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WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 365 CULPA CONSCIENTE E DOLO EVENTUAL PARECER CASO BOATE KISS SANTA MARIARS RECKLESSNESS AND dolus eventualis LEGAL OPINION OF BOATE KISS CASE SANTA MARIARS ALEXANDRE WUNDERLICH Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Professor de Direito Penal na Escola de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul ORCID alexandrewunderlichwunderlichadvbr MARCELO ALMEIDA RUIVO Professor do Programa de Doutorado em Ciências Criminais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS Visiting Professor nas Faculdades de Direito das Universidades de Turim e de Ferrara Doutor em Ciências JurídicoCriminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra ORCID httpsorcidorg0000000329299088 marceloaruivogmailcom ÁREAS DO DIREITO Penal Processual RESUMO O artigo revisa a distinção entre os con ceitos de culpa consciente e dolo eventual na ciência jurídica bem como como os elementos componentes de cada conceito O caso do incên dio na Boate Kiss é estudado no sentido de ava liar se o conjunto probatório sustenta indícios de homicídio doloso eventual e se os Tribunais Su periores STJ e STF poderiam modificar a decisão de segunda instância TJRS PALAVRASCHAVE Homicídio Culpa consciente Dolo eventual Recurso especial Revisão do conjunto probatório ABSTRACT The article reviews the distinction be tween the concepts of recklessness and dolus eventualis in legal sciences as well as the com ponents of each concept The Kiss nightclub fire case is studied in order to evaluate if the cases body of evidence supports the hypothesis of a homicide commited with dolus eventualis and if the Higher Courts STJ e STF could modify the decision of Court of Appeal STJ KEYWORDS Dolus eventualis Advertent reck lesness Writ to Higher Courts Revision of the body of evidence WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 366 Revista BRasileiRa de CiênCias CRiminais 2019 RBCCRIM 161 SUMÁRIO 1 Consulta 2 Fato e imputação jurídica 3 Síntese processual 4 Dimensões objetiva e subjetiva do tipo legal de crime os elementos do tipo penal 5 Elementos subjetivos gerais dolo e culpa e especiais motivo e finalidade do tipo penal 6 Diferen ciação entre dolo eventual e culpa consciente 7 Necessidade de comprovação empírica da previsibilidade do resultado para a culpa consciente e da aceitação do resultado previsível para o dolo eventual 8 Correção científica da rejeição da hipótese de dolo eventual pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul 9 Recursos aos Tribunais Superiores 91 Objeto recursal eminentemente jurídico questões de direito in iure 92 Inadequação e desca bimento do reexame probatório Súm 7 do STJ e 279 do STF Impossibilidade do recur so do Ministério Público Desinteresse e ilegitimidade recursal do assistente da acusação na mudança da capitulação legal 93 Manifestação do Ministério Público em parecer ofertado no STJ Recurso Especial 1790039RS 10 Síntese da consulta 11 Referências bibliográficas 1 Consulta O eminente advogado Doutor JM atuando na defesa do Sr ECS no âmbito do processocrime 02721300006967 originário da comarca de Santa MariaRS Caso Boate Kiss apresenta os autos do processo e questões científicas sobre ca tegorias de direito penal e de processo penal Tratase de duas perguntas funda mentais 1º quesito É cientificamente correta a desclassificação da imputação jurídi ca da figura do dolo eventual para a da culpa consciente feita pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul TJRS no acórdão fruto dos Embargos Infringentes 700751204281 diante das condutas imputadas na denúncia e do conjunto probatório reunido na instrução processual 2º quesito Os Recursos aos Tribunais Superiores possuem cabimento e ade quação elementos do juízo de admissibilidade para a revisão do conjunto pro batório necessário para a redefinição do elemento subjetivo geral do tipo Os dois questionamentos formulados pelo eminente advogado exigem a revi são e a diferenciação das categorias estruturantes do tipo subjetivo na Teoria Ge ral do Crime e da especificidade dos recursos aos Tribunais Superiores na Teoria Geral dos Meios de Impugnação Esses são os dois questionamentos científicos que passamos a analisar 1 TJRS Embargos Infringentes e de Nulidade 70075120428 1º GC Rel Des Victor Luiz Barcellos Lima j 01122017 DJe 22012018 WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 367 DIREITO POR QUEM O FAZ 2 Fato e iMPutação JurídiCa ECS foi acusado conjuntamente com MLH MJS e LAB da prática dos crimes de homicídio doloso qualificado por motivo torpe e pela crueldade art 121 2º I e III do CP em 241 vezes e homicídio doloso qualificado tentado por motivo torpe e crueldade art 121 2º I cc art 14 II do CP em 636 vezes A denúncia narra que os fatos teriam ocorrido em 27 de janeiro de 2013 aproximadamente às 3h15min nas dependências da Boate Kiss na cidade de Santa MariaRS Conforme descreve o Ministério Público MLH e ECS teriam supostamente concorrido para o crime implantando em paredes e no teto da boate espuma altamente inflamável e sem indicação técnica de uso contratando o show descrito que sabiam in cluir exibições com fogos de artifício mantendo a casa noturna superlotada sem condições de evacuação e segurança contra fatos dessa natureza bem como equipe de funcionários sem treinamento obrigatório além de prévia e genericamente ordenarem aos seguranças que impedissem a saída de pessoas do recinto sem pagamento das despesas de consumo na boate revelando total indiferença e desprezo pela vida e pela segurança dos frequentadores do local assumindo assim o risco de matar p 5 da denúncia Em síntese a acusação acredita em homicídio qualificado por motivo tor pe na revelação de total indiferença e desprezo pela vida e pela segurança dos frequentadores do local por parte dos acusados com base em elementos articu lados no sentido de que teriam assumindo assim o risco de matar Fundamentalmente eis os elementos articulados pela acusação pública 1º Implantação de espuma altamente inflamável e sem indicação técnica de uso em paredes e no teto da boate 2º Contratação de show que sabidamente incluía exibições com fogos de ar tifício 3º Manutenção da casa noturna superlotada e sem condições de evacuação e segurança contra fatos dessa natureza 4º Equipe de funcionários sem treinamento obrigatório 5º Ordem prévia e genérica para que os seguranças impedissem a saída de pessoas do recinto sem pagamento das despesas de consumo O presente parecer pretende examinar tecnicamente o caso e fixar as pre missas elementares no sentido de verificar se os elementos trazidos pela acu sação pública são suficientes isoladamente ou em conjunto para legitimar o WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 368 Revista BRasileiRa de CiênCias CRiminais 2019 RBCCRIM 161 entendimento categórico de revelação de total indiferença e desprezo pela vida e pela segurança dos frequentadores do local configurandose assim a figura do dolo eventual imputada na denúncia Sem esse entendimento do Ministério Público não é possível falar em imputação dolosa eventual uma vez que a hipó tese jurídica está fundada exclusivamente nessa suposição Isto é sem a demons tração efetiva das condições objetivas que conduzem ao elemento subjetivo de revelação de total indiferença e desprezo pela vida e pela segurança não há hi pótese legítima para fixação de dolo eventual Os elementos articulados pela denúncia serão estudados isoladamente a fim de determinar a qualidade de indícios de dolo eventual A avaliação deve atentar se há condições lógicas e materiais adequadas à conclusão peremptória de total indiferença e desprezo pela vida ou se está diante de mera suposição ilegítima presuntiva sem respaldo na realidade do fato e nas diretrizes legais sobretudo identificado se é possível constatar a assunção de risco e a obrigatória anuên cia do resultado típico essenciais para o dolo eventual 3 síntese ProCessual A instrução processual na primeira fase do rito procedimental do Tribunal do Júri resultou na pronúncia dos acusados por homicídio doloso qualificado e homicídio doloso tentado nos termos da denúncia em 27 de julho de 2016 As Defesas de ES MH LB e MJS interpuseram Recursos em Sentido Estrito contra a decisão de pronúncia A colenda Primeira Câmara Criminal do e TJRS rejeitou as preliminares por unanimidade e deu parcial provimento aos meios de impugnação por maioria para afastar as qualificadoras da pronúncia O e Relator Des Manuel José Marti nez Lucas concedeu parcial provimento aos Recursos para desclassificar os fatos denunciados para crimes diversos dos elencados no art 74 1º do CPP restan do vencido no julgamento em 22 de março de 2017 Os acusados opuseram Embargos Infringentes com base no voto vencido do Relator Des Manuel José Martinez Lucas No dia 01 de dezembro de 2017 fo ram acolhidos os embargos diante do empate dos votos dos Desembargadores in tegrantes do Primeiro Grupo Criminal do TJRS2 conforme os artigos 615 1º 2 Os Des Victor Luiz Barcellos Lima Relator Des Manuel José Martinez Lucas Des Honório Gonçalves da Silva Neto e Des Luiz Mello Guimarães acolheram o recurso ao passo que os Des Jayme Weingartner Neto Des Sylvio Baptista Neto Presidente Desa Rosaura Marques Borba Revisora e Des José Antônio Cidade Pitrez rejeitaram os Embargos Infringentes WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 369 DIREITO POR QUEM O FAZ in fine do CPP3 e 21 2º I do RITJERGS vigente até 18 de junho de 20184 A decisão desclassificou os fatos imputados para delitos comuns não da compe tência do Tribunal do Júri nos termos exatos do voto vencido Des Manuel José Martinez Lucas no julgamento dos Recursos em Sentido Estrito O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul e a Associação dos Fa miliares de Vítimas da Tragédia de Santa Maria AVTSM Assistente da Acu sação interpuseram Recursos Especiais e Extraordinários bem como assim o fizeram os acusados MH e ES Em 13 de julho de 2018 o i VicePresidente Túlio de Oliveira Martins a não conheceu os Recursos Especial e Extraordinário de MH e b não admitiu os Re cursos Especial e Extraordinário de ES e ainda c admitiu os Recursos Espe ciais e Extraordinários do Ministério Público e da Associação dos Familiares de Vítimas da Tragédia de Santa Maria AVTSM As Defesas interpuseram agravos nos Recursos aos Tribunais Superiores contra a decisão que não admitiu os Re cursos Especial e Extraordinário defensivos A questão central deste parecer versa sobre a adequação científica da decisão do Primeiro Grupo Criminal do e TJRS fundamentalmente se o tipo subjeti vo da conduta pode ser verificado exclusivamente por meios lógicos sem de pender da revisão do material probatório dos dados empíricos juntado aos autos 4 diMensões obJetiva e subJetiva do tiPo legal de CriMe os eleMentos do tiPo Penal Iniciamos pela questão de direito material acerca do conceito analítico de cri me e de seus elementos O conceito jurídico de crime é dividido tradicionalmen te em duas dimensões quer no sistema romanogermânico quer no common law 3 Art 615 O tribunal decidirá por maioria de votos 1º Havendo empate de votos no julgamento de recursos se o presidente do tribunal câmara ou turma não tiver tomado parte na votação proferirá o voto de desempate no caso contrário prevalecerá a decisão mais favorável ao réu 4 Art 21 Os 4 quatro Grupos Criminais são formados cada um por 2 duas Câmaras a 1ª e 2ª compõem o 1º Grupo a 3ª e 4ª o 2º Grupo a 5ª e 6ª o 3º Grupo e a 7ª e 8ª o 4º Grupo exigindose para seu funcionamento a presença de no mínimo 5 cinco julgadores incluindo o Presidente 1º As sessões dos Grupos de Câmaras Criminais serão presididas a ordinariamente pelo Desembargador mais antigo do Grupo 2º Ocorrendo empate na votação serão observadas as seguintes regras parágrafo incluído pela Emenda Regimental nº 0202 I na hipótese da letra a do parágrafo 1º prevale cerá a decisão mais favorável ao réu CPP arts 615 1º e 664 parágrafo único WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 370 Revista BRasileiRa de CiênCias CRiminais 2019 RBCCRIM 161 A dimensão objetiva descreve as características objetivas da conduta do nexo causal e do resultado criminal observados na realidade externa do fenômeno cri minal A dimensão subjetiva trata da relação intelectual e anímica do autor com a própria conduta e com o resultado causado e por isso recebe a denominação de dimensão subjetiva uma vez que se refere ao sujeito da conduta As duas dimensões objetiva e subjetiva permitem a graduação das condu tas e dos resultados em diferentes níveis de reprovação cuja expressão possibilita as tradicionais valorações jurídicopenais do desvalor da conduta e do desvalor do resultado É de conhecimento dogmático geral que o crime é analiticamente conheci do por meio de três categorias que formam a cognominada Teoria Geral do Cri me tipo ilícito e culpa5 Cada uma dessas categorias do conceito analítico de crime orienta um juízo necessário para a confirmação da ocorrência do fenôme no penal O juízo de adequação da conduta praticada às características descri tas no tipo penal chamase de tipicidade da conduta O juízo de adequação da conduta praticada ao conteúdo juridicamente proibido no ilícito penal denomi nase ilicitude O juízo de reprovação ou de censura da conduta avaliada ante riormente como típica e ilícita materializa o juízo de culpabilidade Resumidamente as dimensões tradicionais objetiva e subjetiva do crime estão presentes nas três categorias analíticas do conceito jurídico e nos respecti vos juízos penais Tipo é pois o elemento responsável pela descrição legal uni versal e abstrata dos elementos da conduta criminal que adquiriu notoriedade e relevância científica na dogmática penal alemã espanhola portuguesa e latino americana desde a divulgação da obra de Ernst von Beling Então o tipo penal é o contorno do tipo de crime que descreve as dimensões do crime nas suas duas partes objetiva e subjetiva6 5 No Brasil REALE JÚNIOR Miguel Instituições de direito penal Rio de Janeiro Forense 2002 p 126 SANTOS Juarez Cirino dos Direito penal parte geral 2 ed Curitiba ICPC Lumen Juris 2007 p 7475 BITENCOURT Cezar Roberto Tratado de direito pe nal parte geral 16 ed São Paulo Saraiva 2011 p 253 REGIS PRADO Luiz Curso de direito penal brasileiro 13 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 204 TAVARES Juarez Fundamentos de teoria do delito Florianópolis Tirant Lo Blanch 2018 p 104 na Itália CADOPPI Alberto VENEZIANI Alberto Elementi di diritto penale Parte generale 6 ed Vinceza Wolter Kluwer 2015 p 189 PULITANÒ Domenico Diritto penale 4 ed Torino Giappichelli 2005 p 6263 6 BELING Ernst von Die Lehre vom Verbrechen Tübingen Mohr 1906 p 1 e 110 BE LING Ernst von Die Lehre vom Tatbestand Tübingen Mohr 1930 p 12 WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 371 DIREITO POR QUEM O FAZ A parte objetiva do tipo narra os elementos objetivos da conduta ativa ou omissiva ligada causalmente ao resultado A denominação elementos objetivos toma em consideração os elementos do fato em si exteriorizados pelo autor e não a relação intelectual e anímica do autor da conduta com o seu comportamento e com o resultado causado A denominação parte objetiva do tipo remete à prescin dibilidade de verificação interna do comportamento do autor da conduta A parte subjetiva do tipo é justamente a relação interna que o autor guarda com a sua conduta e com o resultado causado O dolo e a culpa que se situavam na esfera da culpabilidade na estrutura analítica do crime do causalismo passa ram a integrar o tipo ou tipo de ilícito penal na dogmática de vários países oci dentais após o acolhimento do finalismo de Hans Welzel7 Destarte basicamente os crimes dolosos e culposos diferenciamse entre si já na descrição legal da conduta típica prevendo molduras penais diversas e su jeitandose a competências jurisdicionais diversas no Brasil O tipo subjetivo permite que crimes com resultados iguais desvalor do resultado consigam ex pressar juridicamente distintos graus de reprovação penal da conduta desvalor da conduta próprios da diferença entre os fenômenos doloso e culposo Evidente que o desvalor da conduta é a razão pela qual o fato doloso é ape nado com mais severidade que o culposo Tratase do reconhecimento jurídico de dife renças ontológicas de desvalor prévias à intervenção do direito penal que devem ser objeto de prova para a configuração do crime É importante registrar alguns entendimentos clássicos