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1 RECONHECIMENTO PESSOAL E SUA INSUFICIÊNCIA COMO MEIO DE PROVA FALSOS RECONHECIMENTOS RISCOS E FALHAS DO PROCEDIMENTO Luana Janaína Hübner Aury Lopes Jr RESUMO O presente trabalho objetiva estudar as técnicas de reconhecimento de pessoas assim como a existência de falhas no procedimento e riscos de falsos reconhecimentos Para tanto à luz de um caso prático de falso reconhecimento brasileiro e após a análise introdutória acerca da prova no processo penal princípios aplicáveis e regramento existente pretendese analisar as incompatibilidades entre a norma e a solução do caso Sob o entendimento de que a memória é falha e está suscetível a diversas interferências tanto externas como internas almejase verificar a insuficiência do reconhecimento pessoal como meio de prova apto à condenação Buscase ainda apontar soluções e medidas trazidas no âmbito doutrinário capazes de minimizar os danos decorrentes de falsas identificações Palavraschave Processo penal Provas Reconhecimento pessoal Falsas memórias Falso reconhecimento 1 INTRODUÇÃO Inúmeros são os casos de pessoas inocentes que através de um reconhecimento pessoal falho foram identificadas como criminosas sendo investigadas presas acusadas e inclusive condenadas gerando incalculáveis danos aos imputados e afetando a credibilidade desse meio de prova Nesse sentido considerando a gravidade e a relevância do tema o presente trabalho pretende analisar o reconhecimento e sua insuficiência como meio de prova mais especificamente ante os falsos reconhecimentos no âmbito do processo penal os quais por vezes apresentamse como único lastro probatório acerca da autoria Nessa linha inicialmente farseá a análise de um caso prático delito de roubo à época majorado pelo concurso de pessoas e emprego de arma de fogo ocorrido na Capital do Estado do Rio Grande do Sul1 a fim de clarificar a fragilidade da prova produzida em termos de conteúdo probante confiável Em seguida o estudo apontará algumas considerações necessárias acerca da principiologia da prova visto que mandamento indispensável à orientação legal e que deve direcionar qualquer atividade do Estado Ademais serão abordados assuntos atinentes ao conceito e finalidade da prova para então adentrar propriamente no objeto da presente pesquisa o reconhecimento enquanto meio de prova e os reflexos das alterações psíquicas como fator de grande influência em falsas identificações Nesse contexto serão analisadas a previsão legal e a posição doutrinária do método de reconhecimento de pessoas suas formas e procedimentos Com isso conforme se pretende mostrar observaremos quais procedimentos são utilizados para fins de reconhecimento na fase Graduanda do Curso de Ciências Jurídicas e Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS Email luanahubneredupucrsbr Orientador Doutor em Direito Professor da Escola de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS Email auryjuniorpucrsbr 1 O processo foi distribuído sob o número 00121100901360 tendo tramitado perante a 11ª Vara do Foro Central 2 inquisitorial da persecução penal e quais seus requisitos legais bem como pontos de tensão entre o procedimento legalmente previsto e as circunstâncias que podem conduzir a reconhecimentos infiéis decorrentes de falsas memórias Ainda buscarseá tecer breves considerações sobre o funcionamento da memória recurso indissociável do reconhecimento pessoal como meio de prova que não raras vezes falha Ao final serão elencadas as falhas verificadas no caso prático em análise à luz do estudo científico apresentado bem como as medidas que podem ser adotadas e implementadas na prática como forma de reduzir os danos Os métodos de pesquisa empregados são o dedutivo e o dialético na medida em que será realizada uma análise do procedimento de reconhecimento utilizado em um caso prático e sua consequência jurídica confrontandose os atos realizados com os preceitos legais e o entendimento doutrinário e jurisprudencial 2 APRESENTAÇÃO DO CASO ROUBO CIRCUNSTÂNCIADO No dia 28 de agosto de 2011 por volta das 20h50min em Porto Alegre a vítima na companhia de uma mulher que iremos denominála de testemunha 1 deslocouse até a residência da testemunha 3 Ao chegarem nas proximidades após estacionarem o veículo a vítima foi abordada por dois indivíduos armados os quais anunciaram o assalto e ordenaram que lhes entregassem o automóvel dinheiro e documentos Ocorre que durante a abordagem um dos assaltantes percebeu que a vítima estava armada tendo então o outro assaltante engatilhado arma que portava e apontado à cabeça da vítima que ao ver a reação do assaltante lhe disse Eu sou Juiz de Direito vocês estão com a minha carteira Se acalmem que está tudo tranquilo Nesse ínterim a testemunha 2 abriu a porta da residência e deparouse com o assalto em andamento Nessa oportunidade um dos assaltantes determinou que a testemunha 2 retornasse para dentro da residência tendo ela obedecido a ordem A testemunha 3 proprietário do imóvel deslocouse até o segundo andar da moradia onde efetuou dois disparos de arma de fogo para o alto esbravejando Para se não eu atiro Diante disso um dos assaltantes moreno mais alto nas palavras da testemunha 3 fugiu assim como o segundo indivíduo deslocouse para trás do veículo da vítima e um terceiro sujeito possivelmente fazia a segurança do assalto segundo relato da testemunha 3 revidou com outro disparo em direção à casa Em seguida os assaltantes empreenderam fuga a pé na posse da arma de fogo da vítima da chave do automóvel bem como de uma quantia em dinheiro Na sequência com a chegada da brigada militar a vítima relatoulhes as vestimentas utilizadas pelo indivíduo que portava a arma de fogo aduzindo no entanto que o criminoso não permitia que olhassem para o seu rosto Formouse uma aglomeração de populares revoltados com a violência urbana Pouco tempo depois os policiais militares retornaram ao local dos fatos com um suspeito denominado de suspeito 1 que resistia à ação policial aduzindo ser médico em seguida voltaram com outro indivíduo denominado suspeito 2 No local do delito a vizinhança vozeava serem aqueles os criminosos Ambos os suspeitos foram submetidos ao reconhecimento pessoal das vítimas e testemunhas em via pública tendo sido reconhecidos como os autores do crime A vítima identificou o suspeito 1 como o indivíduo que mirou a arma de fogo em sua cabeça baseandose em suas vestes jaqueta moletom calça jeans e em especial pela cor do tênis branco com uma lingueta colorida cor de rosa possivelmente Relatou que olhou superficialmente para o rosto contudo lembrou do cabelo e da barba no momento da identificação No que tange ao suspeito 2 a vítima afirmou ser parecido com o segundo 3 meliante o que permanecia próximo da testemunha 1 no entanto não poderia dar certeza certeza só Deus Além disso a testemunha 2 que abriu a porta da residência no momento do assalto asseverou que reconheceu no local dos fatos o suspeito 1 devido ao estilo do cabelo suas entradas Todavia em juízo não teve certeza do reconhecimento Durante a fase policial e judicial foi realizada a oitiva de diversas testemunhas tais como os policiais militares que realizaram a condução dos suspeitos na data dos fatos e moradores das proximidades do local Importa referir que nessas inquirições foram relatadas algumas observações acerca do caso qual seja uma das testemunhas tentou impedir a condução do suspeito 1 à apresentação no local do crime tendo ouvido dos policiais ele vai passar por um reconhecimento Se não for ele vai ser liberado outra visualizou os criminosos em fuga carregando algo na cintura posteriormente no local do crime visualizou no interior da viatura da polícia os suspeitos contudo relatou não se tratar dos indivíduos que visualizou em fuga outrora O suspeito 1 ao ser ouvido narrou ser médico aspirante a Oficial do Exército e atuar no interior do estado Sobre a data dos fatos disse que se encontrava de folga na Capital que teria solicitado alguns dias de dispensa para cuidar da sua mãe que estaria com câncer Narrou ter residido praticamente a vida toda na região em que foi abordado e que na data saiu para encontrar alguns amigos há poucos metros da sua residência materna Calçava um par de tênis velho vestia trajes quaisquer o gorro que usava no Batalhão e sua barba estava por fazer No trajeto até a casa de seu amigo disse ter sido abordado e revistado pela polícia militar algemado e conduzido compulsoriamente ao local do crime para reconhecimento pessoal das vítimas e testemunhas Aduziu ainda ter sofrido agressões pela vítima populares e pelos policiais e na sequência preso em flagrante Já o suspeito 2 durante sua oitiva narrou que na data trabalhava como cuidador de carros na região dos fatos e que aceitou comparecer ao local do delito para participar de um reconhecimento pessoal Ao ser questionado em juízo declarou acreditar ter sido identificado como o assaltante devido às roupas que vestia naquela noite de cor preta O Delegado de Polícia responsável pelo caso ao concluir o inquérito o descreveu como uma lamentável série de equívocos deixando de indiciar os suspeitos e remetendo os autos do inquérito policial ao Poder Judiciário No que tange ao andamento processual do caso de frisar que quando da homologação do Auto de Prisão em Flagrante dos investigados foi decretada a prisão preventiva do suspeito 2 e concedida a liberdade provisória do suspeito 1 O Ministério Público Estadual denunciou os suspeitos 1 e 2 pela prática do crime de roubo duplamente majorado com incurso do artigo 157 2º incisos I e II do Código Penal2 Em sede de Habeas Corpus foi concedida a liberdade provisória ao acusado 2 Em memoriais o Ministério Público postulou a absolvição dos acusados e o assistente de acusação pugnou a condenação dos processados nos exatos termos da denúncia A defesa do suspeito 1 requereu preliminarmente a nulidade absoluta do feito em razão do reconhecimento realizado em via pública afrontando os artigos 6º inciso VI 226 e seguintes e 564 inciso IV todos do Código de Processo Penal3 sendo o pedido indeferido Após a dilação probatória com a comprovação de registros telefônicos do suspeito 1 a demonstrar seu álibi foi prolatada sentença na qual o Juízo em suas razões de decidir aduziu que a prova colacionada nos autos seria insuficiente para a condenação e que a fragilidade do depoimento da vítima compromete o restante da prova da acusação a ponto de o próprio 2 BRASIL Decretolei nº 2848 de 07 de dezembro de 1940 Código Penal Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03decretoleidel2848htm Acesso em 18 mar 2020 3 BRASIL Decretolei nº 3689 de 03 de outubro de 1941 Código de Processo Penal Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03decretoleidel3689htm Acesso em 18 mar 2020 4 Ministério Público titular da ação penal sustentar a absolvição dos acusados Ressaltou que era noite no data dos fatos e estava escuro no local assim como havia várias pessoas populares que teriam dito é esse apontando os réus como autores do fato o que teria contribuído para que a vítima no calor do evento um clima de muita dificuldade como referiu tenha feito o reconhecimento dos acusados Nessa linha foi julgada improcedente a pretensão acusatória do estado tendo o Juízo absolvido o suspeito 1 com fundamento no artigo 386 IV do Código de Processo Penal e o suspeito 2 nos termos do artigo 386 VII do mesmo diploma legal Em fase de recurso o TJRS confirmou a sentença absolutória proferida em seus exatos termos e por seus próprios fundamentos4 Casos como o aqui relatado infelizmente são cotidianos E como alertam Stein e Ávila em muitos desses eventos os conhecimentos trazidos pelas vítimas e testemunhas do crime podem ser primordiais e não raras vezes as únicas evidências para o deslinde desses delitos Sendo assim conhecer os fatores que podem incrementar a qualidade de um reconhecimento correto é uma questão essencial no processo de criminalização5 Com o objetivo de identificar possíveis falhas que resultaram nos sucessivos erros narrados no caso sob análise é que se busca apontar cientificamente o caminho a ser trilhado pelo Estado durante a persecução penal se não evitando danos semelhantes aos aqui identificados minimizandoos Para tanto fazse necessária a introdução do tema objeto de estudo reconhecimento pessoal e os demais temas que na sua esfera gravitam 3 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA PROVA NO PROCESSO PENAL Inicialmente importa destacar em apertada síntese antes de tratarse propriamente acerca do reconhecimento pessoal no que consiste e qual a finalidade da prova no processo penal 31 CONCEITO E FINALIDADE DA PROVA O processo penal é um instrumento de reconstrução de um determinado fato histórico como tal está destinado a proporcionar o conhecimento do julgador por meio das provas através das quais se fará essa reconstrução do fato passado como explica Lopes Jr Para o autor as dificuldades nessa atividade são significativas em especial no que tange ao paradoxo 4 APELAÇÃO CRIMINAL CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO ROUBO DUPLAMENTE MAJORADO SENTENÇA ABSOLUTÓRIA RECURSO DO ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO PROVA INSUFICIENTE PARA A CONDENAÇÃO DECISÃO RECORRIDA MANTIDA A prova capaz de embasar o peso de uma condenação criminal deve ser sólida e congruente apontando sem qualquer margem para dúvida a pessoa denunciada como autor do fato criminoso Caso em que o depoimento judicial da vítima mostrouse titubeante ao passo que o aponte feito pela testemunha presencial demonstrou a possibilidade de indução dada a forma como apresentados os detidos ao reconhecimento Outrossim os réus um deles oficialmédico do Exército negaram a autoria do fato e este último comprovou sólido álibi com registros telefônicos juntados aos autos e confirmados por duas testemunhas Circunstâncias fáticas que geram inúmeras incertezas ao que se soma ainda a ausência de apreensão de qualquer objeto do crime em poder dos flagrados Prova escorregadia Absolvição que se mantém inclusive acolhendo o parecer ministerial PRELIMINARES REJEITADAS APELO DESPROVIDO UNÂNIMERIO GRANDE DO SUL Tribunal de Justiça Sexta Câmara Criminal Apelação Crime Nº 70054904396 Relator Ícaro Carvalho de Bem Osório Julgado em 30012014 Disponível em httpswwwtjrsjusbrsitebuscasolrindexhtmlabajurisprudencia Acesso em 20 mar 2020 5 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses Brasília DF Secretaria de Assuntos Legislativos Ministério da Justiça 2015 Série Pensando Direito No 59 p18 Disponível em httppensandomjgovbrwpcontentuploads201602PoD59Lilianweb1pdf Acesso em 04 abr 2020 5 temporal inerente ao ritual judiciário um magistrado julgando no presente hoje um indivíduo e seu fato ocorrido num passado distante anteontem com suporte na prova colhida num passado próximo ontem e projetando efeitos pena para o futuro amanhã6 O conceito de prova é por demais diverso no direito processual face à sua múltipla utilização7 A prova tem a mesma origem etimológica de probo do latim probatio e probus Como ensina a doutrina dela deriva o verbo provar que tem sentido de verificar examinar reconhecer por experiência estando ligada com o imenso mundo do intelecto na busca e comunicação do conhecimento verdadeiro8 Tourinho Filho esclarece que por vezes emprega se a palavra prova com o sentido de ação de provar quando na verdade provar significa fazer conhecer a outros uma verdade conhecida por nós Nós a conhecemos os outros não9 O objeto da prova é a coisa o fato sobre o qual versa o caso penal Por sua vez os meios de prova são todos aqueles que o magistrado utiliza para conhecer dos fatos tudo o que ele usa para atingir um fim justo no processo estejam eles previstos em lei ou não10 No que tange aos elementos de prova são produzidos judicialmente e referemse às informações introduzidas no processo que podem ser levadas em conta para a fundamentação de uma sentença11 Por fim a fonte da prova corresponde aos sujeitos ou objetos que conduzem a formação dos elementos de prova12 Segundo Rangel é a pessoa por exemplo a testemunhareconhecedor o perito ou a coisa qualquer coisa que tenha vestígios do crime uma carta ou documento por exemplo de quem ou de onde promana a prova13 Vale dizer desde logo no tocante ao reconhecimento como bem relatado por Tomé Lopes esse se refere a um meio de prova pois é capaz de formar elemento de prova uma vez que produzido sob o crivo do contraditório14 No que concerne à finalidade da prova para Nucci traduzse na produção do convencimento do juiz referente à verdade processual seja conforme a realidade ou não em suma é a verdade possível de ser alcançada15 Já Lopes Jr esclarece que o processo penal tem uma finalidade retrospectiva em que através das provas intencionase obter condições para a atividade recognitiva do juiz sobre um fato passado ressaltando que o conhecimento decorrente desse fato irá legitimar a sentença a ser proferida16 Cabe destacar ademais que toda e qualquer atividade probatória no âmbito do processo penal deve ser orientada por princípios indissociáveis de um processo constitucionalmente adequado sendo relevante uma análise principiológica 32 PRINCÍPIOS E GARANTIAS APLICÁVEIS À ATIVIDADE PROBATÓRIA 6 LOPES JR Aury FELIX Yuri Editorial Revista Brasileira de Ciências Criminais São Paulo v 156 ano 27 p 1921 Ed RT junho 2019 p 19 7 RANGEL Paulo Direito Processual Penal 14 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 405 8 LIMA Renato Brasileiro de Manual de Processo Penal volume único 5 ed Salvador Ed JusPodivm 2017 p 583 9 TOURINHO FILHO Fernando da Costa Processo Penal 25 ed São Paulo Saraiva 2013 v 3 p 215 10 RANGEL Paulo Direito Processual Penal 14 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 405406 11TOMÉ LOPES Mariângela O Reconhecimento como Meio de Prova Necessidade de Reformulação do Direito Brasileiro 2011 209 f Tese Doutorado em Direito Faculdade de Direito Universidade de São Paulo São Paulo 2011 p 4 12TOMÉ LOPES Mariângela O Reconhecimento como Meio de Prova Necessidade de Reformulação do Direito Brasileiro p4 13 RANGEL Paulo Direito Processual Penal 14 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 409 14TOMÉ LOPES Mariângela O Reconhecimento como Meio de Prova Necessidade de Reformulação do Direito Brasileiro p6 15 NUCCI Guilherme de Souza Provas no Processo Penal São Paulo Editora Revista dos Tribunais 2009 p 16 16 LOPES JR Aury Direito Processual Penal 16 ed São Paulo Saraiva Educação 2019 p 344 6 Em que pese a amplitude do tema parece essencial uma breve introdução acerca dos princípios e garantias que devem ser observados no âmbito da persecução penal mormente na atividade probatória para ao final uma análise da conformação do caso em exame à luz das diretrizes fundamentais da atividade do Estado ao buscar a punição de eventual transgressor Por certo não há consenso na doutrina acerca do rol de princípios aplicáveis no âmbito do Processo Penal porém alguns deles não deixam dúvida quanto à necessidade de sua observância Inicialmente deve ser destacada a Garantia da Jurisdição a qual se expressa no axioma nulla poena nulla culpa sine iudicio não há imposição de pena sem processo17 Feitoza salienta que a jurisdição sempre foi e continua a ser o instituto essencial e decisivo do direito processual na qual gravitam em seu torno os demais institutos processuais18 Nesse contexto levandose em consideração a necessidade de submissão à chancela jurisdicional a certeza quanto à autoria delitiva é fundamental compreender consoante ensina Lopes Jr a distinção entre atos de investigação e atos de prova Os primeiros realizados na investigação preliminar servem para a formação da opinio delicti do acusador para formar um juízo de probabilidade e não a certeza do juiz para o julgamento não se referem a uma afirmação mas a uma hipótese Ao contrário os atos de prova também conhecidos como meios de prova podem ser considerados pelo juiz ao proferir sua decisão e formam elementos de prova19 Não menos importante é a garantia do devido processo legal prevista na Lei Magna brasileira artigo 5º inciso LIV20 segundo a qual ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal Tal garantia irradiase para todos os demais princípios processuais pois o cumprimento dela depende da efetiva realização de todos os outros21 De fundamental importância é a sua observância no processo penal não apenas por seu status constitucional garantia fundamental do indivíduo mas sim porque a realização de um processo indevido nessa seara importa a restrição de direito tão caro a qualquer um a liberdade de locomoção a qual pode ocorrer ainda no curso da persecução de forma cautelar mesmo em um sistema que adota a inocência como presunção Notese que com a Constituição Federal de 1988 o Princípio da Presunção de Inocência passou a constar no artigo 5º inciso LVII e prevê que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória Para Lopes Jr a essência da presunção de inocência pode ser resumida como dever de tratamento e regra de julgamento22 Esse dever de tratamento deve atuar tanto na dimensão interna do processo efetivo tratamento do réu como inocente não abusando das medidas cautelares bem como conferindo a carga probatória integralmente ao órgão acusador como na dimensão externa impondo limites à estigmatização do acusado e à publicidade abusiva No tocante à regra de julgamento o presente princípio impõe que a absolvição seja o critério obvio diante da dúvida judicial23 através do in dubio pro reo24 17 DI GESU Cristina Prova penal e falsas memórias 3 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2019 p 59 18 FEITOZA Denilson Direito Processual Penal 7 ed Niterói RJ Impetus 2010 p134 19TOMÉ LOPES Mariângela O Reconhecimento como Meio de Prova Necessidade de Reformulação do Direito Brasileiro 2011 209 f Tese Doutorado em Direito Faculdade de Direito Universidade de São Paulo São Paulo 2011 p 13 20BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03constituicaoconstituicaohtm Acesso em 15 abr 2020 21 FEITOZA Denilson Direito Processual Penal 7 ed Niterói RJ Impetus 2010 p 144 22 LOPES JR Aury Direito Processual Penal 16 ed São Paulo Saraiva Educação 2019 p 354 23 LOPES JR Aury Direito Processual Penal p 354355 24 In dubio pro reo no processo penal não há distribuição de cargas probatórias o que existe é a atribuição ao acusador em provar que alguém cometeu um crime proibindo o juiz de condenar um indivíduo cuja 7 Como explica Brasileiro de Lima é o direito de não ser tido como culpado a menos que findo o devido processo legal pelo qual o acusado tenha usufruído de todos os meios de prova pertinentes à sua defesa e refutado as provas apresentadas pela acusação25 Em sua obra o autor destaca as diversas normativas internacionais nas quais o consagrado princípio foi positivado26 Consectários lógicos de um processo devido o contraditório e a ampla defesa são também garantias constitucionais27 intimamente relacionadas A diferenciação entre elas assume especial relevância no campo das nulidades visto que pode haver violação de uma sem que a outra seja transgredida28 Lopes Jr aduz que o contraditório deve ser visto como o direito de participar de ser informado de todas as manifestações atos desenvolvidas no iter procedimental e assim manter uma contraposição em relação à acusação Outrossim especialmente acerca de provas a referida garantia constitucional deve ser pontualmente observada nos quatro momentos da prova postulação admissão produção e valoração29 A ampla defesa por sua vez realizase por meio da defesa técnica da autodefesa da defesa efetiva e por fim por qualquer meio de prova hábil a demonstrar a inocência do acusado30 Ademais salientase que a defesa pessoal exercida pelo investigado é disponível e pode ser positiva fazerfalar ou negativa não fazercalar31 E em sede de defesa deve ser salientado o princípio do nemo tenetur se detegere o qual se apresenta de suma importância para o formulação de um processo devido mormente no caso objeto de análise e levandose em conta as circunstâncias do reconhecimento pessoal realizado na medida em que ele assegura ao acusado o direito de não se autoincriminar ou de não participar da produção de prova que possa reverter contra si A mais conhecida manifestação do referido princípio é o direito ao silêncio contudo como direito fundamental e garantia do cidadão no processo penal e como limite ao arbítrio do Estado é bem mais abrangente32 Cumpre salientar que sua aplicação na produção dos meios de prova que não implicam intervenção corporal e comportamento ativo do investigado como é o reconhecimento pessoal ainda é polemica33 Segundo Lopes Jr e Zucchetti Filho nenhuma dúvida existe no que culpabilidade não tenha sido completamente provada nulla accusatio sine probatione Referente ao in dubio pro societate inexiste dispositivo legal que o recepcione LOPES JR Aury Direito Processual Penal 16 ed São Paulo Saraiva Educação 2019 p 417418 25 LIMA Renato Brasileiro de Manual de Processo Penal volume único 5 ed Salvador Ed JusPodivm 2017 p 43 26 Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão artigo 9º Declaração universal de Direitos Humanos aprovada pela Assembleia da ONU artigo 111 Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se prova sua culpabilidade de acordo com a lei e em processo público no qual se assegurem todas as garantias necessárias para sua defesa Convenção Europeia para Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais artigo 62 Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos artigo 142 e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos Dec67892 artigo 8º 2º Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa LIMA Renato Brasileiro de Manual de Processo Penal volume único p 43 27 O artigo 5º LV da Constituição Federal assegura