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2 Populações atingidas por barragens no Paraná como e por que lutamos por direitos 3 PoPulações atingidas Por barragens no Paraná como e por que lutamos por direitos Terra de Direitos Curitiba 2022 4 Populações atingidas por barragens no Paraná como e por que lutamos por direitos Pesquisa e redação Amanda Filas Licnerski Daiane Machado Flávia Donini Rossito Guilherme Cavicchioli Uchimura Juliana Kaway Etzel Júlio César Duailibe Salem Filho Luis Gustavo Anabuki Marina de Fátima da Silva Tchenna Fernandes Maso Thais Giselle Diniz Santos Redação final Guilherme Cavicchioli Uchimura Apoio Assembleia Legislativa do Estado do Paraná Mandato do Deputado Estadual Goura Nataraj Mandato da Deputada Estadual Luciana Rafagnin Mandato do Deputado Estadual Tadeu Veneri Comissão de Ecologia Meio Ambiente e Proteção aos Animais Comissão de Direitos Humanos e Cidadania Bloco Parlamentar da Agricultura Familiar Defensoria Pública do Estado do Paraná Núcleo da Cidadania e Direitos Humanos Ministério Público do Estado do Paraná Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção ao Meio Ambiente e de Habitação e Urbanismo Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção dos Direitos Humanos Movimento dos Atingidos e das Atingidas por Barragens Coletivo de Direitos Humanos Terra de Direitos Organização de Direitos Humanos Revisão Daiane Machado Maristela da Costa Leite Raul de Paris Ricardo Prestes Pazello Tchenna Fernandes Maso Projeto gráfico e diagramação Coletivo Piu coletivopiu Ilustrações para capa e contracapa Gabrielle Sodré 3 Esta publicação está licenciada sob uma AtribuiçãoNãoComercialSemDerivações 40 Internacional CC BYNCND 40 Ficha catalográfica 22104462 CDD361614 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Uchimura Guilherme Cavicchioli Populações atingidas por barragens no Paraná livro eletrônico como e por que lutamos por direitos Guilherme Cavicchioli Uchimura Curitiba PR Terra de Direitos 2022 PDF Bibliografia ISBN 9786599254161 1 Barragens 2 Barragens Brasil 3 Clima Mudanças 4 Desastres Prevenção 5 Desastres ambientais 6 Direitos humanos 7 Meio ambiente 8 Paraná Estado Aspectos sociais 9 Sustentabilidade ambiental I Título Índices para catálogo sistemático 1 Direitos humanos Bemestar social 361614 Aline Graziele Benitez Bibliotecária CRB13129 4 Populações atingidas por barragens no Paraná como e por que lutamos por direitos Apresentação Por que lutamos por direitos Um Bicho de Sete Cabeças no controle dos rios do Brasil Barragens água e energia Quem são as populações atingidas por barragens Como lutamos por direitos Os direitos das populações atingidas por barragens O direito de dizer não Negociação justa só com informação acessível e participação pra valer Reparação integral As violações de direitos A urgência de um marco legal dos direitos das populações atingidas por barragens E no Paraná o que podemos fazer 5 10 11 18 23 34 35 37 41 43 45 47 49 sumário 5 aPresentação Você já ouviu falar das lutas das populações atingidas por barragens no Paraná Por todo o mundo brutais situações de violência fazem parte da história da construção e da operação de barragens Es tas situações têm colocado em conflito as empresas controladoras de barragens e as populações atingidas por suas atividades No Paraná não tem sido diferente Aliás algumas das primeiras das grandes lutas envolvendo barragens foram travadas exatamente em terras paranaenses Desde a década de 1960 foram projetadas e cons truídas muitas barragens nos rios do estado Você já deve ter ouvido falar por exemplo da Itaipu Binacional Ela é até hoje a segunda maior usina hidrelétrica de todo o mundo Para ser construída alagou cerca de 15 mil quilômetros quadrados Além de expulsar milhares de pessoas de suas terras o lago formado para gerar tanta energia elétrica encobriu até mesmo as gigantescas Sete Quedas que eram as mais volumosas quedas dágua de todo o mundo à época Para se ter uma noção a vazão de água delas era mais de cinco vezes maior que a das famosas Cataratas do Iguaçu 6 Populações atingidas por barragens no Paraná como e por que lutamos por direitos E como funcionam as usinas hidrelétricas Primeiro barramentos de concreto armado são construídos nos rios Depois turbinas são ins taladas nestas estruturas para gerar energia elétrica A geração de energia então ocorre a partir da combinação de quatro fatores água gravidade trabalho e tecnologia Falando assim a coisa até pode parecer simples Mas esta aparente simplicidade esconde os profundos efeitos negativos que as barra gens trazem para o povo Vamos falar mais sobre este assunto nas próximas páginas No caso do Paraná além de Itaipu existem diversas outras gran des barragens em operação tais como Foz do Areia Salto Santiago Segredo Salto Caxias Salto Osório e Baixo Iguaçu Na construção de todas elas a história foi bastante parecida Em pouco tempo mi lhares de pessoas foram expulsas de suas casas para a formação dos gigantescos lagos formados artificialmente para a produção de energia hidrelétrica Desde a década de 1960 quando as grandes usinas hidrelétricas co meçaram a ser construídas foram desenvolvidas novas formas de construção e operação de barragens no Brasil Em paralelo o povo deu suas respostas E assim nasceram novas formas de luta popular 7 O fato é que as populações atingidas por barragens se articularam e se organizaram cada vez mais Juntas tomaram maior conhecimento de seus objetivos comuns e inimigos centrais Diante de tanta vio lência praticadas contra suas vidas acumularam práticas e conheci mentos a partir de suas experiências de resistência e seus estudos sobre a realidade Nascida deste contexto esta cartilha é resultado de um esforço co letivo para fortalecer a organização das populações atingidas por barragens Talvez você esteja hoje nesta situação e queira saber mais sobre como lutar por seus direitos Ou então talvez você apenas queira saber um pouco mais sobre este assunto tão impor tante para a sociedade e para a reprodução de nossas vidas Afinal o que está por trás da produção e do controle da água e da energia reduzidas a meras mercadorias no atual modelo de sociedade Nas próximas páginas com base em experiências históricas conhe cidas trataremos das formas de lutas por direitos acumula das pelas experiências das populações atingidas por barragens E por fim falaremos sobre alguns dos instrumentos e das táticas que podemos usar em nossas lutas por direitos e para quais horizontes apon tam estas lutas no Brasil e no Paraná Boa leitura 8 Populações atingidas por barragens no Paraná como e por que lutamos por direitos Produção hidrelétrica no Paraná Uma Usina Hidrelétrica UHE é um empreendimento considerado de grande porte com potencial superior a 30 megawatts ou lagos maiores que 13 quilômetros quadrados Uma Pequena Central Hidrelétrica PCH é um empreendimento considerado de médio porte com potencial entre 5 e 30 megawatts e lagos menores que 13 quilômetros quadrados Uma Central Geradora Hidrelétrica com Capacidade Instalada Reduzida CGH é um empreendimento considerado de pequeno porte com potencial menor que 5 megawatts Os dados dos potenciais são da ANEEL Agência Nacional de Energia Elétrica e foram consultados em janeiro de 2022 Os critérios de classificação de empreendimentos hidrelétricos estão de acordo com a Resolução Normativa nº 8752020 da ANEEL Agência Nacional de Energia Elétrica 121 empreendimentos hidrelétricos em operação 16 uhes potência total de 15000 megawatts 97 da potência autorizada no Paraná 35 Pchs potência total de 370 megawatts 2 da potência autorizada no Paraná 70 cghs potência total de 87 megawatts 1 da potência autorizada no Paraná barragens no Paraná O Paraná é um dos principais produtores de energia elétrica do Brasil gerando aproximada mente três vezes mais quantida de de energia que consome Em termos de capacidade de produ ção fica apenas atrás do estado do Pará Em termos de geração real acumulada porém o Para ná é o estado que mais produziu energia elétrica na história do país até hoje Para esta energia ser produzida e vendida assim como em outras regiões do país diversas barragens de usinas hi drelétricas foram construídas em territórios paranaenses Dados de um relatório do Tribu nal de Contas do Estado TCE indicam que há mais de 800 barragens no estado Entre este grande número de pequenos médios e grandes barramentos de diferentes tipos estão hoje 9 em operação 121 barragens relacionadas à produção de energia elétrica no Paraná As maiores empresas que