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29012024 1632 Acórdão do Tribunal da Relação de Évora fileCUserscrsljDesktopAcórdão do Tribunal da Relação de Évora 2018htm 113 Acórdãos TRE Acórdão do Tribunal da Relação de Évora Processo 1115081 Relator ANTÓNIO JOÃO LATAS Descritores NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA PLURALIDADE DE INFRACÇÕES Data do Acordão 18112008 Votação UNANIMIDADE Texto Integral S Meio Processual RECURSO PENAL Decisão PROVIDO Sumário I O conceito de negligência grosseira implica uma especial intensificação da negligência não só ao nível da culpa mas também ao nível do tipo de ilícito A este último nível tornase indispensável que se esteja perante uma acção particularmente perigosa e de um resultado de verificação altamente provável à luz da conduta adoptada II A negligência grosseira não se verifica apenas ou mesmo privilegiadamente nos casos de negligência consciente III O arguido que com uma só acção realiza diversos tipos legais ou realiza diversas vezes o mesmo tipo de crime contra as pessoas por negligência consciente ou inconsciente é punido em concurso efectivo ideal homogéneo ou heterogéneo conforme os casos por uma pluralidade de crimes Decisão Texto Integral Acordam os Juízes após audiência na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora I Relatório 1 Nos autos de processo comum com intervenção do tribunal colectivo nº que correm termos no 2º juízo criminal do tribunal Judicial da Comarca de foi julgada A nascida em 300778 a quem o MP imputara a prática em concurso real de um crime de homicídio por negligência p e p pelo art137º nº 1 e 2 do C Penal de um crime de ofensa à integridade física por negligência p e p pelo art 148º nº1do mesmo Código de um crime de condução perigosa de veículo p e p pelo art 291º nº 1 al b do C Penal de uma contraordenação ao disposto no art 35º do Código da Estrada de uma contraordenação ao disposto no art 21º do C Estrada com referência ao art 145º al f do mesmo Código e de uma contraordenação ao disposto nos arts 29º e 30º também do C Estrada 2 Realizada a Audiência de discussão e julgamento foi decidido por acórdão de 25022008 Julgar extinto por prescrição o procedimento contraordenacional contra a arguido quanto às contraordenações de que vem acusada Julgar a acusação improcedente por não provada quanto ao crime de condução perigosa de veículo p e p pelo artº 291º do C Penal dele absolvendo a arguida Julgar a acusação procedente por provada nos termos e com a qualificação jurídica supra descritas e em consequência a condenar a arguida pela prática de um crime de homicídio negligente p e p pelo artº 137º nº1 do C penal na pena de 18 dezoito meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo na condição da arguida pagar à Associação Para a Promoção da Segurança Infantil APSI com sede na Vila Berta nº7 rc Esq em Lisboa a quantia de 600 no prazo de 3 meses 3 Inconformado com a decisão recorreu o MP para este tribunal terminando a sua motivação com as seguintes Conclusões 1 Ao condenar A pela prática de um único crime de homicídio por negligência p e p no artº 137º nº1 do Código Penal quando os deveres de cuidado omitidos pela arguida no exercício da condução estradal o foram por forma grosseira e foram causa adequada da produção quer da morte de B quer de ofensas na integridade física de C já que foi por via da invasão da faixa de rodagem em que circulavam por parte da arguido que se deu o embate entre o veículo por esta conduzido e o motociclo em que aqueles seguiam sendo certo que a morte e as lesões que sofreram não teriam ocorrido se não fosse esse embate violou o douto colectivo o disposto nos artºs 137º nº2 e 30º nº1 ambos do Código Penal 2 Violado foi o artº 137º nº2 porquanto a matéria de facto provada leva a concluir pelo seu preenchimento A arguida ao efectuar uma manobra de trânsito de forma totalmente descuidada que se traduziu na invasão da faixa de rodagem contrária àquele em que seguia sem se importar com o trânsito que ali se fazia sentir e levando ao embate no motociclo demonstrou total 29012024 1632 Acórdão do Tribunal da Relação de Évora fileCUserscrsljDesktopAcórdão do Tribunal da Relação de Évora 2018htm 213 inconsideração pelos demais utentes da via total desconformidade com as necessidades básicas de cautela com que se deve actuar no exercício da condução 3 Sendo assim de qualificar como grosseira a negligência com que agiu a merecer o agravamento da pena de homicídio nos termos do nº2 do artº 137º do Código Penal 4 Por outro lado dispondo o nº 1 do artº 30º do Código Penal que O número de crimes determinase pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente deveria a arguida ter sido condenada pela prática de dois crimes em concurso real procedendose depois ao cúmulo jurídico das penas assim impostas 5 Ao que não obsta estarse no domínio da negligência conforme tem vindo recentemente a ser entendido pela jurisprudência 6 Pois que é a arguida merecedora do juízo de censura próprio da culpa relativamente a cada um dos concretos resultados verificados e crimes praticados 7 Ao fazerse reconduzir a punição à actuação da arguida ao seu acto de vontade ao entendimento de que o juízo de censura terá que ser igual ao número de decisões de vontade do agente como justificar a sua não punição nos casos em que tal conduta não leva a qualquer resultado danoso para terceiros casos de acidentes sem vítima 8 E como justificar que a mesma conduta possa ser qualificada como de homicídio negligente ou de ofensa à integridade física negligente consoante os resultados de uma mesma acção 9 Terá necessariamente que se concluir que nestes casos embora se puna a conduta negligente esta punição tem que ser ligada às consequências aos resultados não se verificando qualquer violação do princípio ne bis in idem 10 O juízo de censura parte dos resultados para a acção Só se os primeiros existirem e no grau em que existiram existe censura 11 Na verdade a punição a título de negligência pune precisamente a conduta traduzida numa omissão do dever objectivo de cuidado que de acordo com as circunstâncias se deveria ter tido E se é certo que as consequências não são queridas pelo agente motivo pelo qual ele é punido a título de negligência e não de dolo também é certo que é possível censurar a sua conduta por negligente tantas vezes quantas as lesões jurídicas que ele devia prever se produziriam e efectivamente vieram a ter lugar 12 O desvalor do resultado tem que ser relevado tal como sucede nos crimes dolosos 13 Daqui que o douto acórdão recorrido deva ser revogado e substituído por outro no qual a arguida A seja condenada pela prática em concurso real de um crime de homicídio por negligência e um outro contra a integridade física por negligência pp e pp nos artºs 137º nºs 1 e 2 e no artº 148º nº1 do Código Penal procedendose depois ao cúmulo jurídico dessas penas 14 Entendendo o MºPº que tendo em conta todos os elementos constantes no acórdão nomeadamente em termos de escolha da medida da pena deverá a arguida ser condenada na pena de 2 anos e 6 meses de prisão pela prática do crime de homicídio por negligência grosseira e de 1 ano de prisão pela prática do crime contra a integridade física por negligência e em cúmulo imposta a pena única de 3 anos de prisão suspensa na sua execução nos termos e sob a condição imposta no acórdão recorrido 3 Notificada para o efeito a arguida não respondeu 4 Nesta Relação o MP apresentou o seu parecer concluindo pela procedência do recurso 5 Notificada da junção do parecer a arguida nada disse 6 Transcrição parcial da decisão recorrida Discutida a causa ficaram provados os seguintes FACTOS 1 No dia 5 de Julho de 2005 pelas 19 horas na E M snº a arguida conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula no sentido nascentepoente 2 No mesmo local e à mesma hora mas em sentido contrário seguia o motociclo de matrícula conduzido por B levando como passageiro C 3 Ao chegar próximo de um entroncamento existente junto ao Hotel a arguida pretendeu mudar de direcção para a esquerda para entrar no parque de estacionamento existente em frente do referido hotel 4 Uma vez ali sem atentar no trânsito que circulava em sentido contrário a arguida avançou mudando de direcção para a esquerda atento o seu sentido de marcha invadindo a faixa de rodagem contrária onde circulava o motociclo indo assim embater com a parte da frente lateral direita do seu veículo na frente do motociclo cujo condutor não teve tempo de travar e evitar o embate 5 Em consequência da colisão o condutor e o passageiro do motociclo caíram tendo aquele ficado junto do local do embate e C sido projectado por cima do veículo que a arguida conduzia e ficado a cerca de dois metros do mesmo local 29012024 1632 Acórdão do Tribunal da Relação de Évora fileCUserscrsljDesktopAcórdão do Tribunal da Relação de Évora 2018htm 313 6 Da referida colisão resultou para o condutor do motociclo B graves lesões traumáticas melhor descritas no relatório de autópsia de fls 18 a 21 que aqui se dá por reproduzido que foram causa directa e necessária da sua morte e para o passageiro que com ele circulava C resultou traumatismo do membro inferior direito com ferida incisocontusa da perna e ferimentos superficiais no pé lesões estas que lhe determinaram um período de doença por 8 dias sendo os primeiros quatro dias com incapacidade para o trabalho conforme relatório médico de fls 183 a 185 e ficha clínica de fls 187 os quais aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais 7 A arguida ao pretender mudar de direcção para a esquerda atento o seu sentido de marcha fêlo com manifesta falta de cuidado sem prestar atenção ao trânsito que circulava em sentido contrário como lhe era exigível invadindo a faixa contrária no momento em que nela circulava um outro veiculo dando assim causa ao acidente com desrespeito por regras elementares de condução cujo cumprimento bem sabia serlhe exigível 8 A arguida conhecia bem o local em virtude de então trabalhar em parttime no referido hotel 9 A arguida não tem quaisquer antecedentes criminais 10 A arguida é tida pelas pessoas que com ela lidam como uma condutora prudente e respeitadora da sinalização 11 A arguida trabalha como contabilista auferindo mensalmente 650 e fora do seu horário de trabalho está a concluir o 3º ano do curso de gestão na Faculdade de Portimão Vive com o marido e um filho menor de 8 meses de idade 12 Segundo o relatório social elaborado pelo IRS o acidente em apreço provocou na arguida instabilidade emocional tendo recorrido a apoio psicoterapêutico junto do Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio Em julgamento não ficou provado que a arguida não assinalou por qualquer forma a sua intenção de mudança de direcção para a esquerda que na data do acidente a circulação no referido parque de estacionamento para a via pública onde seguia a arguida apenas era permitida para a saída de veículos do parque para a referida estrada municipal que a entrada no referido parque era então proibida aos condutores que circulassem na via em que seguia a arguida em ambos os sentidos que tal proibição de entrada no parque encontravase ao tempo devidamente assinalada para os condutores que circulassem na aludida via através de dois sinais verticais de sentido proibido que ladeavam um à direita e outro à esquerda a saída do referido parque que a arguida conhecia a existência dos referidos sinais de sentido proibido Fundamentação ENQUADRAMENTO JURÍDICOPENAL Com a sua conduta a arguida omitiu um dever de diligência que lhe era exigível em matéria de condução rodoviária não tendo tomado as cautelas exigidas por lei no artº35º do C Estrada sempre que um condutor pretenda mudar de direcção nem as previstas nos artºs 29º e 30º do mesmo Código sempre que pretenda entrar num entroncamento ou cruzamento o que no caso concreto lhe era exigível tendo assim actuado com negligência nos termos do artº 15º do C Penal Vem porém a arguida acusada de ter actuado com negligência grosseira Não sendo ainda seguro numa perspectiva dogmática o que deva entenderse por este conceito a negligência grosseira constitui no dizer do Profº Figueiredo Dias Comentário Conimbricense do Código Penal Tomo I pág 113 um grau essencialmente aumentado ou expandido de negligência Para o preenchimento do conceito continuando a citar o mesmo autor tornase necessário que estejamos perante uma intensificação da negligência tanto ao nível da culpa como do tipo de ilícito Exigese assim uma acção particularmente perigosa e um resultado de verificação altamente provável à luz da conduta adoptada que revele uma atitude particularmente censurável de descuido perante o comando jurídicopenal Conforme se escreveu no Ac da Relação do Porto de 91298 acessível em wwwdgsipt haverá negligência grosseira no crime de homicídio involuntário quando a falta de cuidado corresponde a uma violação grave dos deveres gerais de cautela segundo as regras da experiência comum e se traduza numa conduta em que a falta de observância daqueles deveres de cautela seja tão clamorosa que a sua ilicitude fique no meio caminho entre o dolo eventual e a negligência consciente Ora face ao factualismo apurado afigurase não estarmos perante uma situação de negligência grosseira embora concedamos que a terse provado toda a matéria de facto constante da acusação a conduta da arguida pudesse ser punida a esse título Ao chegar a um entroncamento a arguida decidiu mudar de direcção para a sua esquerda Fêlo sem atentar no trânsito que circulava em sentido contrário e sem se certificar que de tal manobra resultaria embaraço para o trânsito acabando por não ceder a passagem ao motociclo que circulava na via onde a arguida pretendia entrar Contudo não se provou que a arguida se tenha apercebido que o motociclo circulava na mesma estrada na faixa de rodagem onde a arguida pretendia entrar o 29012024 1632 Acórdão do Tribunal da Relação de Évora fileCUserscrsljDesktopAcórdão do Tribunal da Relação de Évora 2018htm 413 que seria fulcral para caracterizar o tipo de negligência O factualismo assente apenas permite concluir que a arguida conduziu de forma desatenta e descuidada mas já não que tenha conduzido com elevado desrespeito das regras de condução estradal nem que a sua atitude revele uma atitude particularmente censurável de descuido perante o comando jurídicopenal A conduta da arguida é assim subsumível no que ao homicídio respeita na previsão legal do nº1 do artº137º e não no seu nº2 como vem acusada Contudo tendo ocorrido em consequência do embate a morte de uma pessoa e ferimentos noutra colocase agora a questão que há muito vem sendo debatida nos tribunais com resultados nem sempre coincidentes e que não é consensual na doutrina que é a de saber se estamos apenas perante um concurso ideal de crimes devendo a arguida ser punida apenas pelo crime mais grave que é o do homicídio ou se perante um concurso real entre um crime de homicídio negligente e um crime de ofensa à integridade física simples a punir autonomamente Maioritariamente os Tribunais superiores têm entendido que quando do mesmo acidente resulte a morte de uma ou mais pessoas e ferimentos noutras estamos perante um crime de resultado múltiplo em que se pune o mais grave funcionando os outros como agravantes a atender na fixação concreta da pena Isto porque actuando o agente com mera culpa não é possível formular mais do que um juízo de censura por cada comportamento negligente e daí que a pluralidade de resultados típicos não corresponda a uma pluralidade de infracções neste sentido e entre outros cfr Acs STJ de 210198 CJ ano VI tomo 1º pág 173 de 281097 CJ ano V tomo 3º pág 212 de 140390 CJ ano XV tomo 2º pág 11 da Relação do Porto de 290502 acessível em wwwdgsiptjtrp da Relação de Coimbra de 60495 CJ ano XX Tomo 3º pág 59 da Relação de Évora de 180599 acessível em wwwdgsiptjtre Apesar de existir jurisprudência em sentido contrário ainda que minoritária que defende nestes casos um concurso real de crimes em virtude de existirem resultados múltiplos e por estarem em causa bens jurídicos eminentemente pessoais cfr Ac RC de 29032000 CJ ano XXV tomo 2º pág 48 e Ac RP de 24112004 disponível em wwwdgsiptjtrp em se tratando de crimes involuntários praticados com negligência inconsciente temos alguma dificuldade em dissociar a acção do seu resultado e como tal não sendo o mesmo previsível ao tempo da acção não é possível punir o agente por mais do que um crime Só faz sentido