que os litigantes em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03constituicaoconstituicaohtm Acesso em 15 abr 2020 28 DI GESU Cristina Prova penal e falsas memórias 3 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2019 p 67 29 LOPES JR Aury Direito Processual Penal 16 ed São Paulo Saraiva Educação 2019 p 363364 30 OLIVEIRA Eugênio Pacelli de Curso de Processo Penal 19 ed São Paulo Atlas 2015 p 47 31 LOPES JR Aury Direito Processual Penal 16 ed São Paulo Saraiva Educação 2019 p 418 32 QUEIJO Maria Elizabeth O Direito de Não Produzir Prova Contra si Mesmo o princípio nemo tenetur se detegere e suas decorrências no processo penal 2 ed São Paulo Saraiva 2012 p 233 33TOMÉ LOPES Mariângela O Reconhecimento como Meio de Prova Necessidade de Reformulação do Direito Brasileiro 2011 209 f Tese Doutorado em Direito Faculdade de Direito Universidade de São Paulo São Paulo 2011 p 63 8 concerne ao oferecimento de recusa à participação na medida em que possui o direito de não produzir prova contra si34 De outro lado há quem sustente a inaplicabilidade do aludido princípio em casos em que não demandem comportamento ativo do acusado ou seja quando ele for considerado apenas objeto de prova Para Tomé Lopes35 sob o argumento de encontrar um equilíbrio entre a eficiência e o garantismo é possível obrigar o investigado a participar do ato de reconhecimento sob pena de condução coercitiva Queijo36 discorre que havendo prevalência absoluta do interesse individual a persecução estaria fadada ao fracasso Claro apesar da divergência e não se olvidando do entendimento da Suprema Corte37 que entendeu inconstitucional a condução coercitiva nos termos do artigo 260 do Código de Processo Penal38 apenas para interrogatório parece razoável considerar que em um processo devido afastar a observância de tal princípio seria ilógico quiçá inconstitucional Nesse sentido leciona Lopes Jr e Zucchetti Filho É um imenso reducionismo imaginar ou sustentar que uma pessoa possa ser retirada a força de casa obrigada a participar de um ritual constrangedor de produção de provas contra seu interesse e vontade sem que isso configure uma afrontosa violação do seu direito de defesa negativo de não autoincriminação e de não produção de provas contra sua vontade39 Mormente porque como se poderá concluir ao final adotado tal entendimento as irregularidades que se pretende pontuar no presente artigo não seriam verificadas e com isso inocentes não seriam chamados à Justiça para responder por um crime que se concluiu ao final não terem sido eles os autores Ademais diante da negativa do imputado cumpre ao órgão acusador buscar outros elementos que possam embasar sua acusação40 No entanto o princípio do nemo tenetur se detegere não é respeitado na prática jurídica no que toca ao reconhecimento pois é ele determinado coercitivamente ou seja mesmo que contra a vontade do suspeito41 De outro lado no que toca ao princípio do livre convencimento motivado o magistrado é livre para formar seu convencimento de acordo com as provas produzidas nos autos as quais têm legal e abstratamente o mesmo valor contudo deve explicar em que elementos fundou seu convencimento42 artigo 155 do CPP43 Ademais a decisão prolatada pelo magistrado mesmo 34LOPES JR Aury ZUCCHETTI FILHO Pedro O Direito do Acusado de Não Comparecer ao Reconhecimento Pessoal Revista Consultor Jurídico S l 2019 Disponível em httpswwwconjurcombr2019mar 08limitepenaldireitoacusadonaocomparecerreconhecimentopessoal Acesso em 27 abr 2020 35TOMÉ LOPES Mariângela O Reconhecimento como Meio de Prova Necessidade de Reformulação do Direito Brasileiro 2011 209 f Tese Doutorado em Direito Faculdade de Direito Universidade de São Paulo São Paulo 2011 p 65 36 QUEIJO Maria Elizabeth O Direito de Não Produzir Prova Contra si Mesmo o princípio nemo tenetur se detegere e suas decorrências no processo penal 2ed São Paulo Saraiva 2012 p 287 37 Vide ADPF 395Vide ADPF 444 38 Art 260 do CPP Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório reconhecimento ou qualquer outro ato que sem ele não possa ser realizado a autoridade poderá mandar conduzilo à sua presença BRASIL Decretolei nº 3689 de 03 de outubro de 1941 Código de Processo Penal Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03decretoleidel3689htm Acesso em 18 mar 2020 39 LOPES JR Aury ZUCCHETTI FILHO Pedro O Direito do Acusado de Não Comparecer ao Reconhecimento Pessoal Revista Consultor Jurídico S l 2019 40 LOPES JR Aury ZUCCHETTI FILHO Pedro O Direito do Acusado de Não Comparecer ao Reconhecimento Pessoal Revista Consultor Jurídico S l 2019 41 LOPES JR Aury ZUCCHETTI FILHO Pedro O Direito do Acusado de Não Comparecer ao Reconhecimento Pessoal Revista Consultor Jurídico S l 2019 42 FEITOZA Denilson Direito Processual Penal teoria crítica e práxis 7ed Niterói RJ Impetus 2010 p 745 43 Art 155 do CPP diz que o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos 9 que independente da prova tarifada precisa estar ligada à prova válida e lícita produzida perante as partes e orientada pela estrita legalidade44 De fato nos termos do artigo 5º inciso LVI da Constituição da República vige o princípio da liberdade probatória segundo o qual somente são inadmissíveis as provas obtidas por meios ilícitos assim conforme esclarece Feitoza os altos valores em jogo no processo penal de um lado a segurança pública depende da efetividade do direito penal e de outro lado a liberdade do réu qualificada pela liberdade constitucional acarretaram no modelo processual brasileiro a mais ampla liberdade probatória45 33 AS PROVAS E A VERDADE NO PROCESSO PENAL Como já salientado o sentido da ação de provar algo é transmitir às partes mormente ao EstadoJuiz fatos passados a reconstrução da história em busca de uma pretensa verdade tema ainda nebuloso e que encontra significativa divergência na doutrina Segundo Di Gesu prova e verdade são temas profundamente ligados principalmente porque para muitos autores o propósito do processo ainda é a busca pela verdade por meio das provas46 Contudo tais autores ao abordarem a epistemologia da prova falham ao desconsiderar as bases e as categorias jurídicas próprias do processo penal atingindo inclusive o lugar que o magistrado ocupa no processo e legitimando o decisionismo uma vez que flexibiliza as regras do devido processo47 Conforme ensina a doutrina a ideia de que o processo penal busca a mitológica verdade real é uma artimanha engendrada nos meados da inquisição vinculada ao interesse público com sistemas políticos autoritários a busca da verdade a qualquer custo chegou a legitimar as maiores atrocidades incluindo a tortura em determinados momentos históricos48 Nessa senda Pacelli de Oliveira explica que talvez o maior mal deixado pelo princípio da verdade real tenha sido a disseminação de uma cultura inquisitiva que culminou por atingir praticamente todos os órgãos estatais responsáveis pela persecução penal trazendo a crença de que a verdade estaria ao alcance do Estado logo justificando sua perseguição no processo penal49 Ademais comete um erro quem refere a verdade real tratandose de um fato passado histórico50 Conforme Lopes Jr e Gloeckner o real só existe no presente O crime é um fato passado reconstruído no presente logo no campo da memória do imaginário A única coisa que ele não possui é um dado de realidade51 Assim no processo penal passouse a sustentar a legitimidade da verdade formal ou processual52 a qual é mais reduzida no que diz respeito ao seu conteúdo informativo por informativos colhidos na investigação ressalvadas as provas cautelares não repetíveis e antecipadas BRASIL Decretolei nº 3689 de 03 de outubro de 1941 Código de Processo Penal Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03decretoleidel3689htm Acesso em 18 mar 2020 44 LOPES JR Aury Direito Processual Penal 16 ed São Paulo Saraiva Educação 2019 p 418 45 FEITOZA Denilson Direito Processual Penal teoria crítica e práxis 7 ed Niterói RJ Impetus 2010 p 742 46 DI GESU Cristina Prova penal e falsas memórias 3 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2019 p 88 47 LOPES JR Aury KESSLER DE OLIVEIRA Daniel La mano de Dios e a admissibilidade da prova no processo penal Revista Consultor Jurídico S l 2020 Disponível em httpswwwconjurcombr2020 jun05limitepenallamanodiosadmissibilidadeprovaprocessopenal Acesso em 17 jun 2020 48 LOPES JR Aury GLOECKNER Ricardo Jacobsen Investigação preliminar no processo penal 6 ed São Paulo Saraiva 2014 p 303 49 OLIVEIRA Eugênio Pacelli de Curso de Processo Penal 19 ed São Paulo Atlas 2015 p 333 50 LOPES JR Aury GLOECKNER Ricardo Jacobsen Investigação preliminar no processo penal p 306 51 LOPES JR Aury GLOECKNER Ricardo Jacobsen Investigação preliminar no processo penal p 306 52 LOPES JR Aury GLOECKNER Ricardo Jacobsen Investigação preliminar no processo penal p 304 10 respeitar as regras para a obtenção da prova e por não ter a pretensão de ser a verdade53 Para Ferrajoli a verdade processual pode ser entendida como uma verdade aproximada limitada54 Outrossim a relevância do formalismo se da ao nortear regular os limites judiciais e amparar a liberdade do indivíduo frente a verdades substancialmente arbitrárias ou incontroláveis55 Mas alerta Lopes Jr que desconstituir o mito da verdade real não é suficiente também é preciso questionar a verdade processual especialmente a ambição pela verdade Segundo Carnelutti o problema é a verdade na medida em que a verdade está no todo não na parte e o todo é demais para nós56 Não se trata de negar a verdade no processo penal mas sim de discutir qual é o lugar que ela ocupa deslocandoa para outra dimensão em que ela é contingencial e não estruturante do processo57 No mesmo sentido posicionase Badaró quando afirma a necessidade de se abandonar a dicotomia verdade formal e verdade material que para o autor muito mais tem contribuído para equívocos do que para construções válidas58 Oportuno destacar que o processo é o ambiente no qual se desenvolvem diálogos discursos e se narram fatos assim as provas servem para obter dentro das regras do jogo o convencimento do juiz que faz ao final sentença a eleição dos significados de cada discurso para a construção do seu a sentença não é a revelação da verdade mas uma manifestação do convencimento do magistrado formado em contraditório59 Na mesma linha segundo Khaled Jr e Divan a atividade probatória não pode ter como referencial a verdade correspondente real material substancial ou relativa ou a verdade formal pois ambas se mostram insuficientes para explicar no que consiste a dimensão cognitiva do processo Para eles um ponto primordial é ignorado por ambas as posições o fato de o juiz ser o destinatário da prova60 Observa Pacelli de Oliveira que o processo penal produzirá uma certeza do tipo jurídica a qual em regra nunca se saberá se corresponde ou não à verdade da realidade histórica61 Por fim como muito bem destaca Di Gesu a desconstrução do mito da verdade como escopo do processo é de suma importância para o estudo da existência das falsas memórias no processo penal Os relatos recordações e reconhecimentos de vítimas e testemunhas de um fato delituoso estão sujeitos a contaminações de várias ordens não são fidedignos à realidade por conta do próprio processo mnemônico em si Assim devido à impossibilidade de reconstrução do fato tal qual ele ocorre inviável seguir falando em verdade no processo62 Logo conforme defendido pelos doutrinadores Lopes Jr e Gloeckner face ao excesso epistêmico da verdade o que interessa é o convencimento construído a partir das provas produzidas e inseridas legalmente no processo com o rigoroso respeito as regras do devido 53 DI GESU Cristina Prova penal e falsas memórias 3ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2019 p 92 54 FERRAJOLI Luigi Direito e Razão Teoria do Garantismo Penal São Paulo Revista dos Tribunais 2002 p 42 55 LOPES JR Aury GLOECKNER Ricardo Jacobsen Investigação preliminar no processo penal 6 ed São Paulo Saraiva 2014 p 305 56 CARNELUTTI 1965 apud LOPES JR 2019 p375 57 LOPES JR Aury Direito Processual Penal 16 ed São Paulo Saraiva Educação 2019 p 377 58 BADARÓ Gustavo Henrique Righi Ivahy Ônus da prova no Processo Penal Revista dos Tribunais 2003 p36 59 LOPES JR Aury Direito Processual Penal 16 ed São Paulo Saraiva Educação 2019 p 419 60 KHALED JR Salah H DIVAN Gabriel Antinolfi A captura psiquica do juiz e o sentido da atividade probatória no Processo Penal contemporâneo Revista Brasileira de Ciências Criminais São Paulo v 156 ano 27 p 395423 Ed RT junho 2019 p 412 61 OLIVEIRA Eugênio Pacelli de Curso de Processo Penal 19 ed São Paulo Atlas 2015 p 328 62 DI GESU Cristina Prova penal e falsas memórias p 92 11 processo legal princípio que por vezes limita a busca pela verdade refutandose as provas ilícitas63 Com efeito no processo penal na tensão entre a busca da verdade e o respeito as regras do due processo of law inquestionável concluir que o que vale é a regra independente da gravidade ou relevância do conteúdo64 Mesmo porque no caso em estudo constatar que a verdade formada no processo por um reconhecimento mal conduzido sem observância da norma e apresentado ao juiz destinatário da prova gera efeitos por vezes irreversíveis e resulta na condenação de inocentes pois nem sempre elementos outros de prova serão suficientes para afastar a formulação de autoria por apontamento delitivo equivocado Na dicção de Ávila as falsas memórias existem possuem repercussão crucial inclusive judicial e são de difícil identificação pois quem relata crê verdadeiramente em sua versão65 Eis portanto a importância de uma nova visão acerca do reconhecimento pessoal 4 O RECONHECIMENTO PESSOAL Inicialmente devese esclarecer que o reconhecimento pode ser pessoal ou de coisas66 sendo objeto do presente estudo apenas o reconhecimento pessoal Para Zucchetti Filho o procedimento mais frequentemente utilizado é o reconhecimento pessoal o qual se baseia na busca pela individualização do criminoso enquanto as autoridades responsáveis pela investigação ainda não identificaram ou possuem dúvidas a respeito de quem seja o imputado67 Camargo Aranha define o reconhecimento como um meio processual de prova eminentemente formal pelo qual uma pessoa é chamada para analisar e confirmar ou não a identidade de um indivíduo ou coisa que lhe é apresentadoa com outroa que viu no passado68 A lei adjetiva determina no artigo 22669 uma forma específica para se produzir a prova contudo sua redação é ainda a de sua edição no ano de 1941 Assim compreendese sua defasagem em relação aos achados científicos mais atuais acerca do reconhecimento70 63 LOPES JR Aury GLOECKNER Ricardo Jacobsen Investigação preliminar no processo penal 6 ed São Paulo Saraiva 2014 p 316 64 LOPES JR Aury KESSLER DE OLIVEIRA Daniel La mano de Dios e a admissibilidade da prova no processo penal Revista Consultor Jurídico S l 2020 Disponível em httpswwwconjurcombr2020 jun05limitepenallamanodiosadmissibilidadeprovaprocessopenal Acesso em 17 jun 2020 65 ÁVILA Gustavo Noronha de Política não criminal e processo penal a intersecção a partir das Falsas Memórias da testemunha e seu possível impacto carcerário Revista Síntese Direito Penal e Processual Penal Porto Alegre v14 n 84 fevmar 2014 p 72 66 O artigo 227 do CPP expressa que no reconhecimento de objeto procederseá com as cautelas estabelecidas no artigo anterior no que for aplicável 67 ZUCCHETTI FILHO Pedro Reconhecimento Pessoal Procedimento Penal e Aportes Psicológicos 2020 321 f Dissertação Mestrado em Direito Escola de Direito Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Porto Alegre 2020 p38 68 ARANHA 1999 apud QUEIJO 2012 p 300 69 Artigo 226 do CPP Quando houver necessidade de fazerse o reconhecimento de pessoa procederseá pela seguinte forma I a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida Il a pessoa cujo reconhecimento se pretender será colocada se possível ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança convidandose quem tiver de fazer o reconhecimento a apontála III se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento por efeito de intimidação ou outra influência não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida a autoridade providenciará para que esta não veja aquela IV do ato de reconhecimento lavrarseá auto pormenorizado subscrito pela autoridade pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais 70 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses Brasília DF Secretaria de Assuntos Legislativos Ministério da Justiça 2015 Série Pensando Direito No 59 p 35 Disponível em httppensandomjgovbrwpcontentuploads201602PoD59Lilianweb1pdf Acesso em 04 abr 2020 12 Somase a isso que como explica a doutrina sendo o reconhecimento de pessoas um processo de memória as identificações feitas por vítimastestemunhas podem não ser confiáveis A memória não retém os registros como uma máquina fotográfica ou filmadora podendo esses registros sofrerem perdas e distorções O ato de reconhecimento de uma pessoa estranha a qual por inúmeras vezes foi vista em condições precárias pouca luz de forma rápida ou à distância é uma dura tarefa para a nossa memória uma vez que muitas vezes sentimos dificuldades de reconhecer um conhecido que não vemos há algum tempo ou encontramos essa pessoa em um contexto diferente71 Por outro lado não fosse o bastante o atraso da legislação e as dificuldades inerentes ao reconhecimento porque dependente da memória e portanto sujeito a falhas o que se observa é que a prática nem sempre está alinhada à técnica prescrita E Espinola Filho72 alerta o reconhecimento de pessoas deve ser feito com a maior seriedade e rigor técnicos Entretanto conforme aponta Nucci observase na prática forense um verdadeiro desprezo à forma legalmente estabelecida podendose dizer que raramente a vítima reconhece o acusado nos termos preceituados no Código de Processo Penal73 Fazse oportuno então sejam destacadas as formas e procedimentos atinentes ao reconhecimento de pessoas 41 RECONHECIMENTO DE PESSOAS FORMAS E PROCEDIMENTOS O reconhecimento de pessoas como dito está regrado no artigo 226 do Código de Processo Penal e como se observa a legislação brasileira adota o ato de reconhecimento pessoal por alinhamento e não prevê expressamente o reconhecimento por fotografia muito embora a prática releve sua comum utilização Segundo Zucchetti Filho o reconhecimento fotográfico ocorre de forma corriqueira durante a fase de investigação preliminar74 Como observa Lopes Jr o reconhecimento do imputado por fotografia não é pacífico na doutrina ou na jurisprudência contudo posicionase no sentido de que somente pode ser utilizado como ato preparatório ou instrumentomeio substituindo a descrição prevista no artigo 226 I do CPP75 Há ainda quem entenda que os reconhecimentos fotográficos reconhecimento atípico são vedados e devem ser evitados sendo a exceção em situações de estado de necessidade investigativo 76 Também não se desconhece o entendimento quanto à possibilidade de sua utilização Conforme explica Malpass O alinhamento fotográfico é inclusive mais recomendado por facilitar a fundamental realização do teste de adequação e equilíbrio do alinhamento um banco digital de 71 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses Brasília DF Secretaria de Assuntos Legislativos Ministério da Justiça 2015 Série Pensando Direito No 59 p 67 Disponível em httppensandomjgovbrwpcontentuploads201602PoD59Lilianweb1pdf Acesso em 04 abr 2020 72 ESPINOLA FILHO Eduardo Código de Processo Penal Brasileiro Anotado6 ed Rio de Janeiro Editor Borsoi 1965 p140 73 NUCCI Guilherme de Souza Provas no Processo Penal São Paulo Editora Revista dos Tribunais 2009 p116 74 ZUCCHETTI FILHO Pedro Reconhecimento de Pessoas Ponderações Acerca do Artigo 226 do Código de Processo Penal e do Reconhecimento Fotográfico In GIACOMOLLI Nereu José AZAMBUJA AMARAL Maria Eduarda SILVEIRA Karine Darós orgs Processo Penal Contemporâneo em Debate Porto Alegre Boutique Jurídica 2019 v 4 p 126 75 LOPES JR Aury Direito Processual Penal 16 ed São Paulo Saraiva Educação 2019 p 490491 76 MENDES Manuel José ALMEIDA GARRETT Francisco de Da Prova por Reconhecimento em Processo Penal Identificação de Suspeitos e Reconhecimentos Fotográficos Porto Fronteira do Caos 2007 p 47 13 fotografias por exemplo permite uma escolha mais precisa daqueles que comporão o alinhamento juntamente com o suspeito77 De qualquer sorte seguindo as disposições legais em uma breve análise do artigo 226 verificamos que o inciso I ao prever a necessidade de prévia descrição do imputado pela vítimatestemunha busca verificar o grau de conhecimento interno que o reconhecedor possui do ofensor78 se ela possui o mínimo de fixidez para proceder ao ato de reconhecimento ou seja se guarda o núcleo central da imagem da pessoa79 Zucchetti Filho destaca que esta é uma fase necessária e com alto grau de prejuízo quando não observada posto que diante da inexistência de um treinamento técnico adequado pode mesmo que inconscientemente questionar o reconhecedor de forma sugestiva Visase reprimir a atuação ativa do policial condutor Outrossim neste momento a vítimatestemunha deve descrever os detalhes de que recorda tais como idade aproximada cor da pele do cabelo estatura eventuais tatuagens ou debilidades observadas Tal providência é fundamental para que a autoridade policial possa aferir a existência de um grau razoável de segurança do ato aduz o autor80 Também para se avaliar o grau de autenticidade de um reconhecimento devese questionar ao reconhecedor acerca das condições de luminosidade no local dos fatos das vestes do autor do delito do tempo de contato se foi próximo ou distante bem como seu estado de ânimo no momento dos fatos e se chegou a ver a imagem da pessoa nos jornais foto ou algum outro ponto de identificação81 Alguns doutrinadores como Tomé Lopes posicionamse no sentido de que se nesta primeira fase do reconhecimento for identificado indivíduo completamente diferente daquele a ser submetido ao reconhecimento não deve seguir para as próximas etapas82 Outrossim o procedimento previsto no inciso II83 do supracitado artigo é o que tem apresentado maior dissídio na história recente como aponta Zucchetti Filho84 No que concerne às semelhanças físicas Lopes Jr sustenta que a autoridade que conduzir o ato deve possibilitar a formação do ato de reconhecimento com sujeitos que possuem características físicas próximas por exemplo estatura cor de cabelo e pele ressaltando a importância das roupas utilizadas para que não exista discrepâncias absurdas entre os indivíduos submetidos ao procedimento tudo para que o nível de indução seja o menor possível85 Ademais em relação ao número de pessoas participantes o Código de Processo Penal brasileiro também é omisso Para a doutrina objetivandose uma maior credibilidade do ato e 77 MALPASS 2015 apud STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de 2015 p 30 78 ZUCCHETTI FILHO Pedro Reconhecimento de Pessoas Ponderações Acerca do Artigo 226 do Código de Processo Penal e do Reconhecimento Fotográfico In GIACOMOLLI Nereu José AZAMBUJA AMARAL Maria Eduarda SILVEIRA Karine Darós orgs Processo Penal Contemporâneo em Debate Porto Alegre Boutique Jurídica 2019 v 4 p 123 79 NUCCI Guilherme de Souza Provas no Processo Penal São Paulo Revista dos Tribunais 2009 p 487 80 ZUCCHETTI FILHO Pedro Reconhecimento de Pessoas Ponderações Acerca do Artigo 226 do Código de Processo Penal e do Reconhecimento Fotográfico p 123 81TOMÉ LOPES Mariângela O Reconhecimento como Meio de Prova Necessidade de Reformulação do Direito Brasileiro 2011 209 f Tese Doutorado em Direito Faculdade de Direito Universidade de São Paulo São Paulo 2011 p 52 82TOMÉ LOPES Mariângela O Reconhecimento como Meio de Prova Necessidade de Reformulação do Direito Brasileiro p 53 83 Artigo 226 do CPP inciso II a pessoa cujo reconhecimento se pretender será colocada se possível ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança convidandose quem tiver de fazer o reconhecimento a apontála 84 ZUCCHETTI FILHO Pedro Reconhecimento de Pessoas Ponderações Acerca do Artigo 226 do Código de Processo Penal e do Reconhecimento Fotográfico p 124 85 LOPES JR Aury Direito Processual Penal 16 ed São Paulo Saraiva Educação 2019 p 490 14 redução da margem de erro indicase que o número de pessoas não seja inferior a cinco sendo o imputado e mais quatro outros indivíduos86 No que tange aos incisos III e IV87 do dispositivo legal em exame o primeiro tem por objetivo impedir que o investigado veja o reconhecedor em circunstâncias que a este possam ser constrangedoras e garantir que a vítimatestemunha não passe qualquer tipo de pressão ou ameaça Por derradeiro o inciso IV versa acerca da confecção do auto de reconhecimento pormenorizado do procedimento A importância desse registro funciona de modo a atestar a veracidade do ato bem como a voluntariedade da indicação fornecida pelo reconhecedor em relação a esse ou aquele suspeito88 Tomé Lopes indica a importância de constar na referida certidão a presença ou não de advogado a quantidade de indivíduos participantes e a indicação de suas semelhanças a localização do suspeito bem como os dados de identificação apresentados pelo reconhecedor antes de iniciado o ato e por fim a resposta do reconhecimento89 Na lição de Lopes Jr as referidas cautelas longe de serem inúteis formalidades formam condições mínimas de credibilidade do instrumento probatório repercutindo na qualidade da tutela jurisdicional assim como na credibilidade do sistema judiciário90 Ainda conforme disciplina o artigo 228 do Código de Processo Penal91 em sendo várias as pessoas a identificar o indivíduo o ato deverá ser realizado separadamente evitando qualquer comunicação entre os reconhecedores Conforme Zucchetti Filho a incomunicabilidade entre as vítimastestemunhas é de extrema importância