como o fato de que as características do crime descritas no tipo penal aparecem como dados da reali dade reconhecidos juridicamente pelo direito penal a partir da sua metodologia científica O ordenamento penal apenas reconhece elementos da realidade prévia à intervenção legislativa não podendo presumir ou criar artificialmente carac terísticas do fato proibido sob pena de ilegitimidade da punição e de ineficácia preventiva Então as características objetivas e subjetivas da descrição legal do crime de vem ser sempre provadas na instrução processual em respeito à legalidade penal e à legitimidade do juízo condenatório Portanto a descrição típica de elementos 7 DIAS Jorge de Figueiredo Direito penal Parte geral Questões fundamentais da dou trina do crime 2 ed Coimbra Coimbra Editora 2007 t I p 270271 n 58 e 59 CADOPPI Alberto VENEZIANI Alberto Elementi di diritto penale Parte generale 6 ed Vinceza Wolter Kluwer 2015 p 191 e sobretudo WELZEL Hans Das Deutsche Strafrecht eine systematische Darstellung 11 ed Berlin De Gruyter 1969 p 64 WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 372 Revista BRasileiRa de CiênCias CRiminais 2019 RBCCRIM 161 como conduta causalidade dolo ou culpa e resultado criminal é feita com ba se na realidade exigindo comprovação empírica para a sua verificação concreta São elementos que não podem ser concebidos ou imputados exclusivamente por meio de presunções ou criações jurídicas 5 eleMentos subJetivos gerais dolo e CulPa e esPeCiais Motivo e Finalidade do tiPo Penal A parte subjetiva do tipo é a ligação que o autor ou agente tem com a sua con duta ativa ou omissiva podendo ser observada em relação ao resultado causado que pertence ao tipo objetivo A doutrina costuma dividir a parte subjetiva do tipo penal em elemento sub jetivo geral e elemento subjetivo especial O elemento subjetivo geral é requisito fundamental para a criminalização da conduta A conduta em relação ao resul tado causado pode a prever e querer o resultado b prever e aceitar o resulta do c prever e não querer nem aceitar o resultado ou simplesmente d não prever o resultado Aqui colocamos as quatro hipóteses em ordem decrescente de reprovabilidade do desvalor da conduta que correspondem a um dos quatro conceitos sintéticos do tipo subjetivo a dolo direto b dolo eventual c cul pa consciente e d culpa inconsciente O Código Penal brasileiro segue a regra clássica de que as condutas são proibi das penalmente quando dolosas e apenas excepcionalmente se previstas expres samente na lei quando culposas art 18 parágrafo único do CP8 No mesmo sentido são os Códigos Penais alemão 15 do StGB e italiano art 42 com ma 2 CPI9 A legislação brasileira exige para a criminalização que a conduta te 8 Art 18 Dizse o crime Crime doloso I doloso quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzilo Crime culposo II culposo quando o agente deu causa ao resultado por imprudência negligência ou imperícia Parágrafo único Salvo os casos expressos em lei ninguém pode ser punido por fato previsto como crime senão quando o pratica dolosamente 9 15 Vorsätzliches und fahrlässiges Handeln Strafbar ist nur vorsätzliches Handeln wenn nicht das Gesetz fahrlässiges Handeln ausdrücklich mit Strafe bedroht Art 42 Responsabilità per dolo o per colpa o per delitto preterintenzionale Responsabilità obiettiva Nessuno può essere punito per una azione od omissione preveduta dalla legge come reato se non lha commessa con coscienza e volontà Nessuno può essere punito per un fatto preveduto dalla legge come delitto se non lha commesso con dolo salvi i casi di delitto preterintenzionale o colposo espressamente preveduti dalla legge La WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 373 DIREITO POR QUEM O FAZ nha sido praticada ao menos culposamente art 18 e 20 e 1º do CP sempre diferenciando legalmente o tipo subjetivo doloso art 18 I do CP do culposo art 18 II do CP O dolo direto é a modalidade mais tradicional de imputação subjetiva no di reito penal Os componentes do dolo direto são a representação e b vontade do resultado conforme disciplina a primeira parte do art 18 I do CP referin dose aos elementos do tipo objetivo10 A verificação prática do dolo direto não impõe grande dificuldade quanto à verificação do dolo eventual O dolo even tual é a previsão do resultado como altamente provável e a aceitação do resulta do no momento de realização da conduta art 18 I do CP A culpa consciente é a previsão e não aceitação do resultado perigoso e indesejável que acaba sendo causado por imprudência negligência ou imperícia art 18 II do CP O autor da conduta pode apesar de um tal conhecimento confiar embora levianamen te em que o preenchimento do tipo se não verificará e age então só com negli gência consciente11 A culpa inconsciente é a não previsão do resultado como possível que ocorre causado pela conduta imprudente negligente ou imperita art 18 II do CP O elemento subjetivo especial é a descrição de característica especial da con duta que poderá integrar especialmente o tipo penal o motivo e a finalidade da conduta Motivo é a razão que impulsionou o autor da conduta uma espécie de atitude interna e pessoal do agente assim como os sentimentos as convicções e os modos de pensar Pode constar na narrativa da conduta incriminada na forma básica eg art 208 do CP privilegiada ou minorada eg art 121 1º do CP qualificada eg art 121 2º I do CP ou agravada art 61 III a do CP por exemplo O motivo é sempre uma característica do fenômeno criminal reconhe cida pelo direito dentro dos parâmetros de tipicidade e legalidade legge determina i casi nei quali levento è posto altrimenti a carico dellagente come con seguenza della sua azione od omissione Nelle contravvenzioni ciascuno risponde della propria azione od omissione cosciente e volontaria sia essa dolosa o colposa 10 BAUMANN Jürgen WEBER Ulrich MITSCH Wolfgang EISELE Jörge Strafrecht allgemeiner Teil Lehrbuch 12 ed Bielefeld Gieseking 2016 p 249 n 7 e 250 n 10 CADOPPI Alberto VENEZIANI Alberto Elementi di diritto penale Parte generale 6 ed Vinceza Wolter Kluwer 2015 p 336 e JESCHECK HansHeinrich WEIGEND Thomas Lehrbuch des Strafrechts allgemeiner Teil 5 ed Berlin Duncker Humblot 1996 p 295 11 DIAS Jorge de Figueiredo Direito penal Parte geral Questões fundamentais da doutri na do crime 2 ed Coimbra Coimbra Editora 2007 t I p 371 n 44 WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 374 Revista BRasileiRa de CiênCias CRiminais 2019 RBCCRIM 161 A finalidade é a intenção o fim o objetivo ou a utilidade prática da realização da conduta12 que forma os denominados crimes de intenção reconhecíveis pelas expressões legais com o fim de eg art 131 do CP a fim de eg art 218A do CP para o fim de com a finalidade de eg art 288A do CP com in tenção de ou para eg art 155 do CP obter algo A finalidade e o motivo do crime elemento subjetivo especial especificam o dolo elemento subjetivo ge ral sendo igualmente abrangidos por ele 6 diFerenCiação entre dolo eventual e CulPa ConsCiente Existe discussão sobre a teoria que seria mais capaz de definir e diferenciar os conceitos de dolo eventual e de culpa consciente sendo os resultados práticos e jurídicos muito semelhantes Atualmente os principais grupos teóricos estão fundados nos seguintes critérios a probabilidade do resultado b aceitação do resultado ou conformação com a possível ocorrência do resultado e c a fór mula hipotética da previsibilidade de Frank13 Resumidamente explicamos 1º Probabilidade do resultado haveria dolo eventual quando o resultado fos se altamente previsível representação qualificada do resultado Já a culpa cons ciente teria lugar quando o resultado não fosse altamente previsível É uma teoria que considera mais importante o elemento intelectivo que volitivo da conduta 2º Aceitação ou conformação com o resultado haveria dolo eventual quan do o autor da conduta aceitasse o risco do resultado e haveria culpa consciente quando o autor negasse o resultado previsível como possível de acontecer 3º Fórmula hipotética da previsibilidade de Frank a diferenciação ocorre a partir da resposta à pergunta o autor teria praticado a conduta se soubesse com certeza que o resultado ocorreria O dolo eventual deveria ser afirmado se o au tor respondesse positivamente que teria praticado a conduta independentemente do resultado A culpa consciente deveria ser afirmada quando a resposta do autor fosse negativa de que não praticaria a conduta ao saber da certeza do resultado Então temos que a prova do conhecimento do perigo ao bem jurídico tu telado pode caracterizar dois tipos de condutas com desvalores sociais absoluta mente diversos culpa consciente e dolo eventual 12 RUIVO Marcelo Almeida Criminalidade financeira contribuição à compreensão da ges tão fraudulenta Porto Alegre Livraria do Advogado 2011 p 133 13 DIAS Jorge de Figueiredo Direito penal Parte geral Questões fundamentais da doutri na do crime 2 ed Coimbra Coimbra Editora 2007 t I p 369 n 39 WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 375 DIREITO POR QUEM O FAZ Em nosso sentir o dolo eventual somente se configura caso exista prova do a conhecimento do perigo ao bem jurídico protegido pela norma penal que era b aceito anuído com absoluta indiferença Vejase que sem a demonstração probatória da anuência ou aceitação do re sultado não se pode falar em dolo eventual pois segue em aberto a real hipótese de culpa consciente Então a comprovação de que uma conduta social é juridi camente uma conduta dolosa eventual deve demonstrar que o resultado ofensivo ao bem jurídico era conhecido e sobretudo aceito pelo autor No caso da Boate Kiss as três teorias convergem no sentido da impossibili dade de imputação jurídica por dolo eventual Vejase sinteticamente 1º na teoria da probabilidade era preciso provar que os acusados conhe ciam a alta probabilidade de ocorrência do resultado 2º na teoria da aceitação ou conformação com o resultado deveria ser pro vado que os acusados previram e aceitaram ou conformaramse com o resultado 3º segundo a fórmula de Frank seria necessário provar que os acusados te riam praticado as mesmas condutas se no momento da ação tivessem certeza que o resultado ocorreria O acurado exame do conjunto fáticoprobatório da presente na ação penal não comprova o dolo eventual e indica claramente a ocorrência da culpa Aliás este é o entendimento corretamente afirmado no último acórdão do TJRS Em bargos Infringentes 70075120428 Em caso semelhante de rumoroso incêndio em boate a doutrina compara da acompanha rigorosamente a diferenciação fenomenológica e técnica ente o dolo eventual e a culpa consciente no sentido do TJRS Diante do incêndio da Boate Utopia no Peru a doutrina afirmou que uma mera representação do re sultado não significa a afirmação do dolo eventual14 considerando que igual mente há a representação do resultado acreditado como impossível na culpa consciente 7 neCessidade de CoMProvação eMPíriCa da Previsibilidade do resultado Para a CulPa ConsCiente e da aCeitação do resultado Previsível Para o dolo eventual A parte subjetiva do tipo expressa a desconsideração do autor da conduta em relação à ordem jurídica e ao bem jurídico tutelado A doutrina costuma referir 14 CARO JOHN Jose Antonio Dogmática penal aplicada Lima Ara Editores 2010 p 39 WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 376 Revista BRasileiRa de CiênCias CRiminais 2019 RBCCRIM 161 que o dolo é uma relação psicológica15 de desprezo pelo mundo do direito16 desprezo pelo bem jurídico tutelado17 ou decisão para a possível lesão ao bem jurídico18 Esse desprezo pelo bem jurídico e pelo conteúdo de proteção da norma faz parte da essência do fenômeno criminal portanto não pode ser presumido im putado ou criado normativamente pelo direito Ao contrário é um dado da rea lidade que integra o tipo penal exigindo prova empírica de que os acusados efetivamente expressaram a integralidade dos elementos da conduta descrita no tipo penal A imputação por culpa consciente exige a prova do conhecimento da previsi bilidade do resultado e a imputação por dolo eventual requer fundamentalmente o conhecimento da previsibilidade e a aceitação do resultado provável Essa com preensão do dolo eventual foi cientificamente apresentada em publicação no fi nal da década de noventa19 sendo recentemente reafirmada diante dos riscos de ampliação injustificada do conceito A manifestação técnica aqui apresentada decorre de reflexão teórica que tem sido desenvolvida e comprovada há mais de duas décadas20 Tratase de 15 BAUMANN Jürgen WEBER Ulrich MITSCH Wolfgang EISELE Jörge Strafrecht allgemeiner Teil Lehrbuch 12 ed Bielefeld Gieseking 2016 p 256 11 n 26 EISE LE Jörg In SCHÖNKE Adolf SCHRÖDER Horst Strafgesetzbuch Kommentar 30 ed München Beck 2019 p 193223 n 120121 16 ENGISCH Karl Untersuchungen über Vorsatz und Fahrlässigkeit im Strafrecht Neu druck der Ausg Berlin 1930 Aalen Scientia 1964 p 179 17 JESCHECK HansHeinrich WEIGEND Thomas Lehrbuch des Strafrechts allgemeiner Teil 5 ed Berlin Duncker Humblot 1996 p 300 18 ROXIN Claus Roxin Strafrecht allgemeiner Teil Grundlagen der Aufbau der Verbre chenslehre 4 ed München Beck 2006 v I p 447448 n 27 19 WUNDERLICH Alexandre O dolo eventual nos homicídios de trânsito uma tentativa frustrada Revista dos Tribunais n 574 1998 p 461479 20 A primeira publicação encontrase em WUNDERLICH Alexandre O dolo eventual nos homicídios de trânsito uma tentativa frustrada Revista dos Tribunais n 574 p 161479 O texto foi republicado na coletânea de trabalhos científicos que marca ram a década organizada por Gustavo Badaró Doutrinas Essenciais de Direito penal e Processo Penal São Paulo Revista dos Tribunais 2015 p 1169 et seq Recentemente o entendimento foi aprofundado em artigo publicado no livro em homenagem ao Pro fessor René Ariel Dotti WUNDERLICH Alexandre O dolo eventual nos homicídios de trânsito como uma tentativa frustrada a reafirmação de uma posição In BUSATO Paulo SÁ Priscila P SCANDELARI Gustavo Coord Perspectivas das Ciências Crimi nais Rio de Janeiro 2016 p 293308 WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 377 DIREITO POR QUEM O FAZ entendimento que pertence aos elementos clássicos da Teorias Geral do tipo sub jetivo não tendo sido pensado exclusivamente para atender as dificuldades téc nicas de uma tragédia de alta repercussão e clamor social 8 Correção CientíFiCa da reJeição da HiPótese de dolo eventual Pelo tribunal de Justiça do rio grande do sul O esclarecimento dogmático da diferenciação entre os conceitos de dolo eventual e de culpa consciente permite analisar as questões formuladas aos pa receristas com mais clareza científica Em nosso pensar os acórdãos do TJRS com especial destaque o julgamento dos Embargos Infringentes 70075120428 são compostos por votos bem fundamentados em argumentos práticos e teóricos que determinaram a desclassificação da imputação penal formulada na denún cia O respaldo na ciência penal contemporânea culminou no julgamento do ca so com prudência e Justiça A principal decisão que determinou a desclassificação da imputação está as sim ementada Embargos infringentes Sentença de pronúncia Crimes de homicídio In cêndio em estabelecimento noturno Acusação da prática de fatos dolosos Inconformidade da defesa dos réus Divergência restrita à natureza dolosa das infrações penais 1 Fatos delituosos relativos à incêndio em estabelecimento noturno na co marca de Santa Maria Réus pronunciados pela prática de homicídios qua lificados consumados e tentados que agiram na condição de sócios da casa noturna e como integrantes de uma banda musical que se apresentou na oportunidade levando a efeito show pirotécnico com emprego de fogos de artifício o que deu azo a incêndio que terminou por causar a morte e lesões dos freqüentadores 2 Circunstâncias fáticas que não podem ser havidas como demonstrativas de agir doloso pelos denunciados ora pronunciados O emprego de fogos de ar tifício impróprios para o local o fato de o ambiente interior do imóvel encon trarse revestido de madeira cortinas de tecido e de espuma altamente tóxica e inflamável a superlotação com número de pessoas além da capacidade a inexistência de sinalização de emergência e de saídas alternativas além de fun cionários não preparados para situação de emergência somadas ao fato de que dito estabelecimento vinha funcionando regularmente mas com pendências sem qualquer óbice por parte das autoridades encarregadas de fiscalização inclusive porque já havia sido exibido o show pirotécnico sem nenhum incidente constituem dados que informam