinacionais Light e AMFORP pequenas companhias privadas sobre viviam em pequenas cidades com mercado pouco lucrativo 15 Até 1930 o Governo não tomou nenhuma medi da importante de intervenção nas áreas de produção e distribuição de energia elétrica limitandose a con ferir autorizações e concessões para o funcionamento das empresas Estados e municípios tinham grande autonomia para firmar contratos com as conces sionárias de capital privado Os prazos de concessão podiam variar de 30 até 90 anos Os contratos com a Light e outras companhias consagraram a famosa cláusulaouro permitindo o reajuste das tarifas sem pre que houvesse desvalorização da moeda brasileira naquela época denominada milréis Era o paraíso para as grandes empresas privadas estrangeiras usavam a água à vontade produziam a quantidade de energia que queriam e onde queriam Cobravam o preço que achassem necessário e ainda por cima o governo convertia isso em ouro para que elas pudessem enviar os lucros para as matrizes no exterior 2 2a FASE O CÓDIGO DE ÁGUAS E A TENTATIVA DE REGULAR AS COMPANHIAS PRIVADAS ESTRANGEIRAS 19301962 21 A Revolução de 1930 conduziu Getúlio Vargas ao poder e marcou uma nova etapa na vida política do país Foi também o início de uma nova orientação para o setor de energia elétrica Forças que partici param e apoiaram a revolução defenderam uma maior intervenção dos poderes públicos na utilização das fontes energéticas do país Em 1933 Vargas extinguiu a cláusulaouro Em 1934 foi lançado o Código de Águas 22 Com o Código de Águas muitas foram as modifi cações introduzidas As mais importantes foram as seguintes A propriedade dos rios deixava de ser do proprietário da terra e passava a ser propriedade do município do estado ou da União O Código também estabelecia uma série de regras e restrições ao uso das águas determinando que o uso para abastecimento humano era o mais importante A propriedade das quedas dágua e do potencial hidrelético deixava de ser do proprietário da terra e passava a ser património da nação sob a forma de propriedade da União A partir de então o aproveita mento de potencial hidrelétrico passou a depender de autorização ou concessão do governo por prazo máximo de 30 ou 50 anos conforme o montante dos investimentos As tarifas passariam a ser fixadas segundo os custos de operação e o valor histórico dos investimentos o que significava o fim da cláusulaouro e da correção monetária automática conforme a variação cambial O Estado governo federal passava a deter o poder de concessão e de fiscalização estabelecendo pelo menos teoricamente as condições para controlar as atividades das empresas privadas 23 As grandes empresas privadas partiram para a guerra contra a nova legislaçãoTudo fizeram para boicotála A Light em razão de seu enorme poder chegou a ser apelidada nos anos 50 de polvo canadense pois controlava com seus tentáculos parte dos poderes judiciário legislativo e judiciário Assim como os latifundiários têm hoje sua bancada parlamentar a chamada bancada ruralista existia a bancada da Light Também tinham muitos juízes a seu serviço assim como grandes jornais e revistas estações de rádio A Light apoiava sistematicamente os candidatos e partidos conservadores antipopu lares e submetidos ao imperialismo 24 Como enviavam para a matriz no exterior a maior parte dos seus lucros sobrava muito pouco n tá o d e i L o fdp Deereca o CÓdlgo de Águas At 9 d doo oázdx fyncdo doá 9iaoid Q COZMO usando daa atribuiçBea que lhe coníére o art 1 do decreto n 19398 de 11 de novembro de 1930 e CCBSEDERASDO que o uso das aguas no Srasll temse regido até hoje por uma legislaçEo obsoleta em desaoSro com as nece sldadesInteresses da coletividade nacional CONSIDSRJUfbO que se toma nooessarlo modificar esse estado de oolsas dotando o país de una legislaçEo adequada que de ao8r do com a tendencia átual permita ao poder publioo oon trolar e inoentivar o aproveitamento industrial das aguas CCHSIDERAKDO que em particular a energia hídraulioa exige medidas que faollitem e garantam seu aproveitamento racional CCMSIDEEAHDO que com a reférma por que passaram os serviços afétos ao Ministério da Agricultura está o Governo aparelha do por seu3 orgSos competentes a ministrar assistência técnica e material Indispensável á oonseouçSo de tais objetivos RESOLVE decretar o seguinte Código de Aguas cujo ereouçEo oonpéte ao Ministério da Agricultura e que vai assinado pelos ministros de Estado SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO UMA BREVE HISTÓRIA DE LIGAÇÕES PERIGOSAS ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO para que a Light e Amforp investissem na expansão da geração e distribuição de energia elétrica E elas só investiam ali onde tinham a certeza de que os retornos seriam altos Com o avanço da urbanização e da industrialização a crise se instalou Faltava ener gia elétrica para o abastecimento das cidades para a expansão industrial Para a agricultura nem falar pois não achavam lucrativo Por isso também muitos bair ros pobres das grandes cidades como as favelas não tinham abastecimento de luz elétrica Em 1954 no segundo Governo Vargas um Plano Nacional de Eletrificação vai tentar enfrentar a crise crónicaPara isso também foram criados mecanismos financeiros através de um Fundo Federal de Eletrificação que seria alimentado com um Imposto Único sobre Energia Elétrica a ser cobrado em todas as contas de luz 25 Mas todas as tentativas de controle estatal sobre as grandes companhias esbarravam em seu boicote à legislação e sua recusa de investir na expansão da geração Como as companhias privadas controlavam a produção de enegia tinham extraordinário poder de pressão Os exércitos de advogados juízes deputa dos jornalistas a serviço da Light protegiam seus interesses e garantiam o sistemático desrespeito da lei constrição da primeira subestação da SF em Paulo Afonso BA 1953 3 3a FASE O MODELO ESTATAL DAS GRANDES HIDRELÉTRICAS 1962 1990 31 A primeira intervenção direta do governo federal na produção de eletricidade aconteceu em 1945 quando foi criada a Companhia HidroElétrica do São Francisco Chesf para construir e operar a Usina de Paulo Afonso inaugurada em 1955 com potência instalada de 180000 kW Na época a capacidade total de geração no Nordeste era de 110000 kW Em 1957 foi