para evitar que ambas percam a sinceridade dos seus relatos e haja contaminação involuntária visto que suas memórias e percepções do fato e do autor do delito são diversas ainda que tenham compartilhado da mesma experiência92 Como Stein sinaliza cada testemunha possui uma representação mental única do evento93 Feitas essas considerações mostrase importante a análise das técnicas de reconhecimento por alinhamento seja pessoalmente ou por imagens de acordo com as pesquisas da psicologia do testemunho quais sejam o simultâneo e o sequencial94 O reconhecimento simultâneo consiste em apresentar à vítima ou testemunha um conjunto de indivíduos ou fotos alinhadas ao mesmo tempo Nesta técnica as pesquisas mostram que os reconhecedores acabam por fazer comparações entre os integrantes do 86 LOPES JR Aury Direito Processual Penal 16 ed São Paulo Saraiva Educação 2019 p 489 87 Inciso III do art 226 do CPP se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento por efeito de intimidação ou outra influência não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida a autoridade providenciará para que esta não veja aquela 88 ZUCCHETTI FILHO Pedro Reconhecimento de Pessoas Ponderações Acerca do Artigo 226 do Código de Processo Penal e do Reconhecimento Fotográfico In GIACOMOLLI Nereu José AZAMBUJA AMARAL Maria Eduarda SILVEIRA Karine Darós orgs Processo Penal Contemporâneo em Debate Porto Alegre Boutique Jurídica 2019 v 4 p 126 89TOMÉ LOPES Mariângela O Reconhecimento como Meio de Prova Necessidade de Reformulação do Direito Brasileiro 2011 209 f Tese Doutorado em Direito Faculdade de Direito Universidade de São Paulo São Paulo 2011 p 57 90 LOPES JR Aury Direito Processual Penal 16 ed São Paulo Saraiva Educação 2019 p 490 91 Art 228 do CPP se várias forem as pessoas chamadas a efetuar o reconhecimento de pessoa ou de objeto cada uma fará a prova em separado evitandose qualquer comunicação entre elas 92ZUCCHETTI FILHO Pedro Reconhecimento Pessoal Procedimento Penal e Aportes Psicológicos 2020 321 f Dissertação Mestrado em Direito Escola de Direito Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Porto Alegre 2020 p 139140 93 STEIN Lilian Milnitsky Falsas Memórias fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas Porto Alegre Artmed 2010 p 219 94 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses Brasília DF Secretaria de Assuntos Legislativos Ministério da Justiça 2015 Série Pensando Direito No 59 p 28 Disponível em httppensandomjgovbrwpcontentuploads201602PoD59Lilianweb1pdf Acesso em 04 abr 2020 15 alinhamento em oposição a buscar na memória as lembranças das características do autor do delito Ademais existe uma grande possibilidade que nos casos em que o suspeito não se encontra presente ocorra a tendência de a vítima escolher erroneamente o indivíduo que mais se assemelha com o verdadeiro suspeito95 Por outro lado no alinhamento sequencial hipótese em que a vítima analisa cada pessoa ou foto separadamente uma de cada vez ela precisa usar o julgamento incondicional da memória para recordar do criminoso e não a comparação com todos os presentes visto que necessita a cada apresentação tomar a decisão antes de poder visualizar o próximo96 Contudo os pesquisadores ainda apontam que apesar das evidencias de que o alinhamento sequencial resultaria em menor número de falsos reconhecimentos esta técnica deve ser vista com reservas na medida em que há estudos apontando que em casos em que o reconhecedor ainda não escolheu nenhum suspeito no final da apresentação acabam por flexibilizar as evidências da sua memória para escolher algum dos suspeitos97 Outro ponto sensível seria que a vítimatestemunha fica muito mais propensa a sugestões do agente condutor do ato intencionalmente ou não por exemplo através de um ruído ou tosse do policial98 Para Stein e Ávila independente de qual das técnicas utilizadas existem algumas normas básicas a serem observadas dentre elas à condução do reconhecimento às cegas forma pela qual o profissional que conduz o ato além de ser qualificado para tal procedimento não deve ter o conhecimento sobre quem é o suspeito seja na apresentação de fotos ou no reconhecimento pessoal A doutrina aponta que tendo o policial ciência de quem é o suspeito ele pode vir a demonstrar isso quando da apresentação para reconhecimento mesmo que de forma não intencional Tal cuidado é chamado de doubleblindness cegueira dupla nem policial e nem testemunha sabem quem é o suspeito99 Há ainda o reconhecimento conhecido por showup caso em que somente um suspeito é apresentado à vítimatestemunha para que faça o reconhecimento sendo muitas vezes utilizado quando a polícia tem praticamente certeza que a pessoa é culpada quando o suspeito for conhecido da testemunha ou quando o suspeito é preso em flagrante Importa salientar que mesmo nessas condições de forma alguma o suspeito deve ser apresentado em um contexto sugestivo a saber aparecer dentro de uma viatura ou estar algemado ao lado de policiais100 Nas palavras de Lopes Jr não é reconhecimento quando o juiz simplesmente pede para a vítima virar e reconhecer o réu único presente e algemado pois descumpre a forma e é um ato induzido101 O autor refere ao reconhecimento em juízo contudo se aplica à identificação realizada em via pública com o suspeito algemado e sendo o único a ser apresentado às vítimas tal como o caso em estudo De acordo com a pesquisa coordenada Stein a polícia militar ao localizar um suspeito que se enquadre nas características apresentadas pela vítima realiza de forma rotineira na fase 95 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses Brasília DF Secretaria de Assuntos Legislativos Ministério da Justiça 2015 Série Pensando Direito No 59 p 28 Disponível em httppensandomjgovbrwpcontentuploads201602PoD59Lilianweb1pdf Acesso em 04 abr 2020 96 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de 2015 Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses p 28 97 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de 2015 Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses p 28 98 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de 2015 Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses p 28 99 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de 2015 Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses p 29 100 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses p 28 101 LOPES JR Aury Direito Processual Penal 16ed São Paulo Saraiva Educação 2019 p 489 16 préinvestigativa uma identificação prévia a qual devido à sua repercussão pode ser tratada como verdadeiro reconhecimento102 Tal procedimento pode ser subdividido em i reconhecimento na viatura ocorre quando vítimas e testemunhas são colocadas dentro do veículo da viatura e saem pelas ruas a procurado do autor do delito indicando caso os identifiquem caso em que o reconhecimento é feito do interior do veículo ii reconhecimento via celular ou whatsapp essa forma de reconhecimento geralmente acontece de duas formas o suspeito é fotografado pelo policial em seu telefone particular sendo posteriormente mostrada a imagem do indivíduo à vítima ou o agente público compartilha a fotografia nos grupos de whatsApp dos policiais e iii reconhecimento na rua desta maneira o suspeito é apresentado pessoalmente na rua às vítimas e testemunhas Nas três formas expostas mediante reconhecimento positivo a polícia militar encaminha os envolvidos para a Polícia Civil103 De acordo com Stein e Ávila acerca do showup Como vimos em nossa análise da literatura científica esta é a forma de reconhecimento que mais expõe a vítimatestemunha à possível distorção de sua memória para o verdadeiro suspeito A adoção da prática de reconhecimento através de showup pode inclusive ter como potencial consequência a implantação de uma falsa memória na testemunha sobre a identidade do ator do delito104 Ocorre contudo conforme se pretende demonstrar que tais procedimentos utilizados para fins de reconhecimento na fase préinvestigativa podem conduzir a equívocos seja porque realizados sem observância dos requisitos legais seja porque podem sugestionar à identificação de terceiro estranho aos fatos Nas palavras de Altavilla a experiência passada que deixou suas impressões na nossa memória completa continuamente a experiência presente105 Por isso como bem aponta o trabalho coordenado por Stein os especialistas são unânimes em não recomendar a técnica de showup em função da grande margem de erro de reconhecimento106 Cumpre ressaltar que sendo o reconhecimento um meio de prova que possui um procedimento legal para a sua realização deverá este obrigatoriamente ser respeitando sob pena de ser reconhecida sua nulidade107 sendo inclusive assim reconhecida pelo artigo 564 inciso IV da Lei Adjetiva108 E como salienta a nominada autora reconhecida a nulidade com o desentranhamento da prova dos autos e entendendo o ato como meio de prova irrepetível cabe ao Estado buscar a identificação por outros meios109 102 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses Brasília DF Secretaria de Assuntos Legislativos Ministério da Justiça 2015 Série Pensando Direito No 59 p 50 Disponível em httppensandomjgovbrwpcontentuploads201602PoD59Lilianweb1pdf Acesso em 04 abr 2020 103 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses p 50 104 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses p 50 105 ALTAVILLA Enrico Psicologia Judiciária Tradução de Fernando de Miranda 3 ed Coimbra Arménio Amado 1981 v I p 28 106 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses p 28 107TOMÉ LOPES Mariângela O Reconhecimento como Meio de Prova Necessidade de Reformulação do Direito Brasileiro 2011 209 f Tese Doutorado em Direito Faculdade de Direito Universidade de São Paulo São Paulo 2011 p 101 108 Art 564 do CPP A nulidade ocorrerá nos seguintes casos IV por omissão de formalidade que constitua elemento essencial do ato 109TOMÉ LOPES Mariângela O Reconhecimento como Meio de Prova Necessidade de Reformulação do Direito Brasileiro p 103 17 Causa perplexidade contudo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça110 no sentido de que a inobservância das disposições constantes do art 226 do Código de Processo Penal não importam nulidade sob alegação de tratarse de mera recomendação legal Tal entendimento afasta norma legal além de trazer inegável prejuízo ao suspeito pois como se observou no caso objeto de estudo do presente trabalho um falso reconhecimento afeta sobremaneira a vida de qualquer cidadão sobretudo em sua liberdade individual ainda que ao final sobrevenha a sentença absolutória Não por outra razão Lopes Jr chama a atenção para o nível de inobservância por parte dos juízes e delegados da forma prevista em lei e assevera que partindo da premissa de que forma é garantia não há espaço para informalidades judiciais111 Por isso a necessidade de observância das regras legais pois há possibilidade de que uma pessoa detida e submetida ao referido reconhecimento na rua pela técnica de showup apenas por apresentar características semelhantes mesmo sendo totalmente estranha ao evento criminoso seja denunciada e processada por crime de que não participou e em juízo ser formalmente reconhecida mas porque a vítima eou testemunhas foram sugestionadas a isso Como explica Altavilla A sensação ao tornarse percepção é posta em correlação com as recordações latentes de outras sensações análogas que podem fazernos cair no erro de reconhecer no objeto que percepcionamos atributos de objetos percepcionados anteriormente112 Assim por envolver um conjunto de percepções subjetivas e comparação de experiências o reconhecimento de pessoas devido ao considerável risco de falsas memórias deve ser rigorosamente monitorado113 5 MEMÓRIA FORMAÇÃO DAS FALSAS MEMÓRIAS E FALSOS RECONHECIMENTOS Como se pode notar o reconhecimento pessoal mostrase complexo pois dependente de um fator incerto a falibilidade da mente humana A memória recurso indissociável do mencionado meio de prova não raras vezes falha dando azo a falsos reconhecimentos Falhas são preocupantes pois na atualidade o processo penal brasileiro tem utilizado o reconhecimento pessoal assim como o testemunho como os principais meios probatórios sendo milhares os processos julgados unicamente com base nesses meios114 Por isso tornase 110AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ROUBO AOS CORREIOS ALEGAÇÃO DE AFRONTA AO ART 201 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO RECONHECIMENTO ART 226 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL RECOMENDAÇÃO LEGAL INEXISTÊNCIA DE NULIDADE PRECEDENTES INVERSÃO DO JULGADO SÚMULA Nº 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ALEGAÇÃO DE PRISÃO ILEGAL FUNDAMENTO DO ACÓRDÃO RECORRIDO NÃO REFUTADO INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 283 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO 2 Segundo a jurisprudência desta Corte Superior as disposições insculpidas no art 226 do CPP configuram uma recomendação legal e não uma exigência absoluta não se cuidando portanto de nulidade quando praticado o ato processual reconhecimento pessoal de modo diverso AgRg no AREsp 1291275RJ Rel Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA DJe 11102018 AgRg no AREsp 1534916SP Rel Ministra LAURITA VAZ SEXTA TURMA julgado em 06022020 DJe 21022020 Grifei 111 LOPES JR Aury Direito Processual Penal 16 ed São Paulo Saraiva Educação 2019 p 488 112 ALTAVILLA Enrico Psicologia Judiciária 3 ed Coimbra Arménio Amado 1981 v I p 26 113 MACHADO Leonardo Marcondes O reconhecimento de pessoas como fonte de injustiças criminais Revista Consultor Jurídico S l 2019 Disponível em httpswwwconjurcombr2019jul16academiapolicia reconhecimentopessoasfonteinjusticascriminais Acesso em 28 abr 2020 114 DI GESU Cristina Prova penal e falsas memórias 3 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2019 p 103 18 preocupante imaginar que inúmeros processos se formam e conduzem a condenações com base em meio probatório tão propenso a erros pois amparado em recurso sugestionável a memória Ora a memória é a essência do reconhecimento115 Porém antes de ingressarmos na questão das falsas memórias são necessários breves apontamentos para melhor entendêlas seja quanto ao normal funcionamento seja em relação às suas potenciais falhas 51 O FUNCIONAMENTO DA MEMÓRIA Segundo Izquierdo memória traduzse na aquisição formação conservação e evocação de informações essa última também é chamada de recordação lembrança recuperação As memórias provêm de experiências e há tantas memórias quanto experiências possíveis116 Ainda aduz o autor que existe um processo de tradução entre a realidade das experiências e a formação da memória respectiva e outro entre esta e a correspondente evocação Para cada tradução realizada através de processos e códigos utilizados pelos neurônios ocorrem perdas ou mudanças Afinal traduzir não significa simplesmente conduzir a outro código mas também transformar117 As classificações acerca da memória são bem diversificadas podendo ser de acordo com suas funções tempo de duração assim como pelo seu conteúdo118 Como explica a doutrina existe a memória de curto prazo também conhecida como memória funcional ou de trabalho mantida por segundos ou minutos por exemplo lembrar de um número de telefone bem como a memória de longo prazo ou memória consolidada mantida por até décadas119 No que tange ao conteúdo Di Gesu destaca dois grandes grupos de memórias a saber o da memória de procedimentos e o da memória declarativa120 A memória procedural está ligada à habilidade motora ou sensorial andar de bicicleta nadar soletrar etc contudo é a respeito da memória declarativa que interessa ao presente trabalho e para a compreensão do fenômeno da falsa memória porquanto diz respeito a memória dos fatos das pessoas das faces conceitos e ideias121 são chamadas declarativas pois nós os humanos podemos declarar que existem e descrever como as adquirimos122 As memórias declarativas de longa duração levam tempo para serem consolidadas e nas primeiras horas após sua aquisição são suscetíveis a diversas interferências123 Conforme afirma Izquierdo as memórias de longa duração não ficam estabelecidas em sua forma estável ou permanente imediatamente depois de sua aquisição124 De acordo com a neurologia há a possibilidade de modificação da memória entre a sua aquisição e a consolidação devido a influências externas e internas que nos levam a crer na alteração da lembrança da vítima entre o acontecimento do fato e o reconhecimento pessoal125 115 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses Brasília DF Secretaria de Assuntos Legislativos Ministério da Justiça 2015 Série Pensando Direito No 59 p 19 Disponível em httppensandomjgovbrwpcontentuploads201602PoD59Lilianweb1pdf Acesso em 04 abr 2020 116 IZQUIERDO Ivan Memória 3 ed Porto Alegre Artmed 2018 Ebook Disponível emhttpsintegradaminhabibliotecacombrbooks9788582714928cfi620422440100 Acesso em 15 abr 2020 117 IZQUIERDO Ivan Memória 3 ed Porto Alegre Artmed 2018 Ebook 118 DI GESU Cristina Prova penal e falsas memórias 3 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2019 p 106 119 IZQUIERDO Ivan Memória 3 ed Porto Alegre Artmed 2018 Ebook 120 DI GESU Cristina Prova penal e falsas memórias p 107 121 DI GESU Cristina Prova penal e falsas memórias p 107 122 IZQUIERDO Ivan Memória 3 ed Porto Alegre Artmed 2018 Ebook 123 IZQUIERDO Ivan Memória 3 ed Porto Alegre Artmed 2018 Ebook 124 IZQUIERDO Ivan Memória 3 ed Porto Alegre Artmed 2018 Ebook 125 DI GESU Cristina Prova penal e falsas memórias p 108 19 Conforme trabalho coordenado por Stein tanto o reconhecimento quanto o testemunho são testes de recuperação da memória e constituemse em sua essência nas lembranças que a vítimatestemunha conseguiu registrar e resgatar acerca dos fatos ocorridos e o reconhecimento de seus personagens126 No caso do reconhecimento as imprecisões das lembranças podem direcionar a um resultado equivocado de uma investigação ou até mesmo de um julgamento Com sérias consequências para a sociedade como a condenação de uma pessoa inocente127 Nesse contexto importante apontar um levantamento norte americano segundo o qual indica o reconhecimento equivocado por parte de testemunhas é a maior causa de condenações injustas nos EUA128 E o caso objeto do presente estudo é exemplo e corrobora aqui a falibilidade por influências externas da memória Nosso papel é identificar pontos de tensão entre o procedimento legalmente previsto e as circunstâncias que podem conduzir a reconhecimentos infiéis decorrentes de falsas memórias 52 FALSAS MEMÓRIAS E FALSOS RECONHECIMENTOS Inicialmente cabe referir que o conceito de falsas memórias e suas primeiras pesquisas remontam o final do século XIX e o início do século XX Pesquisas específicas sobre o tema foram conduzidas pelo francês Alfred Binet em 1900 e pelo alemão Stern em 1910 Seus estudos versam sobre as características de sugestionabilidade da memória a saber a incorporação e a recordação de informações falsas sejam de origem interna ou externa autossugerida e sugerida as quais o sujeito lembra como sendo verdadeiras Mais tarde em 1932 na Inglaterra Frederic Charles Bartlett descreveu a recordação como sendo um processo reconstrutivo baseado em estruturas mentais e no conhecimento geral prévio do indivíduo salientando o papel da compreensão e a influência da cultura nas lembranças129 o que atualmente está superado pois se atua com a memória a partir de uma representação aproximativa130 Já na década de 70 do século passado Elizabeth Loftus mostrou que uma falsa memória pode derivarse de uma sugestionabilidade externa a uma falsa afirmação Dependendo de como uma informação chegou até o indivíduo é possível que ele acredite como verdadeiro um acontecimento falso131 Tratase de uma inserção de uma informação não verdadeira em meio a uma experiência realmente vivenciada ou não conduzindo ao chamado efeito falsa informação A autora constatou e identificou a questão como ela é compreendida hoje132 Elizabeth Loftus referência mundial no tema falsas memórias salienta o potencial que informações enganosas assim como conversas e interrogatórios sugestivos podem invadir 126 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses Brasília DF Secretaria de Assuntos Legislativos Ministério da Justiça 2015 Série Pensando Direito No 59 p 18 Disponível em httppensandomjgovbrwpcontentuploads201602PoD59Lilianweb1pdf Acesso em 04 abr 2020 127 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses p 18 128 Pesquisa realizada pela renomada organização norteamericana Innocence Project 2015 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses p 18 129 STEIN Lilian Milnitsky Falsas Memórias fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas Porto Alegre Artmed 2010 p 2324 130 DI GESU Cristina Prova penal e falsas memórias 3 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2019 p 128 131TOMÉ LOPES Mariângela O Reconhecimento como Meio de Prova Necessidade de Reformulação do Direito Brasileiro 2011 209 f Tese Doutorado em Direito Faculdade de Direito Universidade de São Paulo São Paulo 2011 p 44 132 DI GESU Cristina Prova penal e falsas memórias p 128 20 nossa mente e alterar nossas recordações Isso pode ocorrer até mesmo quando lemos ou assistimos uma reportagem da mídia sobre algum evento que podemos ter experienciado nós mesmos133 Nesse sentido é preciso diferenciar esse tipo de memória de uma mentira deliberada Como aponta Lopes Jr as falsas memórias são aquelas em que a pessoa acredita realmente no que está descrevendo tendo em vista que a sugestão é externa pode até ser interna mas de forma inconsciente contudo a mentira diferese desta pois a pessoa tem conhecimento do seu espaço de invenção e manipulação O autor destaca que ambas oferecem risco à confiabilidade da prova porém a primeira é mais preocupante e mais difícil de se identificar tendo em vista que tal manipulação é realizada inconscientemente134 Consoante ensina Stein as falsas memórias não devem ser confundidas com mentiras ou fantasias elas são inclusive muito próximas das memórias verdadeiras tanto no que se referem a sua base cognitiva quanto neurofisiológica Elas se distinguem das memórias verdadeiras pelo fato de que as falsas memórias são compostas no todo ou em parte por lembranças de informações ou fatos que não ocorreram na realidade Destaca ainda que as falsas memórias são frutos do funcionamento normal não patológico de nossa memória135 As falsas memórias podem se originar de duas maneiras distintas tanto devido a uma distorção endógena quanto por uma falsa informação oferecida pelo ambiente externo assim classificandoas conforme a origem do processo de falsificação são denominadas espontâneas e sugeridas As primeiras também denominadas de autossugeridas são resultantes de distorções internas ao sujeito consequência do processo normal de compreensão de um evento fruto de processos de distorções mnemônicas endógenas As falsas memórias sugeridas por sua vez dizem respeito àquelas que resultam de uma sugestão externa ao indivíduo seja esta proposital ou não cuja ocorrência está ligada à aceitação de uma falsa informação posterior ao evento ocorrido e à subsequente incorporação na memória original Assim após se presenciar um evento transcorre um certo período no qual uma nova informação é apresentada como fazendo parte do evento original quando na realidade não faz136 Nesse compasso devemos lembrar que no caso em estudo os suspeitos foram apresentados à vítima e às testemunhas para realização de reconhecimento pessoal no local dos fatos momentos após o ocorrido com todo estigma de uma condução policial o que somado ao clamor popular por segurança que se formou no local gerou situação que sugeriria terem sido eles os autores do delito Não se está de modo algum sustentando a ideia de uma acusação levianamente mas sim que as circunstâncias externas ao indivíduo influenciam o ato de reconhecer a ponto de sugeririncutir no ofendido a certeza de quem está reconhecendo E Stein assevera as falsas memórias podem ser tão ricas em detalhes quanto as memórias verdadeiras pois a relação confiançaacurácia da memória é fraca Um reconhecimento correto por exemplo pode ter muita confiança o mesmo pode ocorrer para reconhecimentos errôneos137 Existe uma crença apesar de infundada em estudos científicos que uma pessoa que 133 LOFTUS Elizabeth F Criando falsas memórias Scientific American S l Sep 1997 Disponível em httpwwwoocitiesorgathensacropolis6634falsamemoriahtm Acesso em 27 abr 2020 134 LOPES JR Aury Direito Processual Penal 16 ed São Paulo Saraiva Educação 2019 p 477478 135 STEIN Lilian Milnitsky Falsas Memórias fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas Porto Alegre Artmed 2010 p 22 136 STEIN Lilian Milnitsky Falsas Memórias fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas p 2526 137 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses Brasília DF Secretaria de Assuntos Legislativos Ministério da Justiça 2015 Série Pensando Direito No 59 p 24 Disponível em httppensandomjgovbrwpcontentuploads201602PoD59Lilianweb1pdf Acesso em 04 abr 2020 21 vivenciou eventos emocionais nunca se esquecerá do fato mantendo uma lembrança clara do que ocorreu e dos envolvidos De fato lembranças emocionalmente carregadas produzem memórias emocionais que tendem a ser bastante vívidas mas não necessariamente precisas138 O fato de lembrarmos mais de eventos emocionais não quer dizer que essas lembranças sejam imunes à distorção139 Embora se fale de memórias falsas sugeridas ou espontâneas não se quer afirmar que as demais lembranças sejam totalmente verdadeiras ou autenticas à realidade porquanto o estudo sobre a memória não possibilita tal conclusão como bem aponta Di Gesu140 De outra banda deve ser destacado que a circunstância tempo também é de