agir culposo em sentido estrito a ser examinado pelo juiz singular competente WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 378 Revista BRasileiRa de CiênCias CRiminais 2019 RBCCRIM 161 3 Conduta dolosa que à luz do disposto no art 18 I do CP exige a manifes tação da vontade em relação ao resultado morte Assumir o risco de produzir a morte significa aprovar o resultado o que não restou evidenciado nos autos Regra do art 413 do CPP que impõe ao juiz a pronúncia do acusado quando convencido da materialidade do fato não de qualquer fato mas de fato que configure crime doloso contra a vida e quando verificar presentes indicati vos suficientes da autoria Dever do juiz em declinar os fundamentos por que vê na espécie delituosa a existência de agir doloso na conduta do agente do crime Impossibilidade de pura e simplesmente transferirse o exame do ele mento volitivo do fato aos jurados Desclassificação da espécie que se impõe para outros crimes que não aqueles da competência do Tribunal do Júri 4 Recurso de um dos réus que transcende os limites da divergência pos tulando a absolvição do acusado Impossibilidade Não pode o recurso ser conhecido quanto ao pedido de absolvição vez que ultrapassa os limites da divergência de votos quando do julgamento dos recursos em sentido estrito Recursos conhecidos exceto no que tange a um dos recursos que é conhecido apenas em parte para dar provimento à inconformidade da defesa e desclassi ficar os fatos para outros que não aqueles da competência do tribunal do júri TJRS Embargos Infringentes e de Nulidade 70075120428 1º Grupo Crimi nal Rel Des Victor Luiz Barcellos Lima j 01122017 DJe 22012018 Algumas passagens fundamentais desse acórdão evidenciam o seu acerto A análise do conjunto fáticoprobatório à luz do direito vigente aponta a inexistên cia de qualquer das modalidades de dolo pela falta da representação do resultado e portanto pela impossibilidade concreta de aceitação do resultado não repre sentado Primeiro Falta de narrativa do dolo direto e mesmo eventual em condutas pra ticadas pelos denunciados Em nosso entendimento a acusação não cumpriu o dever jurídicolegal de narrar todos os elementos do tipo penal que imputou Há meras suposições de vontade abstrações sem amparo em dados objetivos concretos Não há descrição do desígnio criminoso ou seja a vontade dos agentes que integra a tipicidade da ação e que por conseguinte diz respeito à essência do crime e ao elemento fundamental do tipo penal imputado Voto do i Des Victor Luiz Barcellos Lima p 25 27 e 2930 Segundo Absoluta falta de indícios que manifestem a vontade de matar Não há nos autos nem mesmo indícios mínimos indicativos da suposta vontade de matar dos acusados O conjunto probatório é em nosso juízo inegável Na linha do voto do i Des Victor Luiz Barcellos Lima p 27 Terceiro Falta de previsibilidade do resultado como provável Os autos ates tam que o estabelecimento comercial funcionava regularmente cumprindo os WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 379 DIREITO POR QUEM O FAZ requisitos exigidos pelas autoridades públicas para funcionamento O show pi rotécnico havia sido realizado anteriormente sem qualquer incidente ou recla mação No sentido do voto do i Des Victor Luiz Barcellos Lima p 34 e Des Honório Gonçalves da Silva Neto p 64 6465 e 66 e Voto Des Luiz Mello Gui marães p 6870 Quarto Falta de indícios que manifestem indiferença ou demonstrem a aceitação do resultado mortes e lesões corporais A argumentação acusatória está baseada es tritamente na suposta previsibilidade da conduta e não na indiferença ou no ne cessário aceite do resultado o que impede a imputação por dolo eventual Muito pelo contrário é que não há como admitir que os réus Mauro e Elissandro ao usarem espuma inflamável contratarem o espetáculo superlotarem a boate etc tudo visando maior lucro eram indiferentes a além de matar centenas de jovens incendiar todo o seu patrimônio perdêlo e ter de indenizar diversas famílias Na linha do voto do i Des Luiz Mello Guimarães p 6768 Quinto Elementos articulados na denúncia item 2 não permitem afirmar previ sibilidade menos ainda aceitação do resultado A colocação de espuma impró pria de guardacorpos que teriam dificultado a evacuação e a existência de uma só porta de saída referemse ao local e não determinariam a representação do resultado havido como possível nem mesmo se associadas ao eventual descaso na manutenção dos extintores e à superlotação que comum e indevidamente ocorre em boates em especial nas mais frequentadas É correto o racional apre sentado no sentido de que o somatório de tais condutas por si só não enseja a conclusão de que tal resultado foi previsto pelos agentes senão a de que deixa ram de observar o dever objetivo de cuidado ao não o prever A conduta situase no máximo na esfera da culpa Voto do e Des Honório Gonçalves da Silva Neto p 6566 do acórdão O fato é que a afirmação do eventual conhecimento de algum risco não sig nifica de maneira alguma a aceitação de um perigo que extrapole os limites da culpa Menos ainda a aceitação ou a anuência do resultado danoso ao bem jurídico Bem ao contrário em nosso entender a relação psíquica dos autores da conduta com o fato e o bem jurídico tutelado é parte essencial do tipo subjetivo que caracteriza o crime sendo justamente o que o diferencia de outras condutas penais Essa relação psíquica deve ser objeto de produção probatória séria e idô nea e não meramente de conjectura presunção ou mera imputação Logo por todo o exposto o conjunto de decisões tomadas pelo e TJRS acer ta na resolução técnica e justa do caso penal O conjunto de provas somente per mite a conclusão de que os acusados não previram o resultado como provável e portanto não consentiram com o resultado do acidente WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 380 Revista BRasileiRa de CiênCias CRiminais 2019 RBCCRIM 161 9 reCursos aos tribunais suPeriores 91 Objeto recursal eminentemente jurídico questões de direito in iure O segundo aspecto do presente parecer versa sobre a eventual reversão do ca so nos Tribunais Superiores por meio de Recursos interpostos pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul e pela Assistente de Acusação Associa ção dos Familiares de Vítimas da Tragédia de Santa Maria AVTSM Os Recursos aos Tribunais Superiores estão concebidos como meios de im pugnação intensamente limitados no cabimento e na finalidade na Constituição Federal O objeto recursal é sempre atinente a questões de direito nomeadamen te de verificação jurídica in iure da qualidade das decisões proferidas por Tribu nais Regionais ou dos Estados O Recurso Especial está destinado aos casos de negação ou má aplicação da lei federal em julgado de Tribunal Regional ou Estadual ou em ato de governo local art 105 III da CF Já o Recurso Extraordinário segue a natureza de Recurso de Revisão de tribunal inferior nas hipóteses taxativas relacionadas à Constitui ção Federal e ao conflito entre lei local e lei federal art 101 III da CF sendo de competência do Supremo Tribunal Federal A tradição brasileira de cabimento dos Recursos aos Tribunais Superiores res trito a questões jurídicas encontra semelhanças profundas na tradição europeia dos Recursos de Revisão O Código de Processo Penal alemão StPO restringe a admissibilidade do Recurso de Revisão Revision igualmente a questões emi nentemente de direito21 suscitadas em decisões de câmaras ou Tribunais Regio nais 333 do StPO22 Os fundamentos para a revisão da decisão do Tribunal Regional estão previstos expressamente na lei processual penal 337 do StPO23 21 ROXIN Claus SCHÜNEMANN Bernd Strafverfahrensrecht ein Studienbuch 28 ed München Beck 2014 p 461 n 1 BEULKE Werner Strafprozessrecht 9 ed Heidel berg CF Müller 2006 p 329 n 359 KÜHNE HansHeiner Strafprozessrecht eine systematische Darstellung des deutschen und europäischen Strafverfahrensrechts 8 ed Heidelberg C F Müller 2010 p 634 n 1071 22 333 Zulässigkeit Gegen die Urteile der Strafkammern und der Schwurgerichte so wie gegen die im ersten Rechtszug ergangenen Urteile der Oberlandesgerichte ist Revision zulässig 23 337 Revisionsgründe 1 Die Revision kann nur darauf gestützt werden daß das Urteil auf einer Verletzung des Gesetzes beruhe 2 Das Gesetz ist verletzt wenn eine Rechtsnorm nicht oder nicht richtig angewendet worden ist WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 381 DIREITO POR QUEM O FAZ indicando a finalidade de proteção da unidade do direito24 positivada pelo le gislador O conceito central é a violação da lei que pode ocorrer por meio da não aplicação ou aplicação não correta da lei 337 1 2 do StPO25 O direito processual italiano também delimita acentuadamente o cabimen to e o âmbito de devolutividade aos motivos de direito no Recurso para a Cor te de Cassação26 contra o julgamento da apelação evitando a existência de uma terceira instância recursal27 O recurso contra a violação de lei está previsto na própria Constituição Italiana art 111 comma 7 da CI28 e no Código de Proces so Penal com a indicação de taxativas hipóteses de cabimento29 art 606 comma 1 CPPI30 24 BEULKE Werner Strafprozessrecht 9 ed Heidelberg CF Müller 2006 p 327 n 559 ROXIN Claus SCHÜNEMANN Bernd Strafverfahrensrecht ein Studienbuch 28 ed München Beck 2014 p 463 n 8 25 ROXIN Claus SCHÜNEMANN Bernd Strafverfahrensrecht ein Studienbuch 28 ed München Beck 2014 p 464 n 10 e p 465 n 16 26 CONSO Giovanni GREVI Vittorio BARGIS Marta Compendio di procedura penale 8 ed Vicenza Cedam 2016 p 874 27 SCALFATI Adolfo Manuale di diritto processuale penale Torino G Giappichelli 2015 p 792 28 Art 111 La giurisdizione si attua mediante il giusto processo regolato dalla legge Contro le sentenze e contro i provvedimenti sulla libertà personale pronunciati dagli organi giurisdizionali ordinari o speciali è sempre ammesso ricorso in Cassazione per violazione di legge Si può derogare a tale norma soltanto per le sentenze dei tribunali militari in tempo di guerra 29 CONSO Giovanni GREVI Vittorio BARGIS Marta Compendio di procedura penale 8 ed Vicenza Cedam 2016p 87 30 Art 606 1 Il ricorso per cassazione può essere proposto per i seguenti motivi 1 a esercizio da parte del giudice di una potestà riservata dalla legge a organi legislativi o amministrativi ovvero non consentita ai pubblici poteri 2 b inosservanza o erronea applicazione della legge penale o di altre norme giuridiche di cui si deve tener conto nellapplicazione della legge penale 3 c inosservanza delle norme processuali stabilite a pena di nullità 177186 di inutilizzabilità 63 103 191 195 228 3 240 254 3 267 2 270 350 6 360 5 403 407 3 526 3 di inammissibilità 41 46 78 84 93 393 397 410 435 461 586 591 613 634 645 o di decadenza 21 79 80 85 86 95 175 3 182 458 585 646 4 4 d mancata assunzione di una prova decisiva quando la parte ne ha fatto richiesta anche nel corso dellistruzione dibattimentale limitatamente ai casi previsti dallarticolo 495 comma 2 5 e mancanza contraddittorietà o manifesta illo gicità della motivazione quando il vizio risulta dal testo del provvedimento impugnato ovvero da altri atti del processo specificamente indicati nei motivi di gravame 6 WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 382 Revista BRasileiRa de CiênCias CRiminais 2019 RBCCRIM 161 O sistema de impugnações recursais ordinário possibilita o exame fático pro batório Residualmente o esgotamento dos recursos ordinários permite o pros seguimento da revisão eminentemente de direito nos Tribunais Superiores A impugnação das decisões judiciais tem como protagonista o cidadãoacusado sendo o recurso uma garantia processual constitucionalizada31 Nesse sentido existe compreensão dogmática sobre a impossibilidade da in terposição recursal pela acusação quando a decisão judicial de primeiro grau for absolutória O e Professor Geraldo Prado seguindo a lição do maestro argenti no Julio Maier afirma que o recurso deveria ser exclusivo da defesa32 Se seria correta a otimização da tutela do cidadão no sistema processual acusatório eli minando a possibilidade impugnatória por parte do Ministério Público diante da sentença ou acórdão absolutório há mais razão para a vedação dos Recursos manejados pelo órgão acusatório ou pelo assistente da acusação para a reclassi ficação da tipicidade Feitas as observações passase ao exame da possibilidade jurídica de eventual reversão da decisão do TJRS pelas Cortes Superiores STJ e STF 92 Inadequação e descabimento do reexame probatório Súm 7 do STJ e 279 do STF Impossibilidade do recurso do Ministério Público Desinteresse e ilegitimidade recursal do assistente da acusação na mudança da capitulação legal É de amplo conhecimento que a jurisprudência vigente das Cortes Superio res brasileiras manifesta pacificamente a inadequação do reexame profundo de questões de fato e de provas por via dos Recursos Especial e Extraordinário Esse 31 DIEGO DÍEZ Luis Alfredo de El derecho de aceso a los recursos doctrina constitucional Madrid Colex 1998 p 15 32 PRADO Geraldo Duplo grau de jurisdição no processo penal brasileiro visão a partir da convenção americana de direitos humanos em homenagem às ideias de Julio B J Maier In BONATO Gilson Org Direito penal e processual penal uma visão garantis ta Rio de Janeiro Lumen Juris 2001 p 115 A revisão da decisão só pode ser realizada em favor do cidadãoacusado assim como ocorre no Embargos Infringentes e ocorria no Protesto por Novo Júri A pretensão de reforma nos Tribunais Superiores da desclas sificação jurídica realizada após ampla análise probatória na Corte Estadual subverte a noção do recurso como garantia Mais detalhes WUNDERLICH Alexandre Por um sistema de impugnações no Processo Penal Constitucional brasileiro In WUNDER LICH Alexandre Org Escritos de direito penal e processo penal em homenagem ao Professor Paulo Cláudio Tovo Rio de Janeiro Lumen Juris 2002 a p 1546 WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 383 DIREITO POR QUEM O FAZ é o sentido que indiscutivelmente orienta as doutrinas brasileira33 e internacio nal dos Recursos aos Tribunais Superiores e dos Recursos de Revisão Vejase alguns exemplos da jurisprudência massiva e recente das 5º e 6º Tur mas do e STJ34 órgão uniformizador de julgados até mesmo sobre a específica revisão probatória para fins de reavaliação do dolo como pretendido no caso dos autos eg Agravo regimental no agravo em recurso especial Direito penal Injúria ra cial Alegação de ausência de dolo Absolvição Impossibilidade Óbice in transponível da súmula 7STJ Regimental improvido 1 Tal como já referido para esta Corte rever a condenação do agravante e concluir pela inexistência dos fatos ensejadores da punição teria necessariamente de esmerilar todas as provas dos autos o que é categoricamente proibido pela Súmula 7STJ e incompatível com a vocação constitucional desta Casa Superior de Justiça de dizer o direito 2 Portanto a decisão agravada deve ser mantida intac ta pelos seus próprios termos 3 Agravo regimental improvido STJ AgRg no AREsp 1193717DF 5ª Turma Rel Ministro Reynaldo Soares da Fonseca j 27022018 DJe 09032018 Agravo regimental no recurso especial Crime de sequestro e cárcere priva do art 148 do Código Penal Caracterização do dolo Reexame de provas Impossibilidade Incidência da súmula 7 desta corte Precedentes I Afastar a conclusão do Tribunal de origem quanto à ausência do elemento subjetivo do réu implica o reexame do conjunto fáticoprobatório dos autos o que é inad missível na via do Recurso Especial a teor da Súmula 07 do Superior Tribunal de Justiça II A decisão agravada não merece reparos porquanto proferida em consonância com a jurisprudência desta Corte Superior III Agravo Regi mental improvido STJ AgRg no REsp 1133709MG 5ª T Rel Min Regina Helena Costa j 08052014 DJe 14052014 33 GRINOVER Ada Pellegrini GOMES FILHO Antônio Magalhães FERNANDES An tonio Scarence Recursos no processo penal teoria geral dos recursos recursos em es pécie ações de impugnação reclamação aos tribunais 3 ed São Paulo Revista dos Tribunais p 269270 e BADARÓ Gustavo Processo penal 4 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2016 p 896 34 STJ AgInt no REsp 1684306SP 6ª T Rel Min Nefi Cordeiro j 19042018 DJe 11052018 STJ AgRg no AREsp 1332809SP 6ª T Rel Min Laurita Vaz j 06112018 DJe 30112018 STJ AgRg no REsp 1612200SC 5ª T Rel Min Jorge Mussi j 04122018 DJe 14122018 STJ AgRg no AREsp 652627SP 6ª T Rel Min Rogério Schietti Cruz j 13112018 DJe 06122018 WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 384 Revista BRasileiRa de CiênCias CRiminais 