controlam a geração hidrelétrica no estado são a Companhia Paranaense de Energia Elétrica COPEL a Itaipu Bi nacional a francesa Engie a chinesa China Three Gorges Corporation CTG e a Neoenergia formada pela espanhola Iberdrola e pelo fundo de investimento Previ atenção No ano de 2020 foi autorizada a construção de mais 22 Pequenas Centrais Hidrelétricas de potenciais variados no estado do Paraná atingindo populações de pelo menos 28 municípios Confira quais serão os territórios atingidos no mapa ao lado Estes projetos atualmente estão em processo de licenciamento am biental ou construção e caso todos sejam implementados totalizarão a potência de 330 megawatts Se consultarmos os dados no quadro ao lado veremos que com a sua implementação a potência total das Pequenas Centrais Hidrelétricas irá quase dobrar no estado Para que estes projetos sejam implementados centenas de famílias te rão de ser forçadas a mudar seus modos de vida Mas podemos pergun tar a troco de quê Quais os interesses por trás da construção de mais tantas barragens para produção hidrelétrica em um estado que já gera aproximadamente três vezes a quantidade de energia que consome 10 Populações atingidas por barragens no Paraná como e por que lutamos por direitos Por que lutamos Por direitos 11 V amos começar com uma pequena estória Imagine um grande rio muitomuito poderoso que dá muita vida a florestas po vos e comunidades desde suas margens até as áreas situadas a muitos quilômetros de seu leito A história das populações atingidas por barragens pode ser con tada se imaginarmos que estamos observando as margens deste rio Ela começa no dia em que apareceu ali um gigantesco monstro Um imenso Bicho de Sete Cabeças Ele ficou observando o rio e percebeu que as águas do rio corriam e corriam Ainda que parecessem paradas nunca cessavam seu cheio movimento Quando viu os grandes e barulhentos saltos de água que este rio formava uma das cabeças do bicho mostrouse indignada Quanta energia desperdiçada disse para as demais quisera eu do minála transformar em energia poder e lucro este tedioso tormento Dito e feito As demais cabeças do Bicho concordaram Ele tornouse mais forte usou seus sete cérebros para planejar seu plano e usou sua força e esperteza para executálo O Bicho tinha muito dinheiro poder e influência Logo conseguiu um papel assinado pelos governantes da região Este papel dizia que da quele dia em diante o direito de explorar as correntezas do rio per tenceria a ele o Bicho de Sete Cabeças um bicho de sete cabeças no controle dos rios do brasil Com o poder conferido por este papel o Bicho de Sete Cabeças esta va autorizado a mudar o curso do rio formar represas com a constru ção de barragens elevar em dezenas de metros os níveis das águas fazer desaparecer suas cachoeiras alagar milhares de quilômetros quadrados de áreas secas e transformar a força da correnteza do rio em energia elétrica para ser comercializada feito mercadoria 12 Populações atingidas por barragens no Paraná como e por que lutamos por direitos O Bicho chegou novamente às margens do mesmo rio Percebeu que havia muita gente ali morando vivendo e cultivando suas terras Co munidades camponesas ribeirinhas indígenas quilombolas tinha muitas gentes ali de estilos de vida diversos com suas florestas plantações construções templos igrejas escolas cemitérios pastos animais locais sagrados memórias sonhos e projetos Mas o Bicho só queria mesmo era saber de transformar a força da água em energia elétrica e lucrar com a venda desta mercadoria E não teve dó Sem nem avisar o povo do que estava planejando man dou um batalhão de técnicos e engenheiros estudar silenciosamente a região do rio planejar as obras e descobrir quanto custaria para construir a barra gem O povo percebeu a movimentação estra nha na região e teve medo 13 14 Populações atingidas por barragens no Paraná como e por que lutamos por direitos Passou um tempo de calmaria Alguns até esquece ram do assunto ou acharam que tinha sido apenas assunto criado pela imaginação Mas a movimen tação era real e a calmaria acabou quando o Bicho mandou seus empregados mais jeitosos e habilidosos baterem de casa em casa para convencer aquelas popu lações a se retirarem dali Eles falavam uma língua meio diferente cheia de palavras di fíceis de entender Diziam que o Bicho de Sete Cabeças trazia no vidades que trazia progresso e desenvolvimento para a região Tentavam de muitos modos convencer o povo a sair dali e diziam que era questão de tempo para as terras serem todas inundadas O povo ficou dividido Enquanto alguns concordavam com o papo dos funcionários do Bicho outros ainda duvidavam que era possível fazer o rio mudar de lugar ser dominado e transformarse em imenso lago Havia aqueles entretanto que desconfiavam que coisa boa não vinha por aí E o Bicho então um dia chegou Trouxe máquinas e milhares de tra balhadores que foram ordenados a começar a cavar O rio seria des viado para permitir a construção da barragem O primeiro camponês que viu o Bicho chegando angustiado e com medo de ficar em uma situação pior foi embora com um pouco de dinheiro que lhe ofereceram Com este dinheiro ele foi para a cidade Boa parte de sua comunidade fez o mesmo 15 Os outros que ficaram logo descobriram que por trás do discurso bo nito sobre o tal do progresso os forasteiros queriam era pagar muito pouco o mínimo possível pelas terras e para o menor número possível de pessoas Souberam que muitos de seus vizinhos que foram para a cidade acabaram perdendo logo o dinheiro se empobrecendo Decidiram então resistir Ficaram em suas terras e pintaram uma grande faixa dizendo Vendo que o povo se recusava a sair os go vernantes com o uso de violência tratores e forças policiais auxiliaram o Bicho de Sete Cabeças a remover tantas gentes animais e construções quanto fosse necessário para seu empreendimento prosperar Povos indígenas inteiros foram desintegra dos expulsos e violentados como aliás eles vêm sendo há mais de quinhentos anos em nome do progresso e do desen volvimento na história da colonização do Brasil Foram dezenas de milhares as famí lias que viram suas casas sendo destruídas e removidas por tratores e forças policiais terras sim barragens não 16 Mas outros desconfiados resolveram seguir juntando as comunida des para conversar estudar e entender melhor a questão Tomaram consciência Decidiram seguir resistindo e começaram a lutar por jus tiça e terra movimentandose coletivamente levando as suas his tórias das violências que sofreram para todos os cantos do Brasil principalmente onde outras barragens estivessem sendo planejadas e construídas E por onde iam diziam o seguinte A produção é a vida da gente Nossos pés pertencem à terra Nosso desejo é permanecer em nossas casas e ter acesso às águas dos rios bases naturais que fazem parte de nossas vidas As águas são para a vida e não para a morte E se for para sair para onde vamos Se for para sair queremos terra Terra por terra Queremos a garantia de que nossa vida não ficará pior depois da barragem Queremos a garantia de que teremos condições para reconstruir nossas casas co munidades e retomar as atividades produtivas Queremos a garantia de que nossas comunidades não serão apagadas da história Depois do dilúvio onde estarão nossos direitos nossas vidas nossas memó rias nossas riquezas E desde então não pararam de falar e decidiram não parar de falar até que fossem escutadas para que não houvesse mais tanta injustiça em nome do lucro Populações atingidas por barragens no Paraná como e por que lutamos por direitos 17 Bem se esta pequena estória puder servir para ilustrar a forma dos conflitos envolvendo barragens podemos dizer que aqui neste mo mento começa a história das lutas das populações atingidas no Brasil Nos rios do Brasil Bichos de Sete Cabeças aparecem assim de repente chega a notícia de que estão querendo construir uma bar ragem com o tempo aparecem no território gigantescas máquinas associadas a monstruosas estruturas de concreto armado que repre sam os rios para criar lagos e transformar o poder das águas em lucro Costumamos dizer que algo é um bicho de sete cabeças diante de problemas muito complexos ou de difícil solução Ou então pelo con trário também é comum escutarmos esta expressão quando alguém quer dizer que algo não é tão complicado quanto parece Por exem plo isto não chega a ser um bicho de sete cabeças Na estória contada acima o Bicho de Sete Cabeças representa a associação de forças sociais envolvidas na concentração de riquezas a partir da operação de barragens Lutar