fundamental relevância para a fidedignidade do reconhecimento pois este permite que informações desvaneçam na memória provocando o esquecimento141 Aliás ao tratar do tempo e demais circunstâncias que influenciam no reconhecimento Machado explica que Ignorar por exemplo as consequências do transcurso temporal do estresse ou do efeito arma no registro armazenamento e recuperação da memória de vítimas e testemunhas implicadas em um evento criminal e ao mesmo tempo insistir em sugestões diretas ou indiretas na ânsia de trazer à tona a realidade do fato ocorrido pode ser justamente o início de mais um erro investigativo a fundar condenações indevidas142 Por isso não se pode em nome de um rápido esclarecimento desconsiderarse os demais procedimentos de observância necessária para um correto reconhecimento pois a emoção também é fator de influência na memória As emoções e o estado de ânimo juntamente com o nível de consciência do indivíduo são os maiores reguladores da aquisição formação e evocação das memórias como explica Di Gesu143 Logo mostrase indispensável na prática jurídica não se ignorar sua estreita relação Por outra lado deve ser destacada a expectativa da vítima ou testemunha Lopes Jr assevera que as pessoas tendem a ver e ouvir aquilo que querem ver e ouvir Para além disso os estereótipos culturais como cor classe social sexo etc têm significativa influência na percepção dos delitos conduzindo às vítimas a um reconhecimento em função desses estereótipos144 geralmente nos crimes patrimoniais com violência como é o exemplo no caso em análise em que a raça e perfil socioeconômico são estruturantes de um estigma O mencionado autor destaca que no imaginário coletivo o que é bonito é bom logo tendese a reconhecer como criminoso a cara mais feia dado que um rosto bonito e atraente possui traços de uma conduta mais socialmente desejável do que uma cara feia145 E no momento em que a testemunha é chamada para depor ou reconhecer ela recupera o que recorda 138 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses Brasília DF Secretaria de Assuntos Legislativos Ministério da Justiça 2015 Série Pensando Direito No 59 p 21 Disponível em httppensandomjgovbrwpcontentuploads201602PoD59Lilianweb1pdf Acesso em 04 abr 2020 139 STEIN Lilian Milnitsky Falsas Memórias fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas Porto Alegre Artmed 2010 p 88 140 DI GESU Cristina Prova penal e falsas memórias 3 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2019 p 132 141TOMÉ LOPES Mariângela O Reconhecimento como Meio de Prova Necessidade de Reformulação do Direito Brasileiro 2011 209 f Tese Doutorado em Direito Faculdade de Direito Universidade de São Paulo São Paulo 2011 p 45 142 MACHADO Leonardo Marcondes O reconhecimento de pessoas como fonte de injustiças criminais Revista Consultor Jurídico S l 2019 Disponível em httpswwwconjurcombr2019jul16academiapolicia reconhecimentopessoasfonteinjusticascriminais Acesso em 28 abr 2020 143 DI GESU Cristina Prova penal e falsas memórias p 141142 144 LOPES JR Aury Direito Processual Penal 16 ed São Paulo Saraiva Educação 2019 p 493 145 LOPES JR Aury Direito Processual Penal p 493494 22 do evento delituoso e junto com isso ela ativa a memória do seu esquema do estereótipo de assaltante influenciando a sua memória para o momento que ela vivenciou146 Por fim deve ser destacado também o efeito compromisso o qual ocorre como explica a doutrina quando inicialmente a vítima identifica de forma incorreta por exemplo quando analisa diversas fotografias e elege erroneamente um indivíduo e a posteriori realiza um reconhecimento pessoal Neste caso em que o agente tende a persistir no erro existe um enorme risco que ele mantenha o compromisso anterior mesmo com incertezas O doutrinador alerta que o maior problema está no efeito indutor disso no qual se estabelece um préjuízo que acaba por contaminar o futuro reconhecimento pessoal147 Com base nesse arcabouço técnico elaborado mostramse perceptíveis as inúmeras falhas ocorridas no caso objeto de estudo do presente trabalho as quais conduziram à prisão cautelar dos suspeitos e ao oferecimento de denúncia Passemos então à sua análise 6 ANÁLISE DO CASO PROBLEMAS DO SISTEMA E MEDIDAS DE REDUÇÃO DE DANOS Com base na breve análise legal e científica realizada podemos reparar que o caso inicialmente trazido a estudo foi permeado por diversas inconstitucionalidadesilegalidades sendo necessários alguns apontamentos acerca dos riscos envolvendo o reconhecimento e as possíveis medidas de redução de danos que possam ser implementadas na prática Relembrese que os acusados foram detidos nas imediações do local dos fatos ambos foram algemados e trazidos em viatura policial diretamente ao local do crime para serem reconhecidos pelas vítimas e testemunhas Notese que desde a abordagem policial dos suspeitos produziuse a prova da autoria sem observância da garantia da jurisdição já que como antes referido o primeiro reconhecimento realizado sugestiona e vicia quando falso todos os demais atos produzidos durante o processo sob o crivo do contraditório Chamase a atenção à necessidade de que se observe o princípio em exame pois a prova então formada será livremente valorada pelo magistrado sob aparente manto de legalidade Se o processo é o ambiente no qual se proporciona a construção da sentença seu principal destinatário não pode ser conduzido equivocadamente à escolha da verdade que se formou pois ela nem sequer existiu Também não se observou minimamente o princípio da presunção de inocência o qual ampara o devido tratamento do acusado como inocente e impondo limites à sua estigmatização De imediato os acusados foram tratados como culpados obrigados a comparecer ao local do crime sendo também ignorado completamente o seu direito de não se autoincriminarem148 ou de não participarem da produção de prova que possa reverter contra si próprio nemo tenetur se detegere Reprisese que a identificação foi realizada em via pública utilizandose a técnica de showup com os suspeitos algemados e sendo os únicos a serem apresentados às vítimas e testemunhas sem qualquer observância dos procedimentos legais previstos Como referido alhures forma é garantia149 não podendo ser deliberadamente ignorada sob pena de afronta ao 146 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses Brasília DF Secretaria de Assuntos Legislativos Ministério da Justiça 2015 Série Pensando Direito No 59 p 29 Disponível em httppensandomjgovbrwpcontentuploads201602PoD59Lilianweb1pdf Acesso em 04 abr 2020 147 LOPES JR Aury Direito Processual Penal 16 ed São Paulo Saraiva Educação 2019 p 494 148 LOPES JR Aury ZUCCHETTI FILHO Pedro O Direito do Acusado de Não Comparecer ao Reconhecimento Pessoal Revista Consultor Jurídico S l 2019 Disponível em httpswwwconjurcombr2019mar 08limitepenaldireitoacusadonaocomparecerreconhecimentopessoal Acesso em 27 abr 2020 149 LOPES JR Aury Direito Processual Penal p 488 23 devido processo legal Não pode ser considerado devido o processo conduzido alheio às normativas aplicáveis em nome de uma pretensa verdade real A verdade deve ser formada no processo com observâncias das regras aplicáveis pois do contrário a ambição pela verdade acaba por legitimar abusos150 como os ocorridos no presente caso Observase no caso em exame que a primeira identificação realizada pelo ofendido no local dos fatos momentos após o delito com todo o estigma de uma condução policial somado ao clamor popular por segurança que se formou no local sugestionaram e induziram o reconhecimento dos acusados Tais influências externas151 contaminaram inconscientemente152 vítima e testemunhas para que afirmassem positivamente ao reconhecimento Ora os reconhecedores ao avistarem a viatura militar retornando ao local com dois sujeitos algemados e ouvirem vozes de populares indicando serem os detidos os autores do crime prontamente acenaram positivamente ao reconhecimento Assim não fosse a emoção como fatores de influência na formação da memória153 não se teria formado o ambiente propício ao reconhecimento contaminado sugestionado pelas circunstâncias externas que o permearam Cumpre salientar que tal forma de reconhecimento além de não observar os requisitos legais previstos não permite a mínima confrontação das características a priori informadas pela vítima com o posterior reconhecimento Além do mais restou completamente ignorado o disposto no artigo 228 do Código de Processo Penal o qual prevê que cada vítimatestemunha realize o reconhecimento em separado da outra conservando a incomunicabilidade entre si para que se mantenha a espontaneidade e a sinceridade das declarações Alertase para a possível ocorrência da aceitação inconsciente da falsa informação externa ao indivíduo mesmo que sem intenção a qual ocorre posterior ao evento ocorrido Não intencional sem dúvida pois o caso em exame envolvia pessoa esclarecida magistrado de carreira que não tinha motivo algum para incriminar inocentes No que tange à questão do estereotipo observase que tanto no momento em que os policiais decidem abordar os acusados como no instante da identificação pelo ofendido no local do crime essa variável estava presente O acusado 1 em seu depoimento relatou que foi questionado pela guarnição acerca das suas vestes como poderiam pertencer a um médico como ele se dizia ser com barba por fazer tênis velho e com gorro preto Vale dizer fora tratado como suspeito pela aparência154 descuidada e por ela também reconhecido A questão se agrava nos crimes como o do presente estudo em que houve o uso de arma Como ressalta a doutrina em casos tais a vítima tem em seu campo de visão um objeto raro causador de temor e medo o qual passa a ser o objeto direto de sua percepção e levando em nome da sobrevivência a preocuparse basicamente com seu movimento A sequência visual das pessoas em cenas traumáticas é diversa da ocorrida em situações normais e não raras vezes o ofendido consegue descrever a cor e alguns detalhes da arma utilizada tendo mínima capacidade perceptiva dos demais detalhes da cena como por exemplo a roupa e o rosto do acusado Esse fenômeno foi estudado pela psicologia e denominado como fator foco da arma155 Nesse contexto tal variável deve ser considerada altamente prejudicial para um reconhecimento 150 OLIVEIRA Eugênio Pacelli de Curso de Processo Penal 19 ed São Paulo Atlas 2015 p 333 151 DI GESU Cristina Prova penal e falsas memórias 3 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2019 p 108 152 STEIN Lilian Milnitsky Falsas Memórias fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas Porto Alegre Artmed 2010 p 219 153 DI GESU Cristina Prova penal e falsas memórias p 141142 154 LOPES JR Aury Direito Processual Penal 16 ed São Paulo Saraiva Educação 2019 p 493 155 LOPES JR Aury ROSA Alexandre Morais da Memória não é Polaroid Precisamos Falar sobre Reconhecimentos Criminais Revista Consultor Jurídico S l 2014Disponível em httpswwwconjurcombr2014nov07limitepenalmemorianaopolaridprecisamosfalar reconhecimentoscriminais Acesso em 27 abr 2020 24 positivo especialmente em crimes como o do caso estudado em que o contato agressorvítima seja mediado pelo uso de arma de fogo156 E como se observou no caso inicialmente trazido a própria vítima relatou em primeiro momento não ter visualizado ou têlo visto superficialmente quando da abordagem amparando seu reconhecimento em associações periféricas Por sorte no presente caso a prova da autoria o reconhecimento restou descredibilizada pelo forte álibi apresentado pelo suspeito 1 testemunhos e registros telefônicos O suspeito 2 desde a apresentação foi reconhecido apenas por parecer com o autor do delito e mesmo assim foi preso em flagrante e preventivamente denunciado e processado Assim fica evidente a fragilidade do nosso sistema penal que direciona todo seu aparato estatal com base em indícios de autoria angariados sem qualquer observância das regras legais quiçá deixando de atender ao mandamento constitucional de uma punição amparada por um devido processo legal e garantindose até a sentença final a presunção de inocência Por isso conforme muito bem relatado por Lopes Jr para além das ilegalidades costumeiramente realizadas no reconhecimento pessoal é importante uma visão prospectiva mirando futuras reformas processuais Nessa senda cabe alguns apontamentos objetivando qualificar a colheita deste meio probante assim como se não eliminando ao menos diminuir injustiças A adoção do ato de reconhecimento deve ocorrer por alinhamento preferencialmente sequencial utilizandose a chamada condução às cegas na qual nem policial condutor do ato e nem vítima ou testemunha sabem quem é o suspeito entre os participantes evitando sugestionamentos Não menos importante devese advertir ao reconhecedor que o suspeito pode ou não pode estar presente Isso reduz a margem de falhas de um reconhecimento realizado a partir de um préentendimento de que o suspeito está presente157 Muitas são as identificações confirmadas devido à crença das pessoas de que o agente público somente realiza um reconhecimento quando já tem um bom suspeito158 É de especial valia também que o reconhecimento seja realizado uma única vez na medida em que não há como reproduzilo nas mesmas condições nem mesmo com os mesmos sujeitos participantes do primeiro ato o único presente nos dois momentos seria o acusado Assim no momento em que a vítima teve contato com o suspeito a imagem guardada em sua memória influirá no segundo reconhecimento viciando o ato Logo é um meio irrepetível de prova159 Nessa linha destacamos o seu caráter de urgência visto a influência que a memória produz no reconhecimento não sendo impossível falar em prova antecipada contudo indispensável sua produção perante as partes e o juiz em respeito ao contraditório160 mirando assim a diminuição da ação do tempo esquecimento161 De outra banda os procedimentos previstos nos arts 226 e 228 do Código de Processo Penal devem ser observados impreterivelmente pois como verificamos não existem 156 LOPES JR Aury Direito Processual Penal 16 ed São Paulo Saraiva Educação 2019 p 493 157 LOPES JR Aury Direito Processual Penal p 497 158 DI GESU Cristina Prova penal e falsas memórias 3 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2019 p 160 159TOMÉ LOPES Mariângela O Reconhecimento como Meio de Prova Necessidade de Reformulação do Direito Brasileiro 2011 209 f Tese Doutorado em Direito Faculdade de Direito Universidade de São Paulo São Paulo 2011 p 32 160TOMÉ LOPES Mariângela O Reconhecimento como Meio de Prova Necessidade de Reformulação do Direito Brasileiro p 3233 161 ÁVILA Gustavo Noronha de Política não criminal e processo penal a intersecção a partir das Falsas Memórias da testemunha e seu possível impacto carcerário Revista Síntese Direito Penal e Processual Penal Porto Alegre v14 n 84 fevmar 2014 p 69 25 reconhecimentos informais As disposições previstas nos mencionados artigos prestamse a filtrar possíveis erros Para Nucci a padronização e a automatização dos reconhecimentos informais por vezes falhos e vulgarizados podem levar ao cárcere inocentes os quais não raras vezes clamam pela negativa de autoria desde o prelúdio da fase policial162 Nesta senda cumpre destacar ainda a importância da descrição prévia ao reconhecimento pela qual se poderá observar as características descritas pela vítima e comparar se são minimamente compatíveis com as do suspeito A técnica do showup não deve ser utilizada dado o alto nível de sugestionabilidade inconsciente já que não observado um número mínimo de participantes do ato não podendo serem confrontadas pessoas com semelhanças Tais exigências precisam ser respeitadas para que o nível de indução seja o menor possível A prova produzida em desconformidade com o procedimento previsto não pode ser valorada no processo cabendo à acusação buscar a identificação da autoria por outros meios de prova que não o reconhecimento reputado viciado De outro lado a legislação deve ser atualizada e o reconhecimento produzido ao arrepio da lei precisa receber o mesmo tratamento normativo previsto para as provas ilegais artigo 157 do Código de Processo Penal163 Por fim embora exista liberdade probatória e mesmo sendo livre o convencimento do magistrado há que angariar outros elementos de provas acerca da autoria não podendo a condenação ser pautada exclusivamente no reconhecimento pessoal para que não haja supervalorização da prova como observa Machado164 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo das técnicas de reconhecimento pessoal empregadas no Brasil e o complexo funcionamento da memória e da possibilidade de falsas lembranças alertanos para a fragilidade do reconhecimento pessoal como meio de prova Nessa linha com base na breve análise legal e científica realizada nos tópicos anteriores podemos reparar que o caso inicialmente trazido a estudo foi permeado por diversas inconstitucionalidadesilegalidades Princípios e garantias fundamentais como o devido processo legal a garantia da jurisdição a violação de produção de provas contra a vontade do suspeito e a sua presunção de inocência não foram minimamente observados resultando em sua prisão cautelar submissão a processo penal e gerando a sua estigmatização Verificouse através do study case que o reconhecimento pessoal foi sugestionado tendo resultado em indução de reconhecimento Oportuno destacar também como ocorreu no caso abordado que a apresentação de um único indivíduo técnica de showup sem a observância das diretrizes normativas estabelecidas como por exemplo a descrição do criminoso antes de a vítimatestemunha ser submetida ao procedimento de reconhecimento somados a um ambiente influenciável como é o caso do local do crime e estando o suspeito algemado ao lado de policiais gera a sugestão que seria o conduzido o autor do delito Ademais uma identificação realizada logo após um evento criminoso com toda a carga emocional inerente a situação vivida e suscetível a toda influência externa provocada por 162 NUCCI Guilherme de Souza Provas no Processo Penal São Paulo Editora Revista dos Tribunais 2009 p 117 163 Art 157 do CPP São inadmissíveis devendo ser desentranhadas do processo as provas ilícitas assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais 164 MACHADO Leonardo Marcondes O reconhecimento de pessoas como fonte de injustiças criminais Revista Consultor Jurídico S l 2019 Disponível em httpswwwconjurcombr2019jul16academiapolicia reconhecimentopessoasfonteinjusticascriminais Acesso em 28 abr 2020 26 populares e testemunhas insatisfeitos com a violência são fatores a proporcionar um ambiente fértil para o surgimento de falsas memorias tanto sugeridas como espontâneas Lembrandose que as falsas memórias não se tratam de mentiras ou de uma acusação leviana mas sim um funcionamento normal da memória da aceitação inconsciente da falsa informação externa as quais podem ser tão ricas em detalhes e expressadas com tanta confiança como a de uma memória verdadeira Assim verificouse a fragilidade do nosso sistema penal em especial no cumprimento do ato de reconhecimento pessoal importante meio probatório contudo extremamente vulnerável terreno propício para as falsas memórias produzindo reconhecimentos errôneos Nesse sentido parece de fundamental importância que o reconhecimento seja realizado com seriedade e em estrita observância dos requisitos legais adotandose medidas capazes de reduzir a ocorrência de reconhecimentos incorretos Com efeito o procedimento precisa ser executado em local apropriado diverso daquele onde os fatos ocorreram Dever também ser implementada e valorizada a prévia descrição do imputado pela testemunhavítima Para o ato imprescindível a utilização da técnica por alinhamento sequencial ou simultâneo com participantes de características parecidas a do suspeito e em número de pessoas não inferior a cinco Ainda necessária seja realizada a condução do ato às cegas e advertindose o reconhecedor que o suspeito pode ou não estar presente Por fim o ato precisa ser realizado com uma testemunhavítima de cada vez com a presença da acusação e defesa Cabe referir outrossim que o valor dado para este meio de prova deve ser repensado visto que o resultado desta identificação independente do momento do processo que é realizada tem implicações diretas na condução da persecução penal no deslinde do processo criminal e na vida do imputado Sob tais perspectivas vislumbrase a necessidade de que ao reconhecimento pessoal seja dispensado rigoroso tratamento à luz das diretrizes normativas bem como seja estudado em consonância com a ciência da memória e das falsas memórias pois quando mal conduzido resulta não em mera irregularidade mas sim em verdadeira injustiça A observância dos requisitos estabelecidos forma condições mínimas de credibilidade deste meio de prova REFERÊNCIAS ALTAVILLA Enrico Psicologia Judiciária Tradução de Fernando de Miranda 3 ed Coimbra Arménio Amado 1981 v I ÁVILA Gustavo Noronha de Política não criminal e processo penal a intersecção a partir das Falsas Memórias da testemunha e seu possível impacto carcerário Revista Síntese Direito Penal e Processual Penal Porto Alegre v14 n 84 fevmar 2014 BADARÓ Gustavo Henrique Righi Ivahy Ônus da prova no Processo Penal São Paulo Revista dos Tribunais 2003 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03constituicaoconstituicaohtm Acesso em 15 abr 2020 BRASIL Decretolei nº 2848 de 07 de dezembro de 1940 Código Penal Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03decretoleidel2848htm Acesso em 18 mar 2020 BRASIL Decretolei nº 3689 de 03 de outubro de 1941 Código de Processo Penal Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03decretoleidel3689htm Acesso em 18 mar 2020 27 DI GESU Cristina Prova penal e falsas memórias 3 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2019 ESPINOLA FILHO Eduardo Código de Processo Penal Brasileiro Anotado 6 ed Rio de Janeiro Editor Borsoi 1965 FEITOZA Denilson Direito Processual Penal 7 ed Niterói RJ Impetus 2010 FERRAJOLI Luigi Direito e Razão Teoria do Garantismo Penal Traduzido por Ana Paula Zomer Fauzi Hassan Choukr Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes São Paulo Revista dos Tribunais 2002 IZQUIERDO Ivan Memória 3 ed Porto Alegre Artmed 2018 Ebook Disponível emhttpsintegradaminhabibliotecacombrbooks9788582714928cfi6204224401 00 Acesso em 15 abr 2020 KHALED JR Salah H DIVAN Gabriel Antinolfi A captura psiquica do juiz e o sentido da atividade probatória no Processo Penal contemporâneo Revista Brasileira de Ciências Criminais São Paulo v 156 ano 27 p 395423 Ed RT junho 2019 LIMA Renato Brasileiro de Manual de Processo Penal volume único 5 ed Salvador Ed JusPodivm 2017 LOFTUS Elizabeth F Criando falsas memórias Scientific American S l Sep 1997 Disponível em httpwwwoocitiesorgathensacropolis6634falsamemoriahtm Acesso em 27 abr 2020 LOPES JR Aury Direito Processual Penal 16 ed São Paulo Saraiva Educação 2019 LOPES JR Aury FELIX Yuri Editorial Revista Brasileira de Ciências Criminais São Paulo v 156 ano 27 p 1921 Ed RT junho 2019 LOPES JR Aury GLOECKNER Ricardo Jacobsen Investigação preliminar no processo penal 6 ed São Paulo Saraiva 2014 LOPES JR Aury KESSLER DE OLIVEIRA Daniel La mano de Dios e a admissibilidade da prova no processo penal Revista Consultor Jurídico S l 2020 Disponível em httpswwwconjurcombr2020jun05limitepenallamanodiosadmissibilidadeprova processopenal Acesso em 17 jun 2020 LOPES JR Aury ROSA Alexandre Morais da Memória não é Polaroid Precisamos Falar sobre Reconhecimentos Criminais Revista Consultor Jurídico S l 2014 Disponível em httpswwwconjurcombr2014nov07limitepenalmemorianaopolaridprecisamosfalar reconhecimentoscriminais Acesso em 27 abr 2020 LOPES JR Aury ZUCCHETTI FILHO Pedro O Direito do Acusado de Não Comparecer ao Reconhecimento Pessoal Revista Consultor Jurídico S l 2019 Disponível em httpswwwconjurcombr2019mar08limitepenaldireitoacusadonaocomparecer reconhecimentopessoal Acesso em 27 abr 2020 28 MACHADO Leonardo Marcondes O reconhecimento de pessoas como fonte de injustiças criminais Revista Consultor Jurídico S l 2019 Disponível em httpswwwconjurcombr2019jul16academiapoliciareconhecimentopessoasfonte injusticascriminais Acesso em 28 abr 2020 MENDES Manuel José ALMEIDA GARRETT Francisco de Da Prova por Reconhecimento em Processo Penal Identificação de Suspeitos e Reconhecimentos Fotográficos Porto Fronteira do Caos 2007 NUCCI Guilherme de Souza Provas no Processo Penal São Paulo Revista dos Tribunais 2009 OLIVEIRA Eugênio Pacelli de Curso de Processo Penal 19 ed São Paulo Atlas 2015 QUEIJO Maria Elizabeth O Direito de Não Produzir Prova Contra si Mesmo o princípio nemo tenetur se detegere e suas decorrências no processo penal 2 ed São Paulo Saraiva 2012 RANGEL Paulo Direito Processual Penal 14 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 RIO GRANDE DO SUL Tribunal de Justiça Sexta Câmara Criminal Apelação Crime Nº 70054904396 Relator Ícaro Carvalho de Bem Osório Julgado em 30012014 Disponível em httpswwwtjrsjusbrsitebuscasolrindexhtmlabajurisprudencia Acesso em 20 mar 2020 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses Brasília DF Secretaria de Assuntos Legislativos Ministério da Justiça 2015 Série Pensando Direito No 59 Disponível em httppensandomjgovbrwp contentuploads201602PoD59Lilianweb1pdf Acesso em 04 abr 2020 STEIN Lilian Milnitsky Falsas Memórias fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas Porto Alegre Artmed 2010 TOURINHO FILHO Fernando da Costa Processo Penal 25 ed São Paulo Saraiva 2013 v 3 TOMÉ LOPES Mariângela O Reconhecimento como Meio de Prova Necessidade de Reformulação do Direito Brasileiro 2011 209 f Tese Doutorado em Direito Faculdade de Direito Universidade de São Paulo São Paulo 2011 ZUCCHETTI FILHO Pedro Reconhecimento Pessoal Procedimento Penal e Aportes Psicológicos 2020 321 f Dissertação Mestrado em Direito Escola de Direito Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Porto Alegre 2020 ZUCCHETTI FILHO Pedro Reconhecimento de Pessoas Ponderações Acerca do Artigo 226 do Código de Processo Penal e do Reconhecimento Fotográfico In GIACOMOLLI Nereu José AZAMBUJA AMARAL Maria Eduarda SILVEIRA Karine Darós orgs Processo Penal Contemporâneo em Debate Porto Alegre Boutique Jurídica 2019 v 4