2019 RBCCRIM 161 Igualmente nesse sentido é a jurisprudência pacífica das 1º e 2º Turmas do STF35 Agravo interno no recurso extraordinário com agravo Penal e processual pe nal Crime de homicídio qualificado Artigo 121 2º I e IV DO CÓDIGO PE NAL CONTAGEM CONTÍNUA DO PRAZO em matéria penal Artigo 798 do Código de Processo Penal Apelo extremo intempestivo Alegada violação ao artigo 5º LXIII da Constituição Federal Princípio do nemo tenetur se detegere Necessidade de revolvimento do conjunto fáticoprobatório dos autos Impos sibilidade Súmula 279 do STF Agravo interno desprovido STF ARE 1161459 AgR 1ª T Rel Min Luiz Fux j 23112018 Proc Elet DJe256 30112018 Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo Penal Revisão cri minal Cabimento Necessidade de reapreciação de normas infraconstitucio nais e do conjunto fáticoprobatório dos autos Ofensa indireta à constituição Incidência da Súmula 279STF Inadmissibilidade do recurso extraordinário Violação dos princípios do contraditório da ampla defesa dos limites da coisa julgada e do devido processo legal Ausência de repercussão geral Tema 660 Agravo regimental a que se nega provimento I Para chegarse à conclusão contrária à adotada pelo acórdão recorrido seria necessária a reinterpretação da legislação infraconstitucional aplicável ao caso sendo certo que a ofensa à Constituição seria apenas indireta bem como o reexame do conjunto fáti coprobatório constante dos autos o que atrai o óbice da Súmula 279STF Inviável portanto o recurso extraordinário II O Supremo Tribunal Federal ao julgar o ARE 748371RGMT Tema 660 de relatoria do Ministro Gilmar Mendes rejeitou a repercussão geral da controvérsia referente à suposta ofen sa aos princípios constitucionais do contraditório da ampla defesa do devido processo legal e da prestação jurisdicional quando o julgamento da causa depender de prévia análise de normas infraconstitucionais por configurar situação de ofensa indireta à Constituição Federal III Agravo regimental a que se nega provimento STF ARE 1132000 AgR 2ª T Rel Min Ricardo Lewandowski j 26102018 Proc Elet DJe235 06112018 Há um óbice jurídico intransponível os julgados indicam unanimemente a impossibilidade de examinar todas as provas produzidas na ação penal no âm bito do objeto do recurso federal seja ele Recurso Especial ou Recurso Extraor dinário 35 No mesmo sentido STF ARE 1107575 AgR 1ª T Rel Min Rosa Weber j 30112018 Proc Elet DJe265 11122018 STF ARE 1161459 AgR 1ª T Rel Min Alexandre de Morais j 06112018 Proc Elet DJe241 14112018 STF ARE 1161459 AgR 1ª T Rel Min Roberto Barroso j 06112018 Proc Elet DJe244 19112018 WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 385 DIREITO POR QUEM O FAZ A impossibilidade de admissão dos Recursos Especial e Extraordinário com a finalidade reexaminar o material probatório produzido em graus de jurisdição anteriores encontrase evidenciada na edição de duas súmulas atentamente ob servadas pela jurisprudência O STJ editou a súmula 7 que diz A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial O STF rigorosamente no mesmo sentido estabeleceu a súmula 279 Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário Diante do cenário exposto é visível que a pretensão de reforma do acórdão recorrido não pode ser atendida A mudança da decisão do TJRS para alcançar o injustificado processamento das condutas narradas como se fossem dolosas não pode ser realizada sem que se proceda ao juízo empírico de completo e profundo reexame do material probatório Aplicação diversa da lei penal não tem respaldo na legislação e na ciência penal brasileira e internacional nesse caso Todavia apenas por hipótese se eventual mente houvesse razão para a mudança da imputação penal do tipo subjetivo essa mudança jamais poderia ocorrer sem a revisão do conjunto do material probató rio e sem a verificação da adequação da capitulação legal pelo Poder Judiciário Por fim não há interesse e legitimidade recursal do Assistente da Acusação constituído pela Associação dos Familiares das Vítimas da Tragédia de Santa Ma ria AVTSM O interesse recursal do Assistente da Acusação restringese à busca da condenação criminal capaz de servir como título executivo para a reparação do dano patrimonial sofrido pela vítima36 Nesse sentido é a previsão taxativa das ati vidades que podem ser exercidas pelo Assistente de Acusação no art 271 do CPP37 O Assistente da Acusação tem legitimidade para interpor recurso autono mamente em apenas duas hipóteses 1 impronúncia do acusado no rito esca lonado do júri e 2 extinção da punibilidade As duas hipóteses são casos que impedem a obtenção do título executivo judicial na conclusão do juízo penal art 63 do CPP38 36 TOURINHO FILHO Fernando da Costa Processo penal 20 Ed São Paulo Saraiva 1998 v 2 p 498499 37 Art 271 Ao assistente será permitido propor meios de prova requerer perguntas às testemunhas aditar o libelo e os articulados participar do debate oral e arrazoar os re cursos interpostos pelo Ministério Público ou por ele próprio nos casos dos arts 584 1º e 598 38 Art 63 Transitada em julgado a sentença condenatória poderão promoverlhe a execu ção no juízo cível para o efeito da reparação do dano o ofendido seu representante le gal ou seus herdeiros Parágrafo único Transitada em julgado a sentença condenatória WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 386 Revista BRasileiRa de CiênCias CRiminais 2019 RBCCRIM 161 Logo no caso em questão falta interesse e legitimidade recursal para que o Assistente de Acusação rediscutir o conjunto probatório por meio de Recursos aos Tribunais Superiores A pretensão de requalificação jurídica do fato a partir das provas obtidas na instrução não é essencial para a reparação de eventual da no patrimonial haja vista que os acusados não estão inocentados ou com as suas punibilidades extintas As corretas decisões do TJRS não inocentaram os acusa dos que seguem respondendo processo penal 93 Manifestação do Ministério Público em parecer ofertado no STJ Recurso Especial 1790039RS A avaliação dos conceitos de culpa consciente e de dolo eventual não pode ser feita por meio de presunções As consequências processuais na determinação da competência penal são evidentes e precisam ser ressaltadas diante do perigo de deterioração dos conceitos clássicos do Direito Penal Infelizmente é frequente que em casos como o presente as denúncias apre sentem intencionalmente visão redutora da realidade ampliando a responsabi lidade subjetiva sobre os elementos objetivos dando elasticidade demasiada ao conceito de dolo eventual É isso que se observa e se denuncia há mais de duas décadas alcançando eco na doutrina e na jurisprudência O Ministério Público com atuação no STJ fiscal da legalidade por ordem constitucional agiu como mero acusador no Parecer 201802019GABAM ofertado nos autos do Recurso Especial 1790039RS em tramitação na Sexta Turma sob relatoria do Exmo Ministro Rogério Schietti Cruz sendo recebido pelos subscritores durante a redação do parecer Após os estudos realizados e o acurado exame dos autos entendemos que não há como proceder à alteração da capitulação legal pretendida pelo Ministério Pú blico de forma puramente jurídica sem revisitar materialmente a totalidade do conjunto probatório O pedido é impossível A afirmação de que a decisão de pronúncia encerra um simples juízo de ad missibilidade da acusação não é razoável e nem aplicável ao caso em concreto exigindo a manifesta existência de indícios de autoria e materialidade do crime doloso contra a vida a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IX do caput do art 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 387 DIREITO POR QUEM O FAZ O caso em questão trata da correta classificação jurídica dos fatos objeto da produção probatória como sendo hipótese manifestamente diversa do dolo eventual Afirmase isso sob pena de distorcer o material probatório e a diferen ciação científica entre os conceitos técnicos de dolo eventual e de culpa cons ciente Não há qualquer tipo de usurpação de competência constitucional do Júri Aliás a acusação deveria ter sido ajuizada no juízo comum por crime culpo so e se assim tivesse sido muito provavelmente a ação penal de Santa Maria es taria julgada e os réus responsabilizados Vejase que o afastamento da imputação de dolo eventual ocorreu justamen te pelo confronto da descrição da denúncia com as provas colhidas na instrução probatória A pretensão recursal trazida pelo Ministério Público e pela Assistên cia da Acusação significa no fundo o reexame do material probatório em grau de revisão recursal não ordinária terceiro grau Essa pretensão não se apoia na ciência jurídica e contraria o entendimento sumulado dos Tribunais Superiores 10 síntese da Consulta O resumo das razões que fundamentam o nosso parecer diante dos fatos apre sentados e da ciência penal pode ser apresentado na seguinte forma 1º quesito É cientificamente correta a desclassificação da imputação jurídica da figura do dolo eventual para a da culpa consciente feita pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul TJRS no acórdão fruto dos Embargos infringentes 7007512042839 diante das condutas imputadas na denúncia e do conjunto probató rio reunido na instrução processual Sim é correta a decisão de desclassificação determinada pelo TJRS Pontuam se as seguintes razões a as diversas teorias científicas do dolo eventual apon tam para a inexistência de dolo eventual no caso analisado b os argumentos acusatórios são insuficientes para a prova da alegada aceitação do perigo do re sultado servindo no máximo como indicativo do conhecimento do risco não aceito próximo à culpa consciente c a natureza dos fatos as repercussões pes soais e patrimoniais da catástrofe indicam a inexistência de previsão e menos ainda de aceitação do resultado pelos acusados já que as circunstâncias fáticas desenhadas não são demonstrativas de agir doloso mesmo diante dos elementos elencados para essa imputação No caso o aludido homicídio qualificado por 39 TJRS Embargos Infringentes e de Nulidade 70075120428 1º GC Rel Des Victor Luiz Barcellos Lima j 01122017 DJe 22012018 WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 388 Revista BRasileiRa de CiênCias CRiminais 2019 RBCCRIM 161 motivo torpe em razão da revelação de total indiferença e desprezo pela vida e pela segurança dos frequentadores do centro da tragédia sequer seria possí vel pois seria o mesmo que os acusados aceitarem a colocação da vida pessoal de amigos e familiares e do patrimônio em perigo Particularmente para o consu lente a eventual responsabilização por dolo eventual significaria dizer que anu iu em sua própria morte e da sua esposa grávida que também estava no local E por fim d a rejeição da imputação por dolo eventual em caso semelhante de incêndio referido na jurisprudência e na ciência jurídica comparada 2º quesito Os Recursos aos Tribunais Superiores possuem cabimento e adequação elementos do juízo de admissibilidade para a revisão do conjunto probatório neces sário para a redefinição do elemento subjetivo geral do tipo Não os Recursos aos Tribunais Superiores possuem natureza e finalidade próprias que impedem o reexame total do conjunto probatório necessário para alterar a imputação do tipo penal subjetivo Isso ocorre sinteticamente pelas se guintes razões a a necessidade de verificação empírica dos elementos subjeti vos do tipo penal incapaz de pura análise lógicojurídico b a inadequação e o não cabimento recursal para a revisão total do conjunto probatório impossibi litando nova classificação jurídica do tipo com base no profundo exame proba tório e c a eficácia do âmbito de cobertura das súmulas 7 do STJ e 279 do STF bem como a jurisprudência corrente nos Tribunais Superiores 11 reFerênCias bibliográFiCas BADARÓ Gustavo Processo penal 4 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2016 BAUMANN Jürgen WEBER Ulrich MITSCH Wolfgang EISELE Jörge Stra frecht allgemeiner Teil Lehrbuch 12 ed Bielefeld Gieseking 2016 BELING Ernst von Die Lehre vom Verbrechen Tübingen Mohr 1906 BELING Ernst von Die Lehre vom Tatbestand Tübingen Mohr 1930 BEULKE Werner Strafprozessrecht 9 ed Heidelberg CF Müller 2006 BITENCOURT Cezar Roberto Tratado de direito penal parte geral 16 ed São Paulo Saraiva 2011 CADOPPI Alberto VENEZIANI Alberto Elementi di diritto penale Parte genera le 6 ed Vinceza Wolter Kluwer 2015 CARO JOHN Jose Antonio Dogmática penal aplicada Lima Ara Editores 2010 CONSO Giovanni GREVI Vittorio BARGIS Marta Compendio di procedura pe nale 8 ed Vicenza Cedam 2016 DIAS Jorge de Figueiredo Direito penal Parte geral Questões fundamentais da doutrina do crime 2 ed Coimbra Coimbra Editora 2007 t I WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 389 DIREITO POR QUEM O FAZ DIEGO DÍEZ Luis Alfredo de El derecho de aceso a los recursos doctrina consti tucional Madrid Colex 1998 EISELE Jörg In SCHÖNKE Adolf SCHRÖDER Horst Strafgesetzbuch Kom mentar 30 ed München Beck 2019 ENGISCH Karl Untersuchungen über Vorsatz und Fahrlässigkeit im Strafrecht Neudruck der Ausg Berlin 1930 Aalen Scientia 1964 GRINOVER Ada Pellegrini GOMES FILHO Antônio Magalhães FERNANDES Antonio Scarence Recursos no processo penal teoria geral dos recursos recur sos em espécie ações de impugnação reclamação aos tribunais 3 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2001 JESCHECK HansHeinrich WEIGEND Thomas Lehrbuch des Strafrechts allge meiner Teil 5 ed Berlin Duncker Humblot 1996 KÜHNE HansHeiner Strafprozessrecht eine systematische Darstellung des deuts chen und europäischen Strafverfahrensrechts 8 ed Heidelberg C F Müller 2010 PRADO Geraldo Duplo grau de jurisdição no processo penal brasileiro visão a partir da convenção americana de direitos humanos em homenagem às ideias de Julio B J Maier In BONATO Gilson Org Direito penal e processual pe nal uma visão garantista Rio de Janeiro Lumen Juris 2001 PULITANÒ Domenico Diritto penale 4 ed Torino Giappichelli 2005 REALE JÚNIOR Miguel Instituições de direito penal Rio de Janeiro Forense 2002 REGIS PRADO Luiz Curso de direito penal brasileiro 13 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2014 ROXIN Claus Roxin Strafrecht allgemeiner Teil Grundlagen der Aufbau der Ver brechenslehre 4 ed München Beck 2006 ROXIN Claus SCHÜNEMANN Bernd Strafverfahrensrecht ein Studienbuch 28 ed München Beck 2014 RUIVO Marcelo Almeida Criminalidade financeira contribuição à compreensão da gestão fraudulenta Porto Alegre Livraria do Advogado 2011 SANTOS Juarez Cirino dos Direito penal parte geral 2 ed Curitiba ICPC Lu men Juris 2007 SCALFATI Adolfo Manuale di diritto processuale penale Torino G Giappichelli 2015 TAVARES Juarez Fundamentos de teoria do delito Florianópolis Tirant Lo Blan ch 2018 TOURINHO FILHO Fernando da Costa Processo penal 20 ed São Paulo Sarai va 1998 WEIGEND Thomas Lehrbuch des Strafrechts allgemeiner Teil 5 ed Berlin Duncker Humblot 1996 WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 390 Revista BRasileiRa de CiênCias CRiminais 2019 RBCCRIM 161 WELZEL Hans Das Deutsche Strafrecht eine systematische Darstellung 11 ed Berlin De Gruyter 1969 WUNDERLICH Alexandre O dolo eventual nos homicídios de trânsito uma tentativa frustrada Revista dos Tribunais São Paulo 1998 WUNDERLICH Alexandre Por um sistema de impugnações no Processo Penal Constitucional brasileiro In WUNDERLICH Alexandre Escritos de direito penal e processo penal em homenagem ao Professor Paulo Cláudio Tovo Rio de Janeiro Lumen Juris 2002 a WUNDERLICH Alexandre O dolo eventual nos homicídios de trânsito como uma tentativa frustrada a reafirmação de uma posição In BUSATO Paulo SÁ Priscila P SCANDELARI Gustavo Coord Perspectivas das Ciências Cri minais Rio de Janeiro 2016 PESQUISAS DO EDITORIAL Veja também Doutrinas Ainda a expansão do direito penal o papel do dolo eventual de Sérgio Salomão She caira RBCCrim 64222238 e Doutrinas Essenciais Direito Penal e Processo Penal 2 DTR200711 Ensaio sobre o dolo eventual a culpa consciente e o preterdolo o caso da morte do indígena Pataxó HãHãHãe Galdino Jesus dos Santos de Damásio E de Jesus RT 747513533 e Doutrinas Essenciais Direito Penal e Processo Penal 2 DTR1998107 Dolo eventual e culpa consciente de Fábio Bittencourt da Rosa Doutrinas Essenciais de Direito Penal 212111214 DTR20121608 e Anotações sobre o estudo da recklessness na doutrina penal italiana por uma terceira forma de imputação subjetiva de Sheila Jorge Selim de Sale RBCCrim 137125149 DTR20176613