criada a Central Elétrica de Furnas SA Furnas 32 A falência do modelo privado de geração de ener gia elétrica na década de 1950 também levou vários governos estaduais a intervirem no setor A primeira entre as empresas estaduais foi a CEEE do Rio Grande do Sul que já em 1947 tinha inaugurado a hidrelétrica de Passo do Inferno com potência de 1400 kW para abastecer Caxias do Sul e São Leopoldo Em 1952 foi criada a CEMIG Centrais Elétricas de Minas Gerais cuja principal obra foi a Usina FHidrelétrica de Três Marias que entrou em operação em 1962 O governo paulista criou duas empresas Usinas Elétricas do Paranapanema Uselpa em 1953 e Companhia Elétrica do Rio Pardo Cherp em 1955 No mesmo estado em 1961 nasceu a Centrais Elétricas de Urubupungá SA Celusa com partici pação também dos governos de Santa Catarina Mato Grosso Goiás Minas Gerais e Paraná No Paraná a Copei data de 1954 e a Celesc de Santa Catarina foi criada no ano seguinte No Rio de Janeiro a Empresa Fluminense de Energia Elétrica foi fundada de 1954 Também no Espírito Santo Goiás Mato Grosso Amapá e Maranhão foram criadas companhias estad uais nesta época No início dos anos 60 foram criadas a Coelba Bahia Energipe Sergipe Ceai Alagoas e Cosem Rio Grande do Norte 33 No final dos anos 50 a crise energética atingia os principais centros urbanos do país inclusive a capital Rio de Janeiro Os cortes de energia e o racionamen to entravam para a vida quotidiana Esta situação e a recusa sistemática da Light e da Amforp de reinve stirem seus lucros no país impulsionaram a inter venção estatal 1960 é o ano de criação do Ministério de Minas e Energia e em 1962 é a vez de Eletrobrás prevista na legislação desde 1954 Estavam dadas as condições para a estatização do setor A estatização vai ser levada adiante pela ditadura militar que subiu ao poder através do golpe de 1o de abril de 1964 Somente em 1979 a Light Rio foi estatizada em 1981 foi a vez da Light São Paulo que passou à Eletropaulo empresa estadual Mas já desde 1973 se consolidava a estrutura básica do sistema Eletrobrás com a Eletronorte 1973 Eletrosul 1968 Furnas e Chesf 34 Em 1973 um evento internacional vai mudar a situação energética em todo o mundo a crise do petróleo Com a elevação dos preços que é reforça da por uma segunda crise no final da década os pais es centrais passam a transferir para países periféri cos dependentes e ricos em potencial energético como o Brasil uma série de indústrias que consomem muita energia Assim o Brasil se transformava pro gressivamente juntamente com outros países periféri cos em um exportador de produtos eletrointensivos isto é que exigem grande quantidade de energia para serem produzidos O Japão por exemplo pratica mente fecha sua indústria de alumínio primário e passa a importar de países como o Brasil Na Europa quase toda a indústria siderúrgica fechou as portas 35 Em poucas palavras os países dominantes nos emprestavam dinheiro para construirmos hidrelétricas para produzir alumínio e outros produtos eletrointensivos para exportar e pagar a dívida contraída Os países centrais ficavam com o alumínio e os juros da divida As grandes empreiteiras construtoras de barra gens e as empresas de consultoria ficavam com o dinheiro da obra quase sempre superfatu radas Os políticos e partidos dominantes ficavam com o dinheiro da corrupção e o povo brasileiro ficava com a dívida externa as florestas destruídas os férteis vales inunda dos as populações expulsas de suas terras 36 A política energética e os grandes projetos eram decididos e implantados sem qualquer debate público Ninguém era consultado Consideradas de segurança nacional as decisões eram tomadas nos palácios e nos quartéis secretamente Ali decidiram que a Eletronorte subsidiaria os preços da energia de Tucuruí a ser fornecida às indústrias de alumínio Só os projetos de alumínio da Albrás da Alumar e da Camargo Corrêa Metais segundo dados divulgados pela Eletrobrás em 1989 envolviam subsídios de mais de 1 bilhão de dólares por um prazo de 20 anos Grandes empresas multinacionais como a Alcoa e nacionais como a Votorantim sempre pagaram pela energia um preço abaixo do custo algo em torno de US 10 a US 20 por MWh enquanto o custo de geração de Tucuruí por exemplo era de US 38 por MWh Estes favores têm causado a perda de cente nas de milhões de dólares Enquanto isso cerca de 20 milhões de pessoas per maneciam sem acesso à eletricidade No meio rural somente 13 das propriedades recebiam energia elétri ca E as populações atingidas eram tratadas como gado tangidas com violência e total desrespeito aos seus direitos em Sobradinho que expulsou cerca de 70 mil pessoas as pessoas quase são atingidas pelas águas pois não havia sido providenciado nem mesmo seu reassentamento E quando como em Itaipu houve tentativas de resistência a represssão foi brutal 37 Desta forma o modelo estatal de grandes barra gens hidrelétricas construídas sem qualquer consulta à sociedade e aos atingidos constituiu elemento cen tral para estruturar o modelo de desenvolvimento durante o regime militar PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO MODELO ESTATISTA BASEADO EM GRANDES BARRAGENS Aprofundamento das desigualdades sociais con centrando riqueza e poder nas mãos de um número cada vez menor de empresas e indivíduos Aprofundamento das desigualdades regionais promovendo o êxodo rural e o crescimento das miséria urbana nas periferias e favelas Ocupação violenta dos territórios tradicionais de povos indígenas ameaçando muitos deles de extinção cultural e mesmo física Destruição acelerada e descontrolada de recursos ambientais em nome de um desenvolvimento que apenas enriqueceu os mais ricos e aumentou o poder dos poderosos As empresas estatais inclusive as empresas do Setor Elétrico funcionavam como mecanismos de poder e de corrupção sem qualquer controle social servindo aos interesses de grandes grupos nacionais e estrangeiros 38 Este modelo estatal centralizado autoritário baseado em grandes barragens foi apoiado pelas agências multilaterais fiéis defensoras dos interesses dos grandes grupos industriais e financeiros Desde 1944 quando foi criado até 1993 o Banco Mundial principal financiador de grandes barragens ajudou a construir mais de 600 barragens em 93 países com empréstimos de 58 bilhões