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DIREITO CIVIL VI COISAS E PROPRIEDADE INTELECTUAL Prof Leonardo Peteno Magnusson POSSE Ponto de partida os direitos reais são vínculos entre sujeitos e bens que emergem em nível jurídico Nada obstante há além da propriedade outro vínculos que apesar de não formais assumem relações entre sujeito e coisa no plano fático No caso na posse temos 1 Poder físico sobre a coisa 2 Necessidade do homem de se apropriar de bens IDEIAS INICIAIS POSSE Teoria subjetiva Savigny Corpus apreensão da coisa e disponibilidade física animus intenção como se proprietário fosse Teoria objetiva Ihering A posse seria o poder de fato e a propriedade o poder de direito sobre a coisa Vem a ser a posse o exercício de um poder sobre a coisa correspondente ao direito de propriedade ou de outro direito real Efeito posse simultânea TEORIAS E DEFINIÇÃO POSSE O possuidor no regime brasileiro art 1196 CC é quem em seu próprio nome exterioriza alguma das faculdades da propriedade usar gozar dispor e reivindicar seja ele proprietário ou não Dentro dessas características a posse acaba por ser considerada um caminho para a propriedade Bevilaqua decorrente da afiliação à teoria objetiva O possuidor se comporta como proprietário exercendo poderes sobre uma coisa e poderes ostensivos conservandoa e defendendoa TEORIAS E DEFINIÇÃO POSSE Sendo ou não a posse um direito inferido da propriedade teorias em verdade constitui um direito subjetivo dotado de estrutura peculiar e própria Posse fato Possuir direito subjetivo Posse é direito real ou obrigacional 1 A posse não está elencada no artigo 1225 do CC 2 Não há previsão de registro da posse no Ofício Imobiliário Lei n 601573 3 o legislador dispensou a participação dos cônjuges nas ações possessórias art 73 2º CPC 4 vedação à reintegração de posse contra terceiro que ignorava origem ilícita art 1247 CC NATUREZA DA POSSE POSSE Mas também não seria somente obrigacional Propõese que a posse poderia assumir três naturezas 1 Quando o proprietário é o possuidor de seu bem a posse é vista como um direito real já que o direito de possuir é um dos atributos do domínio que significa basicamente o senhorio sobre uma coisa 2 Pode também a posse ser vista como relação jurídica obrigacional quando emanada de um contrato por exemplo de locação ou promessa de compra e venda O fato jurídico que lhe atribui a posse é a relação jurídica obrigacional 3 Há ainda uma terceira possibilidade que não está atrelado ao direito de propriedade ou relação jurídica obrigacional que é quando a posse emana exclusivamente de uma situação jurídica fática e existencial como apossamento e ocupação NATUREZA DA POSSE POSSE Doutrina e jurisprudência dominante podem ser objeto da posse apenas as coisas corpóreas aquelas que podem ser visualizadas e tocadas Coisas que tenham materialidade e sejam suscetíveis de valor econômico com exteriorização de um poder fático Ex contrato de locação não possui posse o direito obrigacional ou direito real consequente à contratação mas sim a coisa Discussão Rui Barbosa e a possibilidade de expandir os interditos possessórios para reintegrar ou manutenir servidor públicos em seus cargos OBJETO DA POSSE POSSE Doutrina e jurisprudência dominante podem ser objeto da posse apenas as coisas corpóreas aquelas que podem ser visualizadas e tocadas Coisas que tenham materialidade e sejam suscetíveis de valor econômico com exteriorização de um poder fático Ex contrato de locação não possui posse o direito obrigacional ou direito real consequente à contratação mas sim a coisa Discussão Rui Barbosa e a possibilidade de expandir os interditos possessórios para reintegrar ou manutenir servidor públicos em seus cargos Discussão 2 Coisas corpóreas incorpóreas e a Súmula 193STJ OBJETO DA POSSE OBRIGADO DIREITO CIVIL VI COISAS E PROPRIEDADE INTELECTUAL Prof Leonardo Peteno Magnusson PROPRIEDADE Primeiras ideias sobre propriedade poder atribuído ao titular excludente da participação das demais pessoas e cujos únicos limites seriam aqueles impostos pela própria lei Com efeito a propriedade é um direito complexo que se instrumentaliza pelo domínio Este como substância econômica da propriedade possibilita ao seu titular o exercício de um feixe de atributos consubstanciado nas faculdades de USAR GOZAR DISPOR E REINVIDICAR a coisa que lhe serve art 1228 CC Portanto PROPRIEDADE DOMÍNIO PROPRIEDADE E DOMÍNIO PROPRIEDADE PROPRIEDADE DOMÍNIO A propriedade é um direito subjetivo concernente à relação jurídica complexa que se forma entre aquele que detém a titularidade formal do bem e a coletividade de pessoas inclusive Estado Essa relação jurídica que tem como sujeito a coletividade possui como objeto uma ampla abstenção que consiste na necessidade de os não proprietários respeitarem o exercício da situação de ingerência econômica do titular sobre a coisa PROPRIEDADE E DOMÍNIO PROPRIEDADE A propriedade é um direito subjetivo concernente à relação jurídica complexa que se forma entre aquele que detém a titularidade formal do bem e a coletividade de pessoas inclusive Estado Essa relação jurídica que tem como sujeito a coletividade possui como objeto uma ampla abstenção que consiste na necessidade de os não proprietários respeitarem o exercício da situação de ingerência econômica do titular sobre a coisa PROPRIEDADE E DOMÍNIO PROPRIEDADE Com isso a propriedade não é o retrato material do imóvel com suas características físicas mas a feição econômica e jurídica que a representa formalmente dotando a propriedade de uma situação ativa que lhe permita o trânsito jurídico de titularidade e a proteção plena do aparato jurisdicional Disso avanço para a compreensão da propriedade como uma relação jurídica complexa formada entre o titular do bem e a coletividade de pessoas PROPRIEDADE E DOMÍNIO PROPRIEDADE Se a propriedade é observada pela lógica da relação jurídica a ela inerente a seu turno o domínio repousa na situação material de submissão direta e imediata da coisa ao poder do seu titular mediante o senhorio pelo exercício das faculdades de uso gozo e disposição Nesse ponto quanto à natureza de seu conteúdo temse que o domínio é um direito real que se exerce através da posse O proprietário exercita ingerência sobre coisas domínio e pede a colaboração de pessoas propriedade Disso se verifica a ideia de propriedade plena quando se tem todos os poderes do domínio em uma só pessoa PROPRIEDADE E DOMÍNIO PROPRIEDADE Destarte a propriedade consiste na titularidade do bem já o domínio se refere ao conteúdo interno da propriedade sendo que um existe em decorrência do outro Por conseguinte é possível compreender o domínio como a relação material de submissão direta e imediata da coisa ao poder de seu titular através do exercício das faculdade de uso gozo e disposição PROPRIEDADE E DOMÍNIO PROPRIEDADE Simplificando a ideia de propriedade para o próximos fins propriedade como sendo um conjunto de direitos sobre um recurso que o dono está livre para exercer e cujo exercício é protegido contra a interferência por outro agentes O artigo 1228 traz consigo um conjunto de faculdades que são as inerentes ao domínio As faculdades não são direitos autônomos mas poderes ínsitos à situação de proprietário As faculdades do domínio eventualmente podem ser destacadas pelo seu titular implicando na formação de direitos reais sobre coisa alheia ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE Todavia mesmo quando há o destaque de uma das faculdade do domínio o direito de propriedade se mantém exclusivo O que se tem é o domínio unificado coincide com a propriedade plena o domínio fracionado resulta na propriedade limitada ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE USAR É a faculdade do proprietário de servirse da coisa de acordo com a sua destinação econômica O uso será direto ou indireto conforme o proprietário conceda utilização pessoal do bem ou em prol de terceiro ou deixeo em poder de alguém eu esteja sob sua ordens servidor da posse Mesmo o uso sem utilização atual caracteriza essa faculdade dominial Ex casa na praia que está sempre ao seu alcance ALERTA O uso não é mais uma faculdade do proprietário mas um dever já que a falta de exercício tem efeitos jurídicos O problema do acesso aos bens ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE GOZAR A faculdade de fruir consiste na exploração econômica da coisa mediante a extração de frutos e produtos que ultrapassem a percepção dos simples frutos naturais Distinção entre frutos naturais faculdade de usar industriais e civis ambos são faculdade de gozar É importante a distinção entre frutos e produtos que reside na renovação constante dos frutos à medida que são retirados Em contrapartida os produtos vãose exaurindo quando extraídos da natureza sem possibilidade de renovação ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE GOZAR Conforme art 1232 o proprietário faz jus tantos aos frutos como aos produtos Inseridos estes na categoria dos bens acessórios aplicase o famoso brocardo o acessório segue a sorte do principal art 92 CC Também decorre do jus fruendi direito de fruir o direito às pertenças De acordo com o art 93 do CC não constituem parte integrante da coisa mas se destinam de modo duradouro ao uso serviço ou aformoseamento de outro bem benfeitoria Ou seja as pertenças guardam sua autonomia ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE GOZAR Ou seja nas pertenças as pertenças não se ligam a coisa principal prevalecendo o princípio da não aderência Ex os tratores de uma fazenda são intencionalmente empregados na exploração econômica do imóvel e a ele subordinados no sentido econômico jurídico O que se tem é que não aderem à coisa sendo possível a sua retirada pelo possuidor quando derrotado em ação petitória ou possessória ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE DISPOR Entendese como dispor a faculdade que tem o proprietário de alterar a própria substância da coisa É a escolha da destinação a ser dada ao bem a mais ampla forma de concessão de finalidade econômica ao objeto do direito real A disposição pode ser material ou jurídica Enquanto no exercício dos poderes de usar e fruir o proprietário não se priva da substância da coisa pois aquelas faculdade podem ser destacadas em favor de terceiros sem que seja atingida a condição jurídica do proprietário ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE DISPOR A disposição material da coisa é percebida por atos como a destruição material do bem ou o seu abandono Em ambos os casos o proprietário pratica atos físicos que importam em perda da propriedade art 1275 inc III e IV CC Obs Bens consumíveis disposição material e fruição coisa possíveis confusões e proibição a qualquer norma limitativa ao gozo ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE DISPOR A outro turno a disposição jurídica pode ser total ou parcial Total quando o proprietário praticar ato de alienação importando em mutação subjetiva do direito real a alienação será onerosa venda ou gratuita doação Nos dois casos o adquirente sucederá o alienante em todas as faculdades do domínio ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE DISPOR Já a parcial é percebida no instante em que são instituídos ônus reais sobre o bem O proprietário dispõe parcialmente da coisa quando institui um gravame sobre ela tal com o usufruto ou hipoteca Nas duas situações o proprietário manterá a titularidade apesar da convivência com um direito real sobre coisa alheia como o do credor hipotecário ou um usufrutuário que recebe temporariamente certas faculdades do domínio Isso também ocorre quando é gravado por cláusula de inalienabilidade art 1911 CC ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE REIVINDICAR Compreendido como elemento externo ou jurídico da propriedade representa a pretensão do titular do direito subjetivo de excluir terceiros de indevida ingerência sobre a coisa permitindo que a o proprietário mantenha a sua dominação sobre o bem realizando verdadeiramente atuação socioeconômica sobre a coisa Portanto enquanto usar gozar e dispor se relacionam com o exercício do senhorio pelo dono sobre a coisa a pretensão reivindicatória se qualifica como uma tutela do próprio direito subjetivo ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE REIVINDICAR Se a tutela é no campo do direito subjetivo a ação reivindicatória é de natureza obrigacional e não real Ou seja a pretensão reivindicatória e uma obrigação de fazer por parte do réu consistente na atividade de devolução do bem pretensão obrigacional sendo que a causa de pedir é a violação do dever genérico de abstenção donde surge o direito de sequela A propriedade é estruturada ao redor da norma moral da inviolabilidade sendo a faculdade de reivindicar um instrumento de defesa que fortalece a norma da inviolabilidade tanto em termos de efetividade objetiva quanto coerção subjetiva ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE REIVINDICAR Sendo a via de exercício da faculdade de reivindicar a ação reivindicatória para que se obtenha êxito na demanda para a doutrina clássica é suficiente demonstrar o direito subjetivo da titularidade da propriedade sem qualquer discussão fática sobre a qualidade da posse de terceiro Para o que se tem atual sobre a legitimação passiva para a ação reivindicatória a noção ampla de posse injusta a que alude o art 1228 CC não corresponde ao conceito restrito de posse injusto do art 1200 CC Em verdade é aquela desamparada que causa jurídica eficiente ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE A ação reivindicatória é o meio legal para o proprietário reaver a coisa de quem a possua injustamente sem direito obrigacional ou real A posse injusta da coisa que autoriza a ação reivindicatória não se confunde com a qualificação da posse constante do art 1200 do Código Civil Na ação reivindicatória a injustiça da posse significa posse exercida sem direito real sobre a coisa ou sem causa obrigacional que a autorize Irrelevante para fins de reivindicatória o exercício da posse sem violência clandestinidade ou precariedade bem como não afasta seu acolhimento eventual boafé do possuidor IV Dispositivo Recurso desprovido TJSP Apelação Cível 10081188920208260278 Relator a Enéas Costa Garcia Órgão Julgador 1ª Câmara de Direito Privado Foro de Itaquaquecetuba 2ª Vara Cível Data do Julgamento 24022025 Data de Registro 24022025 ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE OBRIGADO DIREITO CIVIL VI COISAS E PROPRIEDADE INTELECTUAL Prof Leonardo Peteno Magnusson ADVOGADO PROFESSOR JUIZ LEIGO PRESIDENTE DA COMISSÃO DA ADVOCACIA INICIANTE QUEM SOU EU DOUTORANDO em Função Social do Direito Constitucional FADISP MESTRE em Direito Processual e Cidadania UNIPAR BACHAREL em Direito UNIPAR FORMAÇÃO ACADÊMICA ATUAÇÃO PROFISSIONAL APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA Direito privado Apropriação de coisas Circulação de coisas Bens corpóreos e incorpóreos Direito fundamental Restrições de direitos Função social CONTEXTUALIZAÇÃO DA DISCIPLINA APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA Domínio científico Capacidade analítica Compreensão técnicojurídica Concreção prática Desenvolvimento de raciocínio jurídico Aprofundamento de conceitos Capacidade de interpretação de paradigmas Pensamento jurídico interdisciplinar e crítico OBJETIVOS E HABILIDADES APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA Introdução aos direitos reais Posse Propriedade Direito de vizinhança Condomínio Direitos reais sobre coisa alheia CONTEÚDO PROGRAMÁTICO APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA Aulas expositivas Literatura dogmática e doutrinária Conciliação de exposição teórica e prática Proposição práticas e jurisprudenciais Participação ativa dos alunos Diálogo e interação nas discussões Atividades individuais e coletivas assíncronas Estudos textuais dirigidos METODOLOGIA PROPOSTA Trabalho 2 Prático 20 pontos O propósito é estimular o aluno a aplicar os conceitos estudados à realidade jurídica fortalecendo sua habilidade interpretativa e sua aptidão para resolver problemas jurídicos APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA TRABALHOS ACADÊMICOS Trabalho 1 Teórico 20 pontos O objetivo será desenvolver a capacidade argumentativa e crítica do aluno diante dos conceitos fundamentais da disciplina Ambos os trabalhos deverão ser digitados e redigidos de forma discursiva sendo avaliados com base nos seguintes critérios Adequação ao tema proposto 05 Rigor técnico científico 05 Clareza coerência e coesão argumentativa 05 Correção e formalidade acadêmica 05 Questões discursivas Serão compostas por cenários práticos nos quais o aluno deverá interpretar situações jurídicas e aplicar os conceitos estudados para fundamentar sua resposta Questões objetivas testes de múltipla escolha O objetivo será análise de conceitos fundamentais do direito civil abrangendo definições classificações e princípios pertinentes à disciplina Os critérios de avaliação das questões discursivas considerarão Capacidade de identificação e compreensão do problema peso 10 Fundamentação jurídica adequada peso 10 Coerência na argumentação e estrutura da resposta peso 10 APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA PROVAS BIMESTRAIS APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA ROSENVALD Nelson FARIAS Cristiano Chaves de Curso de direito civil reais v5 TARTUCE Flávio Direito civil direito das coisas v 4 RIZZARDO Arnaldo Direito das cosias PENTEADO Luciano de Camargo Direito das coisas MONTEIRO Washington de Barros MALUF Carlos Alberto Dabus Curso de direito civil direito das coisas v 3 GOMES Orlando Direitos reais PEREIRA Caio Mário da Silva Instituições de direito civil direitos reais v IV BIBLIOGRAFIA BÁSICA APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA PENTEADO Luciano de Camargo Direito das coisas Proview RT WALD Arnold IGLECIAS Patrícia Direito das coisas Proview RT ARAÚJO Fabio Caldas de O terceiro de boafé proteção na aquisição de bens móveis e imóveis Proview RT NERY Rosa Maria de Andrade NERY JUNIOR Nelson Instituições de direito civil direitos patrimoniais reais e registrários v 3 Proview RT FIUZA César Curso de direito civil Pearson NANNI Giovanni Ettore Comentário ao Código Civil direito privado contemporâneo Proview RT MELLO Cleyson de Moraes Direito de laje Pearson MELLO Cleyson de Moraes Direito civil direito das coisas Pearson BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA DISPONÍVEL BIBLIOTECAS APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA REVISTA DE DIREITO PRIVADO REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO CIVIL REVISTA SCIENTIA IURIS REVISTA DIREITO GV REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAIS GERAIS REVISTA DE DIREITO CIVIL CONTEMPORÂNEO PERIÓDICOS APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO SISTEMA DE REGISTRO ELETRÔNICO DE IMÓVEIS SITES ENTIDADES INTERAGINDO COM A DISCIPLINA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE CONSTITUCIONAL ADMINISTRATIVO INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL PARA REFORMA AGRÁRIA LEI 86291993 ARTIGO 185 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA COGNOSCIBILIDADE DA AÇÃO PRECEDENTES FIRMADOS EM SEDE DE CONTROLE DIFUSO CUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE PRODUTIVA COMO REQUISITO SIMULTÂNEO PARA A SUA INEXPROPRIABILIDADE PLURISSIGNIFICAÇÃO DO TEXTO CONSTITUCIONAL QUE AUTORIZA A OPÇÃO DO LEGISLADOR PELA EXIGÊNCIA DA FUNCIONALIZAÇÃO SOCIAL CONSTITUCIONALIDADE DA NORMA AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE 1 O anterior exame de constitucionalidade da norma inscrita no art 6º da Lei 86291993 em sede de controle difuso não obsta sua apreciação em ação direta 2 Os arts 6º e 9º da Lei 862993 mostramse constitucionalmente válidos porquanto o art 185 da Constituição da República exige para a aplicação da cláusula de insucetibilidade de desapropriação para fins de reforma agrária a função social e o caráter produtivo da propriedade como requisitos simultâneos 3 O parágrafo único do art 185 da Constituição da República ao definir que a lei fixará normas para o cumprimento da função social alberga cláusula semanticamente plural e portanto compatível com a manifestação concretizadora do legislador no sentido de conjugar funcionalização social e propriedade produtiva 4 Ação direta julgada improcedente ADI 3865 Relatora EDSON FACHIN Tribunal Pleno julgado em 04092023 PROCESSO ELETRÔNICO DJesn DIVULG 13092023 PUBLIC 14092023 INTERAGINDO COM A DISCIPLINA RECURSO ESPECIAL CIVIL AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DIREITO DE VIZINHANÇA DIREITO À PASSAGEM FORÇADA FUNDAMENTO PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE SOCIAL PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIOECONÔMICA DA PROPRIEDADE E DA POSSE FINALIDADE GARANTIR O USO E A FRUIÇÃO DA COISA TITULARIDADE LEGITIMIDADE ATIVA POSSUIDOR CARACTERIZAÇÃO 4 O direito à passagem forçada que encontra fundamento nos princípios da solidariedade social e da função socioeconômica da propriedade e da posse é o poder atribuído pela lei a determinado titular de na hipótese de imóvel encravado sujeitar o vizinho a lhe dar passagem até via pública nascente ou porto mediante pagamento de indenização 5 A existência da posse ou do direito de propriedade sem a possibilidade real e concreta de usar e fruir da coisa em razão do encravamento significaria retirar do imóvel todo o seu valor e utilidade violando o princípio da função social que informa ambos os institutos 6 O vizinho que recusa passagem ao possuidor do imóvel encravado exerce seu direito de maneira não razoável em desacordo com o interesse social e em prejuízo da convivência harmônica em comunidade o que configura não apenas uso anormal da propriedade mas também ofensa à sua função social situação que não merece a tutela do ordenamento jurídico 7 Partindo da interpretação teleológica do art 1285 do CC2002 e tendo em vista o princípio da função social da posse é forçoso concluir que o direito à passagem forçada é atribuído também ao possuidor do imóvel 8 Na hipótese dos autos tendo em vista que conforme se extrai do acórdão recorrido restou comprovado que a autora recorrida é possuidora do imóvel em questão não merece reforma o aresto estadual pois consoante já ressaltado o possuidor também tem direito à passagem forçada na hipótese de imóvel encravado nos termos do art 1285 do CC2002 9 Recurso especial não provido REsp n 2029511PR relatora Ministra Nancy Andrighi Terceira Turma julgado em 1432023 DJe de 1632023 INTERAGINDO COM A DISCIPLINA DIREITO DE VIZINHANÇA NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA EDIFICAÇÃO DE MURO NOS LIMITES DA PROPRIEDADE COM VEDAÇÃO DA LUMINOSIDADE DAS JANELAS DO IMÓVEL DO AUTOR INEXISTÊNCIA DE LIMITAÇÃO CONSTRUTIVA INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 1301 E 1302 DO CC DIREITO DA RÉ EM ERIGIR SEU IMÓVEL JANELAS ABERTAS NO IMÓVEL DO AUTOR QUE DESRESPEITARAM A LIMITAÇÃO LEGAL DE DISTÂNCIA OBRA DA RÉ QUE TEVE PROJETO APROVADO PELA PREFEITURA MUNICIPAL AÇÃO IMPROCEDENTE RECURSO NÃO PROVIDO Inexiste fundamento legal para a pretensão do apelante de que a recorrida desfaça a obra erigida ainda que tenha ceifado a iluminação das janelas do imóvel daquele eis que abertas sem observância da distância legal artigo 1301 do CC pouco importando que edificadas há vários anos TJSP Apelação Cível 10003123920238260620 Relator a Paulo Ayrosa Órgão Julgador 31ª Câmara de Direito Privado Foro de Taquarituba Vara Única Data do Julgamento 20122024 Data de Registro 20122024 INTERAGINDO COM A DISCIPLINA LOCAÇÃO AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITOS CUMULADA COM RESCISÃO CONTRATUAL E INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS INTERESSE DE AGIR CONFIGURADO DEMANDANTES LOCATÁRIAS QUE FORAM PROIBIDAS DE INGRESSAR NO PRÉDIO PARA ACESSAR AS SALAS LOCADAS ALÉM DE TEREM SEUS BENS RETIDOS PELA LOCADORA DURANTE A VIGÊNCIA DOS CONTRATOS RECURSO IMPROVIDO Embora inicialmente a parte locatária tenha demonstrado a intenção de findar o contrato acabou optando pela manutenção da relação locatícia em virtude das condições impostas pela locadora de modo que permaneceu hígido o contrato A proibição de acesso das locatárias aos imóveis durante a vigência da relação locatícia e a retenção dos bens que se encontravam nos imóveis locados demonstra a presença do interesse processual evidenciando a necessidade de utilização da via jurisdicional para a defesa dos interesses das locatárias LOCAÇÃO AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS EXCLUSÃO DA MULTA CONTRATUAL E DO VALOR DOS REPAROS NO IMÓVEL DIANTE DA RESCISÃO UNILATERAL DO CONTRATO PELA LOCADORA SEM ANUÊNCIA DA PARTE CONTRÁRIA LOCAÇÃO DO IMÓVEL A TERCEIROS DURANTE A VIGÊNCIA DO CONTRATO COM RETENÇÃO INDEVIDA DOS BENS NO LOCAL E PROIBIÇÃO DE ACESSO DA LOCATÁRIA OBSTANDO A REALIZAÇÃO DAS OBRAS IMPEDIMENTO LEGAL DO LOCADOR EM REAVER O IMÓVEL DURANTE A VIGÊNCIA DO CONTRATO A TEOR DO ART 4º DA LEI DE LOCAÇÃO SENTENÇA QUE SE MANTEM RESPONSABILIDADE SUCUMBENCIAL NO ÂMBITO DA AÇÃO PRINCIPAL AUTORAS QUE DECAÍRAM DE 13 DE SEUS PEDIDOS CABENDOLHES O PAGAMENTO DA RESPECTIVA PARTE NAS DESPESAS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO 1 Durante o prazo estipulado para a duração do contrato não pode o locador reaver o imóvel alugado sem anuência da parte locatária ainda que tenha pronunciado inicialmente a intenção de proceder à rescisão fato que acabou não se efetivando por divergência quanto às condições estipuladas para essa finalidade 2 A locação de salas objeto da locação a terceiros durante a vigência dos contratos com retenção indevida dos bens existentes no local e proibição de acesso das locatárias ao imóvel que autorizam o afastamento da multa contratual pela desocupação antecipada e o direito ao recebimento dos valores eventualmente despendidos com reparos nos imóveis 3 Caracterizada a culpa da locadora pelo rompimento do contrato deve ser compelida à devolução dos bens retidos indevidamente 4 A disciplina da responsabilidade sucumbencial no âmbito da ação principal comporta reparo em razão do que as autoras deverão arcar 13 das despesas processuais e da respectiva verba honorária TJSP Apelação Cível 10056403020228260152 Relator a Antonio Rigolin Órgão Julgador 31ª Câmara de Direito Privado Foro de Cotia 1ª Vara Cível Data do Julgamento 04102024 Data de Registro 04102024 30 da prova Direito Administrativo 5 Direito do Trabalho 5 Processo do Trabalho 5 Direito Tributário 5 Direito Empresarial 4 TOTAL 24 questões EXAME DA ORDEM 1 FASE GRUPO A GRUPO B GRUPO C Ética Profissional 8 Direito Civil 6 Processo Civil 6 Direito Constitucional 6 Direito Penal 6 Processo Penal 6 TOTAL 38 questões Direitos Humanos 2 Direito Internacional 2 ECA 2 Direito Ambiental 2 Direito do Consumidor 2 Filosofia do Direito 2 Direito Previdenciário 2 Direito Financeiro 2 Direito Eleitoral 2 TOTAL 18 questões 475 da prova 225 da prova OBRIGADO DIREITO CIVIL VI COISAS E PROPRIEDADE INTELECTUAL Prof Leonardo Peteno Magnusson DIREITOS REAIS Direito das coisas direitos reais posse direitos de vizinhança Direitos reais pressupõe expressão econômica apropriação econômica Complexo das normas reguladoras das relações jurdícas referentes às coisas suscetíveis de apropriação pelo homem CONCEITO DIREITOS REAIS CARACTERÍSTICAS Sacralidade da propriedade do direito à propriedade Relativização e ponderação de direitos fundamentais Direitos reais como poderes jurídicos que concede a seu titular verdadeira situação jurídica de dominação sobre o objeto Esse poder de agir é oponível é erga omnes já que acarretam sujeição universal O direito real impõe duas obrigações de fazer negativas à coletividade 1 não fazer abstenção ingerência na propriedade alheia 2 não fazer tolerância dever de permitir que o titular exerça seu direito ABSOLUTISMO DIREITOS REAIS CARACTERÍSTICAS Para os bens imóveis atrelado ao absolutismo enquanto característica a publicidade é determinante refutando a clandestinidade A publicidade é determinada pelo motivo de só ser possível se opor estes direitos contra todos caso haja ostensiva divulgação art 1227 CC Mesmo que a aquisição da propriedade se dê por outra via sucessão usucapião etc sempre se seguirá o registro Considerar que o princípio da solidariedade impõe o respeito por parte de todos às situações jurídicas estabelecidas direito obrigacional v direito real Respeito ao direito de terceiros PUBLICIDADE DIREITOS REAIS CARACTERÍSTICAS A inerência do direito real ao objeto afetado permite ao titular perseguilo em poder terceiro onde quer que se encontre Como todos tem dever de abstenção absolutismo caso não haja esta o titular pode exercer direito de perseguir a coisa contra aquele que viola Ações possessórias Princípio da inerência ou aderência onde o direito real adere à coisa e se manifesta como um direito de perseguir direito real obrigacional SEQUELA DIREITOS REAIS CARACTERÍSTICAS Consiste no privilégio do titular do direito real em obter o pagamento de um débito com o valor do bem aplicado exclusivamente à sua satisfação Decorrendo do direito de sequela a preferência garante ao credor o direito de preferência prevalecendo privilégio sobre os direitos obrigacionais Caso haja vários titulares de direitos reais sobre o mesmo bem várias hipotecas no mesmo imóvel por exemplo aplicase o brocardo prior tempore potior jure prevalecendo aquele que registro primeiro PREFERÊNCIA PREDOMINANTE NOS DIREITOS REAIS DE GARANTIA DIREITOS REAIS CARACTERÍSTICAS Como os direitos reais operam contra toda a coletividade a norma que apresente os direitos reais é de ordem pública Ato contínuo os direitos reais são numerus clausus de enumeração taxativa localizados no rol pormenorizado do art 1225 CC consultar Com efeito a fórmula numerus clausus foi elaborada em princípio como modo de preservar o absolutismo do direito de propriedade Taxatividade v Tipicidade ordem pública v autonomia privada exaustividade dos rols ex multipropriedade TAXATIVIDADE DIREITOS REAIS SITUAÇÃO JURÍDICA REAL Os titulares apoderamse dos bens utilizandoos diretamente Cuidase de situações de subordinação de coisas a pessoas Os direitos reais se apresentam como referidos a uma coisa pois são outorgados para a realização pessoal do seu titular no exercício da posição de vantagem SITUAÇÃO JURÍDICA OBRIGACIONAL Requerse primeiramente um comportamento de outra pessoa como condição de acessibilidade aos bens Não se cogita subordinação do devedor ao credor mas relações cooperativas cuja finalidade é adimplemento mediante a satisfação do interesse do credor consubstanciado na prestação e restituição da liberdade do devedor SITUAÇÕES JURÍDICAS REAIS E OBRIGACIONAIS DIREITOS REAIS Falase em situação jurídica real e não em relação jurídica real porque não se admite relação jurídica entre pessoas e coisas pois todo vínculo só ocorre em função do homem em sociedade Ou seja não há relação jurídica entre sujeito e coisa mas direito de dominação e poder Decorrente disso os direitos reais podem ser ofendidos por qualquer pessoa absolutismo Diferente dos direitos obrigacionais que pedem a cooperação do sujeito passivo da relação jurídica no sentido da satisfação do débito São assim classificados como direito subjetivos relativos cujo objeto é a conduta do obrigado cuja relação jurídica coloca o sujeito em sujeição passiva SITUAÇÕES JURÍDICAS REAIS E OBRIGACIONAIS DIREITOS REAIS Alerta É fundamental ter a percepção que a propriedade é a chave para a compreensão dos demais direitos que portanto terá o foco nos estudos PROPRIEDADE único direito real originário Manifestação primária e fundamental de direitos reais detendo um caráter complexo em que os atributos de 1 uso 2 gozo 3 disposição e 4 reivindicação reúnemse DIREITOS REAIS SOBRE COISA ALHEIA São manifestação facultativas e derivadas de direitos reais resultando da decomposição dos diversos poderes jurídicos contidos na esfera dominial Sua vigência convive com o direito de propriedade CLASSIFICAÇÃO DIREITOS REAIS Os direitos reais limitados decorrentes de desdobramentos podem ser classificados da seguinte forma DIREITOS REAIS DE GOZO E FRUIÇÃO usufruto servidão uso e habitação DIREITOS REAIS DE GARANTIA penhor hipoteca e anticrese DIREITO REAL À AQUISIÇÃO promessa de compra e venda Os direitos reais em coisa alheia apartamse da propriedade não apenas por não concentrarem toda qualidade do direito sobre a coisa mas também porque possuem dentro de si relevante carga de relações de índole obrigacional CLASSIFICAÇÃO DIREITOS REAIS As obrigações propter rem são prestações impostas ao titular de determinado direito real pelo simples fato de assumir tal condição Vale dizer a pessoa do devedor será individualizada exclusivamente pela titularidade de um direito A dívida é inerente ao objeto e da posição do titular ativo ou passivo da relação Ou seja o obrigado é o titular do direito real havendo a possibilidade de sucessão do débito fora das hipóteses normais de transmissão de obrigação Com efeito como a assunção da obrigação decorre da titularidade da coisa ao devedor será concedida em certos casos a faculdade de se libertar do vínculo renunciando ao direito real em favor do credor Abandono liberatório OBRIGAÇÃO PROPTER REM DIREITOS REAIS EXEMPLO Cláusula de Responsabilidade pelo Pagamento do IPTU Cláusula X Responsabilidade pelo IPTU O LOCATÁRIO declarase ciente e concorda que será o responsável pelo pagamento integral do Imposto Predial e Territorial Urbano IPTU incidente sobre o imóvel objeto deste contrato durante todo o período de vigência da locação O LOCATÁRIO comprometese a efetuar o pagamento do referido tributo nas datas estabelecidas pelo órgão competente bem como apresentar ao LOCADOR sempre que solicitado os comprovantes de quitação Em caso de inadimplência fica o LOCATÁRIO responsável por quaisquer encargos adicionais incluindo multas e juros decorrentes do atraso no pagamento do IPTU sem prejuízo das demais sanções previstas neste contrato OBRIGAÇÃO PROPTER REM DIREITOS REAIS EXEMPLO Cláusula de Responsabilidade pelo Pagamento do IPTU CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL Art 121 Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária Art 123 Salvo disposições de lei em contrário as convenções particulares relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos não podem ser opostas à Fazenda Pública para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes Art 130 Os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade o domínio útil ou a posse de bens imóveis e bem assim os relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens ou a contribuições de melhoria subrogamse na pessoa dos respectivos adquirentes salvo quando conste do título a prova de sua quitação PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE DOS CONTRATOS OBRIGAÇÃO PROPTER REM OBRIGADO DIREITO CIVIL VI COISAS E PROPRIEDADE INTELECTUAL Prof Leonardo Peteno Magnusson POSSE Ponto de partida os direitos reais são vínculos entre sujeitos e bens que emergem em nível jurídico Nada obstante há além da propriedade outro vínculos que apesar de não formais assumem relações entre sujeito e coisa no plano fático No caso na posse temos 1 Poder físico sobre a coisa 2 Necessidade do homem de se apropriar de bens IDEIAS INICIAIS POSSE Teoria subjetiva Savigny Corpus apreensão da coisa e disponibilidade física animus intenção como se proprietário fosse Teoria objetiva Ihering A posse seria o poder de fato e a propriedade o poder de direito sobre a coisa Vem a ser a posse o exercício de um poder sobre a coisa correspondente ao direito de propriedade ou de outro direito real Efeito posse simultânea TEORIAS E DEFINIÇÃO POSSE O possuidor no regime brasileiro art 1196 CC é quem em seu próprio nome exterioriza alguma das faculdades da propriedade usar gozar dispor e reivindicar seja ele proprietário ou não Dentro dessas características a posse acaba por ser considerada um caminho para a propriedade Bevilaqua decorrente da afiliação à teoria objetiva O possuidor se comporta como proprietário exercendo poderes sobre uma coisa e poderes ostensivos conservandoa e defendendoa TEORIAS E DEFINIÇÃO POSSE Sendo ou não a posse um direito inferido da propriedade teorias em verdade constitui um direito subjetivo dotado de estrutura peculiar e própria Posse fato Possuir direito subjetivo Posse é direito real ou obrigacional 1 A posse não está elencada no artigo 1225 do CC 2 Não há previsão de registro da posse no Ofício Imobiliário Lei n 601573 3 o legislador dispensou a participação dos cônjuges nas ações possessórias art 73 2º CPC 4 vedação à reintegração de posse contra terceiro que ignorava origem ilícita art 1247 CC NATUREZA DA POSSE POSSE Mas também não seria somente obrigacional Propõese que a posse poderia assumir três naturezas 1 Quando o proprietário é o possuidor de seu bem a posse é vista como um direito real já que o direito de possuir é um dos atributos do domínio que significa basicamente o senhorio sobre uma coisa 2 Pode também a posse ser vista como relação jurídica obrigacional quando emanada de um contrato por exemplo de locação ou promessa de compra e venda O fato jurídico que lhe atribui a posse é a relação jurídica obrigacional 3 Há ainda uma terceira possibilidade que não está atrelado ao direito de propriedade ou relação jurídica obrigacional que é quando a posse emana exclusivamente de uma situação jurídica fática e existencial como apossamento e ocupação NATUREZA DA POSSE POSSE Doutrina e jurisprudência dominante podem ser objeto da posse apenas as coisas corpóreas aquelas que podem ser visualizadas e tocadas Coisas que tenham materialidade e sejam suscetíveis de valor econômico com exteriorização de um poder fático Ex contrato de locação não possui posse o direito obrigacional ou direito real consequente à contratação mas sim a coisa Discussão Rui Barbosa e a possibilidade de expandir os interditos possessórios para reintegrar ou manutenir servidor públicos em seus cargos Discussão 2 Coisas corpóreas incorpóreas e as Súmulas 193STJ e 228STJ OBJETO DA POSSE POSSE Coisa corpórea v coisa incorpórea enquanto as coisas corpóreas são perceptíveis pelos sentidos as coisas incorpóreas não têm existência física Súmula 193STJ O direito de uso de linha telefônica pode ser adquirido por usucapião Distinção direito real de uso posse lembrar da proposição de Bevilaqua Súmula 228STJ É inadmissível o interdito proibitório para a proteção do direito autoral O direito do autor por não recair sobre coisa corpórea não pode ser turbado ou esbulhado apenas exercido indevidamente por outros em simples concorrência OBJETO DA POSSE POSSE A capacidade de apropriação não incluso a cláusula de inalienabilidade e a expressividade econômica da coisa não são suscetíveis de posse as coisas fora do comércio Ou seja não haverá posse quando a coisa não puder ser objeto de propriedade particular Com isso os bens públicos de uso comum do povo e de uso especial afetados em prol da coletividade ou do exercício de alguma atividade pública não estão suscetíveis à posse Contrário senso haverá a posse de bens públicos dominicais ou patrimoniais posto desafetados assim como de bens públicos de outra categoria quando objeto de concessão a particular inclusive derivada da relação jurídica Ver artigo 100 e ss do CC OBJETO DA POSSE POSSE É o fenômeno que se verifica quando o proprietário efetivando uma relação jurídica negocial com terceiro transferelhe o poder de fato sobre a coisa Ou seja por força de uma relação jurídica entre o proprietário e terceiro detectase o desdobramento da posse em direta e indireta Proprietário que não desdobra a sua posse posse plena Comparativo entre a teoria objetiva Ihering e subjetiva Savigny O desdobramento da posse é possível pela adoção da teoria objetiva que compreende a posse como exteriorização do poder de fato sobre a coisa Já na teoria subjetiva é inconcebível já que o possuidor direto careceria de animus e o indireto de corpus DESDOBRAMENTO DA POSSE POSSE Em termos práticos verificase o desdobramento quando faculdades que integram o domínio são transferidas pra outra pessoa para que utilize como decorrência de relação jurídica 1 de direito real ex penhor usufruto propriedade fiduciária 2 ou obrigacional ex comodato locação A posse direta não anula a indireta Elas coexistem pacificamente e a isso dá se o nome de posses paralelas DESDOBRAMENTO DA POSSE POSSE Com isso posse direta é aquela que adquire o não proprietário correspondente à apreensão física da coisa art 1197 CC Portanto a posse direta é 1 temporal pois o desdobramento da posse baseiase em relação jurídica transitória de poderes dominiais obs extinção das enfiteuses posse do foreiro semelhante a um aluguel permanente 2 subordinada ou derivada já que a atuação do possuidor direto é limitada ao âmbito de poderes dominiais a ele transferidos pelo possuidor indireto de acordo com a espécie de relação jurídica ex usufruto usar gozar habitação usar moradia DESDOBRAMENTO DA POSSE POSSE Por sua vez posse indireta é a que o proprietário conserva quando temporariamente cede a outrem o poder de fato sobre a coisa A posse não depende apenas do controle material da coisa já que estende a condição de possuidor àquele que utiliza a coisa mediata e indiretamente por intermédio de outras pessoas Como é possuidor aquele conserva umalguns dos poderes dominiais não se pode negar que com o proprietário remanescem algumas faculdades dominiais sendo outras transmitidas ao possuidor direto DESDOBRAMENTO DA POSSE POSSE DEFESA DA POSSE Os possuidores direto e indireto defendem suas posses autonomamente contra terceiros por meio das ações possessórias independentemente de assistência mútua dispensando assim litisconsórcio ativo necessário se houver formase litisconsórcio facultativo AUTOTUTELA Art 1210 O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação restituído no de esbulho e segurado de violência iminente se tiver justo receio de ser molestado 1º O possuidor turbado ou esbulhado poderá manterse ou restituirse por sua própria força contanto que o faça logo os atos de defesa ou de desforço não podem ir além do indispensável à manutenção ou restituição da posse DESDOBRAMENTO DA POSSE POSSE Exemplos 1 Os pais exercem o usufruto legal sobre o patrimônio do filho menor art 1689 CC 2 O inventariante dirige o espólio art 1991 CC 3 O promissário comprador se imite na posse contratual não obstante só se tornar proprietário com o registro da escritura definitiva após regular quitação art 1418 CC Ao momento da aquisição da capacidade plena do menor 1 do trânsito em julgado do formal de partilha 2 e do adimplemento da última prestação do compromisso de compra e venda ou da resolução contratual por inadimplemento 3 a posse unificarseá como proprietário cessando a composse DESDOBRAMENTO DA POSSE POSSE O POSSUIDOR DIRETO E A DEFESA DE INTERESSES O caso do condômino locador Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio art 18 CPC DEFESA DA POSSE DIRETA O possuidor direto pode defender a posse mesmo contra o possuidor indireto na vigência da relação jurídica em virtude de qualquer agressão à sua posse Obs Importante a relação jurídica de direito real ou obrigacional concede a uma pessoa apenas o direito à posse Assim a condição de possuidor direto se edifica progressivamente com o poder fático sobre a coisa objeto do vínculo DESDOBRAMENTO DA POSSE POSSE Para compreender a propriedade como regra é exclusiva Como a posse em face fática se assemelha à propriedade assume essa qualidade também A composse é uma situação excepcional consistente na posse comum de mais de uma pessoa sobre a mesma coisa que se encontra em estado de indivisão art 1199 CC Nesse sentido a comunhão no direito das coisas 1 comunhão da propriedade é entendida como condomínio ou compropriedade 2 nesse sentido a comunhão da situação fática da posse é a composse Portanto para se ter composse 1 mais de um possuidor 2 estado de indivisão da coisa COMPOSSE POSSE Exemplos Vasto grupo de pessoas que ocupam um imóvel abandonado Todos são compossuidores requisito 1 mais de um possuidor sem discriminação de partes reservadas requisito 2 estado de indivisão Obs Se os possuidores acordarem no sentido de reservar áreas específicas e delimitadas para a atuação fática individual e pacífica sobre a sua fração concreta desaparecerá a composse surgindo várias posse pro diviso COMPOSSE POSSE Exemplos Herdeiros requisito 1 mais de um possuidor com relação à fazenda deixada pelo pai no curso do espólio requisito 2 estado de indivisão Na fase anterior ao formal de partilha os sucessores são simultaneamente compossuidores e comproprietários do bem de raiz COMPOSSE POSSE DEFESA DA POSSE Assim como na compropriedade na composse cada possuidor detém um parte abstrata ideal da coisa Isso é suficiente par que possa invocar isoladamente a proteção possessória contra terceiros ou mesmo contra um compossuidor para o resguardo da pose sobre a área comum Nas relações externas perante terceiros os compossuidores procedem com exclusividade como se fossem os únicos titulares da posse Ou seja perante terceiro cada compossuidor pode ser considerado possuidor como um todo e portanto poderá exercer todos os direitos Mas na relação interna ou seja entre os composssuidores deverá agir de modo a não suprimir o conteúdo dos direitos dos outros compossuidores cujo remédio são as possessórias COMPOSSE POSSE Ainda sobre a relação interna e a defesa dos interesses do compossuidor quando houver atuação em determinada área contra a posse propriamente dita o instrumento processual está inserido nas ações possessórias Por sua vez quando a controvérsia se insere no uso e gozo ordinário propriamente dito da coisa comum mormente a sua exploração econômica será caso de enriquecimento ilícito com os mecanismos processuais pertinentes Ex bens se encontram em estado de indivisão no bojo de um inventário no qual alguns dos herdeiros são indenizados por aqueles que indevidamente se apropriam dos frutos da coisa comum no período que precede a partilha COMPOSSE POSSE DISTINÇÃO ENTRE COMPOSSE E DESDOBRAMENTO DA POSSE a distinção é que na composse há repartição quantitativa na posse Nas posses direta e indireta há repartição qualitativa da posse Vale dizer com o desdobramento de posse há posses paralelas em graus diferenciados na composse todos os possuidores encontramse no mesmo plano Para aprofundar Ex áreas privativas e áreas comuns de condomínio edilício ademais a problemática das vagas de garagem exclusivas e privativas Nesse ponto o uso rotativo e não equitativo das vagas COMPOSSE POSSE A detenção é uma posse degradada juridicamente desqualificada pelo ordenamento jurídico Ou seja o ordenamento jurídico decidiu que em determinadas situações o poder fático de alguém não tem repercussão jurídica Por conseguinte distinção entre posse e detenção desqualificação jurídica Nesse sentido há uma escala de poder sobre a coisa PROPRIEDADE POSSE DETENÇÃO Há quatro hipóteses de detenção que ordenamento jurídico reconhece 1 servidores da posse 2 atos de permissão ou tolerância 3 atos de violência ou clandestinidade 4 atuação em bens públicos de uso comum e uso especial DETENÇÃO POSSE Servidores da posse são aqueles que detêm o poder físico sobre a coisa em razão de uma relação subordinativa para com terceiro Apreende a coisa em cumprimento de ordens ou instruções emanadas dos reais possuidores ou proprietários Conhecidos com fâmulos da posse exercitam atos de posse em nome alheio como mero instrumento da vontade de outrem Obs Não é necessário vínculo formal remuneração contínuo É bastante um vínculo social de subordinação porém sem autonomia DETENÇÃO SERVIDORES DA POSSE ART 1198 POSSE DEFESA DA POSSE PELO DETENTOR O detentor não possui legitimidade para ajuizar ações possessórias em defesa de um esbulho turbação ou ameaça sobre o bem AUTOTUTELA Todavia na qualidade de longa manus do possuidor certamente poderá exercer a pretensão defensiva pela via do desforço imediato ou da legítima defesa da posse com a ressalva de que o faça em nome e proveito do terceiro que represente Enunciado n 493 do CJF DETENÇÃO SERVIDORES DA POSSE ART 1198 POSSE A permissão nasce da autorização expressa do verdadeiro possuidor para que terceiro utilize a coisa a tolerância resulta de consentimento tácito ao seu uso caracterizandose ambas pela transitoriedade e pela faculdade de supressão do uso a qualquer instante pelo real possuidor sem erigir proteção possessória ao usuário Ex Vizinhança hospitalidade hospedagem ou me complacência A permissão não é um negócio jurídico mas sim um ato jurídico stricto sensu Por tanto pode ser extinto a qualquer tempo no sentido de desconstituir a detenção Há um estado de sujeição do detentor em face do verdadeiro possuidor DETENÇÃO ATOS DE PERMISSÃO OU TOLERÂNCIA ART 1208 POSSE Enquanto materialmente existentes os atos de violência e clandestinidade impedem a aquisição da posse por parte de quem delas se aproveita configurandose os ilícitos perpetrados sobre a coisa simples atos de detenção se transmutando para a natureza de posse com a efetiva cessação de tais condutas Ou seja a condição de esbulhador violento e clandestino é reduzida à de mero detentor Mas a posse inaugurada no momento superveniente à cessação da violência ou clandestinidade terá qualificação de injusta DETENÇÃO ATOS DE VIOLÊNCIA OU CLANDESTINIDADE ART 1208 POSSE Diferente do fâmulo de daqueles que utilizam a coisa por permissão ou autorizam ou seja aqueles que tem detenção dependente os detentores que exercem atos de violência e clandestinidade exercem detenção independente DETENÇÃO E AÇÕES POSSESSÓRIAS Essa condição de detentor independente autoriza o manejo de interditos possessórios em face de terceiros que não a vítima dos atos de violência ou clandestinidade pois não estará litigando contra que obteve a coisa de forma manifestamente viciosa art 1211 CC DETENÇÃO ATOS DE VIOLÊNCIA OU CLANDESTINIDADE ART 1208 POSSE O particular que ocupa bem público de uso com do povo ou especial não possui posse mas apenas a condição de mero detentor Inclusive contra a administração terá a defesa apenas contra o excesso pela via da pretensão indenizatória DETENÇÃO BENS PÚBLICOS ART 100 OBRIGADO Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Ciências Sociais Faculdade de Direito Emerson Affonso da Costa Moura A função social como elemento estruturante da teoria do domínio público o dever de funcionalização dos bens públicos Rio de Janeiro 2017 Emerson Affonso da Costa Moura A função social como elemento estruturante da teoria do domínio público o dever de funcionalização dos bens públicos Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Doutor ao Programa de Pós Graduação em Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Área de concentração Pensamento Jurídico e Relações Sociais Orientadores Prof Dr Mauricio Jorge Pereira da Mota Coorientadora Profª Dra Patricia Ferreira Baptista Rio de Janeiro 2017 CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJREDE SIRIUSBIBLIOTECA CCSC Bibliotecária Angélica Ribeiro CRB76121 Autorizo apenas para fins acadêmicos e científicos a reprodução total ou parcial desta tese desde que citada a fonte Assinatura Data M929 Moura Emerson Affonso da Costa A função social como elemento estruturante da teoria do domínio público o dever de funcionalização dos bens públicos Emerson Affonso da Costa Moura 2017 315 f Orientador Prof Dr Mauricio Jorge Pereira da Mota Tese Doutorado Universidade do Estado do Rio de Janeiro Faculdade de Direito 1 Domínio público Teses 2 Bens públicos Teses 3 Direito administrativo Teses I Mota Mauricio Jorge Pereira da II Universidade do Estado do Rio de Janeiro Faculdade de Direito III Título CDU 3429 Emerson Affonso da Costa Moura A função social como elemento estruturante da teoria do domínio público o dever de funcionalização dos bens públicos Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Doutor ao Programa de Pós Graduação em Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Área de concentração Pensamento Jurídico e Relações Sociais Aprovada em 14 de junho de 2017 Orientadores Prof Dr Mauricio Jorge Pereira da Mota Faculdade de Direito UERJ Prof Dra Patricia Ferreira Baptista Faculdade de Direito UERJ Banca Examinadora Prof Dr Alexandre Santos de Aragão Faculdade de Direito UERJ Prof Dr Aricia Fernandes Correia Faculdade de Direito UERJ Prof Dr Eduardo Manuel Val Universidade Federal Fluminense Prof Dr Thula Rafaela de Oliveira Pires Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Rio de Janeiro 2017 AGRADECIMENTOS O processo de formação acadêmica como qualquer jornada nunca é trilhada de forma solitária Há sempre pessoas que estiveram conosco ao longo do caminho e contribuíram nas etapas com o seu conhecimento apoio e amizade Não há como nesse momento deixar de lembrar aqueles que conduziram até esse momento De minha graduação na Universidade Federal do Rio de Janeiro não posso escusar de prestar o agradecimento a todos os meus professores que com seu conhecimento e atenção estimularam a minha aptidão acadêmica e a minha eterna orientadora Thula Rafaela de Oliveira Pires Aos meus amigos de faculdade Rodrigo Bahia e Diogo Nascimento cujos esforços debates e momentos de descontração forjaram lembranças que não serão esquecidas e ao amor que construí ali Patricia Baroni cujo afeto e fidelidade ao longo desses anos tem sido uma luz a me conduzir pelos meus caminhos Das experiências promovidas no estágio da Procuradoria Geral do Estado com as pesquisas na sua tradicional biblioteca e a prática do contencioso em matéria pública foram importante para minha formação os procuradores Bruno Boquimpani e Davi Marques pelos ensinamentos e apoio Na pósgraduação em Direito da Administração Pública na Universidade Federal Fluminense deixo meu obrigado aos professores Luiz Jungsted Delton Meirelles Vanessa Siqueira Flavio Willerman Alexandra Amaral Alexandre Veronese José dos Santos Carvalho Filho e aquele que se tornaria não só meu orientador mas um amigo e mentor Eduardo Val Aos amigos ao qual dividimos mais do que as longas noites em Niterói estudando direito público mas o desejo sincero de aprofundamento nos debates Rossana Braga Renata Caldeira Mahany Vanelli e Isabela Bragança em especial ao André Luiz de Souza Cruz cuja amizade parceria e conduta são um exemplo No mestrado em Direito Constitucional pela Universidade Federal Fluminense foram inestimáveis as contribuições dos professores Gustavo Sampaio Ferreira Telles Marco Antônio Ferreira Macedo Evandro Menezes Helena Elias Pinto Célia Barbosa Abreu e novamente meu orientador Eduardo Manuel Val Ao nosso grupo que tornou o mestrado não um lugar de reflexão e debate mas também de descontração e amizade de onde saíram belas parcerias e um vínculo que tem se mostrado duradouro o meu agradecimento a Alex Mendonça Eric Baracho Fernando Reis Pablo Martinez Renata Barbosa e Fabrizia Bittencourt Aos meus alunos na época em que fui professor contratado da Universidade Federal Fluminense e da Universidade Federal do Rio de Janeiro e professor I da Universidade Veiga de Almeida pelo aprendizado que me proporcionaram na docência e por todo esse carinho que até hoje é um lenitivo nos reveses da vida acadêmica Representarei minha homenagem a todos os alunos que guardo em meu sentimento através da menção da parceria de Bruno Marcelos Camila Pontes Gabriela Vasconcelos Juliane Julio Danilo Taveira Juliane Maranhão Marcos Leite Larissa Vieira Amanda Nascimento Alberto Magalhães Renato Barreto Leonardo Barreto e Igor Matos Aos procuradores do Conselho Superior do Ministério Público representados na figura da Dra Anna Maria Di Masi e do Dr Ricardo Martins aos quais nossos debates e esforços forjaram um vínculo de respeito e amizade e as assessoras que se demonstraram mais que colegas Alessandra Lopes Fátima Baião Beatriz Santos Rachel Melo e Evelyn Petraglia No doutorado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro agradeço em especial aos Profs Alexandre Santos de Aragão Arícia Correia Luís Roberto Barroso Jane Pereira Reis Patrícia Baptista Maurício Mota e Vânia Aieta cujos debates nas disciplinas e nos grupos de pesquisa trouxeram importantes subsídios para este trabalho Ao prof Mauricio Mota um exímio professor e atencioso orientador cujo notório conhecimento é igualmente acompanhado de uma grata humanidade e uma inesperada humildade que reforçam não apenas o seu notável caráter mas os valores que devem pautar a vida acadêmica A profa Patricia Baptista excelente docente e cuidadosa orientadora ao qual sua conhecida competência e compromisso com a academia se apoiam em uma surpreendente modéstia e inquietude constante com as idiocrasias da matéria que são um exemplo a ser seguido e me orgulha a sua parceria Aos meus colegas da Universidade Federal de Juiz de Fora representados com especial agradecimento pela parceria de Jamir Calili Ribeiro Fernanda Alcantara Rosana Ribeiro e Simone Cristine além da gentileza e ajuda de Daniel Carnaúba durante meu afastamento para a conclusão dessa tese Aos alunos que fazem valer a pena a longa viagem semanal até o Estado de Minas Gerais representados na figura de Luiza Bertoldo Marisa Karla e Glédson Pereira além de todos os jovens e talentosos pesquisadores dos grupos de pesquisa projeto de extensão e monitoria nas disciplinas de Direito Constitucional e Direito Adminitrativo Aos meus colegas das Comissões de Direito Administrativo e Constitucional do Instituto dos Advogados Brasileiros da Comissão de Cultura Jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil da Associação Brasileira de Ensino do Direito e da American Society of Public Administration cujos debates me estimulam a reflexão objetiva e crítica do Direito Ao meu pai Geminiano in memoriam que apesar do prematuro desencarne deixounos a preciosa lição de que os verdadeiros legados de um homem não são apenas as suas belas conquistas profissionais mas o exemplo do seu caráter conduta compromisso comprometimento e acima de tudo uma vida conduzida no bem À minha mãe Lourdes exemplo de amor e dedicação que ainda me surpreende e me recorda a cada instante como as grandes obras não se escrevem apenas com tinta e papel mas também com os mais belos gestos do coração Nada disso seria possível sem seu carinho e apoio Essa jornada é para você Não posso deixar de mencionar a minha família a qual por muitas noites abdiquei do convívio para elaborar este trabalho Saibam que correspondem ao elo fundamental da minha vida ligando as mais belas lembranças de minha infância às mais bonitas expectativas do futuro representados na figura dos meus irmãos e sobrinhos Aos amigos que tornam a vida um lugar especial na qual compartilho sintonia e amor fraternal além das minhas paixões por cinema literatura e música o meu muito obrigado pela leveza que dão à vida em especial por todo suporte que me deram em momentos tão difíceis como a dedicação a esse trabalho A todos aqueles que estiveram comigo e contribuíram com esse momento e que eu possa ter esquivado de fazer menção sintamse envolvidos com o meu cumprimento e perdoemme a falha de memória mas jamais duvidem da importância de suas presenças em minha vida e do agradecimento que faço a Deus por tantos presentes Dedico este trabalho a todos os juristas que destinaram sua vida acadêmica à investigação crítica da disciplina administrativista pois edificaram os pilares que permitem hoje o movimento de reconstrução da dogmática à luz da ordem jurídicoconstitucional vigente ao qual pretende inserir a presente tese Igualmente ofereço aos jovens estudantes que demonstram em cada aula uma preocupação com as incongruências atuais do Direito Administrativo e me deixam esperançoso com um futuro onde a disciplina teórica para Estado seja cada vez menos baseada em categorias autoritárias e mais em valores humanitários Todos os problemas de fundo do Direito Administrativo Moderno decorrem do fato do seu aparelho conceitual corresponder a uma realidade que já não existe Ernest Forsthoff RESUMO MOURA Emerson Affonso da Costa A função social como elemento estruturante da teoria do domínio público o dever de funcionalização dos bens públicos 2017 315 f Tese Doutorado em Direito da Cidade Faculdade de Direito Universidade do Estado do Rio de Janeiro Rio de Janeiro 2017 A função social como o elemento que estrutura e dota de especificidade uma teoria para os bens públicos de forma a impor um dever de sua concretização para os seus titulares é o tema posto em debate Investigase em que medida a adoção de um critério funcional se demonstra mais apto para delimitar não apenas as fronteiras do domínio público e a aplicação graduada do regime jurídico especial mas na própria redefinição do papel exercido pelo Estado perante tais coisas e na determinação das obrigações decorrentes ao ente público e aos atores sociais Para tanto no primeiro capítulo analisase a insuficiência da delimitação do acervo dominial público à luz dos critérios tradicionais diante das transformações produzidas na noção de soberania e no descolamento da noção de público da figura estatal No segundo capítulo verificase a dificuldade decorrente da assimilação daqueles elementos para a delimitação de um regime jurídico especial para os bens públicos associada à assistematicidade da regulação normativa e a tentativa de uma dicotomia plena do domínio privado No terceiro capítulo inquirese como a recondução da titularidade dos bens públicos a uma noção de proprietário resulta em uma inadequada compreensão das posições legais assumidas pelo Estado na relação jurídica que tem por objeto a coisa No capítulo quatro propõese delimitar o dever de funcionalização dos bens públicos em seus elementos básicos à luz das incongruências apresentadas pela adoção das categorias tradicionais e da adoção da função social como elemento central do domínio público Palavraschaves Domínio público Bens públicos Critérios Função social Dever de funcionalização RÉSUMÉ MOURA Emerson Affonso da Costa La fonction sociale en tant quélément structurel de la théorie du domaine public la fonctionnalisation du devoir de biens publics 2017 315 f Tese Doutorado em Direito da Cidade Faculdade de Direito Universidade do Estado do Rio de Janeiro Rio de Janeiro 2017 La fonction sociale qui est lélément qui donne la structure et la spécificité dune théorie des biens publics afin dimposer une obligation de sa mise en œuvre au titulaire est le thème mis en discussion Enquête dans quelle mesure ladoption dun critère fonctionnel est démontré plus apte à définir non seulement les limites du domaine public et lapplication progressive du régime juridique spécial mais dans la redéfinition même du rôle joué par lEtat avant que de telles choses et dans la détermination de la obligations au titre de lentité publique et les acteurs sociaux Par conséquent dans le premier chapitre analyse léchec de la délimitation des biens de domination publique à la lumière des critères traditionnels sur les transformations produites dans la notion de souveraineté et de porter atteinte à la notion de la figure de lEtat du public Dans le deuxième chapitre vérifiera le problème résultant de lassimilation de ces facteurs dans la définition dun régime juridique spécial pour les biens publics assistematicidade associée à la régulation normative et de tenter une dichotomie complète du domaine privé Dans le troisième chapitre demande comment le renouvellement de la propriété des biens publics à une notion de propriétaire se traduit par une mauvaise compréhension des positions juridiques prises par lEtat dans la relation juridique qui est engagé dans la chose Dans le quatrième chapitre il est proposé de définir la fonctionnalisation du devoir des biens publics dans ses éléments de base à la lumière des incohérences présentées par ladoption des catégories traditionnelles et ladoption de la fonction sociale en tant quélément central du domaine public Motsclés Domaine public Biens publics Critères Fonction sociale Devoir de fonctionnalisation SUMÁRIO INTRODUÇÃO 11 1 A DELIMITAÇÃO DO DOMÍNIO PÚBLICO 18 11 As transformações do direito administrativo e as fronteiras do domínio público privatização despublicização e racionalização 18 12 O mito do fundamento do domínio público e a sua feição no Estado Constitucional de Direito do poder soberano aos deveres funcionais 32 13 A insuficiência dos critérios dominantes na matriz romanogermânica e o elemento central do domínio público da titularidade estatal às gradações da função social 45 14 A reconstrução do tema à luz da função social o reconhecimento de um domínio público não estatal e um domínio público humanitário 61 15 O domínio público não estatal e o Estado análise das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios no caso da demarcação da Raposa Serra do Sol 78 2 O REGIME APLICÁVEL AOS BENS PÚBLICOS 93 21 A tentativa de formação de um regime jurídico para os bens públicos do critério da titularidade ao reconhecimento da funcionalidade 93 22 A insuficiência da unicidade de uma disciplina jurídica para pluralidade dos bens públicos da insustentabilidade dos caracteres à assistematicidade da regulação constitucional à luz da função social 105 23 A superação da suposta dicotomia do domínio privado e a complementariedade do direito comum da regulação pela lei civil conforme a função social 120 24 A proposta de uma regulação jurídica à luz da função social as gradações na aplicação do regime jurídico de direito público 133 25 O regime jurídico de direito público e as pessoas administrativas de direito privado análise da aplicação da imunidade recíproca tributária na exploração da atividade de banco postal pelos correios à luz da função social 144 3 A TITULARIDADE DOS BENS PÚBLICOS 154 31 Da atribuição da personalidade ao ente estatal e da apropriação da noção privatista da coisa pública a construção do EstadoProprietário aquém da função social 154 32 Uma aproximação necessária da patrimonialização dos bens públicos ao patrimonialismo nas instituições políticoadministrativas brasileiras 168 33 Do reajustamento da titularidade dos bens públicos da noção do direito de propriedade ao reconhecimento de uma relação jurídica funcionalizada 178 34 Do efeito da atribuição de titularidade dos bens públicos das obrigações do domínio público ao papel de gestor na função social 193 35 O papel do EstadoGestor nos bens que exercem função social sob a titularidade particular da velha questão do tombamento à nova celeuma das florestas em terras privadas 208 4 O DEVER DE FUNCIONALIZAÇÃO DOS BENS PÚBLICOS 221 41 Da delimitação de um critério material e não exclusivo de funcionalização dos bens públicos do aménagement especial do Estado à multiplicidade de relações jurídicas tendo por objeto a coisa pública 221 42 Do marco temporal da função social dos bens públicos do ato formal de desafetação a uma atualidade no atendimento da finalidade coletiva 236 43 Da gradação do dever de funcionalização dos bens públicos de uma escala de dominialidade ao reconhecimento da alienabilidade plena dos bens dominicais 244 44 Do descumprimento do dever de funcionalização dos bens públicos da vedação constitucional da usucapião à adequação da função social por particular 257 45 Os elementos do dever de funcionalização dos bens públicos da concretização da função social pelo Estado à adequação pelo particular no caso da ocupação do Jardim Botânico no Rio de Janeiro 273 CONCLUSÃO 282 REFERÊNCIAS 289 11 INTRODUÇÃO Embora nas últimas décadas tenham se observado profundas transformações ocorridas no Estado e no Direito que têm orientado o movimento de reconstrução teórica da disciplina jurídicoadministrativa no que tange aos bens públicos a literatura jurídica ainda se apoia em categorias tradicionais calcadas sob uma realidade política e social que não mais subsiste A fragmentação e a complexização da noção de interesses públicos nas sociedades plurais o redimensionamento da concepção de soberania a desestatização das atividades públicas e a crescente racionalização na gestão estatal impõem novos paradigmas que reforçam as incongruências e as insuficiências da teoria vigente Junto às novas tendências reforçam conhecidas celeumas como a exploração para fins individuais das coisas naturais o abandono pelo Estado e a ocupação por particulares de prédios estatais a dificuldade de delimitação da natureza do acervo das empresas públicas dentre outras que envolvem a temática dos bens públicos Neste viés a recondução de tais conflitos a uma matriz teórica construída na formação do Estado Moderno e calcada em uma interpretação de categorias da Antiguidade Clássica agravase com a adoção de elementos do regime público que parecem não mais se sustentar somado a aplicação de institutos privados que não se demonstram adequados Se antes era necessária à estruturação uma teoria centrada na soberania estatal como forma de proteção contra as investidas absolutistas ou os perigos de um liberalismo ilimitado atualmente há uma dificuldade decorrente da afirmação do Estado e da degradação do seu monopólio com uma ascensão de outros atores sociais inclusive responsáveis pela gestão dos interesses públicos A adoção de categorias e normas privatistas como a noção de propriedade e a regulação dos bens públicos pela lei civil era adequada diante da centralidade assumida pela codificação civil na época No momento há certa contrariedade diante da assunção de um epicentro pela Constituição que passa a traduzir deveres aos poderes estatais e finalidades a serem seguidas 12 Isto traduz em um conjunto de idiocrasias na medida em que a busca pela solução de problemas de índole contemporânea com um substrato teórico tradicional resultam em uma incapacidade de sanar plenamente os conflitos sociais ou produzir uma recondução satisfatória a dogmática dos bens públicos Produzse certa tensão ao se sustentar na disciplina administrativista um descolamento das noções de público e estatal com reconhecimento de outros atores sociais na gestão dos interesses públicos mas centrar a própria qualificação dos bens como públicos a uma exclusiva titularidade estatal gera uma nítida incongruência tratar os bens públicos como uma propriedade porém recusar que as coisas estatais abandonadas se sujeitem a uma apropriação privada apesar se consagrar um dever de adequação social da propriedade pelos particulares sob a pena de perda da sua titularidade Inúmeras dificuldades acentuam a problemática de uma teoria vigente que pretende dotar de especificidade a regulação dos bens públicos a partir de elementos da disciplina pública mas com a adoção de categorias e normas privadas sem permearse aos influxos de transformações observados no Estado e no Direito para a solução dos conflitos emergentes Isto não significa sustentar o extremo de negar a necessidade de formação de uma disciplina própria para os bens públicos com assimilação de uma teoria unitária e a utilização do tratamento das coisas dada pela lei civil já que traduzem na busca de interesses distintos e devem se sujeitar a regulações adequadas às suas especificidades Apenas denota a necessidade de busca por um elemento distinto daqueles presentes que seja capaz de ordenar a teoria dos bens públicos traduzindo em maior coerência com as transformações que se sujeitaram o Estado o Direito e a eficácia no que tange aos conflitos sociais emergentes Busca a presente tese investigar em que medida a função social se demonstra como o elemento capaz de estruturar e dotar a necessária especificidade de uma teoria para os bens públicos de forma a adequarse as tendências e as celeumas apresentadas a qual deve se sujeitar a disciplina Desde já partese de uma teoria funcional do Direito de modo que a ordenação social produzida pela técnica jurídica voltese não apenas à uma função de tutela ou garantia na 13 proteção da integridade ou reforço da ordem normativa mas de promoção das condutas sociais almejadas através da consagração de fins e objetivos a serem alcançados Considerase que pretende à ordem jurídica não apenas a finalidade de prevenção e repressão de condutas mas igualmente a realização de determinados valores e finalidades de modo que não compete ao Direito restringirse a manutenção de uma ordem mas igualmente garantir a concretização das finalidades socialmente almejadas Igualmente tal perspectiva pretende não apenas garantir a ordem constituída mas permitir que se adeque as mudanças sociais como aquelas apresentadas Razões pela qual garante a construção de uma teoria dos bens públicos dotado de maior legitimidade uma vez que se situa além da busca pela estabilidade da ordem e concretização dos seus valores Demonstrase tal marco adequado a hipótese levantada nessa tese à medida que igual teoria situese no campo da mudança social ao buscar através da imposição dos deveres que sejam alcançados determinados fins ao revés que uma perspectiva estruturalista se vincula a uma manutenção do status quo pela busca de preservação da ordem e imposição de sanções Converge para as próprias transformações que se sujeitou o Estado e o Direito com a veiculação das Constituições que traduzem finalidades e objetivos a serem perseguidos e programas a serem cumpridos pelo Estado que antes tido como agente de proteção da autonomia subsumi o papel de concretizador das funções sociais Desse modo considerase que os bens públicos devem ser usufruídos a partir de sua função e não somente de sua estrutura a saber exteriorizado nas finalidades que busca alcançar e não somente dos meios ao qual utiliza para alcançar seus fins o que enseja a determinação de qual seria portanto tal finalidade a ser perseguida Sob tal vértice a função social atuará como elemento de legitimação de toda ordem jurídica e irradiará para a estruturação de uma teoria para os bens públicos na medida de uma graduação que permitirá diferenciar a sua aplicação do domínio e bens privados de acordo com os interesses tutelados Propõese que a adoção de um critério funcional se demonstre mais apto para delimitar as fronteiras do domínio público e a aplicação do seu regime jurídico o que conduzirá na 14 própria redefinição do papel exercido pelo Estado perante tais coisas e na determinação das obrigações decorrentes ao ente público e aos atores sociais Para tanto serão apresentadas as transformações e os conflitos firmados sob os bens públicos de forma a problematizar mediante o confronto com o estado a arte da teoria vigente desses bens a sua incapacidade de lidar com as referentes questões e a função social em sua gradação como um elemento apto Para confirmar tal hipótese adotase um plano de trabalho dividido em quatro capítulos onde respectivamente será abordado a insuficiência dos critérios tradicionais para a delimitação da natureza pública dos bens e a aplicação da sua disciplina normativa que resulta em uma inadequada compreensão do exercício da titularidade e dos seus deveres No primeiro capítulo analisase a insuficiência da delimitação do acervo dominial público à luz dos critérios tradicionais diante das transformações produzidas na noção de soberania e no descolamento da noção de público da figura estatal a partir de três novos paradigmas a privatização despublicização e racionalização No segundo capítulo verificase a dificuldade decorrente da assimilação daqueles elementos para a delimitação de um regime jurídico especial para os bens públicos associada à assistematicidade da regulação normativa e a tentativa de uma dicotomia plena com o domínio privado No terceiro capítulo inquirese como a recondução da titularidade dos bens públicos a uma noção de proprietário resulta em uma inadequada compreensão tanto de uma exclusividade quanto das posições jurídicas assumidas pelo Estado na relação legítima que tem por objeto a coisa No capítulo quatro propõese delimitar o dever de funcionalização dos bens públicos em seus elementos básicos no que se refere a um critério material lapso temporal e regime aplicável à luz das incongruências apresentadas pela adoção das categorias tradicionais e pela adoção da função social como elemento central do domínio público Para tanto adotase na abordagem do objeto da pesquisa o método dialético por compreender que uma dogmática jurídica que se apoia apenas em argumentos de autoridade 15 sem qualquer apoio em algum experimento ou demonstração se afasta de uma perspectiva propriamente científica Discutir uma teoria dos bens públicos apoiandose exclusivamente na afirmação de uma identidade majoritária construída a partir do pensamento de determinados autores sem o cotejo com os conflitos jurídicos decorrentes da realidade subjacente e com argumentação de índole lógicoracional seria se afastar da própria legitimidade da pesquisa Desse modo propõese uma contraposição entre as escolas opostas em relação aos bens públicos por perceber que o contraste produzido no debate resultará não apenas na confirmação da tese proposta mas permitirá a construção de um discurso legítimo e crítico que poderá auxiliar em alguma medida na transformação da teoria dos bens públicos vigente Isso não importa afirmar uma absoluta neutralidade na pesquisa mas que a defesa da tese não se firmará em discursos dogmáticos ou ideológicos como que os bens públicos são ou devem ser estatais Porém se apoiará em uma dialética entre os autores e uma busca por objetividade no tratamento do tema Significa também admitir uma relatividade da verdade que será perquirida através deste processo dialético de forma que a tese busque ser aquela que neste momento histórico se demonstre mais próxima de uma teoria dos bens públicos e que seja adequada à realidade social subjacente atual cuja validade futura se sujeitará aos novos contrastes Trata portanto de uma perquirição objetiva e avessa ao dogmatismo no tratamento dos bens públicos buscando identificar mediante o contraste da literatura e a partir da análise crítica a construções de proposições que se adéquem a ordem jurídica vigente e contribuam na solução dos conflitos sociais Sob tal égide optase pelo método hipotéticodedutivo na medida em que partese a problematização de determinadas questões para a partir delas deduzir parâmetros em direção ao entendimento da situaçãoproblema suscitada Utilizarseá aqui o chamado raciocínio tópico que busca sopesar diante da situação as razões que legitimam ou não a dada eleição Por efeito parece centrarse a problemática dos bens públicos na dificuldade de delimitação da própria identificação dos bens que integram o domínio público que resulta em 16 uma inadequada compreensão do regime aplicável do papel do seu titular e dos deveres que respectivamente serão impostos Por esta razão o método de procedimento será eminentemente de caráter dogmático de forma que a investigação se centrará precipuamente na literatura jurídica acerca do problema analisado à luz das obras levantadas bem como na análise das decisões jurisprudenciais e legislativas quando pertinentes Adotamse como fontes bibliográficas além das obras brasileiras os necessários aportes da literatura estrangeira sem ignorar as dificuldades que o estudo de direito administrativo comparado produz em razão não apenas da desigualdade do desenvolvimento teórico mas igualmente das especificidades que se produz em cada Estado e no seu Direito Neste sentido há de se reconhecer que embora inexista uma única matriz teórica para os bens públicos o pensamento dominante acaba identificando o domínio público como a teoria ou a técnica jurídica específica que atribuí tais coisas a titularidade do Estado que exerce prerrogativas e poderes inclusive no que tange a sua afetação ou desafetação Tal generalidade de uma teoria unitária de feição estritamente patrimonialista parece decorrer da literatura francesa de forma que se recorta a análise para as escolas da domaine public não apenas por ser a principal matriz do direito romanogermânica mas precipuamente por sua ampla adoção pela literatura administrativa brasileira Isto não significa em ignorar tanto as proposições do beni demaniali da literatura italiana quanto a öffentlichen Sachen na doutrina alemã mas a proposta da presente tese é desconstruir o status quo da teoria dominante no regime pátrio que tem uma nítida influência de origem francesa Quanto aos novos aportes utilizase a literatura espanhola que além de guardar elementos comuns ao sistema brasileiro tem os autores se dedicado a uma análise crítica da teoria do domínio público com formulações acerca dos problemas contemporâneos que envolvem os bens públicos e que corrobora com as hipóteses levantadas na presente tese Por esta razão fazse a ressalva que tanto na literatura tradicional que já havia adeptos minoritários quanto nos autores contemporâneos estrangeiros há aqueles que sustentam de forma próxima alguma das proposições deste trabalho Todavia não propõem uma construção 17 de uma tese com os variados elementos aqui trazidos o que confirmarão o ineditismo deste trabalho Fazse também o cotejo com as decisões do Conselho de Estado Francês em razão do seu papel capital na construção da teoria administrativa da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal para apontar as críticas a tal assimilação e dos julgados do Conselho de Estado Espanhol pela assimilação de algumas propostas trazidas por este trabalho Ademais ilustramse as questões com referências à constelação normativa de bens públicos cuja extensão e delimitação do tema impedem detalhada análise adotandose especial atenção às disposições da Constituição Federal e do Código Civil bem como fazendo seu contraste com o Código Civil Francês e Espanhol e a legislação estrangeira quando pertinente Por fim não poderia deixar de recordar que a história do direito administrativo é a narrativa de um movimento de redução do arbítrio do poder e proteção dos cidadãos o que demanda a recondução da sua disciplina não apenas a preservação do biônimo autoridade ou liberdade mas a busca por um ponto central que garanta igualmente tais interesses legítimos Não pretende a presente tese aderir a uma perspectiva liberal dos bens públicos de forma a conduzir a uma proteção dos direitos fundamentais e vilipêndio das coisas sob a sujeição estatal mas ao se centrar em uma noção de função social e o dever do seu titular de concretizálo buscar preservar ambos os interesses consagrados na ordem jurídica plural Propõe ser um pequeno contributo no papel que a Academia deve assumir na superação do discurso retórico na reiteração de institutos como lugar comum ou de uma investigação teórica voltada a fins ideológicos ou políticos senão a responsabilidade que deve ter a Universidade na construção do pensamento e da transformação social CAPÍTULO 1 A DELIMITAÇÃO DO DOMÍNIO PÚBLICO 11 As transformações do direito administrativo e as fronteiras do domínio público privatização despublicização e racionalização Discutir a noção assumida pelos bens públicos na ordem jurídica vigente pressupõe a delimitação da sua matriz teórica o domínio público não em sua concepção tradicional e generalizada mas na identificação de seu conteúdo contemporâneo à luz das transformações que tem se subsumido a disciplina jurídicoadministrativa Não pretende portanto analisar em si os influxos teóricos que em razão do descompasso do estado de arte atual da matéria com as transformações ocorridas na sociedade impõem a revisão das premissas teóricas estruturantes do direito administrativo1 e resultam na formação para alguns de uma disciplina pósmoderna2 É necessário todavia determinar em que medida as mutações da disciplina administrativa influem na delimitação contemporânea do domínio público de modo a contrastar com a referida construção tradicional que propõe a tentativa de formação de uma fronteira rígida no que se refere ao seu conteúdo De forma geral identificase o domínio público como a teoria que disciplina o conjunto de bens que formam o acervo patrimonial sob a titularidade estatal cujo uso destinase 1 Diante da crise teórica do Direito Administrativo iniciase um movimento dcoutrinário de ampla revisão das categorias e institutos administrativos formado dentre outros MOREIRA NETO Diogo de Figueiredo Legitimidade e Discricionariedade 3 ed Rio de Janeiro Forense 1998 DI PIETRO Maria Sylvia Zanella Parcerias na Administração Pública Concessão Permissão Franquia Terceirização e Outras Formas São Paulo Atlas 1999 MOREIRA NETO Diogo de Figueiredo Mutações do Direito Administrativo 2 ed atual e ampla Rio de Janeiro Renovar 2001 SOUTO Marcos Juruena Villela Desestatização Privatização Concessões Terceirizações e Regulações 4 ed rev atual e ampla Rio de Janeiro Lumen Juris 2001 ARAGÃO Alexandre Agências Reguladoras e Evolução do Direito Administrativo Rio de Janeiro Forense 2002 BAPTISTA Patrícia Transformações do Direito Administrativo Rio de Janeiro Renovar 2003 BINENBOJM Gustavo Uma Teoria do Direito Administrativo Direitos Fundamentais Democracia e Constitucionalização Rio de Janeiro Renovar 2006 FREITAS Juarez Direito Fundamental à Boa Administração São Paulo Malheiros 2014 2 Nesta perspectiva vide MOREIRA NETO Diogo de Figueiredo Quatro paradigmas do direito administrativo posmoderno legitimidade finalidade eficiência resultados Belo Horizonte Fórum 2008 19 diretamente a coletividade ou são afetados de forma indireta a uma finalidade pública e se sujeitam a um regime jurídico próprio e exorbitante do direito comum3 Embora seja um dos temas pouco desenvolvidos pela literatura jurídica pátria nas últimas décadas4 o domínio público tem sido objeto de severa investigação pelos autores estrangeiros que apontam a crise do instituto5 o seu fim enquanto teoria diante das suas incongruências6 ou sua desnecessidade atual para justificar a intervenção estatal7 Não parece que o descompasso do domínio público com as transformações do direito administrativo e as demandas sociais importem a sua desconsideração uma vez que os bens públicos em razão dos interesses público ao qual servem de substrato material continuam exigindo uma disciplina teórica capaz de sustentar um regime jurídico protetivo Assim mesmo abstraindo aqueles extremos é inegável que o estudo da teoria sobre a coisa pública tem sido realizado com uma rigidez que é imprópria ao direito administrativo uma vez que voltado à pluralidade de atividades de persecução do interesse público demanda um tratamento mais realístico capaz de lidar com os conflitos contemporâneos8 Temse adotado ainda uma perspectiva absoluta da concepção clássica de domínio público inclusive no que tange aos efeitos decorrentes do regime jurídico exorbitante instituído como a inalienabilidade e imprescritibilidade que não se amolda as transformações que têm se sujeitado o Estado em sua teoria e disciplina positiva 3 CRETELLA JÚNIOR José Dicionário de Direito Administrativo 3 ed Rio de Janeiro Forense 1978 p 204 4 Na maior parte das obras administrativistas brasileiras o tema é tratado sem grandes discussões acerca de seus fundamentos caracteres próprios e finalidades com raras exceções como os trabalhos recentes MARQUES NETO Floriano de Azevedo Bens públicos função social e exploração econômica o regime jurídico das utilidades públicas Belo Horizonte Fórum 2009 MARRARA Thiago Bens públicos domínio urbano e infraestruturas Belo Horizonte Fórum 2007 Na perspectiva tradicional vide as clássicas monografias CRETELLA JUNIOR José Dos bens públicos no direito brasileiro São Paulo Saraiva 1969 Tratado do dominio publico Rio de Janeiro Forense 1984 5 LAVIALLE Christian Le domaine public une catégorie juridique menacée Revue française de droit administratif n 3 1999 p 585 6 BERENGUER J L González Sobre la crisis del concepto de dominio público Revista de Administración Pública Espanha Centro de Estudios Políticos y Constitucionales n 56 Madrid 1968 p 191 7 GARCIA Julio V González Bienes patrimoniales y patrimonio y bienes patrimoniales de las Administraciones públicas in GARCIA Julio V González MENDIZÁBAL Carmen Agoués Mendizábal Coord Derecho de los bienes públicos Madrid Tirant lo Blanch 2015 p 109115 8 URUTTIA José Luiz GonzálezBerenguer Sobre La Crisis Del Conceptio de Dominio Publico Revista de Administración Pública Espanha Centro de Estudios Políticos y Constitucionales nº 56 1968 p 219 20 A teoria do domínio público deve se inserir no próprio reajustamento que tem sofrido o direito administrativo diante da tensão entre a ideologia liberal e estatal com a ascensão de novos paradigmas como a globalização e o neoliberalismo que resultam em dois fenômenos interligados ao qual se destaca a privatização e a despublicização9 Note que ambos os fenômenos decorrem do equilíbrio competitivo onde diante de determinadas externalidades que produzem falhas de mercado justificase uma ampliação do domínio público ao revés aquelas que geram falhas na propriedade pública conduzem a sua destinação ao domínio privado10 Tal regulação estatal na produção e qualificação de bens não representa em si um fenômeno novo o que distingue é a intensidade do movimento que se volve nas economias de mercado a reserva ao setor público apenas aos bens e serviços que sejam considerados essenciais deixando os demais para a iniciativa privada11 Assim surgem a partir da década de 1970 na Europa as falhas da intervenção estatal no domínio econômico e social que resultam na perda da credibilidade do setor público e apontam problemas que envolvem o campo político mas igualmente abrange a gestão administrativa como a questão da burocracia e a natureza dos bens públicos12 Exerce também capital importância no Estado Brasileiro que em um contexto de severa crise econômica na década de 1990 buscou com os referidos fenômenos a possibilidade de implementação de instituições e práticas administrativas capazes de garantir na gestão dos bens e atividades públicas a prossecução do interesse coletivo13 Em uma face com a privatização se substitui a exclusividade da atuação estatal na gestão do interesse público pela participação da iniciativa privada dotadas de meios mais 9 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación privatización y globalización de los bienes públicos del domínio público a las obligaciones de domínio público Revista de administración pública Espanha Centro de Estudios Políticos y Constitucionales n 161 2003 p 435 10 SAN ROMÁN Antonio Pulido Innovación competitividad y privatización in MONTES Jose Luis Teoría y política de privatizaciones su contribución a la modernización económica Madrid SEPI 2004 p 185 11 PANIAGUA Enrique Linde La retirada del Estado de la sociedad privatizaciones y liberalización de servicios públicos Revista de derecho de la Unión Europea n 7 2004 p 31 12 SÁNCHEZ IsabelMaría García La nueva gestión pública evolución y tendencias Presupuesto y gasto público Espanha n 47 2007 p 38 13 PEREIRA Luiz Carlos Bresser Crise Econômica e Reforma do Estado do Brasil São Paulo Editora 34 1996 p 272273 21 eficientes para a persecução dos bens e interesses almejados pela sociedade e em outra a publicização que impõe a ingerência estatal no fomento e regulação da delegação14 Abrange portanto a liberalização de determinados serviços públicos da titularidade estatal através de leis setoriais que uma vez servindo tais atividades de base para a afetação dos bens públicos devese considerar que irão abranger igualmente uma privatização material ou ao menos formal das referidas coisas15 É possível então firmar uma correlação entre a noção de privatização e transferência da propriedade ou titularidade das coisas públicas em uma concepção ampla empresas estatais ativos ou bens públicos propriamente ditos decorrentes de uma tentativa de atribuir maior eficiência em seu emprego e reduzir a ação estatal àqueles tidos como estratégicos16 Neste sentido que as sucessivas reformas administrativas ao buscarem aumentar a capacidade do Estado de forma a dispôlo de meios necessários para intervir efetivamente na sociedade e no mercado inexoravelmente devem envolver a redefinição não apenas sua relação com os serviços mas igualmente com os bens públicos17 Note que no Brasil há um histórico de reformas administrativas que desde o século XX buscaram a modernização e reforma administrativa bem como a racionalização do emprego dos bens públicos Porém é a partir das suas últimas décadas que propõese o modelo de desburocratização e desestatização18 A reforma administrativa no governo militar já traduzia transformações no que tange aos domínios do público com a formação de pessoas administrativas com personalidade de direito privado e dotadas de acervo patrimonial próprio19 bem como o controle rígido pela Administração Pública Federal dos bens públicos20 14 MOREIRA NETO Diogo de Figueiredo Mutações de Direito Administrativo 2 ed Renovar Rio de Janeiro 2001 p 3840 15 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 436 16 BRIONES Carlos Reflexiones sobre la privatización Realidad Económicosocial Universidad Centroamericana José Simeón Cañas 1991 p 181 17 SOUTO Marcos Juruena Villela Desestatização Op cit p 434435 18 LIMA JUNIOR Olavo Brasil As reformas administrativas no Brasil modelos sucessos e fracassos Revista de Serviço Público Ano 49 N 2 AbrJun 2008 p 1214 19 BRASIL DecretoLei nº 200 de 25 de Fevereiro de 1967 Art 5 II e III 20 BRASIL DecretoLei nº 200 de 25 de Fevereiro de 1967 Art 13 c 25 VIII e 87 22 Porém foram as reformas administrativas após a redemocratização que pretenderam imprimir uma racionalização da gestão pública e das organizações estatais existentes de modo a superar a crise de governabilidade e imprimir maior legitimidade e eficiência na realização das atividades e gestão dos bens públicos21 Assim o Programa Nacional de Desestatização que ao concentrar a ação estatal apenas nas atividades fundamentais à consecução de determinados interesses públicos previu como um dos objetos de suas modalidades operacionais a transferência ou outorga de bens móveis e imóveis da União22 Há quem discorde deste modelo de desestatização com a redução progressiva do Estado e por conseguinte da ação da Administração Pública em benefício do mercado gerando um protagonismo individual e portanto a redefinição das próprias fronteiras do Direito Administrativo e seus institutos23 Inclusive outros consideram que se opera uma mercantilização dos bens públicos que buscam gerar uma otimização para o próprio mercado afetando o princípio de universalidade de acesso aos mesmos apontando a dificuldade de delimitar uma fronteira conceitual clara dos domínios do público24 Apesar das críticas é inegável que a implementação do fenômeno através das referidas reformas administrativas produz um estreitamento da noção de domínio público ao denotar que a delimitação dos seus bens passa a se sujeitar às estratégias de ação estatal eleitas na persecução dos interesses públicos Em uma primeira vista parece apontar que a delimitação das fronteiras do domínio público não se sujeita apenas a análise da adequação da coisa à satisfação das necessidades coletivas mas a sua inserção dentro do plano de ação estatal que definirá a sua titularidade pública ou exploração privada Todavia isso não implica em reduzir a noção de desestatização com a privatização visto que a limitação da ação estatal não ocorre apenas através da redefinição da titularidade 21 Para uma análise da reforma administrativa e seus influxos no plano político técnico e jurídico vide MOREIRA NETO Diogo de Figueiredo Apontamentos Sobre a Reforma Administrativa Rio de Janeiro Renovar 1999 22 BRASIL Lei Federal nº 9491 de 9 de Setembro de 1991 Art 2 inciso V e 1º alínea c Art 4 e VII 23 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 435 24 BARRIOS Edgar Varela Dimensiones actuales de lo público A propósito de las interrelaciones entre Estado Management y Sociedad Pensamiento gestión n 18 Universidad del Norte Colombia p 5354 23 bens e serviços para o campo privado mas igualmente conduz a delegação da gestão das referidas coisas ou da execução de tais atividades O fenômeno envolve não apenas reduções do campo estatal na realização de atividades ou gestão de bens públicos mas igualmente a sua coexistência com o setor privado na referida prossecução dos interesses públicos bem como modificações na distribuição de funções e poder no âmbito público25 Deste modo o Programa Nacional de Desestatização previu não apenas a modalidade de alienação mas a possibilidade de arrendamento locação comodato ou cessão de bens e instalações bem como o aforamento remição de foro permuta cessão concessão de direito real de uso resolúvel dos bens imóveis da União26 Por efeito o redimensionamento da noção de domínio público transpassa uma redução do seu respectivo acervo mas envolve a manutenção de determinados bens no acervo público porém reconhecendo que a sua proteção e promoção da finalidade pública não ocorrerão necessariamente sob a titularidade estatal Neste sentido alguns autores identificam o fenômeno como despublicização ou o que parece mais adequado como uma publicização alternativa já que não significa uma desregulação da ação administrativa através da perda de sua titularidade mas da sua transformação com a busca de outras fórmulas de intervenção e de controle27 Assim há de se incluir as próprias alterações do modelo estatal no que se refere ao regime de execução dos serviços públicos por outros entes públicos ou privados igualmente produz efeitos no substrato material desta atividade e portanto devem traduzir reflexos no que tange a teoria do domínio público28 Em um contexto onde a prestação dos serviços e das atividades públicas passa a ser desenvolvida a partir de convênios e consórcios entre os poderes públicos de delegação legal ou negocial com a iniciativa privada bem como por parcerias e ajustes com a sociedade civil tornase difícil delimitar uma noção rígida de uma teoria do domínio público 25 SÁNCHEZ IsabelMaría García La nueva gestión Op cit p 46 26 BRASIL Lei Federal nº 9491 de 9 de Setembro de 1991 Art 4 e VII 27 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 436 28 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 446 24 A redefinição dos papéis dos atores sociais e estatais na gestão do interesse público através da dissociação do espaço público da esfera estatal e a coordenação de suas respectivas atuações demanda adequar o domínio público aos agentes públicos e privados que exercerão igualmente titularidade sob os bens públicos Basta considerar no que se refere a determinadas modalidades de delegação negocial como as parcerias públicoprivadas onde formase uma sociedade de propósito específico que não apenas pode ser constituída como pessoa jurídica de direito privado como ter a forma de companhia aberta sem a maioria acionária pública29 Enquanto responsável pela implantação e gestão do referido objeto da parceria30 será encarregado portanto pela contraprestação da Administração Pública que envolve a outorga de direitos sobre os bens públicos dominicais bem como a própria cessão dos demais bens públicos se necessário para atingimento dos seus fins31 Igualmente em variadas circunstâncias caberá a Administração Pública para assegurar o oferecimento de determinada atividade ou serviço de interesse da coletividade abandonar o regime jurídico de direito público e recorrer às formas e instrumentos de natureza de direito privado32 Assim por exemplo temse o instrumento de cessão de uso na modalidade gratuita ou sob condições especiais seja para os entes estatais na prestação de serviços públicos ou para as pessoas privadas a realização de atividades de interesse público ou social ou de aproveitamento econômico de interesse nacional33 Admite a referida lei que seja formalizada através do regime de concessão de direito real de uso resolúvel34 sujeito às regras dispostas no decreto federal que regula o loteamento urbano e a concessão de uso de terrenos públicos como um direito real resolúvel permitindo a sua contratação por instrumento público ou particular35 29 BRASIL Lei Federal nº 11079 de 30 de Dezembro de 2004 Art 9 2º e 4º 30 BRASIL Lei Federal nº 11079 de 30 de Dezembro de 2004 Art 9 caput 31 BRASIL Lei Federal nº 11079 de 30 de Dezembro de 2004 Art 6 inciso IV e V 32 VEDEL Georges DELVOLVÉ Pierre Droit Administratif vol 1 Paris Presses Universitaires de France 1992 p 36 33 BRASIL Lei Federal nº 9636 de 15 de Maio de 1988 Art 18 inciso I e II 34 BRASIL Lei Federal nº 9636 de 15 de Maio de 1988 Art 18 1º 35 BRASIL DecretoLei nº 271 de 28 de Fevereiro de 1967 Art 7 caput e 1º 25 Sob tal viés importa em uma redefinição não apenas dos limites para definição do domínio público mas do seu próprio regime jurídico pois em dadas situações corresponderá ao melhor atendimento do interesse público a sua realização sob uma disciplina privada Ainda que com as restrições oriundas da preservação do interesse público Não deixam de existir cláusulas exorbitantes por exemplo em contratos de cessão de uso oneroso por particulares de bens públicos que embora constituídos por prazo indeterminados se sujeitam à previsão da revogação pelo Estado a qualquer tempo em razão de interesse público36 Note todavia que tal expansão da noção de público não se identifica com o estatal mas envolve além da execução pelos entes privados das referidas atividades estatais Igualmente a promoção de interesses da coletividade realizado diretamente pela sociedade conduz a uma necessária redefinição do domínio público Neste sentido não é recente o reconhecimento de que determinados entes particulares voltem suas atividades à realização de interesses da coletividade e portanto devem ser reconhecidos e protegidos pelo Estado que usualmente os qualificava como entidades de utilidade ou de interesse público Note todavia que isto não importava em uma influência na teoria do domínio público pois a declaração dependia de um requerimento formal e uma anuência estatal mediante o cumprimento de determinados requisitos legais sem que resultasse em qualquer tipo de cessão de bens públicos37 Não obstante imediatamente após a implementação do Plano de Desestatização foi consagrado o Programa Nacional de Publicização com o estabelecimento de diretrizes e critérios para a qualificação dos referidos entes privados de forma a garantir a absorção das atividades antes desenvolvidas pelos poderes públicos Desta feita além da previsão dos requisitos formais para a qualificação das entidades da sociedade civil como organizações de interesse público ou organizações sociais foi 36 BRASIL DecretoLei nº 271 de 28 de Fevereiro de 1967 Art 17 caput e 2º 37 BRASIL Lei Federal nº 91 de 28 de Agosto de 1935 Art 3º Nenhum favor do Estado decorrerá do titulo de utilidade publica salvo a garantia do uso exclusivo pela sociedade associação ou fundação de emblemas flammulas bandeiras ou distinctivos proprios devidamente registrados no Ministerio da Justiça e a da menção do titulo concedido 26 garantida a destinação dos bens públicos38 Inclusive com a determinação da forma de permissão de uso ou permuta desses bens39 Com o estabelecimento do regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil e suas respectivas reformas previuse a doação de bens públicos para os respectivos entes desde que mediante a realização de prévio chamamento público40 Ademais garantiu as organizações da sociedade civil o reconhecimento do benefício independente de sua certificação de receber bens móveis considerados irrecuperáveis apreendidos abandonados ou disponíveis e que sejam administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil41 Também previu que mesmos os bens adquiridos com recursos financeiros envolvidos na parceria que podem ser decorrentes de aporte estatal ainda que necessários à consecução do objeto ao qual guarda uma natureza pública não se incorporassem ao mesmo podendo inclusive serem doados pela Administração Pública42 Vide portanto que a par da delegação legal ou negocial há o reconhecimento para que as sociedades civis que exercem sem fins lucrativos atividades de interesse público não apenas a atribuição formal de uso dos bens públicos mas inclusive a sua permuta ou alienação gratuita em razão da função coletiva que exercem À primeira vista isto poderia significar que a delimitação das fronteiras do domínio público se sujeite a uma perspectiva estritamente liberal de forma a restringir o alcance dos bens públicos e mitigar o seu regime jurídico em razão da atuação de sujeitos privados inclusive em garantia de sua titularidade sob eles Por um lado seria desconsiderar que o processo liberalizador abrange não apenas a privatização com a transferência de titularidade para os entes particulares mas envolve igualmente a ampliação da atuação do Estado no âmbito privado como por exemplo enquanto sócio de empresas43 Por outro negar que os contornos do domínio público 38 BRASIL Lei Federal nº 9790 de 23 de Março de 1999 Art 4 inciso V 39 BRASIL Lei Federal nº 9637 de 15 de Maio de 1988 Art 12 e 13 40 BRASIL Lei Federal nº 13019 de 31 de Julho de 2014 Art 19 41 BRASIL Lei Federal nº 13019 de 31 de Julho de 2014 Art 84B inciso II 42 BRASIL Lei Federal nº 13019 de 31 de Julho de 2014 Art II inciso XIII e Art 36 parágrafo único 43 PANIAGUA Enrique Linde La retirada del Estado de la sociedad Op cit p 37 27 abrangem também um processo de revalorização dos bens públicos de forma a adequálo a outras realidades como por exemplo o domínio público radioelétrico e a expansão dos bens culturais e ambientais que reforçam a importância da finalidade pública no que tange a titularidade de bens44 Reconhecer a necessidade de uma teoria construída para proteger os bens enquanto públicos não importa admitir uma proteção indiscriminada à título de preservação do coletivo mas a necessidade de perquirir quais são as fronteiras do domínio público e portanto dos bens que devem se sujeitar ao regime jurídico protetivo Envolve aduzir que os alicerces no qual foi construída a teoria vigente do domínio público são insuficientes para lidar com as transformações que se sujeitou a disciplina administrativa e portanto conduzem a um influxo de duas forças opostas que resultam em movimentos antagônicos mas complementares de ampliação e de redução das suas fronteiras Em um vértice a expansão do domínio público deve envolver diretamente a necessidade de redimensionálo de forma a abranger as atividades de prossecução do interesse público realizadas pela própria sociedade resguardando portanto os seus substratos materiais na medida em que ligados aos mesmos Nesse sentido vale notar que o Conselho de Estado em sua jurisprudência recente tem firmado uma tendência expansionista do domínio público com uma aplicação rígida do regime de direito público aos bens sob a titularidade estatal inclusive no que tange aos seus bens patrimoniais de índole privada45 Todavia não parece que o entendimento da corte siga o influxo da proposta de ampliação protetiva pois não se pretende ampliar o domínio estatal resguardando uma maior proteção às coisas sob a titularidade dos poderes públicos mas uma tutela para bens que exerçam uma função pública ainda que sem a titularidade estatal Tanto que têmse afirmado que tal rigor do Conselho de Estado gera uma condenação dialética ao instituto que ao revés de se adaptar às questões subjacentes na prática tem 44 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 437 45 GAUDEMET Yves El futuro del Derecho de las propiedades públicas Revista Andaluza de Administración Pública n 40 2000 p 17 28 mantido um endurecimento teórico embora sujeito a aplicação cada vez mais excepcional de soluções do regime comum ou civil46 Como dito não se afilia a noção de que a própria concepção de domínio público diante de tais transformações estaria fadada a sua extinção ou inutilidade mas que tais influxos no direito administrativo denotam as contradições do seu substrato teórico e impõe ajustes e correções necessárias ao tema Isto porque se por um lado demanda uma releitura da noção de domínio público para ampliar o seu regime protetivo sob outro prisma tornase necessário o estreitamento do domínio público para discutir a proteção dos bens que não exerçam um munus publico por não estarem ligados à ação estatal de satisfação das necessidades coletivas É inegável que a teoria do domínio público como máximo expoente da propriedade pública e construída sob a égide de um Estado Liberal tornase inadequada diante do influxo de um modelo de Estado Mínimo correspondendo tal regime um obstáculo pela sua rigidez para o desenvolvimento de vários institutos47 Tomese por exemplo as infraestruturas que encontram como um dos entraves para o seu desenvolvimento as limitações do domínio público produzindo muita das vezes conflito entre os prestadores privados de serviço público e os titulares dos referidos bens públicos no que tange a implementação dos equipamentos e redes imprescindíveis48 Tais problemas dentre outros apontam não apenas a inadaptação da teoria do domínio público para resolver questões contemporâneas mas impõe a discussão sobre uma atenuação ou flexibilização dos seus princípios capaz de permitir uma melhor gestão dos bens públicos pelo Estado49 Por esta razão não se limita tais transformações observadas na teoria do domínio público apenas no que tange a relação entre os bens públicos e os sujeitos privados mediante o descolamento da noção de público e estatal com resultante delegação legal negocial ou consensual da execução da atividade pública Envolve também a definição das fronteiras do 46 GAUDEMET Yves El futuro Op cit p 17 47 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 446 48 MARRARA Thiago Bens públicos domínio urbano infraestrutura op cit p 241242 49 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 447 29 domínio público no que tange ao próprio EstadoAdministração adequando as suas relações jurídicas que tem por objeto os bens públicos de forma às transformações que conduzem a um novo modelo de gestão do interesse público pela Administração Pública Neste sentido o processo de globalização não se identifica apenas com um processo de difusão do conhecimento ou de efeitos nas relações econômicas mas envolve a subsunção a vetores como eficiência e desempenho que impõem um complexo de transformações não apenas nas relações sociais e econômicas mas políticas e estatais50 Impõe a racionalização do emprego dos recursos disponíveis para a Administração Pública mediante a modernização de suas estruturas e o aprimoramento e qualificação de seus agentes capaz de permitir uma gestão responsável dos bens públicos e portanto maior celeridade economicidade e eficiência na prossecução do interesse público51 Neste tocante discutir as fronteiras do domínio público envolve verificar suas margens internas de forma a delimitar em que medida tais fenômenos alteram a relação dos entes órgãos e agentes públicos no que tange à gestão dos referidos bens permitindo e garantir uma ação administrativa efetiva na prossecução do interesse público52 Verificase portanto que a gestão responsável dos bens públicos envolve um processo de racionalização na sua gestão pelo poder público e portanto demanda uma modificação no perfil organizacional dos entes e órgãos que impõem um novo standard de atuação dos seus agentes53 que foi assimilado pelas reformas administrativas54 Neste sentido o domínio do público se sujeita a um processo de racionalização que não determina apenas apropriação privada ou transferência de sua titularidade a agentes 50 A sociedade de conhecimento que tem por eixo central a informação e as tecnologias de comunicação articula uma revolução expressa na globalização do capital na mediação das expressões culturais e na modelagem da política e da ação estatal de forma profunda com efeitos variados A abordagem será restrita àqueles que se correlacionam com o objeto do trabalho Sobre o tema vide CASTELLS Manuel A sociedade em rede a era da informação economia sociedade e cultura São Paulo Paz e Terra 1999 51 COUTINHO José Roberto de Andrade Gestão Patrimonial na Administração Pública Rio de Janeiro Lumen Juris 2004 p 3435 52 COUTINHO José Roberto de Andrade Gestão Patrimonial na Administração Pública Op cit p 3435 53 BEHN Robert D O Novo Paradigma da Gestão Pública e a Busca da Accountability Democrática in Revista do Serviço Público Ano 49 Num 4 OutDez 1998 p 7 54 Neste sentido a Emenda Constitucional 1998 preconizou o processo de profissionalização da Administração Pública em especial com a previsão de manutenção de Escolas de Governo para formação e treinamento dos servidores públicos artigo 39 2º de aplicação de recursos públicos para empregar no desenvolvimento de programas de qualidade e produtividade treinamento e desenvolvimento modernização do serviço público artigo 39 7º dentre outros BRASIL Emenda Constitucional nº 19 de 04 de Junho de 1998 30 privados como ocorre na privatização e despublicização mas à adequação efetiva de sua gestão pelo Estado à prossecução dos interesses públicos Esse fenômeno resulta na Administração Pública no movimento de subsidiariedade com utilização da iniciativa privada dotada de maior capacidade técnica e operacional para a prestação do serviço e gestão dos bens públicos e de especialidade com emprego de conhecimentos especializados na gestão eficiente dos bens e interesses públicos55 Deslocase portanto o eixo central da atuação administrativa concentrado antes em uma racionalidade procedimental e exteriorizado na observância à legalidade estrita e no controle prévio para o vetor desempenho de forma a aferir a gestão dos bens públicos de modo a avaliar o atendimento aos interesses que se propõem56 Tal processo determina que o espaço de atuação da Administração Pública adote a escolha dos meios que produzam os melhores resultados possíveis em atendimento do interesse público57 e portanto a atribuição de técnicas que permitam uma melhor gestão dos bens que compõem o domínio público Isso não significa ignorar que tal processo de racionalização que se sujeita a Administração Pública possa ser exclusivamente técnico uma vez que a persecução do interesse público se sujeita ao influxo de questões ideológicas econômicas e sociais que conduzem ao debate sob uma tentativa de neutralidade e interfere na questão da eficiência58 Porém independente das críticas ao fenômeno tanto o processo de racionalização quanto de privatização e despublicização representam paradigmas que impõem uma releitura dos institutos categorias e normas do direito administrativo e produzem efeitos na delimitação das fronteiras do domínio público Observase com os fenômenos um nítido deslocamento do público com o estatal na transferência da titularidade ou execução dos serviços e bens para entes privados e na 55 MOREIRA NETO Diogo de Figueiredo O Estado e o Futuro Prospectiva Sobre Aspectos da Instituição Estatal in A Reengenharia do Estado Brasileiro São Paulo Editora Revista dos Tribunais 1995 p 47 56 SOUTO Marcos Juruena Villela Desestatização Op cit p 434435 57 MOREIRA NETO Diogo de Figueiredo Legitimidade e Discricionariedade 3 ed Rio de Janeiro Forense 1998 p 2526 e 76 58 MEYNAUD Jean Problemas Ideologicos Del Siglo XX Barcelona Ariel 1964 p 362363 31 manutenção e o emprego racional apenas dos bens públicos considerados estratégicos ou essenciais para a persecução do interesse público Tornase difícil portanto sustentar um conceito estrito para o domínio público que o identifique com a titularidade estatal ou a sujeição plena a um regime jurídico de direito privado uma vez que na busca do melhor atendimento ao interesse público o Estado pode atribuir a coisa a entes particulares ou adotar formas do direito comum Por efeito o que se pretende não é um esvaziamento da noção do domínio público mas sua adequação às referidas transformações que permita garantir uma disciplina jurídica mais protetiva para os bens públicos independente da titularidade ou instrumento adotado pelo ente estatal Não obstante isso encontra como óbice a construção de sua teoria no século XIX e na sua perpetuação ainda na contemporaneidade à luz de uma centralidade na figura do Estado o que gera uma concepção equivocada de que o domínio público tem por fundamento a soberania ou do poder estatal Tornase necessário portanto perquirir se é possível ainda sustentar uma teoria do domínio público calcada sob a noção de puissance publique formada na ascensão do Estado Moderno há mais de dois séculos e sob a égide de um Estado Constitucional de Direito que reordena a relação entre o Estado e a sociedade A reconstrução das fronteiras do domínio público perpassa então pelo necessário debate do fundamento de sua teoria e a tentativa de deslocamento capaz de situar os bens públicos em um contexto que assumem outras titularidades e utilizam formas oriundas do direito privado O tema será tratado a seguir 12 O mito do fundamento do domínio público e a sua feição no Estado Constitucional de Direito do poder soberano aos deveres funcionais Uma das dificuldades no que tange a adequação da teoria do domínio público aos influxos das transformações na disciplina administrativa é a tentativa de sustentar ainda como o seu fundamento a noção de soberania que em uma visão tradicional representaria o poder exercido pelo Estado sobre as coisas em seu território Na literatura jurídica inúmeras são as concepções da soberania que ora se identifica com a titularidade de seu governante59 ora é tida pelos seus governados60 Pode ser vista enquanto elemento de ordenação das relações internacionais61 ou forma de legitimidade do ente público62 Porém todas parecem se ligar a uma noção de poder ainda que juridicizado Não se pretende abordar as críticas à vertente da soberania como poder absoluto seja com a construção de limites decorrentes de um direito natural como superior e anterior ao Estado63 seja com a desconstrução do monopólio normativo do Estado com o reconhecimento de outros sujeitos como grupos e associações64 Cabe verificar se a soberania em si e o poder público como sua decorrência é capaz de sustentar adequadamente na contemporaneidade uma teoria do domínio público tendo em vista também o seu redimensionamento em razão das transformações que igualmente se sujeitou o Estado Tratar do domínio pressupõe portanto o que parte da literatura estrangeira designa como uma desmistificação da sua teoria em razão da sua falta de unidade e coerência que conduz necessariamente a uma redefinição capaz de permitir a regulação do seu acervo à luz daquelas transformações65 Um dos mitos é que o domínio público tem por fundamento a noção de soberania ou poder público que permite atribuir ao Estado uma titularidade e o exercício sobre as referidas coisas públicas uma série de prerrogativas ou poderes no exercício da atividade administrativa Constróise para a propriedade pública um espaço amplo de decisão que não gera uma adequação aos ditames impostos pela ordem jurídica que demandam a 59 BODIN Jean Les six livres de la République Paris Librairie générale française 1993 60 ROUSSEAU JeanJacques O Contrato social São Paulo Martins Fontes 2000 61 KANT Immanuel A paz perpétua Porto Alegre LPM 2006 62 KELSEN Hans Teoría General Del Estado Mexico Editora Nacional 1959 63 DUGUIT Léon Soberania y Libertad Madrid Editora Beltran 1924 p 206210 64 LASKI Harold J El problema de la soberania Buenos Aires Editora Siglo Veinte 1945 p 1531 65 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 436 33 funcionalização das coisas e a própria finalidade da construção de uma disciplina própria voltada à finalidade pública Assim gera a idiocrasia por exemplo de sustentar que por ato formal a desafetação de bens públicos ainda que funcionalizados bem como que se adquira ou mantenha no acervo estatal coisas que não exerçam nenhuma finalidade pública sem que haja qualquer imposição para a sua alienação aos domínios privados ou afetação à alguma função coletiva Porém isto é decorrência não do instituto mas da própria natureza da disciplina administrativa onde constroemse mitos administrativos que traduzem na eleição de determinados conceitos capaz de se apoiar em uma perspectiva emocional ou não racional dos cidadãos e garantir um consenso sem uma efetiva discussão dos referidos institutos66 Tomese por exemplo a apontada supremacia do interesse público que embora possa traduzir uma aparente e salutável proteção do bem coletivo sua noção como princípio acabou sendo construído durante a ditadura militar67 e serviu como o fundamento para a doutrina da segurança nacional para sustentar o seu regime 68 Um dos mitos é a entidade multiforme chamada puissance publique que apesar de transvestida em uma noção jurídica enquanto poderes ou potestades atribuídas ao Estado com fins ao interesse público exerce um papel ideológico e quase místico ou religioso da ação estatal69 Com a idéia de que a puissance publique busca atender o interesse comum as instituições e agentes estatais pelos quais se manifestam o público acabam gozando de uma aprovação tácita para as duas decisões o que conduz não apenas a uma legitimação dos seus atos mas igualmente a garantia de obediência70 A Administração Pública acaba por simbolizar esse poder do Estado e por conseguinte esse clichê que se reforça pelo caráter ritualístico que é dado à ação administrativa pelo culto das formas a construção de uma hierarquia e o caráter de coercitividade da obrigatoriedade das sanções71 Enraízase tal noção de puissance publique de forma que é comum na literatura jurídica e na própria concepção comum considerar que o Estado é o poder público ou que a 66 DÉROCHE Henry Les Mythes Administratives Paris Dalloz 1966 p 17 67 MELLO Celso Antônio Bandeira de O Conteúdo do Regime JurídicoAdministrativo e seu Valor metodológico Revista de Direito Público v 1 n 2 p 45 outdez 1967 68 MEIRELLES Hely Lopes Poder de Polícia e Segurança Nacional Revista dos Tribunais São Paulo v 61 n 445 p 288289 Nov1972 69 DÉROCHE Henry Op cit p 17 70 DÉROCHE Henry Op cit p 19 71 DÉROCHE Henry Op cit 22 34 Administração Pública é o poder público72 e portanto que os seus institutos são a manifestação da soberania ou poder Isso ocorre com o domínio público que ao revés de se identificar como a teoria que busca dotar ou garantir para os bens públicos a realização de seus fins na satisfação das necessidades coletivas acaba sendo o regime que reafirma a autoridade estatal e o poder exercido sob as coisas Neste sentido embora originada no Absolutismo Real tentase transmutar tal noção de poder no Estado Moderno com a prerrogativa concedida à Administração Pública para vencer a resistência dos particulares e garantir os sacríficos necessários ao interesse público o que ensejará restrições necessárias73 Porém ainda que dotada de um caráter jurídico tais poderes ou prerrogativas chocam o sentimento jurídico moderno quanto a irresponsabilidade do Estado em determinadas atividades como o exercício ordinário da função legislativa ou judiciária ou a existência de atos discricionários não sujeitos a qualquer controle74 No que tange ao domínio público a construção de sua teoria à luz de uma puissance publique que coloca o Estado nessa posição privilegiada em relação às coisas públicas sob o qual tem a titularidade deve ser discutido diante da ascensão dos paradigmas de um Estado Constitucional de Direito Todavia na literatura nacional ainda se sustenta o domínio público como poder direto e especial do Estado exercido sobre os bens do seu acervo que junto ao domínio eminente permite atuar não apenas sob as coisas públicas mas qualquer propriedade privada dos particulares em seu território como decorrência da soberania estatal75 A própria expressão domínio público chega a ser utilizada às vezes para designar não apenas o acervo as coisas públicas supostamente sujeitas ao patrimônio do ente público mas aos próprios poderes espaços inapropriáveis e propriedades particulares sujeitos à soberania estatal76 Neste sentido a noção de soberania estatal corresponde ao elemento material da noção de domínio público sob a justificativa que tais bens se caracterizam por fazer parte do 72 ROUSSET Michel LIdée de Puissance Publique em Droit Administratif Paris Librairie Dalloz 1960 p 7 73 RIVERO Jean Droit Administratif 3 ed Paris Dalloz 1965 p 11 74 VEDEL Georges DELVOLVÉ Pierre Droit Administratif Op cit p 35 75 CRUZ Alcides Direito Administrativo Brasileiro 2 ed Rio de Janeiro Francisco Alves Cia 1914p 215 Para o autor não existe um domínio imanente do Estado sobre o domínio privado mas as condições a propriedade individual são a própria manifestação do exercício da soberania nas relações privadas que impõe restrição à autonomia individual em razão da necessidade social 76 CAETANO Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 830 35 território do Estado inclusive no que tange aos seus referidos bens acessórios ainda que destacáveis como as lanternas e bóias de um navio público77 Inegável que a formação da disciplina teórica do domínio público ocorre imediatamente após a ascensão do Estado Moderno e portanto se justifica pela necessidade de superar a monarquia e afirmar a soberania do ente público no que diz respeito a gestão do referido acervo de coisas O problema é que o debate na literatura jurídica ainda se move em torno da dogmatização da categoria de domínio público em um plano teóricohistoricista que se abstrai das profundas mutações que foram experimentadas pelo Estado na sua evolução e que alteraram o sentido e a funcionalização dos bens públicos78 A compreensão do domínio público como a manifestação do poder ou da soberania estatal impede que se reconheça por exemplo o particular que ocupa um bem público desfuncionalizado e a possibilidade de darlhe um fim social tal qual determina a própria Constituição Federal ao estipular o dever de funcionalização da propriedade sem distinguila As celeumas relativas aos bens públicos como a titularidade por entes privados a impossibilidade de sustentar um regime exclusivamente público a contraditória manutenção de coisas públicas desfuncionalizadas e a funcionalização por indivíduos envolve o enraizamento da noção de soberania Isto porque baseiase em uma noção tradicional e incompatível de soberania estatal enquanto potestade que se exterioriza na formação de uma teoria do domínio público que se infirma em um exercício do Estado sobre a sua propriedade como um poder jurídico análogo ao que ostentava sob as demais coisas79 Porém não é mais possível sustentar a construção moderna de soberania como um poder de comando absoluto que não se sujeita a limites exceto das leis divinas ou naturais e perpétuo já que fundamento da própria República que concede não apenas o monopólio da produção do Direito mas do exercício da coerção80 77 FOIGNET René Op cit p 196 78 ALFONSO Luciano Parejo Dominio Publico Un Ensayo de Reconstruccion de Su Teoria General Revista de Administración Publica Espanha Centro de Estudios Políticos y Constitucionales N 100102 EneroDiciembre 1983 p 2 79 Tal noção remonta ao próprio Direito Romano onde as conquistas militar tornavam os territórios adquiridos ao povo romano que podia fazer o aproveitamento máximo de todas as propriedades inclusive privadas através de variados instrumentos de cessão ager quaestorius ager trientalibus fruendus datus ager occupatorius e ager vectigalis concessão ou arrendamento ALFONSO Luciano Parejo Dominio Publico Op cit p 7 80 BODIN Jean Les six livres de la République Op cit p 111 36 Concebida como autodeterminação juspolítica plena a soberania não é mais sequer tida como um elemento essencial do Estado81 diante da formação de entes que declinam da soberania mediante uma razoável autonomia na organização políticajurídica desde que possam garantir simultânea identidade e segurança82 Assim se antes a soberania era elemento essencial para a afirmação do Estado Moderno ora acaba por assumir uma feição relativizada na contemporaneidade onde se assistem Estados com organização e meios políticos próprios não soberanos de modo que se tornam raros aqueles podem ser considerados efetivamente nacionais83 A soberania passa a corresponder portanto a um atributo específico do poder traduzindo em uma insubmissão de sua ordem jurídica a qualquer outra e no acesso à comunidade internacional de forma igualitária e sem subordinação à força ou diretrizes do Estado Estrangeiro84 Isso todavia não conduz a compreensão que no âmbito interno não haja a submissão a sua própria produção normativa ou que no âmbito externo não se sujeite à comunidade internacional através dos tratados firmados ou do ius cogens o que aponta que é um poder mitigado sujeito a limitações Adéquase à transformação do direito internacional no século XX onde a feição de soberania se transmuta de poder para autonomia dos povos e permite a reconstrução da comunidade internacional à luz de proteções garantidas em âmbitos mundiais que reforçam os constitucionalismos nacionais85 Os arbítrios dos Estados no exercício das suas soberanias em especial no que tange as guerras mundiais e os regimes totalitários ou autoritários apontam a necessidade de relativização do poder que envolve sua compreensão como expressão ordenada das forças na sociedade para a realização dos fins comuns86 O desenvolvimento da comunidade internacional e dos grupos supranacionais bem como a integração política jurídica e econômica importa em um estreitamento da plenitude do poder dos entes estatais inclusive no seu âmbito interno o que conduz a um esvaziamento 81 JELLINEK Georg Teoria General Del Estado Bueno Aires Editorial Albatros 1973 p 366367 82 MIRANDA Jorge Teoria do estado e da constituição Rio de Janeiro Forense 2002 p 218 83 JELLINEK Georg Teoria general do Estado Op cit p 367 84 Nesse quadro em que surge a soberania como a capacidade internacional plena é possível identificar Estados soberanos semissoberanos e não soberanos sendo os últimos aqueles que não integram a comunidade internacional organizada mas são sujeitos passivos das regras que necessariamente irão o reger MIRANDA Jorge Teoria do estado Op cit p 219230 85 FERRAJOLI Luigi A soberania no mundo moderno São Paulo Martins Fontes 2003 p 7 86 MOREIRA NETO Diogo de Figueiredo Teoria do Poder Sistema de direito político estudo juspolitico do poder São Paulo Editora Revista dos Tribunais 1992 p 17 37 da noção de soberania87 Tornase insustentável uma concepção restrita de soberania uma vez que há a presença de sujeitos internacional de direito privado como os conglomerados econômicos ou de direito público tal qual os órgãos internacionais que não atuam apenas em um território nacional mas também editam ou aplicam normas que sujeitam os referidos Estados Ademais com a consagração do sistema internacional de proteção dos direitos do homem se relativiza a noção de soberania88 inclusive no âmbito interno com a reordenação da relação de súdito e soberano para de Estado e de cidadão sujeito portanto a uma soberania limitada89 Há um nítido deslocamento do paradigma estatal para cidadão que demanda uma releitura da soberania não apenas como forma de submissão dos indivíduos voltada ao atendimento dos fins coletivos mas igualmente como sujeição dos entes públicos ao respeito e promoção aos direitos humanos fundamentais Assim se amoldam às transformações externas as mudanças produzidas no direito nacional uma vez que com a ascensão do Estado de Direito impõese ao sujeito soberano à vinculação a alguns paradigmas princípio da legalidade a separação dos poderes e os direitos fundamentais o que significa em certa medida a própria negação da soberania90 Há uma perda nítida no espaço de poder do Estado na medida em que ele é exercido de forma especializada entre órgãos separados de acordo com o próprio fruto da sua produção normativa e observado o procedimento legislativo em respeito aos direitos que são atribuídos aos cidadãos como igualmente forma de controle do arbítrio Desta feita verificase uma inegável tensão dialética entre soberania enquanto concentração e unificação do poder com constitucionalismo conquanto técnica de separação e equilíbrio de forma que a consagração do Estado Constitucional importa na redução dessa dimensão de poder absoluto evitando que seja arbitrário91 87 BOBBIO Noberto MATTEUCCI Nicola PASQUINO Gianfraco Dicionário de Política Brasília Editora Universidade de Brasília 1998 p 1187 88 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS Declaração Universal dos Direitos Humanos 10 de dezembro de 1948 Art 2 Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração sem distinção alguma nomeadamente de raça de cor de sexo de língua de religião de opinião política ou outra de origem nacional ou social de fortuna de nascimento ou de qualquer outra situação Além disso não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa seja esse país ou território independente sob tutela autônomo ou sujeito a alguma limitação de soberania 89 FERRAJOLI Luigi A soberania no mundo moderno Op cit p 43 90 FERRAJOLI Luigi A soberania no mundo moderno Op cit p 28 91 BOBBIO Noberto MATTEUCCI Nicola PASQUINO Gianfraco Dicionário de Política Op cit p 11851186 38 Note portanto que o Estado Constitucional de Direito produz vínculos não apenas formais relativas as exigências formais mas igualmente substanciais quanto aos condicionamentos materiais que produz a validade substantiva do ente público e conduz a um redimensionamento da noção de soberania 92 Propõese reduzir o campo de liberdade estatal pelos poderes constituídos na decisão pública em razão não apenas da submissão formal à sua produção legislativa mas ao respeito das escolhas fundamentais realizadas pelo titular do poder no âmbito da lei fundamental daquele Estado Isto porque veicula a Constituição um sistema de limites e vínculos jurídicos impostos aos poderes públicos que portanto esvazia a concepção tradicional de soberania enquanto um poder ilimitado e determina a nececssidade de sua análise à luz das transformações ao qual tem se submetido o Estado e o Direito93 Ao revés considerada a lei fundamental como um pacto que introduz não apenas a organização dos poderes mas igualmente o catálogo dos direitos fundamentais bem como os fins e objetivos a serem alcançados por aquele Estado a ação pública passa a ser conduzida não a partir da soberania como um poder absoluto Tal movimento se adéqua ao reconhecimento da força normativa da constituição com o rompimento da concepção da lei fundamental como um documento jurídico ou pedaço de papel cuja capacidade de regular a realidade subjacente depende da constituição existente ou dos fatores reais de poder dominante em um país 94 A idéia de uma constituição cuja eficácia dependia dos fatores reais além de negar a própria lei fundamental importava em considerar que a sua sujeição às forças políticas e sociais sem a força própria ordenadora da ação estatal resultava que os seus preceitos são um convite à atuação dos poderes públicos 95 Significava dotar o Estado de um poder de determinação no que tange a realização ou não daquilo previsto no pacto fundamental da sociedade o que na prática condiciona a eficácia da Constituição enquanto uma norma jurídica à decisão política de sua realização pelos poderes públicos No que tange ao direito administrativo isso é claro na questão do interesse público que acaba sendo um reduto de poder pela Administração Pública no que tange a definição e 92 FERRAJOLI Luigi A soberania no mundo moderno Op cit p 29 93 FERRAJOLI Luigi A soberania no mundo moderno Op cit p 29 94 HESSE Konrad A Força Normativa da Constituição Porto Alegre Sergio Antonio Fabris Editor 1991 p 9 95 HESSE Konrad A Força Normativa Op cit p 19 39 eleição de quais serão concretizados embora a própria Constituição Federal já determine as escolhas fundamentais cabendo um resíduo de liberdade apenas na forma Exteriorizase no domínio público a concepção de que ao Estado pode determinar não apenas quais bens são considerados como públicos mas igualmente definir que eles podem ser desafetados do interesse público e encaminhados ao fim privado ou mantêlos sem qualquer forma de afetação Isto não significa considerar que no Estado Constitucional de Direito não haja uma soberania estatal ou em alguma medida os poderes decorrentes para a Administração Pública mas que não se pode sustentálos de forma absoluta ou condicionar o cumprimento das escolhas fundamentais já tomadas pela Constituição A atribuição do status de norma jurídica à lei fundamental significa reconhecer um caráter conformativo atual de modo que embora não possa per si alterar a realidade social é capaz de atribuir tarefas ao ente público e outorgar não uma vontade do poder mas também uma vontade da Constituição 96 Tal vontade se exterioriza não apenas como limites aos poderes públicos mas como deveres de atuação para o Estado97 que impõe obrigações negativas e positivas no exercício da atividade pública de forma a concretizar os valores bens interesses e direitos veiculados pelas normas constitucionais Há portanto um redimensionamento da noção de soberania que passa a encontrar não apenas os limites formais exteriorizados pela ordem jurídica mas um condicionamento no exercício da ação pública pelo reconhecimento que há em determinados deveres impostos pela lei fundamental Isso significa admitir que no direito administrativo além da submissão ao princípio da legalidade em seu sentido formal como a necessária obrigatoriedade ou respeito à lei adstringese uma concepção material ou uma feição de legitimidade enquanto há compatibilidade com os fins e objetivos determinados pela Constituição No que tange ao domínio público importa que a aquisição gestão e alienação dos bens públicos devem ocorrer não enquanto uma manifestação de poder amplo como reafirmação da autoridade estatal mas tal qual um exercício de dever na concretização dos bens valores interesses e direitos veiculados pela lei fundamental Além do papel de redução do espaço do arbítrio desmedido e disforme do poder público significa o reconhecimento que a ordem jurídica não alcança a efetividade sem uma 96 HESSE Konrad A Força Normativa Op cit p 11 40 atuação estatal de modo que uma vez que cumpre tais tarefas também assume uma função no seu constante processo de legitimação 98 Extrair que o elemento ou categoria central da ação pública se desloca mediante a afirmação do Estado e das transformações políticas sociais e econômicas de uma noção do poder soberano de natureza eminentemente política para as funções ou deveres constitucionais dotados de contornos eminentemente jurídicos não é negar suas interfaces ou correlações Ao revés uma vez que se volta o ente moral enquanto criado para as finalidades do povo organizado em dado território em prol do atendimento das tarefas designadas pelo Direito com epicentro na Constituição reafirma a legitimidade de sua ação e redimensiona a soberania de forma a adequála as mutações apresentadas Poderia se apontar também que a crise do conceito de soberania decorre da própria afirmação dos Estados Democráticos e da consagração do pluralismo já que o Estado não representa mais uma unidade política na incapacidade de resolução dos conflitos internos ou de manter sua decisão nas relações internacionais99Isto porque o problema da soberania envolve em certa medida a rigidez do paradigma estatal onde há uma identificação entre Estado e povo quando a autodeterminação da sociedade pode ocorrer de forma não excludente com o poder público de modo autêntico e democrático100 Tal estreitamento reborda na gestão dos bens públicos que pode ser realizado igualmente pelos sujeitos privados inclusive a sociedade civil que pode afetar ou funcionalizar coisas aos interesses da coletividade o que torna inadequado sustentar um domínio público como estatal De fato isto é próprio da realidade social subjacente brasileira onde instituições privadas historicamente sempre exerceram funções públicas como a Santa Casa de Misericórdia na prestação de atividades de saúde pública seja com afetação de coisas estatais ou colocando a serviço da comunidade bens privados O paradigma do Estado Constitucional de Direito se liga ainda com as experiências democráticas erigindo uma concepção clássica de soberania ao reordenar a relação entre os indivíduos com os povos na sua vertente da cidadania e da própria sujeição do ente público aos organismos internacionais 101 97 HESSE Konrad A Força Normativa Op cit p 11 98 HESSE Konrad A Força Normativa Op cit p 1920 99 BOBBIO Noberto MATTEUCCI Nicola PASQUINO Gianfraco Dicionário de Política Op cit p 1187 100 FERRAJOLI Luigi A soberania no mundo moderno Op cit p 30 101 FERRAJOLI Luigi A soberania no mundo moderno Op cit p 31 41 Como será visto sustentar um domínio público como estatal ignora que determinadas coisas não se ligam à soberania de cada Estado mas exercem uma função perante a própria existência humana e portanto serão considerados bens públicos globais ou patrimônio da humanidade e ensejam a proteção da comunidade internacional Ademais sob uma concepção de cidadania global a própria tentativa de gestão dos bens públicos à luz do conceito tradicional de soberania ignora que mesmos os não nacionais devem ter acesso às coisas do domínio público sob a titularidade estatal uma vez que estão ligados a concretização dos seus direitos humanos fundamentais Tais vertentes do princípio democrático junto à própria vinculação a lei que sujeita a soberania igualmente ao princípio da maioria enquanto fruto daquela conformação legislativa e manifestação da titularidade do povo ainda que forma representativa redimensiona sua noção de poder absoluto para poder funcional 102 Sob tal viés de que o princípio democrático traduz ou amplia a dimensão de legitimidade do Estado Constitucional de Direito e portanto da relação entre Estado e indivíduos remodelando a concepção de soberania pretendese não analisar o fenômeno em si mas extrair o seu efeito A proposta é delimitar em que medida a jurisdicização do poder fenômeno ligado ao próprio constitucionalismo que teve um epicentro no Estado de Direito alcança a sua curva máxima com a consagração de um modelo constitucional que reconhece uma hierarquia formal e material a Constituição na sua vinculação dos poderes públicos Sustentar a dimensão funcional da ação estatal como forma de legitimar a própria atividade do ente moral e ser pressuposto para o alcance de suas tarefas é adequála a esse contexto históricosocial atual do Estado onde o debate se desloca de sua afirmação como ente soberano para a sua capacidade de lidar com questões econômicas sociais e afins103 Desse modo a idéia tradicional de soberania não se demonstra compatível com a noção de um Estado Constitucional de Direito e por conseguinte como fundamento para sustentar tal noção de domínio público não pelo menos como o conjunto de bens sob a titularidade do Estado ao que este exerce o seu poder soberano Ao revés sob uma ordem constitucional que racionaliza o exercício do poder mediante a partilha orgânica e funcional entre a harmonia dos poderes e a especialização funcional bem 102 FERRAJOLI Luigi A soberania no mundo moderno Op cit p 28 103 Envolve a desmonopolização do poder que é o enfraquecimento da soberania MOREIRA NETO Diogo de Figueiredo Mutações do direito administrativo novas considerações avaliações e controle das transformações Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado Salvador Instituto de Direito Público da Bahia n 2 Junjulago 2005 p 9 42 como consagra os bens valores interesses e direitos essenciais da sociedade o ente público antes de exercer poderes ou direitos desenvolve competências e deveres Demonstrase controverso sustentar perante um Estado Constitucional de Direito que o ente estatal mantenha sob os bens qualificados como público uma relação jurídica de poder ou de direito já que tais coisas correspondem ao substrato material para a realização daqueles bens interesses valores e direitos tutelados pela ordem jurídicoconstitucional Assim ainda é incongruente se apoiar na noção de soberania seja como um poder público ou como um direito oriundo deste ainda que transvestido como um direito público administrativo sob a alegação de que não é adequado o Estado exercer sobre as coisas do domínio público um direito de propriedade104 Isto porque poder público não se confunde com Administração Pública e a puissance publique não necessariamente coincide com a função administrativa mas corresponde a uma técnica específica de atuação da Administração Pública identificada com o princípio de autoridade em máxima intensidade105 Neste sentido ainda que se aceite essa técnica jurídica como um dos meios utilizados na atividade administrativa com fins de interesse geral essa escolha leiase com a utilização das prerrogativas e poderes não se pode realizar senão à luz dos fins ou das funções visadas e de acordo com o princípio da proporcionalidade dos meios em relação aos fins106 Não se desconsidere também que em diversos momentos a Administração Pública irá exercer melhor sua atividade mediante o abandono dessa técnica jurídica optando por um regime menos rígido para assegurar melhor atendimento do interesse público como os contratos privados107 razão pelo qual não se demonstra como um fundamento adequado Ademais como apontam os próprios autores que sustentam essa designação tratase de uma proposta de substituição da noção de um direito de propriedade pela de um direito sui generis108 que reforça o papel de um poder ou direito realizado sobre as coisas públicas quando se trata de um dever ou função sobre os bens públicos em prol da coletividade Note que não se refere à função como a administrativa ou seja os bens públicos enquanto meios materiais essenciais para a realização de tais serviços e atividades de 104 TAVARES José Os Princípios Fundamentais Op cit p 302 105 ROUSSET Michel LIdée de Puissance Publique em Droit Administratif Op cit p 3 106 WEIL Prosper Op cit p 101 107 VEDEL Georges DELVOLVÉ Pierre Droit Administratif Op cit p 36 108 TAVARES José Os Princípios Fundamentais Op cit p 302 43 persecução do interesse público que justificam dotar tais coisas dos elementos específicos e permitam integrálas portanto ao chamado domínio público109 Sob a égide de um Estado Constitucional de Direito tais interesses são qualificados pela lei em um sentido de juridicidade com epicentro na lei fundamental e a noção de função não significa a realização de um interesse público não delimitado juridicamente mas a concretização dos bens valores interesses e direitos constitucionais Neste sentido a construção de uma teoria do domínio público que se adéque a ordem jurídicoconstitucional vigente e as transformações da dogmática administrativa não encontra fundamento adequado em uma noção de poder advindo da soberania mas de deveres em razão das funções impostas ao ente incumbido Deste modo se ligam as transformações do direito administrativo estudadas a privatização despublicização e racionalização com a busca por um novo fundamento para a teoria do domínio público já que a mudança na titularidade dos bens públicos e do modo operandi de sua gestão demandam um paradigma capaz de abranger os novos sujeitos Assim podese relacionar a degeneração do conceito de soberania com este processo de despersonificação do público que conduz o Estado à delegação da execução de suas funções a outros atores sociais110 e portanto uma multiplicidade de sujeitos que exercem as atividades públicas Através da transferência de titularidade ou de delegação legal negocial ou consensual da gestão dos bens públicos as participações de outro sujeito público da iniciativa privada ou da sociedade civil demonstram a insuficiência para sustentar a soberania ou poder público como real fundamento do domínio público Uma teoria do domínio público que pretenda regular as coisas que façam parte do acervo público deve ser capaz de se adequar ao fenômeno de deslocamento do público com o estatal marcado pelos movimentos de degradação da noção de soberania e de ampliação da participação dos sujeitos privados nas coisas públicas Assim passase a fundamentação da teoria do domínio público da noção de titularidade de um Estado soberano capaz de exercer poderes sob a coisa pública em um regime exclusivamente de direito público para uma compreensão de que com a crise da soberania e as novas formas de gestão é a função que ordena a dogmática dos bens públicos 109 LAUCHAME JeanFrançois Droit Administratif 13 ed Paris Presses Universitaires de France 2002 p 630 110 HELLER Hermann La soberanía contribución a la teoría del derecho estatal y del derecho internacional Ciudad de Mexico Fondo de Cultura Económica 1995 p 89 44 Com o Estado Constitucional de Direito pretendese racionalizar o exercício do poder público às competências atribuídas pela ordem jurídica e portanto deslocar tanto a promoção das atividades públicas quanto a gestão dos bens públicos do paradigma absolutista de poder político para o parâmetro contemporâneo do dever jurídico Isto não é negar uma dimensão política ao poder estatal porém admitir que no Estado de Direito sua natureza encontra limites jurídicos nos fins consagrados da comunidade e portanto demanda igualmente uma dimensão jurídica pela sua incapacidade de subsistir sem que esta lhe atribua segurança111Mesmo que adotada uma concepção clássica onde a finalidade do poder público seja submeter à coletividade isso ocorre para a realização das funções da ordem jurídica de forma que o Estado se legitima na medida em que realiza esse dever jurídico afirmando a sua validez112 Também não é desconsiderar que o poder tem uma feição política mas na medida em que se organiza em Estado a sua realização progressiva é em forma de Direito113 e que o momento da juridicidade do poder não importa em conversão absoluta e definitiva em Direito mas que o conteúdo políticosocial se revela com forma ou modelo de natureza jurídica114 Delimitase o poder político do Estado através dos deveres jurídicos que conformam o arbítrio estatal à realidade das finalidades sociais que correspondem portanto ao fundamento último de toda ação pública em específico da atividade administrativa voltada à obrigação jurídica de realização desses interesses públicos qualificados em lei Por esta razão transmutase o fundamento do domínio público pela superação do mito de que o poder soberano legitima a teoria dos bens públicos para a compreensão de que são os deveres funcionais que justificam a construção de um regime protetivo para tais coisas no Estado Constitucional de Direito Isto significa reconhecer que os critérios adotados para delimitação dos bens que serão qualificados como públicos e irão integrar o domínio público não podem se basear na sua titularidade na figura do Estado Soberano mas guardar correlação com aquela função assumida pela coisa O tema será tratado a seguir 111 JELLINEK Georg Teoria general do Estado Op cit p 324 112 KELSEN Hans Teoría General Del Estado Op cit p 125126 113 REALE Miguel Teoria do Estado e do Direito São Paulo Saraiva 2000 p 116117 114 REALE Miguel Teoria do Estado Op cit p 141142 13 A insuficiência dos critérios dominantes na matriz romanogermânica e o elemento central do domínio público da titularidade estatal às gradações da função social As mutações sofridas pela ação administrativa mediante a ascensão de paradigmas como a globalização e o estado neoliberal privatização despublicização e racionalização produzem alterações no domínio público que não são capazes de sustentar uma teoria dos bens públicos voltada apenas à titularidade estatal ou seu regime jurídico Com o redimensionamento da ação estatal o Estado Constitucional de Direito passa a buscar fundamento não na soberania ilimitada do ente público mas nos deveres impostos pela consagração de bens valores interesses e direitos pela Constituição Sepultase então a compreensão de domínio público como um poder ou direito público administrativo Isso produz efeitos no que tange não apenas nas fronteiras ou fundamentos do domínio público mas na própria estruturação de sua teoria visto que não se torna possível sustentar critérios ou elementos determinantes que não se adéquem ao desenvolvimento do instituto à luz destas transformações do Estado e do Direito Neste sentido usualmente a literatura jurídica tradicional veicula que a teoria do domínio público é aquela construída a partir de elementos próprios dos bens públicos o que traduz em atributos específicos e portanto diferenças fundamentais distintivas do domínio privado e do regime do patrimônio particular115 Porém não é possível sustentar a existência de uma única teoria do domínio público já que conforme a família jurídica a sua matriz teórica e as próprias escolas de direito terão determinados traços distintos na formação de tal disciplina que portanto traduzirão em perspectivas distintas no que tange o domínio público Inegável portanto que a teoria do domínio público tal qual qualquer instituto administrativo assumirá diferentes feições conforme sua estruturação nas respectivas famílias 115 FOIGNET René Manuel Élémentaire de Droit Administratif Paris Arthur Rousseau Editeur 1898 p 195 46 46 jurídicas e importará na assimilação dos elementos gerais seja no regime comum do sistema administrativo anglosaxão ou na disciplina exorbitante romanogermânica116 Tendo em vista que a teoria administrativa brasileira filiase ao sistema da civil law e gravita em torno da matriz francesa117 destacase para análise tais teorias do domínio público porque há uma nítida preponderância de determinadas escolas que sustentam ainda que de forma concomitante um critério de titularidade na literatura pátria Isso não importa em ignorar as contribuições da literatura italiana quanto ao beni demaniali bem como do direito alemão com a sua tese de öffentlichen Sachen cujo tratamento dado a propriedade pública será verificado em momento oportuno quando da verificação da feição patrimonial que é dada à coisa pública Uma vez que há uma disparidade dos critérios utilizados para a delimitação do domínio público não pretendese uma análise pormenorizada das variadas teorias mas uma análise sistemática dos distintos elementos propostos para determinar o seu conteúdo118 de forma a afirmálos ou não perante as transformações já estudadas Sob tal viés podese reunir sobre determinada escola aqueles autores que tendem a centrar a noção de domínio público na titularidade de forma a fixar a natureza dos bens públicos à luz do sujeito das referidas coisas embora divirjam sobre os respectivos efeitos a saber se o titular exerce uma relação de poder ou de propriedade sobre as mesmas Identificando domínio público com estatal parte da literatura jurídica sustenta que o domínio público é aquele acervo sob a titularidade do Estado119 abrangendo neste caso tanto o acervo sob a Administração Pública Direta quanto a que compõe as pessoas de direito público por ela criadas como a Administração Pública Autárquica e Fundacional120 116 RIVERO Jean Curso de Direito Administrativo Comparado Op cit p 237 117 DI PIETRO Maria Sylvia Zanella O direito administrativo brasileiro sob a influência dos sistemas da base romanística e da common law Revista Eletronica de Direito Administrativo Salvador Instituto Brasileiro de Direito Publico n 8 novdez 2006 p 7 118 MARIENHOFF Miguel S Tratado de Derecho Administrativo Tomo V El Dominio Publico Buenos Aires AbeledoPerrot 1992 p 1213 119 HAURIOU Maurice Précis de Droit Administratif Paris L Larose Forcel Editeurs 1893 p 208 BASAVILBASO Benjamín Villegas Derecho Administrativo Tomo IV Dominio Publico Buenos Aires Editora Tipográfica Argentina 1953 p 105 120 MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro São Paulo Malheiros 1993 p 426 47 47 Quanto ao critério subjetivo é tradicional a noção de que bens públicos são aqueles que estão sob a titularidade do Estado de forma que ainda os bens de uso comum não seriam de titularidade seja de propriedade ou de uso da coletividade pois o povo não é titular de direitos enquanto o próprio Estado não os criem pela ordem jurídica121 O Conselho de Estado Francês portanto já aderiu a tal escola ao determinar que as coisas pertencentes às pessoas públicas formem o domínio público sob o qual o Estado exerce um verdadeiro direito de Propriedade122 e portanto a titularidade privada exclui os bens de tal domínio público123 Por efeito o que distinguiria os bens públicos de uso comum dos bens públicos de uso especial ou dominicais não seria a titularidade em si pois todos comporiam o acervo estatal mas a titularidade de uso ou seja o reconhecimento que aos primeiros é garantido à utilização imediata pela coletividade enquanto os outros não124 Tal noção de exclusividade do Estado parece compatível com aquela compreensão estrita de soberania e com um estreitamento da noção de persecução de interesse público pois se observada à existência de outros atores sociais internacionais e nacionais responsáveis pela ação pública que assumem a titularidade dos bens públicos parece insuficiente Não é capaz de sustentar de forma plena como há a existência de coisas privadas sob a propriedade estatal como os bens patrimoniais ou dominicais e de bens públicos sob a titularidade de pessoas privadas desde as empresas públicas até as reservas naturais em terrenos privados Como derivação alguns autores sustentarão o domínio público como formado não pelo acervo de bens do Estado para abranger todas as entidades jurídicopúblicas seja em um caráter territorial como nação províncias ou comunas125 seja para envolvêlas em um sentido institucional órgãos e pessoas derivadas126 121 REALE Miguel Direito Administrativo Estudos e Pareceres Rio de Janeiro Forense 1966 p 230 122 FRANÇA Conselho de Estado Arrêt Ville de Paris et Chemins de fer dOrléan16 de junho de 1909 123 Conselho de Estado Arrêt Association saint pie V et saint pie X de lOrléannaisne 19 de Outubro de 1990 124 MIRANDA Pontes de Tratado de Direito Privado Tomo II 4ed São Paulo Revista dos Tribunais 1977 p 155 125 LAUBADÉRE André de Traité Élémentare de Droit Administratif t 2 Paris Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence 1953 p 738 126 DIEZ Manuel María Dominio Público Buenos Aires Abeledo 1940 p 257 48 48 Persiste a dificuldade da criação de fronteiras rígidas e identidades plenas entre domínio sujeito e regime público que não se adéquam aos movimentos estudados de desconcentração do público como estatal que demandam a participação de outros sujeitos e a utilização de técnicas e meios da disciplina privada Poderia supor então que a celeuma não se trata do critério proposto mas do sujeito eleito e portanto que o elemento central do domínio público ainda seria a titularidade não identificada com o Estado mas com a própria coletividade o que permitiria abranger o verdadeiro sujeito das coisas públicas Sustenta parte da literatura que isto decorre da própria expressão domínio que significa utilização e público que deve se identificar com a própria coletividade pois seja diretamente pelo povo ou indiretamente a cargo do aparato administrativo onde cabe a exploração dos referidos bens públicos pela sociedade127 Sob tal entendimento há o equívoco de não considerar que há um domínio estatal formado pelas coisas que estão na titularidade do ente público como um domínio público embora não signifique que este se esgote naquele ou que não haja coisas públicas que estão sujeitas aos entes privados Ignora ainda que ao Estado é atribuído um acervo patrimonial próprio que não necessariamente é fruível de forma indireta pela coletividade já que os bens patrimoniais ou dominicais não apenas não estão afetados a uma finalidade coletiva como não há imposição para que assim o sejam Negar portanto que o critério de titularidade seja suficiente para sustentar uma teoria dos bens públicos não é considerar o domínio público formado por res nullius como coisas sem titularidade alguma o que admitiria a sua conversão em res privata a sua apropriação por qualquer indivíduo 128 Na literatura jurídica não é nova a noção de que há bens públicos embora sob a gestão do Estado sejam de titularidade do povo129 porém não é adequado considerar que o domínio 127 BERTHÉLEMY H Traité Élémentaire de Droit Administratif Paris Librairie Nouvelle de Droit Et de Jurisprudence Arthur Rousseau Éditeur 1900 p 273 128 BIELSA Rafael Derecho Administrativo y Ciencia de La Administración 2 ed Tomo II Buenos Aires J Lajoulane Cia Editores 1929 p 157 129 MARIENHOFF Miguel S Tratado Op cit p 6 49 49 público é formado apenas por tais coisas públicas que não pertencem ao homem de forma individualmente considerada como faziam os romanos130 Assim em um sentido o domínio público se confundiria com a titularidade exercida de forma difusa pelo povo e não sobre todos os bens públicos mas como as chamadas coisas públicas ou bens naturais que pertenceria a todos e a cada um e portanto guardariam uma natureza coletiva de tutela do Estado e singular da fruição individual É forçoso reconhecer a procedência da crítica que aponta a pouca praticidade dessa distinção pois considerar que bens públicos são aqueles de propriedade da coletividade é afirmar que estão em igual medida na titularidade do Estado já que o ente é a organização de dado povo em dado território e em certo momento para atingir determinados fins131 Desse modo tão equivocado quanto sustentar um critério da titularidade sob a figura estatal será igualmente supor que é suficiente considerar a própria coletividade ainda mais que com o fenômeno da delegação legal negocial ou consensual não se resolve a questão pois tais coisas não estarão na titularidade da sociedade mas de alguns sujeitos Alguns em razão dessa celeuma preferem deslocar o debate do elemento central da teoria do domínio público do sujeito e a respectiva titularidade na coletividade ou no ente estatal para o objeto da natureza da coisa embora resulte apenas em uma ficção jurídica já que ainda se liga aos referidos entes Isto porque o domínio público seria formado pelos chamados bens administrativo necessários à execução do serviço público que fazem parte do aparelho administrativo e os bens da Administração Pública como aqueles de uso comum ou dos serviços públicos prestados à comunidade132 Pretendese delinear a existência no domínio público de um conteúdo que abrange o acervo patrimonial do Estado um domínio estatal de outro conjunto de bens da própria sociedade um domínio coletivo que perde a sua relevância quando sustenta que o Estado sobre ambos possui direitos reais133 130 SALEILLES Raymond Le Domaine PublicRome Op cit p 56 131 MARIENHOFF Miguel S Op cit p 6 132 LIMA Ruy Cerne Princípios de Direito Administrativo 5 ed São Paulo Revista dos Tribunais 1982 p 77 133 LIMA Ruy Cerne Op cit p 77 50 50 Ademais insistese em construir uma teoria do domínio público cuja preocupação se liga ao titular da coisa ou a sua natureza quanto às mudanças de titularidade enquanto o regime dos bens públicos importam em uma necessidade de eleição de um critério capaz de lidar com essas mudanças Poderia então considerar que haveria um domínio público geral formado pelos bens que são insuscetíveis de aquisição privada e constituem o domínio propriamente público daquele chamado especial formado pelos bens que embora possam ser adquiridos pelos particulares fazem parte do patrimônio do Estado134 A problemática de tal concepção é parecer ocorrer uma identificação clara do domínio propriamente público com os bens de uso comum ou geral do povo e do domínio especial com os bens de uso especial que transveste novamente a utilização do critério de titularidade para definição dos referidos campos Tal confusão do objeto com a titularidade ocorre também para quem considera como domínio público o acervo patrimonial formado pelo conjunto de bens móveis e imóveis da Administração Pública que destina a sua utilidade comum excluídos os incorpóreos sejam os bens naturais ou as rendas do crédito público135 Tal noção estreita a compreensão do domínio público ao estatal em seu sentido material ao identificar a expressão domínio com patrimônio e portanto exclui uma parcela pública não estatal que seriam os bens naturais assim como os bens imateriais que compõem o acervo estatal como os créditos financeiros Por esta razão alguns autores vão sustentar que o domínio público é formado não apenas pelos bens do Estado mas também por aqueles que embora não façam parte do seu acervo patrimonial se destinam à coletividade Sejam de natureza apropriável ou não como as praças públicas ou o ar136 134 CRUZ Alcides Op cit p 204 135 MENEGALE J Guimarães Direito Administrativo e Ciência da Administração 2 ed Rio de Janeiro Editora Borsoi 1950 p 7 136 CRETELLA JÚNIOR José Dicionário de Direito Administrativo 3 ed Rio de Janeiro Forense 1978 p 204 CARVALHO FILHO José dos Santos Manual de Direito Administrativo 27 ed rev atual e ampla São Paulo Atlas 2014 p 1154 51 51 Formase para sustentar um critério objetivo uma distinção entre domínio público natural e artificial que parece dotar os últimos de uma feição similar da propriedade privada o que aparenta inadequado já que sob ambos incidem todos os caracteres como a indisponibilidade do regime jurídico de direito público Alguns situam o critério objetivo em uma concepção estrita da natureza material a saber a insuscetibilidade que possuem determinados bens para sua aquisição como propriedade privada em razão de sua própria natureza física o que não impediria todavia a exploração por aqueles137 Neste caso inexiste espaço para a Administração Pública determinar que dado bem componha o domínio público ou possa ser destinado ao regime privado em razão da classificação de seu acervo da afetação a um destino coletivo ou a previsão legal pois há um limite factual da própria substância da coisa como os mares as montanhas e afins138 Note que não parece suficiente em nenhuma das teorias propostas a alegação da natureza da coisa como critério para formação do domínio público já que a sua qualidade material não é capaz de ser elemento que o especifique uma vez que sobre bens idênticos podese exercer uma propriedade privada139 Considere as próprias coisas naturais que embora a primeira vista possam parecer que em razão de sua materialidade seriam bens públicos o próprio ordenamento jurídico as distingue de forma que por exemplo a água possa ser um bem público como os mares lagos ou lagoas140 ou um bem privado como as águas correntes e nascentes em terrenos privados141 Não é portanto a natureza da coisa que será capaz de qualificála como bem público e servir como elemento central do domínio público mesmo quando demonstre uma aptidão 137 FOIGNET René Op cit p 196 138 René Op cit p 196 139 Em igual sentido TROTABAS Louis Manuel de Droit Public Et Adminsitratif 6ª edição Paris Labrairie Générale de Droit Et de Jurisprudence 1948 p 135 140 BRASIL Decreto Federal nº 24643 de 10 de Julho de 1934 Art 2º São águas públicas de uso comum a os mares territoriais nos mesmos incluídos os golfos bahias enseadas e portos b as correntes canais lagos e lagoas navegáveis ou flutuáveis c as correntes de que se façam estas águas d as fontes e reservatórios públicos e as nascentes quando forem de tal modo consideráveis que por si só constituam o caput fluminis f os braços de quaisquer correntes públicas desde que os mesmos influam na navegabilidade ou flutuabilidade 141 Decreto Federal nº 24643 de 10 de Julho de 1934 Art 8º São particulares as nascentes e todas as águas situadas em terrenos que também o sejam quando as mesmas não estiverem classificadas entre as águas comuns de todos as águas públicas ou as águas comuns 52 52 material para servir a coletividade como as coisas naturais mas na medida em que de fato possa ser afetada para o atendimento às necessidades públicas No exemplo citado as nascentes e as águas em terrenos particulares em regra são tidas como bens privados na medida em que não são necessárias para atender ao interesse público pois havendo a demanda para a satisfação desse interesse será garantido a sua finalidade comum pelo acesso obrigatório142 ou até a desapropriação se oportuno143 Uma vez que o elemento central do domínio público pareça ser a sua adequação às necessidades coletivas alguns autores preferem sustentar que os bens serão portanto tidos como públicos na medida em que houver tal afetação ou seja o próprio ordenamento jurídico determinar à coisa uma função pública A dificuldade de se adotar esse critério formal para o domínio público ao menos em um vértice estritamente positivonormativo decorre de como os autores que os sustentam considerem que compete apenas à norma jurídica atribuir a qualidade de público aos bens mediante a determinação do seu destino e titularidade pública144 Assim em sentido oposto a escola que sustenta um elemento objetivo as coisas por si só não são públicas mas dependem de uma qualificação por lei que seja capaz de atribuílas de forma legal ao domínio de uma pessoa jurídica de direito público o que resultaria na sua subtração do campo da aquisição privada145 Neste sentido domínio público seria uma técnica que atribui a titularidade ao ente estatal sob os bens comuns e portanto a relação jurídica que diante da afetação coletiva impõe a obrigação ou o seu dever de atuação pública na guarda e proteção146 porém esbarra em algumas questões 142 BRASIL Decreto Federal nº 24643 de 10 de Julho de 1934 Art 34 É assegurado o uso gratuito de qualquer corrente ou nascente de águas para as primeiras necessidades da vida se houver caminho público que a torne acessível 143 Decreto Federal nº 24643 de 10 de Julho de 1934 Art 32 As águas públicas de uso comum ou patrimoniais dos Estados ou dos Municípios bem como as águas comuns e as particulares e respectivos álveos e margens podem ser desapropriadas por necessidade ou por utilidade pública 144 LANZIANO Washington Estudios de Derecho Administrativo Montevideu Editora da Universidade da República 1993 p 105 145 CAETANO Marcello Manual de Direito Administrativo Tomo II Rio de Janeiro Forense 1970 p 814 146 ALFONSO Luciano Parejo Dominio Público Op cit p 38 53 53 Novamente domínio público e titularidade estatal se confundem de forma que os bens serão propriamente públicos quando houver disposição normativa legal ou regulamentar que os integrem a organização administrativa já que a afetação à finalidade coletiva por si só importaria somente no reconhecimento dos bens como de utilidade pública147 Demonstrase inadequado sustentar que é a natureza das coisas que as dotam de caráter público de igual postura Não se pode negar que determinadas coisas de fato de forma natural exercem uma finalidade coletiva e portanto independem de qualquer atribuição por um ato formal estatal Há de se reconhecer que o domínio público não é um conceito imutável mas variável ao logo do tempo e do espaço148 e que não é a natureza em si de determinadas coisas que lhe dão o caráter público mas algumas a sua materialidade que permite enquanto as conservarem e forem capazes de atender a uma necessidade coletiva guardar uma destinação pública Seria incongruente admitir que se o ordenamento jurídico não consagrasse por ato formal por exemplo o ar ou os mares como bens públicos tais coisas não estariam afetadas a uma finalidade pública ou seriam passíveis de apropriação privada de um sujeito em relação à coletividade o que ignoraria os limites do Direito na conformação da realidade subjacente Ademais gera a dificuldade que será estudada de se sustentar coisas que embora tenham sido afetadas formalmente para exercerem uma finalidade coletiva uma vez que não exercem mais a função pública continuam sendo consideradas como bens públicos mesmo desafetadas materialmente o que impede seja dada outra finalidade social como moradia Inegável que atribuir ao acervo do domínio público os bens que estão sob a titularidade estatal mas sem afetação material à finalidade pública é não apenas identificar o público com o estatal mas considerar que o estatal pode não ser público a saber que o ser moral criado para finalidades coletivas pode titularizar relações jurídicas sobre coisas que não o servem 147 WALINE Marcel Précis de Droit Administratif Paris Éditions Montchrestien 1969 p 283 148 RANELLETTI Oreste Concetto Op cit p 160 54 54 Sob tal viés poderia se sustentar então que o critério teleológico considerando o domínio público como o acervo formado pelos bens destinados estritamente à finalidade pública é atribuído ao ente público em razão da revolução liberal e a afirmação ao Estado de Direito149 Uma vez que se ligaria aos interesses da coletividade o domínio público demandaria o uso público direto pelo grupo social por cada um dos seus associados sem que todavia fosse passível de apropriação privada por qualquer um dos sujeitos de forma singular naquela sociedade150 Para tais adeptos não bastaria para caracterizar o domínio público à afetação do bem a finalidade pública mas a sua destinação imediata à coletividade o que resultaria em uma confusão entre o domínio público e estatal determinando a fruição ou uso direto de todas as coisas públicas Assim não teria natureza de bens públicos as coisas que não tivessem uso imediato ou direto de forma que os cidadãos só pudessem aproveitar de maneira abstrata indivisível e coletiva como as fortalezas e os navios de guerra tal qual dispunha o próprio Código Civil Português de 1567151 Outrossim alguns deles sustentam que a própria distinção entre o domínio público e o privado do Estado encontrase superada pela inerente factualidade já que é difícil identificar quais bens públicos não estejam direta ou indiretamente afetados pelo uso público e portanto no domínio da coletividade152 Parece equivocado supor que todos os bens estatais estão afetados a uma finalidade pública a ponto de consideralos como integrantes do domínio público já que ainda sustenta se a existência de bens patrimoniais ou dominicais sem qualquer destinação ou função no interesse da coletividade 149 FOUCART EmileVictor Éléments de Droit Public et Administratif Tomo II Paris Videcoq Pere Et Fils LibrairesÉditeurs 1843 p 5 150 BIELSA Rafael Derecho Administrativo Op cit p 156 151 