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WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 365 CULPA CONSCIENTE E DOLO EVENTUAL PARECER CASO BOATE KISS SANTA MARIARS RECKLESSNESS AND dolus eventualis LEGAL OPINION OF BOATE KISS CASE SANTA MARIARS ALEXANDRE WUNDERLICH Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Professor de Direito Penal na Escola de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul ORCID alexandrewunderlichwunderlichadvbr MARCELO ALMEIDA RUIVO Professor do Programa de Doutorado em Ciências Criminais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS Visiting Professor nas Faculdades de Direito das Universidades de Turim e de Ferrara Doutor em Ciências JurídicoCriminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra ORCID httpsorcidorg0000000329299088 marceloaruivogmailcom ÁREAS DO DIREITO Penal Processual RESUMO O artigo revisa a distinção entre os con ceitos de culpa consciente e dolo eventual na ciência jurídica bem como como os elementos componentes de cada conceito O caso do incên dio na Boate Kiss é estudado no sentido de ava liar se o conjunto probatório sustenta indícios de homicídio doloso eventual e se os Tribunais Su periores STJ e STF poderiam modificar a decisão de segunda instância TJRS PALAVRASCHAVE Homicídio Culpa consciente Dolo eventual Recurso especial Revisão do conjunto probatório ABSTRACT The article reviews the distinction be tween the concepts of recklessness and dolus eventualis in legal sciences as well as the com ponents of each concept The Kiss nightclub fire case is studied in order to evaluate if the cases body of evidence supports the hypothesis of a homicide commited with dolus eventualis and if the Higher Courts STJ e STF could modify the decision of Court of Appeal STJ KEYWORDS Dolus eventualis Advertent reck lesness Writ to Higher Courts Revision of the body of evidence WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 366 Revista BRasileiRa de CiênCias CRiminais 2019 RBCCRIM 161 SUMÁRIO 1 Consulta 2 Fato e imputação jurídica 3 Síntese processual 4 Dimensões objetiva e subjetiva do tipo legal de crime os elementos do tipo penal 5 Elementos subjetivos gerais dolo e culpa e especiais motivo e finalidade do tipo penal 6 Diferen ciação entre dolo eventual e culpa consciente 7 Necessidade de comprovação empírica da previsibilidade do resultado para a culpa consciente e da aceitação do resultado previsível para o dolo eventual 8 Correção científica da rejeição da hipótese de dolo eventual pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul 9 Recursos aos Tribunais Superiores 91 Objeto recursal eminentemente jurídico questões de direito in iure 92 Inadequação e desca bimento do reexame probatório Súm 7 do STJ e 279 do STF Impossibilidade do recur so do Ministério Público Desinteresse e ilegitimidade recursal do assistente da acusação na mudança da capitulação legal 93 Manifestação do Ministério Público em parecer ofertado no STJ Recurso Especial 1790039RS 10 Síntese da consulta 11 Referências bibliográficas 1 Consulta O eminente advogado Doutor JM atuando na defesa do Sr ECS no âmbito do processocrime 02721300006967 originário da comarca de Santa MariaRS Caso Boate Kiss apresenta os autos do processo e questões científicas sobre ca tegorias de direito penal e de processo penal Tratase de duas perguntas funda mentais 1º quesito É cientificamente correta a desclassificação da imputação jurídi ca da figura do dolo eventual para a da culpa consciente feita pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul TJRS no acórdão fruto dos Embargos Infringentes 700751204281 diante das condutas imputadas na denúncia e do conjunto probatório reunido na instrução processual 2º quesito Os Recursos aos Tribunais Superiores possuem cabimento e ade quação elementos do juízo de admissibilidade para a revisão do conjunto pro batório necessário para a redefinição do elemento subjetivo geral do tipo Os dois questionamentos formulados pelo eminente advogado exigem a revi são e a diferenciação das categorias estruturantes do tipo subjetivo na Teoria Ge ral do Crime e da especificidade dos recursos aos Tribunais Superiores na Teoria Geral dos Meios de Impugnação Esses são os dois questionamentos científicos que passamos a analisar 1 TJRS Embargos Infringentes e de Nulidade 70075120428 1º GC Rel Des Victor Luiz Barcellos Lima j 01122017 DJe 22012018 WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 367 DIREITO POR QUEM O FAZ 2 Fato e iMPutação JurídiCa ECS foi acusado conjuntamente com MLH MJS e LAB da prática dos crimes de homicídio doloso qualificado por motivo torpe e pela crueldade art 121 2º I e III do CP em 241 vezes e homicídio doloso qualificado tentado por motivo torpe e crueldade art 121 2º I cc art 14 II do CP em 636 vezes A denúncia narra que os fatos teriam ocorrido em 27 de janeiro de 2013 aproximadamente às 3h15min nas dependências da Boate Kiss na cidade de Santa MariaRS Conforme descreve o Ministério Público MLH e ECS teriam supostamente concorrido para o crime implantando em paredes e no teto da boate espuma altamente inflamável e sem indicação técnica de uso contratando o show descrito que sabiam in cluir exibições com fogos de artifício mantendo a casa noturna superlotada sem condições de evacuação e segurança contra fatos dessa natureza bem como equipe de funcionários sem treinamento obrigatório além de prévia e genericamente ordenarem aos seguranças que impedissem a saída de pessoas do recinto sem pagamento das despesas de consumo na boate revelando total indiferença e desprezo pela vida e pela segurança dos frequentadores do local assumindo assim o risco de matar p 5 da denúncia Em síntese a acusação acredita em homicídio qualificado por motivo tor pe na revelação de total indiferença e desprezo pela vida e pela segurança dos frequentadores do local por parte dos acusados com base em elementos articu lados no sentido de que teriam assumindo assim o risco de matar Fundamentalmente eis os elementos articulados pela acusação pública 1º Implantação de espuma altamente inflamável e sem indicação técnica de uso em paredes e no teto da boate 2º Contratação de show que sabidamente incluía exibições com fogos de ar tifício 3º Manutenção da casa noturna superlotada e sem condições de evacuação e segurança contra fatos dessa natureza 4º Equipe de funcionários sem treinamento obrigatório 5º Ordem prévia e genérica para que os seguranças impedissem a saída de pessoas do recinto sem pagamento das despesas de consumo O presente parecer pretende examinar tecnicamente o caso e fixar as pre missas elementares no sentido de verificar se os elementos trazidos pela acu sação pública são suficientes isoladamente ou em conjunto para legitimar o WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 368 Revista BRasileiRa de CiênCias CRiminais 2019 RBCCRIM 161 entendimento categórico de revelação de total indiferença e desprezo pela vida e pela segurança dos frequentadores do local configurandose assim a figura do dolo eventual imputada na denúncia Sem esse entendimento do Ministério Público não é possível falar em imputação dolosa eventual uma vez que a hipó tese jurídica está fundada exclusivamente nessa suposição Isto é sem a demons tração efetiva das condições objetivas que conduzem ao elemento subjetivo de revelação de total indiferença e desprezo pela vida e pela segurança não há hi pótese legítima para fixação de dolo eventual Os elementos articulados pela denúncia serão estudados isoladamente a fim de determinar a qualidade de indícios de dolo eventual A avaliação deve atentar se há condições lógicas e materiais adequadas à conclusão peremptória de total indiferença e desprezo pela vida ou se está diante de mera suposição ilegítima presuntiva sem respaldo na realidade do fato e nas diretrizes legais sobretudo identificado se é possível constatar a assunção de risco e a obrigatória anuên cia do resultado típico essenciais para o dolo eventual 3 síntese ProCessual A instrução processual na primeira fase do rito procedimental do Tribunal do Júri resultou na pronúncia dos acusados por homicídio doloso qualificado e homicídio doloso tentado nos termos da denúncia em 27 de julho de 2016 As Defesas de ES MH LB e MJS interpuseram Recursos em Sentido Estrito contra a decisão de pronúncia A colenda Primeira Câmara Criminal do e TJRS rejeitou as preliminares por unanimidade e deu parcial provimento aos meios de impugnação por maioria para afastar as qualificadoras da pronúncia O e Relator Des Manuel José Marti nez Lucas concedeu parcial provimento aos Recursos para desclassificar os fatos denunciados para crimes diversos dos elencados no art 74 1º do CPP restan do vencido no julgamento em 22 de março de 2017 Os acusados opuseram Embargos Infringentes com base no voto vencido do Relator Des Manuel José Martinez Lucas No dia 01 de dezembro de 2017 fo ram acolhidos os embargos diante do empate dos votos dos Desembargadores in tegrantes do Primeiro Grupo Criminal do TJRS2 conforme os artigos 615 1º 2 Os Des Victor Luiz Barcellos Lima Relator Des Manuel José Martinez Lucas Des Honório Gonçalves da Silva Neto e Des Luiz Mello Guimarães acolheram o recurso ao passo que os Des Jayme Weingartner Neto Des Sylvio Baptista Neto Presidente Desa Rosaura Marques Borba Revisora e Des José Antônio Cidade Pitrez rejeitaram os Embargos Infringentes WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 369 DIREITO POR QUEM O FAZ in fine do CPP3 e 21 2º I do RITJERGS vigente até 18 de junho de 20184 A decisão desclassificou os fatos imputados para delitos comuns não da compe tência do Tribunal do Júri nos termos exatos do voto vencido Des Manuel José Martinez Lucas no julgamento dos Recursos em Sentido Estrito O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul e a Associação dos Fa miliares de Vítimas da Tragédia de Santa Maria AVTSM Assistente da Acu sação interpuseram Recursos Especiais e Extraordinários bem como assim o fizeram os acusados MH e ES Em 13 de julho de 2018 o i VicePresidente Túlio de Oliveira Martins a não conheceu os Recursos Especial e Extraordinário de MH e b não admitiu os Re cursos Especial e Extraordinário de ES e ainda c admitiu os Recursos Espe ciais e Extraordinários do Ministério Público e da Associação dos Familiares de Vítimas da Tragédia de Santa Maria AVTSM As Defesas interpuseram agravos nos Recursos aos Tribunais Superiores contra a decisão que não admitiu os Re cursos Especial e Extraordinário defensivos A questão central deste parecer versa sobre a adequação científica da decisão do Primeiro Grupo Criminal do e TJRS fundamentalmente se o tipo subjeti vo da conduta pode ser verificado exclusivamente por meios lógicos sem de pender da revisão do material probatório dos dados empíricos juntado aos autos 4 diMensões obJetiva e subJetiva do tiPo legal de CriMe os eleMentos do tiPo Penal Iniciamos pela questão de direito material acerca do conceito analítico de cri me e de seus elementos O conceito jurídico de crime é dividido tradicionalmen te em duas dimensões quer no sistema romanogermânico quer no common law 3 Art 615 O tribunal decidirá por maioria de votos 1º Havendo empate de votos no julgamento de recursos se o presidente do tribunal câmara ou turma não tiver tomado parte na votação proferirá o voto de desempate no caso contrário prevalecerá a decisão mais favorável ao réu 4 Art 21 Os 4 quatro Grupos Criminais são formados cada um por 2 duas Câmaras a 1ª e 2ª compõem o 1º Grupo a 3ª e 4ª o 2º Grupo a 5ª e 6ª o 3º Grupo e a 7ª e 8ª o 4º Grupo exigindose para seu funcionamento a presença de no mínimo 5 cinco julgadores incluindo o Presidente 1º As sessões dos Grupos de Câmaras Criminais serão presididas a ordinariamente pelo Desembargador mais antigo do Grupo 2º Ocorrendo empate na votação serão observadas as seguintes regras parágrafo incluído pela Emenda Regimental nº 0202 I na hipótese da letra a do parágrafo 1º prevale cerá a decisão mais favorável ao réu CPP arts 615 1º e 664 parágrafo único WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 370 Revista BRasileiRa de CiênCias CRiminais 2019 RBCCRIM 161 A dimensão objetiva descreve as características objetivas da conduta do nexo causal e do resultado criminal observados na realidade externa do fenômeno cri minal A dimensão subjetiva trata da relação intelectual e anímica do autor com a própria conduta e com o resultado causado e por isso recebe a denominação de dimensão subjetiva uma vez que se refere ao sujeito da conduta As duas dimensões objetiva e subjetiva permitem a graduação das condu tas e dos resultados em diferentes níveis de reprovação cuja expressão possibilita as tradicionais valorações jurídicopenais do desvalor da conduta e do desvalor do resultado É de conhecimento dogmático geral que o crime é analiticamente conheci do por meio de três categorias que formam a cognominada Teoria Geral do Cri me tipo ilícito e culpa5 Cada uma dessas categorias do conceito analítico de crime orienta um juízo necessário para a confirmação da ocorrência do fenôme no penal O juízo de adequação da conduta praticada às características descri tas no tipo penal chamase de tipicidade da conduta O juízo de adequação da conduta praticada ao conteúdo juridicamente proibido no ilícito penal denomi nase ilicitude O juízo de reprovação ou de censura da conduta avaliada ante riormente como típica e ilícita materializa o juízo de culpabilidade Resumidamente as dimensões tradicionais objetiva e subjetiva do crime estão presentes nas três categorias analíticas do conceito jurídico e nos respecti vos juízos penais Tipo é pois o elemento responsável pela descrição legal uni versal e abstrata dos elementos da conduta criminal que adquiriu notoriedade e relevância científica na dogmática penal alemã espanhola portuguesa e latino americana desde a divulgação da obra de Ernst von Beling Então o tipo penal é o contorno do tipo de crime que descreve as dimensões do crime nas suas duas partes objetiva e subjetiva6 5 No Brasil REALE JÚNIOR Miguel Instituições de direito penal Rio de Janeiro Forense 2002 p 126 SANTOS Juarez Cirino dos Direito penal parte geral 2 ed Curitiba ICPC Lumen Juris 2007 p 7475 BITENCOURT Cezar Roberto Tratado de direito pe nal parte geral 16 ed São Paulo Saraiva 2011 p 253 REGIS PRADO Luiz Curso de direito penal brasileiro 13 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 204 TAVARES Juarez Fundamentos de teoria do delito Florianópolis Tirant Lo Blanch 2018 p 104 na Itália CADOPPI Alberto VENEZIANI Alberto Elementi di diritto penale Parte generale 6 ed Vinceza Wolter Kluwer 2015 p 189 PULITANÒ Domenico Diritto penale 4 ed Torino Giappichelli 2005 p 6263 6 BELING Ernst von Die Lehre vom Verbrechen Tübingen Mohr 1906 p 1 e 110 BE LING Ernst von Die Lehre vom Tatbestand Tübingen Mohr 1930 p 12 WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 371 DIREITO POR QUEM O FAZ A parte objetiva do tipo narra os elementos objetivos da conduta ativa ou omissiva ligada causalmente ao resultado A denominação elementos objetivos toma em consideração os elementos do fato em si exteriorizados pelo autor e não a relação intelectual e anímica do autor da conduta com o seu comportamento e com o resultado causado A denominação parte objetiva do tipo remete à prescin dibilidade de verificação interna do comportamento do autor da conduta A parte subjetiva do tipo é justamente a relação interna que o autor guarda com a sua conduta e com o resultado causado O dolo e a culpa que se situavam na esfera da culpabilidade na estrutura analítica do crime do causalismo passa ram a integrar o tipo ou tipo de ilícito penal na dogmática de vários países oci dentais após o acolhimento do finalismo de Hans Welzel7 Destarte basicamente os crimes dolosos e culposos diferenciamse entre si já na descrição legal da conduta típica prevendo molduras penais diversas e su jeitandose a competências jurisdicionais diversas no Brasil O tipo subjetivo permite que crimes com resultados iguais desvalor do resultado consigam ex pressar juridicamente distintos graus de reprovação penal da conduta desvalor da conduta próprios da diferença entre os fenômenos doloso e culposo Evidente que o desvalor da conduta é a razão pela qual o fato doloso é ape nado com mais severidade que o culposo Tratase do reconhecimento jurídico de dife renças ontológicas de desvalor prévias à intervenção do direito penal que devem ser objeto de prova para a configuração do crime É importante registrar alguns entendimentos clássicos como o fato de que as características do crime descritas no tipo penal aparecem como