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Texto de pré-visualização
1 RECONHECIMENTO PESSOAL E SUA INSUFICIÊNCIA COMO MEIO DE PROVA FALSOS RECONHECIMENTOS RISCOS E FALHAS DO PROCEDIMENTO Luana Janaína Hübner Aury Lopes Jr RESUMO O presente trabalho objetiva estudar as técnicas de reconhecimento de pessoas assim como a existência de falhas no procedimento e riscos de falsos reconhecimentos Para tanto à luz de um caso prático de falso reconhecimento brasileiro e após a análise introdutória acerca da prova no processo penal princípios aplicáveis e regramento existente pretendese analisar as incompatibilidades entre a norma e a solução do caso Sob o entendimento de que a memória é falha e está suscetível a diversas interferências tanto externas como internas almejase verificar a insuficiência do reconhecimento pessoal como meio de prova apto à condenação Buscase ainda apontar soluções e medidas trazidas no âmbito doutrinário capazes de minimizar os danos decorrentes de falsas identificações Palavraschave Processo penal Provas Reconhecimento pessoal Falsas memórias Falso reconhecimento 1 INTRODUÇÃO Inúmeros são os casos de pessoas inocentes que através de um reconhecimento pessoal falho foram identificadas como criminosas sendo investigadas presas acusadas e inclusive condenadas gerando incalculáveis danos aos imputados e afetando a credibilidade desse meio de prova Nesse sentido considerando a gravidade e a relevância do tema o presente trabalho pretende analisar o reconhecimento e sua insuficiência como meio de prova mais especificamente ante os falsos reconhecimentos no âmbito do processo penal os quais por vezes apresentamse como único lastro probatório acerca da autoria Nessa linha inicialmente farseá a análise de um caso prático delito de roubo à época majorado pelo concurso de pessoas e emprego de arma de fogo ocorrido na Capital do Estado do Rio Grande do Sul1 a fim de clarificar a fragilidade da prova produzida em termos de conteúdo probante confiável Em seguida o estudo apontará algumas considerações necessárias acerca da principiologia da prova visto que mandamento indispensável à orientação legal e que deve direcionar qualquer atividade do Estado Ademais serão abordados assuntos atinentes ao conceito e finalidade da prova para então adentrar propriamente no objeto da presente pesquisa o reconhecimento enquanto meio de prova e os reflexos das alterações psíquicas como fator de grande influência em falsas identificações Nesse contexto serão analisadas a previsão legal e a posição doutrinária do método de reconhecimento de pessoas suas formas e procedimentos Com isso conforme se pretende mostrar observaremos quais procedimentos são utilizados para fins de reconhecimento na fase Graduanda do Curso de Ciências Jurídicas e Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS Email luanahubneredupucrsbr Orientador Doutor em Direito Professor da Escola de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS Email auryjuniorpucrsbr 1 O processo foi distribuído sob o número 00121100901360 tendo tramitado perante a 11ª Vara do Foro Central 2 inquisitorial da persecução penal e quais seus requisitos legais bem como pontos de tensão entre o procedimento legalmente previsto e as circunstâncias que podem conduzir a reconhecimentos infiéis decorrentes de falsas memórias Ainda buscarseá tecer breves considerações sobre o funcionamento da memória recurso indissociável do reconhecimento pessoal como meio de prova que não raras vezes falha Ao final serão elencadas as falhas verificadas no caso prático em análise à luz do estudo científico apresentado bem como as medidas que podem ser adotadas e implementadas na prática como forma de reduzir os danos Os métodos de pesquisa empregados são o dedutivo e o dialético na medida em que será realizada uma análise do procedimento de reconhecimento utilizado em um caso prático e sua consequência jurídica confrontandose os atos realizados com os preceitos legais e o entendimento doutrinário e jurisprudencial 2 APRESENTAÇÃO DO CASO ROUBO CIRCUNSTÂNCIADO No dia 28 de agosto de 2011 por volta das 20h50min em Porto Alegre a vítima na companhia de uma mulher que iremos denominála de testemunha 1 deslocouse até a residência da testemunha 3 Ao chegarem nas proximidades após estacionarem o veículo a vítima foi abordada por dois indivíduos armados os quais anunciaram o assalto e ordenaram que lhes entregassem o automóvel dinheiro e documentos Ocorre que durante a abordagem um dos assaltantes percebeu que a vítima estava armada tendo então o outro assaltante engatilhado arma que portava e apontado à cabeça da vítima que ao ver a reação do assaltante lhe disse Eu sou Juiz de Direito vocês estão com a minha carteira Se acalmem que está tudo tranquilo Nesse ínterim a testemunha 2 abriu a porta da residência e deparouse com o assalto em andamento Nessa oportunidade um dos assaltantes determinou que a testemunha 2 retornasse para dentro da residência tendo ela obedecido a ordem A testemunha 3 proprietário do imóvel deslocouse até o segundo andar da moradia onde efetuou dois disparos de arma de fogo para o alto esbravejando Para se não eu atiro Diante disso um dos assaltantes moreno mais alto nas palavras da testemunha 3 fugiu assim como o segundo indivíduo deslocouse para trás do veículo da vítima e um terceiro sujeito possivelmente fazia a segurança do assalto segundo relato da testemunha 3 revidou com outro disparo em direção à casa Em seguida os assaltantes empreenderam fuga a pé na posse da arma de fogo da vítima da chave do automóvel bem como de uma quantia em dinheiro Na sequência com a chegada da brigada militar a vítima relatoulhes as vestimentas utilizadas pelo indivíduo que portava a arma de fogo aduzindo no entanto que o criminoso não permitia que olhassem para o seu rosto Formouse uma aglomeração de populares revoltados com a violência urbana Pouco tempo depois os policiais militares retornaram ao local dos fatos com um suspeito denominado de suspeito 1 que resistia à ação policial aduzindo ser médico em seguida voltaram com outro indivíduo denominado suspeito 2 No local do delito a vizinhança vozeava serem aqueles os criminosos Ambos os suspeitos foram submetidos ao reconhecimento pessoal das vítimas e testemunhas em via pública tendo sido reconhecidos como os autores do crime A vítima identificou o suspeito 1 como o indivíduo que mirou a arma de fogo em sua cabeça baseandose em suas vestes jaqueta moletom calça jeans e em especial pela cor do tênis branco com uma lingueta colorida cor de rosa possivelmente Relatou que olhou superficialmente para o rosto contudo lembrou do cabelo e da barba no momento da identificação No que tange ao suspeito 2 a vítima afirmou ser parecido com o segundo 3 meliante o que permanecia próximo da testemunha 1 no entanto não poderia dar certeza certeza só Deus Além disso a testemunha 2 que abriu a porta da residência no momento do assalto asseverou que reconheceu no local dos fatos o suspeito 1 devido ao estilo do cabelo suas entradas Todavia em juízo não teve certeza do reconhecimento Durante a fase policial e judicial foi realizada a oitiva de diversas testemunhas tais como os policiais militares que realizaram a condução dos suspeitos na data dos fatos e moradores das proximidades do local Importa referir que nessas inquirições foram relatadas algumas observações acerca do caso qual seja uma das testemunhas tentou impedir a condução do suspeito 1 à apresentação no local do crime tendo ouvido dos policiais ele vai passar por um reconhecimento Se não for ele vai ser liberado outra visualizou os criminosos em fuga carregando algo na cintura posteriormente no local do crime visualizou no interior da viatura da polícia os suspeitos contudo relatou não se tratar dos indivíduos que visualizou em fuga outrora O suspeito 1 ao ser ouvido narrou ser médico aspirante a Oficial do Exército e atuar no interior do estado Sobre a data dos fatos disse que se encontrava de folga na Capital que teria solicitado alguns dias de dispensa para cuidar da sua mãe que estaria com câncer Narrou ter residido praticamente a vida toda na região em que foi abordado e que na data saiu para encontrar alguns amigos há poucos metros da sua residência materna Calçava um par de tênis velho vestia trajes quaisquer o gorro que usava no Batalhão e sua barba estava por fazer No trajeto até a casa de seu amigo disse ter sido abordado e revistado pela polícia militar algemado e conduzido compulsoriamente ao local do crime para reconhecimento pessoal das vítimas e testemunhas Aduziu ainda ter sofrido agressões pela vítima populares e pelos policiais e na sequência preso em flagrante Já o suspeito 2 durante sua oitiva narrou que na data trabalhava como cuidador de carros na região dos fatos e que aceitou comparecer ao local do delito para participar de um reconhecimento pessoal Ao ser questionado em juízo declarou acreditar ter sido identificado como o assaltante devido às roupas que vestia naquela noite de cor preta O Delegado de Polícia responsável pelo caso ao concluir o inquérito o descreveu como uma lamentável série de equívocos deixando de indiciar os suspeitos e remetendo os autos do inquérito policial ao Poder Judiciário No que tange ao andamento processual do caso de frisar que quando da homologação do Auto de Prisão em Flagrante dos investigados foi decretada a prisão preventiva do suspeito 2 e concedida a liberdade provisória do suspeito 1 O Ministério Público Estadual denunciou os suspeitos 1 e 2 pela prática do crime de roubo duplamente majorado com incurso do artigo 157 2º incisos I e II do Código Penal2 Em sede de Habeas Corpus foi concedida a liberdade provisória ao acusado 2 Em memoriais o Ministério Público postulou a absolvição dos acusados e o assistente de acusação pugnou a condenação dos processados nos exatos termos da denúncia A defesa do suspeito 1 requereu preliminarmente a nulidade absoluta do feito em razão do reconhecimento realizado em via pública afrontando os artigos 6º inciso VI 226 e seguintes e 564 inciso IV todos do Código de Processo Penal3 sendo o pedido indeferido Após a dilação probatória com a comprovação de registros telefônicos do suspeito 1 a demonstrar seu álibi foi prolatada sentença na qual o Juízo em suas razões de decidir aduziu que a prova colacionada nos autos seria insuficiente para a condenação e que a fragilidade do depoimento da vítima compromete o restante da prova da acusação a ponto de o próprio 2 BRASIL Decretolei nº 2848 de 07 de dezembro de 1940 Código Penal Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03decretoleidel2848htm Acesso em 18 mar 2020 3 BRASIL Decretolei nº 3689 de 03 de outubro de 1941 Código de Processo Penal Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03decretoleidel3689htm Acesso em 18 mar 2020 4 Ministério Público titular da ação penal sustentar a absolvição dos acusados Ressaltou que era noite no data dos fatos e estava escuro no local assim como havia várias pessoas populares que teriam dito é esse apontando os réus como autores do fato o que teria contribuído para que a vítima no calor do evento um clima de muita dificuldade como referiu tenha feito o reconhecimento dos acusados Nessa linha foi julgada improcedente a pretensão acusatória do estado tendo o Juízo absolvido o suspeito 1 com fundamento no artigo 386 IV do Código de Processo Penal e o suspeito 2 nos termos do artigo 386 VII do mesmo diploma legal Em fase de recurso o TJRS confirmou a sentença absolutória proferida em seus exatos termos e por seus próprios fundamentos4 Casos como o aqui relatado infelizmente são cotidianos E como alertam Stein e Ávila em muitos desses eventos os conhecimentos trazidos pelas vítimas e testemunhas do crime podem ser primordiais e não raras vezes as únicas evidências para o deslinde desses delitos Sendo assim conhecer os fatores que podem incrementar a qualidade de um reconhecimento correto é uma questão essencial no processo de criminalização5 Com o objetivo de identificar possíveis falhas que resultaram nos sucessivos erros narrados no caso sob análise é que se busca apontar cientificamente o caminho a ser trilhado pelo Estado durante a persecução penal se não evitando danos semelhantes aos aqui identificados minimizandoos Para tanto fazse necessária a introdução do tema objeto de estudo reconhecimento pessoal e os demais temas que na sua esfera gravitam 3 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA PROVA NO PROCESSO PENAL Inicialmente importa destacar em apertada síntese antes de tratarse propriamente acerca do reconhecimento pessoal no que consiste e qual a finalidade da prova no processo penal 31 CONCEITO E FINALIDADE DA PROVA O processo penal é um instrumento de reconstrução de um determinado fato histórico como tal está destinado a proporcionar o conhecimento do julgador por meio das provas através das quais se fará essa reconstrução do fato passado como explica Lopes Jr Para o autor as dificuldades nessa atividade são significativas em especial no que tange ao paradoxo 4 APELAÇÃO CRIMINAL CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO ROUBO DUPLAMENTE MAJORADO SENTENÇA ABSOLUTÓRIA RECURSO DO ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO PROVA INSUFICIENTE PARA A CONDENAÇÃO DECISÃO RECORRIDA MANTIDA A prova capaz de embasar o peso de uma condenação criminal deve ser sólida e congruente apontando sem qualquer margem para dúvida a pessoa denunciada como autor do fato criminoso Caso em que o depoimento judicial da vítima mostrouse titubeante ao passo que o aponte feito pela testemunha presencial demonstrou a possibilidade de indução dada a forma como apresentados os detidos ao reconhecimento Outrossim os réus um deles oficialmédico do Exército negaram a autoria do fato e este último comprovou sólido álibi com registros telefônicos juntados aos autos e confirmados por duas testemunhas Circunstâncias fáticas que geram inúmeras incertezas ao que se soma ainda a ausência de apreensão de qualquer objeto do crime em poder dos flagrados Prova escorregadia Absolvição que se mantém inclusive acolhendo o parecer ministerial PRELIMINARES REJEITADAS APELO DESPROVIDO UNÂNIMERIO GRANDE DO SUL Tribunal de Justiça Sexta Câmara Criminal Apelação Crime Nº 70054904396 Relator Ícaro Carvalho de Bem Osório Julgado em 30012014 Disponível em httpswwwtjrsjusbrsitebuscasolrindexhtmlabajurisprudencia Acesso em 20 mar 2020 5 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses Brasília DF Secretaria de Assuntos Legislativos Ministério da Justiça 2015 Série Pensando Direito No 59 p18 Disponível em httppensandomjgovbrwpcontentuploads201602PoD59Lilianweb1pdf Acesso em 04 abr 2020 5 temporal inerente ao ritual judiciário um magistrado julgando no presente hoje um indivíduo e seu fato ocorrido num passado distante anteontem com suporte na prova colhida num passado próximo ontem e projetando efeitos pena para o futuro amanhã6 O conceito de prova é por demais diverso no direito processual face à sua múltipla utilização7 A prova tem a mesma origem etimológica de probo do latim probatio e probus Como ensina a doutrina dela deriva o verbo provar que tem sentido de verificar examinar reconhecer por experiência estando ligada com o imenso mundo do intelecto na busca e comunicação do conhecimento verdadeiro8 Tourinho Filho esclarece que por vezes emprega se a palavra prova com o sentido de ação de provar quando na verdade provar significa fazer conhecer a outros uma verdade conhecida por nós Nós a conhecemos os outros não9 O objeto da prova é a coisa o fato sobre o qual versa o caso penal Por sua vez os meios de prova são todos aqueles que o magistrado utiliza para conhecer dos fatos tudo o que ele usa para atingir um fim justo no processo estejam eles previstos em lei ou não10 No que tange aos elementos de prova são produzidos judicialmente e referemse às informações introduzidas no processo que podem ser levadas em conta para a fundamentação de uma sentença11 Por fim a fonte da prova corresponde aos sujeitos ou objetos que conduzem a formação dos elementos de prova12 Segundo Rangel é a pessoa por exemplo a testemunhareconhecedor o perito ou a coisa qualquer coisa que tenha vestígios do crime uma carta ou documento por exemplo de quem ou de onde promana a prova13 Vale dizer desde logo no tocante ao reconhecimento como bem relatado por Tomé Lopes esse se refere a um meio de prova pois é capaz de formar elemento de prova uma vez que produzido sob o crivo do contraditório14 No que concerne à finalidade da prova para Nucci traduzse na produção do convencimento do juiz referente à verdade processual seja conforme a realidade ou não em suma é a verdade possível de ser alcançada15 Já Lopes Jr esclarece que o processo penal tem uma finalidade retrospectiva em que através das provas intencionase obter condições para a atividade recognitiva do juiz sobre um fato passado ressaltando que o conhecimento decorrente desse fato irá legitimar a sentença a ser proferida16 Cabe destacar ademais que toda e qualquer atividade probatória no âmbito do processo penal deve ser orientada por princípios indissociáveis de um processo constitucionalmente adequado sendo relevante uma análise principiológica 32 PRINCÍPIOS E GARANTIAS APLICÁVEIS À ATIVIDADE PROBATÓRIA 6 LOPES JR Aury FELIX Yuri Editorial Revista Brasileira de Ciências Criminais São Paulo v 156 ano 27 p 1921 Ed RT junho 2019 p 19 7 RANGEL Paulo Direito Processual Penal 14 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 405 8 LIMA Renato Brasileiro de Manual de Processo Penal volume único 5 ed Salvador Ed JusPodivm 2017 p 583 9 TOURINHO FILHO Fernando da Costa Processo Penal 25 ed São Paulo Saraiva 2013 v 3 p 215 10 RANGEL Paulo Direito Processual Penal 14 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 405406 11TOMÉ LOPES Mariângela O Reconhecimento como Meio de Prova Necessidade de Reformulação do Direito Brasileiro 2011 209 f Tese Doutorado em Direito Faculdade de Direito Universidade de São Paulo São Paulo 2011 p 4 12TOMÉ LOPES Mariângela O Reconhecimento como Meio de Prova Necessidade de Reformulação do Direito Brasileiro p4 13 RANGEL Paulo Direito Processual Penal 14 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 409 14TOMÉ LOPES Mariângela O Reconhecimento como Meio de Prova Necessidade de Reformulação do Direito Brasileiro p6 15 NUCCI Guilherme de Souza Provas no Processo Penal São Paulo Editora Revista dos Tribunais 2009 p 16 16 LOPES JR Aury Direito Processual Penal 16 ed São Paulo Saraiva Educação 2019 p 344 6 Em que pese a amplitude do tema parece essencial uma breve introdução acerca dos princípios e garantias que devem ser observados no âmbito da persecução penal mormente na atividade probatória para ao final uma análise da conformação do caso em exame à luz das diretrizes fundamentais da atividade do Estado ao buscar a punição de eventual transgressor Por certo não há consenso na doutrina acerca do rol de princípios aplicáveis no âmbito do Processo Penal porém alguns deles não deixam dúvida quanto à necessidade de sua observância Inicialmente deve ser destacada a Garantia da Jurisdição a qual se expressa no axioma nulla poena nulla culpa sine iudicio não há imposição de pena sem processo17 Feitoza salienta que a jurisdição sempre foi e continua a ser o instituto essencial e decisivo do direito processual na qual gravitam em seu torno os demais institutos processuais18 Nesse contexto levandose em consideração a necessidade de submissão à chancela jurisdicional a certeza quanto à autoria delitiva é fundamental compreender consoante ensina Lopes Jr a distinção entre atos de investigação e atos de prova Os primeiros realizados na investigação preliminar servem para a formação da opinio delicti do acusador para formar um juízo de probabilidade e não a certeza do juiz para o julgamento não se referem a uma afirmação mas a uma hipótese Ao contrário os atos de prova também conhecidos como meios de prova podem ser considerados pelo juiz ao proferir sua decisão e formam elementos de prova19 Não menos importante é a garantia do devido processo legal prevista na Lei Magna brasileira artigo 5º inciso LIV20 segundo a qual ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal Tal garantia irradiase para todos os demais princípios processuais pois o cumprimento dela depende da efetiva realização de todos os outros21 De fundamental importância é a sua observância no processo penal não apenas por seu status constitucional garantia fundamental do indivíduo mas sim porque a realização de um processo indevido nessa seara importa a restrição de direito tão caro a qualquer um a liberdade de locomoção a qual pode ocorrer ainda no curso da persecução de forma cautelar mesmo em um sistema que adota a inocência como presunção Notese que com a Constituição Federal de 1988 o Princípio da Presunção de Inocência passou a constar no artigo 5º inciso LVII e prevê que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória Para Lopes Jr a essência da presunção de inocência pode ser resumida como dever de tratamento e regra de julgamento22 Esse dever de tratamento deve atuar tanto na dimensão interna do processo efetivo tratamento do réu como inocente não abusando das medidas cautelares bem como conferindo a carga probatória integralmente ao órgão acusador como na dimensão externa impondo limites à estigmatização do acusado e à publicidade abusiva No tocante à regra de julgamento o presente princípio impõe que a absolvição seja o critério obvio diante da dúvida judicial23 através do in dubio pro reo24 17 DI GESU Cristina Prova penal e falsas memórias 3 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2019 p 59 18 FEITOZA Denilson Direito Processual Penal 7 ed Niterói RJ Impetus 2010 p134 19TOMÉ LOPES Mariângela O Reconhecimento como Meio de Prova Necessidade de Reformulação do Direito Brasileiro 2011 209 f Tese Doutorado em Direito Faculdade de Direito Universidade de São Paulo São Paulo 2011 p 13 20BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03constituicaoconstituicaohtm Acesso em 15 abr 2020 21 FEITOZA Denilson Direito Processual Penal 7 ed Niterói RJ Impetus 2010 p 144 22 LOPES JR Aury Direito Processual Penal 16 ed São Paulo Saraiva Educação 2019 p 354 23 LOPES JR Aury Direito Processual Penal p 354355 24 In dubio pro reo no processo penal não há distribuição de cargas probatórias o que existe é a atribuição ao acusador em provar que alguém cometeu um crime proibindo o juiz de condenar um indivíduo cuja 7 Como explica Brasileiro de Lima é o direito de não ser tido como culpado a menos que findo o devido processo legal pelo qual o acusado tenha usufruído de todos os meios de prova pertinentes à sua defesa e refutado as provas apresentadas pela acusação25 Em sua obra o autor destaca as diversas normativas internacionais nas quais o consagrado princípio foi positivado26 Consectários lógicos de um processo devido o contraditório e a ampla defesa são também garantias constitucionais27 intimamente relacionadas A diferenciação entre elas assume especial relevância no campo das nulidades visto que pode haver violação de uma sem que a outra seja transgredida28 Lopes Jr aduz que o contraditório deve ser visto como o direito de participar de ser informado de todas as manifestações atos desenvolvidas no iter procedimental e assim manter uma contraposição em relação à acusação Outrossim especialmente acerca de provas a referida garantia constitucional deve ser pontualmente observada nos quatro momentos da prova postulação admissão produção e valoração29 A ampla defesa por sua vez realizase por meio da defesa técnica da autodefesa da defesa efetiva e por fim por qualquer meio de prova hábil a demonstrar a inocência do acusado30 Ademais salientase que a defesa pessoal exercida pelo investigado é disponível e pode ser positiva fazerfalar ou negativa não fazercalar31 E em sede de defesa deve ser salientado o princípio do nemo tenetur se detegere o qual se apresenta de suma importância para o formulação de um processo devido mormente no caso objeto de análise e levandose em conta as circunstâncias do reconhecimento pessoal realizado na medida em que ele assegura ao acusado o direito de não se autoincriminar ou de não participar da produção de prova que possa reverter contra si A mais conhecida manifestação do referido princípio é o direito ao silêncio contudo como direito fundamental e garantia do cidadão no processo penal e como limite ao arbítrio do Estado é bem mais abrangente32 Cumpre salientar que sua aplicação na produção dos meios de prova que não implicam intervenção corporal e comportamento ativo do investigado como é o reconhecimento pessoal ainda é polemica33 Segundo Lopes Jr e Zucchetti Filho nenhuma dúvida existe no que culpabilidade não tenha sido completamente provada nulla accusatio sine probatione Referente ao in dubio pro societate inexiste dispositivo legal que o recepcione LOPES JR Aury Direito Processual Penal 16 ed São Paulo Saraiva Educação 2019 p 417418 25 LIMA Renato Brasileiro de Manual de Processo Penal volume único 5 ed Salvador Ed JusPodivm 2017 p 43 26 Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão artigo 9º Declaração universal de Direitos Humanos aprovada pela Assembleia da ONU artigo 111 Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se prova sua culpabilidade de acordo com a lei e em processo público no qual se assegurem todas as garantias