por direitos é como lutar contra este ser enigmático Quando o processo de construção de uma bar ragem começa em um território o que acontece é que os conflitos envolvem muitos fatores à primeira vista difíceis de entender 18 Populações atingidas por barragens no Paraná como e por que lutamos por direitos O desejo de permanência das comunidades entra em choque com a concessão do uso do solo para grandes empresas As populações atingidas são forçadas sob a ameaça e o uso da violência a desfazer os vínculos com suas comunidades e reconstruir seus modos de vida Você já viu alguém ser forçado a vender sua própria casa contra a vontade Isso não é já por si só uma baita violência Se concordar que há algo de absurdo nesta história podemos então perguntar quais são as forças sociais que estão por trás desta violência toda barragens água e energia d esde que barragens são construídas existem conflitos entre o progresso propagandeado por empresas e governantes e o de sejo de permanência das populações atingidas por barragens em suas terras Por serem situações muito complicadas podemos di zer que é como se nossas terras fossem de repente invadidas por um imenso e poderoso Bicho de Sete Cabeças Um poderoso ser forastei ro que chega querendo desintegrar a comunidade para se apropriar do território das águas e das forças da natureza E como enfrentar este poderoso ser forasteiro Bem dizem que quando se corta uma das cabeças do Bicho de Sete Cabeças aparece uma ou até duas no lugar da cabeça corta da O único jeito de derrotálo é fazer que as cabeças parem de nascer Com as lutas trava das pelas populações atingidas por barragens também é assim As vitórias parciais costumam levar a novas batalhas E quanto mais observar mos a anatomia e a forma de se movimentar de um Bicho de Sete Cabeças poderoso como este mais saberemos sobre suas forças fraquezas objetivos armadilhas e estratégias de batalha Antes de falar sobre as lutas por direitos então precisamos dizer que este tema é apenas uma parte do problema As lutas por direitos es tão necessariamente ligadas a uma totalidade maior de relações sociais e é apenas a explicação deste todo que pode tornar mais visíveis os caminhos para lutarmos melhor Pois construir e operar barragens não é algo nada simples No atual modelo de organização da sociedade brasileira as grandes barragens são construções hidráulicas gigantescas que dão muito lucro para quem as controla Às custas de violência contra muitos concentram riquezas nas mãos de poucos já ricos e poderosos Com o alagamento de terras férteis a destruição de florestas e o esgotamento de recursos naturais estes projetos têm o potencial de causar grandes prejuízos ao equilíbrio ecológico e às populações que vivem próximas aos rios Água e energia são constantemente transfor madas em mercadorias ou então usadas como fatores de produção de outras mercadorias Re pare bem à sua volta Hoje em dia quase tudo que consumimos diariamente envolve o uso industrial de grandes quantidades de água e energia No Brasil a maior parte da energia elé trica gerada pelas usinas hidrelétricas é consu mida de fato por indústrias Afinal grandes quantidades de energia elétrica são fundamentais para o capital industrial po der se reproduzir e se ampliar Com o uso in tensivo de água e energia grandes indústrias produzem ininterruptamente novas quantida des de mercadorias e as lançam nos mercados nacional e internacional 19 20 Populações atingidas por barragens no Paraná como e por que lutamos por direitos Sabemos que a força produtiva das máquinas não existe se não houver a energia humana que as constrói e opera Ou seja o trabalho de tra balhadoras e trabalhadores cria valor ao operar as máquinas A energia vendida como mercadoria é então utilizada por outras máquinas que não vivem se não houver esta constante combinação de trabalho ex plorado e recursos extraídos da natureza No caso da produção de energia hidrelétrica o lucro das usinas é bilio nário E para manter suas taxas de lucro extraordinário as empresas envolvidas praticam abusos nas duas pontas de suas atividades desde o momento de produção até a venda para consumo Ora de um lado é inegável que o preço das contas de luz pesa cada vez mais e mais fundo no bolso da classe trabalhadora enquanto as indús trias têm direito a pagar tarifas de energia elétrica muito menores no chamado Mercado Livre de Energia1 De outro lado como vimos as barragens levam grande destruição para as áreas atingidas causando violência contra populações e destruição de ecossistemas 1 Assim é conhecido o Ambiente de Contratação Livre ACL Para saber mais veja os Quatro fatores que tornam a tarifa de energia brasileira a segunda mais cara do mundo link na parte final desta cartilha A GRANDE QUESTÃO ENTÃO É ENTENDER COMO A ÁGUA É APROPRIADA COMO A ENERGIA É PRODUZIDA E QUEM MAIS SE BENEFICIA COM O CONTROLE DESTAS RIQUEZAS 21 Devido a tantos efeitos negativos que causam uma coisa é certa ao contrário do que muitos dizem a energia gerada por usinas hidrelétri cas não tem nada de limpa Além das barragens construídas para geração de energia elétrica há outros dois principais tipos de barragens as barragens formadas para abastecimento de água e as barragens de rejeitos controladas pela indústria extrativa de minérios No caso das barragens de abastecimento é importante dizer que a lógica do uso da água é parecida com a da energia elétrica No Bra sil hoje apenas 25 da água dos reservatórios vai para casas e roças familiares A maioria é destinada para irrigação de monocultivos de grãos extensas criações de animais e atividades industriais2 E é aí que está o maior gargalo do desperdício que pode levar a crises hídricas tendo em vista que para produtores mais interessados no lu cro do que no uso racional de recursos naturais muitas vezes é mais barato gastar grandes quantidades de água do que investir em méto dos e tecnologias mais eficientes de produção já disponíveis Existem também as barragens de rejeitos formadas para trans formação de minérios Neste caso as empresas mineradoras usam a água limpa dos rios em processos industriais para limpar e extrair ferro alumínio ouro e outros metais com valor comercial de rochas trituradas Com os grandes desastres empresariais ocorridos no estado de Minas Gerais nos últimos anos os elevados riscos deste tipo de barragem às comunidades que vivem em seu entorno ficaram bastante conheci dos no Brasil todo A luz de alerta sobre a segurança das barragens se acendeu e a cada ano mais barragens se rompem no ano de 2021 fo 2 Dados da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico ANA Populações atingidas por barragens no Paraná como e por que lutamos por direitos ram pelo menos três demonstrando a urgência de as empresas cau sadoras de danos serem responsabilizadas e punidas com mais rigor e seriedade no Brasil E o que há de comum em todos estes três tipos de barragens A res posta é que nos padrões atuais de acumulação do capitalismo elas costumam ser construídas e operadas por grandes empresas sejam elas regionais nacionais ou transnacionais O controle da água e da energia é concedida pelos governantes a grupos com interesses finan ceiros enquanto o povo é simplesmente expulso de suas terras e ex cluído do acesso a estas riquezas Em resumo barragens são tecnologias usadas para represar águas seja em lagos formados para gerar energia elétrica ou garantir abaste cimento seja em processos industriais como no caso dos reservatórios formados por rejeitos de minérios Podemos até dizer que elas podem servir e muito para melhorar a qualidade de nossas vidas mas no atual modo como são construídas e operadas acabam sacrificando os interesses do povo servindo antes aos interesses financeiros de grandes organizações Com organização popular porém é possível acabar com tanta in justiça e construir um outro modelo de uso da água e da energia É isto que as populações atingidas de todo o Brasil têm debatido há décadas Como avançar para que o acesso a água e energia seja realizado para o bem do povo com soberania controle popular e distribuição de riquezas 22 23 quem são as PoPulações atingidas Por barragens V imos que no capitalismo o solo e seus recursos tornaramse fatores de produção dominados por um sistema que não tem a qualidade de vida da população como finalidade última mas sim a apropriação de mais riquezas excedentes nas mãos dos poderosos Além disso sabemos que cada vez mais com o avanço de privatiza ções desde a década de 1990 o capital das empresas controladoras de barragens tem se tornado