dados da reali dade reconhecidos juridicamente pelo direito penal a partir da sua metodologia científica O ordenamento penal apenas reconhece elementos da realidade prévia à intervenção legislativa não podendo presumir ou criar artificialmente carac terísticas do fato proibido sob pena de ilegitimidade da punição e de ineficácia preventiva Então as características objetivas e subjetivas da descrição legal do crime de vem ser sempre provadas na instrução processual em respeito à legalidade penal e à legitimidade do juízo condenatório Portanto a descrição típica de elementos 7 DIAS Jorge de Figueiredo Direito penal Parte geral Questões fundamentais da dou trina do crime 2 ed Coimbra Coimbra Editora 2007 t I p 270271 n 58 e 59 CADOPPI Alberto VENEZIANI Alberto Elementi di diritto penale Parte generale 6 ed Vinceza Wolter Kluwer 2015 p 191 e sobretudo WELZEL Hans Das Deutsche Strafrecht eine systematische Darstellung 11 ed Berlin De Gruyter 1969 p 64 WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 372 Revista BRasileiRa de CiênCias CRiminais 2019 RBCCRIM 161 como conduta causalidade dolo ou culpa e resultado criminal é feita com ba se na realidade exigindo comprovação empírica para a sua verificação concreta São elementos que não podem ser concebidos ou imputados exclusivamente por meio de presunções ou criações jurídicas 5 eleMentos subJetivos gerais dolo e CulPa e esPeCiais Motivo e Finalidade do tiPo Penal A parte subjetiva do tipo é a ligação que o autor ou agente tem com a sua con duta ativa ou omissiva podendo ser observada em relação ao resultado causado que pertence ao tipo objetivo A doutrina costuma dividir a parte subjetiva do tipo penal em elemento sub jetivo geral e elemento subjetivo especial O elemento subjetivo geral é requisito fundamental para a criminalização da conduta A conduta em relação ao resul tado causado pode a prever e querer o resultado b prever e aceitar o resulta do c prever e não querer nem aceitar o resultado ou simplesmente d não prever o resultado Aqui colocamos as quatro hipóteses em ordem decrescente de reprovabilidade do desvalor da conduta que correspondem a um dos quatro conceitos sintéticos do tipo subjetivo a dolo direto b dolo eventual c cul pa consciente e d culpa inconsciente O Código Penal brasileiro segue a regra clássica de que as condutas são proibi das penalmente quando dolosas e apenas excepcionalmente se previstas expres samente na lei quando culposas art 18 parágrafo único do CP8 No mesmo sentido são os Códigos Penais alemão 15 do StGB e italiano art 42 com ma 2 CPI9 A legislação brasileira exige para a criminalização que a conduta te 8 Art 18 Dizse o crime Crime doloso I doloso quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzilo Crime culposo II culposo quando o agente deu causa ao resultado por imprudência negligência ou imperícia Parágrafo único Salvo os casos expressos em lei ninguém pode ser punido por fato previsto como crime senão quando o pratica dolosamente 9 15 Vorsätzliches und fahrlässiges Handeln Strafbar ist nur vorsätzliches Handeln wenn nicht das Gesetz fahrlässiges Handeln ausdrücklich mit Strafe bedroht Art 42 Responsabilità per dolo o per colpa o per delitto preterintenzionale Responsabilità obiettiva Nessuno può essere punito per una azione od omissione preveduta dalla legge come reato se non lha commessa con coscienza e volontà Nessuno può essere punito per un fatto preveduto dalla legge come delitto se non lha commesso con dolo salvi i casi di delitto preterintenzionale o colposo espressamente preveduti dalla legge La WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 373 DIREITO POR QUEM O FAZ nha sido praticada ao menos culposamente art 18 e 20 e 1º do CP sempre diferenciando legalmente o tipo subjetivo doloso art 18 I do CP do culposo art 18 II do CP O dolo direto é a modalidade mais tradicional de imputação subjetiva no di reito penal Os componentes do dolo direto são a representação e b vontade do resultado conforme disciplina a primeira parte do art 18 I do CP referin dose aos elementos do tipo objetivo10 A verificação prática do dolo direto não impõe grande dificuldade quanto à verificação do dolo eventual O dolo even tual é a previsão do resultado como altamente provável e a aceitação do resulta do no momento de realização da conduta art 18 I do CP A culpa consciente é a previsão e não aceitação do resultado perigoso e indesejável que acaba sendo causado por imprudência negligência ou imperícia art 18 II do CP O autor da conduta pode apesar de um tal conhecimento confiar embora levianamen te em que o preenchimento do tipo se não verificará e age então só com negli gência consciente11 A culpa inconsciente é a não previsão do resultado como possível que ocorre causado pela conduta imprudente negligente ou imperita art 18 II do CP O elemento subjetivo especial é a descrição de característica especial da con duta que poderá integrar especialmente o tipo penal o motivo e a finalidade da conduta Motivo é a razão que impulsionou o autor da conduta uma espécie de atitude interna e pessoal do agente assim como os sentimentos as convicções e os modos de pensar Pode constar na narrativa da conduta incriminada na forma básica eg art 208 do CP privilegiada ou minorada eg art 121 1º do CP qualificada eg art 121 2º I do CP ou agravada art 61 III a do CP por exemplo O motivo é sempre uma característica do fenômeno criminal reconhe cida pelo direito dentro dos parâmetros de tipicidade e legalidade legge determina i casi nei quali levento è posto altrimenti a carico dellagente come con seguenza della sua azione od omissione Nelle contravvenzioni ciascuno risponde della propria azione od omissione cosciente e volontaria sia essa dolosa o colposa 10 BAUMANN Jürgen WEBER Ulrich MITSCH Wolfgang EISELE Jörge Strafrecht allgemeiner Teil Lehrbuch 12 ed Bielefeld Gieseking 2016 p 249 n 7 e 250 n 10 CADOPPI Alberto VENEZIANI Alberto Elementi di diritto penale Parte generale 6 ed Vinceza Wolter Kluwer 2015 p 336 e JESCHECK HansHeinrich WEIGEND Thomas Lehrbuch des Strafrechts allgemeiner Teil 5 ed Berlin Duncker Humblot 1996 p 295 11 DIAS Jorge de Figueiredo Direito penal Parte geral Questões fundamentais da doutri na do crime 2 ed Coimbra Coimbra Editora 2007 t I p 371 n 44 WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 374 Revista BRasileiRa de CiênCias CRiminais 2019 RBCCRIM 161 A finalidade é a intenção o fim o objetivo ou a utilidade prática da realização da conduta12 que forma os denominados crimes de intenção reconhecíveis pelas expressões legais com o fim de eg art 131 do CP a fim de eg art 218A do CP para o fim de com a finalidade de eg art 288A do CP com in tenção de ou para eg art 155 do CP obter algo A finalidade e o motivo do crime elemento subjetivo especial especificam o dolo elemento subjetivo ge ral sendo igualmente abrangidos por ele 6 diFerenCiação entre dolo eventual e CulPa ConsCiente Existe discussão sobre a teoria que seria mais capaz de definir e diferenciar os conceitos de dolo eventual e de culpa consciente sendo os resultados práticos e jurídicos muito semelhantes Atualmente os principais grupos teóricos estão fundados nos seguintes critérios a probabilidade do resultado b aceitação do resultado ou conformação com a possível ocorrência do resultado e c a fór mula hipotética da previsibilidade de Frank13 Resumidamente explicamos 1º Probabilidade do resultado haveria dolo eventual quando o resultado fos se altamente previsível representação qualificada do resultado Já a culpa cons ciente teria lugar quando o resultado não fosse altamente previsível É uma teoria que considera mais importante o elemento intelectivo que volitivo da conduta 2º Aceitação ou conformação com o resultado haveria dolo eventual quan do o autor da conduta aceitasse o risco do resultado e haveria culpa consciente quando o autor negasse o resultado previsível como possível de acontecer 3º Fórmula hipotética da previsibilidade de Frank a diferenciação ocorre a partir da resposta à pergunta o autor teria praticado a conduta se soubesse com certeza que o resultado ocorreria O dolo eventual deveria ser afirmado se o au tor respondesse positivamente que teria praticado a conduta independentemente do resultado A culpa consciente deveria ser afirmada quando a resposta do autor fosse negativa de que não praticaria a conduta ao saber da certeza do resultado Então temos que a prova do conhecimento do perigo ao bem jurídico tu telado pode caracterizar dois tipos de condutas com desvalores sociais absoluta mente diversos culpa consciente e dolo eventual 12 RUIVO Marcelo Almeida Criminalidade financeira contribuição à compreensão da ges tão fraudulenta Porto Alegre Livraria do Advogado 2011 p 133 13 DIAS Jorge de Figueiredo Direito penal Parte geral Questões fundamentais da doutri na do crime 2 ed Coimbra Coimbra Editora 2007 t I p 369 n 39 WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 375 DIREITO POR QUEM O FAZ Em nosso sentir o dolo eventual somente se configura caso exista prova do a conhecimento do perigo ao bem jurídico protegido pela norma penal que era b aceito anuído com absoluta indiferença Vejase que sem a demonstração probatória da anuência ou aceitação do re sultado não se pode falar em dolo eventual pois segue em aberto a real hipótese de culpa consciente Então a comprovação de que uma conduta social é juridi camente uma conduta dolosa eventual deve demonstrar que o resultado ofensivo ao bem jurídico era conhecido e sobretudo aceito pelo autor No caso da Boate Kiss as três teorias convergem no sentido da impossibili dade de imputação jurídica por dolo eventual Vejase sinteticamente 1º na teoria da probabilidade era preciso provar que os acusados conhe ciam a alta probabilidade de ocorrência do resultado 2º na teoria da aceitação ou conformação com o resultado deveria ser pro vado que os acusados previram e aceitaram ou conformaramse com o resultado 3º segundo a fórmula de Frank seria necessário provar que os acusados te riam praticado as mesmas condutas se no momento da ação tivessem certeza que o resultado ocorreria O acurado exame do conjunto fáticoprobatório da presente na ação penal não comprova o dolo eventual e indica claramente a ocorrência da culpa Aliás este é o entendimento corretamente afirmado no último acórdão do TJRS Em bargos Infringentes 70075120428 Em caso semelhante de rumoroso incêndio em boate a doutrina compara da acompanha rigorosamente a diferenciação fenomenológica e técnica ente o dolo eventual e a culpa consciente no sentido do TJRS Diante do incêndio da Boate Utopia no Peru a doutrina afirmou que uma mera representação do re sultado não significa a afirmação do dolo eventual14 considerando que igual mente há a representação do resultado acreditado como impossível na culpa consciente 7 neCessidade de CoMProvação eMPíriCa da Previsibilidade do resultado Para a CulPa ConsCiente e da aCeitação do resultado Previsível Para o dolo eventual A parte subjetiva do tipo expressa a desconsideração do autor da conduta em relação à ordem jurídica e ao bem jurídico tutelado A doutrina costuma referir 14 CARO JOHN Jose Antonio Dogmática penal aplicada Lima Ara Editores 2010 p 39 WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 376 Revista BRasileiRa de CiênCias CRiminais 2019 RBCCRIM 161 que o dolo é uma relação psicológica15 de desprezo pelo mundo do direito16 desprezo pelo bem jurídico tutelado17 ou decisão para a possível lesão ao bem jurídico18 Esse desprezo pelo bem jurídico e pelo conteúdo de proteção da norma faz parte da essência do fenômeno criminal portanto não pode ser presumido im putado ou criado normativamente pelo direito Ao contrário é um dado da rea lidade que integra o tipo penal exigindo prova empírica de que os acusados efetivamente expressaram a integralidade dos elementos da conduta descrita no tipo penal A imputação por culpa consciente exige a prova do conhecimento da previsi bilidade do resultado e a imputação por dolo eventual requer fundamentalmente o conhecimento da previsibilidade e a aceitação do resultado provável Essa com preensão do dolo eventual foi cientificamente apresentada em publicação no fi nal da década de noventa19 sendo recentemente reafirmada diante dos riscos de ampliação injustificada do conceito A manifestação técnica aqui apresentada decorre de reflexão teórica que tem sido desenvolvida e comprovada há mais de duas décadas20 Tratase de 15 BAUMANN Jürgen WEBER Ulrich MITSCH Wolfgang EISELE Jörge Strafrecht allgemeiner Teil Lehrbuch 12 ed Bielefeld Gieseking 2016 p 256 11 n 26 EISE LE Jörg In SCHÖNKE Adolf SCHRÖDER Horst Strafgesetzbuch Kommentar 30 ed München Beck 2019 p 193223 n 120121 16 ENGISCH Karl Untersuchungen über Vorsatz und Fahrlässigkeit im Strafrecht Neu druck der Ausg Berlin 1930 Aalen Scientia 1964 p 179 17 JESCHECK HansHeinrich WEIGEND Thomas Lehrbuch des Strafrechts allgemeiner Teil 5 ed Berlin Duncker Humblot 1996 p 300 18 ROXIN Claus Roxin Strafrecht allgemeiner Teil Grundlagen der Aufbau der Verbre chenslehre 4 ed München Beck 2006 v I p 447448 n 27 19 WUNDERLICH Alexandre O dolo eventual nos homicídios de trânsito uma tentativa frustrada Revista dos Tribunais n 574 1998 p 461479 20 A primeira publicação encontrase em WUNDERLICH Alexandre O dolo eventual nos homicídios de trânsito uma tentativa frustrada Revista dos Tribunais n 574 p 161479 O texto foi republicado na coletânea de trabalhos científicos que marca ram a década organizada por Gustavo Badaró Doutrinas Essenciais de Direito penal e Processo Penal São Paulo Revista dos Tribunais 2015 p 1169 et seq Recentemente o entendimento foi aprofundado em artigo publicado no livro em homenagem ao Pro fessor René Ariel Dotti WUNDERLICH Alexandre O dolo eventual nos homicídios de trânsito como uma tentativa frustrada a reafirmação de uma posição In BUSATO Paulo SÁ Priscila P SCANDELARI Gustavo Coord Perspectivas das Ciências Crimi nais Rio de Janeiro 2016 p 293308 WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 377 DIREITO POR QUEM O FAZ entendimento que pertence aos elementos clássicos da Teorias Geral do tipo sub jetivo não tendo sido pensado exclusivamente para atender as dificuldades téc nicas de uma tragédia de alta repercussão e clamor social 8 Correção CientíFiCa da reJeição da HiPótese de dolo eventual Pelo tribunal de Justiça do rio grande do sul O esclarecimento dogmático da diferenciação entre os conceitos de dolo eventual e de culpa consciente permite analisar as questões formuladas aos pa receristas com mais clareza científica Em nosso pensar os acórdãos do TJRS com especial destaque o julgamento dos Embargos Infringentes 70075120428 são compostos por votos bem fundamentados em argumentos práticos e teóricos que determinaram a desclassificação da imputação penal formulada na denún cia O respaldo na ciência penal contemporânea culminou no julgamento do ca so com prudência e Justiça A principal decisão que determinou a desclassificação da imputação está as sim ementada Embargos infringentes Sentença de pronúncia Crimes de homicídio In cêndio em estabelecimento noturno Acusação da prática de fatos dolosos Inconformidade da defesa dos réus Divergência restrita à natureza dolosa das infrações penais 1 Fatos delituosos relativos à incêndio em estabelecimento noturno na co marca de Santa Maria Réus pronunciados pela prática de homicídios qua lificados consumados e tentados que agiram na condição de sócios da casa noturna e como integrantes de uma banda musical que se apresentou na oportunidade levando a efeito show pirotécnico com emprego de fogos de artifício o que deu azo a incêndio que terminou por causar a morte e lesões dos freqüentadores 2 Circunstâncias fáticas que não podem ser havidas como demonstrativas de agir doloso pelos denunciados ora pronunciados O emprego de fogos de ar tifício impróprios para o local o fato de o ambiente interior do imóvel encon trarse revestido de madeira cortinas de tecido e de espuma altamente tóxica e inflamável a superlotação com número de pessoas além da capacidade a inexistência de sinalização de emergência e de saídas alternativas além de fun cionários não preparados para situação de emergência somadas ao fato de que dito estabelecimento vinha funcionando regularmente mas com pendências sem qualquer óbice por parte das autoridades encarregadas de fiscalização inclusive porque já havia sido exibido o show pirotécnico sem nenhum incidente constituem dados que informam agir culposo em sentido estrito a ser examinado pelo juiz singular competente WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 378 Revista BRasileiRa de CiênCias CRiminais 2019 RBCCRIM 161 3 Conduta dolosa que à luz do disposto no art 18 I do CP exige a manifes tação da vontade em relação ao resultado morte Assumir o risco de produzir a morte significa aprovar o resultado o que não restou evidenciado nos autos Regra do art 413 do CPP que impõe ao juiz a pronúncia do acusado quando convencido da materialidade do fato não de qualquer fato mas de fato que configure crime doloso contra a vida e quando verificar presentes indicati vos suficientes da autoria Dever do juiz em declinar os fundamentos por que vê na espécie delituosa a existência de agir doloso na conduta do agente do crime Impossibilidade de pura e simplesmente transferirse o exame do ele mento volitivo do fato aos jurados Desclassificação da espécie que se impõe para outros crimes que não aqueles da competência do Tribunal do Júri 4 Recurso de um dos réus que transcende os limites da divergência pos tulando a absolvição do acusado Impossibilidade Não pode o recurso ser conhecido quanto ao pedido de absolvição vez que ultrapassa os limites da divergência de votos quando do julgamento dos recursos em sentido estrito Recursos conhecidos exceto no que tange a um dos recursos que é conhecido apenas em parte para dar provimento à inconformidade da defesa e desclassi ficar os fatos para outros que não aqueles da competência do tribunal do júri TJRS Embargos Infringentes e de Nulidade 70075120428 1º Grupo Crimi nal Rel Des Victor Luiz Barcellos Lima j 01122017 DJe 22012018 Algumas passagens fundamentais desse acórdão evidenciam o seu acerto A análise do conjunto fáticoprobatório à luz do direito vigente aponta a inexistên cia de qualquer das modalidades de dolo pela falta da representação do resultado e portanto pela impossibilidade concreta de aceitação do resultado não repre sentado Primeiro Falta de narrativa do dolo direto e mesmo eventual em condutas pra ticadas pelos denunciados Em nosso entendimento a acusação não cumpriu o dever jurídicolegal de narrar todos os elementos do tipo penal que imputou Há meras suposições de vontade abstrações sem amparo em dados objetivos concretos Não há descrição do desígnio criminoso ou seja a vontade dos agentes que integra a tipicidade da ação e que por conseguinte diz respeito à essência do crime e ao elemento fundamental do tipo penal imputado Voto do i Des Victor Luiz Barcellos Lima p 25 27 e 2930 Segundo Absoluta falta de indícios que manifestem a vontade de matar Não há nos autos nem mesmo indícios mínimos indicativos da suposta vontade de matar dos acusados O conjunto probatório é em nosso juízo inegável Na linha do voto do i Des Victor Luiz Barcellos Lima p 27 Terceiro Falta de previsibilidade do resultado como provável Os autos ates tam que o estabelecimento comercial funcionava regularmente cumprindo os WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 379 DIREITO POR QUEM O FAZ requisitos exigidos pelas autoridades públicas para funcionamento O show pi rotécnico havia sido realizado anteriormente sem qualquer incidente ou recla mação No sentido do voto do i Des Victor Luiz Barcellos Lima p 34 e Des Honório Gonçalves da Silva Neto p 64 6465 e 66 e Voto Des Luiz Mello Gui marães p 6870 Quarto Falta de indícios que manifestem indiferença ou demonstrem a aceitação do resultado mortes e lesões corporais A argumentação acusatória está baseada es tritamente na suposta previsibilidade da conduta e não na indiferença ou no ne cessário aceite do resultado o que impede a imputação por dolo eventual Muito pelo contrário é que não há como admitir que os réus Mauro e Elissandro ao usarem espuma inflamável contratarem o espetáculo superlotarem a boate etc tudo visando maior lucro eram indiferentes a além de matar centenas de jovens incendiar todo o seu patrimônio perdêlo e ter de indenizar diversas famílias Na linha do voto do i Des Luiz Mello Guimarães p 6768 Quinto Elementos articulados na denúncia item 2 não permitem afirmar previ sibilidade menos ainda aceitação do resultado A colocação de espuma impró pria de guardacorpos que teriam dificultado a evacuação e a existência de uma só porta de saída referemse ao local e não determinariam a representação do resultado havido como possível nem mesmo se associadas ao eventual descaso na manutenção dos extintores e à superlotação que comum e indevidamente ocorre em boates em especial nas mais frequentadas É correto o racional apre sentado no sentido de que o somatório de tais condutas por si só não enseja a conclusão de que tal resultado foi previsto pelos agentes senão a de que deixa ram de observar o dever objetivo de cuidado ao não o prever A conduta situase no máximo na esfera da culpa Voto do e Des Honório Gonçalves da Silva Neto p 6566 do acórdão O fato é que a afirmação do eventual conhecimento de algum risco não sig nifica de maneira alguma a aceitação de um perigo que extrapole os limites da culpa Menos ainda a aceitação ou a anuência do resultado danoso ao bem jurídico Bem ao contrário em nosso entender a relação psíquica dos autores da conduta com o fato e o bem jurídico tutelado é parte essencial do tipo subjetivo que caracteriza o crime sendo justamente o que o diferencia de outras condutas penais Essa relação psíquica deve ser objeto de produção probatória séria e idô nea e não meramente de conjectura presunção ou mera imputação Logo por todo o exposto o conjunto de decisões tomadas pelo e TJRS acer ta na resolução técnica e justa do caso penal O conjunto de provas somente per mite a conclusão de que os acusados não previram o resultado como provável e portanto não consentiram com o resultado do acidente WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 380 Revista BRasileiRa de CiênCias CRiminais 2019 RBCCRIM 161 9 reCursos aos tribunais suPeriores 91 Objeto recursal eminentemente jurídico questões de direito in iure O segundo aspecto do presente parecer versa sobre a eventual reversão do ca so nos Tribunais Superiores por meio de Recursos interpostos pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul e pela Assistente de Acusação Associa ção dos Familiares de Vítimas da Tragédia de Santa Maria AVTSM Os Recursos aos Tribunais Superiores estão concebidos como meios de im pugnação intensamente limitados no cabimento e na finalidade na Constituição Federal O objeto recursal é sempre atinente a questões de direito nomeadamen te de verificação jurídica in iure da qualidade das decisões proferidas por Tribu nais Regionais ou dos Estados O Recurso Especial está destinado aos casos de negação ou má aplicação da lei federal em julgado de Tribunal Regional ou Estadual ou em ato de governo local art 105 III da CF Já o Recurso Extraordinário segue a natureza de Recurso de Revisão de tribunal inferior nas hipóteses taxativas relacionadas à Constitui ção Federal e ao conflito entre lei local e lei federal art 101 III da CF sendo de competência do Supremo Tribunal Federal A tradição brasileira de cabimento dos Recursos aos Tribunais Superiores res trito a questões jurídicas encontra semelhanças profundas na tradição europeia dos Recursos de Revisão O Código de Processo Penal alemão StPO restringe a admissibilidade do Recurso de Revisão Revision igualmente a questões emi nentemente de direito21 suscitadas em decisões de câmaras ou Tribunais Regio nais 333 do StPO22 Os fundamentos para a revisão da decisão do Tribunal Regional estão previstos expressamente na lei processual penal 337 do StPO23 21 ROXIN Claus SCHÜNEMANN Bernd Strafverfahrensrecht ein Studienbuch 28 ed München Beck 2014 p 461 n 1 BEULKE Werner Strafprozessrecht 9 ed Heidel berg CF Müller 2006 p 329 n 359 KÜHNE HansHeiner Strafprozessrecht eine systematische Darstellung des deutschen und europäischen Strafverfahrensrechts 8 ed Heidelberg C F Müller 2010 p 634 n 1071 22 333 Zulässigkeit Gegen die Urteile der Strafkammern und der Schwurgerichte so wie gegen die im ersten Rechtszug ergangenen Urteile der Oberlandesgerichte ist Revision zulässig 23 337 Revisionsgründe 1 Die Revision kann nur darauf gestützt werden daß das Urteil auf einer Verletzung des Gesetzes beruhe 2 Das Gesetz ist verletzt wenn eine Rechtsnorm nicht oder nicht richtig angewendet worden ist WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 381 DIREITO POR QUEM O FAZ indicando a finalidade de proteção da unidade do direito24 positivada pelo le gislador O conceito central é a violação da lei que pode ocorrer por meio da não aplicação ou aplicação não correta da lei 337 1 2 do StPO25 O direito processual italiano também delimita acentuadamente o cabimen to e o âmbito de devolutividade aos motivos de direito no Recurso para a Cor te de Cassação26 contra o julgamento da apelação evitando a existência de uma terceira instância recursal27 O recurso contra a violação de lei está previsto na própria Constituição Italiana art 111 comma 7 da CI28 e no Código de Proces so Penal com a indicação de taxativas hipóteses de cabimento29 art 606 comma 1 CPPI30 24 BEULKE Werner Strafprozessrecht 9 ed Heidelberg CF Müller 2006 p 327 n 559 ROXIN Claus SCHÜNEMANN Bernd Strafverfahrensrecht ein Studienbuch 28 ed München Beck 2014 p 463 n 8 25 ROXIN Claus SCHÜNEMANN Bernd Strafverfahrensrecht ein Studienbuch 28 ed München Beck 2014 p 464 n 10 e p 465 n 16 26 CONSO Giovanni GREVI Vittorio BARGIS Marta Compendio di procedura penale 8 ed Vicenza Cedam 2016 p 874 27 SCALFATI Adolfo Manuale di diritto processuale penale Torino G Giappichelli 2015 p 792 28 Art 111 La giurisdizione si attua mediante il giusto processo regolato dalla legge Contro le sentenze e contro i provvedimenti sulla libertà personale pronunciati dagli organi giurisdizionali ordinari o speciali è sempre ammesso ricorso in Cassazione per violazione di legge Si può derogare a tale norma soltanto per le sentenze dei tribunali militari in tempo di guerra 29 CONSO Giovanni GREVI Vittorio BARGIS Marta Compendio di procedura penale 8 ed Vicenza Cedam 2016p 87 30 Art 606 1 Il ricorso per cassazione può essere proposto per i seguenti motivi 1 a esercizio da parte del giudice di una potestà riservata dalla legge a organi legislativi o amministrativi ovvero non consentita ai pubblici poteri 2 b inosservanza o erronea applicazione della legge penale o di altre norme giuridiche di cui si deve tener conto nellapplicazione della legge penale 3 c inosservanza delle norme processuali stabilite a pena di nullità 177186 di inutilizzabilità 63 103 191 195 228 3 240 254 3 267 2 270 350 6 360 5 403 407 3 526 3 di inammissibilità 41 46 78 84 93 393 397 410 435 461 586 591 613 634 645 o di decadenza 21 79 80 85 86 95 175 3 182 458 585 646 4 4 d mancata assunzione di una prova decisiva quando la parte ne ha fatto richiesta anche nel corso dellistruzione dibattimentale limitatamente ai casi previsti dallarticolo 495 comma 2 5 e mancanza contraddittorietà o manifesta illo gicità della motivazione quando il vizio risulta dal testo del provvedimento impugnato ovvero da altri atti del processo specificamente indicati nei motivi di gravame 6 WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 382 Revista BRasileiRa de CiênCias CRiminais 2019 RBCCRIM 161 O sistema de impugnações recursais ordinário possibilita o exame fático pro batório Residualmente o esgotamento dos recursos ordinários permite o pros seguimento da revisão eminentemente de direito nos Tribunais Superiores A impugnação das decisões judiciais tem como protagonista o cidadãoacusado sendo o recurso uma garantia processual constitucionalizada31 Nesse sentido existe compreensão dogmática sobre a impossibilidade da in terposição recursal pela acusação quando a decisão judicial de primeiro grau for absolutória O e Professor Geraldo Prado seguindo a lição do maestro argenti no Julio Maier afirma que o recurso deveria ser exclusivo da defesa32 Se seria correta a otimização da tutela do cidadão no sistema processual acusatório eli minando a possibilidade impugnatória por parte do Ministério Público diante da sentença ou acórdão absolutório há mais razão para a vedação dos Recursos manejados pelo órgão acusatório ou pelo assistente da acusação para a reclassi ficação da tipicidade Feitas as observações passase ao exame da possibilidade jurídica de eventual reversão da decisão do TJRS pelas Cortes Superiores STJ e STF 92 Inadequação e descabimento do reexame probatório Súm 7 do STJ e 279 do STF Impossibilidade do recurso do Ministério Público Desinteresse e ilegitimidade recursal do assistente da acusação na mudança da capitulação legal É de amplo conhecimento que a jurisprudência vigente das Cortes Superio res brasileiras manifesta pacificamente a inadequação do reexame profundo de questões de fato e de provas por via dos Recursos Especial e Extraordinário Esse 31 DIEGO DÍEZ Luis Alfredo de El derecho de aceso a los recursos doctrina constitucional Madrid Colex 1998 p 15 32 PRADO Geraldo Duplo grau de jurisdição no processo penal brasileiro visão a partir da convenção americana de direitos humanos em homenagem às ideias de Julio B J Maier In BONATO Gilson Org Direito penal e processual penal uma visão garantis ta Rio de Janeiro Lumen Juris 2001 p 115 A revisão da decisão só pode ser realizada em favor do cidadãoacusado assim como ocorre no Embargos Infringentes e ocorria no Protesto por Novo Júri A pretensão de reforma nos Tribunais Superiores da desclas sificação jurídica realizada após ampla análise probatória na Corte Estadual subverte a noção do recurso como garantia Mais detalhes WUNDERLICH Alexandre Por um sistema de impugnações no Processo Penal Constitucional brasileiro In WUNDER LICH Alexandre Org Escritos de direito penal e processo penal em homenagem ao Professor Paulo Cláudio Tovo Rio de Janeiro Lumen Juris 2002 a p 1546 WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 383 DIREITO POR QUEM O FAZ é o sentido que indiscutivelmente orienta as doutrinas brasileira33 e internacio nal dos Recursos aos Tribunais Superiores e dos Recursos de Revisão Vejase alguns exemplos da jurisprudência massiva e recente das 5º e 6º Tur mas do e STJ34 órgão uniformizador de julgados até mesmo sobre a específica revisão probatória para fins de reavaliação do dolo como pretendido no caso dos autos eg Agravo regimental no agravo em recurso especial Direito penal Injúria ra cial Alegação de ausência de dolo Absolvição Impossibilidade Óbice in transponível da súmula 7STJ Regimental improvido 1 Tal como já referido para esta Corte rever a condenação do agravante e concluir pela inexistência dos fatos ensejadores da punição teria necessariamente de esmerilar todas as provas dos autos o que é categoricamente proibido pela Súmula 7STJ e incompatível com a vocação constitucional desta Casa Superior de Justiça de dizer o direito 2 Portanto a decisão agravada deve ser mantida intac ta pelos seus próprios termos 3 Agravo regimental improvido STJ AgRg no AREsp 1193717DF 5ª Turma Rel Ministro Reynaldo Soares da Fonseca j 27022018 DJe 09032018 Agravo regimental no recurso especial Crime de sequestro e cárcere priva do art 148 do Código Penal Caracterização do dolo Reexame de provas Impossibilidade Incidência da súmula 7 desta corte Precedentes I Afastar a conclusão do Tribunal de origem quanto à ausência do elemento subjetivo do réu implica o reexame do conjunto fáticoprobatório dos autos o que é inad missível na via do Recurso Especial a teor da Súmula 07 do Superior Tribunal de Justiça II A decisão agravada não merece reparos porquanto proferida em consonância com a jurisprudência desta Corte Superior III Agravo Regi mental improvido STJ AgRg no REsp 1133709MG 5ª T Rel Min Regina Helena Costa j 08052014 DJe 14052014 33 GRINOVER Ada Pellegrini GOMES FILHO Antônio Magalhães FERNANDES An tonio Scarence Recursos no processo penal teoria geral dos recursos recursos em es pécie ações de impugnação reclamação aos tribunais 3 ed São Paulo Revista dos Tribunais p 269270 e BADARÓ Gustavo Processo penal 4 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2016 p 896 34 STJ AgInt no REsp 1684306SP 6ª T Rel Min Nefi Cordeiro j 19042018 DJe 11052018 STJ AgRg no AREsp 1332809SP 6ª T Rel Min Laurita Vaz j 06112018 DJe 30112018 STJ AgRg no REsp 1612200SC 5ª T Rel Min Jorge Mussi j 04122018 DJe 14122018 STJ AgRg no AREsp 652627SP 6ª T Rel Min Rogério Schietti Cruz j 13112018 DJe 06122018 WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 384 Revista BRasileiRa de CiênCias CRiminais 2019 RBCCRIM 161 Igualmente nesse sentido é a jurisprudência pacífica das 1º e 