necessárias para sua defesa Convenção Europeia para Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais artigo 62 Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos artigo 142 e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos Dec67892 artigo 8º 2º Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa LIMA Renato Brasileiro de Manual de Processo Penal volume único p 43 27 O artigo 5º LV da Constituição Federal assegura que os litigantes em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03constituicaoconstituicaohtm Acesso em 15 abr 2020 28 DI GESU Cristina Prova penal e falsas memórias 3 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2019 p 67 29 LOPES JR Aury Direito Processual Penal 16 ed São Paulo Saraiva Educação 2019 p 363364 30 OLIVEIRA Eugênio Pacelli de Curso de Processo Penal 19 ed São Paulo Atlas 2015 p 47 31 LOPES JR Aury Direito Processual Penal 16 ed São Paulo Saraiva Educação 2019 p 418 32 QUEIJO Maria Elizabeth O Direito de Não Produzir Prova Contra si Mesmo o princípio nemo tenetur se detegere e suas decorrências no processo penal 2 ed São Paulo Saraiva 2012 p 233 33TOMÉ LOPES Mariângela O Reconhecimento como Meio de Prova Necessidade de Reformulação do Direito Brasileiro 2011 209 f Tese Doutorado em Direito Faculdade de Direito Universidade de São Paulo São Paulo 2011 p 63 8 concerne ao oferecimento de recusa à participação na medida em que possui o direito de não produzir prova contra si34 De outro lado há quem sustente a inaplicabilidade do aludido princípio em casos em que não demandem comportamento ativo do acusado ou seja quando ele for considerado apenas objeto de prova Para Tomé Lopes35 sob o argumento de encontrar um equilíbrio entre a eficiência e o garantismo é possível obrigar o investigado a participar do ato de reconhecimento sob pena de condução coercitiva Queijo36 discorre que havendo prevalência absoluta do interesse individual a persecução estaria fadada ao fracasso Claro apesar da divergência e não se olvidando do entendimento da Suprema Corte37 que entendeu inconstitucional a condução coercitiva nos termos do artigo 260 do Código de Processo Penal38 apenas para interrogatório parece razoável considerar que em um processo devido afastar a observância de tal princípio seria ilógico quiçá inconstitucional Nesse sentido leciona Lopes Jr e Zucchetti Filho É um imenso reducionismo imaginar ou sustentar que uma pessoa possa ser retirada a força de casa obrigada a participar de um ritual constrangedor de produção de provas contra seu interesse e vontade sem que isso configure uma afrontosa violação do seu direito de defesa negativo de não autoincriminação e de não produção de provas contra sua vontade39 Mormente porque como se poderá concluir ao final adotado tal entendimento as irregularidades que se pretende pontuar no presente artigo não seriam verificadas e com isso inocentes não seriam chamados à Justiça para responder por um crime que se concluiu ao final não terem sido eles os autores Ademais diante da negativa do imputado cumpre ao órgão acusador buscar outros elementos que possam embasar sua acusação40 No entanto o princípio do nemo tenetur se detegere não é respeitado na prática jurídica no que toca ao reconhecimento pois é ele determinado coercitivamente ou seja mesmo que contra a vontade do suspeito41 De outro lado no que toca ao princípio do livre convencimento motivado o magistrado é livre para formar seu convencimento de acordo com as provas produzidas nos autos as quais têm legal e abstratamente o mesmo valor contudo deve explicar em que elementos fundou seu convencimento42 artigo 155 do CPP43 Ademais a decisão prolatada pelo magistrado mesmo 34LOPES JR Aury ZUCCHETTI FILHO Pedro O Direito do Acusado de Não Comparecer ao Reconhecimento Pessoal Revista Consultor Jurídico S l 2019 Disponível em httpswwwconjurcombr2019mar 08limitepenaldireitoacusadonaocomparecerreconhecimentopessoal Acesso em 27 abr 2020 35TOMÉ LOPES Mariângela O Reconhecimento como Meio de Prova Necessidade de Reformulação do Direito Brasileiro 2011 209 f Tese Doutorado em Direito Faculdade de Direito Universidade de São Paulo São Paulo 2011 p 65 36 QUEIJO Maria Elizabeth O Direito de Não Produzir Prova Contra si Mesmo o princípio nemo tenetur se detegere e suas decorrências no processo penal 2ed São Paulo Saraiva 2012 p 287 37 Vide ADPF 395Vide ADPF 444 38 Art 260 do CPP Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório reconhecimento ou qualquer outro ato que sem ele não possa ser realizado a autoridade poderá mandar conduzilo à sua presença BRASIL Decretolei nº 3689 de 03 de outubro de 1941 Código de Processo Penal Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03decretoleidel3689htm Acesso em 18 mar 2020 39 LOPES JR Aury ZUCCHETTI FILHO Pedro O Direito do Acusado de Não Comparecer ao Reconhecimento Pessoal Revista Consultor Jurídico S l 2019 40 LOPES JR Aury ZUCCHETTI FILHO Pedro O Direito do Acusado de Não Comparecer ao Reconhecimento Pessoal Revista Consultor Jurídico S l 2019 41 LOPES JR Aury ZUCCHETTI FILHO Pedro O Direito do Acusado de Não Comparecer ao Reconhecimento Pessoal Revista Consultor Jurídico S l 2019 42 FEITOZA Denilson Direito Processual Penal teoria crítica e práxis 7ed Niterói RJ Impetus 2010 p 745 43 Art 155 do CPP diz que o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos 9 que independente da prova tarifada precisa estar ligada à prova válida e lícita produzida perante as partes e orientada pela estrita legalidade44 De fato nos termos do artigo 5º inciso LVI da Constituição da República vige o princípio da liberdade probatória segundo o qual somente são inadmissíveis as provas obtidas por meios ilícitos assim conforme esclarece Feitoza os altos valores em jogo no processo penal de um lado a segurança pública depende da efetividade do direito penal e de outro lado a liberdade do réu qualificada pela liberdade constitucional acarretaram no modelo processual brasileiro a mais ampla liberdade probatória45 33 AS PROVAS E A VERDADE NO PROCESSO PENAL Como já salientado o sentido da ação de provar algo é transmitir às partes mormente ao EstadoJuiz fatos passados a reconstrução da história em busca de uma pretensa verdade tema ainda nebuloso e que encontra significativa divergência na doutrina Segundo Di Gesu prova e verdade são temas profundamente ligados principalmente porque para muitos autores o propósito do processo ainda é a busca pela verdade por meio das provas46 Contudo tais autores ao abordarem a epistemologia da prova falham ao desconsiderar as bases e as categorias jurídicas próprias do processo penal atingindo inclusive o lugar que o magistrado ocupa no processo e legitimando o decisionismo uma vez que flexibiliza as regras do devido processo47 Conforme ensina a doutrina a ideia de que o processo penal busca a mitológica verdade real é uma artimanha engendrada nos meados da inquisição vinculada ao interesse público com sistemas políticos autoritários a busca da verdade a qualquer custo chegou a legitimar as maiores atrocidades incluindo a tortura em determinados momentos históricos48 Nessa senda Pacelli de Oliveira explica que talvez o maior mal deixado pelo princípio da verdade real tenha sido a disseminação de uma cultura inquisitiva que culminou por atingir praticamente todos os órgãos estatais responsáveis pela persecução penal trazendo a crença de que a verdade estaria ao alcance do Estado logo justificando sua perseguição no processo penal49 Ademais comete um erro quem refere a verdade real tratandose de um fato passado histórico50 Conforme Lopes Jr e Gloeckner o real só existe no presente O crime é um fato passado reconstruído no presente logo no campo da memória do imaginário A única coisa que ele não possui é um dado de realidade51 Assim no processo penal passouse a sustentar a legitimidade da verdade formal ou processual52 a qual é mais reduzida no que diz respeito ao seu conteúdo informativo por informativos colhidos na investigação ressalvadas as provas cautelares não repetíveis e antecipadas BRASIL Decretolei nº 3689 de 03 de outubro de 1941 Código de Processo Penal Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03decretoleidel3689htm Acesso em 18 mar 2020 44 LOPES JR Aury Direito Processual Penal 16 ed São Paulo Saraiva Educação 2019 p 418 45 FEITOZA Denilson Direito Processual Penal teoria crítica e práxis 7 ed Niterói RJ Impetus 2010 p 742 46 DI GESU Cristina Prova penal e falsas memórias 3 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2019 p 88 47 LOPES JR Aury KESSLER DE OLIVEIRA Daniel La mano de Dios e a admissibilidade da prova no processo penal Revista Consultor Jurídico S l 2020 Disponível em httpswwwconjurcombr2020 jun05limitepenallamanodiosadmissibilidadeprovaprocessopenal Acesso em 17 jun 2020 48 LOPES JR Aury GLOECKNER Ricardo Jacobsen Investigação preliminar no processo penal 6 ed São Paulo Saraiva 2014 p 303 49 OLIVEIRA Eugênio Pacelli de Curso de Processo Penal 19 ed São Paulo Atlas 2015 p 333 50 LOPES JR Aury GLOECKNER Ricardo Jacobsen Investigação preliminar no processo penal p 306 51 LOPES JR Aury GLOECKNER Ricardo Jacobsen Investigação preliminar no processo penal p 306 52 LOPES JR Aury GLOECKNER Ricardo Jacobsen Investigação preliminar no processo penal p 304 10 respeitar as regras para a obtenção da prova e por não ter a pretensão de ser a verdade53 Para Ferrajoli a verdade processual pode ser entendida como uma verdade aproximada limitada54 Outrossim a relevância do formalismo se da ao nortear regular os limites judiciais e amparar a liberdade do indivíduo frente a verdades substancialmente arbitrárias ou incontroláveis55 Mas alerta Lopes Jr que desconstituir o mito da verdade real não é suficiente também é preciso questionar a verdade processual especialmente a ambição pela verdade Segundo Carnelutti o problema é a verdade na medida em que a verdade está no todo não na parte e o todo é demais para nós56 Não se trata de negar a verdade no processo penal mas sim de discutir qual é o lugar que ela ocupa deslocandoa para outra dimensão em que ela é contingencial e não estruturante do processo57 No mesmo sentido posicionase Badaró quando afirma a necessidade de se abandonar a dicotomia verdade formal e verdade material que para o autor muito mais tem contribuído para equívocos do que para construções válidas58 Oportuno destacar que o processo é o ambiente no qual se desenvolvem diálogos discursos e se narram fatos assim as provas servem para obter dentro das regras do jogo o convencimento do juiz que faz ao final sentença a eleição dos significados de cada discurso para a construção do seu a sentença não é a revelação da verdade mas uma manifestação do convencimento do magistrado formado em contraditório59 Na mesma linha segundo Khaled Jr e Divan a atividade probatória não pode ter como referencial a verdade correspondente real material substancial ou relativa ou a verdade formal pois ambas se mostram insuficientes para explicar no que consiste a dimensão cognitiva do processo Para eles um ponto primordial é ignorado por ambas as posições o fato de o juiz ser o destinatário da prova60 Observa Pacelli de Oliveira que o processo penal produzirá uma certeza do tipo jurídica a qual em regra nunca se saberá se corresponde ou não à verdade da realidade histórica61 Por fim como muito bem destaca Di Gesu a desconstrução do mito da verdade como escopo do processo é de suma importância para o estudo da existência das falsas memórias no processo penal Os relatos recordações e reconhecimentos de vítimas e testemunhas de um fato delituoso estão sujeitos a contaminações de várias ordens não são fidedignos à realidade por conta do próprio processo mnemônico em si Assim devido à impossibilidade de reconstrução do fato tal qual ele ocorre inviável seguir falando em verdade no processo62 Logo conforme defendido pelos doutrinadores Lopes Jr e Gloeckner face ao excesso epistêmico da verdade o que interessa é o convencimento construído a partir das provas produzidas e inseridas legalmente no processo com o rigoroso respeito as regras do devido 53 DI GESU Cristina Prova penal e falsas memórias 3ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2019 p 92 54 FERRAJOLI Luigi Direito e Razão Teoria do Garantismo Penal São Paulo Revista dos Tribunais 2002 p 42 55 LOPES JR Aury GLOECKNER Ricardo Jacobsen Investigação preliminar no processo penal 6 ed São Paulo Saraiva 2014 p 305 56 CARNELUTTI 1965 apud LOPES JR 2019 p375 57 LOPES JR Aury Direito Processual Penal 16 ed São Paulo Saraiva Educação 2019 p 377 58 BADARÓ Gustavo Henrique Righi Ivahy Ônus da prova no Processo Penal Revista dos Tribunais 2003 p36 59 LOPES JR Aury Direito Processual Penal 16 ed São Paulo Saraiva Educação 2019 p 419 60 KHALED JR Salah H DIVAN Gabriel Antinolfi A captura psiquica do juiz e o sentido da atividade probatória no Processo Penal contemporâneo Revista Brasileira de Ciências Criminais São Paulo v 156 ano 27 p 395423 Ed RT junho 2019 p 412 61 OLIVEIRA Eugênio Pacelli de Curso de Processo Penal 19 ed São Paulo Atlas 2015 p 328 62 DI GESU Cristina Prova penal e falsas memórias p 92 11 processo legal princípio que por vezes limita a busca pela verdade refutandose as provas ilícitas63 Com efeito no processo penal na tensão entre a busca da verdade e o respeito as regras do due processo of law inquestionável concluir que o que vale é a regra independente da gravidade ou relevância do conteúdo64 Mesmo porque no caso em estudo constatar que a verdade formada no processo por um reconhecimento mal conduzido sem observância da norma e apresentado ao juiz destinatário da prova gera efeitos por vezes irreversíveis e resulta na condenação de inocentes pois nem sempre elementos outros de prova serão suficientes para afastar a formulação de autoria por apontamento delitivo equivocado Na dicção de Ávila as falsas memórias existem possuem repercussão crucial inclusive judicial e são de difícil identificação pois quem relata crê verdadeiramente em sua versão65 Eis portanto a importância de uma nova visão acerca do reconhecimento pessoal 4 O RECONHECIMENTO PESSOAL Inicialmente devese esclarecer que o reconhecimento pode ser pessoal ou de coisas66 sendo objeto do presente estudo apenas o reconhecimento pessoal Para Zucchetti Filho o procedimento mais frequentemente utilizado é o reconhecimento pessoal o qual se baseia na busca pela individualização do criminoso enquanto as autoridades responsáveis pela investigação ainda não identificaram ou possuem dúvidas a respeito de quem seja o imputado67 Camargo Aranha define o reconhecimento como um meio processual de prova eminentemente formal pelo qual uma pessoa é chamada para analisar e confirmar ou não a identidade de um indivíduo ou coisa que lhe é apresentadoa com outroa que viu no passado68 A lei adjetiva determina no artigo 22669 uma forma específica para se produzir a prova contudo sua redação é ainda a de sua edição no ano de 1941 Assim compreendese sua defasagem em relação aos achados científicos mais atuais acerca do reconhecimento70 63 LOPES JR Aury GLOECKNER Ricardo Jacobsen Investigação preliminar no processo penal 6 ed São Paulo Saraiva 2014 p 316 64 LOPES JR Aury KESSLER DE OLIVEIRA Daniel La mano de Dios e a admissibilidade da prova no processo penal Revista Consultor Jurídico S l 2020 Disponível em httpswwwconjurcombr2020 jun05limitepenallamanodiosadmissibilidadeprovaprocessopenal Acesso em 17 jun 2020 65 ÁVILA Gustavo Noronha de Política não criminal e processo penal a intersecção a partir das Falsas Memórias da testemunha e seu possível impacto carcerário Revista Síntese Direito Penal e Processual Penal Porto Alegre v14 n 84 fevmar 2014 p 72 66 O artigo 227 do CPP expressa que no reconhecimento de objeto procederseá com as cautelas estabelecidas no artigo anterior no que for aplicável 67 ZUCCHETTI FILHO Pedro Reconhecimento Pessoal Procedimento Penal e Aportes Psicológicos 2020 321 f Dissertação Mestrado em Direito Escola de Direito Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Porto Alegre 2020 p38 68 ARANHA 1999 apud QUEIJO 2012 p 300 69 Artigo 226 do CPP Quando houver necessidade de fazerse o reconhecimento de pessoa procederseá pela seguinte forma I a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida Il a pessoa cujo reconhecimento se pretender será colocada se possível ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança convidandose quem tiver de fazer o reconhecimento a apontála III se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento por efeito de intimidação ou outra influência não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida a autoridade providenciará para que esta não veja aquela IV do ato de reconhecimento lavrarseá auto pormenorizado subscrito pela autoridade pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais 70 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses Brasília DF Secretaria de Assuntos Legislativos Ministério da Justiça 2015 Série Pensando Direito No 59 p 35 Disponível em httppensandomjgovbrwpcontentuploads201602PoD59Lilianweb1pdf Acesso em 04 abr 2020 12 Somase a isso que como explica a doutrina sendo o reconhecimento de pessoas um processo de memória as identificações feitas por vítimastestemunhas podem não ser confiáveis A memória não retém os registros como uma máquina fotográfica ou filmadora podendo esses registros sofrerem perdas e distorções O ato de reconhecimento de uma pessoa estranha a qual por inúmeras vezes foi vista em condições precárias pouca luz de forma rápida ou à distância é uma dura tarefa para a nossa memória uma vez que muitas vezes sentimos dificuldades de reconhecer um conhecido que não vemos há algum tempo ou encontramos essa pessoa em um contexto diferente71 Por outro lado não fosse o bastante o atraso da legislação e as dificuldades inerentes ao reconhecimento porque dependente da memória e portanto sujeito a falhas o que se observa é que a prática nem sempre está alinhada à técnica prescrita E Espinola Filho72 alerta o reconhecimento de pessoas deve ser feito com a maior seriedade e rigor técnicos Entretanto conforme aponta Nucci observase na prática forense um verdadeiro desprezo à forma legalmente estabelecida podendose dizer que raramente a vítima reconhece o acusado nos termos preceituados no Código de Processo Penal73 Fazse oportuno então sejam destacadas as formas e procedimentos atinentes ao reconhecimento de pessoas 41 RECONHECIMENTO DE PESSOAS FORMAS E PROCEDIMENTOS O reconhecimento de pessoas como dito está regrado no artigo 226 do Código de Processo Penal e como se observa a legislação brasileira adota o ato de reconhecimento pessoal por alinhamento e não prevê expressamente o reconhecimento por fotografia muito embora a prática releve sua comum utilização Segundo Zucchetti Filho o reconhecimento fotográfico ocorre de forma corriqueira durante a fase de investigação preliminar74 Como observa Lopes Jr o reconhecimento do imputado por fotografia não é pacífico na doutrina ou na jurisprudência contudo posicionase no sentido de que somente pode ser utilizado como ato preparatório ou instrumentomeio substituindo a descrição prevista no artigo 226 I do CPP75 Há ainda quem entenda que os reconhecimentos fotográficos reconhecimento atípico são vedados e devem ser evitados sendo a exceção em situações de estado de necessidade investigativo 76 Também não se desconhece o entendimento quanto à possibilidade de sua utilização Conforme explica Malpass O alinhamento fotográfico é inclusive mais recomendado por facilitar a fundamental realização do teste de adequação e equilíbrio do alinhamento um banco digital de 71 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses Brasília DF Secretaria de Assuntos Legislativos Ministério da Justiça 2015 Série Pensando Direito No 59 p 67 Disponível em httppensandomjgovbrwpcontentuploads201602PoD59Lilianweb1pdf Acesso em 04 abr 2020 72 ESPINOLA FILHO Eduardo Código de Processo Penal Brasileiro Anotado6 ed Rio de Janeiro Editor Borsoi 1965 p140 73 NUCCI Guilherme de Souza Provas no Processo Penal São Paulo Editora Revista dos Tribunais 2009 p116 74 ZUCCHETTI FILHO Pedro Reconhecimento de Pessoas Ponderações Acerca do Artigo 226 do Código de Processo Penal e do Reconhecimento Fotográfico In GIACOMOLLI Nereu José AZAMBUJA AMARAL Maria Eduarda SILVEIRA Karine Darós orgs Processo Penal Contemporâneo em Debate Porto Alegre Boutique Jurídica 2019 v 4 p 126 75 LOPES JR Aury Direito Processual Penal 16 ed São Paulo Saraiva Educação 2019 p 490491 76 MENDES Manuel José ALMEIDA GARRETT Francisco de Da Prova por Reconhecimento em Processo Penal Identificação de Suspeitos e Reconhecimentos Fotográficos Porto Fronteira do Caos 2007 p 47 13 fotografias por exemplo permite uma escolha mais precisa daqueles que comporão o alinhamento juntamente com o suspeito77 De qualquer sorte seguindo as disposições legais em uma breve análise do artigo 226 verificamos que o inciso I ao prever a necessidade de prévia descrição do imputado pela vítimatestemunha busca verificar o grau de conhecimento interno que o reconhecedor possui do ofensor78 se ela possui o mínimo de fixidez para proceder ao ato de reconhecimento ou seja se guarda o núcleo central da imagem da pessoa79 Zucchetti Filho destaca que esta é uma fase necessária e com alto grau de prejuízo quando não observada posto que diante da inexistência de um treinamento técnico adequado pode mesmo que inconscientemente questionar o reconhecedor de forma sugestiva Visase reprimir a atuação ativa do policial condutor Outrossim neste momento a vítimatestemunha deve descrever os detalhes de que recorda tais como idade aproximada cor da pele do cabelo estatura eventuais tatuagens ou debilidades observadas Tal providência é fundamental para que a autoridade policial possa aferir a existência de um grau razoável de segurança do ato aduz o autor80 Também para se avaliar o grau de autenticidade de um reconhecimento devese questionar ao reconhecedor acerca das condições de luminosidade no local dos fatos das vestes do autor do delito do tempo de contato se foi próximo ou distante bem como seu estado de ânimo no momento dos fatos e se chegou a ver a imagem da pessoa nos jornais foto ou algum outro ponto de identificação81 Alguns doutrinadores como Tomé Lopes posicionamse no sentido de que se nesta primeira fase do reconhecimento for identificado indivíduo completamente diferente daquele a ser submetido ao reconhecimento não deve seguir para as próximas etapas82 Outrossim o procedimento previsto no inciso II83 do supracitado artigo é o que tem apresentado maior dissídio na história recente como aponta Zucchetti Filho84 No que concerne às semelhanças físicas Lopes Jr sustenta que a autoridade que conduzir o ato deve possibilitar a formação do ato de reconhecimento com sujeitos que possuem características físicas próximas por exemplo estatura cor de cabelo e pele ressaltando a importância das roupas utilizadas para que não exista discrepâncias absurdas entre os indivíduos submetidos ao procedimento tudo para que o nível de indução seja o menor possível85 Ademais em relação ao número de pessoas participantes o Código de Processo Penal brasileiro também é omisso Para a doutrina objetivandose uma maior credibilidade do ato e 77 MALPASS 2015 apud STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de 2015 p 30 78 ZUCCHETTI FILHO Pedro Reconhecimento de Pessoas Ponderações Acerca do Artigo 226 do Código de Processo Penal e do Reconhecimento Fotográfico In GIACOMOLLI Nereu José AZAMBUJA AMARAL Maria Eduarda SILVEIRA Karine Darós orgs Processo Penal Contemporâneo em Debate Porto Alegre Boutique Jurídica 2019 v 4 p 123 79 NUCCI Guilherme de Souza Provas no Processo Penal São Paulo Revista dos Tribunais 2009 p 487 80 ZUCCHETTI FILHO Pedro Reconhecimento de Pessoas Ponderações Acerca do Artigo 226 do Código de Processo Penal e do Reconhecimento Fotográfico p 123 81TOMÉ LOPES Mariângela O Reconhecimento como Meio de Prova Necessidade de Reformulação do Direito Brasileiro 2011 209 f Tese Doutorado em Direito Faculdade de Direito Universidade de São Paulo São Paulo 2011 p 52 82TOMÉ LOPES Mariângela O Reconhecimento como Meio de Prova Necessidade de Reformulação do Direito Brasileiro p 53 83 Artigo 226 do CPP inciso II a pessoa cujo reconhecimento se pretender será colocada se possível ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança convidandose quem tiver de fazer o reconhecimento a apontála 84 ZUCCHETTI FILHO Pedro Reconhecimento de Pessoas Ponderações Acerca do Artigo 226 do Código de Processo Penal e do Reconhecimento Fotográfico p 124 85 LOPES JR Aury Direito Processual Penal 16 ed São Paulo Saraiva Educação 2019 p 490 14 redução da margem de erro indicase que o número de pessoas não seja inferior a cinco sendo o imputado e mais quatro outros indivíduos86 No que tange aos incisos III e IV87 do dispositivo legal em exame o primeiro tem por objetivo impedir que o investigado veja o reconhecedor em circunstâncias que a este possam ser constrangedoras e garantir que a vítimatestemunha não passe qualquer tipo de pressão ou ameaça Por derradeiro o inciso IV versa acerca da confecção do auto de reconhecimento pormenorizado do procedimento A importância desse registro funciona de modo a atestar a veracidade do ato bem como a voluntariedade da indicação fornecida pelo reconhecedor em relação a esse ou aquele suspeito88 Tomé Lopes indica a importância de constar na referida certidão a presença ou não de advogado a quantidade de indivíduos participantes e a indicação de suas semelhanças a localização do suspeito bem como os dados de identificação apresentados pelo reconhecedor antes de iniciado o ato e por fim a resposta do reconhecimento89 Na lição de Lopes Jr as referidas cautelas longe de serem inúteis formalidades formam condições mínimas de credibilidade do