punir o agente por mais do que um crime quando ele pudesse ter configurado a possibilidade de da sua acção negligente poder resultar mais do que uma vítima pois só então é passível de vários juízos de censura tantos quantos os resultados que previu De outro modo o agente teria de ser responsabilizado individualmente por tantos crimes quantos os resultados que adviessem da mesma acção negligente o que em certos casos designadamente em matéria de acidentes de viação significaria uma penalização excessiva tornando dependente do mero acaso a punição por um ou mais crimes designadamente do número de ocupantes do veículo contra o qual o agente embate quando nem sequer o agente configurou a possibilidade de atingir várias pessoas nem lhe ser exigível que se aperceba do número de ocupantes desse veículo Temos assim e em conclusão que a conduta da arguida integra apenas a prática de um crime de homicídio por negligência p e p pelo artº 137º nº1 do C Penal DOSIMETRIA DA PENA Resta então determinar a pena concreta a aplicar à arguida o que se fará dentro dos limites definidos na lei em função da sua culpa e das exigências de prevenção atendendo a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime depuserem a seu favor ou contra ela tudo nos termos do artº 71º nºs1 e 2 do C Penal O crime em questão é punido com pena de prisão até 3 anos ou multa Manda o artº 70º do C Penal que se ao crime forem aplicáveis em alternativa pena privativa e pena não privativa da liberdade o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realize de forma adequada as finalidades da punição as quais são nos termos do artº 40º do mesmo Código a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade Não obstante estarmos perante uma conduta negligente embora típica e ilícita dela resultaram consequências muito graves a perda da vida de um jovem com apenas 17 anos a que se seguiu certamente a perda da alegria de viver da sua família por terem ficado tão cedo sem o seu ente querido além de que foram causadas lesões físicas embora sem sequelas permanentes num outro jovem da mesma idade As exigências de prevenção geral assumem aqui relevo significativo atento o elevadíssimo índice de sinistralidade que ocorre nas estradas portuguesas resultado na sua grande parte do desrespeito pelas normas de cuidado jurídico impostas a todos no exercício da condução Não obstante a circulação rodoviária ser em si mesma uma actividade objectivamente perigosa recai sobre cada um de nós enquanto condutores um dever especifico de prudência por forma a adoptar os deveres de cuidado adequados a evitar acidentes já que hoje podemos ser autores de um ilícito típico dessa natureza mas amanhã podemos ser vítimas desse mesmo facto ilícito praticado por outrem 29012024 1632 Acórdão do Tribunal da Relação de Évora fileCUserscrsljDesktopAcórdão do Tribunal da Relação de Évora 2018htm 513 Apesar da arguida não ter antecedentes criminais e de estar inserida social e profissionalmente o que atenua as exigências de prevenção especial quanto às necessidades da sua socialização mostra se mais adequada a pena detentiva da liberdade de inequívoca superioridade politicocriminal face às fortíssimas exigências de prevenção geral Ponderando assim o grau de ilicitude dos factos trágico nas suas consequências e elevado também pelo facto da arguida conhecer bem o local sendolhe por isso ainda mais exigível o tal dever de cuidado que não respeitou que a culpa do acidente é no caso de atribuir em exclusivo à arguida e que a mesma apesar de ter ficado abalada psicologicamente com o acidente não assumiu em julgamento a sua responsabilidade tendo presente a moldura penal prevista para o crime entendemos adequada a pena de 18 meses de prisão Considerando porém que a arguida é primária está integrada social e profissionalmente tem agora um filho de tenra idade e é tida como uma condutora prudente e cumpridora das regras de sinalização mostramse esbatidas as necessidades de ressocialização pelo que a advertência que constitui a condenação numa pena de 18 meses de prisão será quanto a nós um factor mais do que suficiente de acordo com um juízo normal de prognose de que no futuro a arguida irá ser uma condutora mais prudente e diligente e que os factos ocorridos terão sido um acto isolado na sua vida Termos em que se suspenderá a execução da pena de prisão por igual período nos termos do artº 50º do C Penal Ponderando a circunstância de a arguida não ter verdadeiramente demonstrado interiorização da censurabilidade da sua conduta e porque hoje já é mãe e por isso melhor compreenderá a dor certamente ainda sentida por aqueles que ficaram privados tão cedo do seu filho tão jovem entendemos subordinar a suspensão da execução da pena à obrigação de pagar à APSI Associação Para a Promoção da Segurança Infantil com sede em Lisboa a quantia de 600 no prazo de 3 meses de tal devendo fazer prova nos autos Cumpre apreciar e decidir II Fundamentação 1 Delimitação do objecto do recurso O MP apenas vem recorrer em matéria de direito suscitando duas questões que importa decidir Se é de qualificar como grosseira a negligência com que agiu a arguidamerecendo o agravamento da pena de homicídio nos termos do nº2 do art 137º do C Penal Se deveria a arguida ter sido condenada pela prática de dois crimes em concurso real sendo um de homicídio negligente p e p pelo art 137º nºs 1 e 2 e outro de ofensa à integridade física negligente p e p pelo art 148º nº 1 ambos do CPenal 2 Decidindo 21 Da qualificação do crime de homicídio negligente Como referido supra a primeira das questões a decidir é a de saber se em face da factualidade provada a conduta da arguida consubstancia a prática por esta de um crime de homicídio co0m negligência grosseira p e p pelo nº 2 do art 137º do CPenal Vejamos A revisão do o CPenal de 1995 manteve no art 137º dois níveis de punição do homicídio negligente que já vinham do art 136º da versão originária do CPenal limitandose a aumentar as penas abstractas neles previstas de um máximo de 2 para 3 anos na negligência simples e de um máximo de 3 para 5 anos na negligência grosseira limites que se mantêm na redacção actualmente em vigor inalterada desde o Declei 4895 de 15 de Março Sobre o que deva entenderse por negligência grosseira valem sobretudo as considerações sobre o conceito que podem colherse na doutrina e na jurisprudência de que possam resultar alguns parâmetros ou critérios capazes de orientar o aplicador do direito pois o legislador utilizao na parte especial do CPenal sem o definir aí ou na parte geral Independentemente de questões de ordem sistemática refere o Prof F Dias depois de aludir às dúvidas sobre o conceito que seguro é que a negligência grosseira constitui um grau essencialmente aumentado ou expandido de negligência Indiscutível esta asserção plenamente concordante com a moldura penal mais grave cominada no nº 2 do art 137º C Penal escasseiam as certezas ao nível do sentido e fundamento do conceito de negligência grosseira Diz a este respeito aquele professor depois de aludir a outras respostas possíveis para a questão constituir mera circunstância modificativa da pena uma forma de culpa ou uma característica da atitude do agente que a razão estará com Roxin quando defende que o conceito implica uma especial intensificação da negligência não só ao nível da culpa mas também ao nível do tipo de ilícito A este último nível tornase indispensável que se esteja perante uma acção particularmente perigosa e de um resultado de verificação altamente provável à luz da conduta adoptada Ao nível da culpa não pode esta deduzirse sem mais da especial gravidade da ilicitude exigese antes o 29012024 1632 Acórdão do Tribunal da Relação de Évora fileCUserscrsljDesktopAcórdão do Tribunal da Relação de Évora 2018htm 613 juízo autónomo de que o agente revelou uma atitude particularmente censurável de leviandade ou de descuido perante o comando jurídicopenal 1 Na jurisprudência pode citarse entre muitos o Ac STJ de 11111998 de cujo sumário pode lerse que III A negligência grosseira corresponde à antiga culpa lata latina e apresentando grandes afinidades com a culpa temerária espanholaconstitui uma culpa qualificada pela falta de previsão ponderação atenção diligência e cuidados mais elementares relator Conselheiro Leonardo Dias acessível em wwwdgsipt Também no sumário do Ac STJ de 15112001 pode lerse IA negligência grosseira é uma forma qualificada de negligência que ocorre quando a violação dos deveres de cuidado e diligência que consubstancia a negligência simples assume uma mais intensa gravidade quando os mais elementares deveres de precaução e prudência são de todo omitidos quando o acto omissivo revela grande irreflexão ou ligeireza relator Cons Hugo Lopes acessível em www dgsipt Posto isto importa agora deixar claro no concernente à relação do conceito com a negligência consciente e a negligência inconsciente art 15º do CPenal que ao contrário do que parece pressupor o acórdão recorrido 2 a negligência grosseira não se verifica apenas ou mesmo privilegiadamente nos casos de negligência consciente Como diz o Prof Faria Costa poder seia pensar o comportamento negligente a nosso ver erradamente à luz de uma escala de valor ascendente a negligência inconsciente encontrarseia no extremo da menor gravidade no centro estaria a consciente e no limite do desvalor máximo desvendarseia a negligência grosseira Uma tal compreensão em crescendo da negligência levarnosia em conclusão de que a negligência grosseira por força da sua localização naquela escala teria de possuir as notas caracterizadoras da negligência consciente e algo mais que justificasse a exasperação do desvalor Não seria assim pensável a qualificação como grosseira de uma negligência a inconsciente vista como um minus à luz daquela gradação Não se nos afigura porém adequada por desconforme com a realidade uma arrumação de tal modo espartilhada desta categoria dogmática que é a negligência É de resto do mais elementar senso comum a ideia de que a imprevisão do resultado que a norma pretende evitar pode em si mesma ser muito mais desvaliosa 3 Num quadro legislativo próximo do nosso afirma também Mir Puig 4 referindose às categorias gerais da negligência grave e negligência leve correspondentes à negligência grosseira e negligência simples e à relação destas com a negligência consciente e a negligência inconsciente que por um lado a culpa inconsciente poderá ser tão grave ou mais que a consciente se a infracção do dever objectivo de cuidado que supõe for maior que a realizada com negligência consciente por outro lado que Tanto pode constituir negligência grave a negligência consciente como a inconsciente sendo por vezes gravemente negligente empreender uma conduta muito perigosa sem sequer terse preocupado em averiguar quais os riscos que a conduta evidentemente implica Sendo assim como pensamos que é concluímos que independentemente de a arguida ter actuado com negligência inconsciente ou consciente o elevado grau de violação do dever de cuidado objectivamente reflectido na factualidade provada sempre preencheria o conceito de negligência grosseira prevista no art 137º nº2 do CPenal contrariamente à conclusão a que chegou o tribunal recorrido Na verdade do ponto de vista da ilicitude a acção concreta da arguida deve reputarse particularmente perigosa sendo o resultado de verificação altamente provável à luz da conduta adoptada Conduzindo a arguida o seu veículo automóvel e mudando de direcção para a sua esquerda sem prestar atenção ao trânsito que circulava em sentido contrário com o que invadiu a faixa de rodagem contrária por onde circulava o motociclo tão próximo deste que não deu ao condutor tempo de travar e evitar o embate constitui violação grave das regras estradais cfr arts 35º 44º e 145º nº 1 f todos do C Estrada devendo reputarse elevada a probabilidade de embater em veículo que circulasse em sentido contrário e sendo grande a susceptibilidade de pôr em perigo a vida de quem seguisse nele designadamente tratandose de veículo de duas rodas como foi o caso Ao nível da culpa a arguida revelou uma atitude particularmente censurável de leviandade ou de descuido perante o comando jurídicopenal pois seguindo numa recta de boa visibilidade durante o dia e sem que resulte dos autos a verificação de qualquer circunstância que pudesse atenuar a censurabilidade da sua conduta é dificilmente compreensível à luz do que será a conduta estradal de um condutor médio que naquele circunstancialismo a arguida invadisse a faixa contrária e fosse embater no motociclo quer consideremos que não chegou sequer a ver o motociclo quer o tivesse visto e confiasse temerariamente ajuizando ex post factum a partir da forma como ocorreu a colisão nº4 dos factos provados que passaria sem embaterlhe Concluímos assim como aludido que a arguida agiu com negligência grosseira 22 Concurso efectivo ou aparente de crimes Tendo ocorrido em consequência do embate a morte de uma pessoa e ferimentos noutra colocase agora a questão de saber se estamos apenas perante um concurso aparente de crimes também 29012024 1632 Acórdão do Tribunal da Relação de Évora fileCUserscrsljDesktopAcórdão do Tribunal da Relação de Évora 2018htm 713 designado concurso de normas devendo a arguida deve ser punida apenas pelo crime de homicídio por ser o mais grave como decidido no acórdão recorrido ou perante um concurso efectivo de crimes no caso concurso ideal heterogéneo por se preencherem tipos penais diferentes com a mesma conduta devendo a arguida ser punida em concurso efectivo por um crime de homicídio negligente e um crime de ofensa à integridade física negligente como pretende o MP recorrente 221 Súmula das três correntes jurisprudenciais sobre a questão Temse dividido a jurisprudência dos tribunais em três entendimentos sobre esta mesma questão todos representados em decisões do STJ a No chamado entendimento tradicional temse considerado que nos crimes negligentes com pluralidade de vítimas e unidade de conduta verificase sempre concurso aparente de crimes isto é quer se trate de negligência consciente ou inconsciente sendo o agente punido com a pena prevista no tipo penal mais grave Entre muitos é exemplo desta corrente o Ac STJ de 17121997 Rel Conselheiro Joaquim Dias cujo sumário aqui se transcreve integralmente por incluir o enunciado e os fundamentos do entendimento seguido I O concurso de crimes corresponde a uma pluralidade de crimes não necessariamente a uma pluralidade de factos Um só facto pode bastar para desenhar a figura do concurso ideal que o código equipara ao concurso real perfilhando o critério teleológico Um só facto pode ofender vários interesses jurídicos ou repetidamente o mesmo interesse jurídico Se a tais ofensas corresponderem outros tantos juízos de censura verificase o concurso efectivo de crimes real ou ideal II Portanto na definição de concurso efectivo de crimes não basta o elemento da pluralidade de bens jurídicos violados exigese a pluralidade de juízos de censura III Ora o número de juízos de censura é igual ao número de decisões de vontade do agente dos crimes Uma só resolução um só acto de vontade é insusceptível de provocar vários juízos de censura sem desrespeito do princípio ne bis in idem IV Por isso no concurso ideal sendo a acção exterior uma só a manifestação da vontade do agente quer sob a forma de intenção quer de negligência tem de ser plúrima tantas manifestações de vontade tantos juízos de censura tantos crimes V Nos termos do artigo 15 do CP o autor material de um crime culposo viola um dever de cuidado ou diligência objectiva e subjectivamente A manifestação de vontade do agente do crime culposo consiste pois na omissão voluntária de um dever não tem por conteúdo o facto e as suas consequências VI Num acidente de viação culposo a acção voluntária do agente traduzse no exercício de condução incorrecta de consequências não previstas mas que se deviam prever Sendo uma só a manifestação da vontade e um só o facto ilícito ainda que de evento plúrimo o número de juízos de censura não pode ultrapassar a unidade VII A acção negligente do arguido que com culpa grave deu causa ao acidente de que resultou a morte de uma pessoa e ofensas corporais noutras quatro dirigiuse exclusivamente à forma de condução Sobre ele recai portanto um só juízo de censura como autor de um crime de homicídio por negligência grosseira As ofensas à integridade física porque não fazem parte do tipo de crime são consideradas