2º Turmas do STF35 Agravo interno no recurso extraordinário com agravo Penal e processual pe nal Crime de homicídio qualificado Artigo 121 2º I e IV DO CÓDIGO PE NAL CONTAGEM CONTÍNUA DO PRAZO em matéria penal Artigo 798 do Código de Processo Penal Apelo extremo intempestivo Alegada violação ao artigo 5º LXIII da Constituição Federal Princípio do nemo tenetur se detegere Necessidade de revolvimento do conjunto fáticoprobatório dos autos Impos sibilidade Súmula 279 do STF Agravo interno desprovido STF ARE 1161459 AgR 1ª T Rel Min Luiz Fux j 23112018 Proc Elet DJe256 30112018 Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo Penal Revisão cri minal Cabimento Necessidade de reapreciação de normas infraconstitucio nais e do conjunto fáticoprobatório dos autos Ofensa indireta à constituição Incidência da Súmula 279STF Inadmissibilidade do recurso extraordinário Violação dos princípios do contraditório da ampla defesa dos limites da coisa julgada e do devido processo legal Ausência de repercussão geral Tema 660 Agravo regimental a que se nega provimento I Para chegarse à conclusão contrária à adotada pelo acórdão recorrido seria necessária a reinterpretação da legislação infraconstitucional aplicável ao caso sendo certo que a ofensa à Constituição seria apenas indireta bem como o reexame do conjunto fáti coprobatório constante dos autos o que atrai o óbice da Súmula 279STF Inviável portanto o recurso extraordinário II O Supremo Tribunal Federal ao julgar o ARE 748371RGMT Tema 660 de relatoria do Ministro Gilmar Mendes rejeitou a repercussão geral da controvérsia referente à suposta ofen sa aos princípios constitucionais do contraditório da ampla defesa do devido processo legal e da prestação jurisdicional quando o julgamento da causa depender de prévia análise de normas infraconstitucionais por configurar situação de ofensa indireta à Constituição Federal III Agravo regimental a que se nega provimento STF ARE 1132000 AgR 2ª T Rel Min Ricardo Lewandowski j 26102018 Proc Elet DJe235 06112018 Há um óbice jurídico intransponível os julgados indicam unanimemente a impossibilidade de examinar todas as provas produzidas na ação penal no âm bito do objeto do recurso federal seja ele Recurso Especial ou Recurso Extraor dinário 35 No mesmo sentido STF ARE 1107575 AgR 1ª T Rel Min Rosa Weber j 30112018 Proc Elet DJe265 11122018 STF ARE 1161459 AgR 1ª T Rel Min Alexandre de Morais j 06112018 Proc Elet DJe241 14112018 STF ARE 1161459 AgR 1ª T Rel Min Roberto Barroso j 06112018 Proc Elet DJe244 19112018 WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 385 DIREITO POR QUEM O FAZ A impossibilidade de admissão dos Recursos Especial e Extraordinário com a finalidade reexaminar o material probatório produzido em graus de jurisdição anteriores encontrase evidenciada na edição de duas súmulas atentamente ob servadas pela jurisprudência O STJ editou a súmula 7 que diz A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial O STF rigorosamente no mesmo sentido estabeleceu a súmula 279 Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário Diante do cenário exposto é visível que a pretensão de reforma do acórdão recorrido não pode ser atendida A mudança da decisão do TJRS para alcançar o injustificado processamento das condutas narradas como se fossem dolosas não pode ser realizada sem que se proceda ao juízo empírico de completo e profundo reexame do material probatório Aplicação diversa da lei penal não tem respaldo na legislação e na ciência penal brasileira e internacional nesse caso Todavia apenas por hipótese se eventual mente houvesse razão para a mudança da imputação penal do tipo subjetivo essa mudança jamais poderia ocorrer sem a revisão do conjunto do material probató rio e sem a verificação da adequação da capitulação legal pelo Poder Judiciário Por fim não há interesse e legitimidade recursal do Assistente da Acusação constituído pela Associação dos Familiares das Vítimas da Tragédia de Santa Ma ria AVTSM O interesse recursal do Assistente da Acusação restringese à busca da condenação criminal capaz de servir como título executivo para a reparação do dano patrimonial sofrido pela vítima36 Nesse sentido é a previsão taxativa das ati vidades que podem ser exercidas pelo Assistente de Acusação no art 271 do CPP37 O Assistente da Acusação tem legitimidade para interpor recurso autono mamente em apenas duas hipóteses 1 impronúncia do acusado no rito esca lonado do júri e 2 extinção da punibilidade As duas hipóteses são casos que impedem a obtenção do título executivo judicial na conclusão do juízo penal art 63 do CPP38 36 TOURINHO FILHO Fernando da Costa Processo penal 20 Ed São Paulo Saraiva 1998 v 2 p 498499 37 Art 271 Ao assistente será permitido propor meios de prova requerer perguntas às testemunhas aditar o libelo e os articulados participar do debate oral e arrazoar os re cursos interpostos pelo Ministério Público ou por ele próprio nos casos dos arts 584 1º e 598 38 Art 63 Transitada em julgado a sentença condenatória poderão promoverlhe a execu ção no juízo cível para o efeito da reparação do dano o ofendido seu representante le gal ou seus herdeiros Parágrafo único Transitada em julgado a sentença condenatória WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 386 Revista BRasileiRa de CiênCias CRiminais 2019 RBCCRIM 161 Logo no caso em questão falta interesse e legitimidade recursal para que o Assistente de Acusação rediscutir o conjunto probatório por meio de Recursos aos Tribunais Superiores A pretensão de requalificação jurídica do fato a partir das provas obtidas na instrução não é essencial para a reparação de eventual da no patrimonial haja vista que os acusados não estão inocentados ou com as suas punibilidades extintas As corretas decisões do TJRS não inocentaram os acusa dos que seguem respondendo processo penal 93 Manifestação do Ministério Público em parecer ofertado no STJ Recurso Especial 1790039RS A avaliação dos conceitos de culpa consciente e de dolo eventual não pode ser feita por meio de presunções As consequências processuais na determinação da competência penal são evidentes e precisam ser ressaltadas diante do perigo de deterioração dos conceitos clássicos do Direito Penal Infelizmente é frequente que em casos como o presente as denúncias apre sentem intencionalmente visão redutora da realidade ampliando a responsabi lidade subjetiva sobre os elementos objetivos dando elasticidade demasiada ao conceito de dolo eventual É isso que se observa e se denuncia há mais de duas décadas alcançando eco na doutrina e na jurisprudência O Ministério Público com atuação no STJ fiscal da legalidade por ordem constitucional agiu como mero acusador no Parecer 201802019GABAM ofertado nos autos do Recurso Especial 1790039RS em tramitação na Sexta Turma sob relatoria do Exmo Ministro Rogério Schietti Cruz sendo recebido pelos subscritores durante a redação do parecer Após os estudos realizados e o acurado exame dos autos entendemos que não há como proceder à alteração da capitulação legal pretendida pelo Ministério Pú blico de forma puramente jurídica sem revisitar materialmente a totalidade do conjunto probatório O pedido é impossível A afirmação de que a decisão de pronúncia encerra um simples juízo de ad missibilidade da acusação não é razoável e nem aplicável ao caso em concreto exigindo a manifesta existência de indícios de autoria e materialidade do crime doloso contra a vida a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IX do caput do art 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 387 DIREITO POR QUEM O FAZ O caso em questão trata da correta classificação jurídica dos fatos objeto da produção probatória como sendo hipótese manifestamente diversa do dolo eventual Afirmase isso sob pena de distorcer o material probatório e a diferen ciação científica entre os conceitos técnicos de dolo eventual e de culpa cons ciente Não há qualquer tipo de usurpação de competência constitucional do Júri Aliás a acusação deveria ter sido ajuizada no juízo comum por crime culpo so e se assim tivesse sido muito provavelmente a ação penal de Santa Maria es taria julgada e os réus responsabilizados Vejase que o afastamento da imputação de dolo eventual ocorreu justamen te pelo confronto da descrição da denúncia com as provas colhidas na instrução probatória A pretensão recursal trazida pelo Ministério Público e pela Assistên cia da Acusação significa no fundo o reexame do material probatório em grau de revisão recursal não ordinária terceiro grau Essa pretensão não se apoia na ciência jurídica e contraria o entendimento sumulado dos Tribunais Superiores 10 síntese da Consulta O resumo das razões que fundamentam o nosso parecer diante dos fatos apre sentados e da ciência penal pode ser apresentado na seguinte forma 1º quesito É cientificamente correta a desclassificação da imputação jurídica da figura do dolo eventual para a da culpa consciente feita pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul TJRS no acórdão fruto dos Embargos infringentes 7007512042839 diante das condutas imputadas na denúncia e do conjunto probató rio reunido na instrução processual Sim é correta a decisão de desclassificação determinada pelo TJRS Pontuam se as seguintes razões a as diversas teorias científicas do dolo eventual apon tam para a inexistência de dolo eventual no caso analisado b os argumentos acusatórios são insuficientes para a prova da alegada aceitação do perigo do re sultado servindo no máximo como indicativo do conhecimento do risco não aceito próximo à culpa consciente c a natureza dos fatos as repercussões pes soais e patrimoniais da catástrofe indicam a inexistência de previsão e menos ainda de aceitação do resultado pelos acusados já que as circunstâncias fáticas desenhadas não são demonstrativas de agir doloso mesmo diante dos elementos elencados para essa imputação No caso o aludido homicídio qualificado por 39 TJRS Embargos Infringentes e de Nulidade 70075120428 1º GC Rel Des Victor Luiz Barcellos Lima j 01122017 DJe 22012018 WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 388 Revista BRasileiRa de CiênCias CRiminais 2019 RBCCRIM 161 motivo torpe em razão da revelação de total indiferença e desprezo pela vida e pela segurança dos frequentadores do centro da tragédia sequer seria possí vel pois seria o mesmo que os acusados aceitarem a colocação da vida pessoal de amigos e familiares e do patrimônio em perigo Particularmente para o consu lente a eventual responsabilização por dolo eventual significaria dizer que anu iu em sua própria morte e da sua esposa grávida que também estava no local E por fim d a rejeição da imputação por dolo eventual em caso semelhante de incêndio referido na jurisprudência e na ciência jurídica comparada 2º quesito Os Recursos aos Tribunais Superiores possuem cabimento e adequação elementos do juízo de admissibilidade para a revisão do conjunto probatório neces sário para a redefinição do elemento subjetivo geral do tipo Não os Recursos aos Tribunais Superiores possuem natureza e finalidade próprias que impedem o reexame total do conjunto probatório necessário para alterar a imputação do tipo penal subjetivo Isso ocorre sinteticamente pelas se guintes razões a a necessidade de verificação empírica dos elementos subjeti vos do tipo penal incapaz de pura análise lógicojurídico b a inadequação e o não cabimento recursal para a revisão total do conjunto probatório impossibi litando nova classificação jurídica do tipo com base no profundo exame proba tório e c a eficácia do âmbito de cobertura das súmulas 7 do STJ e 279 do STF bem como a jurisprudência corrente nos Tribunais Superiores 11 reFerênCias bibliográFiCas BADARÓ Gustavo Processo penal 4 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2016 BAUMANN Jürgen WEBER Ulrich MITSCH Wolfgang EISELE Jörge Stra frecht allgemeiner Teil Lehrbuch 12 ed Bielefeld Gieseking 2016 BELING Ernst von Die Lehre vom Verbrechen Tübingen Mohr 1906 BELING Ernst von Die Lehre vom Tatbestand Tübingen Mohr 1930 BEULKE Werner Strafprozessrecht 9 ed Heidelberg CF Müller 2006 BITENCOURT Cezar Roberto Tratado de direito penal parte geral 16 ed São Paulo Saraiva 2011 CADOPPI Alberto VENEZIANI Alberto Elementi di diritto penale Parte genera le 6 ed Vinceza Wolter Kluwer 2015 CARO JOHN Jose Antonio Dogmática penal aplicada Lima Ara Editores 2010 CONSO Giovanni GREVI Vittorio BARGIS Marta Compendio di procedura pe nale 8 ed Vicenza Cedam 2016 DIAS Jorge de Figueiredo Direito penal Parte geral Questões fundamentais da doutrina do crime 2 ed Coimbra Coimbra Editora 2007 t I WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 389 DIREITO POR QUEM O FAZ DIEGO DÍEZ Luis Alfredo de El derecho de aceso a los recursos doctrina consti tucional Madrid Colex 1998 EISELE Jörg In SCHÖNKE Adolf SCHRÖDER Horst Strafgesetzbuch Kom mentar 30 ed München Beck 2019 ENGISCH Karl Untersuchungen über Vorsatz und Fahrlässigkeit im Strafrecht Neudruck der Ausg Berlin 1930 Aalen Scientia 1964 GRINOVER Ada Pellegrini GOMES FILHO Antônio Magalhães FERNANDES Antonio Scarence Recursos no processo penal teoria geral dos recursos recur sos em espécie ações de impugnação reclamação aos tribunais 3 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2001 JESCHECK HansHeinrich WEIGEND Thomas Lehrbuch des Strafrechts allge meiner Teil 5 ed Berlin Duncker Humblot 1996 KÜHNE HansHeiner Strafprozessrecht eine systematische Darstellung des deuts chen und europäischen Strafverfahrensrechts 8 ed Heidelberg C F Müller 2010 PRADO Geraldo Duplo grau de jurisdição no processo penal brasileiro visão a partir da convenção americana de direitos humanos em homenagem às ideias de Julio B J Maier In BONATO Gilson Org Direito penal e processual pe nal uma visão garantista Rio de Janeiro Lumen Juris 2001 PULITANÒ Domenico Diritto penale 4 ed Torino Giappichelli 2005 REALE JÚNIOR Miguel Instituições de direito penal Rio de Janeiro Forense 2002 REGIS PRADO Luiz Curso de direito penal brasileiro 13 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2014 ROXIN Claus Roxin Strafrecht allgemeiner Teil Grundlagen der Aufbau der Ver brechenslehre 4 ed München Beck 2006 ROXIN Claus SCHÜNEMANN Bernd Strafverfahrensrecht ein Studienbuch 28 ed München Beck 2014 RUIVO Marcelo Almeida Criminalidade financeira contribuição à compreensão da gestão fraudulenta Porto Alegre Livraria do Advogado 2011 SANTOS Juarez Cirino dos Direito penal parte geral 2 ed Curitiba ICPC Lu men Juris 2007 SCALFATI Adolfo Manuale di diritto processuale penale Torino G Giappichelli 2015 TAVARES Juarez Fundamentos de teoria do delito Florianópolis Tirant Lo Blan ch 2018 TOURINHO FILHO Fernando da Costa Processo penal 20 ed São Paulo Sarai va 1998 WEIGEND Thomas Lehrbuch des Strafrechts allgemeiner Teil 5 ed Berlin Duncker Humblot 1996 WUNDERLICH Alexandre RUIVO Marcelo Almeida Culpa consciente e dolo eventual Parecer Caso Boate Kiss Santa MariaRS Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 161 ano 27 p 365390 São Paulo Ed RT novembro 2019 390 Revista BRasileiRa de CiênCias CRiminais 2019 RBCCRIM 161 WELZEL Hans Das Deutsche Strafrecht eine systematische Darstellung 11 ed Berlin De Gruyter 1969 WUNDERLICH Alexandre O dolo eventual nos homicídios de trânsito uma tentativa frustrada Revista dos Tribunais São Paulo 1998 WUNDERLICH Alexandre Por um sistema de impugnações no Processo Penal Constitucional brasileiro In WUNDERLICH Alexandre Escritos de direito penal e processo penal em homenagem ao Professor Paulo Cláudio Tovo Rio de Janeiro Lumen Juris 2002 a WUNDERLICH Alexandre O dolo eventual nos homicídios de trânsito como uma tentativa frustrada a reafirmação de uma posição In BUSATO Paulo SÁ Priscila P SCANDELARI Gustavo Coord Perspectivas das Ciências Cri minais Rio de Janeiro 2016 PESQUISAS DO EDITORIAL Veja também Doutrinas Ainda a expansão do direito penal o papel do dolo eventual de Sérgio Salomão She caira RBCCrim 64222238 e Doutrinas Essenciais Direito Penal e Processo Penal 2 DTR200711 Ensaio sobre o dolo eventual a culpa consciente e o preterdolo o caso da morte do indígena Pataxó HãHãHãe Galdino Jesus dos Santos de Damásio E de Jesus RT 747513533 e Doutrinas Essenciais Direito Penal e Processo Penal 2 DTR1998107 Dolo eventual e culpa consciente de Fábio Bittencourt da Rosa Doutrinas Essenciais de Direito Penal 212111214 DTR20121608 e Anotações sobre o estudo da recklessness na doutrina penal italiana por uma terceira forma de imputação subjetiva de Sheila Jorge Selim de Sale RBCCrim 137125149 DTR20176613