instrumento probatório repercutindo na qualidade da tutela jurisdicional assim como na credibilidade do sistema judiciário90 Ainda conforme disciplina o artigo 228 do Código de Processo Penal91 em sendo várias as pessoas a identificar o indivíduo o ato deverá ser realizado separadamente evitando qualquer comunicação entre os reconhecedores Conforme Zucchetti Filho a incomunicabilidade entre as vítimastestemunhas é de extrema importância para evitar que ambas percam a sinceridade dos seus relatos e haja contaminação involuntária visto que suas memórias e percepções do fato e do autor do delito são diversas ainda que tenham compartilhado da mesma experiência92 Como Stein sinaliza cada testemunha possui uma representação mental única do evento93 Feitas essas considerações mostrase importante a análise das técnicas de reconhecimento por alinhamento seja pessoalmente ou por imagens de acordo com as pesquisas da psicologia do testemunho quais sejam o simultâneo e o sequencial94 O reconhecimento simultâneo consiste em apresentar à vítima ou testemunha um conjunto de indivíduos ou fotos alinhadas ao mesmo tempo Nesta técnica as pesquisas mostram que os reconhecedores acabam por fazer comparações entre os integrantes do 86 LOPES JR Aury Direito Processual Penal 16 ed São Paulo Saraiva Educação 2019 p 489 87 Inciso III do art 226 do CPP se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento por efeito de intimidação ou outra influência não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida a autoridade providenciará para que esta não veja aquela 88 ZUCCHETTI FILHO Pedro Reconhecimento de Pessoas Ponderações Acerca do Artigo 226 do Código de Processo Penal e do Reconhecimento Fotográfico In GIACOMOLLI Nereu José AZAMBUJA AMARAL Maria Eduarda SILVEIRA Karine Darós orgs Processo Penal Contemporâneo em Debate Porto Alegre Boutique Jurídica 2019 v 4 p 126 89TOMÉ LOPES Mariângela O Reconhecimento como Meio de Prova Necessidade de Reformulação do Direito Brasileiro 2011 209 f Tese Doutorado em Direito Faculdade de Direito Universidade de São Paulo São Paulo 2011 p 57 90 LOPES JR Aury Direito Processual Penal 16 ed São Paulo Saraiva Educação 2019 p 490 91 Art 228 do CPP se várias forem as pessoas chamadas a efetuar o reconhecimento de pessoa ou de objeto cada uma fará a prova em separado evitandose qualquer comunicação entre elas 92ZUCCHETTI FILHO Pedro Reconhecimento Pessoal Procedimento Penal e Aportes Psicológicos 2020 321 f Dissertação Mestrado em Direito Escola de Direito Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Porto Alegre 2020 p 139140 93 STEIN Lilian Milnitsky Falsas Memórias fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas Porto Alegre Artmed 2010 p 219 94 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses Brasília DF Secretaria de Assuntos Legislativos Ministério da Justiça 2015 Série Pensando Direito No 59 p 28 Disponível em httppensandomjgovbrwpcontentuploads201602PoD59Lilianweb1pdf Acesso em 04 abr 2020 15 alinhamento em oposição a buscar na memória as lembranças das características do autor do delito Ademais existe uma grande possibilidade que nos casos em que o suspeito não se encontra presente ocorra a tendência de a vítima escolher erroneamente o indivíduo que mais se assemelha com o verdadeiro suspeito95 Por outro lado no alinhamento sequencial hipótese em que a vítima analisa cada pessoa ou foto separadamente uma de cada vez ela precisa usar o julgamento incondicional da memória para recordar do criminoso e não a comparação com todos os presentes visto que necessita a cada apresentação tomar a decisão antes de poder visualizar o próximo96 Contudo os pesquisadores ainda apontam que apesar das evidencias de que o alinhamento sequencial resultaria em menor número de falsos reconhecimentos esta técnica deve ser vista com reservas na medida em que há estudos apontando que em casos em que o reconhecedor ainda não escolheu nenhum suspeito no final da apresentação acabam por flexibilizar as evidências da sua memória para escolher algum dos suspeitos97 Outro ponto sensível seria que a vítimatestemunha fica muito mais propensa a sugestões do agente condutor do ato intencionalmente ou não por exemplo através de um ruído ou tosse do policial98 Para Stein e Ávila independente de qual das técnicas utilizadas existem algumas normas básicas a serem observadas dentre elas à condução do reconhecimento às cegas forma pela qual o profissional que conduz o ato além de ser qualificado para tal procedimento não deve ter o conhecimento sobre quem é o suspeito seja na apresentação de fotos ou no reconhecimento pessoal A doutrina aponta que tendo o policial ciência de quem é o suspeito ele pode vir a demonstrar isso quando da apresentação para reconhecimento mesmo que de forma não intencional Tal cuidado é chamado de doubleblindness cegueira dupla nem policial e nem testemunha sabem quem é o suspeito99 Há ainda o reconhecimento conhecido por showup caso em que somente um suspeito é apresentado à vítimatestemunha para que faça o reconhecimento sendo muitas vezes utilizado quando a polícia tem praticamente certeza que a pessoa é culpada quando o suspeito for conhecido da testemunha ou quando o suspeito é preso em flagrante Importa salientar que mesmo nessas condições de forma alguma o suspeito deve ser apresentado em um contexto sugestivo a saber aparecer dentro de uma viatura ou estar algemado ao lado de policiais100 Nas palavras de Lopes Jr não é reconhecimento quando o juiz simplesmente pede para a vítima virar e reconhecer o réu único presente e algemado pois descumpre a forma e é um ato induzido101 O autor refere ao reconhecimento em juízo contudo se aplica à identificação realizada em via pública com o suspeito algemado e sendo o único a ser apresentado às vítimas tal como o caso em estudo De acordo com a pesquisa coordenada Stein a polícia militar ao localizar um suspeito que se enquadre nas características apresentadas pela vítima realiza de forma rotineira na fase 95 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses Brasília DF Secretaria de Assuntos Legislativos Ministério da Justiça 2015 Série Pensando Direito No 59 p 28 Disponível em httppensandomjgovbrwpcontentuploads201602PoD59Lilianweb1pdf Acesso em 04 abr 2020 96 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de 2015 Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses p 28 97 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de 2015 Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses p 28 98 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de 2015 Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses p 28 99 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de 2015 Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses p 29 100 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses p 28 101 LOPES JR Aury Direito Processual Penal 16ed São Paulo Saraiva Educação 2019 p 489 16 préinvestigativa uma identificação prévia a qual devido à sua repercussão pode ser tratada como verdadeiro reconhecimento102 Tal procedimento pode ser subdividido em i reconhecimento na viatura ocorre quando vítimas e testemunhas são colocadas dentro do veículo da viatura e saem pelas ruas a procurado do autor do delito indicando caso os identifiquem caso em que o reconhecimento é feito do interior do veículo ii reconhecimento via celular ou whatsapp essa forma de reconhecimento geralmente acontece de duas formas o suspeito é fotografado pelo policial em seu telefone particular sendo posteriormente mostrada a imagem do indivíduo à vítima ou o agente público compartilha a fotografia nos grupos de whatsApp dos policiais e iii reconhecimento na rua desta maneira o suspeito é apresentado pessoalmente na rua às vítimas e testemunhas Nas três formas expostas mediante reconhecimento positivo a polícia militar encaminha os envolvidos para a Polícia Civil103 De acordo com Stein e Ávila acerca do showup Como vimos em nossa análise da literatura científica esta é a forma de reconhecimento que mais expõe a vítimatestemunha à possível distorção de sua memória para o verdadeiro suspeito A adoção da prática de reconhecimento através de showup pode inclusive ter como potencial consequência a implantação de uma falsa memória na testemunha sobre a identidade do ator do delito104 Ocorre contudo conforme se pretende demonstrar que tais procedimentos utilizados para fins de reconhecimento na fase préinvestigativa podem conduzir a equívocos seja porque realizados sem observância dos requisitos legais seja porque podem sugestionar à identificação de terceiro estranho aos fatos Nas palavras de Altavilla a experiência passada que deixou suas impressões na nossa memória completa continuamente a experiência presente105 Por isso como bem aponta o trabalho coordenado por Stein os especialistas são unânimes em não recomendar a técnica de showup em função da grande margem de erro de reconhecimento106 Cumpre ressaltar que sendo o reconhecimento um meio de prova que possui um procedimento legal para a sua realização deverá este obrigatoriamente ser respeitando sob pena de ser reconhecida sua nulidade107 sendo inclusive assim reconhecida pelo artigo 564 inciso IV da Lei Adjetiva108 E como salienta a nominada autora reconhecida a nulidade com o desentranhamento da prova dos autos e entendendo o ato como meio de prova irrepetível cabe ao Estado buscar a identificação por outros meios109 102 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses Brasília DF Secretaria de Assuntos Legislativos Ministério da Justiça 2015 Série Pensando Direito No 59 p 50 Disponível em httppensandomjgovbrwpcontentuploads201602PoD59Lilianweb1pdf Acesso em 04 abr 2020 103 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses p 50 104 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses p 50 105 ALTAVILLA Enrico Psicologia Judiciária Tradução de Fernando de Miranda 3 ed Coimbra Arménio Amado 1981 v I p 28 106 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses p 28 107TOMÉ LOPES Mariângela O Reconhecimento como Meio de Prova Necessidade de Reformulação do Direito Brasileiro 2011 209 f Tese Doutorado em Direito Faculdade de Direito Universidade de São Paulo São Paulo 2011 p 101 108 Art 564 do CPP A nulidade ocorrerá nos seguintes casos IV por omissão de formalidade que constitua elemento essencial do ato 109TOMÉ LOPES Mariângela O Reconhecimento como Meio de Prova Necessidade de Reformulação do Direito Brasileiro p 103 17 Causa perplexidade contudo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça110 no sentido de que a inobservância das disposições constantes do art 226 do Código de Processo Penal não importam nulidade sob alegação de tratarse de mera recomendação legal Tal entendimento afasta norma legal além de trazer inegável prejuízo ao suspeito pois como se observou no caso objeto de estudo do presente trabalho um falso reconhecimento afeta sobremaneira a vida de qualquer cidadão sobretudo em sua liberdade individual ainda que ao final sobrevenha a sentença absolutória Não por outra razão Lopes Jr chama a atenção para o nível de inobservância por parte dos juízes e delegados da forma prevista em lei e assevera que partindo da premissa de que forma é garantia não há espaço para informalidades judiciais111 Por isso a necessidade de observância das regras legais pois há possibilidade de que uma pessoa detida e submetida ao referido reconhecimento na rua pela técnica de showup apenas por apresentar características semelhantes mesmo sendo totalmente estranha ao evento criminoso seja denunciada e processada por crime de que não participou e em juízo ser formalmente reconhecida mas porque a vítima eou testemunhas foram sugestionadas a isso Como explica Altavilla A sensação ao tornarse percepção é posta em correlação com as recordações latentes de outras sensações análogas que podem fazernos cair no erro de reconhecer no objeto que percepcionamos atributos de objetos percepcionados anteriormente112 Assim por envolver um conjunto de percepções subjetivas e comparação de experiências o reconhecimento de pessoas devido ao considerável risco de falsas memórias deve ser rigorosamente monitorado113 5 MEMÓRIA FORMAÇÃO DAS FALSAS MEMÓRIAS E FALSOS RECONHECIMENTOS Como se pode notar o reconhecimento pessoal mostrase complexo pois dependente de um fator incerto a falibilidade da mente humana A memória recurso indissociável do mencionado meio de prova não raras vezes falha dando azo a falsos reconhecimentos Falhas são preocupantes pois na atualidade o processo penal brasileiro tem utilizado o reconhecimento pessoal assim como o testemunho como os principais meios probatórios sendo milhares os processos julgados unicamente com base nesses meios114 Por isso tornase 110AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ROUBO AOS CORREIOS ALEGAÇÃO DE AFRONTA AO ART 201 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO RECONHECIMENTO ART 226 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL RECOMENDAÇÃO LEGAL INEXISTÊNCIA DE NULIDADE PRECEDENTES INVERSÃO DO JULGADO SÚMULA Nº 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ALEGAÇÃO DE PRISÃO ILEGAL FUNDAMENTO DO ACÓRDÃO RECORRIDO NÃO REFUTADO INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 283 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO 2 Segundo a jurisprudência desta Corte Superior as disposições insculpidas no art 226 do CPP configuram uma recomendação legal e não uma exigência absoluta não se cuidando portanto de nulidade quando praticado o ato processual reconhecimento pessoal de modo diverso AgRg no AREsp 1291275RJ Rel Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA DJe 11102018 AgRg no AREsp 1534916SP Rel Ministra LAURITA VAZ SEXTA TURMA julgado em 06022020 DJe 21022020 Grifei 111 LOPES JR Aury Direito Processual Penal 16 ed São Paulo Saraiva Educação 2019 p 488 112 ALTAVILLA Enrico Psicologia Judiciária 3 ed Coimbra Arménio Amado 1981 v I p 26 113 MACHADO Leonardo Marcondes O reconhecimento de pessoas como fonte de injustiças criminais Revista Consultor Jurídico S l 2019 Disponível em httpswwwconjurcombr2019jul16academiapolicia reconhecimentopessoasfonteinjusticascriminais Acesso em 28 abr 2020 114 DI GESU Cristina Prova penal e falsas memórias 3 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2019 p 103 18 preocupante imaginar que inúmeros processos se formam e conduzem a condenações com base em meio probatório tão propenso a erros pois amparado em recurso sugestionável a memória Ora a memória é a essência do reconhecimento115 Porém antes de ingressarmos na questão das falsas memórias são necessários breves apontamentos para melhor entendêlas seja quanto ao normal funcionamento seja em relação às suas potenciais falhas 51 O FUNCIONAMENTO DA MEMÓRIA Segundo Izquierdo memória traduzse na aquisição formação conservação e evocação de informações essa última também é chamada de recordação lembrança recuperação As memórias provêm de experiências e há tantas memórias quanto experiências possíveis116 Ainda aduz o autor que existe um processo de tradução entre a realidade das experiências e a formação da memória respectiva e outro entre esta e a correspondente evocação Para cada tradução realizada através de processos e códigos utilizados pelos neurônios ocorrem perdas ou mudanças Afinal traduzir não significa simplesmente conduzir a outro código mas também transformar117 As classificações acerca da memória são bem diversificadas podendo ser de acordo com suas funções tempo de duração assim como pelo seu conteúdo118 Como explica a doutrina existe a memória de curto prazo também conhecida como memória funcional ou de trabalho mantida por segundos ou minutos por exemplo lembrar de um número de telefone bem como a memória de longo prazo ou memória consolidada mantida por até décadas119 No que tange ao conteúdo Di Gesu destaca dois grandes grupos de memórias a saber o da memória de procedimentos e o da memória declarativa120 A memória procedural está ligada à habilidade motora ou sensorial andar de bicicleta nadar soletrar etc contudo é a respeito da memória declarativa que interessa ao presente trabalho e para a compreensão do fenômeno da falsa memória porquanto diz respeito a memória dos fatos das pessoas das faces conceitos e ideias121 são chamadas declarativas pois nós os humanos podemos declarar que existem e descrever como as adquirimos122 As memórias declarativas de longa duração levam tempo para serem consolidadas e nas primeiras horas após sua aquisição são suscetíveis a diversas interferências123 Conforme afirma Izquierdo as memórias de longa duração não ficam estabelecidas em sua forma estável ou permanente imediatamente depois de sua aquisição124 De acordo com a neurologia há a possibilidade de modificação da memória entre a sua aquisição e a consolidação devido a influências externas e internas que nos levam a crer na alteração da lembrança da vítima entre o acontecimento do fato e o reconhecimento pessoal125 115 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses Brasília DF Secretaria de Assuntos Legislativos Ministério da Justiça 2015 Série Pensando Direito No 59 p 19 Disponível em httppensandomjgovbrwpcontentuploads201602PoD59Lilianweb1pdf Acesso em 04 abr 2020 116 IZQUIERDO Ivan Memória 3 ed Porto Alegre Artmed 2018 Ebook Disponível emhttpsintegradaminhabibliotecacombrbooks9788582714928cfi620422440100 Acesso em 15 abr 2020 117 IZQUIERDO Ivan Memória 3 ed Porto Alegre Artmed 2018 Ebook 118 DI GESU Cristina Prova penal e falsas memórias 3 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2019 p 106 119 IZQUIERDO Ivan Memória 3 ed Porto Alegre Artmed 2018 Ebook 120 DI GESU Cristina Prova penal e falsas memórias p 107 121 DI GESU Cristina Prova penal e falsas memórias p 107 122 IZQUIERDO Ivan Memória 3 ed Porto Alegre Artmed 2018 Ebook 123 IZQUIERDO Ivan Memória 3 ed Porto Alegre Artmed 2018 Ebook 124 IZQUIERDO Ivan Memória 3 ed Porto Alegre Artmed 2018 Ebook 125 DI GESU Cristina Prova penal e falsas memórias p 108 19 Conforme trabalho coordenado por Stein tanto o reconhecimento quanto o testemunho são testes de recuperação da memória e constituemse em sua essência nas lembranças que a vítimatestemunha conseguiu registrar e resgatar acerca dos fatos ocorridos e o reconhecimento de seus personagens126 No caso do reconhecimento as imprecisões das lembranças podem direcionar a um resultado equivocado de uma investigação ou até mesmo de um julgamento Com sérias consequências para a sociedade como a condenação de uma pessoa inocente127 Nesse contexto importante apontar um levantamento norte americano segundo o qual indica o reconhecimento equivocado por parte de testemunhas é a maior causa de condenações injustas nos EUA128 E o caso objeto do presente estudo é exemplo e corrobora aqui a falibilidade por influências externas da memória Nosso papel é identificar pontos de tensão entre o procedimento legalmente previsto e as circunstâncias que podem conduzir a reconhecimentos infiéis decorrentes de falsas memórias 52 FALSAS MEMÓRIAS E FALSOS RECONHECIMENTOS Inicialmente cabe referir que o conceito de falsas memórias e suas primeiras pesquisas remontam o final do século XIX e o início do século XX Pesquisas específicas sobre o tema foram conduzidas pelo francês Alfred Binet em 1900 e pelo alemão Stern em 1910 Seus estudos versam sobre as características de sugestionabilidade da memória a saber a incorporação e a recordação de informações falsas sejam de origem interna ou externa autossugerida e sugerida as quais o sujeito lembra como sendo verdadeiras Mais tarde em 1932 na Inglaterra Frederic Charles Bartlett descreveu a recordação como sendo um processo reconstrutivo baseado em estruturas mentais e no conhecimento geral prévio do indivíduo salientando o papel da compreensão e a influência da cultura nas lembranças129 o que atualmente está superado pois se atua com a memória a partir de uma representação aproximativa130 Já na década de 70 do século passado Elizabeth Loftus mostrou que uma falsa memória pode derivarse de uma sugestionabilidade externa a uma falsa afirmação Dependendo de como uma informação chegou até o indivíduo é possível que ele acredite como verdadeiro um acontecimento falso131 Tratase de uma inserção de uma informação não verdadeira em meio a uma experiência realmente vivenciada ou não conduzindo ao chamado efeito falsa informação A autora constatou e identificou a questão como ela é compreendida hoje132 Elizabeth Loftus referência mundial no tema falsas memórias salienta o potencial que informações enganosas assim como conversas e interrogatórios sugestivos podem invadir 126 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses Brasília DF Secretaria de Assuntos Legislativos Ministério da Justiça 2015 Série Pensando Direito No 59 p 18 Disponível em httppensandomjgovbrwpcontentuploads201602PoD59Lilianweb1pdf Acesso em 04 abr 2020 127 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses p 18 128 Pesquisa realizada pela renomada organização norteamericana Innocence Project 2015 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses p 18 129 STEIN Lilian Milnitsky Falsas Memórias fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas Porto Alegre Artmed 2010 p 2324 130 DI GESU Cristina Prova penal e falsas memórias 3 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2019 p 128 131TOMÉ LOPES Mariângela O Reconhecimento como Meio de Prova Necessidade de Reformulação do Direito Brasileiro 2011 209 f Tese Doutorado em Direito Faculdade de Direito Universidade de São Paulo São Paulo 2011 p 44 132 DI GESU Cristina Prova penal e falsas memórias p 128 20 nossa mente e alterar nossas recordações Isso pode ocorrer até mesmo quando lemos ou assistimos uma reportagem da mídia sobre algum evento que podemos ter experienciado nós mesmos133 Nesse sentido é preciso diferenciar esse tipo de memória de uma mentira deliberada Como aponta Lopes Jr as falsas memórias são aquelas em que a pessoa acredita realmente no que está descrevendo tendo em vista que a sugestão é externa pode até ser interna mas de forma inconsciente contudo a mentira diferese desta pois a pessoa tem conhecimento do seu espaço de invenção e manipulação O autor destaca que ambas oferecem risco à confiabilidade da prova porém a primeira é mais preocupante e mais difícil de se identificar tendo em vista que tal manipulação é realizada inconscientemente134 Consoante ensina Stein as falsas memórias não devem ser confundidas com mentiras ou fantasias elas são inclusive muito próximas das memórias verdadeiras tanto no que se referem a sua base cognitiva quanto neurofisiológica Elas se distinguem das memórias verdadeiras pelo fato de que as falsas memórias são compostas no todo ou em parte por lembranças de informações ou fatos que não ocorreram na realidade Destaca ainda que as falsas memórias são frutos do funcionamento normal não patológico de nossa memória135 As falsas memórias podem se originar de duas maneiras distintas tanto devido a uma distorção endógena quanto por uma falsa informação oferecida pelo ambiente externo assim classificandoas conforme a origem do processo de falsificação são denominadas espontâneas e sugeridas As primeiras também denominadas de autossugeridas são resultantes de distorções internas ao sujeito consequência do processo normal de compreensão de um evento fruto de processos de distorções mnemônicas endógenas As falsas memórias sugeridas por sua vez dizem respeito àquelas que resultam de uma sugestão externa ao indivíduo seja esta proposital ou não cuja ocorrência está ligada à aceitação de uma falsa informação posterior ao evento ocorrido e à subsequente incorporação na memória original Assim após se presenciar um evento transcorre um certo período no qual uma nova informação é apresentada como fazendo parte do evento original quando na realidade não faz136 Nesse compasso devemos lembrar que no caso em estudo os suspeitos foram apresentados à vítima e às testemunhas para realização de reconhecimento pessoal no local dos fatos momentos após o ocorrido com todo estigma de uma condução policial o que somado ao clamor popular por segurança que se formou no local gerou situação que sugeriria terem sido eles os autores do delito Não se está de modo algum sustentando a ideia de uma acusação levianamente mas sim que as circunstâncias externas ao indivíduo influenciam o ato de reconhecer a ponto de sugeririncutir no ofendido a certeza de quem está reconhecendo E Stein assevera as falsas memórias podem ser tão ricas em detalhes quanto as memórias verdadeiras pois a relação confiançaacurácia da memória é fraca Um reconhecimento correto por exemplo pode ter muita confiança o mesmo pode ocorrer para reconhecimentos errôneos137 Existe uma crença apesar de infundada em estudos científicos que uma pessoa que 133 LOFTUS Elizabeth F Criando falsas memórias Scientific American S l Sep 1997 Disponível em httpwwwoocitiesorgathensacropolis6634falsamemoriahtm Acesso em 27 abr 2020 134 LOPES JR Aury Direito Processual Penal 16 ed São Paulo Saraiva Educação 2019 p 477478 135 STEIN Lilian Milnitsky Falsas Memórias fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas Porto Alegre Artmed 2010 p 22 136 STEIN Lilian Milnitsky Falsas Memórias fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas p 2526 137 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses Brasília DF Secretaria de Assuntos Legislativos Ministério da Justiça 2015 Série Pensando Direito No 59 p 24 Disponível em httppensandomjgovbrwpcontentuploads201602PoD59Lilianweb1pdf Acesso em 04 abr 2020 21 vivenciou eventos emocionais nunca se esquecerá do fato mantendo uma lembrança clara do que ocorreu e dos envolvidos De fato lembranças emocionalmente carregadas produzem memórias emocionais que tendem a ser bastante vívidas mas não necessariamente precisas138 O