para efeitos do disposto na alínea a do n 2 do artigo 71 do CP aumentando o grau de ilicitude do facto b Uma segunda corrente jurisprudencial encontrase espelhada no Ac STJ de 8071998 CJ STJ A VII TIIp 240 rel Conselheiro Martins Ramires que decidiu que em matéria de crimes involuntários praticados com negligência consciente o agente comete tantos crimes quanto os resultados que previu e injustificadamente confiou que não se produziriam confirmando a condenação dos arguidos pela autoria em concurso efectivo de 3 crimes de homicídio negligente tantas quantas foram as vítimas Em termos de fundamentação escreveuse aí na definição de concurso efectivo de crimes não basta o elemento pluralidade de bens jurídicos violados exigese a pluralidade de juízos de censura E como é sabido pluralidade de juízos de censura existe sempre que seja possível desdobrar o elemento da culpa constituído pelo elo psicológico entre o agente e o resultado Elo que é característico dos crimes dolosos mas que embora mais ténue também existe nas infracções praticadas com culpa consciente com art 15º a do CP ou seja nas infracções em que o agente prevê o resultado mas actua confiado em que este não irá acontecer p 240 Quando o agente não prevê os resultados típicos por actuar com culpa inconsciente só é possível formular um juízo de censura por cada comportamento negligente não tendo assim a pluralidade de eventos virtualidade para desdobrar as infracções cfr Ac STJ de 28101997 CJ STJ A VTIII p 212 Parece ir neste sentido o acórdão recorrido conforme resulta do trecho que ora se transcreve bem elucidativo das razões do tribunal recorrido em se tratando de crimes involuntários praticados com negligência inconsciente temos alguma dificuldade em dissociar a acção do seu resultado e 29012024 1632 Acórdão do Tribunal da Relação de Évora fileCUserscrsljDesktopAcórdão do Tribunal da Relação de Évora 2018htm 813 como tal não sendo o mesmo previsível ao tempo da acção não é possível punir o agente por mais do que um crime Só faz sentido punir o agente por mais do que um crime quando ele pudesse ter configurado a possibilidade de da sua acção negligente poder resultar mais do que uma vítima pois só então é passível de vários juízos de censura tantos quantos os resultados que previu De outro modo o agente teria de ser responsabilizado individualmente por tantos crimes quantos os resultados que adviessem da mesma acção negligente o que em certos casos designadamente em matéria de acidentes de viação significaria uma penalização excessiva tornando dependente do mero acaso a punição por um ou mais crimes designadamente do número de ocupantes do veículo contra o qual o agente embate quando nem sequer o agente configurou a possibilidade de atingir várias pessoas nem lhe ser exigível que se aperceba do número de ocupantes desse veículo c Por último considerase como no Ac STJ de 11111998 que I Não há razão válida para se defender que ainda que só nos casos de negligência inconsciente o concurso ideal heterogéneo deva ser punido como um único crime II O que se impõe concluir é antes que qualquer tipo de concurso ideal homogéneo ou heterogéneo doloso ou negligente se integra na previsão do art 30º n1do CPenal vigente o que significa que o agente com uma só acção realiza diversas tipos legais ou realiza diversas vezes o mesmo tipo de crime independentemente de agir com dolo ou negligência consciente ou inconsciente comete tantos crimes vezes quantos os tipos preenchidos ou o número de vezes que o mesmo tipo foi realizado a punir nos termos do art 77 daquele CódigoNo mesmo sentido decidiuse no Ac STJ de 02061999 igualmente relatado pelo Conselheiro Leonardo Dias sumários disponíveis em wwwdgsipt Também o Conselheiro Armando Leandro concluiu no mesmo sentido em voto de vencido aposto no Ac STJ de 71098 CJ STJ A VI TIIIp183186 acórdão este relatado pelo Conselheiro Andrade Saraiva que decidiu revogar a decisão do colectivo de 1ª instância condenando o arguido como autor de um único crime de negligência apesar de serem oito as vítimas no que ficou conhecido como o caso da hemodiálise de Évora É este o entendimento invocado pelo MP recorrente e que igualmente perfilhamos pelas razões que sucintamente exporemos e que encontramos já em boa parte na sentença confirmada pelo Ac RP de 24112004 relator Desembargador Coelho Vieira acessível em wwwdgsipt e no Ac desta Relação de Évora de 240603 CJ XXVIII T IIIp 267 de que é relator o Desembargador Chambel Mourisco cujo sumário é do seguinte teor Nos casos de negligência inconsciente o que é relevante é determinar se a conduta do agente tinha ou não a virtualidade de produzir os eventos efectivamente verificados e se tivesse então sobre tal conduta recaem tantos juízos de censura quantas as lesões jurídicas que devia ter previsto que se produziriam e efectivamente se produziram como consequência adequada das sua omissão Mais recentemente também o Ac STJ de 22112007 sumariado em wwwdgsipt entendeu que XXVII Não pode deixar de se considerar que resultando de um acidente de viação em que o condutor violou dever objectivo de cuidado na morte de alguém e ferimentos em duas pessoas será imputável ao arguido a prática não de um crime de homicídio por negligência mas um concurso ideal heterogéneo dada a comissão além do homicídio de mais dois crimes de ofensas corporais involuntárias Na doutrina pronunciamse neste sentido Pedro Caeiro e Cláudia Santos RPCC Ano 6º 1996 fasc 1 p 127 e sgs Figueiredo Dias Comentário Conimbricense Vol I p 114 e Dá Mesquita 5 6 Processo Hemodiálise de Évora pluralidade de ofendidos em resultado da violação de um dever de cuidado RMP Ano 19º 1999 nº 76 p 151 sgs cuja sequência lógicoargumentativa nos parece particularmente adequada a responder às diversas questões suscitadas quer de índole dogmática quer do ponto de vista da política criminal 222 Razões da concordância com o entendimento doutrinário e jurisprudencial que considera dever ser punido em concurso ideal homogéneo ou heterogéneo consoante os casos o agente que agindo com negligência consciente ou inconsciente causa a morte eou ofensas à integridade física em mais que uma pessoa a Desde logo o art 30º do CPenal de 1982 pune em concurso efectivo tanto o chamado concurso ideal como o concurso real equiparando para este efeito as duas situações assim tanto é punido quem com uma só acção preenche diversos tipos penais ou várias vezes o mesmo tipo como aquele que o faz por meio de duas ou mais acções A este respeito refere Eduardo Correia A Teoria do Concurso p 108 que do ponto de vista da dignidade penal não conseguimos descobrir o quid em que reside o menos do concurso ideal em face das formas do concurso real de crimes Tanto num caso como noutro sendo efectivamente violados vários preceitos legais são negados também valores jurídicodiversos e autónomos Quando assim não seja se substancialmente o conteúdo destes valores coincidir estarseá somente em face de um concurso aparente de leis ficará portanto logo excluída a existência de uma efectiva pluralidade de infracções e já não poderá falarse em concurso ideal Significa isto que na verdade as situações de concurso efectivo ideal são negativamente delimitadas pelo concurso aparente de normas pois 29012024 1632 Acórdão do Tribunal da Relação de Évora fileCUserscrsljDesktopAcórdão do Tribunal da Relação de Évora 2018htm 913 neste último caso a uma só conduta corresponde a punição por um só crime contrariamente ao que ocorre com o concurso efectivo ideal b Do ponto de vista da previsão do art 30º do CPenal é realmente decisiva a questão de saber se estamos perante concurso aparente de normas o que implicaria aceitar que ao causar a morte ou ofensa de mais que uma pessoa com a mesma conduta não se estaria a negar por diversas ou de formas diferentes valores jurídico penais autónomos mas antes perante a negação de valores que substancialmente coincidem pelo que apenas há que punir o agente por um só crime Significaria isto que seria punido por um só crime o agente que com uma só bomba pretendesse tirar a vida a várias pessoas A especial natureza e regime dos bens jurídicos eminentemente pessoais afasta a hipótese de concurso aparente pois sempre se tem entendido que aqueles bens devem ser considerados como bens autónomos sempre que radiquem em pessoas diferentes Esta conclusão que é pacífica quanto aos crimes dolosos tem sido rejeitada pelo entendimento jurisprudencial tradicional quanto aos crimes negligentes que aqui nos ocupam Sem razão porém porque também relativamente aos crimes negligentes de homicídio ou de ofensas à integridade física a especial natureza destes bens jurídicos afasta a hipótese de concurso aparente na medida em que o concurso efectivo de crimes a que se refere o art 30º do CPenal tem lugar também quanto aos crimes negligentes É assim porque apesar de não poder falarse de um pluralidade de resoluções criminosas com vista a lesar várias vezes o mesmo bem ou diversos bens com a sua conduta que nos crimes dolosos determina a pluralidade de crimes nos crimes negligentes é possível censurar a sua conduta por negligente tantas vezes quantas as lesões jurídicas que ele não quis produzir mas que ele devia prever se produziriam e efectivamente vieram a ter lugar E Correia pp 109 e 110 É esta a fundamentação da doutrina e jurisprudência que seguimos e que neste momento explica ainda a razão pela qual não pode aceitarse que só a conduta e não também o resultado seja objecto do juízo de desvalor que integra a ilicitude c Na verdade tanto o crime de homicídio negligente previsto no art 137º como o crime de ofensas à integridade física por negligência previsto no art 148º ambos do C Penal são crimes materiais ou de resultado e de dano pelo que no nosso ordenamento jurídicopenal a morte e a ofensa à integridade física fazem parte dos respectivos tipos legais não as configurando o legislador como meras condições de punibilidade alheias ao núcleo do ilícito típico Ilícito típico que nestes crimes negligentes que nos ocupam homicídio e ofensa abrange assim tanto o desvalor de acção traduzido na violação do dever objectivo de cuidado que enforma a conduta negligente como o desvalor do resultado pelo que consistindo este resultado tipicamente na violação de bem jurídico eminentemente pessoal são tantas as negações de valores jurídicopenais autónomos quantas as pessoas atingidas o que significa que são tantos os crimes de homicídio negligente eou de ofensa á integridade física por negligência quantas as vítimas É irrelevante que estejamos perante negligência consciente ou inconsciente como sucede in casu essencialmente por duas ordens de razões Por um lado a representação do resultado não é típica face à remissão geral e implícita que fazem os arts 137º e 148º para o art 15º do CPenal abrangendo assim tanto a negligência consciente como inconsciente o que aliás é regra não nos ocorrendo qualquer caso de punição exclusiva da negligência consciente Por outro lado e em consequência o critério de distinção entre unidade e pluralidade de infracções nos crimes negligentes não passa pela representação do resultado típico como sucede com os crimes dolosos mas antes pela sua previsibilidade cfr supra ECorreia ob e loc cit d Também do ponto de vista das regras da punição o nosso modelo de punição do concurso efectivo é garantia suficiente de que à pluralidade de crimes e penas parcelares não corresponde uma pena única desproporcionada face ao carácter negligente da conduta pois sempre a medida da pena única será encontrada de acordo com a globalidade dos factos e da personalidade do agente Vejase como exemplo prático desta asserção o voto de vencido do Conselheiro Armando Leandro ao Acórdão de 7101998 caso hemodiálise Évora que é do seguinte teor Vencido em parte confirmaria a condenação do arguido recorrente pela autoria material de oito crimes de homicídio negligente e na pena de um ano de prisão por cada um deles reduziria porém a pena única para o quantum ora fixado ou seja para dezoito meses de prisão cuja execução seria suspensa nos exactos termos em que o faz o acórdão Apesar de o acórdão ter condenado o arguido como autor de um só crime de homicídio por negligência inconsciente p e p pelo art 136º nº1 do CPenal de 1982 a pena teria igual medida sendo igualmente substituída por prisão suspensa de acordo com o voto de vencido Embora obviamente não retiremos daqui a conclusão que a pena deve será a mesma quer se puna em concurso efectivo ou em concurso aparente nem sequer tendencialmente o exemplo apenas pretende ilustrar que não tem razão de ser a ideia que a punição será desproporcionadamente agravada por se decidir pelo concurso efectivo de crimes no caso de pluralidade de vítimas em resultado de conduta negligente 223 Concedese pois provimento ao recurso do MP também nesta parte pelo que a arguida vai condenada por dois crimes em concurso efectivo A conduta da arguida encontrase por demais caracterizada nos autos a propósito da morte do condutor do motociclo discutindose no presente 29012024 1632 Acórdão do Tribunal da Relação de Évora fileCUserscrsljDesktopAcórdão do Tribunal da Relação de Évora 2018htm 1013 recurso apenas o carácter grosseiro da negligência para efeitos do disposto no art 137º do CPenal o que foi já objecto de decisão sendo certo que aquela forma de negligência não é aplicável à ofensa á integridade física conforme apreciado e expressamente afastado por Faria Costa com quem concordamos cfr ob cit p Assim deve a arguida ser condenada ainda como autora de um crime de ofensa à integridade física por negligência p e p pelo art 148º do CPenal na pessoa de C que seguia como passageiro do motociclo embatido e em consequência da colisão sofreu traumatismo do membro inferior direito com ferida incisocontusa da perna e ferimentos superficiais no pé lesões estas que lhe determinaram um período de doença por 8 dias sendo os primeiros quatro dias com incapacidade para o trabalho conforme descrito sob o nº6 da factualidade provada 23 Da medida concreta das penas parcelares Impõese agora decidir da pena a aplicar pelo crime de homicídio por negligência grosseira que o art 137º nº 2 pune com pena abstracta de prisão até 5 anos bem como à determinação concreta da pena a aplicar pelo crime de ofensa à integridade física por negligência p e p pelo art 148º do C Penal com prisão até um ano ou multa até 120 dias 231 Homicídio negligente Face à nova qualificação jurídica dos factos a que se procede são essencialmente duas as diferenças verificadas no que respeita à pena parcelar a aplicar à arguida pela prática do crime de homicídio negligente A moldura penal é agora de um mês a 5 anos de prisão em vez de 1 mês a 3 anos de prisão não prevendo multa em alternativa Por outro lado na medida concreta da pena não pode considerarse agora terem sido causadas lesões físicas no jovem passageiro entre as consequências não típicas da conduta da arguida pois aquelas lesões integram os elementos constitutivos de um crime de ofensa á integridade física a punir em concurso efectivo como decidido Assim terseão em conta as seguintes circunstâncias que não fazendo parte do tipo depõem contra a arguida No que respeita ao grau de ilicitude do facto e suas consequências releva sobretudo o maior desvalor do resultado traduzido na juventude da vítima mortal 17 anos de idade e no sofrimento concretamente causado nos seus familiares conforme se refere também na sentença recorrida Em sentido favorável à arguida Estarmos perante negligência inconsciente pois sendo a típica a negligência grosseira seria ainda mais grave que a arguida tivesse previsto a morte do jovem condutor como consequência possível da sua conduta estradal e ainda assim tivesse desprezado a inevitabilidade objectivamente verificada do embate e a elevada probabilidade de verificação do resultado morte As condições pessoais da arguida designadamente a inserção familiar e profissional bem como a ausência de antecedentes criminais e o abalo psicológico que sofreu em consequência do acidente relativamente ao qual se escreve no relatório psicossocial Os factos em causa suscitaram grande pressão e instabilidade emocional à arguida que expressa um sentimento de penosidade face aos mesmos Revela sentido crítico e noção das repercussões dos seus actos em terceiros cfr fls 392 As necessidades de reinserção social não poderem aferirse neste tipo de criminalidade em termos semelhantes às colocadas noutras áreas da criminalidade