transnacional Ou seja nem brasileiros os grupos que mais ganham com as barragens são Usam os recursos naturais de nosso país e levam as riquezas acumuladas para as nações que já são as mais ricas do planeta E como o objetivo maior das grandes empresas é sempre lucrar o má ximo possível sobretudo quando não têm compromisso nacional elas acabam fazendo de tudo para reduzir os seus custos de produção Até porque precisam concorrer com outras grandes empresas e são pressionadas a darem o máximo possível de retornos financeiros para seus investidores espalhados pelo mundo afora As empresas controladoras de grandes empreendimentos portanto utilizam as barragens no processo de produção de mercadorias inseri das na dinâmica do mercado mundial E para conseguir lucrar o máxi mo possível a tendência é que busquem reduzir ao máximo custos e investimentos inclusive usando sua força e esperteza para economizar ao violar rebaixar ou deixar de reconhecer os direitos das po pulações atingidas 24 Populações atingidas por barragens no Paraná como e por que lutamos por direitos Quando então as empresas chegam com papo de progresso estão dando continuidade à história da violência colonial em nossos tempos mas agora sob os disfarces da moderna linguagem jurídica Na prática agem como se o direito de explorar economicamente o poder da água valesse mais do que o direito de permanecer na terra e como se o de senvolvimento capitalista fosse naturalmente superior mais civiliza do que outros modos de conceber a conexão dos seres humanos com a terra e natureza Mas isto não é verdade Este é um antigo e poderoso mito há muito tempo utilizado para justificar violências e injustiças em nações pe riféricas como o Brasil É o mito da eliminação do atraso pelo desenvolvimento O que ocorre na verdade porém é que este progresso não é para todos Por trás dos discursos bonitos vemos uma lógica pela qual modos de vida são sacrificados como custos sociais tudo em nome do lucro As populações atingidas por barragens são separadas vio lentamente contra a sua vontade de suas territorialidades de seus espaços de uso comum de seus laços cooperativos e comunitários de suas relações de vizinhança das suas espiritualidades comparti lhadas das suas culturas construídas de seus modos e estilos de vida historicamente produzidos Como resultado deste processo as pessoas que historicamente já so frem exclusões estruturais são ainda mais marginalizadas ficando de fora das decisões políticas sobre suas próprias vidas e do acesso às riquezas produzidas às custas da violência contra elas 25 No Brasil os projetos hidrelétricos envolvem este estranho fe nômeno chamado desapropriação por utilidade pública É uma espécie de venda forçada das terras que são to madas pelas empresas em troca de indenizações do valor do solo e de suas benfeitorias Em termos legais as desapropriações por utilidade pública estão previstas no DecretoLei n 3365 de 1941 O aprovei tamento das águas e da energia hidráulica é um dentre os casos de utilidade pública previstos em seu artigo 5º Ape sar de ser bem antiga com mais de 80 anos de idade esta lei vale até hoje e é ela que permite às empresas moverem ações judiciais para solicitar ao Poder Judiciário a retirada for çada do povo das terras declaradas de utilidade pública Quando esta lei é aplicada sem levar em conta os direitos so ciais culturais ambientais e humanos das populações atin gidas por barragens ocorrem grandes injustiças Quando as indenizações são realizadas tomando por base o preço de mercado por exemplo não compensam os proprietários de estarem sendo obrigados a vender sua terra sem que esta seja sua vontade e passam a tratálos como livres vendedo res o que não é verdadeiro Este formato é insuficiente para responder às necessidades econômicas e sociais das famílias que perdem suas terras Em muitos casos as indenizações são incapazes de assegu rar a aquisição de terras semelhantes às terras das quais es tas famílias são obrigadas a sair 26 Populações atingidas por barragens no Paraná como e por que lutamos por direitos Entre as décadas de 1970 e 1980 foi o setor da produção de energia hidrelétrica que começou a usar a palavra atingido Faziam uso dela para gerenciar os efeitos sociais dos empreendimentos envolven do construção de barragens e deslocamento forçado de populações Era a aplicação na prática das desapropriações por utilidade pública para aproveitamento das águas e de sua capacidade de gerar energia elétrica As desapropriações eram fruto de alianças entre forças de go vernos autoritários e interesses empresariais Como afirmou a antropóloga Lygia Sigaud3 as populações que viviam no entorno das áreas onde as barragens seriam construídas eram con sideradas pelas empresas e pelos governantes apenas um obstáculo a ser removido para liberar a área Os gestores e os tecnocratas das empresas e dos órgãos do gover no denominavam atingidas as pessoas que seriam indenizadas para possibilitar a construção das barragens Nesta época ape nas as pessoas proprietárias de terras que seriam inundadas com a formação dos lagos eram consideradas atingidas pelas empresas ou seja merecedoras do direito à indenização pelas terras tomadas Com o tempo o povo tomou cada vez mais consciência de que esta concepção não era nada justa Os efeitos sociais da construção e da operação de barragens são muito mais diversos do que apenas as rela ções de propriedade formais aquelas escritas nos papéis oficiais As empresas expulsavam as famílias que viviam na terra desintegra vam comunidades se apropriavam de grandes extensões de terras férteis e produtivas destruíam suas casas bosques igrejas e templos então construíam barragens controlavam o rio instalavam máquinas vendiam mercadorias e concentravam riquezas excedentes 3 Para quem quiser saber mais vale a pena conhecer o importante estudo publicado por esta antropóloga em 1987 intitulado Efeitos sociais de grandes projetos hidrelétricos as barragens de Sobradinho e Machadinho As empresas diziam que atingidos eram apenas os proprietários das áreas que seriam alagadas Mas havia muitas pessoas que não tinham o título de propriedade sobre as terras em que moravam trabalhavam e produziam para sobreviver Existiam laços comunitários de vizinhan ça e confiança de costumes e tradições de religiosidades de afetos todos formados ao longo de anos e décadas Isso sem falar nos esti los de vida específicos de populações indígenas povos e comunidades tradicionais que mantinham um vínculo muito próprio com as terras historicamente habitadas cultivadas e cultuadas Os efeitos das barragens são portanto muito profundos Abrangem a desestruturação de relações comunitárias resultando na eliminação de práticas memórias e valores comunitários religiosos e culturais Sem contar os prejuízos a ecossistemas com danos irrepa ráveis à fauna e à flora regionais influência na disponibilidade hídrica criação de riscos de rompimentos aumento de riscos de enchentes prejuízos ao potencial pesqueiro proliferação de vetores de doenças e destruição de bens históricos culturais e turísticos como a dani ficação e destruição de florestas ruínas gravuras rupestres fósseis cachoeiras monumentos e paisagens Tudo isso é impossível de ser reconstruído em outro lugar A expulsão do povo de suas terras é uma grande violência e não pode trazer ou tra coisa senão a destruição de territorialidades vínculos espirituais e redes de vínculos culturais e produtivos É uma grande injustiça que as em presas e os governantes cometem quando re duzem todas estas questões a planilhas de cus tos quando pagam um preço para tomar terras que não estão à venda quando abandonam o povo à sua própria sorte depois de estarem quites com suas dívidas como se fosse mes mo possível medir o valor de tanta destruição 27 28 Populações atingidas por barragens no Paraná como e por que lutamos por direitos Com a organização popular então a palavra atingido passou a rece ber outros significados Se as empresas queriam restringir os direitos a poucos proprietários o povo passou a reivindicar a responsa bilização por todos os efeitos negativos causados às vidas às memórias e às comunidades antes durante e após a construção de barragens Como resposta aos empreendimentos hidrelétricos nasceram os primeiros grupos organizados de atingidos e atingidas 1978 1979 1981 Movimento dos Expropria dos pela Barragem de Tu curuí organizado em 1981 no estado do Pará Comissão Regional de Atingidos por Barragens do Alto Uruguai CRAB constituída a partir de 1979 no contexto da construção