fato de lembrarmos mais de eventos emocionais não quer dizer que essas lembranças sejam imunes à distorção139 Embora se fale de memórias falsas sugeridas ou espontâneas não se quer afirmar que as demais lembranças sejam totalmente verdadeiras ou autenticas à realidade porquanto o estudo sobre a memória não possibilita tal conclusão como bem aponta Di Gesu140 De outra banda deve ser destacado que a circunstância tempo também é de fundamental relevância para a fidedignidade do reconhecimento pois este permite que informações desvaneçam na memória provocando o esquecimento141 Aliás ao tratar do tempo e demais circunstâncias que influenciam no reconhecimento Machado explica que Ignorar por exemplo as consequências do transcurso temporal do estresse ou do efeito arma no registro armazenamento e recuperação da memória de vítimas e testemunhas implicadas em um evento criminal e ao mesmo tempo insistir em sugestões diretas ou indiretas na ânsia de trazer à tona a realidade do fato ocorrido pode ser justamente o início de mais um erro investigativo a fundar condenações indevidas142 Por isso não se pode em nome de um rápido esclarecimento desconsiderarse os demais procedimentos de observância necessária para um correto reconhecimento pois a emoção também é fator de influência na memória As emoções e o estado de ânimo juntamente com o nível de consciência do indivíduo são os maiores reguladores da aquisição formação e evocação das memórias como explica Di Gesu143 Logo mostrase indispensável na prática jurídica não se ignorar sua estreita relação Por outra lado deve ser destacada a expectativa da vítima ou testemunha Lopes Jr assevera que as pessoas tendem a ver e ouvir aquilo que querem ver e ouvir Para além disso os estereótipos culturais como cor classe social sexo etc têm significativa influência na percepção dos delitos conduzindo às vítimas a um reconhecimento em função desses estereótipos144 geralmente nos crimes patrimoniais com violência como é o exemplo no caso em análise em que a raça e perfil socioeconômico são estruturantes de um estigma O mencionado autor destaca que no imaginário coletivo o que é bonito é bom logo tendese a reconhecer como criminoso a cara mais feia dado que um rosto bonito e atraente possui traços de uma conduta mais socialmente desejável do que uma cara feia145 E no momento em que a testemunha é chamada para depor ou reconhecer ela recupera o que recorda 138 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses Brasília DF Secretaria de Assuntos Legislativos Ministério da Justiça 2015 Série Pensando Direito No 59 p 21 Disponível em httppensandomjgovbrwpcontentuploads201602PoD59Lilianweb1pdf Acesso em 04 abr 2020 139 STEIN Lilian Milnitsky Falsas Memórias fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas Porto Alegre Artmed 2010 p 88 140 DI GESU Cristina Prova penal e falsas memórias 3 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2019 p 132 141TOMÉ LOPES Mariângela O Reconhecimento como Meio de Prova Necessidade de Reformulação do Direito Brasileiro 2011 209 f Tese Doutorado em Direito Faculdade de Direito Universidade de São Paulo São Paulo 2011 p 45 142 MACHADO Leonardo Marcondes O reconhecimento de pessoas como fonte de injustiças criminais Revista Consultor Jurídico S l 2019 Disponível em httpswwwconjurcombr2019jul16academiapolicia reconhecimentopessoasfonteinjusticascriminais Acesso em 28 abr 2020 143 DI GESU Cristina Prova penal e falsas memórias p 141142 144 LOPES JR Aury Direito Processual Penal 16 ed São Paulo Saraiva Educação 2019 p 493 145 LOPES JR Aury Direito Processual Penal p 493494 22 do evento delituoso e junto com isso ela ativa a memória do seu esquema do estereótipo de assaltante influenciando a sua memória para o momento que ela vivenciou146 Por fim deve ser destacado também o efeito compromisso o qual ocorre como explica a doutrina quando inicialmente a vítima identifica de forma incorreta por exemplo quando analisa diversas fotografias e elege erroneamente um indivíduo e a posteriori realiza um reconhecimento pessoal Neste caso em que o agente tende a persistir no erro existe um enorme risco que ele mantenha o compromisso anterior mesmo com incertezas O doutrinador alerta que o maior problema está no efeito indutor disso no qual se estabelece um préjuízo que acaba por contaminar o futuro reconhecimento pessoal147 Com base nesse arcabouço técnico elaborado mostramse perceptíveis as inúmeras falhas ocorridas no caso objeto de estudo do presente trabalho as quais conduziram à prisão cautelar dos suspeitos e ao oferecimento de denúncia Passemos então à sua análise 6 ANÁLISE DO CASO PROBLEMAS DO SISTEMA E MEDIDAS DE REDUÇÃO DE DANOS Com base na breve análise legal e científica realizada podemos reparar que o caso inicialmente trazido a estudo foi permeado por diversas inconstitucionalidadesilegalidades sendo necessários alguns apontamentos acerca dos riscos envolvendo o reconhecimento e as possíveis medidas de redução de danos que possam ser implementadas na prática Relembrese que os acusados foram detidos nas imediações do local dos fatos ambos foram algemados e trazidos em viatura policial diretamente ao local do crime para serem reconhecidos pelas vítimas e testemunhas Notese que desde a abordagem policial dos suspeitos produziuse a prova da autoria sem observância da garantia da jurisdição já que como antes referido o primeiro reconhecimento realizado sugestiona e vicia quando falso todos os demais atos produzidos durante o processo sob o crivo do contraditório Chamase a atenção à necessidade de que se observe o princípio em exame pois a prova então formada será livremente valorada pelo magistrado sob aparente manto de legalidade Se o processo é o ambiente no qual se proporciona a construção da sentença seu principal destinatário não pode ser conduzido equivocadamente à escolha da verdade que se formou pois ela nem sequer existiu Também não se observou minimamente o princípio da presunção de inocência o qual ampara o devido tratamento do acusado como inocente e impondo limites à sua estigmatização De imediato os acusados foram tratados como culpados obrigados a comparecer ao local do crime sendo também ignorado completamente o seu direito de não se autoincriminarem148 ou de não participarem da produção de prova que possa reverter contra si próprio nemo tenetur se detegere Reprisese que a identificação foi realizada em via pública utilizandose a técnica de showup com os suspeitos algemados e sendo os únicos a serem apresentados às vítimas e testemunhas sem qualquer observância dos procedimentos legais previstos Como referido alhures forma é garantia149 não podendo ser deliberadamente ignorada sob pena de afronta ao 146 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses Brasília DF Secretaria de Assuntos Legislativos Ministério da Justiça 2015 Série Pensando Direito No 59 p 29 Disponível em httppensandomjgovbrwpcontentuploads201602PoD59Lilianweb1pdf Acesso em 04 abr 2020 147 LOPES JR Aury Direito Processual Penal 16 ed São Paulo Saraiva Educação 2019 p 494 148 LOPES JR Aury ZUCCHETTI FILHO Pedro O Direito do Acusado de Não Comparecer ao Reconhecimento Pessoal Revista Consultor Jurídico S l 2019 Disponível em httpswwwconjurcombr2019mar 08limitepenaldireitoacusadonaocomparecerreconhecimentopessoal Acesso em 27 abr 2020 149 LOPES JR Aury Direito Processual Penal p 488 23 devido processo legal Não pode ser considerado devido o processo conduzido alheio às normativas aplicáveis em nome de uma pretensa verdade real A verdade deve ser formada no processo com observâncias das regras aplicáveis pois do contrário a ambição pela verdade acaba por legitimar abusos150 como os ocorridos no presente caso Observase no caso em exame que a primeira identificação realizada pelo ofendido no local dos fatos momentos após o delito com todo o estigma de uma condução policial somado ao clamor popular por segurança que se formou no local sugestionaram e induziram o reconhecimento dos acusados Tais influências externas151 contaminaram inconscientemente152 vítima e testemunhas para que afirmassem positivamente ao reconhecimento Ora os reconhecedores ao avistarem a viatura militar retornando ao local com dois sujeitos algemados e ouvirem vozes de populares indicando serem os detidos os autores do crime prontamente acenaram positivamente ao reconhecimento Assim não fosse a emoção como fatores de influência na formação da memória153 não se teria formado o ambiente propício ao reconhecimento contaminado sugestionado pelas circunstâncias externas que o permearam Cumpre salientar que tal forma de reconhecimento além de não observar os requisitos legais previstos não permite a mínima confrontação das características a priori informadas pela vítima com o posterior reconhecimento Além do mais restou completamente ignorado o disposto no artigo 228 do Código de Processo Penal o qual prevê que cada vítimatestemunha realize o reconhecimento em separado da outra conservando a incomunicabilidade entre si para que se mantenha a espontaneidade e a sinceridade das declarações Alertase para a possível ocorrência da aceitação inconsciente da falsa informação externa ao indivíduo mesmo que sem intenção a qual ocorre posterior ao evento ocorrido Não intencional sem dúvida pois o caso em exame envolvia pessoa esclarecida magistrado de carreira que não tinha motivo algum para incriminar inocentes No que tange à questão do estereotipo observase que tanto no momento em que os policiais decidem abordar os acusados como no instante da identificação pelo ofendido no local do crime essa variável estava presente O acusado 1 em seu depoimento relatou que foi questionado pela guarnição acerca das suas vestes como poderiam pertencer a um médico como ele se dizia ser com barba por fazer tênis velho e com gorro preto Vale dizer fora tratado como suspeito pela aparência154 descuidada e por ela também reconhecido A questão se agrava nos crimes como o do presente estudo em que houve o uso de arma Como ressalta a doutrina em casos tais a vítima tem em seu campo de visão um objeto raro causador de temor e medo o qual passa a ser o objeto direto de sua percepção e levando em nome da sobrevivência a preocuparse basicamente com seu movimento A sequência visual das pessoas em cenas traumáticas é diversa da ocorrida em situações normais e não raras vezes o ofendido consegue descrever a cor e alguns detalhes da arma utilizada tendo mínima capacidade perceptiva dos demais detalhes da cena como por exemplo a roupa e o rosto do acusado Esse fenômeno foi estudado pela psicologia e denominado como fator foco da arma155 Nesse contexto tal variável deve ser considerada altamente prejudicial para um reconhecimento 150 OLIVEIRA Eugênio Pacelli de Curso de Processo Penal 19 ed São Paulo Atlas 2015 p 333 151 DI GESU Cristina Prova penal e falsas memórias 3 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2019 p 108 152 STEIN Lilian Milnitsky Falsas Memórias fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas Porto Alegre Artmed 2010 p 219 153 DI GESU Cristina Prova penal e falsas memórias p 141142 154 LOPES JR Aury Direito Processual Penal 16 ed São Paulo Saraiva Educação 2019 p 493 155 LOPES JR Aury ROSA Alexandre Morais da Memória não é Polaroid Precisamos Falar sobre Reconhecimentos Criminais Revista Consultor Jurídico S l 2014Disponível em httpswwwconjurcombr2014nov07limitepenalmemorianaopolaridprecisamosfalar reconhecimentoscriminais Acesso em 27 abr 2020 24 positivo especialmente em crimes como o do caso estudado em que o contato agressorvítima seja mediado pelo uso de arma de fogo156 E como se observou no caso inicialmente trazido a própria vítima relatou em primeiro momento não ter visualizado ou têlo visto superficialmente quando da abordagem amparando seu reconhecimento em associações periféricas Por sorte no presente caso a prova da autoria o reconhecimento restou descredibilizada pelo forte álibi apresentado pelo suspeito 1 testemunhos e registros telefônicos O suspeito 2 desde a apresentação foi reconhecido apenas por parecer com o autor do delito e mesmo assim foi preso em flagrante e preventivamente denunciado e processado Assim fica evidente a fragilidade do nosso sistema penal que direciona todo seu aparato estatal com base em indícios de autoria angariados sem qualquer observância das regras legais quiçá deixando de atender ao mandamento constitucional de uma punição amparada por um devido processo legal e garantindose até a sentença final a presunção de inocência Por isso conforme muito bem relatado por Lopes Jr para além das ilegalidades costumeiramente realizadas no reconhecimento pessoal é importante uma visão prospectiva mirando futuras reformas processuais Nessa senda cabe alguns apontamentos objetivando qualificar a colheita deste meio probante assim como se não eliminando ao menos diminuir injustiças A adoção do ato de reconhecimento deve ocorrer por alinhamento preferencialmente sequencial utilizandose a chamada condução às cegas na qual nem policial condutor do ato e nem vítima ou testemunha sabem quem é o suspeito entre os participantes evitando sugestionamentos Não menos importante devese advertir ao reconhecedor que o suspeito pode ou não pode estar presente Isso reduz a margem de falhas de um reconhecimento realizado a partir de um préentendimento de que o suspeito está presente157 Muitas são as identificações confirmadas devido à crença das pessoas de que o agente público somente realiza um reconhecimento quando já tem um bom suspeito158 É de especial valia também que o reconhecimento seja realizado uma única vez na medida em que não há como reproduzilo nas mesmas condições nem mesmo com os mesmos sujeitos participantes do primeiro ato o único presente nos dois momentos seria o acusado Assim no momento em que a vítima teve contato com o suspeito a imagem guardada em sua memória influirá no segundo reconhecimento viciando o ato Logo é um meio irrepetível de prova159 Nessa linha destacamos o seu caráter de urgência visto a influência que a memória produz no reconhecimento não sendo impossível falar em prova antecipada contudo indispensável sua produção perante as partes e o juiz em respeito ao contraditório160 mirando assim a diminuição da ação do tempo esquecimento161 De outra banda os procedimentos previstos nos arts 226 e 228 do Código de Processo Penal devem ser observados impreterivelmente pois como verificamos não existem 156 LOPES JR Aury Direito Processual Penal 16 ed São Paulo Saraiva Educação 2019 p 493 157 LOPES JR Aury Direito Processual Penal p 497 158 DI GESU Cristina Prova penal e falsas memórias 3 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2019 p 160 159TOMÉ LOPES Mariângela O Reconhecimento como Meio de Prova Necessidade de Reformulação do Direito Brasileiro 2011 209 f Tese Doutorado em Direito Faculdade de Direito Universidade de São Paulo São Paulo 2011 p 32 160TOMÉ LOPES Mariângela O Reconhecimento como Meio de Prova Necessidade de Reformulação do Direito Brasileiro p 3233 161 ÁVILA Gustavo Noronha de Política não criminal e processo penal a intersecção a partir das Falsas Memórias da testemunha e seu possível impacto carcerário Revista Síntese Direito Penal e Processual Penal Porto Alegre v14 n 84 fevmar 2014 p 69 25 reconhecimentos informais As disposições previstas nos mencionados artigos prestamse a filtrar possíveis erros Para Nucci a padronização e a automatização dos reconhecimentos informais por vezes falhos e vulgarizados podem levar ao cárcere inocentes os quais não raras vezes clamam pela negativa de autoria desde o prelúdio da fase policial162 Nesta senda cumpre destacar ainda a importância da descrição prévia ao reconhecimento pela qual se poderá observar as características descritas pela vítima e comparar se são minimamente compatíveis com as do suspeito A técnica do showup não deve ser utilizada dado o alto nível de sugestionabilidade inconsciente já que não observado um número mínimo de participantes do ato não podendo serem confrontadas pessoas com semelhanças Tais exigências precisam ser respeitadas para que o nível de indução seja o menor possível A prova produzida em desconformidade com o procedimento previsto não pode ser valorada no processo cabendo à acusação buscar a identificação da autoria por outros meios de prova que não o reconhecimento reputado viciado De outro lado a legislação deve ser atualizada e o reconhecimento produzido ao arrepio da lei precisa receber o mesmo tratamento normativo previsto para as provas ilegais artigo 157 do Código de Processo Penal163 Por fim embora exista liberdade probatória e mesmo sendo livre o convencimento do magistrado há que angariar outros elementos de provas acerca da autoria não podendo a condenação ser pautada exclusivamente no reconhecimento pessoal para que não haja supervalorização da prova como observa Machado164 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo das técnicas de reconhecimento pessoal empregadas no Brasil e o complexo funcionamento da memória e da possibilidade de falsas lembranças alertanos para a fragilidade do reconhecimento pessoal como meio de prova Nessa linha com base na breve análise legal e científica realizada nos tópicos anteriores podemos reparar que o caso inicialmente trazido a estudo foi permeado por diversas inconstitucionalidadesilegalidades Princípios e garantias fundamentais como o devido processo legal a garantia da jurisdição a violação de produção de provas contra a vontade do suspeito e a sua presunção de inocência não foram minimamente observados resultando em sua prisão cautelar submissão a processo penal e gerando a sua estigmatização Verificouse através do study case que o reconhecimento pessoal foi sugestionado tendo resultado em indução de reconhecimento Oportuno destacar também como ocorreu no caso abordado que a apresentação de um único indivíduo técnica de showup sem a observância das diretrizes normativas estabelecidas como por exemplo a descrição do criminoso antes de a vítimatestemunha ser submetida ao procedimento de reconhecimento somados a um ambiente influenciável como é o caso do local do crime e estando o suspeito algemado ao lado de policiais gera a sugestão que seria o conduzido o autor do delito Ademais uma identificação realizada logo após um evento criminoso com toda a carga emocional inerente a situação vivida e suscetível a toda influência externa provocada por 162 NUCCI Guilherme de Souza Provas no Processo Penal São Paulo Editora Revista dos Tribunais 2009 p 117 163 Art 157 do CPP São inadmissíveis devendo ser desentranhadas do processo as provas ilícitas assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais 164 MACHADO Leonardo Marcondes O reconhecimento de pessoas como fonte de injustiças criminais Revista Consultor Jurídico S l 2019 Disponível em httpswwwconjurcombr2019jul16academiapolicia reconhecimentopessoasfonteinjusticascriminais Acesso em 28 abr 2020 26 populares e testemunhas insatisfeitos com a violência são fatores a proporcionar um ambiente fértil para o surgimento de falsas memorias tanto sugeridas como espontâneas Lembrandose que as falsas memórias não se tratam de mentiras ou de uma acusação leviana mas sim um funcionamento normal da memória da aceitação inconsciente da falsa informação externa as quais podem ser tão ricas em detalhes e expressadas com tanta confiança como a de uma memória verdadeira Assim verificouse a fragilidade do nosso sistema penal em especial no cumprimento do ato de reconhecimento pessoal importante meio probatório contudo extremamente vulnerável terreno propício para as falsas memórias produzindo reconhecimentos errôneos Nesse sentido parece de fundamental importância que o reconhecimento seja realizado com seriedade e em estrita observância dos requisitos legais adotandose medidas capazes de reduzir a ocorrência de reconhecimentos incorretos Com efeito o procedimento precisa ser executado em local apropriado diverso daquele onde os fatos ocorreram Dever também ser implementada e valorizada a prévia descrição do imputado pela testemunhavítima Para o ato imprescindível a utilização da técnica por alinhamento sequencial ou simultâneo com participantes de características parecidas a do suspeito e em número de pessoas não inferior a cinco Ainda necessária seja realizada a condução do ato às cegas e advertindose o reconhecedor que o suspeito pode ou não estar presente Por fim o ato precisa ser realizado com uma testemunhavítima de cada vez com a presença da acusação e defesa Cabe referir outrossim que o valor dado para este meio de prova deve ser repensado visto que o resultado desta identificação independente do momento do processo que é realizada tem implicações diretas na condução da persecução penal no deslinde do processo criminal e na vida do imputado Sob tais perspectivas vislumbrase a necessidade de que ao reconhecimento pessoal seja dispensado rigoroso tratamento à luz das diretrizes normativas bem como seja estudado em consonância com a ciência da memória e das falsas memórias pois quando mal conduzido resulta não em mera irregularidade mas sim em verdadeira injustiça A observância dos requisitos estabelecidos forma condições mínimas de credibilidade deste meio de prova REFERÊNCIAS ALTAVILLA Enrico Psicologia Judiciária Tradução de Fernando de Miranda 3 ed Coimbra Arménio Amado 1981 v I ÁVILA Gustavo Noronha de Política não criminal e processo penal a intersecção a partir das Falsas Memórias da testemunha e seu possível impacto carcerário Revista Síntese Direito Penal e Processual Penal Porto Alegre v14 n 84 fevmar 2014 BADARÓ Gustavo Henrique Righi Ivahy Ônus da prova no Processo Penal São Paulo Revista dos Tribunais 2003 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03constituicaoconstituicaohtm Acesso em 15 abr 2020 BRASIL Decretolei nº 2848 de 07 de dezembro de 1940 Código Penal Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03decretoleidel2848htm Acesso em 18 mar 2020 BRASIL Decretolei nº 3689 de 03 de outubro de 1941 Código de Processo Penal Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03decretoleidel3689htm Acesso em 18 mar 2020 27 DI GESU Cristina Prova penal e falsas memórias 3 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2019 ESPINOLA FILHO Eduardo Código de Processo Penal Brasileiro Anotado 6 ed Rio de Janeiro Editor Borsoi 1965 FEITOZA Denilson Direito Processual Penal 7 ed Niterói RJ Impetus 2010 FERRAJOLI Luigi Direito e Razão Teoria do Garantismo Penal Traduzido por Ana Paula Zomer Fauzi Hassan Choukr Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes São Paulo Revista dos Tribunais 2002 IZQUIERDO Ivan Memória 3 ed Porto Alegre Artmed 2018 Ebook Disponível emhttpsintegradaminhabibliotecacombrbooks9788582714928cfi6204224401 00 Acesso em 15 abr 2020 KHALED JR Salah H DIVAN Gabriel Antinolfi A captura psiquica do juiz e o sentido da atividade probatória no Processo Penal contemporâneo Revista Brasileira de Ciências Criminais São Paulo v 156 ano 27 p 395423 Ed RT junho 2019 LIMA Renato Brasileiro de Manual de Processo Penal volume único 5 ed Salvador Ed JusPodivm 2017 LOFTUS Elizabeth F Criando falsas memórias Scientific American S l Sep 1997 Disponível em httpwwwoocitiesorgathensacropolis6634falsamemoriahtm Acesso em 27 abr 2020 LOPES JR Aury Direito Processual Penal 16 ed São Paulo Saraiva Educação 2019 LOPES JR Aury FELIX Yuri Editorial Revista Brasileira de Ciências Criminais São Paulo v 156 ano 27 p 1921 Ed RT junho 2019 LOPES JR Aury GLOECKNER Ricardo Jacobsen Investigação preliminar no processo penal 6 ed São Paulo Saraiva 2014 LOPES JR Aury KESSLER DE OLIVEIRA Daniel La mano de Dios e a admissibilidade da prova no processo penal Revista Consultor Jurídico S l 2020 Disponível em httpswwwconjurcombr2020jun05limitepenallamanodiosadmissibilidadeprova processopenal Acesso em 17 jun 2020 LOPES JR Aury ROSA Alexandre Morais da Memória não é Polaroid Precisamos Falar sobre Reconhecimentos Criminais Revista Consultor Jurídico S l 2014 Disponível em httpswwwconjurcombr2014nov07limitepenalmemorianaopolaridprecisamosfalar reconhecimentoscriminais Acesso em 27 abr 2020 LOPES JR Aury ZUCCHETTI FILHO Pedro O Direito do Acusado de Não Comparecer ao Reconhecimento Pessoal Revista Consultor Jurídico S l 2019 Disponível em httpswwwconjurcombr2019mar08limitepenaldireitoacusadonaocomparecer reconhecimentopessoal Acesso em 27 abr 2020 28 MACHADO Leonardo Marcondes O reconhecimento de pessoas como fonte de injustiças criminais Revista Consultor Jurídico S l 2019 Disponível em httpswwwconjurcombr2019jul16academiapoliciareconhecimentopessoasfonte injusticascriminais Acesso em 28 abr 2020 MENDES Manuel José ALMEIDA GARRETT Francisco de Da Prova por Reconhecimento em Processo Penal Identificação de Suspeitos e Reconhecimentos Fotográficos Porto Fronteira do Caos 2007 NUCCI Guilherme de Souza Provas no Processo Penal São Paulo Revista dos Tribunais 2009 OLIVEIRA Eugênio Pacelli de Curso de Processo Penal 19 ed São Paulo Atlas 2015 QUEIJO Maria Elizabeth O Direito de Não Produzir Prova Contra si Mesmo o princípio nemo tenetur se detegere e suas decorrências no processo penal 2 ed São Paulo Saraiva 2012 RANGEL Paulo Direito Processual Penal 14 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 RIO GRANDE DO SUL Tribunal de Justiça Sexta Câmara Criminal Apelação Crime Nº 70054904396 Relator Ícaro Carvalho de Bem Osório Julgado em 30012014 Disponível em httpswwwtjrsjusbrsitebuscasolrindexhtmlabajurisprudencia Acesso em 20 mar 2020 STEIN Lilian Milnitsky ÁVILA Gustavo Noronha de Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao 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Reconhecimento Fotográfico In GIACOMOLLI Nereu José AZAMBUJA AMARAL Maria Eduarda SILVEIRA Karine Darós orgs Processo Penal Contemporâneo em Debate Porto Alegre Boutique Jurídica 2019 v 4