PORTUGAL Lei de 1 de Julho de 1567 2 ed Lisboa Imprensa Nacional 1868 Art 380 São públicas as coisas naturais ou artificiais apropriadas ou produzidas pelo Estado ou corporações públicas e mantidas debaixo de sua administração das quais é lícito a todos individual ou colectivamente utilizarse com as restrições impostas pela lei ou pelos regulamentos administrativos 152 GORDILLO Agustín Tratado de Derecho Administrativo Y Obras Selectas Tomo 91 ed Buenos Aires FDA 2014 XVII1 e XVII2 55 55 A partir disso outros consideram o domínio estatal um regime patrimonial tal qual dos particulares e sujeitas à disposição de modo que a sua afetação ao uso coletivo pela autoridade administrativa o converteria em domínio público tal qual a desafetação de alguns bens o conduziria ao acervo privado do poder público153 Porém igualmente como será visto é um contrassenso que o Estado pode ser dotado de um acervo patrimonial como se sujeito privado fosse já que enquanto ente moral é criado para exercer determinadas finalidades coletivas e os bens que utiliza devem ser os meios materiais para perseguir tais objetivos Além disso a distinção não explica portanto se não cabe a titularização pelo Estado qual seria o destino dos bens do domínio público sendo insuficiente enunciar tratarse de res nullius Pois se assim o fosse caberia a sua conversão em bens do domínio privado através da apropriação por qualquer indivíduo154 Alguns consideram que não necessariamente há obrigação de afetação direta dos bens públicos a tal finalidade coletiva de forma que compõe o domínio publico os bens materiais que servem ao Estado para a realização de suas atribuições ainda que de forma indireta ou imediata155 Porém não contribui tal proposição na definição do caráter público dos bens porquanto esteja sob a destinação imediata ao uso da coletividade ou a utilização indireta pela Administração Pública ambos estão sob a finalidade pública e portanto se inserem ou deveriam no domínio público Note que o critério da afetação proposto não é qualquer função social mas uma função administrativa em si já que abrangeria apenas os estabelecimentos públicos ou entes ligados à organização administrativa156 ou ao serviço público157 De forma que não abrangeria as atividades privadas exercidas pelos chamados estabelecimentos de utilidade pública Assim retornase a celeuma de que teria natureza pública o bem que compõe o acervo estatal enquanto àquele que é de natureza privada dependeria do reconhecimento de forma 153 FOUCART EmileVictor ÉlémentsTomo II p 56 154 BIELSA Rafael Op cit p 157 155 FRAGA Gabino Op cit p 449 156 DUCROCQ M TH Cours de Droit Administratif Op cit p 574 157 FOIGNET René Op cit p 197 56 56 discricionária de tal finalidade pelo próprio Estado que o classificaria como um bem de utilidade pública158 Não é incomum algumas teorias utilizarem como critério do domínio público os seus efeitos considerando que os bens públicos são aqueles dotados de um regime jurídico especial protetivo o que se aproxima das teorias formalistas já que caberia ao ordenamento jurídico determinar um ou outro159 Não parece que sejam os efeitos incidentes sobre determinadas coisas capazes de atribuir a elas uma natureza pública pois seria admitir que um prédio uma vez qualificado como público seria indisponível enquanto uma montanha ou mar se não fosse pelo ordenamento jurídico atribuído uma disciplina pública poderia ser apropriada Em razão das insuficiências dos critérios propostos a literatura jurídica de forma dominante tenta solver a questão apontando a reunião dos elementos subjetivos a titularidade do Estado objetivos de bens naturais e artificiais teleológicos a destinação à função pública e normativos ou formais a submissão à um regime jurídico de direito público160 Todavia mantêmse todas as celeumas quanto à titularidade em entes privados a existência de objetos que são públicos não em razão da sua natureza o reconhecimento da afetação não apenas à função administrativa e o atendimento ao interesse público por coisas não qualificadas pela lei com atributos próprios independentes da disciplina normativa Embora se fundam em distintos critérios todas as teorias propostas apresentam um estreitamento da noção de público com o de estatal já que seja em razão da sua titularidade da natureza das coisas do ato de afetação e do regime decorrente bem como da finalidade pública que acabam por centrarse na figura do Estado Ademais encontra o óbice de tentar formular uma teoria que delimite um domínio público embora se incluam sob o respectivo título determinadas de coisas que parecem se 158 WALINE Marcel Op cit p 283 159 MARIENHOFF Miguel S Tratado de Op cit p 11 160 MALLOL Manuel Ballbé Concepto de dominio público Revista Jurídica de Cataluña n 5 1945 Barcelona p 6573 57 57 amoldar eminentemente de forma mais adequada a um regime privado ou ao menos uma disciplina mista Assim o critério titularidade parece insuficiente quando os bens afetados estão sob a titularidade de pessoas jurídicas de direito privado A distinção pela natureza incapaz de explicar objetos que materialmente não tem destino público e o requisito finalidade não solve os bens patrimoniais desafetados da Administração Pública Sustentar que o domínio público é formado pelo conjunto de bens jurídicos à semelhança daqueles que compõem o patrimônio privado que se singularizam em razão do seu titular o Estado ou do seu regime jurídico com a afetação pública e as respectivas restrições não é mais base suficiente para a construção de um instituto exclusivamente administrativo161 Com as transformações que se sujeitou a disciplina administrativa é inegável que haja determinadas coisas que mesmo sem a titularidade estatal ou a atribuição de uma qualificação ou regime próprio exercem uma finalidade de interesse coletivo e portanto devem ser protegidos pela sua função pública Nesse sentido parece insuficiente considerar que a expressão domínio público se refira exclusivamente ao domínio estatal162 se considerarmos que sob tal rótulo incluímos os bens dominiais que guardam feições de bens privados ou incluir na concepção as pessoas jurídicas privadas criadas pelo Estado com seus respectivos patrimônios Por outro lado pode se considerar o regime jurídico de direito público a partir de seus efeitos principais como a inalienabilidade e a impenhorabilidade Porém tornase forçoso sustentar tal critério diante da existência dos bens dominiais ao qual por própria força da lei admite a sua disposição onerosa ou gratuita163 Todavia utilizar mesmo assim como critério distinto apenas os bens dominiais e não os patrimoniais a concessão de regramento especial para uma especial proteção do acervo 161 ALFONSO Luciano Parejo Dominio Público Op cit p 15 162 SCAGLIUSI Maria de los Ángeles Fernández La necesaria reformulación del concepto de dominio público en el ordenamiento jurídico español Lecciones y Ensayos nº 93 2014 p 95 163 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 101 Os bens públicos dominicais podem ser alienados observadas as exigências da lei 58 58 composto pelo domínio público garantindo a finalidade pública ao qual exercem164 é ignorar que aos bens que exercem uma função social prevêse uma disciplina própria Dessa feita por exemplo podese citar as limitações administrativas que incidem sobre a coisa privada para adequála ao interesse público bem como o tombamento para aqueles bens de natureza cultural que fazem incidir regramento de direito público com restrições no uso e disposição da propriedade que às vezes transvestem uma conversão tácita em pública165 Parece que se perdeu a própria origem científica da expressão domínio público na matriz romanogermânica que foi primeiramente utilizada para singularizar as restrições as quais se sujeitam uma coisa que tem destinação pública daquelas que exercem ou devem se adequar respectivamente à uma função social 166 Note portanto que a expressão não foi cunhada para sustentar uma fronteira rígida entre o público e o privado reconhecendo que os referidos bens se sujeitassem a elementos diferentes mas ao contrário buscava formar uma gradação ou escala da utilidade pública a qual ambos se situem167 Isto porque se tanto o bem público quanto privado se submete a uma função pública não é meramente o critério teleológico uma afetação que será capaz de distinguir o campo do domínio público do privado mas à medida que tal se realiza como uma adequação ou uma destinação ao atendimento das necessidades coletivas Nesse sentido em uma primeira vista o critério de afetação poderia ser capaz de sustentar uma distinção efetiva para delimitar a natureza dos referidos bens jurídicos mas os bens privados se sujeitam a uma adequação e a uma função social enquanto os bens públicos são aqueles destinados a sua realização Note portanto que não se trata da afetação em si o elemento central de uma teoria do domínio público uma vez que tanto os bens públicos e privados devem se adequar ao 164 OYARZÚN Santiago Montt La administración del Estado y los bienesOp cit p 272 165 HEINEN Juliano Limitações administrativas e o conteúdo econômico da propriedade uma desapropriação à brasileira Revista de Direito Administrativo Rio de Janeiro v 260 p 133181 maioago 2012 p 178179 166 PARDESUS JeanMarie Traité des Servitudes ou Services Fonciers Op cit p 73 167 JeanMarie Traité des Servitudes ou Services Fonciers Op cit p 73 59 59 interesse público mas a função social que exerce a referida coisa ou seja em que medida ela se submete a um fim coletivo ou busca realizálo O Conselho de Estado Francês já aderiu à teoria funcionalista ao determinar que exercendo a coisa um uso público no caso um cemitério ainda que supostamente esteja sob uma titularidade privada encontrase no acervo dos bens que compõem ou lappartenance ao domínio público168 Neste sentido será a gradação da função pública169 que irá distinguir os bens públicos e privados e portanto as fronteiras do domínio público que não se liga necessariamente com a titularidade mas em que medida a coisa não busque se adequar com isso promover o interesse público Tal gradação que irá distinguir por exemplo uma servidão administrativa de uma desapropriação indireta à medida que há apenas a adequação da propriedade privada a uma atividade pública como uma passagem de terminal elétrico ou a sua própria utilização para realização do serviço público como a necessidade de instalação de central elétrica Em ambas há uma nítida afetação a uma finalidade pública o que as distingue quanto à natureza pública do bem que não é a titularidade já que ambas estão sob título formal privado mas que enquanto a primeira conserva um espaço de autonomia de vontade restringida pela função pública na segunda a sua ação já se volta à realização do interesse público Assumir que o critério central do domínio público não deve ser a afetação à finalidade coletiva como ato formal e normativo mas a função pública assumida pela coisa no atendimento as necessidades públicas não significa negar o papel exercido pelo Estado na res publicae e tão pouco que ela possa decorrer também de um ato administrativo Porém admitir que além das coisas que exerçam uma função pública sob a titularidade do Estado há outras que independente da afetação formal ou do comando do sujeito estatal também atende as necessidades coletivas que ensejam igualmente a proteção pela ordem jurídica 168 FRANÇA Conselho de Estado Arrêt Márecar de 28 de junho de 1935 169 PARDESUS JeanMarie Traité des Servitudes ou Services Fonciers Op cit p 73 60 60 Sob tal viés tornase necessário verificar se pode sustentar junto a um domínio público estatal cujos bens estão diretamente a serviço do ente público outro domínio público que não esteja sob a sua titularidade e portanto importará em questões como a aplicação da própria disciplina normativa O tema será tratado a seguir 61 61 14 A reconstrução do tema à luz da função social o reconhecimento de um domínio público não estatal e um domínio público humanitário A tentativa de delimitação no critério da titularidade seja propriamente dito de forma transversa com a natureza dos bens do regime da afetação ou da sua combinação com estes como um elemento central da teoria do domínio público tornase insuficiente diante das transformações observadas na contemporaneidade Com os fenômenos de privatização e despublicização da ação administrativa e o redimensionamento da soberania estatal há um descolamento da noção de público e privado que demandam a construção de uma teoria capaz de lidar com os novos atores sociais e as formas adotadas na persecução do interesse público Porém tais insuficiências não importam que a expressão domínio público seja vaga ou imprecisa por abranger sujeitos variados Estado coletividade e indivíduos ou que por isso deva continuar a ser um rótulo de poder de dominação do Estado sobre todos os bens em seus territórios que legitime tais relações com a coisa pública A problemática não parece se situar no âmbito da linguística encerrando uma questão semântica acerca da designação adotada mas no domínio da ciência jurídica onde se insiste em reunir em apenas uma expressão um conjunto de regulações normativas e categorias jurídicas que não se amoldam em apenas uma identificação O domínio público é apontado como uma determinada técnica jurídica capaz de legitimar por parte do Estado uma disciplina jurídica que consagre alguns caracteres e permita certas posições ao ente estatal de forma a proteger determinadas coisas consideradas como bens públicos 170 Por efeito tentase propor uma categoria jurídica e por conseguinte reunir sob uma única regulação normativa na figura do domínio público os bens naturais e artificiais apropriáveis e inapropriáveis afetados e desafetados ao interesse público inalienáveis e alienáveis sob a titularidade propriedade ou concessão pelo Estado171 170 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 463 171 CURIEL P Brufao Las concesiones de aguas en Derecho español en Poder Judicial Poder Judicial n 37 1995 pp 2354 62 62 A tentativa de unificação de domínio público em uma única teoria é artificial já que a criação de uma teoria geral comum para bens jurídicos ignora que tais coisas não possuem as mesmas características não se submetem aos mesmos efeitos e estão sujeitos a disciplinas legais específicas distintas172 Tal questão gera um efeito prático de produzir uma superregulação para alguns desses bens que impede a Administração Pública gerilos de forma adequado nas suas atividades173 como os bens dominicais que embora adequados melhor ao regime privado acabem se sujeitando às restrições da disciplina pública Por efeito inexiste um sentido inequívoco de tal designação que assume feições distintas nas matrizes romanogermânicas e anglosaxão bem como igualmente tem conteúdo controverso nas variadas construções teóricas que buscaram dotála de feições próprias ainda que possa se identificar em nossa família um elemento e uma exclusão comum A plurissignificância que o domínio público encontra na literatura jurídica não aponta incerteza sobre seu conteúdo mas também a existência daquela variedade de teorias que buscam delimitar em um único conceito uma diversidade de regimes jurídicos e na realidade demanda a necessidade de tornar plural a sua expressão Isso significa afastar a expressão domínio público da noção estrita de domínio estatal enquanto uma fórmula simplista e idéia generalizada na literatura jurídica nacional de que bens públicos são os que pertencem ao Estado que pode através da norma jurídica atribuir à comunidade a titularidade de uso de alguns deles174 Parece adequado ao revés de sistematizar as distintas relações jurídicas formadas com as coisas pelo Estado em apenas uma noção de domínio público a admissão de que a pluralidade de arranjos jurídicos determina variadas acepções dentro do domínio público sintetizam as distintas vertentes que o vocábulo público deve assumir 172 GONZÁLEZ Julio V González Garcia La titularidad de los bienes del domínio publico Madrid Marcial Pons 1998 p 77 173 SCAGLIUSI Maria de los Ángeles Fernández La necesaria reformulación del concepto de dominio público Op cit p 102 174 MONTEIRO Washington de Barros Curso de Direito Civil Volume 1 São Paulo Saraiva 1962 p 163 63 63 Isso não significa um esvaziamento da noção de domínio público mas o reconhecimento que a teoria deve ser suficiente para abranger os fenômenos relativos aos bens públicos e portanto a uma pluralidade de relações jurídicas o que demanda um elemento ou categoria central Neste sentido distintas teorias sobre os bens públicos foram construídas a partir de uma interpretação da matriz romana tendo sido generalizada pela família jurídica da civil law como um elemento comum com destaque na literatura jurídica a identificação entre a noção de domínio público com a de domínio estatal Porém se é possível afirmar que a noção de domínio público já encontrou distintos fundamentos na sua evolução desde o conceito da Antiguidade Clássica até a Modernidade poder público iura regala parece que na contemporaneidade seu fundamento se liga eminentemente ao cumprimento das finalidades ou funções175 Neste sentido basta relembrar que o uso público e o aproveitamento geral de determinadas coisas são conceitos historicamente ligados à noção de domínio público porém sem que necessariamente demandem uma titularidade pública como ocorrem com as obras e com os serviços públicos176 Como visto parece se adequar melhor as demandas dos bens públicos diante das transformações sofridas na noção de Estado e na disciplina administrativa a graduação que a coisa se vincula a função pública a saber à medida que se destina a concretização e não apenas adequação a uma finalidade ou necessidade coletiva Demonstrase o critério capaz de solver questões como bens que atendam a função pública embora estejam sob a titularidade de entes privados ou não tenham sido afetados formalmente pelo Estado resolve a celeuma de coisas que apesar de estarem sob o domínio do ente estatal não se ligam de nenhuma forma com a finalidade coletiva Porém isto demanda a superação da perspectiva tradicional e moderna de uma identificação da noção de público e estatal e reconhece um conteúdo plural capaz de abranger 175 BLANCO Alejandro Vergara Teoria del dominio publico Op cit p 137 176 FERNÁNDEZ Tomás Ramón Las Obras Publicas Revista de Administración Pública Espanha Centro de Estudios Políticos y Constitucionales n 100102 1983 p 2430 64 64 os bens que estão sob a titularidade de outros sujeitos que não necessariamente sejam dos entes estatais Em alguma medida a literatura jurídica já tende a apontar tal sentido ao distinguir o domínio público estatal do autárquico177 em aparente distinção entre o acervo sob o comando do Estado daqueles que estão sob a titularidade de pessoas criadas por eles admitindose o seu exercício por outros sujeitos ainda que limitado à pessoas jurídicas de direito público Outros já distinguem o domínio público no que consideram como em diferentes subclassificações a partir de um critério geral material domínio público natural ou artificial ou da natureza específica dos bens domínio público terrestre fluvial marítimo e edifilicios178 que corrobora com a compreensão de distinção das coisas nesta noção Porém tal compreensão que dentro do domínio público há categorias distintas pode auxiliar na delimitação não de uma variedade de teorias mas na compreensão que sob tal rótulo deve se compreender a existência de campos exercidos por titulares diferentes e espaços definidos para coisas distintas Sob tal viés é aceitável que há determinadas coisas que exerçam uma finalidade pública independente de haver uma titularidade estatal ou de um ato formal de afetação ou de sujeição à um regime jurídico específico como por exemplo os mares e o rios que mesmo antes das qualificações legais ou surgimento do sujeito público serviam a coletividade Outras todavia exercem uma função pública apenas na medida em que o Estado procede a uma afetação formal ou material a uma finalidade coletiva subtraindo da sua esfera privada tal qual por exemplo os prédios construídos para a realização de serviço público e as propriedades privadas após um ato de desapropriação Por fim há aqueles que embora devam ser adequados a tal função pública não são destinados a sua concretização mas a realização de interesses privados quão por exemplo os bens particulares que se sujeitam à limitação administrativa como a construção de gabarito excluída essas resguardam as faculdades e autonomia do proprietário 177 CAETANO Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 830 178 FOIGNET René Op cit p 203 HAURIOU Maurice Précis de Droit Administratif Paris L Larose Forcel Editeurs 1893 p 503 65 65 Embora pareça clara a proposta é inegável que haja zonas de penumbras de forma que não se pode determinar um conceito rígido ou estático que permita identificar a natureza pública de determinado bem mas admitir que a fronteira do domínio público deva ser dotada de mobilidade que se adéque a própria contingencialidade da definição do interesse público A própria Constituição Federal de 1988 consagra em relação aos bens culturais quando determina o que aparenta ser traço de proteção da função social179 inventários registros vigilância tombamento e desapropriação e de outras formas de acautelamento e preservação o que aponta na realidade a gradação de sua destinação e portanto o seu domínio Dessa forma é de assumir que determinados bens culturais apenas se adéquam à uma função social o que demanda restrições apenas no exercício da autonomia privada como o registro a vigilância e o tombamento enquanto outros ao se vincular às necessidades coletivas se sujeitarão às restrições do regime público inclusive com a desapropriação Assim por exemplo uma pintura ou um quadro pode tanto fazer parte do domínio privado e parte de um patrimônio de um colecionador ou se sua relevância para a cultura nacional demonstrar a natureza pública que imponha a tutela estatal e portanto o processo de desapropriação Isso pode ser observado em relação as patentes sobre os inventos que pode se adequar ao interesse público ou ser necessário para a realização de uma necessidade coletiva o que irá distinguir portanto a sua licença voluntária ou compulsória180 como por exemplo no caso da medicação contra HIV em razão da função pública assumida Assim não basta o exercício da função social para a qualificação de um bem como público mas uma graduação que permita considerar a destinação ao atendimento de uma finalidade coletiva uma forma plena do que uma restrição da autonomia privada com a sua compatibilização com determinado interesse coletivo 179 BRASIL Constituição da República Federativa de 1988 Art 216 1º cc Art 5 inciso XXIV 180 Lei Federal nº 9279 de 14 de Maio de 1996 Art 68 O titular ficará sujeito a ter a patente licenciada compulsoriamente se exercer os direitos dela decorrentes de forma abusiva ou por meio dela praticar abuso de poder econômico comprovado nos termos da lei por decisão administrativa ou judicial 1º Ensejam igualmente licença compulsória I a não exploração do objeto da patente no território brasileiro por falta de fabricação ou fabricação incompleta do produto ou ainda a falta de uso integral do processo patenteado ressalvados os casos de inviabilidade econômica quando será admitida a importação ou II a comercialização que não satisfizer às necessidades do mercado 66 66 Note portanto que a gradação da função pública serve como critério não apenas para a delimitação de um domínio público e distinguilo do domínio privado mas para a própria distinção dentro do domínio público de graduações distintas do atendimento à finalidade coletiva que irão ensejar repercussões diferenciadas Há de se admitir que determinados bens sejam utilizados como elemento material para a prossecução dos interesses públicos e portanto estarão destinados a uma função pública sem que todavia estejam sob uma relação de titularidade estatal ou dependam de sua intervenção Não se trata de construção inédita o reconhecimento do chamado domínio público natural formado por coisas materiais como os mares as montanhas e afins a sua própria natureza e as demandas do ser humano o colocam imediatamente à satisfação e aos interesses da coletividade181 Isso não apenas torna insuficiente determinar que é o ato de afetação pelo ente público que concede o caráter de utilidade pública182 mas igualmente que isso os tornará de titularidade estatal pois é de sua natureza a impossibilidade de apropriação por pessoa pública ou privada já que são destinados a todos ao mesmo tempo mas individualmente a ninguém183 Assim reconhecer dentro do domínio público um domínio natural aéreo marítimo e terrestre envolve admitir que eles não estão dentro do acervo estatal já que o ar o mar e os elementos naturais são insuscetíveis de apropriação em razão de sua própria materialidade o que permite apenas sua qualificação para regulação e exploração estatal184 Sobre tais coisas é difícil determinar o próprio objeto a respeito do qual haveria a apropriação como por exemplo o chamado domínio público radioelétrico formado por espectro de frequências radioelétricas que se propagam pelo ar que é um objeto inapropriável inacessível indefinido e insuscetível de propriedade185 181 FOIGNET René Op cit p 203 182 FOIGNET René Op cit p 204 183 Algo que já estava previsto no Digesto de Ulpiano Quaedam naturali iure communia sunt omnium quaedam universitatis quaedam nullius pleraque singulorum quae variis ex causis cuique adquiruntur MADEIRA Eliane Maria Agati Digesto de Justiniano Op cit Livro 1 Capítulo VIII item 2 parágrafo 3 184 FRAGA Gabino Derecho Administrativo Mexico Editorial Porrua SA 1955p 452453 185 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 468 67 67 Não se deve cometer o equívoco todavia de considerar que o domínio público não estatal das coisas que exercem as funções públicas independente de uma titularidade pública se limita apenas ao domínio público natural formado por coisas que não estão sujeitas a uma titularidade privada ou pública estrita Não se propõe utilizar a expressão de domínio público natural pois não se pretende limitar apenas as coisas que por sua natureza servem à coletividade mas como visto todas as outras que estão afetadas embora sem a titularidade do Estado quão por exemplo os bens artificiais sob a sujeição imediata da exploração por entes privados Assume o público uma feição não estatal na medida em que abrange o deslocamento da ação pública para outros atores sociais com a participação da sociedade civil e da iniciativa privada na realização de atividades de interesse público sem a coincidência com as pessoas ou órgãos estatais186 Dessa feita o domínio público não estatal abrange não apenas os chamados bens públicos naturais que está sujeito à titularidade da coletividade ainda que reconhecida uma ingerência estatal mas igualmente os bens artificiais que são qualificados como público pelo Estado mas estão sob a sujeição de atores privados Isto não significa ignorar a tradição no uso da expressão domínio público natural que pode ser cientificamente incorporada dentro do domínio público não estatal mas admitindo que tais coisas gerarão distintos problemas perante o Estado e que demandam soluções diferenciadas como por exemplo as demandas da regulação na mineração 187 Também não se tem a pretensão de considerar que o domínio público é formado apenas por bens não estatais ou seja coisas que exercem função para a coletividade cabendo a mera representação do ente estatal188 Pois seria considerar que as outras sob o domínio do Estado não teriam natureza pública e poderiam ser utilizadas para fins privados 186 BRESSERPEREIRA Luiz Carlos GRAU Nuria Cunill Entre o estado e o mercado o público não estatal in BRESSERPEREIRA Luiz Carlos GRAU Nuria Cunill Org O Público NãoEstatal na Reforma do Estado Rio de Janeiro Editora FGV 1999 1517 187 LLOP Javier Barcelona Consideraciones sobre el dominio público natural in WAGNER Francisco Sosa El derecho administrativo en el umbral del siglo XXI homenaje al profesor Dr D Ramón Martín Mateo Espanha Tirant lo Blanch 2000 P 20852089 188 BIELSA Rafael Op cit p 157 68 68 Devese observar que tratase de uma perspectiva normativopositiva do Estado como pessoa jurídica de direito público e portanto sujeito de direitos e deveres para recordar que o thelos da sua própria existência e perpetuação é a busca pela realização dos interesses da coletividade e todos os seus bens devem ser voltados para fins públicos Assim compreende no domínio público também as coisas que compõem um domínio artificial como as ruas as praças e os prédios públicos e a rigor não são impropriáveis pela sua natureza mas enquanto conservam a sua finalidade pública deve ser a elas atribuído um regime protetivo estatal que garanta a sua inalienabilidade Há no domínio público um componente sob a titularidade do Estado que são coisas antes suscetíveis de apropriação que por determinação legal e atribuição administrativa ou disposição negocial foram afetadas à prossecução dos interesses da coletividade ainda que seu exercício não seja de forma direta pelos sujeitos sociais Desse modo percebese dois campos no âmbito do domínio público formado por coisas que exercem uma finalidade pública per si e correspondem por sua natureza em um espaço eminentemente inapropriável daquelas coisas que possuem uma finalidade pública na medida em que são atribuídas ao Estado e portanto a resguarda gerando a sua inalienabilidade Por efeito há de se determinar que a noção de domínio público possa se referir ao conjunto de coisas que não demandam uma titularidade estatal para exercerem uma função pública a qual pode se designar como um domínio público não estatal daquelas coisas que impõem uma titularidade estatal para atuar em fins coletivos o domínio público estatal Isto importa reconhecer que o domínio público não estatal abrangerá todas as coisas que não estão sob a titularidade do Estado mas exerce função pública o que demanda uma ação protetiva pelo mesmo inclusive a sujeição a um regime jurídico de direito público com todas as faculdades inerentes Isso conduz à advertência que a literatura jurídica faz que é imprecisa a categoria chamada de propriedade privada de interesse público já que tais bens embora estejam sob a 69 69 titularidade particular em razão do interesse público ao qual estão afetados demandam um regime mais específico de intervenção administrativa189 Isso porque todos os bens sujeitos à titularidade privada devam ser compatibilizados ao interesse público o que os sujeitam as modalidades restritivas de propriedade da ocupação temporária ao tombamento alguns exercem uma finalidade coletiva ao qual não se pode subtrair uma qualificação pública sob pena de deixar o interesse público sem tutela Superase a compreensão portanto que sobre os bens de titularidade particular o Estado tem o poder de qualificálos como bens públicos pois se o fundamento da ação estatal é a função pública demonstrado o atendimento ao interesse coletivo este passa a ter um dever de reconhecidas como públicas e preservar a sua finalidade Uma vez que ambos os domínios encontram fundamento na função pública poderia se sustentar que a distinção proposta é inócua constituindo ambos um único domínio público e correspondendo somente à uma divisão ou classificação além de existir proposições similares na literatura jurídica Nesse viés determinados autores optam por discernir o acervo patrimonial estatal do natural utilizando a expressão coisas públicas destacando as de domínico público190 porém parece inadequado não considerálos bens além de findar utilizando o rótulo de domínio público para expressar apenas o estatal Inegável que embora se sustente que as coisas que servem a uma finalidade coletiva independem de qualificação estatal elas assumirão uma expressão legítima que será dada pela ordem jurídica não como forma de atribuição ou afetação mas pela tutela ou proteção normativas dos fins ao qual se liga Igualmente não parece adequado o que propõe outros autores ao distinguirem um domínio público as coisas naturais ou artificiais apropriáveis sob a propriedade do Estado de um domínio comum as coisas naturais ou artificiais inapropriáveis sob a guarda do Estado191 189 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 467 190 ODA Yorozu Principes de droit administratif du Japon Paris Société anon me du ecueil Sire 1928 p 107 191 PORTUGAL Código Civil Português Artigo 380 a 382 70 70 Sobre tais bens aos quais convencionase nomear como domínio público não estatal o ente público não exercerá um direito de propriedade uso fruição disposição e reivindicação podendo somente regular o seu uso e fruição individual ou coletivo na medida que necessário para a sua proteção com destino à coletividade inclusive no aspecto intergeracional Como será visto não se deve confundir titularidade com propriedade uma vez que o primeiro enquanto categoria da teoria do Direito busca situar a relação jurídica formada por mais de um sujeito com qualquer objeto ao passo que a última em especificidade denota aquela que tem por objeto uma coisa sujeita à apropriação Incide em mesmo erro a proposta por parte da doutrina enctre domínio para abranger bens não sujeitos à apropriação e afetos a finalidade pública e portanto subordinados a um regime público e propriedade pública para reconhecer os bens sob a propriedade do Estado e não afetos ao seu destino público192 Pretendese criar uma distinção que possa albergar coisas que não se adéquam a thelos da criação de um regime jurídico exorbitante e a própria titularidade do ente moral situando o Estado em uma posição dualística estranha a sua origem e finalidade que não se ligam a nenhum interesse próprio Com designação distinta mas com ideia idêntica alguns nomeiam como domínio público o conjunto de coisas afetadas ao interesse público e domínio privado estatal o acervo patrimonial do ente público e desfuncionalizado que o Estado possui e gere como particular permitindo a sua fruição e todas as posições da propriedade privada193 Nesse sentido sob o domínio público caberia ao Estado a administração a manutenção a fiscalização e a polícia garantindo a fruição dos bens de uso comum do povo ao passo que sob o seu domínio estatal exerceria atribuições iguais as do proprietário em seu domínio eminentemente particular194 192 GAUDEMET Yves El futuro Op cit p 14 193 TAVARES José Os Princípios Fundamentais Op cit p 351352 194 REIS Aarão Direito administrativo brasileiro Rio de Janeiro Oficinas Gráficas VillasBoas Cia 1923 p 292 71 71 Igualmente parece inadequado sustentar bens privados dentro do domínio público já que não cabe o Estado constituir um patrimônio desfuncionalizado tal qual uma pessoa natural ou jurídica de direito privado mas gerir os bens sob sua titularidade para alcançar interesses públicos justifica e fundamenta a sua própria criação como ente moral Como bem afirmado pela literatura jurídica a dominialidade pública é a medida de função195 por esta razão não parece se admitir junto ao domínio público uma propriedade pública o que seria admitir a possibilidade do ente estatal não atuar para fins públicos na existência de coisas consideradas públicas mesmo que não atendam a sua finalidade coletiva Porém se as propostas de divisão são insuficientes considerar que domínio público não estatal e estatal deva ser incluído a partir de um critério de unicidade é ignorar sua distinção não apenas em seu fundamento no que origina o exercício da função pública mas precipuamente os efeitos produzidos o que torna inconveniente reunilas sob um único rótulo Isso gera a incongruência de tentar traçar elementos que se ligam a determinados bens como estruturantes do domínio público pois se a titularidade parece se amoldar ao domínio públicoestatal na medida em que impõe a funcionalização e o regime protetivo não se adequa ao domínio público não estatal já que parecem decorrer em alguns casos da natureza Não se pretende negar que o Estado exerça um papel tanto nos bens que encarregam por si só uma finalidade pública quanto naqueles que demandam a sua afetação à necessidade coletiva mas que há uma distinção na sua atuação no que se refere tanto ao domínio público estatal quanto ao domínio não estatal Isso porque a teoria do domínio público não deve ser considerada como uma técnica que atribua uma titularidade ao ente público mas que corresponde a teoria que regula as coisas por estarem destinadas à uma finalidade pública atribuem um titulo jurídico de intervenção legitima para que o Estado ordeneas de acordo com as exigências dos interesses públicos196 Assim a gradação na realização da função pública se liga a uma graduação da intervenção estatal que enquanto os bens que fazem parte do domínio público estatal 195 GAUDEMET Yves El futuro Op cit p 18 196 GAMIR Roberto Parejo OLIVER José María Lecciones de domínio publico Madrid Ediciones Instituto Catolico de Artes e Industria 1976 p 7 72 72 correspondem à amplo espaço de atuação no que se refere ao domínio público não estatal envolve um espaço eminentemente de regulação Por efeito sob os bens do domínio público estatal como os prédios as praças e as ruas públicas o Estado pode operar a sua desafetação formal pela inexistência de atendimento ao interesse coletivo já que sobre tais coisas o regime por ele imposto institui a sua indisponibilidade jurídica e portanto pode subtraílas Por outro lado sob o domínio público não estatal como os mares rios e montanhas cuja indisponibilidade é material impede a apropriação por qualquer sujeito público ou privado cabendo apenas a regulação do seu uso e exploração já que não é a afetação que atribui a sua função pública mas o regime jurídico de direito público que impõe sua inalienabilidade Em ambas porém com o redimensionamento da noção de soberania a intervenção do Estado deixa de se ligar a noção de poder político ainda que jurisdicizado como um amplo espaço de discricionariedade para se situar como um dever jurídico de proteção da função pública exercida pelas referidas coisas Assumir portanto que haverá um título de intervenção estatal não significa que ele exercerá todo o papel na proteção ou atendimento da gestão pública mas que embora outros atores sociais tenham a titularidade no que tange ao domínio públicoestatal resguardase um espaço de atuação do ente público sobre as referidas coisas Há outra noção de domínio público não estatal que costuma se designar como patrimônio da humanidade ou seja o conjunto de bens do patrimônio cultural e natural para quais são reconhecidos excepcionais interesses da comunidade internacional e denota a sua preservação e reconhecimento da titularidade do homem197Tratase de uma proteção que se justifica na medida em que parte da literatura sustenta que embora certas coisas tenham uma dimensão de relevo como os monumentos históricos por não exercerem uma finalidade coletiva não seriam suficientes para motivar a tutela de privilégios do domínio público e portanto a sua natureza como bens públicos198 197 Organização das Nações Unidas para a Educação Ciência e Cultura Convenção do Patrimônio Mundial 17 de Outubro a 21 de Novembro de 1972 198 MAYER Otto Le droit administratif allemand Op cit p 128 73 73 É forçoso reconhecer tanto a natureza de bens públicos quanto de bens da humanidade às respectivas coisas como os monumentos arquitetônicos ou arqueológicos cuja função pública não significa um destino material a uma necessidade como as praças públicas ou uso imediato como as praias mas a preservação de bens jurídicos ambientais e culturais Sob tal viés com a criação dos organismos internacionais voltase a uma proteção do patrimônio cultural e natural em escala igualmente internacional cuja tentativa de conservação pretende permitir a compreensão da necessidade e aproximação pelos povos na defesa de tais coisas necessárias à humanidade199 Em contrassenso à noção de domínio público estatal o conceito de patrimônio comum da humanidade pretende construir uma res communis omnium com a formação de um espaço apto para o uso de todos em um cenário comum que permita a realização de atividades capazes de perseguir o benefício da humanidade200 Adéquase ao redimensionamento da soberania estatal já que determinadas coisas pela função pública que exercem não assumem relevo apenas para o ente estatal ou àquela sociedade mas igualmente para toda a comunidade internacional e a humanidade o que demanda os efeitos relativos ao seu uso e proteção Tomese por exemplo os monumentos naturais e artificiais de determinados Estados que não podem estar sujeitos à restrição plena ou absoluta de acesso a outros seres humanos além daquele povo bem como a disposição estatal já que sendo seu fundamento a função social que exerce para a humanidade pouco importa o território ao qual esteja localizado Podese extrair como elemento chave desse patrimônio comum não só a proibição de apropriação por entes privados como o reconhecimento de que os espaços encontramse fora do comércio do Estado e portanto sobre tais bens sua titularidade é revertida à comunidade global e não exercida pelos Estados201 Neste sentido se sujeitam tal qual aos bens estatais igualmente a uma função social que demanda na sua afetação à finalidades coletivas a necessidade de uma gestão racional 199 GONZÁLEZVARAS Ignácio Conservación de bienes culturales Madrid Cátedra 2001 p 459 200 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 474 201 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 474 74 74 desses bens pela sociedade internacional reforçada pela natureza transtemporal e trans espacial das referidas coisas pela humanidade 202 Note portanto que embora tais bens públicos já que conservam tal natureza enquanto afetados aos interesses coletivos façam parte do domínio público do Estado já que vinculados ao seu território e ao exercício limitado de sua soberania porém igualmente compõem o domínio da humanidade uma vez que estão sujeitos à proteção da comunidade internacional Podese designálo portanto como um domínio público humanitário ou global embora primese pela primeira nomeação uma vez que o seu fundamento decorre não do fenômeno de integração econômica e política que pode resultar em um domínio público comunitário mas da função social exercida por tais bens à coletividade Dessa forma excluise tais construções da análise do domínio público não estatal pois essa titularidade exercida pela comunidade internacional ou grupos comunitários demandam a formação de um instituto próprio de análise do Direito Internacional para abranger as coisas sujeitas a titularidade pelo Estado de forma direta ou indireta Isso significa reconhecer que as gradações assumidas pela coisa no que tange a função pública resultarão em distintas qualificações domínio privado domínio público estatal domínio público não estatal domínio público comunitário e domínio público humanitário e irão conduzir ou sujeitála a diferentes regimes jurídicos e nem sempre de forma exclusiva Assim superase a compreensão de que o domínio público é técnica de atribuição de um regime ou uma disciplina exorbitante de Direito Público decorrente da função de interesse coletivo assumida por determinadas coisas o que justifica a incidência de regras que imponham determinadas consequências jurídicas203 Os distintos graus de funcionalização assumidos pela coisa gerarão não apenas assunção aos regimes jurídicos de direito internacional comunitário e nacional mas igualmente diferentes graus de vinculação com o regime jurídico de direito público permitindo assim a aplicação de normas jurídicas de direito privado 202 PUREZA Jose Manuel El patrimonio común de la humanidad Hacia un Derecho internacional de la solidaridad Madrid Trotta 2002 p 375382 203 GAUDEMET Yves El futuro Op cit p 18 75 75 Isso fica claro por exemplo no que tange aos bens ambientais e culturais que se situam em uma interface entre o domínio público não estatal e o domínio público humanitário e portanto a ação da coletividade do estado e da comunidade internacional Há de se admitir que incida sobre eles um regime jurídico de direito público nacional e internacional Em outros casos que se situem em uma zona fronteiriça os bens privados deverão se adequar às finalidades públicas que se sujeitam tipicamente ao regime jurídico de direito privado as chamadas normas de ordem pública ou a exorbitância produzida pelo interesse público no exercício da autonomia privada Porém no que tange ao domínio público estatal e não estatal é reconhecer que as gradações no atendimento à função pública importam na superação da ideia de aplicação de forma estática do regime jurídico de direito público e na compreensão que igualmente será graduada na aplicação do referido regime Tomese por exemplo que no domínio público estatal como os prédios praças e ruas públicas parece que a aplicação de formas do direito privado como locação ou alienação se amoldam sem grandes problemas visto que tais coisa a rigor não estão sujeitas a tal regime e a apropriação privada por um ato estatal Todavia em outro caso como no domínio público não estatal como os rios mares e montanhas demonstrase inadequada à aplicação de tais negócios do direito comum pois sob tais coisas só devem incidir um regime jurídico de direito público que se adéquem a própria realidade material das mesmas Definido o regime aplicável em caso de conflito entre os referidos bens parece que a própria hierarquia normativa das disciplinas é capaz de solver a questão com a precedência entre a regulação internacional e comunitária sobre a nacional e local com a primazia das normas de ordem pública sob as disposições de ordem privada Considerando que os bens naturais sejam integrantes do domínio público estatal e do domínio público humanitário havendo conflito no regime protetivo dado pelo estado e pela comunidade internacional parece haver uma submissão natural ao regramento internacional devido a mitigação da soberania estatal 76 76 A celeuma surge porém quando há um aparente conflito entre bens sujeitos a idênticos ou regimes próximos como o conflito que pode manifestarse entre o Estado e comunidade tratase de um domínio público não estatal e a sua possível interface um domínio públicoestatal O conflito pode ser contado à luz das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e a eventual necessidade de instalação pelo Estado de bens ou serviços públicos o que resultará em uma tensão que a unicidade teórica tradicional do domínio público não parece ser capaz de solver e a proposta apresentada pretende auxiliálo protegendo os interesses envolvidos O tema será tratado a seguir 15 O domínio público não estatal e o Estado análise das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios no caso da demarcação da Raposa Serra do Sol Considerada a função social como categoria que deve ser central na formação de uma teoria do domínio público há de se admitir portanto que sob tal designação incluirseá bens que exerçam tais finalidades coletivas de forma imediata ou independente de sua afetação coisas que estejam sob a titularidade do Estado ou sob outro sujeito Sustentando que haja um domínio público não estatal admitese reconhecer que há certas coisas sob a titularidade da coletividade cuja a sua própria natureza material e as necessidades sociais determinam a sua afetação pública e portanto independem do reconhecimento formal pelo Estado e não se sujeitam à apropriação Porém igualmente há determinadas coisas que poderiam ser em razão da sua natureza objeto de apropriação privada mas o próprio Estado atribui uma qualificação pública afetando uma finalidade social mas sem conservar a sua titularidade ou seja definindo que a mesma seja exercida por determinado sujeito privado Assim os bens naturais podem tanto compor o domínio público não estatal em razão de sua natureza que impeça a apropriação e denote por si só uma função social como os mares os rios e as montanhas quanto devido a um ato formal de afetação atribuir a satisfação de determinada necessidade coletiva como a terra Note que as terras a rigor serão públicas conforme necessárias para a realização de uma função social como por exemplo as terras devolutas ou seja indispensáveis à defesa das fronteiras das fortificações e construções militares das vias federais de comunicação e à preservação ambiental que são de atribuição da União204 ou dos Estados205Podem integrar o domínio público estatal ou não estatal conforme exerçam sua função pública por um ato de afetação como a defesa das fronteiras ou por si só como necessária à proteção dos ecossistemas naturais o que as tornam indisponíveis independe da declaração normativa206 204 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 20 inciso II 205 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 26 inciso IV 206 Constituição da epública Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 225 5º São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados por ações discriminatórias necessárias à proteção dos ecossistemas naturais 78 78 Porém serão privadas uma vez que não exerçam nenhuma função pública apenas se adequando as mesmas como por exemplo as demais terras devolutas que podem ser compatibilizadas com a política agrícola e com o plano nacional de reforma agrária inclusive mediante as suas concessões ou alienações207 Sob tal viés a Constituição Federal de 1988 reconhece aos índios sua organização social costumes línguas crenças e tradições e consagra os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam atribuindo competência para a União demarcálas proteger e fazer respeitar todos os seus bens208 Nesse sentido a expressão direitos originários sobre as terras não deve ser entendido como um direito de propriedade mas a garantia daquela porção do território permitindo a manutenção da vida indígena e a sua organização social como já assentava a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal209 As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios tem natureza de bens públicos tanto que consagra a Constituição Federal os atributos decorrentes do seu regime jurídico de direito público ainda que forma atécnica já que aduz inalienabilidade e indisponibilidade quando deveria veicular também impenhorabilidade além da imprescritibilidade210 Isto porque tais bens não estão apenas adequados a uma função social mas exercem uma finalidade pública uma vez que as terras servem para habitação em caráter permanente atividades produtivas preservação dos recursos ambientais necessários ao bemestar e reprodução física e cultural dos índios segundo seus usos costumes e tradições211 Ligase portanto não a atribuição de uma propriedade privada àquele grupo social mas ao reconhecimento de uma afetação daqueles bens às finalidades coletivas já que se protege não qualquer terra mesmo com condições ecológicas diferentes das adequadas ao conhecimento tradicional mas aquelas que são tradicionalmente ocupadas 207 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 188 208 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 231 209 Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinário nº 44585 Rel Min Victor Nunes Leal 11 de Outubro de 1961 210 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 225 4º 211 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 231 1º 79 79 Assim a dimensão que deve ser atribuída aos direitos originários é a compreensão de que o Estado reconhece a préexistência da relação dos índios com a respectiva terra e portanto o ato de demarcação corresponde apenas à declaração de uma função já exercida por aquelas coisas Verifique portanto que sob tal bem natural a terra que a rigor poderiam estar sob o domínio privado permitindo a aquisição da sua propriedade optou o constituinte por reconhecer para algumas delas uma afetação à finalidade pública a proteção dos índios e de sua cultura destinando a sua titularidade aos mesmos Tanto que determinou a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição212 de forma a proteger uma função já assumida pelos referidos bens por uso dos indígenas em ato de natureza eminentemente declaratório e não constitutivo da respectiva relação jurídica Todavia foi atécnica a Constituição Federal ao consagrar tais terras como bens da União213 uma vez que demarcadas pelo ente federado passam estar sob a titularidade do grupo indígena o que se demonstra pelas próprias restrições previstas nas normas constitucionais do EstadoAdministração Isto porque sob tais bens a lei fundamental estipula o direito e a posse permanente pelos índios cabendolhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo dos rios e dos lagos nelas existentes214 Estipulando inclusive a restrição da exploração dos recursos sem autorização pelo Congresso Nacional e a participação nos resultado da lavra215 Podese afirmar que é permitida excepcionalmente a remoção dos grupos indígenas das suas terras em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população ou no interesse da soberania do País após deliberação do Congresso Nacional de natureza ad referendum 216 Parece ante o reconhecimento da necessidade de realização de outra função social do que eminentemente sustentar uma titularidade estatal tanto que determina a norma 212 BRASIL Atos das Disposições Constitucionais Transitórias de 05 de Outubro de 1988 Art 67 213 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 20 XI 214 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 231 2º 215 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 231 3º cc Art 49 XVII cc Art 176 1º 216 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 231 5º 80 80 constitucional a garantia em qualquer hipótese o retorno imediato dos índios às terras logo que cesse o risco 217 Todavia deflagra o reconhecimento que poderá haver conflitos quando sobre determinados bens recair mais de uma função pública de forma simultânea o que pode ocorrer tanto entre o domínio público não estatal e o estatal quanto entre os mesmos como no caso das terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas Isso porque por um lado as terras públicas ou privadas exercem e se adéquam respectivamente a uma função social sendo garantida não apenas a proteção para as primeiras mediante a criação e gestão com ou sem parcerias das reservas públicas218 mas também estando vedada por exemplo a caça e o comércio de animais silvestres em terras privadas219 Neste viés as terras ocupadas pelos indígenas assumem não apenas uma função social de proteção dos índios e de suas culturas mas outras necessidades coletivas como a preservação da fauna o que leva a uma tensão e portanto a necessidade de compatibilização vedando à caça profissional mas admitindoa incorporada aos usos costumes e tradições A celeuma surge quando se tratar de uma tensão entre a titularidade coletiva no caso representada pelo grupo indígena com a do Estado propriamente dita no que se refere à necessidade que deve assumir aquelas terras para a realização de outras funções sociais pois como visto o domínio público não estatal se sujeita a ingerência ou regulação do Estado Podese aduzir a questão no estudo da demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol situada no Estado de Roraima realizada por portaria do Ministro da Justiça220 que foi objeto de homologação pelo presidente221 e depois objeto de ação popular ajuizada pelo Senador da República contra a União e julgada pelo Supremo Tribunal Federal222 217 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 231 5º 218 Lei Federal nº 11284 de 2 de Março de 2006 Art 4 219 Lei Federal nº 5197 de 3 de Janeiro de 1967 Art 2 e 3 220 Ministério de Estado e da Justiça Portaria nº 534 de 2005 221 Presidência da epública Decreto de 15 de Abril de 2015 Art 1º Fica homologada a demarcação administrativa promovida pela Fundação Nacional do Índio FUNAI da Terra Indígena Raposa Serra do Sol destinada à posse permanente dos Grupos Indígenas Ingarikó Makuxi Patamona Taurepang e Wapixana nos termos da Portaria nº 534 de 13 de abril de 2005 do Ministério da Justiça 222 Supremo Tribunal Federal Pet nº 3388RR Rel Min Carlos Ayres Britto J 2782008 81 81 No caso em tela o decreto pretendeu harmonizar os direitos constitucionais atribuídos aos índios junto com as condições indispensáveis para a defesa do território e da soberania nacional a preservação do meio ambiente a proteção da diversidade étnica e cultural e o princípio federativo Desta feita além de declarar o direito originário de posse permanente dos Grupos Indígenas sob aquela terra indígena Raposa Serra do Sol fixou as suas medidas bem como as restrições impostas para a realização de outras funções coletivas que possam assumir respectivamente o referido bem público Interessante notar que reiterou a natureza de bem público do Parque Nacional do Monte Roraima e afirmou um regime jurídico de dupla afetação já que foi destinada à preservação do meio ambiente e à realização dos direitos constitucionais dos índios223 embora possam exercer outras finalidades públicas conforme as necessidades coletivas Ademais previu a ação de órgãos das Forças Armadas para a defesa do território e da soberania nacionais e da Administração Pública Federal para garantir a segurança e a ordem pública e proteger os direitos indígenas224 sem que houvesse necessidade já que a demarcação não exclui a incidência dos outros preceitos constitucionais Igualmente determinou a possibilidade do EstadoAdministração adotar as medidas necessárias para afetar os referidos bens públicos para fins de defesa do território e a soberania nacional225 Todavia a própria lei fundamental já prevê tal restrição constitucional às terras indígenas Por fim estipulou ao exercício o poder de polícia administrativa para garantir a segurança e a ordem pública na terra indígena226 quando tal exercício como decorre das necessidades de compatibilizar interesses privados com públicos já incidem independente de tal previsão normativa Isto tudo denota que embora o decreto considere as terras indígenas demarcadas como bem público da União227 acaba regulando a matéria como se o reconhecimento dos direitos 223 BRASIL Presidência da República Decreto de 15 de Abril de 2015 Art 3º 224 Presidência da República Decreto de 15 de Abril de 2015 Art 4º 225 Presidência da República Decreto de 15 de Abril de 2015 Art 5º 226 Presidência da República Decreto de 15 de Abril de 2015 Art 5º 227 BRASIL Presidência da República Decreto de 15 de Abril de 2015 Art 3º 82 82 originários dos índios importaria em um espaço de domínio tal como privado fosse que precisaria da fixação das restrições normativas em razão do interesse público Decorre ainda da confusão das noções de domínio público e domínio estatal bem como de titularidade e propriedade que faz o Estado considerar a terra indígena como bem da União e atribuir a posse e os direitos aos índios criando restrições em favor do ente público tal qual fosse um negócio jurídico com cláusulas restritivas O reconhecimento de um domínio público não estatal ajuda a resolver a celeuma pois embora seja não estatal com o reconhecimento que tais coisas que exercem uma função pública não sob a titularidade estatal ainda o é público estando vinculado às necessidades públicas e portanto a sua funcionalização à realização de outros interesses públicos Desta feita tornarseá desnecessário tentar fixar quais são as outras funções públicas que pretendem exercer as terras indígenas já que adstritas à realização das necessidades públicas que não podem ser consideradas em um conceito estático mas em uma visão dinâmica e contingencial já que vinculadas as demandas do grupo social Além disso já encontramse qualificadas através de conceitos jurídicos indeterminados e outras técnicas de abstração e generalidade traduzidas pela lei a proteção dos bens e interesses públicos de forma que sujeitam não apenas a adequação pelos bens privados como impõem a necessidade de concretização pelos bens públicos Tal dificuldade em delimitar as fronteiras do público e de sua dimensão não estatal e de uma percepção da titularidade não como propriedade ou domínio amplo que conduziu a uma judicialização da questão pelo equívoco de supor que a demarcação de terras indígenas traduza em um espaço amplo de liberdade indígena e não sujeição ao Estado Tanto que na ação popular o fundamento da violação aos decretos228229 que regulavam o procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas alegando a ausência de 228 BRASIL Decreto Federal nº 22 de 04 de Fevereiro de 1991 Art 2º A demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios será precedida de identificação por Grupo Técnico que procederá aos estudos e levantamentos a fim de atender ao disposto no 1º do art 231 da Constituição 3º O grupo indígena envolvido participará do processo em todas as suas fases 229 Decreto Federal nº 1775 de 8 de Janeiro de 1996 Art 2 A demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios será fundamentada em trabalhos desenvolvidos por antropólogo de qualificação reconhecida que elaborará em prazo fixado na portaria de nomeação baixada pelo titular do órgão federal de assistência ao índio estudo antropológico de identificação 3 O grupo indígena envolvido representado segundo suas formas próprias participará do procedimento em todas as suas fases 83 83 participação de todos os entes controvérsia bem como a assinatura por apenas um profissional no laudo antropológico foram apenas preliminares para o verdadeiro objeto da lide Que foram rechaçadas pela existência de um processo público e notório iniciado ainda na década de 1970 com publicação no jornal oficial da União e o primeiro despacho do EstadoAdministração ocorrendo apenas em 1996 sem que tenha sido solicitada nenhuma habilitação além da participação dos grupos indígenas e habilitação comprovada do profissional O cerne da questão era a alegação de que a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol em uma área tão ampla e contínua traria consequências desastrosas tanto para o Estado de Roraima sob os aspectos comercial econômico e social quanto para os interesses do país por comprometer a segurança e a soberania nacional Por um lado há nítido tratamento do bem público a partir da concepção tradicional de soberania como objeto de poder do ente público que determinará a sua adequação aos fins políticos almejados ignorando a sua relativização e a existência de objetivos delimitados pela ordem jurídicoconstitucional que prevê a demarcação indígena ao regular a ordem social Em outro vértice apoiase em um caráter patrimonial da coisa pública já que preocupase principalmente com as repercussões econômicas relativas à demarcação das terras como indígena o que se aproxima do viés de propriedade e tratamento dos bens públicos como se fossem coisas de um sujeito que exerce relações dotadas de economicidade Tanto que se aduz que resultaria em desequilíbrio da Federação já que a área demarcada ao passar para o domínio da União suprimiria parte significativa do território roraimense ofendendo ademais o princípio da razoabilidade ao privilegiar a tutela do índio em detrimento por exemplo da iniciativa privada Situa a discussão na partilha constitucional de bens e competências entre os entes federativos ignorando que o thelos da lei fundamental ao organizar o poder em limitações orgânicas e funcionais permite além da contenção do poder com a proteção dos direitos dos indivíduos a garantia do atendimento das funções públicas No julgamento da ação pelo Supremo Tribunal Federal o relator Min Carlos Britto ao situar que as terras indígenas são classificadas pela Constituição Federal como bens da 84 84 União determinou que elas assumissem feição de uma categoria jurídicoconstitucional bem público sob a titularidade de um sujeito União e não dos outros entes federados230 Ademais poderseia alegar que o ente federado em questão foi objeto de uma transformação de território federal em Estadomembro pela própria Constituição Federal o que ocorreria com a posse dos seus respectivos governadores231 e o sujeita às disposições da própria lei fundamental fazendoo nascer jungido à preexistência de tais direitos Embora seja uma forma de situar a questão parece que se o fundamento da partilha constitucional é garantir a realização de uma função pública o quesito não volve estritamente a quem exerce a titularidade pois caberiam exercêlas quantos sujeitos fossem necessários para atingir o fim o que se adéqua ao próprio modelo de federalismo cooperativo Aparenta que a problemática envolve a má compreensão de que a função pública deva ser exercida e determinada pelo agente com titularidade o Estado em sua soberania e que a afetação das terras à proteção dos índios não é ou excluem outras finalidades coletivas o que não traduz em verdade Como aponta o próprio ministro não é atribuída às terras indígenas com demarcação uma natureza de território ou de ente federado e portanto não possuirá uma personalidade políticoadministrativa capaz de restringir a circulação das pessoas ou o exercício de atividade pública232 Isso porque se tais terras antes integravam o domínio públicoestatal sob a titularidade da União com a demarcação passou a ser atribuída a titularidade à própria coletividade em específico o grupo indígena para que atenda àquela finalidade coletiva protegida pela Constituição a proteção dos usos costumes tradições indígenas e afins Porém elas persistem como bens do domínio público e portanto guardam a natureza de inalienáveis impedindo a sua aquisição por qualquer sujeito privado de forma que não há 230 BRASIL Supremo Tribunal Federal Pet nº 3388RR Rel Min Carlos Ayres Britto J 2782008 Voto do Min Carlos Ayres Britto p 3031 231 Ato das Disposições Constitucionais Transitórias Art 14 Os Territórios Federais de oraima e do Amapá são transformados em Estados Federados mantidos seus atuais limites geográficos 1º instalação dos Estados darseá com a posse dos governadores eleitos em 1990 232 BRASIL Supremo Tribunal Federal Pet nº 3388RR Rel Min Carlos Ayres Britto J 2782008 Voto do Min Carlos Ayres Britto p 3738 85 85 uma apropriação pelos índios mas apenas a sua titularização na realização dos fins sociais sem que isto exclua uma ação estatal A tentativa de discussão acerca do marco temporário para a delimitação da ocupação tradicional das terras indígenas igualmente deve volver a sua funcionalização ou seja a posse permanente e usufruto exclusivo das populações ocupantes de forma a proteger e garantir a cultura indígena No julgamento da ação popular propõe o ministro como marco temporal da ocupação a data da promulgação da Constituição Federal vigente de forma a evitar uma fraude da proliferação de aldeias com o objetivo de artificializar a expansão da demarcação bem como a violência da expulsão de índios para descaracterizar a tradição na posse das suas terras233 Parece novamente que a questão pode ter sido recheada de argumentos pragmáticos tendo em vista a própria questão da funcionalização dos bens públicos que como antes situado pode ocorrer da sua própria natureza que se adéqua à uma necessidade coletiva ou decorrer de um ato de afetação pela autoridade pública que o coloque à tal mister Considerada a terra em si que é o objeto central da demarcação e desconsiderado por ora os seus elementos agregadores como os rios minerais e afins por si só não exerce uma finalidade ou função pública tanto que o Estado determina a par daqueles que realizam um munus publico como as montanhas e as florestas quais serão públicas ou privadas Sob tal viés parece claro que a terra só terá natureza pública caso não exerça uma função natural na satisfação das necessidades coletivas caso haja um ato de afetação estatal que determine uma finalidade pública a ser cumprida seja realizado pelo mesmo ou por outro sujeito Não é possível sustentar que as terras indígenas exerçam uma função social em razão de sua natureza já que servem para a organização social costumes línguas crenças e tradições daquele grupo social porque em algum momento os índios fixaram ali a sua ocupação e permaneceram dando lhe uso Por um lado isso não é ignorar a relação ecológica 233 BRASIL Supremo Tribunal Federal Pet nº 3388RR Rel Min Carlos Ayres Britto J 2782008 Voto do Min Carlos Ayres Britto p 5556 86 86 específica que exercem sobre as referidas coisas de forma distinta do outros grupos sociais mas que ela decorre de um ato de afetação material dada pelos índios a terra que por si só poderiam servir em tese igualmente a outros sujeitos Por outro lado não é admitir que a colocação das referidas terras que poderiam ser públicas para outras finalidades sociais ou privadas para a apropriação particular decorre de uma opção do constituinte e portanto um ato de afetação estatal que decidiu destinálas a realização desta função social específica em meio aos demais interesses públicos Não se pode ignorar que embora as referidas terras não exerçam por sua natureza uma finalidade coletiva não foi por ato estatal que passaram a exercêla já que as terras são ocupadas tradicionalmente pelos grupos indígenas e portanto são dotadas dessa função social de proteção ao índio e da sua cultura antes que a ordem jurídicoconstitucional a declarasse Tal entendimento que faz o rel Ministro Carlos Ayres Britto sustentar que a qualificação tradicional importa em uma perdurabilidade da ocupação indígena consagrando uma situação jurídicosubjetiva anterior a qualquer outra que possa preponderar sobre escrituras públicas ou títulos de legitimação de posse em favor de não índios234 Parece que analisar o tema sob a índole notarial discutindo a legitimidade de um título originário se submeter em relação a outros negócios jurídicos que sucessivamente buscaram legitimidade em títulos anteriores na legislação vigente à época conduz a uma questão de índole patrimonial e de direito intertemporal que não é o ponto nodal da questão Tanto que considerou não ser suficiente constatar uma ocupação fundiária coincidente com aquela data uma vez que a ocupação é reconhecida e não outorgada ou concedida e deve ter um caráter de perdurabilidade uma prolongação no tempo235 que não permite sustentar que seja tal função pública atribuída pela Constituição Federal de 1988 A função pública assumida pelas terras deve ser julgada considerada não apenas na delimitação temporal um lapso de exercício de tal munus publico mas igualmente especial 234 BRASIL Supremo Tribunal Federal Pet nº 3388RR Rel Min Carlos Ayres Britto J 2782008 Voto do Min Carlos Ayres Britto p 57 235 Supremo Tribunal Federal Pet nº 3388RR Rel Min Carlos Ayres Britto J 2782008 Voto do Min Carlos Ayres Britto p 58 87 87 em que medida tais terras são necessárias para garantir a habitação permanente dos índios e a proteção de sua cultura Desta feita na delimitação das terras para a reserva indígena aponta o ministro que devem ser consideradas aquelas imprescindíveis à reunião dos recursos necessários ao bem estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural segundo os usos costumes e tradições daquele povo indígena 236 Consagrase na Constituição Federal a demarcação das terras indígenas como forma de garantir uma finalidade social que já exerce o seu conteúdo Deve ser capaz de abranger todos os elementos materiais que permitam garantir não apenas as condições de vida e perpetuação dos indígenas mas igualmente a reprodução de sua estrutura social e cultural A questão voltase a compatibilizar tal função pública que estará sob a titularidade da coletividade na respectiva parcela do grupo social com as demais necessidades coletivas que eventualmente serão buscadas pelo Estado de forma imediata ou com delegação legal ou negocial Nesse sentido é paradigmático o votovista do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito que reconhecia a constitucionalidade da ocupação de terras e respectivamente da demarcação da Raposa Serra do Sol criou uma série de restrições de forma a proteger e adequar o que considera a posse e proteção dos bens do patrimônio indígena237 Parece inadequado e reitera um caráter patrimonialista dos bens públicos sustentar que tratase de uma posse instituto de direito civil aplicável à propriedade privada ainda mais considerando que a Constituição Federal adota a expressão terras ocupadas compatível com a idéia de que tratase de bem público cuja utilização ou seja a titularidade é dos índios Ademais embora a legislação adote a expressão bens do patrimônio indígena as terras que seriam pertencentes ao domínio dos índios238 não deve ter referido o sentido comum e 236 BRASIL Supremo Tribunal Federal Pet nº 3388RR Rel Min Carlos Ayres Britto J 2782008 Voto do Min Carlos Ayres Britto p 61 237 Supremo Tribunal Federal Pet nº 3388RR Rel Min Carlos Ayres Britto J 2782008 Voto do Min Carlos Alberto Menezes Direito p 35 238 Lei Federal nº 6001 de 19 de dezembro de 1973 Art 39 inciso I 88 88 privatista mas especial e cultural já que se liga a identidade do grupo social bem como a própria norma reitera que as terras ocupadas pelos índios são bens inalienáveis da União239 Considerou também que as terras indígenas não podem ser objeto de arrendamento ou de negócio jurídico que restrinja o pleno exercício da posse direta da comunidade indígena qualquer atividade agropecuária extrativa ou de exploração da flora e fauna a vedação de arrendamento ou negócio jurídico além de outras questões todas já previstas em lei 240 Sua inovação decorre do Ministro após analisar as repercussões da demarcação considerar que tanto a Portaria do Ministério da Justiça quanto o Decreto Presidencial deixam de atender ao conjunto de condições que a disciplina constitucional impõe ao que agora se refere como usufruto exclusivo dos índios sobre suas terras241 Não parece que a demarcação de determinadas terras enquanto ato materialmente administrativo pois busca declarálas como tradicionalmente ocupadas pelos índios deva veicular os preceitos constitucionais já incidentes ou produzir uma conformação normativa destes por lhe faltar a abstração e generalidade dos atos legislativos em atentado a isonomia Porém ainda que coubesse tal delimitação pela Administração Pública em usurpação a atribuição do EstadoLegislador parece incapaz de se produzir uma regulação de toda adequação do exercício daquela função social ao atendimento ou compatibilidade com outras necessidades coletivas de forma abstrata ignorando as tensões do caso concreto Não obstante por considerar que a decisão adotada consolidaria o entendimento da Suprema Corte sobre o procedimento demarcatório com repercussão para outras ações propõe o Ministro dezoito condicionamentos para o usufruto constitucional que pretendem delimitar a sua natureza e seu alcance242 De outro modo importa em desnecessária afirmação como condicionantes de normas constitucionais que já são incidentes o que parece um tratamento das terras ocupadas pelos índios como se não estando sob a titularidade do Estado fosse um território não sujeito a 239 BRASIL Lei Federal nº 6001 de 19 de dezembro de 1973 Art 22 parágrafo único 240 Supremo Tribunal Federal Pet nº 3388RR Rel Min Carlos Ayres Britto J 2782008 Voto do Min Carlos Alberto Menezes Direito p 35 241 Supremo Tribunal Federal Pet nº 3388RR Rel Min Carlos Ayres Britto J 2782008 Voto do Min Carlos Alberto Menezes Direito p 57 242 Supremo Tribunal Federal Pet nº 3388RR Rel Min Carlos Ayres Britto J 2782008 Voto do Min Carlos Alberto Menezes Direito p 58 89 89 ordenação jurídicoconstitucional e a sua regulação administrativa Tanto que parece buscar reafirmar a soberania estatal ao determinar a possibilidade de exploração do usufruto das riquezas naturais do solo dos rios por interesse público a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal na área a instalação de equipamentos e realização de obras públicas das construções necessárias à prestação de serviços públicos pela União Tratandose de domínio público ainda que não estatal não significa a atribuição de poderes em relação à coisa ou posições jurídicas típicas de proprietário mas o dever de cumprimento daquela função social bem como a sua compatibilização e realização de outras o que sujeita a regulação pelo EstadoAdministração Ademais todas as condicionantes propostas ou estão previstas de forma expressa na ordem jurídicoconstitucional ou decorrem de modo implícito das competências administrativas sucedendo os chamados poderesdeveres administrativos que condicionam ou regulam a ordem social econômica e patrimonial de forma a adequálos à realização dos interesses públicos Em alguns casos chega a fazer uma interpretação constitucional ampliativa para abranger elementos não previstos como no interesse da política de defesa nacional a instalação de bases unidades e postos militares a critério dos órgãos competentes e independentemente de consulta as comunidades indígenas ou à FUNAI Tratase de uma tentativa de fixar em rol taxativo as atividades ligadas a defesa nacional ignorando que se a Constituição Federal ao prever de forma excepcional e transitória essa afetação à finalidade pública optou por deixar uma abertura ou indeterminabilidade para permitir um espaço de discricionariedade que se adéque às necessidades concretas Porém parece que a tentativa de reafirmação estatal envolve a redução do espaço de ação indígena ao prever a restrição ao usufruto dos recursos naturais pelo interesse público estipular a necessidade de autorização do Congresso Nacional para a exploração de recursos hídricos e potenciais energéticos ou a proibição da garimpagem e da faiscação sem permissão 90 90 Considerando que tais bens são qualificados como públicos em razão da sua função social promoção do índio e sua cultura não estaria incluídas nas atividades desenvolvidas por tais titulares qualquer outra ação que não esteja ligada a tal finalidade coletiva exceto se para realizar ou se adequar a outro fim igualmente público Assim não parece que seja necessário determinar que qualquer exploração dos recursos naturais hídricos energéticos ou minerais pelos índios para finalidade diferente dos seus usos costumes e tradições está vedada já que foge daquela funcionalização dada pela Constituição Federal ao declarar as terras tradicionalmente ocupadas Isso não impede qualquer outra afetação do mesmo bem a outro fim público como a exploração dos recursos energéticos ou garimpagem pelo Estado ou por outro sujeito particular mediante autorização do Congresso Nacional ou permissão de lavra garimpeira porém desde que de forma compatível e não excludente Também denota claramente a função social exercida pela ocupação indígena já que exclui a exploração privada sem fins sociais uma vez que veda nas referidas terras qualquer pessoa estranha aos grupos tribais ou comunidades indígenas a prática de caça pesca coleta de frutos ou de atividade agropecuária ou extrativa Todavia não implica que possa ser desenvolvida tal funcionalização social exploração econômica dos recursos naturais pelos índios uma vez que parece incompatível com a outra função pública que pretende ser exercida pela ocupação a garantia do índio em seus usos costumes e tradições que não abrange tal fim econômico Tão pouco que tal função social exclua outras que são exercidas pelas referidas coisas inclusive decorrente da sua própria substância já que naquelas terras há determinados bens naturais os rios os lagos e afins que são inapropriáveis e destinados materialmente à própria coletividade Assim a previsão de ingresso o trânsito e a permanência de não índios no restante da área da terra indígena parece despicienda diante do direito fundamental de liberdade de ir e vir243 Embora a propositura observadas as condições estabelecidas pela FUNAI pareça demonstrar a regulação estatal que restringe a autonomia privada à função social assumida 243 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 5 XV é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz podendo qualquer pessoa nos termos da lei nele entrar permanecer ou dele sair com seus bens 91 91 Também como condicionante prevê que o usufruto dos índios na área afetada por unidades de conservação será restrito ao ingresso trânsito e permanência na unidade de conservação bem como a caça a pesca e o extrativismo vegetal nos períodos temporadas e condições estipuladas pelo órgão responsável da mesma É a nítida interseção entre esferas de um domínio público não estatal com a funcionalização da terra para a ocupação pelo grupo indígena a funcionalização dos bens naturais como rios e lagos para a coletividade e a funcionalização de florestas com a formação de um parque sob a titularidade do Instituto Chico Mendes Além disso envolve uma interface com domínio público estatal instalação de equipamentos e utilidades públicas ou realização de obras públicas que gera uma tensão aparente já que o exercício de tal função social sob a titularidade indígena não exclui que haja a sua adequação ou concretização de outros interesses coletivos Por esta razão a definição da vedação de cobrança de quaisquer tarifas ou quantias de qualquer natureza por parte das comunidades indígenas para trânsito ou instalação de equipamentos realização de obras públicas e afins e a proibição de realização de negócios jurídicos que impeçam a posse direta incidem no mesmo equívoco Aponta uma tentativa de restrição de uma possível conotação econômica dada às terras pelos índios que por si só já não coadunaria com aquela funcionalização ocupação indígena e portanto não poderia ser exercido por aquele titular o grupo indígena já que não se trata de um bem privado mas um bem público sujeito a uma função social A falha em situar os domínios do público se demonstra ainda na equivocada proposta de vedação da ampliação da terra indígena já demarcada como se tratasse de uma atribuição particular de uma parcela de território àquele grupo social para que desenvolvesse atividade própria e privada Uma vez que a tais terras são reconhecidas para a realização de uma finalidade perseguida pela ordem jurídicoconstitucional a funcionalização do bem público não pode ser tida como estática do ponto de vista territorial e temporal mas determinada na medida do atendimento daquela função pública 92 92 Senão ocorreria a idiocrasia de supondo a extinção daquele grupo indígena tais terras continuariam afetadas a uma ocupação que não existe mesmo não subsistindo seus titulares ou a funcionalização da coisa assim como identificadas outras terras ocupadas por estes e que servem a sua identidade e cultura não poderia haver a sua extensão Subsiste portanto uma dificuldade em delimitar um domínio público não estatal pela persistente confusão da qualificação pública do bem sob a titularidade estatal que faz como no caso citado supor que não estando sob a mesma não haveria o exercício de uma função pública e a natural sujeição às restrições oriundas do regime jurídico de direito público No julgamento pelo Supremo Tribunal Federal a assimilação das condicionantes além de evidenciar tal problemática acerca do reconhecimento de bens públicos sob a titularidade de outros atores sociais que podem igualmente exercer a prossecução das funções sociais aponta também uma tentativa de superar as falhas da regulação normativa da matéria Uma vez que se sustenta uma teoria do domínio público que reúne todas as coisas públicas cumprese propor um único regime jurídico para a sua regulação o que ignora não apenas a multiplicidade das relações e a especificidades delas mas igualmente a ausência de uma única disciplina jurídicopositiva dada a matéria Ademais como pretendia tratar as fronteiras exatas dos domínios do público e do privado e portanto da titularidade do Estado e da sociedade constróise um regime jurídico apartado porém acaba por utilizar normas da disciplina privada o que é reforçado pelas transformações que se sujeitaram os bens públicos O tema será tratado a seguir CAPÍTULO 2 O REGIME APLICÁVEL AOS BENS PÚBLICOS 21 A tentativa de formação de um regime jurídico para os bens públicos do critério da titularidade ao reconhecimento da funcionalidade Como visto demonstramse insatisfatórios os distintos modelos teóricos que buscam reunir sobre um único domínio público a pluralidade de relações jurídicas formada pelos distintos sujeitos incumbidos pela titularidade dos bens públicos bem como as variadas coisas atribuídas ao acervo dominial A tentativa de considerar a titularidade como o elemento central ainda que associado a outros em um critério misto ou transvestido em um elemento forma ou normativo resulta em uma insuficiência para lidar com questões contemporâneas diante da presença de outros atores sociais e o redimensionamento do papel do Estado Tais questões guardam relação não apenas quanto aos fundamentos da teoria domínio público mas resvalam igualmente nos seus efeitos em específico no que tange à construção de uma disciplina normativa especial para reger os bens públicos gerando idiocrasias em relação à aplicação de suas regras e princípios Isto porque se não é possível identificar mais como domínio público exclusivamente o domínio estatal diante de fenômenos como a privatização e a despublicização então tornase necessário delimitar em quais circunstâncias ocorrerá a incidência do regime jurídico de direito público e em que medida poderseá aplicar a disciplina do direito comum Devese perquirir portanto não uma análise analítica do regime jurídico dos bens públicos à luz da classificação dos seus bens e de sua disciplina normativa cuja amplitude do acervo e portanto do objeto de investigação resvalaria os campos do domínio de uma tese mas proceder a seu estudo enquanto categoria jurídica confrontandoa com tais influxos Neste giro a expressão domínio público desde sua formação científica é utilizada para designar e portanto distinguir os bens jurídicos sob a titularidade estatal que estão 94 94 submetidos a um regime jurídico especial e exorbitante do direito comum lhe concedendo atributos próprios que não gozam o acervo patrimonial privado244 Ligase portanto a própria especificidade de tal construção teórica a compreensão que a formação de um domínio público implica necessariamente na delimitação de um regime jurídico com características específicas para os bens públicos em relação à disciplina que é dada ao regime de direito comum Há um caráter de historicidade em tal delimitação já que no Direito Romano que já reconhecia as coisas que faziam parte da noção de público distinguindoo dos particulares no próprio Instituta ao tratar da divisão de coisas245 além da regulação normativa e apartada dos bens públicos246 Note porém que tratavase antes de uma comprovação fática da necessidade de disciplinar de forma distintas tais coisas do que uma criação científica das referidas categorias já que não atendia a nenhum critério técnico e a sua sistematização doutrinária ocorreu apenas no século XIX247 Nas ordens jurídicas integrantes da família romanogermânica a matriz teórica de sua estruturação encontra substrato no modelo francês ao qual a notória circularidade da sua codificação248 não foi distinta no que tange a disciplina jurídica dos bens públicos formando os principais elementos da teoria do domínio público Isso se demonstra na própria generalização do tema como uma única expressão domínio público já que na matriz italiana se sustenta uma distinção entre demanialit e 244 Tem origem a expressão e tal sentido original na obra Traité des servitudes ou services fonciers de J M Pardesus PARDESUS JeanMarie Traité des Servitudes ou Services Fonciers Tomo 1 Paris G Thorel et Guilbert Libraire 1838 p 73 245 CRETELLA JUNIOR José Institutas do Imperador Justiniano São Paulo Revista dos Tribunais 2005 246 MADEIRA Eliane Maria Agati Digesto de Justiniano Introdução ao Direito Romano São Paulo Revista dos Tribunais 2003 Livro 1 título 8º A divisão e qualidade das coisas livro 43 título 7º dos lugares e das estradas públicas título 8º que não se tenha coisas no lugar da estrada pública livro 41 título 3º número 45 que trata da prescrição sob bens públicos e no livro 50 título 16 lei 15 que trata do sujeito de direito sobre as coisas públicas 247 SALEILLES Raymond Le domaine public à Rome et son application en matière artistique Paris L Larose et Forcel 1889 p 34 248 FACCHINI NETO Eugênio Code Civil Francês Gênese e Difusão de Um Modelo Revista de Informação legislativa Ano 50 Número 198 abrjun 2013 p 73 95 95 pubblicit conforme a extensão da utilidade social a afetação ao uso pela coletividade ou não mas com a sua vinculação a um interesse público249 Porém assimilase tipicamente a expressão com um sentido inequívoco e formase um sistema dual de domínio com um domínio privado baseado na autonomia de vontade250 e um público baseado na indisponibilidade da coisa pública251 ignorando não apenas as fronteiras movediças entre ambos os campos mas a própria pluralidade dos bens públicos Tentase configurar dentro de uma concepção de domínio público um único regime jurídico capaz de abranger e regular normativamente de forma unitária todos os variados bens públicos ignorando a diferença que assumem tais coisas que compõem o referido acervo dominial252 Produz portanto a idiocracia de sustentar dentro de um regime jurídico de direito público a existência de uma distinção entre bens coletivos e bens patrimoniais da Administração Pública tendo os últimos elementos e características que são típicas dos sujeitos privados no regime dominial geral privado253 Assim parece que a problemática não se situa na criação de um regime jurídico para os bens públicos seja do ponto de vista científicojurídico como uma categoria ou instituto próprio do Direito Administrativo ou normativopositivo com a produção de regras e princípios específicos para a sua regulação jurídica A celeuma se situa na dificuldade de determinação dos bens que compõem o acervo do domínio público uma vez que a diversidade das coisas demandam uma utilização e proteção distinta que gera uma quebra de diversidade nos regimes patrimoniais254 e portanto a própria unidade sistemática que se pretende rotular com um regime jurídico 249 RANELLETTI Oreste Concetto Natura e Limiti Del Demanio Pubblico in Giurisprudenza Italiana Torino Unione TipograficoEditrice 1898 p 137 250 FRANÇA Code Civil Art 537 As pessoas privadas têm a livre disposição dos bens que lhes pertencem debaixo das modificações estabelecidas pelas leis Os bens que não pertencem as pessoas privadas são Administrados e só podem ser alienados nas formas e segundo as regras que lhe são particulares 251 Code Civil Art 538 As estradas estradas e ruas pelo Estado rios e córregos navegáveis ou flutuantes os bancos terra ribeirinha do mar portos abrigos de pesca ancoradouros e geralmente todas as partes do território francês que não são suscetíveis propriedade privada devem ser tratados como unidades do domínio público 252 SCAGLIUSI Maria de los Ángeles Fernández La necesaria reformulación del concepto de dominio público Op cit p 94 253 ALFONSO Luciano Parejo Domínio Público Op cit p 01 254 ALFONSO Luciano Parejo Domínio Público Op cit p 02 96 96 Tal idiocrasia se sustenta quando pretende implementar elementos específicos de um regime jurídico de direito público produzindo uma regulação exorbitante ao direito comum todavia com a presença de bens jurídicos com contorno tipicamente privados que demandam aplicação daquelas normas gerais Isso decorre precipuamente pela formação de um regime jurídico próprio para os bens públicos estar ligado à noção de titularidade estatal o que faz agregar dentro do domínio público coisas que não necessariamente se adéquam ao mesmo e portanto produz uma tensão no que tange a aplicação de sua disciplina Assim uma vez que no domínio público situamse os bens públicos que seriam as coisas sob a titularidade estatal designa aos mesmos uma disciplina própria embora nem todos eles guardem efetivamente uma natureza de público já que segundo o critério proposto não estão voltados à concretização de uma função social Tal compreensão decorre daquela ligação da noção de domínio público com soberania estatal que fundamentaria um regime jurídico de direito público capaz de permitir ao Estado atuar não apenas sobre os bens públicos à luz de uma disciplina própria mas limitar os particulares no uso da res publicae255 Embora apontem categorias do Direito Romano à proposição de um regime próprio fundado na titularidade soberana estatal isto antes decorre da interpretação acerca das referidas fontes romanas do que a consolidação ipsi factus da eleição de um modelo regulatório historicamente consolidado e incontroverso dos bens públicos256 Surge como uma criação eminentemente da literatura jurídicoadministrativista e da jurisprudência francesa a partir de uma interpretação rigorosa dada às coisas públicas do Direito Romano que acabou sendo incorporada pela legislação e generalizada pela disciplina jurídica257 255 CRUZ Alcides Op cit p 206207 256 Todavia a própria literatura jurídica aponta que o regime das coisas no Direito Romano não são conhecidas perfeitamente em razão das fontes não serem claras já que foram objeto de interpolação de épocas distintas gerando textos incongruentes e com contradições VEGTING W G Domaine Public et Res Extra Commercium Etude historique du droit romain trancáis et néerlandais Paris Sirey 1950 p 3 257 ISKROW Karadge Nature jurique des choses publiques Revue du droit public et de la science politique en France et a letranger Paris Librairie generale de droit et de jurisprudence 1930 p 670 97 97 Constróise uma teoria de demanio como bens subtraídos de uma disciplina jurídica comum através da noção de res publicae do Direito Romano embora esta fosse tida eminentemente como as coisas que pertencia ao povo romano e estavam portanto fora do comércio mas não necessariamente ligado ao Estado e apropriável por ele258 Mesmo quando há a tentativa de criação um regime jurídico para os bens públicos na Idade Média ocorre da necessidade de formação de uma disciplina específica diferenciação dos ingressos reais ao patrimônio da Coroa dos bens259 e portanto não uma reafirmação da titularidade estatal É do modelo francês a estruturação de uma teoria do domínio público que se confunde com domínio estatal importa em uma inadequada identificação de res publicae com potestade com a formação de um regime jurídico público para dotar as coisas estatais de uma disciplina própria com poderes e prerrogativas Utilizar um instituto da antiguidade clássica para atribuir fundamento a um poder público importa ignorar o próprio contexto históricopolítico de uma época que sequer havia Estado na forma ao qual se compreende atualmente e adotar de um conceito que não se adéqua de forma plena às modernas categorias jurídicoadministrativas260 Isto porque não se sustenta diante de coisas sob a titularidade estatal que não são estritamente bens públicos uma vez que ligados a necessidades coletivas e não se amoldam a um regime jurídico próprio ou exorbitante mas parecem se aproximar muito mais de uma disciplina geral privada261 Um exemplo típico são os chamados bens patrimoniais ou dominicais que embora não exerçam uma função social são classificados como bens públicos uma vez que estão sob a titularidade estatal e embora devessem sob a sua qualificação se sujeitar de forma plena ao regime jurídico de direito público encontram certa mitigação quanto a sua alienação Outra incongruência decorre dos bens das pessoas jurídicas de direito privado instituídas pelos entes públicos que se considerada a titularidade devesse se sujeitar ao 258 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico en Revista de Administración Pública Espanha Centro de Estudios Políticos y Constitucionales n 25 1958 p 15 259 ALFONSO Luciano Parejo Domínio Público Op cit p 12 260 BLANCO Alejandro Vergara Teoria del dominio publico Op cit p 137 261 ALFONSO Luciano Parejo Domínio Público Op cit p 13 98 98 regime comum das relações privadas em razão de tal singularidade acabam se sujeitando a um direito privado especial com regime próprio262 Como será visto embora propugne um campo próprio do domínio público e insujeição ao regime de direito privado acabase adotando algumas formas do direito comum de aquisição como a doação acessão ou a compra e venda e de cessação da dominialidade tal qual a destruição alienação ou doação ainda que sujeita a regulação própria263 Tais questões dentre inúmeras outras apontam a dificuldade de se apoiar a formação de um regime jurídico para os bens público sob um critério de titularidade estatal já que isto importaria em ampliar seu objeto para identificar coisas que não se adéquam a tal disciplina própria além de ignorar o verdadeiro objeto que pretende ser protegido Não é recente a compreensão que um regime jurídico especial dos bens públicos que singulariza o domínio público em relação ao privado não decorre simplesmente do fato destes bens estarem sob a titularidade do Estado pois enquanto sujeitos a uma relação jurídica patrimonial a rigor se submetem ao regime de direito comum264 Igualmente não será a natureza das coisas que ensejam a formação de uma disciplina própria pois embora certas materialidades aparentem aptidão à satisfação das necessidades coletivas como os bens naturais eles podem assumir feições privadas que excluam o regime protetivo como as terras privadas ou rios particulares Propõese o regime jurídico especial para proteger o bem jurídico e não a coisa em seu sentido material ou seja tal disciplina jurídica regula as coisas ao qual é atribuída uma qualificação jurídica no caso de bem público não em razão de sua titularidade ou natureza mas de uma função assumida que deflagra a concessão de mecanismos legais protetivos Por esta razão continua insuficiente considerar que o traço característico do regime jurídico de bens públicos seja a sua participação na atividade administrativa ainda que 262 FRAGA Gabino Derecho Administrativo Op cit p 457 CAETANO Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 888 263 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Artigo 37 inciso XXI impõe o prévio processo de licitação pública para compras e alienações para contratos administrativos realizados sob o regime de Direito Público 264 URUGUAI Visconde do Ensaio sobre o Direito Administrativo Rio de Janeiro Typographia Nacional 1862 p 86 99 99 considerada que tal vinculação como da Administração Pública não decorre pela vontade mas pela finalidade jurídica265 Isto porque seria ignorar que determinados bens irão exercer uma função social independente da sua vinculação formal à atividade administrativa e portanto previamente a uma qualificação como jurídica de tal finalidade pública como ocorrem com os bens naturais como os rios e mares Em um modelo de Estado marcado por uma pluralidade de atores sociais envolvidos na persecução do interesse público considerar o contrário gera dificuldades em casos como por exemplo de bens privados utilizados por entes da sociedade civil sem parceria com o Estado para prestação de atividade de interesse eminentemente social Não se sustenta logicamente considerar que bens do Estado que não estão afetados a uma finalidade coletiva são qualificados públicos e ensejam um regime protetivo enquanto coisas embora fora de sua titularidade realizam um interesse da coletividade mas não serão tidos como públicos ou a uma disciplina de direito público Poderia então se ampliar o conceito para abranger no regime jurídico próprio dos bens públicos a par da regulação da lei civil de tais bens apenas àqueles de sujeição aos entes públicos todas as coisas que independente dos seus titulares participem da atividade administrativa e portanto se encontrem vinculado a tais fins266 Porém tornarseia necessário dar contornos mais nítidos ao que é considerado como função pública ou seja se a atividade pública exercida pelos sujeitos estatais o munus publico exercido por particulares mediante ato formal de consentimento dos entes públicos ou qualquer atividade de interesse coletivo exercido por atores sociais Isto porque no Direito Romano as coisas ao qual era atribuído um regime protetivo tidas como res extra commercium não eram apenas por ato de disposição de vontade humana res publicae res universitates res comunes omnium mas igualmente por reconhecimento natural res sacrae res religiosae res sanctae267 265 LIMA Ruy Cerne Princípios de Direito Administrativo São Paulo Revista dos Tribunais 1982 p 75 266 Ruy Cerne Princípios de Direito Administrativo Op cit p 76 267 VANESTRALEN Hernando Bienes de titularidad pública Op cit p 213 100 100 Porém a formação de um regime jurídico distinto e privilegiado para a res publicae com elementos excludentes da aplicação pura do regime comum como a inalienabilidade e a impenhorabilidade derivava não da singularidade das coisas em si que podem ter igual natureza material mas da sua finalidade para o povo romano Significa aduzir que não corresponde somente o ato de afetação em si o dicatio ou publicatio o elemento para determinar a incidência de um regime tutelar já que há coisas que naturalmente atendem uma necessidade coletiva e portanto ensejam independente de um ato de vontade formal o seu reconhecimento protetivo O regime jurídico privilegiado na forma como estipulada pelo Direito Romano tinha como finalidade não proteger a coisa em si seja por sua natureza ou pelo seu ato de afetação mas assegurar na medida destes a satisfação do destino coletivo ao qual se vinculava o referido bem público268 Isto não significa negar que a afetação não exerce papel capital visto que não exercendo a coisa em sua substância e por si só uma necessidade coletiva cabe um ato que coloque a para o atendimento de uma função pública e portanto dotea de um regime jurídico capaz de proteger e garantia a sua adequação a tal fim Neste sentido que se forma na idade média a delimitação do patrimônio da coroa e do público a necessidade de proteger determinados bens tornandoos fora do comércio já que ligados aos interesses comunais do reino daqueles que ingressavam no acervo do monarca e estavam sujeitos à sua livre disposição269 Porém não há uma identificação plena entre função social e afetação formal pois seria transvestir em um critério de titularidade a designação do regime jurídico de direito público para as coisas que exercem uma necessidade coletiva já que mandariam de uma qualificação pública pelo Estado que em última instância definiria o que é ou não público No próprio direito francês a Ordonnance de Moulins de 1566 que inaugurou a distinção entre os bens públicos e privados a partir de seus efeitos regulares e consagrou 268 ALFONSO Luciano Parejo Dominio Público Op cit p 7 269 SÁNCHEZ Miguel Morón Los bienes públicos régimen jurídico Madrid Tecnos 1997 p 24 101 101 formalmente o princípio da indisponibilidade do domínio público gerou uma celeuma ao determinar o perdimento de bens privados e particulares para o Estado270 Tanto que tal origem autoritária levou à revogação da Ordonnance já no Estado Liberal pela Loi du 22 novembre 1790271 como freio a onipotência do Monarca quanto a disposição dos domínio estatal seja na designação de coisas privadas como públicas como na manutenção de públicas de suas coisas privadas que não atendiam finalidades coletivas272 A concessão de um regime jurídico de direito público capaz de traduzir em traços distintivos e mais protetivos as coisas apenas pode decorrer da medida em que elas sejam qualificadas como públicas que pode realizarse pelo Estado mas não em razão de sua soberania mas na medida em que se liguem a uma função social Tanto que com a revolução liberal na França há transferência dos bens da coroa para a nação e pelo papel que irão assumir a necessidade de despilos de qualquer caráter privado e sua possibilidade de disposição reconstróise a noção romana de coisa fora do comércio através dos atributos de inalienabilidade e imprescritibilidade273 Neste sentido que deve ser lida a formação de um regime jurídico aos bens públicos que os tornam impassíveis de apropriação privada com os atributos de indisponibilidade inalienabilidade e imprescritibilidade ao passo que os demais bens podem a rigor ser apropriados e sujeitos a uma disposição latu sensu livre274 Não se pode sustentar que diante da falta de uma previsão normativa de um critério para delimitar o regime jurídico especial são tais caracteres de não sujeição ao comércio jurídico que funcionarão como elementos para determinar não apenas uma disciplina própria mas distinguila de um modelo comum275 O predomínio generalizado dessa distinção pelos caracteres ou efeitos em especial a inalienabilidade decorre antes de um critério histórico do próprio regime político que no 270 FRANÇA Portaria de Moulins de Fevereiro de 1566 Art 28 58 e 59 271 Lei de 22 de novembro e 1 de dezembro de 1790 Art 13 272 FOIGNET René Manuel Élémentaire de Droit Administratif Op cit p 199 273 Coube a sistematização a obra clássica PROUDHON M Traité du domaine public ou De la distinction des biens considérés principalement par rapport au domaine public Dijon Chez Victor Lagier Libraire Éditeur 1833 274 CRUZ Alcides Op cit p 204 275 CAETANO Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 887 102 102 direito antigo regulava de forma similar a disposição de bona publica pelo monarca276 do que efetivamente de um elemento capaz de sustentar uma especificidade do regime jurídico No Direito Romano se distinguiam as coisas divinas das humanas bem como os bens particulares res singulorum dos bens públicos que abrangiam as coisas de uso comum de todos res communes omnium daquelas que pertenciam ao Estado Romano res publicae e as que pertenciam às cidades res universitatum e eram atribuídas ao povo277 Havia a identificação da res publicae como fora do comércio ou seja que as coisas públicas eram dotadas dos atributos de inalienabilidade e imprescritibilidade e portanto traduziamse como elementos caracterizadores de um regime jurídico distinto e privilegiado278 Porém tais elementos não foram considerados pela disciplina do regime jurídico de bens públicos seja no Código Civil de 1916 onde sequer havia previsão de inalienabilidade mas da sua insujeição as leis civis279 assim como na regulação atual pelo Código Civil de 2002 não são tais critérios distintivos mas a titularidade280 Tais caracteres são antes efeitos de uma disciplina jurídica especial formada em razão da necessidade de proteção da função social assumida pelas as referidas coisas do que efetivamente um traço distintivo dos bens públicos ou como fundamento para um regime jurídico específico Os bens que são tidos como dotados de uma finalidade pública pelo tempo que durar tal destinação devem ter a natureza de coisas fora do comércio enquanto os demais por faltar tal função irão compor o domínio privado sendo livremente alienáveis e sujeitos à sua prescritibilidade281 276 PORTUGAL Dominici Antunez Tractatus de donationibus jurium et bonorum regiae coronae Tomo 2 Lugduni Anisson 1726 p 482 277 MADEIRA Eliane Maria Agati Digesto de Justiniano Op cit Livro 1 Capítulo VIII item 2 parágrafo 1 a 6 Livro III Capítulo IV item 1 parágrafo 1 278 ALFONSO Luciano Parejo Dominio Público Op cit p 7 279 BRASIL Lei Federal nº 3071 de 01 de Janeiro de 1916 Art 67 Os bens de que trata o artigo antecedente só perderão a inalienabilidade que lhes é peculiar nos casos e forma que a lei prescrever 280 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 98 São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno todos os outros são particulares seja qual for a pessoa a que pertencerem 281 CRUZ Alcides Op cit p 204205 103 103 Tal tese chegou a ser incorporada pelo Código Civil de 1916 que identificava os bens públicos como as coisas foras do comércio e estas como aquelas insuscetíveis de apropriação e legalmente inalienáveis embora parcialmente já que insistia na inalienabilidade de todos os bens públicos inclusive considerando os dominicais282 O que importa notar é o que deflagra o regime jurídico protetivo e a qualificação como coisa fora do comércio não é apenas a determinação formal ou legal mas igualmente a material e natural que as dote de uma função para a coletividade que a impeça de apropriação por particulares e portanto ser objeto de direitos individuais283 Considerar como os romanos que os bens públicos são res extra commercium não é apontar que a sua exclusão do regime comum com a aplicação de uma disciplina jurídica própria decorra desta própria natureza pois se há coisas que de fato são materialmente inapropriáveis como alguns bens públicos naturais outras não o são Ademais a atribuição de uma natureza fora do comércio não pode servir como elemento central do regime jurídico de direito público já que não necessariamente é um efeito especifico já que em alguns sistemas jurídicos os bens públicos não são inalienáveis e em nossa ordem jurídica há bens privados que podem ser gravados com uma inalienabilidade284 Considerar que o regime jurídico de direito público veda o comércio não significa total insujeição a qualquer ato negocial mas uma restrição a rigor às formas privadas pois se admite desde as delegações até a criação dos direitos reais administrativos inclusive negócios transmissíveis para os particulares como as permissões285 Traduzse como um efeito do regime jurídico pois pretende torna impossível que o bem público seja objeto de uma relação jurídica obrigacional contratual ou real que o reduza a uma propriedade ou posse permanente individual bem como qualquer forma oneração pelos modos do Direito Privado286 282 BRASIL Lei Federal nº 3071 de 01 de Janeiro de 2016 Art 69 e 67 283 CAETANO Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 825 284 MASAGÃO Mario Curso de Direito Administrativo Tomo II 2ed São Paulo Max Limonad 1959 p 135 285 CAETANO Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 825826 286 Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 825 104 104 Pretende conservar não a titularidade estatal mas a função social que é perseguida de forma que ainda sob a titularidade não estatal seja da coletividade grupo social ou sujeito privado em específico será atribuída enquanto tal coisa estiver ligada à persecução de uma finalidade coletiva Dessa forma que na concessão administrativa por exemplo os bens utilizados na prestação da atividade pública conservam os atributos de inalienabilidade impenhorabilidade e imprescritibilidade durante o exercício do serviço público pelo particular e após a extinção do contrato administrativo são revertidos ao Estado287 Enquanto a coisa estiver vinculada a uma função coletiva independente de seu titular como no caso narrado com o ente particular durante a execução do contrato administrativo ou com o titular público após a sua extinção conservará um regime jurídico protetivo que impeça a perda de tal qualificação pública o que aduz a questões de diferentes ordens Uma vez reconhecida que a categoria central que orienta a formação de uma disciplina científicoteórica específica o domínio público e uma regulação jurídiconormativa própria o regime jurídico especial é a função social em uma gradação de concretização e não apenas de conformação isto resulta em discutir qual será o seu conteúdo Sendo a funcionalização da coisa a uma necessidade coletiva o elemento central que definirá a incidência da disciplina normativa especial devese questionar os chamados bens patrimoniais ou dominicais que embora presentes no acervo dos entes estatais não estão afetados a uma função coletiva Há de se verificar se é possível sustentar um único regime jurídico especial para a regulação de coisas distintas quanto à sua funcionalidade em razão de uma afetação material ou formal e a própria titularidade bens desafetados sob a sujeição estatal e coisas afetadas sob uma titularização coletiva O tema será tratado a seguir 287 BRASIL Lei Federal n 8897 de 13 de Fevereiro de 1995 Art 35 1 Extinta a concessão retornam ao poder concedente todos os bens reversíveis direitos e privilégios transferidos ao concessionário conforme previsto no edital e estabelecido no contrato 22 A insuficiência da unicidade de uma disciplina jurídica para pluralidade dos bens públicos da insustentabilidade dos caracteres à assistematicidade da regulação constitucional à luz da função social A tentativa de delimitação de um regime jurídico para os bens públicos conduz a necessidade de investigação acerca das coisas que compõem o domínio público de forma a apurar se todas podem ser reunidas sob uma única disciplina ou estarão sujeitas tal qual a sua especificidade a várias disciplinas ou a gradações de um regime Neste viés surge a primeira celeuma que é a própria delimitação das fronteiras do público pois dependente de qual critério é aderido pela referida teoria adotada podese ampliar o objeto para sustentar qualquer bem sob a titularidade estatal ou restringilo para propor apenas determinadas coisas em razão de sua natureza Partese portanto da concepção generalizada de que o domínio público se identifica em alguma medida com a titularidade estatal de forma a demonstrar as incongruências de se sustentar determinada coisas no acervo público e mostrar maior compatibilidade de uma perspectiva funcional no que tange a sujeição ao regime jurídico especial Novamente isto envolve uma desmistificação da idéia de um regime jurídico único capaz de regular a heterogeneidade dos bens que integram o domínio público e demanda a busca por soluções que envolvem as referidas coisas e seus problemas que persistem e assumem novas formas288 Claro que a expressão domínio público nunca foi caracterizada por demarcar uma uniformidade mas se assumida dada concepção sob tal rótulo não é possível extrair de forma clara um regime jurídico comum para os bens que integram tal acervo público tal noção restará esvaziada e como técnica se exteriorizará tal qual insuficiente289 Também não é uma controvérsia atual a dificuldade de regulação dos bens públicos em razão dessa insuficiência do emprego das categorias tradicionais propostas para regular a 288 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 447 289 Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 447448 106 106 multiplicidade de bens que compõem o domínio estatal nas variadas configurações que eles assumem290 Porém se agrava na contemporaneidade na medida em que o redimensionamento do papel do Estado e a participação de outros atores sociais na prossecução do interesse público produz um movimento dialético de redução e ampliação dos bens públicos e conduzem a uma celeuma na regulação das coisas que não são mais estatais e as que passam a ser públicos Algumas questões agravam a dificuldade de formação de um regime jurídico para os bens públicos como a própria regulação da matéria ser eminentemente lege ferenda com a previsão no tipo normativo de conceitos jurídicos de conteúdo indeterminado bens estabelecimentos patrimônio o que dificulta a caracterização do seu conteúdo291 Isso torna claro no que tange aos recursos financeiros dos poderes públicos que ora é considerado como bens públicos para sujeição ao regime especial e restrição ao seu uso em outros momentos é tido como ingressos e sujeito ao objeto de regulação normativa própria e análise da ciência jurídicofinanceira Aliase também a inexistência de uma codificação administrativa ou de uma disciplina normativa unificada do regime de bens que sendo tratado em uma pluralidade de fontes legais292 editadas diante de regimes jurídicoconstitucionais diversos e conjecturas políticas liberais ou sociais ampliam a dificuldade de uma sistematização em um único regime Não se ignore igualmente que sob a égide de um Estado Federado onde cada ente é dotado de uma autonomia políticoadministrativa cada qual exercerá não apenas as competências atribuídas pela partilha constitucional mas igualmente a regulação normativa e ação administrativa sob os bens atribuídos ou adquiridos para cumprimento dos seus fins Isso resulta em uma constelação normativa não apenas no âmbito federal e estadual mas em uma federação anômala no que se refere ao ente municipal e distrital o que produz 290 REALE Miguel Direito Administrativo Op cit p 229 291 Miguel Direito Administrativo Op cit p 229 292 Na ordem jurídica vigente a disciplina de bens públicos ocorre não apenas com o sistema de partilha de competências e bens também na Constituição Federal de 1988 como na sua classificação geral definição de seus caracteres e formas de aquisição pelo Código Civil Lei Federal nº 1040602 na legislação federal que de forma esparsa trata do seu procedimento de alienação Lei Federal nº 86661993 que regula os bens da União DecretoLei nº 97601946 e a sua regularização administração aforamento e alienação Lei Federal nº 96361998 além das suas especificidades nos consórcios públicos Lei Federal nº 111072005 e das disposições estaduais e municipais 107 107 regulações diferenciadas e torna difícil a sua reunião científica em uma disciplina única ao menos sem produzir determinadas incoerências Se tais questões conduzem a uma dificuldade na formação de um regime jurídico único devese indagar em que medida é sustentável propor reunir sob uma única disciplina jurídicocientífica os bens públicos com a pretensão de regular de forma uniforme uma pluralidade de coisas em suas especificidades e até mesmo as suas indeterminabilidades Isto porque a existência de determinadas coisas das pessoas administrativas de direito público de índole eminentemente privada como os bens dominicais e aquelas em zonas fronteiriças das pessoas administrativas de direito privado ligados tanto à atividade pública quanto privada desenvolvida dificultam na regulação uniforme de tal pluralidade de coisas Poderia sustentar a conveniência de implantar um regime jurídico especial distinto da disciplina do domínio público e privado para tais bens em zonas fronteiriças293 Entretanto não resolveria a celeuma que envolve a aplicação ou não dos referidos regimes aos bens considerados públicos Poderseia considerar que a formação de um regime jurídico para os bens públicos deve ser extraída ou determinada pelo próprio estatuto fundamental da sociedade política de forma que compete a Constituição Federal estipular os elementos básicos que permitiriam a recondução de todas às coisas a uma disciplina básica ou geral O processo de constitucionalização do domínio público é um elemento essencial na consagração da sujeição das coisas às finalidades públicas294 uma vez que auxilia na determinação não apenas das fronteiras do público e do privado mas através da partilha entre os sujeitos públicos determina a ação estatal e a função assumida pelos bens públicos Porém a adoção generalizada nos textos constitucionais de distintos ordenamentos jurídicos dos elementos do regime de direito público inalienabilidade impenhorabilidade e imprescritibilidade para os bens públicos antes apontam a assimilação de uma matriz francesa das teorias do domínio público295 do que de fato uma regulação eficaz das coisas 293 ARÉVALO Manuel Franciscos Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 46 294 LLOVET Tomás Font La ordenación constitucional del dominio público in BAQUER Sebastián Martín Retortillo Estudios sobre la Constitución española Homenaje al profesor Eduardo García de Enterría Madrid Civitas 1991 pág 3931 295 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 446 108 108 Em parte há bens que para a literatura majoritária integram o domínio público sem que no entanto estejam sujeitos a tais atributos como por exemplo os bens dominicais que em razão de sua titularidade acabase atribuindo uma alienação condicionada mas sequer deveria diante da ausência de uma função social Talvez deverseá ter sido adotada a fórmula da Constituição Espanhola que prevê a inspiração do regime do domínio público por tais caracteres296 o que permite que tais princípios sejam não apenas moduláveis por norma infraconstitucional mas igualmente a compreensão de que não são exclusivos dos bens sob titularidade estatal297 Adéquase portanto a pluralidade de bens que são identificados no acervo do domínio público que podem ou não ser dotados dos elementos de inalienabilidade impenhorabilidade e imprescritibilidade na medida em que estejam ligados à realização de uma função social e portanto seja necessário proteger tal finalidade Poderia sustentar que guardando o bem a qualificação de público isto importaria na assunção de um regime jurídico de direito público e em consequência tais caracteres contudo isto seria assumir que há uma identidade entre uma disciplina especial e pública que volve novamente à confusão dos conceitos de público e estatal Todavia o fato de construir uma teoria para as coisas que exerçam uma função social o domínio público demanda a necessidade de uma disciplina especial que embora a rigor possa ser um regime jurídico de direito público deve ser aplicado na medida em que garanta a funcionalização da coisa o fundamento último dessa regulação específica Isto significa admitir que há uma reordenação quanto a tradicional noção de que a singularidade do regime público em relação ao privado ocorre em razão dos atributos concedidos ao ente estatal como os poderes administrativos ou dos caracteres produzidos sob os referidos bens como a inalienabilidade impenhorabilidade e a imprescritibilidade298 Os poderes administrativos não já podiam ser vistos como traços distintivos uma vez que não são exercidos exclusivamente sob o domínio público mas também sob o domínio 296 ESPANHA Constituição da Espanha de 27 de Dezembro de 1978 Art 132 1 La le regulará el régimen jurídico de los bienes de dominio público y de los comunales inspirándose en los principios de inalienabilidad imprescriptibilidad e inembargabilidad así como su desafectación 297 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 451 298 URUTTIA José Luiz GonzálezBerenguer Sobre La Crisis Op cit p 192 109 109 privado subordinando a atividade econômica e social individual inclusive no que tange ao exercício do direito de propriedade aos ditames dos interesses públicos299 Tais traços característicos igualmente não são inerentes do regime de direito público pois igualmente o regime jurídico de direito privado pode o estipular para a proteção e utilização da coisa garantindo o respeito a dado interesse social pelos instrumentos ou faculdades do direito privado300 Assim mesmo a inalienabilidade por exemplo não pode ser utilizada como critério destacante para o domínio público uma vez que há bens públicos que não se sujeitam as mesmas como os bens dominicais301 bem como existem bens privados que igualmente podem ser dotados de tais características302 Mesmo porque a inalienabilidade dos bens públicos para a literatura jurídica tradicional parece encontrar fundamento na afetação de forma que não consiste tanto na impossibilidade de sua disposição mas antes na incapacidade de alienação onerosa ou gratuita sem a prévia exigência de um ato de desafetação303 Embora se sustente que o regime jurídico especial para as coisas qualificadas como públicas decorre da função social e não da afetação em si inevitável que a inalienabilidade ou qualquer atributo para os bens públicos não serão absolutos mas incidentes na medida em que necessários à proteção desta em sua graduação Toda questão apresentada se demonstra deficiente à formação de uma teoria geral do domínio público pela falta de contornos marginais na delimitação do regime jurídico próprio para os bens públicos que busca fundamento em efeitos não específicos em relação aos bens privados para a formação de uma disciplina própria Isso decorre precipuamente por esta tentativa de delimitação do regime jurídico dos bens públicos a partir de uma titularidade que antes visa conservar tais coisas a uma sujeição 299 TÁCITO Caio O Poder de Polícia e Seus Limites Revista de Direito Administrativo v 27 1952 Fundação Getúlio Vargas p 2 300 OYARZÚN Santiago Montt La administración del Estado y los bienes Op cit p 274 301 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 101 Os bens públicos dominicais podem ser alienados observadas as exigências da lei 302 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1911 A cláusula de inalienabilidade imposta aos bens por ato de liberalidade implica impenhorabilidade e incomunicabilidade 303 URUTTIA José Luiz GonzálezBeren guer Sobre La Crisis Del Conceptio Op cit p 203 110 110 estatal enquanto tidas como propriedade do que efetivamente se ligar a proteção de sua função social ou reconduzila à própria coletividade Resta claro que na própria Constituição Federal de 1988 embora tenha consagrado um controle social seja exercido diretamente pelo grupo social304 ou indiretamente através dos órgãos constitucionais305 não atribui de forma geral a atuação pela sociedade no que tange aos bens públicos Ao revés opta por determinar a titularidade e a proteção singular306 ou comum307 dos bens públicos imediatamente aos entes federados e seus respectivos órgãos administrativos308 em uma perspectiva patrimonialista extraível do próprio tipo constitucional que opta pelo verbo ter denotando antes a relação de titularidade do que estar ligando à efetiva função Poderseia sustentar que a lei fundamental ao atribuir a sujeição dos bens públicos aos entes estatais ainda que neste viés patrimonialista estaria resguardando de forma indireta ou mediata a titularidade na coletividade bem como a própria função já que a ação pública é dotada de tal munus legal Porém demonstrase de forma clara a tentativa de formação de um acervo patrimonial independente da função social perseguida o modo como são atribuídas à titularidade estatal determinadas coisas que sequer podem ser apropriadas e exercem já por si só uma finalidade coletiva 304 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 5 LXXIII qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe à moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural ficando o autor salvo comprovada máfé isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência 305 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 129 São funções institucionais do Ministério Público III promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos 306 Constituição da epública Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 20 São bens da União Art 26 Incluemse entre os bens dos Estados 307 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 23 É competência comum da União dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios I zelar pela guarda da Constituição das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público III proteger os documentos as obras e outros bens de valor histórico artístico e cultural os monumentos as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos VI proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas VII preservar as florestas a fauna e a flora 308 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 144 A segurança pública dever do Estado direito e responsabilidade de todos é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio através dos seguintes órgãos 8º Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens serviços e instalações conforme dispuser a lei 111 111 Considera o modo como atribui bens ao acervo patrimonial da União coisas que são insuscetíveis por sua própria natureza de apropriação por sujeitos públicos ou privados como lagos rios e águas309 ilhas e praias310 o mar territorial311 as cavidades naturais e os sítios arqueológicos e préhistóricos312 que tendem por si só exercer uma função social Poderseia afirmar que tem por finalidade garantir qual sujeito dentro de um Estado Federativo será incumbido da proteção e promoção dos referidos bens em razão da natureza do interesse nacional regional ou local porém para tal mister não precisava ser atribuída a titularidade com viés de propriedade mas competências com ligação à um dever Ao revés ao considerar como bens do Estado outras coisas de índole natural como as águas superficiais ou subterrâneas313 as áreas das ilhas oceânicas e costeiras314 bem como as ilhas fluviais e lacustres315 desde que não pertencentes à União demonstram que o objetivo é determinar as titularidades e não as funções Isto porque é necessário considerar o princípio da preponderância de interesses de forma estática de modo que bens que ultrapassam o domínio territorial ou exercem uma função para mais de um munícipio serão de titularidade estatal e mais de um estado de sujeição federal ignorando que haja em alguns casos não apenas interseções mas zonas fronteiriças 309 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 20 III os lagos rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio ou que banhem mais de um Estado sirvam de limites com outros países ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham bem como os terrenos marginais e as praias fluviais 310 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 20 IV as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países as praias marítimas as ilhas oceânicas e as costeiras excluídas destas as que contenham a sede de Municípios exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal e as referidas no art 26 II 311 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 20 VI o mar territorial 312 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 20 X as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e préhistóricos 313 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 26 I as águas superficiais ou subterrâneas fluentes emergentes e em depósito ressalvadas neste caso na forma da lei as decorrentes de obras da União 314 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 26 II as áreas nas ilhas oceânicas e costeiras que estiverem no seu domínio excluídas aquelas sob domínio da União Municípios ou terceiros 315 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 26 III as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à União 112 112 Em que medida por exemplo podese considerar que um rio que cruza apenas um Estado não possui relevância ou interesse nacional a justificar uma proteção da União Ao atender uma coletividade indeterminada gera portanto repercussões que ultrapassam os domínios territoriais daquele ente estatal Seria ignorar a própria integridade e indivisibilidade do domínio natural que torna impossível uma repartição territorial da sua função social que assumem visto que se ligam ao equilíbrio do ecossistema e a própria manutenção da vida humana e não somente daquela coletividade naquele território Ademais como visto determinados bens públicos compõem o domínio público não estatal e portanto se sujeitam a uma titularidade de um ente não estatal a coletividade um grupo social ou ente privado tal qual os bens naturais que não são passíveis de apropriação por nenhum sujeito ou atribuição de propriedade mas servem à coletividade Isso não significa que o Estado enquanto um ente moral constituído para perseguir finalidades coletivas não exercerá sobre eles determinados deveres e portanto uma regulação do seu uso que permita o alcance ou o melhor atendimento à função pública mas que há uma atecnia da Constituição Federal ao considerar tais coisas como bens da União ou do Estado Ademais essa partilha constitucional de bens demonstra que não se relaciona propriamente com a função pública na medida em que consagra o município e o distrito federal como entes federados com autonomia316 mas não prevê qualquer acervo ao tratar dos seus regimes317 Não se nega que parte da literatura jurídica buscará construir um acervo patrimonial para o munícipio318 e aplicar o regime patrimonial da União e Estados ao Distrito Federal por 316 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 18 A organização políticoadministrativa da República Federativa do Brasil compreende a União os Estados o Distrito Federal e os Municípios todos autônomos nos termos desta Constituição 317 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 29 a 31 318 STROPPA Yara Martinez de Carvalho e Silva Município aquisição de bens móveis e imóveis Boletim de Direito Administrativo n 9 1992 p 521 113 113 força de interpretação de norma constitucional relativa à competência319 embora alguns fundamentem a exclusão do Município como ente federado exatamente por tal razão320 Porém se o fundamento da partilha constitucional de bens fosse garantir a titularidade na medida da realização de determinadas funções públicas por um lado deveriam ser atribuídas coisas que estivessem ligadas ao munus publico de tais entes bem como prever um acervo para que cada ente realizasse as suas funções Não obstante parece ligar eminentemente à questão de soberania a atribuição do mar territorial como bem da União ou a afirmação de uma autonomia política a determinação de lagos e rios como bens do Estado do que antes uma preocupação com a sua função social tanto que não se refere Note como a Constituição Federal de 1988 ao trazer um regime jurídico para os bens públicos adota não como elemento central a função mas um critério de titularidade tanto que opta por realizar uma partilha das coisas para os entes federados e sequer busca definir a finalidade pública a ser adotada pelos referidos bens Tal preocupação com o sujeito estatal e a sua propriedade resta claro na assunção que serão bens públicos também os que pertençam e os que venham ser atribuídos321 sem delimitação se haverá uma função social para tal atribuição bem como novamente sem veicular qualquer disposição relativa à finalidade que deve ser perseguida Isto fica igualmente claro no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias que estipulou a revisão das alienações concessões e doações de terras públicas realizadas sob a vigência do período de 1962 e 1987 demandando a reversão ao patrimônio dos entes federados em caso de ilegalidade ou interesse público respectivamente322 319 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 32 1º Ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e Municípios 320 SILVA José Afonso da Curso de Direito Constitucional Positivo 24 ed São Paulo Malheiros 2005 p 474475 e 639644 321 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 20 São bens da União I os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos 322 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 51 Serão revistos pelo Congresso Nacional através de Comissão mista nos três anos a contar da data da promulgação da Constituição todas as doações vendas e concessões de terras públicas com área superior a três mil hectares realizadas no período de 1º de janeiro de 1962 a 31 de dezembro de 1987 1º No tocante às vendas a revisão será feita com base exclusivamente no critério de legalidade da operação 2º No caso de concessões e doações a revisão obedecerá aos critérios de legalidade e de conveniência do interesse público 3º Nas hipóteses 114 114 Extraídas as hipóteses de ilegalidade e subtraída a possível tensão que tal reversão pode ocasionar ao princípio da segurança jurídica e a prescrição administrativa tratandose de interesse público não há razão para demandar uma reversão já que a persecução da função social pode estar sendo realizada pelo sujeito privado na privatização ou despublicização Porém pretende sujeitar situações já constituídas perante a ordem vigente a época a uma revisão que não necessariamente voltase a proteção da função social dos referidos bens já que no caso das alienações observarão apenas o critério da legalidade mas antes se preocupa com a possibilidade de reaver a titularidade estatal Poderia então supor que o critério de titularidade adotado pela Constituição Federal seja o elemento estruturante e suficiente para a formação de um único regime jurídico para os bens públicos e portanto a função social será a consequência disto ou seja decorrerá da medida da atribuição à sujeição estatal das referidas coisas Porém a própria Constituição Federal não submete a um único regime jurídico todos os bens públicos uma vez que esbarra na própria dificuldade em delimitar determinadas coisas a partir de uma definição pela sua titularidade e acaba utilizando outras formas de designação Assim no que tange à regulação da cultura e a dificuldade na determinação de uma titularidade única determina a formação de um patrimônio cultural brasileiro323 ao qual atribui não uma propriedade mas uma proteção324 e gestão325 pelos poderes públicos com a participação direta do povo Parece reconhecer a formação de um domínio público não estatal ao admitir que tais coisas tenham uma função social e portanto são qualificadas como públicas patrimônio previstas nos parágrafos anteriores comprovada a ilegalidade ou havendo interesse público as terras reverterão ao patrimônio da União dos Estados do Distrito Federal ou dos Municípios 323 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 216 Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial tomados individualmente ou em conjunto portadores de referência à identidade à ação à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira nos quais se incluem 324 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 216 1º O Poder Público com a colaboração da comunidade promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro por meio de inventários registros vigilância tombamento e desapropriação e de outras formas de acautelamento e preservação 325 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 216 2º Cabem à administração pública na forma da lei a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem 115 115 nacional brasileiro porém sem necessariamente estarem sob a titularidade estatal mas da própria coletividade Ademais determina uma graduação de semelhante função que permitirá a titularidade estatal com a desapropriação ou a sua sujeição a titularidade pela coletividade grupo social ou indivíduo mas resguardando a sua finalidade pública com os inventários registros vigilância e tombamento Também parece reconhecer a insuficiência da delimitação de uma titularidade ao tratar da competência do Congresso Nacional quanto a tratados acordos e atos internacionais para bens do patrimônio nacional326 dotando de uma abertura semântica para abranger coisas relevantes ao Estado Brasileiro mas não estejam sob a União ou sequer aos entes públicos Tal caráter fica claro ao considerar que o mercado interno integra o patrimônio nacional327 que portanto não se limita ou se identifica a reunião dos bens federais estaduais municipais e distritais mas antes corresponde a uma fórmula adotada pelo constituinte para reconhecer a existência de outros bens públicos sob a não titularidade estatal Tal dificuldade de dotar de unicidade um regime jurídico especial para os bens públicos fica claro ao identificar certos bens públicos naturais como a floresta amazônica como patrimônio nacional e relacionálo com a sua função social ao determinar que o seu uso deva atender a proteção ambiental328 Parece incongruente considerar apenas tais bens naturais como patrimônio nacional e os demais como bens da União e do Estado já que se considerada tal função social exercida na garantia do meio ambiente ecologicamente equilibrado não os situam apenas em bem público de uso comum da coletividade329 mas da própria humanidade330 326 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 49 É da competência exclusiva do Congresso Nacional I resolver definitivamente sobre tratados acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional 327 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 219 O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e socioeconômico o bemestar da população e a autonomia tecnológica do País nos termos de lei federal 328 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 225 4º A Floresta Amazônica brasileira a Mata Atlântica a Serra do Mar o Pantanal MatoGrossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional e sua utilização farseá na forma da lei dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente inclusive quanto ao uso dos recursos naturais 329 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 225 Art 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso comum do povo e essencial à sadia 116 116 Note portanto que a Constituição Federal não consegue dotar de um regime jurídico único os bens públicos mas ao revés regula os bens públicos ora a partir da sua função social ora através de uma titularidade seja considerandoos como bens da coletividade ou partilhando entre os federados Poderia sustentar que a regulação do regime dos bens público ocorre através dos seus caracteres mas seria desconsiderada a insuficiência já vista dos atributos veiculados para distinguir os bens públicos em relação aos privados e sustentar a formação de um regime jurídico único Porém a própria Constituição Federal não dispõe de forma plena sobre tais caracteres com ausência de previsão da inalienabilidade mas a regulação da alienação tanto para a Administração Pública Direta331 e Indireta332 a impenhorabilidade apenas para alguns bens privados333 e a imprescritibilidade somente para os bens públicos imóveis334 Demonstrase não apenas do ponto científicojurídico a partir de uma perspectiva funcionalista da teoria do domínio público quanto normativopositivo à luz da regulação qualidade de vida impondose ao Poder Público e à coletividade o dever de defendêlo e preserválo para as presentes e futuras gerações 330 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação Ciência e Cultura de 17 de Outubro a 21 de Novembro de 1972 Art 2 Para fins da presente Convenção serão considerados como património natural Os monumentos naturais constituídos por formações físicas e biológicas ou por grupos de tais formações com valor universal excepcional do ponto de vista estético ou científico As formações geológicas e fisiográficas e as zonas estritamente delimitadas que constituem habitat de espécies animais e vegetais ameaçados com valor universal excepcional do ponto de vista da ciência ou da conservação Os locais de interesse naturais ou zonas naturais estritamente delimitadas com valor universal excepcional do ponto de vista a ciência conservação ou beleza natural 331 BRASIL Constituição da epública Federativa de 05 de Outubro de 1988 Art 37 XXI ressalvados os casos especificados na legislação as obras serviços compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento mantidas as condições efetivas da proposta nos termos da lei o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações 332 Constituição da epública Federativa de 05 de Outubro de 1988 Art 173 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços dispondo sobre III licitação e contratação de obras serviços compras e alienações observados os princípios da administração pública 333 Constituição da epública Federativa de 05 de Outubro de 1988 Art 5 XXVI a pequena propriedade rural assim definida em lei desde que trabalhada pela família não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento 334 Constituição da República Federativa de 05 de Outubro de 1988 Art 183 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião Art 191 Parágrafo único Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião 117 117 básica produzida pela Constituição Federal a impossibilidade de se sustentar um único regime jurídico capaz de regular tal pluralidade de coisas Isso também se verifica junto da Constituição Federal de uma disciplina pelo Código Civil335 e uma constelação normativa que abrange leis específicas como as de concessão dos bens336 E leis gerais que regulem o acervo de cada ente federado como o decretolei da União que determina sua conceituação identificação e demarcação337 Tal pluralidade normativa com distintas disposições relativas aos bens públicos concede indícios da impossibilidade de se sustentar um regime jurídico em razão da própria elasticidade e dificuldade de delimitação do conceito de bem público que acaba por abranger coisas estatais não funcionalizadas e excluir coisas privadas funcionalizadas Tomarseá de forma exemplificativa a regulação legal dos bens públicos que acaba por erigir a possibilidade de se sustentar uma disciplina única a partir da disciplina pela lei federal nº 1197709 no que tange a ocupação em bens públicos naturais338 bem como pela lei federal nº 133032016 no que se relaciona aos bens de pessoas administrativas privadas Em um vértice embora determine a Constituição Federal e a própria lei civil a insujeição dos bens públicos a usucapião339 foi admitida a regularização fundiária de ocupação irregular em bens públicos naturais340 inclusive naqueles que são tidos ou designados como área de preservação permanente341 Não há pretensão tratar nesse momento sob o tema porém se excluída a tese de inconstitucionalidade material da norma legal e buscando uma interpretação conforme à Constituição capaz de preservar a manifestação do legislativo parece que a lei admite 335 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Livro II Título Único Capítulo III 336 Lei Federal nº 9074 de 07 de Julho de 1995 Art 4 10 e 11 Art 4A inciso II e outros 337 DecretoLei nº 9760 de 05 de Setembro de 1946 338 A referida lei foi alterada pela Lei Federal nº 12424 de 16 de Junho de 2011 339 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 102 Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião 340 Lei Federal nº 11977 de 07 de Julho de 2009 Art 46 A regularização fundiária consiste no conjunto de medidas jurídicas urbanísticas ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes de modo a garantir o direito social à moradia o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado 341 Lei Federal nº 11977 de 07 de Julho de 2009 Art 46 1 O Município poderá por decisão motivada admitir a regularização fundiária de interesse social em Áreas de Preservação Permanente ocupadas até 31 de dezembro de 2007 e inseridas em área urbana consolidada desde que estudo técnico comprove que esta intervenção implica a melhoria das condições ambientais em relação à situação de ocupação irregular anterior 118 118 naquele lapso temporal para fins de moradia o usucapião de alguns bens de uso comum do povo Em outro vértice embora as sociedades de economia mista tenham natureza de direito privado e sejam formadas também parcialmente por capital privado342 inclusive sujeitas a um regime jurídico próprio das empresas privadas343 o seu estatuto jurídico prevê condicionamento aos seus bens quase idêntico àquelas impostas ao domínio público344 Poderia se sustentar que a própria Constituição Federal determina a sua sujeição à licitação e contratação para compras e alienações345 porém parece nítido que se veiculou a lei fundamental uma norma específica em relação à geral346 e pretendeu a criação de um regime especial ou diferenciado em razão da natureza dessas pessoas Não obstante o estatuto jurídico prevê dentre as suas disposições de normas para a aquisição347 e alienação348 do seu patrimônio que se aproximam claramente com as disposições relativas aos bens públicos embora em nenhum momento determine a natureza do seu acervo ou utilize a designação pública 342 BRASIL DecretoLei nº 200 de 25 de Fevereiro de 1967 Art 5 III Sociedade de Economia Mista a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado criada por lei para a exploração de atividade econômica sob a forma de sociedade anônima cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta 343 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 173 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços dispondo sobre II a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas inclusive quanto aos direitos e obrigações civis comerciais trabalhistas e tributários 344 Lei Federal nº 13303 de 30 de Junho de 2016 Art 49 A alienação de bens por empresas públicas e por sociedades de economia mista será precedida de I avaliação formal do bem contemplado ressalvadas as hipóteses previstas nos incisos XVI a XVIII do art 29 II licitação ressalvado o previsto no 3o do art 28 Art 50 Estendemse à atribuição de ônus real a bens integrantes do acervo patrimonial de empresas públicas e de sociedades de economia mista as normas desta Lei aplicáveis à sua alienação inclusive em relação às hipóteses de dispensa e de inexigibilidade de licitação 345 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 173 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços dispondo sobre III licitação e contratação de obras serviços compras e alienações observados os princípios da administração pública 346 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 37 Art 37 A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiência e também ao seguinte XXI ressalvados os casos especificados na legislação as obras serviços compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento mantidas as condições efetivas da proposta nos termos da lei o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações 347 Lei Federal nº 13303 de 30 de Junho de 2016 Art 47 e 48 348 Lei Federal nº 13303 de 30 de Junho de 2016 Art 49 e 50 119 119 Parece portanto que novamente excluída a tese de inconstitucionalidade das referidas normas legais e embora o Código Civil adote como critério para designação de bens públicos a sua titularidade349 determinando o regime de direito público e as suas restrições optou o legislador estender às pessoas privadas e seus bens em razão do aporte público Tais questões buscam apenas apontar a insustentabilidade da tese que guarda a existência de um regime jurídico único marcado por caracteres ou elementos supostamente comuns a uma variedade de bens considerados públicos e tutelados por uma pluralidade de normas jurídicas atentas às próprias especificidades da ação pública O reconhecimento de uma diversidade de relações jurídicas que tem por objeto os bens públicos e são figuradas não apenas pelo Estado mas também por outros atores sociais contudo não importará em uma pluralidade de disciplinas jurídicas já que incidiria na falta de sistematicidade para uma teoria do domínio público Tendo visto que é a função social a categoria central que em sua graduação distingue os domínios do público do privado parece que será o elemento que determinará não só a aplicação do regime jurídico especial mas também uma graduação que permita atingir aquela finalidade coletiva Surge a questão se reconhecida à qualificação de pública para a coisa que enseja uma disciplina jurídica própria isso importará na sua identificação com o regime jurídico de direito público e portanto a exclusão absoluta da aplicação das regras e princípios oriundos do direito comum Isso porque por um lado tradicionalmente no Direito Brasileiro a regulação do regime dos bens públicos a par do estatuto fundamental na Constituição tem a previsão de normas gerais pela lei civil o que importaria em incoerência lógica sustentar a exclusão plena de regras oriundas do direito privado Por outro tais influxos de privatização despublicização e racionalização produzem na gestão dos bens públicos uma tensão na aplicação estrita de normas oriundas de um regime jurídico de direito público e demandam em alguma medida a aplicação de regras mais flexíveis da disciplina civil O tema será tratado a seguir 349 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 98 São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno todos os outros são particulares seja qual for a pessoa a que pertencerem 120 120 23 A superação da suposta dicotomia do domínio privado e a complementariedade do direito comum da regulação pela lei civil conforme a função social Volvese a discussão acerca do regime jurídico especial atribuído aos bens públicos à própria construção da teoria do domínio público a luz de um critério de titularidade que acaba por embarcar não apenas coisas que não deveriam estar sujeitas a uma disciplina pública mas igualmente propõe um regime jurídico que eminentemente o ligue ao seu sujeito estatal A definição de um regime jurídico para os bens públicos antes de se relacionar estritamente com a função social assumida pela coisa acaba por perpassar uma tentativa de reafirmação do próprio ente estatal com a criação de uma disciplina normativa própria que regule o seu acervo tido patrimonial com exclusão da aplicação das regras do direito comum Não obstante isto produz a dificuldade de reconduzir à formação de um único regime jurídico não apenas coisas estatais que não exercem uma função pública mas como ignorar determinadas coisas que sob a titularidade de sujeitos particulares igualmente se vinculam a uma necessidade coletiva Propõese então delimitar uma especificidade para o regime jurídico especial dos bens públicos e portanto a sua unidade a partir da determinação de efeitos inalienabilidade imprescritibilidade e impenhorabilidade que não necessariamente são exclusivos das coisas qualificadas como públicas Ademais a tentativa de criação a partir da titularidade estatal de uma disciplina normativa para os bens públicos acaba esbarrando na dificuldade de delimitação à titularidade de determinadas coisas o que conduz a Constituição Federal a tratar de forma assistêmica como patrimônio nacional bens nacionais além dos bens dos entes estatais Essa pretensão de delimitação de fronteiras exatas para um regime jurídico especial das coisas do domínio público em relação à disciplina comum gera não só uma encruzilhada normativa na regulação da matéria mas acaba por produzir maior dificuldade conceitual no que tange a própria análise dos bens públicos350 350 OYARZÚN Santiago Montt La administración del Estado y los bienes Op cit p 272 121 121 Assim a construção teórica do domínio público acaba por embarcar na polêmica e antiga divisão entre direito público e privado351 ao qual não se pretende fazer uma análise apurada de forma a determinar a incidência e aplicação de cada um desses regimes jurídicos mas apenas verificar o tema na medida em que se relaciona com os bens públicos Tornase necessário se relacionar em que medida a superação de uma compreensão estática e estanque dos domínios do direito público e do privado impossibilitam a manutenção de uma concepção absoluta ou rígida da aplicação de um regime jurídico de direito público para os bens públicos Tal tentativa de situálos nas supostas fronteiras movediças e ambíguas existentes entre o direito público e o privado de forma a distinguir os bens coletivos e particulares ocorre em especial através da adoção de um critério residual e negativo ligado à titularidade que é oriundo do Direito Francês352 Isso significa aduzir que a comum identificação entre bens públicos e regime jurídico de direito público antes decorre da assunção de que o Estado em suas relações se sujeita a uma disciplina própria e portanto isto inclui o seu acervo tido patrimonial do que uma tentativa de apartar as referidas coisas por suas naturezas ou funções Isso porque na família romanogermânica determinada escola francesa generalizou uma teoria de unicidade que foi firmada no Código Civil Francês e na própria literatura jurídica administrativa e civil e compreende que o distintivo da coisa não é a sua natureza em si mas a sua titularidade que enseja regimes diferenciados Porém na matriz alemã distinguese o regime jurídico de direito público e privado pela construção de uma dualidade na noção de bem adotando tais os autores que as coisas têm no direito público um sentido distinto do direito privado decorrente inclusive da sua impossibilidade de algumas vezes delimitálos como os mares e o ar353 Sustentase a necessidade de se afastar a aplicação do direito comum diante da especificidade das coisas públicas de forma que haveria uma ambiguidade ou incerteza caso 351 ALFONSO Luciano Parejo Dominio Público Op cit p 23 352 VANESTRALEN Hernando Bienes de titularidad pública Op cit p 211212 353 FORSTHOFF Ernst Traité de Droit Administratif Allemand Bruxelas Societé Anon me DEditions Juridiques et Scientifiques 1969 p 546 122 122 sua tutela fosse realizada junto aos bens privados pelo Direito Civil cabendo à doutrina administrativista moderna determinar a distinção354 Por efeito a especificidade que assume a coisa na relação jurídica de direito público já que sujeita à realização do interesse público impõe como sustenta a literatura alemã a formação de um direito das coisas públicas como uma matéria do Direito Público em disciplina apartada da coisa dada pelo regime jurídico de direito privado355 Embora seja importante tal diferenciação para demarcar a distinção entre a relação jurídica formada pelo particular tendo por objeto à coisa tipicamente de propriedade enquanto direito subjetivo daquela com titularidade pelo Estado356 não parece que seja um fundamento legítimo para sustentar uma exclusão do regime privado Embora possa parecer mais adequado para determinar fronteiras claras entre o regime jurídico de direito público para coisas que sejam públicas e de direito privado para coisas que sejam privadas não identifica que necessariamente a materialidade ou especificidade do bem material determine a incidência das referidas disciplinas Como antes visto parece que a qualificação jurídica da coisa não se ligará a sua materialidade em si mas na medida em que esta é capaz de exercer uma função social e se ligar a realização de uma necessidade coletiva ou apenas se adequar ao interesse público e tal qual se sujeitar a uma qualificação privada Ademais acabase por reconduzir a questão da titularidade através da adoção de uma noção de puissance publique que impõem uma disciplina própria afastando a predominância da disciplina comum sobre os campos da disciplina administrativa sendo uma delas a suposta propriedade que o Estado exerce sobre as coisas pública 357 Embora na matriz francesa não haja a adesão dessa construção alemã de dualidade na noção de coisa generalizase também no regime romanogermânico uma distinção de uma disciplina especial para regular as coisas públicas de um regime comum e residual para tratar dos demais bens privados 354 MAYER Otto Le droit administratif allemand Op cit p 99100 355 FORSTHOFF Ernst Traité de Droit Administratif Allemand Op cit p 546 356 O tema será tratado no item 44 357 MAYER Otto Le droit administratif allemand Op cit p 100 123 123 Assim é comum encontrar a temática sem qualquer forma de debate pela literatura jurídica sendo usual a afirmação que os bens públicos são aqueles sob a titularidade do Estado e sujeitos a uma disciplina protetiva e exorbitante dos privados que estão sob a tutela dos particulares e não assumem nenhum dos caracteres especiais358 Parece haver uma identificação do regime jurídico especial como público e portanto estatal quando não necessariamente considerar que uma disciplina protetiva das referidas coisas perpasse estritamente por determinados atributos ou poderes concedidos ao Estado mas pode envolver outros mecanismos jurídicolegais No entanto o próprio Conselho de Estado Francês sustenta que a distinção do domínio público e privado decorre do regime jurídico especial de proteção que concede aos bens públicos determinados atributos imprescritibilidade impenhorabilidade e inalienabilidade além de um sistema de proteção penal especial normas específicas de regulação e outros359 Há ainda a tentativa de situar um papel de proeminência do Estado na proteção dos bens públicos desconsiderando não apenas a participação de outros sujeitos sociais mas os seus próprios limites diante do crescimento e a agregação dos interesses públicos em desenvolver inúmeras tarefas e ser responsável pela gestão de todas as referidas coisas Assim no que tange a tradicional distinção entre bens do domínio público e privado salvo a resistência de parte minoritária da literatura jurídica nada parece ter mudado mantendose a noção de que os bens públicos estão sujeitos a um regime jurídico de direito público criandose uma fronteira bem nítida com o domínio privado 360 Neste sentido o centro dessa celeuma dogmática acaba retornando à assimilação daquilo que a literatura jurídica aponta como um dos traços mais persistentes da cultura jurídica europeia a tentativa de construir na titularidade estatal uma identidade entre domínio público e regime jurídico de direito público361 Em que pese à perda do protagonismo estatal durante o século XX e o descolamento da noção de público com o estatal ainda persiste na tentativa de fixar uma relação simbiótica 358 FOIGNET René Op cit p 198 359 FRANÇA Conselho de Estado Arrêt Association Eurolat et Crédit foncier de France 6 de Maio de 1985 360 VANESTRALEN Hernando Bienes de titularidad pública Op cit p 218 361 BLANCO Alejandro Vergara Teoria del dominio publico Op cit p 28 124 124 de titularidaderegimequalificação dos bens que não se adéquam aos novos atores sociais as novas técnicas jurídicas e os critérios de determinabilidade da coisa no domínio público No próprio direito francês há certo consenso sobre as dificuldades decorrentes de um regime normativo rígido e a necessidade de extensão do conceito de dominialidade para um período que demanda maior flexibilidade capaz de atender as questões contemporâneas que surgem362 Sob o influxo das transformações dogmáticas tornase cada vez menos visível a distinção entre os campos de domínio do público e do privado de forma que embora possa persistir um interesse acadêmico em razão de seu caráter didático todavia carece de um fundamento ontológico aceitável363Além de reconhecida a unidade do ordenamento jurídico com a assunção pela Constituição do papel de seu epicentro dotada de hierarquia formal e axiológica tornase impossível considerar os ramos jurídicos de modo compartimentalizado se suas normas e categorias devem ser reconduzidas em forma e conteúdo aos preceitos da lei fundamental Junto a tal influxo centrípeto as mutações produzidas na gestão dos interesses públicos com os fenômenos de privatização despublicização e racionalização aliado ao redimensionamento da noção de soberania e papel do Estado no campo do público produzem efeitos não apenas no que se refere à titularidade mas também ao regime aplicável Sob tal viés se exterioriza como a chamada fuga para o direito privado a crescente adoção na gestão de interesses públicos da aplicação de institutos do regime jurídico privado capaz de garantir uma disciplina mais flexível que atenda as novas demandas da ação administrativa364 Deslocado o interesse público dos seus paradigmas centrais no modelo burocrático racional para os assumidos no gerencial da legalidade para a legitimidade da eficácia para a eficiência e do controle de procedimentos para aferição pelo resultado a adoção de um regime jurídico rígido e formal corresponde a óbice para alcance de tais determinados fins 362 LLOP Javier Barcelona Novedades en el régimen jurídico Op cit p 558 363 GUARIGLIA Carlos E Derecho publico Op cit p 29 364 ESTORNINHO Maria João A fuga para o direito privado contributo para o estudo da actividade de direito privado da administração pública Coimbra Almedina 1999 p 59 125 125 Também o reforço de atividades administrativas desenvolvidas por entes privados resultou na dificuldade de determinação do regime aplicável a cada função desenvolvida e em uma relativização da dicotomia do direito público e privado com a crescente concepção de uma unidade da ordem jurídica365 Ainda é celeuma na literatura administrativa a aplicação do regime de direito público como o consequente exercício dos poderes ou prerrogativas por sujeitos privados pois embora usualmente sejam considerados ligados à função pública ainda enfrenta resistência sua aplicação para sujeitos distintos do Estado Ademais junto à proliferação de instrumentos para a gestão de atividades públicas sob um regime jurídico de direito privado há uma crescente da intervenção estatal igualmente nos espaços individuais366 o que estreita a distinção entre ambos os conceitos e produz reflexo no que tange a teorização do domínio público Para alguns autores tais fenômenos abrem uma forma de legitimação para a aplicação do regime jurídico de direito privado pela Administração Pública inclusive por demandar um estudo atencioso e imparcial tanto das categorias públicas quanto privadas neste caso no que se trata de bens públicos367 Admitir a formação de uma teoria e a criação de uma disciplina própria para os bens públicos não significa determinar a sua sujeição plena ao regime jurídico de direito público mas que haja a aplicação de institutos e categorias próprias à pluralidade das coisas albergadas em tal acervo Em qualquer regulação normativa nunca há a incidência de apenas um regime jurídico tanto que no Direito Privado há a chamada aplicação das normas de ordem pública que manifestam a restrição à autonomia de vontade pela aplicação de regras de direito público que limitem a ação privada e reconduzam ao interesse público A submissão de alguns bens estatais as regras do Direito Civil não significa uma sujeição total a um regime jurídico de direito privado pois uma vez que envolvem interesses 365 ESTORNINHO Maria João A Fuga para o direito privado Op cit p 139141 366 RODRIGUEZARANA Jaime La vuelta al derecho administrativo a vueltas con lo privado y lo publico Revista de Derecho de La Universidad de Montevideo a 4 n 7 2005 p 95 367 OYARZÚN Santiago Montt La administración del Estado y los bienes Op cit p 274275 126 126 públicos haveria igualmente a incidência das normas legais protetivas que devem se sujeitar as coisas públicas368 Apenas garantese que as disposições administrativas não deveriam ser interpretadas de forma restritiva mas que nas lacunas do regime jurídico deve ocorrer uma ponderação de interesses para verificar o cabimento de se aplicarem os preceitos especiais do regime administrativo de direito privado ou da lei civil369 Porém a questão é se suficiente à aplicação do regime de direito privado na lacuna das normas de direito público o que importaria não apenas na regular adoção de uma própria técnica de integração da ordem jurídica mas continuaria sustentando de forma transvestida uma identificação da disciplina especial com pública e a proeminência da regulação estatal Isto porque há zonas de penumbra como os bens jurídicos de titularidade das pessoas jurídicas de direito privado criadas pelo Estado como as sociedades de economia mista e as empresas públicas que recebem patrimônio público para exercer finalidades coletivas e portanto gera certa indeterminabilidade na natureza pública ou privada de tais bens Ademais há a questão dos bens privados sob o domínio das pessoas jurídicas de Direito Público que adquiridos pelo Estado foram ou não afetados à finalidade pública mas embora sujeitos à função administrativa daqueles que são adquiridos por força legal como a sucessão hereditária ou execução fiscal não assumem uma função social alguma Poderia se sustentar que tratando de um domínio privado do ente público se aplica mutatis mutandis a disciplina privada civil370 e portanto não deveriam estar sujeitos a um regime jurídico de direito público mas de acordo com a sua natureza as regras do direito comum Embora possa traduzir certa coerência na regulação das coisas que enquanto desfuncionalizadas não deveriam sequer estar sob a titularidade estatal não parece ser capaz de sanar a disciplina do acervo de bens das pessoas administrativas privadas ou civis privadas no exercício de uma função social Incide no mesmo equívoco de sustentar uma aplicação rígida do regime jurídico de direito público para as coisas de pessoas jurídicas de direito 368 CAETANO Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 888 369 Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 888 370 BERTHÉLEMY H Op cit p 273 127 127 público a identificação de que para as pessoas jurídicas de direito privado devem se submeter suas coisas a um regime jurídico de direito privado Ainda que se considere uma aplicação desses institutos do direito privado das coisas com mitigações à luz do regime jurídico de direito público371 se propõe de forma estática a determinação de uma fórmula que não necessariamente se adéquam aos variados bens públicos e portanto as suas especificidades que exigem tratamentos próprios Há quem aponte que tal qual há uma autonomia científica do regime de direito público sob a tutela privada que a disciplina do domínio público é distinta da propriedade particular de sorte que nas eventuais ausências ou conflitos a integração deve ser realizada pela analogia às leis administrativas ou princípios do Direito Público372 Partese de uma compreensão que há uma universalidade no domínio público formada não apenas pelos bens afetos de mesmo ente público para uma finalidade idêntica mas a par da individualidade e autonomia jurídica de cada bem o reconhecimento de uma unidade do acervo sujeito portanto de um regime único e integro para resolução das dicotomias373 Não parece adequado reconhecer uma unidade dos bens públicos para sustentar um único regime jurídico quando há uma pluralidade de espécies de bens jurídicos afetados e desafetados sob a titularidade de sujeitos distintos públicos e privados e regulados por uma variedade normativa da Constituição até a lei civil Há de se afirmar uma dificuldade em delimitar campos nítidos que distinguem o domínio público ou privado com a existência de zonas cinzentas que abrangem bens públicos não afetos ao interesse da coletividade e bens privados utilizados para fins públicos torna incomplexa a fixação de um regime jurídico rígido público ou privado Isto não significa negar que cabe a rigor a regulação pelo direito civil para o bem privado uma vez que disciplina a relação jurídica que tem por objeto a coisa exercida a partir da autonomia de vontade do seu sujeito e posições jurídicas próprias como o uso gozo disposição e reivindicação da coisa374 371 CASTRO y BRAVO Federico de Derecho civil de España Parte General Madrid Ed Instituto de Estudios Políticos 1955 p 98 372 CAETANO Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 827 373 Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 827 374 MAYER Otto Le droit administratif allemand Op cit p 113 128 128 Igualmente se submete à disciplina pelo direito administrativo o bem público já que regula outra relação jurídica que tem por objeto a coisa exercida a partir da finalidade pública o que impõe deveres ao seu sujeito e atribuições jurídicas próprias competências e poderes administrativos para o atendimento das necessidades coletivas A admissão da existência de espaços próprios para o regime jurídico de direito público e privado não significa que devam ser considerados como campos herméticos que não se sujeitam a uma interface produzida não apenas para os bens em zonas de penumbra mas para todas as coisas públicas e privadas Seria paradoxal negar a relação entre o regime de direito público e privado pela própria tendência no direito comparado do tratamento das coisas públicas pela norma civil como uma formal especial de propriedade que decorre da própria matriz francesa liberal e de uma tese patrimonialista do domínio público375 O Código Civil Brasileiro de 1916 no projeto de Clovis Bevilaquia depois da revisão adotava a proposta do projeto de Coelho Rodrigues de apenas enunciar que os bens públicos podem ser de uso especial de uso comum ou dominiaes376 considerando que a definição do domínio público e privado dos bens não surge com a lei mas esta apenas a declara377 Não obstante a redação final optou por fixar uma disciplina para os bens públicos a partir de um critério normativosubjetivo taxativo considerando como pertencentes ao domínio nacional os bens dos entes federados e sendo os demais bens vinculados aos respectivos entes federados portanto de forma residual do domínio particular378 Tal diretiva foi acompanhada pelo Código Civil de 2002 que optou por prosseguir na regulação dos bens públicos como espécie de propriedade utilizando um critério tipicamente subjetivo considerandoos como aqueles pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno sendo os demais bens particulares379 375 BLANCO Alejandro Vergara Teoria del dominio publico Op cit p 152 376 BEVILAQUIA Clovis Original do Projecto do Codigo Civil Brasileiro Rio de Janeiro Acervo do Memorial do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará 1900 p 114 377 CRUZ Alcides Direito Administratcivo Op cit p 206 378 BRASIL Lei Federal nº 3071 de 1ºc de Janeiro de 1916 Art 65 379 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 98 129 129 A regulação normativa promovida pela lei civil dos bens públicos consideraos como uma das espécies de classificação dos bens jurídicos380 embora empregue um regime jurídico próprio no que tange ao uso comum e especial381 gratuito ou retribuído382 e seus atributos inalienabilidade imprescritibilidade e impenhorabilidade383 Adotando como traço distintivo dos bens públicos e privados um critério subjetivo titularidade das pessoas jurídicas de direito público e de natureza residual os demais são das pessoas particulares384 reforça as celeumas de um regime distintivo do privado em especial se considerados os entes privados administrativos e as terras devolutas Parece inadequado considerar que os bens pertencentes às pessoas administrativas com personalidade jurídica de direito privado criadas pelos entes federados na prossecução de determinados interesses públicos sejam tidos como privado desconsiderado não somente a sua origem mas a própria destinação Isto porque a própria Constituição Federal determina um regime misto com normas de direito público ao sujeitar a aquisição locação alienação e gravame de bens das empresas estatais à licitação385 bem como estipular regras específicas no caso da pessoa criada pelo consórcio público mesmo que privada386 Seria considerar que os bens públicos antes de serem versados para o patrimônio das pessoas administrativas privadas foram previamente desafetados ou estão sendo alienados 380 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 BRASIL Livro II dos Bens Título Único Das Diferentes Classes de Bens Capítulo 1 Dos Bens Considerados em Si Mesmo Seção I Dos Bens