de dólares Quem hoje vê os portavozes do Banco Mundial con denando as empresas estatais e a intervenção do Programa Nacional de Desestatização durante o Governo Collor O Programa foi mantido nos governos de Itamar Franco e Fernando Henrique O primeiro leilão para a venda de uma empresa de distribuição de eletricidade Escelsa aconteceu em julho de 1995 Quatro empresas já haviam sido transferidas para empresas privadas quando em outubro de 1997 foi criada a Agência Nacional de Energia Elétrica ANEEL com a função regular o funcionamento do Setor no novo modelo 43 Transformadas em antros de corrupção e cabides de emprego as empresas estatais foram levadas à desmoralização Os serviços foram degradados O banco federal BNDES era usado para financiar grupos económicos estrangeiros ou nacionais para com prarem o património público Mas as empresas estatais eram proibidas de fazer qualquer investimen to para respeitar os acordos com o FMI de fazer o chamado ajuste fiscal Os investimentos do Setor Elétrico que em 1980 alcançaram US 139 bilhões foram reduzidos para US 45 bilhões em 1995 e US 6 bilhões em 1998 44 A sociedade e os atingidos por barragens exigiam democratização do Setor Elétrico discussão pública das políticas e dos planos controle social sobre as empresas estatais Ao invés disso o governo pro moveu a desmontagem do setor público A sociedade e os atingidos por barragens exigiam um uso responsável e socialmente controlado do património público representado pelos recursos hídri cos e pelo potencial energético Ao invés disso o gov erno promovia o processo de privatização da água e da energia 45 Foi contratada um empresa de consultoria ingle sa Coopers Lybrand que veio dizer qual o novo modelo privado a ser aplicado O que novo mode lo pretende O modelo neoliberal privatista trata a energia como uma mercadoria como outra qualquer Tenta voltar ao paraíso das companhias privadas do período anterior a 1930 o mercado funcionando livremente com as empresas privadas determinando a quantidade a ser produzida as tarifas quem recebe e quem não recebe eletricidade Até mesmo a cláusula ouro está sendo reeditada só que agora é cláusula dólar é a chamada garantia cambial Os preços foram indexa dos ao dólar Isso quer dizer o seguinte o povo brasileiro recebe sua renda em reais mas paga a energia elétrica em dólar para que as empresas pri vadas estrangeiras possam remeter seus lucros para as matrizes 46 Mas a energia não é uma mercadoria qualquer Ela é elemento fundamental da vida moderna Ela é estratégica para o país Nossos rios são património da nação e não podem ser explorados por empresas cujo objetivo é o lucro máximo hidrelétrica de Itaipú PR estado na economia não deve esquecer que foi este mesmo Banco que durante décadas apoiou política e financeiramente ditaduras brutais e seus grandes pro jetos estatais que deveriam como se dizia na época promover o desenvolvimento Nós sabemos hoje que tipo de desenvolvimento eles promoveram 4 O MOMENTO ATUAL A PRIVATIZAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO 41A adoção de uma orientação neoliberal e antiesta tista por parte dos países dominantes em primeiro lugar os Estados Unidos e a Inglaterra levou a uma mudança nas diretrizes e estratégias do Banco Mundial do FMI Fundo Monetário Internacional do BID Banco Interamericano de Desenvolvimento e out ras instituições a serviço do capital internacional A dívi da externa dos países dominados passou a ser usada como instrumento de chantagem Novos empréstimos passaram a ser condicionados ao cumprimento da dire trizes do chamado consenso de Whasington privati zação e redução dos gastos públicos liberalização comercial isto é abertura das fronteiras aos produtos estrangeiros prioridade para o pagamento da dívida externa As pressões dos grandes grupos económicos interna cionais e as orientações do FMI do Banco Mundial do BID encontraram terrreno fértil no Brasil É grande a dependência económica e política característica da burguesia brasileira É tradicional a submissão dos sucessivos governos aos mandamentos dos grandes grupos financeiros e industriais internacionais Este processo culmina com a total abdicação da soberania nacional por parte do Governo PSDBPFLPMDB que praticamente entrega ao FMI e ao Banco Mundial a direção da economia e a definição de políticas gover namentais 42 A privatização do Setor Elétrico se legalizou a par tir da Lei 8301 de 12 de abril de 1990 que instituiu o SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO UMA BREVE HISTÓRIA DE LIGAÇÕES PERIGOSAS ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO 47A privatização do setor de energia elétrica caminha de braços dados com a privatização das águas empre sas privadas impõem sua lei em um número crescente de bacias hidrográficas E tudo isso sob a proteção da novas leis leis sobre concessões de serviços públicos Lei 8987 de 13021995 e Lei 9074 de 7071995 leis sobre recursos hídricos Lei 9433 de 8011997A Lei 9074 chega ao absurdo de considerar de interesse público entregar nossas águas e terras ribeirinhas para que um empresário produza energia elétrica para seu uso exclusivo Onde está o interesse ou a utilidade pública se tudo fica com o empresário 480 processo de privatização veio acompanhado de um forte ataque às conquistas sociais e ambientais dos anos 80 e 90 Por causa da luta dos atingidos houve nos anos 80 e 90 alguns avanços no tratamen to das questões sociais e ambientais por parte de algumas empresas estatais Até mesmos estes pequenos avanços estão agora ameaçados A Lei 9074 estabelece o regime de concessão de serviços de energia elétrica mas não diz nada sobre os prob lemas sociais e ambientais 49 Com a eleição do Governo Lula abrese a possi bilidade de caminhar na direção de um novo modelo do Setor Elétrico Empresas estatais sob controle público com um planejamento democrática e participativo são o primeiro elemento do novo modelo Será necessário investir nas novas tecnologias nas fontes alternativas e na economia de energia Será necessário suspender os subsídios às indústrias eletrointensivas Será necessário finalmente implantar um modelo social mente justo e ambientalmente responsável PARA A DISCUSSÃO E O ESTUDO 1 Numere a segunda coluna de acordo com a primeira Fases do Setor