vg crimes dolosos em geral pois a um quadro pessoal económico e social estabilizado não correspondem necessariamente menores necessidades de consciencialização das consequências da sua conduta nomeadamente estradal face a terceiros O quadro de segurança e conforto do agente pode levar antes ao adormecer da consciência crítica sobre os efeitos das suas opções na vida dos outros e à necessidade de alterar comportamentos como forma de prevenir a lesões dos bens jurídicos tutelados penalmente No caso concreto não é pois tanto a situação pessoal e familiar que torna menores as necessidades de ressocialização na sua vertente de socialização positiva como se diz na sentença recorrida mas antes a sua atitude perante os factos tal como resulta do relatório social aludido na medida em que a mesma aponta para uma menor necessidade de pena desde logo do ponto de vista do seu carácter aflitivo a arguida sofre com as consequências dos seus actos o que significa memória dos mesmos e consciência da vantagem psicológica 7 em evitar a sua repetição Por outro lado a situação pessoal e familiar da arguida afasta a aplicação de pena muito elevada e antecipando o momento posterior de escolha de pena de substituição aponta no sentido da adequação da substituição da prisão por pena não privativa da liberdade na medida em que aquela assumiria feição claramente dessocializadora no caso presente Entendemos pois que a pena de 2 anos e 6 meses de prisão preconizada pelo MP na sua motivação de recurso mostrase ajustada a satisfazer as necessidades de prevenção geral e especial presentes no caso situando aquém do limite representado pela sua culpa pelo que é esta a medida concreta fixada 232 Pena a aplicar pelo crime de ofensa à integridade física negligente Já quanto à pena a aplicar por este crime carece de fundamentação e de fundamento a aplicação da pena privativa de liberdade em detrimento da pena de multa prevista em alternativa no tipo legal 29012024 1632 Acórdão do Tribunal da Relação de Évora fileCUserscrsljDesktopAcórdão do Tribunal da Relação de Évora 2018htm 1113 e a sua determinação pelo limite máximo 1 ano de prisão preconizadas pelo MP recorrente a Nos termos do art 70º do CPenal que na versão em vigor desde a Revisão de 1995 mantém a opção originária do CPenal em 1982 pela pena não privativa da liberdade 8 Se ao crime forem aplicáveis em alternativa pena privativa e pena não privativa da liberdade o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição Significa isto que o tribunal deve dar preferência à pena de multa sempre que formule um juízo positivo sobre a sua adequação às finalidades de prevenção geral positiva e de prevenção especial nomeadamente de prevenção especial de ressocialização no caso concreto e deve preterila na hipótese inversa Na verdade vimos entendendo que não obstante o art 70º do CPenal constituir afloramento claro e significativo do princípio incontroverso da preferência pela pena não privativa da liberdade em todos os casos em que a opção é possível para o julgador a alteração verificada em 1995 na sua letra foi acrescentada a expressão em alternativa e a repetição da locução final realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição nos actuais arts 48º 50º e 58º todos do CPenal parecem reflectir o propósito de que aquela norma funcione sobretudo como regra de escolha da pena principal Ora na sua concreta formulação o artº 70º deixa claro que no momento de escolha da pena principal o que o julgador terá que avaliar é se a pena de multa prevista no tipo legal realiza suficientemente as finalidades preventivas das penas sem cuidar de contraporlhe nesse momento a eventual necessidade de impor o cumprimento da pena privativa de liberdade prevista em alternativa no tipo Isto é a opção neste momento nesta fase de escolha da pena principal pela pena de prisão não é sinónimo de opção pela execução ou cumprimento da pena privativa de liberdade 9 pois no nosso sistema de escolha e determinação da pena as restantes penas alternativas à prisão são penas de substituição o que significa que as mesmas apenas são aplicáveis depois de escolhida e concretamente determinada a medida da pena principal privativa de liberdade sendo nessa altura que terá de avaliarse da necessidade de sujeitar o condenado ao efectivo cumprimento da mesma Daí que neste momento apenas haja que decidir se a pena de multa até 120 dias prevista no tipo é suficiente e adequada ou se o não é por razões de prevenção geral positiva ou prevenção especial A nosso conclusão é que relativamente ao crime de ofensa à integridade física em apreço não há razões atinentes às finalidades das penas que nos levem a afastar a opção legal de princípio pela pena não privativa da liberdade pois esta mostrase suficiente e adequada em atenção sobretudo às seguintes razões Do ponto de vista do grau de ilicitude do facto e das suas consequências não podem reputarse especialmente extensas ou intensas as lesões sofridas traumatismo do membro inferior direito com ferida na perna e ferimentos superficiais no pé que determinaram 8 dias de doença sendo 4 de incapacidade para o trabalho pelo menos do ponto de vista das necessidades de prevenção geral positiva ainda no âmbito da ilicitude mas perspectivando a conduta da arguida a partir do desvalor da acção vai este em sentido favorável à arguida porquanto estamos perante um caso de concurso ideal em crime negligente não podendo levarse à conta da maior ou menor perigosidade da sua conduta os ferimentos no jovem enquanto mero passageiro do motociclo Por outro lado valem aqui as considerações expendidas supra a propósito da relação entre a situação pessoal e social da arguida e as necessidades de prevenção especial positiva no caso concreto que não implicam de modo algum a preterição da pena principal e multa prevista no tipo penal b Quanto à determinação concreta da pena de multa como é sabido o Código Penal de 1982 adoptou o chamado modelo ou sistema de diasdemulta na designação do Prof F Dias segundo o qual a determinação concreta desta pena fazse no essencial em dois momentos distintos obedecendo as respectivas operações a diferentes critérios e teleologia Na primeira dessas operações ou seja na fixação do número de dias de multa atendemse igualmente aos factores de determinação da pena estabelecidos no nº1 do art 71º do C Penal cfr art 47º nº1 do C Penal já apreciados e confrontados supra entre si no sentido favorável e desfavorável à arguida Assim considerando por um lado o menor grau de ilicitude do facto resultante em larga medida do menor desvalor da acção no que a este crime respeita que não se confunde com o juízo formulado a propósito do crime de homicídio e as necessidades de prevenção especial que por um lado apontam para a afirmação da gravidade das consequências dos seus actos e a necessidade de não os repetir no futuro necessidades positivas de socialização e o propósito de reduzir ao indispensável a dessocialização inerente à pena consideramos ajustada a pena de 80 dias de multa No que respeita à segunda das operações implicadas isto é à fixação do quantitativo diário genericamente estabelecido no art 47º nº2 do CPenal entre 1 e 49880 Euros à data dos factos e entre 5 e 500 na sua redacção actual introduzida pela Lei 592007 de 4 de Setembro relevam os seguintes factos 29012024 1632 Acórdão do Tribunal da Relação de Évora fileCUserscrsljDesktopAcórdão do Tribunal da Relação de Évora 2018htm 1213 11 A arguida trabalha como contabilista auferindo mensalmente 650 e fora do seu horário de trabalho está a concluir o 3º ano do curso de gestão na Faculdade de Portimão Vive com o marido e um filho menor de 8 meses de idade Devendo o quantitativo diário ser estabelecido em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais cfr art 47º nº1 CPenal de acordo com os limites legalmente fixados à data dos factos vd supra 10 julgamos ajustado o quantitativo diário de 10 Vai assim a arguida condenada na pena de 80 dias de multa à razão diária de 10 pela prática do crime de ofensa à integridade física por negligência na pessoa de C 233 Referência ao concurso de penas e à substituição das penas principais por pena de substituição a Tendo em conta que as penas aplicadas pelo crime de homicídio e pelo crime de ofensa à integridade física são de espécies diferentes prisão suspensa na sua execução e multa não há cúmulo jurídico destas penas mpois o legislador não consagrou o necessário critério legal de conversão cfr art 77º nº 3 C penal Por outro lado não se verificam os pressupostos formais da substituição da pena de multa por Admoestação que em todo o caso não se ajustaria às finalidades de prevenção geral positiva presentes no caso pelo que apenas relativamente à pena de prisão há que fazer referência à substituição por prisão suspensa na sua execução b Relativamente à suspensão da execução da pena decidida em 1ª Instância e não impugnada mantémse a mesma tanto no que respeita ao período de suspensão como no que concerne à condição fixada não havendo sequer que ponderar qualquer modificação por via das alterações introduzidas no regime legal em 2007 designadamente quanto ao período de suspensão pois encontrandose este fixado de modo conforme com o actual nº5 do art 50º do CPenal não está em causa a eventual aplicação oficiosa de Lei Nova mais favorável ao arguido III Dispositivo Nesta conformidade acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso interposto pelo MP substituindose a decisão condenatória recorrida nos seguintes termos Vai a arguida A condenada pela autoria em concurso efectivo ideal heterogéneo de Um crime de homicídio por negligência grosseira p e p pelo artº 137º nº 1 e 2 do C Penal na pena de dois anos e seis meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo na condição de a arguida pagar à Associação Para a promoção da Segurança infantil APSI com sede na Vila Berta nº 7 rc Esq Em Lisboa a quantia de 600 no prazo de 3 meses e De um crime de ofensa à integridade física por negligência p e p pelo artº 148º nº1do C Penal na pena de 80 dias de multa à razão diária de 10 Sem custas Évora 18 de Novembro de 2008 Processado em computador Revisto pelo relator António João Latas Maria Guilhermina Vaz Pereira Santos de Freitas 1 Cfr Comentário Conimbricense TI p 113 2 Vd trecho supra transcrito Ao chegar a um entroncamento a arguida decidiu mudar de direcção para a sua esquerda Fêlo sem atentar no trânsito que circulava em sentido contrário e sem se certificar que de tal manobra resultaria embaraço para o trânsito acabando por não ceder a passagem ao motociclo que circulava na via onde a arguida pretendia entrar Contudo não se provou que a arguida se tenha apercebido que o motociclo circulava na mesma estrada na faixa de rodagem onde a arguida pretendia entrar o que seria fulcral para caracterizar o tipo de negligência O factualismo assente apenas permite concluir que a arguida conduziu de forma desatenta e descuidada mas já não que tenha conduzido com elevado desrespeito das regras de condução estradal nem que a sua atitude revele uma atitude particularmente censurável de descuido perante o comando jurídicopenal 29012024 1632 Acórdão do Tribunal da Relação de Évora fileCUserscrsljDesktopAcórdão do Tribunal da Relação de Évora 2018htm 1313 3 Cfr José de Faria Costa Direito Penal Especial Coimbra Editora 2004 p 95 O trecho transcrito em texto conclui uma passagem mais ampla que termina assim será com efeito assim sempre que a probabilidade de ocorrência daquele resultado se apresenta de tal modo evidente que o cidadão comum medianamente consciente e cumpridor dos comandos normativos teria dde forma clara evitado a conduta violadora do dever de cuidado Caberão assim equivocamente na categoria da negligência grosseira também os casos em que por força de um alto e inqualificável teor de imprevisão forem desrespeitadas as mais evidentes regras de cuidado de perigo para com o Outro 4 Cfr Drecho Penal parte General 5ª ed pp 2701 5 Só por lapso se referirá na motivação do recorrente que Dá Mesquita conclui que em matéria de crimes involuntários praticados com negligência consciente o agente cometeu tantos crimes quanto os resultados que previu pois é claro o seu entendimento de que à pluralidade de crimes é indiferente o carácter consciente ou inconsciente da negligência enfatizando mesmo e a nosso ver com razão que Não se vislumbra em que medida para a construção judiciária desse tribunal superior releva que o crime tenha sido cometido com negligência consciente ou inconsciente já que ao que pensamos ninguém contesta que é indiferente para a imputação de uma pluralidade de delitos dolosos que estes tenham sido cometidos com dolo directo necessário ou eventual para o preenchimento dos tipos de crime previstos pelas normas é tão só necessário que o agente tenha agido com negligência definida no art 15º do CP esta irrelevância do elemento intelectual da negligência para a questão da unidade ou pluralidade de infracções ainda é mais evidente à luz de uma perspectiva neoclássica que trata a negligência ao nível da culpa depois da tipicidade e da ilicitude E mais adiante ao contrário do que se insinua nalguns dos acórdãos citados e se afirma de forma expressa no acórdão de 871998 o qual é contudo contraditado pelo acórdão de 211 1998 do mesmo relator o facto de o agente ter actuado com negligência consciente ou inconsciente não pode ser determinante no tratamento de um concurso de crimes Como sublinhámos supra o problema é da aplicação plúrima da norma de homicídio negligente a uma só acção ou a uma só violação de um dever de cuidado com vários eventos de morte e essa norma é aplicável a qualquer conduta negligente que origine a morte de outrem independentemente da previsão efectiva desse perigo 7 Como impressivamente descreve Roxin a propósito as finalidades de prevenção das penas Imaginavase a alma do delinquente potencial que havia caído em tentação como um campo de batalha entre os motivos que o empurravam para o delito e os que lhe resistiam no manual de Feuerbach continua o autor pode lerse um resumo exacto daquela concepção tanto racionalista como determinista Todas as infracções têm o seu fundamento psicológico na sensualidade até ao ponto em que a faculdade de desejo do homem é incitada pelo prazer da acção de cometer o facto Este impulso sensitivo pode suprimirse ao saber cada um que com toda a segurança o seu acto será seguido de um mal inevitável a pena que será maior que o desagrado resultante do impulso não satisfeito pela comissão cfr Roxin 1999 90 traduzido livremente do castelhano 8 A pena privativa de liberdade como última ratio da política criminal constitui um dos princípios caracterizadores do movimento de reforma penal em Portugal que culminou com a entrada em vigor do CPenal de 1982 e que se insere no âmbito mais vasto do movimento internacional de reforma penal assente num fundo políticocriminal comum de que podem salientarse os seguintes princípios restrição do âmbito e da frequência de aplicação das penas privativas da liberdade luta decidida contra as penas de prisão de curta duração conducente à sua substituição na generalidade ou mesmo na totalidade dos casos por penas não detentivas ou não institucionais enriquecimento da panóplia e aumento sensível do campo e da frequência de aplicação das penas não detentivas em particular da pena de multa tentativa de limitar por todos os meios o efeito estigmatizante e consequentemente criminógeno das reacções criminais Cfr FDias1993 p 501 9 Apelando aos critérios de conveniência e adequação para escolha da pena principal a que igualmente se referem FDias1993 3634 e M João Antunes 2001 710 refere a Professora Anabela Rodrigues que a opção pela aplicação de uma ou outra pena à disposição do tribunal não envolve um juízo feito em função das exigências preventivas sobre a necessidade da execução da pena de prisão efectiva que o juiz sempre terá de demonstrar para fundamentar a aplicação da prisão mas sim um juízo de maior ou menor conveniência ou adequação de uma das penas em relação à outra em nome da realização das referidas finalidades preventivas cfr ARodrigues1999 664 10 No caso concreto é a lei vigente à data dos factos a mais favorável ao arguido no que respeita à determinação da pena onde ocorreram alterações pois o limite legal foi aumentado em 2007 e não se verificaram outras alterações relevantes que pudessem sobreporse ao efeito desfavorável desse aumento cfr art 2º n4 do CPenal