Imóveis Seção II Dos Bens Móveis Seção III Dos Bens Fungíveis e Consumíveis Seção IV Dos Bens Divisíveis Seção V Dos Bens Singulares e Coletivos Capítulo 2 Dos Bens Reciprocamente Considerados Capítulo 3 Dos Bens Públicos 381 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 99 São bens públicos I os de uso comum do povo tais como rios mares estradas ruas e praças II os de uso especial tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal estadual territorial ou municipal inclusive os de suas autarquias 382 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 103 O uso comum dos bens públicos pode ser gratuito ou retribuído conforme for estabelecido legalmente pela entidade a cuja administração pertencerem 383 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 100 Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis enquanto conservarem a sua qualificação na forma que a lei determinar Art 102 Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião 384 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 98 São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno todos os outros são particulares seja qual for a pessoa a que pertencerem 385 Lei Federal nº 13303 de 30 de Junho de 2016 Art 28 386 Lei Federal nº 13303 de 30 de Junho de 2016 Art 11 1º e Art 13 2º 130 130 como se bens particulares fossem O que é incompatível com a própria finalidade da transferência que é a persecução de um interesse público387 Ademais há uma idiocrasia no que tange aos bens dominicais a saber coisas consideradas como públicas por pertencer às pessoas jurídicas de direito público embora possuam estrutura de direito privado388 e sob tais entes exerçam sobre elas direitos pessoais ou reais389 tal como se sujeitos privados fossem Reforçase o problema com o reconhecimento de que para tais bens privados do Estado se aplica não a disciplina comum civil mas regras oriundas do regime jurídico de direito público390 já que uma vez que tais coisas não estejam afetadas ao interesse público falta o fundamento que determina a aplicação de um regime exorbitante391 Talvez por isso a própria literatura jurídica tente afirmar que sobre tais bens devese limitar a sujeição às normas do regime jurídico de direito público sob a alegação da existência de prerrogativas e poderes que se aplicam com maior profundidade aos bens propriamente públicos392 Poderia se alegar que coube a lei civil apenas ao tratar dos bens jurídicos classificar aqueles designados como público estipulando uma regulação geral já que a Constituição Federal em sua disciplina fundamental não determinou suas espécies e seus principais efeitos bem como que suas regras conservariam natureza de normas de direito público Porém além deste regime geral o Código Civil estipulou outras normas relativas à aquisição dos bens públicos como no caso de abandono da propriedade privada urbana393 ou inexistência de sucessores na herança jacente394 fora as demais disposições privadas como enfiteuse locação e comodato que a literatura jurídica considera aplicável395Ou podese 387 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 46 388 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 99 São bens públicos Parágrafo único Não dispondo a lei em contrário consideramse dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado 389 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 99 São bens públicos II os dominicais que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público como objeto de direito pessoal ou real de cada uma dessas entidades 390 VANESTRALEN Hernando Bienes de titularidad pública Op cit p 227 391 O tema será tratado no item 44 392 Hernando Bienes de titularidad pública Op cit p 227 393 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1276 394 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1822 395 CARVALHO FILHO José dos Santos Manual Op cit p 11811210 131 131 apontar que o fato do Código Civil regular os bens públicos não significa admitir que os mesmos dependam dos atributos previstos pela norma comum já que tais atributos decorrem antes de um regime jurídico de direito público do que sua consagração por normas do regime privado396 Porém em qualquer caso há de se reconhecer que a construção do regime jurídico de direito público acaba sendo condicionada por categorias do direito privado e limitada pela perspectiva dos bens públicos como objetos de direitos reais o que gera uma posição ambígua e uma zona intermediária entre o direito público e privado397 Assim não ignora que a manutenção do regime de bens públicos na legislação vigente do direito privado e quase ipsis literis com o que dispunha o Código Civil de 1916 gera uma incongruência de versar sobre a regulação de um instituto público em normas do direito comum mantendo uma disciplina legal incompatível com os desafios na matéria398 Isso porque embora se sustente um regime jurídico especial para os bens públicos com características próprias a sua disciplina se apropria do instituto de propriedade do direito privado inclusive quanto a sua regulação normativa fundamental que ocorre na própria lei civil que os insere como uma das categorias dos bens399 Da mesma maneira em que pese tentar se reconduzir os bens públicos a um regime jurídico de direito público acaba por adotando mesmo neles formas do direito privado como por exemplo o reconhecimento de alienação aforamento direito real de uso locação dentre outros de bens imóveis residenciais construídos ou destinados pelo poder público400 Isso reforça a impossibilidade de identificação plena do regime jurídico de direito especial com uma disciplina de direito público mas a assunção de que além de uma regulação geral pela lei civil haverá também a assunção em certa medida tanto de regras quanto das formas do direito comum Volvese a questão então em definir qual será o critério que será utilizado para determinar a incidência e em qual medida das regras de direito público e 396 MAYER Otto Le droit administratif allemand Op cit p 106 397 ALFONSO Luciano Parejo Dominio Publico Op cit p 3 398 CARVALHO FILHO José dos Santos Os Bens Públicos Op cit p 54 399 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Livro II Dos Bens Título Único Das Diferentes Classes de Bens Capítulo III Dos Bens Públicos 400 Lei Federal nº 8666 de 21 de Junho de 1993 Art 17 inciso I f 132 132 privado no regime jurídico especial formado para os bens públicos de forma a garantir tanto a sua proteção quanto a sua promoção Não sendo o critério da titularidade capaz de sustentar a formação de um regime jurídico para os bens públicos diante das variedades de relações assumidas pela diversidade de sujeitos parece encontrar na função social assumida pelas referidas coisas o elemento capaz de definir a sujeição e a sua medida do regime especial O tema será tratado a seguir 24 A proposta de uma regulação jurídica à luz da função social as gradações na aplicação do regime jurídico de direito público Como já visto os contornos de um regime jurídico especial para os bens públicos perpassa por dificuldades que abrangem a insuficiência do critério eleito para sua delimitação a problemática de afirmação de sua especificidade à luz dos caracteres propostos e da disciplina vigente bem como uma tentativa de delimitação do regime privado Tal qual não é possível identificar o domínio público como apenas uma teoria do domínio estatal não se sustenta mais a formação de um regime jurídico especial próprio para as coisas públicas em razão da titularidade centrada na figura do Estado diante da participação de outros atores sociais É incapaz firmar a idéia de um regime jurídico especial próprio que alcança a sua especialidade em razão de determinados traços inalienabilidade impenhorabilidade e imprescritibilidade que não apenas podem ser para bens privados como igualmente não são aplicados de forma homogênea a todos os bens públicos A própria tentativa de formação de uma disciplina fundamental pela Constituição Federal para os bens públicos a partir daquela titularidade e dos referidos caracteres acaba conduzindo a uma regulação assimétrica com reconhecimento de coisas sob a titularidade dos entes federados e outras não algumas restrições para bens públicos e outras não Pretende ainda a par de tais idiocrasias que tal regime jurídico especial tenha fronteiras distintas da disciplina comum embora a própria natureza de determinadas coisas inseridas no acervo do domínio público bem como as ausências normativas e demandas da gestão pública impõem a aplicação de regras do direito civil Tais questões conduzem a uma necessidade de que o regime jurídico especial dos bens públicos deva se apoiar em um elemento central capaz de legitimar não apenas a incidência de um regime jurídico especial mas a sua própria especificidade em relação à disciplina comum sem que no entanto importe em uma artificial delimitação do regime privado Corresponde a uma construção científicojurídica no Estado Liberal a noção de que no âmbito privado os bens seriam singularizados pela autonomia de vontade do seu titular no uso 134 134 e determinação da coisa ao passo que no âmbito público seria delimitada pelo interesse público por sua afetação formal a uma utilidade coletiva Em decorrência de tal delimitação rígida que se propõe uma dicotomia com campos delimitados e herméticos de um domínio público exercido precipuamente pelo Estado com afetação dos bens estatais aos interesses públicos e um domínio privado de titularidade dos particulares com uso dos bens privados Porém tal qual na Espanha a ausência de um estatuto ou lei reguladora própria dos bens públicos resulta em dificuldade em especial no que tange as celeumas decorrentes da aplicação dos elementos resultantes do seu regime exorbitante em especial a bens de outra natureza como os bens privados afetados401 e aos bens públicos dispostos embora desafetados Além da inexistência de uma disciplina normativa uniforme a não formação de uma categoria única aos bens de titularidade da coletividade demanda uma variedade de regimes jurídicos que serão fixados para aquela pluralidade de bens públicos402 ou uma gradação na aplicação das referidas matérias Isso significa admitir que a própria disciplina dos bens públicos encontrase fraturada na medida que pretendese a formação de um único regime jurídico à partir da summa divisio que distingue em bens públicos formados da dominialidade estatal e bens patrimoniais que compõem o acervo privado do Estado403 Em igual medida discutir a tutela normativa dos bens públicos significa superar a noção de que bens públicos é uma categoria residual que envolvem apenas as relações específicas titularizadas pela Administração Pública ignorando os sujeitos particulares no uso da res publicae ou os bens privados afetados ao interesse público404 É um equívoco considerar que os bens privados estão sujeitos a um espaço amplo de autonomia privada com eventual ingerência do ente estatal para adequálo ao interesse 401 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 451 402 WALINE Marcel Op cit p 278 403 OYARZÚN Santiago Montt La administración del Estado y los bienes Op cit p 272 404 WALINE Marcel Op cit p 278 135 135 público bem como que todos os bens considerados públicos estão ligados a uma função social em idêntico grau Isto porque a afetação não é uma categoria privativa do domínio público mas igualmente existe no domínio privado o que impõe tanto aos bens privados quanto aos bens públicos um atendimento a uma necessidade coletiva ainda que em gradações distintas quanto à função social assumida405 Não considera que a realização de tal função social não se limita apenas aos casos de afetações expressamente previstas pela lei civil como por exemplo no caso das fundações onde há destinação de um acervo patrimonial a um fim específico de cunho eminentemente social com fiscalização estatal406 Ao revés devese admitir que haja um dever geral de atendimento ou adequação do exercício da autonomia privada no âmbito das relações civis do indivíduo à realização de uma função social não somente no que se refere ao contrato407 mas em toda disciplina jurídico civil já que reconduzida ao cumprimento dos fins constitucionais408 No Estado Contemporâneo vigora um princípio social que orienta tanto o domínio público quanto o privado e impõe na gestão dos bens públicos ou na ordenação dos bens privados o atendimento de uma função social com as modificações que permitam a sua adequação ao interesse público 409 Inexorável que tal cumprimento da função social pelos bens qualificados como públicos e privados não ocorrerá em igual medida mas abrangerá desde uma mera adequação ao cumprimento de finalidades coletivas até a sua afetação ou utilização para a realização de determinado interesse público 405 URUTTIA José Luiz GonzálezBerenguer Sobre La Crisis Del Conceptio de Dominio Publico Revista de Administración Pública Espanha Centro de Estudios Políticos y Constitucionales nº 56 1968 p 193 406 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 62 Para criar uma fundação o seu instituidor fará por escritura pública ou testamento dotação especial de bens livres especificando o fim a que se destina e declarando se quiser a maneira de administrála 407 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 421 A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato 408 MORAES Maria Celina Bodin de O princípio da solidariedade In PEIXINHO Manuel Messias GUERRA Isabella Franco NASCIMENTO FILHO Firly orgs Os princípios da Constituição de 1988 Rio de Janeiro Lumen Juris 2001 p 170 409 FOUCART EmileVictor Éléments de Droit Public et Administratif Tome I Paris Videcoq Pere Et Fils LibrairesÉditeurs 1843 p 683 136 136 No que se refere aos bens privados a literatura jurídica costuma apontar os variados encargos sociais que abrangem desde a restrição patrimonial advinda da tributação até mesmo a sujeição da coisa às necessidades coletivas como as imposições de servidões ou a realização de desapropriações410 Não se inova ao considerar o domínio privado não como um campo de autonomia de vontade pleno mas sujeito a constrições pelas demandas sociais o que importa na sua sujeição a restrições impostas pelo ente estatal já que usualmente se reconhece um domínio imanente do Estado sob todas as coisas em seu território passíveis de restrição Porém note que há uma nítida gradação no que se refere ao atendimento da função social pelas coisas privadas que pode abranger desde uma mera restrição no exercício da autonomia individual até mesmo uma limitação da posse em razão da necessidade de atendimento dos interesses públicos Isso fica claro no que tange ao Estatuto da Cidade que determina uma gama de instrumentos de ordenação da propriedade privada urbana às funções da cidade que abrange desde limitações administrativas411 como por exemplo o gabarito de prédios até mesmo o parcelamento edificação ou utilização compulsória412 Note que os bens enquanto qualificados como privados se sujeitam a uma adequação à realização de uma função social porém não a prossecução ou o exercício do munus publico em si pois se a coisa independente do titular se voltar propriamente a realização de uma necessidade coletiva passará a ser qualificada como pública Tanto assim que enquanto um bem se sujeita a uma restrição a sua posse para adequá lo à uma função pública desenvolvida pelo Estado como uma ocupação temporária para a instalação de uma obra estatal ou a servidão administrativa para a passagem de energia elétrica conserva a sua natureza de privado Na medida que não mais se adéqua mas exerce a função social em si o imóvel ocupado acaba servindo de depósito ou apoio ao final da obra ou além da passagem de 410 FOUCART EmileVictor Éléments de Droit Public et Administratif Op cit p 683 411 BRASIL Lei Federal n 10257 de 10 de Julho de 2001 Art 4 inciso V alínea c 412 Lei Federal n 10257 de 10 de Julho de 2001 Art 4 inciso V alínea i 137 137 energia elétrica é necessária à instalação de terminal e equipamento de distribuição a literatura jurídica admite que houve uma desapropriação indireta Em tais casos o reconhecimento da qualificação pública da coisa é tão incontroversa que apontam os autores Uma vez haja a destinação a uma função social cabe ao titular do imóvel apenas a ajuização de uma ação pleiteando a indenização uma vez que passou a ser incorporada ao domínio público e não pode ser restituída ao domínio privado Admitido porém que os bens privados podem assumir uma adequação graduada no atendimento à função social há de se reconhecer que não estarão sujeitas à medida que ligadas às necessidades coletivas apenas a um regime jurídico de direito privado mas igualmente e em certa graduação a um regime jurídico de direito público Isso resta claro no caso do tombamento onde embora o particular continue sujeito a sua regulação pela lei civil no que tange a sua propriedade413 se submeterá igualmente às normas impostas pelo regime de direito público inclusive quanto a uma alienabilidade condicionada414 dever especial de conservação415 e outros Considere igualmente os bens privados que não foram tombados mas se sujeitam a limitações administrativas que a par da sua regulação pelo direito comum no que tange a propriedade impõe também um regramento de direito público como o código de postura municipal que estipula restrições quanto os ruídos416 construções e manutenções417 e afins Há de se verificar que a sujeição às restrições oriundas do regime jurídico de direito público em ambos os casos não ocorreu de forma idêntica para os bens privados mas antes 413 BRASIL Lei Federal n 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1228 e seguintes 414 DecretoLei n 25 de 30 de Novembro de 1937 Art 12 A alienabilidade das obras históricas ou artísticas tombadas de propriedade de pessôas naturais ou jurídicas de direito privado sofrerá as restrições constantes da presente lei 415 DecretoLei n 25 de 30 de Novembro de 1937 Art 18 Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional não se poderá na vizinhança da coisa tombada fazer construção que lhe impeça ou reduza a visibilidade nem nela colocar anúncios ou cartazes sob pena de ser mandado destruir a obra ou retirar o objeto impondose neste caso a multa de cinquenta por cento do valor do mesmo objeto 416 RIO DE JANEIRO Decreto n 29881 de 18 de Setembro de 2008 Livro II egulamento 2 Art 4 As atividades deverão obedecer aos níveis máximos de sons e ruídos preconizados pela NBR 10151 conforme estabelecido na tabela I do Anexo de acordo com os períodos e as zonas em que se divide o Município 417 Decreto n 29881 de 18 de Setembro de 2008 egulamento 6 Título 1 Art 1 Os proprietários de terrenos não edificados situados no Município manterão obrigatoriamente nesses imóveis placa identificadora com dimensões de sessenta centímetros por sessenta centímetros contendo o seu nome e endereço ou número de inscrição do imóvel no Cadastro Imobiliário do Município da Secretaria Municipal de Fazenda 138 138 ocorreram com uma gradação na medida em que tais coisas se adequavam em diferentes graus à função social Tal questão pode ser tida não apenas quanto aos bens considerados como privados e a sua adequação à função pública mas de igual modo para aqueles que possuem natureza pública mas estão sob a titularidade particular o que sujeitará a certa idiocrasia no que tange a aplicação de normas de direito público e privado Com o reconhecimento da delegação dos serviços ou exploração das infraestruturas e a titularidade imediata ao particular permitese atuar com maior liberdade através de formas negociais de direito privado porém conservando quanto aos bens já que afetados as posições decorrentes de seu regime de direito público418 Isto porque tais coisas enquanto sujeitas a uma finalidade pública devem ser passíveis de sua submissão e aplicação a um regime jurídico de direito público e portanto as restrições e condicionantes que buscam garantir o seu atendimento ao interesse público enquanto guardarem portanto a sua respectiva função social Inseridas também na mudança do modelo burocráticoracional para gerencial de deslocamento da afirmação da legalidade para a busca pela legitimidade da eficácia para eficiência e do controle dos procedimentos para controle do resultado devem se sujeitar às formas e modos do regime jurídico de direito privado Parte da literatura jurídica aponta isto como privilégios da propriedade pública às coisas destinadas à infraestruturas prestação de serviço ou atividades públicas em geral já que decorrentes de um regime jurídico especial que se forma não em razão da titularidade mas devido à afetação pública419 Sob a égide de um Estado Constitucional de Direito que impõem uma adequação da atuação dos sujeitos privados à uma função social420 e ordena a ação dos poderes públicos e 418 SANFIEL A M González Un nuevo régimen para las infraestructuras de dominio público Madrid Montecorvo 2000 p 231 419 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 463 420 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 5 XXIII a propriedade atenderá a sua função social 139 139 por conseguinte a afetação dos seus bens ao cumprimento dos interesses da comunidade421 não parece que correspondem à privilégios antes deveres da ordem jurídicoconstitucional Em certa medida tal entendimento já foi consagrado pelo Tribunal Constitucional da Espanha que defendeu a aplicação de um regime jurídico exorbitante com o reconhecimento de uma impenhorabilidade para os bens patrimoniais ou privados da Administração Pública desde que estivessem afetados a uma finalidade pública422 Considerou que os atributos oriundos do regime jurídico de direito público não devem ser como um poder ou potestade mas antes um dever que justifica na medida que o bem esteja afetado à uma função pública e enseje a concessão das prerrogativas necessárias para a proteção deste interesse geral423 Alguns autores optam por designar como obrigações de domínio público que incidem aos bens públicos cuja titularidade não se encontra no ente estatal mas em entes privados ou consórcio deles que estejam com a delegação negocial das referidas coisas como nas concessões ou tenham adquirido através de uma delegação legal como a desestatização424 Parece que tal nomenclatura ainda é uma tentativa de não reconhecer a incidência do regime jurídico de direito público para tais coisas já que estão sob uma titularidade privada de forma que caberia a incidência somente de deveres ou obrigações e não as prerrogativas e poderes Independente disso é interessante notar que eles apontam que o processo de transferência de sua titularidade para os particulares não retirará o caráter público dos referidos bens e a sua sujeição ao domínio público já que corresponde a artificio pois uma vez que estejam materialmente afetados não poderiam ser adquiridos425 Isso fica evidente em obras públicas de infraestrutura onde prosseguirá a coisa com o destino de uso público e portanto enseja a incidência do regime de direito público 421 BRASIL Constituição da epública Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil IV promover o bem de todos sem preconceitos de origem raça sexo cor idade e quaisquer outras formas de discriminação 422 ESPANHA Tribunal Constitucional da Espanha Sentença nº 166 de 15 de Julho de 1998 423 Tribunal Constitucional da Espanha Sentença nº 166 de 15 de Julho de 1998 424 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 465 425 Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 465 140 140 permitindo que seja objeto de regulação e controle estatal garantindo suas condições de atendimento das necessidades coletivas426 Assim as chamada obrigações de domínio público abrangem os bens afetados com a finalidade de garantir mediante a proteção da integridade de seu substrato físico ou jurídico tal destino público legitimando a Administração Pública o exercício de determinadas faculdades que classicamente eram reconhecidas apenas aos bens sob a sua titularidade427 Tanto que nos países com dualidade de jurisdição os bens do domínio privado cuja controvérsia envolvem a aplicação de regras do Direito Público se sujeita ao domínio dos tribunais administrativos na proteção do interesse público envolvido na controvérsia do bem sob regime privado428 Note que há uma dificuldade de delimitação para fixar o regime aplicável para coisas privadas que exercem função pública e as coisas públicas sob a titularidade de agentes privados antes uma vez que se volve a preocupação ao sujeito que desenvolve a atividade coletiva particular do que a finalidade ou destinação da coisa em si Tal incongruência se desloca quando consideramse as coisas sob a titularidade estatal que embora não parece haver grandes dificuldades em designálas como bens públicos ou inserilas no acervo do domínio público há uma dificuldade já que algumas não exercem uma função social e outras desenvolvem igualmente uma atividade privada A celeuma abrange os chamados bens dominicais que embora seja visto sequer deveriam integrar o acervo sob a titularidade do Estado em razão da sua não funcionalização aos fins de atuação do mesmo uma vez reconhecidos como bens públicos porém desfuncionalizados se sujeitam à um regime privado com certa especialidade Assim por um lado reconhece a lei que tais bens integram o acervo das pessoas jurídicas de direito público porém referindose aos mesmos como patrimônio e determinando que sob tais coisas se exerça um direito pessoal ou real429 sob uma estrutura de direito privado430 426 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 466 427 Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 466 428 CAETANO Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 889 429 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 99 inciso III 430 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 99 parágrafo único 141 141 Por outro lado todavia determina que a sua alienação não ocorra na forma comum das coisas privadas como por exemplo através de um contrato de compra e venda431 mas que ao revés se sujeitará a observância às prescrições formais e substanciais previstos em lei432 que será visto impõe um procedimento de licitação Outra dificuldade são as empresas públicas que embora constituídas sob a personalidade jurídica de direito privado para alcançar fins socialmente almejados são cedidos bens móveis e imóveis pelo ente público que devem ter portanto uma salvaguarda sobre o capital confiado pelo Estado433 Aponta a literatura jurídica que seu regime jurídico é em princípio de Direito Privado mas a afetação de seus bens à finalidade coletiva o sujeitaria ao regime público434 com todas as limitações decorrentes 435 o que aponta uma dificuldade de traçar um regime rígido sob os campos do domínio público e privado aos bens jurídicos em geral Parece acertado considerar a existência de uma gradação na sua sujeição tanto ao regime jurídico de direito público quanto privado já que não estará adstrito de forma igual às pessoas jurídicas de direito público mas igualmente não gozará da ampla liberdade das pessoas jurídicas de direito privado Assim embora possa se considerar no que tange aos bens públicos que há um regime jurídico de direito público que os dotam de características próprias e dão feições específicas a tais coisas igualmente é admissível que há a aplicação de determinados elementos ou institutos próprios da disciplina comum civil436 Não é sustentável que os traços característicos de tal regime público como a inalienabilidade ou a impenhorabilidade sejam tidos de forma absoluta a tal ponto de 431 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 481 e seguintes 432 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 101 433 DEBBASCH Charles Institutions et Droit Administratifs Paris Press Universitaires de France 1976 p 508 434 Charles Op cit p 509 435 Na legislação vigente a alienação de bens da Administração Pública se sujeita ao prévio procedimento de licitação pública sejam da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais bem como dos entes paraestatais BRASIL Lei Federal nº 8666 de 21 de Junho de 1993 Art 17 inciso I 436 SAGUER Marta Franch Imbricacion del domínio publico Op cit p 423 142 142 impedir o dever de funcionalização social das coisas públicas bem como que se apliquem a todos os bens considerados como públicos437 Tão pouco que seja possível transpor plenamente categorias privadas no que se refere aos bens públicos como a própria alienação ou a usucapião sem considerar um dos traços distintivos da disciplina de direito público a persecução do interesse público demande que haja uma adequação de tais institutos à teleologia do regime administrativo Por um lado importa em julgar que a disciplina especial ao qual se sujeitam os bens públicos não se forma a partir de uma dicotomia entre o regime jurídico de direito público e privado mas acabam envolvendo graduações de ambas as normatividades que se adéqua a própria distinção dos bens do acervo público Superase portanto a compreensão que o regime jurídico de direito privado é incompatível com a atuação pública já que possui como um dos princípios estruturantes a autonomia de vontade pois mesmo quando os bens públicos se sujeitam a tal disciplina comum e conservam a incidência de um núcleo irredutível de direito público438 Também abandonase a idéia que os bens públicos se identificam plenamente a um regime jurídico de direito público mas que a delimitação da sua disciplina especial demandará da análise da própria graduação na funcionalização da coisa ou seja à medida que esteja ligada efetivamente à realização dos interesses da comunidade Assim reconduzse diante do descolamento do público com o privado e da persecução da função social por outros atores sociais o fundamento de uma disciplina jurídica especial para os bens públicos não a partir de sua titularidade mas da destinação das coisas à realização de uma função pública439 Desta feita além de garantir uma legitimidade na justificação para a sujeição de determinadas coisas a um regramento específico permite mediante a função social a possibilidade de se adequar a especificidade assumida por tais bens na persecução do interesse público garantindo uma regulação adequada na medida de sua gradação 437 O tema será debatido em momento oportuno no capítulo IV 438 ENTERRÍA Eduardo García de FERNÁNDEZ TomásRamon Curso de derecho Op cit p 49 439 GAUDEMET Yves El futuro Op cit p 17 143 143 Isto pode ser observado no que tange à aplicação do regime jurídico de direito público às empresas públicas que será condicionado à medida do exercício da função social como por exemplo na incidência da imunidade tributária recíproca para a empresa brasileira de correios e telégrafos O tema será tratado a seguir 25 O regime jurídico de direito público e as pessoas administrativas de direito privado análise da aplicação da imunidade recíproca tributária na exploração da atividade de banco postal pelos correios à luz da função social Como visto a impossibilidade de se sustentar um único e estático regime jurídico especial para os bens públicos conduz ao reconhecimento existência de uma gradação na aplicação das normas de direito público e de direito privado conforme o grau de adequação ou afetação à referida coisa Tal questão pode ser vislumbrada com maior clareza a partir da análise de entidades administrativas de direito privado que embora constituídas pelos poderes públicos e afetas ao atendimento de determinadas funções sociais igualmente atuam na ordem econômica ou social como sujeitos privados Considere a questão do serviço postal ao qual a ordem jurídicoconstitucional historicamente440 reconhece em razão do interesse da comunidade e por envolver a comunicação no território nacional não apenas como uma função social mas designa a competência administrativa441 e legislativa442 da União Antes desenvolvida tal atividade pública pelo Departamento dos Correios e Telégrafos este foi transformado ainda no século XX em empresa pública443 com a finalidade de executar controlar e explorar em regime de monopólio os serviços postais em todo o território nacional444 Porém a lei federal que disciplina tal atividade administrativa reconheceu que a União titulariza a exploração do serviço postal e telegrama através daquela empresa pública445 440 BRASIL Constituição de 1891 Art 34 item 15 Constituição de 1934 Art 5 VII Constituição de 1937 Art 15 VI Constituição de 1946 Art 5 XI Constituição de 1967 Art 8 XII 441 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 21 Compete à União X manter o serviço postal e o correio aéreo nacional 442 Constituição da epública Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 22 Compete privativamente à União legislar sobre V serviço postal 443 DecretoLei nº 509 de 20 de Março de 1969 Art 1º O Departamento dos Correios e Telégrafos DCT fica transformado em empresa pública vinculada ao Ministério das Comunicações com a denominação de Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos ECT nos termos do artigo 5º item II do Decreto lei nº200 de 25 de fevereiro de 1967 444 DecretoLei nº 509 de 20 de Março de 1969 Art 2 inciso I a III 445 Lei Federal nº 6538 de 22 de Junho de 1978 Art 2º O serviço postal e o serviço de telegrama são explorados pela União através de empresa pública vinculada ao Ministério das Comunicações 145 145 como um serviço público446 remunerado por tarifa447 porém sendo monopólio apenas algumas de suas atividades448 enquanto outras não449 Não pretendese envolver na celeuma acerca da natureza do serviço postal já que com a sua descentralização legal e a criação de ente administrativo privado para alguns tratarseia de serviço público apenas com regime jurídico diferenciado enquanto outros sustentam que é atividade econômica pelo Estado sem caráter de monopólio dado pela Constituição450 Propõese analisar em específico o tema na medida em que isto implica em uma sujeição a uma disciplina pública ou privada de modelo a determinar a esfera incidente de forma isolada cumulativa ou sobreposta bem como o critério utilizado para determinar a aplicação das regras de um e de outro regime jurídico Neste sentido determina a Constituição Federal o estabelecimento de um estatuto jurídico para a empresa pública da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços451 A própria lei fundamental considera a impossibilidade de fixar exclusivamente o mesmo regime jurídico de direito público previsto para as pessoas jurídicas de direito público da Administração Pública Direta Autárquica e Fundacional para os entes administrativos privados mas também não os sujeita à uma disciplina exclusivamente de direito privado 446 BRASIL Lei Federal nº 6538 de 22 de Junho de 1978 Art 4º É reconhecido a todos o direito de haver a prestação do serviço postal e do serviço de telegrama observadas as disposições legais e regulamentares 447 Lei Federal nº 6538 de 22 de Junho de 1978 Art 32 O serviço postal e o serviço de telegrama são remunerados através de tarifas de preços além de prêmios ad valorem com relação ao primeiro aprovados pelo Ministério das Comunicações 448 Lei Federal nº 6538 de 22 de Junho de 1978 Art 9º São exploradas pela União em regime de monopólio as seguintes atividades postais I recebimento transporte e entrega no território nacional e a expedição para o exterior de carta e cartãopostal II recebimento transporte e entrega no território nacional e a expedição para o exterior de correspondência agrupada III fabricação emissão de selos e de outras fórmulas de franqueamento postal 449 Lei Federal nº 6538 de 22 de Junho de 1978 Art 9 2º Não se incluem no regime de monopólio a transporte de carta ou cartãopostal efetuado entre dependências da mesma pessoa jurídica em negócios de sua economia por meios próprios sem intermediação comercial b transporte e entrega de carta e cartãopostal executados eventualmente e sem fins lucrativos na forma definida em regulamento 450 Sobre o tema vide FRANÇA Vladimir da Rocha O regime constitucional do serviço postal e os monopólios da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos Revista de Informação Legislativa Brasília a 45 n 177 janmar 2008 p 48 e ss 451 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 173 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços 146 146 Tanto que determina a formação de um estatuto jurídico próprio que disporá tanto da sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade452 quanto à sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas453 em claro reconhecimento de uma aplicação de ambas as disciplinas públicas e privadas na sua regulação normativa Na constituição da empresa brasileira de correios e telégrafos foi realizado um aporte de capital exclusivo da União que abrangeu bens móveis imóveis valores direitos e ações e passaram a estar por força legal a serviço ou disposição daquela pessoa além de outros que poderiam ser incorporados oriundos de pessoas jurídicas de direito público454 Inegável portanto que tais bens conservavam a titularidade estatal foram afetados para o cumprimento das suas atividades de exploração do serviço social455 o que ensejou sua sujeição à normas do regime jurídico de direito público como a aplicação de isenções imunidades e qualquer prerrogativa concedidas à Fazenda Pública456 Porém o processo de descentralização buscou traduzir em maior eficiência na gestão do interesse público o que conduz a sua submissão a uma disciplina de direito privado como aplicação do regime jurídico trabalhista para o seu pessoal457 ou a aplicação subsidiária da lei das sociedades por ações458 Note uma dificuldade de apontar fronteiras claras entre o regime aplicável decorrente não apenas da falta de determinação nítida da natureza do serviço postal serviço público ou atividade econômica e da própria regulação legal que o sujeita às prerrogativas das pessoas jurídicas de direito público mas também a disciplina normativa de direito privado 452 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 173 1º I sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade II a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas inclusive quanto aos direitos e obrigações civis comerciais trabalhistas e tributários 453 Constituição da epública Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 173 1º II a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas inclusive quanto aos direitos e obrigações civis comerciais trabalhistas e tributários 454 DecretoLei nº 509 de 20 de Março de 1969 Art 6º caput 1º 3º e 4º 455 DecretoLei nº 509 de 20 de Março de 1969 Art 2 inciso I a III 456 DecretoLei nº 509 de 20 de Março de 1969 Art 12 A ECT gozará de isenção de direitos de importação de materiais e equipamentos destinados aos seus serviços dos privilégios concedidos à Fazenda Pública quer em relação a imunidade tributária direta ou indireta impenhorabilidade de seus bens rendas e serviços quer no concernente a foro prazos e custas processuais 457 DecretoLei nº 509 de 20 de Março de 1969 Art 11º O regime jurídico do pessoal da ECT será o da consolidação das Leis do Trabalho aprovada pelo Decretolei nº 5452 de 1º de maio de 1943 458 DecretoLei nº 509 de 20 de Março de 1969 Art 21A Aplicase subsidiariamente a este DecretoLei a Lei no 6404 de 15 de dezembro de 1976 147 147 Isso se reforça com as sucessivas alterações no Estatuto Social da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos que acabou por ampliar o objeto social da empresa pública de forma a abranger não apenas o planejamento implantação e exploração do serviço postal mas a de atividades correlatas e outras atividades fins mediante autorização ministerial459 Inegável que a par da controvérsia da natureza jurídica do serviço postal ele pode ser considerado como uma função social o que é reconhecido pela própria lei460 que embora designada à empresa pública de forma exclusiva461 a rigor não verificase impedimento para seu exercício por outros atores sociais desde que garantido o seu acesso e continuidade Porém o exercício de outras atividades fins parece que não necessariamente se identificam como o exercício de uma função social propriamente dito como a sua atuação como banco postal tal qual correspondente na prestação de serviços bancários básicos em todo o território nacional Cinge tal controvérsia no que tange ao regime jurídico pois uma vez que desenvolve ou se liga a atividade financeira da mesma maneira que sujeitos econômicos deveria se sujeitar a sua disciplina normativa privada com restrições pública como as regras relativas à segurança para estabelecimentos financeiros462 inclusive pela clara subsunção ao tipo legal463 Todavia deslocase o debate da atividade desenvolvida para a titularidade sob a alegação que a empresa pública não desempenha uma atuação financeira como atividade 459 BRASIL Decreto Federal nº 8016 de 17 de Maio de 2013 Art 4 inciso I a IV 460 Decreto Federal nº 8016 de 17 de Maio de 2013 Art 4 3 A ECT no exercício de sua função social é obrigada a assegurar a continuidade dos serviços postais e telegráficos observados os índices de confiabilidade qualidade eficiência e outros requisitos fixados pelo Ministério das Comunicações 461 Decreto Federal nº 8016 de 17 de Maio de 2013 Art 4 1 A ECT terá exclusividade na exploração dos serviços de que tratam os incisos I a III do caput do art 9º da Lei nº 6538 de 22 de junho de 1978 conforme inciso X do caput do art 21 da Constituição 462 Lei Federal nº 7102 de 20 de Junho de 1983 Art 1º É vedado o funcionamento de qualquer estabelecimento financeiro onde haja guarda de valores ou movimentação de numerário que não possua sistema de segurança com parecer favorável à sua aprovação elaborado pelo Ministério da Justiça na forma desta lei 463 Lei Federal nº 7102 de 20 de Junho de 1983 1o Os estabelecimentos financeiros referidos neste artigo compreendem bancos oficiais ou privados caixas econômicas sociedades de crédito associações de poupança suas agências postos de atendimento subagências e seções assim como as cooperativas singulares de crédito e suas respectivas dependências 148 148 fim464 embora o critério determinante para aplicação do regime jurídico não deva ser o sujeito mas atividade realizada na medida em que se ligue a uma função social O exercício da atividade financeira de correspondente bancário não é a realização de uma função social propriamente dita mas deve se adequar a mesma de forma que tal qual o sujeito privado os correios produzem em risco pela atividade desenvolvida à segurança das pessoas e portanto devem se sujeitar às normas que determinam as regras de proteção As margens para aplicação do regime jurídico de direito público ou privado para a atuação junto a de serviço postal também de banco postal pela empresa brasileira de correios e telégrafos podem ser observadas igualmente no que tange a determinação da incidência de imunidade tributária constitucional Determina a Constituição Federal de 1988 como um dos limites constitucionais explícitos ao poder de tributar exercido pela União Estados Municípios ou Distrito Federal a vedação a instituição de impostos sobre o patrimônio renda ou serviços de um ente federado sobre o outro465 Tal hipótese de não incidência constitucionalmente qualificada decorre não de uma eleição pelo constituinte ao disciplinar o poder de tributar mas do próprio modelo de estado federativo que determina uma igualdade entre as entidades políticas dotadas de autonomia políticoadministrativo dentre do ente federado o que impede a sua tributação recíproca466 Porém se o fundamento parece se ligar eminentemente à titularidade o objeto da sua imunidade são aqueles previstos no tipo constitucional o patrimônio a renda e o serviço sem que possam abranger o último ou qualquer atividade desempenhada mas aquele que deflagre o regime jurídico de direito público e a prerrogativa decorrente 464 BRASIL Superior Tribunal de Justiça Recurso Especial nº 1497235SE Rel Min Mauro Campbell Marques J 01122015 A imposição legal de adoção de recursos de segurança específicos para proteção dos estabelecimentos que constituam sedes de instituições financeiras não alcança o serviço de correspondente bancário banco postal realizado pela ECT pois não exerce atividadefim e primária das instituições financeiras na forma definida no artigo 17 da Lei 45951964 Nesse sentido há precedente da Quarta Turma do STJ ao julgar o Esp 1183121SC no afastou a aplicação da Lei 71021983 à ECT 465 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 150 inciso VI a 466 BALEEIRO Aliomar Limitações constitucionais ao poder de tributar 7 ed revista e complementada à luz da Constituição de 1988 até a Emenda Constitucional nº 101996 por Misabel Abreu Machado Derzi Rio de Janeiro Forense 2006 p 15 149 149 Parece claro que pretendese com a expressão serviços proteger o exercício de uma função pública que justifique a aplicação do regime jurídico de direito público ainda que não seja pela titularidade estatal como o Supremo Tribunal Federal já decidiu acerca de emissão de papel moeda do ente estatal através de delegatária467 Ainda que tal função pública seja igualmente perseguida por mais de um ator social de modo que nas atividades exercidas de serviço postal pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos e a iniciativa privada deve ocorrer a aplicação de um regime de direito público e com a excelsa corte já decidiu a incidência da imunidade constitucional468 Tanto que no caso da Ordem dos Advogados do Brasil reconheceu que a imunidade recíproca apenas poderia incidir no que se refere à atividade propriamente dita do Estado defesa da Constituição da ordem jurídica do Estado democrático de direito dos direitos humanos da justiça social e não nas demais469 Igualmente no que se refere à Petrobras afastouse do critério da titularidade e eventual monopólio estatal para reconhecer a não incidência da imunidade tributária visto que a atividade em questão não se ligava a proteção ou realização de qualquer interesse público e portanto a risco ao exercício da autonomia do ente federado470 Note portanto que a aplicação do regime jurídico de direito público se relaciona de forma imediata à realização da função social de modo que nas pessoas administrativas 467 BRASIL Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinário nº 610517 Rel min Celso de Mello J 362014 A delegação da execução de serviço público mediante outorga legal não implica alteração do regime jurídico de direito público inclusive o de direito tributário que incide sobre referida atividade Consequente extensão a essa empresa pública em matéria de impostos da proteção constitucional fundada na garantia da imunidade tributária recíproca CF art 150 VI a 468 Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinário nº 601392 Rel Min Gilmar Mendes J 2822013 Exercício simultâneo de atividades em regime de exclusividade e em concorrência com a iniciativa privada Irrelevância Existência de peculiaridades no serviço postal Incidência da imunidade prevista no art 150 VI a da CF 469 Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinário nº 259976 Rel Min Joaquim Barbosa J 2332010 A imunidade tributária recíproca alcança apenas as finalidades essenciais da entidade protegida O reconhecimento da imunidade tributária às operações financeiras não impede a autoridade fiscal de examinar a correção do procedimento adotado pela entidade imune Constatado desvio de finalidade a autoridade fiscal tem o poderdever de constituir o crédito tributário e de tomar as demais medidas legais cabíveis Natureza plenamente vinculada do lançamento tributário que não admite excesso de carga 470 BRASIL Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinário nº 285716 Rel Min Joaquim Barbosa J 0232010 A imunidade tributária recíproca não se aplica à Petrobrás pois Tratase de sociedade de economia mista destinada à exploração econômica em benefício de seus acionistas pessoas de direito público e privado e a salvaguarda não se presta a proteger aumento patrimonial dissociado de interesse público primário A Petrobrás visa a distribuição de lucros e portanto tem capacidade contributiva para participar do apoio econômico aos entes federados A tributação de atividade econômica lucrativa não implica risco ao pacto federativo 150 150 privadas a aplicação da imunidade tributária recíproca se ligará à realização de serviços públicos e não a exploração de atividades econômicas privadas471 Tanto que a própria Constituição Federal determina que a imunidade se vincula para as autarquias e fundações desde que vinculadas à função social propriamente perseguida por elas472 bem como exclui a imunidade recíproca da exploração de atividades econômicas pelo Estado sob o mesmo regime dos empreendimentos privados473 Embora a literatura aponte que as empresas públicas apenas gozarão da imunidade reciproca na medida em que desenvolvam atividades que representem o papel de longa manus das pessoas políticas ao qual estão vinculadas como a prestação de serviços públicos ou poder de polícia474 podese sintetizar na medida em que tal atividade seja uma função social Assim o serviço postal enquanto um serviço público dota o seu titular de um regime jurídico de direito público que prevê tal imunidade tributária recíproca475 ao passo que a atividade de banco postal além de não ser atividade inerente a finalidade da empresa pública tem natureza de exploração econômica e não faz incidir tal disciplina Isto também fica evidente ao se analisar o seu fundamento legal que é a Resolução do Banco Central do Brasil e o tratamento dado à a contratação de correspondentes no país que envolve as sociedades associações os prestadores de serviços notariais e de registro e as empresas públicas476 471 BRASIL Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinário nº 253472 Rel Min Joaquim Barbosa J 2582010 472 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 150 2º A vedação do inciso VI a é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público no que se refere ao patrimônio à renda e aos serviços vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes 473 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 150 3º As vedações do inciso VI a e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio à renda e aos serviços relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel 474 CARRAZZA Roque Curso de Direito Constitucional Tributário Malheiros São Paulo 2003 p 652 475 MARTINS Ives Gandra da Silva Imunidade Tributária dos Correios e Telégrafos Revista Jurídica n 288 2001 p 38 476 BRASIL Banco Central do Brasil Resolução nº 3954 de 24 de Fevereiro de 2011 Art 3 151 151 Os contratos de correspondência são impessoais ou não personalíssimos477 com objeto tipicamente de atividade financeira privada478 e exercida de forma empresarial479 que não se demonstram identificáveis com uma noção de serviço público ou guardam relação com o objeto da referida empresa pública que é a atividade de serviço postal Note portanto que não é possível dar um tratamento único com a incidência de apenas uma disciplina jurídica para as pessoas administrativas que exercem serviços públicos e atividades econômicas como a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos cujo serviço postal e banco postal deflagram a aplicação de regimes próprios adequados à tais atividades No caso a incidência ou não da imunidade tributária dependerá da medida em que se qualificar aquele serviço como atividade privada adequada a uma função social no caso de instituição financeira sujeita às imposições de segurança pela lei ou atividade pública voltada à realização de um interesse da coletividade o serviço postal Parece ter sido acertada a decisão do Ministro Luiz Fux em recurso extraordinário julgado pelo Supremo Tribunal Federal onde se discutia a extensão da imunidade tributária 477 BRASIL Banco Central do Brasil esolução nº 3954 de 24 de Fevereiro de 2011 Art 7º Admitese o substabelecimento do contrato de correspondente em um único nível desde que o contrato inicial preveja essa possibilidade e as condições para sua efetivação entre as quais a anuência da instituição contratante 478 Banco Central do Brasil Resolução nº 3954 de 24 de Fevereiro de 2011 Art 8º O contrato de correspondente pode ter por objeto as seguintes atividades de atendimento visando ao fornecimento de produtos e serviços de responsabilidade da instituição contratante a seus clientes e usuários I recepção e encaminhamento de propostas de abertura de contas de depósitos à vista a prazo e de poupança mantidas pela instituição contratante II realização de recebimentos pagamentos e transferências eletrônicas visando à movimentação de contas de depósitos de titularidade de clientes mantidas pela instituição contratante III recebimentos e pagamentos de qualquer natureza e outras atividades decorrentes da execução de contratos e convênios de prestação de serviços mantidos pela instituição contratante com terceiros IV execução ativa e passiva de ordens de pagamento cursadas por intermédio da instituição contratante por solicitação de clientes e usuários V recepção e encaminhamento de propostas referentes a operações de crédito e de arrendamento mercantil de concessão da instituição contratante V recepção e encaminhamento de propostas de operações de crédito e de arrendamento mercantil concedidas pela instituição contratante bem como outros serviços prestados para o acompanhamento da operação VI recebimentos e pagamentos relacionados a letras de câmbio de aceite da instituição contratante VII execução de serviços de cobrança extrajudicial relativa a créditos de titularidade da instituição contratante ou de seus clientes VIII recepção e encaminhamento de propostas de fornecimento de cartões de crédito de responsabilidade da instituição contratante e IX realização de operações de câmbio de responsabilidade da instituição contratante observado o disposto no art 9º 479 Banco Central do Brasil Resolução nº 3954 de 24 de Fevereiro de 2011 Art 4ºA A instituição contratante deve adotar política de remuneração dos contratados compatível com a política de gestão de riscos de modo a não incentivar comportamentos que elevem a exposição ao risco acima dos níveis considerados prudentes nas estratégias de curto médio e longo prazos adotadas pela instituição tendo em conta inclusive a viabilidade econômica no caso das operações de crédito e de arrendamento mercantil cujas propostas sejam encaminhadas pelos correspondente 152 152 para tal empresa pública e distinguiu o monopólio no caso do serviço postal da concorrência com atividade de banco fiscal480 Assim considerou a existência de uma submissão ao regime de direito público para a atividade serviço postal com a incidência da imunidade tributária e um regime de direito privado para a exploração como banco fiscal ao qual não ocorreria a não incidência constitucionalmente qualificada 481 Embora resolva em parte a questão devese admitir que existem zonas fronteiriças que demandarão uma análise no caso concreto de forma a aferir não o objeto em si já que não é o elemento central da teoria do domínio público ou de seu regime mas a função social de forma a verificar a medida que a atividade esteja se adequando ou concretizando a mesma Isto porque é válida a ressalva que a atividade de banco postal pode assumir não apenas uma feição privada que deve ser adequada a uma função social mas diante das circunstâncias ser dotada de uma qualificação pública a medida que serve para realizar uma necessidade coletiva O banco postal pode ser assumir uma finalidade social na medida em que esteja instalado em determinado local onde não haja instituições financeiras em funcionamento por ausência de interesse econômico o que assumirá uma relevância para o grupo social ao garantir a circulação de recursos financeiros na localidade482 Nesse caso parece que incidirá a imunidade tributária não em razão de seu titular enquanto pessoa administrativa mas porque se liga à realização de uma função social de tal forma que não será uma mera exploração econômica em regime de concorrência mas um serviço público em uma situação de não concorrência Tais situações demonstram a impossibilidade de afirmar fronteiras rígidas entre o público e o privado e qualquer tentativa de delimitação estrita de um regime jurídico especial para os bens públicos identificados como uma disciplina de natureza pública plenamente apartada de uma regulação privada 480 BRASIL Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinário nº 601392 Rel Min Gilmar Mendes J 2822013 p 5 481 Idem Ibidem 482 NUNES Cleucio Santos A imunidade tributária dos correios sobre serviços postais não exclusivos Revista de Estudo de Direito Postal dos Correios v 1 2014 p 38 153 153 As distintas graduações assumidas pelas coisas no que tange a função pública variam desde uma adequação até uma plena realização e importarão em uma variedade de graus que assumirá o regime jurídico de direito público e de direito privado na formação de uma disciplina própria para os bens públicos e para os próprios bens privados É possível atestar que nenhuma coisa privada estará não sujeita ao regime jurídico de direito público na medida em que se submete a autonomia de vontade desde a uma menor ingerência através das restrições às normas de ordem pública como as limitações administrativas até uma redução mais ampla do seu espaço tal qual o tombamento Em igual medida as coisas públicas estão sujeitas a distintas graduações de suas submissões ao regime jurídico de direito público na medida de sua função social estando algumas sujeitas às restrições mais rígidas como a indisposição dos mares e rios ou mais flexíveis como a inalienabilidade dos prédios públicos superada pela desafetação O reconhecimento que o fundamento a teoria do domínio público e os efeitos o regime jurídico especial dos bens públicos volvemse a um critério de funcionalização à luz de sua graduação produz igualmente transformação no que se refere à sua titularidade em específico o papel desempenhado pelo Estado Não podendo se sustentar uma teoria do domínio público à luz de uma identificação com a titularidade estatal ou da incidência exclusiva do seu regime jurídico de direito público cabe discutir qual será o papel desenvolvido pelo Estado no que tange aos bens públicos diante da função social como elemento configurador Não havendo uma exclusividade do ente estatal no que tange a satisfação dos interesses da coletividade e na titularidade dos bens públicos cabe determinar qual será o seu papel na garantia ou promoção da função social que será perseguida por outros atores sociais no que se refere a gestão das coisas públicas Neste sentido tornase necessário delimitar de forma adequada a noção de titularidade sobre a coisa pública já que sob o influxo da concepção civil tradicional é confundida com uma perspectiva patrimonialista e portanto uma afirmação de propriedade sobre o bem público que não aparece se amoldar a tais questões O tema será tratado a seguir 154 154 CAPÍTULO 3 A TITULARIDADE DOS BENS PÚBLICOS 31 Da atribuição da personalidade ao ente estatal e da apropriação da noção privatista da coisa pública a construção do EstadoProprietário aquém da função social Conforme demonstrado não existe na ciência jurídica uma concepção definitiva de qual seja a qualificação dogmática do domínio público mas ao revés há inúmeras teorias que tentam justificar a delimitação de um acervo com a formação de uma disciplina própria para tais bens públicos Podese observar porém uma noção ampla aceita de que a titularidade estatal de forma isolada ou associada direta ou indiretamente a outros elementos corresponde à fundamentação teóricocientífica para a construção do instituto dos bens públicos e jurídico positiva que os dotam de um regime especial Demonstrase insuficiente sustentar um domínio público e um regime jurídico especial na figura do Estado diante da ampliação de outros atores sociais responsáveis para gestão dos bens públicos agravese a questão o modo generalizado que se compreende a relação do ente público com as referidas coisas Podese verificar que há certa preponderância na matriz romanogermânica de uma concepção patrimonialista de origem francesa que vincula a teoria dos bens públicos à figura do Estado em uma titularidade ou senhorio especial que seria o elemento de formação de um regime jurídico próprio483Isso parece estar ligado eminentemente a construção normativa do Estado como uma pessoa jurídica que dotada de uma personalidade e portanto a capacidade de adquirir direitos e obrigações estaria sujeito igualmente a atribuição de bens e a formação de um patrimônio Decorre de uma inadequada compreensão de que a noção de bens seja intimamente correlata à noção de propriedade por um sujeito quando tal concepção corresponde a uma dada concepção de coisificação típica do direito civil que liga as coisas à personalidade e portanto a noção de pessoa ou de titular484 483 BLANCO Alejandro Vergara Teoria del dominio publico y afetacion mineira Revista Chilena de Derecho v 17 1990 p 135 484 Alejandro Vergara Teoria del dominio publico Op cit p 139 155 155 No direito privado é generalizada a compreensão do patrimônio enquanto o conjunto ou universalidade de bens de que é dotada uma determinada pessoa extraindose portanto a noção de que o patrimônio se deduz diretamente da personalidade jurídica como a variedade de objetos sob o qual determinado sujeito exerce seus direitos e deveres485 Sob tal entendimento haveria portanto uma relação íntima entre pessoa e patrimônio de forma que é comum a referência de que inexista uma pessoa que não seja dotada de um patrimônio já que este não se confunde com riqueza tal qual não há um patrimônio que possa ser concebido de forma separada ou autônoma em relação a uma pessoa486 Neste viés o patrimônio assume uma feição de economicidade representando aquele acervo ao qual é possível atribuir um valor pecuniário positivo ou negativo decorrente da própria atuação do sujeito que através da manifestação de sua personalidade jurídica no exercício de sua autonomia de vontade adquire e despojase de bens e forma seu acervo487 Sob tal viés o Estado corresponde a um ente moral ao qual foi construída por ficção jurídica uma técnica capaz de atribuirlhe através da lei uma personalidade jurídica488 e portanto a possibilidade de atuar como titular de direitos e deveres nas relações jurídicas formadas com outras pessoas físicas ou jurídicas489 Isso porém não significa que possa se atribuir um tratamento jurídico ao Estado igual aos das demais pessoas jurídicas constituídas que são estabelecidas por sua própria ordenação legal seria ignorar não apenas o fundamento de sua instituição mas a finalidade que pretendese alcançar com tal constituição Não obstante isto não parecer ser um problema para a literatura tradicional já que a par da sua personalidade política e pública detentora de prerrogativas da soberania e competências criase uma personalidade jurídicoprivada com a formação de um Estado patrimonial um sujeito com patrimônio ou Estadopessoa490 485 AUBRY C RAU C Cours de droit civil français 5 ed tomo 1 Paris Librairie Générale de Jurisprudence 1897 p 229231 486 PLANIOL Marcel Traité élémentaire de droit civil 11 ed Paris Librairie Générale de Jurisprudence 1928 p 697 487 Marcel Op cit p 698699 488 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 41 São pessoas jurídicas de direito público interno I a União II os Estados o Distrito Federal e os Territórios III os Municípios IV as autarquias IV as autarquias inclusive as associações públicas V as demais entidades de caráter público criadas por lei Parágrafo único Salvo disposição em contrário as pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado regemse no que couber quanto ao seu funcionamento pelas normas deste Código Art 42 São pessoas jurídicas de direito público externo os Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público 489 DUCROCQ M TH Cours de Droit Administratif Paris Auguste Durand LibraireÉditeur 1863 p 12 490 BERTHÉLEMY H Op cit p 4446 156 156 Por efeito a figura estatal acabase por mover através de categorias teóricas públicas e privadas em alguns momentos sendo o ente público que atua através de poderes e prerrogativas sob a propriedade privada e em outros como um sujeito privado que exerce uma propriedade pública A problemática surge diante de tais coisas que uma vez ligadas à realização de uma utilidade coletiva não parecem se adequar à uma noção privatista capaz de ligalo à uma personalidade jurídica do seu titular como a formação de um patrimônio com um respectivo caráter de economicidade Isto fica evidente em determinados bens naturais como os mares e o ar que por sua própria natureza torna impossível uma delimitação no acervo de um ou outro Estado mas igualmente é possível perceber nos próprios bens artificiais praças e ruas que uma vez servindo à coletividade não parecem que o papel adequado para o Estado seja de proprietário Por esta razão a literatura jurídica aponta que uma boa parte da celeuma envolvendo os bens públicos inclusive a sua distinção de um domínio privado e a inalienabilidade das coisas publicas decorre da tentativa de manter conceitos tradicionais e oriundos do direito comum como as noções de direito subjetivo propriedade e dominus491 Na família romanogermânica tanto na matriz que se apoia em uma dualidade do regime das coisas como a literatura alemã quanto naquela que adota uma noção de unicidade tal qual oriunda do direito francês que acabava por regular as coisas públicas e privadas na lei civil há uma nítida apropriação de categorias do direito privado Como visto não se pretende fixar fronteiras entre o público e o privado mas deve se reconhecer que se há uma pretensão de construção de uma teoria própria e de um regime especial para os bens públicos a assimilação de suas estruturais fundamentais não se amoldam à especificidade que pretende se firmar Isto inclusive pela literatura alemã que embora sustente uma dualidade com a compreensão que existe uma categoria própria de coisas materiais dotadas de uma destinação especial sua colocação a serviço da comunidade colocam sua dependência especial da puissance publique do Estado que identificam como propriedade pública492 Embora considerem que tais coisas são distintas daquelas sujeitas ao regime jurídico de direito privado continuam compreendendo uma concepção de propriedade mesmo que 491 DUGUIT Léon Traité de Droit Constitutionnel 2 ed Tome 3 La Théorie Générale de LÉtat Paris Ancienne Librairie Fontemoing Gie Éditeurs 1923 p 317 492 MAYER Otto Le droit administratif allemand Tome 3 Paris V Giard E Briére LibrairesÉditeurs 1905 p 87 157 157 dotandoa de uma característica especial ou regime próprio que é adequada à pessoa jurídica de direito público493 Ligam tal noção ao próprio desenvolvimento moderno do Estado como pessoa permite que as coisas comuns que não se adéquam a uma noção de uma propriedade coletiva partilhada por cada cidadão possam estar sob a titularidade do ente moral que exercerá seus poderes na busca da realização das finalidades enquanto coisas públicas494 Em outro vértice generalizase na matriz romanogermânica a teoria dualista advinda da literatura administrativa francesa que identifica o domínio público com uma forma de propriedade inalienável e imprescritível embora com coisas afetadas a um destino ou finalidade pública495 Para a maioria dos autores seria a puissance publique capaz de afetar determinadas coisas à função pública e por efeito atribuíla uma personalidade um Estadopatrimonial496 de forma que o Estado seria marcado por esta dualidade de ao mesmo tempo ser um poder público e um agente patrimonial497Inegável que essa formação de uma personalidade patrimonial do Estado gera algumas idiocrasias como o próprio Estado que atribui a si personalidade jurídica também se designa titular de um direito subjetivo que é construído justamente como um espaço de proteção do indivíduo em face do ente público498 Há certa incongruência ao se sustentar a aplicação de uma categoria jurídicoprivada um patrimônio público como decorrente da personalidade jurídica do Estado fundada e através de prerrogativas que decorrem de uma categoria políticopública puissance ou potestade publica de sua noção enquanto ente soberano 499 Disso surgiram críticas acerca da insustentabilidade de uma personalidade dualística política e patrimonial na delimitação jurídica do Estado já que qualquer pessoa no Direito ainda que se manifeste de formas variadas conserva uma única natureza atribuída pelo ordenamento jurídico tal qual deve ocorrer com o Estado500 Em certa medida tais óbices foram incorporadas até pelos seus adeptos que passaram a sustentar uma unidade de personalidade em razão da dificuldade que se produzia no 493 Otto Le droit administratif allemand Op cit p 88 494 Otto Le droit administratif allemand Op cit p 88 e 92 495 VELASCO Recaredo Fernández Natureza juridical del domínio publico según Hauriou Aplicación de su doctrina a la legislación española Revista de Derecho Privado VIII 1921 p 230236 496 BERTHÉLEMY H Op cit p 4446 497 DUGUIT Léon Traité de Droit Op cit p 234 498 Léon Traité de Droit Op cit p 300 499 Léon Traité de Droit Op cit p 300 500 JELLINEK Georg Teoria general do Estado Op cit p 185188 158 158 momento de delimitar um fundamento jurídico para a obrigatoriedade dos contratos estatais ou para a responsabilidade estatal enquanto manifestação de atos de poder público501 Todavia insiste uma dupla face na possibilidade do Estado atuar como um sujeito eminentemente público porém igualmente privado de forma que exerce potestades sobre as coisas privadas e públicas como uma manifestação de soberania e de propriedade respectivamente Se a proposta fosse romper os limites do regime público e privado na regulação das coisas públicas seria sustentável porém tais adeptos ainda insistem a necessidade de uma formação de uma pessoa jurídicaadministrativa nestes moldes em razão da proteção de dados interesses como o exercício das prerrogativas e as pretensões à uma propriedade pública502 Reiteram embora decorrente de uma puissance publique que a personalidade administrativa do Estado se sujeita a um duplo efeito importando não apenas a atuação em uma via publica mas também privada com a única diferença que neste campo ao contrario dos sujeitos individuais ela se moveria por interesses públicos503 Por efeito acabase incorporando uma natureza dualística em uma concepção unitária de um ente estatal que tal como um sujeito público é ente soberano e exerce sua potestade sobre as coisas e como um sujeito privado é proprietário e executa as consequentes posições sobre os referidos bens Há uma evidente apropriação não apenas do conceito de propriedade do direito civil mas igualmente da sua ligação com a noção de personalidade que se coaliza eminentemente a uma construção liberal da disciplina que se quer se adéqua a reconstrução da disciplina à luz da Constituição em um movimento crescente de repersonalização e despatrimonialização504 Não parece que o reconhecimento da personalidade jurídica dos entes públicos505 como pessoas jurídicas de direito público506 signifique a formação de um patrimônio mas ao revés diante da sua finalidade que é a persecução de interesses públicos que exerce uma titularidade de coisas na medida que sirvam para tais fins 501 HAURIOU Maurice Precis Op cit p 340 502 Maurice Precis Op cit p 208 503 Maurice Precis de Droit Administratif Op cit p 209 504 ARONNE Ricardo Os direitos reais na constitucionalização do direito civil Direito Justiça Porto Alegre v 39 n 2 p 175196 juldez 2013 p 178 e ss 505 BRASIL Constituição da epública Federativa do Brasil Art 18 A organização políticoadministrativa da República Federativa do Brasil compreende a União os Estados o Distrito Federal e os Municípios todos autônomos nos termos desta Constituição 506 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 41 São pessoas jurídicas de direito público interno I a União II os Estados o Distrito Federal e os Territórios III os Municípios IV as autarquias IV as autarquias inclusive as associações públicas V as demais entidades de caráter público criadas por lei 159 159 No que tange aos bens públicos não há como no direito privado uma identificação entre personalidade e patrimônio de forma que já tendo sua afetação a uma finalidade coletiva prescinde sequer que haja a sua atribuição enquanto titularidade ou dominus para que seja preservado o seu destino507 Para alguns haveria um precedente no Direito Romano que ao se ligar a noção de res publicae como uma concepção de propriedade coletiva permitiria diante do Estado Moderno que se considerasse portanto os bens públicos como uma propriedade da sociedade representada pela figura estatal508 Porém parece tratarse de uma interpretação forçada já que o populus não tinha propriedade mas ao cidadão romano havia apenas o direito de usar coisas que estavam fora do comércio509 e portanto eram inapropriáveis por qualquer indivíduo e também não era de propriedade do estado romano No principado romano havia a própria distinção entre a res publicae cuja titularidade era do povo e não poder incidir o fim do lucro sobre tais coisas já que res publico usui destinatae daquelas res fiscales que estavam sob o domínio do príncipe e podiam ter tal finalidade conforme res in pecunia populi 510 A própria noção de domínio público foi construída a partir de uma interpretação da noção romana sob as res extracommercium de forma que o Estado não era o proprietário de tais bens inapropriáveis mas apenas exercia mediante suas potestades o controle e vigilância tendo apenas o título de dominus sob os outros bens privados estatais511 Foi sob a influência da escola da puissance publique a concepção moderna acaba por se identificar a noção de domínio público com o acervo patrimonial do Estado sendo os requisitos de inalienabilidade e imprescritibilidade decorrente da afetação atribuída por este ente moral à utilidade pública512 Tanto que alguns sustentam que no Estado de Direito substituise a propriedade do príncipe sobre os bens públicos para a propriedade da pessoa moral do Estado sobre tais coisas públicas de forma a sepultar a compreensão de que tais coisas possam permanecer sem titularidade513 507 DUGUIT Leon Traité de Droit Op cit p 310 508 MAYER Otto Le droit administratif allemand Op cit p 100 509 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico en Revista de Administración Pública Espanha Centro de Estudios Políticos y Constitucionales n 25 1958 p 15 510 Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 15 511 DUFAU Jean Le Domaine Public Op cit p 1525 512 HAURIOU Maurice Precis de Droit Administratif Op cit p 609 513 MAYER Otto Le droit administratif allemand Op cit p 92 160 160 Para tais adeptos a lei competiria positiva e regular as coisas públicas retirando qualquer ambiguidade quanto aos fins que se destinam e declarandoas como de propriedade geral do Estado que passa a se identificar com os bens públicos o domínio público e a propriedade do Estado propriamente dita 514 Poderseia firmar que sendo o Estado o ente moral representativo da coletividade não haveria celeumas em admitir a sua propriedade sob as coisas públicas já que o mesmo além de exercer o monopólio do poder de forma soberana está destinado a satisfação dos interesses do grupo social A questão é que sob tal vértice o domínio público não seria o conjunto de bens da nação propriamente dito ou do público mas o acervo patrimonial distribuído às diversas pessoas administrativas para o exercício da função administrativa podem ser afetados ao uso direto da coletividade ou a prestação dos serviços públicos515 Alegase que inexistam bens de propriedade da nação coletividade ou povo que seriam conceitos de natureza política ou sociológica516 embora a figura estatal igualmente possa ser apreendida por estes ramos da ciência e igualmente ter uma conotação jurídica que inclusive a Constituição Federal cede ao povo enquanto titular do poder políticojurídico517 Outros chegam a sustentar que o pertencimento anterior dos bens públicos ao longo da evolução histórica para as comunidades rurais o povo e o soberano decorreriam antes da inexistência de um ente moral dotado de personalidade jurídica para titularizar as relações jurídicas decorrentes do que de fato uma titularidade difusa sobre essas518 Ignorase a existência não apenas de instituições políticoadministrativas que centralizavam igualmente a figura do poder mas do reconhecimento que determinadas coisas estavam sob a titularidade do ente estatal como àquelas res fiscales em contraposição a res publicae no direito romano Parece que a não configuração dos bens públicos como propriedade do ente estatal ou da coletividade decorria antes da assimilação de um critério funcional que os reconhecia pelo papel desempenhado e a sua utilização conforme os fins almejados do que a titularidade que parece se identificar com o Estado Moderno e a afirmação do ente moral Tais concepções restringem as coisas públicas em uma identificação com o Estado que acaba por se afastar do critério funcional como o elemento central que a designa e da 514 MAYER Otto Le droit administratif allemand Op cit p 93 515 HAURIOU Maurice Precis de Droit Administratif Op cit p 610 516 MORENO Fernando Sainz El domínio publico Op cit p 488 517 BRASIL Constituição da epública Federativa de 1988 Art 1º Parágrafo único Todo o poder emana do povo que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente nos termos desta Constituição 161 161 compreensão que estarão envolvidos outros atores sociais na prossecução dos interesses da coletividade e portanto a gestão das referidas coisas Não significa que tais autores não dotem o patrimônio público de uma finalidade pública porém que esta decorre da medida em que são fixados como propriedade das pessoas de direito público e por efeito isto as dotarão de um caractere jurídico especial que é a sua destinação a uma utilidade pública519 Tal compreensão ignora àquelas coisas que exercem uma finalidade para coletividade independente da titularidade ou atribuição ao ente estatal como alguns bens públicos naturais e a tendência de maior participação dos atores sociais na busca da realização dos interesses públicos dotando de função social as referidas coisas Alguns adeptos alegarão que o fato das coisas públicas serem dotadas de indisponibilidade não impediria considerar que o Estado fosse proprietário do domínio público pois a sua extracomercialidade retiraria tais bens apenas da aquisição privada mas não impediria as pessoas administrativas de afetálas à finalidades públicas520 Corresponderia portanto antes como atributos excepcionais concedidos para excluir a aplicação do regime de direito civil521 e a apropriação por sujeitos privados com a sua exclusão da titularidade pública do que decorrente de qualquer função social que exercem tais coisas Para tais autores a própria inalienabilidade dos bens públicos não decorre de sua natureza mas antes representa uma indisponibilidade administrativa decorrente de uma incapacidade pessoal já que a Administração Pública enquanto proprietária de bens públicos afetos a interesse público não pode deles dispor522 Assim o Estado não seria mero titular dos bens públicos mas um verdadeiro proprietário cujo acervo seria formado tanto pelas coisas tidas como indisponíveis quanto também pelos demais bens que são considerados disponíveis ao qual caberia a propriedade privada523 Tal título de propriedade estatal seria formal e baseado não em um negócio jurídico mas encontraria fundamento na soberania do ente público como uma forma de potestade ou título de intervenção que permitiria exercer sob as referidas coisas as faculdades oriundas de um proprietário524 518 LANZIANO Washington Estudio Op cit p 87 519 MAYER Otto Le droit administratif allemand Op cit p 93 520 HAURIOU Maurice Precis de Droit Administratif Op cit p 611 521 MAYER Otto Le droit administratif allemand Op cit p 93 522 HAURIOU Maurice Precis de Droit Administratif Op cit p 620 523 CRUZ Alcides Op cit p 203 524 VANESTRALEN Hernando Bienes de titularidad pública Op cit p 215 162 162 Há uma clara assimilação de uma perspectiva subjetiva e patrimonialista do domínio público que não se adéqua a realidade subjacente pois como já visto a indisponibilidade de alguns bens naturais decorre da sua inapropriedade material por qualquer sujeito até o estatal bem como que o critério funcional que justifica a atribuição deste e outros caracteres Caso distinto fosse o entendimento uma vez que determinados bens não estivessem sob a propriedade estatal não poderiam se sujeitar a tais atributos o que não ocorre seja com os bens públicos através da despublicização ou com os bens privados como no caso de tombamento ou desapropriação indireta ao qual a função social impõe a restrição Tal difusão é tão ampla que na literatura jurídica nacional ainda confundese a noção de bens públicos com a de propriedade do Estado designando aqueles usualmente como as coisas que pertencem as pessoas jurídicas de direito público e portanto estão sujeitos à um regime jurídico próprio e exorbitante do direito comum525 Assim é comum uma tentativa de identificação entre os conceitos de domínio titularidade e regime jurídico em uma síntese que o domínio público é o acervo formado pelas propriedades atribuídas a um sujeito de direito com personalidade jurídica de direito público e sob um regime jurídico de direito público526 Porém como visto é possível reunir tais conceitos com epicentro na figura do Estado já que existe um domínio público não estatal exercido por variados titulares públicos e privados e sujeitos a um regime especial graduado que envolverá a aplicação de regras do direito comum ou da disciplina pública Generalizada a compreensão de um Estadoproprietário se sustenta que o ente público não exerce apenas uma titularidade sobre as coisas públicas mas possui o dominus sobre estas inclusive com suas atribuições de defesa e resguardo527 formando as mesmas o patrimônio estatal tal qual com os sujeitos privados Não faltam na legislação pátria atual exemplos da assimilação de tal construção ao prever não apenas a formação de um acervo patrimonial para cada ente público inclusive com regras de incorporação de coisas ao patrimônio público que sequer exercem ou irão realizar uma função social 525 CRETELLA JUNIOR José Dicionário Op cit p 106 526 MORENO Fernando Sainz El domínio publico Op cit p 488c 527 Assim dispôs o Decreto Federal que vedava o resgate dos aforamentos de terrenos pertencentes no dominio da União e da outras providencias Considerando que ao Govêrno cumpre velar pela integridade do Patrimônio da União defendendo e resguardando o domínio dos respectivos bens Considerando ainda que embora no direito patrio os bens públicos mesmo dominicais já sejam insuscetiveis de usocapião a circuntancias de se terem manifestado em contrário algumas opiniões torna conveniente que o legislador volte a reafirmar esse princípio que é de ordem pública BRASIL Decreto Federal nº 2278c5 de 31 de Maio de 1993 163 163 Além da partilha constitucional já estudada que atribuiu como propriedade os bens da União e Estados528 inclusive coisas materialmente inapropriáveis529 a lei civil reforça o caráter patrimonial ao determinar a aquisição no acervo do município dos bens da herança jacente530 e sem titular531 independente de exercerem ou poderem exercer uma função social Em igual sentido determina o direito comum brasileiro à apropriação pelo Estado dos bens privados abandonados de forma real ou presumida como o não cumprimento das obrigações fiscais532 e das coisas alheias perdidas ao qual cabe ao município os valores de sua venda em hasta publica ou abandono para o descobridor533 A literatura jurídica reforça tal caráter patrimonialista ao sustentar que a par dos bens atribuídos pela partilha constitucional de bens e competências534 e as próprias formas de aquisição determinada pela Constituição Federal535 seria admitida as outras formas de aquisição de propriedade da lei comum536 dação em pagamento compra venda e outras537 Embora se reconheça a titularidade sobre as referidas coisas não buscase atribuir nenhuma função social aos referidos bens de forma que admitese a formação de um acervo patrimonial estatal com coisas que não exerçam nenhuma ligação com as necessidades coletivas e nem venham necessariamente a assumir 528 BRASIL Constituição da epública Federativa de 1988 Art 20 São Bcens da União Art 26 Incluemse entre os bens do Estado 529 Constituição da epública Federativa de 1988 Art 20 III os lagos rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio ou que banhem mais de um Estado sirvam de limites com outros países ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham bem como os terrenos marginais e as praias fluviais VI o mar territorial 530 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1822 cA declaração de vacância da herança não prejudicará os herdeiros que legalmente se habilitarem mas decorridos cinco anos da abertura da sucessão os bens arrecadados passarão ao domínio do Município ou do Distrito Federal se localizados nas respectivas circunscrições incorporandose ao domínio da União quando situados em território federal 531 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1844 Não sobrevivendo cônjuge ou companheiro nem parente algum sucessível ou tendo eles renunciado a herança esta se devolve ao Município ou ao Distrito Federal se localizada nas respectivas circunscrições ou à União quando situada em território federal 532 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1276 O imóvel urbano que o proprietário abandonar com a intenção de não mais o conservar em seu patrimônio e que se não encontrar na posse de outrem poderá ser arrecadado como bem vago e passar três anos depois à propriedade do Município ou à do Distrito Federal se se achar nas respectivas circunscrições 533 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1237 Decorridos sessenta dias da divulgação da notícia pela imprensa ou do edital não se apresentando quem comprove a propriedade sobre a coisa será esta vendida em hasta pública e deduzidas do preço as despesas mais a recompensa do descobridor pertencerá o remanescente ao Município em cuja circunscrição se deparou o objeto perdido 534 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 20 a 24 Art 26 30 e Art 32 1º 535 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 5 XXIV e XXV Art 182 III Art 184 Art 216 1º e Art 243 536 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Artigo 356 481 538 e 1238 a 1259 537 MARINELA Fernanda Op cit 756757 164 164 Tal noção de um Estadoproprietário também se confirma na medida em que o Estado possa ser proprietário de coisas que não guardem uma função social imediata os tidos bens dominiaeis que irão compor um domínio próprio e se subordinar a um regime jurídico diferenciado dos bens particulares538 Tal compreensão foi aderida pelo Código Civil tanto de 1916 quanto de 2002 que apontava que os bens dominicais são aqueles que constituem o patrimônio dos entes federados como objeto de direito pessoal ou real dos respectivos sujeitos539 e dessa forma independente de qualquer afetação ou finalidade pública Tal noção assimilada de EstadoProprietário não corresponde a uma apropriação da categoria privada de forma plena mas antes se liga à uma noção de puissance publique que gera uma idiocracia de conceder ao ente público as benesses do tratamento de proprietário mas sem sujeitalo previamente ao cumprimento dos respectivos deveres Considere por exemplo que enquanto o não emprego do direito de propriedade com abandono da coisa pelo proprietário privado seja causa de extinção de propriedade540 no caso do suposto proprietário público o não exercício da utilidade pública colocam as suas coisas apenas como bens dominais que estão sujeitas mas não serão necessariamente alienadas541 Diante de tais críticas surgem propostas alguns sustentam o domínio público como uma propriedade mas de direito público que em razão da especificidade de suas natureza e finalidade impõem o surgimento de institutos próprios como os contratos administrativos ou a servidão administrativa542 Seria ignorar que a expressão dominius no direito administrativo nunca se identificou com uma noção de proprietas mas se vinculava à noção de potestas eminens do príncipe543 razão pelo qual no Estado de Direito parece se adequar melhor a concepção de função já que se transmuta à noção de poder para deveres partilhados em competências Ademais se for admitida que seja a especialidade da ação administrativa que justifique uma formação de uma disciplina jurídiconormativa própria e de uma teoria específica há de se sustentar que a sua matriz ou fundamento não será a titularidade estatal mas a função pública e portanto da afetação sobre a propriedade na delimitação dos bens públicos 538 CRUZ Alcides Op cit p 203 539 BRASIL Lei Federal nº 3071 de 1º de Janeiro de 1916 Art 66 inciso III 540 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1275 inciso III e 1276 541 CRUZ Alcides Op cit p 209 542 MAYER Otto Le droit administratif allemand Op cit p 101 543 BLANCO Alejandro Vergara Teoria del dominio publico Op cit p 150 165 165 Outros propõem soluções privatistas como considerar que o Estado sob determinados bens públicos não possui a propriedade mas a função de depositário das coisas do domínio público em razão do interesse social de forma a garantir a sua apropriação por sujeito público ou privado544 Embora reconheça a inapropriedade de determinadas coisas como o ar e o mar sob o qual o Estado não poderá agir como proprietário não parece adequado o instrumento jurídico já que pressupõe uma manifestação volitiva além de se inserir no âmbito do negócio jurídico privado transitório545 Porém é inegável que sendo o domínio público a reunião do conjunto de bens corporais e incorporais móveis e imóveis afetados a diversos títulos a universalidade da nação que há certas coisas em razão de sua natureza como os rios e os mares que não podem ser sujeita à uma propriedade pelo Estado mas a sua guarda e conservação546 Ademais não é possível considerar uma relação de propriedade já que as características propostas para os bens públicos inalienabilidade imprescritibilidade e impenhorabilidade são incompatíveis com as faculdades regulares desse direito para os seus titulares 547 Talvez por esta razão parte da literatura jurídica não sustenta uma relação de propriedade do Estado com a coisa mas uma noção de suporte jurídico de potestades que concederia o título jurídico de intervenção que permitiria a Administração Pública disciplinar as condutas em relação as coisas qualificadas como pública548 Assim para alguns haveria a formação de uma escala ou gradação de títulos sobre os bens do domínio público de forma que sob determinadas coisas o Estado exercerá uma potestade ou prerrogativa outros possuirá uma propriedade privada e por fim terá um dever de vigilância ou controle549 Por efeito seria necessário observar cada bem público para determinar se o ente público exerce sobre ele uma verdadeira propriedade com as suas implicações privadas ou se exerce uma potestade ou prerrogativa com todos os efeitos do seu império enquanto elemento do próprio Estado550 544 DUCROCQ M Cours de Droti Administratif 6 ed Tomo 2 Paris Ernest Thorin Éditeur 1881 p 106 107 545 B ASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 627 Pelo contrato de depósito recebe o depositário um objeto móvel para guardar até que o depositante o reclame 546 DUCROCQ M Cours Op cit p 107 547 MARÍN Carmen Chinchilla Bienes patrimoniales del Estado Madrid Marcial Pons 2001 p 98 548 GAMTB B Parejo OLIVEK J M Bodríguez Lecciones de dominio público Madrid Editora ICAI 1976 p 78 549 MARÍN Carmen Chinchilla Bienes Op cit p 103 550 VANESTRALEN Hernando Bienes de titularidad pública Op cit p 215 166 166 Em que pese a proposta distinguir dentro de uma noção estática de domínio público uma pluralidade de bens e portanto de distintas relações jurídicas do Estado parece sustentar as prerrogativas ou poderes como título causal gerando uma confusão com a noção de domínio imanente e a justificativa de intervenção na propriedade privada Ademais não parece claro que o Estado possa exercer sobre determinados bens um regime patrimonial como se sujeito privado fosse pois a própria diversidade de seus regimes e princípios diretivos o interesse público na disciplina pública e a autonomia de vontade na regulação privada impõem diretivas distintas ao uso e fruição das referidas coisas Porém avançase ao permitir a substituição da noção de propriedade para uma visão de função já que os seus titulares admitem uma concepção de domínio público que funciona como justificação para que o ordenamento jurídico atribua determinas faculdades às pessoas públicas para ordenar tais coisas ao interesse público 551 Aproximase portanto da compreensão dada por alguns que os bens que compõem o domínio público não cumprem funções típicas de propriedade e o que determina sua verdadeira natureza jurídica é um título causal de intervenção fundamentada em uma potestadefunção552 Não parece tratarse de uma potestadefunção pois ainda se liga a noção de titularidade na figura estatal e suas prerrogativas e poderes bem como em uma aparente discricionariedade quando parece que se situa como um dever de cumprimento da função social que pode ser exercida por outros atores sociais Nesse viés parece que ao rechaçar a tese patrimonialista de um título de propriedade privada do Estado sobre as coisas pública acabase por fundamentar em uma teoria funcionalista de que o domínio público se relaciona ou se vincula com as funções da Administração Pública553 Tal entendimento exerce um papel capital em especial diante da realidade social subjacente já que se sustenta uma teoria patrimonialista dos bens públicos com a figura do Estado como proprietário com seus poderes diante de instituições políticosadministrativas brasileiras marcadas pelo patrimonialismo nepotismo e autoritarismo Em uma cultura administrativa onde se observa uma apropriação da coisa pública por agentes privados para satisfação de interesses próprios exerce um papel essencial a busca pela 551 GAMTB B Parejo OLIVEK J M Bodríguez Lecciones de dominio público Madrid Editora ICAI 1976 p 78 552 MORENO Fernando Sainz El domínio publico una reflexion sobre su concepto y naturaleza Revista de Administración Pública Espanha Centro de Estudios Políticos y Constitucionales n 150 Septiembrediciembre 1999 p 481 167 167 configuração de uma titularidade estatal que permita preservar a função social assumida pelas referidas coisas O tema será tratado a seguir 553 BLANCO Alejandro Vergara Teoria del dominio publico Op cit p 150 32 Uma aproximação necessária da patrimonialização dos bens públicos ao patrimonialismo nas instituições políticoadministrativas brasileiras Como visto há certa preponderância de um caráter patrimonialista no que tange a titularidade dos bens públicos de forma que para a literatura dominante o Estado seria formado de um acervo patrimonial e exercia em relação às coisas uma posição próxima ao de proprietário ainda que considerada as posições jurídicas singulares que lhe forem atribuídas Tal questão assume relevo não apenas no que tange à sua origem em uma matriz francesa em uma quadra histórica de necessária afirmação da soberania estatal inclusive sobre os bens da nação mas igualmente no que tange a sua assimilação pelo direito brasileiro em razão da especificidade de suas instituições políticosadministrativas Desse modo tratar sobre os eventuais limites de se sustentar uma titularidade sobre os bens públicos a partir de um caráter eminentemente privatista e dotado de uma natureza de economicidade sem considerar tal questão importaria em ignorar os próprios limites conformativos do Direito no que se refere a realidade social subjacente Em que pese as próprias incongruências apontadas na tentativa de construção de uma teoria específica para as coisas públicas com a formação de um regime jurídico próprio excludente da disciplina comum mas com a apropriação de categorias fundamentais do direito privado assume especial relevo na realidade brasileira Há portanto uma insuficiência científicojurídico de se sustentar um critério de titularidade para uma dogmática própria dos bens públicos bem como uma dificuldade positivonormativo de se sustentar um regime jurídico especial utilizando tal elemento uma inevitável dificuldade social subjacente Devese verificar em que medida a sustentação teórica de uma perspectiva patrimonial para os bens públicos encontra em estruturas político administrativas marcadas por elementos perniciosos oriundos de sua formação colonial e reiteradas na contemporaneidade uma dificuldade que não pode ser ignorada Desta feita não pretendese a partir de uma perspectiva sociológica analisar os elementos que informam a cultura políticoadministrativa brasileira produzindo influência no Direito Administrativo no que tange as suas aproximações e distanciamento de seus elementos teóricos e dos efeitos sob as suas eficácias Porém tornase capital apontar a sua interface no que se refere à teoria dos bens públicos de modo a trazer subsídios que permitam reafirmar a insuficiência de uma 169 169 perspectiva patrimonial de economicidade como traço na relação que tem por objeto a coisa com seu titular Sob tal viés é ínsito ao debate o caráter assumido pela coisa pública aqui utilizada em um sentido amplo para abranger também os bens públicos no que tange as instituições públicas brasileiras oriundas precipuamente de um modelo próprio de formação político administrativa A colonização da América do Sul foi tida como de terras primitivas e com população inaproveitável e portanto pretendiase uma ocupação estritamente comercial com a formação de uma Administração Pública de funcionários e militares apenas na medida de defesa dos territórios ocupados e exploração dos recursos naturais554 Desde já observese uma função nitidamente patrimonialista assumida pelas coisas públicas uma vez que os bens públicos artificiais como as edificações e embarcações são exercidas exclusivamente com a finalidade de exploração econômica dos bens públicos naturais os recursos como a madeira e posteriormente o ouro e o café Assim ao reverso da colonização as áreas temperadas onde o Estado Inglês funda na América do Norte colônias com tradições de selfgovernment e de respeito às liberdades públicas e portanto a formação de instituições e organização políticoadministrativa própria na colonização do Brasil o Português fundou um prolongamento do Estado na América555 Submetido a uma Administração Metropolitana o Brasil não correspondia a uma unidade mas um conjunto de províncias ou capitanias tais como aquelas estabelecidas na África e no Oriente que integravam a monarquia portuguesa e estavam sujeitas a uma Administração Geral das Capitanias556 A Administração Pública Colonial não era apenas adotada de uma ausência de autonomia mas estava sujeita à uma direção ampla e geral de uma monarquia portuguesa em um escalonamento dos seus súditos e vassalos que exerciam um papel mesmo que modesto no organismo político monárquico557 Isso produz uma influência perniciosa já que a nobreza assumia um papel de poderio na Administração Colonial através desde o monopólio dos cargos públicos até a influência 554 PRADO JUNIOR Caio Formação do Brasil Contemporâneo São Paulo Companhia das Letras 2011 p 20 555 FAORO Raymundo Os Donos do Poder 3 ed Rio de Janeiro Globo 2001 p 146147 556 PRADO JUNIOR Caio Formação do Brasil Op cit p 322 557 Caio Formação do Brasil Op cit p 318 170 170 nas decisões políticas dos Conselhos da Coroa de forma que os demais cidadãos não possuíam direitos pessoais ou influência sobre as referidas decisões558 Desta feita o processo de colonização Europeia se processou no Brasil mais do que em qualquer parte da América em um modelo aristocrático patriarcal e escravocrata onde tudo se deixou à iniciativa particular dos nobres que eram responsáveis pelas instalações defesas e privilégios de mandos sobre a Colônia559 Isto porque há a adoção de um modelo de organização administrativa de sistema de capitanias com a divisão do território em grandes faixas de terra doadas de forma individual intransferível e transmissível por herança que permitia a apropriação das riquezas naturais e os deveres de defesa das ameaças As capitanias eram tratadas como concessões do poder público a particulares com atribuições ao donatário de natureza judiciária aplicação da justiça civil criminal e fiscal arrecadação de tributos devido à Coroa e administrativas fundação de vilas nomeação de funcionários e distribuição de terras entre colonos560 Porém há uma nítida confusão entre público e privado na figura do nobre que exercia o papel de colono e a função de exploração econômica e de governador que exercia atribuições sobre a colônia administrando as mesmas terras como fazenda e província usando ora privilégios de comerciante e ora competências públicas Esse sistema adotado na Administração Colônia é chamado pela literatura como de um feudalismo renascido na América onde à figura do senhor de latifúndios se incorpora não apenas uma categoria social aristocracia ou nobreza mas um viés estatal sua ascensão ao poder políticoadministrativo exercendo a autoridade como as mãos do rei à distância561 Há um caráter patrimonial na própria relação entre os governadores e a Coroa que exerciam o papel de autoridade e fazendeiro não com o objetivo de colonização e formação de um Estado mas de exploração dos recursos naturais garantindo o retorno à Portugal para a corte com as riquezas consequentes562 Estruturamse portanto as instituições políticosadministrativas sob a figura da autoridade e não da função que exercia sob seu pequeno feudo a capitania hereditária e as 558 ABREU J Capistrano de Capítulos de História Colonial 15001800 Brasília Conselho Editorial do Senado Federal 1998 p 27 559 FREYRE Gilberto Casagrande senzala Formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal 48 ed Recife Fundação Gilberto Freyre 2003 p 158159 e 187 560 WEHLING Arno WEHLING Maria José C Formação do Brasil Colônia Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1994 p 67 561 FAORO Raymundo Op cit p 155 562 Raymundo Op cit p 158 e 166167 171 171 coisas públicas a respectiva terra e os bens públicos as atribuições administrativas apenas necessárias para a defesa e exploração econômica para o seu enriquecimento próprio De tal sorte que além dos bens públicos se sujeitarem a um caráter eminentemente patrimonial para a exploração econômica dos recursos naturais assumem uma nítida feição privada já que eram utilizados por sujeitos privados que destinavam tais coisas à satisfação dos interesses de enriquecimento tanto da metrópole quanto seus próprios Mesmo quando há uma centralização administrativa com a absorção da autoridade dos capitães donatários na figura do governadorgeral permanece o fim de exploração econômica metropolitana563 Seja com maior fiscalização sobre os poderes do donatário564 ou com medidas burocráticas para garantir a arrecadação de tributos e rendas565 A formação de estruturas administrativas próprias com separação das funções dos donatários não afasta a exploração privada do público já que as Câmaras com atribuições tipicamente administrativas566 eram formadas pelo povo qualificado ou homensbons da lei que exerciam suas vontades sem manifestação do cidadão567 Há uma apropriação do uso da res publicae por determinado estrato social que exerce a titularidade da função pública e portanto da gestão das referidas coisas públicas de forma a garantir a satisfação dos seus interesses e não as necessidades coletivas que sequer eram perquiridas pelas atividades públicas Considerese a coleta dos tributos que era realizada por contrato mediante hasta pública e entregue a particular que por determinada soma se obrigava a pagar ao Erário os tributos arrecadas por sua conta sendo uma das práticas perniciosas do governo colonial já que o particular buscava não garantir as coisas públicas mas obter seus lucros privados568 Ao revés além de submeter o contribuinte a verdadeiras extorsões o Erário tinha grandes perdas pois não eram pouco frequente os contratadores insolváveis incapazes de pagar o preço do contrato que concediam favoritismo em relação a contratadores amigos ou comparsas que nunca satisfaziam suas dívidas para com a Fazenda Pública569 Sob tal cenário organizase uma Administração Pública que adotava processos autoritários de recrutamento de agentes públicos confusão entre competências excesso de 563 FAORO Raymundo Op cit p 158 e 167170 564 FREYRE Gilberto Casagrande senzala Op cit p 92 565 FAORO Raymundo Op cit p 171 566 PRADO JUNIOR Caio Op cit p 336 567 Caio Op cit p 333335 568 Caio Op cit p 341342 569 PRADO JUNIOR Caio Op cit p 342 172 172 burocratização em um aparelho ineficiente e autoritário570 que não se preocupava com aperfeiçoamento das atividades públicas571 Inexistia uma vinculação dos bens públicos à interesses públicos exceto na medida que se ligavam à necessidade para garantir a exploração econômica pelo Estado Português que era reiterado pelas estruturas políticoadministrativas coloniais e a nobreza aqui residente no uso da coisa pública como forma de enriquecimento A relação das autoridades com as coisas públicas era tão alheia ao interesse público de forma que as atividades de fisco defesa justiça e administração colonial se ligavam apenas aos interesses econômicos572 com nítida exploração da res publicae era comum a corrupção e imoralidade através de suborno peculato e distribuição de cargos públicos573 Verificase por conseguinte que a própria função pública é tida como um negócio de exploração inclusive através da ocupação de cargos públicos574 que é exercido de forma autoritária575 e patriarcal pela classe dominante como marca de nobreza ou de boa linhagem conforme aduz as Ordenações Filipinas ou os homens bons nas câmaras576 Por efeito na atividade administrativa colonial a par da centralização administrativa tanto o uso da função pública quanto a gestão dos bens públicos se afasta da noção de interesses da coletividade mas antes se liga a uma figura de autoridade que busca através de seus privilégios a satisfação dos interesses próprios O Estado era utilizado como um instrumento de dominação das classes sociais elevadas como os proprietários rurais e mineradores sobre as demais com um estamento burocrático que controlava o Estado com fins próprios manipulando as classes de acordo com seus interesses 577 Os detentores de posições públicas de responsabilidade não conseguiam compreender a distância fundamental entre domínios do privado e do público a gestão representava assunto de interesse particular se relacionando as funções aos empregos aos benefícios e aos interesses pessoais do funcionário do que a interesses objetivo da sociedade578 570 PRADO JUNIOR Caio Op cit p 353354 571 BOMFIM Manoel A América Latina Males de Origem Rio de Janeiro Centro Edelstein de Pesquisas Sociais 2008 p 100101 572 Manoel A América Latina Males de Origem Op cit p 102 573 PRADO JUNIOR Caio Op cit p 356357 574 FAORO Raymundo Op cit p 199 575 FREYRE Gilberto Op cit p 114115 576 FAORO Raymundo Op cit p 203205 577 WEHLING Arno WEHLING Maria José C Op cit p 300 578 HOLANDA Sérgio Buarque de Op cit p 145146 173 173 A coisa pública ainda que formalmente pudesse estar a suposto encargo de interesse público era manuseada na Administração Colonial para a realização dos interesses privados de determinada classe se sujeitando portanto as práticas persistentes de corrupção o seu manuseio para fins de nepotismo e uma perspectiva nitidamente patrimonialista Tal relação de poder da autoridade se exteriorizava em uma dominação patrimonial exercida pelo soberano e seu quadro administrativo sob a coisa pública ao controlar diretamente os recursos econômicos e militares em uma indissociação entre o patrimônio público e privado579 Formamse por conseguinte as instituições políticoadministrativas brasileiras a partir de determinados elementos como o patrimonialismo a corrupção a autopromoção do indivíduo que atuam não apenas na colonização da coisa pública mas na própria identidade brasileira no que se refere ao exercício da função administrativa580 Não se ignora as reformas realizadas no estado brasileiro dentre as quais se destaca a Administração de Pombal com seu despotismo esclarecido que buscou mais do que uma mera reforma na burocracia mas a manifestação de uma nova perspectiva racionalista sobre a gestão pública581Porém não tinha por finalidade beneficiar a coletividade mas a metrópole e as elites locais582 demarcando apenas uma mudança desse patrimonialismo tradicional originário e patriarcal para o estamental com uma separação conceitual e jurídica do patrimônio particular583 Mesmo na República com a ascensão do governo autoritário584 e a aceleração do processo de industrialização na década de 30 a tentativa de mudança para um padrão burocrático que buscou imprimir impessoalidade e eficácia na atuação administrativa demonstrase insuficiente Neste modelo organizacional burocrático pretendese que a Administração Pública passe a moverse na esfera de competências previamente definidas com relações estáticas baseadas na autoridade e submissão atividade especializada pela divisão racional e a criação 579 FAORO Raymundo A Aventura Liberal numa Ordem Patrimonialista in Revista da USP São Paulo n 17 p 16 marabrmai 1993 580 REZENDE Joaquim Leonel Alvim de NUNES Tiago de García O Jeitinho Brasileiro o Homem Cordial e a Impessoalidade Administrativa Encontros e Desencontros na Navegação da Máquina Pública Brasileira in Anais do III Encontro Internacional de Ciências Sociais Universidade Federal de Pelotas 2012 p 2 581 SALDANHA Nelson Nogueira História das Idéias Políticas no Brasil Brasília Senado Federal 2001 p 58 582 WOLKMER Antonio Carlos História do Direito no Brasil Rio de Janeiro Forense 2003 p 48 583 AVELLAR Hélio de Alcântara História Administrativa do Brasil Vol 5 Brasília DASP 1970 p 98 584 AMARAL Azevedo O Estado Autoritário e a Realidade Nacional Rio de Janeiro José Olympio Editora 1938 p 6 174 174 de procedimentos que gerem a prestação padronizada dos serviços públicos Propõese que se ascenda com a burguesia industrial e a classe média tecnoburocrática um novo perfil de agentes que voltam à coordenação dos interesses estatais e privados com a criação de critérios legais e gerais de ingresso nos serviços públicos classificação de cargos organização das estruturas e racionalização dos métodos585 Todavia o ideal de burocracia profissional foi frustrado pela persistência das concessões patrimonialistas transvertidas na forma de clientelismo e nos eventuais limites do formalismo burocrático que impediam a construção de um modelo de gestão pública capaz de atender as demandas da transformação econômica586 Sob tal viés os bens públicos enquanto recursos materiais do Estado desempenham um papel crucial no clientelismo já que tal rede personalista que se estende das entidades e partidos políticos até a burocracia e órgãos administrativos tem acesso ao aparelho estatal e manuseiam as referidas coisas públicas para tais fins privados 587 Tais processos de trocas personalistas permeiam as instituições formais ainda sob a égide de um suposto modelo burocrático racional pois o universalismo de procedimentos e o insulamento burocrático persistem sob a falsa impessoalidade os princípios clientelistas e os anéis burocráticos permeáveis continuam sujeitos ao patrimonialismo 588 Desse modo há apenas uma passagem do modelo de dominação patrimonial de uma feição estamental para racional já que haverá a apropriação privada da coisa pública porém dentro de uma ordem lícita com a continuação de sua distribuição como recompensas e favores589 Ainda considerando o advento da sociedade pósindustrial e a recorrência da globalização590 que tornou o modelo de gestão burocrático inoperante e economicamente insustentável incapaz de atender as demandas da economia e da sociedade impondo um novo complexo de transformações na Administração Pública não é capaz de sanar a problemática Erigiuse a implantação de um modelo gerencial que baseado nos vetores da eficiência e desempenho fosse capaz de atribuir maior governança mediante a organização 585 Sobre o tema vide WAHRLICH Beatriz A Reforma Administrativa da Era de Vargas Rio de Janeiro Editora FGV 1983 586 NUNES Edson A gramática política do Brasil clientelismo e insulamento burocrático Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1997 p 32 587 Edson A gramática Op cit p 32 588 Edson A gramática Op cit p 33 d 42 589 REZENDE Joaquim Leonel Alvim de NUNES Tiago de García O Jeitinho Brasileiro o Homem Cordial Op cit p 16 590 MOREIRA NETO Diogo de Figueiredo Globalização Regionalização Reforma do Estado e da Constituição Revista de Direito Administrativo Fundação Getúlio Vargas RJ n 215 Janmar 1998 p 120 175 175 dos fatores e finanças a descentralização da estrutura administrativa a cooperação entre os entes federativos e o controle voltado à aferição do resultado591 Porém persistem nas reformas administrativas diversas inadequações em face da realidade social brasileira subjacente como a elaboração de modelos ou concepções não ajustáveis falta de objetivos para as políticas do setor público e estratégias capazes de superar as eventuais resistências e conflitos592 Há uma busca por uma conformação normativa da problemática da Administração Pública ignorando que as questões relativas à legitimidade e a eficácia da ação administrativa não decorrem de um formalismo excessivo ou de uma ineficiência latente mas como as instituições movemse ainda através do patrimonialismo nepotismo e autoritarismo Mesmo com a tentativa de transição de uma gestão de natureza burocrática baseada na obediência das prescrições formais para uma profissional adstrita à eficiência dos resultados e a flexibilidade dos processos prosseguem os traços perniciosos que se exteriorizam no exercício da função pública e portanto na gestão dos bens públicos Há uma tentativa de racionalização da gestão e das coisas públicas através da implantação do modelo de New Public Management que envolve a descentralização racional com atribuição de flexibilidade aos entes e órgãos na persecução de suas finalidades e a profissionalização mediante a desburocratização e o emprego racional dos bens593Porém não traduziu modificações no que tange a relação do agente com a coisa pública já que tais reformas ignoraram um aspecto típico da estrutura institucional no Brasil a interpenetração entre a burocracia e as relações sociais de parentesco amizade apadrinhamento e suborno594 De tal sorte que embora tenham ocorridas sucessivas reformas administrativas ao longo do século XX que pretenderam imprimir maior eficiência e legitimidade na ação administrativa inclusive com reforço no controle do procedimento ou do resultado não foi capaz de evitar a apropriação da coisa pública para fins privados Isso porque tais estruturas da Administração Pública não foram emancipadas sequer com a independência política do Brasil permanecendo a mesma máquina administrativa com a reiteração dos mesmos processos e culturas595 inclusive no que tange ao exercício das atribuições e gestão da coisa pública 591 TÁCITO Caio A Reforma do Estado e a Modernidade Administrativa Revista de Direito Administrativo Fundação Getúlio Vargas RJ n 215 Janmar 1999 p 45 592 MARCELINO Gileno Fernandes Administração pública brasileira evolução situação atual e perspectivas futuras Revista do Serviço Público Brasília v 117 n2 setdez 1998 p 24 593 MOREIRA NETO Diogo de Figueiredo Mutações do Direito Administrativo Op cit p 2224 594 SCHWARTZ Stuart B Burocracia e sociedade no Brasil colonial São Paulo Perspectiva 1979 p 251 595 BOMFIM Manoel A América Latina Males de Origem Op cit p 179 176 176 Incontroverso que há um enrijecimento da cidadania no que concerne ao reconhecimento que o patrimônio público deve ser destinado a finalidades coletivas mas inegável que os casos de corrupção nepotismo e captura do Estado apontam a persistência de um patrimonialismo que se busca combater596 O patrimonialismo permanece atuante por debaixo de uma ordem burocráticaracional na Administração Pública e se desenvolvendo no quadro administrativo como resquício do caráter político assumido no período colonial que mesmo as reformas liberais não conseguem superar tal herança597 Persiste ainda sob a coisa pública um predomínio do senso privado no Brasil que corresponde a este personalismo decorrente em larga medida da presença dessas estruturas coloniais e feudais de nossa histórica social que se revela na formação da imagem geral de certos sistemas598 Há um predomínio desse senso que se exterioriza em um personalismo que confunde instituto com pessoas e que acaba por esbarrar qualquer dimensão pública com o tradicional privatismo daquelas concepções feudais arraigadas e dificulta a formação de fronteiras entre o público e o privado599 Exerce um papel capital no que tange aos bens públicos já que para o patrimonialismo é necessário que haja recursos administrativos dependentes do poder público para que atue mediante a sociedade através de variadas formas como as concessões estímulos subsídios autorização e outras600 Tais colocações da coisa pública para uso privado decorrem justo dessa formação onde o agente público exercia o controle pessoal do tido patrimônio estatal e realizava negócios privados de forma que ao sustentar com recursos particulares as realizações do governo subjetivamente considerava como seu o conjunto dos bens públicos colocados a sua guarda601 Por esta razão não se pode ignorar que o patrimonialismo assume no Estado Brasileiro uma extensão não apenas alcançando os sujeitos públicos mas o privado que se locupletam 596 BRESSERPEREIRA Luiz Carlos Do Estado Patrimonial ao Gerencial in PINHEIRO Wilheim e Sachs orgs Brasil Um Século de Transformações São Paulo Companhia das Letras 2001 p 258259 597 FAORO Raymundo A Aventura Liberal numa Ordem Patrimonialista Op cit p 17 598 SALDANHA Nelson Nogueira O Jardim e a Praça Ensaio sobre o lado privado e o lado público da vida social e histórica Ci Tróp Recife n 11 p 119 janjun 1983 599 Nelson Nogueira O Jardim e a Praça p 119 600 FAORO Raymundo A Aventura Liberal numa Ordem Patrimonialista Op cit p 17 601 FRANCO Maria Sylvia de Carvalho Homens livres na ordem escravocrata 3 Ed São Paulo Kairós Livraria Editora 1983 p 121122 177 177 com o mesmo mas igualmente uma profundidade já que alcança desde o período colonial até as reformas do neoliberalismo602 Neste contexto que sustentar um critério de titularidade como o fundamento do domínio público e do seu regime exorbitante se apropriando de categorias privatistas como o conceito de propriedade e do seu senhorio para coisas públicas bens que servem à uma finalidade coletiva se demonstra no caso brasileiro particularmente preocupante Adotar uma perspectiva de proprietário ou senhorio assumido pelo titular estatal sob a coisa pública não contribui com a tentativa de superação de uma apropriação privada da res publicae que já marca o contexto institucional brasileiro mas ao revés reitera o papel assumido pelos bens públicos nas trocas e favores políticos Assim admite o caráter patrimonial dos bens públicos de coisa integrante do acervo estatal uma feição nitidamente do patrimonialismo nas instituições políticoadministrativas brasileiras de uma apropriação pelo seu titular que o utiliza para uma finalidade estritamente privada afastada de qualquer benefício da coletividade Sob tal realidade políticoadministrativa subjacente que a formulação de qualquer teoria dos bens públicos que pretenda reconduzir tal substrato material ao atendimento das necessidades coletivas deve buscar um elemento estruturante capaz de tentar contribuir com a mudança do referido sistema A proposta de adequação do domínio público aos influxos contemporâneos como a privatização despublicização e racionalização de forma a resolver as idiocracias resultantes não significa ignorar tais elementos históricos persistentes patrimonialismo nepotismo e autoritarismo nas instituições estatais e na cultura administrativa brasileira Ao contrário assumir que tais reformas buscam implementar novos paradigmas aos bens públicos mas que encontram traços persistentes na realidade políticoadministrativa brasileira apenas reforçam a necessidade de construção de uma teoria que não apenas seja abstratamente sustentável mas capaz de conformar às questões sociais subjacentes Superada a noção de titularidade como elemento central da teoria dos bens públicos devese definir em qual perspectiva deve ser tido o papel do sujeito público ou não que assume a relação jurídica tendo por objeto as coisas públicas de forma a permitir que de fato possa se reconduzir a funcionalidade assumida pelas mesmas O tema será tratado a seguir 602 FAORO Raymundo A Aventura Liberal numa Ordem Patrimonialista Op cit p 17 33 Do reajustamento da titularidade dos bens públicos da noção do direito de propriedade ao reconhecimento de uma relação jurídica funcionalizada Conforme demonstrado tornase incongruente sustentar a partir de uma concepção funcional da teoria do domínio público uma titularidade para o Estado ou a coletividade que se identifique ou aproprie ainda que parcialmente de um conceito de propriedade e coloque o sujeito em uma dimensão igual ou próxima de proprietário Apoiarse em tal concepção construída em uma matriz francesa no século XIX onde havia a necessidade de afirmação da soberania estatal inclusive sob a recémconstruída da noção de bens da nação ignora os efeitos perniciosos de sua assimilação perante o patrimonialismo persistente das instituições políticoadministrativas brasileiras Porém não é recente a idéia que os bens públicos não se adequam à noção de um direito de propriedade do Estado tal qual em sua feição liberal privada e individual como um direito subjetivo que traduz em um livre uso fruição disposição e reinvindicação da referida coisa Apontam com destreza alguns autores que não se pode supor uma figura de Estado Proprietário já que em relação às referidas coisas públicas que seriam objeto de sua propriedade ele não seria capaz de exercer plenamente um papel de dominus já que não poderia restringir a sua destinação aos cidadãos inclusive estrangeiros603 De fato não se pode sustentar que a relação exercida pelo Estado que tem por objeto a coisa qualificada como pública possa ser igual ou próxima a de um direito de propriedade já que se movem por thelos distintos um enquanto exercício típico da autonomia que deve se adequar ao interesse público e o outro como a própria realização da finalidade coletiva A propriedade corresponde a um direito subjetivo público ou seja um poder de ação juridicamente delimitado concedido ao senhor da coisa possuindo em nossa ordem jurídica o status de direito humanofundamental uma vez que se liga a noção de personalidade humana e corresponde à forma de limitação ao arbítrio estatal604 Ademais o reconhecimento que a qualificação pública decorre de uma relação de propriedade do Estado sob uma coisa importa em reiterar uma noção de coisificação do 603 PROUDHON M Traité du domaine public ou De la distinction des biens considérés principalement par rapport au domaine public Dijon Chez Victor Lagier LibraireÉditeur 1833 p 4 604 Neste sentido a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão Art 17º Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado ninguém dela pode ser privado a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir e sob condição de justa e prévia indenização 179 179 domínio público admitindose a existência de uma relação jurídica que não envolva apenas a noção de dominialidade sob os bens mas igualmente de outros direitos sob as coisas605 Reconhecer que a relação do Estado que tem por objeto os bens públicos é de propriedade seria admitir que o ente moral não apenas possui um acervo patrimonial mas pode ter coisas que não estejam afetadas como os chamados bens dominiais ou patrimoniais que pode buscar a ampliação do seu acervo de riqueza Desta feita em que se ligue a noção de relação jurídica uma vez que os poderes ou posições jurídicas são exercidos perante a coletividade não é adequado supor essa relação jurídica ao Estado uma vez que ao contrário do sujeito privado esse não pode exercer com plena autonomia de vontade já que é gestor de bens a serviço da coletividade Por esta razão parece adequado o que sustenta a literatura alemã de que a relação formada pelo Estado com a coletividade e que tem por objeto a coisa não será igual ao do particular com a propriedade mas ao revés demandará uma existência e um desenvolvimento dogmático independente que impõe a formação de fronteiras próprias606 Por um lado isto não significa admitir uma teoria da dualidade com tratamentos distintos das mesmas pois o que pretendese proteger não é a substância material ou a coisa em si mas a sua finalidade pública ou seja a medida em que tais bens se destina à realização de uma necessidade coletiva Por outro é considerar que reconhece que uma das problemáticas da teoria do domínio público é o modo como ao estabelecer uma unidade no que tange a regulação da coisa tenta se criar uma concepção de propriedade administrativa como uma categoria especial de direitos reais semelhante a de natureza privada607 Observase que é possível fazer um tratamento distinto da noção de bem jurídico no que diz respeito ao regime público pautado pelo interesse público e privado vinculado a noção de autonomia de vontade que se situa em um ponto central entre a teoria dualista germânica e a monista de matriz francesa608 A impossibilidade de transpor o instituto privado para o âmbito público demanda a estruturação de um direito público das coisas609 que se afasta daquela concepção de direito de 605 SCAGLIUSI Maria de los Ángeles Fernández La necesaria reformulación del concepto de dominio público Op cit p 97 606 FORSTHOFF Ernst Traité de Droit Administratif Allemand Op cit p 546 607 GAMIR Roberto Parejo OLIVER José María Lecciones de domínio publico Madrid Ediciones Instituto Catolico de Artes e Industria 1976 p 7 608 ALFONSO Luciano Parejo Domínio Público Op cit p 36 609 MAYER Otto Le droit administratif allemand Op cit p 108 180 180 propriedade já que corresponde a direito subjetivo construído em face do Estado de natureza humanofundamental ligada à própria dimensão da pessoa humana Isso não significa ignorar todo o exposto quanto à necessária interface entre o regime jurídico de direito público e de direito privado no que tange a regulação da coisa porém reforçar que a distinção entre as coisas qualificadas como públicas e privadas decorrem das graduações distintas no cumprimento da função social Desta feita há de se considerar uma distinção nas relações jurídicas titularizadas no âmbito privado e público de modo que é possível sustentar um senhorio do particular sobre coisas qualificadas como privadas mas não se demonstra uma assertiva verdadeira supor um papel de proprietário pelo Estado para que as coisas sirvam as necessidades coletivas Como já visto a qualificação de público dado ao bem independe necessariamente de uma atuação estatal já que há coisas que buscam realizar necessidades coletivas mesmo sem estarem sob a titularidade do sujeito público como por exemplo os bens públicos naturais o ar e os mares e aqueles sob a sujeição de particulares Isso significa não apenas redimensionar que a titularidade quando estatal não assume uma feição de propriedade mas a própria transposição para o direito público das categorias privada de pessoa e patrimônio como vinculadas de sorte que não existe um sujeito que não seja dotado de um conjunto de bens Tal raciocínio não pretende negar o Estado como uma pessoa jurídica mas o reconhecimento que se tal instituição se singulariza e legitima por sua função que é o interesse público610 a sua relação com os bens materiais devem ser não como de proprietário com as respectivas faculdades mas de dever de adequação à persecução dos fins coletivos Por esta razão aderese a crítica feita pela literatura estrangeira não apenas no que se refere à teoria do domínio público mas toda ciência jurídicoadministrativista da ascensão no século XX sob as bases de um idealismo hegeliano da consagração da visão subjetiva e reconhecimento da personalidade jurídica do Estado611 Segundo tais autores com a consagração do Estado como pessoa centrase a disciplina na sua expressão orgânica e especialização de suas atividades a partir destas gerando uma perda da substância própria do ente612 que é a noção de função que corresponde não apenas o fundamento de sua existência mas da própria ciência jurídicoadministrativa 610 MORÓN Miguel Sanchéz Discrecionalidad administrativa y control judicial Madrid Tecnos 1995 p 97 611 ENTERRÍA Eduardo García de FERNÁNDEZ TomásRamon Curso de derecho administrativo Tomo 1 Madrid Editorial Tecnos 1998 p 37 612 ENTERRÍA Eduardo García de FERNÁNDEZ TomásRamon Curso de Op cit p 37 181 181 A qualificação da coisa como bem público decorre da medida em que se ligam à concretização da função social e portanto não tem por finalidade garantir ou afirmar um proprietário ou dominus sob os mesmos mas atribuir uma titularidade e um regime jurídico na medida em que permita proteger e garantir tal finalidade pública Assim é sustentável a formação de um vínculo entre o bem público com o Estado que não seja de titularidade de propriedade mas se ligue ao próprio fundamento de sua existência que é a busca por suas finalidades a saber a sua afetação ao atendimento dessa função ou interesse público Adéquase a própria existência de relações que um sujeito assume tendo por objeto a coisa que não necessariamente é uma propriedade mas uma titularidade que busca atender determinada finalidade como há no próprio direito privado por exemplo o síndico no condomínio613 o administrador judicial na massa falida614 dentre outros Ora se cabe no regime privado onde se busca uma adequação da autonomia privada à uma finalidade social o reconhecimento de relações jurídicas que embora titularizadas por sujeitos em relação à coisa não corresponde ao direito de propriedade quiçá no regime público onde a autonomia pública se adstringe a concretização dos interesses públicos Isso implica assumir que o Estado exerce uma relação jurídica no que se refere aos bens públicos que não se confunde com um direito de propriedade já que voltada à realização não de uma autonomia privada mas de uma função de persecução do interesse público cabendo por conseguinte fixar melhor os seus contornos Para alguns autores o Direito regula não apenas relações entre pessoas mas igualmente as relações jurídicas formadas entre pessoas e coisas de forma a garantir que aquelas atendam as suas necessidades individuais ou coletivas conforme tais pessoas sejam privadas ou públicas615Disso decorreria uma distinção que configuraria duas relações jurídicas uma de natureza eminentemente patrimonial e sujeita à um regime de direito privado formado com o particular e uma de natureza estritamente dominial e submissa a uma disciplina de direito público formada com o Estado 616 613 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1348 Compete ao síndico V diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar pela prestação dos serviços que interessem aos possuidores 614 Lei Federal nº 11101 de 09 de Fevereiro de 2005 Art 22 Ao administrador judicial compete sob a fiscalização do juiz e do Comitê além de outros deveres que esta Lei lhe impõe f arrecadar os bens e documentos do devedor e elaborar o auto de arrecadação nos termos dos arts 108 e 110 desta Lei g avaliar os bens arrecadados judicial compete sob a fiscalização do juiz e do Comitê além de outros deveres que esta Lei lhe impõe 615 OYARZÚN Santiago Montt La administración del Estado y los bienes entre lo público y lo privado Revista de Derechos y Humanidades Facultad de Derecho de la Universidad de Chile n 8 2001 p 265 616 Santiago Montt La administración del Estado y los bienes Op cit p 265 182 182 Porém isto seria confundir a noção de bem jurídico e de relação jurídica já tendo sido superada a concepção do domínio sob a coisa para o seu reconhecimento como o objeto das relações tuteladas pelo Direito a saber o vínculo da ação dos sujeitos enquanto instrumento de realização de suas finalidades jurídicas617 Assim relação jurídica na concepção vigente é a regulação normativa pelo Estado de uma relação interpessoal e portanto de um vínculo intersubjetivo formado entre mais de uma pessoa em torno de um objeto que embora seja uma categoria privada acaba sendo estendida para as relações públicas onde o Estado também figura como um dos sujeitos618 Nesse sentido discordase que se forme uma relação jurídica entre o Estado e a coisa já que tal se identifica com o vínculo estabelecido entre dois ou mais sujeitos de forma a regular as suas manifestações de vontade e portanto atribuindo os direitos e deveres respectivos que serão exercidos em torno de um objeto619 Tal objeto pode assumir nas relações jurídicas a natureza de prestações sendo tidas como pessoais ou de coisas sendo classificadas como direitos reais porém o que ocorrerá é a formação de um vínculo ou liame em torno de tal objeto o que ocorre nas relações do Estado com a coletividade620 Desta feita o Estado não forma com as coisas públicas uma relação jurídica mas com outro sujeito determinado ou não como a própria coletividade que poderá ter por objeto um direito ou um bem como por exemplo na regulação administrativa dos logradouros públicos ou de tráfegos nas vias públicas Isso significa admitir por conseguinte que se a relação não é de poder sobre a coisa a teoria do domínio público não pretende formar prerrogativas a serem exercidas de acordo com a faculdade do Estado mas determinar deveres na manutenção das condições necessárias que permitam a tais bens exercerem suas funções621 Resta evidente que a noção de relação jurídica como critério distinto permite uma análise mais precisa quanto à definição do sentido e finalidade dos bens públicos já que se supera a concepção de poder sobre as coisas no sentido jurídicoadministrativo tradicional ou de senhorio ou propriedade sobre as mesmas na concepção jurídicocivil comum622 Afirmando portanto que há um vínculo do ente público com outros sujeitos tendo por objeto uma coisa tornase necessário determinar a especificidade dessa relação jurídica a saber se 617 AMARAL Francisco Direito Civil Introdução 5 ed Rio de Janeiro Renovar 2003 p 309 618 Francisco Direito Civil Op cit p 23 619 Francisco Direito Civil Op cit p 104 620 BLANCO Alejandro Vergara Teoria del domínio Op cit p 3132 621 ALFONSO Luciano Parejo Dominio Público Op cit p 24 183 183 perquirir qual será o traço distintivo desta em consideração com os demais nexos formados pelos atores privados Em um primeiro momento tanto nas relações jurídicas de direito público e de direito privado ainda que no último a esfera de autonomia ou liberdade seja mais ampla podese identificar uma função social que deve orientar o titular da coisa no seu exercício em relação à coletividade623 Isso faz com que alguns autores entendam que embora as coisas tidas como bens públicos também possuam uma função social não é esse o seu traço distintivo já que os privados igualmente se sujeitam ao atendimento de uma determinada finalidade coletiva624 Neste sentido que o Conselho de Estado Francês já sustentou a tese de que a função social não é critério suficiente para considerálos como bens públicos impondo portanto o regime jurídico de direito público decorrente da dominialidade pública já que sempre sujeitos à regulamentos administrativos que o adéquem ao interesse público625 Para parte da literatura jurídica portanto não seria a função social o critério que definiria sua relação jurídica com o Estado mas o momento que passa a haver uma imputação de um dever jurídico no caso que determine a sua gestão no atendimento do interesse coletivo626 Assim seria a afetação pública que corresponderia ao elemento básico na definição dos bens públicos627 e neste caso aquele que determina e fundamenta o nexo causal da relação jurídica que permite imputar normativamente à coisa a sua natureza de bem público e ao Estado o dever de sua realização Note que tal compreensão transveste novamente um critério de titularidade já que caberá ao próprio Estado o papel de determinar a adequação da coisa ao cumprimento da função social e por conseguinte importa reconhecer que a relação jurídica tendo por objeto os bens públicos é dotada de uma natureza formal ou solene Tanto que tais autores consideram que a afetação pública não gera um título de propriedade de modo a formar uma relação jurídica tal qual com os sujeitos privados mas um título de potestade que consagra ao EstadoAdministração o exercício de dadas prerrogativas com fim de atendimento às finalidades coletivas628 622 ALFONSO Luciano Parejo Dominio Público Op cit p 30 623 OYARZÚN Santiago Montt La administración Op cit p 265 624 ALFONSO Luciano Parejo Dominio Público Op cit p 28 625 FRANÇA Conselho de Estado Arrêt Cie dassurances La Préservatrice foncière J 11 de Fevereiro de 1994 626 ALFONSO Luciano Parejo Dominio Público Op cit p 28 627 Sobre as vertentes vide BLANCO M Sánchez La afectación de bienes al dominio público Sevilha García Oviedo 1979 p 403 628 ORTIZ G Ariño La afectación Op cit p 31 184 184 Ademais voltam a reconduzir a afetação pública como elemento que permite uma vinculação ao regime jurídico de direito público de forma que a coisa ao qual guarda o elemento teleológico de atendimento as necessidades coletivas assume uma destinação material se relacionando à função pública629 Considerar a afetação em sua vertente formal como o elemento que definirá a formação da relação jurídica entre o Estado e a coletividade que tem por objeto uma coisa significa incidir nas limitações já apresentadas de considerar coisas afetadas formalmente que não exercem materialmente uma finalidade pública e viceversa Tal relação jurídica não pode ocorrer pelo ato formal de afetação à atividade ou aos serviços públicos como proposta pela literatura jurídica administrativista tradicional630 mas por sua vinculação ao destino público631 visto que há coisas que servem a coletividade ainda que não tenham sido formalmente afetadas pelo Estado para tanto como por exemplo o ar Sustentar uma afetação como critério da relação jurídica significa admitir que a mesma é formada apenas no momento que ocorre a autovinculação pela Administração Pública que por ato próprio se obrigue a determinada prestação a saber a criação e manutenção dos bens públicos632 Partese de uma perspectiva jurídicopositivista que tal relação jurídica surge da manifestação de vontade do EstadoAdministração dentro da norma positiva ainda que através da forma de ato administrativo o que se aproxima de um formalismo que não resolve determinadas questões Há determinadas coisas que em razão de sua própria substância material ligamse as necessidades da coletividade e do próprio ser humano como os mares e rios e portanto condicionálos à manifestação de vontade pela Administração Pública para vincularse é confundir o público com o estatal e deixar ao seu arbítrio a designação de bem público Outras embora não guardem uma materialidade a sua destinação com a afetação a realização in concreto a um determinado interesse público tornase inexorável enquanto permanecer tal situação o reconhecimento de sua natureza de bem público e portanto a formação de uma relação jurídica com o Estado que passa a ter o dever de guarda e tutela 629 ORTIZ G Ariño La afectación de bienes ai servicio público Madrid Editora ENAP 1973 p 43 630 DUCROCQ M TH Cours Op cit p 574 LIMA Ruy Cerne Princípios Op cit p 77 631 COLIN Ambroise CAPITANT H Cours Élémentaire de Droit Civil Français 7 ed Paris Librairie Dalloz 1932 p 709 632 ALFONSO Luciano Parejo Dominio Público Op cit p 31 185 185 Admitir a afetação formal seria permitir que a qualificação e a desqualificação do que seja destino público fosse deixada ao arbítrio do Estado633 o que permitiria não reconhecer aquelas coisas que exercem por si só uma função perante a coletividade ou desafetar as outras coisas ao qual foi atribuída uma finalidade coletiva Devese buscar o liame jurídico que permite a formação dessa relação jurídica do Estado com a coletividade a partir de um critério funcional ou finalista que será capaz de exteriorizar o atributo singular e contemporâneo que permita qualificar e reconhecer a coisa como um bem público634 Não é possível considerar que a classificação de uma coisa em privado ou público se sujeite apenas a questões formais ou solene ignorando a situação de fato do referido bem em razão da própria extensão do domínio público e a impossibilidade de sua geometrização completa635 Se não incidiria no equívoco ainda generalizado de reconhecer por exemplo que um prédio abandonado não transitoriamente tem uma natureza pública uma vez que foi formalmente afetado pelo Estado mas as santas casas de misericórdias que tradicionalmente exercem a prestação de serviços à coletividade tem natureza privada enquanto não os forem Sustentar que tal relação jurídica se forma pela afetação como um ato formal de vontade estatal636 seria admitir a incongruência de que o ente moral teria autonomia para manter bens públicos desfuncionalizados e não qualificar como público bens privados funcionalizados a par da sua afetação material às necessidades coletivas Admitirseia que caso não previsse a ordem jurídicolegal ou não houvesse um ato administrativo formal as coisas naturais que exercem uma função pública como o ar e os mares não seriam consideradas bens públicos ao passo que outras que não exercem por si só como os prédios já gozariam desta qualificação Isso não é desconsiderar que determinadas coisas dependam de uma afetação para que possam exercer uma finalidade coletiva como os bens artificiais que a rigor podem ser públicos ou privados mas que em razão de um ato formal são colocados ao atendimento das necessidades coletivas 633 PASTOR Juan Alfonso Santamaría Objeto y ámbito La tipología de los bienes públicos y el sistema de competencias IN MARÍN M Carmen Chinchilla Comentarios a la Ley 332003 del Patrimonio de las Administraciones Publicas Madrid Civitas 2004 p 8595 634 Juan Alfonso Santamaría Objeto y ámbito La tipología de los bienes públicos y el sistema de competencias IN MARÍN M Carmen Chinchilla Comentarios a la Ley 332003 del Patrimonio de las Administraciones Publicas Madrid Civitas 2004 p 8595 635 ENTERRÍA Eduardo Gárcia Sobre la Imprescritibilidad Op cit p 50 636 ALFONSO Luciano Parejo Dominio Público Op cit p 42 186 186 Porém não é a afetação enquanto manifestação de vontade e elemento formal que enseja o nexo que singularizará tal relação jurídica do titular com o bem público mas na medida em que a coisa mesmo sem um ato de vontade e de forma moral atende a uma necessidade coletiva De certo modo há uma tentativa de apropriação deste entendimento já que a afetação para a determinação da dominialidade pública tem sido considerada de forma estrita de maneira que não basta a colocação em disposição a atividade pública em si mas tornase necessária a sua adaptação exclusiva ou essencialmente às finalidades da mesma637 Tal concepção foi reconhecida pelo próprio Conselho de Estado Francês que passou a determinar a necessidade de um aménagement spécial ou adaptação dos bens afetados ao serviço638 público e ao uso coletivo639 deixando claro que a mera afetação formal não pode ser usada como critério para o reconhecimento do bem público640 Parece haver uma prevalência da afetação material sobre a formal tendo a literatura jurídica considerado que a relação física ou funcional que existe entre um bem e o domínio público pode resultar pela regra da acessoriedade641 ou pela forma de aquisição de acessão642 o reconhecimento da natureza pública643644 Porém ainda é insuficiente considerar a necessidade de uma afetação material por se ligar a um ato de vontade estatal que de fato adeque ou adapte à coisa a uma necessidade coletiva ignorando que há coisas que mesmo sem uma manifestação do Estado já estão destinadas ao atendimento de funções públicas Vide por exemplo as terras indígenas que como já visto o ato de demarcação estatal é declaratório não apenas do marco temporal e territorial da existência de uma ocupação 637 WALINE Marcel Les Mutations domaniale Paris Jouve 1925 p 4548 638 FRANÇA Conselho de Estado Arrêt Société Le Béton 19 de Outubro de 1956 639 Conselho de Estado Arrêt Berthie 22 de Abril de 1960 640 Não deixou de ser objeto de crítica pela literatura jurídica visto que há bens que apesar de nenhuma adaptação especial conservam em sua própria natureza o caráter público como os bosques públicos HERVOUET F Lutilité de la notion daménagement spécial dans la théorie du domaine public Revue Du Droit Public Paris 1983 p 160161 641 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 92 Principal é o bem que existe sobre si abstrata ou concretamente acessório aquele cuja existência supõe a do principal 642 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Seção III Da Aquisição por Acessão Art 1248 A acessão pode darse I por formação de ilhas II por aluvião III por avulsão IV por abandono de álveo V por plantações ou construções 643 Os bens materialmente independentes ou dissociáveis sem perda do domínio público não serão considerados incorporados ao mesmo Deve haver um vínculo de dependência ou como aponta a literatura um liame físico entre o acessório que o faça seguir o destino do bem principal DUFAU Le domaine Op cit p 77 644 Novamente tal teoria teve resposta por alguns autores que propuseram uma técnica chamada classificação ou divisão em volumes de forma a negar que a acessoriedade de bens privados conduzam a sua natureza pública admitindo em um conjunto de construções sob o domínio público sejam apartados bens que não aderem a obra em si DUFAU Le domaine Op cit p 188189 187 187 tradicional mas da sua funcionalização por aquele grupo social para sua perpetuação e cultura que é um interesse público qualificado pela ordem constitucional Igualmente considere os bens públicos naturais como por exemplo os rios ou florestas que independente de uma afetação ou ato de vontade estatal ainda atenderiam uma necessidade coletiva mesmo sem a existência de uma adaptação especial que permitisse o melhor atendimento a tais fins Também não se mostra adequado considerar que a formação da relação jurídica que tem por objeto o bem público decorre da afetação de forma que uma coisa ingressa no domínio público quando está afetada a uma utilidade coletiva e o deixará quando tal afetação terminar645 Seria ignorar que além das coisas que exercem uma finalidade coletiva independente de uma afetação formal que as demais adaptadas ou destinadas pelo ente por seu ato de vontade podem ser igualmente desafetadas por uma manifestação estatal mesmo que estejam satisfazendo uma necessidade coletiva Isso significaria admitir que o liame ou nexo causal que liga o Estado com a coletividade seria definido não pela função social em si mas pelo ato de vontade estatal que o dotasse ou o retirasse de tal destinação pública o que conduz a titularidade como critério na definição da relação jurídica que tem por objeto o bem público Tal concepção resulta em uma expansão equivocada das relações jurídicas que formarão o domínio público que passa a abranger não somente as coisas que estejam afetadas diretamente à cidadania mas também aquelas colocadas à disposição dos serviços públicos tornandoas um título ou ritual sem qualquer substância material646 Por essa razão ainda é incompleta a construção do Conselho de Estado Francês com a figura do aménagement spécial647 porque gera a presunção de que a afetação ao serviço público produz um reconhecimento da adaptação especial da coisa antes da observância dos critérios e de um domínio público por antecipação ou dominialidade virtual648 Não há de se alegar portanto que a afetação formal ou material ao menos enquanto ligada a um ato de manifestação estatal seja o elemento que determinará o liame que tem por objeto o bem público assim como mesmo a afetação implícita também não pode ser o elemento configurador da relação jurídica Isso porque para a literatura jurídica a afetação 645 ENTERRÍA Eduardo Gárcia Sobre la Imprescritibilidad del Dominio Publico Revista de Administración Pública Espanha Centro de Estudios Políticos y Constitucionales n 13 1954 p 20 646 GAUDEMET Yves El futuro Op cit p 15 647 FRANÇA Conselho de Estado Arrêt Lecoq de 03 de Março de 1978 648 Conselho de Estado Arrêt Avi de 31 de Janeiro de 1995 188 188 implícita se liga à titularidade estatal e não a função da coisa sendo considerada aquela decorrente de um ato administrativo que determina ao bem uma finalidade pública ou de uma ocupação pacífica pela Administração Pública649 Novamente assume o Estado o papel central visto que nesta concepção se inexistir uma manifestação volitiva formal ou não não haverá uma qualificação jurídica da coisa como bem público e por conseguinte retornase a questão que há coisas que independente de um agir estatal irão atender uma função social Talvez por essa razão que parte da literatura jurídica considere que a relação jurídica formada no domínio público seja de direito real limitado já que tem por objeto uma coisa mas não configura uma relação de propriedade do Estado uma vez que não é necessária para que possa garantir ou proteger que o bem atinja a sua finalidade pública650 Como exemplo típico apontase as servidões administrativas que constituídas sob a propriedade privada permitem ao ente público sem que adquira a titularidade mantenha a destinação atual à finalidade coletiva e portanto a proteção da natureza pública exercida por parte da coisa mediante a configuração de um direito real Tem por vantagem convergir na compreensão que se a disciplina jurídica especial se funda na proteção da finalidade pública deve envolver não apenas aquelas sob a titularidade estatal mas igualmente que os bens sob uma titularidade privada uma vez que destinados a um interesse público devem se revestir das garantias e exorbitâncias públicas 651 Todavia importa em superar a apropriação do instituto da propriedade nos seus contornos privados com a circunscrição dentro do domínio público de uma noção de direito real com a titularização pelo EstadoAdministração de direitos subjetivos com iguais posições jurídicas que um proprietário individual652 Por efeito não resolve a problemática de se apropriar de categorias de direito privado e de sustentar faculdades típicas de um EstadoProprietário embora pretenda sustentar uma relação jurídica de direito real para a garantia do cumprimento da finalidade pelas referidas coisas se aproxime de uma perspectiva não apenas finalista mas tipicamente funcionalista Como o próprio Tribunal Constitucional Espanhol já se manifestou é possível reconhecer que a destinação a uma finalidade pública não é monopólio do domínio público 649 VANESTRALEN Hernando Bienes de titularidad pública Op cit p 218 650 SCAGLIUSI Maria de los Ángeles Fernández La necesaria reformulación del concepto de dominio público Op cit p 98 651 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 448 652 Por esta razão tende a literatura jurídica à sustentar que no domínio público os direitos reais teriam caráter limitado Neste sentido DIEZPICASO Luis Breves Reflexiones Sobre El Objeto Del Demanio Los Iura In Re Aliena Revista española de derecho administrativo nº 35 1982 p 651 e ss 189 189 mas pode ocorrer com coisas sob uma titularidade privada de forma que para as mesmas devem ser garantido um regime jurídico público653 Assim a relação jurídica que se forma tem por objeto os bens qualificados como públicos podem ter como sujeitos não somente o Estado e a coletividade mas qualquer outro ator social público ou privado já que o seu liame é formado pela função social que é exercida pela coisa e não por sua titularidade Parece comprovada tal consagração mutatis mutandis pelo ordenamento jurídico que reconhece a criação de uma pessoa de direito privado654 mas com uma finalidade de interesse público655 e portanto aplicação de regras de direito público na proteção da função social assumida pela coisa Prevê igualmente de forma expressa a intervenção para proteção de tal acervo patrimonial pelo parquet656 o que denota a natureza coletiva ou pública dos interesses envolvidos657 restando claro determinar uma forma de indisponibilidade no que tange a sua extinção e destinação dos bens à outra instituição de igual natureza658 Igualmente com a criação das próprias pessoas administrativas com personalidade jurídica de direito privado que como perseguem tais fins coletivos659 estão sujeitas a uma 653 ESPANHA Tribunal Constitucional da Espanha Sentença nº 166 de 15 de Julho de 1998 654 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 44 São pessoas jurídicas de direito privado III as fundações 655 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 62 Para criar uma fundação o seu instituidor fará por escritura pública ou testamento dotação especial de bens livres especificando o fim a que se destina e declarando se quiser a maneira de administrála Parágrafo único A fundação somente poderá constituirse para fins de I assistência social II cultura defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico III educação IV saúde V segurança alimentar e nutricional VI defesa preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável VII pesquisa científica desenvolvimento de tecnologias alternativas modernização de sistemas de gestão produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos VIII promoção da ética da cidadania da democracia e dos direitos humanos IX atividades religiosas e X VETADO 656 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 66 Velará pelas fundações o Ministério Público do Estado onde situadas 657 Constituição da República Federativa de Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 127 O Ministério Público é instituição permanente essencial à função jurisdicional do Estado incumbindolhe a defesa da ordem jurídica do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis 658 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 69 Tornandose ilícita impossível ou inútil a finalidade a que visa a fundação ou vencido o prazo de sua existência o órgão do Ministério Público ou qualquer interessado lhe promoverá a extinção incorporandose o seu patrimônio salvo disposição em contrário no ato constitutivo ou no estatuto em outra fundação designada pelo juiz que se proponha a fim igual ou semelhante 659 DecretoLei nº 200 de 25 de Fevereiro de 1967 Art 4 A Administração Federal compreende II A Administração Indireta que compreende as seguintes categorias de entidades dotadas de personalidade jurídica própria a Autarquias b Emprêsas Públicas c Sociedades de Economia Mista d fundações públicas Art 5º Para os fins desta lei considerase II Emprêsa Pública a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado com patrimônio próprio e capital exclusivo da União criado por lei para a exploração de atividade econômica que o Govêrno seja levado a exercer por fôrça de contingência ou de conveniência administrativa podendo revestirse de qualquer das formas admitidas em direito III Sociedade de Economia Mista a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado criada por lei para a exploração de 190 190 disciplina jurídica especial660 com incidência de normas de direito público no que tange aos seus referidos bens661 É possível ainda visualizar o vínculo parcial que se forma com as coisas sob a titularidade privada que estejam em parte destinados à realização de uma função social servidão ocupação temporária ou tombamento tanto que a sua integral destinação pública ocasionará a sua desapropriação indireta ou seja a sua qualificação como bem público Note que a concretização da função social é o elemento que determina não apenas as margens do domínio público e a aplicação do regime jurídico especial mas igualmente o nexo causal que ligará o titular Estado ou particular com a coletividade tendo por objeto a respectiva coisa Sepulta por conseguinte qualquer tentativa de centralizar tal relação jurídica na figura da afetação pois é forçoso admitir que se há coisas sob outras titularidades que não do Estado como visto no domínio público não estatal não pode exclusivamente se sustentar que o ato ou manifestação de vontade estatal formará tal nexo causal Tal compreensão garante que se proteja a finalidade coletiva perseguida pelo bem pois se o elemento que determina o nexo de seu titular com a coletividade não é uma manifestação volitiva mas a própria função social exercida pela coisa enquanto ela persistir haverá a sua proteção mediante a sujeição do regime jurídico especial Assim na fundação enquanto a coisa conservar a sua destinação pública não é possível qualquer ato de disposição por seu gestor que retire da sua afetação de forma que a dissolução da pessoa com a tredestinação dos seus bens para outra que exerça a mesma função social só ocorrerá caso não tenha aptidão para atender mais o fim público De igual sorte a alienação da propriedade com ocupação temporária tombamento ou servidão ocorre com o gravame real que corresponde ao instrumento formal de proteção do atendimento parcial da função social de modo que ainda alienada é garantida a perpetuação do cumprimento daquele interesse da coletividade atividade econômica sob a forma de sociedade anônima cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta 660 BRASIL Lei Federal nº 13303 de 30 de Junho de 2016 Art 1 Esta Lei dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias abrangendo toda e qualquer empresa pública e sociedade de economia mista da União dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios que explore atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços ainda que a atividade econômica esteja sujeita ao regime de monopólio da União ou seja de prestação de serviços públicos 661 Lei Federal nº 13303 de 30 de Junho de 2016 Art 28 Os contratos com terceiros destinados à prestação de serviços às empresas públicas e às sociedades de economia mista inclusive de engenharia e de publicidade à aquisição e à locação de bens à alienação de bens e ativos integrantes do respectivo patrimônio ou à execução de obras a serem integradas a esse patrimônio bem como à implementação de ônus real sobre tais bens serão precedidos de licitação nos termos desta Lei ressalvadas as hipóteses previstas nos arts 29 e 30 191 191 Reconduz à categoria de função social que ao atuar como elemento central da teoria do domínio público permite delimitar contornos claros não apenas na delimitação do acervo e do seu regime aplicável mas da relação que o titular e a coletividade terão tendo por objeto coisas que atendam necessidades coletivas Porém mais do que isso se adéqua a própria instrumentalidade da função pública que demanda a adequação dos seus institutos e do regime jurídico especial à finalidade pública permitindo distinguilo da teoria privada tal como ocorre por exemplo na responsabilidade estatal que é dotada de elementos próprios662 Ao considerar que é a concretização da função social o elemento que determinará o nexo formado entre o titular e a coletividade em torno de uma coisa permitese uma especificidade clara e nítida em relação aos bens privados já que embora ligados também a uma função social a ordem jurídica demanda tão somente uma adequação Auxilia na resolução da celeuma que será tratada com maiores detalhes dos bens sob a titularidade estatal desfuncionalizados já que uma vez não exercem uma função social não há a formação de uma relação jurídica entre o Estado e a sociedade que permitam a sua qualificação como pública e portanto vedação à sua aquisição por usucapião Por outro lado também permite resolver a problemática dos bens sob a titularidade particular que se encontram funcionalizados como por exemplo as florestas em domínios privados pois já que exercem uma função social há a formação de uma relação jurídica entre o Estado e a sociedade e a sua qualificação como pública o que demanda uma proteção Tal compreensão de que a relação jurídica que tem por objeto os bens públicos também decorre da função social assumida e se adéqua a noção da compensação de determinadas necessidades coletivas ou situações de escassez determinam o status público dos bens para a satisfação do interesse público663 Isso fica claro por exemplo no que se refere às águas particulares que por enquanto não atendem uma função social porém na medida em que eventual escassez ou demanda torne necessário à satisfação de necessidades coletivas importará no reconhecimento de uma relação jurídica formada com a coletividade e a sua qualificação como pública664 Note que o reconhecimento do atendimento a uma finalidade coletiva que demarca a natureza pública da coisa não significa necessariamente que o bem deverá estar sob a 662 ALFONSO Luciano Parejo Dominio Público Op cit p 36 663 SCAGLIUSI Maria de los Ángeles Fernández Op cit p 102 664 Parece que tal entendimento foi incorporado pelo próprio Código de Águas BRASIL Decreto Federal n 24643 de 10 de Julho de 1934 Art 3º A perenidade das águas é condição essencial para que elas se possam considerar públicas nos termos do artigo precedente 192 192 titularidade do poder público pois importaria igualmente em identificar a noção de público e estatal e de que os bens públicos são aqueles sob a propriedade do Estado Porém se admitido que o vínculo formado entre o titular e a coletividade tendo por objeto a coisa qualificada como pública decorre da concretização da referida função social cabe então determinar qual será o papel do respectivo sujeito no que tange a tal relação jurídica funcionalizada formada Tratandose de uma relação intersubjetiva e tendo por centro tal objeto serão impostos direitos e deveres de cada um dos sujeitos envolvidos de forma a garantir o atendimento à finalidade da respectiva relação jurídica no caso o atendimento da função social pela referida coisa qualificada como pública Neste sentido assume especial relevo determinar quais serão os deveres impostos ao titular das coisas que são qualificadas como bens públicos na respectiva relação jurídica já que serão exercidos por sujeitos públicos ou privados cuja própria especificidade de suas naturezas resultará em obrigações distintas No que tange ao Estado importa na superação de sua compreensão de proprietário com faculdades para a sua verificação de titular com deveres específicos em relação à coisa que serão igualmente distintos conforme esteja ou não sob a titularidade imediata ou direta dos referidos bens públicos Já no que se refere aos particulares significa aduzir que além das obrigações gerais impostas no uso regular dos bens públicos devem ser verificadas quais serão impostas enquanto estiver sob a titularidade das relativas coisas de forma a garantir não apenas uma adequação mas o cumprimento de uma função social O tema será tratado a seguir 34 Do efeito da atribuição de titularidade dos bens públicos das obrigações do domínio público ao papel de gestor na função social Em grande medida a crise da teoria dos bens públicos decorre da própria assimilação da categoria jurídica de propriedade665 que tem sofrido alterações em razão da ascensão de um modelo constitucional voltado à proteção do homem e seus direitos e conduz a uma despatrimonialização das relações jurídicas 666 No direito civil tal crise no conceito tradicional e liberal de propriedade sobre a coisa ao demandar uma flexibilidade do conceito para se acomodar as exigências da vida social acaba sendo imposto a todos os sujeitos e por conseguinte demanda sua assimilação também ao próprio Estado667 Desse modo sustentar uma concepção patrimonialista sobre a coisa pública que não se adéqua mais a ordem jurídica vigente sequer no que se refere ao direito privado corresponde ignorar que sob a égide de um Estado Constitucional de Direito o exercício de qualquer titularidade sobre o bem se sujeita a uma série de deveres Se aos bens qualificados como privados são impostas obrigações de compatibilização com os fins perseguidos pela ordem jurídica supor que a figura de um Estado exerce poderes administrativos ou faculdades plenas de proprietário é contrariar que os bens atribuídos a sua titularidade o são para a garantia da realização de seus objetivos668 Ademais importa em ignorar que os sucessivos conflitos envolvendo as coisas públicas como a usucapião de bens estatais abandonados decorrem da tentativa de perpetuação de um status quo na teoria formulada que não se adéquam as transformações observadas nas relações sociais e na própria regulação da coisa pelo Direito Nesse sentido também aponta a literatura jurídica a necessidade de uma redefinição urgente do direito das coisas de forma a garantir uma adequação entre a teoria jurídica e a realidade concreta de forma que sua concepção absoluta deve ceder as suas novas formas de expressão como condicionamentos desmembramentos e relativismos669 Assim a regulação do instituto tem sofrido alterações contemporâneas para admitir a sua relativização diante da funcionalização aos fins sociais ambientais e econômicos da 665 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 471 666 MORAES Maria Celina A caminho de um direito civil constitucional Revista de Direito Civil Imobiliário Agrário e Empresarial vol 65 1993 p 8 667 BLANCO Alejandro Vergara Teoria del dominio publico Op cit p 138 668 DUGUIT Leon Traité de Droit Op cit p 315 194 194 ordem jurídica que embora pareça ser mais evidente no âmbito do direito privado no que tange ao Estado não parece efetivamente ter ocorrido 670 A crescente superação da patrimonialização da coisa no âmbito jurídicocivil não tem sido acompanhada no que se refere aos bens públicos o que ignora a verdadeira justificação do título atribuído para intervenção sobre tais bens e para a própria atuação do próprio Estado que é a realização de uma função social671 Tornase necessário deslocar o princípio ontológico do instituto de uma concepção subjetiva de titularidade para uma noção teleológica de função se adéqua melhor ao vínculo público que se forma com os referidos bens672 e isto importa em uma transmutação no papel do titular das referidas coisas Demandase uma disassociação do binômio funçãotitularidade e sua relação recíproca os bens públicos são aqueles de titularidade do Estado e cabe a ele apenas exercer a titularidade dos respectivos bens de forma a evitar a associação falsa de domínio público e de propriedade pública673 A pretensão que a teoria do domínio público corresponda a uma técnica jurídica capaz de constituir um título pleno de intervenção administrativa que legitime a atuação estatal sob as referidas coisas não deve ser em um sentido regaliano de propriedade de relação do titular com o bem674 Se a coisa é qualificada como pública em razão da medida que se liga a concretização de um interesse público o papel do seu titular não será de exercer um domínio ou senhorio sob a mesma com os respectivos poderes ou faculdades mas a atribuição de prerrogativas na medida necessária para que se garanta o cumprimento das necessidades coletivas Nesse viés a desvinculação da noção de função com a de titularidade se converte no principal instrumento para superar a teoria patrimonialista do domínio público675 de forma a orientar as suas repercussões no que tange a assunção da titularidade sobre as referidas coisas bem como os efeitos decorrentes Sustentar a existência de uma titularidade sobre os bens públicos não significa assumir que tal sujeição se identifique com um direito de propriedade tal qual um sujeito privado 669 GILLI JeanPaul Redéfinir le droit de propriété Paris Centre de echerche dUrbanisme 1975 p 124 670 Embora se sustente que sobre os bens públicos o Estado exerça um direito de propriedade todavia não se admite a assimilação do dever de funcionalização social das propriedades aos bens públicos desafetados ao interesse público a ponto de admitir a sua usucapião O tema será tratado oportunamente no item 44 671 ALFONSO Luciano Parejo Dominio Público Op cit p 25 672 BLANCO Alejandro Vergara Teoria del dominio publico Op cit p 139 673 Alejandro Vergara Teoria del dominio publico Op cit p 147 674 PALASÍ Villar Derecho Administrativo Madrid Universidad de Madrid 1968 p 32 675 BLANCO Alejandro Vergara Teoria del dominio publico Op cit p 139 195 195 ou um poder administrativo em uma concepção liberal oitocentista do Estado mas antes que deve se adequar a ordem jurídicoconstitucional subjacente Porém também não é ignorar que ao se formar uma relação jurídica entre o titular seja público ou privado com a coletividade tendo por objeto tal coisa qualificada como pública isto não importará na atribuição ao lado da obrigação de determinados direitos mas que se fundamentam e legitimam na medida em que correlacionam com tal finalidade676 Voltada à titularidade dos bens públicos não como atribuição de senhorio ou poder mas ligada à realização de uma função social isto não significa admitir que o seu exercício ocorra de forma idêntica em relação aos diferentes sujeitos que podem exercêla bem como as próprias coisas que se ligam à uma necessidade coletiva Como visto há determinadas coisas que sua própria substância se ligam a uma necessidade coletiva inclusive essencial por se ligar a existência e perpetuidade humana como por exemplo o ar e os mares enquanto outras a sua natureza material não a dotam de uma função coletiva mas depende de um ato de vontade como por exemplo um prédio Há de se admitir que a própria natureza enquanto não designativa da qualificação de público da coisa pois é o atendimento à função coletiva que a determina e não a sua aptidão física ou orgânica entretanto produz uma distinção no que tange aos direitos e deveres que serão assumidos pelos seus titulares Isto porque algumas dessas coisas são materialmente inapropriáveis e portanto juridicamente indisponíveis em razão de sua própria natureza como os bens jurídicos naturais enquanto outras em sua substância são passíveis de apropriação sendo atribuída a sua inalienabilidade como forma de proteger a sua função tais quais os artificiais Por esta razão com apoio na literatura jurídica pode se sustentar uma escala gradativa no que se refere ao reconhecimento de tais bens públicos como objeto de direitos pelos seus respectivos titulares677 de forma a se adequar a especificidade que assumem tais coisas na realização da função social Assim embora dados bens naturais façam parte do domínio público e a rigor estejam sob a titularidade difusa da coletividade a sua natureza material ou como preferem alguns autores a sua indeterminabilidade espacial como o espaço aéreo marítimo territorial e afim impede não apenas a sua apropriação ao menos total mas um senhorio pleno678 676BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 187 Também comete ato ilícito o titular de um direito que ao exercêlo excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social pela boafé ou pelos bons costumes 677 CAETANO Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 827 678 Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 827 196 196 Por efeito para esses autores sob tais bens públicos o seu titular não teria como exercer uma propriedade pública mas apenas direitos dominiais sob as referidas coisas dotandoo de um conjunto de prerrogativas que seriam necessárias para a garantia do atendimento da função social 679 Embora se rechace que o Estado exercerá propriedade sobre qualquer outro bem qualificado como público ainda que materialmente apropriável tal entendimento conduz a uma interessante reflexão acerca da diferenciação do papel assumido pelo titular no que tange as coisas públicas naturais e artificiais inclusive no que se refere às coisas privadas Uma importante distinção da relação administrativa formada com o bem público que se diferencia da relação de propriedade formada pelo bem privado é a capacidade de disposição tanto na aquisição uso e perda do domínio que seria limitada em razão da destinação do bem à finalidade pública680 Uma vez que os bens privados são orientados pelo princípio da autonomia de vontade a sua disposição naquele sentido amplo encontra um espaço amplo desde que adequado ao exercício da função social ao passo que os bens públicos uma vez que direcionados pelo princípio do interesse público deve ter sua disposição condicionada àquela finalidade Por efeito o domínio sobre as coisas públicas garante ao seu titular que sejam concedidos direitos igualmente públicos enquanto necessários à própria proteção da finalidade pública permitindose por conseguinte render o máximo de utilidade coletiva através de um tratamento distinto daquele efetuado do regime privado681 Porém isto não importa que houvesse um direito do Estado de manter a sua conservação na propriedade pública e portanto resguardar uma esfera de proteção pública para coisa mesmo que esteja desafetada ou desclassificada de sua utilidade pública já que o ente estatal poderia atribuir outra igual finalidade coletiva682 Considerado que é o elemento funcional que forma o nexo causal entre o titular e a coletividade tendo por objeto o bem que se qualifica como público e concede os direitos e deveres isto ocorre apenas em razão da função social exercida e na medida que a proteja de forma que inexistindo ou não subsistindo há a extinção dessa relação jurídica Ao revés se considerado que o complexo de direitos e deveres são atribuídos devido o liame funcional formado pelo cumprimento da