Elétrico Brasileiro Características dos Períodos O modelo estatal autoritário e as grandes barragens O paraíso das companhias estrangeiras a privatização neoliberal A água se torna legalmente um bem público 2 Na sua opinião quais os principais beneficiários da primeira fase da história do Setor Elétrico Brasileiro E da terceira fase 3 O que a história do Setor Elétrico Brasileiro nos ensina Que lições que podem ser tiradas 4 Na sua opinião que características do Setor Elétrico não podem se repetir em um novo modelo E quais as características novas que não podem faltar 1 18891930 2 19301962 3 19621990 4 A partir de 1990 Neste caderno do Manual do Atingido vamos ver como a questão ambiental tem sido tratada pelo Estado brasileiro Vamos ver também as principais leis ambientais relacionadas ao licenciamento de barragens Além disso discutiremos de que forma a legislação ambiental pode ser utilizada nas lutas dos atingidos por barragens 1 BREVE HISTÓRIA DA QUESTÃO AMBIENTAL NO ESTADO BRASILEIRO O Governo do General Figueiredo por intermédio da SEMA instituiu em agosto de 1981 a Política Nacional do Meio Ambiente Foi criado o Sistema Nacional do Meio Ambiente que passou a congregar todos os órgãos federais estaduais e municipais responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental Foi criado também o Conselho Nacional do Meio Ambiente CONAMA com a atribuição de detalhar leis e padrões ambientais 11 O conceito de meio ambiente é novo no Brasil Na década de 1960 o Governo brasileiro começa a se comprometer com a questão do meio ambiente através de sua participação em convenções e reuniões internacionais como por exemplo a Conferência Internacional promovida pela UNESCO em 1968 sobre a Utilização Racional e a Conservação dos Recursos da Biosfera No entanto somente após a participação da delegação brasileira na Conferência das Nações Unidas para o Ambiente Humano realizada em 1972 em Estocolmo Suécia é que algumas medidas efetivas começaram a ser tomadas com relação ao meio ambiente 13 Com a Constituição de outubro de 1988 foi dado um passo a mais para a formulação de uma política ambiental A Constituição dedicou um capítulo inteiro ao meio ambiente Logo depois da Constituição em fevereiro de 1989 foi criado o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis IBAMA que é o órgão executor das leis e políticas de meio ambiente 12 Em 1973 no auge da ditadura militar foi criada a Secretaria Especial do Meio Ambiente SEMA que tinha como objetivo a discussão junto à opinião pública da questão ambiental fazendo com que as pessoas se preocupassem mais com o meio ambiente e evitassem atitudes predatórias No entanto a SEMA não tinha nenhum poder de fiscalização e punição para atuar na defesa do meio ambiente Influenciado pela Rio92 Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento o Governo Federal criou em outubro de 1992 o Ministério do Meio Ambiente MMA com a responsabilidade de estruturar a política do meio ambiente no Brasil 2 LEGISLAÇÃO AMBIENTAL BRASILEIRA são aquelas que deveriam diminuir determinado impacto ou pelo menos fazer com que este impacto não seja tão ruim para o meio ambiente e para a população Define que o RIMA refletirá as conclusões do EIA devendo ser apresentado de forma objetiva e em linguagem de fácil entendimento para a população Estabelece a realização de Audiência Pública para informação sobre o projeto e seus impactos ambientais e discussão do RIMA A legislação ambiental brasileira é bastante ampla e compreende leis decretos e resoluções tanto federais Apresentaremos agora as principais leis federais que incidem diretamente sobre o licenciamento de barragens visto que as leis estaduais e municipais complementam estas leis federais mas não podem ser contrárias a elas Lei n 693881 de 21 de agosto de 1981 Esta é a lei que criou a Política Nacional de Meio Ambiente e grande parte do Sistema Nacional de Meio Ambiente Ela estabeleceu vários instrumentos de atuaçãoentre os quais se destacam estaduais e municipais como Resolução CONAMA n 00687 de 16 de setembro de 1987 Esta Resolução diz como deve ser o processo de licenciamento ambiental Ela estabelece que serão expedidas as seguintes licenças ambientais Licença Prévia LP é dada depois do EIARIMA pronto e aprovado É a LP que autoriza o início das negociações Licença de Instalação LI autoriza o início da obra Licença de Operação LO autoriza o início da operação Resolução CONAMA n 00987 de 3 de dezembro de 1987 Regulamenta a realização de Audiência Pública cujo objetivo é expor aos interessados o projeto em análise e o RIMA esclarecendo dúvidas e recolhendo críticas e sugestões Pela lei a Audiência Pública não tem poder deliberativo A Audiência Pública será promovida pelo Órgão Ambiental sempre que se julgar necessário ou quando for solicitada por entidade civil pelo Ministério Público ou por 50 ou mais cidadãos Resolução CONAMA n 00296 de 18 de abril de 1996 Determina a obrigatoriedade de implantação de Unidades de Conservação como compensação pelos danos causados pela destruição de florestas e outros ecossistemas por empreendimentos de grande porte Determina que o montante de recursos não poderá ser inferior a 05 dos custos totais previstos para implantação do empreendimento Resolução CONAMA n 30202 de 20 de março de 2002 Cria as Áreas de Preservação Permanente de reservatórios artificiais estabelecendo os limites e o regime de uso do entorno dos lagos Lei 9433 de 8 de janeiro de 1997 Esta Lei cria a Política Nacional de Recursos Hídricos A Lei afirma que a água é um bem público e que a bacia hidrográfica é a unidade territorial para ações ligadas aos recursos hídricos a Avaliação de Impacto Ambiental o Licenciamento Ambiental para a construção instalação ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais considerados poluidores bem como os capazes de causar degradação ambiental barragens estão incluídas As licenças ambientais serão concedidas pelo órgão ambiental competente isto é o órgão de meio ambiente estadual quando forem empreendimentos que atingem apenas um estado da federação ou o IBAMA quando forem empreendimentos que atingem dois ou mais estados da federação Resolução CONAMA n 00186 de 23 de janeiro de 1986 Esta Resolução define o que é Avaliação de Impacto Ambiental