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29012024 1632 Acórdão do Tribunal da Relação de Évora fileCUserscrsljDesktopAcórdão do Tribunal da Relação de Évora 2018htm 113 Acórdãos TRE Acórdão do Tribunal da Relação de Évora Processo 1115081 Relator ANTÓNIO JOÃO LATAS Descritores NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA PLURALIDADE DE INFRACÇÕES Data do Acordão 18112008 Votação UNANIMIDADE Texto Integral S Meio Processual RECURSO PENAL Decisão PROVIDO Sumário I O conceito de negligência grosseira implica uma especial intensificação da negligência não só ao nível da culpa mas também ao nível do tipo de ilícito A este último nível tornase indispensável que se esteja perante uma acção particularmente perigosa e de um resultado de verificação altamente provável à luz da conduta adoptada II A negligência grosseira não se verifica apenas ou mesmo privilegiadamente nos casos de negligência consciente III O arguido que com uma só acção realiza diversos tipos legais ou realiza diversas vezes o mesmo tipo de crime contra as pessoas por negligência consciente ou inconsciente é punido em concurso efectivo ideal homogéneo ou heterogéneo conforme os casos por uma pluralidade de crimes Decisão Texto Integral Acordam os Juízes após audiência na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora I Relatório 1 Nos autos de processo comum com intervenção do tribunal colectivo nº que correm termos no 2º juízo criminal do tribunal Judicial da Comarca de foi julgada A nascida em 300778 a quem o MP imputara a prática em concurso real de um crime de homicídio por negligência p e p pelo art137º nº 1 e 2 do C Penal de um crime de ofensa à integridade física por negligência p e p pelo art 148º nº1do mesmo Código de um crime de condução perigosa de veículo p e p pelo art 291º nº 1 al b do C Penal de uma contraordenação ao disposto no art 35º do Código da Estrada de uma contraordenação ao disposto no art 21º do C Estrada com referência ao art 145º al f do mesmo Código e de uma contraordenação ao disposto nos arts 29º e 30º também do C Estrada 2 Realizada a Audiência de discussão e julgamento foi decidido por acórdão de 25022008 Julgar extinto por prescrição o procedimento contraordenacional contra a arguido quanto às contraordenações de que vem acusada Julgar a acusação improcedente por não provada quanto ao crime de condução perigosa de veículo p e p pelo artº 291º do C Penal dele absolvendo a arguida Julgar a acusação procedente por provada nos termos e com a qualificação jurídica supra descritas e em consequência a condenar a arguida pela prática de um crime de homicídio negligente p e p pelo artº 137º nº1 do C penal na pena de 18 dezoito meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo na condição da arguida pagar à Associação Para a Promoção da Segurança Infantil APSI com sede na Vila Berta nº7 rc Esq em Lisboa a quantia de 600 no prazo de 3 meses 3 Inconformado com a decisão recorreu o MP para este tribunal terminando a sua motivação com as seguintes Conclusões 1 Ao condenar A pela prática de um único crime de homicídio por negligência p e p no artº 137º nº1 do Código Penal quando os deveres de cuidado omitidos pela arguida no exercício da condução estradal o foram por forma grosseira e foram causa adequada da produção quer da morte de B quer de ofensas na integridade física de C já que foi por via da invasão da faixa de rodagem em que circulavam por parte da arguido que se deu o embate entre o veículo por esta conduzido e o motociclo em que aqueles seguiam sendo certo que a morte e as lesões que sofreram não teriam ocorrido se não fosse esse embate violou o douto colectivo o disposto nos artºs 137º nº2 e 30º nº1 ambos do Código Penal 2 Violado foi o artº 137º nº2 porquanto a matéria de facto provada leva a concluir pelo seu preenchimento A arguida ao efectuar uma manobra de trânsito de forma totalmente descuidada que se traduziu na invasão da faixa de rodagem contrária àquele em que seguia sem se importar com o trânsito que ali se fazia sentir e levando ao embate no motociclo demonstrou total 29012024 1632 Acórdão do Tribunal da Relação de Évora fileCUserscrsljDesktopAcórdão do Tribunal da Relação de Évora 2018htm 213 inconsideração pelos demais utentes da via total desconformidade com as necessidades básicas de cautela com que se deve actuar no exercício da condução 3 Sendo assim de qualificar como grosseira a negligência com que agiu a merecer o agravamento da pena de homicídio nos termos do nº2 do artº 137º do Código Penal 4 Por outro lado dispondo o nº 1 do artº 30º do Código Penal que O número de crimes determinase pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente deveria a arguida ter sido condenada pela prática de dois crimes em concurso real procedendose depois ao cúmulo jurídico das penas assim impostas 5 Ao que não obsta estarse no domínio da negligência conforme tem vindo recentemente a ser entendido pela jurisprudência 6 Pois que é a arguida merecedora do juízo de censura próprio da culpa relativamente a cada um dos concretos resultados verificados e crimes praticados 7 Ao fazerse reconduzir a punição à actuação da arguida ao seu acto de vontade ao entendimento de que o juízo de censura terá que ser igual ao número de decisões de vontade do agente como justificar a sua não punição nos casos em que tal conduta não leva a qualquer resultado danoso para terceiros casos de acidentes sem vítima 8 E como justificar que a mesma conduta possa ser qualificada como de homicídio negligente ou de ofensa à integridade física negligente consoante os resultados de uma mesma acção 9 Terá necessariamente que se concluir que nestes casos embora se puna a conduta negligente esta punição tem que ser ligada às consequências aos resultados não se verificando qualquer violação do princípio ne bis in idem 10 O juízo de censura parte dos resultados para a acção Só se os primeiros existirem e no grau em que existiram existe censura 11 Na verdade a punição a título de negligência pune precisamente a conduta traduzida numa omissão do dever objectivo de cuidado que de acordo com as circunstâncias se deveria ter tido E se é certo que as consequências não são queridas pelo agente motivo pelo qual ele é punido a título de negligência e não de dolo também é certo que é possível censurar a sua conduta por negligente tantas vezes quantas as lesões jurídicas que ele devia prever se produziriam e efectivamente vieram a ter lugar 12 O desvalor do resultado tem que ser relevado tal como sucede nos crimes dolosos 13 Daqui que o douto acórdão recorrido deva ser revogado e substituído por outro no qual a arguida A seja condenada pela prática em concurso real de um crime de homicídio por negligência e um outro contra a integridade física por negligência pp e pp nos artºs 137º nºs 1 e 2 e no artº 148º nº1 do Código Penal procedendose depois ao cúmulo jurídico dessas penas 14 Entendendo o MºPº que tendo em conta todos os elementos constantes no acórdão nomeadamente em termos de escolha da medida da pena deverá a arguida ser condenada na pena de 2 anos e 6 meses de prisão pela prática do crime de homicídio por negligência grosseira e de 1 ano de prisão pela prática do crime contra a integridade física por negligência e em cúmulo imposta a pena única de 3 anos de prisão suspensa na sua execução nos termos e sob a condição imposta no acórdão recorrido 3 Notificada para o efeito a arguida não respondeu 4 Nesta Relação o MP apresentou o seu parecer concluindo pela procedência do recurso 5 Notificada da junção do parecer a arguida nada disse 6 Transcrição parcial da decisão recorrida Discutida a causa ficaram provados os seguintes FACTOS 1 No dia 5 de Julho de 2005 pelas 19 horas na E M snº a arguida conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula no sentido nascentepoente 2 No mesmo local e à mesma hora mas em sentido contrário seguia o motociclo de matrícula conduzido por B levando como passageiro C 3 Ao chegar próximo de um entroncamento existente junto ao Hotel a arguida pretendeu mudar de direcção para a esquerda para entrar no parque de estacionamento existente em frente do referido hotel 4 Uma vez ali sem atentar no trânsito que circulava em sentido contrário a arguida avançou mudando de direcção para a esquerda atento o seu sentido de marcha invadindo a faixa de rodagem contrária onde circulava o motociclo indo assim embater com a parte da frente lateral direita do seu veículo na frente do motociclo cujo condutor não teve tempo de travar e evitar o embate 5 Em consequência da colisão o condutor e o passageiro do motociclo caíram tendo aquele ficado junto do local do embate e C sido projectado por cima do veículo que a arguida conduzia e ficado a cerca de dois metros do mesmo local 29012024 1632 Acórdão do Tribunal da Relação de Évora fileCUserscrsljDesktopAcórdão do Tribunal da Relação de Évora 2018htm 313 6 Da referida colisão resultou para o condutor do motociclo B graves lesões traumáticas melhor descritas no relatório de autópsia de fls 18 a 21 que aqui se dá por reproduzido que foram causa directa e necessária da sua morte e para o passageiro que com ele circulava C resultou traumatismo do membro inferior direito com ferida incisocontusa da perna e ferimentos superficiais no pé lesões estas que lhe determinaram um período de doença por 8 dias sendo os primeiros quatro dias com incapacidade para o trabalho conforme relatório médico de fls 183 a 185 e ficha clínica de fls 187 os quais aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais 7 A arguida ao pretender mudar de direcção para a esquerda atento o seu sentido de marcha fêlo com manifesta falta de cuidado sem prestar atenção ao trânsito que circulava em sentido contrário como lhe era exigível invadindo a faixa contrária no momento em que nela circulava um outro veiculo dando assim causa ao acidente com desrespeito por regras elementares de condução cujo cumprimento bem sabia serlhe exigível 8 A arguida conhecia bem o local em virtude de então trabalhar em parttime no referido hotel 9 A arguida não tem quaisquer antecedentes criminais 10 A arguida é tida pelas pessoas que com ela lidam como uma condutora prudente e respeitadora da sinalização 11 A arguida trabalha como contabilista auferindo mensalmente 650 e fora do seu horário de trabalho está a concluir o 3º ano do curso de gestão na Faculdade de Portimão Vive com o marido e um filho menor de 8 meses de idade 12 Segundo o relatório social elaborado pelo IRS o acidente em apreço provocou na arguida instabilidade emocional tendo recorrido a apoio psicoterapêutico junto do Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio Em julgamento não ficou provado que a arguida não assinalou por qualquer forma a sua intenção de mudança de direcção para a esquerda que na data do acidente a circulação no referido parque de estacionamento para a via pública onde seguia a arguida apenas era permitida para a saída de veículos do parque para a referida estrada municipal que a entrada no referido parque era então proibida aos condutores que circulassem na via em que seguia a arguida em ambos os sentidos que tal proibição de entrada no parque encontravase ao tempo devidamente assinalada para os condutores que circulassem na aludida via através de dois sinais verticais de sentido proibido que ladeavam um à direita e outro à esquerda a saída do referido parque que a arguida conhecia a existência dos referidos sinais de sentido proibido Fundamentação ENQUADRAMENTO JURÍDICOPENAL Com a sua conduta a arguida omitiu um dever de diligência que lhe era exigível em matéria de condução rodoviária não tendo tomado as cautelas exigidas por lei no artº35º do C Estrada sempre que um condutor pretenda mudar de direcção nem as previstas nos artºs 29º e 30º do mesmo Código sempre que pretenda entrar num entroncamento ou cruzamento o que no caso concreto lhe era exigível tendo assim actuado com negligência nos termos do artº 15º do C Penal Vem porém a arguida acusada de ter actuado com negligência grosseira Não sendo ainda seguro numa perspectiva dogmática o que deva entenderse por este conceito a negligência grosseira constitui no dizer do Profº Figueiredo Dias Comentário Conimbricense do Código Penal Tomo I pág 113 um grau essencialmente aumentado ou expandido de negligência Para o preenchimento do conceito continuando a citar o mesmo autor tornase necessário que estejamos perante uma intensificação da negligência tanto ao nível da culpa como do tipo de ilícito Exigese assim uma acção particularmente perigosa e um resultado de verificação altamente provável à luz da conduta adoptada que revele uma atitude particularmente censurável de descuido perante o comando jurídicopenal Conforme se escreveu no Ac da Relação do Porto de 91298 acessível em wwwdgsipt haverá negligência grosseira no crime de homicídio involuntário quando a falta de cuidado corresponde a uma violação grave dos deveres gerais de cautela segundo as regras da experiência comum e se traduza numa conduta em que a falta de observância daqueles deveres de cautela seja tão clamorosa que a sua ilicitude fique no meio caminho entre o dolo eventual e a negligência consciente Ora face ao factualismo apurado afigurase não estarmos perante uma situação de negligência grosseira embora concedamos que a terse provado toda a matéria de facto constante da acusação a conduta da arguida pudesse ser punida a esse título Ao chegar a um entroncamento a arguida decidiu mudar de direcção para a sua esquerda Fêlo sem atentar no trânsito que circulava em sentido contrário e sem se certificar que de tal manobra resultaria embaraço para o trânsito acabando por não ceder a passagem ao motociclo que circulava na via onde a arguida pretendia entrar Contudo não se provou que a arguida se tenha apercebido que o motociclo circulava na mesma estrada na faixa de rodagem onde a arguida pretendia entrar o 29012024 1632 Acórdão do Tribunal da Relação de Évora fileCUserscrsljDesktopAcórdão do Tribunal da Relação de Évora 2018htm 413 que seria fulcral para caracterizar o tipo de negligência O factualismo assente apenas permite concluir que a arguida conduziu de forma desatenta e descuidada mas já não que tenha conduzido com elevado desrespeito das regras de condução estradal nem que a sua atitude revele uma atitude particularmente censurável de descuido perante o comando jurídicopenal A conduta da arguida é assim subsumível no que ao homicídio respeita na previsão legal do nº1 do artº137º e não no seu nº2 como vem acusada Contudo tendo ocorrido em consequência do embate a morte de uma pessoa e ferimentos noutra colocase agora a questão que há muito vem sendo debatida nos tribunais com resultados nem sempre coincidentes e que não é consensual na doutrina que é a de saber se estamos apenas perante um concurso ideal de crimes devendo a arguida ser punida apenas pelo crime mais grave que é o do homicídio ou se perante um concurso real entre um crime de homicídio negligente e um crime de ofensa à integridade física simples a punir autonomamente Maioritariamente os Tribunais superiores têm entendido que quando do mesmo acidente resulte a morte de uma ou mais pessoas e ferimentos noutras estamos perante um crime de resultado múltiplo em que se pune o mais grave funcionando os outros como agravantes a atender na fixação concreta da pena Isto porque actuando o agente com mera culpa não é possível formular mais do que um juízo de censura por cada comportamento negligente e daí que a pluralidade de resultados típicos não corresponda a uma pluralidade de infracções neste sentido e entre outros cfr Acs STJ de 210198 CJ ano VI tomo 1º pág 173 de 281097 CJ ano V tomo 3º pág 212 de 140390 CJ ano XV tomo 2º pág 11 da Relação do Porto de 290502 acessível em wwwdgsiptjtrp da Relação de Coimbra de 60495 CJ ano XX Tomo 3º pág 59 da Relação de Évora de 180599 acessível em wwwdgsiptjtre Apesar de existir jurisprudência em sentido contrário ainda que minoritária que defende nestes casos um concurso real de crimes em virtude de existirem resultados múltiplos e por estarem em causa bens jurídicos eminentemente pessoais cfr Ac RC de 29032000 CJ ano XXV tomo 2º pág 48 e Ac RP de 24112004 disponível em wwwdgsiptjtrp em se tratando de crimes involuntários praticados com negligência inconsciente temos alguma dificuldade em dissociar a acção do seu resultado e como tal não sendo o mesmo previsível ao tempo da acção não é possível punir o agente por mais do que um crime Só faz sentido