das barragens de Itá e Machadi nho nos estados de Santa Cata rina e Rio Grande do Sul Polo Sindical de Trabalhadores Rurais do Submédio São Fran cisco organizado em 1979 no estado de Pernambuco diante da construção da barragem de Sobradinho Movimento Justiça e Ter ra organizado a partir de 1978 pelos agricultores ex propriados na construção da hidrelétrica de Itaipu na região oeste do Paraná 29 Estes movimentos regionais perceberam que existem grupos sociais que sofrem os efeitos da construção da barragem desde o início das obras ou até mesmo antes disto desde o processo de planejamento das obras Perceberam também que outros grupos sociais sofrem durante as obras outros apenas com o enchimento dos lagos e a inundação de terras Perceberam por fim que há também os efeitos negativos de longo prazo que apenas são sentidos pelas populações que continuam no território muito tempo após o fim das obras Ou seja não são apenas as comunidades inundadas que sofrem com as barra gens muito menos apenas os proprietários com títulos legais No período das lutas da década de 1980 as populações atingidas orga nizadas conquistaram então um direito muito importante o direito dos não proprietários a serem reconhecidos como atingidos nos processos de construção de barragens permitindo o acesso a medidas de reassen tamento indenização e compensação pelo deslocamento forçado Por pressão popular em conflitos e negociações com as empresas em su cessivos acordos coletivos desde o histórico acordo de Itá e Machadinho realizado em 1987 entre a CRAB Comissão Regional dos Atingidos por Barragens do Alto Uruguai e a ELETROSUL as empresas controladoras de barragens passaram a reconhecer a ampliação do conceito de atin gido que passou a abarcar também as famílias e as comunidades para as quais a terra constitui base da atividade produtiva mesmo sem ser proprietários detentores de seu título legal 30 Populações atingidas por barragens no Paraná como e por que lutamos por direitos Desde então em muitos outros casos a organização coletiva dos atin gidos levou à construção de termos de acordo com as empresas pre vendo diretrizes mínimas de enquadramento identificação e direitos dos atingidos para muito além do estreito critério da propriedade legal A palavra atingido passou a ser usada pelo povo como resposta às empresas para ampliar a luta para juntar esta gente toda em uma grande experiência coletiva de caráter nacional Os grupos regionais passaram a se articular e trocar experiências Em 1991 em um encontro na cidade de Goiânia com milhares de pessoas de todo o país foi criado o Movimento dos Atingidos por Barra gens o MAB Os direitos coletivos das populações atingidas por barragens foram conquistados com muita luta De pois de décadas de denúncias e mobilizações governantes reconheceram a existência de uma dívida histórica do Estado brasileiro e criaram um grupo interministerial para discutir medidas de correção dos erros históricos 31 Como fruto desta movimentação no ano de 2010 o Decreto nº 73422010 instituiu o cadastro socioeconômico das populações atingidas por barragens Representou um importante passo em âm bito nacional para o reconhecimento dos direitos das populações atingidas Mas apesar de apresentar um avanço importante estes cadastros seguiram e seguem sendo realizados pelo poder privado ou seja sob controle das próprias empresas Na prática as empresas interessadas em reduzir custos seguem tendo em suas mãos condi ções para impor os seus critérios na definição entre quem é e quem não é atingido Muitos outros direitos foram conquistados a partir das lutas populares travadas em diversas regiões do Brasil como o direito ao reassenta mento coletivo opção mais completa de responsabilização em com paração à indenização em dinheiro A negociação coletiva mostrouse muito mais poderosa do que a negociação individual para garantir dire trizes mínimas de indenização ampliar e efetivar direitos Mas até hoje ainda persiste uma grande injustiça estes direitos não foram colocados em nenhuma lei capaz de aumentar o grau de par ticipação segurança e proteção das populações atingidas É preciso que sejam conquistados por meio da mobilização coletiva cada vez que uma barragem é construída ou cause em sua operação efeitos negativos às populações de seu entorno É por isso que uma das principais urgências hoje para minimizar tan tas violências é a aprovação e a efetivação de leis que garantam mais controle segurança e justiça às populações atingidas por barragens Falaremos mais sobre este tema nas páginas seguintes Em resumo populações atingidas por barragens são todas aquelas que de algum modo sofrem alterações em seus mo dos de vida por força de empreendimentos que envolvem bar ragens São atingidas as pessoas expulsas das terras onde moravam trabalhavam ou tinham laços comunitários proprietárias ou não São atingidas também as pessoas que sofreram perdas na capacidade eco nômica ou seja que tiveram prejuízos em sua renda em seu sustento ou em sua subsistência 32 Populações atingidas por barragens no Paraná como e por que lutamos por direitos Podem ser considerados atingidos e atingidas proprietários e proprietárias residentes ou não residentes nas áreas moradores e moradoras produtores e produtoras rurais arrendatários e arrendatárias meeiros e meeiras trabalhadores e trabalhadoras rurais parceleiros e parceleiras posseiros de terras públicas ou privadas rendeiros e rendeiras pescadores e pescadoras 33 pessoas que sofreram com efeitos das obras ruídos movimentação de maquinários riscos etc pessoas que sofreram isolamento social outras categorias que sentirem de forma direta ou indireta os efeitos negativos da construção da barragem herdeiros e herdeiras empregados e empregadas comerciantes trabalhadores e trabalhadoras informais pessoas que perderam capacidade produtiva pessoas que perderam acesso a fontes de renda Este quadro leva em consideração as experiências históricas de negociação entre populações atingidas e empresas controladoras de barragens o relatório da Comissão Mundial de Barragens de 2000 e o relatório do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana de 2010 34 Populações atingidas por barragens no Paraná como e por que lutamos por direitos 34 como lutamos Por direitos 35 os direitos das PoPulações atingidas Por barragens q uando observamos as lutas por direitos das populações atin gidas por barragens nos últimos 40 anos percebemos que violência e resistência são palavras que andam de mãos dadas na história do Brasil Organizandose coletivamente e entendendo a importância de cons trução de força própria as populações atingidas por barragens come çaram a lutar por direitos e a se movimentar em bloco para alcançar melhores condições para enfrentar as injustiças causadas pelas em presas controladoras de barragens As lutas por direitos passaram por diferentes momentos ao longo das últimas décadas com muitas conquistas e novos desafios sempre aparecendo Como vimos no início do processo de organização popu lar das populações atingidas por barragens houve grande centrali dade na ampliação do direito a indenizações e reassentamentos para não proprietários Hoje porém não se trata apenas disso Em resposta a tantas injustiças observadas na história populações atingidas se organizaram coletivamente e as lutas por direitos tornaramse formas de expressar os conflitos e as correla ções de forças envolvendo barragens no Brasil seja em nível regional estadual ou nacional Retomando a estória do Bicho de Sete Cabeças é preciso lembrar que para as populações atingidas durante as fases de planejamento e construção das barragens chega esta gente de fora falando uma língua estranha de um jeito difícil de entender mas geralmente fa zendo muitas promessas de melhorias 36 Populações atingidas por barragens no Paraná como e por que lutamos por direitos Pouco a pouco com isso os assuntos jurídicos costumam se tornar muito presentes nas discussões sobre as barragens Com o tempo as populações atingidas organizadas acabaram percebendo que para não serem enganadas precisariam aprender nem que fosse um pou quinho a dominar esta língua estranha e a saber falar e fazer reivin dicações sobre os temas jurídicos Ou seja perceberam que conhecer mais sobre os seus direitos é um passo fundamental para lutar por eles e conquistálos E descobriram que os direitos não caem do céu tampouco brotam das leis dos rios das terras ou das ruas Existem muitos direitos que estão previstos nos textos da Consti tuição Federal e das leis mas sabemos que eles não