estabelecendo responsabilidades critérios básicos e diretrizes gerais para esta avaliação Estabelece os empreendimentos que deverão submeter Estudo de Impacto Ambiental EIA e Relatório de Impacto Ambiental RIMA à aprovação do órgão de meio ambiente competente barragens estão incluídas Define que para fins de licenciamento os EIAs deverão descrever o empreendimento proposto e suas alternativas tecnológicas e de localização incluindo a possibilidade de não execução do projeto conter um diagnóstico ambiental da área meio físico meio biológico e aspectos sócioeconômicos descrever identificar e analisar os impactos causados pela implantação do empreendimento definir as medidas mitigadoras dos impactos negativos O Que São Medidas Mitigadoras Mitigar que dizer abrandar diminuir tornar alguma coisa menos penosa Então medidas mitigadoras A Lei cria também o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos que é composto pela Agência Nacional de Águas ANA pelos Comités de Bacia e pelos órgãos estaduais de recursos hídricos interrompêlo o meio judicial mais rápido é a Medida Cautelar que tem como finalidade evitar prejuízo grave e de difícil reparação Qualquer um que esteja sofrendo ou que possa vir a sofrer o dano pode requerer esta medida Cabe ao Comité de Bacia definir o plano diretor bem como autorizar o uso da água da bacia É também sua responsabilidade assegurar a quantidade e qualidade da água Ação Popular Na definição legal de património público incluise o meio ambiente jazidas arqueológicas e paisagens notáveis Qualquer cidadão através da ação popular pode pedir a anulação ou a declaração de atos lesivos ao património público da União dos Estados e Municípios 3 LEGISLAÇÃO AMBIENTAL UM DIREITO DA POPULAÇÃO 31 Nas teorias do Direito Ambiental o meio ambiente é considerado como património coletivo A Constituição Brasileira de 1988 define o meio ambiente como um bem de uso comum do povo Justamente por ser um bem de uso comum o acesso ao meio ambiente deve se dar de forma igualitária Disso se conclui que o meio ambiente não deve se resumir a ser fonte de recursos para a exploração económica que atenda aos interesses de grupos privilegiados Ação Civil Pública É cabível a ação civil pública nos casos de danos ao meio ambiente ao consumidor e a bens de valor artístico estético histórico turístico e paisagístico Podem propor essa ação o Ministério Público associações com legitimidade o Poder Público e também pessoas que não são afetadas na causa discutida 34 Em muitos casos os atingidos podem e devem usar a legislação para defender seus direitos Mas nunca se deve esquecer que não se pode entregar a advogados e juízes o destino da população A única garantia de que os direitos dos atingidos venham a ser respeitados é a sua organização unidade e luta Se estiverem organizados e mobilizados os atingidos terão maiores chances de obter vitórias e ver seus direitos reconhecidos pelas empresas pelo governo e pelos tribunais Outro princípio do Direito Ambiental é o da precaução isto é devese sempre adotar medidas preventivas para evitar danos ambientais Em outras palavras isso quer dizer o seguinte se não se sabe se um projeto ou plano vai ter consequências negativas o certo é não fazer 32 Os princípios da reparação da informação e da participação também estão assegurados no Direito Ambiental brasileiro Isso faz da Legislação Ambiental brasileira pelo menos no papel bastante democrática No entanto sabemos que estes instrumentos jurídicos nem sempre são utilizados ou quando são utilizados nem sempre atingem seus próprios objetivos 33 Para utilizar os instrumentos legais de que dispomos é importante conhecêlos e usálos na hora certa Tomemos o exemplo da Audiência Pública que como vimos é um direito da população atingida Se o órgão ambiental não convocar uma Audiência Pública 50 cidadãos podem pedir esta audiência Se isto for feito o órgão ambiental é obrigado a realizar a audiência Além disso é preciso exigir as informações sobre o projeto e sobre o andamento do licenciamento ambiental tanto do empreendedor quanto do órgão ambiental responsável Cidadania ambiental Alguns instrumentos jurídicos podem ser bastante úteis na luta ambiental Medida Cautelar Existem casos que por sua urgência não podem esperar por um julgamento Quando é necessário evitar um prejuízo ou LEGISLAÇÃO AMBIENTAL BRASlLElRACONHECENDO UM INSTRUMENTO DE LUTA PARA A DISCUSSÃO E O ESTUDO 1Lembre o que aconteceu em cada uma das datas abaixo e escolha aquela que lhe parece mais importante para a história da legislação ambiental brasileira Explique sua escolha fevereiro de 1989 outubro de 1992 2Quais são as exigências legais básicas que um Estudo de Impacto Ambiental EIA deve preencher agosto de 1981 outubro de 1988 3Segundo a legislação qual deve ser a linguagem do Relatório de Impacto Ambiental RIMA 4Você já viu um RIMA Ele usava uma linguagem de fácil compreensão como está determinado pela lei 5Quais os objetivos de uma Audiência Pública 6Você já participou de alguma Audiência Pública Relate sua experiência Você acha que ela cumpriu com seus objetivos Por quê M O V I M E N T O D O S A T I N G I D O S P O R B A R R A G E N S J 4 0 m HISTÓRIA DA LUTA INTERNACIONAL CONTRA BARRAGENS ULTRAPASSANDO AS FRONTEIRAS NACIONAIS PARA COMBATER O INIMIGO EM COMUM Neste caderno do Manual do Atingido vamos conhecer um pouco da história da luta internacional con tra as grandes barragens Apresentaremos as alianças que têm sido feitas entre ambientalistas e movi mentos de atingidos para denunciar o modelo de grandes barragens focalizando nas ações conjuntas e também na história de alguns movimentos populares de outros países do mundo que se tornaram aliados fundamentais do MAB 1 O DEBATE INTERNACIONAL SOBRE GRANDES BARRAGENS Grandes barragens contribuem com 20 da geração de eletricidade no globo As principais motivações e justificativas para a construção de barragens são a geração de energia elétrica a irrigação e o controle de inundações 13 Por outro lado o número de deslocados por bar ragens nos últimos 20 anos é estimado em mais de 40 milhões de pessoas Boa parte são populações indí genas e tribais Os defensores das barragens costu mam afirmar que a hidreletricidade é uma energia limpa isto é que não polui o meio ambiente Ora