função social pela coisa isto significa admitir 679 CAETANO Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 827 e 829 680 LIMA Ruy Cerne Op cit p 77 681 CAETANO Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 827 e 829 682 Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 830 197 197 que houvesse uma gradação à medida que há o atendimento da necessidade coletiva por aquele bem qualificado como coletivo Neste giro inequívoco que para os bens públicos naturais uma vez que exercem por si só a função pública e são insuscetíveis de apropriação exceto de forma parcial significaria uma reserva de direitos para abranger a fruição e disposição ordenada pelo Estado apenas no que tange ao poder de regular e de policiar o uso desses bens683 Não cabe ao titular a disposição da coisa natural quando qualificada como pública como por exemplo o ar ou rio visto que o exercício de sua função social não só não ocorre por um ato de vontade como se no primeiro caso é impossível desafetálos no segundo seria admitir a disposição de uma necessidade coletiva e até mesmo humana Porém se não é possível a disposição em si das referidas coisas é possível que o Estado possa na sua regulação destinar a exploração a um sujeito privado em prol da coletividade ou exercer o deverpoder de polícia garantindo uma disposição do uso ou restrição transitória a indivíduos que permita a proteção da sua finalidade social684 Já para os bens artificiais cujo exercício da função pública decorre de um ato de vontade e a sua substância não impede a sua apropriação como por exemplo os prédios há de se admitir que se a relação jurídica é formada por um ato que o ligue a uma finalidade coletiva a sua perpetuação ocorrerá enquanto permanecer a mesma Por efeito serão atribuídos igualmente direitos e deveres ao titular das referidas coisas de forma a garantir o exercício de sua função social mas uma vez que isto decorre de um ato que produz a sua afetação há de se admitir que seja garantida uma inalienabilidade enquanto permanecer ligada à finalidade ou seja sem impedimento que haja uma eventual disposição Novamente se rechaça qualquer tese de que o reconhecimento de uma afetação ou desafetação da coisa a uma finalidade coletiva signifique firmar um critério de titularidade como definidor na relação jurídica ou uma concepção patrimonial da coisa pública mas se liga eminentemente à questão da função social Recordese que a disponibilidade é traço característico do direito de propriedade enquanto ligada à autonomia de vontade ao passo que a inalienabilidade é característica da coisa pública ligada à função pública o que não necessariamente importa que o Estado seja proprietário mas gestor daqueles interesses da coletividade685 683 CAETANO Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 834 684 BIELSA Rafael Op cit p 170171 685 TAVARES José Os Princípios Fundamentais Op cit p 349 198 198 Admitirse uma inalienabilidade não implica no reconhecimento de uma indisposição absoluta mas tão somente que determinadas coisas enquanto qualificadas como públicas se sujeitam àquele regime protetivo especial já visto sem que isso signifique uma restrição absoluta ao seu titular da disposição mas a sua conservação enquanto ligada a finalidade Tal proposição converge para a tese já aqui exposta que a gradação do atendimento da função social não apenas define as fronteiras do público e do privado mas igualmente delimita formas distintas de cumprimento das necessidades coletivas pelos bens públicos que influem na gradação do regime aplicável e no papel do seu titular Tanto os direitos quanto deveres do titular do bem qualificado como público serão graduados em razão de sua vertente objetiva na medida em que tais coisas se ligam de forma distinta ao atendimento da função social quanto em sua vertente subjetiva na forma em que sujeitos distintos são responsáveis pela garantia desta finalidade pública Assim reconhecido que haverá uma gradação nos direitos e deveres relativos às coisas que atendem por si só uma necessidade coletiva em relação a outras que só por um ato de vontade são destinadas à uma finalidade social há de se verificar se os mesmos serão exercidos de forma idêntica pelos seus sujeitos Como visto as transmutações ocorridas na soberania do Estado e na persecução dos interesses da coletividade resultaram em um descolamento do público com o estatal e o reconhecimento que haverá bens sob uma titularidade imediata do Estado enquanto outros poderão estar sob a sujeição do grupo social ou sujeito privado É tradicional a noção que sob os bens públicos cada indivíduo teria o direito de uso ou gozo como titular de um jus utendi em razão de uma titularidade comum que atribuiria a todos de forma uti singuli e uti universi686 embora não determine em si os deveres decorrente dessa sujeição das respectivas coisas Ao revés considera que os bens públicos estão sujeitos a regulação pelo próprio Estado que permitiria condicionar o uso ao seu destino e a utilização pelos outros sujeitos687 sustentando alguns inclusive que isto decorreria de se tratarem de res nullius possuída em nome alheio pelo Estado para assegurar à coletividade a sua fruição688 Entretanto não parece adequado sustentar que os bens públicos são res nullius pois além de se admitir uma possível apropriação seria ignorar que sob tais coisas existe uma titularidade ou sujeito que exerça 686 BIELSA Rafael Op cit p 166 687 Rafael Op cit p 166 688 PROUDHON M Traité du domaine public Op cit p 4 e ss 199 199 direitos e deveres em relação à mesma689 sem que considere que isso seja uma propriedade já que tais coisas não visam o usufructus abusos e afins690 Admitida porém que há coisas que estarão sob a titularidade não Estatal mas da própria coletividade seja através de determinado grupo social como as terras ocupadas pelos indígenas ou sujeito privado como na despublicização caberá definir os seus respectivos deveres em relação à coisa Desde já ultrapassase à noção de que tais deveres se limitariam àqueles decorrentes da regulação estatal sob as referidas coisas pois correspondem à restrições ordinárias decorrentes do exercício de um poder de polícia geral que decorrem das necessidades de ordenação do seu respectivo uso Admitida uma titularidade da coletividade ou de algum daqueles atores sociais sob as coisas públicas há de se definir o seu papel na garantia de concretização da função social perseguida pelo bem público e por conseguinte quais serão os seus deveres e em que medida esses serão ou não idênticos ao do Estado A literatura estrangeira aponta para a proteção dos bens enquanto suportes materiais ao exercício de uma função pública que impõem ao seu titular seja o Estado ou o particular as chamadas obrigações do domínio público que legitimam o exercício das garantias e prerrogativas públicas691 Não se deve considerar que tais obrigações impostas pela titularidade correspondam por si o elemento que determina a formação do nexo ou distingue a relação jurídica que tem por objeto a coisa pública pois traduz isto na consequência jurídica ou sanção imposta pelo vínculo jurídico formado em relação ao referido objeto Seria partir de uma concepção positivistaestruturalista em que a imputação da referida consequência ao sujeito é o traço distintivo da relação jurídica e do próprio Direito692 quando embora seja inegável que sob os bens públicos incidam os deveres de guarda e proteção não parece que sob todos que tenham tais deveres resulte em uma natureza pública Porém se adéqua a compreensão que se uma concepção de relação jurídica determina uma articulação de direitos e deveres surgindo para o seu titular haverá obrigações jurídicas impostas aos seus sujeitos de criação e manutenção das coisas públicas de forma a alcançarem a sua finalidade coletiva693 689 ALVAREZGENDÍN Sabino El dominio publico Op cit p 24 690 MENEGALE J Guimarães Op cit p 19 691 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 448449 692 KELSEN Hans Teoria Pura do Direito São Paulo Martins Fontes 2003 p 8691 e 113115 693 ALFONSO Luciano Parejo Dominio Público Op cit p 30 200 200 Não obstante parece que tais obrigações de domínio público de fato são antes uma designação distinta para abranger os deveres decorrentes da gestão pública que incidirão sob os titulares que estejam na execução do munus publico em especial na figura estatal enquanto ente moral cuja criação e perpetuação se liga à satisfação dos interesses públicos Isto implica admitir que embora haja obrigações de proteção e promoção da função social que devem ser exercidos pelo titular da coisa pública seja coletividade grupo social ou particular o Estado mesmo que não a esteja com a sua sujeição direta conservará ainda o dever de proteção da função social assumida Relembrese no caso já analisado das terras tradicionalmente ocupadas que figuram como domínio público não estatal já que sob sujeição do grupo indígena aos quais devem conservar a função social assumida identidade e cultura indígena sob pena de se extinguir o liame jurídico que tanto as qualificam como públicas quanto fundamentam tal titularidade Além das obrigações decorrentes dessa atribuição da titularidade a tal grupo social inegável que cabe ao Estado igualmente preservar essa função social de forma que aquele sujeito não poderia como por exemplo contra invasões e explorações bem como garantir a proteção das outras necessidades coletivas como a proteção dos rios e demais bens naturais Na literatura jurídica tradicional sustentase tal reserva de obrigações em razão de uma suposta dicotomia da titularidade de modo que embora a sua execução ou sujeição direta estivesse sob um particular ainda guardaria o Estado uma titularidade imediata sob as referidas coisas É a apropriação na teoria das coisas públicas da concepção de propriedade e de seu senhorio que estreitou a noção de público com de Estado confundindo ambos pois sob as atividades e bens públicas o ente moral exerce uma função de gestor ao cumpre entregar seu aproveitamento à coletividade o verdadeiro sujeito de tais coisas 694 O raciocínio é reverso pois as obrigações impostas ao Estado na conservação e promoção dos bens públicos não são decorrentes de possuir uma sujeição última sob tais respectiva coisas mas de ser gestor dos interesses da coletividade que correspondem aos verdadeiros titulares sem que possuam per si os instrumentos para a sua proteção Se o fundamento da atuação do Estado se ligava no Estado Liberal de Direito a noção de potestade ou senhorio sob a coisa com a consagração do Estado Constitucional de Direito configura em deveres que se voltam na garantia da função social dos bens que integram o domínio público695 694 BLANCO Alejandro Vergara Teoria del dominio publico Op cit p 140 695 ALFONSO Luciano Parejo Dominio Público Op cit p 26 201 201 Isso implica na compreensão de que não basta o Estado exercer obrigações em um conceito estático de afetação da coisa a uma finalidade pública mas assumir uma visão dinâmica e historicamente fluídica no dever jurídico de orientar a ação dos seus órgãos e agentes à tutela e promoção da função social696 Ademais de que mesmo sob os bens que não estejam na sua titularidade caberá uma atuação estatal visto que o elemento que deflagra a sua atuação não é o objeto estar sob a sujeição mas a perseguição da finalidade coletiva de modo que mesmo sob a titularidade de outrem restará as obrigações de atuar quando necessário na proteção da função social Assim deslocase por vez a compreensão de um Estadoproprietário que exerce faculdades de senhorio e prerrogativas soberanas sob as suas coisas para de um Estado Gestor que enquanto regulador dos interesses da coletividade é atribuído um dever jurídico de proteção e promoção das coisas ligadas às finalidades sociais Compreender que o Estado não exerce um direito de propriedade mas um dever de gestão sobre a coisa pública é admitir que sobressaia a relevância dos bens públicos não em razão de sua titularidade mas do seu exercício enquanto afetado ao interesse da coletividade o que importa na própria ampliação da noção de gestão697 Centrada a relação jurídica no elemento teleológico isso importa não apenas no reconhecimento de que a titularidade pode ser estatal ou não já que se busca a realização daquela função social mas que se pretende alcançar a sua melhor forma de concretização a própria redefinição da exclusividade da mesma Isso significa que se a noção de EstadoProprietário reforçava uma concepção liberal de propriedade pública sob um domínio exclusivo de um ente estatal sustentar um conceito de EstadoGestor é substituílo por uma noção de competências698 com a atuação coordenada por variados entes na consecução do interesse público É mais um dos mitos dos bens públicos a noção de que tais coisas devem estar sob o domínio como sujeição de um ente estatal quando sob a égide de um Estado de Direito estarão sob uma repartição constitucional699 entre mais de um ente se necessário para o melhor atendimento da função social Assim refletir sobre os efeitos produzidos na atribuição de titularidade dos bens qualificados como público à luz da perspectiva funcionalista em certa medida corresponde a 696 ALFONSO Luciano Parejo Dominio Público Op cit p 26 697 GONZÁLEZ Julio V González Garcia La titularidad Op cit p 127 698 Julio V González Garcia La titularidad Op cit p 127 699 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 455 202 202 admitir que a própria noção de titularidade deva se sujeitar a uma releitura que se adéque melhor a realização da função social Assim substituise a tradicional noção de titularidade como uma sujeição sob os bens para uma concepção de competências exercidas sob tais coisas700 que se adéquam muito mais a noção não de um ente moral criado para atingir finalidades públicas mas de funções públicas que serão perseguidas por entes morais Como já firmou a Corte Constitucional Espanhola devemse analisar os bens públicos além de seu regime jurídico de titularidade mas reconhecêlos como o suporte físico ou material de uma pluralidade de atividades públicas e privadas ao qual a Constituição atribui competências aos variados entes federados701 Nesse sentido o regime constitucional de partilha de competências e de bens adota um modelo de federalismo cooperativo que estrutura um sistema que combina competências exclusivas privativas e principiológicas com competências comuns e concorrentes buscando um equilíbrio na federação mas prevendo atuações paralelas entre os entes702 Junto à técnica do federalismo cooperativo acresce um esquema de competências concorrentes com atributos exercidos por mais de um ente de federação de forma a garantir maior eficiência na execução de tarefas e objetivos de interesse social e uma responsabilidade do Estado703 Note que há uma necessária convergência desse modelo federalista de partilha de competências com a teoria dos bens públicos pois não há como sustentar uma titularidade rígida no que se refere a tais coisas uma vez que correspondem aos substratos materiais para a realização daqueles munus públicos Assim é possível identificar um papel de EstadoGestor dos bens públicos pela Constituição Federal ao determinar ser competência comum dos quatros níveis federados a conservação do patrimônio público704 da proteção de bens de valor histórico artístico e cultural705 e dos bens públicos naturais706 700 GONZÁLEZ Julio V González Garcia La titularidad Op cit p 127 701 ESPANHA Tribunal Constitucional Espanhol Sentença nº 227 de 29 de noviembre de 1988 702 SILVA José Afonso da Curso de Op cit p 477 e 479 703 Almiro do Couto e Comentários ao Artigo 20 da Constituição Federal Bens da União in CANOTILHO J J Gomes SARLET Ingo Wolfgang STRECK Lenio Luiz MENDES Gilmar Ferreira Comentários à Constituição do Brasil São Paulo SaraivaAlmedina 2013 p 1552 704 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 23 É competência comum da União dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios I zelar pela guarda da Constituição das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público 705 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 23 III proteger os documentos as obras e outros bens de valor histórico artístico e cultural os monumentos as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos 706 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 23 VII preservar as florestas a fauna e a flora 203 203 Note que a Constituição Federal não determina um dever individual consentâneo ao titular dos bens públicos de garantir a guarda dos bens que são da federação a ele foi atribuído em razão da partilha constitucional mas incumbe um dever comum de todos os entes na preservação do patrimônio daquela comunidade política Reforça a idéia de que embora possa ser atribuída uma titularidade aos bens públicos não exclui os deveres consentâneos que serão impostos aos demais entes estatais enquanto criados para satisfação dos interesses da coletividade de garantir a preservação da função social que exercem Ademais ao tratar da gestão associada é expresso pela Constituição Federal que a formação de consórcios públicos e de convênios de cooperação podem resultar a transferência total ou parcial de bens públicos707 o que sobreleva a prevalência de sua função na realização do interesse público sobre a sua titularidade Não é recente a superação da idéia de competência exclusiva para uma gestão associada dos serviços públicos que mediante a permeabilidade das competências supõe a atuação de várias entidades administrativas na prossecução do interesse público e portanto a afetação dos referidos bens públicos para tal mister708 Em certa medida a literatura jurídica pátria já reconhece a prevalência da função sob a titularidade dos bens públicos ao admitir exempli gratia a desapropriação de um ente federado sobre outro desde que observado o princípio da preponderância de interesses nacionais regionais e locais que justifiquem a referida ingerência 709 Tal entendimento parece ser admitido igualmente pelos os autores estrangeiros em maior ou menor grau ao admitir que a mudança de titularidade na coisa pública sem que isto resulte em uma perda da sua finalidade coletiva e tão pouco em violação ao princípio da inalienabilidade já que mantida a destinação e o domínio público710 Também aparenta assumido pelo Conselho de Estado Francês que adere essa théorie des mutations domaniales permitir que o Estado possa de forma discricionária e sem 707 BRASIL Constituição da epública Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 241 A União os Estados o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados autorizando a gestão associada de serviços públicos bem como a transferência total ou parcial de encargos serviços pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos 708 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 53 709 CARVALHO FILHO José dos Santos Manual de Direito Administrativo 27 ed rev atual e ampla São Paulo Atlas 2014 p 836 710 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 51 204 204 qualquer indenização modificar a afetação de uma coisa do domínio público que pertença a o outro ente moral com personalidade de direito público711 Uma vez que o domínio público é marcado pela prossecução do interesse público todos os bens que o compõem são indivisíveis e estão destinados à proteção deste o que justifica a modificação do thelos de um bem público por uma autoridade de coisa que está sob a sujeição de outra712 No caso da França não há propriamente uma mudança da titularidade mas uma modificação ou superposição da afetação do bem público que permite a transferência da gestão do ente local para o ente nacional713 o que afirma claramente no âmbito do domínio público uma distinção entre a noção de titularidade e função Claro que tal construção teórica e jurisprudencial de uma mutação dominial surgiu para contornar uma suposta proibição de expropriação da coisa pública em razão do princípio da inalienabilidade do domínio público714 porém acaba por reforça o critério de função na delimitação dos contornos da titularidade e na sua própria modificação Com essa construção a teoria dos bens públicos evolui para a par de um domínio absoluto do seu titular para uma homogeneização em torno da competência de forma a haver a participação coordenada de todas as Administrações Públicas afetadas por o substrato físico ou real da destinação da coisa715 Admitir tal superposição na destinação da coisa conduz ao reconhecimento de uma gestão conjunta entre os sujeitos públicos e uma composição dos interesses públicos incidentes no caso do Estado Unitário Francês entre os interesses locais e nacionais716 e na questão do Estado Federado Brasileiro entre os interesses locais regionais e nacionais Por efeito reconhecer uma titularidade aos bens públicos a partir de uma perspectiva funcional é sustentar que não apenas existirão sujeitos públicos e privados responsáveis pela gestão das referidas coisas como que isto não ocorrerá de forma exclusiva mas do modo que permita o melhor atendimento da função social Quando a titularidade do bem público estiver sob um grupo social ou ente privado caberá uma atuação do Estado bem como se a coisa pública estiver sob a sujeição de um ente público isto não excluirá a atuação de outros entes estatais de forma a garantir a melhor realização da necessidade coletiva 711 FRANÇA Conselho de Estado Arrêt Ville de Paris et chemins de fer dOrléans 16 de Julho de 1909 712 CAPITANT David Les mutations domaniales et les superpositions daffectation in Réflexions sur le Code General de la propriété des personnes publiques Litec 2007 p 33 713 David Les mutations domaniales Op cit p 33 714 David Les mutations domaniales Op cit p 34 715 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 472 716 CAPITANT David Les mutations domaniales Op cit p 44 205 205 Ademais incidirá aos respectivos titulares das coisas públicas as chamadas obrigações do domínio público ou simplesmente os deveres decorrentes do papel de gestor que embora possam ser distintos ao ente público ou privado em razão da própria natureza de cada sujeito deve envolver em certa medida a atribuição de determinadas faculdades Sem se adentrar na celeuma se a disciplina administrativa é formada por potestades oriundas da soberania estatal717 prerrogativas decorrentes da função ou munus público718 ou por deveres explícitos e implícitos decorrentes da atribuição de uma competência legal719 inexorável que o reconhecimento de um papel de gestor impõe a necessidade de instrumentos No que tange aos bens públicos parece que decorre da própria noção de domínio público como técnica multívoca que pretende atribuir um título de legitimidade para maior atuação do titular sob coisas que exerçam uma finalidade pública que sejam atribuídas algumas posições específicas720 Isto não significa ignorar a dificuldade de delimitar quais seriam tais atribuições de gestão em razão dos problemas que surgem por exemplo quando observado o próprio modelo de partilha de competência com atribuições comuns e concorrentes mas que demanda uma fórmula de coordenação ou de cooperação721 Tornase nítido no que se refere a determinados bens públicos aos quais atribuídas competências comuns como os bens naturais a realização de determinadas obrigações como o dever de fiscalização pode resultar em uma superposição regulatória que acabe importando em um menor grau de eficiência722 Neste sentido buscam alguns autores quais seriam essas faculdades para a proteção da coisa pública como a regulação do uso com o estabelecimento de reservas ou restrições a criação de critérios ou requisitos para a sua utilização bem como a fiscalização e limitação com fins de interesse público decorrente do exercício do poder de polícia723 717 CRETELLA JUNIOR José Os cânones do Direito Administrativo Revista de Informação Legislativa a 23 97 janmar 1988 p 21 718 BRITTO Carlos Ayres Distinção entre direitos subjetivos e prerrogativas constitucionais Revista do Ministério Público do Estado de Sergipe n 2 v 1 1992 Boletim de Direito Administrativo v 5 n 11 p 48 50 719 A crítica à construção de um regime administrativo em um Estado de Direito com uma matriz de prerrogativas ou poderes foi tratado em MOURA Emerson Affonso da Costa Um fundamento Op cit Capítulo II 720 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 467 721 Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 452 722 AAGAARD Todd S Regulatory Overlap Overlapping Legal Fields and Statutory Discontinuities Virginia Environmental Law Journal Vol 29 No 3 2011 p 238240 723 RODRÍGUEZ J R Calero Régimen jurídico de las costas españolas Pamplona Editorial Aranzadi SA 1995 p 99 206 206 Parece insuficiente a tentativa de restringir nestas proposições teóricas quais seriam os atributos exercidos pelo titular no que se refere às coisas públicas ainda mais considerando que envolvem apenas os poderes ou as prerrogativas que são concedidas ao Estado embora a coisa possa ser titularizadas por outros sujeitos Também não resolve a questão considerar que a gestão dos bens públicos se esgota no uso como fazem parte dos autores especificando as suas modalidades comum geral compartilhado e privado e os instrumentos públicos autorização permissão concessão e cessão e privados enfiteuse direito de superfície locação e comodato724 Não se nega que a gestão dos bens públicos pelo Estado abrange uma atividade de tutela das coisas que será realizado precipuamente mas não exclusivamente através do exercício dos seus poderes em especial de gestão e de regulação da sua utilização pela coletividade725 Não se pode restringir a atuação do gestor apenas para a regulação do seu uso uma vez que se volve a titularidade à persecução da função social significa que não se destina apenas a disciplina da sua utilização mas da própria existência e perpetuação da finalidade coletiva assumida pela coisa Por esta razão preferese a estipulação de uma fórmula genérica que a titularidade dos bens públicos abrangerá as faculdades expressas aquelas previstas em lei726 e as implícitas decorrentes e necessários para o seu exercício727 que sejam atribuídas tanto para sujeitos públicos quanto privados Assim por exemplo nas terras tradicionalmente ocupadas a titularidade dos índios abrangerá as faculdades expressas como de exploração dos recursos naturais728 quanto s faculdades implícitas como a defesa dentro da ordem jurídica729 e permissivo legal730 de apropriação por qualquer outro sujeito dentro deste 724 CARVALHO FILHO José dos Santos Manual Op cit p 11811210 725 CAETANO Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 916917 726 Como por exemplo impedir a evasão a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico artístico ou cultural BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 23 IV 727 Como por exemplo adentrar sem prévia comunicação no campo de exploração dos recursos hídricos e minerais para realizar os deveres expressos de registro acompanhamento e fiscalização das concessões de direitos de pesquisa e exploração BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 23 XI 728 BRASIL Constituição da epública Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 231 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinamse a sua posse permanente cabendolhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo dos rios e dos lagos nelas existentes 729 Lei Federal n 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1210 O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação restituído no de esbulho e segurado de violência iminente se tiver justo receio de ser molestado 1 O possuidor turbado ou esbulhado poderá manterse ou restituirse por sua própria força contanto que o faça logo os atos de defesa ou de desforço não podem ir além do indispensável à manutenção ou restituição da posse 207 207 Não se ignora a existência na literatura jurídica de autores que sustentam à extensão plena ao Direito Administrativo das formas e métodos de gestão que são típicos do setor privado à propriedade privada com fins de racionalização e exploração rentável e propõem portanto a reforma do direito dos bens públicos731 Porém também não se escusa aqueles que são contrários a um aproveitamento econômico dos bens públicos sustentando os riscos de dilapidação a melhor garantia para a integridade e o cumprimento de sua função pública é a utilização coletiva das coisas e não a apropriação ainda que transitória e para fins de exploração econômica por agente privado 732 Não se pretende nesta tese analisar em si a exploração dos bens públicos mas apenas firmar que o papel de gestor que será assumido pelo titular da coisa qualificada como pública importará no reconhecimento de um dever de promoção da função social que atribuirá faculdades expressas ou implícitas mas não serão exercidas de forma exclusivas A problemática pode ser observada no que tange aos bens que compõem o domínio público mas estejam sob a titularidade dos entes privados o que não exclui o dever de atuação do Estado como no caso de determinados bens públicos naturais como as florestas privadas ou culturais os bens privados tombados O tema será tratado a seguir 730 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 231 3º O aproveitamento dos recursos hídricos incluídos os potenciais energéticos a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional ouvidas as comunidades afetadas ficandolhes assegurada participação nos resultados da lavra na forma da lei 731 GAUDEMET Yves El futuro Op cit p 11 732 Yves El futuro Op cit p 12 208 208 35 O papel do EstadoGestor nos bens que exercem função social sob a titularidade particular da velha questão do tombamento à nova celeuma das florestas em terras privadas Como visto um dos efeitos da crise da teoria dos bens públicos é permitir ressituar o domínio público não a partir de um critério de titularidade estatal identificando como uma noção de proprietário das referidas coisas mas partir do elemento da finalidade pública que é a razão do próprio instituto e fundamento da sua disciplina exorbitante733 Sob tal viés assume o Estado enquanto ente moral criado e destinado para a satisfação das finalidades coletivas o papel de gestor dos bens qualificados como públicos que estejam sob a sua titularidade imediata ou sujeição de outro ator social um conjunto de deveres de forma a garantir o cumprimento daquela função social Neste ponto nos aproximamos de uma antiga celeuma que é o tombamento dos bens que compõem o patrimônio cultural brasileiro mas estejam sob uma titularidade privada ao qual tal reconhecimento pode impor ônus ao sujeito que por vezes não seja capaz de suportá lo integralmente ensejando uma ação estatal Determina a Constituição Federal de 1988 o dever do Estado em colaboração da comunidade da promoção e proteção do patrimônio cultural brasileiro que envolverá desde medidas que não importem na alteração de sua titularidade inventários registros e vigilância até a sua sujeição ao próprio Estado como a desapropriação734 Note que o fato da lei fundamental determinar a proteção do patrimônio histórico e cultural brasileiro ao Estado não significa que ele possa avocar por si próprio a sua tutela mas sendo a titularidade mediata da coletividade cada cidadão tem o seu direito público subjetivo de ver a coisa protegida mediante instrumentos próprios como ação popular735 Dentre tais medidas de acautelamento e preservação há o tombamento que pretende mediante a imposição de restrições aos bens que compõem tal acervo histórico e artístico nacional a garantir a conservação de sua função social qualificada por lei a saber o seu excepcional valor histórico arqueológico ou etnográfico bibliográfico ou artístico736 733 LAVIALLE Christian Le domaine public une catégorie juridique menacée Op cit p 585 734 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 216 1º 735 ALVES Alexandre Ferreira de Assumpção O tombamento como instrumento de proteção ao patrimônio cultural Revista Brasileira de Estudos Jurídicos Universidade Federal de Minas Gerais v 98 juldez 2008 p 8384 736 BRASIL DecretoLei nº 25 de 30 de Novembro de 1937 Art 1º Constitue o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interêsse público 209 209 Observe que constitui o patrimônio histórico e cultural brasileiro não apenas às coisas que estejam sob a titularidade das pessoas jurídicas de direito público mas igualmente aquelas que possam estar sob a sujeição das pessoas jurídicas de direito privado sejam eles entes naturais ou morais737 A proteção jurídica dada pelo instrumento designado como tombamento decorre da proteção da função social pois não é a coisa em si que se protege mas se materializa como um bem jurídico que é objeto de tutela na medida em que assume um valor cultural ao qual o Estado procede o reconhecimento jurídico738 Por isso parece imprópria a técnica legislativa ao considerar que tais coisas sejam pertencentes às pessoas privadas pois uma vez que compõem o patrimônio histórico e cultural brasileiro isto significa considerar que estão afetadas a uma finalidade social ao qual passam a ser designadas como públicas Parece partir de uma concepção patrimonialista de que a qualificação do bens como público decorre do fato de estar sob o acervo da titularidade estatal quando a partir daquela perspectiva funcionalista tais coisas assumirão um caráter público sem ignorar que estejam sob uma titularidade privada Isso fica claro pelo modo como tais coisas uma vez tombadas se sujeitam igualmente a uma alienabilidade condicionada ainda que a lei utilize expressões distintas pois estando sob a titularidade estatal apenas caberá a sua transferência à outro ente público739 e a titularidade privada a qualquer outro ente desde que observada as restrições legais740 Tal entendimento parece ter sido parcialmente reconhecido já pelo Superior Tribunal de Justiça brasileiro ao afirmar que o bem está submetido com o tombamento à um regime jurídico sui generis permanecendo o seu titular na condição de administrador e incumbindo o ônus de conservação da coisa tombada 741 quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico bibliográfico ou artístico 737 BRASIL DecretoLei nº 25 de 30 de Novembro de 1937 Art 2º A presente lei se aplica às coisas pertencentes às pessôas naturais bem como às pessôas jurídicas de direito privado e de direito público interno 738 RABELO Sonia O Estado na preservação dos bens culturais tombamento Rio de Janeiro IPHAN 1999 p 45 739 DecretoLei nº 25 de 30 de Novembro de 1937 Art 11 As coisas tombadas que pertençam à União aos Estados ou aos Municípios inalienáveis por natureza só poderão ser transferidas de uma à outra das referidas entidades 740 DecretoLei nº 25 de 30 de Novembro de 1937 Art 12 A alienabilidade das obras históricas ou artísticas tombadas de propriedade de pessôas naturais ou jurídicas de direito privado sofrerá as restrições constantes da presente lei 741 Superior Tribunal de Justiça Recurso Especial nº 25371 Relator Ministro Giácono Gavazzi J 19041993 210 210 De qualquer modo pretendese com o tombamento se proteger a coisa independente da sua titularidade estar sob uma sujeição privada evitandose uma desnecessária estatização de todo o patrimônio histórico e cultural nacional mas sujeitando tais bens à uma disciplina normativa especial que alguns denominam como regime jurídico de tutela pública742 Como visto uma vez que tais coisas ainda sob a titularidade privada estejam ligadas não a uma adequação a função social mas a concretização de uma necessidade coletiva a proteção do patrimônio histórico nacional se sujeitam a um regime jurídico especial que não exclui as regras de direito privado mas impõe aplicação de normas de direito público Sob tal viés a tais coisas estejam sob a sujeição pública ou particular incidiram deveres ou obrigações que visam preservar não a sua titularidade mas a proteção da função que assumem podendo ser distintas em razão da natureza dos seus sujeitos uma vez que se movem por princípios distintos autonomia de vontade e interesse público Desta feita uma vez que esteja sob a titularidade privada pode ser objeto de negócio jurídico desde que haja a averbação no registro do seu tombamento743 a transcrição no seu deslocamento744 e a comunicação à autoridade745 pois o que pretendese não é conservar o sujeito mas garantir que a função social seja perpetuada Isso implica no reconhecimento do seu próximo titular que a coisa exerce uma função social e portanto não se sujeita à sua autonomia de vontade plena e aplicação integral das formas e normas do regime jurídico de direito privado mas enquanto compõem ao patrimônio histórico nacional está ligada à um interesse público e aplicação dos deveres decorrentes Tanto que ao revés de um bem privado ao qual o Código Civil admite uma disposição material pelo abandono746 ou a destruição resguardadas as suas consequências747 para as coisas que exercem uma função pública impõe a lei de tombamento a vedação da destruição demolição ou mutilação748 e o dever de notificação em caso de extravio ou furto749 Se parece claro que pretende o regime jurídico especial imposto à tais coisas que estão sob a titularidade privada mas exercem uma função social garantir a proteção da mesma devese verificar então sob quem será imposto os ônus ou deveres decorrentes para permitir a conservação do seu caráter de patrimônio histórico nacional 742 ALVES Alexandre Ferreira de Assumpção O tombamento Op cit p 86 743 BRASIL DecretoLei nº 25 de 30 de Novembro de 1937 Art 13 caput e 1º 744 DecretoLei nº 25 de 30 de Novembro de 1937 Art 13 2º 745 DecretoLei nº 25 de 30 de Novembro de 1937 Art 13 3º 746 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1275 inciso IV 747 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 188 inciso II 1297 1357 1408 e 1410 inciso V 748 DecretoLei nº 25 de 30 de Novembro de 1937 Art 17 749 DecretoLei nº 25 de 30 de Novembro de 1937 Art 16 211 211 Nesse sentido repare que impõe a lei de tombamento um dever de conservação e reparação ao titular da coisa tombada inclusive que não possuindo os recursos deverá levar o conhecimento à Administração Pública sob pena de aplicação de multa estipulada em relação ao dano sofrido pela coisa750 Poderia supor que tratandose de propriedade privada caberia ao próprio sujeito o dever de sua conservação porém note que considerada necessárias às obras e inexistindo pelo seu titular capacidade econômica de realizalas poderá o órgão competente ordenar a sua realização a expensas da União751 Contudo sendo medidas para conservação de propriedade privada em tese geraria a dificuldade de compatibilizar com a vedação da Lei de Improbidade Administrativa ao vedar a utilização de equipamentos ou materiais públicos em obra ou serviço particular752 e a aplicação de recursos públicos em qualquer forma de incorporação ao patrimônio particular753 Parece nítido que a coisa ao assumir uma função social no caso tratado o interesse da coletividade na preservação do patrimônio histórico e cultural brasileiro assume a qualificação de público o que enseja as obrigações ou deveres não apenas ao seu titular mas ao Estado enquanto gestor dos interesses e bens públicos Não se pode tentar limitar tais deveres ao exercício do poder de polícia pois seria admitir tal qual o pensamento tradicional que se trata de coisa privada ao qual compete ao Estado regular o seu uso através das restrições incidentes na propriedade particular em razão da sua compatibilidade com o interesse público754 Não devese confundir os bens privados que devem no exercício de sua autonomia privada se compatibilizar ao interesse público e por conseguinte se sujeitam à restrições determinadas pelo Estado como as limitações administrativas com as coisas que exercem por si só uma função social e portanto são impostos os deveres para tutelar tal finalidade Se parece suficiente para o Estado as atividades de regulação como regulamentação fomento poder de polícia no que se refere aos bens privados de forma a ordenar a ação 750 BRASIL DecretoLei nº 25 de 30 de Novembro de 1937 Art 19 751 DecretoLei nº 25 de 30 de Novembro de 1937 Art 19 1º 752 BRASIL Lei Federal nº 8429 de 2 de Junho de 1992 Art 9 Constitui ato de improbidade administrativa IV utilizar em obra ou serviço particular veículos máquinas equipamentos ou material de qualquer natureza de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art 1 desta lei bem como o trabalho de servidores públicos empregados ou terceiros contratados por essas entidades 753 Lei Federal nº 8429 de 2 de Junho de 1992 Art 10 Constitui ato de improbidade administrativa I facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular de pessoa física ou jurídica de bens rendas verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art 1º desta lei 754 CRETELLA JUNIOR José Regime Jurídico do Tombamento Revista de Direito Administrativo Rio de Janeiro n 112 abrjun 1973 p 51 e 54 212 212 particular para aquelas coisas que são qualificados como públicas na medida que exercem uma função social impõese atividades típicas de gestão para o ente público Porém há de se reconhecer que se foi atribuída ou mantida a titularidade da coisa que exerce uma função social sob a sujeição de um ente privado corresponde a seu dever ou ônus a conservação da coisa cabendo a ação estatal apenas em demonstração da impossibilidade de adimplemento de tal obrigação755 Assim excepciona a Lei de Tombamento a aplicação dos recursos públicos em bens sob a sujeição de particulares pois seu valor cultural revestea de um interesse público que embora possam acrescer o valor da coisa e gerar benefício ao seu titular se legitimam pela necessidade de conservação da sua função social na preservação do seu valor cultural756 Tanto que demonstrando o seu titular particular a impossibilidade de conservação do respectivo bem o que no caso corresponde a insuficiência ao próprio dever de tutela da função social perseguida já que é a conservação da coisa por se ligar ao patrimônio histórico cultural cabe igualmente a sua desapropriação757 Nesse caso citado não deve ser tida a desapropriação como o ato que transfere a coisa da propriedade privada para a estatal qualificandoa como pública pois já assumia tal dimensão por exercer a função social mas como a mudança de titularidade de forma a garantir o melhor atendimento à necessidade coletiva Tanto que não será admitida tal desapropriação para outros fins senão a manutenção do próprio tombamento exceto mediante a sua prévia desqualificação como o reconhecimento que não exerce mais aquela sua função social e por efeito pode ser atribuída outra finalidade igualmente coletiva Decorre da própria noção que o tombamento não é um modo de transferência de dominialidade pois pretende proteger o valor histórico e artístico da coisa e não garantir uma propriedade pública porém caso haja necessidade de garantir o cumprimento da sua função social quando seu titular não consegue por exemplo por excessivo ônus econômico758 Igualmente não devese observar apenas pela ótica privatista de modo que o pagamento de indenização ao particular é pelo esvaziamento do conteúdo econômico do bem 755 BRASIL Superior Tribunal de Justiça Recurso Especial nº 25371 Relator Ministro Giácono Gavazzi J 19041993 756 RABELO Sonia O Estado na preservação dos bens culturais Op cit p 119 757 DecretoLei nº 25 de 30 de Novembro de 1937 Art 19 1º 758 MEIRELLES Hely Lopes Tombamento e Indenização Revista de Direito Administrativo Rio de Janeiro n 161 julset 1985 p 5 213 213 mas sob o vértice público decorre da atribuição da titularidade ao sujeito estatal que passa a assumir a coisa que exerce a função social pela incapacidade do ente privado exercêla Embora pela tese aqui proposta a coisa possa ser qualificada como pública em razão do seu exercício para uma função social o seu titular é privado e deve ser resguardada autonomia privada na exploração da coisa tal qual um concessionário o faria de forma que se volta integralmente ao munus publico deve o Estado assumir a sua titularidade759 Sob tal viés a funcionalização da coisa pelo titular privado não exonera o Estado no desempenho do seu dever constitucional de zelar pela integridade do patrimônio cultural que ocorrerá mediante a desapropriação do bem tombado com a indenização ao particular pelo seu efeito em sua esfera patrimonial760 Poderseia aduzir que uma vez sendo verificada a necessidade de conservação pelo seu titular privado e sendo notificado o Estado não sejam adotadas as medidas cabíveis de realização das obras ou de desapropriação a própria Lei de Tombamento determina o cancelamento do tombamento761 Porém isto não significa que a coisa tombada tratase de um bem privado que passa a exercer função pública apenas mediante a qualificação pelo tombamento e mediante a sua perda deixa de estar afetada à qualquer interesse da coletividade algo demonstrado pela omissão estatal em relação à sua conservação Compreender como no pensamento jurídico tradicional que o tombamento é o ato formal que confirma uma qualificação técnica que atribui à coisa à realização de um interesse público que antes não exercia762 não apenas significa considerar a afetação como o que qualifica a coisa como pública mas ignorar os próprios limites conformativos do direito Há coisas que mesmo não tombadas já integram o patrimônio histórico e cultural e considerar que o bem só será objeto da qualificação e proteção decorrente mediante um ato de afetação estatal seria admitir por exemplo que os b não descobertos poderiam ser destruídos pelo particular enquanto não fossem tombados pelo Estado Inevitável que determinados bens integram o patrimônio histórico e artístico nacional ainda que não tenham sido formalmente tombados pelo ente público tendo tal procedimento 759 SILVA Carlos Medeiro Parecer Patrimônio Artístico e Histórico Nacional Tombamento Desapropriação Concessão de lavra Ato administrativo Revogação Revista de Direito Administrativo io de Janeiro v 67 1962 Ementa O tombamento compulsório que importe na negação ao restrição total do direito de propriedade não se pode praticar sem a desapropriação com indenização É nulo o tombamento que impossibilita a lavra do minério objeto do ato administrativo válido e eficaz criador de direitos individuais irrevogável por motivo de conveniência reconhecida posteriormente 760 FIGUEIREDO Lúcia Valle Curso de Direito Administrativo São Paulo Malheiros 1995 p 200 761 BRASIL DecretoLei nº 25 de 30 de Novembro de 1937 Art 19 3º 762 CRETELLA JUNIOR José Regime Jurídico do Tombamento p 54 214 214 apenas uma natureza declaratória de uma qualidade já existente sob o bem ou de uma situação jurídica já constituída em momento anterior763 Desse modo o Estado não pode ter a livre disposição de reconhecida a qualificação do bem como integrante do patrimônio histórico e cultural pelo órgão técnico por conveniência ou oportunidade decidir não tombálo764 se não aplicar outro instrumento protetivo pois isto significaria admitir que há uma função social mas que não será tutelada pelo Estado A omissão estatal na reparação da coisa tombada não pode significar um ato de disposição da função social que era exercida pela coisa pois o Estado enquanto ente moral constituído como gestor de interesses e bens públicos se sujeita não apenas ao dever de prossecução mas igualmente de indisponibilidade dos interesses e bens público A Constituição Federal não apenas atribuí competências mas impõe deveres a todos os entes federados no que tange à proteção dos bens culturais na medida de seus interesses locais regionais e nacionais de forma que não se podem subtrair a legítima proteção das referidas coisas através dos seus poderes como por exemplo de polícia765 Por efeito tal qual na decisão da impugnação realizada pelo titular da coisa no tombamento compulsório766 a desqualificação na hipótese parece decorrer não de um arbítrio estatal mas do reconhecimento que a coisa não exerce a função social seja porque nunca o fez o primeiro caso ou porque deixou de ter Dessa feita ao apresentar a impugnação o órgão técnico pode aduzir que a coisa não possui os elementos que denotem um excepcional valor histórico arqueológico ou etnográfico bibliográfico ou artístico ou o Estado a ser convocado ao cumprimento do dever de conservação da coisa que a mesma não exerce mais Note porém que não significa que o Estado ou o seu titular privado possam se eximir do dever de conservação que é imposto pela lei em razão da função social que assume a coisa de modo que permanecendo ligada ao patrimônio histórico e cultural nacional deve reparála ainda que o sujeito privado tenha conduzido a perda da conservação para descaracterizála Há uma responsabilidade do poder público de reparação da coisa tombada seja o dano causado ou não pelo titular de forma que não pode se recusar a proceder à reparação a obra 763 SOUZA FILHO Carlos Frederico Marés de Bens culturais e proteção jurídica Porto Alegre Unidade Editorial 1997 p 6365 764 SILVA José Afonso da Direito urbanístico Op cit p 491 765 RABELO Sonia O Estado na preservação dos bens culturais Op cit p 89 766 BRASIL DecretoLei nº 25 de 30 de Novembro de 1937 Art 9 item 3 215 215 ou serviço já que igualmente sujeito ao dever de conservação daquele bem exceto se demonstrada que não há necessidade767 Caso fosse contrário poderseia aduzir então que o titular privado da coisa qualificada como pública poderia se eximir das obrigações impostas para a proteção da função social mediante o abandono ou perecimento da coisa bem como a turbação de sua destinação à necessidade coletiva Pode igualmente implicar no reconhecimento que a preservação da referida função social a conservação do patrimônio histórico e cultural brasileiro demanda outros instrumentos adequados à natureza da coisa768 sem que possa se eximir o Estado mesmo sem titularidade sob as referidas coisas não adotar outras medidas protetivas769 Tal questão assume especial relevo também no que tange aos bens públicos naturais em especial por exemplo as florestas pois embora se situem em propriedade privada e possam estar sob o comando um sujeito privado não perdem a sua natureza visto que ela é qualificada não pela titularidade mas pela função social que naturalmente exerce Durante um longo período as florestas protegidas sob gestão do Estado criadas em terras do domínio público ou em áreas por ele adquiridas principalmente sob a forma de parques Nacionais foram o centro da política de conservação mundial porém há uma tendência na conservação da natureza nos domínios privados770 Tal interesse decorre porque grande parte das terras e recursos naturais dos quais a biota é dependente concentramse sob a titularidade de entes particulares não existindo terras publicas em quantidade suficiente para proteger significativamente recursos espécies e biomas e atingir as metas de conservação da biodiversidade almejadas 771 Por efeito inegável que a Constituição Federal ao declarar que o meio ambiente ecologicamente equilibrado corresponde a bem público772 significa abranger não apenas as 767 MACHADO Paulo Affonso Leme Direito Ambiental Brasileiro São Paulo Malheiros 2004 p 898 768 RABELO Sonia O Estado na preservação dos bens culturais Op cit p 113 769 MUKAI Toshio A Degradação do patrimônio histórico e cultural Revista de Direito Administrativo Rio de Janeiro n 234 outdez 2003 p 39 770 MARQUES Emilena Muzolon RANIERI Victor Eduardo Lima Determinantes da decisão de manter áreas protegidas em terras privadas Revista Ambiente Sociedade São Paulo v 15 n 1 p 131 janabr 2012 771 Emilena Muzolon RANIERI Victor Eduardo Lima Determinantes da decisão de manter áreas protegidas em terras privadas Op cit p 131 772 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 225 Art 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida impondose ao Poder Público e à coletividade o dever de defendêlo e preservá lo para as presentes e futuras gerações 216 216 coisas naturais que foram atribuídas pela lei fundamental na partilha de competências mas igualmente aqueles que sejam indispensáveis ao meio ambiente atribuídos pela lei773 Nesse sentido o Código Florestal ao afirmar que as florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação nativa são bens de interesse comum a todos os habitantes do país774 ou seja possuem uma qualificação pública que ultrapassa o domínio exclusivo de qualquer ente público Igualmente não se limita à noção de domínio privado caso estejam as florestas localizadas em propriedade particular ao reconhecer não apenas uma utilidade das terras ao qual elas se situe ao qual se exercerá o direito de propriedade com as limitações impostas pela ordem jurídicopositiva775 Resta claro que a própria lei ao determinar o seu objeto de regulação adota um critério funcional ao buscar a proteção das florestas independente da sua titularidade pública ou privada tanto que determina a aplicação das suas obrigações ainda que haja qualquer tipo de sucessão ou aquisição776 Nesse sentido o Código Florestal estipula uma série de obrigações que decorrem de um dever geral de conservação das florestas como a vedação ao uso de fogo777 ou que a exploração em terras públicas ou privadas demanda um plano de manejo florestal sustentável e um licenciamento do órgão778 Tais medidas de caráter obrigatório impostas pela lei aos titulares privados encontram certa resistência tendo em vista que resultarão em limitações ao uso de recursos naturais além de determinar custos econômicos da proteção que irão afetar diretamente os seus interesses privados779 773 PEREIRA José Edgard Penna Amorim Perfis Constitucionais das Terras Devolutas Belo Horizonte Del Rey 2003 p 174 e 224 774 BRASIL Lei Federal n 12651 de 25 de Maio de 2012 Art 2 As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação nativa reconhecidas de utilidade às terras que revestem são bens de interesse comum a todos os habitantes do País exercendose os direitos de propriedade com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem 775 Lei Federal n 12651 de 25 de Maio de 2012 Art 2 As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação nativa reconhecidas de utilidade às terras que revestem são bens de interesse comum a todos os habitantes do País exercendose os direitos de propriedade com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem 776 Lei Federal n 12651 de 25 de Maio de 2012 Art 2 2 As obrigações previstas nesta Lei têm natureza real e são transmitidas ao sucessor de qualquer natureza no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural 777 Lei Federal n 12651 de 25 de Maio de 2012 Art 38 778 Lei Federal n 12651 de 25 de Maio de 2012 Art 31 779 MARQUES Emilena Muzolon RANIERI Victor Eduardo Lima Determinantes da decisão de manter áreas protegidas em terras privadas Op cit p 132 217 217 Nesse passo há um ponto de contato entre a questão do tombamento e da florestas sob a titularidade privadas pois embora assumam uma função social isto não exclui que tanto à coisa quanto a terra seja dada igualmente uma destinação privada pelos respectivos sujeitos que se traduza em uma exploração economicamente apreciável Sob tal viés há de se admitir não pode ser atribuído o dever de proteção da função social exercida pela coisa apenas ao seu titular mesmo porque seria ignorar que a ordem jurídica prevê a criação de entes e órgãos destinados à tutela e promoção dos interesses e bens da coletividade que não podem se imiscuir de tal dever constitucional780 Desta feita tais deveres incidirão não apenas para o sujeito público ou privado das respectivas terras onde estejam situadas as florestas pois seria ignorar o papel de assumido pelo Estado que mesmo não estando sob a titularidade dos bens públicos terá o dever de proteger a função social perseguida pelas referidas coisas Nesse viés a Constituição Federal determina uma competência administrativa comum para os entes federativos no que tange a preservação das florestas faunas e flora781 sem especificar que tais coisas devam estar sob as suas titularidades ou de algum sujeito público o que amplia o dever de proteção para as florestas sob o domínio de pessoas privadas Isso também parece consagrado pelo Código Florestal ao determinar o compromisso do Estado Brasileiro com a preservação não apenas das florestas mas dos outros bens naturais vegetação nativa biodiversidade solo recursos hídricos e sistema climático de forma a proteger e perpetuar sua função social o bem estar das gerações presentes e futuras782 Porém é insuficiente delimitar que o papel dos entes federados ocorrerá através tipicamente de funções de regulação como a formulação de políticas públicas783 fomento à pesquisa científica e tecnológica784 incentivos econômicos785 ou o exercício do poder de polícia normativo ou administrativo786 Embora possa se supor adequado que cabe apenas a regulação quando o ente estatal não estiver sob a titularidade da floresta há de se admitir que em determinados casos apenas a sua regulação das coisas sob a sujeição de ente privados não será suficiente para proteger a função social assumida 780 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 127 O Ministério Público é instituição permanente essencial à função jurisdicional do Estado incumbindolhe a defesa da ordem jurídica do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis 781 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 23 VII 782 Lei Federal n 12651 de 25 de Maio de 2012 Art 1A Parágrafo Único Inciso I 783 Lei Federal n 12651 de 25 de Maio de 2012 Art 1A Parágrafo Único Inciso IV 784 Lei Federal n 12651 de 25 de Maio de 2012 Art 1A Parágrafo Único Inciso V 785 Lei Federal n 12651 de 25 de Maio de 2012 Art 1A Parágrafo Único Inciso VI 786 Lei Federal n 12651 de 25 de Maio de 2012 Art 1A Parágrafo Único Inciso III 218 218 Considere por exemplo as chamadas áreas de preservação permanente que são as áreas cobertas com florestas ou outras formas de vegetação destinada ao cumprimento de determinadas funções sociais qualificadas por lei que são declaradas de interesse social por ato do Chefe do Poder Executivo787 Compete ao titular seja pessoa física ou jurídica de direito público ou de direito privado a qualquer título de intervenção como propriedade posse ou ocupação o dever de manter a vegetação na área de preservação permanente incluindo a sua recomposição em caso de supressão788 bem como de garantir o acesso de pessoas e animais789 Porém não determina se caberá ao Estado em caso de descumprimento dos referidos deveres substituir o respectivo titular prevendo expressamente somente a atuação pública em caso de atividades de segurança nacional e obras de interesse da defesa civil destinadas à prevenção e mitigação de acidentes em áreas urbanas790 Inevitável que podese extrair como uma obrigação implícita decorrente da própria partilha constitucional de competências que ao fazer como uma atribuição comum aos entes federados o dever de preservação das florestas impõe necessariamente a aplicação das medidas relativas à sua tutela todavia a falta de delimitação de quais seriam impõe o debate Se o sujeito que estiver sob a titularidade da respectiva coisa não exercer os deveres ou obrigações decorrentes da relação jurídica há de se admitir que não basta a aplicação de uma sanção em caso de descumprimento porque isto não só importaria em uma disposição pelo sujeito da função social como não restituiria o seu cumprimento Por efeito o reconhecimento que cabe o exercício da fiscalização e aplicação da sanção pelo EstadoAdministração em caso de desmatamento de florestas ou matas nativas ainda que localizados em terras privadas791 corresponde antes ao reconhecimento de uma manifestação do deverpoder de polícia 787 BRASIL Lei Federal n 12651 de 25 de Maio de 2012 Art 6 Consideramse ainda de preservação permanente quando declaradas de interesse social por ato do Chefe do Poder Executivo as áreas cobertas com florestas ou outras formas de vegetação destinadas a uma ou mais das seguintes finalidades I conter a erosão do solo e mitigar riscos de enchentes e deslizamentos de terra e de rocha II proteger as restingas ou veredasIII proteger várzeas IV abrigar exemplares da fauna ou da flora ameaçados de extinção V proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico cultural ou histórico VI formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias VII assegurar condições de bemestar público VIII auxiliar a defesa do território nacional a critério das autoridades militares IX proteger áreas úmidas especialmente as de importância internacional IX proteger áreas úmidas especialmente as de importância internacional 788 Lei Federal n 12651 de 25 de Maio de 2012 Art 7 caput e 1 789 Lei Federal n 12651 de 25 de Maio de 2012 Art 9 790 Lei Federal n 12651 de 25 de Maio de 2012 Art 9 3 791 Superior Tribunal de Justiça Recurso Especial nº 1560916 Rel Min Francisco Falcão DJe 09122016 219 219 De nada adiantaria reconhecer que a função social é o elemento que define não apenas os domínios entre o público e o privado bem como deflagra o seu regime jurídico especial e impõem obrigações ou deveres ao seu titular se o mesmo poderia se eximir de proteção essa função social mediante a aplicação e cumprimento de uma sanção Ao revés há de se aduzir que a par da responsabilização administrativa civil ou penal do titular da coisa que descumpre as obrigações impostas com fins de tutela e promoção da função pública caberá ao Estado enquanto gestor dos interesses da coletividade assumir mais do que um papel de regulador da respectiva coisa Nesse sentido compete ao Ente Público portanto exercer as obrigações relativas que garantam a tutela e a promoção da função social desenvolvida pela referida coisa sem que isto signifique que assumirá a sua titularidade imediata visto que a coisa ainda poderá permanecer sob a sujeição privada Observase uma crescente tendência de que a titularidade das coisas ambientais se desloquem do sujeito público para o privado com a redução da instituição de áreas protegidas estatais e atribuição da sujeição bem como os encargos de conservação para os próprios sujeitos particulares792 Isso pode ocorrer através da imposição de limitações administrativas gerais mas igualmente mediante a utilização de instrumentos especiais presentes na própria legislação administrativa a par da instituição das áreas de preservação permanente já tratadas793 a criação de reservas legais794 unidades de conservação795 e outras Do mesmo modo há de se reconhecer que a impossibilidade do sujeito privado em proteger a função social assumida pela coisa parece que resultará em uma gradação maior na atração do dever de tutela e promoção do Estadogestor de forma a ocorrer a substituição da sua titularidade Nesses casos a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal tende a garantir uma plena indenizabilidade para o titular das respectivas florestas que recobrem 792 MORSELLO Carla Áreas protegidas públicas e privadas São Paulo FAPESP 2001 p 61 793 BRASIL Lei Federal nº 12651 de 25 de Maio de 2012 Art 4 Considerase Área de Preservação Permanente em zonas rurais ou urbanas para os efeitos desta Lei 794 Lei Federal nº 12651 de 25 de Maio de 2012 Art 12 Todo imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa a título de Reserva Legal sem prejuízo da aplicação das normas sobre as Áreas de Preservação Permanente observados os seguintes percentuais mínimos em relação à área do imóvel excetuados os casos previstos no art 68 desta Lei 795 Lei Federal nº 9985 de 18 de Julho de 2000 Art 2 Para os fins previstos nesta Lei entendese por I unidade de conservação espaço territorial e seus recursos ambientais incluindo as águas jurisdicionais com características naturais relevantes legalmente instituído pelo Poder Público com objetivos de conservação e limites definidos sob regime especial de administração ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção 220 220 áreas dominiais privadas que sejam sujeitas às restrições administrativas ou objeto de apossamento estatal796 Não pretendese discutir as repercussões econômicas da perda da titularidade sob as coisas que assumem uma função social embora pareça clara que se integral ou onerosamente destinadas à tal finalidade coletiva com a incapacidade de seu titular deve ser reconhecida a desapropriação com sujeição ao Estado e atribuição da indenização respectiva O que resta confirmado é que há coisas sob uma titularidade privada exercem uma função social como os bens tombados e as florestas ao qual em razão de tal finalidade é atribuída uma qualificação pública com a aplicação de um regime jurídico especial com normas que garantam tal atribuição Do mesmo modo da formação de tal relação jurídica com a coletividade surge para o seu titular um complexo de deveres que permitam garantir a perpetuação dessa finalidade no caso a concretização da função social como por exemplo a obrigação de conservação tanto dos bens tombados quanto das florestas sob a titularidade privada Sob tal viés fixado que as obrigações impostas ao titular da coisa qualificada como pública em razão da função social originam um dever de funcionalização é necessário que se estenda ao Estado enquanto o gestor dos interesses e bens da sociedade evitando que a função social seja perdida por descumprimento do respectivo sujeito Neste sentido a superação do papel do Estado que exerce poderes soberanos como um senhor sob os bens públicos para o ente jurídico ao qual são atribuídas as competências e os deveres que garantam a função social parece impor mais que uma atividade de regulação sob tais bens mas do exercício de uma gestão sob as coisas Isso não implica o retorno à uma centralidade na figura Estatal pois admitir que enquanto ente moral criado para persecução dos interesses e dos bens da coletividade haverá um dever de promovelos sob qualquer titularidade não significar negar que o dever de funcionalização pode ser realizado por outro sujeito Por efeito tornase primordial dar contornos nítidos ao dever de funcionalização para as coisas qualificadas como pública de forma a definir não apenas a sua obrigação pelos seus titulares mas a possibilidade de sua destinação ser atribuída por outros sujeitos bem como as respectivas consequências em caso de sua não realização O tema será tratado a seguir 796 BRASIL Supremo Tribunal Federal RE 290950 AgR Relator Min Dias Toffoli 1ª Turma J 041114 221 221 CAPÍTULO 4 O DEVER DE FUNCIONALIZAÇÃO DOS BENS PÚBLICOS 41 Da delimitação de um critério material e não exclusivo de funcionalização dos bens públicos do aménagement especial do Estado à multiplicidade de relações jurídicas tendo por objeto a coisa pública Como visto a recondução da teoria dos bens públicos a um elemento ou categoria central teleológico ou finalístico implica em uma alteração no que tange não somente as fronteiras do domínio público ou a incidência de sua disciplina jurídica especial mas em igual medida na delimitação do seu titular e dos seus deveres decorrentes Assumida a gradação da função social entre a mera adequação ou a concretização das necessidades coletivas como o critério que define a preponderância na qualificação privada ou pública do bem jurídico atua na aplicação graduada das normas do regime jurídico público e privada e portanto dos deveres assumidos pelos seus sujeitos Por efeito a formação do nexo entre o sujeito e a coletividade que tem por objeto uma coisa que realiza uma função social produz um complexo de obrigações que se liga a garantia de atendimento àquela finalidade da relação jurídica a saber a garantia do atendimento das necessidades coletivas Tornase necessário inquirir como será realizado este dever de funcionalização dos bens públicos de modo a fixar se dependerá necessariamente de um ato formal de adequação usualmente designado de afetação e se uma vez destinado à realização de determinada necessidade coletiva excluirá a promoção de outra função social por outro sujeito Novamente há de se proceder a uma delimitação já que não se pretende inquirir o tema da função social dos bens797 mas a formulação de um critério que permita delimitar o dever de funcionalização exercido pelas coisas qualificadas como públicas de forma a confrontar as hipóteses aqui propostas nesta tese Neste viés é possível sustentar que a par de uma feição tipicamente patrimonialista do domínio público adotada de forma quase generalizada pela literatura jurídica até mesmo entre 797 Sobre o tema vide dentre outros FACHIN Luiz Edson A funcao social da posse e a propriedade contemporânea Porto Alegre Sergio Fabris 1988 TORRES Marcos Alcino de Azevedo A propriedade e a posse um confronto em torno da função social Rio de Janeiro Lumen Juris 2007 MARQUES NETO 222 222 seus adeptos observase uma assimilação da teoria funcionalista na medida em que tentam ligar a noção de bens públicos ao atendimento aos interesses públicos O Conselho de Estado Francês com a criação da noção de aménagement busca determinar diferentes formas de delimitar a afetação da coisa à finalidade pública como a realização de instalações materiais sobre o bem público798 a situação geográfica da coisa799 ou a combinação de ambos os critérios800 Assim a par do requisito proposto pela literatura jurídica para designação do bem como parte do domínio público determina a jurisprudência francesa além da afetação a uma finalidade coletiva uma demonstração da adequação da coisa em nível material ao serviço público ao qual se destina Inegável que a subjetividade deste conceito e a variedade de interpretações dadas pelo Conselho de Estado para o que seja esse aménagement ou afetação especial permite um amplo campo de manejo para a qualificação de um bem jurídico como integrante do domínio público ou eventualmente a sua própria exclusão801 Ademais embora tal requisito possa se amoldar ao que tange a determinados bens como por exemplo os prédios não parece se adequar a determinadas coisas como as montanhas e mares cuja própria natureza parece determinar a sua destinação à finalidade coletiva dispensando um ato de afetação ou de adequação especial Neste sentido parece haver uma imbricação entre bens de uso comum do povo e bens públicos naturais de forma que embora não seja possível definir de forma extensiva todas as coisas destinadas ao uso coletividade uma vez que abrange das praças ao ar é inegável que as coisas naturais como rios mares montanhas integrem o seu objeto802 Tais coisas independem de um ato formal de afetação para integrar ao domínio público já que estão colocadas por sua natureza a serviço da coletividade de modo que mesmo os adeptos que sustentam a necessidade da sua previsão legal reconhecem que sob tais bens há antes uma declaração do que uma constituição de sua natureza pública803 Como já visto tornase insustentável o critério de afetação como elemento para a delimitação dos bens públicos já que para determinadas coisas em razão de sua substância Floriano Peixoto de Azevedo Bens públicos função social e exploração econômica o regime jurídico das utilidades públicas Belo Horizonte Fórum 2009 798 FRANÇA Conselho de Estado Arret La Ville de Toulouse de 13 de Julho de 1961 799 FRANÇA Conselho de Estado Arret Sté Lyonnaise de Transports de 05 de Fevereiro de 1965 800 FRANÇA Conselho de Estado Arret Sté Le Beton de 19 de Outubro de 1956 801 SAGUER Marta Franch Imbricacion del domínio publico Op cit p 435 802 FORSTHOFF Ernst Traité de Droit Administratif Allemand Op cit p 561 803 MARTORELL Aurelio Guaita Derecho Administrativo Aguas Montes Minas Madrid Civitas 1986 p 23 223 223 decorre uma especialidade que faz operar uma destinação ligandoas a satisfação de determinado interesse ou necessidade coletiva804 Seria incongruente supor que determinadas coisas como o ar ou os mares apenas assumem um caráter público e exercem uma função pública na medida em que sejam objeto de uma afetação formal por ato administrativo ou legislativo ignorando que antes e independente da própria existência do Estado se ligam às necessidades coletivas e até mesmo humanas Poderia então supor que não é a função social em si no que tange a sua graduação em um papel de concretização mas ao ato de adequação que determinará não apenas a qualificação do bem como público porém a sua concretização ou não deste dever de funcionalização Ainda que se considere a adequação há de se elocubrar que esta deve ser tida como a vinculação propriamente dita à função social que determina a natureza pública e não a um ato formal de afetação ou específico de classement que deflagrará o domínio público e a incidência do regime jurídico especial protetivo de tal finalidade pública805 Considere a questão das coisas naturais cuja lei civil determina em rol exemplificativo que são tidos como bens públicos806 porém sem especificar o critério de sua delimitação reduzindo a literatura jurídica a antiga e generalizada assertiva que os bens de uso comum do povo são aqueles cuja utilização ocorre sem discriminação de usuários ou ordem especial807 Centrase a delimitação da qualificação das referidas coisas naturais como públicas a partir de um critério do uso como se a sua ligação à função social decorresse da medida em que tais coisas estivessem disponíveis a utilização pelos indivíduos quando o atendimento das necessidades coletivas e humanas podem sequer envolver um acesso pleno Parece ligar a uma concepção liberal que a literatura jurídica estrangeira pretende resolver a questão sustentando que o acesso aos bens naturais decorre não da ligação da sua natureza propriamente dita ao uso mas que o direito de participar dos bens da coletividade inclusive em posse de terceiros decorre do fato de tais bens serem escassos808 Por efeito tratandose de coisas sujeitas a um regime jurídico de direito público não poderia o uso ter como fundamento o exercício de uma liberdade individual já que relações 804 BLANCO Alejandro Vergara Teoria del domínio publico Op cit p 158 805 SAGUER Marta Franch Imbricacion del domínio publico Op cit p 435 806 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 99 São bens públicos I os de uso comum do povo tais como rios mares estradas ruas e praças DOU Brasília DF 11012002 p1 807 MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 30 ed São Paulo Malheiros 1993 p 505 808 ESPINOZA Alexander Bienes naturales públicos como límite del ámbito de protección Instituto de Estudos Constitucionais 2008 p 1 224 224 jurídicas de participação só ocorrem quando a lei determina faculdades exclusivas de um titular sob os demais o que não advém por exemplo com o ar ou com os mares809 Todavia com a noção de escassez aproximase a temática dos bens públicos de uma perspectiva econômica associandoa aos elementos de produção terra trabalho e capital e considerando que a exploração dos recursos naturais pode resultar em danos em razão do seu possível efeito de esgotamento e da sua não renovabilidade Associase portanto a noção de uso com de prejuízo inclusive considerando que sendo os bens naturais espécies de bens públicos que resulta na inviabilidade de exclusão de determinados usuários da sua fruição o acesso por toda sociedade acaba resultando o dever de suportar os prejuízos decorrentes como esgotamentos ou danos810 Claro que tal entendimento ignora os efeitos produzidos na ordem econômica tendo em vista limitações que ocasionaria à exploração econômica da coisa pública bem como o menor grau de proteção dos referidos bens que resultaria já que não abrangeriam aquelas coisas naturais que não possuam certo grau de escassez 811 De qualquer forma a utilização das coisas públicas pelo indivíduo corresponde antes à forma de acesso do indivíduo aos referidos bens do que propriamente o exercício da sua função social ou da sua destinação das necessidades coletivas e portanto critério que determinará a qualificação da coisa como pública em si812 Tomese por exemplo novamente as áreas de preservação permanente que exercem uma destinação pública independente do uso imediato pela coletividade em razão do papel ambiental desempenhado na garantia dos recursos hídricos da estabilidade geológica da biodiversidade e da flora e fauna813 Embora regule o Código Ambiental a sua utilização pelas pessoas jurídicas de direito público e de direito privado814 note que igualmente exerce uma destinação pública por auxiliar na promoção do equilíbrio ambiental necessário ao bem estar da coletividade independente do acesso pelos indivíduos inclusive demandando até mesmo sua restrição 815 809 ESPINOZA Alexander Bienes naturale Op cit p 2 810 ESPINOZA Alexander Bienes naturale Op cit p 8 811 ESPINOZA Alexander Bienes naturale Op cit p 2 812 ESPINOZA Alexander Bienes naturale Op cit p 3 813 RIBEIRO Glaucus Vinicius Biasetto A origem histórica do conceito de Área de Preservação Permanente no Brasil Revista Thema n 8 2011 p3 814 BRASIL Lei Federal nº 12651 de 25 de Maio de 2012 Art 7º A vegetação situada em Área de Preservação Permanente deverá ser mantida pelo proprietário da área possuidor ou ocupante a qualquer título pessoa física ou jurídica de direito público ou privado 1o Tendo ocorrido supressão de vegetação situada em Área de Preservação Permanente o proprietário da área possuidor ou ocupante a qualquer título é obrigado a promover a recomposição da vegetação ressalvados os usos autorizados previstos nesta Lei 815 RIBEIRO Glaucus Vinicius Biasetto A origem Op cit p 23 225 225 Não significa aduzir que o critério será a escassez dos recursos naturais pois ainda que a coisa não esteja escassa ela pode se ligar a uma necessidade coletiva como por exemplo a qualificação das florestas como bens públicos não em razão de sua perda mas da forma como sempre foram necessárias para o equilíbrio do ecossistema e bemestar humano Por efeito determinados bens públicos como alguns bens naturais irão exercer a sua função social independente de um ato de afetação formal geral legislativo ou administrativo ou especial ao serviço público ou acesso ao uso público visto que a sua própria natureza o faz se ligar a uma necessidade coletiva Isto não é recusar que determinadas coisas demandarão para o exercício de sua função social um ato de afetação por um sujeito que o liguem a uma necessidade coletiva como por exemplo um prédio já que a sua substância não o coloca para atendimento imediato à concretização a uma função social Porém não se pode admitir que apenas a sua qualificação formal dote de um caráter público816 e portanto de uma função social pois é ignorar que mesmo com a ausência de manifestação volitiva determinadas coisas atenderão necessidades coletivas e supor que o Estado seja capaz de regular e ordenar toda a realidade social em sua complexidade atual Entretanto podese considerar válida a construção do aménagement especial enquanto o ato volitivo que não apenas destina mas igualmente adeque a coisa à finalidade pública na medida em que reconheça que ele será cabível apenas para aqueles bens que já não estejam ligados à realização de necessidade coletiva Já que o elemento central que determina a funcionalização da coisa ao atendimento à finalidade pública não é o ato formal de afetação que pode sequer existir no primeiro caso ou ser apenas um precedente no segundo mas a própria medida que a coisa esteja ligada a exercício da sua função social Se considerássemos que é o ato de afetação formal ou especial aménagement que dotasse a coisa de uma necessidade coletiva haveria de se admitir que uma vez afetada ou destinada uma coisa a uma função social para o atendimento de outra demandaria uma prévia desafetação que a excluísse daquela finalidade pública antes perquirida Neste sentido considere novamente a questão dos bens de uso comum se firmado que é a utilização que atribuí a sua qualificação como pública ligando a uma necessidade coletiva 816 ESPANHA Constituição da Espanha de 27 de Dezembro de 1978 Art 132 2 Son bienes de dominio público estatal los que determine la ley y en todo caso la zona marítimoterrestre las playas el mar territorial y los recursos naturales de la zona económica y la plataforma continental 226 226 isto significaria considerar uma impossibilidade de sua restrição de acesso à coletividade e a exploração econômica individual já que ambas descaracterizariam àquela função pública Se por um lado parece claro que a destinação da coisa não pode significar um interdito completo ao exercício de autonomia individual isto não significa garantir um espaço amplo de autonomia individual no que tange aos bens públicos uma vez que seria capaz de turbar a utilização pelos indivíduos ou finalidade pública ao qual se destinam 817 Não se deve fazer uma interpretação literal da expressão uso comum já que não é o elemento essencial das coisas públicas mas admitir que embora veicule o direito de utilização não há nenhum impedimento para que haja temporariamente o impedimento de uso ou que ocorra a atribuição para algum sujeito particular818 Haverá uma restrição à liberdade de acesso aos indivíduos para tais bens públicos quando necessária seja pelo Estado ou qualquer sujeito titular a adoção de medidas que se demonstrem indispensável a guarda e proteção da coisa de forma a garantir o cumprimento da sua finalidade pública819 Decorre inclusive do próprio dever do seu titular de garantir não apenas a proteção dos direitos fundamentais mas da sua adequação com outros bens e valores constitucionais que irão demandar uma solução que pode resultar em uma restrição ao acesso pleno pelos indivíduos aos bens públicos de uso comum820 Assim haverá a garantia do uso pela coletividade mas sem que haja impedimento para restrições ao seu acesso como a imposição de contraprestação pelos poderes públicos821 bem como situações onde o interesse público e a proteção de outros valores constitucionais podem resultar em restrição excepcional822 Isto porque a questão do uso dos bens públicos envolve um elemento essencial a sua própria concepção que corresponde à graduação da sua participação no interesse público ao qual ela esteja afetada823 o que no caso dos bens públicos naturais parece assumir uma proporção mais intensa 817 ESPINOZA Alexander Bienes naturale Op cit p 3 818 MAYER Otto Le droit administratif allemand Op cit p 125 819 ALFONSO Luciano Parejo Domínio Público Op cit p 38 820 MARQUES NETO Floriano de Azevedo A possibilidade de restrição de acesso a bens públicos Op cit p 277 821BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 103 O uso comum dos bens públicos pode ser gratuito ou retribuído conforme for estabelecido legalmente pela entidade a cuja administração pertencerem 822 MARQUES NETO Floriano de Azevedo A possibilidade de restrição de acesso a bens públicos de uso comum por questões ambientais e urbanísticas Revista de Direito Administrativo Fundação Getúlio Vargas v 235 2004 p 277278 823 MAYER Otto Le droit administratif allemand Op cit p 127 227 227 A questão pode ser analisada através de um julgamento do Tribunal Constitucional Federal Alemão824 que analisava o uso de águas subterrâneas por um proprietário para extração de carvalho cuja celeuma decorre do modo de forma próxima ao nosso ordenamento jurídico é destacada do direito de propriedade825 já que corresponde à bem público Neste sentido há de se admitir que a disposições do Código de Água acerca da exploração das fontes corresponde a uma limitação ao direito de liberdade826 e portanto o acesso do proprietário às águas subterrâneas no que tange a sua utilização e consumo de forma a preservar a sua afetação à finalidade pública a saber o oferecimento de água a todos Poderia se sustentar que tais recursos naturais águas subterrâneas sejam necessários para que realizasse o uso de sua propriedade na exploração de cascalho e portanto tal restrição conduziria a não proteção da sua propriedade enquanto necessário para exercício da sua autonomia e liberdade privada827 Igualmente que enquanto os bens de uso comum do povo admitem uma utilização individual a própria legislação permite o seu acesso desde que não turbe o acesso à coletividade pois estaria dentro do direito público subjetivo do cidadão o uso do referido bem público Neste sentido vale a advertência que no tratamento dos bens públicos naturais há utilização de variadas designações que resultam na aplicação de diferentes tipos de racionalidade no que se refere ao tema e portanto traduzse em signos ideológicos com valorações distintas828 Assim alguns adotam uma noção instrumental dos referidos bens públicos como recursos naturais que se sujeitam à exploração por sujeitos privados no âmbito de sua autonomia individual o que conduz a uma apropriação dos bens naturais que passam a ser propriedade privada em um fenômeno designado como clôture des terres communales Não se trata de evento recente no que tange aos bens naturais se ligando ao próprio processo de regulação pelo Estado do direito de propriedade privada ainda dos séculos XV e 824 ALEMANHA Tribunal Constitucional Federal BVerfGE 39 15 de julho de 1981 825 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1230 A propriedade do solo não abrange as jazidas minas e demais recursos minerais os potenciais de energia hidráulica os monumentos arqueológicos e outros bens referidos por leis especiais 826 BRASIL Decreto Federal nº 24643 de 10 de Julho de 1934 Art 96 O dono de qualquer terreno poderá apropriarse por meio de poços galerias etc das águas que existam debaixo da superfície de seu prédio contanto que não prejudique aproveitamentos existentes nem derive ou desvie de seu curso natural águas públicas dominicais públicas de uso comum ou particulares Parágrafo único Se o aproveitamento das águas subterrâneas de que trata este artigo prejudicar ou diminuir as águas públicas dominicais ou públicas de uso comum ou particulares a administração competente poderá suspender as ditas obras e aproveitamentos 827 ESPINOZA Alexander Bienes naturale Op cit p 8 228 228 XVI vem envolvendo na atualidade a controvérsia do reconhecimento da natureza pública dos bens intelectuais e sua inserção nos campos do domínio público ou a sua exploração privada829 Tal concepção não parece atentar contra uma perspectiva funcionalista dos bens públicos pois a própria literatura jurídica que formulou a concepção francesa moderna de domínio público delimitava que os bens naturais seriam tidos como públicos na medida em que exerçam efetivamente uma destinação ou finalidade coletiva830 Transpondo tal entendimento para o impasse proposto não haveria impedimento para a apropriação privada das águas subterrâneas desde que não atentasse contra uma finalidade coletiva ou outra particular desvio derivação ou prejuízo de águas públicas dominicais públicas de uso comum ou particulares Outros autores partem de uma perspectiva dos bens naturais como as coisas materiais ou imateriais que correspondem a elementos básicos para a própria sobrevivência e convivência humana e por conseguinte se relacionam diretamente a coletividade que pode se identificar com a expressão public commun Sob tal égide o espaço dos bens públicos de uso comum seria ao contrário do mercado um lugar de equidade de acesso aos recursos naturais que demandaria a sua proteção recuperação e ampliação em um contexto de polarizações e conflitos das crises sociais ecológicas e econômicas do modelo de produção adotado831 Tal compreensão igualmente se adéqua a uma perspectiva funcional dos bens públicos e parece demandar que a exploração individual ou aproveitamento econômico não se ligue a interesses privados mas às necessidades coletivas o que se adéqua ao thelos da própria qualificação as referidas coisas Na celeuma em análise parece que a exploração individual geraria um benefício exclusivo para o particular em detrimento da coletividade o que ensejaria o reconhecimento que é o uso anormal da coisa pública exploração privada de cascalho sendo vedado de forma a proteger à finalidade coletiva por ela perseguida fornecimento de água à sociedade Por fim parte da literatura adota uma perspectiva dos referidos bens públicos à luz da solidariedade de forma que os bens naturais são indispensáveis a vida humana e a natureza e 828 IVARS Jorge Daniel Recursos naturales o bienes comunes naturales Algunas reflexiones Centro de Estudios Interdisciplinarios en Etnolingüística y Antropología SocioCultural n 26 Dez 2003 p 92 829 DARDOT Pierre CHRISTIAN Laval Commun Essair sur la revolution au XXI e Siècle Paris La Découverte 2014 830 PARDESUS JeanMarie Traité des Servitudes ou Services Fonciers Op cit p 79 831 HELFRICH Silke Bienes comunes y ciudadanía Una invitación a Compartir in HELFRICH Silke Genes bytes y emisiones bienes comunes y ciudadanía México Fundación Heinrich Böll 2008 p 21 229 229 se ligam não apenas a comunidade enquanto elemento humano estatal mas a própria humanidade o que envolve o termo patrimoine commun de lhumanité Neste sentido não significa negar a soberania estatal mas ao revés compreender o papel do acervo de bens sob a titularidade do ente público como necessário e indispensável ao atendimento ao bem comum sendo portanto objeto de proteção orientado por tal influxo de solidariedade832 Sob tal viés não apenas seria tal exploração privada um atentando contra os interesses coletivos daquele grupo social mas poderia ser inclusive para a própria humanidade na medida em que tal bem público natural águas subterrâneas fosse identificado como ligado à própria existência humana Interessante notar que se o critério da afetação ou aménagement especial demonstrasse suficiente para solver o conflito bastavase inquerir se tais águas subterrâneas estão por um ato formal ou por uma adequação ao serviço público destinado ao fornecimento de água todavia a questão volvese à resolução do conflito independente dessa ação estatal No campo de análise da ciência jurídicoadministrativista onde se dota os bens naturais de um caráter normativo e de uma natureza pública parece que não podem ser tidos como recursos naturais mas são regulados como bens públicos de uso comum cuja utilização de tal expressão é a primeira forma de apropriação pela linguagem833 Neste sentido o reconhecimento que os bens públicos naturais não são apropriáveis seja pelo sujeito privado ou mesmo o ente público não é uma construção moderna mas advêm do próprio direito romano que consagrou a res communis como decorrência do direito natural com o reconhecimento a todos os homens do direito ao ar ao mar aos rios834 Note portanto que o res communes ommnium não se adequa a noção comum de propriedade ou de domínio sendo as coisas que em razão de sua condição natural não são sujeitas à apropriação privada e portanto encontramse fora do comércio jurídico impedindo a sua aquisição por qualquer titular835 Assim como não há uma propriedade do Estado igualmente relembre o apontamento da literatura jurídica que não se trata de uma propriedade coletiva de tais bens públicos onde cada cidadão seja um coproprietário sem que isso negue que tais coisas em razão de sua natureza ou ato jurídico exerçam uma destinação às pessoas coletivamente consideradas836 832 PETRELLA Ricardo El bien común Elogio de la solidaridad Madrid Debate 1997 p 30 833 IVARS Jorge Daniel Recursos naturales o bienes comunes naturales Op cit p 94 834 MADEIRA Eliane Maria Agati Digesto de Justiniano Op cit Livro 1 Título III 835 GARCÍA Garrido M Diccionario de Jurisprudencia Romana Madrid Dykinson 2000 p 301305 836 FORSTHOFF Ernst Traité de Droit Administratif Allemand Op cit p 564 230 230 Neste sentido podese sustentar que sua instrumentalidade não se refere à apropriação ou exploração individual ou pelo Estado mas enquanto em sua integralidade corresponde ao acervo de coisas essenciais para a vida coletiva da humanidade e garantia da diversidade biológica do próprio planeta837 Todavia reconhecida que tais coisas não podem ser apropriadas e exerçam uma função social decorrente da sua própria natureza isto não significa nem a vedação às restrições de acessos individuais mas igualmente não pode supor uma integral impossibilidade da sua exploração Cabe ao Estado o importante papel de controlar os efeitos que o uso irrestrito pela comunidade sem qualquer forma de regulação dos bens públicos de uso comum e da própria autonomia privada podem gerar que alguns consideram como uma tragédia enquanto um evento inevitável838 Como já visto compete ao Estado enquanto gestor dos referidos bens públicos da comunidade garantir o atendimento de suas finalidades públicas bem como o acesso pela coletividade e pelos indivíduos singularmente considerados na medida em que protegem e garantem tal afetação pública Tais deveres jurídicos do Estado na gestão dos bens públicos de uso comum podem não ser expressos já que decorrem da função administrativa e da necessidade de adequação da ação individual ao interesse público como por exemplo a obrigação de assegurar a segurança na circulação em vias públicas inclusive com a responsabilidade decorrente839 Assim pode se sustentar que inicialmente a exploração individual em detrimento dos demais membros da coletividade corresponde a espaço ilegítimo de uso dos bens públicos de uso comum do povo caso vede o acesso aos outros membros sem que traduza na realização de interesses alheios comuns ou importe em benefício aferido pela comunidade Isto porque o exercício individual do direito de uso dos bens públicos de uso comum do povo envolve o que a literatura alemã chama de tolerância mútua que conduz a um espaço limitado para garantia do acesso comum840 e correspondem as restrições fáticas que se sujeitam qualquer direito no seu exercício em relação aos interesses bens e direitos da ordem jurídica Por esta razão tal limitação abrange não apenas o direito de uso do bem comum mas o direito de propriedade como por exemplo dos bens imóveis contíguos à coisa pública tal 837 IVARS Jorge Daniel Recursos naturales o bienes comunes naturales Op cit p 95 838 HARDIN Garret La Tragedie des biens communs Science 162 13 décembre 1968 p 12431248 839 FORSTHOFF Ernst Traité de Droit Administratif Allemand Op cit p 575 231 231 qual nos terrenos marginais841 cujas margens apartada a controvérsia se públicas842 ou privadas843 com servidão844 sujeitamse seu proprietário a permitir o uso por outros cidadãos Neste sentido o Conselho de Estado Francês determinou que tais bens públicos portanto estão sujeitos a um regime de liberdade mas igualmente de legalidade na sua utilização por todos garantindo a manutenção da ordem pública e a própria finalidade coletiva da coisa exteriorizada no uso indiscriminado845 Isto não significa que só há tal forma de utilização dos bens públicos de uso comum do povo ao revés é possível situar além da lusage en commun ou gemeingebranch realizado de forma geral ou indiscriminada por todos tal uso individualizado ou utilisations spéciales porém restrito pelos limites que garantam o atendimento do interesse público846 Também desconsiderar que os bens públicos naturais não possam ser explorados por entes privados847 mediante autorização concessão ou permissão848 o que decorre do próprio modelo econômico adotado pelo Estado Brasileiro que prevê excepcionalmente o exercício da atividade econômica pelos entes públicos849 Não é recente a noção de que os bens públicos de uso comum estejam afetados em razão de sua própria natureza ao interesse da coletividade e portanto a rigor impeçam o uso excludente de um sujeito privado que não possa ser atribuído uma exploração ou destinação individual transitória 840 FORSTHOFF Ernst Traité de Droit Administratif Allemand Op cit p 567 841 FORSTHOFF Ernst Traité de Droit Administratif Allemand Op cit p 582583 842 BRASIL Supremo Tribunal Federal Súmula 479 As margens dos rios navegáveis são de domínio público insuscetíveis de expropriação e por isso mesmo excluídas de indenização 843 Decreto Federal 24643 de 10 de Julho de 1934 Art 31 Pertencem aos Estados os terrenos reservados às margens das correntes e lagos navegáveis se por algum título não forem do domínio federal municipal ou particular 844 MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Op cit p 526 845 FRANÇA Conselho de Estado Arrêt Ville de Marines 26 de Outubro de 1988 846 FORSTHOFF Ernst Traité de Droit Administratif Allemand Op cit p 562 e 569 847 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 176 As jazidas em lavra ou não e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo para efeito de exploração ou aproveitamento e pertencem à União garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra 1º A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o caput deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União no interesse nacional por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País na forma da lei que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas 848 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 21 Compete à União XII explorar diretamente ou mediante autorização concessão ou permissão b os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos 849 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 173 Ressalvados os casos previstos nesta Constituição a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo conforme definidos em lei 232 232 No próprio Direito Romano embora reconhecesse que a res publicae era de titularidade do povo foram utilizadas concessões em variadas modalidades e distinta dos esquemas de direito privado que permitiam aos particulares faculdades de gozo que ampliavam o uso normal das coisas públicas850 Poderseia afirmar a impossibilidade de se sustentar a exploração de bens públicos por particulares em razão dos caracteres que são dotados os bens do domínio público como a imprescritibilidade e inalienabilidade mas seria ignorar que a mudança de titularidade referida não importa em uma apropriação privada Isto porque o uso ou exploração dos referidos bens públicos naturais se liga a realização dos interesses públicos qualificados pela ordem jurídica e portanto sujeita a quem exerça o munus publico seja o próprio Estado ou o particular ao dever de proteção e promoção das necessidades coletivas O próprio Conselho de Estado Francês já se manifestou no sentido que o uso normal decorrente da afetação do bem público não impede uma utilização privada para atividade econômica ou industrial desde que destinada à satisfação direta de interesses coletivos mediante atividade ou serviço público851 Os bens públicos naturais podem ser objeto de relações jurídicas desde que compatíveis com sua natureza e destino852 no caso é permitida a utilização ou exploração privada desde que adequada à função social assumida ou que busque perquirir outra determinada necessidade coletiva Não há impedimento que a par de uma função social assumida pela coisa possa ser destinada ao atendimento de outra finalidade igualmente coletiva vide por exemplo os rios que além de se ligarem as necessidades coletivas de equilíbrio do ecossistema e fornecimento de água podem ser objeto de concessão para a exploração do transporte aquaviário Embora tenham contornos claros do uso dos bens públicos naturais no que tange à exploração econômica para os agentes privados já que são objeto de delegação legal ou negocial pelo Estado por outro lado há uma dificuldade de assimilação pela literatura jurídica da função social dada pela ocupação por indivíduos dos bens públicos Apesar de ser atribuído a cada cidadão um direito público subjetivo ao uso comum dos bens públicos853 todavia não é possível extrair do uso normal o fundamento para o exercício 850 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 16 851 FRANÇA Conselho de Estado Arrêt La Roustane 10 de Maio de 1996 852 BIELSA Rafael Op cit p 160 853 FORSTHOFF Ernst Traité de Droit Administratif Allemand Op cit p 548 233 233 de uma ocupação em especial nos bens naturais em razão de sua inadequação pelas repercussões ambientais urbanísticas civis e administrativas Tratase de celeuma de analise interdisciplinar que pode se relacionar com a questão ambiental de como a ocupação humana irregular agrava os riscos naturais para o tênue equilíbrio do ecossistema854 de forma que com a manutenção das condições subhumanas de habitação não há como se garantir o meio ambiente equilibrado ou a própria moradia digna855 Em outro vértice sob o ponto de vista urbanístico abrange os efeitos da falta de investimento estatal infraestrutura e serviços públicos e da exclusão social em especial no acesso a moradia sob as ocupações irregulares dos bens naturais que resultam na precariedade da moradia e agravam questões urbanas como poluição epidemia e o lixo856 Igualmente ensejam reflexões no campo do próprio direito civil já que o reconhecimento da relação de posse ou de domínio desatende a sua funcionalização imposta pela ordem jurídica857 o que reduz o espaço do domínio amplo da autonomia de vontade e ordena a sua adequação ao cumprimento dos fins sociais e ambientais858 Poderia parecer que situada a análise administrativa acerca do conflito de tais ocupações dos bens naturais o debate estaria encerrado já que a Constituição Federal consagra a imprescritibilidade859 vedando a apropriação privada sobre bens públicos urbanos ou rurais pelo particular que esteja sob sua posse em determinado tempo Porém mesmo se sustentada uma interpretação literal e isolada do tipo constitucional com reconhecimento de uma proibição da aquisição por usucapião não se trata aqui de bens públicos desfuncionalizados bem como não há impeditivo para reconhecer a formação de outra relação jurídica pelo particular Tanto que há previsão normativa do reconhecimento da chamada concessão de uso especial de moradia por sujeito privado que observados os 854 VEYRET Yvette MESCHINET DE RICHEMOND N O risco os riscos In VEYRET Y Org Os riscos o homem como agressor e vítima do meio ambiente São Paulo Contexto 2007 p 63 855 DUARTE Marise Costa de Souza Meio Ambiente e Moradia Curitiba Juruá 2012 p 4647 856 MARICATO Erminia Brasil Cidades Alternativas para a Crise Urbana Petrópolis Vozes 2001 p 163 857 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1229 1º O direito de propriedade deve ser exercitado em consonância com suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados de conformidade com o estabelecido em lei especial a flora a fauna as belezas naturais o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico bem como evitada a poluição do ar e das águas DOU 11012002 p1 858 BORGES Roxana Cardoso Função ambiental da propriedade Revista de Direito Ambiental v 09 p 68 69 859 BRASIL Constituição da República Federativa de 05 de Outubro de 1988 Art 183 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião Art 191 Parágrafo único Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião 234 234 requisitos legais temporais materiais e formais tenha a posse de bem público em área urbana para a moradia própria ou de sua família860 Ademais como visto os caracteres do domínio público dentre os quais a inalienabilidade e imprescritibilidade decorrem não da titularidade do bem mas de sua função social que deflagra um regime jurídico exorbitante capaz de atribuir instrumentos de proteção do cumprimento de suas finalidades coletivas Neste sentido parece claro que tal reconhecimento de uma relação jurídica formada pelo particular tendo por objeto o bem público não poderá ser de um título de propriedade na medida em que tais coisas naturais já atendam outras funções sociais como a preservação do ecossistema e do bem estar humano Sob tal égide não cabe a regularização fundiária de interesse social reconhecer um direito de propriedade861 sobre bens público naturais inclusive àquelas chamadas áreas de preservação permanente cuja destinação à finalidade pública decorre da própria natureza das referidas coisas e portanto nem a lei municipal pode desafetálos para a apropriação862 Desta feita se reconhecido que a ocupação dos bens públicos de uso comum não é capaz de elidir a não apropriação decorrente da própria essência do bem natural ou a inalienabilidade não se ignora que há outra relação jurídica formada pelo indivíduo com a coletividade tendo por objeto a coisa pública e por finalidade uma função social Por um lado é inadequado considerar que os bens públicos são rex extracommercium já que isto implicaria a impossibilidade de formação de atos e negócios jurídicos quando a vedação é somente aquelas que importem em sua disposição e a restrição absoluta a retirada da sua destinação que deve ser permanente enquanto ligada a uma necessidade coletiva Assim é insustentável que possa se extrair uma função social já exercida por um bem qualificado como público para a realização de outra ainda mais no caso em tela onde tais bens naturais áreas de preservação permanente se ligam não apenas às necessidades coletivas mas igualmente humanas 860 BRASIL Medida Provisória 2220 de 4 de Setembro de 2001 com redação dada pela Medida Provisória nº 759 de 2016 Art 1º Aquele que até 22 de dezembro de 2016 possuiu como seu por cinco anos ininterruptamente e sem oposição até duzentos e cinquenta metros quadrados de imóvel público situado em área com características e finalidade urbana e que o utilize para sua moradia ou de sua família tem o direito à concessão de uso especial para fins de moradia em relação ao bem objeto da posse desde que não seja proprietário ou concessionário a qualquer título de outro imóvel urbano ou rural 861 Lei Federal nº 11977 de 7 de Julho de 2009 Art 60 Sem prejuízo dos direitos decorrentes da posse exercida anteriormente o detentor do título de legitimação de posse após 5 cinco anos de seu registro poderá requerer ao oficial de registro de imóveis a conversão desse título em registro de propriedade tendo em vista sua aquisição por usucapião nos termos do art 183 da Constituição Federal 862 Lei Federal nº 11977 de 7 de Julho de 2009 Art 53 A regularização fundiária de interesse social depende da análise e da aprovação pelo Município do projeto de que trata o art 51 235 235 Por outro todavia é incontestável que a ocupação para fins de habitação corresponde ao cumprimento de outra função social igualmente perseguida pela ordem jurídica o direito de moradia ao qual deve ser reconhecida a formação de uma relação jurídica pelos respectivos sujeitos sobre tais terras Entretanto há de se reconhecer que além de determinados bens públicos naturais serem inapropriáveis seja por entes públicos ou privados o reconhecimento da realização de uma função social não se confunde com apropriação da coisa e a título de proteção da moradia digna não se pode atribuir propriedade à coisas que exerçam função para toda coletividade Não pretendese tratar da celeuma em si de qual seria o instrumento de garantia de tal relação jurídica e portanto de outra função social atribuída pelos indivíduos aos bens públicos naturais ao ocupálos para fins de moradia concessão de uso direito de superfície e demais Propugnase demonstrar que a dificuldade na delimitação da funcionalização dos bens públicos decorre da equivocada assimilação no âmbito público de uma identificação de bem e propriedade com uma noção de apropriação privada ou de sujeito público com patrimônio que dificulta formação de categorias próprias adequadas a uma teoria dos bens públicos Ademais a persistência na identificação de que as coisas qualificadas como públicas são aquelas afetadas por ato estatal gerase conflitos no que tange ao surgimento de demais relações jurídicas que se formam sob a coisa e demonstram a possibilidade fática de que haja sob tais bens mais de uma destinação material para cumprimento de outras funções sociais Erigese que o critério da funcionalização dos bens públicos não pode ser a afetação formal ou especial realizada pelo Estado mas a própria destinação material à função social e por conseguinte que não há impedimento para formação de relações jurídicas com finalidades públicas diferenciadas com variados sujeitos em torno do bem qualificado como público Por efeito há de se admitir que o dever de funcionalização dos bens públicos deve ser tido a partir de um critério material não necessariamente a existência de um ato formal designativo mas uma destinação efetiva à função social não exclusivo de forma que a coisa pode atender a variados interesses públicos incidentes Fixado que é a efetiva destinação da coisa a uma finalidade pública que demonstra o atendimento ao dever de funcionalização imposta ao seu titular ou ao Estado Há de se admitir que haja uma contingência temporal na medida em que seja capaz de fato de atender as necessidades coletivas O tema será tratado a seguir 236 236 42 Do marco temporal da função social dos bens públicos do ato formal de desafetação a uma atualidade no atendimento da finalidade coletiva Como visto quando uma coisa exerce uma função social mediante o atendimento de uma necessidade coletiva formase um vínculo entre o seu titular e a coletividade que implica na aplicação de um regime jurídico especial e a determinação de direitos e deveres que garantam o atendimento daquela finalidade Isto não significa firmar que tal relação jurídica é constituída por um ato de afetação formal ou especial realizado pelo Estado contudo que seja formada a partir de um critério material e não exclusivo uma vez que a coisa colocada a serviço da coletividade devese sujeitar a uma disciplina normativa protetiva e a incidência de obrigações aos seus sujeitos Por efeito podese vislumbrar a existência de um marco temporal já que a rigor tal coisa pode não ter em algum momento se ligado à concretização de uma função social bem como em determinado tempo pode não estar mais destinada a tal finalidade em razão do desaparecimento daquela necessidade Há quem sustente que tal marco temporal ocorre quando as coisas que fazem parte do domínio público estejam degradadas ou seja não são mais capazes em sua natureza ou substância de atender o interesse coletivo estão faticamente desafetadas e portanto não teriam mais a natureza pública e seriam passíveis de usucapião por particulares863 Para essa parte da literatura jurídica tal transformação material da coisa ainda que realizada por parte de um possuidor supera os limites da imprescritibilidade dos bens públicos admitindo neste caso a ocorrência de sua retirada fática da destinação e portanto a sua incorporação por um agente privado864 Entretanto parece transpor a noção privada de extinção de propriedade por perda da coisa865 que não se adéquam as coisas qualificadas como públicas pois uma vez e enquanto destinadas à realização de uma função social impõem os deveres de conservação ao seu titular esvaziando qualquer autonomia de vontade no que se refere a sua disposição material866 863 PROUDHON M Traité du domaine public Op cit p 218 864 DUEZ Paul DEBEYRE Guy Traite de Droit Administratif Paris Dalloz 1952 p 775776 865 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1275 Além das causas consideradas neste Código perdese a propriedade IV por perecimento da coisa 866 Lei Federal nº 8429 de 2 de Junho de 1992 Art 10 Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa ou culposa que enseje perda patrimonial desvio apropriação malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art 1º desta lei e notadamente X agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público 237 237 Não se ignora que as coisas em sua materialidade podem se sujeitar à destruição867 mas que a sua degradação extingue a função social inclusive por ato de vontade do seu titular permitiria que o sujeito se beneficiasse da própria torpeza quando atuasse sob a coisa afetada para desfuncionalizála e destruílas ou tornála possível de apropriação individual Parece adequado considerar que se há um marco temporal no que se refere à funcionalização da coisa pública ocorre não com a degradação ou extinção material da coisa mas a perda do atendimento da destinação pública868 de forma que caberá ao titular a recomposição de sua substância ou predestinação à outra função igualmente pública Igualmente não parece passível reconhecer que o marco temporal da funcionalização possa ocorrer através de uma desafetação formal por ato do poder público que retire da coisa a função social antes exercida e portanto permita a sua desqualificação como um bem público869 Assim consideram que a desafetação não é um ato formal propriamente dito mas um ato jurídico ou seja uma manifestação de vontade estatal que modifica a situação jurídica do bem colocandoo em sentido oposto à afetação870 porém neste caso não corresponderá ao marco temporal em si Não seria propriamente a declaração formal pelo poder público que resulta na sua desafetação mas a medida ao qual o ato jurídico que retire a coisa da sua qualificação pública871 ou seja subtraia de sua finalidade coletiva e portanto torne a coisa não apenas desfuncionalizada mas retire a qualificação de pública Considere por exemplo a título de abstração que o Estado pretendesse desafetar um rio público que antes servia à comunidade ainda que se considere que haja o fim do abastecimento de água potável não se extinguirá com o ato formal a sua função social ligada ao equilíbrio do ecossistema e bem estar humano Ademais seria admitir que o lapso de tempo do particular em posse da coisa é capaz de subtrair da esfera do domínio publico determinando a sua incorporação ao domínio privado durante o período que o bem permaneceu abandonado e portanto destituído de finalidade pública pela autoridade estatal872 867 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 86 São consumíveis os bens móveis cujo uso importa destruição imediata da própria substância sendo também considerados tais os destinados à alienação 868 LANZIANO Washington Estudios Op cit p169170 869 LANZIANO Washington Estudios Op cit p169170 870 FORSTHOFF Ernst Traité de Droit Administratif Allemand Op cit p 560 871 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 100 Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis enquanto conservarem a sua qualificação na forma que a lei determinar 872 TROPLONG M Le Droit Civil Expliqué De la prescription Tome 1 3 ed Paris Charles Hingray LibraireEditeur 1838 p 247248 238 238 Não parece que possa se ligar a um ato de desafetação expresso pelo Estado ou tácito diante do abandono e ocupação pelo particular pois importaria no reconhecimento de uma disposição pelo sujeito não apenas de uma coisa que atende uma necessidade coletiva mas da própria função social já que não é obrigatória a designação de outro bem para mesmo fim Novamente a problemática se situa na dificuldade de distinção do público e do estatal de forma que ao titular caberia dispor sobre interesses e bens públicos ao qual é apenas gestor com o agravante de que ainda estejam tais coisas ligadas ao atendimento da função social e sem a imposição de uma destinação de outras para a realização daquela necessidade coletiva Parece inadequado julgar que a função social da coisa se extinguirá seja por uma depreciação ou por um ato de disposição expressa ou implícita estatal poderseia considerar que o lapso temporal seria fixado então em decorrência do uso de modo que a utilização para fins públicos definiria a sua manutenção ao passo que o contrário a extinção A possibilidade de prescrição resulta portanto do uso da coisa a saber na medida em que o agente privado deralhe um fim individual retirando o conteúdo público e tal uso seria a condição do domínio de forma que o assim fazendo não estaria mais no domínio público o respectivo bem873 Por efeito para tais autores cessaria o domínio público portanto pelo abandono da coisa pela autoridade administrativa já que exteriorizaria uma vontade da Administração Pública de encerrar o seu destino público e portanto funcionaria como uma forma de desafetação tácita874 Neste viés que a adoção de uma perspectiva funcional da coisa se afasta de uma noção dos adeptos que reforçam na figura da afetação estatal já que enquanto para estes tal qual todos os atos foram destinados em algum momento ao atendimento da função pública podem igualmente ser desafetados875 parece insuficiente tal entendimento Há bens públicos que em razão de sua própria natureza se ligam a uso da coletividade mas igualmente se tornam impassíveis de qualquer apropriação coletiva através do Estado ou individual876 e portanto não tendo sido atribuída aquela função social pelo ente moral e não compondo o seu acervo material não há como sustentar uma possibilidade de sua disposição Porém mais do que isso a afetação não corresponde apenas ao ato que determina o fim da coisa para a finalidade pública de modo que seja efetivamente colocada à utilização 873 CALVO Recaredo Fernández de Velasco Resumen de Derecho Administrativo y de Ciencia de la Administración 2 ed Barcelona Bosch 1931 p 168 874 OVIEDO Carlos Gárcia Derecho Administrativo 4 ed I Madrid EISA 1953 p 162 875 LANZIANO Washington Estudios Op cit p169 876 FORSTHOFF Ernst Traité de Droit Administratif Allemand Op cit p 548 239 239 coletiva mas determina como ela será realizada de forma que a sua utilização sendo modificada importa em alteração na afetação 877 Assim ainda que uma coisa como por exemplo um prédio tenha sido afetada formalmente a uma finalidade coletiva passando a ser designada como um bem público de uso especial para determinado órgão público na hipótese de não exercer tal mister há uma alteração na sua afetação que no caso for de nenhuma outra utilização importará em perda da mesma Considerar que desafetação é uma manifestação de vontade do ente estatal que modifica a situação jurídica do bem colocandoo em sentido oposto à afetação878 e por conseguinte permitindo uma evasão do cumprimento da sua função social é considerar a possibilidade de disposição das necessidades coletivas Ademais geraria a tautologia de permitir que o Estado possa por ato formal subtrair coisas que estão efetivamente afetadas à finalidade pública permitindo a sua disposição privada porém sob aquelas ao qual não há uma destinação coletiva não se admite que o indivíduo proceda a uma desafetação ou colocação para uma função social Ao revés mesmo na literatura alemã onde grande parte dos autores sustenta a existência de uma propriedade pública aduz que compete à Administração Pública intervir sob tais coisas de forma a garantir que conservem seu elemento característico que é a sua ligação a uma finalidade coletiva 879 Devese portanto aduzir que a noção de afetação e desafetação estatal não se refere a uma livre disposição ou não da função social já que enquanto gestor cabe adotar as medidas que garantam o atendimento à necessidade coletiva e retire o bem apenas quando não mais estiver ligado àqueles interesses públicos Tal qual inexiste um direito subjetivo absoluto para os entes privados o Estado não tem um pleno poder no que tange ao acervo sob a sua titularidade de forma que há um conteúdo social ao qual deve perseguir que não é um conceito cerrado mas a expressão de dado momento histórico880 Assim há de se compreender que o dever de funcionalização do bem público decorrerá não de um ato formal de constituição ou declaração da coisa para a sua destinação 877 FORSTHOFF Ernst Traité de Droit Administratif Allemand Op cit p 559 878 FORSTHOFF Ernst Traité de Droit Administratif Allemand Op cit p 560 879 MAYER Otto Le droit administratif allemand Op cit p 128 880 USEROS Enrique Martinez Derecho Administrativo Homenagem a Carlos García Oviedo Madrid EISA 1955 p 391 240 240 a uma função social mas a partir do momento em que houve a sua efetiva colocação para o atendimento a uma necessidade coletiva881 Admitir ao contrário seria adotar um critério da titularidade de forma transvestida já que demandaria uma manifestação de vontade Estatal através da edição de um ato legislativo ou administrativo que declarasse ou reconhecesse o exercício à função social o que poderia não ocorrer embora a coisa já estivesse em atendimento da necessidade coletiva Desta feita há de se reconhecer que a função social exercida pela coisa não é apenas um conceito contingente mas que deve ser assegurada de forma atual pelos seus titulares inclusive de forma a garantir a incidência do regime protetivo e por conseguinte dos caracteres da inalienabilidade da imprescritibilidade e da impenhorabilidade882 Tal questão gera repercussão no que se refere ao abandono dos bens públicos que a maior parte da literatura jurídica não considera como forma de perda de destinação pois importaria em desmantelamento da doutrina da imprescritibilidade desses bens de modo que exigem um ato formal que exteriorize o despojamento883 Parecem duas coisas distintas a delimitação A coisa deixou de cumprir a sua função social na questão da aquisição por usucapião por um particular uma vez que o último parece ser um dos efeitos não apenas do descumprimento do dever de funcionalização mas também de uma adequação à função social dada por particular após um lapso de tempo Outros autores sustentam que o abandono da coisa pela autoridade estatal cessa o domínio público na medida em que exteriorizaria uma vontade implícita da Administração Pública em extinguir o seu destino público e portanto funcionaria como uma forma de desafetação tácita884 Assim a prescritibilidade seria uma forma de alienabilidade decorrente de uma disposição oculta da Administração Pública pois ao serem abandonadas as coisas públicas pelo Estado tornarseiam res derelictaes e passariam ao patrimônio do seu primeiro ocupante originário885 Note porém que sustentar o abandono como uma forma de manifestação volitiva tácita da Administração Pública inclusive ignorando que o silêncio administrativo só produz efeitos quando qualificado por lei continua a considerar uma disposição da função social por afetação ou desafetação pela autoridade estatal 881 FORSTHOFF Ernst Traité de Droit Administratif Allemand Op cit p 558 882 LANZIANO Washington Estudios Op cit p 111 883 ALVAREZGENDÍN Sabino El dominio publico Op cit p 4142 884 OVIEDO Carlos Gárcia Derecho Administrativo 4 ed I Madrid EISA 1953 p 162 885 URUTTIA José Luiz GonzálezBerenguer Sobre La Crisis Del Conceptio Op cit p 202 241 241 Como já dito o Estado enquanto gestor dos interesses e bens públicos não pode desafetar coisas que exercem uma finalidade coletiva exceto se inexistente tal função social embora o reconhecimento que não deve admitir uma disposição jurídica não implica em ignorar que ipis factus por vezes o ente público no mundo dos fatos abandonará tais coisas Caso tais coisas não sejam objetos de uma concretização de uma função social por seu titular ou outro ator social e portanto percam a qualificação de pública que permita a sua prescritibilidade e por conseguinte aquisição por sujeito privado desde que preenchido os requisitos tratase de questão distinta que será abordada posteriormente Versa a problemática acerca da admissão que se a coisa é qualificada como pública pela função social que exerce no momento ao qual não esteja mais ligada uma necessidade coletiva há de se admitir que encerre o nexo causal da sua relação jurídica com a sociedade e assim o dever de funcionalização que sujeita seu titular Isto abrange não apenas o marco temporal final mas igualmente o seu lapso inicial tanto que os administrativistas tradicionais que recusam a aquisição por usucapião admitem incidir sob as coisas públicas quando não existir certeza acerca da sua afetação ou desafetação bem como àquelas anteriores ao regime legal instituído como antigo regime886 Parece que o descumprimento de um dever de funcionalização que permitiria a aquisição privada nos termos daqueles autores decorre não propriamente de uma incerteza sob tal afetação ou desafetação ou a sua instituição anterior ao regime vigente mas que em ambos os casos não é possível definir uma atualidade no atendimento da função social Por esta razão não se pode identificar a perda da função social com o lapso de tempo do particular em posse do bem que permitiria subtrair a coisa da esfera do domínio público determinado a sua incorporação ao domínio privado porque se a coisa permaneceu abandonada por esse período já terá perdido o seu caráter de público887 Assim como não deve ser a disposição por ato do Estado que resulte na perda da qualificação pública da coisa igualmente não será a conduta do particular que determinará a sua apropriação pois em ambos os casos resultaria em um vilipêndio aos bens que servem a coletividade que se pretende justamente proteger pela teoria dos bens públicos Igualmente não é uso da coisa pois seria admitir que à medida que o agente privado desse a mesma uma utilização individual retiraria o conteúdo público e isto significaria que a 886 HAURIOU Maurice Precis de Droit Administratif Op cit p 616 887 TROPLONG M Le Droit Civil Expliqué De la prescription Tome 1 3 ed Paris Charles Hingray LibraireEditeur 1838 p 247248 242 242 utilização seria a condição do domínio e portanto uma exploração particular para fim privado resultaria em perda do domínio público888 Poderia se sustentar que a qualificação pública do bem se extingue com o provimento jurisdicional que reconheça a usucapião ou outro direito do particular porém seria não apenas partir de um critério de titularidade como admitir que o Estadojuiz poderia retirar a função social do bem algo que não foi sustentado Se admitida a usucapião claro que para a produção dos referidos efeitos deve ser declarada pelo Estado através de provimento jurisdicional porém para efeitos de controle e de confirmação da ação usucapienda já que a situação fática não decorre da manifestação volitiva estatal mas se sujeita apenas ao reconhecimento das suas repercussões jurídicas Não se pode porém considerar que a perda da qualificação pública que ocorrerá em razão da não continuidade de um atendimento de uma função social decorra seja por um ato de manifestação estatal de desafetação explícita ou tácita bem como de destinação pelo particular a uma aquisição privada Neste caso quando a literatura jurídica sustenta que o possuidor abusivo pode consolidar uma aquisição do bem público através de uma desafetação tácita desde que haja um longo lapso de tempo de omissão dos poderes públicos não justifica a prevalência de suas reinvindicações tardias889 parece se ligar não propriamente com a vontade ou o tempo Novamente o reconhecimento de uma usucapião pelo ato de vontade particular de ocupação por um lapso de tempo sem que haja pelo Estado qualquer reivindicação deve resultar de uma consequência de que a referida coisa já não estar cumprindo de forma material a sua função social sob pena de incoerência com a teoria do domínio público Pensar de forma distinta seria admitir o esbulho possessório do sujeito privado o que não é impossível apenas no que tange aos bens naturais em razão de sua inapropriação natural890 mas todas as coisas qualificadas como públicas incorre de se admitir que um particular possa retirar delas o atendimento às necessidades coletivas Como visto o dever de funcionalização dos bens públicos deve ser tido a partir de um critério material e não exclusivo que imponha um real atendimento a uma finalidade coletiva Não apenas por seu titular mas por qualquer ator social que possa dotála de outra função social porém não permite que exclua uma já existente 888 CALVO Recaredo Fernández de Velasco Resumen de Derecho Administrativo y de Ciencia de la Administración 2 ed Barcelona Bosch 1931 p 168 889 ENTERRÍA Eduardo Gárcia Sobre la Imprescritibilidad Op cit p 36 890 ENTERRÍA Eduardo Gárcia Sobre la Imprescritibilidad Op cit p 36 243 243 Se há de se admitir uma delimitação temporal para tal dever de funcionalização dos bens públicos estará essa estritamente ligada à continuidade da relação jurídica ao qual decorre portanto ao vínculo entre o titular e a coletividade que tem por objeto a coisa que satisfaz aquela necessidade coletiva Desse modo a tentativa de situar no perecimento ou abandono da coisa na desafetação estatal ou esbulho privado uma desqualificação do bem como público significaria formar uma teoria própria do domínio público com a criação de uma disciplina especial protetiva que não adiantaria pois bastaria turbar a função social da coisa para admitir sua apropriação privada Como será problematizado o descumprimento de um dever de funcionalização dos bens públicos não gera como efeito imediato a sua apropriação privada mas ensejará ao seu titular ou Estado uma obrigação de dotálo da concretização de uma função social como a própria decorrência do caráter protetivo do seu regime jurídico especial Busca a teoria do domínio público fazer incidir uma disciplina normativa capaz de proteger a coisa na medida em que ligada a concretização de uma função social a saber em um marco temporal que a priori abranja desde a formação da respectiva relação jurídica até o momento que deixe de atender uma necessidade coletiva Isto significa que a aplicação deste regime jurídico especial com seus atributos de inalienabilidade impenhorabilidade e imprescritibilidade surge apenas com a formação da relação jurídica que tem por objeto uma coisa que cumpre uma função social persistindo apenas e enquanto se liga à concretização desta finalidade pública Neste viés já foi visto que os bens embora sejam qualificados como público devido à função social que concretizam não significa que os exerçam de forma idêntica mas ao revés estando ligados de forma distinta à realização das necessidades coletivas há de se admitir que o seu regime jurídico igual incida de forma graduada Por conseguinte o dever de funcionalização dos bens públicos não será tido de forma idêntica por todas as coisas ligadas à concretização de uma função social mas ao revés deverá ser igualmente sujeito a uma gradação que determinará a aplicação daquele regime e a imposição das suas obrigações decorrentes Isto admite um especial relevo no que tange aos chamados bens patrimoniais da Administração Pública que a rigor não assumem uma função social e por conseguinte cabe inferir se estarão sujeitos à incidência do regime jurídico específico em especial no que tange as regras para a sua alienabilidade O tema será tratado a seguir 43 Da gradação do dever de funcionalização dos bens públicos de uma escala de dominialidade ao reconhecimento da alienabilidade plena dos bens dominicais Como visto corresponde a equívoco supor que para os bens públicos incide de forma exclusiva e idêntica apenas um regime jurídico de direito público tendo em vista que a sua gradação na concretização da função social assumida importará na sua sujeição em maior ou menor grau as normas oriundas da disciplina pública e privada Tal adução que é o elemento teleológico responsável pela identificação do domínio público e a própria delimitação do regime jurídico especial implica na própria redefinição da qualificação do bem como público já que passa a se ligar não a um ato de afetação uma titularidade estatal ou ao regime aplicável mas a necessidade coletiva ao qual busca realizar Isto conduz a uma celeuma de considerar determinados bens como públicos em razão de sua titularidade do Estado mesmo que não estejam ligados a uma finalidade pública algo que em geral a literatura administrativista brasileira sequer insere no debate diante da previsão legal expressa dos chamados bens dominicais891 Na literatura estrangeira o problema da distinção entre os bens públicos e patrimoniais do Estado tem conduzido a reconstrução da teoria do domínio público com a tentativa de unificação do regime jurídico sob a titularidade da Administração Pública de forma a abranger tais bens desafetados ou a construção de um conceito de coisa pública capaz de excluílos892 Parte dos autores busca resolver a questão unificando sob a titularidade estatal já que mesmo as coisas que não estejam afetadas materialmente a uma finalidade pública ainda compõem o domínio público de forma que não seria impeditivo que fossem considerados os bens patrimoniais como públicos893 Propõem uma superação do critério funcional mediante a dissociação do elemento orgânico e da sua orientação pela noção de atribuição que utilizam para enfeixar dentro da noção de domínio público todo acervo público de forma a garantir a existência de um regime comum normativo 894 Parece teratológico considerar que a mera titularidade pública já dota a coisa de uma afetação ao cumprimento de fins e políticas públicas pois seria admitir que não existiriam 891 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 99 São bens públicos III os dominicais que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público como objeto de direito pessoal ou real de cada uma dessas entidades 892 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 448 893 YOLKA Phillipe La propriété publique éléments pour une théorie LGDJ París 1997 p 611 245 245 bens públicos abandonados e até mesmo a impossibilidade de alienação dos bens dominicais já que estariam sempre afetados Ademais é um equívoco supor que a titularidade pode ser o elemento que conduza todos os bens públicos a uma disciplina especial pois com o descolamento do público com o estatal a prossecução das necessidades coletivas passa a ser desenvolvida por entes privados o que reforça a necessidade de aplicação de um regime protetivo Outros porém pretendem resolver a celeuma através de um conceito de coisa pública que gire em torno da noção de função para abranger os bens que estejam independentes da sua titularidade sob o Estado destinados a um serviço de interesse geral ou a uma finalidade pública excluindo por conseguinte os bens patrimoniais895 Parece se adequar à tendência do Supremo Tribunal Federal de qualificar os bens jurídicos a partir do seu aspecto funcional como no julgado896 onde os livros eletrônicos foram alcançados pela imunidade tributária897 mediante uma interpretação dos referidos bens jurídicos por seu aspecto funcional Neste sentido parece claro que se o Estado não pode assumir gerir ou tutelar interesses que sejam estranhos às necessidades coletivas ou seja aqueles bens valores e interesses que foram consagrados democraticamente pela sociedade através da ordem jurídica898 Igualmente não cabe possuir bens que não estejam afetos a tais fins Na medida em que tais coisas exerçam de forma efetiva uma função social serão qualificadas como públicas e estarão sujeitas a uma disciplina normativa especial assim como não estando destinadas a uma finalidade coletiva não estarão sob os ditames de um regime jurídico protetivo que vede a sua alienabilidade Corresponde equívoco supor que no Direito Romano a inalienabilidade era um atributo das coisas públicas em si899 pois excluídas as coisas religiosas e sagradas ao qual eram formalmente reconhecidas nas demais coisas públicas a vedação da sua inalienação não decorria de sua natureza mas em razão do uso ao qual se dedicavam900 894 YOLKA Phillipe La propriété Op cit p 611613 895 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 448 896 BRASIL Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinário nº 330817 897 BRASIL Constituição da epública Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 150 Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte é vedado à União aos Estados ao Distrito Federal e aos Municípios VI instituir impostos sobre d livros jornais periódicos e o papel destinado a sua impressão 898 MORÓN Miguel Sanchéz Discrecionalidad administrativa Op cit p 97 899 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 17 900 Lege venditionis illa facta si quid sacri aut religiosi nut publicit est eius nihil venit si res non n usu publico sed in patrimonio fisc erit venditio eius valebit MADEIRA Eliane Maria Agati Digesto de Justiniano Op cit Capítulo 18 1 72 246 246 Tanto que mesmo consagrado o princípio da inalienabilidade das coisas públicas em Roma com a respectiva aplicação de sanções pelo seu descumprimento901 isto não impedia que se admitisse a validade da disposição das coisas públicas não para efeitos de translação do título de propriedade mas em relação ao ressarcimento ao comprador de boa fé902 Assim uma vez constituída a inalienabilidade da coisa pública ao qual era titular o povo romano não poderia nem mesmo o Estado convertêlo em bens patrimoniais ou o particular se apropriar dela sendo garantidas ao cidadão romano ações populares que provocavam um interdito pretorial 903 Porém quando não destinada a uma finalidade pública e havendo uma posse privada que não causasse prejuízo ao uso geral não havia interesse de qualquer cidadão para impedir a transmissão e portanto adquiria a mesma plena eficácia jurídica com a criação de um justo título de transmissão da propriedade904 Na própria Idade Média onde havia uma distinção difícil entre patrimônio do monarca e domínio público a própria inalienabilidade dos bens da coroa tinha por objetivo impedir a divisão dos reinos e a dilapidação do patrimônio real o que repercutiria em um incremento de impostos destinados à manutenção da Coroa e do Rei905 Já sob a égide do Estado Moderno ainda há entre os autores tradicionais que sustentam existir uma propriedade estatal e afirmam que a concessão de atributos próprios aos bens públicos decorre da necessidade de garantir a sua não aquisição pelos particulares em razão da afetação à utilidade pública que se sujeitam906 Por efeito há de admitir que se os atributos concedidos à coisa qualificada como pública inalienabilidade impenhorabilidade e imprescritibilidade decorrem da função social ao qual está ligada e que cada bem a exerce em alguma medida haverá desta forma uma gradação no que tange não apenas na aplicação do regime mas nos deveres decorrentes Desse modo podese considerar a existência de uma gradação no que tange ao dever de funcionalização imposto aos titulares e ao Estado as coisas qualificadas como públicas na medida em que tais bens estejam ligados à realização de uma função social o que conduz uma aplicação diferenciada no que tange as vedações impostas pelo regime especial 901 Ominium rerum quas quis habere vel posidere vel persegui potest venditio recte fit quas vero natura vel gentium ius vel mores civitatis commercio exuerunt carum nulla venditio est MADEIRA Eliane Maria Agati Digesto de Justiniano Op cit Capítulo 18 1 34 902 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 18 903 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 17 904 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 17 905 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 24 906 MAYER Otto Le droit administratif allemand Op cit p 104 247 247 Tal entendimento que os bens públicos estão sujeitos a diferentes graus de destinação a finalidade pública em razão da intensidade que se liguem a mesma a literatura jurídica costuma designar como escala de dominialidade907 no reconhecimento de que as coisas pertencentes ao domínio público atendem de forma distinta a função social Embora não se restrinja a função social e portanto o domínio público com apenas a destinação a um serviço público tal como fazem tais autores908 interessante notar que alteram a compreensão que o regime jurídico especial dos bens públicos é um conjunto uniforme de normas aplicáveis a todos os bens mas dotadas de uma particularidade e gradação Isto resultaria em diferentes categorias e portanto da aplicação do regime jurídico no que se refere ao domínio público já que enquanto alguns bens de uso comum da coletividade demandam uma maior ação do Estado para garantir o seu acesso coletivo outros como as florestas impõem uma atividade de conservação909 Assim em decorrência de tal escala de dominialidade assumese que em razão da intensidade com que tais coisas se ligam a uma função pública não apenas determinados bens se sujeitariam a um regime de direito público estatal outros de grau menor importariam em um regime de direito privado com normas de ordem pública910 Vide os bens naturais qualificados como públicos como por exemplo o ar e os mares as suas ligações à realização de uma função social decorre da sua própria substância e a necessidade coletiva ao qual pretendem satisfazer guarda uma natureza de essencialidade ligada mais do que ao bem estar humano mas a sua própria existência Já os bens artificiais qualificados como públicos por exemplo os prédios e as ruas se prezam a satisfação de uma função social em razão de uma manifestação de vontade que os afetou a uma necessidade coletiva ao qual não necessariamente se reveste de um caráter de infungibilidade pois poderiam ser substituídos Há de se reconhecer que embora ambos estejam destinados à concretização de uma função social não apenas os fundamentos que os ligam às necessidades coletivas como a própria natureza das finalidades públicas são de graus distintos e ensejam uma aplicação graduada do seu regime especial e do próprio dever de funcionalização Assim parece incidir na formação da disciplina normativa especial sob os bens públicos naturais maior graduação na aplicação das normas de direito público que impeçam 907 DUGUIT León Traité de Droit Constitutionnel Op cit p 327 908 Como sustenta o autor ao afirmar le foudement même de la domanialité publique estlidée daffectation à un service public DUGUIT León Traité de Droit Constitutionnel Op cit p 324 909 DUGUIT León Traité de Droit Constitutionnel Op cit p 328 910 DUGUIT León Traité de Droit Constitutionnel Op cit p 344405 248 248 qualquer forma de disposição jurídica conservando a função social a qual exerce o que se demonstra pela constelação normativa protetiva do nosso ordenamento jurídico911 Já sob o regime positivo específico sobre os bens públicos artificiais verificase uma menor intensidade com a aplicação de normas de direito privado que permitem a sua sujeição a disposição jurídica embora qualificada pela existência não apenas de lei mas pela observância do procedimento disposto912 Inegável aduzir do debate que a escala de dominialidade se refere às coisas que pertencem ao domínio público e a partir de uma perspectiva funcional Há de se admitir que existam coisas sob a titularidade do EstadoAdministração que não estão afetadas de forma direta ou indireta às necessidades coletivas e portanto não deveriam estar sujeitas as suas restrições Primeiramente é válido recordar que tais atributos decorrentes do regime jurídico a que se sujeita o domínio público correspondem antes a condicionamentos com vistas á preservação dos bens de finalidade pública que exercem do que vedações absolutas uma vez que em uma ordem jurídica plural nenhum bem interesse ou direito pode ser absoluto Por efeito tornase necessário distinguir o princípio da inalienabilidade que desde a antiguidade foi consagrado para os bens naturais que compõem o domínio público que estavam foram do comércio Da alienabilidade condicionada dos patrimônios do Estado ou bens da coroa que com o Estado Moderno se sujeitam à necessidade de lei913 Talvez por esta razão alguns autores acertadamente preferem sustentar uma distinção entre inalienabilidade ligada a função pública que não permite a Administração Pública suprimila já que com a destinação pública criase um direito público subjetivo aos cidadãos e indisponibilidade dos demais bens estatais ao qual tem liberdade de disposição914 Por efeito a inalienabilidade não seria um atributo propriamente dito dos bens públicos ou da titularidade estatal sobre o domínio público mas do próprio regime 911 Podese apontar o Código Florestal Lei nº 126512012 e as leis que instituem o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza Lei nº 99852000 o Sistema Nacional do Meio Ambiente Lei nº 69381981 que definem a Gestão de Florestas Públicas Lei nº 112842006 os Recursos Hídricos Lei nº 94331997 bem como as Políticas de Resíduos Sólidos Lei nº 123052010 Política de Saneamento Básico Lei nº 114452007 a criação de Estações Ecológicas Áreas de Proteção Ambiental Lei nº 69021981 dentre outras 912 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 100 Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis enquanto conservarem a sua qualificação na forma que a lei determinar 913 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 26 914 VALLÉS A de Inalienabilitá del demanio pubblico Rivista di Diritto Pubblico 1914 p 418 249 249 administrativo que impõe uma série de poderesdeveres na busca pela prossecução do interesse público 915 Parece se adequar a noção do direito administrativo brasileiro que segundo a literatura dominante teria como uma das suas pedras angulares ou um dos seus princípios basilares a indisponibilidade do interesse público que não permite a disposição pela Administração Pública dos bens direitos e interesses públicos916 Desta feita a deflagração da inalienabilidade decorre apenas enquanto necessário para a proteção da indisponibilidade da função pública em si porém não significa o único instrumento de garantia dos bens públicos incidindo outros como o próprio exercício do poder de polícia917 Não obstante não é possível sustentar a inalienabilidade e a garantia da função da coisa mediante a titularidade da Administração Pública sobre os referidos bens de baixo da alegação de que a vedação de qualquer disposição de bem público a sujeito privado como uma proteção mais rigorosa e específica da finalidade coletiva918 Não se demonstra correto já que a indisponibilidade não impede o exercício do munus publico realizado por particular pois no que tange ao serviço público por exemplo pode ser atribuído ainda que com as devidas limitações o exercício do poder de polícia garantindo que haja a proteção do interesse público919 Tanto que embora generalizado tal entendimento cada vez mais tem sido mitigado como por exemplo com o reconhecimento no Estado Francês da constituição de enfiteuse sobre os bens públicos e privados da Administração Pública para a prestação de serviço ou realização de um interesse público920 A inalienabilidade dos bens públicos se relaciona com a destinação a uma finalidade coletiva de forma que não destinados naturalmente ou afetados artificialmente a uma função social não há como designálos como bens fora do comércio e sustentar a impossibilidade de sua alienação921 915 VALLÉS A de Inalienabilitá Op cit p 418 916 Para nossa análise crítica sobre o fundamento do regime administrativo brasileiro baseado apenas no interesse público em uma ordem constitucional pluralista vide MOURA Emerson Affonso da Costa Um fundamento do regime administrativo o princípio da prossecução do interesse público Rio de Janeiro Lumen Juris 2014 917 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 38 918 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 38 919 MELLO Celso Antônio Bandeira de Serviço público e poder de polícia concessão e delegação Revista eletrônica de Direito do Estado Salvador Instituto de Direito Público da Bahia n 7 julhoagostosetembro 2006 p 911 920 FRANÇA Lei de 5 de Janeiro de 1988 Art 13 921 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 62 250 250 Claro que como já visto isso não significa considerar que um ato de desafetação posterior é capaz de subtrair a função social pois seria permitir que a alienação possa ser capaz de transverter a finalidade coletiva e garantir o despojamento da coisa pública negando de fato a própria inalienabilidade e sua pretensão de proteção922 Seria admitir que o EstadoAdministração tem o poder de dispor sobre coisas afetadas às necessidades coletivas quando em razão da função administrativa tem o deverpoder de prossecução dos interesses públicos o que conduz necessariamente à indisponibilidade dos bens direitos e interesses que buscam tais finalidades Todavia isto não significa que o Estado possa manter uma inalienabilidade das coisas que não exercem qualquer função social pois seria aduzir que o ente moral constituído para atendimento das necessidades coletivas pode assumir uma feição privada tal qual sujeito comum e constituir e ampliar um patrimônio Desta feita quando qualifica a norma civil que são bens públicos aqueles do domínio nacional sob a titularidade das pessoas jurídicas de direito público referese às coisas que compõem o domínio público exercem uma função social tanto que as demais sob qualquer pessoa ao qual estejam sujeitas serão qualificadas como privadas923 Assim por um lado qualquer disposição onerosa ou gratuita pela Administração Pública de bem que esteja realizando um interesse público é nula de pleno direito924 visto que falta mais do que um requisito para a eficácia Mais um dos pressupostos para a própria validade do negócio jurídico de direito público 925 Nesse sentido não há que se alegar a preservação da boa fé daquele que participa da alienação do bem público pois parece inadequado no conflito entre o interesse público preservação da função social concretizada pela coisa e o privado proteção da boa fé do indivíduo afastar a inalienabilidade com a prevalência do interesse individual926 Nesse segmento verificase que a inalienabilidade é atributo concedido excepcionalmente aos bens apenas quando justificado em sua destinação que parece ser a 922 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 66 923 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 98 São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno todos os outros são particulares seja qual for a pessoa a que pertencerem 924 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 71 925 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 100 Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis enquanto conservarem a sua qualificação na forma que a lei determinar 926 Em igual sentido ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 79 251 251 teleologia do pretendido pela sua regulação normativa927 tal qual ocorre nas próprias disposições comuns para as coisas privadas928 Tanto que a própria literatura jurídica admite que é possível a alteração da titularidade de bens públicos afetados à finalidade coletiva desde que esta seja mantida por exemplo a gestão associada de serviços públicos com a extinção de uma entidade administrativa e destinação para outra bem como a alienação de um ente público para outro929 Ademais parece superada a ideia de que a inalienabilidade do direito público é distinta daquela do regime privado pois se em tese o sujeito particular não poderia retirar tal cláusula sobre o bem privado enquanto conservar a função protegida não há razão porque caberia a Administração Pública se os interesses por ela tutelados são ainda mais relevantes930 Não se ignora que a própria literatura jurídica931 e a jurisprudência dominante932 têm reconhecido a relatividade da cláusula de inalienabilidade sobre o bem privado tendo em vista a necessidade de preservação de outros valores de índole constitucional como a prevalência da dignidade da pessoa humana nas questões meramente patrimoniais Porém no que tange aos bens públicos apenas reforça que a duração da inalienabilidade não pode ser perpétua mas ao contrário que a indisponibilidade deve ter o lapso de tempo do seu fundamento a saber a afetação da coisa à finalidade coletiva e pode ser duradoura ou transitória933 Superase a noção de uma inalienabilidade sobre os bens públicos de forma absoluta e perpétua para admitir que o próprio ordenamento jurídico preveja a possibilidade de disposição quando não estiver ligada à uma função social o que conduz a investigação de como será procedida tal disposição Isto porque a lei civil não impede a disposição dos bens de uso comum ou especial mas somente consagra a inalienabilidade para as coisas afetadas a uma finalidade pública de 927 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 100 Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis enquanto conservarem a sua qualificação na forma que a lei determinar 928 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1848 Salvo se houver justa causa declarada no testamento não pode o testador estabelecer cláusula de inalienabilidade impenhorabilidade e de incomunicabilidade sobre os bens da legítima 929 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 5153 930 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 39 931 NEVARES Ana Luiza Maia As cláusulas de inalienabilidade impenhorabilidade e incomunicabilidade sob a ótica civilconstitucional Revista Trimestral de Direito Civil n133 janmar 2001 p 212247 932 BRASIL Superior Tribunal de Justiça Recurso Especial nº 1158679MG Ementa Direito das Sucessões Revogação de cláusulas de inalienabilidade incomunicabilidade e impenhorabilidade impostas por testamento Função social da propriedade Dignidade da pessoa humana Situação excepcional de necessidade financeira Flexibilização da vedação contida no Código Civil Possibilidade 933 Neste sentido embora sustentando que a desafetação sempre ocorrerá por ato formal e não por situação fática ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 83 252 252 forma que determina a necessidade de uma prévia retirada da sua qualificação e a submissão ao princípio da legalidade administrativa934 A primeira vista parece contrassenso exigir um procedimento especial para alienação dos bens de uso comum e especial que perderam a qualificação já que uma vez subtraídos de qualquer função social não incidiria uma disciplina jurídica especial a partir de um escala de dominialidade com aplicação de normas do direito público Porém no que se refere aos bens sob a titularidade do EstadoAdministração sejam de natureza pública ou privado aplicase o princípio da indisponibilidade de forma que não possui competência para alienação sem que haja uma prévia autorização legal que permita o ato de disposição935 Tal exigência de autorização legal não decorre da inalienabilidade em si mas da opção legislativa de atribuição ao Poder Legislativo de controle sobre os atos que possam afetar o acervo sob a titularidade do Estado936 e portanto como manifestação dos checks and balances que busca manter o equilíbrio dos poderes no Estado Republicano Assume antes o papel de instrumento de preservação da função social do que de proteção da titularidade já que pretendese garantir o controle por órgãos estatais da alienação de coisas que antes exerceram uma destinação da coletividade do que um elemento para proteção das coisas sob a sujeição estatal Todavia não exclui o legislador os bens públicos dominicais do atributo de inalienabilidade já que o condiciona à observância não apenas do princípio da legalidade mas do próprio princípio do devido processo legal condicionando a validade do negócio jurídico ao cumprimento das exigências previstas em lei937 Nesse sentido determina a Constituição Federal que as alienações públicas devem observar um procedimento administrativo específico938 de forma que a disposição dos bens públicos dominicais não devem ser realizados conforme o regime comum mas se sujeitar ao princípio da obrigatoriedade de licitação 934 B ASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 100 Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis enquanto conservarem a sua qualificação na forma que a lei determinar 935 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 57 936 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 59 937 B ASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 101 Os bens públicos dominicais podem ser alienados observadas as exigências da lei 938 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Artigo 37 XXI ressalvados os casos especificados na legislação as obras serviços compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento mantidas as condições efetivas da proposta nos termos da lei o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações 253 253 Segundo a jurisprudência espanhola apenas sob os bens dominiais devem incidir as prerrogativas e restrições de natureza pública enquanto ligados à satisfação de uma necessidade coletiva isso não implicaria uma ausência de proteção mas uma redução na intensidade939 em assimilação clara de um critério de titularidade Todavia se os bens dominicais são as coisas ou bens patrimoniais do Estado ao qual não estão afetados à finalidade pública não há pelo todo exposto como sustentálos como integrantes ao domínio público e tão pouco determinar que se sujeitem a uma disciplina especial graduada com normas de direito público no que tange a sua alienação Poderia perpetuar o fato de determinados bens serem qualificados como privados não impedem justamente a incidência das chamadas normas de ordem pública e no caso mesmo que se alegue que tais bens dominicais são de índole privada podem se sujeitar a uma disciplina especial Todavia ressalta novamente a questão que a alienabilidade condicionada no direito privado decorre quando há uma função social a ser protegida e determina que na proteção de dados interesses sejam estipuladas regras de ordem pública capazes de dificultar a disposição por um titular de coisas que serão protegidas em razão de outros sujeitos ou para o mesmo940 As garantias ou medidas de proteção concedidas aos bens públicos tal qual a inalienabilidade buscam proteger o seu titular das possíveis agressões ou usurpações que possam desvirtuar as referidas coisas do cumprimento ou atendimento aos fins do interesse público941 o que não ocorre no caso Ainda sob os bens que guardam uma qualificação pública foi visto que o regime jurídico especial deve ser compreendido como amplo o suficiente para garantir uma individualização no que se refere as tutela das diversidades de coisas seus destinos públicos e as suas próprias características942Entretanto é possível vislumbrar que há contornos limítrofes no que tange a aplicação do regime jurídico especial que permite abranger da estrita indisponibilidade para os bens públicos naturais para a alienabilidade condicionada à perda da função social e observância do procedimento específico para os bens públicos artificiais943 939 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 439 940 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1750 Os imóveis pertencentes aos menores sob tutela somente podem ser vendidos quando houver manifesta vantagem mediante prévia avaliação judicial e aprovação do juiz 941 VANESTRALEN Hernando Bienes de titularidad pública Op cit p 237 942 VANESTRALEN Hernando Bienes de titularidad pública Op cit p 238 943 VANESTRALEN Hernando Bienes de titularidad pública Op cit p 239 254 254 A escala de dominialidade busca delimitar a gradação na aplicação das normas jurídicas de direito público no regime jurídico especial apenas no que se refere às coisas do domínio público de forma que não há de se inferir adotada uma perspectiva de funcionalidade uma aplicação gradativa aos bens dominicais e desfuncionalizados em razão da sua titularidade Tanto que os próprios autores apontam uma distinção no regime de proteção e de utilização entre os bens públicos e privados da Administração Pública de modo que sob os bens que compõem os chamados bens patrimoniais não incide o tráfico jurídico da mesma forma que ocorre sob os tidos como bens dominiais944 Assim a exorbitância do estatuto do domínio público não pode ser estendida a todos os bens sujeitos à titularidade Estatal de forma que não devem ser aplicados naqueles sujeitos um regime privado as potestades direitos e obrigações que tem a autoridade no manejo das referidas coisas945 Neste viés há de se verificar que os bens dominicais não podem estar sujeitos a uma alienabilidade condicionada decorrente de um regime jurídico especial concedido aos bens que integram ao domínio público de modo que o entendimento contrário à luz do disposto na lei civil pode ser rechaçado Ao determinar o legislador comum que os bens dominicais podem ser alienados observadas as exigências da lei946 não significa a estipulação para estes do regime jurídico especial previsto pela Constituição Federal947 pois se refere aos bens antes qualificados como público de modo a permitir o controle da perda de sua finalidade pública Ao revés se considerado que não realiza uma função social que justifique qualquer procedimento especial devese considerar que o texto legal se refere somente a observância das prescrições da lei civil quanto à disposição dos bens igualmente privados como as regras relativas aos negócios jurídicos948 perda de propriedade949 e afins 944 GONZÁLEZ Julio V González Garcia La titularidad de los bienes Op cit p 69 945 OYARZÚN Santiago Montt La administración del Estado y los bienes Op cit p 272 946 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 101 947 BRASIL Constituição da epública Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 37 inciso XXI ressalvados os casos especificados na legislação as obras serviços compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento mantidas as condições efetivas da proposta nos termos da lei o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações 948 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 104 A validade do negócio jurídico requer I agente capaz II objeto lícito possível determinado ou determinável III forma prescrita ou não defesa em lei 949 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1275 Além das causas consideradas neste Código perdese a propriedade I por alienação II pela renúncia III por abandono IV por perecimento da coisa V por desapropriação 255 255 Caso contrário seria uma idiocrasia supor por exemplo que o chamado patrimônio empresarial aquele decorrente da atividade excepcional exercida pelo Estado enquanto agente econômico a rigor a literatura jurídica considera uma das classes de bens públicos inclusive com a admissão de uma copropriedade com as empresas950 Embora determine o regime civil a sua exclusão como bens públicos951 ao estipular o comando constitucional que a atuação do Estado como agente na exploração da atividade econômica decorre por imperativos de segurança nacional ou relevante interesse coletivo952 parece claro que os bens utilizados estão igualmente afetados a tal finalidade pública Não obstante a Constituição Federal determinaria uma mesma forma de alienação dos bens aportados às pessoas administrativas privadas953 que podem inclusive estar exercendo uma finalidade pública específica para os bens dominicais desafetados de qualquer atendimento ao interesse público Firmar a incongruência de se sustentar uma alienação condicionada em razão de um regime especial do domínio público para coisas que estão desfuncionalizadas a contrário sensu significa determinar que o dever de funcionalização dos bens públicos demanda que às coisas sob a titularidade estatal seja dada uma função social ou seja alienadas Não há como sustentar a existência sob a titularidade de um ente moral criado para satisfazer necessidades coletivas a perpetuação de bens que não estejam realizando pois seria determinar que o sujeito particular no exercício de sua autonomia privada deva adequar seus bens a uma função social954 mas permitir ao ente público criado para tanto não a exerça Uma das celeumas na literatura brasileira no que tange aos bens públicos parece volverse justamente sob a admissibilidade pelos autores administrativistas da possibilidade de existência de tais coisas públicas desfuncionalizadas embora os autores civilistas já delimitassem que os bens privados devem conservar a sua função social sob pena de sua perda 950 VANESTRALEN Hernando Bienes de titularidad pública Op cit p 246 951 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 98 São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno todos os outros são particulares seja qual for a pessoa a que pertencerem 952 Constituição da epública Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 173 essalvados os casos previstos nesta Constituição a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo conforme definidos em lei 953 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 173 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços dispondo sobre III licitação e contratação de obras serviços compras e alienações observados os princípios da administração pública 256 256 Se os bens públicos tem um caráter eminentemente instrumental já que voltados à satisfação do interesse público o que justifica e legitima não apenas a atuação do Estado mas a própria noção de domínio público É inegável que não se deve estender à bens públicos coisas que não sirvam a tal fim e assim não precisem de tal qualificação955 A teoria do domínio público como uma espécie de regulação pública da propriedade alcança sua especificidade na medida em que tais coisas são dotadas de uma funcionalidade de forma que busque enquanto regime jurídico proteger essa destinação ao interesse público assumido pelas referidas coisas956 A própria origem da expressão domínio público na matriz romanogermânica foi utilizada para delimitar o conjunto de bens que são destacados para finalidades do grupo social e portanto são excluídos de uma apropriação privada em razão dessa destinação pública que assumem957 Os bens para serem públicos devem exercer uma função coletiva a saber seja pela conservação pela insuscetibilidade de reposição como os rios regulação exploração por sujeitos privados como os minérios de suporte ou operação por apoiarem ou serem utilizados no serviço público ou financeiros quando destinados à rentabilidade 958 Porém uma vez que tais coisas não exerçam uma função social caso estejam sob uma titularidade do Estado o dever de funcionalização dos bens públicos demandará ou a sua afetação a uma necessidade coletiva ou a sua alienação uma vez que já possui uma qualificação de privado Isto porque o descumprimento de tal obrigação decorrente da relação jurídica firmada pelo Estado e a coletividade enquanto gestor dos interesses e bens públicos importará no reconhecimento que outro sujeito possa concretizar um interesse coletivo e até mesmo o particular pode apropriarse mediante uma adequação à função social O tema será tratado a seguir 954 BRASIL Constituição da epública Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 5 XXIII a propriedade atenderá a sua função social 955 SCAGLIUSI Maria de los Ángeles Fernández La necesaria reformulación del concepto de dominio público Op cit p 103 956 URUTTIA José Luiz GonzálezBerenguer Sobre La Crisis Del Conceptio de Dominio Publico Revista de Administración Pública Espanha Centro de Estudios Políticos y Constitucionales nº 56 1968 p 191 957 PARDESUS JeanMarie Traité des Servitudes ou Services Fonciers Op cit p 73 958 SCAGLIUSI Maria de los Ángeles Fernández La necesaria reformulación del concepto de dominio público Op cit p 103 257 257 44 Do descumprimento do dever de funcionalização dos bens públicos da vedação constitucional da usucapião à adequação da função social por particular Como visto o dever de funcionalização dos bens públicos corresponde ao conjunto de obrigações impostas ao titular ou ao Estado como decorrência da relação jurídica formada com a coletividade que tem por objeto a coisa que exerce uma função pública na garantia de proteção e promoção desta finalidade social Por efeito é tido a partir de um critério material onde não basta a afetação formal ou especial mas a efetiva destinação da coisa ao atendimento da necessidade coletiva de forma não exclusiva já que mais de um sujeito pode destinála a concretização de mais de uma função social consagrada pela ordem jurídica pluralista Se afirmado que é possível definir um marco temporal que abrange o termo inicial e final de ligação da coisa à realização de uma função social há de se determinar que sucederão bens que não apenas possam ter servido à uma finalidade coletiva mas não o mais exercem ou sequer chegaram a desenvolver tal munus publico Tornase necessário delimitar qual será o efeito decorrente do não exercício de uma função social pela coisa o que desde já enseja uma exclusão para o debate aqui firmado pois se o bem nunca exerceu uma finalidade coletiva como já dito em tempo algum esteve sob um domínio público ou sujeito a um regime jurídico especial já que não havia uma função a ser protegida Por efeito assume relevo para debate neste momento delimitar as consequências do não cumprimento pelo dever de proteção e promoção da função social para as coisas que foram qualificadas como públicas em específico no que se refere à possibilidade a partir daquele critério material não exclusivo e da sua destinação a ser realizada por outro ator social Desta feita excluemse os chamados bens patrimoniais ou dominicais que antes decorriam de uma assimilação equivocada das categorias privadas que o Estado enquanto pessoa deveria ser dotado de um acervo patrimonial e que sob tais coisas públicas exercia uma relação jurídica de propriedade próxima àquela do direito comum Excluídas tais coisas sequer devem ser qualificadas como pública a partir de uma perspectiva funcional dos bens públicos Já que não exerciam uma função social pretendese investigar aquelas coisas que estavam ligadas a uma necessidade coletiva todavia em algum momento não mais desenvolvam tal munus 258 258 Em certa medida isso volve discutir do ponto de vista teóricodogmático a questão da imprescritibilidade dos bens públicos bem como a consequente vedação normatopositivo da aquisição das referidas coisas através da usucapião consagrada pela nossa ordem jurídico constitucional Nesse sentido se a análise partir de uma perspectiva positivista considerando que no ordenamento brasileiro vigente há uma vedação imposta por norma constitucional de natureza originária959 e que a literatura nacional majoritária aponta a não submissão dos bens públicos às normas do regime de direito privado o debate restaria encerrado nesse ponto Ironicamente embora o tema da usucapião dos bens públicos seja uma das questões contemporâneas de relevância no direito administrativo corrente parte da literatura jurídica sequer analisa a questão tal qual a interpretação literal da vedação constitucional fosse suficiente e a disposição normativa esgotasse o tema960 Assim sustentam que o ordenamento pátrio previu a imprescritibilidade dos bens públicos antes mesmo da ordem constitucional consagrar a sua vedação e portanto com a disposição da lei fundamental não haveria possibilidade de contradita sendo tais bens insuscetíveis de aquisição por usucapião961 De fato existia previsão em decretos executivos da imprescritibilidade dos bens públicos962 não obstante antes desses e do Código Civil de 1916 era admitido à usucapião dos bens privados da União desde que a posse se prolongasse pelo decurso de tempo mínimo de quarenta anos963 algo confirmado pela Corte Constitucional Brasileira964 Ademais sob a ordem jurídicoconstitucional vigente não pode encerrar a hermenêutica constitucional à intepretação de qualquer um dos seus preceitos apenas a partir de um método literal e isolado Seja porque isso nunca traduzirá um sentido inequívoco965 seja porque as proposições negativas demandam uma análise restritiva966 959 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 183 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião 960 NERY JUNIOR Nelson NERY Rosa Maria de Andrade Constituição Federal Comentada e legislação Constitucional 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2009 p 656 961 MALUF Carlos Alberto Dabus Maluf Comentários aos Artigos 182 e 183 in BONAVIDES Paulo MIRANDA Jorge AGRA Walber de Moura Coord Comentários à Constituição Federal de 1988 Rio de Janeiro Edgen 2009 p 2055 962 BRASIL Decreto Federal nº 22785 de 1933 DecretoLei nº 9760 de 1946 963 CARVALHO Carlos Augusto de Nova Consolidação das Leis Civis Rio de Janeiro Livraria de Francisco Alves 1899 p 137 964 B ASIL Supremo Tribunal Federal Súmula 340 Desde a vigência do Código Civil os bens dominiais como os demais bens públicos não podem ser adquiridos por usucapião 965 As duas expressões interpretação extensiva e restritiva deixam na penumbra indistintas imprecisas mais ideias do que a linguagem faz presumir tomadas na acepção literal conduzem a frequentes erros Nenhuma norma oferece fronteiras tão nítidas que eliminem a dificuldade em verificar se se deve passar além ou ficar aquém do que as palavras parecem indicar MAXIMILIANO Carlos Hermenêutica e Aplicação do Direito Rio de Janeiro Forense 2011 p 163164 966 MAXIMILIANO Carlos Hermenêutica Op cit p 199 259 259 Por efeito podese apontar inicialmente que a vedação do tipo constitucional à aquisição dos bens públicos não pode ser tida a partir da literalidade do texto para abranger todas as coisas públicas mas deve ser perquirida à luz dos outros valores e bens protegidos pela Constituição de forma a dar um sentido que se adéque ao seu conteúdo global Assim não pretende se discutir a controversa questão de inconstitucionalidade de normas decorrentes de um poder constituinte originário já que a rigor ilimitado e incondicionado967 Mas buscar no âmbito da hermenêutica uma interpretação conforme a constituição adequando aos demais bens e valores do sistema normativoconstitucional Nesse tocante inevitável que a Constituição Federal traduza limitações que as coisas devam ter para a realização de outros bens e valores igualmente tutelados prevendo instrumentos como a desapropriação968 a requisição969 a expropriação970 e a cláusula geral explícita de atendimento à função social971 ambiental972 e econômica973 Claro que se utilizada uma interpretação a partir da topografia constitucional seria possível excluir os bens públicos da função social da propriedade uma vez que tal cláusula encontrase no título de direitos e garantias fundamentais no capítulo dos direitos e deveres individuais e coletivos e portanto em tese não sujeitos aos poderes públicos Igualmente poderia se afirmar que a Constituição Federal previu expressamente as hipóteses de usucapião tanto dos bens imóveis urbanos974 quanto dos bens imóveis rurais975 967 Sobre a concepção de limitações ulteriores e superiores à manifestação do constituinte originário vide o trabalho BACHOF Otto Normas Constitucionais Inconstitucionais Coimbra Atlantida Editora 1951 968 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 5 inciso XXIV a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou por interesse social mediante justa e prévia indenização em dinheiro ressalvados os casos previstos nesta Constituição 969 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 5 inciso