são efetivados automaticamente pelo Poder Público Existem outros direitos que são conquistados no processo de negociação nos acordos coletivos mas também precisam de pressão popular e mobilização vigilante primei ro para entrarem no papel em forma de texto palavra escrita depois para saírem do papel em forma de realidade Por isso afirmamos em qualquer caso o que faz os direitos a favor das classes popula res ganharem vida é a luta As lutas por direitos envolvem muitos momentos de mobilização Existem diversas formas de cobrar o poder público e de exigir nego ciação justa com representantes das empresas reuniões encontros assembleias greves passeatas protestos acampamentos manifes tações vigílias atos religiosos audiências públicas denúncias entre vistas produção de cartazes vídeos músicas teatros poesias Estes são apenas alguns exemplos É infinita a criatividade do povo para as suas vozes serem ecoadas e escutadas As lutas por direitos envolvem também o processo legislativo a pro dução e a aplicação de leis o acompanhamento e a cobrança de atua ção dos órgãos de fiscalização o envolvimento do poder judiciário 37 E no nível mais profundo as lutas por direitos são atravessadas por relações econômicas e relações de poder São lutas históricas e mate riais ou seja que existem sob as condições de cada época e interfe rem na reprodução real de nossas vidas Quando lutamos por direitos podemos saber que estamos lutando em terrenos muito mais amplos do que aqueles que à primeira vista podemos enxergar No fundo estamos lutando também pela participação em esferas sociais que vão muito além dos direitos individuais Por isso são lutas que exi gem união fortalecimento da organização popular e mobiliza ção coletiva permanente o direito de dizer não e xistem muitos casos de barragens que após autorizadas tive ram a construção impedida devido à mobilização do povo Na história da organização popular comunidades camponesas e ribeirinhas barraram ou empataram diversas obras e com isso interromperam os efeitos sociais da desintegração de comunidades Foi o que aconteceu na região de Capanema no sudoeste do Paraná durante a década de 1990 quando famílias camponesas organizadas na Comissão Regional de Atingidos por Barragens do Iguaçu CRABI impediram que uma usina hidrelétrica fosse construída pela COPEL na época Com muita mobilização popular conquistaram o direito de dizer não para a barragem 38 Populações atingidas por barragens no Paraná como e por que lutamos por direitos A correlação de forças entretanto nem sempre permite conquistas deste tipo A Usina Hidrelétrica Baixo Iguaçu4 por exemplo veio a ser construída na mesma região duas décadas depois São inúmeros os casos de barragens construídas contra a vontade das comunidades por elas atingidas Na maior parte dos casos a população sequer é consultada A decisão vem pronta de cima e o processo de escuta do povo é realizado apenas para cumprir tabela Vale pontuar que os municípios por meio de seus prefeitos e ve readores têm autonomia para rejeitar a instalação de projetos des sa natureza São instrumentos importantes neste sentido os Planos Diretores e as Leis de Zoneamento instrumentos de planejamento estratégico municipal que cada gestor em conjunto com o Poder Le gislativo e a comunidade local imagina discute e estabelece 4 A UHE Baixo Iguaçu entrou em operação no ano de 2019 Esta história será contada pelo documentário Atingidos hoje em fase de pósprodução pelos cineastas Guilherme Daldin e José Eduardo Pereira Canteiro Audiovisual O documentário contará a intensa trajetória de violências injustiças organização popular e conquistas das comunidades camponesas atingidas pelo empreendimento das empresas Copel e Neoenergia no su doeste do Paraná 39 PoVos e comunidades tradicionais O direito a dizer não às barragens merece atenção especial nos casos empreendimentos que atinjam povos e comunidades tradicionais Nestes casos dois processos distintos devem ser obedecidos pelos órgãos do governo O primeiro é o processo de consulta prévia livre informada e de boafé previsto pela Convenção nº 169 da Organização Internacio nal do Trabalho OIT Para verdadeiramente cumprir a sua finalidade as consultas devem acontecer antes da licitação antes da concessão e em todas as fases do processo de licenciamento ambiental Além disso a consulta deverá ser realizada de acordo com os respectivos protocolos de consulta ou na sua falta conforme ritos que devem ser estabelecidos com as lideranças destes povos e comunidades Este direito vale para os povos e comunidades tradicionais que as sim se autodeclaram no estado do Paraná como é o caso dos povos das florestas dos povos indígenas dos Guarani dos Kaingang dos Xetá de Quilombolas de Faxinalenses de Benzedeiras dos Nativos da Ilha do Mel dos Pescadores e Pescadoras Artesanais de Caiçaras e dos Ilhéus do Rio Paraná Também deve ser observada a Política Nacional de Desenvolvimen to dos Povos e Comunidades Tradicionais instituída pelo Decreto nº 6040 de 2007 que prevê a promoção dos meios necessários para a efetiva participação dos Povos e Comunidades Tradicionais nas ins tâncias de controle social e nos processos decisórios relacionados aos seus direitos e interesses 40 Populações atingidas por barragens no Paraná como e por que lutamos por direitos No caso das barragens construídas no estado do Paraná o direito à consulta livre prévia informada e de boafé dos Povos Indígenas e Tribais foi regulamentado pela Instrução Normativa nº 7 de 2020 do Instituto Água e Terra IAT De acordo com ela é obrigação das empresas disponibilizar previamente aos Povos e Comunidades Tra dicionais todas as informações necessárias para uma manifestação qualificada das comunidades e em formato compatível com seu idio ma e tradições bem como assegurar a emissão de opiniões suges tões e manifestação de oposição às medidas pretendidas Além da consulta prévia livre e informada durante o processo de licenciamento ambiental das barragens os órgãos governamentais devem realizar estudos especiais quando existirem terras quilombo las ou indígenas próximas das áreas alagadas Nestes casos por solicitação do Instituto Brasileiro do Meio Ambien te e dos Recursos Naturais Renováveis IBAMA a Fundação Cultu ral Palmares FCP deve realizar Estudo de Componente Quilombola e a Fundação Nacional do Índio FUNAI deve realizar o Estudo de Componente Indígena5 Por analogia estes estudos também devem acontecer também quando envolver outros povos e comunidades tradicionais como pescadores artesanais ribeirinhos faxinalenses benzedeiras nativos da Ilha do Mel ilhéus e outros 5 Estes deveres estão previstos na Portaria Interministerial nº 60 de 2015 dos Ministé rios do Meio Ambiente da Justiça da Cultura e da Saúde 41 negociação justa só com informação acessíVel e ParticiPação Pra Valer a desinformação é um dos tipos mais comuns de violência nos processos de construção e operação de barragens E não saber direito o que está acontecendo em suas comunidades gera nas populações atingidas angústia insegurança e medo As populações atingidas por barragens têm direito a serem informa das de modo acessível sobre todas as decisões e ações que tenham repercussões em suas vidas Ou seja é dever do poder público e dos empreendedores prestar informações completas e transparentes E mais as informações devem ser prestadas em uma linguagem que seja possível ao povo entender e discutir sobre o assunto Este direito porém costuma ser violado desde o início do planeja mento das obras Falando nisso é importante saber que para serem construídas as barragens precisam passar por um processo chama do licenciamento ambiental Durante o processo de licenciamento são realizados os chamados estudos de impactos Para garantirem os direitos das populações atingidas e cumprirem a legislação socioam biental estes estudos devem contemplar a identificação exaustiva e registro sistemático literário iconográfico sonoro visual etc do pa trimônio cultural material e imaterial ameaçado Mas no atual modelo este dever nem sempre é cumprido Os proje tos de barragens são planejados e decididos em nível estratégico por organizações altamente equipadas com agentes capacitados para atuar com as brechas dos processos de licenciamento 42 Aliandose ao poder público as empresas costumam buscar a apro vação de seus projetos do modo mais rápido possível É o sistema do tratoraço que acaba passando por cima das realidades particulares das comunidades atingidas e as exclui da participação das decisões tomadas Os estudos de impacto muitas vezes