isso não é verdade Degradação de florestas redução drástica da pesca emissão de gases que contribuem para o efeito estufa e o aquecimento global riscos de tremores de terra mudanças climáticas morte dos cursos dágua mostram que a hidreletricidade não tem nada de limpa Para maiores informações ver o fascículo do Manual do Atingidos sobre Impactos Sociais e Ambientais de Barragens Sem falar no endividamento das economias de nações pobres como o Brasil em função de empréstimos gigantescos para a construção destas obras enormes e caríssimas 14 De um lado da disputa estão 11 O debate internacional sobre grandes barragens desenvolveuse enormemente durante as décadas de 1980 e 1990 De um lado os defensores destes grandes projetos alegam suas contribuições para o desenvolvimento de outro lado os críticos destacam seus efeitos negativos como a destruição de ecossis temas naturais e o deslocamento compulsório de mil hões de pessoas 12 As barragens desempenham um papel crucial na vida económica e social da humanidade e são frequente mente identificadas como sinais de progresso e de domínio do homem sobre a natureza Mais de 800000 represas já foram construídas no planeta e 45000 delas são grandes barra gens isto é têm mais de 15 metros de altura Os reser vatórios das grandes barragens inundaram algo em torno de 1 milhão de metros quadrados 1 da superfície do planeta Além disso existem hoje cerca de 1600 barragens em con strução no mundo Essas obras movimentam aproximadamente 50 bilhões de dólares por ano os governos as empresas privadas e agências multi laterais envolvidos com a construção de barragens com seu financiamento planejamento construção e operação De outro lado estão os movimentos locais de resistência principalmente de populações atingi das e organizações nãogovernamentais ONGs ambientalistas que agem de forma isolada ou combi nada Progressivamente se foram criando coalizões regionais e internacionais com resultados efetivos tais como alterações de cronogramas e formatos de obras e mesmo interrupções de projetos 15 O debate trouxe mudanças consideráveis no ritmo de construção A construção de barragens está decaindo substancialmente de um pico de aproxi madamente 540 por ano na década de 1970 para 200 por ano na década de 1990 Além disso partir da década de 1970 as agências financiadoras Banco Mundial BID e outras foram pressionadas e criaram regras específicas para o tratamento das questões social e ambiental Vários governos também se viram pressionados a adotar regras para licenciar barra gens de modo a obter os empréstimos desejados O licenciamento ambiental e as audiências públicas são exemplos deste processo Mas além de sua pre cariedade nem sempre estas normas e requisitos vêm sendo respeitados 2 MOMENTOS FUNDAMENTAIS DA LUTA INTERNACIONAL 21 No final da década de 1980 surgiram alguns ele mentos importantes na luta internacional contra barra gens Em 1987 na Califórnia foi fundada a ONG Rede Internacional de Rios IRN que desde então tem sido um dos principais articuladores da resistên cia internacional às barragens Além disso alguns movimentos locais de atingidos se tornaram mais fortes e ganharam expressão nacional como o Movimento para Salvar o Rio Narmada Narmada Bachao Andolan NBA da India e o Movimento de Atingidos por Barragens MAB do Brasil 22 Em Junho de 1994 por iniciativa do IRN e do NBA foi lançada no vale do Rio Narmada a Declaração de Manibeli Este documento foi assinado por 326 grupos de 44 países e se tornou um marco na luta por maior transparência nos projetos apoiados pelo Banco Mundial O Banco foi um dos principais financiadores de barragens do século XX A Declaração pede uma moratória no financiamento do Banco Mundial às grandes barragens até que certas condições sejam cumpridas criação de um fundo para reparação das pessoas compulsoriamente deslo cadas sem compensação desenvolvimento de práti marcha do MAB contra o BID em Fortaleza CE 2002 cas mais transparentes no momento da discussão e aprovação de projetos avaliação independente de todas as barragens construídas com recursos do Banco A Declaração foi entregue ao Presidente do Banco Mundial em setembro de 1994 durante as comemo rações de 50 anos da instituição Apesar de nunca ter respondido formalmente a esta carta 4 meses depois de recebêla o Departamento de Avaliação do Banco iniciou a primeira avaliação de um conjunto de barra gens que tiveram seu apoioA Declaração de Manibeli é dedicada à heroica resistência da população da vila de Manibeli e de outras no vale do Rio Narmada ao tante a ajuda de alguns amigos internacionais Neste evento um comité organizador foi escolhido contando com a participação dos americanos da Rede Internacional de Rios IRN dos indianos do Movimento para Salvar o Rio Narmada NBA dos chilenos do Grupo de Ação pelo Bio Bio GABB dos europeus da Rede Européia de Rios ERN e do próprio MAB Dois anos mais tarde a idéia se tornou realidade 24 Em Março de 1997 na cidade de Curitiba ocor reu o I Encontro Internacional de Atingidos por Barragens Neste encontro estiveram presentes rep resentantes de movimentos sociais e ONGs de 20 diferentes países do mundo projeto da Barragem de Sardar Sarovar e aos milhões de deslocados por barragens de todo o mundo 23 O momento seguinte na construção de um movi mento internacional contra barragens foi idealizado e conduzido pelo MAB Em dezembro de 1993 no II Congresso Nacional do MAB surgiu a proposta de um Encontro Internacional de Atingidos O primeiro passo dado nesta direção foi um encontro preparatório em Itamonte Minas Gerais que o MAB organizou em setembro de 1995 com o apoio do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro IPPURUFRJ FASE e IBASE Também foi impor barragens naíndia diferentes protestos contra a HISTÓRIA DA LUTA INTERNACIONAL CONTRA BARRAGENS ULTRAPASSANDO AS FRONTEIRAS NACIONAIS PARA COMBATER O INIMIGO EM COMUM ATING0S POR DOS INTERNATIONAL MEEÇINGOFAFFECTEO 11 A PEOPLE BY DAMià A 14 DE MARCO 97 U A 14 03 1997 CURITIBA PR BRASIL CURITIBA BRAZIL j d í T A iI U 1 éie v 1 ja r NÂOMARAtM0RTEJ cnp ICC MT FOR DEARj DECLARAÇÃO DE CURITIBA PELO DIREITO À VIDA E AOS MODOS DE VIDA DAS POPULAÇÕES ATINGIDAS POR BARRAGENS do que projetado mesmo se não se incluem os cus tos sociais e ambientais Barragens têm produzido