XXV no caso de iminente perigo público a autoridade competente poderá usar de propriedade particular assegurada ao proprietário indenização ulterior se houver dano 970 Constituição da epública Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 243 As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei observado no que couber o disposto no art 5º 971 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 5 XXIII a propriedade atenderá a sua função social 972 Constituição da epública Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida impondose ao Poder Público e à coletividade o dever de defendêlo e preservá lo para as presentes e futuras gerações 973 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 170 A ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa tem por fim assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social observados os seguintes princípios III função social da propriedade 974 BRASIL Constituição da epública Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 183 Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados por cinco anos ininterruptamente e sem oposição utilizandoa para sua moradia ou de sua família adquirirlheá o domínio desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural 260 260 Inclusive ao regulálos previu para cada forma expressa uma restrição do não cabimento em ambos os bens públicos976 Todavia tal interpretação restrita da função social assumida pelas coisas além de não realizar o princípio da máxima eficácia das normas constitucionais importa em aparente contradição com o princípio da unidade da Constituição já que condicionaria o bem privado ao respeito à coletividade enquanto as coisas públicas não estariam destinadas Poderia se alegar que tais coisas não precisem adequarse à função social visto que qualificados como públicos já exercem uma necessidade coletiva Contudo não parece ser sustentável pois a literatura majoritária admite a conservação de sua natureza para bens desfuncionalizados como bens públicos de uso especial abandonados ou dominicais Tal incongruência se reforça ao verificar que a ordem jurídicoconstitucional vigente estipula apenas aos bens qualificados como privados uma série de deveres que os adéquem ao exercício de uma função social enquanto para os bens tidos como públicos em especial aqueles desfuncionalizados não caberiam o cumprimento de tais deveres Em conformação legislativa ao dever fundamental de função social977 dos bens978 dispõe o direito comum que a perda da propriedade ocorre além dos casos de imposição administrativa como a desapropriação e disposição jurídica ou material alienação gratuita ou onerosa perecimento pela coisa ou renúncia pelo abandono979 Entretanto na literatura jurídica ainda que o ente público demonstre sobre a coisa ao qual exerce domínio conduta incompatível com a função social e haja destinação pelo cidadão considera tratarse de ocupação irregular que deve ser rechaçada pela ordem jurídica tendo em vista a imensidão do patrimônio público e a impossibilidade de vigilância do Estado980 Demonstra incoerência também ao considerar que a determinação dos bens como público pode ocorrer através de circunstâncias fáticas ou qualificação legal porém para 975 Constituição da epública Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 191 Aquele que não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano possua como seu por cinco anos ininterruptos sem oposição área de terra em zona rural não superior a cinquenta hectares tornandoa produtiva por seu trabalho ou de sua família tendo nela sua moradia adquirirlheá a propriedade 976 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 183 único e Art 191 único 977 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 5 inciso XXIII 978 Note que o constituinte não discriminou a coisa pública da privada e embora se situe no título de Direitos e Garantias Fundamentais no Capítulo dos Direitos e garantias individuais isto não significa que vincule apenas os particulares sendo demonstrado isto pelo artigo 5º inciso XXIV que situa o dever fundamental da Administração Pública de realizar a desapropriação apenas mediante justa e prévia indenização em dinheiro e dentro do procedimento estabelecido por lei 979 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1275 inciso III 980 CARVALHO FILHO José dos Santos Os Bens Públicos Op cit p 5960 261 261 exclusão do patrimônio público apenas fenômenos naturais independentes da vontade humana ou a desqualificação por lei pode alterar a afetação dos bens públicos981 Alega que no caso do bem público como a dominialidade é conferida por lei a um bem não pode haver cessação tácita pois seria admitir abrogação pelo desuso assim somente a alteração legal ou mediante ato intencional ou deliberado pela Administração Pública de mudança de destino do bem público ocorreria o fim da sua propriedade982 Desconsidera que a qualificação de público veiculada pela lei é a titularidade em uma perspectiva de patrimonialidade983 tanto que se admite a aquisição pelos entes privados por negócios privados venda doação etc e portanto deveria então se aplicar as formas de extinção igualmente no direito comum Admite ainda a literatura dominante que o Estado pode através de apossamento mesmo que sem previsão legal ou observância à restrição constitucional da propriedade privada para atender a dado interesse coletivo ou adquirila por desapropriação indireta cabendo ao proprietário apenas indenização posterior se intentar ação no prazo prescricional de cinco anos984 O cidadão porém quando exerce a posse direta e contínua sobre bem público abandonado com finalidade de moradia que é igualmente um interesse coletivo só que ao revés da desapropriação indireta tem previsão constitucional esse não pode se apropriar do bem estatal pois sua aquisição só ocorre nas hipóteses restritas da lei985 Assim para o abandono de imóvel urbano ou rural privado inclusive de forma real ou presumida como o não cumprimento das obrigações fiscais e inexistindo possuidor privado bem como a posse pelo ente público a lei civil determina que passe ao domínio do ente municipal ou distrital no primeiro caso ou federal no segundo caso986 Porém para o abandono de bem estatal não há previsão legal de imposição dos deveres de funcionalização da propriedade para os imóveis privados urbanos987 e rurais988 981 REALE Miguel Op cit p 231 e 233 982 SANTOS Carvalho Op cit p 107 983 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 98 São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno todos os outros são particulares seja qual for a pessoa a que pertencerem 984 MELLO Celso Antônio Bandeira de Curso de Direito Administrativo São Paulo Malheiros 2009 p 882 883 985 MELLO Celso Antônio Bandeira de Curso de Op cit p 914 986 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1276 caput e parágrafos 987 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 182 4º É facultado ao Poder Público Municipal mediante lei específica para área incluída no plano diretor exigir nos termos da lei federal do proprietário do solo urbano não edificado subutilizado ou não utilizado que promova seu adequado aproveitamento sob pena sucessivamente de I parcelamento ou edificação compulsórios II imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo III desapropriação com 262 262 inclusive densificando as normas constitucionais tais conceitos jurídicos de conteúdo indeterminado989 traduz cláusula impeditiva de aquisição por usucapião990 Como visto não há de se sustentar um critério de titularidade em uma perspectiva nitidamente patrimonial para as coisas que pretendem se qualificar como pública pois o traço distintivo é o atendimento às necessidades coletivas que determina tanto a formação do seu vínculo quanto a extinção da referida relação jurídica com a coletividade Porém ainda para aqueles que reconhecem que a afetação dos bens públicos provém tanto das situações fáticas no uso para fins da coletividade quanto da afetação que destina a coisa à fruição de determina interesse público quando se trata da desafetação propõem um tratamento diferenciado991 Para parte da literatura jurídica a desafetação dos bens públicos não poderia decorrer de uma situação fática que permitiria reconhecer a sua desclassificação para o domínio privado do ente público e portanto sujeita à prescritibilidade mas apenas de uma qualificação jurídica capaz de cessar a função que se baseia o caráter dominial estatal992 Centrase novamente na teoria dos bens públicos a figura do Estado ignorando aqueles influxos transformadores não apenas da atividade de prossecução dos interesses públicos como a despublicização mas da sua própria noção de soberania que passa a ser redimensionada com o reconhecimento de outros atores sociais Como visto não se pode sujeitar a qualificação ou desqualificação de um bem como público por ato de vontade estatal pois seria ignorar coisas que exercem independente de sua pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal com prazo de resgate de até dez anos em parcelas anuais iguais e sucessivas assegurados o valor real da indenização e os juros legais 988 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 184 Compete à União desapropriar por interesse social para fins de reforma agrária o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária com cláusula de preservação do valor real resgatáveis no prazo de até vinte anos a partir do segundo ano de sua emissão e cuja utilização será definida em lei 989 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 182 4º É facultado ao Poder Público Municipal mediante lei específica para área incluída no plano diretor exigir nos termos da lei federal do proprietário do solo urbano não edificado subutilizado ou não utilizado que promova seu adequado aproveitamento sob pena sucessivamente de Art 186 A função social é cumprida quando a propriedade rural atende simultaneamente segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei aos seguintes requisitos I aproveitamento racional e adequado II utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente III observância das disposições que regulam as relações de trabalho IV exploração que favoreça o bemestar dos proprietários e dos trabalhadores 990 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 183 Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados por cinco anos ininterruptamente e sem oposição utilizandoa para sua moradia ou de sua família adquirirlheá o domínio desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião 991 CAETANO Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 884 992 CAETANO Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 885 263 263 vontade uma função social como os mares e o ar e admitir que sob as outras poderia dispor da necessidade coletiva ao qual atendem a excluindo Todavia para a literatura generalizada o mero desinteresse ou abandono administrativo de uma coisa que havia tido uma utilidade pública não funcionaria como uma desafetação para fins de reconhecimento da possível alienação ou aquisição por prescrição sendo necessária uma previsão legal993 Poderia sustentar que é decorrência da própria indisponibilidade dos interesses e dos bens públicos porém tal princípio tem por finalidade evitar que os mesmos sejam desviados da sua afetação à finalidade pública mas não se traduz a uma proibição absoluta de alienação que é permitida desde que garantida a continuidade da vinculação a um interesse público994 Considerado os bens públicos como objetos de uma relação jurídica específica formada em razão de sua destinação à função social há de se reconhecer que em Estados Contemporâneos marcados pelo pluralismo há uma ampliação e complexização das demandas sociais que resultam em uma variedade de interesses públicos995 Por efeito não é possível considerar o interesse público como uma unidade mas uma pluralidade de demandas e necessidades sociais ao qual são tuteladas ou reconhecidas pelo Direito como finalidades e deveres públicos na medida em que consagradas mediante a proteção pela ordem jurídicoconstitucional dos bens interesses e direitos da sociedade Neste viés é reconhecido explicitamente pela Constituição Federal996 que o direito fundamental de moradia vincula aos poderes públicos não apenas a abstenção da sua violação o que já impede remoções arbitrárias mas o dever de concretização que abrange a adoção de medidas que permitam garantir uma habitação digna aos seus titulares Desse modo há de se reconhecer que se o bem público pode ter sua titularidade alterada garantindo a continuidade da sua finalidade pública não há óbice que a sua funcionalização ocorra diante de uma omissão estatal por um sujeito privado que o destine para outra função igualmente buscada pela ordem jurídica Neste viés a vedação constitucional para usucapião dos bens públicos urbanos e rurais deve ser entendida como a proibição de aquisição de prescritibilidade para coisas que estejam 993 CAETANO Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 885 994 CAETANO Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 896 995 MOREIRA NETO Diogo de Figueiredo Globalização Regionalização Reforma do Estado e da Constituição Revista de Direito Administrativo n 215 p 2 Janmar 1998 996 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 6 São direitos sociais a educação a saúde a alimentação o trabalho a moradia o transporte o lazer a segurança a previdência social a proteção à maternidade e à infância a assistência aos desamparados na forma desta Constituição Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90 de 2015 264 264 afetadas a uma finalidade pública mas não ao impedimento da adequação a outra função social como o direito de moradia Parece que a celeuma envolve justamente a assimilação do critério de titularidade com a compreensão inadequada de que a vedação constitucional impede qualquer aquisição por prescrição de bens sob a titularidade estatal quando deve ser considerada por um elemento funcional a proibição da usucapião de coisas que estejam exercendo uma finalidade pública Como sustentado a incidência do regime jurídico especial ocorre de forma graduada na medida em que a coisa esteja dentro da autonomia privada adequada à finalidade pública ou esteja ligada a concretização da própria função social o que determinará uma gradação na incidência dos seus caracteres como a prescritibilidade Assim enquanto para um bem privado há a incidência de algumas regras protetivas da função social como limitações administrativas não haverá a sujeição absoluta a outras normas como a inalienabilidade imprescritibilidade e impenhorabilidade que incidirão apenas nos imóveis que realizem uma função pública Os bens públicos são dotados de imprescritibilidade na medida em que conservem tal qualificação ou seja estejam a partir daquele critério material e não exclusivo destinado à realização de uma necessidade coletiva de forma que não estando ligados à concretização de uma função social perdem tal atributo Não haverá por conseguinte impedimento à usucapião já que enquanto uma prescrição aquisitiva se funda em uma presunção atribuída pela lei há um título que garanta a apropriação de uma coisa e a rigor as coisas que compõem o domínio público não podem ser adquiridos pelo particular997 Por esta razão o debate sobre a usucapião de bens públicos não se situa propriamente dito na possibilidade ou não de prescrição aquisitiva sobre coisas que compõem o domínio público já que a imprescritibilidade é elemento decorrente da própria formação da disciplina especial para os bens que são dotados da qualificação pública Provém da antiguidade clássica a afirmação que os bens públicos podem até ser alienáveis mas são imprescritíveis998 Com a ascensão do Estado Moderno essa afirmação é reforçada por generalizada disposição nos ordenamentos jurídicopositivos e aderida pela 997 BIELSA Rafael Op cit p 161 e 163 998 JUSTINIANO Instituições Curitiba Tribunais do Brasil Editora 1979 Livro II Título VI 9 es fisci nostri usucapi non potest sed Papinianus scripsit bonis vacantibus fisco nondum nuntiatis bona fide emptorem sibi traditam rem ex his bonis usucapere posse et ita divus Pius et divus Pius et divi Severus et Antoninus rescripserunt 265 265 literatura jurídica que a prescrição aquisitiva não é capaz de retirar o bem público do sujeito estatal Porém a própria literatura jurídica tradicional mitiga isso ao afirmar que os bens que compõem o domínio público são imprescritíveis e inalienáveis enquanto durar para tais autores a afetação de forma que ocorrendo a sua desafetação retorna a coisa ao comércio e pode portanto ser objeto de alienação ou aquisição privada999 Assim a imprescritibilidade não seria um obstáculo intransponível para a aquisição da coisa pública mas iria impor uma prévia desafetação através de um ato formal estatal1000 o que permitiria acrescentar tais bens fossem subtraídos da esfera do domínio público e passíveis de aquisição de propriedade por qualquer sujeito privado Note entretanto que embora algumas coisas demandem um ato de afetação para atendimento de uma necessidade coletiva parece que tal destinação ao longo da evolução histórica ocorreu antes pela interpretação do facta concludentia do que acrescentar fórmula sacramental ou ato expresso de reconhecimento de sua natureza pública1001 A extracomercialidade jurídica ocorria para determinadas coisas públicas como um consentâneo da própria impossibilidade de apropriação pela sua natureza como os rios e o ar apenas as outras decorreriam de um ato designado publicae que excluiria da aquisição da propriedade privada determinados bens como as estradas e os fóruns1002 Porém no Direito Romano a publicatio era considerada e cumprida pela forma como a coisa era destinada ao uso público independente de um ato formal do magistrado de modo que a circunstância fática era uma forma normal de destinação bem como a vetustas ou uso imemorial fazia presumir o caráter público da coisa substituindo o título formal1003 Ademais como já debatido a formação de uma disciplina jurídica própria e especial decorre não de uma afetação mas de uma destinação das referidas coisas ao atendimento de interesse público com a finalidade de dotálas de uma funcionalidade específica a saber uma proteção na medida em que ligada à sua destinação garanta a realização do interesse comum1004 A qualificação da coisa como pública uma vez que significa o atendimento material a uma finalidade coletiva faz deflagrar o regime jurídico especial e a incidência da 999 HAURIOU Maurice Precis de droit administratif Op cit p 611 1000 HAURIOU Maurice Precis de droit administratif Op cit p 611612 1001 ENTERRÍA Eduardo Gárcia Sobre la Imprescritibilidad Op cit p 21 1002 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 15 1003 ENTERRÍA Eduardo Gárcia Sobre la Imprescritibilidad Op cit p 22 1004 ALFONSO Luciano Parejo Dominio Público Op cit p 24 266 266 imprescritibilidade de modo que a discussão acerca da usucapião dos bens públicos não envolve a sua vedação em si mas o objeto sob o qual incide Tal celeuma contém a definição da natureza pública desses bens que como visto dos critérios apresentados titularidade natureza regime normativo ou afetação que se demonstra apta a abranger tanto as coisas naturais quanto artificiais a sujeição pública ou privada o regime estritamente público ou não por ato estatal ou não e a finalidade pública Sendo o critério teleológico aquele que definirá a qualificação pública do bem se a coisa realiza uma função social não caberá a sua apropriação privada Entretanto deixando de possuir tal finalidade ou sendo possível destacar uma parte para a formação de uma coisa não haverá o elemento que determinará a sua proteção normativa e a sua imprescritibilidade Isso ocorre inclusive para os bens públicos naturais pois se a rigor são incapazes de uma apropriação individual ou estatal uma vez que cabe serem destacados e desligados da função social a própria ordem jurídica admite a aquisição da propriedade como no caso de acréscimos ou incorporações naturais como as ilhas1005 o aluvião1006 a avulsão e outros1007 Da mesma maneira os bens públicos artificiais enquanto ligados ao atendimento de uma função social são imprescritíveis mas perdendo tal ligação efetiva ou estando parcialmente desligado de uma necessidade coletiva não faz incidir mais o regime protetivo e deve ser permitida a sua funcionalização por outro sujeito Assim reconhecida que a destinação às necessidades coletivas não decorre de um ato de afetação formal mas a própria colocação da coisa ao atendimento de uma finalidade pública o que faz incidir a sua imprescritibilidade pode deixar de têla mediante uma situação fática que determine a cessação do domínio das coisas sem solenidades1008 Por efeito a imprescritibilidade dos bens públicos decorre antes da questão fática de que coisas destinadas ao uso público não são possíveis de uma apropriação individual que é o requisito para a prescritibilidade do que um privilégio ou exceção singular no ordenamento jurídico para qualquer bem da Administração Pública1009 1005 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1249 As ilhas que se formarem em correntes comuns ou particulares pertencem aos proprietários ribeirinhos fronteiros observadas as regras seguintes 1006 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1250 Os acréscimos formados sucessiva e imperceptivelmente por depósitos e aterros naturais ao longo das margens das correntes ou pelo desvio das águas destas pertencem aos donos dos terrenos marginais sem indenização 1007 B ASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1251 Quando por força natural violenta uma porção de terra se destacar de um prédio e se juntar a outro o dono deste adquirirá a propriedade do acréscimo se indenizar o dono do primeiro ou sem indenização se em um ano ninguém houver reclamado 1008 ENTERRÍA Eduardo Gárcia Sobre la Imprescritibilidad Op cit p 22 1009 ENTERRÍA Eduardo Gárcia Sobre la Imprescritibilidad Op cit p 24 267 267 A imprescritibilidade decorre da função pública que enquanto um poderdever de persecução do interesse público não puder portanto suprimila pela vontade do Estado Administração já que com a sua colocação para o atendimento das necessidades coletivas constituise um direito público subjetivo aos seus cidadãos1010 Sob tal entendimento há de se concluir que assim como uma coisa passa a ser destinada à finalidade coletiva e não pode ser adquirida por usucapião por qualquer particular uma vez apartada do seu destino deve ser reconhecida a possibilidade de sua apropriação por uma posse de um sujeito privado1011 Tal vértice traduz em uma coerência sistêmica à disciplina administrativa pois se cabível uma destinação tácita ou implícita de coisas privadas a um interesse público como no caso da desapropriação indireta há de se admitir que as coisas estatais não destinadas a uma finalidade pública podem ser ordenadas a um interesse particular1012 Cabe por conseguinte definir de que forma tal coisa pode ser subtraída da sua finalidade pública de maneira que determinados autores sustentem que o mero apossamento pelo particular de modo excludente não permita o atendimento dos interesses da coletividade já que permitiria que fosse objeto de uma aquisição prescritiva1013 Parece forçado considerar que o mero uso pelo particular com exclusão da coletividade seja capaz de gerar uma desafetação tácita pois tal entendimento conduziria para que qualquer esbulho possessório sobre coisas que de fato atendam a coletividade resultem na prescritibilidade do bem antes qualificado como púbico Se adequa a prescritibilidade sob tais bens à luz das próprias razões da usucapião a saber a impossibilidade de petrificação das relações jurídicas o que irá conduzir necessariamente ao reconhecimento de situações já consolidadas no tempo ao invés de preservar situações onde há conduta incompatível do sujeito em relação à coisa1014 Formada uma relação jurídica entre o titular e a coletividade tendo por objeto a coisa que exerce uma destinação pública não sendo garantida a finalidade pretendida com igual vínculo há de se admitir que tal qual como qualquer outra na ordem jurídica haverá a extinção do liame e reconhecimento da formação de outrem Não é cabível sustentar a permanência de um título formal que atribua uma titularidade sob a coisa se o sujeito não exerce a finalidade pretendida sobre a mesma e outro 1010 VALLÉS A de Inalienabilitá del demanio pubblico Rivista di Diritto Pubblico 1914 p 418 1011 GARNIER François Xavier Paul Traité des chemins de toutes espèces Paris BeaucéRusand 1825 p 246 1012 DUEZ Paul DEBEYRE Guy Op cit p 769 1013 CALVO Recaredo Fernández de Velasco Resumen de Derecho Administrativo Op cit p 169 268 268 já exterioriza conduta típica com relação a essa dando lhe um fim útil por conseguinte deve se ter sua relação jurídica protegida e conservada Assim considerar como a literatura tradicional de que o princípio da inalienabilidade vigora enquanto a coisa pertencer ao domínio público proibindo as alienações voluntárias ou forçadas como a usucapião de forma que a desafetação ou perda da sua destinação não permita a sua transmissão1015 parece equivocado Importa considerar que a indisponibilidade dos bens públicos decorrente do regime jurídico protetivo se mantém ainda que não haja mais a situação deflagradora da disciplina especial ou seja que a coisa terá a proteção de normas de direito público mesmo que não sirva mais a nenhum fim público Ademais ignora que não envolve simplesmente a mera desafetação tácita como uma perda de uma função social mas a não utilização ou destinação da coisa a uma finalidade coletiva por um lapso temporal que para alguns significa a demonstração de uma conduta de abandono da Administração Pública Tanto que alguns autores sustentam que a imprescritibilidade dos bens públicos se forma apenas após a cessação do domínio público que ocorrerá com um ato de desafetação implícito seja em razão de uma realidade fática ou explícito por um ato formal pela própria autoridade competente1016 Novamente pretendese reconduzir à titularidade estatal a realização ou retirada da coisa à finalidade pública embora como gestor não compete ao Estado dispor de interesses e bens públicos razão pelo qual não é o ato de desafetação explícito mas a perda da sua destinação material que implicará na sua exclusão do domínio público e regime protetivo Não se justifica sustentar um intervencionismo estatal com a deflagração de um regime jurídico de direito público exorbitante e mais protetivo em relação à disciplina civil privada para o uso fruição e disposição de coisas que não guardam nenhum fim de interesse coletivo ou que justifique sua exclusão das normas comuns1017 Ademais sustentar uma desafetação tácita uma conduta estatal que demonstre não ter interesse pela coisa resultaria na dificuldade de firmála pois haveria a alegação de falta de destinação coletiva de forma transitória de modo que tais coisas poderiam vir a exercer uma utilidade coletiva vindoura 1014 ENTERRÍA Eduardo Gárcia Sobre la Imprescritibilidad Op cit p 36 1015 LAUBADÉRE Andre de Traté Élémentare Op cit p 766 1016 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 36 1017 SCAGLIUSI Maria de los Ángeles Fernández La necesaria reformulación del concepto de dominio público Op cit p 104 269 269 Esse grau de indeterminabilidade de tal critério de delimitação da afetação pública pode resultar em arbítrio na regulação da coisa pública e sustentar uma impossibilidade de alienação de qualquer bem público já que todos os bens estatais podem ter em algum momento uma utilidade futura Como visto o dever de funcionalização dos bens públicos se sujeita a um critério material não exclusivo e atual de forma que a coisa para ser qualificada como pública deve ser pelo Estado ou outro sujeito destinada de fato a realização de uma finalidade coletiva que será verificada no momento vigente Não se pode firmar que a regra é que as coisas sejam públicas até que o Estado determine por conduta expressa ou tácita o contrário já que se ligaria além da titularidade a uma noção de patrimonialidade dos bens públicos que não se adéqua ao fenômeno já visto de descolamento do público com o privado Ademais adota o Estado Brasileiro um modelo de livre economia de mercado que se baseia na circulação independente de bens A exclusão de coisas da livre disposição deve ocorrer de forma excepcional e apenas na medida em que atenda a realização ou preservação de valores igualmente equivalentes1018 Não pode se ter a pretensão de sustentar que não apenas a teoria privada usualmente chamada de Direitos Reais ou Direito das Coisas mas também a teoria pública aqui designada de Domínio Público possa ter caráter neutro ou patrimonial sem estar relacionado com os princípios gerais da atividade econômica1019 Assim além da ordenação imposta pela ConstituiçãoSocial às coisas o que determina a sua funcionalização socioambiental1020 devese considerar que a própria Constituição Econômica determinou que no modelo capitalista de Estado um dos princípios básicos é a propriedade privada1021 Isto significa a proteção contra a supressão da propriedade dos bens e do capital porém igualmente da circulação da titularidade na esfera privada enquanto basilares de uma 1018 PASTOR Juan Alfonso Santamaría Objeto y ámbito La tipología de los bienes públicos y el sistema de competências Op cit p 8296 1019 LÉON Luís DíezPicazo Y Ponce de Fundamentos de Derecho civil patrimonial v III Las relaciones jurídicoreales Madrid Civitas 1995 p 44 1020 BRASIL Constituição da República de 05 de Outubro de 1988 Art 5 XXIII a propriedade atenderá a sua função social 1021 Constituição da República de 05 de Outubro de 1988 Art 170 A ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa tem por fim assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social observados os seguintes princípios II II propriedade privada 270 270 Economia de Mercado exceto quando necessária à restrição no que tange ao interesse público1022 Por conseguinte extraise uma função socioeconômica dos bens públicos como um elemento estruturante do seu próprio regime jurídico1023 de forma que não podem existir bens no acervo que componham o domínio público que não estejam afetados à uma finalidade pública em clara violação à ordem jurídicoconstitucional A consagração de uma função social da propriedade pelo constituinte abrange tanto os bens privados quanto aos públicos uma vez que embora em diferença graduada ambos estão sujeitos ao cumprimento de uma função pública que anule qualquer utilidade meramente individual sob a referida coisa1024 Assim não se trata que tal perda da finalidade pública deva ocorrer por um lapso temporário que demonstre ou manifeste igualmente no regime privado uma situação de abandono que ipsis factus exteriorize a disposição da propriedade1025 pois como visto não há uma propriedade estatal mas uma titularidade pública ligada à função social pretendida Todavia diante da vedação constitucional e legal no ordenamento jurídico brasileiro ainda que dada tal interpretação que busque determinar o objeto de tutela da norma e a sua adequação com os outros valores e bens constitucionalmente tutelados há de se determinar se haverá a aplicação ou não plena da usucapião privada Neste viés inexistindo prazos prescricionais legais específicos para a usucapião sobre bens públicos1026 tende a literatura jurídica aplicar os prazos especiais da casuística regulação 1022 ARONNE Ricardo Comentários Ao Artigo 170 Inciso II in CANOTILHO J J Gomes SARLET Ingo Wolfgang STRECK Lenio Luiz MENDES Gilmar Ferreira Comentários à Constituição do Brasil São Paulo SaraivaAlmedina 2013 p 3862 1023 SCAGLIUSI Maria de los Ángeles Fernández Op cit p 110 1024 MORENO Fernando Sainz El domínio publico Op cit p 482 1025 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1275 Além das causas consideradas neste Código perdese a propriedade III por abandono 1026 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1998 Art 37 A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiência e também ao seguinte 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente servidor ou não que causem prejuízos ao erário ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento 271 271 para a Administração Pública1027 evitando que a questão da prescritibilidade fique ao arbítrio da livre interpretação dos juízes embora haja autores que sustentem prazos ainda maiores1028 De qualquer sorte parece que a definição de um ou outro prazo prescricional em favor do bem público antes corresponde a uma forma de reforço da sua imprescritibilidade do que sua negativa já que determinará um critério objetivo para a faculdade de reintegração sob os bens do domínio público perturbados pelos particulares1029 Poderseia sustentar que a própria Constituição Federal regula as hipóteses onde a não observância da função socioambiental da propriedade gera a desapropriação do bem urbano1030 e rural1031 o que permitiria a aplicação de suas regras a contrario sensu já que os poderes públicos no Estado de Direito devem respeitar às suas próprias prescrições Contudo parece inadequado sustentar para aplicação da prescrição aquisitiva relativa a bens que faziam parte do domínio público a utilização de normas relativas a desapropriação que se dirigem à propriedade privada desfuncionalizadas e pretende promover uma destinação pública pelo ente estatal Se a coisa não exerce mais a sua qualificação pública não encontrase sob o domínio público e tão pouco faz incidir o regime jurídico próprio inclusive no que tange a uma vedação ou condicionamento de sua imprescritibilidade de forma que passível de apropriação privada devese sujeitar ao preenchimento dos prazos e requisitos para os bens privados Neste sentido determina a Constituição Federal ao vedar a usucapião para os bens públicos1032 as prescrições para ocupação de áreas urbanas1033 e rurais1034 Parece claro que 1027 Decreto Federal nº 20910 de 6 de Janeiro de 1932 Art 1º As dívidas passivas da União dos Estados e dos Municípios bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal estadual ou municipal seja qual for a sua natureza prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originar BRASIL Lei Federal nº 9784 de 29 de Janeiro de 1999 Art 54 O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos contados da data em que foram praticados salvo comprovada máfé 1028 ENTERRÍA Eduardo Gárcia Sobre la Imprescritibilidad Op cit p 45 e 47 Após propõe o autor que o prazo seja de 60 sessenta anos conforme o Direito Inglês 1029 ENTERRÍA Eduardo Gárcia Sobre la Imprescritibilidad Op cit p 52 1030 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1998 Art 182 4º É facultado ao Poder Público municipal mediante lei específica para área incluída no plano diretor exigir nos termos da lei federal do proprietário do solo urbano não edificado subutilizado ou não utilizado que promova seu adequado aproveitamento sob pena sucessivamente de III desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal com prazo de resgate de até dez anos em parcelas anuais iguais e sucessivas assegurados o valor real da indenização e os juros legais 1031 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1998 Art 184 Compete à União desapropriar por interesse social para fins de reforma agrária o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária com cláusula de preservação do valor real resgatáveis no prazo de até vinte anos a partir do segundo ano de sua emissão e cuja utilização será definida em lei 1032 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1998 Art 183 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião Art 191 Parágrafo único Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião 272 272 se tais coisas não conservarem a qualificação de pública por não mais exercerem sua respectiva função social caberá a aplicação dos requisitos determinados pela lei fundamental 1033 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1998 Art 183 Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados por cinco anos ininterruptamente e sem oposição utilizandoa para sua moradia ou de sua família adquirirlheá o domínio desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural 1034 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1998 Art 191 Aquele que não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano possua como seu por cinco anos ininterruptos sem oposição área de terra em zona rural não superior a cinquenta hectares tornandoa produtiva por seu trabalho ou de sua família tendo nela sua moradia adquirirlheá a propriedade 273 273 45 Os elementos do dever de funcionalização dos bens públicos da concretização da função social pelo Estado à adequação pelo particular no caso da ocupação do Jardim Botânico no Rio de Janeiro Como abordado o dever de funcionalização dos bens públicos deve ser disposto a partir de um critério material que demande não apenas uma destinação formal mas uma efetiva ligação a uma necessidade coletiva e não exclusivo De forma que ainda que seu titular não o exerça cabe ao Estado enquanto gestor dos interesses coletivos ou outro sujeito realizálo Isto impõe inegavelmente um marco temporal que não se extingue com uma desafetação mas que antes demanda uma atualidade no atendimento da finalidade coletiva permitindo a aplicação graduada do regime jurídico especial e exigindo em seu descumprimento a possibilidade de adequação dada pelo particular Tais proposições podem ser vislumbradas em questões complexas onde haja a sujeição da coisa as variadas funções sociais por distintos titulares e por conseguinte demonstre não apenas a insuficiência das categorias tradicionais ao qual se move a questão dos bens públicos como a busca por critérios capazes de solver a problemática social instaurada Tomase como caso paradigmático a ocupação fundiária e formação da Comunidade do Horto há mais de três décadas decorrente de ato de cessão estatal aos servidores públicos para moradia funcional ocorrido no Jardim Botânico do Rio de Janeiro já que envolve eminentemente um conflito no que tange as distintas funcionalizações sociais O tema tem sido objeto de inúmeros litígios em distintas instâncias judiciais razão pela qual se delimita para a análise apenas para vislumbrar a uniformização promovida sobre as decisões de primeira instância através das controvérsias que já foram objetos de julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça Sob tal viés a egrégia corte já entendeu que por tratarse o Jardim Botânico do Rio de Janeiro de um bem público e tombado independente de ser nova ou antiga a moradia demandaria um rigoroso procedimento no que tange ao reconhecimento de eventual ocupação construção ou exploração1035 Como visto o lapso temporal da ocupação pelo particular de fato não determinará a perda da função social que enseja a não incidência da imprescritibilidade mas somente valerá 1035 BRASIL Superior Tribunal de Justiça Recurso Especial n 808708RJ Relator Min Herman Benjamin DJE 04052011 p 7 274 274 após a desvinculação da coisa a sua necessidade coletiva como um dos requisitos para o reconhecimento da adequação da função social promovida pelo sujeito privado Porém não se vislumbra que se tratando de um bem público uma coisa que exerce uma função social objeto de tombamento a adoção deste procedimento tem regime específico para os bens que exercem a finalidade coletiva de conservação do patrimônio histórico cultural havendo impedimento para que se reconheça uma eventual ocupação Já foi tratado aqui que a funcionalização de uma coisa para atendimento de um interesse coletivo não impede que possa ser igualmente destinada à outra função social mas ao revés admitese que pode se formar uma pluralidade de relações jurídicas com distintos sujeitos sem que necessariamente sejam excludentes Ademais tal qual o tombamento de um bem sob a titularidade privada não impede a sua ocupação para moradia ou exploração econômica mas apenas impõe ao seu sujeito obrigações específicas e por efeito restrições no exercício da coisa não há impossibilidade que sobre uma coisa na titularidade estatal seja dado uma destinação por particular Tanto não há impedimento para outra funcionalização do bem público que embora já tombado o jardim desde 19381036 e a chácara da floresta1037 desde 1995 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional como jardim histórico foi admitida a cessão de terras no local para ocupação por servidores públicos Desde já se exclui portanto uma feição privatista em relação ao uso original dado pela Administração Pública pois uma vez que se destinava à habitação dos servidores públicos com vista ao melhor atendimento ao serviço público inegável que tais coisas exerciam uma função social Cabe inquirir o marco temporal ao qual tal função social foi exercida uma vez que os imóveis não serviam mais para a ocupação do servidor público que não estava mais na ativa e ligado ao cumprimento do serviço público e se a moradia por seus familiares representava a realização ou adequação de uma função social Isto porque como já foi tratado aqui o que define o domínio entre o público e o privado é como a coisa está sendo direcionada para concretização de uma necessidade coletiva no caso de melhor atendimento do serviço público ou não estando sujeita a uma 1036 BRASIL Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional Lista de Bens Materiais Tombados e Processos em Andamento Fase atual rerratificação Disponível em httpportaliphangovbruploadsckfinderarquivosLista Bens Tombados Dez 2015pdf Acesso em 30052017 1037 Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional Lista de Bens Materiais Tombados e Processos em Andamento Processo n 13621995 Chácara da Floresta Fase atual instrução Disponível em httpportaliphangovbruploadsckfinderarquivosLista Bens Tombados Dez 2015pdf Acesso em 30052017 275 275 aquisição privada ela se adéqua à função social determinada pela ordem no caso a usucapião Aduz a Corte que junto ao Jardim Botânico há cerca de 140 hectares que segundo a corte são de propriedade da União o que independentemente das extraordinárias qualidades naturais e culturais já impõe que qualquer utilização uso ou exploração privada seja de caráter excepcional por tempo certo e interesse público1038 Desde já foi verificado que a existência de uma relação jurídica entre o titular e a coletividade onde a coisa exerce uma finalidade coletiva não impede o reconhecimento da formação de outra relação jurídica sob a mesma coisa caso atenda ou se adéque a outra função social Não haveria impeditivo que sob as mesmas terras ao qual há bens públicos naturais o parque do Jardim Botânico e o seu papel para o equilíbrio do ecossistema e o bem estar humano houvesse outros bens públicos artificiais a área na qual foram construídas as moradias dos servidores que uma vez desafetado dessa função social se sujeitariam a apropriação Porém sustentase equivocadamente uma apropriação de bens pelo Estado de coisas que são inapropriáveis por sua própria natureza e aduz uma formação de universalidade a variedade e numerosidade de bens individuais que o integram o patrimônio cultural tombado ou protegido como conjunto o Jardim Botânico aí incluído1039 Não há como considerar uma unidade o Jardim Botânico formado pela flora e fauna que o caracteriza como um bem público natural já que ligado naturalmente à conservação do sistema natural e bem estar local com as demais terras e edificações bens públicos artificiais na medida em que estejam afetados a uma necessidade coletiva Poderia supor que é necessário para a proteção do Jardim Botânico o espaço físico que ocupa1040 porém o critério que qualifica a coisa como pública é a função social que exerce de forma que se parte das terras do horto não se alinham a uma necessidade coletiva não pode deflagrar a proteção Isto porque enquanto sob o primeiro não há como incidir uma apropriação privada já que tais coisas por si só exercem uma função social as demais caso não se liguem à realização de uma finalidade coletiva não deflagrarão um regime jurídico especial e a imprescritibilidade que impede a apropriação particular 1038 BRASIL Superior Tribunal de Justiça Recurso Especial n 808708RJ Relator Min Herman Benjamin DJE 04052011 p 11 1039 Superior Tribunal de Justiça Recurso Especial n 808708RJ Relator Min Herman Benjamin DJE 04052011 p 12 276 276 A dificuldade parece decorrer da assimilação não apenas de um critério de titularidade já que competiria ao Estado autorizar tal uso da coisa pública como também de um caráter nitidamente patrimonialista já que se trata o bem público a partir do manuseio indevido de categorias privadas para solver a questão Isso fica claro ao determinar que no caso há ausência de uma autorização inequívoca válida e atual o que produz uma mera detenção ilícita que não gera nem pode gerar a menos que se queira contrariando a mens legis estimular tais atos condenáveis direitos entre eles o de retenção garantidos somente ao possuidor de boafé pelo Código Civil 1041 Neste tocante gera certa idiocrasia pois se por um lado utilizase tais noções privadas para afastar uma legitimidade da ocupação por particular por outro sustentase que os bens públicos federais possuem um regime jurídico especial ao qual não cabe aplicar o Código Civil exceto em caso de omissão e levando em conta os princípios próprios1042 Assim uma vez que a ocupação não decorreria de um título formal pelo Estado seria passível não apenas de seu despejo como também sem indenização por força de aplicação da lei1043 já que as benfeitorias necessárias somente serão indenizáveis se a União for previamente notificada da sua execução1044 Note que a existência de um regime normativo especial para os bens públicos não se identifica exclusivamente com a aplicação de regras jurídicas de direito público Não havendo vedação à aplicação graduada de normas de direitos privados bem como a necessária incidência das regras e princípios constitucionais Neste julgado quanto em outros recentes1045 não se discute a par da conservação do patrimônio histórico e cultural a tensão com o ajustamento a outra função social o direito social de moradia mas ao revés apoiase em exclusiva aplicação de normatividade anterior à Constituição Federal de 1988 sem buscar a adequação aos valores e bens consagrados 1040 Superior Tribunal de Justiça Recurso Especial n 808708RJ Relator Min Herman Benjamin DJE 04052011 p 13 1041 BRASIL Superior Tribunal de Justiça Recurso Especial n 808708RJ Relator Min Herman Benjamin DJE 04052011 p 8 1042 Superior Tribunal de Justiça Recurso Especial n 808708RJ Relator Min Herman Benjamin DJE 04052011 p 9 1043 DecretoLei n 9760 de 5 de Setembro de 1946 Art 71 O ocupante de imóvel da União sem assentimento desta poderá ser sumariamente despejado e perderá sem direito a qualquer indenização tudo quanto haja incorporado ao solo ficando ainda sujeito ao disposto nos arts 513 515 e 517 do Código Civil Parágrafo único Excetuamse dessa disposição os ocupantes de boa fé com cultura efetiva e moradia habitual e os direitos assegurados por este Decretolei 1044 DecretoLei n 9760 de 5 de Setembro de 1946 Art 90 As benfeitorias necessárias só serão indenizáveis pela União quando o SPU tiver sido notificado da realização das mesmas dentro de 120 cento e vinte dias contados da sua execução 1045 BRASIL Superior Tribunal de Justiça Recurso Especial n 1055403RJ Relator Min Sérgio Kunina J 07062016 277 277 Não se pode ignorar que uma vez a moradia seja consagrada como um direito fundamental social e exercida individualmente e adequada a uma função social mas sendo objeto de um grupo como no caso mais de 600 habitações há de se verificar a concretização de uma necessidade coletiva Ao invés de buscar uma exegese com os interesses e direitos tutelados pela Constituição tratase a questão à luz de uma posse que não oferece garantia de permanência de modo que a posse anterior em nada muda esta situação simplesmente porque nenhum particular pode possuir bens públicos exercendo sobre estes a mera detenção1046 De fato as coisas qualificadas como públicas implicam na aplicação de um regime jurídico especial com a incidência do atributo de imprescritibilidade porém isto não significa que o critério que defina tal natureza seja a titularidade mas a partir de um elemento teleológico àqueles que concretizam uma função social Tornase necessário verificar em que medida portanto tais coisas estejam ligadas a materialização de uma função social ou não de modo a verificar se há ou não a incidência do regime jurídico especial e portanto uma imprescritibilidade ou não que permita definir qual é o papel exercido pelo particular no caso Neste viés demonstrase correto o entendimento que eventual omissão ou consentimento tácito estatal que permitiu a consolidação da ocupação ao longo do tempo não pode determinar a apropriação privada pois vigora na gestão e controle dos bens e interesses públicos o princípio da indisponibilidade1047 Todavia a imprescritibilidade é atributo concedido por regime jurídico especial que surge quando formase uma relação jurídica onde seu objeto atende a uma finalidade específica a saber a concretização de uma função social o que demanda verificar no caso quanto às referidas moradias É de se estranhar que o próprio horto florestal onde ficam as referidas casas que antes serviram à moradia dos servidores público fora tombado enquanto conjunto arquitetônico1048 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional de sua respectiva função social e inserido no patrimônio histórico e cultural nacional 1046 Superior Tribunal de Justiça Recurso Especial n 816585 Relator Min José Delgado J 05102016 1047 Superior Tribunal de Justiça Recurso Especial n 808708RJ Relator Min Herman Benjamin DJE 04052011 p 17 1048 BRASIL Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional Lista de Bens Materiais Tombados e Processos em Andamento Processo n 6411961 Horto floresta Conjunto Arquitetônico Fase atual tombado Disponível em httpportaliphangovbruploadsckfinderarquivosLista Bens Tombados Dez 2015pdf Acesso em 30052017 278 278 Porém uma vez buscada auditoria sobre a situação dos quinze processos de regularização fundiária de interesse social pela Superintendência do Patrimônio da União do Estado do Rio de Janeiro foi apontado pelo Tribunal de Contas da União suspostas irregularidades1049 É interessante notar que são apontadas como causa da ilicitude dos referidos processos não apenas o fato de abranger áreas tombadas e protegidas por legislação ambiental ou seja que atendam uma finalidade pública mas envolver igual apropriação de perspectiva de patrimonialidade sob as coisas públicas Assim denota a corte que devese considerar que o preço médio do metro quadrado dos imóveis naquela área está entre os mais altos do País inspirando maiores cuidados na gestão das terras públicas ali localizadas cuja reflexão na imprensa poderia elevar a expectativa da população sobre a atuação fiscalizadora deste Tribunal1050 Parece haver uma preocupação em manutenção da coisa sob a titularidade estatal não na medida em que há o atendimento de uma função social mas em garantir sob tais bens ao qual há um valor econômico relevante uma propriedade estatal inclusive com a proposta de remoção das famílias carentes para outra comunidade de acordo com a lei 1051 A previsão legal ao que se refere a precedência na regularização fundiária de ocupantes removidos decorre antes pela impossibilidade de adequação da função social daqueles bens1052 do que de uma necessidade de conservação da coisa sob a titularidade estatal que sequer pode dar destino ao cumprimento da finalidade coletiva para os mesmos Há uma nítida tratativa das coisas públicas a partir de um vértice de patrimonialidade pelo modo como até 2013 sequer o parque encontravase delimitado os 130 hectares1053 que só então passaram a ser objeto de registro em cartório o que corresponde a uma busca por instrumentos civis para uma celeuma que não se liga a tais categorias privatistas A par da controvérsia é preciso observar se os residentes no horto do jardim botânico constituem uma população tradicional que deve ter reconhecida tais terras pela função que 1049 Tribunal de Contas da União Processo nº 03018620102 1050 Tribunal de Contas da União Processo nº 03018620102 Acórdão p 23 1051 Tribunal de Contas da União Processo nº 03018620102 Acórdão p 1213 1052 Lei Federal nº 11977 de 7 de Julho de 2009 com Redação dada pela Lei nº 12424 de 2011 Art 3 Para a indicação dos beneficiários do PMCMV deverão ser observados os seguintes requisitos III prioridade de atendimento às famílias residentes em áreas de risco ou insalubres ou que tenham sido desabrigadas III prioridade de atendimento às famílias residentes em áreas de risco insalubres que tenham sido desabrigadas ou que perderam a moradia em razão de enchente alagamento transbordamento ou em decorrência de qualquer desastre natural do gênero 1053 MIRANDA FILHO Armando Existe solução justa para o caso do Jardim Botânico do Rio de Janeiro Revista de Direito GV Fundação Getúlio Vargas vol8 no2 São Paulo JulyDec 2012 P 501 279 279 exercem na conservação do patrimônio histórico cultural brasileiro1054 ou se há a realização de um direito fundamental a moradia por aquele grupo tal caso reforça a celeuma aqui tratada Embora claramente reconhecido no direito privado que os bens devem se sujeitar a uma adequação para uma função social e essa pode ser determinada por outros atores sociais de forma a concretizar os fins e objetivos da ordem jurídica no que tange aos bens públicos que devem se ligar à concretização de uma necessidade coletiva há certa dificuldade Seja a tentativa de tratar a questão a partir de categorias privadas como patrimônio ou posse seja a investida em versar a problemática à luz de elementos públicos como soberania ou potestades conduz a uma dificuldade de garantir o regime próprio que devem possuir tais coisas e a sua adequação à realidade social e aos deveres impostos pelo Direito Determinar que os bens sejam qualificados como público na medida em que estejam ligados de forma material e nãoexclusiva à concretização de uma função social enquanto a mesma persistir importa em admitir que sobre tais coisas ainda que o Estado atenda uma finalidade coletiva outros sujeitos possam buscar realizála ou adequar o bem as mesmas Assim como o dever de funcionalização dos bens públicos impõe ao seu titular ou ao Estado enquanto gestor dos interesses dos bens da coletividade o dever de concretização da função social isto não traduz impeditivo de sobre tais coisas o particular possa direcionála de forma não exclusiva a outra finalidade coletiva ou se inexistindo a uma apropriação privada Há de se reconhecer que sob coisas que exercem por sua própria natureza uma finalidade pública como o Jardim Botânico em si não há de se admitir uma apropriação privada ou uma funcionalização por particulares que signifique a perda da finalidade que exercem no equilíbrio do ecossistema e o bem estar da comunidade Porém ademais como as terras em seu entorno há de se reconhecer a realização de outra função social como o próprio Estado fez com a moradia funcional para servidores públicos garantindo melhor atendimento ao serviço público porém se perdeu com a morte dos agentes e a omissão estatal que resultou em sua continuidade para moradia Sob tais coisas embora pudesse se admitir uma apropriação privada já que não mais ligada pelo Estado a nenhuma necessidade coletiva há de se admitir que a ocupação histórica 1054 Neste sentido SOUZA Laura Olivieiri Carneiro de Dossiê Histórico do Horto Florestal do Rio de Janeiro Rio de Janeiro Associação de Moradores e Amigos do Horto 2013 280 280 por uma comunidade ao qual inclusive houve tombamento das suas edificações pelo próprio Estado parece corresponder não a uma adequação mas concretização de uma função social Compreender tal entendimento demanda porém o esforço de despirse de uma inadequada identificação de domínio público com domínio estatal para aceitar que dadas coisas irão exercer função social ainda que não estejam sob uma titularidade dos poderes públicos o que se adéqua com as transformações do Estado e do Direito Igualmente a incidência do regime jurídico de direito público que irá impedir a aquisição por alienação ou prescrição não decorre apenas dessa titularidade estatal mas só poderá incidir na medida em que esteja ligada à realização de uma função social que demande uma proteção especial para coisas que exercem uma destinação a ser protegida Impõe portanto um redimensionamento do Estado que não será mais tido como o titular das referidas coisas e pode retirálas de sua destinação pública de acordo com uma discricionariedade mas será o gestor das funções que elas exercem ainda que estejam sob a sujeição de outros atores sociais Isso resultará na identificação de um dever de funcionalização dos bens públicos que centrese a partir da proteção do elemento teleológico impedindo que o Estado mantenha coisas desfuncionalizadas e garantindo o reconhecimento de que o particular dotouas de uma função pública ou diante da sua perda promoveu uma adequação à mesma Situase portanto a questão além dos dogmas perpetuados a partir de uma teoria dos bens públicos estruturada sob o século XIX onde a questão volviase à afirmação da soberania do Estado Nacional à luz de influxos centralizadores ou liberalizantes em que cabia ao ente público a gestão plena de seus interesses Diante de uma pluralidade de interesses públicos da consagração de inúmeros atores sociais da despublicização da persecução da necessidade coletiva e das insuficiências do Estado em lidar com a pluralidade de serviços e atividades coletivas há de se buscar uma teoria dos bens públicos que se adéque aos desafios contemporâneos Sob tal viés parece que no limiar do século XXI diante da crise de legitimidade estatal do crescimento da participação dos atores sociais na ação pública da consagração de fins e objetivos pela ordem jurídica e o reconhecimento do dever de função social como princípio do Direito faz com que o elemento funcional assuma o centro da teoria dos bens públicos 281 281 CONCLUSÃO Na matriz romanogermânica foi veiculado o domínio público como uma teoria construída pela literatura francesa a partir de uma interpretação da res publicae do direito romano capaz de formar uma disciplina jurídica que atribua aos bens públicos determinados caracteres permitindo que conserve a titularidade estatal Todavia a expressão domínio público não deve ser identificada com uma única teoria mas ao revés reconhecer que abrange variadas escolas que irão buscar o fundamento da qualificação da coisa como pública e portanto da formação de seu regime normativo desde sua associação com a noção de soberania estatal até a de função pública Neste sentido embora justificável para a literatura tradicional do século XIX a fundamentação de tal teoria na figura de puissance publique como forma de afirmação do Estado soberano todavia superado o contexto históricosocial subjacente e diante da evolução das instituições públicas e da própria ciência jurídica não se justifica a manutenção Com a ascensão do Estado Constitucional de Direito encontrase fundamentada uma teoria do domínio público na medida em que esta se relaciona com os deveres constitucionais oriundos da partilha de competências e bens entre os entes públicos decorrentes dos deveres de proteção e concretização dos valores interesses bens e direitos constitucionais Ademais a noção de domínio envolve a própria compreensão do tratamento normativo dada a coisa De modo que mesmo em tal família jurídica há a divergência da experiência alemã que propõe uma dualidade na noção de coisa e da literatura francesa que a partir de uma unidade as distingue apenas quanto ao seu regime jurídico Em nossa ordem normativopositiva e ciência jurídica adotouse a concepção de unidade no que tange ao tratamento da coisa o que aliado uma ausência de regulação normativa impôs não apenas a aplicação do conceito de propriedade à relação pública mas a própria incidência das normas civis para regular as omissões nas matérias Neste sentido a proposta de um regime normativo específico e exorbitante para os bens públicos dotandolhes de características próprias e apartadas do regime jurídico comum que são dotadas as demais coisas privadas igualmente se demonstra incapaz de lidar com determinados bens Assim como as insuficiências da própria disciplina pública Sustentamse a existência de bens dominicais para o Estado que uma vez desafetados de qualquer finalidade pública não ensejam a aplicação do regime normativo específico todavia se submetem de forma mitigada ou parcial a tal disciplina o que não se adéqua a sua referida natureza não sendo capazes de integrálos ao domínio público 283 283 Assim embora propugne um regime jurídico especial e exorbitante às coisas públicas com a concessão de prerrogativas e limitações bem como busque se construir teorias acerca da relação do Estado com tais bens sob o rótulo de domínio público acabase por apropriar do conceito privado de propriedade em uma perspectiva tipicamente patrimonialista Tal feição demonstrase na forma por um lado pretendese uma disciplina normativa que atribua caracteres específicos aos bens públicos evitando a sua apropriação privada como a inalienabilidade e a imprescritibilidade por outro permite ao Estado a sua própria disposição através do processo de desafetação Ignora as transformações ocorridas na própria disciplina civil da coisa que buscam adequar os seus institutos e categorias ao fenômeno de despatrimonialização e repersonalização do direito comum e portanto à ordem jurídicoconstitucional pluralista e voltada à proteção do homem Por outro lado filiase a matrizes teóricas administrativistas de feições autoritárias que sustenta uma posição da Administração Pública enquanto titular de poderes e prerrogativas para determinar e buscar promoção dos interesses públicos ao revés de sujeita a deveres e competências para a promoção dos bens valores interesses e direitos qualificados Isso se demonstra na própria forma que as escolas do domínio público buscam distintos critérios de delimitação dos seus referidos bens que volvem em sua maioria a processos como a titularidade do acervo ao revés da natureza das coisas do seu regime normativo ao contrário da sua finalidade Por efeito se demonstram mesmo que combinados insuficientes para delimitar um acervo plural formado por bens sob a titularidade do Estado e outros que não se admite a sua apropriação Coisas afetadas à finalidade pública e outras que não se ligam ao munus publico por um regime público que se aplica ainda que parcialmente às coisas do caráter privado Neste estado de arte dos bens públicos há de se admitir a complementariedade do regime de direito privado seja pela ausência de regulação plena dos institutos como por exemplo a previsão das formas de sua aquisição seja pela igualdade da existência de coisas tidas como públicas mas que se movem em categorias privadas A desmistificação dos bens públicos envolve ainda reconhecer a impossibilidade de formação de um regime jurídico único capaz de regular as referidas coisas decorrentes da própria pluralidade de entes autônomos da especificidade dos bens igualmente da insuficiência da norma civil na tutela do tema Neste sentido ao contrário dos Estados Unitários como a França onde é possível a formação de um Código dos Bens Públicos a consagração de um modelo de Estado Federado 284 284 com autonomia políticoadministrativa aos entes conduz inexoravelmente à uma regulação legislativa e administrativa própria dando feições distintas à tutela dos bens públicos Embora a Constituição Federal enquanto lei fundamental veicule a partilha de bens e competências entre os entes federados inclusive com injustificável ausência de disposição em relação aos Municípios e Distrito Federal disponha em alguma medida de alguns atributos dos bens públicos com regulação insuficiente Igualmente o Código Civil não parece exercer o papel de lei geral no que tange a regulação dos bens públicos cabendo antes a sua classificação e designação de atributos do que efetivamente uma plena disposição sobre normas nacionais relativas à aquisição gestão e disposição das referidas coisas Ao revés adota o critério da titularidade na qualificação dos bens públicos em uma perspectiva patrimonialista das coisas públicas que reforça a assimilação da noção de um EstadoProprietário que exerce as faculdades típicas de dominus inclusive à disposição sob uma suposta relação de propriedade Tanto a insuficiência da regulação normativa pelo código civil quanto o tratamento dos bens públicos a partir de uma noção de propriedade é verificado pela adoção na literatura pátria da aplicação de institutos negociais do direito privado para coisas públicas como doação compra e venda e afins Todavia corresponde a incongruência a construção de uma teoria do domínio público que pretende traçar fronteiras nítidas com regime privado para a adoção de normas do direito comum no que se trata dos bens públicos ainda mais considerado a inexistência de previsão legal para a sua aplicação que ocorre de forma seletiva pela literatura jurídica Ademais a propriedade é um direito fundamental do homem que se consagra nas revoluções liberais como forma de limitação do arbítrio do poder e proteção de uma esfera de autonomia privada frente ao Estado de modo que parece inadequado sustentar tal relação jurídica para o Estado em face da coletividade Diante das limitações do Código Civil surge uma constelação normativa no âmbito nacional regional e local para regular sobre os bens públicos quanto ao seu uso coletivo ou associado pelos entes públicos cessão individual exploração privada ou consorciada e alienação legal ou negocial que dificultam uma sistematização científica de um regime único Ademais tanto a construção teórica do domínio público quanto a disciplina jurídica dos bens públicos não é capaz de lidar de forma satisfatória com as questões contemporâneas que envolvem as tensões com o privado em especial no que tange questões como ocupação dos bens de uso comum do povo abandono dos especiais e alienação dos dominicais 285 285 Por um lado sustentase de forma generalizada uma inalienabilidade dos bens públicos inclusive os bens naturais quando na realidade corresponde a uma inapropriabilidade por agentes privados ou pelo próprio Estado que atua como gestor dos referidos bens que em sua natureza já exercem uma afetação à finalidade pública Todavia isto não impede a sua cessão individual ou exploração econômica desde que seja para o exercício da atividade de persecução de um interesse público ou resulte em benefício direto para a comunidade vedandose permissões ou autorizações para satisfação exclusiva de interesses privados Razão pelo qual devese afastar de apropriações exteriorizadas pela própria linguagem com a sujeição dos referidos bens públicos como recursos naturais cuja exploração decorra do próprio exercício do direito de propriedade individual uma vez que embora de uso comum do povo não impede as restrições necessárias à proteção do referido interesse público Sob tal viés as ocupações com fins de moradia sob os bens públicos naturais não se sujeitam a uma aquisição privada pois é da própria natureza dos referidos bens a sua impossibilidade de apropriação o que não impede todavia o reconhecimento da formação de outra relação jurídica tendo as referidas coisas por objeto Neste sentido há uma incongruência em sustentar que sob tais bens podem ser formadas relações jurídicas que permitam a exploração pela iniciativa privada como no caso das minerações mas não admitir que sejam reconhecidas outras relações jurídicas para atendimento de outros interesses constitucionais como a moradia No próprio Direito Francês cuja rigidez teórica conduziu a um longo período sem reconhecimento de outras relações jurídicas formadas sobre as coisas públicas consagraram se os chamados direitos reais administrativos entre particulares inclusive de forma transmissível como no caso das permissões Se há uma vedação material em relação aos bens públicos naturais pela sua natureza e destinação para o reconhecimento da ocupação não parece haver nenhum impedimento para reconhecimento que o abandono de bens públicos artificiais resulte em perda da sua afetação pública e admita a aquisição privada Isto porque a cláusula ou princípio de inalienabilidade dos bens públicos não corresponde a uma vedação absoluta à sua aquisição mas ao revés é admitida de forma condicionada através da lei e do processo de desafetação que embora a literatura jurídica majoritária considere apenas pela via formal deve ser tida no campo material Seria uma incongruência admitir que o Estado possa através de uma desafetação formal retirar o destino público de uma coisa permitindo a sua alienação e ao mesmo tempo 286 286 vedar que coisas que não exerçam uma finalidade pública não possam ser dotadas de outra destinação igualmente pública por um sujeito particular Sendo o critério da afetação o elemento central da teoria do domínio público e da formação do regime jurídico dos bens públicos é através do mesmo que adquirem os bens a qualificação de público e portanto a sua vedação à apropriação pelo particular de forma a resguardar a sua destinação coletiva Em sentido próximo não tendo a coisa uma afetação à finalidade pública não deve portanto se sujeitar as restrições decorrentes do regime jurídico de direito público imposto as mesmas de forma que não se sustenta a disciplina especial dada aos bens dominicais por guardarem feições tipicamente privadas Se por um lado poderia sustentar que o aporte público dota a coisa de uma finalidade pública por outro a formação patrimonial privada para atuação como sujeito privado na ordem econômica e social não pode conduzir a sua sujeição Em ambas as hipóteses há restrições que condicionam os referidos bens públicos Parece confundirse titularidade estatal com bem público De forma que atribuem qualificação às coisas sem finalidade pública sob a suposta propriedade estatal de um regime rígido de alienação que é incompatível com sua natureza e destinação enquanto aos bens funcionalizados admitese o regime de flexibilização com alienação mediante a desafetação Note portanto que as deficiências na resolução dos conflitos resultam da persistência na identificação de domínio público com domínio estatal dos bens públicos como aqueles sob a titularidade dos poderes públicos ainda que desfuncionalizados e a submissão do regime especial como decorrência de uma propriedade estatal Por esta razão propõese uma teoria do domínio público que atenda a especificidade da relação jurídica do Estado com a sociedade tendo por objeto as coisas que são afetadas a uma finalidade coletiva que seja capaz de solver os conflitos e questões contemporâneas decorrentes do uso exploração e alienação dos bens públicos Por um lado não se pode pretender adotar a res publicae enquanto elemento central na regulação do Direito Romano de outra realidade política histórica e social para a construção de uma teoria dos bens públicos diante de uma ordem plural e voltada ao dever geral de funcionalização das coisas e da propriedade Por outro não convém ignorar que a afetação era o critério que dotava as coisas de uma natureza pública que não se confundia com a titularidade estatal mas antes representava aqueles bens essenciais à comunidade e portanto inapropriáveis ao qual cabia ao Estado apenas a sua gestão 287 287 Corresponde a uma construção moderna e francesa com a atribuição da personalidade jurídica ao ente público a apropriação da noção privada de pessoapatrimônio para dotar o Estado de um acervo patrimonial quando parece adequada a compreensão alemã de que as coisas públicas não podem ser confundidas com as privadas Noções como propriedade patrimônio e senhorio se amoldam à noção de direito público subjetivo exercido pelo particular em relação à coisa privada face ao Estado e a outros particulares mas não se adéquam aos bens públicos enquanto qualificados pelo destino que exercem e exteriorizam um dever de gestão por aquele ente moral Sob tal viés há de se reconhecer que o domínio público é formado apenas pelos bens dotados de uma destinação a uma finalidade pública pois não justificaria a construção de uma teoria e formação de um regime jurídico protetivo para coisas excluindoas de parte do comércio jurídico senão para preservar a sua finalidade Porém isto não significa ignorar que haja distinção entre o fundamento e efeitos dessa destinação pública de forma a discernir um domínio público não estatal de coisas afetadas por sua natureza e portanto indisponíveis até mesmo para o Estado de um domínio público estatal de coisas afetadas por atos e portanto inalienáveis enquanto vigente Significa portanto que a qualificação jurídica de público dada aos bens decorre da relação jurídica formada não do Estado sob a coisa mas do ente público com a coletividade tendo por objeto determinadas peças que irão servir a dados fins no caso do ente moral sempre o atendimento ao interesse público qualificado por lei Neste sentido afastase a classificação de tal relação jurídica como de propriedade já que não existe um dominus que dotado de autonomia de vontade pode ou não exercer as suas posições jurídicas tradicionais uso fruição disposição e reivindicação em face da coletividade e do Estado Tratase de uma relação jurídica de direito público e portanto o Estado atua enquanto gestor dos interesses públicos de modo que em relação a tais bens exerce deveres constitucionais decorrentes da partilha de atribuição pela lei fundamental bem como o dever de concretização dos bens valores direitos e interesses essenciais Desse modo não podem existir bens públicos que não exerçam uma finalidade pública e sob a titularidade estatal sem que sirvam ao interesse público conquanto tais são os elementos que traduzem não apenas a formação mas a própria legitimidade da configuração tanto das coisas quanto do ente como públicos Uma vez que os bens públicos por sua natureza se sujeitem à apropriação privada e não sendo dotados de uma afetação a uma finalidade pública não é possível conservar a sua 288 288 qualificação como pública já que não cabe ao Estado exercer um papel de proprietário mas apenas de gestor dos interesses fundamentais da comunidade Por efeito os elementos essenciais do regime jurídico decorrente do domínio público inalienabilidade impenhorabilidade e imprescritibilidade aplicamse apenas aos bens qualificados como públicos não em seu aspecto formal e estático mas em uma concepção material e dinâmica Dessa forma constróise uma teoria dos bens públicos que centrada na afetação à finalidade pública e portanto na prossecução do interesse público é capaz de lidar com os conflitos oriundos de interesses privados sem adotarse a discutível fórmula da supremacia sem partir de uma perspectiva liberal e maximizante dos direitos fundamentais Com tal concepção garantese uma adequação a uma ordem jurídicoconstitucional marcada por uma pluralidade de bens e valores essenciais da comunidade de forma a preservar os bens públicos na medida em que se destinem a satisfação dos interesses públicos e nos demais casos sujeitemse à ação privada realizando direitos igualmente tutelados Assim propõe uma solução capaz de permitir nos conflitos entre a exploração individual e a destinação coletiva a ocupação privada e o abandono público a natureza privada dos bens dominicais e a alienação especial pelo regime de direito público uma solução que represente a tutela dos bens públicos e a proteção dos direitos fundamentais 289 289 REFERÊNCIAS AAGAARD Todd S Regulatory Overlap Overlapping Legal Fields and Statutory Discontinuities Virginia Environmental Law Journal Vol 29 No 3 2011 ABREU J Capistrano de Capítulos de História Colonial 15001800 Brasília Conselho Editorial do Senado Federal 1998 ALEMANHA Tribunal Constitucional Federal BVerfGE 39 15 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forma entre aquele que detém a titularidade formal do bem e a coletividade de pessoas inclusive Estado Essa relação jurídica que tem como sujeito a coletividade possui como objeto uma ampla abstenção que consiste na necessidade de os não proprietários respeitarem o exercício da situação de ingerência econômica do titular sobre a coisa PROPRIEDADE E DOMÍNIO PROPRIEDADE Com isso a propriedade não é o retrato material do imóvel com suas características físicas mas a feição econômica e jurídica que a representa formalmente dotando a propriedade de uma situação ativa que lhe permita o trânsito jurídico de titularidade e a proteção plena do aparato jurisdicional Disso avanço para a compreensão da propriedade como uma relação jurídica complexa formada entre o titular do bem e a coletividade de pessoas PROPRIEDADE E DOMÍNIO PROPRIEDADE Se a propriedade é observada pela lógica da relação jurídica a ela inerente a seu turno o domínio repousa na situação material de submissão direta e imediata da cosia ao poder do seu titular mediante o senhorio pelo exercício das faculdades de uso gozo e disposição Nesse ponto quanto à natureza de seu conteúdo temse que o domínio é um direito real que se exerce através da posse O proprietário exercita ingerência sobre coisas domínio e pede a colaboração de pessoas propriedade Disso se verifica a ideia de propriedade plena quando se tem todos os poderes do domínio em uma só pessoa PROPRIEDADE E DOMÍNIO PROPRIEDADE Destarte a propriedade consiste na titularidade do bem já o domínio se refere ao conteúdo interno da propriedade sendo que um existe em decorrência do outro Por conseguinte é possível compreender o domínio como a relação material de submissão direta e imediata da coisa ao poder de seu titular através do exercício das faculdade de uso gozo e disposição PROPRIEDADE E DOMÍNIO PROPRIEDADE Simplificando a ideia de propriedade para o próximos fins propriedade como sendo um conjunto de direitos sobre um recurso que o dono está livre para exercer e cujo exercício é protegido contra a interferência por outro agentes O artigo 1228 traz consigo um conjunto de faculdades que são as inerentes ao domínio As faculdades não são direitos autônomos mas poderes ínsitos à situação de proprietário As faculdades do domínio eventualmente podem ser destacadas pelo seu titular implicando na formação de direitos reais sobre coisa alheia ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE Todavia mesmo quando há o destaque de uma das faculdade do domínio o direito de propriedade se mantém exclusivo O que se tem é o domínio unificado coincide com a propriedade plena o domínio fracionado resulta na propriedade limitada ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE USAR É a faculdade do proprietário de servirse da coisa de acordo com a sua destinação econômica O uso será direto ou indireto conforme o proprietário conceda utilização pessoal do bem ou em prol de terceiro ou deixeo em poder de alguém eu esteja sob sua ordens servidor da posse Mesmo o uso sem utilização atual caracteriza essa faculdade dominial Ex casa na praia que está sempre ao seu alcance ALERTA O uso não é mais uma faculdade do proprietário mas um dever já que a falta de exercício tem efeitos jurídicos O problema do acesso aos bens ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE GOZAR A faculdade de fruir consiste na exploração econômica da coisa mediante a extração de frutos e produtos que ultrapassem a percepção dos simples frutos naturais Distinção entre frutos naturais faculdade de usar industriais e civis ambos são faculdade de gozar É importante a distinção entre frutos e produtos que reside na renovação constante dos frutos à medida que são retirados Em contrapartida os produtos vãose exaurindo quando extraídos da natureza sem possibilidade de renovação ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE GOZAR Conforme art 1232 o proprietário faz jus tantos aos frutos como aos produtos Inseridos estes na categoria dos bens acessórios aplicase o famoso brocardo o acessório segue a sorte do principal art 92 CC Também decorre do jus fruendi direito de fruir o direito às pertenças De acordo com o art 93 do CC não constituem parte integrante da coisa mas se destinam de modo duradouro ao uso serviço ou aformoseamento de outro bem benfeitoria Ou seja as pertenças guardam sua autonomia ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE GOZAR Ou seja nas pertenças as pertenças não se ligam a coisa principal prevalecendo o princípio da não aderência Ex os tratores de uma fazenda são intencionalmente empregados na exploração econômica do imóvel e a ele subordinados no sentido econômico jurídico O que se tem é que não aderem à coisa sendo possível a sua retirada pelo possuidor quando derrotado em ação petitória ou possessória ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE DISPOR Entendese como dispor a faculdade que tem o proprietário de alterar a própria substância da coisa É a escolha da destinação a ser dada ao bem a mais ampla forma de concessão de finalidade econômica ao objeto do direito real A disposição pode ser material ou jurídica Enquanto no exercício dos poderes de usar e fruir o proprietário não se priva da substância da coisa pois aquelas faculdade podem ser destacadas em favor de terceiros sem que seja atingida a condição jurídica do proprietário ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE DISPOR A disposição material da coisa é percebida por atos como a destruição material do bem ou o seu abandono Em ambos os casos o proprietário pratica atos físicos que importam em perda da propriedade art 1275 inc III e IV CC Obs Bens consumíveis disposição material e fruição coisa possíveis confusões e proibição a qualquer norma limitativa ao gozo ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE DISPOR A outro turno a disposição jurídica pode ser total ou parcial Total quando o proprietário praticar ato de alienação importando em mutação subjetiva do direito real a alienação será onerosa venda ou gratuita doação Nos dois casos o adquirente sucederá o alienante em todas as faculdades do domínio ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE DISPOR Já a parcial é percebida no instante em que são instituídos ônus reais sobre o bem O proprietário dispõe parcialmente da coisa quando institui um gravame sobre ela tal com o usufruto ou hipoteca Nas duas situações o proprietário manterá a titularidade apesar da convivência com um direito real sobre coisa alheia como o do credor hipotecário ou um usufrutuário que recebe temporariamente certas faculdades do domínio Isso também ocorre quando é gravado por cláusula de inalienabilidade art 1911 CC ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE REIVINDICAR Compreendido como elemento externo ou jurídico da propriedade representa a pretensão do titular do direito subjetivo de excluir terceiros de indevida ingerência sobre a coisa permitindo que a o proprietário mantenha a sua dominação sobre o bem realizando verdadeiramente atuação socioeconômica sobre a coisa Portanto enquanto usar gozar e dispor se relacionam com o exercício do senhorio pelo dono sobre a coisa a pretensão reivindicatória se qualifica como uma tutela do próprio direito subjetivo ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE REIVINDICAR Se a tutela é no campo do direito subjetivo a ação reivindicatória é de natureza obrigacional e não real Ou seja a pretensão reivindicatória e uma obrigação de fazer por parte do réu consistente na atividade de devolução do bem pretensão obrigacional sendo que a causa de pedir é a violação do dever genérico de abstenção donde surge o direito de sequela A propriedade é estruturada ao redor da norma moral da inviolabilidade sendo a faculdade de reivindicar um instrumento de defesa que fortalece a norma da inviolabilidade tanto em termos de efetividade objetiva quanto coerção subjetiva ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE REIVINDICAR Sendo a via de exercício da faculdade de reivindicar a ação reivindicatória para que se obtenha êxito na demanda para a doutrina clássica é suficiente demonstrar o direito subjetivo da titularidade da propriedade sem qualquer discussão fática sobre a qualidade da posse de terceiro Para o que se tem atual sobre a legitimação passiva para a ação reivindicatória a noção ampla de posse injusta a que alude o art 1228 CC não corresponde ao conceito restrito de posse injusto do art 1200 CC Em verdade é aquela desamparada que causa jurídica eficiente ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE A ação reivindicatória é o meio legal para o proprietário reaver a coisa de quem a possua injustamente sem direito obrigacional ou real A posse injusta da coisa que autoriza a ação reivindicatória não se confunde com a qualificação da posse constante do art 1200 do Código Civil Na ação reivindicatória a injustiça da posse significa posse exercida sem direito real sobre a coisa ou sem causa obrigacional que a autorize Irrelevante para fins de reivindicatória o exercício da posse sem violência clandestinidade ou precariedade bem como não afasta seu acolhimento eventual boafé do possuidor IV Dispositivo Recurso desprovido TJSP Apelação Cível 10081188920208260278 Relator a Enéas Costa Garcia Órgão Julgador 1ª Câmara de Direito Privado Foro de Itaquaquecetuba 2ª Vara Cível Data do Julgamento 24022025 Data de Registro 24022025 ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE Ao dispor o art 1231 do Código Civil que a propriedade presumese plena e exclusiva até prova em contrário estabelecese a presunção em favor do titular Se houver qualquer restrição ao direito de propriedade cabe a quem alega afastar a presunção de plenitude e exclusive de caráter juris tantum passível de ser elidida EXCLUSIVIDADE PERPETUIDADE ELASTICIDADE E CONSOLIDAÇÃO PRINCIPAIS ATRIBUTOS DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE EXCLUSIVIDADE A mesma coisa não pode pertencer com exclusividade e simultaneamente a duas ou mais pessoas em idêntico lapso temporal pois o direito de proprietário proíbe que terceiros exerçam qualquer senhorio sobre a coisa No condomínio puro e simples não há elisão ao princípio da exclusividade eis que pelo estado de indivisão do bem cada um dos proprietários detém fração ideal do todo Isto é como ainda não se localizaram materialmente por apenas possuírem cotas abstratas tornamse donos de cada parte e do todo ao mesmo tempo PRINCIPAIS ATRIBUTOS DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE PERPETUIDADE A propriedade tem duração ilimitada subsistindo independentemente do exercício de seu titular sendo transmitida por direito hereditário aos sucessores extinguindose somente pela vontade do dono ou por disposição expressa de lei nas hipóteses de perecimento da coisa desapropriação ou usucapião É por isso que apesar de incorporada ao gênero das ações reais reputase a pretensão reivindicatória como perpétua podendo o proprietário usar o atributo da sequela a qualquer tempo PRINCIPAIS ATRIBUTOS DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE PERPETUIDADE O exemplo que esclarece usucapião O proprietário não perde o domínio pelo não uso prolongado da coisa e sim pela posse reiterada do usucapiente A conquista do usucapião seria o mérito exclusivo do possuidor que alcança os requisito legais pois isoladamente o demérito do proprietário inerte não lhe acarretaria a sanção da privação do direito de propriedade Por outro lado há a doutrina que rechaça a intangibilidade da propriedade ou imprescritibilidade de pretensões reivindicatórias O argumento central é a função social da propriedade fundada na finalidade normal da propriedade PRINCIPAIS ATRIBUTOS DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE PERPETUIDADE Uma prova da flexibilização da perpetuidade do direito de propriedade seria o cumprimento de função social quando o ordenamento possibilita o imóvel urbano ou rural ser arrecadado pelo Poder Público como abandonado quando cessados os atos de posse deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais Vale dizer haverá uma presunção absoluta de abandono do imóvel de quem não utiliza o bem e deixa de cumprir as obrigações propter rem PRINCIPAIS ATRIBUTOS DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE ELASTICIDADE E CONSOLIDAÇÃO O direito subjetivo de propriedade abrange um complexo de faculdade que não sofrerá cisão se uma delas for temporariamente desmembrada do conjunto prevalecendo a unidade do direito subjetivo com a preservação do significado jurídico da propriedade Ou seja apesar de o direito de propriedade perseverar com titularidade exclusiva a elasticidade poderá resultar em cisão dos poderes dominiais em favor de outras pessoas PROPRIEDADE PLENA v PROPRIEDADE LIMITADA PRINCIPAIS ATRIBUTOS DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE ELASTICIDADE E CONSOLIDAÇÃO Com efeito o domínio pode ser distendido amplamente elástico A essa situação dáse o nome de propriedade plena ou alodial quando há concentração dos atributos Ademais alodialidade é uma qualidade do imóvel sobre o qual não incidem ônus reais Quando forem destacados poderes para a formação de direitos reais sobre coisa alheia dáse o nome de propriedade limitada podendo inclusive advir de uma transmissão gratuita de direito de propriedade como cláusula de inalienabilidade PRINCIPAIS ATRIBUTOS DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE ELASTICIDADE E CONSOLIDAÇÃO O princípio da consolidação ou da força de atração indica que todas as contrações do domínio serão transitória e anormais Após certo tempo as compressões cessam e reunificados os direitos desmembrados reassume o titular da propriedade o domínio em sua plenitude Nesse ponto percebese dois modelos antagônicos de um lado a exclusividade e de outro a elasticidade sendo que a consolidação afirma a tendência à exclusividade PRINCIPAIS ATRIBUTOS DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE O art 1229 do Código Civil delimita a extensão vertical da propriedade abrangendo o espaço aéreo e subsolo correspondente em altura e profundidade útil ao exercício do direito subjetivo sendo que o titular não poderá oporse injustificadamente à atuação de terceiros sobre o imóvel Um tanto diverso da propriedade romana ad sidera et ad ínferos do céu ao inferno Art 1229 A propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo correspondentes em altura e profundidade úteis ao seu exercício não podendo o proprietário oporse a atividades que sejam realizadas por terceiros a uma altura ou profundidade tais que não tenha ele interesse legítimo em impedilas A EXTENSÃO DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE Art 1230 A propriedade do solo não abrange as jazidas minas e demais recursos minerais os potenciais de energia hidráulica os monumentos arqueológicos e outros bens referidos por leis especiais Parágrafo único O proprietário do solo tem o direito de explorar os recursos minerais de emprego imediato na construção civil desde que não submetidos a transformação industrial obedecido o disposto em lei especial A EXTENSÃO DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE CONSTITUIÇÃO FEDERAL Art 20 São bens da União VIII os potenciais de energia hidráulica X as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e préhistóricos Art 176 As jazidas em lavra ou não e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo para efeito de exploração ou aproveitamento e pertencem à União garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra 4º Não dependerá de autorização ou concessão o aproveitamento do potencial de energia renovável de capacidade reduzida A EXTENSÃO DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE Nesse sentido a partir da máxima pela qual a propriedade se estende até aonde há interesse prático de seu titular temos que somente por uma ótica de ponderação de interesses postos em tensão na lógica da proporcionalidade em concreto e razoabilidade é possível definir quando é o interesse útil de exercício do propriedade Expansão de propriedade e exigência de abstinência pretensão lítica v abusiva A EXTENSÃO DA PROPRIEDADE OBRIGADO CRISTIAN ALBERTO GAZOLI DA ROCHA A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE PÚBLICA MARÍLIA 2020 CRISTIAN ALBERTO GAZOLI DA ROCHA A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE PÚBLICA Dissertação apresentada como exigência parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito em Empreendimentos Econômicos Desenvolvimento e Mudança Social à Comissão Julgadora do Programa de PósGraduação Stricto Sensu da Universidade de Marilia UNIMARSP sob orientação da Profa Dra Mariana Ribeiro Santiago MARÍLIA 2020 Rocha Cristian Alberto Gazoli da A função social da propriedade pública Cristian Alberto Gazoli da Rocha Marília UNIMAR 2020 99f Dissertação Mestrado em Direito Empreendimentos Econômicos Desenvolvimento e Mudança Social Universidade de Marília Marília 2020 Orientação Profa Dra Mariana Ribeiro Santiago 1 Estado 2 Função Social 3 Propriedade Pública I Rocha Cristian Alberto Gazoli da CDD 3413 CRISTIAN ALBERTO GAZOLI DA ROCHA A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE PÚBLICA Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília na área de concentração Empreendimentos Econômicos Desenvolvimento e Mudança Social como exigência parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito sob a orientação da Professora Doutora Mariana Ribeiro Santiago Aprovado pela banca examinadora em Profª Drª Mariana Ribeiro Santiago Orientadora Prof Dr Jonathan Barros Vita Profª Drª Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira Prof Dr Edvaldo Pereira de Brito A Laís e Leticia minhas lindas estrelas do amanhã AGRADECIMENTOS A Deus onipotente e eterno Senhor de minha essência e luz de meus pensamentos À Profa Dra Mariana Ribeiro Santiago por seus valorosos ensinamentos que agregaram inestimável conhecimento À minha esposa Laís mãe de meu mais lindo sonho Leticia presente de Deus em nossa vida A Maria Inês Gazoli da Rocha mulher que olhou em meus olhos e disse que me amava e a qual Deus me concedeu a dádiva de poder chamar simplesmente mãe A Valdeci da Rocha homem vertical construtor de meus princípios e valores a qual Deus me concedeu a dádiva de poder chamar simplesmente pai À minha irmã Consuelo a meu cunhado Fabio à minha sobrinha Letícia e a meu sobrinho Fabio família que Deus me confiou À minha segunda família Grupo de Oração Cristo Jovem por nossos anos de convivência Tenho uma espécie de dever de sonhar sempre pois não sendo mais nem querendo ser mais que um espectador de mim mesmo tenho que ter o melhor espetáculo que posso Assim me construo a ouro e sedas em salas supostas palco falso cenário antigo sonho criado entre jogos de luzes brandas e músicas invisíveis Fernando Pessoa Livro do Desassossego São Paulo Editora Brasiliense 1986 p 232 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE PÚBLICA Resumo A temática apresentada com o título de a função social da propriedade pública sugere o estudo aplicado a diversos ramos tais como o social o econômico o político o jurídico e o ambiental no plano da segunda dimensão dos direitos fundamentais O tema complexo apresenta pontos positivos e negativos O objetivo central do artigo é trazer à discussão a essência da função social da propriedade pública e uma possível solução à problemática de sua inércia A escolha do tema se justifica à medida que quanto mais organizado se mostra um Estado incluindo aqui dar cumprimento à norma constitucional que prevê a função social da propriedade maior será o seu nível de desenvolvimento Nessa pretensão o trabalho é composto por três capítulos O primeiro capítulo envolve um estudo dentro da área social econômica política jurídica e ambiental bem como promove um exame sistemático e temporal da propriedade ao longo das Constituições brasileiras relacionandose a função social da propriedade como pressuposto indispensável ao Estado Democrático de Direito pois se trata acima de tudo de um direito fundamental No segundo capítulo estudase especificamente a função social da propriedade pública acrescentando as recentes jurisprudências do Supremo Tribunal Federal que deram uma maior abrangência ao conteúdo No terceiro capítulo expõe se a dificuldadedesafio em dar uma célere solução às propriedades públicas ociosas sem função social em contraponto à agilidade observada nas propriedades privadas uma vez que aquelas passariam por uma análise política decisões de seu governante econômica provisão orçamentária e jurídica observância da legalidade Ainda no terceiro capítulo a análise se volta para a ineficiênciaincapacidade do Estado seja por má gestão política ou mesmo por falta de orçamento de destinar a função social de algumas propriedades públicas bem como a viabilidade de se adotar medidas como as privatizações concessões e as parcerias público privadas adicionando dados de propriedades públicas inativas segundo órgãos oficiais Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Ministérios Planalto etc Como conclusão entendese que a destinação da função social da propriedade pública deve ser observada com maior rigidez prevendo ainda que lentamente uma solução para sua improdutividade Por fim foram adotados os métodos de abordagem dedutivo e indutivo Os procedimentos de pesquisa aplicados foram o bibliográfico e o documental tendo como fontes a doutrina artigos científicos jurisprudência e dados de órgãos estatais Palavraschave Função Social Propriedade Pública Estado THE SOCIAL FUNCTION OF PUBLIC PROPERTY Abstract The theme presented with the title of the social function of public property suggests the study applied to several branches such as social economic political legal and environmental in terms of the second dimension of fundamental rights The theme although complex has positive and negative points The main objective of the article is to discuss the essence of the social function of public property and a possible solution to the problem of its inertia The choice of the theme is justified because as the more organized a State is including here complying with the constitutional norm that provides for the social function of property the higher is its level of development Accordingly the work consists of three chapters The first chapter involves a study within the social economic political legal and environmental areas as well as promoting a systematic and temporal examination of property throughout the Brazilian Constitutions relating the social function of property as an indispensable assumption to the Democratic Rule of Law since it is above all a fundamental right In the second chapter the social function of public property is specifically studied adding the recent Supreme Court jurisprudential that gave a greater coverage to the content In the third chapter the difficultychallenge in giving a quick solution to idle public properties without social function is exposed as opposed to the agility of private properties since those one would undergo a political analysis decisions of their ruler economic budget provision and legal compliance with legality Still in the third chapter the analysis turns to the inefficiencyincapacity of the State either due to political mismanagement or even lack of budget in allocating the social function of some public properties as well as the feasibility of adopting measures such as privatizations concessions and publicprivate partnership adding data on inactive public properties according to official bodies Brazilian Institute of Geography and Statistics Ministries Presidency etc In conclusion it is understood that the destination of the social function of public property must be observed with greater rigidity providing a solution for its unproductivity Finally the deductive and inductive approach methods were adopted The research procedures applied were bibliographic and documentary with doctrine scientific articles jurisprudence and data from state bodies as sources Keywords Social Function Public Property State SUMÁRIO INTRODUÇÃO11 1 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE COMO PRESSUPOSTO PARA O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO14 11 O ESTUDO DA PROPRIEDADE E SUA EVOLUÇÃO CONSTITUCIONAL NO BRASIL14 12 A PROPRIEDADE COMO GARANTIA DO DIREITO FUNDAMENTAL25 13 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E SUA PROXIMIDADE COM A POLÍTICA E A ECONOMIA34 14 A FUNÇÃO AMBIENTAL DA PROPRIEDADE OU FUNÇÃO ECOLÓGICA DA PROPRIEDADE 45 15 A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA49 2 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE PÚBLICA COMO INSTRUMENTO DE DESENVOLVIMENTO 54 21 BENS PÚBLICOS E AS PRINCIPAIS TEORIAS DOUTRINÁRIAS 54 22 O CONCEITO ATUAL DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE PÚBLICA NO BRASIL64 3 POSSÍVEIS SOLUÇÕES PARA ALCANCE DA FUNÇÃO SOCIAL DE PROPRIEDADES PÚBLICAS INATIVAS71 31 AS PRIVATIZAÇÕES COMO INSTRUMENTO DINÂMICO À FUNÇÃO SOCIAL DAS PROPRIEDADES PÚBLICAS INATIVAS 71 32 USUCAPIÃO DE BEM PÚBLICO E SUA FLEXIBILIZAÇÃO PARA ALCANCE DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE 75 33 AS CONCESSÕES DE USO DE BENS PÚBLICOS 81 CONCLUSÃO87 REFERÊNCIAS90 11 INTRODUÇÃO A forma dinâmica em que o Estado se desenvolve vem provocando diversos estudos no âmbito doutrinário e jurisprudencial sobre a função social da propriedade pública O tema compreende posições diversas das mais conservadoras circulando portanto pela orbita da imutabilidade às mais liberais estas lastreadas nas decisões interpretativas dos tribunais superiores A forma conservadora proporciona a estabilidade de conceitos contudo deixa de observar diversos critérios tais como o desenvolvimento no espaço e tempo social político e econômico A forma progressiva em que a temática se desenvolve é necessária ao mesmo tempo em que se faz cautelosa pois as decisões judiciais devem ser interpretativas da Constituição ou mesmo da Lei Infraconstitucional cabendo ao Poder Legislativo o controle sobre a elaboração e modificações das leis A aplicação de novos critérios necessariamente impõe a aplicação de novos limites O desenvolvimento irregular e desenfreado não interessa a nenhuma sociedade pois cria efeitos irreparáveis e irreversíveis devendo o avanço ser exercido com toda responsabilidade que lhe é peculiar A vertente liberal se mostra principalmente no processo evolutivo do conceito de poder público e a sua função social da propriedade procurando erradicar a problemática da improdutividade e maximizando os efeitos já existentes Tal movimento reflete diretamente em temas essenciais tais como a economia a política o direito o meio ambiente e a empresa Atualmente a difusão do estudo da função social deve como regra ser acompanhada pela difusão atual dos demais elementos que a acompanham por exemplo se estamos falando da função social agregada como parte do direito fundamental devemos estudar todas as gerações que existem inclusive as recentemente laboradas quarta e quinta geração a exceção fica a cargo dos conceitos que ainda não foram modificados A propriedade pública como objeto do direito constitucional fundamental é utilizada para atender às necessidades da coletividade não devendo servir como meio ocioso Aí encontrase a problemática do estudo ou seja quais as eventuais soluções dispostas pela função social para tornar produtiva a propriedade pública refutável Ou ainda como tornar mais vigorosa a propriedade pública que já atinge sua função social Tudo isso deve levar em conta 12 o plano concreto tomando como variável a legislação vigente o plano político a ser enfrentado e o escasso orçamento existente Não raro encontramos sentenças que no plano lógico jurídico são perfeitas contudo no plano material são impossíveis de serem estabelecidas tomando como base diversos fatores Para tanto as variáveis devem ser observadas pois são elas que possibilitaram a aplicabilidade e a eficiência das soluções O objetivo central do presente trabalho é justamente esse trazer à discussão a essência da função social da propriedade pública e uma possível solução à problemática no plano concreto por meio dos instrumentos infraconstitucionais disponíveis A escolha do tema se justifica à medida que quanto mais organizado se mostra um Estado incluindo aqui dar cumprimento à norma constitucional que prevê a função social da propriedade pública maior será o seu nível de desenvolvimento Daí a necessidade de se estabelecer uma lógica estudando a ordem a propriedade a função social a função social da propriedade pública e por fim os diversos dispositivos que solucionaram a improdutividade da propriedade pública Isso claro adentrando em temas correlatos ao longo da dissertação dando base e suporte às alegações Nessa pretensão o trabalho é composto por três capítulos O primeiro capítulo A função social da propriedade como pressuposto do Estado democrático de direito procura conceituar inicialmente a propriedade dando especial ênfase aos imóveis e a função social ao longo da evolução constitucional e infraconstitucional de quase dois séculos com início na Constituição do Império de 1824 e com o término na Constituição Cidadã de 1988 que atribuiu a propriedade como garantia do direito fundamental no Código Civil de 2002 e nas jurisprudências colecionadas pelos Ministros da mais alta corte brasileira o Supremo Tribunal Federal O tema ainda faz uma ligação com os aspectos políticos e econômicos mostrando que a análise colide com todos os modelos existentes Comunismo Liberalismo Neoliberalismo e Socialdemocracia Ao final aborda os diversos subramos da função social da propriedade tais como a função social da propriedade rural e a função ambiental da propriedade ou função ecológica da propriedade Ainda como conteúdo de estudo acadêmico comparativo analisa a função social da empresa Essa abordagem introdutória é necessária para estabelecer os alicerces do tema para discussão dos subsequentes capítulos Sem essa base não seria possível o desenvolvimento da presente dissertação No segundo capítulo Função Social da Propriedade Pública como instrumento de desenvolvimento estudase especificamente a função social da propriedade pública singularizando a ideia de domínio público a força de domínio que o Estado tem sobre a propriedade sua capacidade de administração e bem público domínio terrestre domínio 13 hídrico domínio mineral domínio florestal domínio da fauna domínio espacial domínio patrimonial histórico domínio patrimonial genético e domínio ambiental este sendo definido pelas diversas correntes doutrinárias como a exclusivista defendida pelo o Prof José dos Santos Carvalho Filho a inclusivista defendida por Hely Lopes Meirelles e Maria Silvia Zanella Di Pietro e a mista defendida por Celso Antônio Bandeira de Mello que servem como limitadores Analisa também os diversos atributos inerentes à propriedade pública tais como a inalienabilidade que proíbe a venda de bens públicos a imprescritibilidade regulando que não há alterações jurídicas de propriedade em decorrência de tempo a impenhorabilidade que garante à propriedade pública a proteção contra penhora a não onerosidade regulando que nenhum ônus real possa recair sobre a propriedade pública bem como a recente posição do Supremo Tribunal Federal quanto ao sequestro de Erário Público possibilitando a efetivação das decisões judiciais O capítulo segundo ao final faz uma pontual crítica aos infinitos gastos com imóveis públicos desocupados um total de 10304 imóveis em todo Brasil e até no exterior sobrepondose a ideia de prioridade com outros pontos relevantes tais como a saúde pública habitação e segurança pública Por fim buscase o conceito da função social da propriedade pública nos limites impostos pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal O terceiro capítulo Possíveis soluções para alcance da função social de propriedades públicas inativas estuda os diversos instrumentos de alcance para a resolução do conflito da propriedade pública estagnada tais como as privatizações que quando utilizadas em tempos remotos mostraram forte reação positiva do mercado econômico bolsa de valores pois houve a diminuição de gastos públicos com a manutenção das empresasfolha de pagamento e a liquidação de parte das dívidas públicas contraídas creditadas com os leilões das privatizações Não obstante criouse a Lei 803190 instituindo o Programa de Desestatização Mais à frete trata da usucapião de bem público e sua flexibilização para alcance da função social da propriedade Por fim fazse breve resumo sobre as Concessões e as Parcerias Público Privadas PPP Foram adotados os métodos de abordagem dedutivo e indutivo Os procedimentos de pesquisa aplicados foram o bibliográfico e o documental tendo como fontes a doutrina clássica e contemporânea artigos científicos jurisprudência bem como dados de órgãos estatais oficiais Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Ministério do Planejamento Ministério do Meio Ambiente Policia Federal ControladoriaGeral da União Planalto etc 14 1 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE COMO PRESSUPOSTO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO O primeiro capítulo procura definir inicialmente o conceito de propriedade e de função social através de sua evolução histórica ao longo da matéria constitucional brasileira e demais legislações infraconstitucionais Em seguida estuda a estrutura doutrinaria básica da função social da propriedade em suas linhas gerais em especial na visão de Ministros da mais alta corte brasileira o Supremo Tribunal Federal bem como seu conceito segundo o ordenamento constitucional de 1988 marco este que servirá para enfrentar os demais temas nos capítulos próximos Tem ainda o objetivo de mostrar a necessidade e a importância de tais institutos no que tange a sua produtividade sua destinação à toda coletividade e não mais exclusivamente ao proprietário sua correlação com o desenvolvimento social econômico político jurídico e ambiental de uma nação ou seja comprova a importância da matéria para o Estado democrático de direito 11 O ESTUDO DA PROPRIEDADE E SUA EVOLUÇÃO CONSTITUCIONAL NO BRASIL A primeira Constituição brasileira teve sua outorga em 25 de março de 1824 pelo então governo monárquico de Dom Pedro I possuindo o total de oito títulos 1º Do Império do Brasil seu Território Governo Dinastia e Religião 2º Dos Cidadãos Brasileiros 3º Dos Poderes e Representação Nacional 4º Do Poder Legislativo 5º Do Imperador 6º Do Poder Judicial 7º Da Administração e Economia das Províncias e 8º Das Disposições Gerais e Garantias dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Brasileiros A Europa sofria grandes transformações por meio de suas diversas revoluções o que por óbvio chamou a atenção da América Latina Liberdade igualdade e fraternidade A famosa tríade que caracterizou a Revolução Francesa também ecoou no mundo lusobrasileiro especialmente a partir da Revolução de 24 de agosto de 1820 No entanto devido às mitigadas Luzes portuguesas estas palavras não vibravam entre os membros da elite do Reino Unido com a mesma intensidade encontrada nos homens esclarecidos do mundo europeu além Pirineus De 15 qualquer modo serviram de esteio para o novo vocabulário que permeou as principais discussões na imprensa e nos folhetos de 1820 a 1823 publicados tanto no Brasil como em Portugal NEVES 2003 p 141 Dentre todas as Constituições brasileiras a de 1824 é a que durou mais tempo tendo sofrido considerável influência da Constituição francesa de 1814 Foi marcada por forte centralismo administrativo e político tendo em vista a figura do Poder Moderador constitucionalizado e também por unitarismo e absolutismo LENZA 2012 p 101 A estrutura demonstra o Governo como prioridade acima dos direitos individuais e coletivos No entanto a previsão desses direitos já demonstrava a transformação jurídica por que o Brasil vinha passando Era de inserção obrigatória na Constituição de 1824 o capítulo referente aos direitos e garantias individuais Afinal o grande desiderato do movimento constitucionalista que a inspirou era a conquista de uma formulação jurídica adequada que reconhecesse os direitos fundamentais do homem que constituem atributos próprios da pessoa humana e que são o cerne da liberdade do indivíduo ALVES 1985 p 11 Compreender o modelo de governo da época se faz necessário uma vez que isso resulta diretamente no conceito de propriedade aplicado A Constituição de 1824 estabeleceu no seu art 179 XXII a inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros tendo por base a liberdade a segurança individual e a propriedade tudo garantido pela Constituição do Império O direito de propriedade era exercido com plenitude Se o bem público legalmente verificado exigisse o uso e emprego da Propriedade do Cidadão seria ele previamente indenizado do valor A Lei regulamentaria em todos os casos em que houvesse esta única exceção e daria as regras para se determinar a indenização BRASIL 1824 A palavra plenitude leva ao sentido de absoluto de poder ser livre em relação à destinação da propriedade sem limites A intervenção estatal já era admitida pela desapropriação caso houvesse necessidade desde que posteriormente houvesse indenização A segunda Constituição brasileira foi promulgada em 24 de fevereiro de 1891 e teve como marco principal ser a primeira Constituição brasileira no modelo Republicano elaborada por uma Assembleia Constituinte Consagrou o sistema governamental Presidencialista em forma de Estado Federal Republicano Sem dúvida o marco histórico da Democracia brasileira se divide entre antes e depois da Constituição de 1891 Assim como a Constituição Imperial foi também fortemente influenciada pelo pensamento francês acrescido do ideal federalista norteamericano este último tendo Rui Barbosa como seu principal defensor Sofreu uma única revisão em 1926 Era rígida e apesar de alguma controvérsia histórica foi considerada promulgada MOTTA 2019 p 101 16 O direito de propriedade não tomou contornos diferentes do previsto anteriormente A Constituição de 1891 previa em seu art 72 17 quase a mesma base assegurando aos brasileiros e a estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade à segurança individual e à propriedade O direito de propriedade mantevese em toda a sua plenitude salvo a desapropriação por necessidade ou utilidade pública mediante indenização prévia BRASIL 1891 Houve a inclusão de elementos importantes em 1891 que devem ser observados De início a pessoa do estrangeiro garantindolhe portanto direitos iguais a de um nacional e por fim o pagamento de indenização prévia em caso de desapropriação ou seja anteriormente à desapropriação A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934 foi promulgada em 16 de julho sob a presidência de Getúlio Vargas sendo a de menor duração da nossa história de apenas 3 três anos Nessa época o Brasil se viu em um colapso democrático advindo do ano de 1932 a chamada revolução Constitucionalista o que gerou a formação da Assembleia Constituinte em 1933 Destacouse por prever diversos poderes aos Membros do Ministério Público inclusive a criação do procuradorgeral da República Buscou resolver o problema da falta de efeitos erga omnes das decisões declaratórias de inconstitucionalidade do Supremo Tribunal Federal instituindo o mecanismo da suspensão pelo Senado das leis invalidadas na mais alta Corte No campo do controle de constitucionalidade ainda a intervenção federal em estados membros por descumprimento de princípio constitucional sensível foi subordinada ao juízo de procedência pelo Supremo Tribunal Federal de representação do procuradorgeral da República A Constituição previu também expressamente o mandado de segurança MENDES 2017 p 98 O direito de propriedade veio descrito no art 113 item 17 da Constituição de 1934 assegurando aos brasileiros e a estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade à subsistência à segurança individual e à propriedade Este último não poderia ser exercido contra o interesse social ou coletivo na forma que a lei determinasse A desapropriação se daria por necessidade ou utilidade pública nos termos da lei mediante prévia e justa indenização Em caso de perigo iminente como guerra ou comoção intestina poderiam as autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem público o exigisse ressalvado o direito à indenização ulterior BRASIL 1934 Pontos relevantes adotou a Constituição de 1934 no sentido de estabelecer ainda que de forma limitada postura negativa de não se exercer a propriedade contra o interesse social ou 17 coletivo e não explícita a função social da propriedade A limitação está em não prever ações à propriedade bastava ao proprietário tão somente não criar risco à sociedade ou à coletividade por exemplo uma terra poderia ser improdutiva e ainda assim atingiria sua função social desde que não prejudicasse ninguém A desapropriação ainda era prevista acrescentando a esse contexto a expressão justa o que denota uma apuração realizada por alguém perito e quantia remuneratória suficiente à indenização Previa ainda a desapropriação por parte do poder público em casos de guerra e revoltas internas lembrando que no contexto histórico a 1ª Guerra Mundial encerrouse em 1918 e a 2ª Guerra Mundial estava em seu início no ano de 1939 Além disso a Constituição de 1934 definiu a propriedade como elemento essencial na ordem social e econômica junto aos arts 118 e 199 respectivamente determinando que as minas e demais riquezas do subsolo bem como as quedas dágua constituíssem propriedade distinta ao solo para o efeito de exploração ou aproveitamento industrial devendo o aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais bem como das águas e da energia hidráulica ainda que de propriedade privada depender de autorização ou concessão federal na forma estabelecida em lei BRASIL 1934 Em 10 de novembro de 1937 a nova Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil foi outorgada pela Ditadura de Getúlio Vagas recebendo forte influência da autoritária Constituição da Polônia de 1935 A Polaca Vigorou por oito anos e sofreu vinte e uma emendas Na realidade tratavase de uma Constituição autoritária O presidente da República legislava por decretosleis e aplicavaos como Poder Executivo Nessa Carta foram previstas normas como forma de Estado Federal mas todo o poder foi transferido para o governo central especialmente para o presidente da República federalismo nominal manteve a tripartição dos poderes só esteticamente pois o Executivo ampliou muito suas funções e o Legislativo e o Judiciário tiveram suas funções extremamente reduzidas os direitos e garantias foram restringidos não havia sequer princípio da legalidade mandado de segurança e ação popular que foram retirados do texto constitucional previa pena de morte para crimes políticos autorizava a censura prévia da imprensa e demais formas de comunicação a lei declarada inconstitucional pelo Judiciário poderia ser revista pelo Legislativo Na esteira da estética democrática a Constituição de 1937 flagrantemente fascista previa no art 187 a necessidade de ser submetida a um plebiscito o que nunca aconteceu Isso fez com que alguns autores afirmassem que a Constituição de 1937 jamais ganhou vigência PADILHA 2018 p 24 18 Por se tratar de uma Constituição laborada nos moldes ditatoriais houve uma sensível redução de garantias constitucionais O art 113 da Constituição de 1934 trazia a expressão inviolabilidade de direito a propriedade enquanto o art 122 do mesmo diploma mencionou apenas o direito à liberdade BRASIL 1937 O tom de absoluto abria assim margem para a exceção Fato semelhante se deu com a função social da propriedade que até então fora conquistado na Constituição de 1934 e não mais replicado na Constituição de 1937 não obstante a redação do art 166 2o mostrando todo o autoritarismo do governo prevendo que declarado o estado de emergência em todo o país poderia o presidente da República no intuito de salvaguardar os interesses materiais e morais do Estado ou de seus nacionais decretar com prévia aquiescência do Poder Legislativo a suspensão das garantias constitucionais atribuídas à propriedade e à liberdade de pessoas físicas ou jurídicas súditos de Estado estrangeiro que por qualquer forma tivessem praticado atos de agressão de que resultassem prejuízos para os bens e direitos do Estado brasileiro ou para a vida os bens e os direitos das pessoas físicas ou jurídicas brasileiras domiciliadas ou residentes no país BRASIL 1937 Houve um verdadeiro retrocesso constitucional Em relação aos direitos exploratórios do particular ou mesmo para o aproveitamento industrial de minas e demais riquezas do subsolo bem como de quedasdágua permaneceuse com o mesmo texto de 1934 até porque já havia a necessidade de controle estatal por meio de autorização federal Ainda contendo o título de Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil a Carta Magna de 1946 foi promulgada em 18 de setembro pela chamada República Populista ou Quarta Republica sendo presidida a nação pelo militar General Eurico Gaspar Dutra O diploma possuía 222 artigos prevendo diversas temáticas Dentre os vários direitos a Organização do Estado do Poder Legislativo do Orçamento do Poder Executivo do Poder Judiciário bem como previa a chamada Declaração de Direitos Restaurou o controle jurisdicional de constitucionalidade no Brasil permitindo que o controle difuso fosse exercido pelo Supremo Tribunal Federal em sede de recurso extraordinário art 101 II a b e c Preservou a exigência de maioria absoluta dos membros do Tribunal para a eficácia da decisão declaratória de inconstitucionalidade art 200 Manteve a atribuição do Senado Federal para suspender a executoriedade de lei declarada inconstitucional pelo Pretório Excelso art 64 Emprestou nova configuração à representação de inconstitucionalidade interventiva introduzida no Brasil pela Carta de 1934 deixandoa sob os auspícios do procuradorgeral da República art 8o parágrafo único cc o art 7o VII Ainda foi modificada pela Emenda Constitucional no 16 de 26 de novembro de 1965 que 19 inaugurou oficialmente em nosso país a fiscalização abstrata de normas Nisso conferiu ao Supremo Tribunal Federal a competência para processar e julgar originariamente ações diretas de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou federal propostas pelo procurador geral da República A Emenda Constitucional no 1665 no art 124 XIII permitiu ao legislador estabelecer processo de competência originária do Tribunal de Justiça para declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato do município em conflito com a Constituição do Estado BULOS 2018 p 203 No tocante à propriedade houve a permanência junto ao capítulo destinado às Garantias Individuais art 141 citado posteriormente no capítulo destinado à Ordem Econômica condicionando o seu uso ao bemestar social Prevendo a lei ainda com observância do disposto no art 141 16 a promoção da justa distribuição da propriedade com igual oportunidade para todos BRASIL 1946 A volta expressa da função social da propriedade é marcante nessa constituição pois fora reduzida na anterior como já mencionado As palavras como bemestar social justa e igual oportunidade expressaram a vontade do legislador destacando sua importância Não houve modificação em relação aos direitos exploratórios do particular ou mesmo para o aproveitamento industrial de minas e demais riquezas do subsolo bem como de quedasdágua que ainda necessitava de autorização federal pois o controle estatal permanecia A novidade se deu com a previsão da usucapião rural inserida no próprio texto constitucional mais especificamente no art 156 3 prevendo que todo aquele que não sendo proprietário rural nem urbano ocupasse por dez anos ininterruptos sem oposição nem reconhecimento de domínio alheio trecho de terra que houvesse tornado produtivo por seu trabalho e de sua família poderia adquirir a propriedade mediante sentença declaratória devidamente transcrita Contudo a área nunca poderia ser excedente a cem hectares devendo ser caracterizada como suficiente para assegurar ao lavrador e sua família condições de subsistência e progresso social e econômico nas dimensões fixadas pela lei da época segundo os sistemas agrícolas regionais BRASIL 1946 A usucapião rural sempre foi tema relevante à propriedade e sua função social Essa separação seria praticamente impossível tanto que o tema foi inserido na própria constituição Os requisitos da época envolviam a produtividade por meio do trabalho e a limitação de espaço área menor de cem hectares Essa modalidade demonstra que o sistema econômico do período passava pelo desenvolvimento e expansão das áreas campestres subordinado ao bemestar social 20 Outro tema especifico veio discriminado junto ao art 7º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias de 1946 ADCT46 assegurando à propriedade do estado do Piauí as fazendas de gado do domínio da União situadas no território daquele estado e remanescentes do confisco aos jesuítas no período colonial BRASIL 1946 Tais terras foram adquiridas pelos Jesuítas por meio do testamento deixado por Domingos Afonso Mafrense no ano de 1711 in verbis Nomeio e instituo por meus testamenteiros em primeiro lugar o Rv Padre Reitor da Companhia de Jesus desta cidade da Bahia que ao presente for e adiante lhe for sucedendo e não aceitando este nomeio ao licenciado Francisco Ximenes e em terceiro lugar a Antonio da Silva Livreiro meu vizinho e em quarto ao capitão Belchior Moreira aos quais e cada um in solidum dou todo o meu poder que em direito posso Declaro que sou senhor e possuidor da metade das terras que pedi no Piauí com o coronel Francisco Dias de Ávila e seus irmãos as quais terras descobri e povoei com grande risco de minha pessoa e considerável despesa com adjutório dos sócios e sem eles defendi também muitos pleitos que se moveram sobre as ditas terras ou parte delas e havendo dúvidas entre mim e Leonor Pereira Marinho viúva do dito coronel sobre a divisão das ditas terras fizemos uma escritura de transação no cartório de Henrique Valensuella da Silva na qual declaramos os sítios com que cada um havíamos de ficar assim dos que tínhamos ocupado com gados como arrendados a várias pessoas acordando e assentando juntamente a forma com que havíamos de ir ocupando as mais terras por nós ou pelos rendeiros que metêssemos como mais largamente se verá da dita escritura Declaro que nas ditas terras conteúdas nas ditas sesmarias tenho ocupado muitos sítios com gados meus assim vacum como cavalar e todos fornecidos com escravos e cavalos e o mais necessário o que tudo constará dos meus papeis fábricas com a quantidade dos gados pelas entregas de cada uma das fazendas e assim mais muitos sítios dados de arrendamento a várias pessoas e outros muitos estão ainda por povoar e desocupados que também se poderão ir dando de arrendamento ou ocupando com gados meus como melhor parecer a meu sucessor SERTÃO 1897 A instauração do regime militar no Brasil trouxe consigo novos rumos influenciando abertamente a elaboração de uma nova Constituição a começar pelo abandono de seu antigo nome Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil e adoção da nomenclatura Constituição da República Federativa do Brasil de 1967 Em 24 de janeiro de 1967 desenvolveuse a Constituição engendrada pela ditadura cívicomilitar que havia sido orquestrada pelo Ato Institucional nº 1 de 9 de abril de 1964 com a centralização antifederalista brasileira e por dedução o federalismo hegemônico da União O quadro de hipertrofia do Poder Executivo era revelado pela concentração do poder político nas mãos do presidente da República que detinha o comando da administração pública e sobretudo das Forças Armadas Elaborou o governo um aparato oficial de repressão aos direitos fundamentais que por indução não ofereceu à sociedade civil proteção contra o 21 arbítrio do Estado até a abertura política e a redemocratização do Brasil MORAES 2017 p 18 O governo do então presidente Arthur da Costa e Silva mais conhecido como Costa e Silva pertencente ao extinto partido Arena transformou o regime militar em uma verdadeira ditadura Protestos civis logo se desenvolveram em lutas armadas que ocasionaram a elaboração dos Atos Institucionais AI tendo como o mais radical o AI5 No tocante à propriedade esta foi mantida dentro do capítulo referente às garantias e liberdades fundamentais embora com atuação secundária apesar de no contexto da eficácia limitarse apenas ao aspecto formal ou seja existia uma previsão expressa sem contudo haver qualquer linha de eficácia O art 150 da Constituição de 1967 assegurava aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida à liberdade à segurança e à propriedade Foi a Constituição da vanguarda em elencar a função social da propriedade no rol dos princípios da Ordem Econômica e Social em seu art 157 BRASIL 1967 O fundamento da ordem econômica deveria possuir um papel de destaque em especial por prever princípios como a valorização do trabalho como condição da dignidade humana função social da propriedade harmonia e solidariedade entre os fatores de produção desenvolvimento econômico repressão ao abuso do poder econômico caracterizado pelo domínio dos mercados a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros Contudo como já mencionado a formalidade imperava em detrimento da materialidade A luta pelos direitos constitucionais no Brasil se deu a partir de um árduo e longo processo de redemocratização A Constituição Federal de 1988 conferiu ao povo brasileiro uma maior efetividade aos direitos individuais e fundamentais A atual Carta Magna trouxe direitos essenciais até então não aceitos e muitas vezes não praticados pelos antigos governos ditadores tais como a abolição da censura a qualificação de crimes inafiançáveis como a tortura e as ações armadas contra o estado democrático e a ordem constitucional entre outros A Constituição Federal de 1988 teve o papel de resgatar a democracia no Estado brasileiro Estávamos mergulhados em uma situação que trazia forte restrição ao exercício das liberdades democráticas com um Poder Judiciário que exercia a jurisdição de forma limitada deixando de atuar de forma independente Os direitos constitucionais eram interpretados de maneira restritiva o que impedia o livre exercício e fruição das liberdades asseguradas Dentro desse quadro surge a Assembleia Nacional Constituinte que assumiu o papel de resgatar o Estado democrático de direito restabelecendo o Poder Judiciário autônomo e com jurisdição plena entregando ao Poder Legislativo seu papel 22 de legislar e permitindo que o Poder Executivo tratasse apenas do que lhe era essencial ou seja a administração típica sua função estatal Imbuída de tal tarefa a Constituinte tratou de assegurar tais direitos RAGAZZI ARAUJO 2007 p 43 No mesmo sentido podemos notar que o legislador fora mais cuidadoso ao redigir a atual Constituição ou pelo menos mais sensato pois na Constituição anterior 1969 os assuntos referentes a direitos fundamentais encontravamse no final do texto a partir dos arts 141 150 e 153 e na atual encontramse no começo no art 5o Pela primeira vez na história não se via no início da Constituição a organização do Estado mas sim a pessoa do cidadão brasileiro a população como o bem maior a serem primeiro contempladas É um texto moderno com inovações de relevante importância para o constitucionalismo brasileiro e até mundial Bem examinada a Constituição Federal de 1988 constitui hoje um documento de grande importância para o constitucionalismo em geral É a Constituição Cidadã na expressão de Ulysses Guimarães presidente da Assembleia Nacional Constituinte que a produziu porque teve ampla participação popular em sua elaboração e especialmente porque se volta decididamente para plena realização da cidadania SILVA 2005 p 89 Mas o que realmente veio a ser novo e revolucionário na nova Carta Magna foram valores até então abolidos Com o título de Dos princípios fundamentais consagrou ao povo uma nova era de liberdade e orgulho princípios como o da dignidade da pessoa humana os quais mostram o conceito de que o Estado não está em função do Estado mas em função de todas as pessoas pois os princípios constitucionais são precisamente a síntese dos valores mais relevantes da ordem jurídica A Constituição como já vimos é um sistema de normas jurídicas Ela não é um simples agrupamento de regras que se justapõem ou que se superpõem A ideia de sistema fundase na harmonia de partes que convivem sem atritos Em toda ordem jurídica existem valores superiores e diretrizes fundamentais que costuram suas diferentes partes Os princípios constitucionais consubstanciam as premissas básicas de uma dada ordem jurídica irradiandose por todo o sistema Eles indicam o ponto de partida e os caminhos a serem percorridos BARROSO 1998 p142 Passamos então de uma Constituição estritamente formal 1969 regida sob a ótica de uma ditadura militar para uma Constituição de eficácia formal e material 1988 desenvolvendose no contexto jurídico juntamente com a sociedade que rege e no espaço e tempo em que se encontra inserida Quanto à propriedade esta foi inserida no contexto fundamental do art 5o caput Título II Capítulo I Dos Direitos e Garantias Fundamentais consagrando que todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza garantindose aos brasileiros e aos 23 estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade impondo ainda no inciso XXIII que a propriedade atenderá a sua função social BRASIL 1988 A função social é impositiva à propriedade ou seja não admite a ociosidade Assim foi a escolha do legislador quando utilizou o verbo atenderá um pronto comando o qual não abre margem para interpretação Tratase de um direito individual ou liberdade pública direito de 1ª dimensão na expressão de Karel Vasak ou direito de status negativo na expressão de Georg Jellinek O direito nasceu com esse objetivo Atualmente é a liberdade pública impeditiva de ações excessivas proibição do excesso por parte do Estado Todavia todo direito de 1ª dimensão também gera ao Estado deveres de fazer À luz de todo o sistema constitucional que prevê como objetivo da República erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais art 3o III da Constituição Federal de 1988 o direito também corresponde ao dever do Estado de assegurar um mínimo existencial garantindo que cada pessoa tenha um mínimo de propriedade para que possa viver com dignidade Dessa maneira é constitucional qualquer modalidade de programa de transferência de renda dos governos federal estadual ou municipal NUNES JÚNIOR 2019 p 813 A Constituição Federal de 1988 trouxe um estudo sistemático no que tange à função social da propriedade relevante para o presente trabalho vez que a tendência é debruçarse sobre o estudo da propriedade imóvel subdividindo a função social da propriedade em urbana e rural Assim devese combinar o art 5ª com os arts 182 e 186 da Carta Magna Nas palavras de Flavio Martins A função social da propriedade urbana está prevista no art 182 2o da Constituição Federal A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor Plano diretor é uma lei municipal aprovada pela Câmara Municipal de Vereadores obrigatória nas cidades com mais de 20 mil habitantes sendo o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana art 182 1o CF Nesse sentido já decidiu o STF o direito de edificar é relativo dado que condicionado à função social da propriedade RE 178836 rel Min Carlos Velloso Por sua vez a função social da propriedade rural está prevista no art 186 da Constituição Federal A função social é cumprida quando a propriedade rural atende simultaneamente segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei aos seguintes requisitos I aproveitamento racional e adequado II utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente III observância das disposições que regulam as relações de trabalho IV exploração que favoreça o bemestar dos proprietários e dos trabalhadores Nesse sentido já decidiu o STFO direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto eis que sobre ele pesa grave hipoteca social a significar que descumprida a função social que lhe é inerente CF art 5o 24 XXIII legitimarseá a intervenção estatal na esfera dominial privada observados contudo para esse efeito os limites as formas e os procedimentos fixados na própria Constituição da República O acesso à terra a solução dos conflitos sociais o aproveitamento racional e adequado do imóvel rural a utilização apropriada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente constituem elementos de realização da função social da propriedade ADI 2213MC rel Min Celso de Mello No mesmo sentido MS 25284 rel Min Marco Aurélio NUNES JÚNIOR 2019 p 813 Não bastasse a descrição junto ao capítulo destinado aos Direitos e Garantias Fundamentais refletindo diretamente na pessoa achou por bem o constituinte brasileiro descrever seu aspecto no âmbito econômico influenciando diretamente vários segmentos conforme já estudado Não se trata aqui de mera prolixidade pelo contrário quis o legislador enfatizar em dois importantes âmbitos a propriedade e sua função social quais sejam seu aspecto humano e econômico O art 5ª XXV da Constituição Federal previu a desapropriação em no caso de iminente perigo público A autoridade competente poderá usar de propriedade particular assegurada ao proprietário indenização ulterior se houver dano hodiernamente a condicionante é a existência de dano para a indenização O inciso XXVI do mesmo dispositivo estabeleceu limites de bloqueio segundo os quais em caso de dívida a pequena propriedade rural assim definida em lei desde que trabalhada pela família não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento O texto inovou em seu art 176 garantindo que as jazidas em lavra ou não os demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo para efeito de exploração ou aproveitamento e pertencem à União garantindo à concessionária a propriedade do produto da lavra BRASIL 1988 A título de pesquisa acadêmica atentamos que o progresso legislativo da propriedade também foi significativo em outros países a exemplo da Inglaterra e da França países estes que foram significativos na evolução universal da temática Na Inglaterra um dos principais documentos elaborados foi a Magna Charta Libertatum datada de 1215 e outorgada pelo rei João SemTerra a qual dentre vários direitos previa a garantia de proteção à propriedade privada n31 O Estado pela primeira vez possuía uma barreira devendo observar os mandamentos contidos na Magna Carta em especial no cerne dos direitos individuais do devido processo legal e da propriedade No século XVIII conjugamse vários fatores que iriam determinar o aparecimento das Constituições e infundirlhes as características fundamentais Sob influência do jusnaturalismo amplamente difundido pela obra dos contratualistas afirmase a superioridade do indivíduo 25 dotado de direitos naturais inalienáveis que deveriam receber a proteção do Estado A par disso desenvolvese a luta contra o absolutismo dos monarcas ganhando grande força os movimentos que preconizavam a limitação dos poderes dos governantes Por último ocorre ainda a influência considerável do Iluminismo que levaria ao extremo a crença na razão refletindose nas relações políticas por meio da exigência de uma racionalização do poder DALLARI 2016 p 114 Já na França sob a ótica social temse que os Direitos Sociais se iniciam com a Revolução Francesa O feudalismo privilegiava os senhores feudais como proprietários das terras enquanto ao povo restava usar a terra numa condição escravagista condição esta que decai com o surgimento de outra classe a burguesia Durante essa fase além das inúmeras revoltas do povo pela mudança do regime outros fatores interferiram para desencadear o surgimento da luta por direitos humanos a exemplo da peste negra a revolta da burguesia e a luta da Igreja pela mantença do feudalismo Foi neste contexto que Napoleão presenteia os franceses com o Código Civil francês marco fundamental para o entendimento da definição de propriedade contemporânea pois reuniu os poderes inerentes da propriedade de forma concreta didática ao mencionar que a propriedade é um direito nascendo assim o conteúdo interno da propriedade Direito de Propriedade Direito Subjetivo Faculdade Poder BORGES OLIVEIRA LACERDA 2011 p 726729 Nesse contexto histórico desenvolveuse a propriedade interna forjada a base de revoluções e lutas de classes sociais possibilitando ao Estado um novo conceito de propriedade tal como a obrigação da propriedade e o direitodever objetivo da propriedade O Estado Moderno recoloca na sociedade o atributo de agrupar o poder político até então fragmentado fixando bases na observância da legalidade e não mais na arbitrariedade 12 A PROPRIEDADE COMO GARANTIA DO DIREITO FUNDAMENTAL Ao longo da história os direitos fundamentais foram divididos pela doutrina clássica em três gerações ou como parte dos pesquisadores preferem em três dimensões levando em conta a cronologia em que foram elaborados No estudo das gerações não importa a exclusão de uma pela outra mas sim sua incorporação Os direitos de primeira geração foram os primeiros a ser conquistados pela humanidade e se relacionam à luta pela liberdade e segurança diante do Estado Por isso caracterizamse 26 por conterem uma proibição ao Estado de abuso do poder o Estado não pode desrespeitar a liberdade de religião nem a vida etc Tratase de impor ao Estado obrigações de não fazer São direitos relacionados às pessoas individualmente Por exemplo propriedade igualdade formal perante a lei liberdade de crença de manifestação de pensamento direito à vida etc CARVALHO FILHO 2018 p 12 Os direitos de segunda geração são os direitos sociais assim entendidos os direitos de grupos sociais menos favorecidos e que impõem ao Estado uma obrigação de fazer de prestar direitos positivos como saúde educação moradia segurança pública e alimentação Baseiamse na noção de igualdade material redução de desigualdades no pressuposto de que não adianta possuir liberdade sem as condições mínimas educação saúde para exercêla Começaram a ser conquistados após a Revolução Industrial quando grupos de trabalhadores passaram a lutar pela categoria Nesse caso em vez de se negar ao Estado uma atuação exige se dele que preste saúde educação etc Tratase portanto de direitos positivos impõem ao Estado uma obrigação de fazer São exemplos saúde educação previdência social lazer segurança pública moradia direitos dos trabalhadores CARVALHO FILHO 2018 p 12 Com a terceira geração contamos com os chamados direitos transindividuais isto é direitos que são de várias pessoas mas não pertencem a ninguém isoladamente Transcendem o indivíduo isoladamente considerado São também conhecidos como direitos metaindividuais estão além do indivíduo ou supraindividuais estão acima do indivíduo isoladamente considerado Os chamados direitos de terceira geração têm origem na revolução tecnocientífica terceira revolução industrial a revolução dos meios de comunicação e de transportes que tornaram a humanidade conectada em valores compartilhados A humanidade passou a perceber que na sociedade de massa há determinados direitos que pertencem a grupos de pessoas grupos esses às vezes absolutamente indeterminados Por exemplo a poluição de um riacho em uma pequena fazenda que atinge as pessoas que lá vivem Mas não só a elas Esse dano ambiental atinge também a todos os que vivem na cidade pois esse riacho deságua na barragem que abastece de água por todo o Estado E mais atinge todas as pessoas do mundo pois é interesse mundial manter o meio ambiente ecologicamente equilibrado CARVALHO FILHO 2018 p 13 A doutrina moderna apesar de ainda haver divergência atribui uma quarta e quinta geração aos direitos fundamentais A quarta geração se relaciona com os diretos de engenharia genética e globalização política enquanto a quinta geração relacionase com o direito à paz Assim a quarta geração seria a globalização política neoliberal que caminha silenciosa sem nenhuma referência de valores Há contudo outra globalização política que ora se 27 desenvolve sobre a qual não tem jurisdição a ideologia neoliberal Radicase na teoria dos direitos fundamentais Esta última é a única que verdadeiramente interessa aos povos da periferia Globalizar direitos fundamentais equivale a universalizálos no campo institucional A globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos de quarta geração que aliás correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado social São direitos de quarta geração o direito à democracia o direito à informação e o direito ao pluralismo Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro em sua dimensão de máxima universalidade para a qual parece o mundo inclinarse no plano de todas as relações de convivência Os direitos da primeira geração direitos individuais os da segunda direitos sociais e os da terceira direitos ao desenvolvimento ao meio ambiente à paz e à fraternidade permanecem eficazes são infraestruturais formam a pirâmide cujo ápice é o direito à democracia BONAVIDES 2019 p 571572 Os debates científicos realizado na cidade de Curitiba junto ao IX Congresso Íbero Americano e no VII Simpósio Nacional de Direito Constitucional bem como junto ao II Congresso LatinoAmericano de Estudos Constitucionais realizado em Fortaleza destacaram se pela possibilidade concreta de se falar em uma quinta geração de direitos fundamentais por meio da qual em face dos acontecimentos mundiais como por exemplo o atentado terrorista de 11 de Setembro em solo norteamericano surgiria legítimo direito à paz HONESKO 2008 p195197 O novo Estado de direito das cinco gerações de direitos fundamentais vem coroar por conseguinte aquele espírito de humanismo que no perímetro da juridicidade habita as regiões sociais e perpassa o Direito em todas as suas dimensões A dignidade jurídica da paz deriva do reconhecimento universal que se lhe deve enquanto pressuposto qualitativo da convivência humana elemento de conservação da espécie reino de segurança dos direitos Tal dignidade unicamente se logra em termos constitucionais mediante a elevação autônoma e paradigmática da paz a direito da quinta geração Por conseguinte retirase o direito à paz da invisibilidade em que o colocou o edificador da categoria dos direitos da terceira geração Para tanto fazse mister acender luzes rasgar horizontes pavimentar caminhos enfim descerrar o véu que encobre esse direito na doutrina ou o faz ausente dos compêndios das lições do magistério de sua normatividade lacuna pois que impende desde logo preencher BONAVIDES 2008 p 5 Os direitos e garantias fundamentais estabelecidos pela atual Constituição pátria consagram os direitos e deveres individuais e coletivos os direitos sociais abarcados os direitos dos trabalhadores os direitos de nacionalidade e os direitos políticos incluindo o estatuto 28 constitucional dos partidos políticos e a liberdade de associação partidária Portanto a regra atribui aos direitos e garantias fundamentais o gênero enquanto às demais categorias a espécie Se não há dúvida que os direitos fundamentais de certa forma são também sempre direitos humanos no sentido de que seu titular sempre será o ser humano ainda que representado por entes coletivos grupos povos nações Estado também é certo que não é esse o motivo pelo qual a distinção se faz necessária ainda mais no contexto do direito constitucional positivo De acordo com o critério aqui adotado o termo direitos fundamentais se aplica àqueles direitos em geral atribuídos à pessoa humana reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado A fundamentalidade formal encontrase ligada ao direito constitucional positivo no sentido de um regime jurídico definido a partir da própria constituição seja de forma expressa seja de forma implícita e composto em especial pelos seguintes elementos a como parte integrante da constituição escrita os direitos fundamentais situamse no ápice de todo o ordenamento jurídico gozando da supremacia hierárquica das normas constitucionais b na qualidade de normas constitucionais encontramse submetidos aos limites formais procedimento agravado e materiais cláusulas pétreas da reforma constitucional art 60 da CF muito embora se possa controverter a respeito dos limites da proteção outorgada pelo constituinte aspecto desenvolvido no capítulo sobre o poder de reforma constitucional c além disso as normas de direitos fundamentais são diretamente aplicáveis e vinculam de forma imediata as entidades públicas e mediante as necessárias ressalvas e ajustes também os atores privados A fundamentalidade material ou em sentido material por sua vez implica análise do conteúdo dos direitos isto é da circunstância de conterem ou não decisões fundamentais sobre a estrutura do Estado e da sociedade de modo especial porém no que diz com a posição nestes ocupada pela pessoa humana É portanto evidente que uma conceituação meramente formal no sentido de serem direitos fundamentais aqueles que como tais foram reconhecidos na constituição revela sua insuficiência também para o caso brasileiro uma vez que a Constituição Federal como já referido e previsto no art 5o 2o admite expressamente a existência de outros direitos fundamentais que não os integrantes do catálogo Título II da CF com ou sem assento na Constituição além da circunstância de que tal conceituação estritamente formal nada revela sobre o conteúdo isto é a matéria propriamente dita dos direitos fundamentais art 5o 1o da CF SARLET MARINONI MITIDIERO 2019 p 309328 Os direitos fundamentais como parte essencial da Constituição brasileira passaram por diversas transformações ao longo da história em seu conteúdo titularidade eficácia e efetivação Dentre suas principias características podemos citar a historicidade baseados a partir de um conceito histórico tornandose fundamental à medida que se insere na Constituição a imprescritibilidade ou seja são permanentes a irrenunciabilidade não podem ser objeto de transação a inviolabilidade não toleram desrespeitos por autoridades ou mesmo lei infraconstitucional a universalidade alcança a todos sem restrições a concorrência podem 29 ser exercidos concomitantemente com outros direitos fundamentais a efetividade cabe ao poder público garantir sua aplicação a fim de atingir seus objetivos a interdependência não podem ser contrários a outros direitos fundamentais e a complementaridade são interpretados de forma conjunta e harmônica A propriedade sempre foi objeto de suma importância em especial dentro do contexto social econômico e jurídico brasileiro Social pois a índole humana de forma natural segregara ou acolhera determinada pessoa em suas diversas comunidades tornandose aquela fator de diferenciação e divisão Econômica à medida que um dos requisitos para a classificação do indivíduo é a propriedade influenciando direta e indiretamente na sua economia familiar eg a aprovação de um credito através da garantia de um imóvel Jurídica pois o conceito clássico até então atribuído apenas às propriedades imóveis com destaque às terras rurais evoluiu à ordem de propriedades imateriais sendo que estas em determinadas hipóteses detêm proventos bem maiores que aquelas eg a marca imaterial da CocaCola se sobrepõe substancialmente a determinado imóvel suburbano O direito de propriedade é sem dúvida o mais importante de todos os direitos subjetivos materiais Há unanimidade dos civilistas no sentido de que o direito de propriedade como direito real por excelência constitui o cerne do direito das coisas representando a propriedade a espinha dorsal do direito privado Realmente dentro do sistema permanente de apropriação de riquezas em que vivemos inevitáveis os conflitos de interesses entre as pessoas envolvendo disputas sobre bens reclamando sua disciplina pelo ordenamento jurídico HARADA 2007 p 103 A subjetividade incorporada na propriedade se dá à medida que a vontade humana norteia diversas condutas tal como usar gozar e dispor ou seja é baseada no poder da vontade ou mesmo no interesse Com efeito é o mais importante e o mais sólido de todos os direitos subjetivos o direito real por excelência É o eixo em torno do qual gravita o direito das coisas Dele pode se dizer ser a pedra fundamental de todo o direito privado MONTEIRO 2011 p 84 Não obstante Edmundo Gatti em seu livro Teoria General de los Derechos Reales acrescenta que o direito subjetivo é integrado por três elementos quais sejam o sujeito o objeto e a causa Todo derecho subjetivo está integrado por três elementos el sujeto el objeto y la causa El sujeto del derecho es su titular es decir la persona a cuya voluntad el ordenamiento jurídico otorga el podero facultad o cuyo interés resulta protegido El objeto del derecho es la persona o la cosa sobre la que el sujeto ejerce su poder o la persona de la que está facultado a exigir um 30 determinado comportamento La causa del derecho es el hecho o acto jurídico que le há dado nacimiento Pero además de esos elementos todo derecho tiene um contenido es la naturaleza y la extensión de la prerrogativa que da nombre y tipicidade al derecho subjetivo GATTI 1980 p 141 O domínio é direito subjetivo de propriedade pois estabelece à pessoa determinada a discricionariedade do poder de liberdade de ação sobre específica coisa concreta e não abstrata curvandose a um dever jurídico geral vínculo jurídico Como explica Sílvio Rodrigues Todo direito subjetivo representa um vínculo jurídico Assim o domínio O liame que se estabelece entre o proprietário e a coisa que se encontra em seu domínio vincula de um certo modo todas as pessoas do universo que estão presas a uma obrigação passiva de não turbar o exercício do direito pelo seu titular RODRIGUES 2003 p74 Cumpre ainda um dever universal com a humanidade reconhecida inclusive no âmbito internacional por meio da Declaração Universal dos Direitos Humanos em seu art XVII 1 que dispõe que todo ser humano tem direito à propriedade só ou em sociedade com outros NAÇÕES UNIDAS 1948 O texto é influenciado diretamente pelo princípio da dignidade da pessoa humana o qual compreende acima de tudo um valor moral e espiritual de cada pessoa como direito básico em um Estado democrático É um princípio absoluto pois constitui o núcleo essencial dos direitos fundamentais O Código Civil brasileiro de 2002 no seu art 1228 observou os mandamentos constitucionais fortemente influenciados ao cumprimento da função social revelando que o proprietário tem a faculdade de usar gozar e dispor da coisa e o direito de reavêla do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha devendo ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados de conformidade com o estabelecido em lei especial a flora a fauna as belezas naturais o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico bem como evitada a poluição do ar e das águas BRASIL 2002 É um direito real fundamental e absoluto por excelência Real pela natureza jurídica que assim define Nas palavras do Prof Guillermo L Allende em seu livro Panorama de derecho reales 1Tradução livre Todo direito subjetivo é composto de três elementos o sujeito o objeto e a causa O sujeito do direito é o seu proprietário ou seja a pessoa sob cuja vontade o sistema jurídico concede o poder da faculdade ou cujo interesse é protegido O objetivo do direito é a pessoa ou coisa sobre a qual o sujeito exerce seu poder ou a pessoa de quem tem o direito de exigir um determinado comportamento A causa da lei é o fato ou ato legal que deu à luz Mas além desses elementos todo direito tem um conteúdo é a natureza e a extensão da prerrogativa que dá nome e tipicidade ao direito subjetivo 31 El derecho real es um derecho absoluto de contenido patrimonial cuyas normas substancialmente de ordem pública stablecen ente uma persona sujeto activo y una cosa determinada objeto uma relación imediata que previa publicidade obliga a la sociedade sujeito passivo a abstenerse de realizar cualquier acto contrario al mismo obligación negativa naciendo para el caso de violación uma acción real y que otorga sus titulares las ventajas inherentes as ius persequendi y al preferendi ALLENDE 1967 p 192 Fundamental à medida que o objeto carece de necessidade a universalidade Absoluto justamente pela vontade do proprietário de executar alguns dos verbos descritos no art 1228 1o do Código Civil e por ser oponível a todos no que tange ao domínio pois existem limitações previstas legalmente Processando a propriedade como um direito fundamental passa ela a emanar outros direitos de cunho fundamental tais como o direito a alimentação produção agrícola moradia trabalho lazer dentre outros É indispensável conceituar juridicamente a propriedade Não obstante assim não o fez o Código Civil usando quando muito conceitos indeterminados dando preferência ao caso em concreto e ao entendimento dos magistrados Tal afirmativa se dá pelas diversas transformações que sofre no decorrer dos anos Não existe um conceito inflexível do direito de propriedade Muito erra o profissional que põe os olhos no direito positivo e supõe que os lineamentos legais do instituto constituem a cristalização dos princípios em termos permanentes ou que o estágio atual da propriedade é a derradeira definitiva fase de seu desenvolvimento Ao revés evolui sempre modificase ao sabor das injunções econômicas políticas sociais e religiosas Nem se pode falar a rigor que a estrutura jurídica da propriedade tal como se reflete em nosso Código é a determinação de sua realidade sociológica pois que aos nossos olhos e sem que alguém possa impedilo ela está passando por transformações tão substanciais quanto aquelas que caracterizaram a criação da propriedade individual ou que inspiraram a sua concepção feudal PEREIRA 2019 p 33 O estudo jurídico da propriedade pressupõe o conhecimento de sua evolução histórica Todavia para recordála como necessário basta aludir às transformações fundamentais que sofreu no curso dos tempos registrando as formas próprias que tomou em sucessivos regimes econômicos coincidentes 2Tradução livre O direito real é um direito absoluto de conteúdo patrimonial cujas normas são substancialmente de ordem pública estabelecem entre uma pessoa sujeito ativo e uma certa coisa objeto uma relação imediata cuja publicidade prévia obriga a sociedade sujeito passivo a absterse de praticar qualquer ato contrário a ela obrigação negativa no caso de violação de uma ação real e que ofereça aos seus proprietários as vantagens inerentes à sua persecução e preferência 32 com os períodos históricos em que se costuma dividir a história da civilização GOMES 2012 p 110 O papel da propriedade é tão importante que decidiu o legislador brasileiro ao longo de toda a história inserir na própria Constituição seus princípios Tal ideia foi transplantada da primeira à última Carta Magna e construiu o entendimento de proteção pelo poder público cabendo a ele a fiscalização regulamentação e punição de eventuais infrações Como se torna difícil conceituar a propriedade haja vista as suas constantes modificações necessário se faz um estudo histórico no âmbito legislativo Constitucional a fim de observar essas evoluções dando ênfase ao estudo da propriedade material em especial os bens imóveis em detrimento das imateriais visando o foco da presente dissertação A legislação distingue o conceito de propriedade do conceito de posse Esta por sua vez é objeto de diversas teorias sendo as principais a Teoria Subjetiva da Posse e a Teoria Objetiva da Posse A Teoria Subjetiva foi idealizada por Savigny Friedrich Carl von Savigny grande jurista alemão do Século XIX e possui como base dois elementos essenciais o corpus a possibilidade de disposição de um bem e o animus a vontade e escolha de possuir um bem A concepção de Savigny exige pois para que o estado de fato da pessoa em relação à coisa se constitua em posse que ao elemento físico corpus venha juntarse a vontade de proceder em relação à coisa como procede o proprietário affectio tenendi mais a intenção de têla como dono animus Se faltar essa vontade interior essa intenção de proprietário animus domini existirá simples detenção e não posse A teoria se diz subjetiva em razão deste último fato Para Savigny adquirese a posse quando ao elemento material corpus poder físico sobre a coisa se adita o elemento intelectual animus intenção de têla como sua Reversamente não se adquire a posse somente pela apreensão física nem somente com a intenção de dono Adipiscimur Possessionem Corpore et animo nec per se corpore nec per se animo Destarte quem tem a coisa em seu poder mas em nome de outrem não lhe tem a posse civil é apenas detentor tem a sua detenção que ele chama de posse natural naturalis possessio despida de efeitos jurídicos e não protegida pelas ações possessórias ou interditos Para Savigny portanto não constituem relações possessórias aquelas em que a pessoa tem a coisa em seu poder ainda que juridicamente fundada como na locação no comodato no penhor etc por lhe faltar a intenção de têla como dono animus domini o que dificulta sobremodo a defesa da situação jurídica PEREIRA 2019 p 285 Já a Teoria Objetiva preconizada por Ihering Rudolf von Ihering outro grande jurista alemão nascido em 22 de agosto de 1818 na cidade de Aurich dispensa o elemento subjetivo 33 apresentado por Savigny Possuidor seria aquele que mesmo sem dispor do poder material sobre o bem comportase como se fosse o proprietário imprimindolhe destinação Assim o sujeito que após um dia de trabalho em sua lavoura dirigese à cidade para comprar mais sementes está exercendo posse sobre a sua plantação mesmo que não esteja naquele momento materialmente exercendo um poder sobre ela A teoria de Ihering nessa linha explicaria com mais facilidade determinados estados de posse como a do locador que embora não esteja direta e materialmente utilizando o apartamento atua como possuidor imprimindo destinação ao bem ao locálo e auferir os respectivos aluguéis GAGLIANO PAMPLONA FILHO 2019 p 60 Na mesma linha o Ministro Moreira Alves lembra que Ihering adverte que a afirmação de Savigny de que a apreensão ou seja o ato físico o corpus necessário à aquisição da posse consistia na possibilidade física de agir imediatamente sobre a coisa e de afastar dela qualquer ação de terceiro e não se coadunava com os textos que a admitiam em hipóteses como a do javali preso na armadilha colocada pelo caçador em que essa possibilidade não existiria Para Ihering sendo a posse a exteriorização ou a visibilidade da propriedade o critério para a verificação de sua existência é a maneira pela qual o proprietário exerce de fato sua propriedade o que implica dizer que o corpus é a relação de fato entre a pessoa e a coisa de acordo com a sua destinação econômica É o procedimento do possuidor com referência à coisa possuída igual ao que teria normalmente o titular do domínio ALVES 1997 p 223 O Código Civil em seu art 1196 dispõe que se considera possuidor todo aquele que tem de fato o exercício pleno ou não de algum dos poderes inerentes à propriedade ou seja adotou claramente a Teoria Objetiva de Ihering BRASIL 2002 É correto afirmar que o Código Civil brasileiro adotou a Teoria Objetiva de Ihering na perspectiva do princípio constitucional da função social Ora no art 1196 o legislador aproximouse inequivocamente desse pensamento mesmo que o sujeito não seja o proprietário mas se comporte como tal por exemplo plantando construindo morando poderá ser considerado possuidor Sucede que a interpretação dessa norma por óbvio não poderá ser feita fora do âmbito de incidência do superior princípio da função social Vale dizer o exercício pleno ou não dos poderes inerentes à propriedade usar gozar ou fruir dispor reivindicar somente justifica a tutela e a legitimidade da posse se observada a sua função social A ideia é de que a Teoria Objetiva foi adotada embora reconstruída na perspectiva do princípio constitucional da função social Finalmente vale acrescentar que a despeito de o codificador não haver adotado a Teoria de Savigny como a pedra fundamental do nosso sistema possessório podese sentir em determinados pontos a sua influência como na leitura dos 34 arts 1238 e 1242 que diferenciam as formas extraordinária e ordinária de usucapião a depender da boa ou da máfé ou seja do animus do possuidor GAGLIANO PAMPLONA FILHO 2019 p 63 O foco da dissertação baseiase na propriedade já consolidado seu conceito neste tópico em especial na propriedade imóvel Contudo a noção de posse nos moldes apresentados era necessária à medida que aquele direito poderá derivar deste ou seja a posse como direito real afeta a propriedade de forma direta ou indireta existindo próximo vinculo jurídico entre os dois institutos 13 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E SUA PROXIMIDADE COM A POLÍTICA E A ECONOMIA A evolução de uma sociedade se dá por constantes modificações de conceitos e valores podendo ocorrer na maioria das vezes mediante estudos e pesquisas ou mesmo retroceder tomemos aqui como exemplo a problemática de que um determinado grupo não mais quer aplicar a ideia existente retrocedendo ao conceito antigo Contudo a tendência natural é a evolução Assim também se dá o pensamento de Anthony Giddens relatando haver razões fortes e objetivas para se acreditar que estamos atravessando um período importante de transição histórica Além disso as mudanças que nos afetam não estão confinadas a nenhuma área do globo estendendose quase por toda parte Nossa época se desenvolveu sob o impacto da ciência da tecnologia e do pensamento racional GIDDENS 2007 p 13 O direito não foge a essa regra de desenvolvimento Não muito raro encontramse relevantes trabalhos científicos jurídicos livros teses dissertações artigos tratando da evolução de determinado tema ou ainda julgados sobre específico caso os quais criam um modelo novo de aplicabilidade jurisprudência Nas palavras de Leon Duguit Pero si el Derecho está em um estado completo de transformación Si continuamente las instituciones jurídicas nuevas están em vía de elaborarse seguramente en la realidad de las cosas hay uma transformación continua y perpetua de las ideas y de las instituciones DUCHUIT 1975 p1723 3Tradução Livre Mas se a lei estiver em um estado completo de transformação Se continuamente estão sendo elaboradas novas instituições jurídicas certamente na realidade das coisas há uma transformação contínua e perpétua de ideias e instituições 35 Para Friedrich Karl von Savigny o direito cresce com o crescimento fortalecese com a força do povo e por fim definha quando a nação perde sua nacionalidade Portanto a síntese dessa teoria é que toda lei é formada originariamente à maneira pela qual numa linguagem usual porém não correta de todo dizse que foi formado o direito consuetudinário Isto é que primeiro desenvolveuse por costumes e crença popular e em seguida pela jurisprudência em toda a parte portanto por poderes internos que operam em silêncio não pela vontade arbitrária de um legislador MORRIS 2015 p 289290 A propriedade como elemento essencial da função social também passou e passa ao longo dos anos por diversas transformações conceituais O movimento é linear e crescente na medida em que evoluem os anseios e aspirações de determinada sociedade Esta por sua vez assim como o tempo e espaço é um elemento importante às transformações a ideia de propriedade da primeira Constituição de 1824 é totalmente diferente da ideia de propriedade da Constituição de 1988 O estudo da função social da propriedade não se diferencia Ou seja passa necessariamente por constantes reestruturações apresentando ainda versões distintas quando agregado a outros fundamentos tais como a economia a política o meio ambiente a empresa etc Essas fusões somadas à evolução conceitual natural criaram subdivisões da função social da propriedade sendo elas a função ambiental da propriedade ou função ecológica da propriedade a função social da empresa a função social da propriedade pública objeto do presente estudo entre outras Algumas dessas ramificações encontram maior proximidade ao gênero enquanto outras um pouco menos porém o núcleo de todas as estruturas é a função social da propriedade No Brasil a base constitucional da função social da propriedade em sentido lato sem prejuízo de uma interpretação stricto das legislações infraconstitucionais atinentes aos subgêneros encontra amparo sistemático na Constituição federal em seus arts 1o III e IV4 3o 4Art 1º A República Federativa do Brasil formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal constituise em Estado democrático de direito e tem como fundamentos I a soberania II a cidadania III a dignidade da pessoa humana IV os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa V o pluralismo político Parágrafo único Todo o poder emana do povo que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente nos termos desta Constituição 36 I5 5º XXIII6 este elevado ao nível de princípio 182 2º7 bem como na base principiológica econômica constitucional descrita no art 1708 a qual visa a soberania nacional a proteção da propriedade privada da função social da propriedade da livre concorrência a defesa do consumidor e do meio ambiente inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação a redução das desigualdades regionais e sociais a busca do pleno emprego o tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte e o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país O princípio da função social da propriedade descrito no art 5º XXIII da Constituição federal tem na sua origem a visão de regulamentar os direitos outorgados aos proprietários No campo do aspecto funcional do direito de propriedade surge a noção de função social da propriedade Tratase do papel que a propriedade desempenha nas relações jurídicas econômicas e sociais representado pelo aspecto dinâmico GAMA 2011 p 228 5Art 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil I construir uma sociedade livre justa e solidária II garantir o desenvolvimento nacional III erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais IV promover o bem de todos sem preconceitos de origem raça sexo cor idade e quaisquer outras formas de discriminação 6Art 5º Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade nos termos seguintes XXIII a propriedade atenderá a sua função social 7Art 182 A política de desenvolvimento urbano executada pelo Poder Público municipal conforme diretrizes gerais fixadas em lei tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bemestar de seus habitantes 1º O plano diretor aprovado pela Câmara Municipal obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor 3º As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro 4º É facultado ao Poder Público municipal mediante lei específica para área incluída no plano diretor exigir nos termos da lei federal do proprietário do solo urbano não edificado subutilizado ou não utilizado que promova seu adequado aproveitamento sob pena sucessivamente de I parcelamento ou edificação compulsórios II imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo III desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal com prazo de resgate de até dez anos em parcelas anuais iguais e sucessivas assegurados o valor real da indenização e os juros legais 8Art 170 A ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa tem por fim assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social observados os seguintes princípios I soberania nacional II propriedade privada III função social da propriedade IV livre concorrência V defesa do consumidor VI defesa do meio ambiente inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42 de 19122003 VII redução das desigualdades regionais e sociais VIII busca do pleno emprego IX tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6 de 1995 Parágrafo único É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica independentemente de autorização de órgãos públicos salvo nos casos previstos em lei 37 O simples título de domínio não é por si só mais suportado devendo obrigatoriamente ser acompanhado de mais um adjetivo tal como produtividade coletividade dinâmica ambiente social moradia dentre outros O simples acúmulo de bem por meio da propriedade não mais possui espaço passando portanto a constituir um instrumento cuja finalidade é o trabalho uma ferramenta de produção de outros bens e serviços Para tanto o Ministro Alexandre de Moraes conceitua a função social da propriedade como o elemento estrutural da definição do direito à propriedade privada e a limitação legal de seu conteúdo demonstra a substituição de uma concepção abstrata de âmbito meramente subjetivo de livre domínio e disposição da propriedade por uma concepção social de propriedade privada reforçada pela existência de um conjunto de obrigações para com os interesses da coletividade visando também à finalidade ou utilidade social que cada categoria de bens objeto de domínio deve cumprir MORAES 2013 p 268 No mesmo sentido doutrinário o Ministro Marco Aurélio de Melo aduz que o conceito na sociedade atual não mais comporta espaço para entender a propriedade divorciada do elemento que lhe confere conteúdo e tutela jurídica que vem a ser o exercício do domínio mediante a atenta observância da função social pois em que pese a proteção privada da propriedade ela deverá retratar uma finalidade econômica e social apta à sua vocação urbana ou rural gerando frutos empregos e conduzindo a uma justa circulação de riquezas de modo que tenhamos uma sociedade mais justa e solidária objetivo primaz do Estado democrático de direito inaugurado pela Constituição da República Federativa do Brasil MELO 2011 p 88 O art 1849 e o art 18610 ambos prescritos na Carta Magna de 1988 tratam especificamente da função social da propriedade rural