são superficiais e não dão conta da realidade social das áreas atingidas A participação social embora seja um direito previsto na legislação socioambiental é tomada como um evento de fachada e não um processo democrático sendo em geral realizada após as decisões já tomadas ou mesmo após a concessão das licenças Com isso as populações atingidas são surpreendidas com as obras e não contam com tempo apoio técnico e informação adequada para atuarem no processo de licenciamento posicionaremse coletiva mente e participarem da construção de decisões democráticas Durante a construção das obras os direitos à informação e à partici pação continuam a ser violados Em muitos casos ocorre a recusa das empresas de fornecer informações relevantes como por exemplo re sultados de levantamentos cadastrais ou ainda a lista de famílias ou áreas consideradas pela empresa como atingidas Há também casos de fornecimento de informações contraditórias ou falsas bem como a precariedade e insuficiência dos estudos socioambientais A participação informada exige o controle e acesso a informações de natureza técnica especializada Os processos são marcados por um grande desequilíbrio nos recursos e conhecimentos especializa dos detidos pelos empreendedores privados pelos órgãos públicos e pelas populações atingidas e suas organizações representativas Populações atingidas por barragens no Paraná como e por que lutamos por direitos 43 Para equilibrar esta situação deve ser garantido às populações atin gidas o direito à assessoria técnica independente com equipes interdisciplinares escolhidas pelas comunidades e custeadas pelas empresas Este direito ainda não está previsto em lei no Paraná mas em muitos casos foi conquistado a partir de mobilizações populares e em Minas Gerais foi consolidado na Lei Estadual nº 237952021 Além disso a assistência jurídica das comunidades também deve ser realizada pela Defensoria Pública e a fiscalização dos projetos deve ser realizada pelo Ministério Público O acompanhamento por estas instituições deve ser pressuposto de validade para qualquer negocia ção e definição acerca das formas de atenuação e reparação de danos causados pelas barragens reParação integral q uando pessoas atingidas por barragens contam suas experiên cias de vida é comum escutarmos que mesmo quando recebem indenizações pelas perdas causadas pelas barragens ainda fica um grande sentimento de injustiça Os lugares destruídos os laços comunitários desfeitos as memórias apagadas o sofrimento viven ciado na pele na cabeça e no coração não há preço que pague os profundos efeitos sociais negativos das barragens Os conflitos socioambientais nos quais as barragens se inserem cau sam danos às vidas das populações atingidas Com isso geram às empresas a obrigação de reparar estes danos Além disso quando barragens são construídas e entram em operação entram em marcha também duros processos de violações de direitos 44 É dever das empresas responsáveis reparar os danos e prejuízos cau sados permitindo a restauração de condições dignas de vida no mí nimo iguais às de antes da construção da barragem ou de seu rompi mento Este dever é bastante amplo Envolve desde a vida particular dos atingidos e das atingidas até os danos relacionados ao meio am biente e à desintegração das comunidades Por isso o direito à reparação integral abrange não apenas inde nizações em dinheiro mas também medidas de reconstituição quando é possível reconstruir de modo semelhante mitigação quando é possível atenuar os danos compensação quando se efetivam outros benefícios desejados pela comunidade para com pensar danos irreparáveis e satisfação relacionadas ao sentimen to de justiça das comunidades atingidas Em casos de violação de direitos o direito à reparação integral abran ge também a garantia de não repetição medidas que permitam o controle social sobre os riscos de reincidência e o caráter punitivo medidas que façam as empresas sentir no bolso que violar direitos é algo intolerável Na maioria dos casos o reassentamento coletivo rural ou urbano com a garantia de escolha das terras assistência técni ca especializada e verba de manutenção para o pleno restabelecimento da capa cidade produtiva é a medida que tem o maior potencial de garantir dignidade à reconstrução das comunidades atingidas Por isso defendemos que a opção pelo reassentamento coletivo deve ser sempre garantida às populações atingidas Populações atingidas por barragens no Paraná como e por que lutamos por direitos 45 as Violações de direitos d esde os anos 2000 com a ampliação do poder pri vado no setor elétrico o quadro de violências e vio lações de direitos das populações atingidas tem se agravado no Brasil Muitas empresas públicas foram pri vatizadas e o seu modo de lidar com as questões sociais se tornou ainda mais violento Entre os anos de 2006 e 2010 o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana CDDPH6 a partir da formação de uma Comissão Especial dedicouse a entender como se dá a atuação das empresas no processo de construção de barragens Como resultado do recebimento de denúncias e de visitas feitas a comunidades atingidas foi identificado que há na realidade brasileira das barragens uma sistemática violação de direitos humanos A Comissão Especial chegou à conclusão de que independentemente da região em que se localiza a obra ou a empresa responsável é pos sível perceber um padrão de atuação das empresas nos territórios Após três anos de monitoramento e investigação a conclusão da Comissão Especial foi a seguinte as práticas de violação de direitos humanos acabam por acentuar as já graves desigualdades sociais traduzindose em situações de miséria e desestruturação social fa miliar e individual7 6 Hoje denominado Conselho Nacional de Direitos Humanos CNDH 7 Além das conclusões sobre violações de direitos a Comissão Especial realizou uma série de recomendações voltadas à garantia dos direitos humanos nos processos de construção de barragens O link para acesso ao Relatório Final está indicado na parte final desta cartilha 46 Populações atingidas por barragens no Paraná como e por que lutamos por direitos A Comissão Especial concluiu que 16 direitos são sistematicamente violados nos processos de construção e operação de barragens 1 Direito à informação e à participação 2 Direito à liberdade de reunião associação e expressão 3 Direito ao trabalho e a um padrão digno de vida 4 Direito à moradia adequada 5 Direito à educação 6 Direito a um ambiente saudável e à saúde 7 Direito à melhoria contínua das condições de vida 8 Direito à plena reparação das perdas 9 Direito à justa negociação tratamento isonômico conforme critérios transparentes e coletivamente acordados 10 Direito de ir e vir 11 Direito às práticas e aos modos de vida tradicionais assim como ao acesso e preservação de bens culturais materiais e imateriais 12 Direito dos povos indígenas quilombolas e tradicionais 13 Direito de grupos vulneráveis à proteção especial 14 Direito de acesso à justiça e a razoável duração do processo judicial 15 Direito à reparação por perdas passadas 16 Direito de proteção à família e a laços de solidariedade social ou comunitária 47 Merece destaque também o que a Comissão Especial observou em relação aos grupos vulneráveis em que se incluem crianças e ado lescentes idosos mulheres particularmente as chefes de família e pessoas com deficiência A Comissão Especial chegou à conclusão de que embora os grupos vulneráveis sejam atingidos de forma particularmente grave cons tituindose como as principais vítimas dos processos de empobre cimento e marginalização eles não têm sido considerados em suas especificidades e dificuldades particulares a urgência de um marco legal dos direitos das PoPulações atingidas Por barragens c omo vimos os direitos das populações atingidas têm sido conquis tados a duras penas no Brasil e muitas vezes mesmo após serem conquistados são violados pelas empresas e pelo poder público Um dos fatores que leva a este profundo estado de violências e vio lações é a desigualdade de forças entre empresas e populações atingidas O processo de negociação é marcado por um desnível de poder e de possibilidades de intervenção É como um jogo de cabo de guerra desigual De um lado estão os empreendedores com capital e força para impor agilidade ao proces so atuando com a cumplicidade dos governantes que defendem os empreendimentos como de utilidade pública Do outro lado estão as pessoas atingidas que são encarados como obstáculos ao desenvol vimento e ao progresso 48 A ausência de leis