menos eletricidade e irrigado menos terras do que foi prometido Elas tornaram as enchentes ainda mais destruidoras Elas beneficiaram latifundiários grandes empresas agroindustriais e especuladores Elas expropriaram pequenos agricultores trabal hadores rurais pescadores comunidades indíge nas tribais e tradicionais comunidades remanes centes de quilombos Nossa luta é a mesma porque estamos enfrentando os mesmos interesses poderosos os mesmos financiadores internacionais as mesmas agências multilaterais e bilaterais de crédito e ajuda as mes mas empresas de construção e de produção de equipamentos as mesmas firmas de consultoria em engenharia e meio ambiente as mesmas corpo rações envolvidas com indústrias eletrointensivas fortemente subsidiadas Nossa luta é a mesma porque por toda parte as pop ulações que mais sofrem por causa das barragens são excluídas dos processos de decisão As decisões são tomadas por tecnocratas políticos e elites empresariais que ampliam seu próprio poder e riqueza graças à construção de barragens Nossas lutas comuns nos convenceram de que é necessário e possível dar por encerrada a era das Aprovada no I Encontro Internacional de Atingidos por Barragens Curitiba Brasil 14 de Março de 1997 Nós pessoas de 20 países reunidas em Curitiba Brasil representando organizações das populações atingidas e movimentos de oposição a barragens destrutivas partilhamos nossas experiências de perdas e de ameaças enfrentadas por causa das barragens Embora essas experiências reflitam a diversidade de nossas culturas e realidades socais políticas e ambientais nossas lutas são uma só Nossa luta é a mesma porque por toda parte as bar ragens expulsam as pessoas de suas casas inun dam terras agrícolas férteis florestas e lugares sagrados destroem reservas pesqueiras e de abastecimento de água potável provocam a desin tegração social e cultural assim como o empobrec imento económico de nossas comunidades Nossa luta é a mesma porque por toda parte existe uma grande distância entre os benefícios económi cos e sociais prometidos pelos construtores de bar ragens e a realidade do que acontece após a con strução Barragens quase sempre têm custado mais barragens destrutivas Também necessário e pos sível implementar modos alternativos equitativos sustentáveis e efetivos de abastecimento de ener gia e de gestão de recursos hídricos Para que isso aconteça exigimos uma real democ racia o que inclui a participação pública e a transparência no desenvolvimento e implementação das políticas energéticas e de recursos hídricos juntamente com a descentralização do poder políti co e o fortalecimento das comunidades locais Devemos reduzir as desigualdades através de medidas que incluam a democratização do acesso à terra Também reafirmamos os direitos inalienáveis das comunidades ao controle e gestão de suas águas terras florestas e outros recursos e o direito de todos a um meio ambiente saudável Devemos avançar em direção a uma sociedade na qual seres humanos e natureza não mais sejam submetidos à lógica do mercado onde o único valor é o das mercadorias e o único objetivo o lucro Devemos avançar em direção a uma sociedade que respeite a diversidade e seja fundada em relações justas e equitativas entre as pessoas as regiões e as nações Somos fortes diversos e unidos e nossa causa é justa Conseguimos barrar barragens e forçamos os construtores de barragens a respeitar nossos dire itos Barramos barragens no passado e vamos bar rar muitas mais no futuro Comprometemonos a intensificar a luta contra as destruidoras barragens Das pequenas cidades da índia Brasil e Lesotho até os escritórios de Washington Tóquio e Londres forçaremos os con strutores de barragens a aceitarem nossas exigên cias Para fortalecer nosso movimento vamos construir e reforçar redes regionais e internacionais Para sim bolizar nossa crescente unidade declaramos que o 14 de Março Dia Nacional de Luta contra as Barragens brasileiro será a partir de agora o Dia Internacional de Luta contra as Barragens e Pelos Rios Pela Água e Pela Vida ÁGUAS PARA A VIDA NÃO PARA A MORTE AGUAS PARA LA VIDA NO PARA LA MUERTE WATER FOR LIFE NOT FOR DEATH 25 Depois do I Encontro Internacional os movimen tos passaram a estar mais em contato devido a uma série de eventos internacionais que culminaram na cri ação da Comissão Mundial de Barragens CMB Esta Comissão foi um fórum misto com governos empre sas agências multilaterais ONGs e movimentos soci ais Durante dois anos avaliou e propôs critérios para a construção de barragens no mundo O relatório final da Comissão incorporou algumas das reinvindicações dos movimentos contra barragens apesar de muito influenciado também pelos representantes de gover nos e empresários 26 O mais importante em todo este processo tem sido a aproximação e colaboração entre os movimen tos Com a instalação da Comissão Mundial de Barragens foi criado o Comité Internacional contra Barragens pelos Rios e pelos Povos ICDRP Mesmo após o final da CMB em novembro de 2000 este Comité continuou funcionando O II Encontro Internacional de Atingidos por Barragens na Tailândia em dezembro de 2003 foi organizado por esse Comité HISTÓRIA DA LUTA INTERNACIONAL CONTRA BARRAGENS ULTRAPASSANDO AS FRONTEIRAS NACIONAIS PARA COMBATER O INIMIGO EM COMUM A LUTA DO NARMADA BACHAO ANDOLAN NA ÍNDIA enchimento do reservatório começou no período das chuvas de 1993 A polícia teve que tirar as pes soas à força de suas casas porque elas estavam dispostas a permanecer até que morressem afo gadas junto com a terra Estas cenas se repetiram muitas outras vezes pois em 1999 foi permitida uma elevação de alguns metros no tamanho da bar ragem que aumentou muito a área inundada Durante os anos 1990 o NBA também ajudou a organizar os atingidos por outros projetos no vale do Rio Narmada Em janeiro de 2000 o canteiro de obras da barragem de Maheshwar foi ocupado pela oitava vez em três anos 4 mil pessoas foram presas A escritora Arundhati Roy diz que a luta do NBA passou a representar muito mais do que a luta por um rio O que está em questão agora é a verdadeira natureza de nossa democracia A quem pertence esta terra A quem pertencem seus rios Suas flo restas Seus peixes Atualmente os militantes indianos antibarragem estão focalizando sua atenção em formas