Sobre esse tema encontrase vasta doutrina com enfoque principalmente na desapropriação de terras improdutivas visando 9Art 184 Compete à União desapropriar por interesse social para fins de reforma agrária o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária com cláusula de preservação do valor real resgatáveis no prazo de até vinte anos a partir do segundo ano de sua emissão e cuja utilização será definida em lei 1º As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro 2º O decreto que declarar o imóvel como de interesse social para fins de reforma agrária autoriza a União a propor a ação de desapropriação 3º Cabe à lei complementar estabelecer procedimento contraditório especial de rito sumário para o processo judicial de desapropriação 4º O orçamento fixará anualmente o volume total de títulos da dívida agrária assim como o montante de recursos para atender ao programa de reforma agrária no exercício 5º São isentas de impostos federais estaduais e municipais as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária 10Art 186 A função social é cumprida quando a propriedade rural atende simultaneamente segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei aos seguintes requisitos I aproveitamento racional e adequado II utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente III observância das disposições que regulam as relações de trabalho IV exploração que favoreça o bemestar dos proprietários e dos trabalhadores 38 sempre o interesse da coletividade pois a terra agrária antes de tudo é um bem de produção essencial à sobrevivência da humanidade No que concerne à terra rural a legislação extravagante deve ser observada tal como a Lei 4504 de 30 de novembro de 1964 a qual dispõe sobre o Estatuto da Terra e dá outras providências Lei esta que orienta e posiciona o Direito Agrário sendo um ramo especifico do Direito bem como trata do valoroso tema da Reforma Agrária com ênfase na destinação social e econômica dos bens imóveis rurais e por fim na promoção de Políticas Agrícolas A não observância da produtividade da terra agrária abre espaço para diversas sanções A legitimação de sua figura no entanto está jungida ao cumprimento da função social da propriedade que na verdade é o cumprimento da função social da terra Não o fazendo o proprietário se sujeita a diversas sanções numa escala progressiva a culminar com a caracterização do imóvel objeto do direito de propriedade como latifúndio o que o deixa na linha de fogo da desapropriação por interesse social para finalidade de reforma agrária transferindose a propriedade do mesmo a outrem que tenha mais consciência da verdadeira destinação social do bem além da questão da usucapião agrária LIMA 1992 p 8990 Tanto a propriedade como a função social são conceitos que podem ser estudados isoladamente a exemplo podemos citar a função social do trabalho o qual não possui relação com a propriedade ou podem ser fundidos em uma relação dialética transformandose na importante temática denominada de função social da propriedade Ambos são de fundamental importância ao Estado democrático de direito fator essencial a seu desenvolvimento e à diminuição de eventuais desigualdades existentes Assegura a todos um direito básico não obstante atualmente possui prescrição de ordem constitucional e infraconstitucional O Estado democrático de direito assegura por meio da função social da propriedade uma nação que visa à garantia do exercício de direitos individuais dentre os quais o maior é o princípio da dignidade da pessoa humana e sociais Na lição de Edvaldo Brito A função social quando assume a forma positiva revela a originalidade do novo conceito de propriedade qual seja o do seu exercício sob a forma de empresa que é assim um instrumento do domínio desses bens de produção O aspecto negativo evidenciase mediante as limitações relativamente ao objeto e ao conteúdo do direito fundamentandose no interesse da segurança e da saúde públicas da economia popular da higiene etc BRITO 2012 p404 Todo indivíduo tem o dever social de desempenhar determinada atividade de desenvolver da melhor forma possível sua individualidade física moral e intelectual para com isso cumprir sua função social da melhor maneira FIGUEIREDO 2008 p 83 39 O Estado democrático de direito não deve vincularse a interesses individuais mas coletivos os quais receberam tratamento especial pela Constituição a proteção da livre iniciativa da propriedade e seu fim social livre concorrência consumidor meio ambiente proibição de abuso de direito redução das desigualdades e busca do pleno emprego Isso está assegurado no atual texto constitucional brasileiro por meio de princípios a democratização econômica e social da nação A Democracia estampada em nossa nação assegura direitos gerais e abstratos no que tange à propriedade contudo não irrestritos ou seja o democratismo como pilar de igualdade e justiça do Estado também impõe limites à função social da propriedade A Constituição como fonte primaria estabeleceu o norte das demais legislações para disciplinar a matéria limitadora cabendo em especial mas não se limitando a este como inclusive podese observar no transcrito sobre a Lei 4504 de 30 de novembro de 1964 a qual dispõe sobre o Estatuto da Terra ao Código Civil brasileiro A propriedade portanto tendo em vista sua função social sofre limitações de várias naturezas em razão do direito de vizinhança até as de ordem constitucional e administrativa para preservação do meio ambiente fauna flora patrimônio artístico etc VENOSA 2018 p 147 O ensinamento de Maria Helena Diniz amplia essa restrição a todo o ordenamento constitucional inclusive ao princípio estampado nas cláusulas pétreas A Constituição Federal art 5º XXII ao garantir o direito de propriedade considerou a questão de suas restrições que reaparece em forma analítica no art 170 sob o título Da ordem econômica e social que tem por escopo realizar o desenvolvimento nacional e a justiça social com base nos seguintes princípios liberdade de iniciativa valorização do trabalho como condição da dignidade humana função social da propriedade harmonia e solidariedade entre as categorias sociais de produção repressão não só ao abuso do poder econômico caracterizado pelo domínio dos mercados como também à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros e expansão das oportunidades de emprego produtivo Em tudo isso há limitações ao direito de propriedade DINIZ 2007 p 254255 Sem sua devida finalidade a propriedade não é um direito universal por conseguinte mais que necessária uma punição por seu desvio de forma adequada proporcional e gradual não se deve desapropriar 400 alqueires que não observaram a demarcação de 4 metros quadrados de reserva ambiental prevista em lei inicialmente devese notificar e caso necessário aplicarlhe multas Existem várias sanções previstas algumas de caráter genérico aplicadas à grande maioria dos casos em concreto tais como as notificações e as multas outras de caráter mais 40 especifico tal como a edificação ou parcelamento compulsório Lei 102572001 incidência de IPTU progressivo Lei 102572001 e a desapropriação As punições mencionadas têm natureza administrativa perfazendo processo e ordem administrativa ou judicial sem prejuízo de eventuais processos de caráter penal A desapropriação deve ser aplicada com cautela sendo ela a ultima ratio das penalidades previstas ou mesmo a ultima ratio da decisão pública adotada visto que o procedimento de transferência de propriedade de terceiro a pessoa pública depende de requisitos específicos razões de utilidade pública de necessidade pública ou ainda de interesse social que podem ainda ser cumulados com o pagamento de justa e prévia indenização É fonte originária de aquisição da propriedade pois não existe qualquer título anterior portanto inapto a reivindicações e sem transcrição de qualquer ônus porventura existente A desapropriação é medida excepcional ao direito de propriedade e caso seja aplicada em demasia afronta a função social e consequentemente o Estado democrático de direito O rito do devido processo legal e da razoabilidade devem ser observados Não se pode olvidar que uma fiscalização é necessária no sentido de combater eventuais improdutividades pois a impunidade acarretará fatalmente a desvalorização da economia o desemprego a desigualdade social etc Outra lei de fundamental importância ao estudo é a Lei 102572001 que regulamenta os arts 182 e 183 da Constituição Federal estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências A mesma trata de assuntos de suma importância para o desenvolvimento da função social da propriedade tal como plano diretor desapropriação servidão administrativa tombamento de imóveis ou de mobiliário urbano concessão de direito real de uso parcelamento edificação ou utilização compulsórios usucapião especial de imóvel urbano direito de superfície outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso regularização fundiária legitimação de posse disciplina do parcelamento do uso e da ocupação do solo dentre outros Caso o Estado seja voltado a uma política econômica mais conservadora na qual exista uma doutrina ou atitude favorável à perpetuação dos padrões existentes e oposta portanto à mudança exercendo uma função básica em qualquer sociedade BRAGA 1997 p 187 teremos um modelo de função social da propriedade Contudo caso haja uma economia voltada mais ao liberalismo que propõe um Estado mínimo apenas intervindo na vida social e no mercado para assegurar as condições estritamente necessárias para que a sociedade e a economia atuem por si estabelecendo a ordem da autorregulação própria da lógica racionalista 41 coincidente com a lógica da autorregulação do mercado COELHO 2006 p 180 teremos um modelo de função social da propriedade totalmente diverso A função social da propriedade ao longo da história política e econômica do mundo sempre de alguma forma seja direta ou indiretamente foi tema a ser discutido sendo ela parte da equação ou mesmo resultado da estrutura ideológica Assim a SocialDemocracia consiste basicamente num guardião da propriedade privada e com um aparato público capaz de conceber implementar e financiar programas e planos de ação destinados a promover os interesses sociais coletivos de seus membros BOTTOMORE OUTHWAITE 1996 p 260 Em determinados modelos econômicos a função social da propriedade possui um destaque especial tal como no Capitalismo cujo grande precursor foi Adam Smith o qual discute principalmente a natureza do sistema econômico sob a ótica da funcionalidade volume de produção origem do crescimento econômico etc Sendo que quatro características são marcantes i produção de mercadorias orientada para o mercado ii propriedade privada dos meios de produção iii um grande segmento da população que não pode existir a não ser vendendo sua força de trabalho no mercado e iv comportamento individualista aquisitivo maximizado da maioria dos indivíduos dentro do sistema econômico HUNT 2005 p 35 A teoria de Smith influencia ainda hoje os governos em especial na vertente do livre mercado e da completa liberdade de compra da propriedade privada havendo aqui uma única restrição qual seja a de âmbito econômico É inegável que o modelo de produção capitalista possui como um de seus principais eixos permitir à população o acesso livre à propriedade privada e a seus meios de produção e serviços HUNT 2005 p 38 O modelo Comunista o qual teve como grande defensor Karl Mark viu na propriedade privada esta como espécie da propriedade a emancipação total dos sentidos e essências humanas haja vista o crescimento do individual e diminuição do social A eliminação positiva da propriedade privada tal como a apropriação da vida humana constitui portanto a eliminação positiva de toda a alienação o regresso do homem a partir da religião da família do Estado etc à sua existência humana ou seja social MARX apud MARINS 2005 p 139 Ainda para o mesmo a propriedade aparece agora do lado do capitalista como direito de apropriarse de trabalho alheio nãopago ou de seu produto do lado do trabalhador como impossibilidade de apropriarse de seu próprio produto A separação entre propriedade e trabalho tornase consequência necessária de uma lei que aparentemente originavase em sua identidade MARX 1988 p157 Em tempos remotos o modelo comunista não estabelecia a função social da propriedade ou quando o previa mitigava A título de direito comparado podemos citar a Rússia e a China 42 Em os países comunistas la orientación es ya distinta no se va por el caminho de la función social sino por el de la supresión de la propriedade inmueble o poco más o menos En relaciones a Rusia tendremos especialmente presente la llamada ley de Bases Com fecha 8 de dicienbro de 1961 el Soviet Supremo de la Unión de las Repúblicas Socialistas Soviéticas dispone Artículo 1º Aprobar las Bases de la lesgislación civil de la Unión de RSS y las repúblicas federadas y ponerlas em vigor a partir del 1º de mayo de 1962 Artículo 21 Propiedad estatal El Estado es el único propietario de todos los bienes estatales Son propriedade del Estado la tierra el subsuelo las aguas los bosques las fabricas minas centrales eléctricas el transporte ferroviario los bancos Con respecto a la República Popular da China transcribimos el artículo 8 de su Constitución el Estado en virtude de la ley protege el derecho de los campesinos a la propriedade de la tierra y de los otros médios de producción ALLENDE 1967 p 38238311 O Neoliberalismo foi um movimento teórico político nascido na Europa e América do Norte logo após a 2a Guerra Mundial e com o intuito de romper com o Estado intervencionista e de bemestar social até então existente Para o economista e precursor do modelo Friedrich Hayek a função social da propriedade sempre foi usada como um conceito distorcido pelas demais doutrinas ao ponto em que estas viam a propriedade como um bem proveniente de desigualdade uma condição para privilegiados Contudo contrariando tal lógica Hayek afirma que ela seria efetivamente um privilégio se por exemplo como sucedeu por vezes no curso da história a propriedade da terra fosse reservada aos membros da nobreza É privilégio também se como sucede nos nossos tempos o direito de produzir ou vender determinados bens é reservado pela autoridade a certos indivíduos Mas chamar de privilégio a propriedade privada como tal que todos podem adquirir segundo as mesmas normas só porque alguns conseguem adquirila e outros não é destituir a palavra privilégio do seu significado HAYEK 1990 p103 As decisões políticas não tomadas com a devida importância que merecem ou mesmo quando omissas no âmbito da propriedade e sua função social ocasionaram ao longo da história verdadeiras tragédias econômicas A crise imobiliária e de crédito ocorrida em 2008 nos Estados Unidos trouxe e traz lições valiosas até hoje A gravidade foi tão avassaladora que atingiu profundamente diversas nações incluindo o Brasil 11Nos países comunistas a orientação já é diferente não seguem o caminho da função social mas a de supressão do imóvel ou pouco mais ou menos Em relação à Rússia lembramos especialmente das chamadas leis de bases Em 8 de dezembro de 1961 o Soviete Supremo da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas dispõe Artigo 1º Aprovar as bases da legislação civil da União da URRS e das repúblicas federadas e colocálas em vigor a partir de 1º de maio de 1962 Artigo 21 Propriedade do Estado O Estado é o único proprietário de todos os bens do Estado São propriedade do Estado terra subsolo água florestas fábricas minas usinas de energia transporte ferroviário bancos Com relação à República Popular da China transcrevemos o artigo 8 de sua Constituição o Estado em virtude da lei protege o direito dos camponeses à propriedade da terra e de outros meios de produção 43 Internamente podemos citar como omissão política na função social da propriedade o início do ciclo denominado de favelização ou processo histórico de ocupação legalilegal de áreas cujo início se deu em 18961897 intensificado em 1950 com a industrialização do país A falha do governo brasileiro a esse movimento ocasionou áreas de enorme concentração populacional sem a devida dignidade que lhes é inerente falta de saneamento básico coleta de lixo infraestrutura educação saúde proporcionando ainda mas não limitandose a esta grande aglomeração de organizações criminosas em especial as de tráfico de drogas Ex PCC Comando Vermelho FND Família do Norte Nesses territórios há elevada prevalência de subnutrição entre crianças agravada pelas habitações insalubres Além da subnutrição infantil verificase também uma alta prevalência de obesidade entre adultos causada pelo consumo de alimentos ultra processados de baixo custo O consumo desses produtos está associado à maior suscetibilidade de ganho de peso especialmente entre mulheres que sofreram subnutrição em idades precoces A prevalência de baixa estatura em crianças com até 5 cinco anos é de 6 seis por cento a 8 oito por cento no Brasil mas supera 25 vinte e cinco por cento em grupos de alta vulnerabilidade A coexistência dessas condições configura uma dupla carga de doenças e incide fortemente no aumento do custo das políticas públicas especialmente no campo da saúde na alta da mortalidade e doenças crônicas de difícil tratamento As favelas no Brasil são áreas urbanas marcadas por moradias precárias sem registros formais de propriedade Nos últimos 15 quinze anos grupos criminosos organizados como o Primeiro Comando da Capital PCC têm expandido seu território de domínio e mais recentemente a partir das penitenciárias onde alguns de seus integrantes cumprem pena comandam os crimes SAWAYA ALBUQUERQUE DOMENE 2018 p 243 Segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento Básico de 2014 35 trinta e cinco milhões de brasileiros não têm acesso aos serviços de água tratada Já metade da população não têm coleta de esgoto sendo que apenas 40 quarenta por cento do que é coletado é tratado Segundo o estudo do Trata Brasil os maiores impactos estão nas famílias de baixa renda muitas delas residentes em áreas irregulares O consumo de água nessas favelas é de cerca de 6626 milhões m³ano o suficiente para encher 675 sessenta e sete e meio por cento da capacidade total do Sistema Cantareira em São Paulo Deste total porém apenas 32 trinta e dois por cento são faturados Os outros 68 sessenta e oito por cento que não são cobrados pelas empresas vêm de gatos nas ligações de água córregos poços entre outros meios Quanto ao esgotamento sanitário os percentuais são ainda mais alarmantes São gerados 5301 milhões m³ano de esgoto ou 54 cinquenta e quatro por cento da capacidade do 44 Cantareira Destes porém estimase que são coletados apenas 44 milhões m³ano 83 Os outros 917 noventa e um vírgula sete por cento são lançados no meio ambiente Para universalizar os serviços de saneamento nas áreas irregulares das 89 oitenta e nove cidades analisadas seria necessário fazer 3068827 três milhões sessenta e oito mil oitocentas e vinte sete novas ligações de água e esgoto ou seja conectar esse número de casas às redes oficiais VELASCO 2016 Segundo o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE o Brasil tinha cerca de 114 milhões de pessoas morando em favelas e cerca de 122 doze vírgula dois por cento delas ou 14 milhão estavam no Rio de Janeiro Considerandose apenas a população dessa cidade cerca de 222 vinte e dois vírgula dois por cento dos cariocas ou praticamente um em cada cinco eram moradores de favelas No entanto ainda em 2010 Belém era a capital brasileira com a maior proporção de pessoas residindo em ocupações desordenadas 545 cinquenta e quatro e meio por cento ou mais da metade da população Salvador 331 São Luís 230 Recife 229 e o Rio 222 vinham a seguir IBGE 2019 Em contraponto caso haja decisões políticas legislativas e jurídicas tomadas corretamente visando a destinação da função social da propriedade certamente ocorrerá o desenvolvimento em diversas áreas Um dos exemplos a ser citado é a usucapião prevista em suas diversas modalidades junto ao Código Civil Brasileiro de 2002 A improdutividade de uma área abre o direito de terceiro não proprietário reivindicála ressalvando sua excepcionalidade vez que a propriedade é direito a ser garantido sob pena de instabilidade jurídica Notase aí a intenção primária da função social Talvez não exista nenhum outro melhor exemplo do que destinar um território abandonado ou mesmo improdutivo à moradia e trabalho de uma família Esta é a pura essência da função social A família sem lar agora estabilizada por um imóvel há anos inativo a família sem trabalho agora produtora de renda bens e serviços com a utilização de alqueires há anos improdutivos Na lição de Silvio Rodrigues a usucapião é modo originário de aquisição de domínio a partir da posse mansa e pacífica por determinado espaço de tempo fixado na lei usucapio est adjectio dominii per continuationem possessionis temporis lege definit ROGRIGUES 2009 p 108 A lei garantiu uma maior vantagem quando a usucapião é destinada à moradia familiar e à produtividade sobre a terra diminuindo para tanto o prazo para aquisição por meio dos 45 arts 1238 Parágrafo único usucapião extraordinária 1239 usucapião rural 1240 e 1240 A usucapião urbana 1242 usucapião ordinária12 todos do atual Código Civil O avanço tecnológico proporcionado ao longo dos tempos é de suma importância para o desenvolvimento de qualquer sociedade O crescimento digital traz a evolução do bem comum bem como traz melhorias em diversos ramos tais como a construção civil a saúde a cultura o direito entre outros A ciência tecnológica existente na atualidade também cumpre papel fundamental para o desenvolvimento de políticas públicas da função social da propriedade A globalização dotada dos diversos instrumentos tecnológicos existentes surge como ferramenta de controle e cobrança das políticas públicas oferecidas pelos governantes eleitos Os acertos ou mesmo os erros existentes na tomada de decisão dos escolhidos proporcionam uma reação em cadeia de seus governados As imagens do reflorestamento de determinada área desmatada a desapropriação pelo poder público de determinada área urbana privada improdutiva para a construção de um hospital de base ou ainda as imagens de determinada favela sem infraestrutura básica de água e esgoto a poluição de nascentes na construção de um túnelponte são capazes de em segundos proporcionar uma maior aceitação ou rejeição de determinado candidato 14 A FUNÇÃO AMBIENTAL DA PROPRIEDADE OU FUNÇÃO ECOLÓGICA DA PROPRIEDADE 12Art 1238 Aquele que por quinze anos sem interrupção nem oposição possuir como seu um imóvel adquire lhe a propriedade independentemente de título e boafé podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis Parágrafo único O prazo estabelecido neste artigo reduzirseá a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo Art 1239 Aquele que não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano possua como sua por cinco anos ininterruptos sem oposição área de terra em zona rural não superior a cinquenta hectares tornandoa produtiva por seu trabalho ou de sua família tendo nela sua moradia adquirir lheá a propriedade Art 1240 Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados por cinco anos ininterruptamente e sem oposição utilizandoa para sua moradia ou de sua família adquirirlheá o domínio desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural 1o O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher ou a ambos independentemente do estado civil 2o O direito previsto no parágrafo antecedente não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez Art 1240A Aquele que exercer por 2 dois anos ininterruptamente e sem oposição posse direta com exclusividade sobre imóvel urbano de até 250m² duzentos e cinquenta metros quadrados cuja propriedade divida com excônjuge ou excompanheiro que abandonou o lar utilizandoo para sua moradia ou de sua família adquirir lheá o domínio integral desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural 1o O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez Art 1242 Adquire também a propriedade do imóvel aquele que contínua e incontestadamente com justo título e boafé o possuir por dez anos Parágrafo único Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido onerosamente com base no registro constante do respectivo cartório cancelada posteriormente desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia ou realizado investimentos de interesse social e econômico 46 No que tange à questão ambiental também podemos traçar uma estreita ligação com a função social da propriedade enquanto gênero Talvez esse seja o assunto de maior discussão acadêmica nos últimos anos e na atualidade abrangendo dentre outros a sustentabilidade ambiental desapropriação e desmatamento O Supremo Tribunal Federal por meio do seu pleno no julgamento da ADI 2213DF publicado em 23042004 cujo Relator foi o Ministro Celso de Mello decidiu que o direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto eis que sobre ele pesa grave hipoteca social a significar que descumprida a função social que lhe é inerente art 5º XXIII legitimarseá a intervenção estatal na esfera dominial privada observados contudo para esse efeito os limites as formas e os procedimentos fixados na própria Constituição da República O acesso à terra a solução dos conflitos sociais o aproveitamento racional e adequado do imóvel rural a utilização apropriada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente constituem elementos de realização da função social da propriedade Estabeleceuse sobre essa ótica a chamada função ambiental da propriedade ou função ecológica da propriedade à medida que visa à utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e à preservação do meio ambiente protegendo sobretudo a propriedade em si contra a perda de seu potencial produtivo devido a danos ambientais irreversíveis como por exemplo perda da qualidade do solo causada pela erosão BORGES 2003 p 281 Fato concreto se dá com a Terra Indígena de São Marcos BrasilRR a qual foi regularizada há poucos anos havendo a necessidade de se fazer a desapropriação de fazendas de gado Essas fazendas encontravamse estabelecidas não só na região dos campos naturais como também já ocupavam a Serra de Pacaraima sendo comuns os desmatamentos ao longo da Rodovia BR174 no seu trecho entre Boa Vista e a fronteira com a Venezuela Para a desapropriação a Fundação Nacional do Índio contou com o apoio financeiro da Eletronorte que realiza ainda na área da Terra Indígena São Marcos um trabalho comunitário de disseminação de técnicas agrícolas práticas de saneamento básico entre outras atividades comunitárias com o objetivo de melhorar as condições de vida da população IBGE 2009 A sustentabilidade também ganha contorno especial na atualidade Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente o consumo dos hidroclorofluorcarbonos HCFCs uma das principais substâncias responsáveis pela degeneração da camada de ozônio teve queda de 3775 trinta e sete vírgula setenta e cinco por cento no Brasil em relação à linha de base que é de 1327 mil trezentos e vinte e sete toneladas PDO Potencial de Destruição do 47 Ozônioano equivalente à média dos anos 2009 e 2010 Ao todo foram reduzidas aproximadamente 501 quinhentas e uma toneladas PDO Potencial de Destruição do Ozônio O percentual de redução ficou a apenas 135 um vírgula trinta e cinco por cento da meta de 393 trinta e nove vírgula três por cento pactuada pelo Brasil para o ano de 2020 conforme cronograma de eliminação do consumo de hidroclorofluorcarbonos HCFCs estabelecido pelo Protocolo de Montreal para os países em desenvolvimento O cronograma prevê a eliminação completa dos hidroclorofluorcarbonos HCFCs no Brasil até 2040 MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE 2019 A sustentabilidade ambiental parte da consciência respeito e educação das demais sustentabilidades tais como a social a econômica e a empresarial Essas formas devem se unir para um fim especifico que refletirá nas demais ou seja a atitude de uma irradiará nas outras A função ambiental da propriedade é discutida no plano privado e no plano público ambas devem ser observadas segundo os princípios gerais e específicos Algumas atuações da função social da propriedade ambiental privada sofrem limitações ou mesmo são inaplicáveis quando confrontadas com função social da propriedade ambiental pública Em determinado tempo pode um produtor rural empreender plantio e colheita em sua área cujo fim é o lucro empregando para tanto cerca de 30 trinta funcionários em contrapartida poderia essa mesma terra ser de propriedade da União cuja decisão seja cultivar seu estado in natura vez que seria de interesse da coletividade a preservação intacta do local a fim de preservar determinada espécie de pássaros ameaçados de extinção Ambas se opõem sem contudo deixar de atingir sua devida finalidade Porém no segundo exemplo ao contrário do primeiro devese haver um estudo justificando essa realidade sob pena de a propriedade ser declarada improdutiva Por outro lado algumas atuações da função social da propriedade ambiental privada são idênticas quando confrontadas com função social da propriedade ambiental pública Ambas as pessoas são responsáveis pela conservação e reconstrução da área ambiental Assim é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça o novo adquirente do imóvel é parte legítima para figurar no polo passivo de ação por dano ambiental que visa o reflorestamento de área destinada à preservação ambiental Não importa que o novo adquirente não tenha sido o responsável pelo desmatamento da propriedade Ipsis litteris não há como se eximir a adquirente desta obrigação legal indistintamente endereçada a todos membros de uma coletividade por serem estes em última análise os beneficiários da regra máxime ao se considerar a função social da propriedade BRASIL 2006 48 A estrutura ambiental acompanha o novo adquirente sendo este responsável por sua manutenção e conservação por meio de plantio tratamento de solo reflorestamento visando o meio ambiente ecologicamente equilibrado sadio e sem escassez de recursos a futuras gerações art 225 da CF8813 Está aí a função social definida e ainda que exista dano por ele não causado surgirão caso desrespeitada tal regra implicações de ordem administrativa penal e civil Quanto a essa temática necessário se faz breve comentário sobre o princípio da solidariedade aplicado ao cerne ambiental que visa à construção de um ambiente social livre justo e solidário O princípio da solidariedade foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro através do art 3º I da Constituição Federal de 1988 como pressuposto do Estado Democrático de Direito voltado para a convivência em um ambiente social focado em construir uma sociedade livre justa e solidária Ou seja podese dizer que o texto constitucional impõe uma modificação ao Estado determinando uma ação positiva do Poder Público no sentido de assegurar condições mínimas de vida digna para aos cidadãos TOLEDO SANTIAGO 2019 p 56 A Constituição Federal de 1988 disciplina que a solidariedade é um pilar essencial à República Federativa do Brasil14 retratando o princípio da igualdade adotado na Revolução Francesa consoante a ideia de fraternidade Ainda no mesmo sentido porém fundindo o conceito de solidariedade e justiça está a lição de Habermas que afirma A justiça concebida deontologicamente exige como sua outra face a solidariedade Não se trata neste caso de dois momentos que se complementam mas de aspectos da mesma coisa Toda moral autônoma tem que resolver ao mesmo tempo duas tarefas ao reivindicar trato igual e com ele um respeito equivalente pela dignidade de cada um faz valer a inviolabilidade dos indivíduos na sociedade e ao mesmo tempo em que exige a solidariedade por parte dos indivíduos como membros de uma comunidade na qual são socializados protege as relações intersubjetivas de reconhecimento recíproco A justiça referese à igualdade da liberdade dos indivíduos que se determinam a si mesmos e que são insubstituíveis enquanto a solidariedade referese ao bem ou à felicidade dos companheiros irmanados em uma forma de vida intersubjetivamente compartilhada e deste modo também à preservação da integridade dessa forma de vida As normas não podem proteger um sem o outro isto é não podem proteger a igualdade de direitos e as liberdades dos indivíduos sem o bem do próximo e da comunidade a que eles pertencem HABERMAS 2000 pp 7576 13Art 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida impondose ao Poder Público e à coletividade o dever de defendêlo e preservá lo para as presentes e futuras gerações 14Art 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil I construir uma sociedade livre justa e solidária 49 A cooperação entre os seres humanos traz linhas históricas observando que efetivamente se consideramos a evolução histórica do Constitucionalismo podemos facilmente notar que ele foi liberal inicialmente e depois social A par disso o constitucionalismo fraternal alcança a dimensão da luta pela afirmação do valor do desenvolvimento do meio ambiente ecologicamente equilibrado da democracia e até de certos aspectos do urbanismo como direitos fundamentais Tudo na perspectiva de se fazer a interação de uma verdadeira comunidade isto é uma comunhão pela consciência de que estamos todos em um mesmo barco sendo impossível escapar da mesma sorte ou destino histórico BRITO 2003 p 136 Bobbio ao lecionar sobre as gerações dos direitos humanos decidiu por abordar a fraternidade como direito da terceira geração este como elemento de progresso e desenvolvimento da humanidade o que por derradeiro abrange o meio ambiente equilibrado para sadia qualidade de vida Afirma ainda o filosofo político que a terceira geração de direitos tem início com a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU em 1948 possuindo como característica a afirmação dos direitos de forma universal e positiva Universal no sentido de que os destinatários dos princípios nela contidos não são mais apenas os cidadãos deste ou daquele Estado mas todos os homens positiva no sentido de que põe em movimento um processo em cujo final os direitos do homem deverão ser não mais apenas proclamados ou apenas idealmente reconhecidos porém efetivamente protegidos até mesmo contra o próprio Estado que os tenha violado BOBBIO 1992 p 193 A função ambiental solidária da propriedade passa pelo conceito estrutural de ajuda mútua composição e solução de eventuais conflitos que norteiam o princípio da solidariedade ou seja todas as pessoas públicas ou privadas devem manter a cooperação buscando a manutenção e conservação do meio ambiente visto que o homem interage com a natureza de forma antropogênica acima ou igualitariamente à natureza valorandoa como mero instrumento ou utilitário 15 A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA A função social da empresa se impõe muito mais por contornos mercadológicos do que pela simples imposição legal ou seja o mercado se tornou seletivo nas escolhas de seus produtos e serviços preferindo empresas que tenham o compromisso social desenvolvido por 50 meio de programas e atividades para o bem coletivo A função social se tornou requisito paralelo ao lucro à produção e ao crescimento empresarial Algumas empresas visando seus princípios estatutários ou mesmo o puro marketing dentro da sociedade de consumo e serviço procuram vincular sua marca às diversas entidades assistenciais de renome por exemplo Organizações Não Governamentais ONGs e órgãos vinculados à Organização das Nações Unidas ONU ou mesmo agregar seu produto a um selo especifico de qualidade tal como SA 8000 AA 1000 ISO 26000 e NBR 16001 Várias associações empresariais nasceram com o objetivo de difundir propostas de responsabilidade social empresarial a exemplo da Business for Social Responsibility nos Estados Unidos o Instituto Ethos de Responsabilidade Social e o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas Ibase estes dois últimos com sede no Brasil A diversidade de expressões relacionadas como empresa cidadã filantropia estratégica ética empresarial investimentos sustentáveis governança corporativa e muitas outras decorre da importância desse assunto BARBIERI CAJAZEIRA 2016 p 1 É inegável que na atualidade a pessoa jurídica possui um papel fundamental dentro da economia e da sociedade de uma nação Essa ordem dita percentuais de desenvolvimento e crescimento atingindo diretamente a terceiros cumprindo com sua finalidade social O consumidor hodiernamente conclama para que a empresa siga essa regra de colaboração A desobediência em tal preceito coloca em risco uma marca e consequentemente seus negócios financeiros Maria Helena Diniz 1998 p 613 define a função social da empresa como o exercício pelo administrador da sociedade por ações das atribuições legais e estatutárias para a consecução dos fins e do interesse da companhia usando do seu poder de modo a atingir a satisfação das exigências do bem comum A função social da empresa está atrelada às conquistas do Estado Social que se pode definir como aquele que acrescentou à dimensão política do Estado liberal a perspectiva econômica e social limitando e controlando o poder econômico e tutelando os hipossuficientes LÔBO 2003 p 1213 Algumas atitudes são claramente palpáveis podendo ser desenvolvidas por pessoas jurídicas de natureza pública ou privada bem como em variadas frentes segundo a escolha da empresa educacional ambiental inclusão social Como exemplo de pessoa jurídica de direito privado podemos citar a Fundação Itaú Social que por meio do Prêmio ItaúUnicef reconhece e estimula o trabalho de ONGs que contribuem conjuntamente à escola pública para a educação integral de crianças e adolescentes 51 em condições de vulnerabilidade Ainda com a Olimpíada da Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro capacita professores para o ensino da leitura e da escrita por meio da distribuição de material de formação Os textos produzidos por alunos da rede pública participam de uma premiação nacional O modelo foi premiado internacionalmente sendo a iniciativa adotada como política pública pelo governo federal em 2007 em parceria com Ministério da Educação PORTAL FUNDAÇÃO ITAÚ SOCIAL 2019 A exemplo de empresa jurídica de direito público podemos citar os Correios que por meio do programa Começar de Novo que conta com a parceria com o Conselho Nacional de Justiça CNJ promovendo a inserção social de apenados que estejam em regime aberto ou semiaberto por meio de sua inclusão no mercado de trabalho e da qualificação profissional PORTAL CORREIOS 2019 As contextualizações das ações concretas acima mencionadas não refletem única e exclusivamente a função social da empresa Existem segmentos que não desenvolvem nenhum programa voltado a terceiros contudo cumprem com seu papel social por meio do desenvolvimento interno de seus funcionários oferecendo melhores salários melhores condições de trabalho e segurança melhor programa previdenciário a seus colaboradores entre outros No plano infraconstitucional encontramos amparo legal específico junto ao art 11615 parágrafo único e art 154416 ambos da Lei das Sociedades por Ações Lei 6404 de 15 de Dezembro de 1976 que se refere à função social lembrando que se trata de legislação específica para apenas uma espécie societária 15Art 116 Entendese por acionista controlador a pessoa natural ou jurídica ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto ou sob controle comum que a é titular de direitos de sócio que lhe assegurem de modo permanente a maioria dos votos nas deliberações da assembleia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia e b usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia Parágrafo único O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender 16Art 154 O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa 1º O administrador eleito por grupo ou classe de acionistas tem para com a companhia os mesmos deveres que os demais não podendo ainda que para defesa do interesse dos que o elegeram faltar a esses deveres 2 É vedado ao administrador a praticar ato de liberalidade à custa da companhia b sem prévia autorização da assembleia geral ou do conselho de administração tomar por empréstimo recursos ou bens da companhia ou usar em proveito próprio de sociedade em que tenha interesse ou de terceiros os seus bens serviços ou crédito c receber de terceiros sem autorização estatutária ou da assembleia geral qualquer modalidade de vantagem pessoal direta ou indireta em razão do exercício de seu cargo 3º As importâncias recebidas com infração ao disposto na alínea c do 2º pertencerão à companhia 4º O conselho de administração ou a diretoria podem autorizar a prática de atos gratuitos razoáveis em benefício dos empregados ou da comunidade de que participe a empresa tendo em vista suas responsabilidades sociais 52 Ao mesmo tempo em que existem empresas comprometidas com o importante papel humano que desenvolvem há de se reconhecer que existem outras que procuram se valer de atitudes ilícitas desequilibrando assim todo um sistema prejudicando toda uma cadeia incluindo aqui a função social a qual exerce Para coibir esse intento criouse não só uma legislação eficaz e ativa como também órgãos de proteção ao consumidor as instituições públicas e privadas a proteção do processo competitivo e a proteção da política de defesa da concorrência O Conselho Administrativo de Defesa Econômica CADE constitui um dos principais órgãos de combate a ilícitos econômicos desde a época de sua criação que se deu em 10 de setembro de 1962 pelo então governo do presidente João Goulart através da Lei nº 4137 Lei que à época regulava a repressão ao abuso do Poder Econômico possuindo tal conselho vínculo de subordinação ao Ministério da Justiça e tendo entre as principais funções a gestão econômica e o regime de contabilidade das empresas Outros órgãos de igual valor também possuem responsabilidades sobre o tema incluem se aqui as Promotorias de Justiça Especializadas o Procon as próprias Agências Reguladoras dentre outras Contudo o de maior destaque e abrangência irrefutavelmente é o Conselho Administrativo de Defesa Econômica CADE Os órgãos mencionados possuem autonomia em suas competências porém pode haver indiretamente ou mesmo diretamente a interferência de outro órgão para melhor auxiliar nas investigações O Conselho Administrativo de Defesa Econômica CADE em 2016 foi chamado a atuar como amicus curiae na ação civil pública nº 3475ª PJDC2016 proposta pela 5ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa do Consumidor e do Contribuinte da Capital do Rio de Janeiro contra a empresa Decolarcom Ltda que requereu em síntese o pagamento de R 5700000000 cinquenta e sete milhões de reais pela prática de geopricing pois a empresa ré utilizandose de uma estrutura tecnológica avançada em especial do site Decolarcom e de um sistema de algoritmos sistema de algoritmos de processamento de ofertas discriminava consumidores tendo como base a sua origem geográfica eou nacionalidade alterando os preços de hospedagem em hotéis ou mesmo alterando preços e disponibilidade de ofertas conforme a origem do consumidor OLIVEIRA 2018 Os crimes cometidos contra a função social são comuns também no ambiente público No ano de 2015 24112015 a ControladoriaGeral da União CGU em parceria com a Polícia Federal e o Ministério Público Federal realizou a Operação Tyrannos com objetivo de combater fraudes no Programa Nacional de Habitação Rural PNHR integrante do Programa Minha Casa Minha Vida no estado de Minas Gerais A estimativa inicial é que houve desvios 53 de cerca de R 200000000 dois milhões de reais De acordo com as investigações grupo criminoso controlava todas as etapas do programa inclusive efetuava a escolha dos beneficiários promovia a cobrança de taxas ilegais o superfaturamento de recursos a falsificação de documentos além da compra de materiais de construção fornecidos por empresas do grupo por preços acima do mercado Entre 2010 e 2014 a organização celebrou contratos de mais de R 5600000000 cinquenta e seis milhões de reais para executar o Programa Nacional de Habitação Rural em mais de 20 vinte municípios de Minas Gerais São investigados os crimes de organização criminosa peculato falso testemunho fraude processual estelionato ordenamento de despesa não autorizada e falsificação de documentos PORTAL CGU 2015 Ainda no ano de 2017 a Policia Federal de Belém deflagrou no município de Abaetetuba PA a Operação República Velha que investiga desvios de recursos do programa Bolsa Família para financiamento de campanha eleitoral À época foram cumpridos quatro mandados de busca e apreensão e dois mandados de condução coercitiva expedidos pelo Juízo da 7ª Zona Eleitoral Dentre as conduções estavam um vereador municipal e sua esposa funcionária da Secretaria Municipal de Assistência Social do Município de Abaetetuba PA setor do município responsável pelo cadastramento de beneficiários do referido programa federal As investigações constataram que mais de 30 trinta beneficiários do programa que é destinado ao combate da fome e da pobreza doaram ilegalmente um percentual para as campanhas eleitorais do vereador investigado nos anos de 2012 2014 e 2016 PORTAL PF Em relação ao plano jurídico foram criadas leis específicas para o combate aos desvios de finalidades e eventuais ilícitos de função social A Lei 1252911 dispõe sobre a Estrutura do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica altera a Lei nº 8137 de 27 de dezembro de 1990 o DecretoLei nº 3689 de 3 de outubro de 1941 Código de Processo Penal a Lei nº 7347 de 24 de julho de 1985 revoga dispositivos da Lei nº 8884 de 11 de junho de 1994 e da Lei nº 9781 de 19 de janeiro de 1999 bem como dá outras providências 54 2 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE PÚBLICA COMO INSTRUMENTO DE DESENVOLVIMENTO A tomografia epistêmica do estudo da função social da propriedade pública delonga diversas constantes e ponderações ao longo de sua evolução histórica de modo que para o presente trabalho necessária se faz a introdução sobre a temática na atualidade que será antecedida pelo estudo da propriedade pública sob a égide da atual Constituição Federal de 1988 e do Código Civil de 2002 Aí está a centralidade do segundo capítulo Procurase ainda trazer alguns julgados recentes do Supremo Tribunal Federal que expandiram o conceito em análise por exemplo ADI 4613 rel min Dias Toffoli j 2092018 P DJE de 3122018 Ao final do capítulo concluise que as alterações trazidas pelas jurisprudências maximizaram a forma da função social da propriedade pública transformando espaços ociosos em produtivos ou ainda elaborando melhorias nas propriedades ativas Toda essa reestruturação deve observar uma menor intervenção financeira e orçamentária por parte dos julgados tornando possível sua efetiva aplicabilidade em consonância com os princípios de direito administrativo os princípios como mandamento de otimização não perdendo entretanto a ideia de justiça As modificações positivas trazidas ao Estado fazem surgir uma rotatividade que atinge ou mesmo influencia no âmbito da função social da propriedade privada tornando assim um ciclo de desenvolvimento e crescimento completo O atual capítulo tem o condão de galgar o próximo passo do estudo analisando a função social da propriedade pública e os atributos que a compõem pois o capítulo anterior demonstrou aspectos genéricos porém essenciais a um raciocínio lógico A ênfase será dada aos bens públicos imóveis em detrimento dos demais visto que aquele possui expressiva maioria e um poder de alcance maior Traz ainda a discussão de elos entre a sociedade e políticas públicas de urbanização moradia infraestrutura saneamento básico entre outros 21 BENS PÚBLICOS E AS PRINCIPAIS TEORIAS DOUTRINÁRIAS 55 O exame da propriedade pública necessariamente se confunde com a análise legal e doutrinaria dos bens públicos ambos são sinônimos entretanto ambas as definições são opostas ao conceito de domínio público O domínio público em sentido estrito é o conjunto de bens móveis e imóveis corpóreos ou incorpóreos pertencente ao Estado Assim em uma primeira aproximação podese dizer que o domínio público é constituído pela somatória dos bens públicos do patrimônio atribuído pelo ordenamento jurídico às pessoas componentes da organização estatal A expressão bem público no entanto é mais abrangente do que domínio público porque existem bens públicos que são regidos por princípios de direito privado MASSA 2018 p 924 ou seja a expressão domínio público apresenta desdobramento menor que o termo bem público pois há bens públicos que ultrapassam a área do domínio público por serem regidos por princípios de direito comum Em sentido amplo a expressão domínio público revela a força de domínio que o Estado tem sobre a propriedade sua capacidade de administração A noção de domínio público envolve não só o domínio patrimonial relativo ao direito de propriedade que o Estado exerce sobre os bens que compõem o seu patrimônio como também o domínio eminente de natureza política que o Estado tem sobre todos os bens existentes no seu território com o poder de regulamentar ou restringir o seu uso ou até de transferilos compulsoriamente para o patrimônio estatal passando a exercer também o domínio patrimonial mediante a desapropriação Em termos mais simples tudo o que se encontra no território do ente político está de certa forma sujeito a sua disciplina respeitadas as competências dos demais entes políticos Assim o estado da Paraíba detém o poder político de estabelecer regras referentes a tudo o que se encontre sobre o seu território respeitadas as competências federais e municipais domínio eminente porém alguns desses bens pertencem ao próprio estado No tocante a estes a Paraíba também exerce o domínio patrimonial Em certas hipóteses utilizando o domínio eminente o Estado pode desapropriar um bem que se encontre no seu território e como legítimo proprietário passar a exercer sobre tal bem o domínio patrimonial ALEXANDRE DEUS 2018 p 985 Nas palavras de Themistocles Brandão Cavalcanti Para bem fixar a natureza do debate doutrinário devemos portanto distinguir o poder do Estado sobre todo o seu território inclusive a propriedade privada daquele que o mesmo exerce sobre os bens propriamente do seu domínio compreendendo todos os bens exclusivos da propriedade privada CAVALCANTI 1977 p 440 O domínio público lato sensu subdividese em domínio terrestre terras devolutas e plataformas continentais por exemplo domínio hídrico como águas públicas internas cuja 56 disciplina encontrase no Decreto 2464334 Código de Águas domínio mineral como os recursos minerais cuja disciplina encontrase no DecretoLei 22767 Código de Minas domínio florestal como a Floresta Amazônica e Pantanal MatoGrossense cuja disciplina encontrase na Lei 1265112 Código Florestal domínio da fauna por exemplo os animais de qualquer espécie cuja disciplina encontrase na Lei 519767 Código de Caças domínio espacial como o espaço aéreo cuja disciplina encontrase na Lei 756586 Código Brasileiro de Aeronáutica domínio patrimonial histórico como o acervo histórico do Museu do Ipiranga domínio patrimonial genético por exemplo material genético e domínio ambiental meio ambiente em todas as suas formas A definição de bem público ficou a cargo do atual Código Civil Lei 104062002 em seu Capítulo III no Livro II Dos Bens nos art 98 a 103 devendo sua atribuição e divisão serem feitas pela Constituição Federal de 1988 respectivamente o art 20 para os bens da União o art 26 para os bens dos estados o art 30 para os bens do Distrito Federal e por fim o art 33 para os bens dos Territórios Federais Não há referência pela Constituição de bens públicos pertencentes aos municípios à administração pública indireta concessionárias e permissionárias cabendo à legislação infraconstitucional ou mesmo à doutrina definilos O art 98 do Código Civil brasileiro disciplina que são públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno Todos os outros são particulares seja qual for a pessoa a que pertencerem BRASIL 2002 A legalidade do artigo ocasionou trabalhos doutrinários fantásticos de renomados administrativistas em especial no que tange ao alcance do conceito de bens públicos possuindo cada qual suas particularidades e linhas delimitadoras Três são as principais correntes a exclusivista a inclusivista e a mista A primeira posição é chamada de exclusivista e tem como principal defensor o professor José dos Santos Carvalho Filho que vincula o conceito de bem público como sendo todo objeto que pertence ao patrimônio de pessoas jurídicas de direito público Com base no vigente dispositivo do novo Código podemos então conceituar bens públicos como todos aqueles que de qualquer natureza e a qualquer título pertençam às pessoas jurídicas de direito público sejam elas federativas como a União os Estados o Distrito Federal e os Municípios sejam da Administração descentralizada como as autarquias nestas incluindose as fundações de direito público e as associações públicas Os elementos do conceito que já anteriormente apresentávamos foram sufragados pelo art 98 do Código Civil como é fácil concluir Referimonos a bens de qualquer natureza porque na categoria se inserem os bens corpóreos e 57 incorpóreos móveis imóveis semoventes créditos direitos e ações Por outro lado a menção à propriedade a qualquer título fundase na especial circunstância de que no conceito tanto se incluem os bens do domínio do Estado na qualidade de proprietário em sentido estrito quanto aqueles outros que de utilização pública se sujeitam ao poder de disciplinamento e regulamentação pelo Poder Público É costume encontrar em alguns textos a expressão bens alodiais como relacionada aos bens públicos A expressão foi cunhada na Idade Média e significava os bens que constituíam a propriedade definitiva que por isso mesmo não estava sujeita a prazo nem a outras condições além de beneficiarse de isenções senhoriais feudais Verificase pois ser impróprio o emprego da expressão na atualidade a menos que para indicar bens públicos livres alodialidade o que na prática terá pouco reflexo quanto aos efeitos jurídicos A propósito da titularidade dos bens públicos há uma particularidade a destacar os titulares são as pessoas jurídicas públicas e não os órgãos que as compõem Na prática tem ocorrido o registro de propriedade atribuído a Tribunal de Justiça Assembleia Legislativa Ministério Público A indicação revela apenas que o bem foi adquirido com o orçamento daquele órgão específico estando por isso afetado a suas finalidades institucionais A propriedade todavia é do ente estatal no caso o Estadomembro e não do órgão que não tem personalidade jurídica e representa mera repartição interna da pessoa jurídica por mais relevantes que sejam as suas funções O efeito jurídico exclusivo de semelhante afetação é o de que somente por exceção deve o bem ser desvinculado dos fins institucionais do órgão eis que afinal este o adquiriu com recursos próprios CARVALHO FILHO 2018 p 1212 Tal corrente remete ainda a um ponto importante no que tange à atribuição do registro de imóveis públicos a órgãos não dotados de personalidade jurídica A propriedade e gestão do imóvel deve ser atribuída à entidade administrativa direta imbuída de capacidade civil absoluta para exercer direitos e adquirir obrigações e deveres em seu próprio nome Por outro lado exclui de seu parecer os bens destinados às empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam serviços públicos Apesar da dissidência esta corrente é a mais aceita atualmente A segunda posição é chamada de inclusivista e tem como principais defensores Hely Lopes Meirelles e Maria Silvia Zanella Di Pietro que vinculam o conceito de bem público como todo aquele que pertence à Administração Pública direta e indireta O patrimônio público é formado por bens de toda natureza e espécie que tenham interesse para a Administração e para a comunidade administrada Esses bens recebem conceituação classificação e destinação legal para sua correta administração utilização e alienação como veremos no decorrer deste item em que a final trataremos da aquisição de bens que passarão a integrar o patrimônio público Bens públicos em sentido amplo são todas as coisas corpóreas ou incorpóreas imóveis móveis e semoventes créditos direitos e ações que pertençam a qualquer título às entidades estatais autárquicas fundacionais e empresas governamentais O conceito adotado não1 deixa dúvidas quanto ao fato de que também são bens públicos os pertencentes às autarquias e fundações públicas Quanto aos bens das empresas estatais empresas públicas e sociedades de economia mista entendemos que são também bens públicos com destinação especial e administração particular das 58 instituições a que foram transferidos para consecução dos fins estatutários A origem e a natureza total ou predominante desses bens continuam públicas sua destinação é de interesse público apenas sua administração é confiada a uma entidade de personalidade privada que os utilizará na forma da lei instituidora e do estatuto regedor da instituição Esse patrimônio embora incorporado a uma instituição de personalidade privada continua vinculado ao serviço público apenas prestado de forma descentralizada ou indireta por uma empresa estatal de estrutura comercial civil ou mesmo especial Mas lato sensu é patrimônio público tanto assim que na extinção da entidade reverte ao ente estatal que o criou e qualquer ato que o lese poderá ser invalidado por ação popular Lei federal 471765 art Iº Não há outro raciocínio a seguir porque se tais bens pertenciam ao Estado e foram transferidos com destinação especial a uma empresa do Estado desde o momento em que esta os abandona ao ponto de serem apossados por terceiros tais bens que já permaneciam na órbita estatal apenas utilizados pela Administração descentralizada reincorporamse no patrimônio da entidade centralizada que os cedera tão somente para o fim estabelecido na lei autorizadora da instituição estatal MEIRELLES FILHO BURLE 2016 p 636 Usaremos aqui a expressão no segundo sentido assinalado abrangendo os bens de uso comum do povo e os de uso especial Embora a designação de bens do domínio público não seja perfeita porque pode dar a ideia de bens cujo uso pertence a toda a coletividade preferimos utilizála como forma de contrapor o regime jurídico dos bens de uso comum e de uso especial submetidos ao direito público ao regime dos bens do domínio privado do Estado bens dominicais que é parcialmente público e parcialmente privado Com efeito embora a classificação adotada pelo Código Civil abranja três modalidades de bens quanto ao regime jurídico existem apenas duas Com relação aos bens de uso comum e de uso especial não existe diferença de regime jurídico pois ambos estão destinados a fins públicos essa destinação pode ser inerente à própria natureza dos bens como ocorre com os rios estradas praças ruas ou pode decorrer da vontade do poder público que afeta determinado bem ao uso da Administração para realização de atividade que vai beneficiar a coletividade direta ou indiretamente PIETRO 2019 p852 A segunda corrente recebe críticas no sentido de não diferenciar os regimes jurídicos dos bens afetados ao serviço público e os destinados a exploração de atividades econômicas como Caixa Econômica Federal e Banco de Brasil este último com o título de sociedade de economia mista Ou seja em determinado momento a teoria apresentase como una quando deveria fazer divisões A terceira posição é chamada de corrente mista e tem como principal defensor Celso Antônio Bandeira de Mello que em simples linhas define como bens públicos os pertencentes a pessoas jurídicas de direito público bem como aqueles destinados a prestação de um serviço público Há um misto somatória de titularidade estatal mais o uso a um serviço público Bens são todos os bens que pertencem as pessoas jurídicas de direito público isto é a União Estado Distrito Federal Municípios respectivamente autarquias e fundações estas ultimas aliás não passam de autarquias 59 designadas pela base estrutural que possuem bem como os que embora não pertencentes a tais pessoas estejam afetados à prestação de um serviço público O conjunto de bens públicos forma o domínio público que inclui tanto bens imóveis como móveis A noção de bem público tal como qualquer outra noção em Direito só interessa se for correlata a um dado de regime jurídico Assim todos os bens que estiverem sujeitos ao mesmo regime público deverão ser havidos como bens públicos Ora bens particulares quando afetados a uma atividade pública enquanto o estiverem ficam submissos ao mesmo regime jurídico dos bens de propriedade pública Logo têm que estar incluídos no conceito de bem público MEIRELLES FILHO BURLE 2016 p 913 914 O acervo utilizado para a efetiva prestação de serviço público ainda que pertencente a pessoas jurídicas de direito público é afetado pelas mesmas condições tal como a impenhorabilidade As pessoas jurídicas de direito privado tais como as empresas públicas sociedades de economia mista concessionárias e permissionárias são enquadradas nessa plataforma pois os bens utilizados são indispensáveis à continuidade da prestação de serviço público Por lógica é a corrente mais ampla enquadrando todos aqueles que de alguma forma possuam vínculo com o Estado Tal posição merece muito cuidado quando afirma que se considera bem público os que embora não pertencentes a tais pessoas estejam afetados à prestação de um serviço público Hodiernamente em vista da estrutura financeira do Estado é comum servidores utilizaremse de bens próprios para a efetiva prestação do serviço público o que não necessariamente determina que aquele bem pertença ao ente público Tomamos aqui o exemplo de um médico que se utiliza de seu estetoscópio para clinicar um paciente todos os dias no posto de saúde no qual labora ou ainda de um magistrado que se utiliza de seu notebook para proferir sentenças em seu gabinete Veja que tais bens não pertencem ao Estado contudo são utilizados para a efetiva prestação de serviço público o que não caracteriza o direito de propriedade das pessoas jurídicas de direito público No mesmo contexto existem bens que foram emprestados ou cedidos ao serviço púbico que por derradeiro pertencem ao particular e não à terceira pessoa pública Tomemos como exemplo um determinado imóvel pertencente ao privado que é emprestado a título não oneroso para a campanha de vacinação de animais em específico bairro afastado da zona urbana Por mais que as situações narradas sejam ilustrativas as mesmas não são raras de se observar no cotidiano da população que sofre com a carência ou mesmo limitação da prestação de serviço público As circunstâncias dos casos específicos devem ser observadas sob pena de se criar uma generalidade em abstrato ao contexto o que tornaria a definição errônea 60 Os bens de propriedade pública são dotados de condições especiais visto que sua natureza jurídica se diferencia da propriedade privada A impenhorabilidade a inalienabilidade a imprescritibilidade e a não onerosidade são os atributos que mais se destacam dentre todos possuindo um alto grau de discussão na jurisprudência e doutrina quanto a sua extensão e uso A inalienabilidade surge da proibição de venda de bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial enquanto conservarem a sua qualificação conforme regulamenta o art 100 do Código Civil A condição admite exceção caso haja regular disciplina legal A inalienabilidade é a supressão de determinado bem jurídico material ou titular do direito de propriedade O bem não pode ser vendido dado em pagamento doado ser objeto de permuta etc Quando se tratar de indisponibilidade do interesse público a inalienabilidade de qualquer bem público é relativa pois sucumbirá ao comando de alienação disposto em lei Deve ser observado que existe condicionada a previsão legal a possibilidade de transferência do domínio de todos os bens públicos salvo aqueles que são insuscetíveis de transferência de domínio em virtude da sua própria natureza Em alguns casos a alienação de bens públicos exige norma jurídica específica tendose como exemplo a exigência do art 18817 da Constituição Federal COUTO 2019 p730731 A Lei de Licitações revela formas de alienação pública nos seus arts 17 18 e 19 englobando bens móveis e imóveis tendo como requisito mais importante o interesse público justificado Existem modelos que não necessariamente envolvem contraprestações financeiras como é o caso da alienação gratuita permissão e doação possuindo requisitos especiais afastando eventuais desvios de finalidade BRASIL 1993 Outras formas com modelos próprios são previstas Venda Compra e Venda Permuta Dação em Pagamento Concessão de Domínio Investidura Incorporação Retrocesso e Legitimação de Posse Os bens públicos são imprescritíveis não sofrem alterações jurídicas de propriedade em decorrência de tempo portanto não são passíveis de usucapião Existe pacífico entendimento sobre essa temática repercussão que gerou a edição da Súmula 340 do Supremo Tribunal Federal determinando que desde a vigência do Código Civil os bens dominiais como os demais bens públicos não podem ser adquiridos por usucapião A Constituição de 1988 estabelece que nem mesmo as normas de usucapião pro labore isto é aquele que assegura a 17Art 188 A destinação de terras públicas e devolutas será compatibilizada com a política agrícola e com o plano nacional de reforma agrária 1º A alienação ou a concessão a qualquer título de terras públicas com área superior a dois mil e quinhentos hectares a pessoa física ou jurídica ainda que por interposta pessoa dependerá de prévia aprovação do Congresso Nacional 2º Excetuamse do disposto no parágrafo anterior as alienações ou as concessões de terras públicas para fins de reforma agrária 61 propriedade pelo cultivo da terra com o próprio trabalho ou com o trabalho da família podem incidir sobre bens públicos O art 191 do mesmo diploma legal restringiu a utilização deste tipo de aquisição de propriedade que é invocada por aquele que não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano e o possui como seu por cinco anos ininterruptos sem oposição área de terra em zona rural não superior a 50 cinquenta hectares tornea produtiva por seu trabalho e de sua família tendo nela moradia Ficou explicitado no parágrafo único do referido artigo que ela não recai sobre imóveis públicos Também a usucapião constitucional de área urbana não recai sobre imóveis públicos conforme determinação do 3º do art 183 da Constituição Federal NOHARA 2017 p 748 A impenhorabilidade garante à propriedade pública a proteção contra penhora contrição de bens mediante ação executória com o objetivo de garantir o juízo arresto e sequestro estes últimos são medidas cautelares a fim de garantir o juízo em futuro provimento jurisdicional preservando as modalidades de alienação comum aos bens privados Os atributos mencionados analisados em um primeiro momento constituem garantias das propriedades e patrimônios pertencentes ao poder público em uma visão constitucional É requisito necessário à ordem do Estado democrático de direito evitando assim deturpações a bens que pertencem a todos de forma comum Na verdade essa proteção é consequência da inalienabilidade condicionada considerando que os bens públicos não podem ser alienados de forma livre e que excepcionalmente observadas as condições da lei será possível a sua transferência Dessa forma de que valerá realizar a penhora o arresto ou o sequestro se o bem ao final não poderá ser alienado A garantia da penhora perde o seu sentido O respaldo constitucional para a impenhorabilidade dos bens públicos está no art 100 da Constituição Federal que estabelece expressamente que a satisfação dos débitos do poder público decorrentes de decisões judiciais deverá ser realizada pelo regime de precatório A garantia para o credor não é diretamente os bens públicos e sim o regime de precatório MARINELA 2018 p 907 Existe grande discussão na atualidade sobre a possibilidade de sequestro de Erário Público para cumprimento de decisões judiciais no que tange ao direito fundamental à saúde em especial ações provenientes do pedido de fornecimento de medicamentos A decisão de deferimento em instâncias superiores gera o movimento ainda que inicial numa exceção que posteriormente poderá ser abrangida por outros direitos fundamentais de igual importância O Recurso Especial 1069810 o qual teve como relator o Min Napoleão Nunes Maia Filho 62 proferiu parecer no sentido de caber ao Estado por meio da representatividade do juiz adotar medidas capazes de efetivar a decisão tal como o sequestro18 O Supremo Tribunal Federal também se posicionou parcialmente pela possibilidade de sequestros de valores por meio do Recurso Extraordinário 607582 que ainda está em fase de julgamento A matéria é tão enfática que lhe foi atribuída repercussão geral19 Conquanto a regra que ainda persiste é a da impossibilidade de sequestros O atributo da não onerosidade garante que nenhum ônus real possa recair sobre a propriedade pública ou seja não se dará em garantia de dívida em casos em que ocorra inadimplemento por parte do Estado a um terceiro isso porque os débitos são pagos mediante o instituto do precatório ou mesmo do RPV Requisição de Pequeno Valor e o art 1420 do Código Civil BRASIL 2002 disciplina que só aquele que pode alienar poderá empenhar hipotecar ou dar em anticrese Nessa linha só os bens que se podem alienar poderão ser dados em penhor anticrese ou hipoteca A impossibilidade de oneração de bem público não alcança os bens dominicais que após o cumprimento dos requisitos legais podem ser alienados Os bens alienáveis podem ser dados em garantia real não havendo motivo para exclusão dos bens dominicais Dessa forma nada impede por exemplo que bens dominicais sejam dados em garantia nos contratos celebrados pela Administração Pública desde que haja avaliação prévia do bem justificativa realização de licitação obrigatória para celebração do próprio contrato e no caso de imóveis prévia autorização legislativa OLIVEIRA 2019 p 674 18 EMENTA PROCESSUAL CIVIL ADMINISTRATIVO RECURSO ESPECIAL ADOÇÃO DE MEDIDA NECESSÁRIA À EFETIVAÇÃO DA TUTELA ESPECÍFICA OU À OBTENÇÃO DO RESULTADO PRÁTICO EQUIVALENTE ART 461 5o DO CPC BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS POSSIBILIDADE CONFERIDA AO JULGADOR DE OFÍCIO OU A REQUERIMENTO DA PARTE RECURSO ESPECIAL PROVIDO ACÓRDÃO SUBMETIDO AO RITO DO ART 543C DO CPC E DA RESOLUÇÃO 082008 DO STJ 1 Tratandose de fornecimento de medicamentos cabe ao Juiz adotar medidas eficazes à efetivação de suas decisões podendo se necessário determinar até mesmo o sequestro de valores do devedor bloqueio segundo o seu prudente arbítrio e sempre com adequada fundamentação 2 Recurso Especial provido Acórdão submetido ao regime do art 543C do CPC e da Resolução 082008 do STJ REsp 1069810 RS STJ Primeira Seção Rel Min Napoleão Nunes Maia Filho julgado em 23102013 DJe 06112013 19 AGRAVO DE INSTRUMENTO DIREITO À SAÚDE ANTECIPAÇÃO DA TUTELA FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS RESPONSABILIDADE DO ESTADO BLOQUEIO DE VALORES NA CONTA CORRENTE DO ENTE PÚBLICO EM CASO DE DESCUMPRIMENTO DA JUDICIAL CABIMENTO Agravo desprovido Unânime 2 Este Tribunal no julgamento do RE 607582 de minha relatoria reconheceu a existência da repercussão geral da matéria para que os efeitos do art 543B do CPC possam ser aplicados Esta Corte firmou o entendimento no sentido da possibilidade do bloqueio de verbas públicas para garantir o fornecimento de medicamentos Cito os seguintes julgados AI 553712AgR rel Min Ricardo Lewandowski 1ª Turma DJe 462009 AI 597182AgRrel Min Cezar Peluso 2ª Turma DJ 6112006 RE 580167 rel Min Eros Grau DJe 2632008 AI 669479 rel Min Dias Toffoli DJe 17122009 RE 562528 de minha relatoria DJ 6102005 AI 640652 rel Min Joaquim Barbosa DJ 27112007 e AI 724824 rel Min Cármen Lúcia DJe 2392008 O acórdão recorrido não divergiu desse entendimento3 Ante o exposto nego seguimento ao recurso extraordinário Publiquese Brasília 2 de setembro de 2010Ministra Ellen Gracie Relatora REsp 607582RS STF Segunda Turma Rel Min ELLEN GRACIE Data de Julgamento 02092010 Data de Publicação DJe 171 DIVULG 14092010 PUBLIC 15092010 63 Em uma análise pragmática notase que no contexto real da contemporaneidade os atributos retardam de certa forma a função social da propriedade pública Diversos bens em especial os imóveis estão ociosos há muito tempo sem qualquer destinação dada ao mínimo que seja justamente por não poderem ser objetos de usucapião ou mesmo de venda por exemplo Ainda que ao Estado caiba como trabalho primordial direcionar sua política orçamentária aos diversos sistemas que administra saúde educação segurança pública não raro observamos uma problemática aguda quanto a estes por falta ou diminuição de verbas surgindo situações de enorme precariedade contexto que choca com a gigantesca despesa de manutenção e locação de prédios governamentais O governo federal é proprietário de um total de 10304 dez mil trezentos e quatro imóveis em todo o Brasil e até no exterior que estão desocupados Apesar do grande número de imóveis vazios o Executivo Federal gasta R 160000000000 um bilhão e seiscentos milhões de reais por ano com aluguel para abrigar órgãos públicos Do total de imóveis em desuso 80 oitenta por cento são prédios comerciais residências salas galpões e terrenos que podem ser vendidos alugados ou cedidos pela Administração Pública Federal Esses imóveis não têm uma destinação específica e por isso podem ser disponibilizados inclusive para o uso privado Rio de Janeiro Pará Bahia e Santa Catarina nessa ordem abrigam 60 sessenta por cento dos imóveis desocupados que podem ser negociados pela Administração Pública Federal São 1587 mil quinhentos e oitenta e sete no Rio 1586 mil quinhentos e oitenta e seis no Pará 483 quatrocentos e oitenta e três em São Paulo 480 quatrocentos e oitenta no Mato Grosso do Sul e 165 cento e sessenta e cinco no Distrito Federal Estes entes lideram o ranking de imóveis que não estão sendo usados sendo que quatro deles estão no exterior ODILA 2017 Deve existir prioridade quanto ao direcionamento do Erário Público Vertentes como saúde educação e segurança pública devem anteceder à reforma de um prédio público luxuoso os valores se posicionam verticalmente em dois extremos Uma ala de Unidade de Tratamento Intensivo UTI leito hospital em um hospital da rede pública de saúde nunca deverá ser subsequente à locação de um imóvel para abrigar uma autarquia pública por mais importante que esta seja Em 2018 a fim de corrigir essas distorções o governo federal publicou por meio da portaria nº 17 de 7 de Fevereiro de 2018 comando que dispõe sobre medidas de racionalização do gasto público nas contratações para aquisição de bens e prestação de serviços ficando 64 suspensa a realização de novas contratações relacionadas à aquisição e locações de bens móveis e imóveis20 22 O CONCEITO ATUAL DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE PÚBLICA NO BRASIL A função social da propriedade pública se enquadra no mesmo conceito da função social da propriedade privada havendo apenas a mudança de titularidade quanto ao patrimônio As obrigações e deveres são os mesmos não podendo haver inatividade no bem sob pena de lhe incumbirem sanções As penalidades impostas são os únicos requisitos que são divergentes visto que a propriedade privada possui regras mais ampliativas tais como a usucapião e a desapropriação e a propriedade pública por sua natureza jurídica e consequentemente os atributos a ela impostos impenhorabilidade inalienabilidade imprescritibilidade e não onerosidade possuem caráter limitador Existe uma corrente minoritária que admite não existir o conceito de função social da propriedade pública aplicandose tão somente a propriedades particulares dado que os bens públicos possuem a essência jurídica voltada ao uso da coletividade não havendo portanto sentido falar em função social Assim enquanto dever fundamental a função social da propriedade prevista no art 5º XXIII da Constituição Federal deve ser atendida por todos os particulares e não pelo Estado pois as sanções jurídicas previstas para o descumprimento da função social da propriedade urbana são imputáveis apenas aos particulares sendo inadequadas para punir os entes públicos União estados Distrito Federal municípios pelo descumprimento deste dever No meio rural é patente a inaplicabilidade das sanções jurídicas previstas para o descumprimento da função social aos entes públicos ABE 2008 p 142 20Art 1º Fica suspensa a partir da publicação desta Portaria a realização de novas contratações relacionadas a I aquisição de imóveis II locação de imóveis III aquisição de veículos de representação de transporte institucional e de serviços comuns conforme disposto nos arts 3º 5º e 6º do Decreto nº 6403 de 17 de março de 2008 IV locação de veículos e V locação de máquinas e equipamentos 1º A suspensão prevista no caput não se aplica quando se tratar de I imóveis destinados à reforma agrária e aqueles administrados pelo Ministério da Defesa ou pelos Comandos da Marinha do Exército ou da Aeronáutica II aquisição de veículos de representação para uso exclusivo do Presidente e do VicePresidente da República III prorrogação contratual eou substituição contratual em relação aos incisos II IV e V do caput e IV despesas relacionadas aos censos demográfico e agropecuário e a ações de defesa civil 2º Considerando os aspectos de relevância e urgência excepcionalidades pontuais quanto à suspensão prevista nos incisos IV e V do caput poderão ser autorizadas por ato fundamentado da autoridade máxima do órgão permitida a subdelegação 65 Tal corrente por sua vez merece uma advertência ao ponto em que a norma constitucional se destina aos poderes O povo por sua vez é emissor considerada a eleição da Assembleia Constituinte No mais tal entendimento contraria diretamente a eficácia da norma constitucional no plano social e jurídico Social pois se verifica na hipótese da norma vigente isto é com potencialidade para regular determinadas relações ser efetivamente aplicada a casos concretos Eficácia jurídica por sua vez pois a norma está apta a produzir efeitos na ocorrência de relações concretas mas já produz efeitos jurídicos na medida em que a sua simples edição resulta na revogação de todas as normas anteriores que com ela conflitam TEMER 1988 p 23 O interesse público diverge do interesse social Interesse social é o interesse que consulta à maioria da sociedade civil o interesse que reflete o que essa sociedade entende por bem comum anseio de proteção à res pública a tutela daqueles valores e bens mais elevados os quais essa sociedade espontaneamente escolheu como sendo os mais relevantes MANCUSO 1997 p 85 Contrária à posição acima existe a corrente majoritária que entende existir a função social da propriedade pública ainda que não exauriente para todos os casos A disponibilidade do bem à coletividade não exclui o princípio constitucional da função social A finalidade cogente informadora do domínio público não resulta na imunização dos efeitos emanados do princípio da função social da propriedade previsto no texto constitucional A função social da propriedade é princípio constitucional que incide sobre toda e qualquer relação jurídica de domínio pública ou privada não obstante ter havido um desenvolvimento maior dos efeitos do princípio da função social no âmbito do instituto da propriedade privada justamente em razão do fato de o domínio público desde a sua existência e agora com maior intensidade estar de um modo ou de outro voltado sempre ao cumprimento de fins sociais pois como visto marcado pelo fim de permitir à coletividade o gozo de certas utilidades ROCHA 2005 p 127 A segunda corrente parece ser a mais acertada Ao Estado não cabe se eximir de sua responsabilidade pelo contrário deve ele ser modeloexemplo às demais personalidades sob pena de uma impunibilidade que contraria os preceitos constitucionais Ora há diversos normativos infraconstitucionais que aplicam o princípio da função social da propriedade pública tais como a Lei nº 1197709 que dispõe sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União no âmbito da Amazônia legal o DecretoLei 27167 que dispõe sobre loteamento urbano responsabilidade do loteador concessão de uso e 66 espaço aéreo21 e a já mencionada Lei 1025701 que regulamenta os arts 182 e 183 da Constituição Federal estabelecendo diretrizes gerais da política urbana Todas as normas relativas aos bens independente de sua espécie de uso comum de uso especial e uso dominical possuem eficácia da função social garantindo o atendimento à população em suas diversas necessidades Os bens públicos são essencialmente um conjunto de instrumentos para que o Estado desempenhe os seus deveres Consolidase então a concepção de que os bens públicos são um instrumento para a promoção dos direitos fundamentais Os bens públicos devem ser utilizados de modo direto para assegurar a toda a comunidade a obtenção das necessidades essenciais à sua dignidade Será obrigatória a aplicação do bem público sempre que sua utilização se configurar como o meio adequado para satisfazer direitos fundamentais JUSTEN FILHO 2010 p 1047 No mais a Constituição Federal de 1988 de forma ampla consagrou as diretrizes da função social da propriedade pública e privada não estabelecendo exceções a esse regimento O Supremo Tribunal Federal em diversas decisões não só estabeleceu a corrente predominante da função social da propriedade pública como também expandiu seus horizontes maximizando positivamente o instituto Alguns bens públicos sofrem limitação não total quando utilizados pelos particulares pois sua destinação principal confere o funcionamento da administração pública A doutrina denomina de bens de uso especial todas as coisas móveis ou imóveis corpóreas ou incorpóreas utilizadas pela Administração Pública para realização de suas atividades e consecução de seus fins DI PIETRO 2012 p 569 A função social da propriedade pública bem como as normas e atos que a permeiam deve vir acompanhada necessariamente de três requisitos validez justiça e eficácia O problema da justiça é o problema da correspondência ou não da norma aos valores últimos ou finais que inspiram um determinado ordenamento jurídico Norma justa é aquela que deve ser norma injusta é aquela que não deveria ser Por isso o problema da justiça se denomina comumente de problema deontológico do direito O problema da validade é o problema da existência da regra enquanto tal independentemente do juízo de valor sobre ela ser justo ou não Enquanto para julgar a justiça de uma norma é preciso comparála a um valor ideal para julgar a sua validade é preciso realizar investigações do tipo empíricoracional Para decidir se 21Art 7o É instituída a concessão de uso de terrenos públicos ou particulares remunerada ou gratuita por tempo certo ou indeterminado como direito real resolúvel para fins específicos de regularização fundiária de interesse social urbanização industrialização edificação cultivo da terra aproveitamento sustentável das várzeas preservação das comunidades tradicionais e seus meios de subsistência ou outras modalidades de interesse social em áreas urbanas 67 uma norma é válida isto é como regra jurídica pertencente a um determinado sistema é necessário com frequência realizar três operações Primeiro averiguar se a autoridade de quem ela emanou tinha poder legítimo para emanar normas jurídicas segundo averiguar se não foi abrogada terceiro averiguar se não é incompatível com outras normas do sistema particularmente com uma norma hierarquicamente superior O problema da validade jurídica pressupõe que se tenha respondido à pergunta o que se entende por direito Tratase do problema ontológico do direito O problema da eficácia de uma norma é o problema de ser ou não seguida pelas pessoas a quem é dirigida Que uma norma exista como norma jurídica não implica que seja também constantemente seguida A investigação para averiguar a eficácia ou a ineficácia de uma norma é de caráter históricosociológico voltase para o estudo do comportamento dos membros de um determinado grupo social o problema da eficácia das regras jurídicas é o problema fenomenológico do direito BOBBIO 2006 p 46 O plano da eficácia é o que mais merece cuidados Não raro observamos que existem comandos válidos e justos contudo sem nenhuma eficácia Tomemos o exemplo que um ato emanado do Poder Executivo a exemplo de um governador determinando a construção de um posto de saúde que após seu termino não entra em funcionamento pois não existe dotação orçamentária para compra de maquinário e contratação de efetivo O ato é valido à medida que é chancelado por uma autoridade competente não é abrogado e não conflita com outra norma É justo pois a saúde é o bem essencial da vida humano e sempre demanda cuidados Nada obstante não é eficaz visto que não gera efeitos a terceiro A função social da propriedade pública na ideia exposta é válida justa mas não é efetiva O exemplo mencionado acima infelizmente se fez concreto no ano de 2017 quando mais de 160 cento e sessenta Unidades de Pronto Atendimento UPAs foram construídas mas não chegaram a efetivamente funcionar sendo que outras 340 trezentas e quarenta estavam em construção sem previsão de quando iriam começar a atender a população A Unidade de Pronto Atendimento UPA é uma parceria entre o governo federal e os municípios O Ministério da Saúde faz o repasse da verba para obra e a prefeitura entra com a contrapartida em equipamento e folha de pagamento de servidores públicos No mesmo ano em todo o país quase mil unidades básicas de saúde foram entregues mas ainda não utilizadas pela população 95 noventa e cinco delas locadas no estado de São Paulo À época o Ministério da Saúde notificou todos os estados com obras paradas para que os governos estaduais e municipais apresentassem um programa pondo as unidades em funcionamento Segundo o ministério os administradores que não utilizassem os prédios deveriam devolvêlos GLOBO 2017 68 A fim de restabelecer a eficácia da função social da propriedade pública o governo federal na data de 22 de maio de 2018 assinou as alterações do Decreto do 782712 flexibilizando a finalidade das Unidades de Pronto Atendimento UPAs e consequentemente readequando a rede física do Sistema Único de Saúde SUS Com a medida os estados e municípios foram autorizados a utilizar a estrutura de Unidades de Pronto Atendimento 24 vinte e quatro horas que estavam prontas e sem funcionamento para outra atividade na área da saúde sem precisar devolver os recursos federais investidos A medida atendia a uma demanda das gestões locais para não perder as estruturas Com o decreto foi possível utilizar as unidades para atender outros estabelecimentos de saúde como Unidades Básicas de Saúde UBS Centro de Atenção Psicossocial CAPS Centro Especializado em Reabilitação CER e Academias da Saúde A ação fora resultado de longas tratativas entre representantes do Ministério da Saúde Tribunal de Contas da União TCU Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde CONASEMS Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde CONASS e Confederação Nacional dos Municípios CNM até a chegar a essa solução que beneficia a população e o município no uso da estrutura em saúde dentro do que é permitido por lei MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO 2018 É inegável que na comparação de desenvolvimento e solução de eventuais conflitos entre a função social da propriedade privada e a função social da propriedade pública esta fica prejudicada seja pela limitação imposta pela própria lei seja pela discricionariedade de administração dos governantes Observase que no caso das Unidades de Pronto Atendimento UPAs o programa lançado em 2016 só veio a ter uma efetiva solução com a flexibilização de uso do imóvel por meio de Decreto Presidencial em 2018 É inegável que o engessamento normativo burocratização das normas aliado à arbitrariedade de decisão dos administradores por seus diversos fatores ocasiona prejuízo constante às pessoas Afim de dar base a essa afirmativa poderia colocarse em discussão as seguintes perguntas qual impacto no âmbito clínico foi ocasionado pelo não atendimento de 160 cento e sessenta Unidades de Pronto Atendimento UPAs entre 2016 e 2018 Qual o prejuízo orçamentário para a reforma e manutenção das Unidades de Pronto Atendimento UPAs no período de ociosidade do programa A Administração Pública cumpre uma função na medida em que vinculada pelo dever de realizar determinados fins em benefício do interesse público Daí por que se há de entender função como um deverpoder e não mero poderdever BRASIL 2010 69 A razão de mera propriedade do poder público sobre os bens sem nenhuma finalidade especifica infringe o princípio da função social da propriedade devendo este ser aplicado e servir como uma baliza capaz de obrigar a uma produtividade poderdever Assim a função social da propriedade pública condiz com valores que se espalham no vasto ordenamento legislativo brasileiro uma vez que a nação adotou como modelo o Estado democrático de direito Algumas dessas leis possuem evidentes valores soberanos enquanto outras possuem valores menores porém ambas construíram valores biográficos que influenciaram o ordenamento nacional Ao Estado cabem dois caminhos Primeiro restringir o uso do bem público exercendo para tanto o poder de polícia o qual lhe foi outorgado ou segundo ampliar os direitos atendendo para tanto a função social da propriedade pública refletindo diretamente o uso ao interesse da coletividade Ambos dependem da discricionariedade de seus governantes porém quando existe um confronto de ideais ou mesmo de direitos uma lide pode ser posta à resolução do judiciário O Supremo Tribunal Federal ao longo de sua história procurou readequar positivamente o significado de função social da propriedade pública sem de certa forma agredir o plano orçamentário administrado pelos chefes de Estado A ADI 461318 que declarou a constitucionalidade da Lei nº 1200609 permitindo a veiculação de mensagens educativas de trânsito em peças publicitárias de produtos da indústria automobilística arts 77A e 77E no âmbito das concessionárias e permissionárias de rodovia é um exemplo Tal entendimento não confere violação da livre iniciativa e da liberdade de expressão cooperando o Estado com a iniciativa privada para aperfeiçoamento da educação de todos no trânsito em absoluta observância aos princípios da proteção ao consumidor e da função social da propriedade À época o relator do processo Min Dias Toffoli manifestouse favorável à ideia22 22 As normas não trazem qualquer restrição à plena liberdade de comunicação das empresas ou à livre iniciativa e não excluem ademais a responsabilidade do Estado em promover por ato próprio publicações de mensagens educativas de trânsito Tratase apenas de cooperação da indústria automobilística consectária da proteção ao consumidor e da função social da propriedade princípios da ordem econômica na divulgação de boas práticas de trânsito Por outro lado as propagandas também encerram pretensão comercial que as distancia nesse ponto da mera propagação de informação sendo mais propriamente quanto a essa faceta manifestação da livre iniciativa para a qual se exige a observância de princípios constitucionais como a função social da propriedade e a defesa do consumidor Quanto à alegação de que as propagandas são custeadas pelas empresas automobilísticas o que estaria por transmitir a obrigação do Estado à informação educativa de trânsito às empresas automobilísticas rememoro o que acima destaquei como uma das limitações à livre iniciativa o princípio constitucional da função social da propriedade No caso as normas questionadas não estão por promover a isenção da responsabilidade do Estado em fazer publicações de mensagens educativas de trânsito O Estado continua sendo obrigado a emitir tais mensagens educativas explicando à população sobre os riscos de violar as leis de trânsito Exemplo dessa função é a instituição da Semana Nacional do Trânsito realizada anualmente entre os dias 18 e 25 de setembro com o objetivo de conscientizar motoristas e pedestres sobre a importância de um trânsito mais seguro 70 O Supremo Tribunal Federal por trás de uma decisão emblemática atingiu a finalidade da função social da propriedade pública com maestria de forma a dar publicidade sobre educação de tráfego por meio de propagandas em canteiros de rodovias de concessionárias sem contudo atingir de forma voraz o orçamento público A função social já era exercida por meio da rodovia e foi potencializada com as propagandas em seu canteiro utilizando pouco recurso financeiro sem desmatamento ambiental e reduzindo eventuais valores pagos com propagandas vultuosas em meios de comunicação rádio tv mídia social O Recurso Extraordinário 111648723 colocou em alvo gigantes princípios em lados opostos a função social da propriedade privada e acesso a moradia contra a função social da propriedade pública e o direito de propriedade Acertada a decisão do Ministro Marco Aurélio pois não se pode alegar prejuízo à função social da propriedade para justificar eventual inadimplemento visto que haveria uma grande instabilidade financeiraeconômica Doutro modo a Caixa Econômica Federal também exerce a função social no âmbito público à medida que oferece acessibilidade de moradia por meio de financiamento pelo PAR Programa de Arrecadação Residencial e a criação de um ambiente menos caótico em ruas avenidas e rodovias ADI 4613 STF Rel Min DIAS TOFFOLI Data de Julgamento 20092018 Data de Publicação 03122018 23 RECURSO EXTRAORDINÁRIO MATÉRIA FÁTICA INTERPRETAÇÃO DE NORMAS LEGAIS INVIABILIDADE NEGATIVA DE SEGUIMENTO 1 Atentem para o decidido na origem O Tribunal Regional Federal da 5º Região confirmando o entendimento do Juízo determinou observada a legislação de regência a reintegração de posse de imóvel arrendado mediante o Programa de Arrendamento Residencial PAR Concluiu demonstrado o esbulho e rescisão do contrato por falta de pagamento No extraordinário cujo trânsito busca alcançar o recorrente alega violados os artigos 6º e 170 da Constituição Federal Diz contrariados o direito fundamental à moradia assim como os princípios da função social da propriedade e da conservação do contratado Alega ser abusivo e desproporcional a rescisão contratual sem a adequação de forma de pagamento condizente com a situação econômica atual da recorrente A Carta Maior exatamente no inciso III do art 110 eleva a função social da propriedade como princípio da ordem econômica O Constituinte na verdade exige que qualquer bem de valor econômico independentemente de sua natureza jurídica exerça em sua plenitude função social O imóvel objeto da ação possessória pertence à Caixa Econômica Federal instituição que inequivocamente vem promovendo sua função social através do PAR Programa de Arrendamento Residencial com opção de compra instituído pela Lei 1018801 para fins de atendimento da necessidade de moradia da população de baixa renda Ressalto ainda que a regulação estatal prevista no art 170 somente se justifica por razões de interesse público o que não se verifica no caso concreto Por fim o direito social à moradia além de não possuir caráter absoluto não pode ser invocado para justificar inadimplência contratual Havendo inequívoco descumprimento das contraprestações livremente pactuadas a manutenção da embargante na posse direta do imóvel consistiria em grave violação ao princípio da isonomia RE 1116487 STF Rel Min MARCO AURÉLIO Data de Julgamento 30052019 Data de Publicação 06082019 71 3 POSSÍVEIS SOLUÇÕES PARA ALCANCE DA FUNÇÃO SOCIAL DE PROPRIEDADES PÚBLICAS INATIVAS O último capítulo desta dissertação procura demonstrar os desafios em destinar a função social às diversas propriedades públicas existentes porém improdutivas seja por má gestão política ou mesmo por falta de previsão orçamentária apresentando como exemplo diversas propriedades públicas sem função social ativa ou mesmo com baixa taxa de desenvolvimento O objetivo é expor as possíveis soluções para essa problemática adotando caminhos mais viáveis por meio do setor privado tais como as privatizações concessões e as Parcerias Público Privadas 31 AS PRIVATIZAÇÕES COMO INSTRUMENTO DINÂMICO À FUNÇÃO SOCIAL DAS PROPRIEDADES PÚBLICAS INATIVAS A função social da propriedade pública deve extrair o melhor de sua essência Tal afirmativa implica necessariamente dar produtividade àquela propriedade que esteja inativa mas também deve dinamizar o desempenho daquelas que produzem pouco ou mesmo que poderiam produzir mais Caso essa regra não seja observada devese levar em conta o instituto da privatização como meio secundário de solução de conflito evitando assim o retrocesso e a não evolução Grande repercussão na atualidade se observa quanto às privatizações das estatais a fim de criar um mercado econômico mais ativo e liberal Uma empresa que esteja sob o controle estatal que emprega cinquenta funcionários e que comprovadamente por meio de estudos poderia empregar quinhentos funcionários sob a égide do privado de certa forma não cumpre em sua integralidade com sua função social ou ainda se a expectativa de exploração de petróleo sob a liderança governamental está prevista para trinta anos em detrimento dos três anos previstos para a atuação pelo setor privado deve se levar em consideração a privatização A reação do mercado financeiro frente às privatizações mostrase positiva Tomando como exemplo a recente privatização da Eletrobrás usina que produz um terço da energia consumível no Brasil as ações da estatal à época de sua venda fecharam com valorização de 72 493 quarenta e nove vírgula três pode cento e o valor de mercado da companhia saltou em um só dia aproximadamente de R 900000000000 nove bilhões de reais para R 2900000000000 vinte e nove bilhões de reais quando a Bolsa de São Paulo subiu cerca de 2 dois por cento ultrapassando pela primeira vez desde 2011 o patamar de 70000 setenta mil pontos NAKAGAWA RODRIGUES CARVALHO 2017 p B1 Ainda fomentaria o pagamento da astronômica dívida estrangeira do Brasil e do déficit público utilizando a receita obtida com as privatizações ou seja a privatização de ativos públicos como a principal fonte de recursos nãoinflacionários para financiamento do déficit público Além de complementar as receitas correntes com o resultado das vendas o processo de privatização reduz as necessidades de financiamento do setor público NFSP em duas vertentes Na primeira diminui a necessidade de emissão de papéis títulos ou moeda para financiar gastos correntes na segunda reduz a dívida em virtude da troca de títulos públicos por ações das empresas privatizadas MATOS FILHO OLIVEIRA 1996 p 9 Por fim haveria a transferência do passivo das empresas privatizadas aos compradores ressaltando que entre 1991 e 2001 o governo brasileiro transferiu ao setor privado o controle de mais de cem empresas estatais e participações minoritárias em várias companhias Esses leilões geraram US 6790000000000 sessenta e sete bilhões e novecentos milhões de dólares americanos em receitas mais US 1810000000000 dezoito bilhões e cem milhões de dólares americanos em dívidas transferidas aos compradores constituindo um dos maiores programas de privatização do mundo ANUAITI NETO BAROSSI FILHO CARVALHO MACEDO 2005 p 152 No plano histórico as privatizações sempre foram determinantes em épocas de crise No ano de 1974 o governo brasileiro sob o comando do General Ernesto Geisel viuse obrigado a impulsionar a economia garantindo que o país não entrasse em uma recessão Definiuse então o chamado II Plano Nacional de Desenvolvimento II PND o qual garantiu um grande plano de investimento em estatização de setores essenciais à população por exemplo energia elétrica produção de insumos e bens de capital O plano garantiu taxas de crescimento expressivas embora menores que no período 19691973 Em 1975 o PIB se expandiu 51 cinco vírgula um por cento em 1976 102 dez vírgula dois por cento em 1977 49 quatro vírgula nove por cento em 1978 também 49 quatro vírgula nove por cento e em 1979 68 seis vírgula oito por cento Contudo em contraponto entre 1974 e 1979 a dívida externa passou de US 1490000000000 quatorze bilhões e novecentos milhões de dólares americanos para US 5580000000000 cinquenta e cinco bilhões e oitocentos milhões de dólares americanos No início do período 73 havia crédito barato no mercado internacional parâmetro que se reverteu no fim da década MARINGONI 2016 À época a estatização fora indispensável e talvez uma das poucas iniciativas viáveis pois garantiu grande empregabilidade em áreas estratégicas Porém com o decorrer dos anos em especial com a implantação do Plano Real no ano de 1994 tal conceito se mostrou insustentável pois as privatizações foram incluídas como uma das plataformas Esse fora o grande marco das privatizações na nação brasileira Nos três anos de Plano Real ocorreram 26 vinte e seis transferências ao setor privado proporcionando ao Tesouro recursos da ordem de R 860000000000 oito bilhões e seiscentos milhões de reais de um total de R 1310000000000 treze bilhões e cem milhões de reais obtidos pelo governo federal desde o início do Programa Nacional de Desestatização em 1990 ALMEIDA 1997 p 20 O Estado absorveu a execução de uma série de tarefas o que em um primeiro momento fortaleceu setores estratégicos e garantiu benefícios à sociedade em nome do bem comum mas em um segundo momento passou a oprimila por meio de ostensiva intervenção e consequente supressão da livre iniciativa MACHADO 2014 p 102 O ponto negativo se dá pela grande perda de arrecadação orçamentária que somente o conglomerado de cinco das estatais brasileiras Petrobras Eletrobrás Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BNDES Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal registraram um lucro de R 1510000000000 quinze bilhões e cem milhões de reais no primeiro trimestre de 2018 uma alta de 448 quarenta e quatro vírgula oito por cento na comparação com o mesmo período do ano anterior MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO 2018 Ainda no mesmo sentido poderíamos argumentar que as privatizações criariam de certa forma um ambiente não concorrencial visto que os investimentos em determinados setores seriam elevados e com riscos consideráveis A Constituição Federal adotou claro sistema econômico capitalista quando determinou que a livre concorrência do art 170 predominasse Ante a afirmativa a estatização encontra cada vez mais dificuldade em permanecer ativa na atualidade pois a economia da livre concorrência cumulada com a função social da propriedade tornase mais sustentável quando exercida entre entes privados e não entre estes e estatais ou mesmo entre estatais É importante mencionar que novos conceitos de modelos econômicos estão surgindo refletindo diretamente sobre a função social da propriedade e nas privatizações Antônio Negri acredita na transformação por meio de um Biopoder novo Poder construindo assim um Biocapitalismo novo Capitalismo gerando por derradeiro uma Biopolítica nova Política 74 Modelar o desejo da singularidade para construílo como elemento coletivo ao interior de experiências que permanecem irredutivelmente libertárias NEGRI 2015 p 83 A função social da propriedade lembra o Estado do seu eixo central qual seja o de efetivamente administrar não interferindo no mercado sem uma justificativa plausível Observados os princípios mencionados temos uma ordem econômica ativa reta e crescente fornecedora do bemestar social e a qual resguarda a dignidade da pessoa humana Falar em Programa Nacional de Desestatização PND como é conhecido necessariamente implica falar em privatizações O Programa Nacional de Desestatização nasceu em 12 de abril de 1990 no governo do então presidente Fernando Collor de Mello por meio da Medida Provisória nº 155 que posteriormente foi convertida na Lei 8031 com o objetivo de trilhar o caminho inverso do plano de estatização implantado na década anterior Chegouse à conclusão de que o mercado livre aberto sob administração da instituição privada e não pública alcançaria maiores e melhores resultados econômicos bem como alcançaria até então a nova determinação constitucional A Lei 803190 foi um marco dentro da legislação brasileira aplicando princípios econômicos sobre a nova égide da Constituição de 1988 e ainda flexibilizava institutos jurídicos tais como a propriedade pública permitindo uma tomada de decisão discricionária por parte dos administradores públicos por meio de um procedimento novo moderno Posteriormente a Lei 803190 foi revogada pela Lei 9491 de 9 de setembro de 1997 prevendo a alteração de procedimentos relativos ao Programa Nacional de Desestatização No decorrer dos anos outras modificações foram feitas por meio de decretos sendo eles o Decreto nº 6026 de 2007 Decreto nº 6380 de 2008 Decreto nº 6502 de 2008 Decreto de 16 de julho de 2008 Decreto nº 7267 de 2010 Decreto nº 8094 de 2013 e Decreto nº 9387 de 2018 Os objetivos da atual legislação são específicos reordenar a posição estratégica do Estado na economia transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público contribuir para a reestruturação econômica do setor público especialmente por meio da melhoria do perfil e da redução da dívida pública líquida permitir a retomada de investimentos nas empresas e atividades que vierem a ser transferidas à iniciativa privada contribuir para a reestruturação econômica do setor privado especialmente para a modernização da infraestrutura e do parque industrial do país ampliando sua competitividade e reforçando a capacidade empresarial nos diversos setores da economia inclusive por meio da concessão de crédito permitir que a Administração Pública concentre seus esforços nas atividades em que a presença do Estado seja fundamental para a consecução das prioridades 75 nacionais contribuir para o fortalecimento do mercado de capitais por meio do acréscimo da oferta de valores mobiliários e da democratização da propriedade do capital das empresas que integrarem o Programa art1 da Lei 949197 Em breves linhas devolver a economia a quem lhe é de direito explorar o setor privado Importante salientar que algumas privatizações são vedadas tais como a do Banco do Brasil SA da Caixa Econômica Federal e das empresas públicas ou sociedades de economia mista que exerçam atividades de competência exclusiva da União de que tratam os incisos XI e XXIII do art 21 a alínea c do inciso I do art 159 e o art 177 da Constituição Federal exceto as previstas para participações acionárias detidas por essas entidades desde que não incida restrição legal à alienação das referidas participações art 3 da Lei 949197 A previsão engloba ainda temas importantes como as modalidades operacionais a serem aplicadas a criação do Conselho Nacional de Desestatização CND o Fundo Nacional de Desestatização FND a alienação de ações a pessoas físicas e jurídicas os acionistas controladores e a participação pontual do BNDES 32 USUCAPIÃO DE BEM PÚBLICO E SUA FLEXIBILIZAÇÃO PARA ALCANCE DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE A usucapião é um instituto bem típico dentro da órbita jurídica brasileira cabendo em especial à Constituição de 1988 e ao Código Civil Brasileiro de 2002 preverem suas diversas formas de processamento a partir de determinados requisitos cumulativos ou não O que se procura demonstrar neste tópico é a necessidade de uma evolução consequentemente de uma flexibilização da usucapião de bem público a fim de tornar determinadas propriedades públicas inativas em produtivas atingindo assim o princípio constitucional da função social Não muito raro encontramos propriedades pertencentes ao Estado em situação de verdadeiro abandono o que nos faz refletir ainda mais sobre o tema e sobre a máxima de que todos os bens públicos cumprem sua função social bem como estão à disposição da coletividade A Constituição de 1988 foi absolutamente peremptória ao prescrever em seu art 183 3º que os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião No mesmo sentido dispõe o art 191 parágrafo único Portanto os imóveis e bens da União art 20 dos estados federados art 26 dos municípios art 29 e do Distrito Federal não se encontram sujeitos à usucapião 76 especial urbana ou rural TAVARES 2018 p 590 A fórmula se repete no art 102 do Código Civil assegurando que os bens públicos não estão sujeitos à usucapião BRASIL 2002 O Supremo Tribunal Federal seguindo o entendimento acima mencionado editou a Súmula 340 dispondo que desde a vigência do Código Civil os bens dominicais como os demais bens públicos não podem ser adquiridos por usucapião A conveniência do constituinte à época foi de proteção dos bens públicos resguardando os de eventual oposição Contudo o entendimento com a transformação natural da sociedade e do Estado vem se demonstrando demasiadamente ultrapassado e prejudicial A ociosidade de imóveis públicos atinge a população de forma comissiva e omissiva Comissiva à medida que gera um elevado custo de manutenção das propriedades pago com tributo debitado do contribuinte pois inegável que a conservação do patrimônio público improdutivo gera um custo elevado ao Estado Omissiva à medida que poderiam ser utilizados para diversas finalidades fundamentais tais como a moradia O déficit habitacional total no Brasil em 2017 foi estimado em 777 sete vírgula setenta e sete milhões de unidades Dentre seus componentes notase a grande concentração no ônus excessivo com aluguel 423 e na coabitação familiar 413 Também vale notar que o nível atingido pelo déficit em 2017 é o recorde da série histórica apresentada A evolução de alguns dos componentes do déficit também é digna de destaque Assim entre 2007 e 2017 a participação do componente ônus excessivo com aluguel passou de 242 vinte e quatro vírgula dois por cento para 423 quarenta e dois vírgula três por cento passando a atingir 15 um vírgula cinco milhão de domicílios a mais No mesmo período mais de meio milhão de famílias deixaram a condição de conviventes no entanto surgiram cerca de 50 mil domicílios improvisados Em termos da distribuição do déficit total por faixas de renda nota se a forte concentração nos estratos até 3 três salários mínimos Somadas as faixas de renda até 1 um salário mínimo e de 1 um a 3 três salários mínimos responderam por 917 noventa e um vírgula sete do déficit total o equivalente a 71 sete vírgula um milhões de unidades Essas mesmas duas faixas respondem por 100 cem por cento das unidades com ônus excessivo com o pagamento de aluguel e dos domicílios improvisados GONÇALVES 2018 p 11 Portanto há pontos positivos em dois aspectos Primeiro no sentido de desonerar o Estado e consequentemente a população e em segundo destinando diretamente a propriedade à sua função social A Constituição de 1988 lamentavelmente proibiu qualquer tipo de usucapião de imóvel público quer na zona urbana art 183 3o quer na área rural art 191 parágrafo único com 77 o que revogou a Lei 2 696981 na parte relativa aos bens públicos Essa proibição constitui um retrocesso por retirar do particular que cultiva a terra um dos instrumentos de acesso à propriedade pública precisamente no momento em que se prestigia a função social da propriedade DI PIETRO 2012 p 735 Tais normas apesar de sua natureza de ordem pública admitem segundo alguns autores interpretação flexível Citese o que ensina José Joaquim Canotilho in verbis Hoje não há normas constitucionais programáticas É claro que continuam a existir normasfim normastarefa normasprograma que impõe uma atividade e dirigem materialmente a concretização constitucional Mas o sentido destas normas não é o que lhes assinalava tradicionalmente a doutrina simples programas extorsões morais declarações sentenças políticas aforismos políticos promessas apelos ao legislador programas futuros juridicamente desprovidos de qualquer vinculatividade Às normas programáticas é reconhecido hoje um valor jurídico constitucionalmente idêntico ao dos restantes preceitos da Constituição Mais do que isso a eventual mediação da instância legiferante na concretização das normas programáticas não significa a dependência deste tipo de normas da interposição do legislador é a positividade das normasfim e normastarefa normas programáticas que justifica a necessidade de intervenção dos órgãos legiferantes CANOTILHO 2008 p 198 A evolução da hermenêutica e da interpretação da matéria constitucional da usucapião de bens públicos demonstrase um passo importante à medida que cria reflexos positivos à coletividade mais relevantes que sua retenção conforme já mencionado no início do tópico Há tempos a rigidez da proibição da usucapião de bens públicos vem se demonstrando mais prejudicial que eficaz à sociedade não atingindo portanto os requisitos intrínsecos abrindo margem à interpretação jurisprudencial versátil Em um estudo análogo entre a Constituição e as Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro podemos citar o entendimento de Maria Helena Diniz A ciência jurídica exerce funções relevantes não só para o estudo do direito mas também para a aplicação jurídica viabilizandoo como elemento de controle do comportamento humano ao permitir a flexibilidade interpretativa das normas autorizada pelo art 5º da Lei de Introdução e ao propiciar por suas criações teóricas a adequação das normas no momento de sua aplicação pode se dizer que não há norma jurídica que não deva sua origem a um fim um propósito ou um motivo prático que consistem em produzir na realidade social determinados efeitos que são desejados por serem valiosos justos convenientes adequados à subsistência de uma sociedade oportunos etc DINIZ 2015 p 67 Para o Ministro Luiz Roberto Barroso as normas constitucionais estão em um processo histórico de interpretação e construção 78 Por sua natureza uma Constituição contém predominantemente normas de princípio ou esquema com grande caráter de abstração Destinase a Lei Maior a alcançar situações que não foram expressamente contempladas ou detalhadas no texto Enquanto a interpretação ensina Cooley é a arte de encontrar o verdadeiro sentido de qualquer expressão a construção significa tirar conclusões a respeito de matérias que estão fora e além das expressões contidas no texto e dos fatores nele considerados São conclusões que se colhem no espírito embora não na letra da norma A interpretação é limitada à exploração do texto ao passo que a construção vai além e pode recorrer a considerações extrínsecas Já se deixou consignado anteriormente que uma das singularidades das normas constitucionais é o seu caráter sintético esquemático de maior abertura Disso resulta que a linguagem do Texto Constitucional é mais vaga com emprego de termos polissêmicos tributos servidores isonomia e conceitos indeterminados assuntos de interesse local dignidade da pessoa humana É justamente dessa abertura de linguagem que resultam construções como a legitimados os fins também estarão os meios necessários para atingilos b se a letra da norma assegura o direito a mais está implícito o direito a menos c o devido processo legal abriga a ideia de procedimento adequado e de razoabilidade substantiva BAROSSO 2009 p 107108 Como qualquer outro ato jurídico a interpretação requer cuidados Essa prudência por outro lado não pode ser excessiva a ponto de induzir o intérprete a salvar a lei à custa da Constituição nem tampouco contrariar o sentido inequívoco da lei para constitucionalizála de qualquer maneira No primeiro caso porque isso implicaria interpretar a Constituição conforme a lei e assim subverter a hierarquia das normas no segundo porque toda a conformação exagerada implica no fundo usurpar tarefas legislativas e transformar o intérprete em legislador na exata medida em que a lei resultante dessa interpretação conformadora em sua letra como no seu espírito seria substancialmente distinta daquela resultante do trabalho legislativo Em sede de controle de constitucionalidade os tribunais devem comportarse como legisladores negativos anulando as leis contrárias à Constituição quando for o caso e jamais como produtores de normas ainda que por via interpretativa COELHO 2003 p 6 Novas tendências para a usucapião de bens públicos ao longo de 30 trinta anos de Constituição e 17 dezessete anos de Código Civil foram criadas flexibilizandoa por meio de sentençasacórdãos judiciais Há muito ainda que se estudar e discutir todavia novos caminhos já se demonstram promissores Em 2010 o Supremo Tribunal Federal no Agravo Regimental do Recurso Extraordinário nº 218324 por meio da sua 2ª Turma tendo como relator o Ministro Joaquim Barbosa firmou entendimento no sentido de reconhecer a possibilidade de usucapião de domínio útil do bem objeto de enfiteuse BRASIL 2010 No mesmo sentido o Superior Tribunal de Justiça em 2013 por meio do Recurso Especial nº 575572 confirmando o entendimento do STF voltou a enfrentar o assunto 79 admitindo a possibilidade de reconhecer a usucapião do domínio útil de bem público sobre o qual tinha sido anteriormente instituída enfiteuse uma vez que nesta circunstância existe apenas a substituição do enfiteuta pelo usucapiente não trazendo qualquer prejuízo ao Estado À época do acórdão a Relatora Ministra Nancy Andrighi alegou que foi constituída em favor de um particular enfiteuse perpétua sob imóvel pertencente à União sendo tal ocupação ininterrupta por mais de vinte anos Em sua decisão argumentou que haveria somente a modificação da pessoa do enfiteuta com a substituição do particular que inicialmente obteve da União o direito de enfiteuse por aquele que o adquiriu por meio de usucapião A vedação legal de declarar usucapião sobre imóvel pertencente à União objetiva proteger a propriedade do Estado que na hipótese do julgamento permaneceria inalterada pois o objeto da prescrição aquisitiva seria somente o domínio útil que já não pertencia à União desde o momento em que foi instituída a enfiteuse sobre o bem Ainda citou vários outros precedentes tal como o Recurso Especial nº 154123 de relatoria do Ministro Barros Monteiro Pub no DJ de 23081999 e Recurso Especial nº 507798 de relatoria do Ministro Aldir Passarinho Junior Pub no DJ de 03052004 BRASIL 2013 Um dos casos mais emblemáticos ocorrido no estado de São Paulo deuse entre a Cooperativa Coppersteel Bimetálicos Ltda e o município de Campinas Na época decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo que o pedido era juridicamente possível devendo ser afastada a decisão de primeiro grau que julgou o feito extinto sem análise de mérito O bem desapropriado passou a compor o patrimônio disponível da municipalidade mas ocorreu a desafetação ingressando dessa maneira no patrimônio particular das empresas que tinham interesse na formação do Distrito Industrial de Campinas Não se pode negar que o pedido era viável Relativamente à posse longeva e com intenção de dono da cooperativa nenhuma controvérsia existiu Concluiuse portando que deveria haver a reforma da sentença e julgar procedente a ação de usucapião para reconhecer a propriedade da empresa autora SÃO PAULO 2014 Segundo a interpretação do Supremo Tribunal Federal a usucapião de bem público em especifico das enfiteuses só é possível à medida que o elemento principal do instituto a propriedade ainda pertenceria ao Estado o que efetivamente seria transferido é o domínio útil não acarretando assim qualquer prejuízo A enfiteuse é o direito real limitado que confere a alguém perpetuamente poderes inerentes ao domínio com a obrigação de pagar ao dono da coisa uma renda anual conhecida como foro O instituto é denominado também emprazamento ou aforamento Aquele que tem o domínio do imóvel aforado é o senhorio direto titular do domínio eminente ou direto aquele 80 que possui imediatamente é o enfiteuta ou foreiro o titular do domínio útil FARIAS ROSENVALD 2019 p114 O instituto possuía previsão legal junto ao Código Civil de 1916 em seu Capítulo II do art 678 conceito24 ao art 694 o qual regulava o instituto da subenfiteuse e os terrenos de marinha25 Atualmente o Código Civil em seu art 203826 proíbe a negociação de enfiteuse devendo ser extinta Diante do entendimento majoritário de que a enfiteuse pela sua tônica medieval deve ser eliminada o Código Civil de 2002 passou com o escopo de extinguila paulatinamente a tratála nas disposições transitórias proibindo para tanto a constituição de novas enfiteuses e subenfiteuses por considerálas obsoletas sem contudo ofender as situações constituídas sob o império do Código Civil de 1916 atendendo ao princípio da irretroatividade da lei resguardando direitos adquiridos por ordem do comando constitucional Com isso evitarseão conflitos de interesse pois prescreve que as já existentes até sua extinção reger seão pelo Código Civil de 1916 e pelas leis posteriores GUILHERME 2017 p 1004 Em alguns países tais como a Argentina o direito à enfiteuse ainda é valido tomando como base a particularidade legislativa do país assim nos ensina Edmundo Gatti em seu livro Teoria General de los Derechos Reales La enfiteusis es el derecho real de usar y gozar amplia y perpetuamente o por muy largo tempo de um inmueble rústico ajeno mediante el pago de um canon es transmisible por herencia por actos entre vivos con consentimento del dueño directo y en su caso pago del laudemio si el dueño directo no opta por el derecho de tanto GATTI 1980 p 1427 A omissão legal sobre o conteúdo da usucapião das enfiteuses abriu margem para a interpretação extensiva do Poder Judiciário Melhor sorte seria que a matéria versasse sob a ótica e regimentos do Poder Legislativo Grande discussão sobre o Ativismo Judicial acalora 24Art 678 Dáse a enfiteuse aforamento ou emprazamento quando por ato entre vivos ou de última vontade o proprietário atribui à outro o domínio útil do imóvel pagando a pessoa que o adquire e assim se constitui enfiteuta ao senhorio direto uma pensão ou foro anual certo e invariável 25Art 694 A subenfiteuse está sujeita às mesmas disposições que a enfiteuse A dos terrenos de marinha e acrescidos será regulada em lei especial 26Art 2038 Fica proibida a constituição de enfiteuses e subenfiteuses subordinandose as existentes até sua extinção às disposições do Código Civil anterior Lei n o 3071 de 1 o de janeiro de 1916 e leis posteriores 1 o Nos aforamentos a que se refere este artigo é defeso I cobrar laudêmio ou prestação análoga nas transmissões de bem aforado sobre o valor das construções ou plantações II constituir subenfiteuse 2 o A enfiteuse dos terrenos de marinha e acrescidos regulase por lei especial 27Tradução livre A enfiteuse é o direito real de usar e usufruir ampla e perpetuamente ou por muito tempo um imóvel estrangeiro pagando uma taxa É transferível por herança por atos entre os vivos com o consentimento do proprietário do direto e se aplicável com o pagamento do laudêmio se o proprietário direto não optar pelo direito de ambos 81 há décadas o Judiciário e Legislativo criando enormes discussões sobre os limites impostos a cada um dos Poderes 33 AS CONCESSÕES DE USO DE BENS PÚBLICOS A concessão de uso de bens públicos é um importante instrumento no cerne da função social da propriedade pública Tratase do contrato administrativo pelo qual o poder público atribui a utilização privativa de determinado bem a particular por determinado tempo O que a distingue da autorização e permissão de uso é o caráter contratual e portanto mais estável da outorga do uso do bem público Deve ser empregada nos casos em que o particular realizará investimentos consideráveis no bem público demandando maior segurança jurídica O fato de a concessão de uso não ser precária não quer dizer que como todo contrato administrativo não possa ser rescindida unilateralmente pela Administração A diferença é que os atos administrativos discricionários que são realmente precários autorizações e permissões de uso muitas vezes podem ser revogados a qualquer tempo sem que o particular tenha direito a qualquer indenização já a concessão de uso pode ser rescindida mas com pagamento de ampla indenização incluindo lucros cessantes ARAGÃO 2013 p 514 Como a concessão de uso é contrato gerando maior estabilidade às partes contratantes não pode ser utilizada para usos de interesses predominantemente particulares Pode contudo acontecer que o uso de interesse particular seja da própria destinação do bem público por exemplo concessões de bens públicos para a instalação de estádios públicos cemitérios etc O contrato de concessão de uso confere ao particular o direito pessoal de uso especial e exclusivo do bem público não podendo ser transferido sem a prévia anuência da Administração A concessão pode ser de mero uso ou de uso cumulado com a exploração do bem público em que o particular se substitui à própria Administração Pública na gestão do bem na exploração da atividade econômica sobre ele incidente e no aferimento dos frutos dele oriundos por exemplo a concessão de águas públicas para criação de peixes concessão do direito de exploração de uma patente do Estado concessão de potenciais de energia hidrelétrica concessão para exploração de hotel de propriedade do Estado concessão de área rural pública 82 para exploração da atividade agrícola concessão de terreno público para a criação de um estacionamento e exploração econômica de florestas públicas28 ARAGÃO 2013 p 514 Sua disciplina legal encontrase lastreada no art 17529 da Constituição Federal na Lei 898795 que dispõe sobre o regime de concessões e permissões de prestação de serviços públicos e na Lei 907495 que estabelece normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos e dá outras providências A norma constitucional bem como as leis citadas demonstram positivamente alta carga de preocupação com os usurários a fim de não serem submetidos à discricionariedade abusiva do particular mas às regras preestabelecidas não obstante terse tópicos como serviços adequados direitos e obrigações do usuário políticas tarifárias licitação contrato de concessão encargos do poder concedente encargos da concessionária intervenção e extinção de concessão regendo essa interação público e a concessória particular São portanto normas de âmbito nacional aplicadas a todos os entes da Federação estados municípios e Distrito Federal por força do art 22 XXVII da Constituição Federal pois são essas pessoas encarregadas de avaliar a possibilidade e conveniência da concessão em dado serviço público Há vários pontos positivos dentre eles a melhor qualidade de vida desenvolvimento nos setores da economia e infraestrutura Na mesma vertente estimula o setor privado bem como diminui o déficit público por meio da eliminação de subsídios estatais e da desoneração de investimento naquele ramo É um instrumento de implementação de certas políticas públicas Não é pura e simplesmente uma manifestação da atividade administrativa contratual do Estado Muito mais do que isso é uma alternativa para realização de valores constitucionais fundamentais JUSTEN FILHO 2003 p 5859 Há particularidades que devem ser observadas entre elas a de existir concessão somente em serviços públicos próprios do Estado e a transferência de poder ao concessionário da 28Lei n 1128406 que dispõe sobre a gestão de florestas públicas para a produção sustentável institui na estrutura do Ministério do Meio Ambiente o Serviço Florestal Brasileiro SFB cria o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal FNDF altera as Leis nºs 10683 de 28 de maio de 2003 5868 de 12 de dezembro de 1972 9605 de 12 de fevereiro de 1998 4771 de 15 de setembro de 1965 6938 de 31 de agosto de 1981 e 6015 de 31 de dezembro de 1973 e dá outras providências 29Art 175 Incumbe ao Poder Público na forma da lei diretamente ou sob regime de concessão ou permissão sempre através de licitação a prestação de serviços públicos Parágrafo único A lei disporá sobre I o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação bem como as condições de caducidade fiscalização e rescisão da concessão ou permissão II os direitos dos usuários III política tarifária IV a obrigação de manter serviço adequado 83 execução e não da titularidade do serviço por exemplo o poder de fiscalização e inspeção30 poder de alterar unilateralmente as cláusulas regulamentares31 Um dos maiores e mais complexos projetos de concessão do Brasil se dá na modalidade de transporte urbano O Rodoanel Mário Covas também conhecido como Rodoanel Metropolitano de São Paulo é uma autoestrada composta por duas pistas de rolamento com três faixas de tráfego cada que foi construída em torno do centro da Região Metropolitana de São Paulo O Rodoanel tem o objetivo de aliviar o intenso tráfego de veículos pesados oriundos do interior do estado e das diversas regiões do país que hoje cruzam as duas vias urbanas marginais da cidade Pinheiros e Tietê provocando uma grave situação de congestionamento urbano O empreendimento obteve melhoria na qualidade de vida da Grande São Paulo tornando o trânsito da cidade mais ágil eliminando o tráfego pesado de cargas de passagem e fazendo a ligação de todas as rodovias ao porto de Santos por fora da área urbana Ainda deixou a cidade livre para os transportes coletivo e individual Com extensão total de aproximadamente 180 cento e oitenta quilômetros a rodovia interliga os grandes corredores de acesso à metrópole O projeto contempla dispositivos e medidas operacionais que visam reduzir as consequências de acidentes com cargas perigosas controlando e impedindo a contaminação ambiental Nos túneis houve a previsão da implantação de sistemas de ventilação e filtros facilitando a dissipação dos gases já devidamente filtrados O Rodoanel é uma rodovia definida como de classe zero Isso significa que o anel viário constitui uma estrada de alto padrão tecnológico com acesso restrito às estruturas viárias além das interligações previstas em seu projeto A rodovia foi projetada para se localizar em uma faixa que varia entre 20 vinte e 40 quarenta quilômetros do centro da capital paulista A obra está dividida em quatro trechos Oeste Sul Leste e Norte Ela interliga os dez principais eixos rodoviários que conectam a Região Metropolitana de São Paulo com o interior e litoral do estado bem como com outras capitais brasileiras O trecho oeste o primeiro a ser construído interliga as rodovias Anhanguera Bandeirantes Presidente Castelo Branco Raposo Tavares e Régis Bittencourt Os demais trechos interligarão de acordo com os planos do governo estadual as rodovias Imigrantes Anchieta Ayrton Senna Presidente Dutra e Fernão Dias DNIT 2016 Grande destaque no âmbito da Administração Pública são as concessões mediante a Parceria PúblicoPrivada ou como comumente são conhecidas as PPPs as quais são regidas 30Lei 898795 Arts 3º 29 I 30 e parágrafo único 31 V 23 VII 31Lei 898795 Arts 9º 4º inc VII do art 18 inc V do art 23 art 6º 1º e 2º 84 pela Lei nº 11079200432 que em seu art 2º conceitua como sendo o contrato administrativo de concessão na modalidade patrocinada ou administrativa Concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei nº 8987 de 13 de fevereiro de 1995 quando envolver adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado e a concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens Ressalva a mencionada Lei que não constitui Parceria PúblicoPrivada a Concessão comum assim entendida a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei nº 8987 de 13 de fevereiro de 1995 quando não envolver contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado Essa na verdade é a grande diferença que existe entre as duas modalidades O instituto das PPPs surgiu e desenvolveuse principalmente na Inglaterra onde vários serviços públicos foram repassados com vantagem à iniciativa privada E mesmo em países mais próximos como o Chile encontramse iniciativas particularmente meritórias No Brasil em geral a qualidade dos serviços públicos outorgados ainda se encontra aquém do desejado embora se revele expressivamente superior à qualidade observada no modelo anterior quando sua prestação era proporcionada diretamente pelo setor público como nos casos da telefonia e das rodovias Diante deste cenário o desenvolvimento da infraestrutura é um fatorchave para proporcionar um crescimento econômico sustentável e garantir o acesso de todos a serviços básicos O Estado brasileiro tem longa tradição de estabelecer parcerias com o setor privado para possibilitar os saltos necessários para atender às suas demandas Neste caminho as Parcerias PúblicoPrivadas PPPs se configuram como um dos principais instrumentos para que o governo federal os estados e municípios possam descentralizar a administração dos investimentos transmitindoa ao setor privado mantendo seu papel de regulador e fiscalizador O modelo vem sendo aplicado em diversos setores e regiões do país São Paulo Rio de Janeiro e Recife por exemplo possuem exemplos bemsucedidos de PPPs em saúde cultura e infraestrutura A cada nova aplicação novos desafios motivam o contínuo aprimoramento do modelo seja em termos de gestão contrato ou regulação para garantir sempre a melhor alocação de recursos e garantias a todos Embora não possamos ainda dizer que usufruímos de um serviço irrepreensível existem no Brasil vários exemplos de concessões que aumentaram a qualidade devida de seus usuários Cabe às instituições nacionais entre elas o TCU e as agências 32Institui normas gerais para licitação e contratação de parceria públicoprivada no âmbito da administração pública 85 reguladoras impulsionar a interminável evolução desse instituto para que dele resulte a oferta de um bem público cada vez mais satisfatório MONTEIRO 2014 p 412 Segundo a doutrina a parceria públicoprivada é um contrato organizacional de longo prazo de duração por meio do qual se atribui a um sujeito privado o dever de executar obra pública eou prestar serviço público com ou sem direito à remuneração por meio da exploração da infraestrutura mas mediante uma garantia especial e reforçada prestada pelo poder público utilizável para a obtenção de recursos no mercado financeiro JUSTEN FILHO 2010 p 549 Há requisitos essenciais previstos em lei para esse tipo de contratação tais como licitação inferior a R 2000000000 vinte milhões de reais duração de até 5 cinco anos ou que tenha como objeto único o fornecimento de mãodeobra o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública Como exemplo de PPPs temse o complexo penal privado no município de Ribeirão das Neves MG onde também há penitenciárias públicas o qual foi lançado em 2008 e previa a construção de cinco unidades prisionais com um total de 3360 três mil trezentas e sessenta vagas até 2011 No entanto segundo a Secretaria de Estado e Defesa Social de Minas Gerais a empresa vencedora Gestores Prisionais Associados GPA entregou entre 2013 e 2014 apenas três unidades com 2016 duas mil e dezesseis vagas A administradora conta com uma equipe de 600 seiscentos funcionários nas áreas de segurança interna e de assistência jurídica educacional de saúde material de trabalho cultural e profissionalizante Na área administrativa todos os cargos de direção são duplicados sendo ocupados por um funcionário da GPA e por um servidor público Ao todo 200 duzentos servidores trabalham em parceria com a concessionária Há ainda a empresa Accenture do Brasil contratada pela Secretaria de Estado de Defesa Social de Minas Gerais para o monitoramento permanente que atua como verificadora independente São 380 trezentos e oitenta indicadores de desempenho analisados rotineiramente Caso haja o descumprimento parcial ou total de algum indicador previsto no contrato a GPA pode ser multada e ter o valor descontado SENADO 2016 A legislação internacional de países desenvolvidos e em desenvolvimento já adotou as PPPs como uma das formas de concessões Podemos citar a Austrália Infrastructure Australia Act 2008 New South Wales Infrastructure NSW Act 2011 e Victoria Partnerships Victoria Requirements May 2013 o Canadá Order Designating the Minister of Transport as Minister for Purposes of the Act e Regulations for the Purposes of the Canada Strategic Infrastructure Fund Act o Chile Nueba Ley y Reglamento de Concesiones 2010 Reglamento de Concesiones Ley MOP e Ley de Concesiones Decreto MOP 900 de 1996 os Estados Unidos TIFIA Transportation Infrastructure Finance and Innovation Act of 1998 a França 86 Ordonnance n 2004559 du 17 juin 2004 sur les contrats de partenariat Décret de soutenabilité budgétaire du 27 septembre 2012 Arreté du 16 décembre 2010 relatif à linstruction budgétaire du 27 septembre 2012 Décret nº2009243 du 2 mars 2009 Décret nº20041119 du 19 octobre 2004 Décret nº2005953 du 9août 2005 Circulaire du 14 septembre 2005 Circulaire du 9 mai 2012 Décret nº20051740 du 30 décembre 2005 Décision du Conseil dÉtet nº275531 du 31 mai 2006 e Loi nº2008735 du 28 juillet 2008 a Irlanda National Development Finance Agency Act 2002 Portugal Decreto Lei nº 862003 de 26 de Abril de 2003 e México Lei de Asociaciones PúblicoPrivadas Reglamento de la Ley de Asociaciones PúblicoPrivadas Lineamientos que establecen las disposiciones para determinar la rentabilidad socialasí como la conveniencia de llevar a cabo un proyecto mediante un esquema de asociación públicoprivada Manual que establece las disposiciones para determiner la rentabilidad social así como la conveniencia de llevar a cabo un proyecto mediante el esquema de Asociación PúblicoPrivada A preocupação da legislação internacional demonstra que existe grande demanda na atuação do privado junto às políticas públicas trazendo diversas vantagens no âmbito econômico para os empreendedores bem como serviços de melhor qualidade à população usuária As concessões se bem administradas demonstram ser eficaz instrumento ao desenvolvimento da função social da propriedade pública uma vez que em apertada síntese não diminuem o patrimônio do Estado e permitem ao particular a exploração econômica de determinada atividade até então deficitária ou inexistente por parte do poder público 87 CONCLUSÃO No decorrer da história o Brasil vem experimentando constantes transformações em diversas frentes em especial nas atividades políticoadministrativas políticolegislativas judiciária e econômica As constantes modificações demonstram a evolução ou reafirmação de imutabilidade de determinadas temáticas tal como ocorre com a função social da propriedade pública As alterações são necessárias contudo devem ser realizadas observando o princípio de cautela e isonomia e caso haja necessidade enviadas ao judiciário em especial às Cortes Superiores para sua correta interpretação e decisão mostrando assim que as instituições possuem plena harmonia e funcionalidade O trabalho revelou que outras áreas correlacionadas diretamente com o tema quais sejam a social a econômica a política a jurídica e a ambiental desenvolvemse no mesmo compasso que a função social da propriedade o que facilita a estruturação para o desenvolvimento Não obstante sistematizouse que todos os planos políticos e econômicos relevantes no decorrer das gerações tiveram como prioridade a função social da propriedade a exemplo do liberalismo do neoliberalismo do comunismo etc Expôsse ainda que é indubitável que a função social da propriedade pública é instrumento de um Estado democrático de direito pertencente à base dos Direitos Fundamentais Aliás qualquer forma desmembrada já seria constante dessa afirmativa seja a função social ou mesmo a propriedade pública A unificação que no decorrer da história constitucional caminhou conjuntamente só demonstra a importância do objeto do estudo e a relevância que ele tem para um crescente desenvolvimento Todas as gerações dos direitos fundamentais estudadas cinco gerações demonstraram que de alguma forma seja direta ou indiretamente possuem correlação com a função social da propriedade pública As distorções existentes na função social da propriedade pública vêm sendo corrigidas paulatinamente conforme diversas matérias encartadas acarretando para o futuro um caminho promissor e de crescimento da nação Concluise haver diminuição significativa de propriedades ociosas ou ainda de otimização da sua atuação extraindo o máximo de eficácia A pesquisa ainda revelou que todos os poderes Executivo Legislativo e Judiciário não extrapolaram seus limites possuindo interesse em extinguir a inatividade da propriedade 88 pública Contudo o desafio para as futuras gerações é dar eficácia e efetividade a essas ações sem que interfiram diretamente e abruptamente no plano orçamentário e estrutural Caso haja contrariedade à essa assertiva o Estado poderá usar de meios lícitos para coibir essa estagnação tais como as concessões privatizações e as PPPs Esses mecanismos vêm demonstrando grande repercussão positiva vez que seus efeitos assim o fizeram por merecer Concluiuse que mais que positiva a ação é necessária a utilização desses meios para o melhor desenvolvimento do país Revelouse que as concessões as privatizações e as PPPs são realidades hodiernas presentes em diversas transações bilionárias e de grande repercussão tais como a concessão do Rodoanel de São Paulo maior obra metropolitana do Brasil e a privatização da Eletrobrás Indicouse que as PPPs são utilizadas como preferências cada vez mais em todas as esferas da Federação União estado e munícipio As privatizações são conhecidas há mais tempo iniciandose com maior relevância à época da intervenção militar sob o comando do General Ernesto Geisel 1974 com o chamado II Plano Nacional de Desenvolvimento II PND permanecendo até hoje com a criação do CND Conselho Nacional de Desestatização e do FND Fundo Nacional de Desestatização O mercado mostrase positivo a essa iniciativa pois abre campo para a exploração de atividade econômica avanços na tecnologia e pagamento de ativos brasileiros com o ganho da venda As concessões são objeto de norma de plano constitucional art 175 da CF88 A observação é importante pois demonstra a intenção do Legislador Constituinte em utilizarse de determinados setores do particular para sua melhor prestação de serviço público Transmitiu se a necessidade do aspecto histórico pois a evolução mostrase ascendente nas próximas décadas Expôsse que as políticas públicas raramente são oferecidas com qualidade ou quando muito são oferecidas de forma incompleta e dessa ideia nasceu o conceito das Parcerias PúblicoPrivadas a fim de desafogar e dar maior dignidade à prestação de serviço público A tônica recebe contornos positivos de diversos países desenvolvidos e em desenvolvimento demonstrando ser a projeção futura de várias nações incluindo o Brasil O particular também poderá intervir na inércia da função social da propriedade pública com a reivindicação por meio de usucapião de bens públicos inativos tal instituto já sendo admitido em algumas modalidades como a usucapião de domínio útil do bem objeto de enfiteuse conforme diversos entendimentos do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribuna de Justiça 89 A usucapião de enfiteuse revelou o auge do trabalho quanto a evolução da função social da propriedade Modificações essas trazidas e chanceladas pelo Supremo Tribunal Federal abrindo saudável discussão quanto a sentenças baseadas no ativismo judicial ou meramente interpretativas Todos esses instrumentos são necessários pois se constatou que o Estado é deficitário nesses aspectos ou seja em dar produtividade às suas propriedades seja em decorrência da má gestão administrativa ocasionada por seus governadores que possuem o poder de decisões discricionárias seja pela própria impossibilidade dos fatores externos limitação orçamentária vedação legal Outros instrumentos devem ser igualmente incentivados a fim de dar destinação célere à função social da propriedade pública proporcionado igualdade de sanções entre as vertentes pública e privada caso a norma seja descumprida vez que a distinção entre ambos no que tange à improdutividade de terminada propriedade cria o cerne de impunibilidade bem como má aplicação da Justiça em um Estado democrático de direito 90 REFERÊNCIAS ABE Nilma de Castro Notas sobre a inaplicabilidade da função social à propriedade pública Revista Brasileira de Direito Constitucional São Paulo n11 p135154 janjun 2008 ALEXANDRE Ricardo DEUS João de Direito administrativo 4 ed rev atual e ampl Rio de Janeiro Forense São Paulo Método 2018 ALLENDE Guillermo L Panorama de Derechos Reales Buenos Aires La Ley 1967 ALMEIDA Fernando Galvão de A privatização na era do Real Revista Conjuntura Econômica São Paulo v51 n7 p20 jul 1997 Disponível em httpbibliotecadigitalfgvbrojsindexphprcearticleview4033042612 Acesso em 30 ago 2019 ALVES Francisco de Assis Constituições do Brasil Brasília Institutos dos Advogados do Brasil 1985 ALVES José Carlos Moreira Posse evolução histórica 2ed v1 Rio de Janeiro Forense 1997 ARAGÃO Alexandre Santos de Curso de direito administrativo 2ed rev atual e ampl Rio de Janeiro Forense 2013 BARBIERI José Carlos CAJAZEIRA 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propriedade poder atribuído ao titular excludente da participação das demais pessoas e cujos únicos limites seriam aqueles impostos pela própria lei Com efeito a propriedade é um direito complexo que se instrumentaliza pelo domínio Este como substância econômica da propriedade possibilita ao seu titular o exercício de um feixe de atributos consubstanciado nas faculdades de USAR GOZAR DISPOR E REINVIDICAR a coisa que lhe serve art 1228 CC Portanto PROPRIEDADE DOMÍNIO PROPRIEDADE E DOMÍNIO PROPRIEDADE PROPRIEDADE DOMÍNIO A propriedade é um direito subjetivo concernente à relação jurídica complexa que se forma entre aquele que detém a titularidade formal do bem e a coletividade de pessoas inclusive Estado Essa relação jurídica que tem como sujeito a coletividade possui como objeto uma ampla abstenção que consiste na necessidade de os não proprietários respeitarem o exercício da situação de ingerência econômica do titular sobre a coisa PROPRIEDADE E DOMÍNIO PROPRIEDADE A propriedade é um direito subjetivo concernente à relação jurídica complexa que se forma entre aquele que detém a titularidade formal do bem e a coletividade de pessoas inclusive Estado Essa relação jurídica que tem como sujeito a coletividade possui como objeto uma ampla abstenção que consiste na necessidade de os não proprietários respeitarem o exercício da situação de ingerência econômica do titular sobre a coisa PROPRIEDADE E DOMÍNIO PROPRIEDADE Com isso a propriedade não é o retrato material do imóvel com suas características físicas mas a feição econômica e jurídica que a representa formalmente dotando a propriedade de uma situação ativa que lhe permita o trânsito jurídico de titularidade e a proteção plena do aparato jurisdicional Disso avanço para a compreensão da propriedade como uma relação jurídica complexa formada entre o titular do bem e a coletividade de pessoas PROPRIEDADE E DOMÍNIO PROPRIEDADE Se a propriedade é observada pela lógica da relação jurídica a ela inerente a seu turno o domínio repousa na situação material de submissão direta e imediata da cosia ao poder do seu titular mediante o senhorio pelo exercício das faculdades de uso gozo e disposição Nesse ponto quanto à natureza de seu conteúdo temse que o domínio é um direito real que se exerce através da posse O proprietário exercita ingerência sobre coisas domínio e pede a colaboração de pessoas propriedade Disso se verifica a ideia de propriedade plena quando se tem todos os poderes do domínio em uma só pessoa PROPRIEDADE E DOMÍNIO PROPRIEDADE Destarte a propriedade consiste na titularidade do bem já o domínio se refere ao conteúdo interno da propriedade sendo que um existe em decorrência do outro Por conseguinte é possível compreender o domínio como a relação material de submissão direta e imediata da coisa ao poder de seu titular através do exercício das faculdade de uso gozo e disposição PROPRIEDADE E DOMÍNIO PROPRIEDADE Simplificando a ideia de propriedade para o próximos fins propriedade como sendo um conjunto de direitos sobre um recurso que o dono está livre para exercer e cujo exercício é protegido contra a interferência por outro agentes O artigo 1228 traz consigo um conjunto de faculdades que são as inerentes ao domínio As faculdades não são direitos autônomos mas poderes ínsitos à situação de proprietário As faculdades do domínio eventualmente podem ser destacadas pelo seu titular implicando na formação de direitos reais sobre coisa alheia ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE Todavia mesmo quando há o destaque de uma das faculdade do domínio o direito de propriedade se mantém exclusivo O que se tem é o domínio unificado coincide com a propriedade plena o domínio fracionado resulta na propriedade limitada ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE USAR É a faculdade do proprietário de servirse da coisa de acordo com a sua destinação econômica O uso será direto ou indireto conforme o proprietário conceda utilização pessoal do bem ou em prol de terceiro ou deixeo em poder de alguém eu esteja sob sua ordens servidor da posse Mesmo o uso sem utilização atual caracteriza essa faculdade dominial Ex casa na praia que está sempre ao seu alcance ALERTA O uso não é mais uma faculdade do proprietário mas um dever já que a falta de exercício tem efeitos jurídicos O problema do acesso aos bens ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE GOZAR A faculdade de fruir consiste na exploração econômica da coisa mediante a extração de frutos e produtos que ultrapassem a percepção dos simples frutos naturais Distinção entre frutos naturais faculdade de usar industriais e civis ambos são faculdade de gozar É importante a distinção entre frutos e produtos que reside na renovação constante dos frutos à medida que são retirados Em contrapartida os produtos vãose exaurindo quando extraídos da natureza sem possibilidade de renovação ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE GOZAR Conforme art 1232 o proprietário faz jus tantos aos frutos como aos produtos Inseridos estes na categoria dos bens acessórios aplicase o famoso brocardo o acessório segue a sorte do principal art 92 CC Também decorre do jus fruendi direito de fruir o direito às pertenças De acordo com o art 93 do CC não constituem parte integrante da coisa mas se destinam de modo duradouro ao uso serviço ou aformoseamento de outro bem benfeitoria Ou seja as pertenças guardam sua autonomia ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE GOZAR Ou seja nas pertenças as pertenças não se ligam a coisa principal prevalecendo o princípio da não aderência Ex os tratores de uma fazenda são intencionalmente empregados na exploração econômica do imóvel e a ele subordinados no sentido econômico jurídico O que se tem é que não aderem à coisa sendo possível a sua retirada pelo possuidor quando derrotado em ação petitória ou possessória ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE DISPOR Entendese como dispor a faculdade que tem o proprietário de alterar a própria substância da coisa É a escolha da destinação a ser dada ao bem a mais ampla forma de concessão de finalidade econômica ao objeto do direito real A disposição pode ser material ou jurídica Enquanto no exercício dos poderes de usar e fruir o proprietário não se priva da substância da coisa pois aquelas faculdade podem ser destacadas em favor de terceiros sem que seja atingida a condição jurídica do proprietário ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE DISPOR A disposição material da coisa é percebida por atos como a destruição material do bem ou o seu abandono Em ambos os casos o proprietário pratica atos físicos que importam em perda da propriedade art 1275 inc III e IV CC Obs Bens consumíveis disposição material e fruição coisa possíveis confusões e proibição a qualquer norma limitativa ao gozo ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE DISPOR A outro turno a disposição jurídica pode ser total ou parcial Total quando o proprietário praticar ato de alienação importando em mutação subjetiva do direito real a alienação será onerosa venda ou gratuita doação Nos dois casos o adquirente sucederá o alienante em todas as faculdades do domínio ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE DISPOR Já a parcial é percebida no instante em que são instituídos ônus reais sobre o bem O proprietário dispõe parcialmente da coisa quando institui um gravame sobre ela tal com o usufruto ou hipoteca Nas duas situações o proprietário manterá a titularidade apesar da convivência com um direito real sobre coisa alheia como o do credor hipotecário ou um usufrutuário que recebe temporariamente certas faculdades do domínio Isso também ocorre quando é gravado por cláusula de inalienabilidade art 1911 CC ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE REIVINDICAR Compreendido como elemento externo ou jurídico da propriedade representa a pretensão do titular do direito subjetivo de excluir terceiros de indevida ingerência sobre a coisa permitindo que a o proprietário mantenha a sua dominação sobre o bem realizando verdadeiramente atuação socioeconômica sobre a coisa Portanto enquanto usar gozar e dispor se relacionam com o exercício do senhorio pelo dono sobre a coisa a pretensão reivindicatória se qualifica como uma tutela do próprio direito subjetivo ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE REIVINDICAR Se a tutela é no campo do direito subjetivo a ação reivindicatória é de natureza obrigacional e não real Ou seja a pretensão reivindicatória e uma obrigação de fazer por parte do réu consistente na atividade de devolução do bem pretensão obrigacional sendo que a causa de pedir é a violação do dever genérico de abstenção donde surge o direito de sequela A propriedade é estruturada ao redor da norma moral da inviolabilidade sendo a faculdade de reivindicar um instrumento de defesa que fortalece a norma da inviolabilidade tanto em termos de efetividade objetiva quanto coerção subjetiva ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE REIVINDICAR Sendo a via de exercício da faculdade de reivindicar a ação reivindicatória para que se obtenha êxito na demanda para a doutrina clássica é suficiente demonstrar o direito subjetivo da titularidade da propriedade sem qualquer discussão fática sobre a qualidade da posse de terceiro Para o que se tem atual sobre a legitimação passiva para a ação reivindicatória a noção ampla de posse injusta a que alude o art 1228 CC não corresponde ao conceito restrito de posse injusto do art 1200 CC Em verdade é aquela desamparada que causa jurídica eficiente ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE A ação reivindicatória é o meio legal para o proprietário reaver a coisa de quem a possua injustamente sem direito obrigacional ou real A posse injusta da coisa que autoriza a ação reivindicatória não se confunde com a qualificação da posse constante do art 1200 do Código Civil Na ação reivindicatória a injustiça da posse significa posse exercida sem direito real sobre a coisa ou sem causa obrigacional que a autorize Irrelevante para fins de reivindicatória o exercício da posse sem violência clandestinidade ou precariedade bem como não afasta seu acolhimento eventual boafé do possuidor IV Dispositivo Recurso desprovido TJSP Apelação Cível 10081188920208260278 Relator a Enéas Costa Garcia Órgão Julgador 1ª Câmara de Direito Privado Foro de Itaquaquecetuba 2ª Vara Cível Data do Julgamento 24022025 Data de Registro 24022025 ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE Ao dispor o art 1231 do Código Civil que a propriedade presumese plena e exclusiva até prova em contrário estabelecese a presunção em favor do titular Se houver qualquer restrição ao direito de propriedade cabe a quem alega afastar a presunção de plenitude e exclusive de caráter juris tantum passível de ser elidida EXCLUSIVIDADE PERPETUIDADE ELASTICIDADE E CONSOLIDAÇÃO PRINCIPAIS ATRIBUTOS DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE EXCLUSIVIDADE A mesma coisa não pode pertencer com exclusividade e simultaneamente a duas ou mais pessoas em idêntico lapso temporal pois o direito de proprietário proíbe que terceiros exerçam qualquer senhorio sobre a coisa No condomínio puro e simples não há elisão ao princípio da exclusividade eis que pelo estado de indivisão do bem cada um dos proprietários detém fração ideal do todo Isto é como ainda não se localizaram materialmente por apenas possuírem cotas abstratas tornamse donos de cada parte e do todo ao mesmo tempo PRINCIPAIS ATRIBUTOS DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE PERPETUIDADE A propriedade tem duração ilimitada subsistindo independentemente do exercício de seu titular sendo transmitida por direito hereditário aos sucessores extinguindose somente pela vontade do dono ou por disposição expressa de lei nas hipóteses de perecimento da coisa desapropriação ou usucapião É por isso que apesar de incorporada ao gênero das ações reais reputase a pretensão reivindicatória como perpétua podendo o proprietário usar o atributo da sequela a qualquer tempo PRINCIPAIS ATRIBUTOS DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE PERPETUIDADE O exemplo que esclarece usucapião O proprietário não perde o domínio pelo não uso prolongado da coisa e sim pela posse reiterada do usucapiente A conquista do usucapião seria o mérito exclusivo do possuidor que alcança os requisito legais pois isoladamente o demérito do proprietário inerte não lhe acarretaria a sanção da privação do direito de propriedade Por outro lado há a doutrina que rechaça a intangibilidade da propriedade ou imprescritibilidade de pretensões reivindicatórias O argumento central é a função social da propriedade fundada na finalidade normal da propriedade PRINCIPAIS ATRIBUTOS DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE PERPETUIDADE Uma prova da flexibilização da perpetuidade do direito de propriedade seria o cumprimento de função social quando o ordenamento possibilita o imóvel urbano ou rural ser arrecadado pelo Poder Público como abandonado quando cessados os atos de posse deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais Vale dizer haverá uma presunção absoluta de abandono do imóvel de quem não utiliza o bem e deixa de cumprir as obrigações propter rem PRINCIPAIS ATRIBUTOS DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE ELASTICIDADE E CONSOLIDAÇÃO O direito subjetivo de propriedade abrange um complexo de faculdade que não sofrerá cisão se uma delas for temporariamente desmembrada do conjunto prevalecendo a unidade do direito subjetivo com a preservação do significado jurídico da propriedade Ou seja apesar de o direito de propriedade perseverar com titularidade exclusiva a elasticidade poderá resultar em cisão dos poderes dominiais em favor de outras pessoas PROPRIEDADE PLENA v PROPRIEDADE LIMITADA PRINCIPAIS ATRIBUTOS DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE ELASTICIDADE E CONSOLIDAÇÃO Com efeito o domínio pode ser distendido amplamente elástico A essa situação dáse o nome de propriedade plena ou alodial quando há concentração dos atributos Ademais alodialidade é uma qualidade do imóvel sobre o qual não incidem ônus reais Quando forem destacados poderes para a formação de direitos reais sobre coisa alheia dáse o nome de propriedade limitada podendo inclusive advir de uma transmissão gratuita de direito de propriedade como cláusula de inalienabilidade PRINCIPAIS ATRIBUTOS DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE ELASTICIDADE E CONSOLIDAÇÃO O princípio da consolidação ou da força de atração indica que todas as contrações do domínio serão transitória e anormais Após certo tempo as compressões cessam e reunificados os direitos desmembrados reassume o titular da propriedade o domínio em sua plenitude Nesse ponto percebese dois modelos antagônicos de um lado a exclusividade e de outro a elasticidade sendo que a consolidação afirma a tendência à exclusividade PRINCIPAIS ATRIBUTOS DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE O art 1229 do Código Civil delimita a extensão vertical da propriedade abrangendo o espaço aéreo e subsolo correspondente em altura e profundidade útil ao exercício do direito subjetivo sendo que o titular não poderá oporse injustificadamente à atuação de terceiros sobre o imóvel Um tanto diverso da propriedade romana ad sidera et ad ínferos do céu ao inferno Art 1229 A propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo correspondentes em altura e profundidade úteis ao seu exercício não podendo o proprietário oporse a atividades que sejam realizadas por terceiros a uma altura ou profundidade tais que não tenha ele interesse legítimo em impedilas A EXTENSÃO DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE Art 1230 A propriedade do solo não abrange as jazidas minas e demais recursos minerais os potenciais de energia hidráulica os monumentos arqueológicos e outros bens referidos por leis especiais Parágrafo único O proprietário do solo tem o direito de explorar os recursos minerais de emprego imediato na construção civil desde que não submetidos a transformação industrial obedecido o disposto em lei especial A EXTENSÃO DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE CONSTITUIÇÃO FEDERAL Art 20 São bens da União VIII os potenciais de energia hidráulica X as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e préhistóricos Art 176 As jazidas em lavra ou não e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo para efeito de exploração ou aproveitamento e pertencem à União garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra 4º Não dependerá de autorização ou concessão o aproveitamento do potencial de energia renovável de capacidade reduzida A EXTENSÃO DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE Nesse sentido a partir da máxima pela qual a propriedade se estende até aonde há interesse prático de seu titular temos que somente por uma ótica de ponderação de interesses postos em tensão na lógica da proporcionalidade em concreto e razoabilidade é possível definir quando é o interesse útil de exercício do propriedade Expansão de propriedade e exigência de abstenção pretensão lítica v abusiva A EXTENSÃO DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE Descoberta é o fato jurídico atofato que consiste em alguém encontrar cosia alheia perdida art 1233 CC Ela gera para o descobridor uma obrigação de fazer consistente em entregar a coisa que saiu da esfera de proteção do titular Não é um modo aquisitivo de propriedade móvel por tratarse somente do achado de coisas que temporariamente estão fora do alcance físico do dono Vale salientar que ninguém é obrigado a recolher a coisa perdida mas recolhendoa o descobridor não poderá se apropriar sob pena de responsabilidade civil acrescendose a subsunção da conduta ao tipo do art 169 par ún II do CP DA DESCOBERTA PROPRIEDADE O descobridor é obrigado a restituir o objeto vago ao legítimo possuidor Caso não o encontre em pessoa deverá entregalo à autoridade competente parágrafo único do art1233 CC art 746 CPC A descoberta gera um direito de recompensa em favor do descobridor cujo piso mínimo será de 5 do valor do bem achádego além das despesas com a conservação da coisa como depositário art 1234 CC CONTINUAÇÃO DA DESCOBERTA PROPRIEDADE O juiz ficará o valor exato a ser pago a título de recompensa na linha da proporcionalidade ao ponderar conjuntamente os esforços desenvolvimento pelo descobridor em localizar o proprietário a possibilidade que o dono teria de achar a coisa por seus próprios esforços e sem auxílio do descobridor além da situação econômica do descobridor e das possibilidades financeiras do proprietário parágrafos único do art 1234 CC DA DESCOBERTA PROPRIEDADE O achádego será obtido do próprio dono da coisa ou descontado do produto obtido pela venda em leilão Nessa última hipótese o valor remanescente será concedido ao município em que o bem houver sido descoberto art 1237 CC DA DESCOBERTA PROPRIEDADE Excepcionalmente haverá duas situações em que será facultado ao descobridor adquirir a propriedade a caso o proprietário ao comparecer em juízo declineie por abandonar a coisa para exonerarse da obrigação de custear o achádego art 1234 CC b caso o município abandone o bem em conformidade com o interesse público quando o diminuto valor em favor do descobridor art 1237 par ún CC Ou seja ao invés do proprietário pagar o achádego ao descobridor a indenização é substituída pela própria entrega do bem móvel in natura DA DESCOBERTA PROPRIEDADE Caso o proprietário se recuse a abandonar o bem mas não diligencie no sentido de pagar o achádego poderá o descobridor exercer o direito de retenção a fim de manter consigo a posse sobre bem como forma de constranger o proprietário a cumprir a obrigação O descobridor se assemelha a um possuidor de boafé e como tal deverá ser considerado para fins de tutela em face do proprietário e de terceiros DA DESCOBERTA PROPRIEDADE REGISTRO DO TÍTULO A circulação do bens só se torna viável se houver a tutela do ordenamento jurídico no sentido de pacificar interesses no sentido daqueles que perde e adquire propriedade O primeiro passo para garantir a circulação jurídica é oferecer às partes é oferecer o instrumento do contrato assegurando à eles a segurança necessárias na passagem do patrimônio Todavia o contrato apenas produzirá os efeitos obrigacionais perante os envolvidos sendo res inter alios acta ou seja os efeitos não alcançarão terceiros AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PROPRIEDADE REGISTRO DO TÍTULO O registro público se insere nesse contexto promovendo a devida visibilidade para terceiros promovendo tendo nesse contexto o efetivo efeito de circulação de bens dentro do tráfico jurídico AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PROPRIEDADE REGISTRO DO TÍTULO RELAÇÃO OBRIGACIONAL EFICÁCIAL REAL Um paralelismo comum é entre o registro como modo aquisito de propriedade nos bens imóveis art 1227 CC em equivalência a tradição nos bens móveis art 1226 CC O registro porém é uma tradição solene eis que demanda a formalidade do processamento perante o ofício imobiliário sendo insuficiente a subscrição do título ou a mera entrega da coisa ao adquirente AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PROPRIEDADE REGISTRO DO TÍTULO RELAÇÃO OBRIGACIONAL EFICÁCIAL REAL Quando for registrado um título aquisitivo de propriedade p ex escritura de compra e venda alcançase a condição de proprietário em caráter ex nunc Vale dizer o adquirente recebe os poderes dominiais do bem e se converte em titular do direito subjetivo de propriedade Obs O registro da sentença de usucapião e do formal de partilha não fatos aquisitos de domínio pois este já foi adquirido respectivamente ao tempo em que se completou a usucapião e no momento da morte art 1784 CC AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PROPRIEDADE REGISTRO DO TÍTULO RELAÇÃO OBRIGACIONAL EFICÁCIAL REAL SISTEMA DE REGISTRO 1ROMANO O título não se mostra suficiente para transferir a propriedade devendo ser completado pela observância de um modo forma de aquisição que seria o registro 2 FRANCÊS O registro imobiliário constitui mero instrumento de publicidade e oponibilidade a terceiro pois os contratos isoladamente transmitem a propriedade e geram eficácia real 3 ALEMÃO Para a transmissão é abstraído a causa contrato e a passagem decorre de uma segunda convenção realizada perante o oficial de registro e dissociada do título originário AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PROPRIEDADE REGISTRO DO TÍTULO RELAÇÃO OBRIGACIONAL EFICÁCIAL REAL Em linhas gerais o Direito Brasileiro perfilhou o caminho do meio ou seja o sistema romano ao adotar a teoria do título e do modo de aquisição de propriedade Sem título não se adquire inter vivos a propriedade imóvel art 1245 CC Não basta o título para gerar efeito translativo ex escritura pública instrumento particular carta de sentença e formal de partilha pois determinante é o modo aquisitivo ou seja o registro Art 1245 Transferese entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PROPRIEDADE REGISTRO DO TÍTULO RELAÇÃO OBRIGACIONAL EFICÁCIAL REAL O registro deve ser entendido a partir de um negócio jurídico complexo composto de duas fases uma obrigacional e uma real 1 Com efeito quando o transmitente outorga a escritura de compra e venda o beneficiário adquire um título tornase credor de obrigação de dar mas não se converte em proprietário Ou seja o título só lhe defere a posição de credor de uma relação obrigação 2 depósito do negócio jurídico de natureza causal no RGI pois a autorização do alienante para a transferência resta implícita no título de origem AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PROPRIEDADE REGISTRO DO TÍTULO RELAÇÃO OBRIGACIONAL EFICÁCIAL REAL Ex A aliena imóvel a B e minutos depois de outorgada a escritura vem a falecer O óbito do alienante impede que B registre o título AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PROPRIEDADE REGISTRO DO TÍTULO RELAÇÃO OBRIGACIONAL EFICÁCIAL REAL Ex A aliena imóvel a B e minutos depois de outorgada a escritura vem a falecer O óbito do alienante impede que B registre o título Não porque a manifestação de vontade válida do alienante de cujus exauriuse com ao tempo da venda Portanto os sucessores de A não poderão impedir a transferência do imóvel sob o argumento de que com a morte houve a imediata transferência do imóvel pela saisine AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PROPRIEDADE REGISTRO DO TÍTULO RELAÇÃO OBRIGACIONAL EFICÁCIAL REAL Ex2 A outorga escritura de compra e venda para B em 20 de outubro de 202x e A outorga escritura de compra e venda do mesmo imóvel para C em 25 de outubro de 202x C registra o título imediatamente a escritura de compra e venda B tem ação reivindicatória contra C em relação ao imóvel AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PROPRIEDADE REGISTRO DO TÍTULO RELAÇÃO OBRIGACIONAL EFICÁCIAL REAL Ex2 B tem ação reivindicatória contra C em relação ao imóvel Não porque com o registro nascerá para C direito real de propriedade e apesar da anterioridade cronológica da escritura carece de propriedade sendo a reivindicatória ação privativa dessa natureza AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA OBRIGADO DIREITO CIVIL VI COISAS E PROPRIEDADE INTELECTUAL Prof Leonardo Peteno Magnusson POSSE Ponto de partida os direitos reais são vínculos entre sujeitos e bens que emergem em nível jurídico Nada obstante há além da propriedade outro vínculos que apesar de não formais assumem relações entre sujeito e coisa no plano fático No caso na posse temos 1 Poder físico sobre a coisa 2 Necessidade do homem de se apropriar de bens IDEIAS INICIAIS POSSE Teoria subjetiva Savigny Corpus apreensão da coisa e disponibilidade física animus intenção como se proprietário fosse Teoria objetiva Ihering A posse seria o poder de fato e a propriedade o poder de direito sobre a coisa Vem a ser a posse o exercício de um poder sobre a coisa correspondente ao direito de propriedade ou de outro direito real Efeito posse simultânea TEORIAS E DEFINIÇÃO POSSE O possuidor no regime brasileiro art 1196 CC é quem em seu próprio nome exterioriza alguma das faculdades da propriedade usar gozar dispor e reivindicar seja ele proprietário ou não Dentro dessas características a posse acaba por ser considerada um caminho para a propriedade Bevilaqua decorrente da afiliação à teoria objetiva O possuidor se comporta como proprietário exercendo poderes sobre uma coisa e poderes ostensivos conservandoa e defendendoa TEORIAS E DEFINIÇÃO POSSE Sendo ou não a posse um direito inferido da propriedade teorias em verdade constitui um direito subjetivo dotado de estrutura peculiar e própria Posse fato Possuir direito subjetivo Posse é direito real ou obrigacional 1 A posse não está elencada no artigo 1225 do CC 2 Não há previsão de registro da posse no Ofício Imobiliário Lei n 601573 3 o legislador dispensou a participação dos cônjuges nas ações possessórias art 73 2º CPC 4 vedação à reintegração de posse contra terceiro que ignorava origem ilícita art 1247 CC NATUREZA DA POSSE POSSE Mas também não seria somente obrigacional Propõese que a posse poderia assumir três naturezas 1 Quando o proprietário é o possuidor de seu bem a posse é vista como um direito real já que o direito de possuir é um dos atributos do domínio que significa basicamente o senhorio sobre uma coisa 2 Pode também a posse ser vista como relação jurídica obrigacional quando emanada de um contrato por exemplo de locação ou promessa de compra e venda O fato jurídico que lhe atribui a posse é a relação jurídica obrigacional 3 Há ainda uma terceira possibilidade que não está atrelado ao direito de propriedade ou relação jurídica obrigacional que é quando a posse emana exclusivamente de uma situação jurídica fática e existencial como apossamento e ocupação NATUREZA DA POSSE POSSE Doutrina e jurisprudência dominante podem ser objeto da posse apenas as coisas corpóreas aquelas que podem ser visualizadas e tocadas Coisas que tenham materialidade e sejam suscetíveis de valor econômico com exteriorização de um poder fático Ex contrato de locação não possui posse o direito obrigacional ou direito real consequente à contratação mas sim a coisa Discussão Rui Barbosa e a possibilidade de expandir os interditos possessórios para reintegrar ou manutenir servidor públicos em seus cargos Discussão 2 Coisas corpóreas incorpóreas e as Súmulas 193STJ e 228STJ OBJETO DA POSSE POSSE Coisa corpórea v coisa incorpórea enquanto as coisas corpóreas são perceptíveis pelos sentidos as coisas incorpóreas não têm existência física Súmula 193STJ O direito de uso de linha telefônica pode ser adquirido por usucapião Distinção direito real de uso posse lembrar da proposição de Bevilaqua