punir o agente por mais do que um crime quando ele pudesse ter configurado a possibilidade de da sua acção negligente poder resultar mais do que uma vítima pois só então é passível de vários juízos de censura tantos quantos os resultados que previu De outro modo o agente teria de ser responsabilizado individualmente por tantos crimes quantos os resultados que adviessem da mesma acção negligente o que em certos casos designadamente em matéria de acidentes de viação significaria uma penalização excessiva tornando dependente do mero acaso a punição por um ou mais crimes designadamente do número de ocupantes do veículo contra o qual o agente embate quando nem sequer o agente configurou a possibilidade de atingir várias pessoas nem lhe ser exigível que se aperceba do número de ocupantes desse veículo Temos assim e em conclusão que a conduta da arguida integra apenas a prática de um crime de homicídio por negligência p e p pelo artº 137º nº1 do C Penal DOSIMETRIA DA PENA Resta então determinar a pena concreta a aplicar à arguida o que se fará dentro dos limites definidos na lei em função da sua culpa e das exigências de prevenção atendendo a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime depuserem a seu favor ou contra ela tudo nos termos do artº 71º nºs1 e 2 do C Penal O crime em questão é punido com pena de prisão até 3 anos ou multa Manda o artº 70º do C Penal que se ao crime forem aplicáveis em alternativa pena privativa e pena não privativa da liberdade o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realize de forma adequada as finalidades da punição as quais são nos termos do artº 40º do mesmo Código a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade Não obstante estarmos perante uma conduta negligente embora típica e ilícita dela resultaram consequências muito graves a perda da vida de um jovem com apenas 17 anos a que se seguiu certamente a perda da alegria de viver da sua família por terem ficado tão cedo sem o seu ente querido além de que foram causadas lesões físicas embora sem sequelas permanentes num outro jovem da mesma idade As exigências de prevenção geral assumem aqui relevo significativo atento o elevadíssimo índice de sinistralidade que ocorre nas estradas portuguesas resultado na sua grande parte do desrespeito pelas normas de cuidado jurídico impostas a todos no exercício da condução Não obstante a circulação rodoviária ser em si mesma uma actividade objectivamente perigosa recai sobre cada um de nós enquanto condutores um dever especifico de prudência por forma a adoptar os deveres de cuidado adequados a evitar acidentes já que hoje podemos ser autores de um ilícito típico dessa natureza mas amanhã podemos ser vítimas desse mesmo facto ilícito praticado por outrem 29012024 1632 Acórdão do Tribunal da Relação de Évora fileCUserscrsljDesktopAcórdão do Tribunal da Relação de Évora 2018htm 513 Apesar da arguida não ter antecedentes criminais e de estar inserida social e profissionalmente o que atenua as exigências de prevenção especial quanto às necessidades da sua socialização mostra se mais adequada a pena detentiva da liberdade de inequívoca superioridade politicocriminal face às fortíssimas exigências de prevenção geral Ponderando assim o grau de ilicitude dos factos trágico nas suas consequências e elevado também pelo facto da arguida conhecer bem o local sendolhe por isso ainda mais exigível o tal dever de cuidado que não respeitou que a culpa do acidente é no caso de atribuir em exclusivo à arguida e que a mesma apesar de ter ficado abalada psicologicamente com o acidente não assumiu em julgamento a sua responsabilidade tendo presente a moldura penal prevista para o crime entendemos adequada a pena de 18 meses de prisão Considerando porém que a arguida é primária está integrada social e profissionalmente tem agora um filho de tenra idade e é tida como uma condutora prudente e cumpridora das regras de sinalização mostramse esbatidas as necessidades de ressocialização pelo que a advertência que constitui a condenação numa pena de 18 meses de prisão será quanto a nós um factor mais do que suficiente de acordo com um juízo normal de prognose de que no futuro a arguida irá ser uma condutora mais prudente e diligente e que os factos ocorridos terão sido um acto isolado na sua vida Termos em que se suspenderá a execução da pena de prisão por igual período nos termos do artº 50º do C Penal Ponderando a circunstância de a arguida não ter verdadeiramente demonstrado interiorização da censurabilidade da sua conduta e porque hoje já é mãe e por isso melhor compreenderá a dor certamente ainda sentida por aqueles que ficaram privados tão cedo do seu filho tão jovem entendemos subordinar a suspensão da execução da pena à obrigação de pagar à APSI Associação Para a Promoção da Segurança Infantil com sede em Lisboa a quantia de 600 no prazo de 3 meses de tal devendo fazer prova nos autos Cumpre apreciar e decidir II Fundamentação 1 Delimitação do objecto do recurso O MP apenas vem recorrer em matéria de direito suscitando duas questões que importa decidir Se é de qualificar como grosseira a negligência com que agiu a arguidamerecendo o agravamento da pena de homicídio nos termos do nº2 do art 137º do C Penal Se deveria a arguida ter sido condenada pela prática de dois crimes em concurso real sendo um de homicídio negligente p e p pelo art 137º nºs 1 e 2 e outro de ofensa à integridade física negligente p e p pelo art 148º nº 1 ambos do CPenal 2 Decidindo 21 Da qualificação do crime de homicídio negligente Como referido supra a primeira das questões a decidir é a de saber se em face da factualidade provada a conduta da arguida consubstancia a prática por esta de um crime de homicídio co0m negligência grosseira p e p pelo nº 2 do art 137º do CPenal Vejamos A revisão do o CPenal de 1995 manteve no art 137º dois níveis de punição do homicídio negligente que já vinham do art 136º da versão originária do CPenal limitandose a aumentar as penas abstractas neles previstas de um máximo de 2 para 3 anos na negligência simples e de um máximo de 3 para 5 anos na negligência grosseira limites que se mantêm na redacção actualmente em vigor inalterada desde o Declei 4895 de 15 de Março Sobre o que deva entenderse por negligência grosseira valem sobretudo as considerações sobre o conceito que podem colherse na doutrina e na jurisprudência de que possam resultar alguns parâmetros ou critérios capazes de orientar o aplicador do direito pois o legislador utilizao na parte especial do CPenal sem o definir aí ou na parte geral Independentemente de questões de ordem sistemática refere o Prof F Dias depois de aludir às dúvidas sobre o conceito que seguro é que a negligência grosseira constitui um grau essencialmente aumentado ou expandido de negligência Indiscutível esta asserção plenamente concordante com a moldura penal mais grave cominada no nº 2 do art 137º C Penal escasseiam as certezas ao nível do sentido e fundamento do conceito de negligência grosseira Diz a este respeito aquele professor depois de aludir a outras respostas possíveis para a questão constituir mera circunstância modificativa da pena uma forma de culpa ou uma característica da atitude do agente que a razão estará com Roxin quando defende que o conceito implica uma especial intensificação da negligência não só ao nível da culpa mas também ao nível do tipo de ilícito A este último nível tornase indispensável que se esteja perante uma acção particularmente perigosa e de um resultado de verificação altamente provável à luz da conduta adoptada Ao nível da culpa não pode esta deduzirse sem mais da especial gravidade da ilicitude exigese antes o 29012024 1632 Acórdão do Tribunal da Relação de Évora fileCUserscrsljDesktopAcórdão do Tribunal da Relação de Évora 2018htm 613 juízo autónomo de que o agente revelou uma atitude particularmente censurável de leviandade ou de descuido perante o comando jurídicopenal 1 Na jurisprudência pode citarse entre muitos o Ac STJ de 11111998 de cujo sumário pode lerse que III A negligência grosseira corresponde à antiga culpa lata latina e apresentando grandes afinidades com a culpa temerária espanholaconstitui uma culpa qualificada pela falta de previsão ponderação atenção diligência e cuidados mais elementares relator Conselheiro Leonardo Dias acessível em wwwdgsipt Também no sumário do Ac STJ de 15112001 pode lerse IA negligência grosseira é uma forma qualificada de negligência que ocorre quando a violação dos deveres de cuidado e diligência que consubstancia a negligência simples assume uma mais intensa gravidade quando os mais elementares deveres de precaução e prudência são de todo omitidos quando o acto omissivo revela grande irreflexão ou ligeireza relator Cons Hugo Lopes acessível em www dgsipt Posto isto importa agora deixar claro no concernente à relação do conceito com a negligência consciente e a negligência inconsciente art 15º do CPenal que ao contrário do que parece pressupor o acórdão recorrido 2 a negligência grosseira não se verifica apenas ou mesmo privilegiadamente nos casos de negligência consciente Como diz o Prof Faria Costa poder seia pensar o comportamento negligente a nosso ver erradamente à luz de uma escala de valor ascendente a negligência inconsciente encontrarseia no extremo da menor gravidade no centro estaria a consciente e no limite do desvalor máximo desvendarseia a negligência grosseira Uma tal compreensão em crescendo da negligência levarnosia em conclusão de que a negligência grosseira por força da sua localização naquela escala teria de possuir as notas caracterizadoras da negligência consciente e algo mais que justificasse a exasperação do desvalor Não seria assim pensável a qualificação como grosseira de uma negligência a inconsciente vista como um minus à luz daquela gradação Não se nos afigura porém adequada por desconforme com a realidade uma arrumação de tal modo espartilhada desta categoria dogmática que é a negligência É de resto do mais elementar senso comum a ideia de que a imprevisão do resultado que a norma pretende evitar pode em si mesma ser muito mais desvaliosa 3 Num quadro legislativo próximo do nosso afirma também Mir Puig 4 referindose às categorias gerais da negligência grave e negligência leve correspondentes à negligência grosseira e negligência simples e à relação destas com a negligência consciente e a negligência inconsciente que por um lado a culpa inconsciente poderá ser tão grave ou mais que a consciente se a infracção do dever objectivo de cuidado que supõe for maior que a realizada com negligência consciente por outro lado que Tanto pode constituir negligência grave a negligência consciente como a inconsciente sendo por vezes gravemente negligente empreender uma conduta muito perigosa sem sequer terse preocupado em averiguar quais os riscos que a conduta evidentemente implica Sendo assim como pensamos que é concluímos que independentemente de a arguida ter actuado com negligência inconsciente ou consciente o elevado grau de violação do dever de cuidado objectivamente reflectido na factualidade provada sempre preencheria o conceito de negligência grosseira prevista no art 137º nº2 do CPenal contrariamente à conclusão a que chegou o tribunal recorrido Na verdade do ponto de vista da ilicitude a acção concreta da arguida deve reputarse particularmente perigosa sendo o resultado de verificação altamente provável à luz da conduta adoptada Conduzindo a arguida o seu veículo automóvel e mudando de direcção para a sua esquerda sem prestar atenção ao trânsito que circulava em sentido contrário com o que invadiu a faixa de rodagem contrária por onde circulava o motociclo tão próximo deste que não deu ao condutor tempo de travar e evitar o embate constitui violação grave das regras estradais cfr arts 35º 44º e 145º nº 1 f todos do C Estrada devendo reputarse elevada a probabilidade de embater em veículo que circulasse em sentido contrário e sendo grande a susceptibilidade de pôr em perigo a vida de quem seguisse nele designadamente tratandose de veículo de duas rodas como foi o caso Ao nível da culpa a arguida revelou uma atitude particularmente censurável de leviandade ou de descuido perante o comando jurídicopenal pois seguindo numa recta de boa visibilidade durante o dia e sem que resulte dos autos a verificação de qualquer circunstância que pudesse atenuar a censurabilidade da sua conduta é dificilmente compreensível à luz do que será a conduta estradal de um condutor médio que naquele circunstancialismo a arguida invadisse a faixa contrária e fosse embater no motociclo quer consideremos que não chegou sequer a ver o motociclo quer o tivesse visto e confiasse temerariamente ajuizando ex post factum a partir da forma como ocorreu a colisão nº4 dos factos provados que passaria sem embaterlhe Concluímos assim como aludido que a arguida agiu com negligência grosseira 22 Concurso efectivo ou aparente de crimes Tendo ocorrido em consequência do embate a morte de uma pessoa e ferimentos noutra colocase agora a questão de saber se estamos apenas perante um concurso aparente de crimes também 29012024 1632 Acórdão do Tribunal da Relação de Évora fileCUserscrsljDesktopAcórdão do Tribunal da Relação de Évora 2018htm 713 designado concurso de normas devendo a arguida deve ser punida apenas pelo crime de homicídio por ser o mais grave como decidido no acórdão recorrido ou perante um concurso efectivo de crimes no caso concurso ideal heterogéneo por se preencherem tipos penais diferentes com a mesma conduta devendo a arguida ser punida em concurso efectivo por um crime de homicídio negligente e um crime de ofensa à integridade física negligente como pretende o MP recorrente 221 Súmula das três correntes jurisprudenciais sobre a questão Temse dividido a jurisprudência dos tribunais em três entendimentos sobre esta mesma questão todos representados em decisões do STJ a No chamado entendimento tradicional temse considerado que nos crimes negligentes com pluralidade de vítimas e unidade de conduta verificase sempre concurso aparente de crimes isto é quer se trate de negligência consciente ou inconsciente sendo o agente punido com a pena prevista no tipo penal mais grave Entre muitos é exemplo desta corrente o Ac STJ de 17121997 Rel Conselheiro Joaquim Dias cujo sumário aqui se transcreve integralmente por incluir o enunciado e os fundamentos do entendimento seguido I O concurso de crimes corresponde a uma pluralidade de crimes não necessariamente a uma pluralidade de factos Um só facto pode bastar para desenhar a figura do concurso ideal que o código equipara ao concurso real perfilhando o critério teleológico Um só facto pode ofender vários interesses jurídicos ou repetidamente o mesmo interesse jurídico Se a tais ofensas corresponderem outros tantos juízos de censura verificase o concurso efectivo de crimes real ou ideal II Portanto na definição de concurso efectivo de crimes não basta o elemento da pluralidade de bens jurídicos violados exigese a pluralidade de juízos de censura III Ora o número de juízos de censura é igual ao número de decisões de vontade do agente dos crimes Uma só resolução um só acto de vontade é insusceptível de provocar vários juízos de censura sem desrespeito do princípio ne bis in idem IV Por isso no concurso ideal sendo a acção exterior uma só a manifestação da vontade do agente quer sob a forma de intenção quer de negligência tem de ser plúrima tantas manifestações de vontade tantos juízos de censura tantos crimes V Nos termos do artigo 15 do CP o autor material de um crime culposo viola um dever de cuidado ou diligência objectiva e subjectivamente A manifestação de vontade do agente do crime culposo consiste pois na omissão voluntária de um dever não tem por conteúdo o facto e as suas consequências VI Num acidente de viação culposo a acção voluntária do agente traduzse no exercício de condução incorrecta de consequências não previstas mas que se deviam prever Sendo uma só a manifestação da vontade e um só o facto ilícito ainda que de evento plúrimo o número de juízos de censura não pode ultrapassar a unidade VII A acção negligente do arguido que com culpa grave deu causa ao acidente de que resultou a morte de uma pessoa e ofensas corporais noutras quatro dirigiuse exclusivamente à forma de condução Sobre ele recai portanto um só juízo de censura como autor de um crime de homicídio por negligência grosseira As ofensas à integridade física porque não fazem parte do tipo de crime são consideradas