de irri gação e abastecimento de água que são proble mas reais do país que não sejam baseadas em grandes barragens Para isso estão recorrendo ao conhecimento ancestral e indígena de captação de águas que não destrói os rios e as pessoas Em 1989 o crescente número de atingi dos pela barragem de Sardar Sarovar no Vale do Rio Narmada e seus apoiadores se uniram em um movimento único o Movimento para Salvar o Rio Narmada NBA Em 1990 o NBA adotou uma posição que se tornou o coração de sua longa batal ha o projeto deveria ser suspenso até que uma revisão independente e participativa fosse realiza da Até que isto acontecesse os atingidos iriam se recusar a mudar para os reassentamentos mesmo que precisassem morrer afogados no reservatório Uma das maiores vitórias do NBA veio em 1991 quando uma longa marcha de milhares de apoiadores do movimentos e um jejum de 21 dias de alguns militantes forçaram o Banco Mundial a organizar uma avaliação independente do projeto Esta avaliação foi profundamente crítica ao projeto e ao papel do Banco Mundial no processo Em 1993 o Banco cancelou seu financiamento ao projeto Mas o governo de um dos estados da ídia que seri am beneficiados com o projeto continuou interessa do na Barragem de Sardar Sarovar e conseguiu os recursos necessário para completar a construção O A LUTA CONTRA BARRAGENS NA TAILÂNDIA nunca mais irá construir barragens para produção de energia Hoje as populações atingidas pela bar ragem de Pak Mun ainda estão lutando por justas reparações dos danos causados a sua saúde e a seu modo de vida Além disso o movimento dos atingidos na Tailândia faz parte de uma grande articulação nacional de movimentos populares chamada Assembléia dos Pobres que é membro da Via Campesina A Assembléia conta com a participação de sete grandes movimentos populares e foi fundada em 1995 Os atingidos desempenham um papel de articulação e liderança nesta que é hoje a principal aliança popular do país Sua importância é tanta que o documento de fundação da Assembléia dos Pobres chamase Carta de Pak Mun Por toda essa combatividade o II Encontro Internacional de Atingidos por Barragens se realizou na Tailândia ao lado da barragens de Pak Mun Em 1988 após muita luta ambientalistas pesquisadores e estudantes conseguiram impedir a construção da barragem de Nam Choan no rio Khwae Pouco tempo depois o Santuário Natural Thung Yai que seria destruido pela barragem foi declarado Património Natural Mundial As lições aprendidas e as alianças construídas na campanha contra Nam Choan permitiram alcançar outras vitórias A mais notável de todas foi o bani mento nacional da atividade madeireira e o adia mento de algumas barragens A barragem de Pak Mun que provocou a mais penosa e amarga batalha desde Nam Choan infe lizmente foi construída Mas a longa luta das popu lações atingidas por compensações justas fez com que em 1995 o Primeiro Ministro declarasse que para o bem da proteção ambiental a Tailândia A LUTA CONTRA BARRAGENS NA AMÉRICA LATINA a luta é levada adiante com a ajuda de ONGs nacionais e internacionais para que a cota do reser vatório não suba destruindo ainda mais o meioambi ente e os modos de vida da população Há casos mais graves como o das comunidades ameaçadas por diversas barragens no rio BioBio no ChileAlguns dos projetos para o BioBio já foram con struídos e outros estão em fase de planejamento ou construção Este rio além de ser território ancestral de um grupo indígena abastece cidades e regiões rurais totalizando mais de 1 milhão de pessoas o Chile tem população de 15 milhões de habitantes O alto BioBio é a região de um dos grupos indígenas mais importantes e representativos do país os índios Pehuenche Alguns dos projetos para o BioBio têm forçado uma longa batalha judicial entre a Lei de Proteção às Terras Indígenas e a Lei de Energia Elétrica do país que foi aprovada durante o regime do ditador Pinochet e dá carta branca para qualquer pro jeto de geração de energia no que diz respeito às questões sócioambientais Assim como no Brasil em outros países da América Latina a construção de barragens está infimamente relacionada aos interesses de empresas multina cionais em associação com regimes autoritários e for mas antidemocráticas de tomada de decisões e planejamento Boa parte dos países da América Latina viveu nos anos 1960 1970 e 1980 sob ditaduras militares que expandiram muito a indústria de barragens no continente Na experiência de nossos vizinhos a construção de barragens também afetou de forma direta comu nidades tradicionais já muito fragilizadas como é o caso das comunidades indígenas É o caso das comunidades negras à jusante da bar ragem de Urra no Rio Sinú na Colombia Há anos vêm lutando por indenizações pela perda de sua prin cipal fonte de sobrevivência a pesca É o caso tam bém dos atingidos pela barragem de Yacyretá no Rio Paraná na divisa entre o Paraguai e a Argentina Aqui HISTÓRIA DA LUTA INTERNACIONAL CONTRA BARRAGENS ULTRAPASSANDO AS FRONTEIRAS NACIONAIS PARA COMBATER O INIMIGO EM COMUM Por fim na América Central um experiência trágica ancestral O governo ditatorial mandou o exército para chama a atenção por vir sendo considerada em resolver o problema e exterminou aproximadamente instâncias internacionais como um caso de genocídio 400 índios entre eles mulheres e crianças O caso só étnico Em 1982 na Guatemala uma comunidade veio à tona em 1996 quando ONGs de luta pelos dire indígena Maya Achí atingida pela barragem de itos humanos denunciaram o massacre em diversos Chixoy no rio Negro se recusou a sair de uma área fóruns internacionais que seria inundada pelo projeto pois era sua terra PARA A DISCUSSÃO E O ESTUDO 1 Na sua opinião quais são os dois momentos mais marcantes para a articulação internacional dos atingi dos por barragens 2 Quais as principais deliberações do I Encontro Internacional dos Atingidos por Barragens 3 Cite dois exemplos de vitórias na história da luta dos atingidos no mundo 4 Quais as principais formas de organização e luta utilizadas pelos atingidos do mundo ao longo da história 5 Você já conhecia algumas destas formas de luta Quais 6 Como se pode fortalecer a luta internacional dos atingidos por barragens 7 Qual a importância da luta internacional para a luta que se trava no Brasil E na sua região