Súmula 228STJ É inadmissível o interdito proibitório para a proteção do direito autoral O direito do autor por não recair sobre coisa corpórea não pode ser turbado ou esbulhado apenas exercido indevidamente por outros em simples concorrência OBJETO DA POSSE POSSE A capacidade de apropriação não incluso a cláusula de inalienabilidade e a expressividade econômica da coisa não são suscetíveis de posse as coisas fora do comércio Ou seja não haverá posse quando a coisa não puder ser objeto de propriedade particular Com isso os bens públicos de uso comum do povo e de uso especial afetados em prol da coletividade ou do exercício de alguma atividade pública não estão suscetíveis à posse Contrário senso haverá a posse de bens públicos dominicais ou patrimoniais posto desafetados assim como de bens públicos de outra categoria quando objeto de concessão a particular inclusive derivada da relação jurídica Ver artigo 100 e ss do CC OBJETO DA POSSE POSSE É o fenômeno que se verifica quando o proprietário efetivando uma relação jurídica negocial com terceiro transferelhe o poder de fato sobre a coisa Ou seja por força de uma relação jurídica entre o proprietário e terceiro detectase o desdobramento da posse em direta e indireta Proprietário que não desdobra a sua posse posse plena Comparativo entre a teoria objetiva Ihering e subjetiva Savigny O desdobramento da posse é possível pela adoção da teoria objetiva que compreende a posse como exteriorização do poder de fato sobre a coisa Já na teoria subjetiva é inconcebível já que o possuidor direto careceria de animus e o indireto de corpus DESDOBRAMENTO DA POSSE POSSE Em termos práticos verificase o desdobramento quando faculdades que integram o domínio são transferidas pra outra pessoa para que utilize como decorrência de relação jurídica 1 de direito real ex penhor usufruto propriedade fiduciária 2 ou obrigacional ex comodato locação A posse direta não anula a indireta Elas coexistem pacificamente e a isso dá se o nome de posses paralelas DESDOBRAMENTO DA POSSE POSSE Com isso posse direta é aquela que adquire o não proprietário correspondente à apreensão física da coisa art 1197 CC Portanto a posse direta é 1 temporal pois o desdobramento da posse baseiase em relação jurídica transitória de poderes dominiais obs extinção das enfiteuses posse do foreiro semelhante a um aluguel permanente 2 subordinada ou derivada já que a atuação do possuidor direto é limitada ao âmbito de poderes dominiais a ele transferidos pelo possuidor indireto de acordo com a espécie de relação jurídica ex usufruto usar gozar habitação usar moradia DESDOBRAMENTO DA POSSE POSSE Por sua vez posse indireta é a que o proprietário conserva quando temporariamente cede a outrem o poder de fato sobre a coisa A posse não depende apenas do controle material da coisa já que estende a condição de possuidor àquele que utiliza a coisa mediata e indiretamente por intermédio de outras pessoas Como é possuidor aquele conserva umalguns dos poderes dominiais não se pode negar que com o proprietário remanescem algumas faculdades dominiais sendo outras transmitidas ao possuidor direto DESDOBRAMENTO DA POSSE POSSE DEFESA DA POSSE Os possuidores direto e indireto defendem suas posses autonomamente contra terceiros por meio das ações possessórias independentemente de assistência mútua dispensando assim litisconsórcio ativo necessário se houver formase litisconsórcio facultativo AUTOTUTELA Art 1210 O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação restituído no de esbulho e segurado de violência iminente se tiver justo receio de ser molestado 1º O possuidor turbado ou esbulhado poderá manterse ou restituirse por sua própria força contanto que o faça logo os atos de defesa ou de desforço não podem ir além do indispensável à manutenção ou restituição da posse DESDOBRAMENTO DA POSSE POSSE Exemplos 1 Os pais exercem o usufruto legal sobre o patrimônio do filho menor art 1689 CC 2 O inventariante dirige o espólio art 1991 CC 3 O promissário comprador se imite na posse contratual não obstante só se tornar proprietário com o registro da escritura definitiva após regular quitação art 1418 CC Ao momento da aquisição da capacidade plena do menor 1 do trânsito em julgado do formal de partilha 2 e do adimplemento da última prestação do compromisso de compra e venda ou da resolução contratual por inadimplemento 3 a posse unificarseá como proprietário cessando a composse DESDOBRAMENTO DA POSSE POSSE O POSSUIDOR DIRETO E A DEFESA DE INTERESSES O caso do condômino locador Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio art 18 CPC DEFESA DA POSSE DIRETA O possuidor direto pode defender a posse mesmo contra o possuidor indireto na vigência da relação jurídica em virtude de qualquer agressão à sua posse Obs Importante a relação jurídica de direito real ou obrigacional concede a uma pessoa apenas o direito à posse Assim a condição de possuidor direto se edifica progressivamente com o poder fático sobre a coisa objeto do vínculo DESDOBRAMENTO DA POSSE POSSE Para compreender a propriedade como regra é exclusiva Como a posse em face fática se assemelha à propriedade assume essa qualidade também A composse é uma situação excepcional consistente na posse comum de mais de uma pessoa sobre a mesma coisa que se encontra em estado de indivisão art 1199 CC Nesse sentido a comunhão no direito das coisas 1 comunhão da propriedade é entendida como condomínio ou compropriedade 2 nesse sentido a comunhão da situação fática da posse é a composse Portanto para se ter composse 1 mais de um possuidor 2 estado de indivisão da coisa COMPOSSE POSSE Exemplos Vasto grupo de pessoas que ocupam um imóvel abandonado Todos são compossuidores requisito 1 mais de um possuidor sem discriminação de partes reservadas requisito 2 estado de indivisão Obs Se os possuidores acordarem no sentido de reservar áreas específicas e delimitadas para a atuação fática individual e pacífica sobre a sua fração concreta desaparecerá a composse surgindo várias posse pro diviso COMPOSSE POSSE Exemplos Herdeiros requisito 1 mais de um possuidor com relação à fazenda deixada pelo pai no curso do espólio requisito 2 estado de indivisão Na fase anterior ao formal de partilha os sucessores são simultaneamente compossuidores e comproprietários do bem de raiz COMPOSSE POSSE DEFESA DA POSSE Assim como na compropriedade na composse cada possuidor detém um parte abstrata ideal da coisa Isso é suficiente par que possa invocar isoladamente a proteção possessória contra terceiros ou mesmo contra um compossuidor para o resguardo da pose sobre a área comum Nas relações externas perante terceiros os compossuidores procedem com exclusividade como se fossem os únicos titulares da posse Ou seja perante terceiro cada compossuidor pode ser considerado possuidor como um todo e portanto poderá exercer todos os direitos Mas na relação interna ou seja entre os composssuidores deverá agir de modo a não suprimir o conteúdo dos direitos dos outros compossuidores cujo remédio são as possessórias COMPOSSE POSSE Ainda sobre a relação interna e a defesa dos interesses do compossuidor quando houver atuação em determinada área contra a posse propriamente dita o instrumento processual está inserido nas ações possessórias Por sua vez quando a controvérsia se insere no uso e gozo ordinário propriamente dito da coisa comum mormente a sua exploração econômica será caso de enriquecimento ilícito com os mecanismos processuais pertinentes Ex bens se encontram em estado de indivisão no bojo de um inventário no qual alguns dos herdeiros são indenizados por aqueles que indevidamente se apropriam dos frutos da coisa comum no período que precede a partilha COMPOSSE POSSE DISTINÇÃO ENTRE COMPOSSE E DESDOBRAMENTO DA POSSE a distinção é que na composse há repartição quantitativa na posse Nas posses direta e indireta há repartição qualitativa da posse Vale dizer com o desdobramento de posse há posses paralelas em graus diferenciados na composse todos os possuidores encontramse no mesmo plano Para aprofundar Ex áreas privativas e áreas comuns de condomínio edilício ademais a problemática das vagas de garagem exclusivas e privativas Nesse ponto o uso rotativo e não equitativo das vagas COMPOSSE POSSE A detenção é uma posse degradada juridicamente desqualificada pelo ordenamento jurídico Ou seja o ordenamento jurídico decidiu que em determinadas situações o poder fático de alguém não tem repercussão jurídica Por conseguinte distinção entre posse e detenção desqualificação jurídica Nesse sentido há uma escala de poder sobre a coisa PROPRIEDADE POSSE DETENÇÃO Há quatro hipóteses de detenção que ordenamento jurídico reconhece 1 servidores da posse 2 atos de permissão ou tolerância 3 atos de violência ou clandestinidade 4 atuação em bens públicos de uso comum e uso especial DETENÇÃO POSSE Servidores da posse são aqueles que detêm o poder físico sobre a coisa em razão de uma relação subordinativa para com terceiro Apreende a coisa em cumprimento de ordens ou instruções emanadas dos reais possuidores ou proprietários Conhecidos com fâmulos da posse exercitam atos de posse em nome alheio como mero instrumento da vontade de outrem Obs Não é necessário vínculo formal remuneração contínuo É bastante um vínculo social de subordinação porém sem autonomia DETENÇÃO SERVIDORES DA POSSE ART 1198 POSSE DEFESA DA POSSE PELO DETENTOR O detentor não possui legitimidade para ajuizar ações possessórias em defesa de um esbulho turbação ou ameaça sobre o bem AUTOTUTELA Todavia na qualidade de longa manus do possuidor certamente poderá exercer a pretensão defensiva pela via do desforço imediato ou da legítima defesa da posse com a ressalva de que o faça em nome e proveito do terceiro que represente Enunciado n 493 do CJF DETENÇÃO SERVIDORES DA POSSE ART 1198 POSSE A permissão nasce da autorização expressa do verdadeiro possuidor para que terceiro utilize a coisa a tolerância resulta de consentimento tácito ao seu uso caracterizandose ambas pela transitoriedade e pela faculdade de supressão do uso a qualquer instante pelo real possuidor sem erigir proteção possessória ao usuário Ex Vizinhança hospitalidade hospedagem ou me complacência A permissão não é um negócio jurídico mas sim um ato jurídico stricto sensu Por tanto pode ser extinto a qualquer tempo no sentido de desconstituir a detenção Há um estado de sujeição do detentor em face do verdadeiro possuidor DETENÇÃO ATOS DE PERMISSÃO OU TOLERÂNCIA ART 1208 POSSE Enquanto materialmente existentes os atos de violência e clandestinidade impedem a aquisição da posse por parte de quem delas se aproveita configurandose os ilícitos perpetrados sobre a coisa simples atos de detenção se transmutando para a natureza de posse com a efetiva cessação de tais condutas Ou seja a condição de esbulhador violento e clandestino é reduzida à de mero detentor Mas a posse inaugurada no momento superveniente à cessação da violência ou clandestinidade terá qualificação de injusta DETENÇÃO ATOS DE VIOLÊNCIA OU CLANDESTINIDADE ART 1208 POSSE Diferente do fâmulo de daqueles que utilizam a coisa por permissão ou autorizam ou seja aqueles que tem detenção dependente os detentores que exercem atos de violência e clandestinidade exercem detenção independente DETENÇÃO E AÇÕES POSSESSÓRIAS Essa condição de detentor independente autoriza o manejo de interditos possessórios em face de terceiros que não a vítima dos atos de violência ou clandestinidade pois não estará litigando contra que obteve a coisa de forma manifestamente viciosa art 1211 CC DETENÇÃO ATOS DE VIOLÊNCIA OU CLANDESTINIDADE ART 1208 POSSE O particular que ocupa bem público de uso com do povo ou especial não possui posse mas apenas a condição de mero detentor Inclusive contra a administração terá a defesa apenas contra o excesso pela via da pretensão indenizatória DETENÇÃO BENS PÚBLICOS ART 100 POSSE VÍCIOS OBJETIVOS DA POSSE Não tem qualquer relação com a causa da posse mas sim da forma pela qual ocorreu sua aquisição violência clandestinidade ou precariedade Posse justa é aquela cuja aquisição não repugna ao direito isenta de vícios de origem posto não ter sido obtida pelas formas enunciadas no art 1200 do CC Posse injusta é a que se instala por modo proibido e vicioso ou então iniciada de forma pacífica e pública se converte em momento posterior em injusta Dividese em violenta clandestina e precária CLASSIFICAÇÃO DA POSSE POSSE VÍCIOS OBJETIVOS DA POSSE Posse injusta Posse violenta adquirese pelo uso da força vis absoluta ou pela ameaça vis compulsiva Seja pelo uso de força bruta ou de intimidação contra o real possuidor ou servidor da posse caseiro ou os motivos pois o vício é objetivo Contrato celebrado por coação apossamento maculado por coação CLASSIFICAÇÃO DA POSSE POSSE VÍCIOS OBJETIVOS DA POSSE Posse injusta Posse clandestina adquirese às ocultas de quem exerce a posse atual sem publicidade ou ostensividade mesmo que a ocupação seja eventualmente constatada por outras pessoas Não é mero desconhecimento mas um camuflar Ex invasão de casa de veraneio Detenção posse clandestina e esbulho CLASSIFICAÇÃO DA POSSE POSSE VÍCIOS OBJETIVOS DA POSSE Posse injusta Posse precária resulta do abuso de confiança do possuidor que indevidamente retém a coisa além do prazo avençado para o término da relação jurídica que originou a posse Ex Comodato posse precária Ex Detenção extinção contrato de trabalho posse injusta CLASSIFICAÇÃO DA POSSE POSSE APELAÇÃO DIREITO CIVIL EMBARGOS DE TERCEIRO AÇÃO REIVINDICATÓRIA RECURSO DESPROVIDO I Caso em Exame Apelação interposta contra sentença que julgou improcedente embargos de terceiro em ação reivindicatória Os autores alegam direito à assistência judiciária inexistência de posse injusta aquisição do imóvel com posse de 18 anos prescrição aquisitiva aplicação da função social da propriedade e necessidade de indenização por benfeitorias II Questão em Discussão A questão em discussão consiste em determinar se a posse dos embargantes é injusta e se há direito à reivindicação do imóvel pelo proprietário além da análise sobre a possibilidade de indenização por benfeitorias III Razões de Decidir A ação reivindicatória é o meio legal para o proprietário reaver a coisa de quem a possua injustamente sem direito obrigacional ou real A posse injusta da coisa que autoriza a ação reivindicatória não se confunde com a qualificação da posse constante do art 1200 do Código Civil Na ação reivindicatória a injustiça da posse significa posse exercida sem direito real sobre a coisa ou sem causa obrigacional que a autorize Irrelevante para fins de reivindicatória o exercício da posse sem violência clandestinidade ou precariedade bem como não afasta seu acolhimento eventual boafé do possuidor Aquisição do imóvel quando já havia sido julgada procedente ação reivindicatória contra o alienante sendo afastada a existência de usucapião Aquisição de coisa litigiosa com conhecimento do estado litigioso da coisa afastando boafé e a pretensão de indenização de acessões e benfeitorias que causaram prejuízo ao proprietário IV Dispositivo Recurso desprovido TJSP Apelação Cível 10081188920208260278 Relator a Enéas Costa Garcia Órgão Julgador 1ª Câmara de Direito Privado Foro de Itaquaquecetuba 2ª Vara Cível Data do Julgamento 24022025 Data de Registro 24022025 CLASSIFICAÇÃO DA POSSE POSSE VÍCIOS SUBJETIVOS DA POSSE Relativos a boafé em sentido que haja plena convicção de legitimidade da posse ou seja ignora o vício ou obstáculo que impede a aquisição da posse Portanto o vício subjetivo da máfé decorre da ciência do possuidor no tocante à ilegitimidade de sua posse Já a boafé envolve um estado psicológico que necessariamente não se liga à maneira pela qual a posse foi adquirida e sim a uma visão do possuidor sobre a sua real situação jurídica diante da coisa Ex possuidor adquire imóvel embasado em título de domínio escritura desconhecendo a falsidade Obs ENGANO ACEITÁVEL CLASSIFICAÇÃO DA POSSE POSSE O JUSTO TÍTULO DA POSSE BOAFÉ E MÁFÉ Art 1201 É de boafé a posse se o possuidor ignora o vício ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa Parágrafo único O possuidor com justo título tem por si a presunção de boafé salvo prova em contrário ou quando a lei expressamente não admite esta presunção PORTANTO Com justo título presunção de boafé tendo inversão do ônus de prova quanto eventual injustiça da causa da posse Sem justo título deverá produzir prova quanto a causa da posse que não transparecia vício obstáculo ou lesão a direito alheio ordinariamente identificáveis CLASSIFICAÇÃO DA POSSE POSSE Salvo prova em contrário manterá a posse o mesmo caráter da aquisição art 1203 CC Tratase de uma presunção iuris tantum já que em princípio não é permitido unilateralmente alterar a configuração de uma posse sanando arbitrariamente eventuais vícios objetivos ou subjetivos no interesse exclusivo do possuidor Em outros termos a posse e suas causas com as virtudes e defeitos sendo este seu caráter é como regra imutável Como mencionado o comportamento do sujeito é determinante para configurar a posse como injusta mas posterior como regra isto não se modifica CONVALESCIMENTO DA POSSE POSSE FATO DE NATUREZA JURÍDICA Em razão de uma relação jurídica de direito real ou obrigacional é facultada ao possuidor que mantenha posse objetiva ou subjetiva viciada alterar o caráter sanando os vícios de origem Ex posse obtida por violência adquire compra e venda o imóvel Nesse caso há a modificação da causa possessionis razão da posse A posse injusta convertese em justa CONVALESCIMENTO DA POSSE POSSE FATO DE NATUREZA MATERIAL É a manifestação por atos exteriores e prolongados do possuidor da inequívoca intenção de privar o proprietário do poder de disposição sobre a coisa Nesse caso não há um acordo de vontades mas o proprietário deixa de resistir a posse injusta Nesse caso a posse sofre o fenômeno da intervenção e o possuidor adquire animus domini Ato contínuo os caracteres da posse mudam de ad interdictae para ad usucapionem podendo se qualificar inclusive como de boafé lembrando do instituto correlato da boafé supressio CONVALESCIMENTO DA POSSE POSSE Se de acordo com Ihering teoria adotada o possuidor é aquele que tem de fato o exercício pleno ou não de algum dos poderes inerentes ao domínio qualquer pessoa que esteja nessa situação terá adquirido a posse art 1204 CC Por isso uma forma de compreender o possuidor é como aquele que tem de fato o exercício pleno ou não de algum do poderes inerentes à propriedade Essa é inclusive a disposição legal art 1196 CC Seguindo a proposição de apreensão econômica da coisa o titular do poder de ingerência socioeconômica sobre um bem da vida será possuidor apenas não alcançará as hipóteses de detenção AQUISIÇÃO E PERDA DA POSSE POSSE Compreendido essa estrutura da posse ela será adquiria com o simples exercício do poder de fato sobre a coisa independentemente de qualquer causalidade Ou seja enquanto a propriedade tem causalidade nascendo por exemplo a partir do registro ou usucapião a posse independe de qualquer forma jurídica prévia embora possa ter como elemento informativo um ato causal O que se percebe é que a posse é flexível e depende quase sempre do que é usual e comum no tempo e espaço As circunstâncias que revelam a posse são as mais variadas podem ser ligadas ao normal exercício aparente da propriedade AQUISIÇÃO E PERDA DA POSSE POSSE Nada obstante é possível uma distinção entre aquisições originárias e derivadas Na aquisição originária a chamada posse natural surge ex novo em razão do apossamento da ocupação do bem caracterizada como a tomada de controle material da coisa por parte de uma pessoa que de forma pública e reiterada pratica atos materiais que demonstram a sujeição do bem ao titular Na posse natural temos um modo originário de aquisição de posse em que não há qualquer relação jurídica entre o novo possuidor e um possuidor ou proprietário precedente AQUISIÇÃO E PERDA DA POSSE POSSE Ainda sobre a aquisição originária da posse natural é resultante do exercício de poderes de fato sobre a coisa alijado de qualquer base negocial De acordo com o art 1205 inc I CC a posse pode ser adquirida pela própria pessoa que a pretende Para tanto é despiciendo cogitar das regras ordinariamente aplicáveis aos negócios jurídicos não aplica já que se caracteriza como um atofato ato voluntário efeito decorre da norma Questão da capacidade do possuidor AQUISIÇÃO E PERDA DA POSSE POSSE Já a aquisição derivada tem como núcleo a posse civil ou jurídica aquela que se transmite ao novo possuidor O possuidor não se apodera da coisa mas recebea de quem exercia a posse anteriormente Essa modalidade de posse é adquirida por força da relação jurídica sem necessidade da apreensão material da coisa Ou seja quem adquire a propriedade ou um direito dela decorrente ex usufruto recebe o direito de possuir por investirse de faculdades de uso e gozo da coisa AQUISIÇÃO E PERDA DA POSSE POSSE Ainda na posse derivada a despeito da relação causal o adquirente da posse só será verdadeiramente considerado possuidor no momento em que exercer de fato poderes sobre a coisa independentemente do fato jurídico do fato jurídico do qual derivou a faculdade de possuir Vale dizer a tradição do bem é apenas o pressuposto para que a pessoa comece a se conduzir como o bom proprietário normalmente faria perante o bem AQUISIÇÃO E PERDA DA POSSE POSSE UNIÃO DE POSSES SUCESSIO POSSESSIONIS Não há propriamente uma aquisição da posse mas a passagem de um patrimônio inteiro Os herdeiros legítimos ou testamentários continuam a posse dos bens da heranças em caráter de individualidade eis que se subrogam na posição econômica do falecido ex lege Tratase de modo derivado de titularização da posse pois diante do princípio da saisine não se pode destacar a nova posse da antiga AQUISIÇÃO E PERDA DA POSSE POSSE UNIÃO DE POSSES SUCESSIO POSSESSIONIS Aliás a mutação subjetiva da titularidade da posse não afeta às suas qualidades Isto é os vícios objetivos e subjetivas que balizam a sua natureza art 1206 CC mesmo que no íntimo ignorassem os defeitos da posse já conhecidos por seus antecessores acompanham a posse AQUISIÇÃO E PERDA DA POSSE POSSE UNIÃO DE POSSES ACESSIO POSSESSIONIS Em sentido diverso que sempre se verifica inter vivos e por meio de uma relação jurídica o sucessor singular tem a faculdade de unir a sua posse à do antecessor O sucessor singular pode optar por cortar toda a trajetória possessória anterior e começar uma nova jornada Se o desligamento ocorrer sua posse obterá a vantagem de exemplificativamente valerse de justo título de sua posse nova para a contagem de prazo de usucapião ordinária CONTINUAÇÃO AQUISIÇÃO E PERDA DA POSSE POSSE UNIÃO DE POSSES ACESSIO POSSESSIONIS Mas lembrar que por relação jurídica temos uma forma de aquisição derivada de posse Sendo assim a posse é acompanhada das mesmas características com que se encontrava no patrimônio do transmitente De mais a mais é certo que ninguém pode alterar por ato de própria vontade os caracteres da própria posse como ocorreria se pelo exercício da faculdade de união de posses o possuidor fosse capaz de convalescer a posse injusta em justa liberandose dos vícios que maculavam a relação possessória anterior AQUISIÇÃO E PERDA DA POSSE POSSE FRUTOS Frutos são as utilidades econômicas que a coisa produz sem alteração ou perda de sua substância Essa ideia parte da noção de fruto como algo que é produzido e lhe destaca duas características a periodicidade de sua produção e a preservação da cosia frutífera Comumente frutos e produtos pertencem habitualmente ao proprietário do bem tal como enaltece o princípio da gravitação jurídica art 92 CC Quanto se fala em posse o estudo diz respeito exclusivamente ao FRUTOS excluindo produto EFEITOS DA POSSE POSSE FRUTOS Os frutos podem ser separados da coisa principal ainda que em momento superveniente de sorte que podem ser objeto de relação jurídica ainda que não separados art 95 CC Na qualidade de coisas acessórias normalmente pertencerão os frutos ao proprietário ou ao titular da coisa ao tempo em que forem colhidos Atendendo porém à função social da posse a lei homenageia a eticidade da conduta do possuidor de boafé em detrimento do proprietário inerte que abandonou a posse EFEITOS DA POSSE POSSE FRUTOS Estamos temos o seguinte Art 1232 Os frutos e mais produtos da coisa pertencem ainda quando separados ao seu proprietário salvo se por preceito jurídico especial couberem a outrem Sem preceito jurídico especial Art 1214 O possuidor de boafé tem direito enquanto ela durar aos frutos percebidos De modo que a aquisição de frutos está subordinada ao seguintes requisitos EFEITOS DA POSSE POSSE RESPONSABILIDADE CIVIL Possibilidade de imputação de responsabilidade civil dever de indenizar ao possuidor pela perda da posse ou deterioração da coisa que vem a ser retomada A distribuição dos ricos quanto à perda ou deterioração do bem oscila a depender da boa ou da máfé do possuir a partir do que se tem nos art 1217 e 1218 do CC As consequências estão ligadas ao perecimento avaria da coisa EFEITOS DA POSSE POSSE RESPONSABILIDADE CIVIL O art 1217 afirma que o possuidor de boafé somente responderá civilmente pela perda o deterioração da coisa possuída quando lhe der causa Ou seja até que a boafé cesse apenas haverá a responsabilidade do possuidor quando o retomante provar a culpa pelo perecimento da coisa devendo então ressarcir pelo montante equivalente à depreciação econômica provocada na coisa No mínimo deverá provar descuido ou negligência do possuidor e a relação de causalidade entre a desídia e o dano Tratase de responsabilidade civil subjetiva Tratase de prestígio à boafé EFEITOS DA POSSE POSSE RESPONSABILIDADE CIVIL Nesse sentido tratandose de bem infungível não se provando culpa o risco da perda ou deterioração será única e exclusivamente do retomante aplicando se o brocardo res perito domino em semelhança ao que ocorre no direito obrigacional que é positivo no art 238 EFEITOS DA POSSE POSSE RESPONSABILIDADE CIVIL Por sua vez o art 1218 O possuidor de máfé responde pela perda ou deterioração da coisa ainda que acidentais salvo se provar que de igual modo se teriam dado estando ela na posse do reivindicante A norma estipula que o possuidor de máfé será responsabilizado pelo perecimento ou degeneração do bem ainda que o evento lesivo tenha sido determinado por força maior escusandose perante o retomante somente quando demonstrado que o fato verificarseia mesmo que lá não mais permanecesse Ex terremoto Ou seja ideia de diligência intransponível EFEITOS DA POSSE POSSE RESPONSABILIDADE CIVIL O que se tem no artigo 1218 é uma responsabilidade objetiva por risco integral na qual o real titular do bem não precisará prova a culpa do possuidor de máfé nem este poderá ilidir o dever de reparar por eventos externos à sua atuação como o fortuito externo e o fato de terceiro Assim o possuidor de máfé tem a convicção que deveria restituir o bem a quem de direito mas se o faz Esse comportamento moralmente reprovável merecerá intensa sanção por parte do ordenamento Consequentemente qualquer evento danoso será imediata e objetivamente responsável EFEITOS DA POSSE OBRIGADO 125 ARGUMENTUM Revista de Direito n 11 2010 UNIMAR Função social do uso de bens públicos FUNÇÃO SOCIAL DO USO DE BENS PÚBLICOS NATUREZA JURÍDICA E REQUISITOS DA OUTORGA DE USO DA ÁGUA E DE SUA RESPECTIVA COBRANÇA SOCIAL FUNCTION OF THE USE OF PUBLIC PROPERTy JURIDICAL NATURE AND REqUIREMENTS FOR A PERMIT FOR USAGE OF WATER AND ITS REVENUE Luiz Marcello de Almeida Pereira1 Sumário 1Introdução 2 Propriedade e função social 3 A água é bem público 31 Regime jurídico da água enquanto bem econômico 32 Domínio da água 4 Uso dos recursos hídricos outorga e cobrança 41 Outorga 42 Cobrança gera internalização de externalidades negativas 5 Considerações finais Referências Summary 1Introduction 2 Property and social function principle 3 Water is a public property 31 Regulation of water as economic domain 32 Pro perty of water 4 Use of water resources permit and charging 41 Permit 42 Charging generates internalization of negative externalities 5 Final remarks Reference Resumo O artigo propõe que o princípio da função social da propriedade se aplica à outorga de uso da água Há uma primeira discussão sobre a função social e o sentido constitucional do princípio A partir de noções próprias da teoria do ordenamento jurídico e do Estado se estabelece a vinculação entre a função social da propriedade do Estado e do ordenamento positivadas no artigo 3º da Constituição da República atual Segue exame do regime da água enquanto bem econômico e também sobre a titularidade e a tipi cidade de seu domínio Aprofundase então sobre a natureza jurídica e a forma típica do ato administrativo da outorga bem como da cobrança referente ao uso Após a determinação destas premissas a conclusão se faz pela aplicabilidade do princípio à outorga Palavraschave Outorga do uso da água Função social da propriedade Função social do uso de bem público 1 Mestre em direito pela UNIMAR professor de Direito Constitucional e História do Direito no Centro Universitário Estácio de Sá em SalvadorBA ARGUMENTUM Revista de Direito n 11 2010 UNIMAR 126 Luiz Marcello de Almeida Pereira Abstract The article states the applicability of the social function of property principle to the permit for water use The first discussion is about the constitutional meaning of the principle The third article of the Brazilian Constitution gives the key to understand the social function of property The next step is examining the rule of water as an input in the economy and also the legal type of domain that applies to water The specification of the permit for water use is the next subject concerning its typical juri dical nature and the nature of charging for it After setting these premises the conclusion is for the applicability of the principle as a criterion to the permit for water use Keywords Permit for water use Social function of property social function of water use 1 Introdução O presente artigo propõe a função social como critério constitucionalmente obrigatório para a concessão de outorga de uso de água A afirmativa principal é que o direito ao uso da água tanto quanto o direito à propriedade posto que se trate de direito de gozo privilegiado de bem tem como critério de legitimidade a obediência à sua função social Para tanto se analisam as noções de propriedade e função social como definidas constitucionalmente e posteriormente se determina o regime da água inclusive sua propriedade e forma de atribuição de seu uso A função social da outorga tanto quanto a função social da propriedade se submete à regra geral da função social do ordenamento A função social da outorga deve correr portanto no mesmo curso do mandamento constitucional CR Art 3º que estabelece os objetivos da República Não há portanto direito à outorga se o uso se chocar com a construção de sociedade livre justa e solidária a garantia do desenvolvimento social a erradicação da pobreza e da marginalização a redução das desigualdades regionais e sociais ou a promoção do bem de todos sem discriminação 2 Propriedade e função social A Constituição da República estabelece que a propriedade atenderá sua função social no seu Art 5º XXIII estabelecendo no Art 170 III a mesma função social da propriedade como princípio da ordem econômica Eros Roberto Grau analisando as diferenças entre o regime da propriedade antes e depois da obrigatoriedade de atender a função social enxerga nesta evolução 127 ARGUMENTUM Revista de Direito n 11 2010 UNIMAR Função social do uso de bens públicos como afirmou André Piettre a revanche da Grécia sobre Roma da filosofia sobre o direito a concepção romana que justifica a pro priedade pela origem família dote estabilidade dos patrimônios sucumbe diante da concepção aristotélica finalista que a justifica pelo seu fim seus serviços sua função2 Tratase de conflito entre concepções culturalmente divergentes A romana é análoga àquela do início da modernidade liberal e próxima do direito natural A grega é análoga à contemporânea próxima da concepção de direito como instrumento de organização social e da efetivação de políticas de Estado ou de Governo3 Na Roma clássica o fundamento do ordenamento era a tradição ou seja a repetição do passado Assim o direito não era visto como um instrumento mas como resultado Nesta hipótese ele era obedecido e mesmo aplicado como imperativo absoluto O fundamento de crítica a este ordenamento não eram as consequências práticas de sua concretização mas apenas sua adequação aos mandamentos tradicionais Na ática antiga o fundamento do ordenamento era a razão ou seja o que se desenha para o futuro Assim o direito não era visto como resultado mas como instrumento Nesta hipótese ele era obedecido e mesmo aplicado com vistas à sociedade que se pretendia construir O fundamento de crítica a este ordenamento não era a tradição mas sim seus efeitos na sociedade Ao fundar o ordenamento na razão a ática apontava para a possibilidade de pragmaticamente negar proteção a qualquer direito quando seu exercício fosse socialmente nocivo Com a vitória da razão compreendese que a forma das criações humanas devese subordinar à função que desempenharão Daí a importância cada vez maior da interpretação teleológica do ordenamento No direito ordenamento a forma é positivada em textos que limitam circunstâncias de tempo e espaço requisitos condições procedimentos liberdades ou competências que estabelecem o que é aquele instituto A função é a proteção do bem juridicamente relevante No Direito ciência a forma se expressa no conjunto das normas jurídicas criadas pelo interprete com base no ordenamento que definem o regime do dado instituto As normas infraconstitucionais ganham significado a partir do conteúdo deontológico atribuído à Constituição O regime do direito à propriedade está subordinado ao atendimento de sua função social A própria essência da propriedade se define pela função social pela finalidade que se busca atingir por sua positivação 2 GRAU E R Elementos de direito econômico São Paulo Revista dos Tribunais 1981 p 113 3 Rica explanação relacionada ao tema se encontra em FERRAz JR T S Introdução ao estudo do direito técnica decisão dominação 3 ed São Paulo Atlas 2001 p 2129 ARGUMENTUM Revista de Direito n 11 2010 UNIMAR 128 Luiz Marcello de Almeida Pereira O Estado congrega recursos sociais é característica desta forma de organização social a gestão pelo ente político supremo de recursos da economia decorre daí que deva atuar em prol desta sociedade que o suporta Teóricos de todos os matizes ideológicos se debruçam sobre o tema nenhum olvidando que a função do Estado seja perseguir o bem comum O criador da expressão Rousseau definia este como objeto da vontade geral da sociedade entretanto Chaïm Perelman ressalta querer opor como faz Rousseau a vontade geral sempre reta à vontade de todos frequentemente induzida em erro é justificar de antemão todas as tiranias pois é evidente que o tirano sempre conhe ce melhor que o povo os verdadeiros interesses deste último4 A definição do bem comum em cada caso concreto ou abstrato se coloca como decisão política submetida à Constituição da República entendida como formalização das decisões políticas fundamentais dos titulares da soberania Daí a legitimidade da determinação da finalidade do ordenamento e do Estado no Art 3º da nossa Constituição inserida no Título em que se encontram as decisões políticas fundamentais que o constituinte acolheu5 As decisões mais particulares se submetem aos princípios que formalizam as decisões mais gerais assim como os dispositivos normativos hierarquicamente inferiores se submetem aos superiores Assim a função última de todo direito se identifica com as finalidades da República determinadas pelo Art 3º da Constituição Além da generalização acima definida os direitos fundamentais têm funções específicas negativas de proibição ou dever de abstenção pelo Estado e positivas de obrigação ou dever de ação pelo Estado Segundo Canotilho elas são as funções de defesa ou de liberdade de prestação social de proteção perante terceiros e de não discriminação6 a primeira negativa e as três últimas positivas O direito à propriedade segundo esta ideia consiste na exclusividade de uso fruição e disposição de bens perante o Estado e terceiros e na obrigação ao Estado de empenho para prover condições materiais do seu gozo a todos sem discriminação O ordenamento deriva seu sentido dos princípios constitucionais fundamentais sempre em conexão com a realidade social que os atualiza O exercício dos direitos fundamentais é legítimo apenas enquanto não fere a sociedade Eles são protegidos como forma de alcançar as finalidades que a 4 PERELMAN C Lógica jurídica nova retórica São Paulo Martins Fontes 1998 p 201 5 SILVA J A Curso de direito constitucional positivo São Paulo Malheiros 2002 p 95 6 CANOTILHO J J G Direito constitucional e teoria da constituição 3 ed Lisboa Almedina sd p 383386 129 ARGUMENTUM Revista de Direito n 11 2010 UNIMAR Função social do uso de bens públicos Constituição determinou para a República e para o ordenamento ou seja se o proprietário não cumpre e não se realiza a função social da propriedade ele deixa de ser merecedor de tutela por parte do ordenamento jurídico desaparece o direito de propriedade7 A função social da propriedade está ligada ao seu uso de maneiras socialmente relevantes de forma a a inserir o bem na cadeia produtiva de maneira a obedecer aos mandamentos do Art 170 da Constituição da República o desenvolvimento nacional está no inciso II do seu Art 3º b a promover distribuição equitativa de renda recursos ou serviços para toda a sociedade em obediência aos incisos III e IV do Art 3º e c a promover a construção de sociedade livre justa e solidária Art 3º I Função social é função justa justa para com toda a sociedade 3 A água é bem público Assim o bem deve ter uso e quanto maior for este uso desde que legítimo maiores serão os benefícios que advirão dele para a sociedade Isso vale para os bens privados como também para os bens públicos Neste sentido Notese que o poder público tanto pode restringir como pode am pliar o uso de bens públicos quando amplia está atendendo ao princípio da função social da propriedade pública uma vez que está cumprindo o dever de garantir que a utilização dos bens públicos atenda da forma mais ampla possível ao interesse da coletividade 8 Bens públicos por serem recursos sociais inexoravelmente devem servir à finalidade do bem comum não é inexorável entretanto que efetivamente sirvam por óbvio Cabe perquirir sobre distinções entre as categorias de bens públicos gênero com três espécies segundo o Art 99 do Código Civil a os bens de uso comum b os de uso especial e c os dominicais Não interessa investigar em pormenor no escopo do presente estudo os de uso especial e os dominicais já que a água é bem de uso comum Sobre estes Di Pietro leciona que não é demais repetir que a destinação pública é inerente à própria natureza jurídica dos bens de uso comum do povo porque eles estão afetados a fins 7 SILVEIRA D S D A propriedade agrária e suas funções sociais In SILVEIRA D S D XAVIER F S Orgs O direito agrário em debate Porto Alegre Livraria do Advogado 1988 p 14 8 DI PIETRO M S z Função social da propriedade pública Revista Eletrônica de Direito do Estado Salvador Instituto de Direito Público da Bahia nº 6 abrilmaiojunho 2006 Disponível em httpdi reitodoestadocombr Acesso em 24 jun 2006 ARGUMENTUM Revista de Direito n 11 2010 UNIMAR 130 Luiz Marcello de Almeida Pereira de interesse público seja por sua própria natureza seja por destinação legal9 Bandeira de Melo também afirma que os de uso comum têm afetação estabelecida em lei ou decorrente de sua natureza ou do destino natural do bem citando expressamente os recursos hídricos10 Pode haver no âmbito do regime dos recursos hídricos a outorga para que terceiros os usem seriam pessoas privadas ou públicas diferentes das titulares de seu domínio Em verdade as pessoas responsáveis pela formalização da outorga também não são titulares destes domínios mas o problema se resolve pela atribuição legal de competência para tanto e pelo claro fundamento constitucional das leis em questão Art 21 XIX da Constituição da República Esta outorga deve garantir o maior uso possível dos ditos recursos também em decorrência do quanto já se afirmou até o momento sobre o direito à função social da propriedade ou seja as águas públicas podem atender a inúmeros objetivos alguns de uso comum como a navegação outros de uso privativo como a deri vação para fins agrícolas ou industriais ou para execução de serviço público como a produção de energia elétrica e o abastecimento da população como também podem atender simplesmente às primeiras necessidades da vida11 Fundamental é que estes usos se sobreponham harmoniosamente se sucedam no tempo e no espaço e se multipliquem A Lei Federal 943397 em consonância com o imperativo constitucional determina logo em seu Art 1º IV que um dos fundamentos da Política Nacional de Recursos Hídricos seja exatamente o uso múltiplo das águas Não obstante sua multiplicidade alguns usos dos recursos hídricos os mais economicamente relevantes dentre eles inclusive serão outorgados São estes usos que argumentase aqui devem ter clara função social sem a qual a outorga é inconstitucional 31 Regime jurídico da água enquanto bem econômico O Direito Ambiental é aqui tratado como parte do Direito Econômico é o pensamento de Paulo de Bessa Antunes por exemplo ao ressaltar que o Direito do Meio Ambiente é dotado de instrumentos específicos que o capacitam 9 DI PIETRO M S z Função social da propriedade pública Revista Eletrônica de Direito do Estado Salvador Instituto de Direito Público da Bahia nº 6 abrilmaiojunho 2006 Disponível em httpdi reitodoestadocombr Acesso em 24 jun 2006 10 BANDEIRA DE MELLO C A Curso de direito administrativo São Paulo Malheiros 1997 p 557 11 Idem 131 ARGUMENTUM Revista de Direito n 11 2010 UNIMAR Função social do uso de bens públicos a atuar na ordem econômica de molde a configurar um determinado padrão de desenvolvimento12 O regime jurídico da gestão dos recursos hídricos organiza a exploração dos corpos dágua objetivando sua distribuição social condizente com os preceitos constitucionais quer para consumo imediato quer para utilização destes recursos como insumos para a oferta de bens ou serviços A partir desta linha passa a fazer sentido mais profundo a presença da defesa do meio ambiente no Art 170 VI da Constituição da República é que um dos traços importantes do perfil constitucional de desenvolvimento é exatamente a sustentabilidade e o respeito ao direito difuso aos recursos naturais é o prisma sob o qual se deve entender o domínio dos recursos hídricos a outorga de seu uso e a decorrente cobrança Os recursos hídricos são importantes para o desenvolvimento econômico do país mas também são recursos a se resguardarem para manutenção da vida presente e futura Claro a humanidade futura não pode ser titular de direito algum já que não existe materialmente apenas povoa as esperanças e expectativas das gerações atuais Entretanto é direito da sociedade contemporânea direito de titularidade difusa manter estas esperanças e expectativas é essencial para a fundamentação ética do ordenamento jurídico garantir as condições materiais de subsistência e mesmo de transformação da civilização partilhada atualmente A Constituição obriga a intervenção do Estado na atividade econômica Eros Roberto Grau após extensa e profícua discussão13 sobre a expressão atividade econômica propõe que ela denomine dois objetos relacionados Em sentido amplo a expressão define todas as atividades voltadas à satisfação de necessidades o que envolve a utilização de bens e serviços recursos escassos14 Incluemse nesta categoria tanto as atividades privadas quanto os serviços públicos Em sentido estrito como sinônimo de domínio econômico atividade econômica denomina apenas as legadas à iniciativa privada ainda que sob regulamentação pública Observando os termos estipulados por Eros Grau temse que o Estado intervém no campo da atividade econômica em sentido estrito por absorção monopólio ou participação competição Intervém sobre o domínio econômico por direção ou indução15 Nas intervenções por direção o Estado impõe comportamentos sob sanções negativas importantes regendo mais incisivamente o domínio econômico As intervenções por indução colocamse em outro plano no das sanções premiais em que certos comportamentos são estimulados 12 ANTUNES P B Direito ambiental 6 ed Rio de Janeiro Lumen Júris 2002 p 19 13 GRAU E R A ordem econômica na Constituição de 1988 interpretação e crítica São Paulo Malheiros 2000 p 123 ss 14 Idem ibidem p 133 15 Idem ibidem p 159 ARGUMENTUM Revista de Direito n 11 2010 UNIMAR 132 Luiz Marcello de Almeida Pereira Podese ver relação entre a defesa do meio ambiente e as intervenções econômicas hoje existentes sob suas modalidades de absorção ou participação direção e indução16 As normas de utilização dos recursos hídricos incluem direção e indução além da possibilidade de participação é fundamental para se compreenderem os limites jurídicos das decisões sobre a gestão dos recursos hídricos definir a titularidade do domínio destes recursos o regime da outorga e da cobrança por seu uso Afinal de contas é este o objeto das decisões e são estas as normas que afetarão o domínio econômico e a vida cotidiana dos administrados Fenômeno econômico e jurídico a propriedade dos bens de produção tem regime constitucional que se subordina à ideia de função social já se sabe O regime jurídico dos recursos hídricos inclui as normas que se referem ao seu domínio bem como condições e eventual cobrança pelo seu uso visando garantir níveis mínimos de qualidade e quantidade que sustentem o desenvolvimento econômico e humano presente e futuro O regime da água está subordinado aos seus fins a Política Nacional de Recursos Hídricos está subordinada aos objetivos prescritos no Art 2º da Lei Federal 943397 interpretados conforme o Art 3º da Constituição da República O caminho para estes objetivos deve ser desenhado democraticamente pois é fundamento da Política Nacional de Recursos Hídricos a gestão descentralizada contando com a participação do Poder Público dos usuários e das comunidades Art 1º VI da Lei Federal 943397 32 Domínio da água A natureza jurídica da água como um bem como coisa juridicamente qualificada tem sofrido grandes alterações ao longo do tempo Ordenamento e ciência jurídica são históricos eles se constroem a partir do contorno histórico e refletem as contradições valores interesses e cultura típicos deste contorno Citese como exemplo o direito romano com a sempre necessária observação de que naquele contexto a propriedade não deve ser interpretada sob as mesmas luzes da propriedade existente no campo e nas cidades da sociedade capitalista pois era diferente em significação em uso e em finalidade17 Primeiro a água foi considerada res nullius um bem sem titularidade apropriável por qualquer um A partir das Institutas entretanto ela passa a ser res communis já 16 GRAU E R A ordem econômica na Constituição de 1988 interpretação e crítica São Paulo Malheiros 2000 p 123 et seq 17 VéRAS NETO F q Direito romano clássico seus institutos jurídicos e seu legado In WOLKMER A C Org Fundamentos de história do direito Belo Horizonte Del Rey 2005 p 96 133 ARGUMENTUM Revista de Direito n 11 2010 UNIMAR Função social do uso de bens públicos que por direito natural as coisas a seguir pertencem a todos nomeadamente o ar a água corrente o mar e por esta razão o litoral marinho18 No Brasil contemporâneo a interpretação dos Arts 20 e 26 da Constituição da República deixa claro que a água é bem de domínio público o que o Art 1º I da Lei Federal 943397 reafirma O Art 99 do Código Civil estreita a qualificação inserindo a água dentre os bens de uso comum do povo em contraposição aos bens de uso especial e aos dominicais O Art 1º do Decreto 2464334 Código de águas estabelecia que as águas públicas podem ser de uso comum ou dominicais Há que se levar em consideração entretanto que os bens dominicais são alienáveis enquanto as águas segundo o Art 18 da Lei 943397 são inalienáveis Assim só há sentido no ordenamento se elas forem como o são bens públicos de uso comum do povo incluindose o dispositivo do antigo Decreto dentre os revogados pelo Art 57 da nova Lei As águas pluviais entretanto continuam regidas pelo Código de águas Art 102 e seguintes quanto a isto a Lei 943397 não modificou as sábias regras de 193419 A água é portanto bem público de uso comum Sua titularidade é matéria constitucional O Art 20 III e VIII da Constituição da República estabelece quais são as águas da União enquanto o Art 26 I estabelece as águas dos Estados quanto às águas superficiais cabe observar que é da titularidade da União apenas o potencial hidrelétrico dos corpos estaduais Não fosse suficientemente clara a Constituição a Lei Federal 998400 Art 7º 1º determina quando o potencial hidráulico de produção de energia elétrica localizarse em corpo de água de domínio dos Estados ou do Distrito Federal límpida a inferência de que o potencial é da União enquanto a água é do Estado ou do Distrito Federal quanto às águas subterrâneas pertencem aos Estados Disposição sobre assunto relacionado é o Código Florestal Lei Federal 477165 especificamente seu Art 2º Um dos critérios de definição de área de proteção permanente é a proximidade de corpos dágua cursos de rios ou redor de lagoas reservatórios e nascentes O dispositivo não altera a propriedade dos bens apenas atribui a eles um regime diferente Além disto de preservação permanente é a flora que se encontre enquadrada dentro das condições mencionadas na lei federal20 mesmo que a ratio da lei seja a preservação da vegetação que protege os cursos dágua21 No tocante à água entretanto não há apenas direitos de titularidade individual o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é difuso Art 225 da Constituição da República A água é essencial para este equilíbrio 18 Et quidem naturali jure communia sunt omnium haec aqua profluens et mare et per hoc litora maris Institutas Livro II TítuloI I 19 MACHADO P A L Direito ambiental brasileiro 10 ed São Paulo Malheiros 2002 p 415 20 ANTUNES P B Direito ambiental 6 ed Rio de Janeiro Lumen Júris 2002 p 48 21 IDEM p 49 ARGUMENTUM Revista de Direito n 11 2010 UNIMAR 134 Luiz Marcello de Almeida Pereira Alterações na qualidade da água nos cursos hídricos assim como em seu regime têm claros efeitos no equilíbrio ecológico daí o uso da água estar relacionado a este direito difuso 4 Uso dos recursos hídricos outorga e cobrança Outra indagação de fundamental importância para a atividade econômica é o regime do uso dos recursos hídricos ou seja sobre os requisitos que permitem este uso as condições em que se pode dar e as vedações ao seu exercício Este é o regime das outorgas de uso dos recursos hídricos Já que a propriedade dos recursos hídricos é pública sua utilização depende de ato jurídico regido por normas que determinam competência e formalizado de maneira previamente determinada Tratase de desdobramento do princípio da legalidade A outorga permite ao Estado controlar tanto a captação de água quanto a emissão de efluentes em seus corpos é portanto instrumento fundamental para a implementação de uma política nacional de gestão de recursos hídricos Em par com a discussão sobre a natureza jurídica da outorga bem como sobre as suas limitações e relações com os direitos dos administrados caminha a determinação de seu papel na implementação da Política e do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos Norma geral é que a água deve ter usos múltiplos ressalvadas as eventualidades em que se devem observar prioridades A Lei Federal 943397 diz textualmente que a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas Art 1º IV entretanto em situações de escassez o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação dos animais Art 1º III Este o fundamento para outro mandamento constante no mesmo texto o Art 15 V o qual permite a suspensão da outorga de uso pelo outorgante nos momentos de escassez Ato vinculado quanto às condições e também quanto a seu conteúdo Só pode haver a suspensão em caso de escassez para o uso humano e dessedentação animal 41 Outorga O termo outorga é utilizado tanto na Constituição da República quanto nos textos infraconstitucionais sobre recursos hídricos Sua natureza jurídica é de ato administrativo emanado portanto ao final de um procedimento administrativo Há que se aprofundar a discussão sobre sua categorização pelo critério da forma decreto resolução deliberação ou portaria e de conteúdo típico se de permissão autorização concessão ou licença dadas as diferenças entre os institutos e suas consequências jurídicas é assim que se poderá melhor 135 ARGUMENTUM Revista de Direito n 11 2010 UNIMAR Função social do uso de bens públicos definir o regime jurídico a ser obedecido pelos empreendimentos econômicos ou sociais que dependam da outorga Será útil antes de prosseguir ressaltar que alguns usos de recursos hídricos são independentes de outorga Em obediência ao princípio da legalidade todos os comportamentos privados sem restrição em lei são permitidos é a interpretação corrente do Art 5º II da Constituição da República Como o caput do Art 12 da Lei 943397 lista os casos em que a outorga é requerida a interpretação sistemática leva à conclusão de que todos os usos que não constem dos incisos do dispositivo são permitidos independem da outorga O administrado pode fazer tudo que a lei não proíba Entretanto o inciso V do Art 12 ora em foco é bastante aberto ao dizer que dependem de outorga outros usos que alterem o regime a quantidade ou a qualidade da água existente em um corpo de água A expressão é suficientemente vaga para abarcar quase qualquer comportamento privado de interação com qualquer corpo de água considerados os adjuntos adnominais e a amplitude do conceito de corpo de água Daí o sentido do 1º do artigo mencionado logo acima listando os casos cujo uso será independente de outorga A regulamentação da lei poderá esmiuçar os casos do Art 12 V porém nunca a ponto de alcançar os casos do 1º é direito de todos a desnecessidade de outorga para uso de pequenos núcleos populacionais rurais inciso I ou os que forem considerados insignificantes II e III pelo regulamento como se trata de direito a restrição excessiva será inválida Na definição de Maria Sylvia zanella di Pietro autorização é o ato unilateral administrativo e discricionário pelo qual a Administração consente a título precário que o particular se utilize bem público com exclusividade22 Pode ser gratuita ou onerosa e tem característica importantíssima para este estudo não é conferida com vistas à utilidade pública mas no interesse privado do utente23 Daí sua maior precariedade transitoriedade e conteúdo de faculdade não dever de utilização do bem pelo usuário Com relação à discricionariedade com ela concordam Hely Lopes Meireles e Celso Antonio Bandeira de Mello calando sobre a onerosidade ou o dever de uso2425 bem com sobre todo o restante Permissão de uso ainda nas palavras de Di Pietro é ato administrativo unilateral discricionário e precário gratuito ou oneroso pelo qual a Administração Pública faculta a utilização privativa de bem público para fins de interesse público26 A característica diferenciadora entre autorização e permissão é sua finalidade daí decorre que a segunda obriga o usuário a exercer o uso sob pena 22 DI PIETRO M S z Direito administrativo 16 ed São Paulo Atlas 2003 p 564 23 Id Ib 24 LOPES MEIRELLES H Direito administrativo brasileiro 21 ed São Paulo Malheiros 1996 p 171 25 BANDEIRA DE MELLO C A Curso de direito administrativo 9 ed São Paulo Malheiros 1997 p 273 26 Idem ibem p 565 ARGUMENTUM Revista de Direito n 11 2010 UNIMAR 136 Luiz Marcello de Almeida Pereira de caducidade do ato o que Hely Lopes Meirelles também afirma27 quanto ao prazo a permissão também pode ser qualificada gerando neste caso o direito subjetivo do permissionário até o termo préfixado para a utilização Celso Antônio Bandeira de Mello afirma a vinculação do ato mormente quando se trata se permissão de serviço28 Seguindo ainda a mesma Di Pietro A concessão de uso é contrato administrativo pelo qual a Administração Pública faculta ao particular a utilização privativa de bem público para que a exerça conforme sua destinação29 O caso de emprego de concessão é aquele em que a utilização do bem é mais onerosa para o usuário Daí a fixação de prazos mais longos e a consequente necessidade de licitação As concessões de uso podem ser de simples uso ou de exploração temporárias ou perpétuas remuneradas ou gratuitas de utilidade pública ou privada e autônoma ou acessória a concessão de serviço público Hely Lopes Meirelles chama a atenção para a possibilidade de concessão real de uso transferível a terceiros por atos intervivos ou por sucessão legítima ou testamentária30 e o classifica como contrato administrativo não ato negocial Licença é o ato que se relaciona ao exercício de uma atividade e que envolve direitos caracterizandose como ato vinculado31 Exatamente por envolver direitos é meramente declaratório enquanto a autorização por exemplo é ato constitutivo Em todas estas características há acordo entre Hely Lopes Meirelles32 e Celso Antônio Bandeira de Mello33 A outorga é ato administrativo e como tal está submetida ao princípio da legalidade A norma jurídica entendida como proposição deôntica de comportamento comporta três operadores proibir permitir ou obrigar A proibição de um comportamento equivale à obrigação de comportamentos diferentes dele nas mesmas situações A permissão expressa é definida por uma série de obrigações e proibições que expressamente a limitam mais aquelas advindas da interpretação do ordenamento enquanto a permissão tácita é limitada pelo ordenamento como um todo mormente os princípios constitucionais O inciso II do Art 5º da Constituição da República estabelece que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei Portanto apenas lei abaixo das Constituições pode inaugurar mandamentos 27 Idem Ibem p 172 28 Idem Ibidem 29 DI PIETRO M S z Direito administrativo 16 ed São Paulo Atlas 2003 p 567 30 LOPES MEIRELLES H Direito administrativo brasileiro 21 ed São Paulo Malheiros 1996 p 242 31 CRETELLA Júnior N RT 48618 In DI PIETRO M S z Direito administrativo São Paulo Atlas 2003 p 220 32 Idem ibem p 171 33 Idem Ibidem p 273 137 ARGUMENTUM Revista de Direito n 11 2010 UNIMAR Função social do uso de bens públicos Apenas a lei inaugura o ordenamento criando obrigações de ação ou abstenção ou seja apenas a lei cria proibições permissões expressas ou obrigações Do lado dos administrados o princípio estabelece os contornos jurídicos da liberdade é livre todo comportamento que a lei deixa de proibir A vontade privada se forma livremente e pode decidir tanto sobre realizar ou deixar de realizar determinados atos como também sobre o modo como levará a cabo seu intento No âmbito privado a liberdade direito se exerce a partir da vontade Do lado da administração o princípio estabelece os contornos jurídicos da competência ao agente público é estabelecido o poderdever de comportarse apenas da forma como a lei obrigar ou permitir expressamente A decisão política se forma nos lócus determinados pelo ordenamento obedecendo aos procedimentos previstos no ordenamento para se positivar em dispositivo normativo também tipificado no ordenamento No âmbito público a competência poder e dever se exerce apenas nos termos da legalidade é a este princípio da legalidade que a outorga se submete é o que manda a Constituição da República no caput do Art 37 A outorga é competência de alguém a qual só pode ser exercida nos termos estritos do procedimento e dos critérios legais Os critérios de competência são seis pessoal temporal territorial procedimental material e teleológica34 O quadro abaixo traz as informações essenciais discutidas a seguir Competência para concessão da outorga âmbito Federal Pessoal Diretoria Colegiada da ANA por Resolução Material águas de domínio da União Territorial Federação Temporal Indeterminada Procedimental Típico de autorização Teleológica Objetivos da Lei 943397 e do Plano de Bacia quanto à pessoa no nível federal a competência é da Diretoria Colegiada da Agência Nacional de águas ANA como determina o Art 12 V da Lei Federal 998400 quanto à matéria a Lei Federal 998400 em seu Art 4º IV dispõe que cabe à ANA outorgar o direito de uso de recursos hídricos em corpos de água de domínio da União Aos Estados cabe outorgar o direito de uso sobre recursos de seu próprio domínio Pode haver delegação pela União para outorga de recurso seu por Estado ou pelo Distrito Federal conforme o parágrafo único do Art 14 da Lei Federal 943397 34 SUNDFELD C A Fundamentos do direito público São Paulo Malheiros 1993 p 104 ARGUMENTUM Revista de Direito n 11 2010 UNIMAR 138 Luiz Marcello de Almeida Pereira A Lei 943397 estabelece que a outorga seja um dos instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos Art 5º III Ora a natureza de instrumento é de existência submetida a finalidades alheias instrumento é meio para se alcançarem fins que não escolhe Assim é inescapável que as finalidades da outorga são as finalidades da Política estabelecidas no seu Art 2º o qual se reproduz abaixo pela importância de seus termos exatos Art 2º São objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos I assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos II a utilização racional e integrada dos recursos hídricos incluindo o transporte aquaviário com vistas ao desenvolvimento sustentável III a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais quanto ao procedimento serão necessárias maiores delongas já que aqui se encontra o perfil jurídico do instituto e portanto os limites de sua dinâmica Será útil analisar o conteúdo da decisão que realiza a outorga seu prazo sua forma e sua natureza jurídica No nível federal a lei que criou a ANA estabelece que o ato é autorização Art 4º IV A Lei 943397 em seu Art 16 estabelece que toda outorga de uso de água tem prazo sempre inferior a trinta e cinco anos porém renovável Portanto tratase de autorização qualificada O prazo pode ser distinto nos casos em que a outorgada é concessionária ou autorizada de serviço público ou de energia elétrica Art 5º 4º da Lei 998400 Ainda pode haver alterações durante a outorga ou eventualmente ocasionando sua suspensão em decorrência da perda da navegabilidade do corpo Art 13 da Lei 943397 ou eventos naturais como inundações ou secas Art 4º X da Lei 998400 O Art 5º 3º da Lei 998400 permite a prorrogação sempre respeitandose as prioridades estabelecidas nos Planos de Recursos Hídricos O ato da outorga usualmente estabelece o prazo Resta saber se a existência dos prazos acima implica ou não em indenização no caso de retirada extemporânea Ora a outorga é de direito de uso como a legislação repete consistentemente Lei 943397 Art 12 e Lei 998400 Art 5º e particularmente o 1º do Art 6º O outorgado tem direito ao uso do recurso hídrico nas condições estabelecidas no ato da outorga Entretanto se coloca uma questão se as restrições posteriores a suspensão ou a retirada da outorga seriam indenizáveis Parece certo que o ponto fulcral para sua a resposta está na motivação do ato administrativo que altera suspende ou retira a outorga Se houver desobediência aos requisitos constitucionais ou legais no ato de autorização ou 139 ARGUMENTUM Revista de Direito n 11 2010 UNIMAR Função social do uso de bens públicos concessão inclusive descompasso com o Plano de Bacia haveria anulação ou invalidação do ato Com efeitos ex tunc a invalidação não é indenizável Se porventura estiver presente mera irregularidade então será imperativa a convalidação do ato em face da função social do uso dos recursos hídricos Se o uso está de acordo com o Plano de Bacia então o outorgante está dando função socialmente relevante ao bem público A Lei 943397 ordena como já se disse que a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas Art 1º IV A Lei não estabelece faculdade mas dever não permite porém obriga o órgão gestor a proporcionar uso múltiplo Por estes motivos é que se afirma que o ato de convalidação é vinculado para obedecer à função social da propriedade pública para dar a ela o uso maior e mais relevante possível Pode ocorrer de o outorgado descumprir alguma das condições da outorga como captação ou emissão superiores às autorizadas ou concedidas ausência do uso por três anos consecutivos emissão com qualidade ou regime de captação distintos do estabelecido Nestes casos darseá a sanção prescrita no ato da outorga podendo chegar à sua cassação Lei 943397 Art 15 I e II No nível estadual O Decreto 4125896 estabelece a revogação em caso de descumprimento de qualquer norma legal ou regulamentar atinente à espécie Art 11 do Anexo ao decreto citado Sempre mesmo nestes casos devem ser levados em consideração os argumentos acima expostos motivadores da manutenção da outorga Entretanto se evento posterior independente das vontades das partes impedir a continuidade do uso poderá haver sua suspensão caducidade ou mesmo a revogação sem indenização ao outorgado O evento pode ser caso fortuito ou força maior que por si só impossibilite a continuidade da outorga ou que leve à alteração no Plano de Bacia e este à impossibilidade A caducidade se dá porque sobreveio norma jurídica que tornou inadmissível a situação antes permitida pelo direito e outorgada pelo ato precedente35 caso em que a alteração no Plano leva à retirada A alteração da quantidade da qualidade ou do regime da água captada são mais precisamente os fatos impeditivos Nestes casos a autoridade deve sempre dar prioridade aos usos mais socialmente relevantes por força da Constituição da República da legislação e do Plano de Bacia Alguns destes usos são os consumos humanos e a dessedentação animal Lei 943397 Art 1º III a prevenção de grave degradação ambiental Art 15 IV ou a manutenção da navegabilidade Art 15 VI Notese que em qualquer destes casos não haverá indenização até porque se impõe a decisão de salvaguardar o benefício mais geral em detrimento do mais particular e a vida supremamente De maneira sucinta a suspensão ou retirada da outorga nunca geram indenização salvo se ilegais entretanto é imperativo que estas sejam as últimas 35 BANDEIRA DE MELLO C A Curso de direito administrativo São Paulo Malheiros 1997 p 280 ARGUMENTUM Revista de Direito n 11 2010 UNIMAR 140 Luiz Marcello de Almeida Pereira alternativas das quais lançará mão a outorgante optando sempre que possível pela manutenção do uso Uma última questão ainda é nebulosa sobre a necessidade de prévia licitação A Lei 866693 em seu Art 2º prevê a licitação como procedimento prévio à concessão desde que esta gere contrato ou seja desde que haja acordo de vontades entre Administração e usuário do bem Portanto não se cogita da necessidade de licitação já que o conteúdo jurídico da outorga é autorização ato e não contrato administrativo Há entretanto um problema se o uso decorrer de contrato administrativo O caso típico é o abastecimento e saneamento urbanos A Lei 1144507 estabelece no parágrafo único do seu Art 4º que para a prestação de serviços públicos de saneamento básico a utilização de recursos hídricos é sujeita a outorga de direito de uso nos termos da Lei no 9433 de 8 de janeiro de 1997 de seus regulamentos e das legislações estaduais Portanto esta outorga quanto aos critérios e procedimentos legais obedece à legislação geral sobre água não se constituindo caso especial Aí haverá licitação todavia notese que a concessão do serviço não é de titularidade do outorgante do direito de uso da água No caso específico do abastecimento e saneamento urbanos inclusive a competência é comum Art 23 IX da Constituição da República Cabe ao Município a prestação do serviço por interpretação do Art 30 V também da Constituição da República além da opção pelo ente mais próximo ter como objetivos e motivação a melhoria da qualidade dos serviços e uma melhor articulação do setor com a política municipal de desenvolvimento urbano36 Deve haver licitação mas apenas para a prestação do serviço Para a outorga ela é inexigível por aplicação do Art 25 da Lei 866693 vez que há inviabilidade de competição O fato é que o serviço público é principal em relação ao uso do recurso hídrico A administração municipal decidirá os critérios para eventual licitação do serviço público usualmente menor tarifa e melhor técnica sanitária Vencida esta licitação a da outorga ficaria sem competidores porventura se pudesse nela pensar 42 Cobrança gera internalização de externalidades negativas A água é essencial à vida antes mesmo de ser essencial à vida econômica mas a vida social faz parte da condição humana o que faz incontornável a economia 36 VARGAS M C Desafios da transição para o mercado regulado no setor de saneamento In Anuário GEDIM 2002 cidade serviços e cidadania Rio de Janeiro Lumem Júris 2002 p 131 141 ARGUMENTUM Revista de Direito n 11 2010 UNIMAR Função social do uso de bens públicos A atividade econômica produz externalidades isto é efeitos secundários aos objetivos propriamente produtivos Essas externalidades são positivas se trazem ganhos à sociedade ou a pessoas ou negativas se trazem danos a bens sociais ou individuais Ora o meio ambiente é bem social seu equilíbrio é direito difuso A água é parte deste equilíbrio portanto os malefícios que a atividade econômica produz são externalidades negativas há um tipo de depreciação não considerado nos agregados econômicos convencionais o decorrente da degradação ambiental O quanto determinados fluxos de produção afetam as condições ambientais a médio e a longo prazo Este tipo de depreciação supostamente é de muito maior importância do que o dos recursos de capital que se desgastam Até porque o capital é também ele reservas naturais transformadas37 Um dos mecanismos de regulação deste fenômeno para realizar o desenvolvimento sustentável é a incorporação ou internalização das externalidades ambientais negativas Tratase de abordagem de fundamentação econômica via emprego de instrumentos tributários Baseiase no princípio do pagamento pelo poluidor PPP Os custos em que a sociedade como um todo incorre para controlar ou remover externalidades negativas geradas por empresas poluidoras são no caso ressarcidos por tributos pagos por essas empresas A eficácia desta categoria de controle é função direta dos danos que a internalização dos custos da degradação ambiental causam à capacidade de competição das empresas tribu tadas O objetivo principal é estimular tecnologias de produção que reduzam a zero as externalidades negativas desonerando assim as empresas desse custo adicional38 Duas observações se fazem necessárias Primeira que a cobrança pelo uso da água não é propriamente tributária se bem que nos termos em que o raciocínio econômico se coloca pode ter função similar ao onerar a produção A natureza jurídica da cobrança é a remuneração da outorga onerosa O Art 20 da Lei Federal 943397 diz textualmente que serão cobrados os usos de recursos hídricos sujeitos a outorga Não se trata de tributo indenização ou sanção administrativa O Conselho Nacional de Recursos Hídricos na Moção 262004 refere que os recursos auferidos com a cobrança pelo uso 37 ROSSETTI J P Introdução à economia São Paulo Atlas 2002 p 588 38 Idem p 383 ARGUMENTUM Revista de Direito n 11 2010 UNIMAR 142 Luiz Marcello de Almeida Pereira da água por não terem a natureza jurídica de imposto contribuição social e de intervenção no domínio econômico não podem ser contingenciados A natureza jurídica da cobrança é a de preço público remuneração pelo uso de bem público Com a ressalva sobre a natureza jurídica da cobrança um de seus efeitos é realmente a busca pela empresa por desonerarse deste custo Com efeito o uso da água será mais oneroso quanto mais danoso for para o meio ambiente A devolução de água limpa ao meio ambiente gera cobrança menor que a devolução de água poluída Assim a cobrança funciona como forma de internalização desta externalidade sendo irrelevante o fato de não ter natureza de tributo Segunda observação é que a cobrança não apenas onera o produtor servindo como estímulo a que use a água de maneira mais responsável Os recursos advindos da cobrança têm como destino o fundo que financia obras e programas que recuperaram o meio ambiente O efeito benéfico da cobrança desta forma é potencializado Os órgãos competentes para a cobrança no nível federal são a ANA Lei 998400 Art 4º IX e as Agências de águas por delegação da outorgante Lei 943397 Art 44 III é que a Agência de águas só pode ser criada se tiver sua viabilidade financeira garantida pela cobrança Lei 943397 Art 43 II então no período entre a instituição da cobrança e a criação da Agência a ANA realiza a cobrança e o repasse ao Comitê para a aplicação dos recursos Após a criação da Agência é que se dá a delegação Resta terceira possibilidade que é o contrato de gestão a partir do qual se dá a delegação da competência da ANA a entidades sem fins lucrativos que tenham recebido do Conselho Nacional de Recursos Hídricos a delegação das funções de Agências de água Lei 1088104 cc Lei 943397 Art 47 Notese que esta delegação é sempre determinada pela criação da Agência de águas por solicitação do Comitê de Bacia ou da delegação também solicitada pelo Comitê é ele o órgão competente para a iniciativa Lei 943397 Art 43 Os recursos financeiros arrecadados serão prioritariamente aplicados no financiamento de estudos programas projetos e obras incluídos nos Planos de Recursos Hídricos sendo no máximo 75 do total aplicados no pagamento de despesas de implantação e custeio administrativo dos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos Lei 943397 Art 22 A Agência de Bacia e a Agência de águas são órgãos correspondentes sempre funcionando como secretaria executiva do respectivo ou respectivos Comitês Lei 943397 Art 41 é que pode haver uma única Agência para mais de um Comitê 143 ARGUMENTUM Revista de Direito n 11 2010 UNIMAR Função social do uso de bens públicos 5 Considerações finais A água é bem público de uso comum do povo sendo de domínio da União apenas os corpos superficiais que banhem mais de um Estado ou País e o restante de domínio dos Estados e do Distrito Federal O direito ao uso dos recursos hídricos é adquirido por pessoas físicas ou por outras pessoas jurídicas de direto público ou privado por outorga dos entes federais ou estaduais competentes sempre segundo critérios legais e derivados do Plano de Bacia A outorga federal tem conteúdo de autorização e forma de Resolução emanada pela Diretoria Colegiada da ANA A cobrança por este uso tem natureza de tarifa e é de competência da outorgante ou do órgão executivo do Comitê de Bacia revertendo os fundos angariados para aplicação decidida por ele e pelo Conselho respectivo As normas que incidem sobre o ato de outorga são a Constituição da República a Lei 943397 o ato que der a competência à autoridade outorgante e os planos de recursos hídricos sendo mais específico e importante para a decisão da outorga o Plano de Bacia Hidrográfica Tanto o Plano quanto a outorga devem permitir usos socialmente interessantes para a água sendo fundamental que ela assim seja empregada nos seus múltiplos usos O critério da função social deve ser satisfeito na elaboração dos planos e na outorga questão prática da maior importância é a definição caso a caso da função social dos corpos dágua Os usos de cada corpo são definidos a partir dos planos de recursos hídricos o que significa que eles devem a obedecer aos critérios de função social dos recursos hídricos e dos seus usos presentes no ordenamento superior b regulamentar estes critérios esmiuçando quantitativa e qualita tivamente os usos lícitos Os critérios até o momento apresentados para a definição da função social estão no Art 3º da Constituição da República mormente o inciso I que se refere ao objetivo de se construir sociedade livre justa e solidária e o inciso II que impõe a garantia ao desenvolvimento nacional Referências ANTUNES P B Direito ambiental 6 Ed Rio de Janeiro Lumen Júris 2002 BANDEIRA DE MELLO C A Curso de direito administrativo São Paulo Malheiros 1997 CRETELLA JúNIOR N RT 48618 In DI PIETRO M S z Direito administrativo São Paulo Atlas 2003 ARGUMENTUM Revista de Direito n 11 2010 UNIMAR 144 Luiz Marcello de Almeida Pereira DI PIETRO M S z Direito administrativo 16 edSão Paulo Atlas 2003 Função social da propriedade pública Revista Eletrônica de Direito do Estado Salvador Instituto de Direito Público da Bahia nº 6 abrilmaiojunho 2006 Disponível em httpdi reitodoestadocombr Acesso em 24 de junho de 2006 FERRAz JúNIOR T S Introdução ao estudo do direito técnica decisão dominação 3 ed São Paulo Atlas 2001 FIORILLOC A P Princípios do processo ambientalSão Paulo Saraiva 2004 FREITAS V P Águas aspectos jurídicos e ambientais Curitiba Juruá 2000 GRAU E R A ordem econômica na Constituição de 1988 interpretação e crítica São Paulo Malheiros 2000 LOPES MEIRELLES H Direito administrativo brasileiro 21 ed São Paulo Malheiros 1996 MACHADO P A L Direito ambiental brasileiro 10 ed São Paulo Malheiros 2002 Direito ambiental brasileiro São Paulo Malheiros 2009 PERELMAN C Lógica jurídica nova retórica São Paulo Martins Fontes 1998 ROSSETTI J P Introdução à economia São Paulo Atlas 2002 SILVA J A Curso de direito constitucional positivo São Paulo Malheiros 2002 SILVEIRA D S D A propriedade agrária e suas funções sociais In SILVEIRA D S D XA VIER F SA Orgs O direito agrário em debate Porto Alegre Livraria do Advogado Editora 1988 SOUzA L C Águas e sua proteção Curitiba Juruá 2004 SOUzA L C Poluição das águas doces responsabilidade constitucional ambiental In FIGUEIRE DO G J P Coord Direito ambiental em debate Rio de Janeiro Esplanada v1 p 177188 2004 SUNDFELD C A Fundamentos do direito público São Paulo Malheiros 1993 VARGAS M C Desafios da transição para o mercado regulado no setor de saneamento In Anuário GEDIM 2002 cidade serviços e cidadania Rio de Janeiro Lumem Júris 2002 VéRAS NETO F q Direito romano clássico seus institutos jurídicos e seu legado In WOLKMER A C org Fundamentos de história do direito Belo Horizonte Del Rey 2005 Recebido em 08102009 Aceito para publicação em 23022010
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DIREITO CIVIL VI COISAS E PROPRIEDADE INTELECTUAL Prof Leonardo Peteno Magnusson POSSE Ponto de partida os direitos reais são vínculos entre sujeitos e bens que emergem em nível jurídico Nada obstante há além da propriedade outro vínculos que apesar de não formais assumem relações entre sujeito e coisa no plano fático No caso na posse temos 1 Poder físico sobre a coisa 2 Necessidade do homem de se apropriar de bens IDEIAS INICIAIS POSSE Teoria subjetiva Savigny Corpus apreensão da coisa e disponibilidade física animus intenção como se proprietário fosse Teoria objetiva Ihering A posse seria o poder de fato e a propriedade o poder de direito sobre a coisa Vem a ser a posse o exercício de um poder sobre a coisa correspondente ao direito de propriedade ou de outro direito real Efeito posse simultânea TEORIAS E DEFINIÇÃO POSSE O possuidor no regime brasileiro art 1196 CC é quem em seu próprio nome exterioriza alguma das faculdades da propriedade usar gozar dispor e reivindicar seja ele proprietário ou não Dentro dessas características a posse acaba por ser considerada um caminho para a propriedade Bevilaqua decorrente da afiliação à teoria objetiva O possuidor se comporta como proprietário exercendo poderes sobre uma coisa e poderes ostensivos conservandoa e defendendoa TEORIAS E DEFINIÇÃO POSSE Sendo ou não a posse um direito inferido da propriedade teorias em verdade constitui um direito subjetivo dotado de estrutura peculiar e própria Posse fato Possuir direito subjetivo Posse é direito real ou obrigacional 1 A posse não está elencada no artigo 1225 do CC 2 Não há previsão de registro da posse no Ofício Imobiliário Lei n 601573 3 o legislador dispensou a participação dos cônjuges nas ações possessórias art 73 2º CPC 4 vedação à reintegração de posse contra terceiro que ignorava origem ilícita art 1247 CC NATUREZA DA POSSE POSSE Mas também não seria somente obrigacional Propõese que a posse poderia assumir três naturezas 1 Quando o proprietário é o possuidor de seu bem a posse é vista como um direito real já que o direito de possuir é um dos atributos do domínio que significa basicamente o senhorio sobre uma coisa 2 Pode também a posse ser vista como relação jurídica obrigacional quando emanada de um contrato por exemplo de locação ou promessa de compra e venda O fato jurídico que lhe atribui a posse é a relação jurídica obrigacional 3 Há ainda uma terceira possibilidade que não está atrelado ao direito de propriedade ou relação jurídica obrigacional que é quando a posse emana exclusivamente de uma situação jurídica fática e existencial como apossamento e ocupação NATUREZA DA POSSE POSSE Doutrina e jurisprudência dominante podem ser objeto da posse apenas as coisas corpóreas aquelas que podem ser visualizadas e tocadas Coisas que tenham materialidade e sejam suscetíveis de valor econômico com exteriorização de um poder fático Ex contrato de locação não possui posse o direito obrigacional ou direito real consequente à contratação mas sim a coisa Discussão Rui Barbosa e a possibilidade de expandir os interditos possessórios para reintegrar ou manutenir servidor públicos em seus cargos OBJETO DA POSSE POSSE Doutrina e jurisprudência dominante podem ser objeto da posse apenas as coisas corpóreas aquelas que podem ser visualizadas e tocadas Coisas que tenham materialidade e sejam suscetíveis de valor econômico com exteriorização de um poder fático Ex contrato de locação não possui posse o direito obrigacional ou direito real consequente à contratação mas sim a coisa Discussão Rui Barbosa e a possibilidade de expandir os interditos possessórios para reintegrar ou manutenir servidor públicos em seus cargos Discussão 2 Coisas corpóreas incorpóreas e a Súmula 193STJ OBJETO DA POSSE OBRIGADO DIREITO CIVIL VI COISAS E PROPRIEDADE INTELECTUAL Prof Leonardo Peteno Magnusson PROPRIEDADE Primeiras ideias sobre propriedade poder atribuído ao titular excludente da participação das demais pessoas e cujos únicos limites seriam aqueles impostos pela própria lei Com efeito a propriedade é um direito complexo que se instrumentaliza pelo domínio Este como substância econômica da propriedade possibilita ao seu titular o exercício de um feixe de atributos consubstanciado nas faculdades de USAR GOZAR DISPOR E REINVIDICAR a coisa que lhe serve art 1228 CC Portanto PROPRIEDADE DOMÍNIO PROPRIEDADE E DOMÍNIO PROPRIEDADE PROPRIEDADE DOMÍNIO A propriedade é um direito subjetivo concernente à relação jurídica complexa que se forma entre aquele que detém a titularidade formal do bem e a coletividade de pessoas inclusive Estado Essa relação jurídica que tem como sujeito a coletividade possui como objeto uma ampla abstenção que consiste na necessidade de os não proprietários respeitarem o exercício da situação de ingerência econômica do titular sobre a coisa PROPRIEDADE E DOMÍNIO PROPRIEDADE A propriedade é um direito subjetivo concernente à relação jurídica complexa que se forma entre aquele que detém a titularidade formal do bem e a coletividade de pessoas inclusive Estado Essa relação jurídica que tem como sujeito a coletividade possui como objeto uma ampla abstenção que consiste na necessidade de os não proprietários respeitarem o exercício da situação de ingerência econômica do titular sobre a coisa PROPRIEDADE E DOMÍNIO PROPRIEDADE Com isso a propriedade não é o retrato material do imóvel com suas características físicas mas a feição econômica e jurídica que a representa formalmente dotando a propriedade de uma situação ativa que lhe permita o trânsito jurídico de titularidade e a proteção plena do aparato jurisdicional Disso avanço para a compreensão da propriedade como uma relação jurídica complexa formada entre o titular do bem e a coletividade de pessoas PROPRIEDADE E DOMÍNIO PROPRIEDADE Se a propriedade é observada pela lógica da relação jurídica a ela inerente a seu turno o domínio repousa na situação material de submissão direta e imediata da coisa ao poder do seu titular mediante o senhorio pelo exercício das faculdades de uso gozo e disposição Nesse ponto quanto à natureza de seu conteúdo temse que o domínio é um direito real que se exerce através da posse O proprietário exercita ingerência sobre coisas domínio e pede a colaboração de pessoas propriedade Disso se verifica a ideia de propriedade plena quando se tem todos os poderes do domínio em uma só pessoa PROPRIEDADE E DOMÍNIO PROPRIEDADE Destarte a propriedade consiste na titularidade do bem já o domínio se refere ao conteúdo interno da propriedade sendo que um existe em decorrência do outro Por conseguinte é possível compreender o domínio como a relação material de submissão direta e imediata da coisa ao poder de seu titular através do exercício das faculdade de uso gozo e disposição PROPRIEDADE E DOMÍNIO PROPRIEDADE Simplificando a ideia de propriedade para o próximos fins propriedade como sendo um conjunto de direitos sobre um recurso que o dono está livre para exercer e cujo exercício é protegido contra a interferência por outro agentes O artigo 1228 traz consigo um conjunto de faculdades que são as inerentes ao domínio As faculdades não são direitos autônomos mas poderes ínsitos à situação de proprietário As faculdades do domínio eventualmente podem ser destacadas pelo seu titular implicando na formação de direitos reais sobre coisa alheia ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE Todavia mesmo quando há o destaque de uma das faculdade do domínio o direito de propriedade se mantém exclusivo O que se tem é o domínio unificado coincide com a propriedade plena o domínio fracionado resulta na propriedade limitada ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE USAR É a faculdade do proprietário de servirse da coisa de acordo com a sua destinação econômica O uso será direto ou indireto conforme o proprietário conceda utilização pessoal do bem ou em prol de terceiro ou deixeo em poder de alguém eu esteja sob sua ordens servidor da posse Mesmo o uso sem utilização atual caracteriza essa faculdade dominial Ex casa na praia que está sempre ao seu alcance ALERTA O uso não é mais uma faculdade do proprietário mas um dever já que a falta de exercício tem efeitos jurídicos O problema do acesso aos bens ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE GOZAR A faculdade de fruir consiste na exploração econômica da coisa mediante a extração de frutos e produtos que ultrapassem a percepção dos simples frutos naturais Distinção entre frutos naturais faculdade de usar industriais e civis ambos são faculdade de gozar É importante a distinção entre frutos e produtos que reside na renovação constante dos frutos à medida que são retirados Em contrapartida os produtos vãose exaurindo quando extraídos da natureza sem possibilidade de renovação ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE GOZAR Conforme art 1232 o proprietário faz jus tantos aos frutos como aos produtos Inseridos estes na categoria dos bens acessórios aplicase o famoso brocardo o acessório segue a sorte do principal art 92 CC Também decorre do jus fruendi direito de fruir o direito às pertenças De acordo com o art 93 do CC não constituem parte integrante da coisa mas se destinam de modo duradouro ao uso serviço ou aformoseamento de outro bem benfeitoria Ou seja as pertenças guardam sua autonomia ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE GOZAR Ou seja nas pertenças as pertenças não se ligam a coisa principal prevalecendo o princípio da não aderência Ex os tratores de uma fazenda são intencionalmente empregados na exploração econômica do imóvel e a ele subordinados no sentido econômico jurídico O que se tem é que não aderem à coisa sendo possível a sua retirada pelo possuidor quando derrotado em ação petitória ou possessória ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE DISPOR Entendese como dispor a faculdade que tem o proprietário de alterar a própria substância da coisa É a escolha da destinação a ser dada ao bem a mais ampla forma de concessão de finalidade econômica ao objeto do direito real A disposição pode ser material ou jurídica Enquanto no exercício dos poderes de usar e fruir o proprietário não se priva da substância da coisa pois aquelas faculdade podem ser destacadas em favor de terceiros sem que seja atingida a condição jurídica do proprietário ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE DISPOR A disposição material da coisa é percebida por atos como a destruição material do bem ou o seu abandono Em ambos os casos o proprietário pratica atos físicos que importam em perda da propriedade art 1275 inc III e IV CC Obs Bens consumíveis disposição material e fruição coisa possíveis confusões e proibição a qualquer norma limitativa ao gozo ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE DISPOR A outro turno a disposição jurídica pode ser total ou parcial Total quando o proprietário praticar ato de alienação importando em mutação subjetiva do direito real a alienação será onerosa venda ou gratuita doação Nos dois casos o adquirente sucederá o alienante em todas as faculdades do domínio ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE DISPOR Já a parcial é percebida no instante em que são instituídos ônus reais sobre o bem O proprietário dispõe parcialmente da coisa quando institui um gravame sobre ela tal com o usufruto ou hipoteca Nas duas situações o proprietário manterá a titularidade apesar da convivência com um direito real sobre coisa alheia como o do credor hipotecário ou um usufrutuário que recebe temporariamente certas faculdades do domínio Isso também ocorre quando é gravado por cláusula de inalienabilidade art 1911 CC ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE REIVINDICAR Compreendido como elemento externo ou jurídico da propriedade representa a pretensão do titular do direito subjetivo de excluir terceiros de indevida ingerência sobre a coisa permitindo que a o proprietário mantenha a sua dominação sobre o bem realizando verdadeiramente atuação socioeconômica sobre a coisa Portanto enquanto usar gozar e dispor se relacionam com o exercício do senhorio pelo dono sobre a coisa a pretensão reivindicatória se qualifica como uma tutela do próprio direito subjetivo ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE REIVINDICAR Se a tutela é no campo do direito subjetivo a ação reivindicatória é de natureza obrigacional e não real Ou seja a pretensão reivindicatória e uma obrigação de fazer por parte do réu consistente na atividade de devolução do bem pretensão obrigacional sendo que a causa de pedir é a violação do dever genérico de abstenção donde surge o direito de sequela A propriedade é estruturada ao redor da norma moral da inviolabilidade sendo a faculdade de reivindicar um instrumento de defesa que fortalece a norma da inviolabilidade tanto em termos de efetividade objetiva quanto coerção subjetiva ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE REIVINDICAR Sendo a via de exercício da faculdade de reivindicar a ação reivindicatória para que se obtenha êxito na demanda para a doutrina clássica é suficiente demonstrar o direito subjetivo da titularidade da propriedade sem qualquer discussão fática sobre a qualidade da posse de terceiro Para o que se tem atual sobre a legitimação passiva para a ação reivindicatória a noção ampla de posse injusta a que alude o art 1228 CC não corresponde ao conceito restrito de posse injusto do art 1200 CC Em verdade é aquela desamparada que causa jurídica eficiente ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE A ação reivindicatória é o meio legal para o proprietário reaver a coisa de quem a possua injustamente sem direito obrigacional ou real A posse injusta da coisa que autoriza a ação reivindicatória não se confunde com a qualificação da posse constante do art 1200 do Código Civil Na ação reivindicatória a injustiça da posse significa posse exercida sem direito real sobre a coisa ou sem causa obrigacional que a autorize Irrelevante para fins de reivindicatória o exercício da posse sem violência clandestinidade ou precariedade bem como não afasta seu acolhimento eventual boafé do possuidor IV Dispositivo Recurso desprovido TJSP Apelação Cível 10081188920208260278 Relator a Enéas Costa Garcia Órgão Julgador 1ª Câmara de Direito Privado Foro de Itaquaquecetuba 2ª Vara Cível Data do Julgamento 24022025 Data de Registro 24022025 ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE OBRIGADO DIREITO CIVIL VI COISAS E PROPRIEDADE INTELECTUAL Prof Leonardo Peteno Magnusson ADVOGADO PROFESSOR JUIZ LEIGO PRESIDENTE DA COMISSÃO DA ADVOCACIA INICIANTE QUEM SOU EU DOUTORANDO em Função Social do Direito Constitucional FADISP MESTRE em Direito Processual e Cidadania UNIPAR BACHAREL em Direito UNIPAR FORMAÇÃO ACADÊMICA ATUAÇÃO PROFISSIONAL APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA Direito privado Apropriação de coisas Circulação de coisas Bens corpóreos e incorpóreos Direito fundamental Restrições de direitos Função social CONTEXTUALIZAÇÃO DA DISCIPLINA APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA Domínio científico Capacidade analítica Compreensão técnicojurídica Concreção prática Desenvolvimento de raciocínio jurídico Aprofundamento de conceitos Capacidade de interpretação de paradigmas Pensamento jurídico interdisciplinar e crítico OBJETIVOS E HABILIDADES APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA Introdução aos direitos reais Posse Propriedade Direito de vizinhança Condomínio Direitos reais sobre coisa alheia CONTEÚDO PROGRAMÁTICO APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA Aulas expositivas Literatura dogmática e doutrinária Conciliação de exposição teórica e prática Proposição práticas e jurisprudenciais Participação ativa dos alunos Diálogo e interação nas discussões Atividades individuais e coletivas assíncronas Estudos textuais dirigidos METODOLOGIA PROPOSTA Trabalho 2 Prático 20 pontos O propósito é estimular o aluno a aplicar os conceitos estudados à realidade jurídica fortalecendo sua habilidade interpretativa e sua aptidão para resolver problemas jurídicos APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA TRABALHOS ACADÊMICOS Trabalho 1 Teórico 20 pontos O objetivo será desenvolver a capacidade argumentativa e crítica do aluno diante dos conceitos fundamentais da disciplina Ambos os trabalhos deverão ser digitados e redigidos de forma discursiva sendo avaliados com base nos seguintes critérios Adequação ao tema proposto 05 Rigor técnico científico 05 Clareza coerência e coesão argumentativa 05 Correção e formalidade acadêmica 05 Questões discursivas Serão compostas por cenários práticos nos quais o aluno deverá interpretar situações jurídicas e aplicar os conceitos estudados para fundamentar sua resposta Questões objetivas testes de múltipla escolha O objetivo será análise de conceitos fundamentais do direito civil abrangendo definições classificações e princípios pertinentes à disciplina Os critérios de avaliação das questões discursivas considerarão Capacidade de identificação e compreensão do problema peso 10 Fundamentação jurídica adequada peso 10 Coerência na argumentação e estrutura da resposta peso 10 APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA PROVAS BIMESTRAIS APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA ROSENVALD Nelson FARIAS Cristiano Chaves de Curso de direito civil reais v5 TARTUCE Flávio Direito civil direito das coisas v 4 RIZZARDO Arnaldo Direito das cosias PENTEADO Luciano de Camargo Direito das coisas MONTEIRO Washington de Barros MALUF Carlos Alberto Dabus Curso de direito civil direito das coisas v 3 GOMES Orlando Direitos reais PEREIRA Caio Mário da Silva Instituições de direito civil direitos reais v IV BIBLIOGRAFIA BÁSICA APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA PENTEADO Luciano de Camargo Direito das coisas Proview RT WALD Arnold IGLECIAS Patrícia Direito das coisas Proview RT ARAÚJO Fabio Caldas de O terceiro de boafé proteção na aquisição de bens móveis e imóveis Proview RT NERY Rosa Maria de Andrade NERY JUNIOR Nelson Instituições de direito civil direitos patrimoniais reais e registrários v 3 Proview RT FIUZA César Curso de direito civil Pearson NANNI Giovanni Ettore Comentário ao Código Civil direito privado contemporâneo Proview RT MELLO Cleyson de Moraes Direito de laje Pearson MELLO Cleyson de Moraes Direito civil direito das coisas Pearson BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA DISPONÍVEL BIBLIOTECAS APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA REVISTA DE DIREITO PRIVADO REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO CIVIL REVISTA SCIENTIA IURIS REVISTA DIREITO GV REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAIS GERAIS REVISTA DE DIREITO CIVIL CONTEMPORÂNEO PERIÓDICOS APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO SISTEMA DE REGISTRO ELETRÔNICO DE IMÓVEIS SITES ENTIDADES INTERAGINDO COM A DISCIPLINA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE CONSTITUCIONAL ADMINISTRATIVO INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL PARA REFORMA AGRÁRIA LEI 86291993 ARTIGO 185 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA COGNOSCIBILIDADE DA AÇÃO PRECEDENTES FIRMADOS EM SEDE DE CONTROLE DIFUSO CUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE PRODUTIVA COMO REQUISITO SIMULTÂNEO PARA A SUA INEXPROPRIABILIDADE PLURISSIGNIFICAÇÃO DO TEXTO CONSTITUCIONAL QUE AUTORIZA A OPÇÃO DO LEGISLADOR PELA EXIGÊNCIA DA FUNCIONALIZAÇÃO SOCIAL CONSTITUCIONALIDADE DA NORMA AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE 1 O anterior exame de constitucionalidade da norma inscrita no art 6º da Lei 86291993 em sede de controle difuso não obsta sua apreciação em ação direta 2 Os arts 6º e 9º da Lei 862993 mostramse constitucionalmente válidos porquanto o art 185 da Constituição da República exige para a aplicação da cláusula de insucetibilidade de desapropriação para fins de reforma agrária a função social e o caráter produtivo da propriedade como requisitos simultâneos 3 O parágrafo único do art 185 da Constituição da República ao definir que a lei fixará normas para o cumprimento da função social alberga cláusula semanticamente plural e portanto compatível com a manifestação concretizadora do legislador no sentido de conjugar funcionalização social e propriedade produtiva 4 Ação direta julgada improcedente ADI 3865 Relatora EDSON FACHIN Tribunal Pleno julgado em 04092023 PROCESSO ELETRÔNICO DJesn DIVULG 13092023 PUBLIC 14092023 INTERAGINDO COM A DISCIPLINA RECURSO ESPECIAL CIVIL AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DIREITO DE VIZINHANÇA DIREITO À PASSAGEM FORÇADA FUNDAMENTO PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE SOCIAL PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIOECONÔMICA DA PROPRIEDADE E DA POSSE FINALIDADE GARANTIR O USO E A FRUIÇÃO DA COISA TITULARIDADE LEGITIMIDADE ATIVA POSSUIDOR CARACTERIZAÇÃO 4 O direito à passagem forçada que encontra fundamento nos princípios da solidariedade social e da função socioeconômica da propriedade e da posse é o poder atribuído pela lei a determinado titular de na hipótese de imóvel encravado sujeitar o vizinho a lhe dar passagem até via pública nascente ou porto mediante pagamento de indenização 5 A existência da posse ou do direito de propriedade sem a possibilidade real e concreta de usar e fruir da coisa em razão do encravamento significaria retirar do imóvel todo o seu valor e utilidade violando o princípio da função social que informa ambos os institutos 6 O vizinho que recusa passagem ao possuidor do imóvel encravado exerce seu direito de maneira não razoável em desacordo com o interesse social e em prejuízo da convivência harmônica em comunidade o que configura não apenas uso anormal da propriedade mas também ofensa à sua função social situação que não merece a tutela do ordenamento jurídico 7 Partindo da interpretação teleológica do art 1285 do CC2002 e tendo em vista o princípio da função social da posse é forçoso concluir que o direito à passagem forçada é atribuído também ao possuidor do imóvel 8 Na hipótese dos autos tendo em vista que conforme se extrai do acórdão recorrido restou comprovado que a autora recorrida é possuidora do imóvel em questão não merece reforma o aresto estadual pois consoante já ressaltado o possuidor também tem direito à passagem forçada na hipótese de imóvel encravado nos termos do art 1285 do CC2002 9 Recurso especial não provido REsp n 2029511PR relatora Ministra Nancy Andrighi Terceira Turma julgado em 1432023 DJe de 1632023 INTERAGINDO COM A DISCIPLINA DIREITO DE VIZINHANÇA NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA EDIFICAÇÃO DE MURO NOS LIMITES DA PROPRIEDADE COM VEDAÇÃO DA LUMINOSIDADE DAS JANELAS DO IMÓVEL DO AUTOR INEXISTÊNCIA DE LIMITAÇÃO CONSTRUTIVA INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 1301 E 1302 DO CC DIREITO DA RÉ EM ERIGIR SEU IMÓVEL JANELAS ABERTAS NO IMÓVEL DO AUTOR QUE DESRESPEITARAM A LIMITAÇÃO LEGAL DE DISTÂNCIA OBRA DA RÉ QUE TEVE PROJETO APROVADO PELA PREFEITURA MUNICIPAL AÇÃO IMPROCEDENTE RECURSO NÃO PROVIDO Inexiste fundamento legal para a pretensão do apelante de que a recorrida desfaça a obra erigida ainda que tenha ceifado a iluminação das janelas do imóvel daquele eis que abertas sem observância da distância legal artigo 1301 do CC pouco importando que edificadas há vários anos TJSP Apelação Cível 10003123920238260620 Relator a Paulo Ayrosa Órgão Julgador 31ª Câmara de Direito Privado Foro de Taquarituba Vara Única Data do Julgamento 20122024 Data de Registro 20122024 INTERAGINDO COM A DISCIPLINA LOCAÇÃO AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITOS CUMULADA COM RESCISÃO CONTRATUAL E INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS INTERESSE DE AGIR CONFIGURADO DEMANDANTES LOCATÁRIAS QUE FORAM PROIBIDAS DE INGRESSAR NO PRÉDIO PARA ACESSAR AS SALAS LOCADAS ALÉM DE TEREM SEUS BENS RETIDOS PELA LOCADORA DURANTE A VIGÊNCIA DOS CONTRATOS RECURSO IMPROVIDO Embora inicialmente a parte locatária tenha demonstrado a intenção de findar o contrato acabou optando pela manutenção da relação locatícia em virtude das condições impostas pela locadora de modo que permaneceu hígido o contrato A proibição de acesso das locatárias aos imóveis durante a vigência da relação locatícia e a retenção dos bens que se encontravam nos imóveis locados demonstra a presença do interesse processual evidenciando a necessidade de utilização da via jurisdicional para a defesa dos interesses das locatárias LOCAÇÃO AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS EXCLUSÃO DA MULTA CONTRATUAL E DO VALOR DOS REPAROS NO IMÓVEL DIANTE DA RESCISÃO UNILATERAL DO CONTRATO PELA LOCADORA SEM ANUÊNCIA DA PARTE CONTRÁRIA LOCAÇÃO DO IMÓVEL A TERCEIROS DURANTE A VIGÊNCIA DO CONTRATO COM RETENÇÃO INDEVIDA DOS BENS NO LOCAL E PROIBIÇÃO DE ACESSO DA LOCATÁRIA OBSTANDO A REALIZAÇÃO DAS OBRAS IMPEDIMENTO LEGAL DO LOCADOR EM REAVER O IMÓVEL DURANTE A VIGÊNCIA DO CONTRATO A TEOR DO ART 4º DA LEI DE LOCAÇÃO SENTENÇA QUE SE MANTEM RESPONSABILIDADE SUCUMBENCIAL NO ÂMBITO DA AÇÃO PRINCIPAL AUTORAS QUE DECAÍRAM DE 13 DE SEUS PEDIDOS CABENDOLHES O PAGAMENTO DA RESPECTIVA PARTE NAS DESPESAS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO 1 Durante o prazo estipulado para a duração do contrato não pode o locador reaver o imóvel alugado sem anuência da parte locatária ainda que tenha pronunciado inicialmente a intenção de proceder à rescisão fato que acabou não se efetivando por divergência quanto às condições estipuladas para essa finalidade 2 A locação de salas objeto da locação a terceiros durante a vigência dos contratos com retenção indevida dos bens existentes no local e proibição de acesso das locatárias ao imóvel que autorizam o afastamento da multa contratual pela desocupação antecipada e o direito ao recebimento dos valores eventualmente despendidos com reparos nos imóveis 3 Caracterizada a culpa da locadora pelo rompimento do contrato deve ser compelida à devolução dos bens retidos indevidamente 4 A disciplina da responsabilidade sucumbencial no âmbito da ação principal comporta reparo em razão do que as autoras deverão arcar 13 das despesas processuais e da respectiva verba honorária TJSP Apelação Cível 10056403020228260152 Relator a Antonio Rigolin Órgão Julgador 31ª Câmara de Direito Privado Foro de Cotia 1ª Vara Cível Data do Julgamento 04102024 Data de Registro 04102024 30 da prova Direito Administrativo 5 Direito do Trabalho 5 Processo do Trabalho 5 Direito Tributário 5 Direito Empresarial 4 TOTAL 24 questões EXAME DA ORDEM 1 FASE GRUPO A GRUPO B GRUPO C Ética Profissional 8 Direito Civil 6 Processo Civil 6 Direito Constitucional 6 Direito Penal 6 Processo Penal 6 TOTAL 38 questões Direitos Humanos 2 Direito Internacional 2 ECA 2 Direito Ambiental 2 Direito do Consumidor 2 Filosofia do Direito 2 Direito Previdenciário 2 Direito Financeiro 2 Direito Eleitoral 2 TOTAL 18 questões 475 da prova 225 da prova OBRIGADO DIREITO CIVIL VI COISAS E PROPRIEDADE INTELECTUAL Prof Leonardo Peteno Magnusson DIREITOS REAIS Direito das coisas direitos reais posse direitos de vizinhança Direitos reais pressupõe expressão econômica apropriação econômica Complexo das normas reguladoras das relações jurdícas referentes às coisas suscetíveis de apropriação pelo homem CONCEITO DIREITOS REAIS CARACTERÍSTICAS Sacralidade da propriedade do direito à propriedade Relativização e ponderação de direitos fundamentais Direitos reais como poderes jurídicos que concede a seu titular verdadeira situação jurídica de dominação sobre o objeto Esse poder de agir é oponível é erga omnes já que acarretam sujeição universal O direito real impõe duas obrigações de fazer negativas à coletividade 1 não fazer abstenção ingerência na propriedade alheia 2 não fazer tolerância dever de permitir que o titular exerça seu direito ABSOLUTISMO DIREITOS REAIS CARACTERÍSTICAS Para os bens imóveis atrelado ao absolutismo enquanto característica a publicidade é determinante refutando a clandestinidade A publicidade é determinada pelo motivo de só ser possível se opor estes direitos contra todos caso haja ostensiva divulgação art 1227 CC Mesmo que a aquisição da propriedade se dê por outra via sucessão usucapião etc sempre se seguirá o registro Considerar que o princípio da solidariedade impõe o respeito por parte de todos às situações jurídicas estabelecidas direito obrigacional v direito real Respeito ao direito de terceiros PUBLICIDADE DIREITOS REAIS CARACTERÍSTICAS A inerência do direito real ao objeto afetado permite ao titular perseguilo em poder terceiro onde quer que se encontre Como todos tem dever de abstenção absolutismo caso não haja esta o titular pode exercer direito de perseguir a coisa contra aquele que viola Ações possessórias Princípio da inerência ou aderência onde o direito real adere à coisa e se manifesta como um direito de perseguir direito real obrigacional SEQUELA DIREITOS REAIS CARACTERÍSTICAS Consiste no privilégio do titular do direito real em obter o pagamento de um débito com o valor do bem aplicado exclusivamente à sua satisfação Decorrendo do direito de sequela a preferência garante ao credor o direito de preferência prevalecendo privilégio sobre os direitos obrigacionais Caso haja vários titulares de direitos reais sobre o mesmo bem várias hipotecas no mesmo imóvel por exemplo aplicase o brocardo prior tempore potior jure prevalecendo aquele que registro primeiro PREFERÊNCIA PREDOMINANTE NOS DIREITOS REAIS DE GARANTIA DIREITOS REAIS CARACTERÍSTICAS Como os direitos reais operam contra toda a coletividade a norma que apresente os direitos reais é de ordem pública Ato contínuo os direitos reais são numerus clausus de enumeração taxativa localizados no rol pormenorizado do art 1225 CC consultar Com efeito a fórmula numerus clausus foi elaborada em princípio como modo de preservar o absolutismo do direito de propriedade Taxatividade v Tipicidade ordem pública v autonomia privada exaustividade dos rols ex multipropriedade TAXATIVIDADE DIREITOS REAIS SITUAÇÃO JURÍDICA REAL Os titulares apoderamse dos bens utilizandoos diretamente Cuidase de situações de subordinação de coisas a pessoas Os direitos reais se apresentam como referidos a uma coisa pois são outorgados para a realização pessoal do seu titular no exercício da posição de vantagem SITUAÇÃO JURÍDICA OBRIGACIONAL Requerse primeiramente um comportamento de outra pessoa como condição de acessibilidade aos bens Não se cogita subordinação do devedor ao credor mas relações cooperativas cuja finalidade é adimplemento mediante a satisfação do interesse do credor consubstanciado na prestação e restituição da liberdade do devedor SITUAÇÕES JURÍDICAS REAIS E OBRIGACIONAIS DIREITOS REAIS Falase em situação jurídica real e não em relação jurídica real porque não se admite relação jurídica entre pessoas e coisas pois todo vínculo só ocorre em função do homem em sociedade Ou seja não há relação jurídica entre sujeito e coisa mas direito de dominação e poder Decorrente disso os direitos reais podem ser ofendidos por qualquer pessoa absolutismo Diferente dos direitos obrigacionais que pedem a cooperação do sujeito passivo da relação jurídica no sentido da satisfação do débito São assim classificados como direito subjetivos relativos cujo objeto é a conduta do obrigado cuja relação jurídica coloca o sujeito em sujeição passiva SITUAÇÕES JURÍDICAS REAIS E OBRIGACIONAIS DIREITOS REAIS Alerta É fundamental ter a percepção que a propriedade é a chave para a compreensão dos demais direitos que portanto terá o foco nos estudos PROPRIEDADE único direito real originário Manifestação primária e fundamental de direitos reais detendo um caráter complexo em que os atributos de 1 uso 2 gozo 3 disposição e 4 reivindicação reúnemse DIREITOS REAIS SOBRE COISA ALHEIA São manifestação facultativas e derivadas de direitos reais resultando da decomposição dos diversos poderes jurídicos contidos na esfera dominial Sua vigência convive com o direito de propriedade CLASSIFICAÇÃO DIREITOS REAIS Os direitos reais limitados decorrentes de desdobramentos podem ser classificados da seguinte forma DIREITOS REAIS DE GOZO E FRUIÇÃO usufruto servidão uso e habitação DIREITOS REAIS DE GARANTIA penhor hipoteca e anticrese DIREITO REAL À AQUISIÇÃO promessa de compra e venda Os direitos reais em coisa alheia apartamse da propriedade não apenas por não concentrarem toda qualidade do direito sobre a coisa mas também porque possuem dentro de si relevante carga de relações de índole obrigacional CLASSIFICAÇÃO DIREITOS REAIS As obrigações propter rem são prestações impostas ao titular de determinado direito real pelo simples fato de assumir tal condição Vale dizer a pessoa do devedor será individualizada exclusivamente pela titularidade de um direito A dívida é inerente ao objeto e da posição do titular ativo ou passivo da relação Ou seja o obrigado é o titular do direito real havendo a possibilidade de sucessão do débito fora das hipóteses normais de transmissão de obrigação Com efeito como a assunção da obrigação decorre da titularidade da coisa ao devedor será concedida em certos casos a faculdade de se libertar do vínculo renunciando ao direito real em favor do credor Abandono liberatório OBRIGAÇÃO PROPTER REM DIREITOS REAIS EXEMPLO Cláusula de Responsabilidade pelo Pagamento do IPTU Cláusula X Responsabilidade pelo IPTU O LOCATÁRIO declarase ciente e concorda que será o responsável pelo pagamento integral do Imposto Predial e Territorial Urbano IPTU incidente sobre o imóvel objeto deste contrato durante todo o período de vigência da locação O LOCATÁRIO comprometese a efetuar o pagamento do referido tributo nas datas estabelecidas pelo órgão competente bem como apresentar ao LOCADOR sempre que solicitado os comprovantes de quitação Em caso de inadimplência fica o LOCATÁRIO responsável por quaisquer encargos adicionais incluindo multas e juros decorrentes do atraso no pagamento do IPTU sem prejuízo das demais sanções previstas neste contrato OBRIGAÇÃO PROPTER REM DIREITOS REAIS EXEMPLO Cláusula de Responsabilidade pelo Pagamento do IPTU CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL Art 121 Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária Art 123 Salvo disposições de lei em contrário as convenções particulares relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos não podem ser opostas à Fazenda Pública para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes Art 130 Os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade o domínio útil ou a posse de bens imóveis e bem assim os relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens ou a contribuições de melhoria subrogamse na pessoa dos respectivos adquirentes salvo quando conste do título a prova de sua quitação PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE DOS CONTRATOS OBRIGAÇÃO PROPTER REM OBRIGADO DIREITO CIVIL VI COISAS E PROPRIEDADE INTELECTUAL Prof Leonardo Peteno Magnusson POSSE Ponto de partida os direitos reais são vínculos entre sujeitos e bens que emergem em nível jurídico Nada obstante há além da propriedade outro vínculos que apesar de não formais assumem relações entre sujeito e coisa no plano fático No caso na posse temos 1 Poder físico sobre a coisa 2 Necessidade do homem de se apropriar de bens IDEIAS INICIAIS POSSE Teoria subjetiva Savigny Corpus apreensão da coisa e disponibilidade física animus intenção como se proprietário fosse Teoria objetiva Ihering A posse seria o poder de fato e a propriedade o poder de direito sobre a coisa Vem a ser a posse o exercício de um poder sobre a coisa correspondente ao direito de propriedade ou de outro direito real Efeito posse simultânea TEORIAS E DEFINIÇÃO POSSE O possuidor no regime brasileiro art 1196 CC é quem em seu próprio nome exterioriza alguma das faculdades da propriedade usar gozar dispor e reivindicar seja ele proprietário ou não Dentro dessas características a posse acaba por ser considerada um caminho para a propriedade Bevilaqua decorrente da afiliação à teoria objetiva O possuidor se comporta como proprietário exercendo poderes sobre uma coisa e poderes ostensivos conservandoa e defendendoa TEORIAS E DEFINIÇÃO POSSE Sendo ou não a posse um direito inferido da propriedade teorias em verdade constitui um direito subjetivo dotado de estrutura peculiar e própria Posse fato Possuir direito subjetivo Posse é direito real ou obrigacional 1 A posse não está elencada no artigo 1225 do CC 2 Não há previsão de registro da posse no Ofício Imobiliário Lei n 601573 3 o legislador dispensou a participação dos cônjuges nas ações possessórias art 73 2º CPC 4 vedação à reintegração de posse contra terceiro que ignorava origem ilícita art 1247 CC NATUREZA DA POSSE POSSE Mas também não seria somente obrigacional Propõese que a posse poderia assumir três naturezas 1 Quando o proprietário é o possuidor de seu bem a posse é vista como um direito real já que o direito de possuir é um dos atributos do domínio que significa basicamente o senhorio sobre uma coisa 2 Pode também a posse ser vista como relação jurídica obrigacional quando emanada de um contrato por exemplo de locação ou promessa de compra e venda O fato jurídico que lhe atribui a posse é a relação jurídica obrigacional 3 Há ainda uma terceira possibilidade que não está atrelado ao direito de propriedade ou relação jurídica obrigacional que é quando a posse emana exclusivamente de uma situação jurídica fática e existencial como apossamento e ocupação NATUREZA DA POSSE POSSE Doutrina e jurisprudência dominante podem ser objeto da posse apenas as coisas corpóreas aquelas que podem ser visualizadas e tocadas Coisas que tenham materialidade e sejam suscetíveis de valor econômico com exteriorização de um poder fático Ex contrato de locação não possui posse o direito obrigacional ou direito real consequente à contratação mas sim a coisa Discussão Rui Barbosa e a possibilidade de expandir os interditos possessórios para reintegrar ou manutenir servidor públicos em seus cargos Discussão 2 Coisas corpóreas incorpóreas e as Súmulas 193STJ e 228STJ OBJETO DA POSSE POSSE Coisa corpórea v coisa incorpórea enquanto as coisas corpóreas são perceptíveis pelos sentidos as coisas incorpóreas não têm existência física Súmula 193STJ O direito de uso de linha telefônica pode ser adquirido por usucapião Distinção direito real de uso posse lembrar da proposição de Bevilaqua Súmula 228STJ É inadmissível o interdito proibitório para a proteção do direito autoral O direito do autor por não recair sobre coisa corpórea não pode ser turbado ou esbulhado apenas exercido indevidamente por outros em simples concorrência OBJETO DA POSSE POSSE A capacidade de apropriação não incluso a cláusula de inalienabilidade e a expressividade econômica da coisa não são suscetíveis de posse as coisas fora do comércio Ou seja não haverá posse quando a coisa não puder ser objeto de propriedade particular Com isso os bens públicos de uso comum do povo e de uso especial afetados em prol da coletividade ou do exercício de alguma atividade pública não estão suscetíveis à posse Contrário senso haverá a posse de bens públicos dominicais ou patrimoniais posto desafetados assim como de bens públicos de outra categoria quando objeto de concessão a particular inclusive derivada da relação jurídica Ver artigo 100 e ss do CC OBJETO DA POSSE POSSE É o fenômeno que se verifica quando o proprietário efetivando uma relação jurídica negocial com terceiro transferelhe o poder de fato sobre a coisa Ou seja por força de uma relação jurídica entre o proprietário e terceiro detectase o desdobramento da posse em direta e indireta Proprietário que não desdobra a sua posse posse plena Comparativo entre a teoria objetiva Ihering e subjetiva Savigny O desdobramento da posse é possível pela adoção da teoria objetiva que compreende a posse como exteriorização do poder de fato sobre a coisa Já na teoria subjetiva é inconcebível já que o possuidor direto careceria de animus e o indireto de corpus DESDOBRAMENTO DA POSSE POSSE Em termos práticos verificase o desdobramento quando faculdades que integram o domínio são transferidas pra outra pessoa para que utilize como decorrência de relação jurídica 1 de direito real ex penhor usufruto propriedade fiduciária 2 ou obrigacional ex comodato locação A posse direta não anula a indireta Elas coexistem pacificamente e a isso dá se o nome de posses paralelas DESDOBRAMENTO DA POSSE POSSE Com isso posse direta é aquela que adquire o não proprietário correspondente à apreensão física da coisa art 1197 CC Portanto a posse direta é 1 temporal pois o desdobramento da posse baseiase em relação jurídica transitória de poderes dominiais obs extinção das enfiteuses posse do foreiro semelhante a um aluguel permanente 2 subordinada ou derivada já que a atuação do possuidor direto é limitada ao âmbito de poderes dominiais a ele transferidos pelo possuidor indireto de acordo com a espécie de relação jurídica ex usufruto usar gozar habitação usar moradia DESDOBRAMENTO DA POSSE POSSE Por sua vez posse indireta é a que o proprietário conserva quando temporariamente cede a outrem o poder de fato sobre a coisa A posse não depende apenas do controle material da coisa já que estende a condição de possuidor àquele que utiliza a coisa mediata e indiretamente por intermédio de outras pessoas Como é possuidor aquele conserva umalguns dos poderes dominiais não se pode negar que com o proprietário remanescem algumas faculdades dominiais sendo outras transmitidas ao possuidor direto DESDOBRAMENTO DA POSSE POSSE DEFESA DA POSSE Os possuidores direto e indireto defendem suas posses autonomamente contra terceiros por meio das ações possessórias independentemente de assistência mútua dispensando assim litisconsórcio ativo necessário se houver formase litisconsórcio facultativo AUTOTUTELA Art 1210 O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação restituído no de esbulho e segurado de violência iminente se tiver justo receio de ser molestado 1º O possuidor turbado ou esbulhado poderá manterse ou restituirse por sua própria força contanto que o faça logo os atos de defesa ou de desforço não podem ir além do indispensável à manutenção ou restituição da posse DESDOBRAMENTO DA POSSE POSSE Exemplos 1 Os pais exercem o usufruto legal sobre o patrimônio do filho menor art 1689 CC 2 O inventariante dirige o espólio art 1991 CC 3 O promissário comprador se imite na posse contratual não obstante só se tornar proprietário com o registro da escritura definitiva após regular quitação art 1418 CC Ao momento da aquisição da capacidade plena do menor 1 do trânsito em julgado do formal de partilha 2 e do adimplemento da última prestação do compromisso de compra e venda ou da resolução contratual por inadimplemento 3 a posse unificarseá como proprietário cessando a composse DESDOBRAMENTO DA POSSE POSSE O POSSUIDOR DIRETO E A DEFESA DE INTERESSES O caso do condômino locador Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio art 18 CPC DEFESA DA POSSE DIRETA O possuidor direto pode defender a posse mesmo contra o possuidor indireto na vigência da relação jurídica em virtude de qualquer agressão à sua posse Obs Importante a relação jurídica de direito real ou obrigacional concede a uma pessoa apenas o direito à posse Assim a condição de possuidor direto se edifica progressivamente com o poder fático sobre a coisa objeto do vínculo DESDOBRAMENTO DA POSSE POSSE Para compreender a propriedade como regra é exclusiva Como a posse em face fática se assemelha à propriedade assume essa qualidade também A composse é uma situação excepcional consistente na posse comum de mais de uma pessoa sobre a mesma coisa que se encontra em estado de indivisão art 1199 CC Nesse sentido a comunhão no direito das coisas 1 comunhão da propriedade é entendida como condomínio ou compropriedade 2 nesse sentido a comunhão da situação fática da posse é a composse Portanto para se ter composse 1 mais de um possuidor 2 estado de indivisão da coisa COMPOSSE POSSE Exemplos Vasto grupo de pessoas que ocupam um imóvel abandonado Todos são compossuidores requisito 1 mais de um possuidor sem discriminação de partes reservadas requisito 2 estado de indivisão Obs Se os possuidores acordarem no sentido de reservar áreas específicas e delimitadas para a atuação fática individual e pacífica sobre a sua fração concreta desaparecerá a composse surgindo várias posse pro diviso COMPOSSE POSSE Exemplos Herdeiros requisito 1 mais de um possuidor com relação à fazenda deixada pelo pai no curso do espólio requisito 2 estado de indivisão Na fase anterior ao formal de partilha os sucessores são simultaneamente compossuidores e comproprietários do bem de raiz COMPOSSE POSSE DEFESA DA POSSE Assim como na compropriedade na composse cada possuidor detém um parte abstrata ideal da coisa Isso é suficiente par que possa invocar isoladamente a proteção possessória contra terceiros ou mesmo contra um compossuidor para o resguardo da pose sobre a área comum Nas relações externas perante terceiros os compossuidores procedem com exclusividade como se fossem os únicos titulares da posse Ou seja perante terceiro cada compossuidor pode ser considerado possuidor como um todo e portanto poderá exercer todos os direitos Mas na relação interna ou seja entre os composssuidores deverá agir de modo a não suprimir o conteúdo dos direitos dos outros compossuidores cujo remédio são as possessórias COMPOSSE POSSE Ainda sobre a relação interna e a defesa dos interesses do compossuidor quando houver atuação em determinada área contra a posse propriamente dita o instrumento processual está inserido nas ações possessórias Por sua vez quando a controvérsia se insere no uso e gozo ordinário propriamente dito da coisa comum mormente a sua exploração econômica será caso de enriquecimento ilícito com os mecanismos processuais pertinentes Ex bens se encontram em estado de indivisão no bojo de um inventário no qual alguns dos herdeiros são indenizados por aqueles que indevidamente se apropriam dos frutos da coisa comum no período que precede a partilha COMPOSSE POSSE DISTINÇÃO ENTRE COMPOSSE E DESDOBRAMENTO DA POSSE a distinção é que na composse há repartição quantitativa na posse Nas posses direta e indireta há repartição qualitativa da posse Vale dizer com o desdobramento de posse há posses paralelas em graus diferenciados na composse todos os possuidores encontramse no mesmo plano Para aprofundar Ex áreas privativas e áreas comuns de condomínio edilício ademais a problemática das vagas de garagem exclusivas e privativas Nesse ponto o uso rotativo e não equitativo das vagas COMPOSSE POSSE A detenção é uma posse degradada juridicamente desqualificada pelo ordenamento jurídico Ou seja o ordenamento jurídico decidiu que em determinadas situações o poder fático de alguém não tem repercussão jurídica Por conseguinte distinção entre posse e detenção desqualificação jurídica Nesse sentido há uma escala de poder sobre a coisa PROPRIEDADE POSSE DETENÇÃO Há quatro hipóteses de detenção que ordenamento jurídico reconhece 1 servidores da posse 2 atos de permissão ou tolerância 3 atos de violência ou clandestinidade 4 atuação em bens públicos de uso comum e uso especial DETENÇÃO POSSE Servidores da posse são aqueles que detêm o poder físico sobre a coisa em razão de uma relação subordinativa para com terceiro Apreende a coisa em cumprimento de ordens ou instruções emanadas dos reais possuidores ou proprietários Conhecidos com fâmulos da posse exercitam atos de posse em nome alheio como mero instrumento da vontade de outrem Obs Não é necessário vínculo formal remuneração contínuo É bastante um vínculo social de subordinação porém sem autonomia DETENÇÃO SERVIDORES DA POSSE ART 1198 POSSE DEFESA DA POSSE PELO DETENTOR O detentor não possui legitimidade para ajuizar ações possessórias em defesa de um esbulho turbação ou ameaça sobre o bem AUTOTUTELA Todavia na qualidade de longa manus do possuidor certamente poderá exercer a pretensão defensiva pela via do desforço imediato ou da legítima defesa da posse com a ressalva de que o faça em nome e proveito do terceiro que represente Enunciado n 493 do CJF DETENÇÃO SERVIDORES DA POSSE ART 1198 POSSE A permissão nasce da autorização expressa do verdadeiro possuidor para que terceiro utilize a coisa a tolerância resulta de consentimento tácito ao seu uso caracterizandose ambas pela transitoriedade e pela faculdade de supressão do uso a qualquer instante pelo real possuidor sem erigir proteção possessória ao usuário Ex Vizinhança hospitalidade hospedagem ou me complacência A permissão não é um negócio jurídico mas sim um ato jurídico stricto sensu Por tanto pode ser extinto a qualquer tempo no sentido de desconstituir a detenção Há um estado de sujeição do detentor em face do verdadeiro possuidor DETENÇÃO ATOS DE PERMISSÃO OU TOLERÂNCIA ART 1208 POSSE Enquanto materialmente existentes os atos de violência e clandestinidade impedem a aquisição da posse por parte de quem delas se aproveita configurandose os ilícitos perpetrados sobre a coisa simples atos de detenção se transmutando para a natureza de posse com a efetiva cessação de tais condutas Ou seja a condição de esbulhador violento e clandestino é reduzida à de mero detentor Mas a posse inaugurada no momento superveniente à cessação da violência ou clandestinidade terá qualificação de injusta DETENÇÃO ATOS DE VIOLÊNCIA OU CLANDESTINIDADE ART 1208 POSSE Diferente do fâmulo de daqueles que utilizam a coisa por permissão ou autorizam ou seja aqueles que tem detenção dependente os detentores que exercem atos de violência e clandestinidade exercem detenção independente DETENÇÃO E AÇÕES POSSESSÓRIAS Essa condição de detentor independente autoriza o manejo de interditos possessórios em face de terceiros que não a vítima dos atos de violência ou clandestinidade pois não estará litigando contra que obteve a coisa de forma manifestamente viciosa art 1211 CC DETENÇÃO ATOS DE VIOLÊNCIA OU CLANDESTINIDADE ART 1208 POSSE O particular que ocupa bem público de uso com do povo ou especial não possui posse mas apenas a condição de mero detentor Inclusive contra a administração terá a defesa apenas contra o excesso pela via da pretensão indenizatória DETENÇÃO BENS PÚBLICOS ART 100 OBRIGADO Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Ciências Sociais Faculdade de Direito Emerson Affonso da Costa Moura A função social como elemento estruturante da teoria do domínio público o dever de funcionalização dos bens públicos Rio de Janeiro 2017 Emerson Affonso da Costa Moura A função social como elemento estruturante da teoria do domínio público o dever de funcionalização dos bens públicos Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Doutor ao Programa de Pós Graduação em Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Área de concentração Pensamento Jurídico e Relações Sociais Orientadores Prof Dr Mauricio Jorge Pereira da Mota Coorientadora Profª Dra Patricia Ferreira Baptista Rio de Janeiro 2017 CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJREDE SIRIUSBIBLIOTECA CCSC Bibliotecária Angélica Ribeiro CRB76121 Autorizo apenas para fins acadêmicos e científicos a reprodução total ou parcial desta tese desde que citada a fonte Assinatura Data M929 Moura Emerson Affonso da Costa A função social como elemento estruturante da teoria do domínio público o dever de funcionalização dos bens públicos Emerson Affonso da Costa Moura 2017 315 f Orientador Prof Dr Mauricio Jorge Pereira da Mota Tese Doutorado Universidade do Estado do Rio de Janeiro Faculdade de Direito 1 Domínio público Teses 2 Bens públicos Teses 3 Direito administrativo Teses I Mota Mauricio Jorge Pereira da II Universidade do Estado do Rio de Janeiro Faculdade de Direito III Título CDU 3429 Emerson Affonso da Costa Moura A função social como elemento estruturante da teoria do domínio público o dever de funcionalização dos bens públicos Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Doutor ao Programa de Pós Graduação em Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Área de concentração Pensamento Jurídico e Relações Sociais Aprovada em 14 de junho de 2017 Orientadores Prof Dr Mauricio Jorge Pereira da Mota Faculdade de Direito UERJ Prof Dra Patricia Ferreira Baptista Faculdade de Direito UERJ Banca Examinadora Prof Dr Alexandre Santos de Aragão Faculdade de Direito UERJ Prof Dr Aricia Fernandes Correia Faculdade de Direito UERJ Prof Dr Eduardo Manuel Val Universidade Federal Fluminense Prof Dr Thula Rafaela de Oliveira Pires Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Rio de Janeiro 2017 AGRADECIMENTOS O processo de formação acadêmica como qualquer jornada nunca é trilhada de forma solitária Há sempre pessoas que estiveram conosco ao longo do caminho e contribuíram nas etapas com o seu conhecimento apoio e amizade Não há como nesse momento deixar de lembrar aqueles que conduziram até esse momento De minha graduação na Universidade Federal do Rio de Janeiro não posso escusar de prestar o agradecimento a todos os meus professores que com seu conhecimento e atenção estimularam a minha aptidão acadêmica e a minha eterna orientadora Thula Rafaela de Oliveira Pires Aos meus amigos de faculdade Rodrigo Bahia e Diogo Nascimento cujos esforços debates e momentos de descontração forjaram lembranças que não serão esquecidas e ao amor que construí ali Patricia Baroni cujo afeto e fidelidade ao longo desses anos tem sido uma luz a me conduzir pelos meus caminhos Das experiências promovidas no estágio da Procuradoria Geral do Estado com as pesquisas na sua tradicional biblioteca e a prática do contencioso em matéria pública foram importante para minha formação os procuradores Bruno Boquimpani e Davi Marques pelos ensinamentos e apoio Na pósgraduação em Direito da Administração Pública na Universidade Federal Fluminense deixo meu obrigado aos professores Luiz Jungsted Delton Meirelles Vanessa Siqueira Flavio Willerman Alexandra Amaral Alexandre Veronese José dos Santos Carvalho Filho e aquele que se tornaria não só meu orientador mas um amigo e mentor Eduardo Val Aos amigos ao qual dividimos mais do que as longas noites em Niterói estudando direito público mas o desejo sincero de aprofundamento nos debates Rossana Braga Renata Caldeira Mahany Vanelli e Isabela Bragança em especial ao André Luiz de Souza Cruz cuja amizade parceria e conduta são um exemplo No mestrado em Direito Constitucional pela Universidade Federal Fluminense foram inestimáveis as contribuições dos professores Gustavo Sampaio Ferreira Telles Marco Antônio Ferreira Macedo Evandro Menezes Helena Elias Pinto Célia Barbosa Abreu e novamente meu orientador Eduardo Manuel Val Ao nosso grupo que tornou o mestrado não um lugar de reflexão e debate mas também de descontração e amizade de onde saíram belas parcerias e um vínculo que tem se mostrado duradouro o meu agradecimento a Alex Mendonça Eric Baracho Fernando Reis Pablo Martinez Renata Barbosa e Fabrizia Bittencourt Aos meus alunos na época em que fui professor contratado da Universidade Federal Fluminense e da Universidade Federal do Rio de Janeiro e professor I da Universidade Veiga de Almeida pelo aprendizado que me proporcionaram na docência e por todo esse carinho que até hoje é um lenitivo nos reveses da vida acadêmica Representarei minha homenagem a todos os alunos que guardo em meu sentimento através da menção da parceria de Bruno Marcelos Camila Pontes Gabriela Vasconcelos Juliane Julio Danilo Taveira Juliane Maranhão Marcos Leite Larissa Vieira Amanda Nascimento Alberto Magalhães Renato Barreto Leonardo Barreto e Igor Matos Aos procuradores do Conselho Superior do Ministério Público representados na figura da Dra Anna Maria Di Masi e do Dr Ricardo Martins aos quais nossos debates e esforços forjaram um vínculo de respeito e amizade e as assessoras que se demonstraram mais que colegas Alessandra Lopes Fátima Baião Beatriz Santos Rachel Melo e Evelyn Petraglia No doutorado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro agradeço em especial aos Profs Alexandre Santos de Aragão Arícia Correia Luís Roberto Barroso Jane Pereira Reis Patrícia Baptista Maurício Mota e Vânia Aieta cujos debates nas disciplinas e nos grupos de pesquisa trouxeram importantes subsídios para este trabalho Ao prof Mauricio Mota um exímio professor e atencioso orientador cujo notório conhecimento é igualmente acompanhado de uma grata humanidade e uma inesperada humildade que reforçam não apenas o seu notável caráter mas os valores que devem pautar a vida acadêmica A profa Patricia Baptista excelente docente e cuidadosa orientadora ao qual sua conhecida competência e compromisso com a academia se apoiam em uma surpreendente modéstia e inquietude constante com as idiocrasias da matéria que são um exemplo a ser seguido e me orgulha a sua parceria Aos meus colegas da Universidade Federal de Juiz de Fora representados com especial agradecimento pela parceria de Jamir Calili Ribeiro Fernanda Alcantara Rosana Ribeiro e Simone Cristine além da gentileza e ajuda de Daniel Carnaúba durante meu afastamento para a conclusão dessa tese Aos alunos que fazem valer a pena a longa viagem semanal até o Estado de Minas Gerais representados na figura de Luiza Bertoldo Marisa Karla e Glédson Pereira além de todos os jovens e talentosos pesquisadores dos grupos de pesquisa projeto de extensão e monitoria nas disciplinas de Direito Constitucional e Direito Adminitrativo Aos meus colegas das Comissões de Direito Administrativo e Constitucional do Instituto dos Advogados Brasileiros da Comissão de Cultura Jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil da Associação Brasileira de Ensino do Direito e da American Society of Public Administration cujos debates me estimulam a reflexão objetiva e crítica do Direito Ao meu pai Geminiano in memoriam que apesar do prematuro desencarne deixounos a preciosa lição de que os verdadeiros legados de um homem não são apenas as suas belas conquistas profissionais mas o exemplo do seu caráter conduta compromisso comprometimento e acima de tudo uma vida conduzida no bem À minha mãe Lourdes exemplo de amor e dedicação que ainda me surpreende e me recorda a cada instante como as grandes obras não se escrevem apenas com tinta e papel mas também com os mais belos gestos do coração Nada disso seria possível sem seu carinho e apoio Essa jornada é para você Não posso deixar de mencionar a minha família a qual por muitas noites abdiquei do convívio para elaborar este trabalho Saibam que correspondem ao elo fundamental da minha vida ligando as mais belas lembranças de minha infância às mais bonitas expectativas do futuro representados na figura dos meus irmãos e sobrinhos Aos amigos que tornam a vida um lugar especial na qual compartilho sintonia e amor fraternal além das minhas paixões por cinema literatura e música o meu muito obrigado pela leveza que dão à vida em especial por todo suporte que me deram em momentos tão difíceis como a dedicação a esse trabalho A todos aqueles que estiveram comigo e contribuíram com esse momento e que eu possa ter esquivado de fazer menção sintamse envolvidos com o meu cumprimento e perdoemme a falha de memória mas jamais duvidem da importância de suas presenças em minha vida e do agradecimento que faço a Deus por tantos presentes Dedico este trabalho a todos os juristas que destinaram sua vida acadêmica à investigação crítica da disciplina administrativista pois edificaram os pilares que permitem hoje o movimento de reconstrução da dogmática à luz da ordem jurídicoconstitucional vigente ao qual pretende inserir a presente tese Igualmente ofereço aos jovens estudantes que demonstram em cada aula uma preocupação com as incongruências atuais do Direito Administrativo e me deixam esperançoso com um futuro onde a disciplina teórica para Estado seja cada vez menos baseada em categorias autoritárias e mais em valores humanitários Todos os problemas de fundo do Direito Administrativo Moderno decorrem do fato do seu aparelho conceitual corresponder a uma realidade que já não existe Ernest Forsthoff RESUMO MOURA Emerson Affonso da Costa A função social como elemento estruturante da teoria do domínio público o dever de funcionalização dos bens públicos 2017 315 f Tese Doutorado em Direito da Cidade Faculdade de Direito Universidade do Estado do Rio de Janeiro Rio de Janeiro 2017 A função social como o elemento que estrutura e dota de especificidade uma teoria para os bens públicos de forma a impor um dever de sua concretização para os seus titulares é o tema posto em debate Investigase em que medida a adoção de um critério funcional se demonstra mais apto para delimitar não apenas as fronteiras do domínio público e a aplicação graduada do regime jurídico especial mas na própria redefinição do papel exercido pelo Estado perante tais coisas e na determinação das obrigações decorrentes ao ente público e aos atores sociais Para tanto no primeiro capítulo analisase a insuficiência da delimitação do acervo dominial público à luz dos critérios tradicionais diante das transformações produzidas na noção de soberania e no descolamento da noção de público da figura estatal No segundo capítulo verificase a dificuldade decorrente da assimilação daqueles elementos para a delimitação de um regime jurídico especial para os bens públicos associada à assistematicidade da regulação normativa e a tentativa de uma dicotomia plena do domínio privado No terceiro capítulo inquirese como a recondução da titularidade dos bens públicos a uma noção de proprietário resulta em uma inadequada compreensão das posições legais assumidas pelo Estado na relação jurídica que tem por objeto a coisa No capítulo quatro propõese delimitar o dever de funcionalização dos bens públicos em seus elementos básicos à luz das incongruências apresentadas pela adoção das categorias tradicionais e da adoção da função social como elemento central do domínio público Palavraschaves Domínio público Bens públicos Critérios Função social Dever de funcionalização RÉSUMÉ MOURA Emerson Affonso da Costa La fonction sociale en tant quélément structurel de la théorie du domaine public la fonctionnalisation du devoir de biens publics 2017 315 f Tese Doutorado em Direito da Cidade Faculdade de Direito Universidade do Estado do Rio de Janeiro Rio de Janeiro 2017 La fonction sociale qui est lélément qui donne la structure et la spécificité dune théorie des biens publics afin dimposer une obligation de sa mise en œuvre au titulaire est le thème mis en discussion Enquête dans quelle mesure ladoption dun critère fonctionnel est démontré plus apte à définir non seulement les limites du domaine public et lapplication progressive du régime juridique spécial mais dans la redéfinition même du rôle joué par lEtat avant que de telles choses et dans la détermination de la obligations au titre de lentité publique et les acteurs sociaux Par conséquent dans le premier chapitre analyse léchec de la délimitation des biens de domination publique à la lumière des critères traditionnels sur les transformations produites dans la notion de souveraineté et de porter atteinte à la notion de la figure de lEtat du public Dans le deuxième chapitre vérifiera le problème résultant de lassimilation de ces facteurs dans la définition dun régime juridique spécial pour les biens publics assistematicidade associée à la régulation normative et de tenter une dichotomie complète du domaine privé Dans le troisième chapitre demande comment le renouvellement de la propriété des biens publics à une notion de propriétaire se traduit par une mauvaise compréhension des positions juridiques prises par lEtat dans la relation juridique qui est engagé dans la chose Dans le quatrième chapitre il est proposé de définir la fonctionnalisation du devoir des biens publics dans ses éléments de base à la lumière des incohérences présentées par ladoption des catégories traditionnelles et ladoption de la fonction sociale en tant quélément central du domaine public Motsclés Domaine public Biens publics Critères Fonction sociale Devoir de fonctionnalisation SUMÁRIO INTRODUÇÃO 11 1 A DELIMITAÇÃO DO DOMÍNIO PÚBLICO 18 11 As transformações do direito administrativo e as fronteiras do domínio público privatização despublicização e racionalização 18 12 O mito do fundamento do domínio público e a sua feição no Estado Constitucional de Direito do poder soberano aos deveres funcionais 32 13 A insuficiência dos critérios dominantes na matriz romanogermânica e o elemento central do domínio público da titularidade estatal às gradações da função social 45 14 A reconstrução do tema à luz da função social o reconhecimento de um domínio público não estatal e um domínio público humanitário 61 15 O domínio público não estatal e o Estado análise das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios no caso da demarcação da Raposa Serra do Sol 78 2 O REGIME APLICÁVEL AOS BENS PÚBLICOS 93 21 A tentativa de formação de um regime jurídico para os bens públicos do critério da titularidade ao reconhecimento da funcionalidade 93 22 A insuficiência da unicidade de uma disciplina jurídica para pluralidade dos bens públicos da insustentabilidade dos caracteres à assistematicidade da regulação constitucional à luz da função social 105 23 A superação da suposta dicotomia do domínio privado e a complementariedade do direito comum da regulação pela lei civil conforme a função social 120 24 A proposta de uma regulação jurídica à luz da função social as gradações na aplicação do regime jurídico de direito público 133 25 O regime jurídico de direito público e as pessoas administrativas de direito privado análise da aplicação da imunidade recíproca tributária na exploração da atividade de banco postal pelos correios à luz da função social 144 3 A TITULARIDADE DOS BENS PÚBLICOS 154 31 Da atribuição da personalidade ao ente estatal e da apropriação da noção privatista da coisa pública a construção do EstadoProprietário aquém da função social 154 32 Uma aproximação necessária da patrimonialização dos bens públicos ao patrimonialismo nas instituições políticoadministrativas brasileiras 168 33 Do reajustamento da titularidade dos bens públicos da noção do direito de propriedade ao reconhecimento de uma relação jurídica funcionalizada 178 34 Do efeito da atribuição de titularidade dos bens públicos das obrigações do domínio público ao papel de gestor na função social 193 35 O papel do EstadoGestor nos bens que exercem função social sob a titularidade particular da velha questão do tombamento à nova celeuma das florestas em terras privadas 208 4 O DEVER DE FUNCIONALIZAÇÃO DOS BENS PÚBLICOS 221 41 Da delimitação de um critério material e não exclusivo de funcionalização dos bens públicos do aménagement especial do Estado à multiplicidade de relações jurídicas tendo por objeto a coisa pública 221 42 Do marco temporal da função social dos bens públicos do ato formal de desafetação a uma atualidade no atendimento da finalidade coletiva 236 43 Da gradação do dever de funcionalização dos bens públicos de uma escala de dominialidade ao reconhecimento da alienabilidade plena dos bens dominicais 244 44 Do descumprimento do dever de funcionalização dos bens públicos da vedação constitucional da usucapião à adequação da função social por particular 257 45 Os elementos do dever de funcionalização dos bens públicos da concretização da função social pelo Estado à adequação pelo particular no caso da ocupação do Jardim Botânico no Rio de Janeiro 273 CONCLUSÃO 282 REFERÊNCIAS 289 11 INTRODUÇÃO Embora nas últimas décadas tenham se observado profundas transformações ocorridas no Estado e no Direito que têm orientado o movimento de reconstrução teórica da disciplina jurídicoadministrativa no que tange aos bens públicos a literatura jurídica ainda se apoia em categorias tradicionais calcadas sob uma realidade política e social que não mais subsiste A fragmentação e a complexização da noção de interesses públicos nas sociedades plurais o redimensionamento da concepção de soberania a desestatização das atividades públicas e a crescente racionalização na gestão estatal impõem novos paradigmas que reforçam as incongruências e as insuficiências da teoria vigente Junto às novas tendências reforçam conhecidas celeumas como a exploração para fins individuais das coisas naturais o abandono pelo Estado e a ocupação por particulares de prédios estatais a dificuldade de delimitação da natureza do acervo das empresas públicas dentre outras que envolvem a temática dos bens públicos Neste viés a recondução de tais conflitos a uma matriz teórica construída na formação do Estado Moderno e calcada em uma interpretação de categorias da Antiguidade Clássica agravase com a adoção de elementos do regime público que parecem não mais se sustentar somado a aplicação de institutos privados que não se demonstram adequados Se antes era necessária à estruturação uma teoria centrada na soberania estatal como forma de proteção contra as investidas absolutistas ou os perigos de um liberalismo ilimitado atualmente há uma dificuldade decorrente da afirmação do Estado e da degradação do seu monopólio com uma ascensão de outros atores sociais inclusive responsáveis pela gestão dos interesses públicos A adoção de categorias e normas privatistas como a noção de propriedade e a regulação dos bens públicos pela lei civil era adequada diante da centralidade assumida pela codificação civil na época No momento há certa contrariedade diante da assunção de um epicentro pela Constituição que passa a traduzir deveres aos poderes estatais e finalidades a serem seguidas 12 Isto traduz em um conjunto de idiocrasias na medida em que a busca pela solução de problemas de índole contemporânea com um substrato teórico tradicional resultam em uma incapacidade de sanar plenamente os conflitos sociais ou produzir uma recondução satisfatória a dogmática dos bens públicos Produzse certa tensão ao se sustentar na disciplina administrativista um descolamento das noções de público e estatal com reconhecimento de outros atores sociais na gestão dos interesses públicos mas centrar a própria qualificação dos bens como públicos a uma exclusiva titularidade estatal gera uma nítida incongruência tratar os bens públicos como uma propriedade porém recusar que as coisas estatais abandonadas se sujeitem a uma apropriação privada apesar se consagrar um dever de adequação social da propriedade pelos particulares sob a pena de perda da sua titularidade Inúmeras dificuldades acentuam a problemática de uma teoria vigente que pretende dotar de especificidade a regulação dos bens públicos a partir de elementos da disciplina pública mas com a adoção de categorias e normas privadas sem permearse aos influxos de transformações observados no Estado e no Direito para a solução dos conflitos emergentes Isto não significa sustentar o extremo de negar a necessidade de formação de uma disciplina própria para os bens públicos com assimilação de uma teoria unitária e a utilização do tratamento das coisas dada pela lei civil já que traduzem na busca de interesses distintos e devem se sujeitar a regulações adequadas às suas especificidades Apenas denota a necessidade de busca por um elemento distinto daqueles presentes que seja capaz de ordenar a teoria dos bens públicos traduzindo em maior coerência com as transformações que se sujeitaram o Estado o Direito e a eficácia no que tange aos conflitos sociais emergentes Busca a presente tese investigar em que medida a função social se demonstra como o elemento capaz de estruturar e dotar a necessária especificidade de uma teoria para os bens públicos de forma a adequarse as tendências e as celeumas apresentadas a qual deve se sujeitar a disciplina Desde já partese de uma teoria funcional do Direito de modo que a ordenação social produzida pela técnica jurídica voltese não apenas à uma função de tutela ou garantia na 13 proteção da integridade ou reforço da ordem normativa mas de promoção das condutas sociais almejadas através da consagração de fins e objetivos a serem alcançados Considerase que pretende à ordem jurídica não apenas a finalidade de prevenção e repressão de condutas mas igualmente a realização de determinados valores e finalidades de modo que não compete ao Direito restringirse a manutenção de uma ordem mas igualmente garantir a concretização das finalidades socialmente almejadas Igualmente tal perspectiva pretende não apenas garantir a ordem constituída mas permitir que se adeque as mudanças sociais como aquelas apresentadas Razões pela qual garante a construção de uma teoria dos bens públicos dotado de maior legitimidade uma vez que se situa além da busca pela estabilidade da ordem e concretização dos seus valores Demonstrase tal marco adequado a hipótese levantada nessa tese à medida que igual teoria situese no campo da mudança social ao buscar através da imposição dos deveres que sejam alcançados determinados fins ao revés que uma perspectiva estruturalista se vincula a uma manutenção do status quo pela busca de preservação da ordem e imposição de sanções Converge para as próprias transformações que se sujeitou o Estado e o Direito com a veiculação das Constituições que traduzem finalidades e objetivos a serem perseguidos e programas a serem cumpridos pelo Estado que antes tido como agente de proteção da autonomia subsumi o papel de concretizador das funções sociais Desse modo considerase que os bens públicos devem ser usufruídos a partir de sua função e não somente de sua estrutura a saber exteriorizado nas finalidades que busca alcançar e não somente dos meios ao qual utiliza para alcançar seus fins o que enseja a determinação de qual seria portanto tal finalidade a ser perseguida Sob tal vértice a função social atuará como elemento de legitimação de toda ordem jurídica e irradiará para a estruturação de uma teoria para os bens públicos na medida de uma graduação que permitirá diferenciar a sua aplicação do domínio e bens privados de acordo com os interesses tutelados Propõese que a adoção de um critério funcional se demonstre mais apto para delimitar as fronteiras do domínio público e a aplicação do seu regime jurídico o que conduzirá na 14 própria redefinição do papel exercido pelo Estado perante tais coisas e na determinação das obrigações decorrentes ao ente público e aos atores sociais Para tanto serão apresentadas as transformações e os conflitos firmados sob os bens públicos de forma a problematizar mediante o confronto com o estado a arte da teoria vigente desses bens a sua incapacidade de lidar com as referentes questões e a função social em sua gradação como um elemento apto Para confirmar tal hipótese adotase um plano de trabalho dividido em quatro capítulos onde respectivamente será abordado a insuficiência dos critérios tradicionais para a delimitação da natureza pública dos bens e a aplicação da sua disciplina normativa que resulta em uma inadequada compreensão do exercício da titularidade e dos seus deveres No primeiro capítulo analisase a insuficiência da delimitação do acervo dominial público à luz dos critérios tradicionais diante das transformações produzidas na noção de soberania e no descolamento da noção de público da figura estatal a partir de três novos paradigmas a privatização despublicização e racionalização No segundo capítulo verificase a dificuldade decorrente da assimilação daqueles elementos para a delimitação de um regime jurídico especial para os bens públicos associada à assistematicidade da regulação normativa e a tentativa de uma dicotomia plena com o domínio privado No terceiro capítulo inquirese como a recondução da titularidade dos bens públicos a uma noção de proprietário resulta em uma inadequada compreensão tanto de uma exclusividade quanto das posições jurídicas assumidas pelo Estado na relação legítima que tem por objeto a coisa No capítulo quatro propõese delimitar o dever de funcionalização dos bens públicos em seus elementos básicos no que se refere a um critério material lapso temporal e regime aplicável à luz das incongruências apresentadas pela adoção das categorias tradicionais e pela adoção da função social como elemento central do domínio público Para tanto adotase na abordagem do objeto da pesquisa o método dialético por compreender que uma dogmática jurídica que se apoia apenas em argumentos de autoridade 15 sem qualquer apoio em algum experimento ou demonstração se afasta de uma perspectiva propriamente científica Discutir uma teoria dos bens públicos apoiandose exclusivamente na afirmação de uma identidade majoritária construída a partir do pensamento de determinados autores sem o cotejo com os conflitos jurídicos decorrentes da realidade subjacente e com argumentação de índole lógicoracional seria se afastar da própria legitimidade da pesquisa Desse modo propõese uma contraposição entre as escolas opostas em relação aos bens públicos por perceber que o contraste produzido no debate resultará não apenas na confirmação da tese proposta mas permitirá a construção de um discurso legítimo e crítico que poderá auxiliar em alguma medida na transformação da teoria dos bens públicos vigente Isso não importa afirmar uma absoluta neutralidade na pesquisa mas que a defesa da tese não se firmará em discursos dogmáticos ou ideológicos como que os bens públicos são ou devem ser estatais Porém se apoiará em uma dialética entre os autores e uma busca por objetividade no tratamento do tema Significa também admitir uma relatividade da verdade que será perquirida através deste processo dialético de forma que a tese busque ser aquela que neste momento histórico se demonstre mais próxima de uma teoria dos bens públicos e que seja adequada à realidade social subjacente atual cuja validade futura se sujeitará aos novos contrastes Trata portanto de uma perquirição objetiva e avessa ao dogmatismo no tratamento dos bens públicos buscando identificar mediante o contraste da literatura e a partir da análise crítica a construções de proposições que se adéquem a ordem jurídica vigente e contribuam na solução dos conflitos sociais Sob tal égide optase pelo método hipotéticodedutivo na medida em que partese a problematização de determinadas questões para a partir delas deduzir parâmetros em direção ao entendimento da situaçãoproblema suscitada Utilizarseá aqui o chamado raciocínio tópico que busca sopesar diante da situação as razões que legitimam ou não a dada eleição Por efeito parece centrarse a problemática dos bens públicos na dificuldade de delimitação da própria identificação dos bens que integram o domínio público que resulta em 16 uma inadequada compreensão do regime aplicável do papel do seu titular e dos deveres que respectivamente serão impostos Por esta razão o método de procedimento será eminentemente de caráter dogmático de forma que a investigação se centrará precipuamente na literatura jurídica acerca do problema analisado à luz das obras levantadas bem como na análise das decisões jurisprudenciais e legislativas quando pertinentes Adotamse como fontes bibliográficas além das obras brasileiras os necessários aportes da literatura estrangeira sem ignorar as dificuldades que o estudo de direito administrativo comparado produz em razão não apenas da desigualdade do desenvolvimento teórico mas igualmente das especificidades que se produz em cada Estado e no seu Direito Neste sentido há de se reconhecer que embora inexista uma única matriz teórica para os bens públicos o pensamento dominante acaba identificando o domínio público como a teoria ou a técnica jurídica específica que atribuí tais coisas a titularidade do Estado que exerce prerrogativas e poderes inclusive no que tange a sua afetação ou desafetação Tal generalidade de uma teoria unitária de feição estritamente patrimonialista parece decorrer da literatura francesa de forma que se recorta a análise para as escolas da domaine public não apenas por ser a principal matriz do direito romanogermânica mas precipuamente por sua ampla adoção pela literatura administrativa brasileira Isto não significa em ignorar tanto as proposições do beni demaniali da literatura italiana quanto a öffentlichen Sachen na doutrina alemã mas a proposta da presente tese é desconstruir o status quo da teoria dominante no regime pátrio que tem uma nítida influência de origem francesa Quanto aos novos aportes utilizase a literatura espanhola que além de guardar elementos comuns ao sistema brasileiro tem os autores se dedicado a uma análise crítica da teoria do domínio público com formulações acerca dos problemas contemporâneos que envolvem os bens públicos e que corrobora com as hipóteses levantadas na presente tese Por esta razão fazse a ressalva que tanto na literatura tradicional que já havia adeptos minoritários quanto nos autores contemporâneos estrangeiros há aqueles que sustentam de forma próxima alguma das proposições deste trabalho Todavia não propõem uma construção 17 de uma tese com os variados elementos aqui trazidos o que confirmarão o ineditismo deste trabalho Fazse também o cotejo com as decisões do Conselho de Estado Francês em razão do seu papel capital na construção da teoria administrativa da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal para apontar as críticas a tal assimilação e dos julgados do Conselho de Estado Espanhol pela assimilação de algumas propostas trazidas por este trabalho Ademais ilustramse as questões com referências à constelação normativa de bens públicos cuja extensão e delimitação do tema impedem detalhada análise adotandose especial atenção às disposições da Constituição Federal e do Código Civil bem como fazendo seu contraste com o Código Civil Francês e Espanhol e a legislação estrangeira quando pertinente Por fim não poderia deixar de recordar que a história do direito administrativo é a narrativa de um movimento de redução do arbítrio do poder e proteção dos cidadãos o que demanda a recondução da sua disciplina não apenas a preservação do biônimo autoridade ou liberdade mas a busca por um ponto central que garanta igualmente tais interesses legítimos Não pretende a presente tese aderir a uma perspectiva liberal dos bens públicos de forma a conduzir a uma proteção dos direitos fundamentais e vilipêndio das coisas sob a sujeição estatal mas ao se centrar em uma noção de função social e o dever do seu titular de concretizálo buscar preservar ambos os interesses consagrados na ordem jurídica plural Propõe ser um pequeno contributo no papel que a Academia deve assumir na superação do discurso retórico na reiteração de institutos como lugar comum ou de uma investigação teórica voltada a fins ideológicos ou políticos senão a responsabilidade que deve ter a Universidade na construção do pensamento e da transformação social CAPÍTULO 1 A DELIMITAÇÃO DO DOMÍNIO PÚBLICO 11 As transformações do direito administrativo e as fronteiras do domínio público privatização despublicização e racionalização Discutir a noção assumida pelos bens públicos na ordem jurídica vigente pressupõe a delimitação da sua matriz teórica o domínio público não em sua concepção tradicional e generalizada mas na identificação de seu conteúdo contemporâneo à luz das transformações que tem se subsumido a disciplina jurídicoadministrativa Não pretende portanto analisar em si os influxos teóricos que em razão do descompasso do estado de arte atual da matéria com as transformações ocorridas na sociedade impõem a revisão das premissas teóricas estruturantes do direito administrativo1 e resultam na formação para alguns de uma disciplina pósmoderna2 É necessário todavia determinar em que medida as mutações da disciplina administrativa influem na delimitação contemporânea do domínio público de modo a contrastar com a referida construção tradicional que propõe a tentativa de formação de uma fronteira rígida no que se refere ao seu conteúdo De forma geral identificase o domínio público como a teoria que disciplina o conjunto de bens que formam o acervo patrimonial sob a titularidade estatal cujo uso destinase 1 Diante da crise teórica do Direito Administrativo iniciase um movimento dcoutrinário de ampla revisão das categorias e institutos administrativos formado dentre outros MOREIRA NETO Diogo de Figueiredo Legitimidade e Discricionariedade 3 ed Rio de Janeiro Forense 1998 DI PIETRO Maria Sylvia Zanella Parcerias na Administração Pública Concessão Permissão Franquia Terceirização e Outras Formas São Paulo Atlas 1999 MOREIRA NETO Diogo de Figueiredo Mutações do Direito Administrativo 2 ed atual e ampla Rio de Janeiro Renovar 2001 SOUTO Marcos Juruena Villela Desestatização Privatização Concessões Terceirizações e Regulações 4 ed rev atual e ampla Rio de Janeiro Lumen Juris 2001 ARAGÃO Alexandre Agências Reguladoras e Evolução do Direito Administrativo Rio de Janeiro Forense 2002 BAPTISTA Patrícia Transformações do Direito Administrativo Rio de Janeiro Renovar 2003 BINENBOJM Gustavo Uma Teoria do Direito Administrativo Direitos Fundamentais Democracia e Constitucionalização Rio de Janeiro Renovar 2006 FREITAS Juarez Direito Fundamental à Boa Administração São Paulo Malheiros 2014 2 Nesta perspectiva vide MOREIRA NETO Diogo de Figueiredo Quatro paradigmas do direito administrativo posmoderno legitimidade finalidade eficiência resultados Belo Horizonte Fórum 2008 19 diretamente a coletividade ou são afetados de forma indireta a uma finalidade pública e se sujeitam a um regime jurídico próprio e exorbitante do direito comum3 Embora seja um dos temas pouco desenvolvidos pela literatura jurídica pátria nas últimas décadas4 o domínio público tem sido objeto de severa investigação pelos autores estrangeiros que apontam a crise do instituto5 o seu fim enquanto teoria diante das suas incongruências6 ou sua desnecessidade atual para justificar a intervenção estatal7 Não parece que o descompasso do domínio público com as transformações do direito administrativo e as demandas sociais importem a sua desconsideração uma vez que os bens públicos em razão dos interesses público ao qual servem de substrato material continuam exigindo uma disciplina teórica capaz de sustentar um regime jurídico protetivo Assim mesmo abstraindo aqueles extremos é inegável que o estudo da teoria sobre a coisa pública tem sido realizado com uma rigidez que é imprópria ao direito administrativo uma vez que voltado à pluralidade de atividades de persecução do interesse público demanda um tratamento mais realístico capaz de lidar com os conflitos contemporâneos8 Temse adotado ainda uma perspectiva absoluta da concepção clássica de domínio público inclusive no que tange aos efeitos decorrentes do regime jurídico exorbitante instituído como a inalienabilidade e imprescritibilidade que não se amolda as transformações que têm se sujeitado o Estado em sua teoria e disciplina positiva 3 CRETELLA JÚNIOR José Dicionário de Direito Administrativo 3 ed Rio de Janeiro Forense 1978 p 204 4 Na maior parte das obras administrativistas brasileiras o tema é tratado sem grandes discussões acerca de seus fundamentos caracteres próprios e finalidades com raras exceções como os trabalhos recentes MARQUES NETO Floriano de Azevedo Bens públicos função social e exploração econômica o regime jurídico das utilidades públicas Belo Horizonte Fórum 2009 MARRARA Thiago Bens públicos domínio urbano e infraestruturas Belo Horizonte Fórum 2007 Na perspectiva tradicional vide as clássicas monografias CRETELLA JUNIOR José Dos bens públicos no direito brasileiro São Paulo Saraiva 1969 Tratado do dominio publico Rio de Janeiro Forense 1984 5 LAVIALLE Christian Le domaine public une catégorie juridique menacée Revue française de droit administratif n 3 1999 p 585 6 BERENGUER J L González Sobre la crisis del concepto de dominio público Revista de Administración Pública Espanha Centro de Estudios Políticos y Constitucionales n 56 Madrid 1968 p 191 7 GARCIA Julio V González Bienes patrimoniales y patrimonio y bienes patrimoniales de las Administraciones públicas in GARCIA Julio V González MENDIZÁBAL Carmen Agoués Mendizábal Coord Derecho de los bienes públicos Madrid Tirant lo Blanch 2015 p 109115 8 URUTTIA José Luiz GonzálezBerenguer Sobre La Crisis Del Conceptio de Dominio Publico Revista de Administración Pública Espanha Centro de Estudios Políticos y Constitucionales nº 56 1968 p 219 20 A teoria do domínio público deve se inserir no próprio reajustamento que tem sofrido o direito administrativo diante da tensão entre a ideologia liberal e estatal com a ascensão de novos paradigmas como a globalização e o neoliberalismo que resultam em dois fenômenos interligados ao qual se destaca a privatização e a despublicização9 Note que ambos os fenômenos decorrem do equilíbrio competitivo onde diante de determinadas externalidades que produzem falhas de mercado justificase uma ampliação do domínio público ao revés aquelas que geram falhas na propriedade pública conduzem a sua destinação ao domínio privado10 Tal regulação estatal na produção e qualificação de bens não representa em si um fenômeno novo o que distingue é a intensidade do movimento que se volve nas economias de mercado a reserva ao setor público apenas aos bens e serviços que sejam considerados essenciais deixando os demais para a iniciativa privada11 Assim surgem a partir da década de 1970 na Europa as falhas da intervenção estatal no domínio econômico e social que resultam na perda da credibilidade do setor público e apontam problemas que envolvem o campo político mas igualmente abrange a gestão administrativa como a questão da burocracia e a natureza dos bens públicos12 Exerce também capital importância no Estado Brasileiro que em um contexto de severa crise econômica na década de 1990 buscou com os referidos fenômenos a possibilidade de implementação de instituições e práticas administrativas capazes de garantir na gestão dos bens e atividades públicas a prossecução do interesse coletivo13 Em uma face com a privatização se substitui a exclusividade da atuação estatal na gestão do interesse público pela participação da iniciativa privada dotadas de meios mais 9 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación privatización y globalización de los bienes públicos del domínio público a las obligaciones de domínio público Revista de administración pública Espanha Centro de Estudios Políticos y Constitucionales n 161 2003 p 435 10 SAN ROMÁN Antonio Pulido Innovación competitividad y privatización in MONTES Jose Luis Teoría y política de privatizaciones su contribución a la modernización económica Madrid SEPI 2004 p 185 11 PANIAGUA Enrique Linde La retirada del Estado de la sociedad privatizaciones y liberalización de servicios públicos Revista de derecho de la Unión Europea n 7 2004 p 31 12 SÁNCHEZ IsabelMaría García La nueva gestión pública evolución y tendencias Presupuesto y gasto público Espanha n 47 2007 p 38 13 PEREIRA Luiz Carlos Bresser Crise Econômica e Reforma do Estado do Brasil São Paulo Editora 34 1996 p 272273 21 eficientes para a persecução dos bens e interesses almejados pela sociedade e em outra a publicização que impõe a ingerência estatal no fomento e regulação da delegação14 Abrange portanto a liberalização de determinados serviços públicos da titularidade estatal através de leis setoriais que uma vez servindo tais atividades de base para a afetação dos bens públicos devese considerar que irão abranger igualmente uma privatização material ou ao menos formal das referidas coisas15 É possível então firmar uma correlação entre a noção de privatização e transferência da propriedade ou titularidade das coisas públicas em uma concepção ampla empresas estatais ativos ou bens públicos propriamente ditos decorrentes de uma tentativa de atribuir maior eficiência em seu emprego e reduzir a ação estatal àqueles tidos como estratégicos16 Neste sentido que as sucessivas reformas administrativas ao buscarem aumentar a capacidade do Estado de forma a dispôlo de meios necessários para intervir efetivamente na sociedade e no mercado inexoravelmente devem envolver a redefinição não apenas sua relação com os serviços mas igualmente com os bens públicos17 Note que no Brasil há um histórico de reformas administrativas que desde o século XX buscaram a modernização e reforma administrativa bem como a racionalização do emprego dos bens públicos Porém é a partir das suas últimas décadas que propõese o modelo de desburocratização e desestatização18 A reforma administrativa no governo militar já traduzia transformações no que tange aos domínios do público com a formação de pessoas administrativas com personalidade de direito privado e dotadas de acervo patrimonial próprio19 bem como o controle rígido pela Administração Pública Federal dos bens públicos20 14 MOREIRA NETO Diogo de Figueiredo Mutações de Direito Administrativo 2 ed Renovar Rio de Janeiro 2001 p 3840 15 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 436 16 BRIONES Carlos Reflexiones sobre la privatización Realidad Económicosocial Universidad Centroamericana José Simeón Cañas 1991 p 181 17 SOUTO Marcos Juruena Villela Desestatização Op cit p 434435 18 LIMA JUNIOR Olavo Brasil As reformas administrativas no Brasil modelos sucessos e fracassos Revista de Serviço Público Ano 49 N 2 AbrJun 2008 p 1214 19 BRASIL DecretoLei nº 200 de 25 de Fevereiro de 1967 Art 5 II e III 20 BRASIL DecretoLei nº 200 de 25 de Fevereiro de 1967 Art 13 c 25 VIII e 87 22 Porém foram as reformas administrativas após a redemocratização que pretenderam imprimir uma racionalização da gestão pública e das organizações estatais existentes de modo a superar a crise de governabilidade e imprimir maior legitimidade e eficiência na realização das atividades e gestão dos bens públicos21 Assim o Programa Nacional de Desestatização que ao concentrar a ação estatal apenas nas atividades fundamentais à consecução de determinados interesses públicos previu como um dos objetos de suas modalidades operacionais a transferência ou outorga de bens móveis e imóveis da União22 Há quem discorde deste modelo de desestatização com a redução progressiva do Estado e por conseguinte da ação da Administração Pública em benefício do mercado gerando um protagonismo individual e portanto a redefinição das próprias fronteiras do Direito Administrativo e seus institutos23 Inclusive outros consideram que se opera uma mercantilização dos bens públicos que buscam gerar uma otimização para o próprio mercado afetando o princípio de universalidade de acesso aos mesmos apontando a dificuldade de delimitar uma fronteira conceitual clara dos domínios do público24 Apesar das críticas é inegável que a implementação do fenômeno através das referidas reformas administrativas produz um estreitamento da noção de domínio público ao denotar que a delimitação dos seus bens passa a se sujeitar às estratégias de ação estatal eleitas na persecução dos interesses públicos Em uma primeira vista parece apontar que a delimitação das fronteiras do domínio público não se sujeita apenas a análise da adequação da coisa à satisfação das necessidades coletivas mas a sua inserção dentro do plano de ação estatal que definirá a sua titularidade pública ou exploração privada Todavia isso não implica em reduzir a noção de desestatização com a privatização visto que a limitação da ação estatal não ocorre apenas através da redefinição da titularidade 21 Para uma análise da reforma administrativa e seus influxos no plano político técnico e jurídico vide MOREIRA NETO Diogo de Figueiredo Apontamentos Sobre a Reforma Administrativa Rio de Janeiro Renovar 1999 22 BRASIL Lei Federal nº 9491 de 9 de Setembro de 1991 Art 2 inciso V e 1º alínea