para efeitos do disposto na alínea a do n 2 do artigo 71 do CP aumentando o grau de ilicitude do facto b Uma segunda corrente jurisprudencial encontrase espelhada no Ac STJ de 8071998 CJ STJ A VII TIIp 240 rel Conselheiro Martins Ramires que decidiu que em matéria de crimes involuntários praticados com negligência consciente o agente comete tantos crimes quanto os resultados que previu e injustificadamente confiou que não se produziriam confirmando a condenação dos arguidos pela autoria em concurso efectivo de 3 crimes de homicídio negligente tantas quantas foram as vítimas Em termos de fundamentação escreveuse aí na definição de concurso efectivo de crimes não basta o elemento pluralidade de bens jurídicos violados exigese a pluralidade de juízos de censura E como é sabido pluralidade de juízos de censura existe sempre que seja possível desdobrar o elemento da culpa constituído pelo elo psicológico entre o agente e o resultado Elo que é característico dos crimes dolosos mas que embora mais ténue também existe nas infracções praticadas com culpa consciente com art 15º a do CP ou seja nas infracções em que o agente prevê o resultado mas actua confiado em que este não irá acontecer p 240 Quando o agente não prevê os resultados típicos por actuar com culpa inconsciente só é possível formular um juízo de censura por cada comportamento negligente não tendo assim a pluralidade de eventos virtualidade para desdobrar as infracções cfr Ac STJ de 28101997 CJ STJ A VTIII p 212 Parece ir neste sentido o acórdão recorrido conforme resulta do trecho que ora se transcreve bem elucidativo das razões do tribunal recorrido em se tratando de crimes involuntários praticados com negligência inconsciente temos alguma dificuldade em dissociar a acção do seu resultado e 29012024 1632 Acórdão do Tribunal da Relação de Évora fileCUserscrsljDesktopAcórdão do Tribunal da Relação de Évora 2018htm 813 como tal não sendo o mesmo previsível ao tempo da acção não é possível punir o agente por mais do que um crime Só faz sentido punir o agente por mais do que um crime quando ele pudesse ter configurado a possibilidade de da sua acção negligente poder resultar mais do que uma vítima pois só então é passível de vários juízos de censura tantos quantos os resultados que previu De outro modo o agente teria de ser responsabilizado individualmente por tantos crimes quantos os resultados que adviessem da mesma acção negligente o que em certos casos designadamente em matéria de acidentes de viação significaria uma penalização excessiva tornando dependente do mero acaso a punição por um ou mais crimes designadamente do número de ocupantes do veículo contra o qual o agente embate quando nem sequer o agente configurou a possibilidade de atingir várias pessoas nem lhe ser exigível que se aperceba do número de ocupantes desse veículo c Por último considerase como no Ac STJ de 11111998 que I Não há razão válida para se defender que ainda que só nos casos de negligência inconsciente o concurso ideal heterogéneo deva ser punido como um único crime II O que se impõe concluir é antes que qualquer tipo de concurso ideal homogéneo ou heterogéneo doloso ou negligente se integra na previsão do art 30º n1do CPenal vigente o que significa que o agente com uma só acção realiza diversas tipos legais ou realiza diversas vezes o mesmo tipo de crime independentemente de agir com dolo ou negligência consciente ou inconsciente comete tantos crimes vezes quantos os tipos preenchidos ou o número de vezes que o mesmo tipo foi realizado a punir nos termos do art 77 daquele CódigoNo mesmo sentido decidiuse no Ac STJ de 02061999 igualmente relatado pelo Conselheiro Leonardo Dias sumários disponíveis em wwwdgsipt Também o Conselheiro Armando Leandro concluiu no mesmo sentido em voto de vencido aposto no Ac STJ de 71098 CJ STJ A VI TIIIp183186 acórdão este relatado pelo Conselheiro Andrade Saraiva que decidiu revogar a decisão do colectivo de 1ª instância condenando o arguido como autor de um único crime de negligência apesar de serem oito as vítimas no que ficou conhecido como o caso da hemodiálise de Évora É este o entendimento invocado pelo MP recorrente e que igualmente perfilhamos pelas razões que sucintamente exporemos e que encontramos já em boa parte na sentença confirmada pelo Ac RP de 24112004 relator Desembargador Coelho Vieira acessível em wwwdgsipt e no Ac desta Relação de Évora de 240603 CJ XXVIII T IIIp 267 de que é relator o Desembargador Chambel Mourisco cujo sumário é do seguinte teor Nos casos de negligência inconsciente o que é relevante é determinar se a conduta do agente tinha ou não a virtualidade de produzir os eventos efectivamente verificados e se tivesse então sobre tal conduta recaem tantos juízos de censura quantas as lesões jurídicas que devia ter previsto que se produziriam e efectivamente se produziram como consequência adequada das sua omissão Mais recentemente também o Ac STJ de 22112007 sumariado em wwwdgsipt entendeu que XXVII Não pode deixar de se considerar que resultando de um acidente de viação em que o condutor violou dever objectivo de cuidado na morte de alguém e ferimentos em duas pessoas será imputável ao arguido a prática não de um crime de homicídio por negligência mas um concurso ideal heterogéneo dada a comissão além do homicídio de mais dois crimes de ofensas corporais involuntárias Na doutrina pronunciamse neste sentido Pedro Caeiro e Cláudia Santos RPCC Ano 6º 1996 fasc 1 p 127 e sgs Figueiredo Dias Comentário Conimbricense Vol I p 114 e Dá Mesquita 5 6 Processo Hemodiálise de Évora pluralidade de ofendidos em resultado da violação de um dever de cuidado RMP Ano 19º 1999 nº 76 p 151 sgs cuja sequência lógicoargumentativa nos parece particularmente adequada a responder às diversas questões suscitadas quer de índole dogmática quer do ponto de vista da política criminal 222 Razões da concordância com o entendimento doutrinário e jurisprudencial que considera dever ser punido em concurso ideal homogéneo ou heterogéneo consoante os casos o agente que agindo com negligência consciente ou inconsciente causa a morte eou ofensas à integridade física em mais que uma pessoa a Desde logo o art 30º do CPenal de 1982 pune em concurso efectivo tanto o chamado concurso ideal como o concurso real equiparando para este efeito as duas situações assim tanto é punido quem com uma só acção preenche diversos tipos penais ou várias vezes o mesmo tipo como aquele que o faz por meio de duas ou mais acções A este respeito refere Eduardo Correia A Teoria do Concurso p 108 que do ponto de vista da dignidade penal não conseguimos descobrir o quid em que reside o menos do concurso ideal em face das formas do concurso real de crimes Tanto num caso como noutro sendo efectivamente violados vários preceitos legais são negados também valores jurídicodiversos e autónomos Quando assim não seja se substancialmente o conteúdo destes valores coincidir estarseá somente em face de um concurso aparente de leis ficará portanto logo excluída a existência de uma efectiva pluralidade de infracções e já não poderá falarse em concurso ideal Significa isto que na verdade as situações de concurso efectivo ideal são negativamente delimitadas pelo concurso aparente de normas pois 29012024 1632 Acórdão do Tribunal da Relação de Évora fileCUserscrsljDesktopAcórdão do Tribunal da Relação de Évora 2018htm 913 neste último caso a uma só conduta corresponde a punição por um só crime contrariamente ao que ocorre com o concurso efectivo ideal b Do ponto de vista da previsão do art 30º do CPenal é realmente decisiva a questão de saber se estamos perante concurso aparente de normas o que implicaria aceitar que ao causar a morte ou ofensa de mais que uma pessoa com a mesma conduta não se estaria a negar por diversas ou de formas diferentes valores jurídico penais autónomos mas antes perante a negação de valores que substancialmente coincidem pelo que apenas há que punir o agente por um só crime Significaria isto que seria punido por um só crime o agente que com uma só bomba pretendesse tirar a vida a várias pessoas A especial natureza e regime dos bens jurídicos eminentemente pessoais afasta a hipótese de concurso aparente pois sempre se tem entendido que aqueles bens devem ser considerados como bens autónomos sempre que radiquem em pessoas diferentes Esta conclusão que é pacífica quanto aos crimes dolosos tem sido rejeitada pelo entendimento jurisprudencial tradicional quanto aos crimes negligentes que aqui nos ocupam Sem razão porém porque também relativamente aos crimes negligentes de homicídio ou de ofensas à integridade física a especial natureza destes bens jurídicos afasta a hipótese de concurso aparente na medida em que o concurso efectivo de crimes a que se refere o art 30º do CPenal tem lugar também quanto aos crimes negligentes É assim porque apesar de não poder falarse de um pluralidade de resoluções criminosas com vista a lesar várias vezes o mesmo bem ou diversos bens com a sua conduta que nos crimes dolosos determina a pluralidade de crimes nos crimes negligentes é possível censurar a sua conduta por negligente tantas vezes quantas as lesões jurídicas que ele não quis produzir mas que ele devia prever se produziriam e efectivamente vieram a ter lugar E Correia pp 109 e 110 É esta a fundamentação da doutrina e jurisprudência que seguimos e que neste momento explica ainda a razão pela qual não pode aceitarse que só a conduta e não também o resultado seja objecto do juízo de desvalor que integra a ilicitude c Na verdade tanto o crime de homicídio negligente previsto no art 137º como o crime de ofensas à integridade física por negligência previsto no art 148º ambos do C Penal são crimes materiais ou de resultado e de dano pelo que no nosso ordenamento jurídicopenal a morte e a ofensa à integridade física fazem parte dos respectivos tipos legais não as configurando o legislador como meras condições de punibilidade alheias ao núcleo do ilícito típico Ilícito típico que nestes crimes negligentes que nos ocupam homicídio e ofensa abrange assim tanto o desvalor de acção traduzido na violação do dever objectivo de cuidado que enforma a conduta negligente como o desvalor do resultado pelo que consistindo este resultado tipicamente na violação de bem jurídico eminentemente pessoal são tantas as negações de valores jurídicopenais autónomos quantas as pessoas atingidas o que significa que são tantos os crimes de homicídio negligente eou de ofensa á integridade física por negligência quantas as vítimas É irrelevante que estejamos perante negligência consciente ou inconsciente como sucede in casu essencialmente por duas ordens de razões Por um lado a representação do resultado não é típica face à remissão geral e implícita que fazem os arts 137º e 148º para o art 15º do CPenal abrangendo assim tanto a negligência consciente como inconsciente o que aliás é regra não nos ocorrendo qualquer caso de punição exclusiva da negligência consciente Por outro lado e em consequência o critério de distinção entre unidade e pluralidade de infracções nos crimes negligentes não passa pela representação do resultado típico como sucede com os crimes dolosos mas antes pela sua previsibilidade cfr supra ECorreia ob e loc cit d Também do ponto de vista das regras da punição o nosso modelo de punição do concurso efectivo é garantia suficiente de que à pluralidade de crimes e penas parcelares não corresponde uma pena única desproporcionada face ao carácter negligente da conduta pois sempre a medida da pena única será encontrada de acordo com a globalidade dos factos e da personalidade do agente Vejase como exemplo prático desta asserção o voto de vencido do Conselheiro Armando Leandro ao Acórdão de 7101998 caso hemodiálise Évora que é do seguinte teor Vencido em parte confirmaria a condenação do arguido recorrente pela autoria material de oito crimes de homicídio negligente e na pena de um ano de prisão por cada um deles reduziria porém a pena única para o quantum ora fixado ou seja para dezoito meses de prisão cuja execução seria suspensa nos exactos termos em que o faz o acórdão Apesar de o acórdão ter condenado o arguido como autor de um só crime de homicídio por negligência inconsciente p e p pelo art 136º nº1 do CPenal de 1982 a pena teria igual medida sendo igualmente substituída por prisão suspensa de acordo com o voto de vencido Embora obviamente não retiremos daqui a conclusão que a pena deve será a mesma quer se puna em concurso efectivo ou em concurso aparente nem sequer tendencialmente o exemplo apenas pretende ilustrar que não tem razão de ser a ideia que a punição será desproporcionadamente agravada por se decidir pelo concurso efectivo de crimes no caso de pluralidade de vítimas em resultado de conduta negligente 223 Concedese pois provimento ao recurso do MP também nesta parte pelo que a arguida vai condenada por dois crimes em concurso efectivo A conduta da arguida encontrase por demais caracterizada nos autos a propósito da morte do condutor do motociclo discutindose no presente 29012024 1632 Acórdão do Tribunal da Relação de Évora fileCUserscrsljDesktopAcórdão do Tribunal da Relação de Évora 2018htm 1013 recurso apenas o carácter grosseiro da negligência para efeitos do disposto no art 137º do CPenal o que foi já objecto de decisão sendo certo que aquela forma de negligência não é aplicável à ofensa á integridade física conforme apreciado e expressamente afastado por Faria Costa com quem concordamos cfr ob cit p Assim deve a arguida ser condenada ainda como autora de um crime de ofensa à integridade física por negligência p e p pelo art 148º do CPenal na pessoa de C que seguia como passageiro do motociclo embatido e em consequência da colisão sofreu traumatismo do membro inferior direito com ferida incisocontusa da perna e ferimentos superficiais no pé lesões estas que lhe determinaram um período de doença por 8 dias sendo os primeiros quatro dias com incapacidade para o trabalho conforme descrito sob o nº6 da factualidade provada 23 Da medida concreta das penas parcelares Impõese agora decidir da pena a aplicar pelo crime de homicídio por negligência grosseira que o art 137º nº 2 pune com pena abstracta de prisão até 5 anos bem como à determinação concreta da pena a aplicar pelo crime de ofensa à integridade física por negligência p e p pelo art 148º do C Penal com prisão até um ano ou multa até 120 dias 231 Homicídio negligente Face à nova qualificação jurídica dos factos a que se procede são essencialmente duas as diferenças verificadas no que respeita à pena parcelar a aplicar à arguida pela prática do crime de homicídio negligente A moldura penal é agora de um mês a 5 anos de prisão em vez de 1 mês a 3 anos de prisão não prevendo multa em alternativa Por outro lado na medida concreta da pena não pode considerarse agora terem sido causadas lesões físicas no jovem passageiro entre as consequências não típicas da conduta da arguida pois aquelas lesões integram os elementos constitutivos de um crime de ofensa á integridade física a punir em concurso efectivo como decidido Assim terseão em conta as seguintes circunstâncias que não fazendo parte do tipo depõem contra a arguida No que respeita ao grau de ilicitude do facto e suas consequências releva sobretudo o maior desvalor do resultado traduzido na juventude da vítima mortal 17 anos de idade e no sofrimento concretamente causado nos seus familiares conforme se refere também na sentença recorrida Em sentido favorável à arguida Estarmos perante negligência inconsciente pois sendo a típica a negligência grosseira seria ainda mais grave que a arguida tivesse previsto a morte do jovem condutor como consequência possível da sua conduta estradal e ainda assim tivesse desprezado a inevitabilidade objectivamente verificada do embate e a elevada probabilidade de verificação do resultado morte As condições pessoais da arguida designadamente a inserção familiar e profissional bem como a ausência de antecedentes criminais e o abalo psicológico que sofreu em consequência do acidente relativamente ao qual se escreve no relatório psicossocial Os factos em causa suscitaram grande pressão e instabilidade emocional à arguida que expressa um sentimento de penosidade face aos mesmos Revela sentido crítico e noção das repercussões dos seus actos em terceiros cfr fls 392 As necessidades de reinserção social não poderem aferirse neste tipo de criminalidade em termos semelhantes às colocadas noutras áreas da criminalidade