voltadas à garantia dos direitos das populações atingidas é parte central deste problema As poucas regras que tra tam do tema têm se mostrado insuficientes para trazer justiça para o povo O jogo é desigual porque as regras que existem beneficiam muito mais as empresas do que as populações atingidas cujo sofri mento continua a ser tratado como custo de produção a ser baratea do em nome de maiores taxas de lucro Diante de tanta injustiça ao longo de tantas décadas já passou da hora de se consolidar um marco legal estabelecendo obrigações e responsabilidades mais sérias para as empresas e para os órgãos do poder público nas situações de conflito envolvendo barragens O Movimento dos Atingidos e das Atingidas por Barragens tem batido nesta tecla há muitos anos Tanto que após muita pressão popular no plano da legislação federal foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 2019 um projeto de lei denominado Política Nacional de Di reitos das Populações Atingidas por Barragens PNAB Para tor narse lei porém este projeto ainda precisa ser aprovado pelo Senado Federal e san cionado pelo Presidente da República Populações atingidas por barragens no Paraná como e por que lutamos por direitos PNAB já 49 e no Paraná o que Podemos fazer n o ano de 2017 foi formada no Paraná a Frente Parlamentar em Defesa dos Atingidos por Barragens no Estado do Paraná Composta por 16 deputados estaduais esta frente es cutou populações atingidas realizou discussões com a sociedade e chegou à seguinte conclusão no relatório final de suas atividades Considerando estes fatores um passo importante de nossas lutas por direitos é o estabelecimento em lei de uma PEAB Política Es tadual de Direitos das Populações Atingidas por Barragens Normas legais com este propósito existem hoje nos estados do Rio Grande do Sul Decreto nº 515952014 e de Minas Gerais Lei nº 237952021 Em diversos outros estados há projetos de lei em fases avançadas de discussão pela sociedade Como vimos no início desta cartilha o Paraná possui um grande des taque nacional no tema da produção de energia hidrelétrica Desde a década de 1960 dezenas de barragens foram construídas às custas de muita violência Outras tantas ainda serão construídas e por isso é tão urgente que haja uma lei estadual impondo condições mais justas aos processos conflituais de construção de barragens É fundamental também que a distribuição de riquezas seja mais bem ajustada As empresas e o poder público devem ser obrigados a im plementar planos de desenvolvimento regional com participação po pular em sua elaboração para os municípios onde serão construídas barragens ou mesmo onde já existam barragens em operação O ESTADO DO PARANÁ DADA SUA CONDIÇÃO E ESTRUTURA SOCIOECONÔMICA TEM POSSIBILIDADE DE INSTITUIR UMA POLÍTICA DE GARANTIA DE DIREITOS DAS POPULAÇÕES ATINGIDAS 50 Populações atingidas por barragens no Paraná como e por que lutamos por direitos O marco legal dos direitos das populações atingidas por barragens é um passo fundamental neste caminho Mas atenção sabemos que a aprovação de novas leis por si só certamente não será capaz de resolver tantos problemas As populações atingidas seguirão mobili zadas e vigilantes para que os direitos saiam do papel seguirão orga nizadas para que as lutas por direitos contribuam por um modelo de sociedade em que água e energia não sejam meras mercadorias mas sejam produzidas pelo povo e para o povo com soberania distribui ção de riquezas e controle popular o que deVe estar na Política estadual de direitos das PoPulações atingidas Por barragens 50 padrões mínimos de obrigações às empresas e ao poder público garantia de processos coletivos de negociação tendo a prévia aprovação dos atingidos com os critérios e parâ metros para identificar os danos que serão causados pela construção e operação da barragem garantia de acesso à informação participação e consulta das pessoas atingidas desde os eventos iniciais do pro jeto os estudos sobre os impactos da obra passando por todas as suas etapas até o funcionamento da barragem 51 51 direito de dizer não à construção de barragens criação de um fundo público voltado à garantia dos direitos negociação coletiva e prévia aprovação dos atingidos dos critérios e parâmetros para identificar bens e benfeitorias passíveis de reparação bem como os parâmetros para o estabelecimento de valores indenizatórios e eventuais compensações garantia de acompanhamento técnico social e ambiental por meio de projetos de assessorias e assistências técnicas custeados pelas empresas ou pelo poder público garantia de acompanhamento e fiscalização pelo Ministé rio Público e pelas Defensorias Públicas previsão de planos regionais de desenvolvimento para os municípios atingidos previsão de atenção prioritária a populações idosas mu lheres e crianças prioridade de realocação das populações atingidas por meio de reassentamentos coletivos rurais eou urbanos 52 Populações atingidas por barragens no Paraná como e por que lutamos por direitos Para saber mais Documentários A saga dos atingidos por barragens Duração 46 minutos Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvigPF6NG4WE Terra roubada Duração 48 minutos Disponível em httpswwwyou tubecomwatchvkFfzEiKfQcY Arpilleras atingidas por barragens bordando a resistência Duração 1 hora e 43 minutos httpswwwyoutubecomwatchvPEuAATb3TU A revolta dos atingidos da usina Baixo Iguaçu Duração 7 minutos Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvkllyo40wUE Cartilhas Manual do Atingido Textos de Carlos Bernardo Vainer e Flávia Braga Vieira 2005 Disponível em httpsmaborgbrpublicacaoma nualdoatingido O modelo energético e a violação dos direitos humanos na vida das mulheres atingidas por barragens 2011 Textos de Leandro Gas par Scalabrim e Luciana de Souza Ramos Disponível em httpsmab orgbrwpcontentuploads202102Omodeloenergeticoeaviolacao dosdireitoshumanospdf As lutas dos Atingidos por Barragens por Direitos Humanos Textos de Leandro Gaspar Scalabrim e Luciana de Souza Ramos 2013 Disponível em httpsissuucommabnacionaldocscartilhadhmab2013web2 PNAB Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens 2013 Disponível em httpsissuucommabnacional docscartilhapoliticadireitos2013web 52 53 MAB 30 Anos de Lutas a força dos atingidos e atingidas 2021 Disponível em httpsmaborgbrwpcontentuploads202112MAB 30anoscartilhabaixaVISUALIZACAOpdf Mulheres Atingidas por Barragens 2013 Disponível em httpsissuu commabnacionaldocsbarragensweb Propostas para um Projeto Energético Popular 2014 Disponível em httpsissuucommabnacionaldocscartilhaplataforma2014internet Documentos institucionais Relatório da Frente Parlamentar dos Atingidos por Barragens no Estado do Paraná 2017 Disponível em httpswwwassembleiaprleg brstoragecomissoes9852bc149da7ccad2aed2593b455b962c4c44ebapdf Relatório da Comissão Especial Atingidos por Barragens do Conse lho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana Sumário Executivo Disponível em httpsdireitompprmpbrarquivosFilebarragenssuma riopdf Nota Técnica nº 012021NUCIDHDPPR Direito à informação e participação na construção de barragens Defensoria Pública do Es tado do Paraná Núcleo da Cidadania e Direitos Humanos 2021 Dispo nível em httpswwwdefensoriapublicaprdefbrarquivosFileNucleos NUCIDHNotaTecnica012021pdf Análises Quatro fatores que tornam a tarifa de energia brasileira a segunda mais cara do mundo 2021 Coletivo de Comunicação MAB Disponível em httpsmaborgbr20210830quatrofatoresquetornamatarifa deenergiabrasileiraasegundamaiscaradomundo Posição e parecer do MAB ao substitutivo aprovado pela Comis são de Seguridade Social e Família CSS aos Projetos de Lei n 14862007 e 292015 instituindo a PNAB 2015 Disponível em 53 e sta cartilha é resultado de um trabalho coletivo voltado ao forta lecimento da organização das populações atingidas por barragens Talvez você esteja hoje nesta situação e queira saber mais sobre como lutar por seus direitos Ou então talvez você apenas queira saber um pouco mais sobre este assunto tão importante para a so ciedade e para a reprodução de nossas vidas Afinal o que está por trás da produção e do controle da água e da energia reduzidas a meras mercadorias no atual modelo de sociedade Com base em experiências históricas conhecidas trataremos das for mas de lutas por direitos acumuladas pelas experiências das popula ções atingidas por barragens E por fim falaremos sobre alguns dos instrumentos e das táticas que podemos usar em nossas lutas por direitos e para quais horizontes apontam estas lutas no Brasil e no Paraná ISBN 9786599254161