vg crimes dolosos em geral pois a um quadro pessoal económico e social estabilizado não correspondem necessariamente menores necessidades de consciencialização das consequências da sua conduta nomeadamente estradal face a terceiros O quadro de segurança e conforto do agente pode levar antes ao adormecer da consciência crítica sobre os efeitos das suas opções na vida dos outros e à necessidade de alterar comportamentos como forma de prevenir a lesões dos bens jurídicos tutelados penalmente No caso concreto não é pois tanto a situação pessoal e familiar que torna menores as necessidades de ressocialização na sua vertente de socialização positiva como se diz na sentença recorrida mas antes a sua atitude perante os factos tal como resulta do relatório social aludido na medida em que a mesma aponta para uma menor necessidade de pena desde logo do ponto de vista do seu carácter aflitivo a arguida sofre com as consequências dos seus actos o que significa memória dos mesmos e consciência da vantagem psicológica 7 em evitar a sua repetição Por outro lado a situação pessoal e familiar da arguida afasta a aplicação de pena muito elevada e antecipando o momento posterior de escolha de pena de substituição aponta no sentido da adequação da substituição da prisão por pena não privativa da liberdade na medida em que aquela assumiria feição claramente dessocializadora no caso presente Entendemos pois que a pena de 2 anos e 6 meses de prisão preconizada pelo MP na sua motivação de recurso mostrase ajustada a satisfazer as necessidades de prevenção geral e especial presentes no caso situando aquém do limite representado pela sua culpa pelo que é esta a medida concreta fixada 232 Pena a aplicar pelo crime de ofensa à integridade física negligente Já quanto à pena a aplicar por este crime carece de fundamentação e de fundamento a aplicação da pena privativa de liberdade em detrimento da pena de multa prevista em alternativa no tipo legal 29012024 1632 Acórdão do Tribunal da Relação de Évora fileCUserscrsljDesktopAcórdão do Tribunal da Relação de Évora 2018htm 1113 e a sua determinação pelo limite máximo 1 ano de prisão preconizadas pelo MP recorrente a Nos termos do art 70º do CPenal que na versão em vigor desde a Revisão de 1995 mantém a opção originária do CPenal em 1982 pela pena não privativa da liberdade 8 Se ao crime forem aplicáveis em alternativa pena privativa e pena não privativa da liberdade o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição Significa isto que o tribunal deve dar preferência à pena de multa sempre que formule um juízo positivo sobre a sua adequação às finalidades de prevenção geral positiva e de prevenção especial nomeadamente de prevenção especial de ressocialização no caso concreto e deve preterila na hipótese inversa Na verdade vimos entendendo que não obstante o art 70º do CPenal constituir afloramento claro e significativo do princípio incontroverso da preferência pela pena não privativa da liberdade em todos os casos em que a opção é possível para o julgador a alteração verificada em 1995 na sua letra foi acrescentada a expressão em alternativa e a repetição da locução final realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição nos actuais arts 48º 50º e 58º todos do CPenal parecem reflectir o propósito de que aquela norma funcione sobretudo como regra de escolha da pena principal Ora na sua concreta formulação o artº 70º deixa claro que no momento de escolha da pena principal o que o julgador terá que avaliar é se a pena de multa prevista no tipo legal realiza suficientemente as finalidades preventivas das penas sem cuidar de contraporlhe nesse momento a eventual necessidade de impor o cumprimento da pena privativa de liberdade prevista em alternativa no tipo Isto é a opção neste momento nesta fase de escolha da pena principal pela pena de prisão não é sinónimo de opção pela execução ou cumprimento da pena privativa de liberdade 9 pois no nosso sistema de escolha e determinação da pena as restantes penas alternativas à prisão são penas de substituição o que significa que as mesmas apenas são aplicáveis depois de escolhida e concretamente determinada a medida da pena principal privativa de liberdade sendo nessa altura que terá de avaliarse da necessidade de sujeitar o condenado ao efectivo cumprimento da mesma Daí que neste momento apenas haja que decidir se a pena de multa até 120 dias prevista no tipo é suficiente e adequada ou se o não é por razões de prevenção geral positiva ou prevenção especial A nosso conclusão é que relativamente ao crime de ofensa à integridade física em apreço não há razões atinentes às finalidades das penas que nos levem a afastar a opção legal de princípio pela pena não privativa da liberdade pois esta mostrase suficiente e adequada em atenção sobretudo às seguintes razões Do ponto de vista do grau de ilicitude do facto e das suas consequências não podem reputarse especialmente extensas ou intensas as lesões sofridas traumatismo do membro inferior direito com ferida na perna e ferimentos superficiais no pé que determinaram 8 dias de doença sendo 4 de incapacidade para o trabalho pelo menos do ponto de vista das necessidades de prevenção geral positiva ainda no âmbito da ilicitude mas perspectivando a conduta da arguida a partir do desvalor da acção vai este em sentido favorável à arguida porquanto estamos perante um caso de concurso ideal em crime negligente não podendo levarse à conta da maior ou menor perigosidade da sua conduta os ferimentos no jovem enquanto mero passageiro do motociclo Por outro lado valem aqui as considerações expendidas supra a propósito da relação entre a situação pessoal e social da arguida e as necessidades de prevenção especial positiva no caso concreto que não implicam de modo algum a preterição da pena principal e multa prevista no tipo penal b Quanto à determinação concreta da pena de multa como é sabido o Código Penal de 1982 adoptou o chamado modelo ou sistema de diasdemulta na designação do Prof F Dias segundo o qual a determinação concreta desta pena fazse no essencial em dois momentos distintos obedecendo as respectivas operações a diferentes critérios e teleologia Na primeira dessas operações ou seja na fixação do número de dias de multa atendemse igualmente aos factores de determinação da pena estabelecidos no nº1 do art 71º do C Penal cfr art 47º nº1 do C Penal já apreciados e confrontados supra entre si no sentido favorável e desfavorável à arguida Assim considerando por um lado o menor grau de ilicitude do facto resultante em larga medida do menor desvalor da acção no que a este crime respeita que não se confunde com o juízo formulado a propósito do crime de homicídio e as necessidades de prevenção especial que por um lado apontam para a afirmação da gravidade das consequências dos seus actos e a necessidade de não os repetir no futuro necessidades positivas de socialização e o propósito de reduzir ao indispensável a dessocialização inerente à pena consideramos ajustada a pena de 80 dias de multa No que respeita à segunda das operações implicadas isto é à fixação do quantitativo diário genericamente estabelecido no art 47º nº2 do CPenal entre 1 e 49880 Euros à data dos factos e entre 5 e 500 na sua redacção actual introduzida pela Lei 592007 de 4 de Setembro relevam os seguintes factos 29012024 1632 Acórdão do Tribunal da Relação de Évora fileCUserscrsljDesktopAcórdão do Tribunal da Relação de Évora 2018htm 1213 11 A arguida trabalha como contabilista auferindo mensalmente 650 e fora do seu horário de trabalho está a concluir o 3º ano do curso de gestão na Faculdade de Portimão Vive com o marido e um filho menor de 8 meses de idade Devendo o quantitativo diário ser estabelecido em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais cfr art 47º nº1 CPenal de acordo com os limites legalmente fixados à data dos factos vd supra 10 julgamos ajustado o quantitativo diário de 10 Vai assim a arguida condenada na pena de 80 dias de multa à razão diária de 10 pela prática do crime de ofensa à integridade física por negligência na pessoa de C 233 Referência ao concurso de penas e à substituição das penas principais por pena de substituição a Tendo em conta que as penas aplicadas pelo crime de homicídio e pelo crime de ofensa à integridade física são de espécies diferentes prisão suspensa na sua execução e multa não há cúmulo jurídico destas penas mpois o legislador não consagrou o necessário critério legal de conversão cfr art 77º nº 3 C penal Por outro lado não se verificam os pressupostos formais da substituição da pena de multa por Admoestação que em todo o caso não se ajustaria às finalidades de prevenção geral positiva presentes no caso pelo que apenas relativamente à pena de prisão há que fazer referência à substituição por prisão suspensa na sua execução b Relativamente à suspensão da execução da pena decidida em 1ª Instância e não impugnada mantémse a mesma tanto no que respeita ao período de suspensão como no que concerne à condição fixada não havendo sequer que ponderar qualquer modificação por via das alterações introduzidas no regime legal em 2007 designadamente quanto ao período de suspensão pois encontrandose este fixado de modo conforme com o actual nº5 do art 50º do CPenal não está em causa a eventual aplicação oficiosa de Lei Nova mais favorável ao arguido III Dispositivo Nesta conformidade acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso interposto pelo MP substituindose a decisão condenatória recorrida nos seguintes termos Vai a arguida A condenada pela autoria em concurso efectivo ideal heterogéneo de Um crime de homicídio por negligência grosseira p e p pelo artº 137º nº 1 e 2 do C Penal na pena de dois anos e seis meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo na condição de a arguida pagar à Associação Para a promoção da Segurança infantil APSI com sede na Vila Berta nº 7 rc Esq Em Lisboa a quantia de 600 no prazo de 3 meses e De um crime de ofensa à integridade física por negligência p e p pelo artº 148º nº1do C Penal na pena de 80 dias de multa à razão diária de 10 Sem custas Évora 18 de Novembro de 2008 Processado em computador Revisto pelo relator António João Latas Maria Guilhermina Vaz Pereira Santos de Freitas 1 Cfr Comentário Conimbricense TI p 113 2 Vd trecho supra transcrito Ao chegar a um entroncamento a arguida decidiu mudar de direcção para a sua esquerda Fêlo sem atentar no trânsito que circulava em sentido contrário e sem se certificar que de tal manobra resultaria embaraço para o trânsito acabando por não ceder a passagem ao motociclo que circulava na via onde a arguida pretendia entrar Contudo não se provou que a arguida se tenha apercebido que o motociclo circulava na mesma estrada na faixa de rodagem onde a arguida pretendia entrar o que seria fulcral para caracterizar o tipo de negligência O factualismo assente apenas permite concluir que a arguida conduziu de forma desatenta e descuidada mas já não que tenha conduzido com elevado desrespeito das regras de condução estradal nem que a sua atitude revele uma atitude particularmente censurável de descuido perante o comando jurídicopenal 29012024 1632 Acórdão do Tribunal da Relação de Évora fileCUserscrsljDesktopAcórdão do Tribunal da Relação de Évora 2018htm 1313 3 Cfr José de Faria Costa Direito Penal Especial Coimbra Editora 2004 p 95 O trecho transcrito em texto conclui uma passagem mais ampla que termina assim será com efeito assim sempre que a probabilidade de ocorrência daquele resultado se apresenta de tal modo evidente que o cidadão comum medianamente consciente e cumpridor dos comandos normativos teria dde forma clara evitado a conduta violadora do dever de cuidado Caberão assim equivocamente na categoria da negligência grosseira também os casos em que por força de um alto e inqualificável teor de imprevisão forem desrespeitadas as mais evidentes regras de cuidado de perigo para com o Outro 4 Cfr Drecho Penal parte General 5ª ed pp 2701 5 Só por lapso se referirá na motivação do recorrente que Dá Mesquita conclui que em matéria de crimes involuntários praticados com negligência consciente o agente cometeu tantos crimes quanto os resultados que previu pois é claro o seu entendimento de que à pluralidade de crimes é indiferente o carácter consciente ou inconsciente da negligência enfatizando mesmo e a nosso ver com razão que Não se vislumbra em que medida para a construção judiciária desse tribunal superior releva que o crime tenha sido cometido com negligência consciente ou inconsciente já que ao que pensamos ninguém contesta que é indiferente para a imputação de uma pluralidade de delitos dolosos que estes tenham sido cometidos com dolo directo necessário ou eventual para o preenchimento dos tipos de crime previstos pelas normas é tão só necessário que o agente tenha agido com negligência definida no art 15º do CP esta irrelevância do elemento intelectual da negligência para a questão da unidade ou pluralidade de infracções ainda é mais evidente à luz de uma perspectiva neoclássica que trata a negligência ao nível da culpa depois da tipicidade e da ilicitude E mais adiante ao contrário do que se insinua nalguns dos acórdãos citados e se afirma de forma expressa no acórdão de 871998 o qual é contudo contraditado pelo acórdão de 211 1998 do mesmo relator o facto de o agente ter actuado com negligência consciente ou inconsciente não pode ser determinante no tratamento de um concurso de crimes Como sublinhámos supra o problema é da aplicação plúrima da norma de homicídio negligente a uma só acção ou a uma só violação de um dever de cuidado com vários eventos de morte e essa norma é aplicável a qualquer conduta negligente que origine a morte de outrem independentemente da previsão efectiva desse perigo 7 Como impressivamente descreve Roxin a propósito as finalidades de prevenção das penas Imaginavase a alma do delinquente potencial que havia caído em tentação como um campo de batalha entre os motivos que o empurravam para o delito e os que lhe resistiam no manual de Feuerbach continua o autor pode lerse um resumo exacto daquela concepção tanto racionalista como determinista Todas as infracções têm o seu fundamento psicológico na sensualidade até ao ponto em que a faculdade de desejo do homem é incitada pelo prazer da acção de cometer o facto Este impulso sensitivo pode suprimirse ao saber cada um que com toda a segurança o seu acto será seguido de um mal inevitável a pena que será maior que o desagrado resultante do impulso não satisfeito pela comissão cfr Roxin 1999 90 traduzido livremente do castelhano 8 A pena privativa de liberdade como última ratio da política criminal constitui um dos princípios caracterizadores do movimento de reforma penal em Portugal que culminou com a entrada em vigor do CPenal de 1982 e que se insere no âmbito mais vasto do movimento internacional de reforma penal assente num fundo políticocriminal comum de que podem salientarse os seguintes princípios restrição do âmbito e da frequência de aplicação das penas privativas da liberdade luta decidida contra as penas de prisão de curta duração conducente à sua substituição na generalidade ou mesmo na totalidade dos casos por penas não detentivas ou não institucionais enriquecimento da panóplia e aumento sensível do campo e da frequência de aplicação das penas não detentivas em particular da pena de multa tentativa de limitar por todos os meios o efeito estigmatizante e consequentemente criminógeno das reacções criminais Cfr FDias1993 p 501 9 Apelando aos critérios de conveniência e adequação para escolha da pena principal a que igualmente se referem FDias1993 3634 e M João Antunes 2001 710 refere a Professora Anabela Rodrigues que a opção pela aplicação de uma ou outra pena à disposição do tribunal não envolve um juízo feito em função das exigências preventivas sobre a necessidade da execução da pena de prisão efectiva que o juiz sempre terá de demonstrar para fundamentar a aplicação da prisão mas sim um juízo de maior ou menor conveniência ou adequação de uma das penas em relação à outra em nome da realização das referidas finalidades preventivas cfr ARodrigues1999 664 10 No caso concreto é a lei vigente à data dos factos a mais favorável ao arguido no que respeita à determinação da pena onde ocorreram alterações pois o limite legal foi aumentado em 2007 e não se verificaram outras alterações relevantes que pudessem sobreporse ao efeito desfavorável desse aumento cfr art 2º n4 do CPenal