c Art 4 e VII 23 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 435 24 BARRIOS Edgar Varela Dimensiones actuales de lo público A propósito de las interrelaciones entre Estado Management y Sociedad Pensamiento gestión n 18 Universidad del Norte Colombia p 5354 23 bens e serviços para o campo privado mas igualmente conduz a delegação da gestão das referidas coisas ou da execução de tais atividades O fenômeno envolve não apenas reduções do campo estatal na realização de atividades ou gestão de bens públicos mas igualmente a sua coexistência com o setor privado na referida prossecução dos interesses públicos bem como modificações na distribuição de funções e poder no âmbito público25 Deste modo o Programa Nacional de Desestatização previu não apenas a modalidade de alienação mas a possibilidade de arrendamento locação comodato ou cessão de bens e instalações bem como o aforamento remição de foro permuta cessão concessão de direito real de uso resolúvel dos bens imóveis da União26 Por efeito o redimensionamento da noção de domínio público transpassa uma redução do seu respectivo acervo mas envolve a manutenção de determinados bens no acervo público porém reconhecendo que a sua proteção e promoção da finalidade pública não ocorrerão necessariamente sob a titularidade estatal Neste sentido alguns autores identificam o fenômeno como despublicização ou o que parece mais adequado como uma publicização alternativa já que não significa uma desregulação da ação administrativa através da perda de sua titularidade mas da sua transformação com a busca de outras fórmulas de intervenção e de controle27 Assim há de se incluir as próprias alterações do modelo estatal no que se refere ao regime de execução dos serviços públicos por outros entes públicos ou privados igualmente produz efeitos no substrato material desta atividade e portanto devem traduzir reflexos no que tange a teoria do domínio público28 Em um contexto onde a prestação dos serviços e das atividades públicas passa a ser desenvolvida a partir de convênios e consórcios entre os poderes públicos de delegação legal ou negocial com a iniciativa privada bem como por parcerias e ajustes com a sociedade civil tornase difícil delimitar uma noção rígida de uma teoria do domínio público 25 SÁNCHEZ IsabelMaría García La nueva gestión Op cit p 46 26 BRASIL Lei Federal nº 9491 de 9 de Setembro de 1991 Art 4 e VII 27 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 436 28 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 446 24 A redefinição dos papéis dos atores sociais e estatais na gestão do interesse público através da dissociação do espaço público da esfera estatal e a coordenação de suas respectivas atuações demanda adequar o domínio público aos agentes públicos e privados que exercerão igualmente titularidade sob os bens públicos Basta considerar no que se refere a determinadas modalidades de delegação negocial como as parcerias públicoprivadas onde formase uma sociedade de propósito específico que não apenas pode ser constituída como pessoa jurídica de direito privado como ter a forma de companhia aberta sem a maioria acionária pública29 Enquanto responsável pela implantação e gestão do referido objeto da parceria30 será encarregado portanto pela contraprestação da Administração Pública que envolve a outorga de direitos sobre os bens públicos dominicais bem como a própria cessão dos demais bens públicos se necessário para atingimento dos seus fins31 Igualmente em variadas circunstâncias caberá a Administração Pública para assegurar o oferecimento de determinada atividade ou serviço de interesse da coletividade abandonar o regime jurídico de direito público e recorrer às formas e instrumentos de natureza de direito privado32 Assim por exemplo temse o instrumento de cessão de uso na modalidade gratuita ou sob condições especiais seja para os entes estatais na prestação de serviços públicos ou para as pessoas privadas a realização de atividades de interesse público ou social ou de aproveitamento econômico de interesse nacional33 Admite a referida lei que seja formalizada através do regime de concessão de direito real de uso resolúvel34 sujeito às regras dispostas no decreto federal que regula o loteamento urbano e a concessão de uso de terrenos públicos como um direito real resolúvel permitindo a sua contratação por instrumento público ou particular35 29 BRASIL Lei Federal nº 11079 de 30 de Dezembro de 2004 Art 9 2º e 4º 30 BRASIL Lei Federal nº 11079 de 30 de Dezembro de 2004 Art 9 caput 31 BRASIL Lei Federal nº 11079 de 30 de Dezembro de 2004 Art 6 inciso IV e V 32 VEDEL Georges DELVOLVÉ Pierre Droit Administratif vol 1 Paris Presses Universitaires de France 1992 p 36 33 BRASIL Lei Federal nº 9636 de 15 de Maio de 1988 Art 18 inciso I e II 34 BRASIL Lei Federal nº 9636 de 15 de Maio de 1988 Art 18 1º 35 BRASIL DecretoLei nº 271 de 28 de Fevereiro de 1967 Art 7 caput e 1º 25 Sob tal viés importa em uma redefinição não apenas dos limites para definição do domínio público mas do seu próprio regime jurídico pois em dadas situações corresponderá ao melhor atendimento do interesse público a sua realização sob uma disciplina privada Ainda que com as restrições oriundas da preservação do interesse público Não deixam de existir cláusulas exorbitantes por exemplo em contratos de cessão de uso oneroso por particulares de bens públicos que embora constituídos por prazo indeterminados se sujeitam à previsão da revogação pelo Estado a qualquer tempo em razão de interesse público36 Note todavia que tal expansão da noção de público não se identifica com o estatal mas envolve além da execução pelos entes privados das referidas atividades estatais Igualmente a promoção de interesses da coletividade realizado diretamente pela sociedade conduz a uma necessária redefinição do domínio público Neste sentido não é recente o reconhecimento de que determinados entes particulares voltem suas atividades à realização de interesses da coletividade e portanto devem ser reconhecidos e protegidos pelo Estado que usualmente os qualificava como entidades de utilidade ou de interesse público Note todavia que isto não importava em uma influência na teoria do domínio público pois a declaração dependia de um requerimento formal e uma anuência estatal mediante o cumprimento de determinados requisitos legais sem que resultasse em qualquer tipo de cessão de bens públicos37 Não obstante imediatamente após a implementação do Plano de Desestatização foi consagrado o Programa Nacional de Publicização com o estabelecimento de diretrizes e critérios para a qualificação dos referidos entes privados de forma a garantir a absorção das atividades antes desenvolvidas pelos poderes públicos Desta feita além da previsão dos requisitos formais para a qualificação das entidades da sociedade civil como organizações de interesse público ou organizações sociais foi 36 BRASIL DecretoLei nº 271 de 28 de Fevereiro de 1967 Art 17 caput e 2º 37 BRASIL Lei Federal nº 91 de 28 de Agosto de 1935 Art 3º Nenhum favor do Estado decorrerá do titulo de utilidade publica salvo a garantia do uso exclusivo pela sociedade associação ou fundação de emblemas flammulas bandeiras ou distinctivos proprios devidamente registrados no Ministerio da Justiça e a da menção do titulo concedido 26 garantida a destinação dos bens públicos38 Inclusive com a determinação da forma de permissão de uso ou permuta desses bens39 Com o estabelecimento do regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil e suas respectivas reformas previuse a doação de bens públicos para os respectivos entes desde que mediante a realização de prévio chamamento público40 Ademais garantiu as organizações da sociedade civil o reconhecimento do benefício independente de sua certificação de receber bens móveis considerados irrecuperáveis apreendidos abandonados ou disponíveis e que sejam administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil41 Também previu que mesmos os bens adquiridos com recursos financeiros envolvidos na parceria que podem ser decorrentes de aporte estatal ainda que necessários à consecução do objeto ao qual guarda uma natureza pública não se incorporassem ao mesmo podendo inclusive serem doados pela Administração Pública42 Vide portanto que a par da delegação legal ou negocial há o reconhecimento para que as sociedades civis que exercem sem fins lucrativos atividades de interesse público não apenas a atribuição formal de uso dos bens públicos mas inclusive a sua permuta ou alienação gratuita em razão da função coletiva que exercem À primeira vista isto poderia significar que a delimitação das fronteiras do domínio público se sujeite a uma perspectiva estritamente liberal de forma a restringir o alcance dos bens públicos e mitigar o seu regime jurídico em razão da atuação de sujeitos privados inclusive em garantia de sua titularidade sob eles Por um lado seria desconsiderar que o processo liberalizador abrange não apenas a privatização com a transferência de titularidade para os entes particulares mas envolve igualmente a ampliação da atuação do Estado no âmbito privado como por exemplo enquanto sócio de empresas43 Por outro negar que os contornos do domínio público 38 BRASIL Lei Federal nº 9790 de 23 de Março de 1999 Art 4 inciso V 39 BRASIL Lei Federal nº 9637 de 15 de Maio de 1988 Art 12 e 13 40 BRASIL Lei Federal nº 13019 de 31 de Julho de 2014 Art 19 41 BRASIL Lei Federal nº 13019 de 31 de Julho de 2014 Art 84B inciso II 42 BRASIL Lei Federal nº 13019 de 31 de Julho de 2014 Art II inciso XIII e Art 36 parágrafo único 43 PANIAGUA Enrique Linde La retirada del Estado de la sociedad Op cit p 37 27 abrangem também um processo de revalorização dos bens públicos de forma a adequálo a outras realidades como por exemplo o domínio público radioelétrico e a expansão dos bens culturais e ambientais que reforçam a importância da finalidade pública no que tange a titularidade de bens44 Reconhecer a necessidade de uma teoria construída para proteger os bens enquanto públicos não importa admitir uma proteção indiscriminada à título de preservação do coletivo mas a necessidade de perquirir quais são as fronteiras do domínio público e portanto dos bens que devem se sujeitar ao regime jurídico protetivo Envolve aduzir que os alicerces no qual foi construída a teoria vigente do domínio público são insuficientes para lidar com as transformações que se sujeitou a disciplina administrativa e portanto conduzem a um influxo de duas forças opostas que resultam em movimentos antagônicos mas complementares de ampliação e de redução das suas fronteiras Em um vértice a expansão do domínio público deve envolver diretamente a necessidade de redimensionálo de forma a abranger as atividades de prossecução do interesse público realizadas pela própria sociedade resguardando portanto os seus substratos materiais na medida em que ligados aos mesmos Nesse sentido vale notar que o Conselho de Estado em sua jurisprudência recente tem firmado uma tendência expansionista do domínio público com uma aplicação rígida do regime de direito público aos bens sob a titularidade estatal inclusive no que tange aos seus bens patrimoniais de índole privada45 Todavia não parece que o entendimento da corte siga o influxo da proposta de ampliação protetiva pois não se pretende ampliar o domínio estatal resguardando uma maior proteção às coisas sob a titularidade dos poderes públicos mas uma tutela para bens que exerçam uma função pública ainda que sem a titularidade estatal Tanto que têmse afirmado que tal rigor do Conselho de Estado gera uma condenação dialética ao instituto que ao revés de se adaptar às questões subjacentes na prática tem 44 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 437 45 GAUDEMET Yves El futuro del Derecho de las propiedades públicas Revista Andaluza de Administración Pública n 40 2000 p 17 28 mantido um endurecimento teórico embora sujeito a aplicação cada vez mais excepcional de soluções do regime comum ou civil46 Como dito não se afilia a noção de que a própria concepção de domínio público diante de tais transformações estaria fadada a sua extinção ou inutilidade mas que tais influxos no direito administrativo denotam as contradições do seu substrato teórico e impõe ajustes e correções necessárias ao tema Isto porque se por um lado demanda uma releitura da noção de domínio público para ampliar o seu regime protetivo sob outro prisma tornase necessário o estreitamento do domínio público para discutir a proteção dos bens que não exerçam um munus publico por não estarem ligados à ação estatal de satisfação das necessidades coletivas É inegável que a teoria do domínio público como máximo expoente da propriedade pública e construída sob a égide de um Estado Liberal tornase inadequada diante do influxo de um modelo de Estado Mínimo correspondendo tal regime um obstáculo pela sua rigidez para o desenvolvimento de vários institutos47 Tomese por exemplo as infraestruturas que encontram como um dos entraves para o seu desenvolvimento as limitações do domínio público produzindo muita das vezes conflito entre os prestadores privados de serviço público e os titulares dos referidos bens públicos no que tange a implementação dos equipamentos e redes imprescindíveis48 Tais problemas dentre outros apontam não apenas a inadaptação da teoria do domínio público para resolver questões contemporâneas mas impõe a discussão sobre uma atenuação ou flexibilização dos seus princípios capaz de permitir uma melhor gestão dos bens públicos pelo Estado49 Por esta razão não se limita tais transformações observadas na teoria do domínio público apenas no que tange a relação entre os bens públicos e os sujeitos privados mediante o descolamento da noção de público e estatal com resultante delegação legal negocial ou consensual da execução da atividade pública Envolve também a definição das fronteiras do 46 GAUDEMET Yves El futuro Op cit p 17 47 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 446 48 MARRARA Thiago Bens públicos domínio urbano infraestrutura op cit p 241242 49 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 447 29 domínio público no que tange ao próprio EstadoAdministração adequando as suas relações jurídicas que tem por objeto os bens públicos de forma às transformações que conduzem a um novo modelo de gestão do interesse público pela Administração Pública Neste sentido o processo de globalização não se identifica apenas com um processo de difusão do conhecimento ou de efeitos nas relações econômicas mas envolve a subsunção a vetores como eficiência e desempenho que impõem um complexo de transformações não apenas nas relações sociais e econômicas mas políticas e estatais50 Impõe a racionalização do emprego dos recursos disponíveis para a Administração Pública mediante a modernização de suas estruturas e o aprimoramento e qualificação de seus agentes capaz de permitir uma gestão responsável dos bens públicos e portanto maior celeridade economicidade e eficiência na prossecução do interesse público51 Neste tocante discutir as fronteiras do domínio público envolve verificar suas margens internas de forma a delimitar em que medida tais fenômenos alteram a relação dos entes órgãos e agentes públicos no que tange à gestão dos referidos bens permitindo e garantir uma ação administrativa efetiva na prossecução do interesse público52 Verificase portanto que a gestão responsável dos bens públicos envolve um processo de racionalização na sua gestão pelo poder público e portanto demanda uma modificação no perfil organizacional dos entes e órgãos que impõem um novo standard de atuação dos seus agentes53 que foi assimilado pelas reformas administrativas54 Neste sentido o domínio do público se sujeita a um processo de racionalização que não determina apenas apropriação privada ou transferência de sua titularidade a agentes 50 A sociedade de conhecimento que tem por eixo central a informação e as tecnologias de comunicação articula uma revolução expressa na globalização do capital na mediação das expressões culturais e na modelagem da política e da ação estatal de forma profunda com efeitos variados A abordagem será restrita àqueles que se correlacionam com o objeto do trabalho Sobre o tema vide CASTELLS Manuel A sociedade em rede a era da informação economia sociedade e cultura São Paulo Paz e Terra 1999 51 COUTINHO José Roberto de Andrade Gestão Patrimonial na Administração Pública Rio de Janeiro Lumen Juris 2004 p 3435 52 COUTINHO José Roberto de Andrade Gestão Patrimonial na Administração Pública Op cit p 3435 53 BEHN Robert D O Novo Paradigma da Gestão Pública e a Busca da Accountability Democrática in Revista do Serviço Público Ano 49 Num 4 OutDez 1998 p 7 54 Neste sentido a Emenda Constitucional 1998 preconizou o processo de profissionalização da Administração Pública em especial com a previsão de manutenção de Escolas de Governo para formação e treinamento dos servidores públicos artigo 39 2º de aplicação de recursos públicos para empregar no desenvolvimento de programas de qualidade e produtividade treinamento e desenvolvimento modernização do serviço público artigo 39 7º dentre outros BRASIL Emenda Constitucional nº 19 de 04 de Junho de 1998 30 privados como ocorre na privatização e despublicização mas à adequação efetiva de sua gestão pelo Estado à prossecução dos interesses públicos Esse fenômeno resulta na Administração Pública no movimento de subsidiariedade com utilização da iniciativa privada dotada de maior capacidade técnica e operacional para a prestação do serviço e gestão dos bens públicos e de especialidade com emprego de conhecimentos especializados na gestão eficiente dos bens e interesses públicos55 Deslocase portanto o eixo central da atuação administrativa concentrado antes em uma racionalidade procedimental e exteriorizado na observância à legalidade estrita e no controle prévio para o vetor desempenho de forma a aferir a gestão dos bens públicos de modo a avaliar o atendimento aos interesses que se propõem56 Tal processo determina que o espaço de atuação da Administração Pública adote a escolha dos meios que produzam os melhores resultados possíveis em atendimento do interesse público57 e portanto a atribuição de técnicas que permitam uma melhor gestão dos bens que compõem o domínio público Isso não significa ignorar que tal processo de racionalização que se sujeita a Administração Pública possa ser exclusivamente técnico uma vez que a persecução do interesse público se sujeita ao influxo de questões ideológicas econômicas e sociais que conduzem ao debate sob uma tentativa de neutralidade e interfere na questão da eficiência58 Porém independente das críticas ao fenômeno tanto o processo de racionalização quanto de privatização e despublicização representam paradigmas que impõem uma releitura dos institutos categorias e normas do direito administrativo e produzem efeitos na delimitação das fronteiras do domínio público Observase com os fenômenos um nítido deslocamento do público com o estatal na transferência da titularidade ou execução dos serviços e bens para entes privados e na 55 MOREIRA NETO Diogo de Figueiredo O Estado e o Futuro Prospectiva Sobre Aspectos da Instituição Estatal in A Reengenharia do Estado Brasileiro São Paulo Editora Revista dos Tribunais 1995 p 47 56 SOUTO Marcos Juruena Villela Desestatização Op cit p 434435 57 MOREIRA NETO Diogo de Figueiredo Legitimidade e Discricionariedade 3 ed Rio de Janeiro Forense 1998 p 2526 e 76 58 MEYNAUD Jean Problemas Ideologicos Del Siglo XX Barcelona Ariel 1964 p 362363 31 manutenção e o emprego racional apenas dos bens públicos considerados estratégicos ou essenciais para a persecução do interesse público Tornase difícil portanto sustentar um conceito estrito para o domínio público que o identifique com a titularidade estatal ou a sujeição plena a um regime jurídico de direito privado uma vez que na busca do melhor atendimento ao interesse público o Estado pode atribuir a coisa a entes particulares ou adotar formas do direito comum Por efeito o que se pretende não é um esvaziamento da noção do domínio público mas sua adequação às referidas transformações que permita garantir uma disciplina jurídica mais protetiva para os bens públicos independente da titularidade ou instrumento adotado pelo ente estatal Não obstante isso encontra como óbice a construção de sua teoria no século XIX e na sua perpetuação ainda na contemporaneidade à luz de uma centralidade na figura do Estado o que gera uma concepção equivocada de que o domínio público tem por fundamento a soberania ou do poder estatal Tornase necessário portanto perquirir se é possível ainda sustentar uma teoria do domínio público calcada sob a noção de puissance publique formada na ascensão do Estado Moderno há mais de dois séculos e sob a égide de um Estado Constitucional de Direito que reordena a relação entre o Estado e a sociedade A reconstrução das fronteiras do domínio público perpassa então pelo necessário debate do fundamento de sua teoria e a tentativa de deslocamento capaz de situar os bens públicos em um contexto que assumem outras titularidades e utilizam formas oriundas do direito privado O tema será tratado a seguir 12 O mito do fundamento do domínio público e a sua feição no Estado Constitucional de Direito do poder soberano aos deveres funcionais Uma das dificuldades no que tange a adequação da teoria do domínio público aos influxos das transformações na disciplina administrativa é a tentativa de sustentar ainda como o seu fundamento a noção de soberania que em uma visão tradicional representaria o poder exercido pelo Estado sobre as coisas em seu território Na literatura jurídica inúmeras são as concepções da soberania que ora se identifica com a titularidade de seu governante59 ora é tida pelos seus governados60 Pode ser vista enquanto elemento de ordenação das relações internacionais61 ou forma de legitimidade do ente público62 Porém todas parecem se ligar a uma noção de poder ainda que juridicizado Não se pretende abordar as críticas à vertente da soberania como poder absoluto seja com a construção de limites decorrentes de um direito natural como superior e anterior ao Estado63 seja com a desconstrução do monopólio normativo do Estado com o reconhecimento de outros sujeitos como grupos e associações64 Cabe verificar se a soberania em si e o poder público como sua decorrência é capaz de sustentar adequadamente na contemporaneidade uma teoria do domínio público tendo em vista também o seu redimensionamento em razão das transformações que igualmente se sujeitou o Estado Tratar do domínio pressupõe portanto o que parte da literatura estrangeira designa como uma desmistificação da sua teoria em razão da sua falta de unidade e coerência que conduz necessariamente a uma redefinição capaz de permitir a regulação do seu acervo à luz daquelas transformações65 Um dos mitos é que o domínio público tem por fundamento a noção de soberania ou poder público que permite atribuir ao Estado uma titularidade e o exercício sobre as referidas coisas públicas uma série de prerrogativas ou poderes no exercício da atividade administrativa Constróise para a propriedade pública um espaço amplo de decisão que não gera uma adequação aos ditames impostos pela ordem jurídica que demandam a 59 BODIN Jean Les six livres de la République Paris Librairie générale française 1993 60 ROUSSEAU JeanJacques O Contrato social São Paulo Martins Fontes 2000 61 KANT Immanuel A paz perpétua Porto Alegre LPM 2006 62 KELSEN Hans Teoría General Del Estado Mexico Editora Nacional 1959 63 DUGUIT Léon Soberania y Libertad Madrid Editora Beltran 1924 p 206210 64 LASKI Harold J El problema de la soberania Buenos Aires Editora Siglo Veinte 1945 p 1531 65 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 436 33 funcionalização das coisas e a própria finalidade da construção de uma disciplina própria voltada à finalidade pública Assim gera a idiocrasia por exemplo de sustentar que por ato formal a desafetação de bens públicos ainda que funcionalizados bem como que se adquira ou mantenha no acervo estatal coisas que não exerçam nenhuma finalidade pública sem que haja qualquer imposição para a sua alienação aos domínios privados ou afetação à alguma função coletiva Porém isto é decorrência não do instituto mas da própria natureza da disciplina administrativa onde constroemse mitos administrativos que traduzem na eleição de determinados conceitos capaz de se apoiar em uma perspectiva emocional ou não racional dos cidadãos e garantir um consenso sem uma efetiva discussão dos referidos institutos66 Tomese por exemplo a apontada supremacia do interesse público que embora possa traduzir uma aparente e salutável proteção do bem coletivo sua noção como princípio acabou sendo construído durante a ditadura militar67 e serviu como o fundamento para a doutrina da segurança nacional para sustentar o seu regime 68 Um dos mitos é a entidade multiforme chamada puissance publique que apesar de transvestida em uma noção jurídica enquanto poderes ou potestades atribuídas ao Estado com fins ao interesse público exerce um papel ideológico e quase místico ou religioso da ação estatal69 Com a idéia de que a puissance publique busca atender o interesse comum as instituições e agentes estatais pelos quais se manifestam o público acabam gozando de uma aprovação tácita para as duas decisões o que conduz não apenas a uma legitimação dos seus atos mas igualmente a garantia de obediência70 A Administração Pública acaba por simbolizar esse poder do Estado e por conseguinte esse clichê que se reforça pelo caráter ritualístico que é dado à ação administrativa pelo culto das formas a construção de uma hierarquia e o caráter de coercitividade da obrigatoriedade das sanções71 Enraízase tal noção de puissance publique de forma que é comum na literatura jurídica e na própria concepção comum considerar que o Estado é o poder público ou que a 66 DÉROCHE Henry Les Mythes Administratives Paris Dalloz 1966 p 17 67 MELLO Celso Antônio Bandeira de O Conteúdo do Regime JurídicoAdministrativo e seu Valor metodológico Revista de Direito Público v 1 n 2 p 45 outdez 1967 68 MEIRELLES Hely Lopes Poder de Polícia e Segurança Nacional Revista dos Tribunais São Paulo v 61 n 445 p 288289 Nov1972 69 DÉROCHE Henry Op cit p 17 70 DÉROCHE Henry Op cit p 19 71 DÉROCHE Henry Op cit 22 34 Administração Pública é o poder público72 e portanto que os seus institutos são a manifestação da soberania ou poder Isso ocorre com o domínio público que ao revés de se identificar como a teoria que busca dotar ou garantir para os bens públicos a realização de seus fins na satisfação das necessidades coletivas acaba sendo o regime que reafirma a autoridade estatal e o poder exercido sob as coisas Neste sentido embora originada no Absolutismo Real tentase transmutar tal noção de poder no Estado Moderno com a prerrogativa concedida à Administração Pública para vencer a resistência dos particulares e garantir os sacríficos necessários ao interesse público o que ensejará restrições necessárias73 Porém ainda que dotada de um caráter jurídico tais poderes ou prerrogativas chocam o sentimento jurídico moderno quanto a irresponsabilidade do Estado em determinadas atividades como o exercício ordinário da função legislativa ou judiciária ou a existência de atos discricionários não sujeitos a qualquer controle74 No que tange ao domínio público a construção de sua teoria à luz de uma puissance publique que coloca o Estado nessa posição privilegiada em relação às coisas públicas sob o qual tem a titularidade deve ser discutido diante da ascensão dos paradigmas de um Estado Constitucional de Direito Todavia na literatura nacional ainda se sustenta o domínio público como poder direto e especial do Estado exercido sobre os bens do seu acervo que junto ao domínio eminente permite atuar não apenas sob as coisas públicas mas qualquer propriedade privada dos particulares em seu território como decorrência da soberania estatal75 A própria expressão domínio público chega a ser utilizada às vezes para designar não apenas o acervo as coisas públicas supostamente sujeitas ao patrimônio do ente público mas aos próprios poderes espaços inapropriáveis e propriedades particulares sujeitos à soberania estatal76 Neste sentido a noção de soberania estatal corresponde ao elemento material da noção de domínio público sob a justificativa que tais bens se caracterizam por fazer parte do 72 ROUSSET Michel LIdée de Puissance Publique em Droit Administratif Paris Librairie Dalloz 1960 p 7 73 RIVERO Jean Droit Administratif 3 ed Paris Dalloz 1965 p 11 74 VEDEL Georges DELVOLVÉ Pierre Droit Administratif Op cit p 35 75 CRUZ Alcides Direito Administrativo Brasileiro 2 ed Rio de Janeiro Francisco Alves Cia 1914p 215 Para o autor não existe um domínio imanente do Estado sobre o domínio privado mas as condições a propriedade individual são a própria manifestação do exercício da soberania nas relações privadas que impõe restrição à autonomia individual em razão da necessidade social 76 CAETANO Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 830 35 território do Estado inclusive no que tange aos seus referidos bens acessórios ainda que destacáveis como as lanternas e bóias de um navio público77 Inegável que a formação da disciplina teórica do domínio público ocorre imediatamente após a ascensão do Estado Moderno e portanto se justifica pela necessidade de superar a monarquia e afirmar a soberania do ente público no que diz respeito a gestão do referido acervo de coisas O problema é que o debate na literatura jurídica ainda se move em torno da dogmatização da categoria de domínio público em um plano teóricohistoricista que se abstrai das profundas mutações que foram experimentadas pelo Estado na sua evolução e que alteraram o sentido e a funcionalização dos bens públicos78 A compreensão do domínio público como a manifestação do poder ou da soberania estatal impede que se reconheça por exemplo o particular que ocupa um bem público desfuncionalizado e a possibilidade de darlhe um fim social tal qual determina a própria Constituição Federal ao estipular o dever de funcionalização da propriedade sem distinguila As celeumas relativas aos bens públicos como a titularidade por entes privados a impossibilidade de sustentar um regime exclusivamente público a contraditória manutenção de coisas públicas desfuncionalizadas e a funcionalização por indivíduos envolve o enraizamento da noção de soberania Isto porque baseiase em uma noção tradicional e incompatível de soberania estatal enquanto potestade que se exterioriza na formação de uma teoria do domínio público que se infirma em um exercício do Estado sobre a sua propriedade como um poder jurídico análogo ao que ostentava sob as demais coisas79 Porém não é mais possível sustentar a construção moderna de soberania como um poder de comando absoluto que não se sujeita a limites exceto das leis divinas ou naturais e perpétuo já que fundamento da própria República que concede não apenas o monopólio da produção do Direito mas do exercício da coerção80 77 FOIGNET René Op cit p 196 78 ALFONSO Luciano Parejo Dominio Publico Un Ensayo de Reconstruccion de Su Teoria General Revista de Administración Publica Espanha Centro de Estudios Políticos y Constitucionales N 100102 EneroDiciembre 1983 p 2 79 Tal noção remonta ao próprio Direito Romano onde as conquistas militar tornavam os territórios adquiridos ao povo romano que podia fazer o aproveitamento máximo de todas as propriedades inclusive privadas através de variados instrumentos de cessão ager quaestorius ager trientalibus fruendus datus ager occupatorius e ager vectigalis concessão ou arrendamento ALFONSO Luciano Parejo Dominio Publico Op cit p 7 80 BODIN Jean Les six livres de la République Op cit p 111 36 Concebida como autodeterminação juspolítica plena a soberania não é mais sequer tida como um elemento essencial do Estado81 diante da formação de entes que declinam da soberania mediante uma razoável autonomia na organização políticajurídica desde que possam garantir simultânea identidade e segurança82 Assim se antes a soberania era elemento essencial para a afirmação do Estado Moderno ora acaba por assumir uma feição relativizada na contemporaneidade onde se assistem Estados com organização e meios políticos próprios não soberanos de modo que se tornam raros aqueles podem ser considerados efetivamente nacionais83 A soberania passa a corresponder portanto a um atributo específico do poder traduzindo em uma insubmissão de sua ordem jurídica a qualquer outra e no acesso à comunidade internacional de forma igualitária e sem subordinação à força ou diretrizes do Estado Estrangeiro84 Isso todavia não conduz a compreensão que no âmbito interno não haja a submissão a sua própria produção normativa ou que no âmbito externo não se sujeite à comunidade internacional através dos tratados firmados ou do ius cogens o que aponta que é um poder mitigado sujeito a limitações Adéquase à transformação do direito internacional no século XX onde a feição de soberania se transmuta de poder para autonomia dos povos e permite a reconstrução da comunidade internacional à luz de proteções garantidas em âmbitos mundiais que reforçam os constitucionalismos nacionais85 Os arbítrios dos Estados no exercício das suas soberanias em especial no que tange as guerras mundiais e os regimes totalitários ou autoritários apontam a necessidade de relativização do poder que envolve sua compreensão como expressão ordenada das forças na sociedade para a realização dos fins comuns86 O desenvolvimento da comunidade internacional e dos grupos supranacionais bem como a integração política jurídica e econômica importa em um estreitamento da plenitude do poder dos entes estatais inclusive no seu âmbito interno o que conduz a um esvaziamento 81 JELLINEK Georg Teoria General Del Estado Bueno Aires Editorial Albatros 1973 p 366367 82 MIRANDA Jorge Teoria do estado e da constituição Rio de Janeiro Forense 2002 p 218 83 JELLINEK Georg Teoria general do Estado Op cit p 367 84 Nesse quadro em que surge a soberania como a capacidade internacional plena é possível identificar Estados soberanos semissoberanos e não soberanos sendo os últimos aqueles que não integram a comunidade internacional organizada mas são sujeitos passivos das regras que necessariamente irão o reger MIRANDA Jorge Teoria do estado Op cit p 219230 85 FERRAJOLI Luigi A soberania no mundo moderno São Paulo Martins Fontes 2003 p 7 86 MOREIRA NETO Diogo de Figueiredo Teoria do Poder Sistema de direito político estudo juspolitico do poder São Paulo Editora Revista dos Tribunais 1992 p 17 37 da noção de soberania87 Tornase insustentável uma concepção restrita de soberania uma vez que há a presença de sujeitos internacional de direito privado como os conglomerados econômicos ou de direito público tal qual os órgãos internacionais que não atuam apenas em um território nacional mas também editam ou aplicam normas que sujeitam os referidos Estados Ademais com a consagração do sistema internacional de proteção dos direitos do homem se relativiza a noção de soberania88 inclusive no âmbito interno com a reordenação da relação de súdito e soberano para de Estado e de cidadão sujeito portanto a uma soberania limitada89 Há um nítido deslocamento do paradigma estatal para cidadão que demanda uma releitura da soberania não apenas como forma de submissão dos indivíduos voltada ao atendimento dos fins coletivos mas igualmente como sujeição dos entes públicos ao respeito e promoção aos direitos humanos fundamentais Assim se amoldam às transformações externas as mudanças produzidas no direito nacional uma vez que com a ascensão do Estado de Direito impõese ao sujeito soberano à vinculação a alguns paradigmas princípio da legalidade a separação dos poderes e os direitos fundamentais o que significa em certa medida a própria negação da soberania90 Há uma perda nítida no espaço de poder do Estado na medida em que ele é exercido de forma especializada entre órgãos separados de acordo com o próprio fruto da sua produção normativa e observado o procedimento legislativo em respeito aos direitos que são atribuídos aos cidadãos como igualmente forma de controle do arbítrio Desta feita verificase uma inegável tensão dialética entre soberania enquanto concentração e unificação do poder com constitucionalismo conquanto técnica de separação e equilíbrio de forma que a consagração do Estado Constitucional importa na redução dessa dimensão de poder absoluto evitando que seja arbitrário91 87 BOBBIO Noberto MATTEUCCI Nicola PASQUINO Gianfraco Dicionário de Política Brasília Editora Universidade de Brasília 1998 p 1187 88 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS Declaração Universal dos Direitos Humanos 10 de dezembro de 1948 Art 2 Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração sem distinção alguma nomeadamente de raça de cor de sexo de língua de religião de opinião política ou outra de origem nacional ou social de fortuna de nascimento ou de qualquer outra situação Além disso não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa seja esse país ou território independente sob tutela autônomo ou sujeito a alguma limitação de soberania 89 FERRAJOLI Luigi A soberania no mundo moderno Op cit p 43 90 FERRAJOLI Luigi A soberania no mundo moderno Op cit p 28 91 BOBBIO Noberto MATTEUCCI Nicola PASQUINO Gianfraco Dicionário de Política Op cit p 11851186 38 Note portanto que o Estado Constitucional de Direito produz vínculos não apenas formais relativas as exigências formais mas igualmente substanciais quanto aos condicionamentos materiais que produz a validade substantiva do ente público e conduz a um redimensionamento da noção de soberania 92 Propõese reduzir o campo de liberdade estatal pelos poderes constituídos na decisão pública em razão não apenas da submissão formal à sua produção legislativa mas ao respeito das escolhas fundamentais realizadas pelo titular do poder no âmbito da lei fundamental daquele Estado Isto porque veicula a Constituição um sistema de limites e vínculos jurídicos impostos aos poderes públicos que portanto esvazia a concepção tradicional de soberania enquanto um poder ilimitado e determina a nececssidade de sua análise à luz das transformações ao qual tem se submetido o Estado e o Direito93 Ao revés considerada a lei fundamental como um pacto que introduz não apenas a organização dos poderes mas igualmente o catálogo dos direitos fundamentais bem como os fins e objetivos a serem alcançados por aquele Estado a ação pública passa a ser conduzida não a partir da soberania como um poder absoluto Tal movimento se adéqua ao reconhecimento da força normativa da constituição com o rompimento da concepção da lei fundamental como um documento jurídico ou pedaço de papel cuja capacidade de regular a realidade subjacente depende da constituição existente ou dos fatores reais de poder dominante em um país 94 A idéia de uma constituição cuja eficácia dependia dos fatores reais além de negar a própria lei fundamental importava em considerar que a sua sujeição às forças políticas e sociais sem a força própria ordenadora da ação estatal resultava que os seus preceitos são um convite à atuação dos poderes públicos 95 Significava dotar o Estado de um poder de determinação no que tange a realização ou não daquilo previsto no pacto fundamental da sociedade o que na prática condiciona a eficácia da Constituição enquanto uma norma jurídica à decisão política de sua realização pelos poderes públicos No que tange ao direito administrativo isso é claro na questão do interesse público que acaba sendo um reduto de poder pela Administração Pública no que tange a definição e 92 FERRAJOLI Luigi A soberania no mundo moderno Op cit p 29 93 FERRAJOLI Luigi A soberania no mundo moderno Op cit p 29 94 HESSE Konrad A Força Normativa da Constituição Porto Alegre Sergio Antonio Fabris Editor 1991 p 9 95 HESSE Konrad A Força Normativa Op cit p 19 39 eleição de quais serão concretizados embora a própria Constituição Federal já determine as escolhas fundamentais cabendo um resíduo de liberdade apenas na forma Exteriorizase no domínio público a concepção de que ao Estado pode determinar não apenas quais bens são considerados como públicos mas igualmente definir que eles podem ser desafetados do interesse público e encaminhados ao fim privado ou mantêlos sem qualquer forma de afetação Isto não significa considerar que no Estado Constitucional de Direito não haja uma soberania estatal ou em alguma medida os poderes decorrentes para a Administração Pública mas que não se pode sustentálos de forma absoluta ou condicionar o cumprimento das escolhas fundamentais já tomadas pela Constituição A atribuição do status de norma jurídica à lei fundamental significa reconhecer um caráter conformativo atual de modo que embora não possa per si alterar a realidade social é capaz de atribuir tarefas ao ente público e outorgar não uma vontade do poder mas também uma vontade da Constituição 96 Tal vontade se exterioriza não apenas como limites aos poderes públicos mas como deveres de atuação para o Estado97 que impõe obrigações negativas e positivas no exercício da atividade pública de forma a concretizar os valores bens interesses e direitos veiculados pelas normas constitucionais Há portanto um redimensionamento da noção de soberania que passa a encontrar não apenas os limites formais exteriorizados pela ordem jurídica mas um condicionamento no exercício da ação pública pelo reconhecimento que há em determinados deveres impostos pela lei fundamental Isso significa admitir que no direito administrativo além da submissão ao princípio da legalidade em seu sentido formal como a necessária obrigatoriedade ou respeito à lei adstringese uma concepção material ou uma feição de legitimidade enquanto há compatibilidade com os fins e objetivos determinados pela Constituição No que tange ao domínio público importa que a aquisição gestão e alienação dos bens públicos devem ocorrer não enquanto uma manifestação de poder amplo como reafirmação da autoridade estatal mas tal qual um exercício de dever na concretização dos bens valores interesses e direitos veiculados pela lei fundamental Além do papel de redução do espaço do arbítrio desmedido e disforme do poder público significa o reconhecimento que a ordem jurídica não alcança a efetividade sem uma 96 HESSE Konrad A Força Normativa Op cit p 11 40 atuação estatal de modo que uma vez que cumpre tais tarefas também assume uma função no seu constante processo de legitimação 98 Extrair que o elemento ou categoria central da ação pública se desloca mediante a afirmação do Estado e das transformações políticas sociais e econômicas de uma noção do poder soberano de natureza eminentemente política para as funções ou deveres constitucionais dotados de contornos eminentemente jurídicos não é negar suas interfaces ou correlações Ao revés uma vez que se volta o ente moral enquanto criado para as finalidades do povo organizado em dado território em prol do atendimento das tarefas designadas pelo Direito com epicentro na Constituição reafirma a legitimidade de sua ação e redimensiona a soberania de forma a adequála as mutações apresentadas Poderia se apontar também que a crise do conceito de soberania decorre da própria afirmação dos Estados Democráticos e da consagração do pluralismo já que o Estado não representa mais uma unidade política na incapacidade de resolução dos conflitos internos ou de manter sua decisão nas relações internacionais99Isto porque o problema da soberania envolve em certa medida a rigidez do paradigma estatal onde há uma identificação entre Estado e povo quando a autodeterminação da sociedade pode ocorrer de forma não excludente com o poder público de modo autêntico e democrático100 Tal estreitamento reborda na gestão dos bens públicos que pode ser realizado igualmente pelos sujeitos privados inclusive a sociedade civil que pode afetar ou funcionalizar coisas aos interesses da coletividade o que torna inadequado sustentar um domínio público como estatal De fato isto é próprio da realidade social subjacente brasileira onde instituições privadas historicamente sempre exerceram funções públicas como a Santa Casa de Misericórdia na prestação de atividades de saúde pública seja com afetação de coisas estatais ou colocando a serviço da comunidade bens privados O paradigma do Estado Constitucional de Direito se liga ainda com as experiências democráticas erigindo uma concepção clássica de soberania ao reordenar a relação entre os indivíduos com os povos na sua vertente da cidadania e da própria sujeição do ente público aos organismos internacionais 101 97 HESSE Konrad A Força Normativa Op cit p 11 98 HESSE Konrad A Força Normativa Op cit p 1920 99 BOBBIO Noberto MATTEUCCI Nicola PASQUINO Gianfraco Dicionário de Política Op cit p 1187 100 FERRAJOLI Luigi A soberania no mundo moderno Op cit p 30 101 FERRAJOLI Luigi A soberania no mundo moderno Op cit p 31 41 Como será visto sustentar um domínio público como estatal ignora que determinadas coisas não se ligam à soberania de cada Estado mas exercem uma função perante a própria existência humana e portanto serão considerados bens públicos globais ou patrimônio da humanidade e ensejam a proteção da comunidade internacional Ademais sob uma concepção de cidadania global a própria tentativa de gestão dos bens públicos à luz do conceito tradicional de soberania ignora que mesmos os não nacionais devem ter acesso às coisas do domínio público sob a titularidade estatal uma vez que estão ligados a concretização dos seus direitos humanos fundamentais Tais vertentes do princípio democrático junto à própria vinculação a lei que sujeita a soberania igualmente ao princípio da maioria enquanto fruto daquela conformação legislativa e manifestação da titularidade do povo ainda que forma representativa redimensiona sua noção de poder absoluto para poder funcional 102 Sob tal viés de que o princípio democrático traduz ou amplia a dimensão de legitimidade do Estado Constitucional de Direito e portanto da relação entre Estado e indivíduos remodelando a concepção de soberania pretendese não analisar o fenômeno em si mas extrair o seu efeito A proposta é delimitar em que medida a jurisdicização do poder fenômeno ligado ao próprio constitucionalismo que teve um epicentro no Estado de Direito alcança a sua curva máxima com a consagração de um modelo constitucional que reconhece uma hierarquia formal e material a Constituição na sua vinculação dos poderes públicos Sustentar a dimensão funcional da ação estatal como forma de legitimar a própria atividade do ente moral e ser pressuposto para o alcance de suas tarefas é adequála a esse contexto históricosocial atual do Estado onde o debate se desloca de sua afirmação como ente soberano para a sua capacidade de lidar com questões econômicas sociais e afins103 Desse modo a idéia tradicional de soberania não se demonstra compatível com a noção de um Estado Constitucional de Direito e por conseguinte como fundamento para sustentar tal noção de domínio público não pelo menos como o conjunto de bens sob a titularidade do Estado ao que este exerce o seu poder soberano Ao revés sob uma ordem constitucional que racionaliza o exercício do poder mediante a partilha orgânica e funcional entre a harmonia dos poderes e a especialização funcional bem 102 FERRAJOLI Luigi A soberania no mundo moderno Op cit p 28 103 Envolve a desmonopolização do poder que é o enfraquecimento da soberania MOREIRA NETO Diogo de Figueiredo Mutações do direito administrativo novas considerações avaliações e controle das transformações Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado Salvador Instituto de Direito Público da Bahia n 2 Junjulago 2005 p 9 42 como consagra os bens valores interesses e direitos essenciais da sociedade o ente público antes de exercer poderes ou direitos desenvolve competências e deveres Demonstrase controverso sustentar perante um Estado Constitucional de Direito que o ente estatal mantenha sob os bens qualificados como público uma relação jurídica de poder ou de direito já que tais coisas correspondem ao substrato material para a realização daqueles bens interesses valores e direitos tutelados pela ordem jurídicoconstitucional Assim ainda é incongruente se apoiar na noção de soberania seja como um poder público ou como um direito oriundo deste ainda que transvestido como um direito público administrativo sob a alegação de que não é adequado o Estado exercer sobre as coisas do domínio público um direito de propriedade104 Isto porque poder público não se confunde com Administração Pública e a puissance publique não necessariamente coincide com a função administrativa mas corresponde a uma técnica específica de atuação da Administração Pública identificada com o princípio de autoridade em máxima intensidade105 Neste sentido ainda que se aceite essa técnica jurídica como um dos meios utilizados na atividade administrativa com fins de interesse geral essa escolha leiase com a utilização das prerrogativas e poderes não se pode realizar senão à luz dos fins ou das funções visadas e de acordo com o princípio da proporcionalidade dos meios em relação aos fins106 Não se desconsidere também que em diversos momentos a Administração Pública irá exercer melhor sua atividade mediante o abandono dessa técnica jurídica optando por um regime menos rígido para assegurar melhor atendimento do interesse público como os contratos privados107 razão pelo qual não se demonstra como um fundamento adequado Ademais como apontam os próprios autores que sustentam essa designação tratase de uma proposta de substituição da noção de um direito de propriedade pela de um direito sui generis108 que reforça o papel de um poder ou direito realizado sobre as coisas públicas quando se trata de um dever ou função sobre os bens públicos em prol da coletividade Note que não se refere à função como a administrativa ou seja os bens públicos enquanto meios materiais essenciais para a realização de tais serviços e atividades de 104 TAVARES José Os Princípios Fundamentais Op cit p 302 105 ROUSSET Michel LIdée de Puissance Publique em Droit Administratif Op cit p 3 106 WEIL Prosper Op cit p 101 107 VEDEL Georges DELVOLVÉ Pierre Droit Administratif Op cit p 36 108 TAVARES José Os Princípios Fundamentais Op cit p 302 43 persecução do interesse público que justificam dotar tais coisas dos elementos específicos e permitam integrálas portanto ao chamado domínio público109 Sob a égide de um Estado Constitucional de Direito tais interesses são qualificados pela lei em um sentido de juridicidade com epicentro na lei fundamental e a noção de função não significa a realização de um interesse público não delimitado juridicamente mas a concretização dos bens valores interesses e direitos constitucionais Neste sentido a construção de uma teoria do domínio público que se adéque a ordem jurídicoconstitucional vigente e as transformações da dogmática administrativa não encontra fundamento adequado em uma noção de poder advindo da soberania mas de deveres em razão das funções impostas ao ente incumbido Deste modo se ligam as transformações do direito administrativo estudadas a privatização despublicização e racionalização com a busca por um novo fundamento para a teoria do domínio público já que a mudança na titularidade dos bens públicos e do modo operandi de sua gestão demandam um paradigma capaz de abranger os novos sujeitos Assim podese relacionar a degeneração do conceito de soberania com este processo de despersonificação do público que conduz o Estado à delegação da execução de suas funções a outros atores sociais110 e portanto uma multiplicidade de sujeitos que exercem as atividades públicas Através da transferência de titularidade ou de delegação legal negocial ou consensual da gestão dos bens públicos as participações de outro sujeito público da iniciativa privada ou da sociedade civil demonstram a insuficiência para sustentar a soberania ou poder público como real fundamento do domínio público Uma teoria do domínio público que pretenda regular as coisas que façam parte do acervo público deve ser capaz de se adequar ao fenômeno de deslocamento do público com o estatal marcado pelos movimentos de degradação da noção de soberania e de ampliação da participação dos sujeitos privados nas coisas públicas Assim passase a fundamentação da teoria do domínio público da noção de titularidade de um Estado soberano capaz de exercer poderes sob a coisa pública em um regime exclusivamente de direito público para uma compreensão de que com a crise da soberania e as novas formas de gestão é a função que ordena a dogmática dos bens públicos 109 LAUCHAME JeanFrançois Droit Administratif 13 ed Paris Presses Universitaires de France 2002 p 630 110 HELLER Hermann La soberanía contribución a la teoría del derecho estatal y del derecho internacional Ciudad de Mexico Fondo de Cultura Económica 1995 p 89 44 Com o Estado Constitucional de Direito pretendese racionalizar o exercício do poder público às competências atribuídas pela ordem jurídica e portanto deslocar tanto a promoção das atividades públicas quanto a gestão dos bens públicos do paradigma absolutista de poder político para o parâmetro contemporâneo do dever jurídico Isto não é negar uma dimensão política ao poder estatal porém admitir que no Estado de Direito sua natureza encontra limites jurídicos nos fins consagrados da comunidade e portanto demanda igualmente uma dimensão jurídica pela sua incapacidade de subsistir sem que esta lhe atribua segurança111Mesmo que adotada uma concepção clássica onde a finalidade do poder público seja submeter à coletividade isso ocorre para a realização das funções da ordem jurídica de forma que o Estado se legitima na medida em que realiza esse dever jurídico afirmando a sua validez112 Também não é desconsiderar que o poder tem uma feição política mas na medida em que se organiza em Estado a sua realização progressiva é em forma de Direito113 e que o momento da juridicidade do poder não importa em conversão absoluta e definitiva em Direito mas que o conteúdo políticosocial se revela com forma ou modelo de natureza jurídica114 Delimitase o poder político do Estado através dos deveres jurídicos que conformam o arbítrio estatal à realidade das finalidades sociais que correspondem portanto ao fundamento último de toda ação pública em específico da atividade administrativa voltada à obrigação jurídica de realização desses interesses públicos qualificados em lei Por esta razão transmutase o fundamento do domínio público pela superação do mito de que o poder soberano legitima a teoria dos bens públicos para a compreensão de que são os deveres funcionais que justificam a construção de um regime protetivo para tais coisas no Estado Constitucional de Direito Isto significa reconhecer que os critérios adotados para delimitação dos bens que serão qualificados como públicos e irão integrar o domínio público não podem se basear na sua titularidade na figura do Estado Soberano mas guardar correlação com aquela função assumida pela coisa O tema será tratado a seguir 111 JELLINEK Georg Teoria general do Estado Op cit p 324 112 KELSEN Hans Teoría General Del Estado Op cit p 125126 113 REALE Miguel Teoria do Estado e do Direito São Paulo Saraiva 2000 p 116117 114 REALE Miguel Teoria do Estado Op cit p 141142 13 A insuficiência dos critérios dominantes na matriz romanogermânica e o elemento central do domínio público da titularidade estatal às gradações da função social As mutações sofridas pela ação administrativa mediante a ascensão de paradigmas como a globalização e o estado neoliberal privatização despublicização e racionalização produzem alterações no domínio público que não são capazes de sustentar uma teoria dos bens públicos voltada apenas à titularidade estatal ou seu regime jurídico Com o redimensionamento da ação estatal o Estado Constitucional de Direito passa a buscar fundamento não na soberania ilimitada do ente público mas nos deveres impostos pela consagração de bens valores interesses e direitos pela Constituição Sepultase então a compreensão de domínio público como um poder ou direito público administrativo Isso produz efeitos no que tange não apenas nas fronteiras ou fundamentos do domínio público mas na própria estruturação de sua teoria visto que não se torna possível sustentar critérios ou elementos determinantes que não se adéquem ao desenvolvimento do instituto à luz destas transformações do Estado e do Direito Neste sentido usualmente a literatura jurídica tradicional veicula que a teoria do domínio público é aquela construída a partir de elementos próprios dos bens públicos o que traduz em atributos específicos e portanto diferenças fundamentais distintivas do domínio privado e do regime do patrimônio particular115 Porém não é possível sustentar a existência de uma única teoria do domínio público já que conforme a família jurídica a sua matriz teórica e as próprias escolas de direito terão determinados traços distintos na formação de tal disciplina que portanto traduzirão em perspectivas distintas no que tange o domínio público Inegável portanto que a teoria do domínio público tal qual qualquer instituto administrativo assumirá diferentes feições conforme sua estruturação nas respectivas famílias 115 FOIGNET René Manuel Élémentaire de Droit Administratif Paris Arthur Rousseau Editeur 1898 p 195 46 46 jurídicas e importará na assimilação dos elementos gerais seja no regime comum do sistema administrativo anglosaxão ou na disciplina exorbitante romanogermânica116 Tendo em vista que a teoria administrativa brasileira filiase ao sistema da civil law e gravita em torno da matriz francesa117 destacase para análise tais teorias do domínio público porque há uma nítida preponderância de determinadas escolas que sustentam ainda que de forma concomitante um critério de titularidade na literatura pátria Isso não importa em ignorar as contribuições da literatura italiana quanto ao beni demaniali bem como do direito alemão com a sua tese de öffentlichen Sachen cujo tratamento dado a propriedade pública será verificado em momento oportuno quando da verificação da feição patrimonial que é dada à coisa pública Uma vez que há uma disparidade dos critérios utilizados para a delimitação do domínio público não pretendese uma análise pormenorizada das variadas teorias mas uma análise sistemática dos distintos elementos propostos para determinar o seu conteúdo118 de forma a afirmálos ou não perante as transformações já estudadas Sob tal viés podese reunir sobre determinada escola aqueles autores que tendem a centrar a noção de domínio público na titularidade de forma a fixar a natureza dos bens públicos à luz do sujeito das referidas coisas embora divirjam sobre os respectivos efeitos a saber se o titular exerce uma relação de poder ou de propriedade sobre as mesmas Identificando domínio público com estatal parte da literatura jurídica sustenta que o domínio público é aquele acervo sob a titularidade do Estado119 abrangendo neste caso tanto o acervo sob a Administração Pública Direta quanto a que compõe as pessoas de direito público por ela criadas como a Administração Pública Autárquica e Fundacional120 116 RIVERO Jean Curso de Direito Administrativo Comparado Op cit p 237 117 DI PIETRO Maria Sylvia Zanella O direito administrativo brasileiro sob a influência dos sistemas da base romanística e da common law Revista Eletronica de Direito Administrativo Salvador Instituto Brasileiro de Direito Publico n 8 novdez 2006 p 7 118 MARIENHOFF Miguel S Tratado de Derecho Administrativo Tomo V El Dominio Publico Buenos Aires AbeledoPerrot 1992 p 1213 119 HAURIOU Maurice Précis de Droit Administratif Paris L Larose Forcel Editeurs 1893 p 208 BASAVILBASO Benjamín Villegas Derecho Administrativo Tomo IV Dominio Publico Buenos Aires Editora Tipográfica Argentina 1953 p 105 120 MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro São Paulo Malheiros 1993 p 426 47 47 Quanto ao critério subjetivo é tradicional a noção de que bens públicos são aqueles que estão sob a titularidade do Estado de forma que ainda os bens de uso comum não seriam de titularidade seja de propriedade ou de uso da coletividade pois o povo não é titular de direitos enquanto o próprio Estado não os criem pela ordem jurídica121 O Conselho de Estado Francês portanto já aderiu a tal escola ao determinar que as coisas pertencentes às pessoas públicas formem o domínio público sob o qual o Estado exerce um verdadeiro direito de Propriedade122 e portanto a titularidade privada exclui os bens de tal domínio público123 Por efeito o que distinguiria os bens públicos de uso comum dos bens públicos de uso especial ou dominicais não seria a titularidade em si pois todos comporiam o acervo estatal mas a titularidade de uso ou seja o reconhecimento que aos primeiros é garantido à utilização imediata pela coletividade enquanto os outros não124 Tal noção de exclusividade do Estado parece compatível com aquela compreensão estrita de soberania e com um estreitamento da noção de persecução de interesse público pois se observada à existência de outros atores sociais internacionais e nacionais responsáveis pela ação pública que assumem a titularidade dos bens públicos parece insuficiente Não é capaz de sustentar de forma plena como há a existência de coisas privadas sob a propriedade estatal como os bens patrimoniais ou dominicais e de bens públicos sob a titularidade de pessoas privadas desde as empresas públicas até as reservas naturais em terrenos privados Como derivação alguns autores sustentarão o domínio público como formado não pelo acervo de bens do Estado para abranger todas as entidades jurídicopúblicas seja em um caráter territorial como nação províncias ou comunas125 seja para envolvêlas em um sentido institucional órgãos e pessoas derivadas126 121 REALE Miguel Direito Administrativo Estudos e Pareceres Rio de Janeiro Forense 1966 p 230 122 FRANÇA Conselho de Estado Arrêt Ville de Paris et Chemins de fer dOrléan16 de junho de 1909 123 Conselho de Estado Arrêt Association saint pie V et saint pie X de lOrléannaisne 19 de Outubro de 1990 124 MIRANDA Pontes de Tratado de Direito Privado Tomo II 4ed São Paulo Revista dos Tribunais 1977 p 155 125 LAUBADÉRE André de Traité Élémentare de Droit Administratif t 2 Paris Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence 1953 p 738 126 DIEZ Manuel María Dominio Público Buenos Aires Abeledo 1940 p 257 48 48 Persiste a dificuldade da criação de fronteiras rígidas e identidades plenas entre domínio sujeito e regime público que não se adéquam aos movimentos estudados de desconcentração do público como estatal que demandam a participação de outros sujeitos e a utilização de técnicas e meios da disciplina privada Poderia supor então que a celeuma não se trata do critério proposto mas do sujeito eleito e portanto que o elemento central do domínio público ainda seria a titularidade não identificada com o Estado mas com a própria coletividade o que permitiria abranger o verdadeiro sujeito das coisas públicas Sustenta parte da literatura que isto decorre da própria expressão domínio que significa utilização e público que deve se identificar com a própria coletividade pois seja diretamente pelo povo ou indiretamente a cargo do aparato administrativo onde cabe a exploração dos referidos bens públicos pela sociedade127 Sob tal entendimento há o equívoco de não considerar que há um domínio estatal formado pelas coisas que estão na titularidade do ente público como um domínio público embora não signifique que este se esgote naquele ou que não haja coisas públicas que estão sujeitas aos entes privados Ignora ainda que ao Estado é atribuído um acervo patrimonial próprio que não necessariamente é fruível de forma indireta pela coletividade já que os bens patrimoniais ou dominicais não apenas não estão afetados a uma finalidade coletiva como não há imposição para que assim o sejam Negar portanto que o critério de titularidade seja suficiente para sustentar uma teoria dos bens públicos não é considerar o domínio público formado por res nullius como coisas sem titularidade alguma o que admitiria a sua conversão em res privata a sua apropriação por qualquer indivíduo 128 Na literatura jurídica não é nova a noção de que há bens públicos embora sob a gestão do Estado sejam de titularidade do povo129 porém não é adequado considerar que o domínio 127 BERTHÉLEMY H Traité Élémentaire de Droit Administratif Paris Librairie Nouvelle de Droit Et de Jurisprudence Arthur Rousseau Éditeur 1900 p 273 128 BIELSA Rafael Derecho Administrativo y Ciencia de La Administración 2 ed Tomo II Buenos Aires J Lajoulane Cia Editores 1929 p 157 129 MARIENHOFF Miguel S Tratado Op cit p 6 49 49 público é formado apenas por tais coisas públicas que não pertencem ao homem de forma individualmente considerada como faziam os romanos130 Assim em um sentido o domínio público se confundiria com a titularidade exercida de forma difusa pelo povo e não sobre todos os bens públicos mas como as chamadas coisas públicas ou bens naturais que pertenceria a todos e a cada um e portanto guardariam uma natureza coletiva de tutela do Estado e singular da fruição individual É forçoso reconhecer a procedência da crítica que aponta a pouca praticidade dessa distinção pois considerar que bens públicos são aqueles de propriedade da coletividade é afirmar que estão em igual medida na titularidade do Estado já que o ente é a organização de dado povo em dado território e em certo momento para atingir determinados fins131 Desse modo tão equivocado quanto sustentar um critério da titularidade sob a figura estatal será igualmente supor que é suficiente considerar a própria coletividade ainda mais que com o fenômeno da delegação legal negocial ou consensual não se resolve a questão pois tais coisas não estarão na titularidade da sociedade mas de alguns sujeitos Alguns em razão dessa celeuma preferem deslocar o debate do elemento central da teoria do domínio público do sujeito e a respectiva titularidade na coletividade ou no ente estatal para o objeto da natureza da coisa embora resulte apenas em uma ficção jurídica já que ainda se liga aos referidos entes Isto porque o domínio público seria formado pelos chamados bens administrativo necessários à execução do serviço público que fazem parte do aparelho administrativo e os bens da Administração Pública como aqueles de uso comum ou dos serviços públicos prestados à comunidade132 Pretendese delinear a existência no domínio público de um conteúdo que abrange o acervo patrimonial do Estado um domínio estatal de outro conjunto de bens da própria sociedade um domínio coletivo que perde a sua relevância quando sustenta que o Estado sobre ambos possui direitos reais133 130 SALEILLES Raymond Le Domaine PublicRome Op cit p 56 131 MARIENHOFF Miguel S Op cit p 6 132 LIMA Ruy Cerne Princípios de Direito Administrativo 5 ed São Paulo Revista dos Tribunais 1982 p 77 133 LIMA Ruy Cerne Op cit p 77 50 50 Ademais insistese em construir uma teoria do domínio público cuja preocupação se liga ao titular da coisa ou a sua natureza quanto às mudanças de titularidade enquanto o regime dos bens públicos importam em uma necessidade de eleição de um critério capaz de lidar com essas mudanças Poderia então considerar que haveria um domínio público geral formado pelos bens que são insuscetíveis de aquisição privada e constituem o domínio propriamente público daquele chamado especial formado pelos bens que embora possam ser adquiridos pelos particulares fazem parte do patrimônio do Estado134 A problemática de tal concepção é parecer ocorrer uma identificação clara do domínio propriamente público com os bens de uso comum ou geral do povo e do domínio especial com os bens de uso especial que transveste novamente a utilização do critério de titularidade para definição dos referidos campos Tal confusão do objeto com a titularidade ocorre também para quem considera como domínio público o acervo patrimonial formado pelo conjunto de bens móveis e imóveis da Administração Pública que destina a sua utilidade comum excluídos os incorpóreos sejam os bens naturais ou as rendas do crédito público135 Tal noção estreita a compreensão do domínio público ao estatal em seu sentido material ao identificar a expressão domínio com patrimônio e portanto exclui uma parcela pública não estatal que seriam os bens naturais assim como os bens imateriais que compõem o acervo estatal como os créditos financeiros Por esta razão alguns autores vão sustentar que o domínio público é formado não apenas pelos bens do Estado mas também por aqueles que embora não façam parte do seu acervo patrimonial se destinam à coletividade Sejam de natureza apropriável ou não como as praças públicas ou o ar136 134 CRUZ Alcides Op cit p 204 135 MENEGALE J Guimarães Direito Administrativo e Ciência da Administração 2 ed Rio de Janeiro Editora Borsoi 1950 p 7 136 CRETELLA JÚNIOR José Dicionário de Direito Administrativo 3 ed Rio de Janeiro Forense 1978 p 204 CARVALHO FILHO José dos Santos Manual de Direito Administrativo 27 ed rev atual e ampla São Paulo Atlas 2014 p 1154 51 51 Formase para sustentar um critério objetivo uma distinção entre domínio público natural e artificial que parece dotar os últimos de uma feição similar da propriedade privada o que aparenta inadequado já que sob ambos incidem todos os caracteres como a indisponibilidade do regime jurídico de direito público Alguns situam o critério objetivo em uma concepção estrita da natureza material a saber a insuscetibilidade que possuem determinados bens para sua aquisição como propriedade privada em razão de sua própria natureza física o que não impediria todavia a exploração por aqueles137 Neste caso inexiste espaço para a Administração Pública determinar que dado bem componha o domínio público ou possa ser destinado ao regime privado em razão da classificação de seu acervo da afetação a um destino coletivo ou a previsão legal pois há um limite factual da própria substância da coisa como os mares as montanhas e afins138 Note que não parece suficiente em nenhuma das teorias propostas a alegação da natureza da coisa como critério para formação do domínio público já que a sua qualidade material não é capaz de ser elemento que o especifique uma vez que sobre bens idênticos podese exercer uma propriedade privada139 Considere as próprias coisas naturais que embora a primeira vista possam parecer que em razão de sua materialidade seriam bens públicos o próprio ordenamento jurídico as distingue de forma que por exemplo a água possa ser um bem público como os mares lagos ou lagoas140 ou um bem privado como as águas correntes e nascentes em terrenos privados141 Não é portanto a natureza da coisa que será capaz de qualificála como bem público e servir como elemento central do domínio público mesmo quando demonstre uma aptidão 137 FOIGNET René Op cit p 196 138 René Op cit p 196 139 Em igual sentido TROTABAS Louis Manuel de Droit Public Et Adminsitratif 6ª edição Paris Labrairie Générale de Droit Et de Jurisprudence 1948 p 135 140 BRASIL Decreto Federal nº 24643 de 10 de Julho de 1934 Art 2º São águas públicas de uso comum a os mares territoriais nos mesmos incluídos os golfos bahias enseadas e portos b as correntes canais lagos e lagoas navegáveis ou flutuáveis c as correntes de que se façam estas águas d as fontes e reservatórios públicos e as nascentes quando forem de tal modo consideráveis que por si só constituam o caput fluminis f os braços de quaisquer correntes públicas desde que os mesmos influam na navegabilidade ou flutuabilidade 141 Decreto Federal nº 24643 de 10 de Julho de 1934 Art 8º São particulares as nascentes e todas as águas situadas em terrenos que também o sejam quando as mesmas não estiverem classificadas entre as águas comuns de todos as águas públicas ou as águas comuns 52 52 material para servir a coletividade como as coisas naturais mas na medida em que de fato possa ser afetada para o atendimento às necessidades públicas No exemplo citado as nascentes e as águas em terrenos particulares em regra são tidas como bens privados na medida em que não são necessárias para atender ao interesse público pois havendo a demanda para a satisfação desse interesse será garantido a sua finalidade comum pelo acesso obrigatório142 ou até a desapropriação se oportuno143 Uma vez que o elemento central do domínio público pareça ser a sua adequação às necessidades coletivas alguns autores preferem sustentar que os bens serão portanto tidos como públicos na medida em que houver tal afetação ou seja o próprio ordenamento jurídico determinar à coisa uma função pública A dificuldade de se adotar esse critério formal para o domínio público ao menos em um vértice estritamente positivonormativo decorre de como os autores que os sustentam considerem que compete apenas à norma jurídica atribuir a qualidade de público aos bens mediante a determinação do seu destino e titularidade pública144 Assim em sentido oposto a escola que sustenta um elemento objetivo as coisas por si só não são públicas mas dependem de uma qualificação por lei que seja capaz de atribuílas de forma legal ao domínio de uma pessoa jurídica de direito público o que resultaria na sua subtração do campo da aquisição privada145 Neste sentido domínio público seria uma técnica que atribui a titularidade ao ente estatal sob os bens comuns e portanto a relação jurídica que diante da afetação coletiva impõe a obrigação ou o seu dever de atuação pública na guarda e proteção146 porém esbarra em algumas questões 142 BRASIL Decreto Federal nº 24643 de 10 de Julho de 1934 Art 34 É assegurado o uso gratuito de qualquer corrente ou nascente de águas para as primeiras necessidades da vida se houver caminho público que a torne acessível 143 Decreto Federal nº 24643 de 10 de Julho de 1934 Art 32 As águas públicas de uso comum ou patrimoniais dos Estados ou dos Municípios bem como as águas comuns e as particulares e respectivos álveos e margens podem ser desapropriadas por necessidade ou por utilidade pública 144 LANZIANO Washington Estudios de Derecho Administrativo Montevideu Editora da Universidade da República 1993 p 105 145 CAETANO Marcello Manual de Direito Administrativo Tomo II Rio de Janeiro Forense 1970 p 814 146 ALFONSO Luciano Parejo Dominio Público Op cit p 38 53 53 Novamente domínio público e titularidade estatal se confundem de forma que os bens serão propriamente públicos quando houver disposição normativa legal ou regulamentar que os integrem a organização administrativa já que a afetação à finalidade coletiva por si só importaria somente no reconhecimento dos bens como de utilidade pública147 Demonstrase inadequado sustentar que é a natureza das coisas que as dotam de caráter público de igual postura Não se pode negar que determinadas coisas de fato de forma natural exercem uma finalidade coletiva e portanto independem de qualquer atribuição por um ato formal estatal Há de se reconhecer que o domínio público não é um conceito imutável mas variável ao logo do tempo e do espaço148 e que não é a natureza em si de determinadas coisas que lhe dão o caráter público mas algumas a sua materialidade que permite enquanto as conservarem e forem capazes de atender a uma necessidade coletiva guardar uma destinação pública Seria incongruente admitir que se o ordenamento jurídico não consagrasse por ato formal por exemplo o ar ou os mares como bens públicos tais coisas não estariam afetadas a uma finalidade pública ou seriam passíveis de apropriação privada de um sujeito em relação à coletividade o que ignoraria os limites do Direito na conformação da realidade subjacente Ademais gera a dificuldade que será estudada de se sustentar coisas que embora tenham sido afetadas formalmente para exercerem uma finalidade coletiva uma vez que não exercem mais a função pública continuam sendo consideradas como bens públicos mesmo desafetadas materialmente o que impede seja dada outra finalidade social como moradia Inegável que atribuir ao acervo do domínio público os bens que estão sob a titularidade estatal mas sem afetação material à finalidade pública é não apenas identificar o público com o estatal mas considerar que o estatal pode não ser público a saber que o ser moral criado para finalidades coletivas pode titularizar relações jurídicas sobre coisas que não o servem 147 WALINE Marcel Précis de Droit Administratif Paris Éditions Montchrestien 1969 p 283 148 RANELLETTI Oreste Concetto Op cit p 160 54 54 Sob tal viés poderia se sustentar então que o critério teleológico considerando o domínio público como o acervo formado pelos bens destinados estritamente à finalidade pública é atribuído ao ente público em razão da revolução liberal e a afirmação ao Estado de Direito149 Uma vez que se ligaria aos interesses da coletividade o domínio público demandaria o uso público direto pelo grupo social por cada um dos seus associados sem que todavia fosse passível de apropriação privada por qualquer um dos sujeitos de forma singular naquela sociedade150 Para tais adeptos não bastaria para caracterizar o domínio público à afetação do bem a finalidade pública mas a sua destinação imediata à coletividade o que resultaria em uma confusão entre o domínio público e estatal determinando a fruição ou uso direto de todas as coisas públicas Assim não teria natureza de bens públicos as coisas que não tivessem uso imediato ou direto de forma que os cidadãos só pudessem aproveitar de maneira abstrata indivisível e coletiva como as fortalezas e os navios de guerra tal qual dispunha o próprio Código Civil Português de 1567151 Outrossim alguns deles sustentam que a própria distinção entre o domínio público e o privado do Estado encontrase superada pela inerente factualidade já que é difícil identificar quais bens públicos não estejam direta ou indiretamente afetados pelo uso público e portanto no domínio da coletividade152 Parece equivocado supor que todos os bens estatais estão afetados a uma finalidade pública a ponto de consideralos como integrantes do domínio público já que ainda sustenta se a existência de bens patrimoniais ou dominicais sem qualquer destinação ou função no interesse da coletividade 149 FOUCART EmileVictor Éléments de Droit Public et Administratif Tomo II Paris Videcoq Pere Et Fils LibrairesÉditeurs 1843 p 5 150 BIELSA Rafael Derecho Administrativo Op cit p 156 151 PORTUGAL Lei de 1 de Julho de 1567 2 ed Lisboa Imprensa Nacional 1868 Art 380 São públicas as coisas naturais ou artificiais apropriadas ou produzidas pelo Estado ou corporações públicas e mantidas debaixo de sua administração das quais é lícito a todos individual ou colectivamente utilizarse com as restrições impostas pela lei ou pelos regulamentos administrativos 152 GORDILLO Agustín Tratado de Derecho Administrativo Y Obras Selectas Tomo 91 ed Buenos Aires FDA 2014 XVII1 e XVII2 55 55 A partir disso outros consideram o domínio estatal um regime patrimonial tal qual dos particulares e sujeitas à disposição de modo que a sua afetação ao uso coletivo pela autoridade administrativa o converteria em domínio público tal qual a desafetação de alguns bens o conduziria ao acervo privado do poder público153 Porém igualmente como será visto é um contrassenso que o Estado pode ser dotado de um acervo patrimonial como se sujeito privado fosse já que enquanto ente moral é criado para exercer determinadas finalidades coletivas e os bens que utiliza devem ser os meios materiais para perseguir tais objetivos Além disso a distinção não explica portanto se não cabe a titularização pelo Estado qual seria o destino dos bens do domínio público sendo insuficiente enunciar tratarse de res nullius Pois se assim o fosse caberia a sua conversão em bens do domínio privado através da apropriação por qualquer indivíduo154 Alguns consideram que não necessariamente há obrigação de afetação direta dos bens públicos a tal finalidade coletiva de forma que compõe o domínio publico os bens materiais que servem ao Estado para a realização de suas atribuições ainda que de forma indireta ou imediata155 Porém não contribui tal proposição na definição do caráter público dos bens porquanto esteja sob a destinação imediata ao uso da coletividade ou a utilização indireta pela Administração Pública ambos estão sob a finalidade pública e portanto se inserem ou deveriam no domínio público Note que o critério da afetação proposto não é qualquer função social mas uma função administrativa em si já que abrangeria apenas os estabelecimentos públicos ou entes ligados à organização administrativa156 ou ao serviço público157 De forma que não abrangeria as atividades privadas exercidas pelos chamados estabelecimentos de utilidade pública Assim retornase a celeuma de que teria natureza pública o bem que compõe o acervo estatal enquanto àquele que é de natureza privada dependeria do reconhecimento de forma 153 FOUCART EmileVictor ÉlémentsTomo II p 56 154 BIELSA Rafael Op cit p 157 155 FRAGA Gabino Op cit p 449 156 DUCROCQ M TH Cours de Droit Administratif Op cit p 574 157 FOIGNET René Op cit p 197 56 56 discricionária de tal finalidade pelo próprio Estado que o classificaria como um bem de utilidade pública158 Não é incomum algumas teorias utilizarem como critério do domínio público os seus efeitos considerando que os bens públicos são aqueles dotados de um regime jurídico especial protetivo o que se aproxima das teorias formalistas já que caberia ao ordenamento jurídico determinar um ou outro159 Não parece que sejam os efeitos incidentes sobre determinadas coisas capazes de atribuir a elas uma natureza pública pois seria admitir que um prédio uma vez qualificado como público seria indisponível enquanto uma montanha ou mar se não fosse pelo ordenamento jurídico atribuído uma disciplina pública poderia ser apropriada Em razão das insuficiências dos critérios propostos a literatura jurídica de forma dominante tenta solver a questão apontando a reunião dos elementos subjetivos a titularidade do Estado objetivos de bens naturais e artificiais teleológicos a destinação à função pública e normativos ou formais a submissão à um regime jurídico de direito público160 Todavia mantêmse todas as celeumas quanto à titularidade em entes privados a existência de objetos que são públicos não em razão da sua natureza o reconhecimento da afetação não apenas à função administrativa e o atendimento ao interesse público por coisas não qualificadas pela lei com atributos próprios independentes da disciplina normativa Embora se fundam em distintos critérios todas as teorias propostas apresentam um estreitamento da noção de público com o de estatal já que seja em razão da sua titularidade da natureza das coisas do ato de afetação e do regime decorrente bem como da finalidade pública que acabam por centrarse na figura do Estado Ademais encontra o óbice de tentar formular uma teoria que delimite um domínio público embora se incluam sob o respectivo título determinadas de coisas que parecem se 158 WALINE Marcel Op cit p 283 159 MARIENHOFF Miguel S Tratado de Op cit p 11 160 MALLOL Manuel Ballbé Concepto de dominio público Revista Jurídica de Cataluña n 5 1945 Barcelona p 6573 57 57 amoldar eminentemente de forma mais adequada a um regime privado ou ao menos uma disciplina mista Assim o critério titularidade parece insuficiente quando os bens afetados estão sob a titularidade de pessoas jurídicas de direito privado A distinção pela natureza incapaz de explicar objetos que materialmente não tem destino público e o requisito finalidade não solve os bens patrimoniais desafetados da Administração Pública Sustentar que o domínio público é formado pelo conjunto de bens jurídicos à semelhança daqueles que compõem o patrimônio privado que se singularizam em razão do seu titular o Estado ou do seu regime jurídico com a afetação pública e as respectivas restrições não é mais base suficiente para a construção de um instituto exclusivamente administrativo161 Com as transformações que se sujeitou a disciplina administrativa é inegável que haja determinadas coisas que mesmo sem a titularidade estatal ou a atribuição de uma qualificação ou regime próprio exercem uma finalidade de interesse coletivo e portanto devem ser protegidos pela sua função pública Nesse sentido parece insuficiente considerar que a expressão domínio público se refira exclusivamente ao domínio estatal162 se considerarmos que sob tal rótulo incluímos os bens dominiais que guardam feições de bens privados ou incluir na concepção as pessoas jurídicas privadas criadas pelo Estado com seus respectivos patrimônios Por outro lado pode se considerar o regime jurídico de direito público a partir de seus efeitos principais como a inalienabilidade e a impenhorabilidade Porém tornase forçoso sustentar tal critério diante da existência dos bens dominiais ao qual por própria força da lei admite a sua disposição onerosa ou gratuita163 Todavia utilizar mesmo assim como critério distinto apenas os bens dominiais e não os patrimoniais a concessão de regramento especial para uma especial proteção do acervo 161 ALFONSO Luciano Parejo Dominio Público Op cit p 15 162 SCAGLIUSI Maria de los Ángeles Fernández La necesaria reformulación del concepto de dominio público en el ordenamiento jurídico español Lecciones y Ensayos nº 93 2014 p 95 163 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 101 Os bens públicos dominicais podem ser alienados observadas as exigências da lei 58 58 composto pelo domínio público garantindo a finalidade pública ao qual exercem164 é ignorar que aos bens que exercem uma função social prevêse uma disciplina própria Dessa feita por exemplo podese citar as limitações administrativas que incidem sobre a coisa privada para adequála ao interesse público bem como o tombamento para aqueles bens de natureza cultural que fazem incidir regramento de direito público com restrições no uso e disposição da propriedade que às vezes transvestem uma conversão tácita em pública165 Parece que se perdeu a própria origem científica da expressão domínio público na matriz romanogermânica que foi primeiramente utilizada para singularizar as restrições as quais se sujeitam uma coisa que tem destinação pública daquelas que exercem ou devem se adequar respectivamente à uma função social 166 Note portanto que a expressão não foi cunhada para sustentar uma fronteira rígida entre o público e o privado reconhecendo que os referidos bens se sujeitassem a elementos diferentes mas ao contrário buscava formar uma gradação ou escala da utilidade pública a qual ambos se situem167 Isto porque se tanto o bem público quanto privado se submete a uma função pública não é meramente o critério teleológico uma afetação que será capaz de distinguir o campo do domínio público do privado mas à medida que tal se realiza como uma adequação ou uma destinação ao atendimento das necessidades coletivas Nesse sentido em uma primeira vista o critério de afetação poderia ser capaz de sustentar uma distinção efetiva para delimitar a natureza dos referidos bens jurídicos mas os bens privados se sujeitam a uma adequação e a uma função social enquanto os bens públicos são aqueles destinados a sua realização Note portanto que não se trata da afetação em si o elemento central de uma teoria do domínio público uma vez que tanto os bens públicos e privados devem se adequar ao 164 OYARZÚN Santiago Montt La administración del Estado y los bienesOp cit p 272 165 HEINEN Juliano Limitações administrativas e o conteúdo econômico da propriedade uma desapropriação à brasileira Revista de Direito Administrativo Rio de Janeiro v 260 p 133181 maioago 2012 p 178179 166 PARDESUS JeanMarie Traité des Servitudes ou Services Fonciers Op cit p 73 167 JeanMarie Traité des Servitudes ou Services Fonciers Op cit p 73 59 59 interesse público mas a função social que exerce a referida coisa ou seja em que medida ela se submete a um fim coletivo ou busca realizálo O Conselho de Estado Francês já aderiu à teoria funcionalista ao determinar que exercendo a coisa um uso público no caso um cemitério ainda que supostamente esteja sob uma titularidade privada encontrase no acervo dos bens que compõem ou lappartenance ao domínio público168 Neste sentido será a gradação da função pública169 que irá distinguir os bens públicos e privados e portanto as fronteiras do domínio público que não se liga necessariamente com a titularidade mas em que medida a coisa não busque se adequar com isso promover o interesse público Tal gradação que irá distinguir por exemplo uma servidão administrativa de uma desapropriação indireta à medida que há apenas a adequação da propriedade privada a uma atividade pública como uma passagem de terminal elétrico ou a sua própria utilização para realização do serviço público como a necessidade de instalação de central elétrica Em ambas há uma nítida afetação a uma finalidade pública o que as distingue quanto à natureza pública do bem que não é a titularidade já que ambas estão sob título formal privado mas que enquanto a primeira conserva um espaço de autonomia de vontade restringida pela função pública na segunda a sua ação já se volta à realização do interesse público Assumir que o critério central do domínio público não deve ser a afetação à finalidade coletiva como ato formal e normativo mas a função pública assumida pela coisa no atendimento as necessidades públicas não significa negar o papel exercido pelo Estado na res publicae e tão pouco que ela possa decorrer também de um ato administrativo Porém admitir que além das coisas que exerçam uma função pública sob a titularidade do Estado há outras que independente da afetação formal ou do comando do sujeito estatal também atende as necessidades coletivas que ensejam igualmente a proteção pela ordem jurídica 168 FRANÇA Conselho de Estado Arrêt Márecar de 28 de junho de 1935 169 PARDESUS JeanMarie Traité des Servitudes ou Services Fonciers Op cit p 73 60 60 Sob tal viés tornase necessário verificar se pode sustentar junto a um domínio público estatal cujos bens estão diretamente a serviço do ente público outro domínio público que não esteja sob a sua titularidade e portanto importará em questões como a aplicação da própria disciplina normativa O tema será tratado a seguir 61 61 14 A reconstrução do tema à luz da função social o reconhecimento de um domínio público não estatal e um domínio público humanitário A tentativa de delimitação no critério da titularidade seja propriamente dito de forma transversa com a natureza dos bens do regime da afetação ou da sua combinação com estes como um elemento central da teoria do domínio público tornase insuficiente diante das transformações observadas na contemporaneidade Com os fenômenos de privatização e despublicização da ação administrativa e o redimensionamento da soberania estatal há um descolamento da noção de público e privado que demandam a construção de uma teoria capaz de lidar com os novos atores sociais e as formas adotadas na persecução do interesse público Porém tais insuficiências não importam que a expressão domínio público seja vaga ou imprecisa por abranger sujeitos variados Estado coletividade e indivíduos ou que por isso deva continuar a ser um rótulo de poder de dominação do Estado sobre todos os bens em seus territórios que legitime tais relações com a coisa pública A problemática não parece se situar no âmbito da linguística encerrando uma questão semântica acerca da designação adotada mas no domínio da ciência jurídica onde se insiste em reunir em apenas uma expressão um conjunto de regulações normativas e categorias jurídicas que não se amoldam em apenas uma identificação O domínio público é apontado como uma determinada técnica jurídica capaz de legitimar por parte do Estado uma disciplina jurídica que consagre alguns caracteres e permita certas posições ao ente estatal de forma a proteger determinadas coisas consideradas como bens públicos 170 Por efeito tentase propor uma categoria jurídica e por conseguinte reunir sob uma única regulação normativa na figura do domínio público os bens naturais e artificiais apropriáveis e inapropriáveis afetados e desafetados ao interesse público inalienáveis e alienáveis sob a titularidade propriedade ou concessão pelo Estado171 170 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 463 171 CURIEL P Brufao Las concesiones de aguas en Derecho español en Poder Judicial Poder Judicial n 37 1995 pp 2354 62 62 A tentativa de unificação de domínio público em uma única teoria é artificial já que a criação de uma teoria geral comum para bens jurídicos ignora que tais coisas não possuem as mesmas características não se submetem aos mesmos efeitos e estão sujeitos a disciplinas legais específicas distintas172 Tal questão gera um efeito prático de produzir uma superregulação para alguns desses bens que impede a Administração Pública gerilos de forma adequado nas suas atividades173 como os bens dominicais que embora adequados melhor ao regime privado acabem se sujeitando às restrições da disciplina pública Por efeito inexiste um sentido inequívoco de tal designação que assume feições distintas nas matrizes romanogermânicas e anglosaxão bem como igualmente tem conteúdo controverso nas variadas construções teóricas que buscaram dotála de feições próprias ainda que possa se identificar em nossa família um elemento e uma exclusão comum A plurissignificância que o domínio público encontra na literatura jurídica não aponta incerteza sobre seu conteúdo mas também a existência daquela variedade de teorias que buscam delimitar em um único conceito uma diversidade de regimes jurídicos e na realidade demanda a necessidade de tornar plural a sua expressão Isso significa afastar a expressão domínio público da noção estrita de domínio estatal enquanto uma fórmula simplista e idéia generalizada na literatura jurídica nacional de que bens públicos são os que pertencem ao Estado que pode através da norma jurídica atribuir à comunidade a titularidade de uso de alguns deles174 Parece adequado ao revés de sistematizar as distintas relações jurídicas formadas com as coisas pelo Estado em apenas uma noção de domínio público a admissão de que a pluralidade de arranjos jurídicos determina variadas acepções dentro do domínio público sintetizam as distintas vertentes que o vocábulo público deve assumir 172 GONZÁLEZ Julio V González Garcia La titularidad de los bienes del domínio publico Madrid Marcial Pons 1998 p 77 173 SCAGLIUSI Maria de los Ángeles Fernández La necesaria reformulación del concepto de dominio público Op cit p 102 174 MONTEIRO Washington de Barros Curso de Direito Civil Volume 1 São Paulo Saraiva 1962 p 163 63 63 Isso não significa um esvaziamento da noção de domínio público mas o reconhecimento que a teoria deve ser suficiente para abranger os fenômenos relativos aos bens públicos e portanto a uma pluralidade de relações jurídicas o que demanda um elemento ou categoria central Neste sentido distintas teorias sobre os bens públicos foram construídas a partir de uma interpretação da matriz romana tendo sido generalizada pela família jurídica da civil law como um elemento comum com destaque na literatura jurídica a identificação entre a noção de domínio público com a de domínio estatal Porém se é possível afirmar que a noção de domínio público já encontrou distintos fundamentos na sua evolução desde o conceito da Antiguidade Clássica até a Modernidade poder público iura regala parece que na contemporaneidade seu fundamento se liga eminentemente ao cumprimento das finalidades ou funções175 Neste sentido basta relembrar que o uso público e o aproveitamento geral de determinadas coisas são conceitos historicamente ligados à noção de domínio público porém sem que necessariamente demandem uma titularidade pública como ocorrem com as obras e com os serviços públicos176 Como visto parece se adequar melhor as demandas dos bens públicos diante das transformações sofridas na noção de Estado e na disciplina administrativa a graduação que a coisa se vincula a função pública a saber à medida que se destina a concretização e não apenas adequação a uma finalidade ou necessidade coletiva Demonstrase o critério capaz de solver questões como bens que atendam a função pública embora estejam sob a titularidade de entes privados ou não tenham sido afetados formalmente pelo Estado resolve a celeuma de coisas que apesar de estarem sob o domínio do ente estatal não se ligam de nenhuma forma com a finalidade coletiva Porém isto demanda a superação da perspectiva tradicional e moderna de uma identificação da noção de público e estatal e reconhece um conteúdo plural capaz de abranger 175 BLANCO Alejandro Vergara Teoria del dominio publico Op cit p 137 176 FERNÁNDEZ Tomás Ramón Las Obras Publicas Revista de Administración Pública Espanha Centro de Estudios Políticos y Constitucionales n 100102 1983 p 2430 64 64 os bens que estão sob a titularidade de outros sujeitos que não necessariamente sejam dos entes estatais Em alguma medida a literatura jurídica já tende a apontar tal sentido ao distinguir o domínio público estatal do autárquico177 em aparente distinção entre o acervo sob o comando do Estado daqueles que estão sob a titularidade de pessoas criadas por eles admitindose o seu exercício por outros sujeitos ainda que limitado à pessoas jurídicas de direito público Outros já distinguem o domínio público no que consideram como em diferentes subclassificações a partir de um critério geral material domínio público natural ou artificial ou da natureza específica dos bens domínio público terrestre fluvial marítimo e edifilicios178 que corrobora com a compreensão de distinção das coisas nesta noção Porém tal compreensão que dentro do domínio público há categorias distintas pode auxiliar na delimitação não de uma variedade de teorias mas na compreensão que sob tal rótulo deve se compreender a existência de campos exercidos por titulares diferentes e espaços definidos para coisas distintas Sob tal viés é aceitável que há determinadas coisas que exerçam uma finalidade pública independente de haver uma titularidade estatal ou de um ato formal de afetação ou de sujeição à um regime jurídico específico como por exemplo os mares e o rios que mesmo antes das qualificações legais ou surgimento do sujeito público serviam a coletividade Outras todavia exercem uma função pública apenas na medida em que o Estado procede a uma afetação formal ou material a uma finalidade coletiva subtraindo da sua esfera privada tal qual por exemplo os prédios construídos para a realização de serviço público e as propriedades privadas após um ato de desapropriação Por fim há aqueles que embora devam ser adequados a tal função pública não são destinados a sua concretização mas a realização de interesses privados quão por exemplo os bens particulares que se sujeitam à limitação administrativa como a construção de gabarito excluída essas resguardam as faculdades e autonomia do proprietário 177 CAETANO Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 830 178 FOIGNET René Op cit p 203 HAURIOU Maurice Précis de Droit Administratif Paris L Larose Forcel Editeurs 1893 p 503 65 65 Embora pareça clara a proposta é inegável que haja zonas de penumbras de forma que não se pode determinar um conceito rígido ou estático que permita identificar a natureza pública de determinado bem mas admitir que a fronteira do domínio público deva ser dotada de mobilidade que se adéque a própria contingencialidade da definição do interesse público A própria Constituição Federal de 1988 consagra em relação aos bens culturais quando determina o que aparenta ser traço de proteção da função social179 inventários registros vigilância tombamento e desapropriação e de outras formas de acautelamento e preservação o que aponta na realidade a gradação de sua destinação e portanto o seu domínio Dessa forma é de assumir que determinados bens culturais apenas se adéquam à uma função social o que demanda restrições apenas no exercício da autonomia privada como o registro a vigilância e o tombamento enquanto outros ao se vincular às necessidades coletivas se sujeitarão às restrições do regime público inclusive com a desapropriação Assim por exemplo uma pintura ou um quadro pode tanto fazer parte do domínio privado e parte de um patrimônio de um colecionador ou se sua relevância para a cultura nacional demonstrar a natureza pública que imponha a tutela estatal e portanto o processo de desapropriação Isso pode ser observado em relação as patentes sobre os inventos que pode se adequar ao interesse público ou ser necessário para a realização de uma necessidade coletiva o que irá distinguir portanto a sua licença voluntária ou compulsória180 como por exemplo no caso da medicação contra HIV em razão da função pública assumida Assim não basta o exercício da função social para a qualificação de um bem como público mas uma graduação que permita considerar a destinação ao atendimento de uma finalidade coletiva uma forma plena do que uma restrição da autonomia privada com a sua compatibilização com determinado interesse coletivo 179 BRASIL Constituição da República Federativa de 1988 Art 216 1º cc Art 5 inciso XXIV 180 Lei Federal nº 9279 de 14 de Maio de 1996 Art 68 O titular ficará sujeito a ter a patente licenciada compulsoriamente se exercer os direitos dela decorrentes de forma abusiva ou por meio dela praticar abuso de poder econômico comprovado nos termos da lei por decisão administrativa ou judicial 1º Ensejam igualmente licença compulsória I a não exploração do objeto da patente no território brasileiro por falta de fabricação ou fabricação incompleta do produto ou ainda a falta de uso integral do processo patenteado ressalvados os casos de inviabilidade econômica quando será admitida a importação ou II a comercialização que não satisfizer às necessidades do mercado 66 66 Note portanto que a gradação da função pública serve como critério não apenas para a delimitação de um domínio público e distinguilo do domínio privado mas para a própria distinção dentro do domínio público de graduações distintas do atendimento à finalidade coletiva que irão ensejar repercussões diferenciadas Há de se admitir que determinados bens sejam utilizados como elemento material para a prossecução dos interesses públicos e portanto estarão destinados a uma função pública sem que todavia estejam sob uma relação de titularidade estatal ou dependam de sua intervenção Não se trata de construção inédita o reconhecimento do chamado domínio público natural formado por coisas materiais como os mares as montanhas e afins a sua própria natureza e as demandas do ser humano o colocam imediatamente à satisfação e aos interesses da coletividade181 Isso não apenas torna insuficiente determinar que é o ato de afetação pelo ente público que concede o caráter de utilidade pública182 mas igualmente que isso os tornará de titularidade estatal pois é de sua natureza a impossibilidade de apropriação por pessoa pública ou privada já que são destinados a todos ao mesmo tempo mas individualmente a ninguém183 Assim reconhecer dentro do domínio público um domínio natural aéreo marítimo e terrestre envolve admitir que eles não estão dentro do acervo estatal já que o ar o mar e os elementos naturais são insuscetíveis de apropriação em razão de sua própria materialidade o que permite apenas sua qualificação para regulação e exploração estatal184 Sobre tais coisas é difícil determinar o próprio objeto a respeito do qual haveria a apropriação como por exemplo o chamado domínio público radioelétrico formado por espectro de frequências radioelétricas que se propagam pelo ar que é um objeto inapropriável inacessível indefinido e insuscetível de propriedade185 181 FOIGNET René Op cit p 203 182 FOIGNET René Op cit p 204 183 Algo que já estava previsto no Digesto de Ulpiano Quaedam naturali iure communia sunt omnium quaedam universitatis quaedam nullius pleraque singulorum quae variis ex causis cuique adquiruntur MADEIRA Eliane Maria Agati Digesto de Justiniano Op cit Livro 1 Capítulo VIII item 2 parágrafo 3 184 FRAGA Gabino Derecho Administrativo Mexico Editorial Porrua SA 1955p 452453 185 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 468 67 67 Não se deve cometer o equívoco todavia de considerar que o domínio público não estatal das coisas que exercem as funções públicas independente de uma titularidade pública se limita apenas ao domínio público natural formado por coisas que não estão sujeitas a uma titularidade privada ou pública estrita Não se propõe utilizar a expressão de domínio público natural pois não se pretende limitar apenas as coisas que por sua natureza servem à coletividade mas como visto todas as outras que estão afetadas embora sem a titularidade do Estado quão por exemplo os bens artificiais sob a sujeição imediata da exploração por entes privados Assume o público uma feição não estatal na medida em que abrange o deslocamento da ação pública para outros atores sociais com a participação da sociedade civil e da iniciativa privada na realização de atividades de interesse público sem a coincidência com as pessoas ou órgãos estatais186 Dessa feita o domínio público não estatal abrange não apenas os chamados bens públicos naturais que está sujeito à titularidade da coletividade ainda que reconhecida uma ingerência estatal mas igualmente os bens artificiais que são qualificados como público pelo Estado mas estão sob a sujeição de atores privados Isto não significa ignorar a tradição no uso da expressão domínio público natural que pode ser cientificamente incorporada dentro do domínio público não estatal mas admitindo que tais coisas gerarão distintos problemas perante o Estado e que demandam soluções diferenciadas como por exemplo as demandas da regulação na mineração 187 Também não se tem a pretensão de considerar que o domínio público é formado apenas por bens não estatais ou seja coisas que exercem função para a coletividade cabendo a mera representação do ente estatal188 Pois seria considerar que as outras sob o domínio do Estado não teriam natureza pública e poderiam ser utilizadas para fins privados 186 BRESSERPEREIRA Luiz Carlos GRAU Nuria Cunill Entre o estado e o mercado o público não estatal in BRESSERPEREIRA Luiz Carlos GRAU Nuria Cunill Org O Público NãoEstatal na Reforma do Estado Rio de Janeiro Editora FGV 1999 1517 187 LLOP Javier Barcelona Consideraciones sobre el dominio público natural in WAGNER Francisco Sosa El derecho administrativo en el umbral del siglo XXI homenaje al profesor Dr D Ramón Martín Mateo Espanha Tirant lo Blanch 2000 P 20852089 188 BIELSA Rafael Op cit p 157 68 68 Devese observar que tratase de uma perspectiva normativopositiva do Estado como pessoa jurídica de direito público e portanto sujeito de direitos e deveres para recordar que o thelos da sua própria existência e perpetuação é a busca pela realização dos interesses da coletividade e todos os seus bens devem ser voltados para fins públicos Assim compreende no domínio público também as coisas que compõem um domínio artificial como as ruas as praças e os prédios públicos e a rigor não são impropriáveis pela sua natureza mas enquanto conservam a sua finalidade pública deve ser a elas atribuído um regime protetivo estatal que garanta a sua inalienabilidade Há no domínio público um componente sob a titularidade do Estado que são coisas antes suscetíveis de apropriação que por determinação legal e atribuição administrativa ou disposição negocial foram afetadas à prossecução dos interesses da coletividade ainda que seu exercício não seja de forma direta pelos sujeitos sociais Desse modo percebese dois campos no âmbito do domínio público formado por coisas que exercem uma finalidade pública per si e correspondem por sua natureza em um espaço eminentemente inapropriável daquelas coisas que possuem uma finalidade pública na medida em que são atribuídas ao Estado e portanto a resguarda gerando a sua inalienabilidade Por efeito há de se determinar que a noção de domínio público possa se referir ao conjunto de coisas que não demandam uma titularidade estatal para exercerem uma função pública a qual pode se designar como um domínio público não estatal daquelas coisas que impõem uma titularidade estatal para atuar em fins coletivos o domínio público estatal Isto importa reconhecer que o domínio público não estatal abrangerá todas as coisas que não estão sob a titularidade do Estado mas exerce função pública o que demanda uma ação protetiva pelo mesmo inclusive a sujeição a um regime jurídico de direito público com todas as faculdades inerentes Isso conduz à advertência que a literatura jurídica faz que é imprecisa a categoria chamada de propriedade privada de interesse público já que tais bens embora estejam sob a 69 69 titularidade particular em razão do interesse público ao qual estão afetados demandam um regime mais específico de intervenção administrativa189 Isso porque todos os bens sujeitos à titularidade privada devam ser compatibilizados ao interesse público o que os sujeitam as modalidades restritivas de propriedade da ocupação temporária ao tombamento alguns exercem uma finalidade coletiva ao qual não se pode subtrair uma qualificação pública sob pena de deixar o interesse público sem tutela Superase a compreensão portanto que sobre os bens de titularidade particular o Estado tem o poder de qualificálos como bens públicos pois se o fundamento da ação estatal é a função pública demonstrado o atendimento ao interesse coletivo este passa a ter um dever de reconhecidas como públicas e preservar a sua finalidade Uma vez que ambos os domínios encontram fundamento na função pública poderia se sustentar que a distinção proposta é inócua constituindo ambos um único domínio público e correspondendo somente à uma divisão ou classificação além de existir proposições similares na literatura jurídica Nesse viés determinados autores optam por discernir o acervo patrimonial estatal do natural utilizando a expressão coisas públicas destacando as de domínico público190 porém parece inadequado não considerálos bens além de findar utilizando o rótulo de domínio público para expressar apenas o estatal Inegável que embora se sustente que as coisas que servem a uma finalidade coletiva independem de qualificação estatal elas assumirão uma expressão legítima que será dada pela ordem jurídica não como forma de atribuição ou afetação mas pela tutela ou proteção normativas dos fins ao qual se liga Igualmente não parece adequado o que propõe outros autores ao distinguirem um domínio público as coisas naturais ou artificiais apropriáveis sob a propriedade do Estado de um domínio comum as coisas naturais ou artificiais inapropriáveis sob a guarda do Estado191 189 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 467 190 ODA Yorozu Principes de droit administratif du Japon Paris Société anon me du ecueil Sire 1928 p 107 191 PORTUGAL Código Civil Português Artigo 380 a 382 70 70 Sobre tais bens aos quais convencionase nomear como domínio público não estatal o ente público não exercerá um direito de propriedade uso fruição disposição e reivindicação podendo somente regular o seu uso e fruição individual ou coletivo na medida que necessário para a sua proteção com destino à coletividade inclusive no aspecto intergeracional Como será visto não se deve confundir titularidade com propriedade uma vez que o primeiro enquanto categoria da teoria do Direito busca situar a relação jurídica formada por mais de um sujeito com qualquer objeto ao passo que a última em especificidade denota aquela que tem por objeto uma coisa sujeita à apropriação Incide em mesmo erro a proposta por parte da doutrina enctre domínio para abranger bens não sujeitos à apropriação e afetos a finalidade pública e portanto subordinados a um regime público e propriedade pública para reconhecer os bens sob a propriedade do Estado e não afetos ao seu destino público192 Pretendese criar uma distinção que possa albergar coisas que não se adéquam a thelos da criação de um regime jurídico exorbitante e a própria titularidade do ente moral situando o Estado em uma posição dualística estranha a sua origem e finalidade que não se ligam a nenhum interesse próprio Com designação distinta mas com ideia idêntica alguns nomeiam como domínio público o conjunto de coisas afetadas ao interesse público e domínio privado estatal o acervo patrimonial do ente público e desfuncionalizado que o Estado possui e gere como particular permitindo a sua fruição e todas as posições da propriedade privada193 Nesse sentido sob o domínio público caberia ao Estado a administração a manutenção a fiscalização e a polícia garantindo a fruição dos bens de uso comum do povo ao passo que sob o seu domínio estatal exerceria atribuições iguais as do proprietário em seu domínio eminentemente particular194 192 GAUDEMET Yves El futuro Op cit p 14 193 TAVARES José Os Princípios Fundamentais Op cit p 351352 194 REIS Aarão Direito administrativo brasileiro Rio de Janeiro Oficinas Gráficas VillasBoas Cia 1923 p 292 71 71 Igualmente parece inadequado sustentar bens privados dentro do domínio público já que não cabe o Estado constituir um patrimônio desfuncionalizado tal qual uma pessoa natural ou jurídica de direito privado mas gerir os bens sob sua titularidade para alcançar interesses públicos justifica e fundamenta a sua própria criação como ente moral Como bem afirmado pela literatura jurídica a dominialidade pública é a medida de função195 por esta razão não parece se admitir junto ao domínio público uma propriedade pública o que seria admitir a possibilidade do ente estatal não atuar para fins públicos na existência de coisas consideradas públicas mesmo que não atendam a sua finalidade coletiva Porém se as propostas de divisão são insuficientes considerar que domínio público não estatal e estatal deva ser incluído a partir de um critério de unicidade é ignorar sua distinção não apenas em seu fundamento no que origina o exercício da função pública mas precipuamente os efeitos produzidos o que torna inconveniente reunilas sob um único rótulo Isso gera a incongruência de tentar traçar elementos que se ligam a determinados bens como estruturantes do domínio público pois se a titularidade parece se amoldar ao domínio públicoestatal na medida em que impõe a funcionalização e o regime protetivo não se adequa ao domínio público não estatal já que parecem decorrer em alguns casos da natureza Não se pretende negar que o Estado exerça um papel tanto nos bens que encarregam por si só uma finalidade pública quanto naqueles que demandam a sua afetação à necessidade coletiva mas que há uma distinção na sua atuação no que se refere tanto ao domínio público estatal quanto ao domínio não estatal Isso porque a teoria do domínio público não deve ser considerada como uma técnica que atribua uma titularidade ao ente público mas que corresponde a teoria que regula as coisas por estarem destinadas à uma finalidade pública atribuem um titulo jurídico de intervenção legitima para que o Estado ordeneas de acordo com as exigências dos interesses públicos196 Assim a gradação na realização da função pública se liga a uma graduação da intervenção estatal que enquanto os bens que fazem parte do domínio público estatal 195 GAUDEMET Yves El futuro Op cit p 18 196 GAMIR Roberto Parejo OLIVER José María Lecciones de domínio publico Madrid Ediciones Instituto Catolico de Artes e Industria 1976 p 7 72 72 correspondem à amplo espaço de atuação no que se refere ao domínio público não estatal envolve um espaço eminentemente de regulação Por efeito sob os bens do domínio público estatal como os prédios as praças e as ruas públicas o Estado pode operar a sua desafetação formal pela inexistência de atendimento ao interesse coletivo já que sobre tais coisas o regime por ele imposto institui a sua indisponibilidade jurídica e portanto pode subtraílas Por outro lado sob o domínio público não estatal como os mares rios e montanhas cuja indisponibilidade é material impede a apropriação por qualquer sujeito público ou privado cabendo apenas a regulação do seu uso e exploração já que não é a afetação que atribui a sua função pública mas o regime jurídico de direito público que impõe sua inalienabilidade Em ambas porém com o redimensionamento da noção de soberania a intervenção do Estado deixa de se ligar a noção de poder político ainda que jurisdicizado como um amplo espaço de discricionariedade para se situar como um dever jurídico de proteção da função pública exercida pelas referidas coisas Assumir portanto que haverá um título de intervenção estatal não significa que ele exercerá todo o papel na proteção ou atendimento da gestão pública mas que embora outros atores sociais tenham a titularidade no que tange ao domínio públicoestatal resguardase um espaço de atuação do ente público sobre as referidas coisas Há outra noção de domínio público não estatal que costuma se designar como patrimônio da humanidade ou seja o conjunto de bens do patrimônio cultural e natural para quais são reconhecidos excepcionais interesses da comunidade internacional e denota a sua preservação e reconhecimento da titularidade do homem197Tratase de uma proteção que se justifica na medida em que parte da literatura sustenta que embora certas coisas tenham uma dimensão de relevo como os monumentos históricos por não exercerem uma finalidade coletiva não seriam suficientes para motivar a tutela de privilégios do domínio público e portanto a sua natureza como bens públicos198 197 Organização das Nações Unidas para a Educação Ciência e Cultura Convenção do Patrimônio Mundial 17 de Outubro a 21 de Novembro de 1972 198 MAYER Otto Le droit administratif allemand Op cit p 128 73 73 É forçoso reconhecer tanto a natureza de bens públicos quanto de bens da humanidade às respectivas coisas como os monumentos arquitetônicos ou arqueológicos cuja função pública não significa um destino material a uma necessidade como as praças públicas ou uso imediato como as praias mas a preservação de bens jurídicos ambientais e culturais Sob tal viés com a criação dos organismos internacionais voltase a uma proteção do patrimônio cultural e natural em escala igualmente internacional cuja tentativa de conservação pretende permitir a compreensão da necessidade e aproximação pelos povos na defesa de tais coisas necessárias à humanidade199 Em contrassenso à noção de domínio público estatal o conceito de patrimônio comum da humanidade pretende construir uma res communis omnium com a formação de um espaço apto para o uso de todos em um cenário comum que permita a realização de atividades capazes de perseguir o benefício da humanidade200 Adéquase ao redimensionamento da soberania estatal já que determinadas coisas pela função pública que exercem não assumem relevo apenas para o ente estatal ou àquela sociedade mas igualmente para toda a comunidade internacional e a humanidade o que demanda os efeitos relativos ao seu uso e proteção Tomese por exemplo os monumentos naturais e artificiais de determinados Estados que não podem estar sujeitos à restrição plena ou absoluta de acesso a outros seres humanos além daquele povo bem como a disposição estatal já que sendo seu fundamento a função social que exerce para a humanidade pouco importa o território ao qual esteja localizado Podese extrair como elemento chave desse patrimônio comum não só a proibição de apropriação por entes privados como o reconhecimento de que os espaços encontramse fora do comércio do Estado e portanto sobre tais bens sua titularidade é revertida à comunidade global e não exercida pelos Estados201 Neste sentido se sujeitam tal qual aos bens estatais igualmente a uma função social que demanda na sua afetação à finalidades coletivas a necessidade de uma gestão racional 199 GONZÁLEZVARAS Ignácio Conservación de bienes culturales Madrid Cátedra 2001 p 459 200 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 474 201 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 474 74 74 desses bens pela sociedade internacional reforçada pela natureza transtemporal e trans espacial das referidas coisas pela humanidade 202 Note portanto que embora tais bens públicos já que conservam tal natureza enquanto afetados aos interesses coletivos façam parte do domínio público do Estado já que vinculados ao seu território e ao exercício limitado de sua soberania porém igualmente compõem o domínio da humanidade uma vez que estão sujeitos à proteção da comunidade internacional Podese designálo portanto como um domínio público humanitário ou global embora primese pela primeira nomeação uma vez que o seu fundamento decorre não do fenômeno de integração econômica e política que pode resultar em um domínio público comunitário mas da função social exercida por tais bens à coletividade Dessa forma excluise tais construções da análise do domínio público não estatal pois essa titularidade exercida pela comunidade internacional ou grupos comunitários demandam a formação de um instituto próprio de análise do Direito Internacional para abranger as coisas sujeitas a titularidade pelo Estado de forma direta ou indireta Isso significa reconhecer que as gradações assumidas pela coisa no que tange a função pública resultarão em distintas qualificações domínio privado domínio público estatal domínio público não estatal domínio público comunitário e domínio público humanitário e irão conduzir ou sujeitála a diferentes regimes jurídicos e nem sempre de forma exclusiva Assim superase a compreensão de que o domínio público é técnica de atribuição de um regime ou uma disciplina exorbitante de Direito Público decorrente da função de interesse coletivo assumida por determinadas coisas o que justifica a incidência de regras que imponham determinadas consequências jurídicas203 Os distintos graus de funcionalização assumidos pela coisa gerarão não apenas assunção aos regimes jurídicos de direito internacional comunitário e nacional mas igualmente diferentes graus de vinculação com o regime jurídico de direito público permitindo assim a aplicação de normas jurídicas de direito privado 202 PUREZA Jose Manuel El patrimonio común de la humanidad Hacia un Derecho internacional de la solidaridad Madrid Trotta 2002 p 375382 203 GAUDEMET Yves El futuro Op cit p 18 75 75 Isso fica claro por exemplo no que tange aos bens ambientais e culturais que se situam em uma interface entre o domínio público não estatal e o domínio público humanitário e portanto a ação da coletividade do estado e da comunidade internacional Há de se admitir que incida sobre eles um regime jurídico de direito público nacional e internacional Em outros casos que se situem em uma zona fronteiriça os bens privados deverão se adequar às finalidades públicas que se sujeitam tipicamente ao regime jurídico de direito privado as chamadas normas de ordem pública ou a exorbitância produzida pelo interesse público no exercício da autonomia privada Porém no que tange ao domínio público estatal e não estatal é reconhecer que as gradações no atendimento à função pública importam na superação da ideia de aplicação de forma estática do regime jurídico de direito público e na compreensão que igualmente será graduada na aplicação do referido regime Tomese por exemplo que no domínio público estatal como os prédios praças e ruas públicas parece que a aplicação de formas do direito privado como locação ou alienação se amoldam sem grandes problemas visto que tais coisa a rigor não estão sujeitas a tal regime e a apropriação privada por um ato estatal Todavia em outro caso como no domínio público não estatal como os rios mares e montanhas demonstrase inadequada à aplicação de tais negócios do direito comum pois sob tais coisas só devem incidir um regime jurídico de direito público que se adéquem a própria realidade material das mesmas Definido o regime aplicável em caso de conflito entre os referidos bens parece que a própria hierarquia normativa das disciplinas é capaz de solver a questão com a precedência entre a regulação internacional e comunitária sobre a nacional e local com a primazia das normas de ordem pública sob as disposições de ordem privada Considerando que os bens naturais sejam integrantes do domínio público estatal e do domínio público humanitário havendo conflito no regime protetivo dado pelo estado e pela comunidade internacional parece haver uma submissão natural ao regramento internacional devido a mitigação da soberania estatal 76 76 A celeuma surge porém quando há um aparente conflito entre bens sujeitos a idênticos ou regimes próximos como o conflito que pode manifestarse entre o Estado e comunidade tratase de um domínio público não estatal e a sua possível interface um domínio públicoestatal O conflito pode ser contado à luz das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e a eventual necessidade de instalação pelo Estado de bens ou serviços públicos o que resultará em uma tensão que a unicidade teórica tradicional do domínio público não parece ser capaz de solver e a proposta apresentada pretende auxiliálo protegendo os interesses envolvidos O tema será tratado a seguir 15 O domínio público não estatal e o Estado análise das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios no caso da demarcação da Raposa Serra do Sol Considerada a função social como categoria que deve ser central na formação de uma teoria do domínio público há de se admitir portanto que sob tal designação incluirseá bens que exerçam tais finalidades coletivas de forma imediata ou independente de sua afetação coisas que estejam sob a titularidade do Estado ou sob outro sujeito Sustentando que haja um domínio público não estatal admitese reconhecer que há certas coisas sob a titularidade da coletividade cuja a sua própria natureza material e as necessidades sociais determinam a sua afetação pública e portanto independem do reconhecimento formal pelo Estado e não se sujeitam à apropriação Porém igualmente há determinadas coisas que poderiam ser em razão da sua natureza objeto de apropriação privada mas o próprio Estado atribui uma qualificação pública afetando uma finalidade social mas sem conservar a sua titularidade ou seja definindo que a mesma seja exercida por determinado sujeito privado Assim os bens naturais podem tanto compor o domínio público não estatal em razão de sua natureza que impeça a apropriação e denote por si só uma função social como os mares os rios e as montanhas quanto devido a um ato formal de afetação atribuir a satisfação de determinada necessidade coletiva como a terra Note que as terras a rigor serão públicas conforme necessárias para a realização de uma função social como por exemplo as terras devolutas ou seja indispensáveis à defesa das fronteiras das fortificações e construções militares das vias federais de comunicação e à preservação ambiental que são de atribuição da União204 ou dos Estados205Podem integrar o domínio público estatal ou não estatal conforme exerçam sua função pública por um ato de afetação como a defesa das fronteiras ou por si só como necessária à proteção dos ecossistemas naturais o que as tornam indisponíveis independe da declaração normativa206 204 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 20 inciso II 205 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 26 inciso IV 206 Constituição da epública Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 225 5º São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados por ações discriminatórias necessárias à proteção dos ecossistemas naturais 78 78 Porém serão privadas uma vez que não exerçam nenhuma função pública apenas se adequando as mesmas como por exemplo as demais terras devolutas que podem ser compatibilizadas com a política agrícola e com o plano nacional de reforma agrária inclusive mediante as suas concessões ou alienações207 Sob tal viés a Constituição Federal de 1988 reconhece aos índios sua organização social costumes línguas crenças e tradições e consagra os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam atribuindo competência para a União demarcálas proteger e fazer respeitar todos os seus bens208 Nesse sentido a expressão direitos originários sobre as terras não deve ser entendido como um direito de propriedade mas a garantia daquela porção do território permitindo a manutenção da vida indígena e a sua organização social como já assentava a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal209 As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios tem natureza de bens públicos tanto que consagra a Constituição Federal os atributos decorrentes do seu regime jurídico de direito público ainda que forma atécnica já que aduz inalienabilidade e indisponibilidade quando deveria veicular também impenhorabilidade além da imprescritibilidade210 Isto porque tais bens não estão apenas adequados a uma função social mas exercem uma finalidade pública uma vez que as terras servem para habitação em caráter permanente atividades produtivas preservação dos recursos ambientais necessários ao bemestar e reprodução física e cultural dos índios segundo seus usos costumes e tradições211 Ligase portanto não a atribuição de uma propriedade privada àquele grupo social mas ao reconhecimento de uma afetação daqueles bens às finalidades coletivas já que se protege não qualquer terra mesmo com condições ecológicas diferentes das adequadas ao conhecimento tradicional mas aquelas que são tradicionalmente ocupadas 207 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 188 208 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 231 209 Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinário nº 44585 Rel Min Victor Nunes Leal 11 de Outubro de 1961 210 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 225 4º 211 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 231 1º 79 79 Assim a dimensão que deve ser atribuída aos direitos originários é a compreensão de que o Estado reconhece a préexistência da relação dos índios com a respectiva terra e portanto o ato de demarcação corresponde apenas à declaração de uma função já exercida por aquelas coisas Verifique portanto que sob tal bem natural a terra que a rigor poderiam estar sob o domínio privado permitindo a aquisição da sua propriedade optou o constituinte por reconhecer para algumas delas uma afetação à finalidade pública a proteção dos índios e de sua cultura destinando a sua titularidade aos mesmos Tanto que determinou a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição212 de forma a proteger uma função já assumida pelos referidos bens por uso dos indígenas em ato de natureza eminentemente declaratório e não constitutivo da respectiva relação jurídica Todavia foi atécnica a Constituição Federal ao consagrar tais terras como bens da União213 uma vez que demarcadas pelo ente federado passam estar sob a titularidade do grupo indígena o que se demonstra pelas próprias restrições previstas nas normas constitucionais do EstadoAdministração Isto porque sob tais bens a lei fundamental estipula o direito e a posse permanente pelos índios cabendolhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo dos rios e dos lagos nelas existentes214 Estipulando inclusive a restrição da exploração dos recursos sem autorização pelo Congresso Nacional e a participação nos resultado da lavra215 Podese afirmar que é permitida excepcionalmente a remoção dos grupos indígenas das suas terras em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população ou no interesse da soberania do País após deliberação do Congresso Nacional de natureza ad referendum 216 Parece ante o reconhecimento da necessidade de realização de outra função social do que eminentemente sustentar uma titularidade estatal tanto que determina a norma 212 BRASIL Atos das Disposições Constitucionais Transitórias de 05 de Outubro de 1988 Art 67 213 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 20 XI 214 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 231 2º 215 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 231 3º cc Art 49 XVII cc Art 176 1º 216 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 231 5º 80 80 constitucional a garantia em qualquer hipótese o retorno imediato dos índios às terras logo que cesse o risco 217 Todavia deflagra o reconhecimento que poderá haver conflitos quando sobre determinados bens recair mais de uma função pública de forma simultânea o que pode ocorrer tanto entre o domínio público não estatal e o estatal quanto entre os mesmos como no caso das terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas Isso porque por um lado as terras públicas ou privadas exercem e se adéquam respectivamente a uma função social sendo garantida não apenas a proteção para as primeiras mediante a criação e gestão com ou sem parcerias das reservas públicas218 mas também estando vedada por exemplo a caça e o comércio de animais silvestres em terras privadas219 Neste viés as terras ocupadas pelos indígenas assumem não apenas uma função social de proteção dos índios e de suas culturas mas outras necessidades coletivas como a preservação da fauna o que leva a uma tensão e portanto a necessidade de compatibilização vedando à caça profissional mas admitindoa incorporada aos usos costumes e tradições A celeuma surge quando se tratar de uma tensão entre a titularidade coletiva no caso representada pelo grupo indígena com a do Estado propriamente dita no que se refere à necessidade que deve assumir aquelas terras para a realização de outras funções sociais pois como visto o domínio público não estatal se sujeita a ingerência ou regulação do Estado Podese aduzir a questão no estudo da demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol situada no Estado de Roraima realizada por portaria do Ministro da Justiça220 que foi objeto de homologação pelo presidente221 e depois objeto de ação popular ajuizada pelo Senador da República contra a União e julgada pelo Supremo Tribunal Federal222 217 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 231 5º 218 Lei Federal nº 11284 de 2 de Março de 2006 Art 4 219 Lei Federal nº 5197 de 3 de Janeiro de 1967 Art 2 e 3 220 Ministério de Estado e da Justiça Portaria nº 534 de 2005 221 Presidência da epública Decreto de 15 de Abril de 2015 Art 1º Fica homologada a demarcação administrativa promovida pela Fundação Nacional do Índio FUNAI da Terra Indígena Raposa Serra do Sol destinada à posse permanente dos Grupos Indígenas Ingarikó Makuxi Patamona Taurepang e Wapixana nos termos da Portaria nº 534 de 13 de abril de 2005 do Ministério da Justiça 222 Supremo Tribunal Federal Pet nº 3388RR Rel Min Carlos Ayres Britto J 2782008 81 81 No caso em tela o decreto pretendeu harmonizar os direitos constitucionais atribuídos aos índios junto com as condições indispensáveis para a defesa do território e da soberania nacional a preservação do meio ambiente a proteção da diversidade étnica e cultural e o princípio federativo Desta feita além de declarar o direito originário de posse permanente dos Grupos Indígenas sob aquela terra indígena Raposa Serra do Sol fixou as suas medidas bem como as restrições impostas para a realização de outras funções coletivas que possam assumir respectivamente o referido bem público Interessante notar que reiterou a natureza de bem público do Parque Nacional do Monte Roraima e afirmou um regime jurídico de dupla afetação já que foi destinada à preservação do meio ambiente e à realização dos direitos constitucionais dos índios223 embora possam exercer outras finalidades públicas conforme as necessidades coletivas Ademais previu a ação de órgãos das Forças Armadas para a defesa do território e da soberania nacionais e da Administração Pública Federal para garantir a segurança e a ordem pública e proteger os direitos indígenas224 sem que houvesse necessidade já que a demarcação não exclui a incidência dos outros preceitos constitucionais Igualmente determinou a possibilidade do EstadoAdministração adotar as medidas necessárias para afetar os referidos bens públicos para fins de defesa do território e a soberania nacional225 Todavia a própria lei fundamental já prevê tal restrição constitucional às terras indígenas Por fim estipulou ao exercício o poder de polícia administrativa para garantir a segurança e a ordem pública na terra indígena226 quando tal exercício como decorre das necessidades de compatibilizar interesses privados com públicos já incidem independente de tal previsão normativa Isto tudo denota que embora o decreto considere as terras indígenas demarcadas como bem público da União227 acaba regulando a matéria como se o reconhecimento dos direitos 223 BRASIL Presidência da República Decreto de 15 de Abril de 2015 Art 3º 224 Presidência da República Decreto de 15 de Abril de 2015 Art 4º 225 Presidência da República Decreto de 15 de Abril de 2015 Art 5º 226 Presidência da República Decreto de 15 de Abril de 2015 Art 5º 227 BRASIL Presidência da República Decreto de 15 de Abril de 2015 Art 3º 82 82 originários dos índios importaria em um espaço de domínio tal como privado fosse que precisaria da fixação das restrições normativas em razão do interesse público Decorre ainda da confusão das noções de domínio público e domínio estatal bem como de titularidade e propriedade que faz o Estado considerar a terra indígena como bem da União e atribuir a posse e os direitos aos índios criando restrições em favor do ente público tal qual fosse um negócio jurídico com cláusulas restritivas O reconhecimento de um domínio público não estatal ajuda a resolver a celeuma pois embora seja não estatal com o reconhecimento que tais coisas que exercem uma função pública não sob a titularidade estatal ainda o é público estando vinculado às necessidades públicas e portanto a sua funcionalização à realização de outros interesses públicos Desta feita tornarseá desnecessário tentar fixar quais são as outras funções públicas que pretendem exercer as terras indígenas já que adstritas à realização das necessidades públicas que não podem ser consideradas em um conceito estático mas em uma visão dinâmica e contingencial já que vinculadas as demandas do grupo social Além disso já encontramse qualificadas através de conceitos jurídicos indeterminados e outras técnicas de abstração e generalidade traduzidas pela lei a proteção dos bens e interesses públicos de forma que sujeitam não apenas a adequação pelos bens privados como impõem a necessidade de concretização pelos bens públicos Tal dificuldade em delimitar as fronteiras do público e de sua dimensão não estatal e de uma percepção da titularidade não como propriedade ou domínio amplo que conduziu a uma judicialização da questão pelo equívoco de supor que a demarcação de terras indígenas traduza em um espaço amplo de liberdade indígena e não sujeição ao Estado Tanto que na ação popular o fundamento da violação aos decretos228229 que regulavam o procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas alegando a ausência de 228 BRASIL Decreto Federal nº 22 de 04 de Fevereiro de 1991 Art 2º A demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios será precedida de identificação por Grupo Técnico que procederá aos estudos e levantamentos a fim de atender ao disposto no 1º do art 231 da Constituição 3º O grupo indígena envolvido participará do processo em todas as suas fases 229 Decreto Federal nº 1775 de 8 de Janeiro de 1996 Art 2 A demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios será fundamentada em trabalhos desenvolvidos por antropólogo de qualificação reconhecida que elaborará em prazo fixado na portaria de nomeação baixada pelo titular do órgão federal de assistência ao índio estudo antropológico de identificação 3 O grupo indígena envolvido representado segundo suas formas próprias participará do procedimento em todas as suas fases 83 83 participação de todos os entes controvérsia bem como a assinatura por apenas um profissional no laudo antropológico foram apenas preliminares para o verdadeiro objeto da lide Que foram rechaçadas pela existência de um processo público e notório iniciado ainda na década de 1970 com publicação no jornal oficial da União e o primeiro despacho do EstadoAdministração ocorrendo apenas em 1996 sem que tenha sido solicitada nenhuma habilitação além da participação dos grupos indígenas e habilitação comprovada do profissional O cerne da questão era a alegação de que a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol em uma área tão ampla e contínua traria consequências desastrosas tanto para o Estado de Roraima sob os aspectos comercial econômico e social quanto para os interesses do país por comprometer a segurança e a soberania nacional Por um lado há nítido tratamento do bem público a partir da concepção tradicional de soberania como objeto de poder do ente público que determinará a sua adequação aos fins políticos almejados ignorando a sua relativização e a existência de objetivos delimitados pela ordem jurídicoconstitucional que prevê a demarcação indígena ao regular a ordem social Em outro vértice apoiase em um caráter patrimonial da coisa pública já que preocupase principalmente com as repercussões econômicas relativas à demarcação das terras como indígena o que se aproxima do viés de propriedade e tratamento dos bens públicos como se fossem coisas de um sujeito que exerce relações dotadas de economicidade Tanto que se aduz que resultaria em desequilíbrio da Federação já que a área demarcada ao passar para o domínio da União suprimiria parte significativa do território roraimense ofendendo ademais o princípio da razoabilidade ao privilegiar a tutela do índio em detrimento por exemplo da iniciativa privada Situa a discussão na partilha constitucional de bens e competências entre os entes federativos ignorando que o thelos da lei fundamental ao organizar o poder em limitações orgânicas e funcionais permite além da contenção do poder com a proteção dos direitos dos indivíduos a garantia do atendimento das funções públicas No julgamento da ação pelo Supremo Tribunal Federal o relator Min Carlos Britto ao situar que as terras indígenas são classificadas pela Constituição Federal como bens da 84 84 União determinou que elas assumissem feição de uma categoria jurídicoconstitucional bem público sob a titularidade de um sujeito União e não dos outros entes federados230 Ademais poderseia alegar que o ente federado em questão foi objeto de uma transformação de território federal em Estadomembro pela própria Constituição Federal o que ocorreria com a posse dos seus respectivos governadores231 e o sujeita às disposições da própria lei fundamental fazendoo nascer jungido à preexistência de tais direitos Embora seja uma forma de situar a questão parece que se o fundamento da partilha constitucional é garantir a realização de uma função pública o quesito não volve estritamente a quem exerce a titularidade pois caberiam exercêlas quantos sujeitos fossem necessários para atingir o fim o que se adéqua ao próprio modelo de federalismo cooperativo Aparenta que a problemática envolve a má compreensão de que a função pública deva ser exercida e determinada pelo agente com titularidade o Estado em sua soberania e que a afetação das terras à proteção dos índios não é ou excluem outras finalidades coletivas o que não traduz em verdade Como aponta o próprio ministro não é atribuída às terras indígenas com demarcação uma natureza de território ou de ente federado e portanto não possuirá uma personalidade políticoadministrativa capaz de restringir a circulação das pessoas ou o exercício de atividade pública232 Isso porque se tais terras antes integravam o domínio públicoestatal sob a titularidade da União com a demarcação passou a ser atribuída a titularidade à própria coletividade em específico o grupo indígena para que atenda àquela finalidade coletiva protegida pela Constituição a proteção dos usos costumes tradições indígenas e afins Porém elas persistem como bens do domínio público e portanto guardam a natureza de inalienáveis impedindo a sua aquisição por qualquer sujeito privado de forma que não há 230 BRASIL Supremo Tribunal Federal Pet nº 3388RR Rel Min Carlos Ayres Britto J 2782008 Voto do Min Carlos Ayres Britto p 3031 231 Ato das Disposições Constitucionais Transitórias Art 14 Os Territórios Federais de oraima e do Amapá são transformados em Estados Federados mantidos seus atuais limites geográficos 1º instalação dos Estados darseá com a posse dos governadores eleitos em 1990 232 BRASIL Supremo Tribunal Federal Pet nº 3388RR Rel Min Carlos Ayres Britto J 2782008 Voto do Min Carlos Ayres Britto p 3738 85 85 uma apropriação pelos índios mas apenas a sua titularização na realização dos fins sociais sem que isto exclua uma ação estatal A tentativa de discussão acerca do marco temporário para a delimitação da ocupação tradicional das terras indígenas igualmente deve volver a sua funcionalização ou seja a posse permanente e usufruto exclusivo das populações ocupantes de forma a proteger e garantir a cultura indígena No julgamento da ação popular propõe o ministro como marco temporal da ocupação a data da promulgação da Constituição Federal vigente de forma a evitar uma fraude da proliferação de aldeias com o objetivo de artificializar a expansão da demarcação bem como a violência da expulsão de índios para descaracterizar a tradição na posse das suas terras233 Parece novamente que a questão pode ter sido recheada de argumentos pragmáticos tendo em vista a própria questão da funcionalização dos bens públicos que como antes situado pode ocorrer da sua própria natureza que se adéqua à uma necessidade coletiva ou decorrer de um ato de afetação pela autoridade pública que o coloque à tal mister Considerada a terra em si que é o objeto central da demarcação e desconsiderado por ora os seus elementos agregadores como os rios minerais e afins por si só não exerce uma finalidade ou função pública tanto que o Estado determina a par daqueles que realizam um munus publico como as montanhas e as florestas quais serão públicas ou privadas Sob tal viés parece claro que a terra só terá natureza pública caso não exerça uma função natural na satisfação das necessidades coletivas caso haja um ato de afetação estatal que determine uma finalidade pública a ser cumprida seja realizado pelo mesmo ou por outro sujeito Não é possível sustentar que as terras indígenas exerçam uma função social em razão de sua natureza já que servem para a organização social costumes línguas crenças e tradições daquele grupo social porque em algum momento os índios fixaram ali a sua ocupação e permaneceram dando lhe uso Por um lado isso não é ignorar a relação ecológica 233 BRASIL Supremo Tribunal Federal Pet nº 3388RR Rel Min Carlos Ayres Britto J 2782008 Voto do Min Carlos Ayres Britto p 5556 86 86 específica que exercem sobre as referidas coisas de forma distinta do outros grupos sociais mas que ela decorre de um ato de afetação material dada pelos índios a terra que por si só poderiam servir em tese igualmente a outros sujeitos Por outro lado não é admitir que a colocação das referidas terras que poderiam ser públicas para outras finalidades sociais ou privadas para a apropriação particular decorre de uma opção do constituinte e portanto um ato de afetação estatal que decidiu destinálas a realização desta função social específica em meio aos demais interesses públicos Não se pode ignorar que embora as referidas terras não exerçam por sua natureza uma finalidade coletiva não foi por ato estatal que passaram a exercêla já que as terras são ocupadas tradicionalmente pelos grupos indígenas e portanto são dotadas dessa função social de proteção ao índio e da sua cultura antes que a ordem jurídicoconstitucional a declarasse Tal entendimento que faz o rel Ministro Carlos Ayres Britto sustentar que a qualificação tradicional importa em uma perdurabilidade da ocupação indígena consagrando uma situação jurídicosubjetiva anterior a qualquer outra que possa preponderar sobre escrituras públicas ou títulos de legitimação de posse em favor de não índios234 Parece que analisar o tema sob a índole notarial discutindo a legitimidade de um título originário se submeter em relação a outros negócios jurídicos que sucessivamente buscaram legitimidade em títulos anteriores na legislação vigente à época conduz a uma questão de índole patrimonial e de direito intertemporal que não é o ponto nodal da questão Tanto que considerou não ser suficiente constatar uma ocupação fundiária coincidente com aquela data uma vez que a ocupação é reconhecida e não outorgada ou concedida e deve ter um caráter de perdurabilidade uma prolongação no tempo235 que não permite sustentar que seja tal função pública atribuída pela Constituição Federal de 1988 A função pública assumida pelas terras deve ser julgada considerada não apenas na delimitação temporal um lapso de exercício de tal munus publico mas igualmente especial 234 BRASIL Supremo Tribunal Federal Pet nº 3388RR Rel Min Carlos Ayres Britto J 2782008 Voto do Min Carlos Ayres Britto p 57 235 Supremo Tribunal Federal Pet nº 3388RR Rel Min Carlos Ayres Britto J 2782008 Voto do Min Carlos Ayres Britto p 58 87 87 em que medida tais terras são necessárias para garantir a habitação permanente dos índios e a proteção de sua cultura Desta feita na delimitação das terras para a reserva indígena aponta o ministro que devem ser consideradas aquelas imprescindíveis à reunião dos recursos necessários ao bem estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural segundo os usos costumes e tradições daquele povo indígena 236 Consagrase na Constituição Federal a demarcação das terras indígenas como forma de garantir uma finalidade social que já exerce o seu conteúdo Deve ser capaz de abranger todos os elementos materiais que permitam garantir não apenas as condições de vida e perpetuação dos indígenas mas igualmente a reprodução de sua estrutura social e cultural A questão voltase a compatibilizar tal função pública que estará sob a titularidade da coletividade na respectiva parcela do grupo social com as demais necessidades coletivas que eventualmente serão buscadas pelo Estado de forma imediata ou com delegação legal ou negocial Nesse sentido é paradigmático o votovista do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito que reconhecia a constitucionalidade da ocupação de terras e respectivamente da demarcação da Raposa Serra do Sol criou uma série de restrições de forma a proteger e adequar o que considera a posse e proteção dos bens do patrimônio indígena237 Parece inadequado e reitera um caráter patrimonialista dos bens públicos sustentar que tratase de uma posse instituto de direito civil aplicável à propriedade privada ainda mais considerando que a Constituição Federal adota a expressão terras ocupadas compatível com a idéia de que tratase de bem público cuja utilização ou seja a titularidade é dos índios Ademais embora a legislação adote a expressão bens do patrimônio indígena as terras que seriam pertencentes ao domínio dos índios238 não deve ter referido o sentido comum e 236 BRASIL Supremo Tribunal Federal Pet nº 3388RR Rel Min Carlos Ayres Britto J 2782008 Voto do Min Carlos Ayres Britto p 61 237 Supremo Tribunal Federal Pet nº 3388RR Rel Min Carlos Ayres Britto J 2782008 Voto do Min Carlos Alberto Menezes Direito p 35 238 Lei Federal nº 6001 de 19 de dezembro de 1973 Art 39 inciso I 88 88 privatista mas especial e cultural já que se liga a identidade do grupo social bem como a própria norma reitera que as terras ocupadas pelos índios são bens inalienáveis da União239 Considerou também que as terras indígenas não podem ser objeto de arrendamento ou de negócio jurídico que restrinja o pleno exercício da posse direta da comunidade indígena qualquer atividade agropecuária extrativa ou de exploração da flora e fauna a vedação de arrendamento ou negócio jurídico além de outras questões todas já previstas em lei 240 Sua inovação decorre do Ministro após analisar as repercussões da demarcação considerar que tanto a Portaria do Ministério da Justiça quanto o Decreto Presidencial deixam de atender ao conjunto de condições que a disciplina constitucional impõe ao que agora se refere como usufruto exclusivo dos índios sobre suas terras241 Não parece que a demarcação de determinadas terras enquanto ato materialmente administrativo pois busca declarálas como tradicionalmente ocupadas pelos índios deva veicular os preceitos constitucionais já incidentes ou produzir uma conformação normativa destes por lhe faltar a abstração e generalidade dos atos legislativos em atentado a isonomia Porém ainda que coubesse tal delimitação pela Administração Pública em usurpação a atribuição do EstadoLegislador parece incapaz de se produzir uma regulação de toda adequação do exercício daquela função social ao atendimento ou compatibilidade com outras necessidades coletivas de forma abstrata ignorando as tensões do caso concreto Não obstante por considerar que a decisão adotada consolidaria o entendimento da Suprema Corte sobre o procedimento demarcatório com repercussão para outras ações propõe o Ministro dezoito condicionamentos para o usufruto constitucional que pretendem delimitar a sua natureza e seu alcance242 De outro modo importa em desnecessária afirmação como condicionantes de normas constitucionais que já são incidentes o que parece um tratamento das terras ocupadas pelos índios como se não estando sob a titularidade do Estado fosse um território não sujeito a 239 BRASIL Lei Federal nº 6001 de 19 de dezembro de 1973 Art 22 parágrafo único 240 Supremo Tribunal Federal Pet nº 3388RR Rel Min Carlos Ayres Britto J 2782008 Voto do Min Carlos Alberto Menezes Direito p 35 241 Supremo Tribunal Federal Pet nº 3388RR Rel Min Carlos Ayres Britto J 2782008 Voto do Min Carlos Alberto Menezes Direito p 57 242 Supremo Tribunal Federal Pet nº 3388RR Rel Min Carlos Ayres Britto J 2782008 Voto do Min Carlos Alberto Menezes Direito p 58 89 89 ordenação jurídicoconstitucional e a sua regulação administrativa Tanto que parece buscar reafirmar a soberania estatal ao determinar a possibilidade de exploração do usufruto das riquezas naturais do solo dos rios por interesse público a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal na área a instalação de equipamentos e realização de obras públicas das construções necessárias à prestação de serviços públicos pela União Tratandose de domínio público ainda que não estatal não significa a atribuição de poderes em relação à coisa ou posições jurídicas típicas de proprietário mas o dever de cumprimento daquela função social bem como a sua compatibilização e realização de outras o que sujeita a regulação pelo EstadoAdministração Ademais todas as condicionantes propostas ou estão previstas de forma expressa na ordem jurídicoconstitucional ou decorrem de modo implícito das competências administrativas sucedendo os chamados poderesdeveres administrativos que condicionam ou regulam a ordem social econômica e patrimonial de forma a adequálos à realização dos interesses públicos Em alguns casos chega a fazer uma interpretação constitucional ampliativa para abranger elementos não previstos como no interesse da política de defesa nacional a instalação de bases unidades e postos militares a critério dos órgãos competentes e independentemente de consulta as comunidades indígenas ou à FUNAI Tratase de uma tentativa de fixar em rol taxativo as atividades ligadas a defesa nacional ignorando que se a Constituição Federal ao prever de forma excepcional e transitória essa afetação à finalidade pública optou por deixar uma abertura ou indeterminabilidade para permitir um espaço de discricionariedade que se adéque às necessidades concretas Porém parece que a tentativa de reafirmação estatal envolve a redução do espaço de ação indígena ao prever a restrição ao usufruto dos recursos naturais pelo interesse público estipular a necessidade de autorização do Congresso Nacional para a exploração de recursos hídricos e potenciais energéticos ou a proibição da garimpagem e da faiscação sem permissão 90 90 Considerando que tais bens são qualificados como públicos em razão da sua função social promoção do índio e sua cultura não estaria incluídas nas atividades desenvolvidas por tais titulares qualquer outra ação que não esteja ligada a tal finalidade coletiva exceto se para realizar ou se adequar a outro fim igualmente público Assim não parece que seja necessário determinar que qualquer exploração dos recursos naturais hídricos energéticos ou minerais pelos índios para finalidade diferente dos seus usos costumes e tradições está vedada já que foge daquela funcionalização dada pela Constituição Federal ao declarar as terras tradicionalmente ocupadas Isso não impede qualquer outra afetação do mesmo bem a outro fim público como a exploração dos recursos energéticos ou garimpagem pelo Estado ou por outro sujeito particular mediante autorização do Congresso Nacional ou permissão de lavra garimpeira porém desde que de forma compatível e não excludente Também denota claramente a função social exercida pela ocupação indígena já que exclui a exploração privada sem fins sociais uma vez que veda nas referidas terras qualquer pessoa estranha aos grupos tribais ou comunidades indígenas a prática de caça pesca coleta de frutos ou de atividade agropecuária ou extrativa Todavia não implica que possa ser desenvolvida tal funcionalização social exploração econômica dos recursos naturais pelos índios uma vez que parece incompatível com a outra função pública que pretende ser exercida pela ocupação a garantia do índio em seus usos costumes e tradições que não abrange tal fim econômico Tão pouco que tal função social exclua outras que são exercidas pelas referidas coisas inclusive decorrente da sua própria substância já que naquelas terras há determinados bens naturais os rios os lagos e afins que são inapropriáveis e destinados materialmente à própria coletividade Assim a previsão de ingresso o trânsito e a permanência de não índios no restante da área da terra indígena parece despicienda diante do direito fundamental de liberdade de ir e vir243 Embora a propositura observadas as condições estabelecidas pela FUNAI pareça demonstrar a regulação estatal que restringe a autonomia privada à função social assumida 243 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 5 XV é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz podendo qualquer pessoa nos termos da lei nele entrar permanecer ou dele sair com seus bens 91 91 Também como condicionante prevê que o usufruto dos índios na área afetada por unidades de conservação será restrito ao ingresso trânsito e permanência na unidade de conservação bem como a caça a pesca e o extrativismo vegetal nos períodos temporadas e condições estipuladas pelo órgão responsável da mesma É a nítida interseção entre esferas de um domínio público não estatal com a funcionalização da terra para a ocupação pelo grupo indígena a funcionalização dos bens naturais como rios e lagos para a coletividade e a funcionalização de florestas com a formação de um parque sob a titularidade do Instituto Chico Mendes Além disso envolve uma interface com domínio público estatal instalação de equipamentos e utilidades públicas ou realização de obras públicas que gera uma tensão aparente já que o exercício de tal função social sob a titularidade indígena não exclui que haja a sua adequação ou concretização de outros interesses coletivos Por esta razão a definição da vedação de cobrança de quaisquer tarifas ou quantias de qualquer natureza por parte das comunidades indígenas para trânsito ou instalação de equipamentos realização de obras públicas e afins e a proibição de realização de negócios jurídicos que impeçam a posse direta incidem no mesmo equívoco Aponta uma tentativa de restrição de uma possível conotação econômica dada às terras pelos índios que por si só já não coadunaria com aquela funcionalização ocupação indígena e portanto não poderia ser exercido por aquele titular o grupo indígena já que não se trata de um bem privado mas um bem público sujeito a uma função social A falha em situar os domínios do público se demonstra ainda na equivocada proposta de vedação da ampliação da terra indígena já demarcada como se tratasse de uma atribuição particular de uma parcela de território àquele grupo social para que desenvolvesse atividade própria e privada Uma vez que a tais terras são reconhecidas para a realização de uma finalidade perseguida pela ordem jurídicoconstitucional a funcionalização do bem público não pode ser tida como estática do ponto de vista territorial e temporal mas determinada na medida do atendimento daquela função pública 92 92 Senão ocorreria a idiocrasia de supondo a extinção daquele grupo indígena tais terras continuariam afetadas a uma ocupação que não existe mesmo não subsistindo seus titulares ou a funcionalização da coisa assim como identificadas outras terras ocupadas por estes e que servem a sua identidade e cultura não poderia haver a sua extensão Subsiste portanto uma dificuldade em delimitar um domínio público não estatal pela persistente confusão da qualificação pública do bem sob a titularidade estatal que faz como no caso citado supor que não estando sob a mesma não haveria o exercício de uma função pública e a natural sujeição às restrições oriundas do regime jurídico de direito público No julgamento pelo Supremo Tribunal Federal a assimilação das condicionantes além de evidenciar tal problemática acerca do reconhecimento de bens públicos sob a titularidade de outros atores sociais que podem igualmente exercer a prossecução das funções sociais aponta também uma tentativa de superar as falhas da regulação normativa da matéria Uma vez que se sustenta uma teoria do domínio público que reúne todas as coisas públicas cumprese propor um único regime jurídico para a sua regulação o que ignora não apenas a multiplicidade das relações e a especificidades delas mas igualmente a ausência de uma única disciplina jurídicopositiva dada a matéria Ademais como pretendia tratar as fronteiras exatas dos domínios do público e do privado e portanto da titularidade do Estado e da sociedade constróise um regime jurídico apartado porém acaba por utilizar normas da disciplina privada o que é reforçado pelas transformações que se sujeitaram os bens públicos O tema será tratado a seguir CAPÍTULO 2 O REGIME APLICÁVEL AOS BENS PÚBLICOS 21 A tentativa de formação de um regime jurídico para os bens públicos do critério da titularidade ao reconhecimento da funcionalidade Como visto demonstramse insatisfatórios os distintos modelos teóricos que buscam reunir sobre um único domínio público a pluralidade de relações jurídicas formada pelos distintos sujeitos incumbidos pela titularidade dos bens públicos bem como as variadas coisas atribuídas ao acervo dominial A tentativa de considerar a titularidade como o elemento central ainda que associado a outros em um critério misto ou transvestido em um elemento forma ou normativo resulta em uma insuficiência para lidar com questões contemporâneas diante da presença de outros atores sociais e o redimensionamento do papel do Estado Tais questões guardam relação não apenas quanto aos fundamentos da teoria domínio público mas resvalam igualmente nos seus efeitos em específico no que tange à construção de uma disciplina normativa especial para reger os bens públicos gerando idiocrasias em relação à aplicação de suas regras e princípios Isto porque se não é possível identificar mais como domínio público exclusivamente o domínio estatal diante de fenômenos como a privatização e a despublicização então tornase necessário delimitar em quais circunstâncias ocorrerá a incidência do regime jurídico de direito público e em que medida poderseá aplicar a disciplina do direito comum Devese perquirir portanto não uma análise analítica do regime jurídico dos bens públicos à luz da classificação dos seus bens e de sua disciplina normativa cuja amplitude do acervo e portanto do objeto de investigação resvalaria os campos do domínio de uma tese mas proceder a seu estudo enquanto categoria jurídica confrontandoa com tais influxos Neste giro a expressão domínio público desde sua formação científica é utilizada para designar e portanto distinguir os bens jurídicos sob a titularidade estatal que estão 94 94 submetidos a um regime jurídico especial e exorbitante do direito comum lhe concedendo atributos próprios que não gozam o acervo patrimonial privado244 Ligase portanto a própria especificidade de tal construção teórica a compreensão que a formação de um domínio público implica necessariamente na delimitação de um regime jurídico com características específicas para os bens públicos em relação à disciplina que é dada ao regime de direito comum Há um caráter de historicidade em tal delimitação já que no Direito Romano que já reconhecia as coisas que faziam parte da noção de público distinguindoo dos particulares no próprio Instituta ao tratar da divisão de coisas245 além da regulação normativa e apartada dos bens públicos246 Note porém que tratavase antes de uma comprovação fática da necessidade de disciplinar de forma distintas tais coisas do que uma criação científica das referidas categorias já que não atendia a nenhum critério técnico e a sua sistematização doutrinária ocorreu apenas no século XIX247 Nas ordens jurídicas integrantes da família romanogermânica a matriz teórica de sua estruturação encontra substrato no modelo francês ao qual a notória circularidade da sua codificação248 não foi distinta no que tange a disciplina jurídica dos bens públicos formando os principais elementos da teoria do domínio público Isso se demonstra na própria generalização do tema como uma única expressão domínio público já que na matriz italiana se sustenta uma distinção entre demanialit e 244 Tem origem a expressão e tal sentido original na obra Traité des servitudes ou services fonciers de J M Pardesus PARDESUS JeanMarie Traité des Servitudes ou Services Fonciers Tomo 1 Paris G Thorel et Guilbert Libraire 1838 p 73 245 CRETELLA JUNIOR José Institutas do Imperador Justiniano São Paulo Revista dos Tribunais 2005 246 MADEIRA Eliane Maria Agati Digesto de Justiniano Introdução ao Direito Romano São Paulo Revista dos Tribunais 2003 Livro 1 título 8º A divisão e qualidade das coisas livro 43 título 7º dos lugares e das estradas públicas título 8º que não se tenha coisas no lugar da estrada pública livro 41 título 3º número 45 que trata da prescrição sob bens públicos e no livro 50 título 16 lei 15 que trata do sujeito de direito sobre as coisas públicas 247 SALEILLES Raymond Le domaine public à Rome et son application en matière artistique Paris L Larose et Forcel 1889 p 34 248 FACCHINI NETO Eugênio Code Civil Francês Gênese e Difusão de Um Modelo Revista de Informação legislativa Ano 50 Número 198 abrjun 2013 p 73 95 95 pubblicit conforme a extensão da utilidade social a afetação ao uso pela coletividade ou não mas com a sua vinculação a um interesse público249 Porém assimilase tipicamente a expressão com um sentido inequívoco e formase um sistema dual de domínio com um domínio privado baseado na autonomia de vontade250 e um público baseado na indisponibilidade da coisa pública251 ignorando não apenas as fronteiras movediças entre ambos os campos mas a própria pluralidade dos bens públicos Tentase configurar dentro de uma concepção de domínio público um único regime jurídico capaz de abranger e regular normativamente de forma unitária todos os variados bens públicos ignorando a diferença que assumem tais coisas que compõem o referido acervo dominial252 Produz portanto a idiocracia de sustentar dentro de um regime jurídico de direito público a existência de uma distinção entre bens coletivos e bens patrimoniais da Administração Pública tendo os últimos elementos e características que são típicas dos sujeitos privados no regime dominial geral privado253 Assim parece que a problemática não se situa na criação de um regime jurídico para os bens públicos seja do ponto de vista científicojurídico como uma categoria ou instituto próprio do Direito Administrativo ou normativopositivo com a produção de regras e princípios específicos para a sua regulação jurídica A celeuma se situa na dificuldade de determinação dos bens que compõem o acervo do domínio público uma vez que a diversidade das coisas demandam uma utilização e proteção distinta que gera uma quebra de diversidade nos regimes patrimoniais254 e portanto a própria unidade sistemática que se pretende rotular com um regime jurídico 249 RANELLETTI Oreste Concetto Natura e Limiti Del Demanio Pubblico in Giurisprudenza Italiana Torino Unione TipograficoEditrice 1898 p 137 250 FRANÇA Code Civil Art 537 As pessoas privadas têm a livre disposição dos bens que lhes pertencem debaixo das modificações estabelecidas pelas leis Os bens que não pertencem as pessoas privadas são Administrados e só podem ser alienados nas formas e segundo as regras que lhe são particulares 251 Code Civil Art 538 As estradas estradas e ruas pelo Estado rios e córregos navegáveis ou flutuantes os bancos terra ribeirinha do mar portos abrigos de pesca ancoradouros e geralmente todas as partes do território francês que não são suscetíveis propriedade privada devem ser tratados como unidades do domínio público 252 SCAGLIUSI Maria de los Ángeles Fernández La necesaria reformulación del concepto de dominio público Op cit p 94 253 ALFONSO Luciano Parejo Domínio Público Op cit p 01 254 ALFONSO Luciano Parejo Domínio Público Op cit p 02 96 96 Tal idiocrasia se sustenta quando pretende implementar elementos específicos de um regime jurídico de direito público produzindo uma regulação exorbitante ao direito comum todavia com a presença de bens jurídicos com contorno tipicamente privados que demandam aplicação daquelas normas gerais Isso decorre precipuamente pela formação de um regime jurídico próprio para os bens públicos estar ligado à noção de titularidade estatal o que faz agregar dentro do domínio público coisas que não necessariamente se adéquam ao mesmo e portanto produz uma tensão no que tange a aplicação de sua disciplina Assim uma vez que no domínio público situamse os bens públicos que seriam as coisas sob a titularidade estatal designa aos mesmos uma disciplina própria embora nem todos eles guardem efetivamente uma natureza de público já que segundo o critério proposto não estão voltados à concretização de uma função social Tal compreensão decorre daquela ligação da noção de domínio público com soberania estatal que fundamentaria um regime jurídico de direito público capaz de permitir ao Estado atuar não apenas sobre os bens públicos à luz de uma disciplina própria mas limitar os particulares no uso da res publicae255 Embora apontem categorias do Direito Romano à proposição de um regime próprio fundado na titularidade soberana estatal isto antes decorre da interpretação acerca das referidas fontes romanas do que a consolidação ipsi factus da eleição de um modelo regulatório historicamente consolidado e incontroverso dos bens públicos256 Surge como uma criação eminentemente da literatura jurídicoadministrativista e da jurisprudência francesa a partir de uma interpretação rigorosa dada às coisas públicas do Direito Romano que acabou sendo incorporada pela legislação e generalizada pela disciplina jurídica257 255 CRUZ Alcides Op cit p 206207 256 Todavia a própria literatura jurídica aponta que o regime das coisas no Direito Romano não são conhecidas perfeitamente em razão das fontes não serem claras já que foram objeto de interpolação de épocas distintas gerando textos incongruentes e com contradições VEGTING W G Domaine Public et Res Extra Commercium Etude historique du droit romain trancáis et néerlandais Paris Sirey 1950 p 3 257 ISKROW Karadge Nature jurique des choses publiques Revue du droit public et de la science politique en France et a letranger Paris Librairie generale de droit et de jurisprudence 1930 p 670 97 97 Constróise uma teoria de demanio como bens subtraídos de uma disciplina jurídica comum através da noção de res publicae do Direito Romano embora esta fosse tida eminentemente como as coisas que pertencia ao povo romano e estavam portanto fora do comércio mas não necessariamente ligado ao Estado e apropriável por ele258 Mesmo quando há a tentativa de criação um regime jurídico para os bens públicos na Idade Média ocorre da necessidade de formação de uma disciplina específica diferenciação dos ingressos reais ao patrimônio da Coroa dos bens259 e portanto não uma reafirmação da titularidade estatal É do modelo francês a estruturação de uma teoria do domínio público que se confunde com domínio estatal importa em uma inadequada identificação de res publicae com potestade com a formação de um regime jurídico público para dotar as coisas estatais de uma disciplina própria com poderes e prerrogativas Utilizar um instituto da antiguidade clássica para atribuir fundamento a um poder público importa ignorar o próprio contexto históricopolítico de uma época que sequer havia Estado na forma ao qual se compreende atualmente e adotar de um conceito que não se adéqua de forma plena às modernas categorias jurídicoadministrativas260 Isto porque não se sustenta diante de coisas sob a titularidade estatal que não são estritamente bens públicos uma vez que ligados a necessidades coletivas e não se amoldam a um regime jurídico próprio ou exorbitante mas parecem se aproximar muito mais de uma disciplina geral privada261 Um exemplo típico são os chamados bens patrimoniais ou dominicais que embora não exerçam uma função social são classificados como bens públicos uma vez que estão sob a titularidade estatal e embora devessem sob a sua qualificação se sujeitar de forma plena ao regime jurídico de direito público encontram certa mitigação quanto a sua alienação Outra incongruência decorre dos bens das pessoas jurídicas de direito privado instituídas pelos entes públicos que se considerada a titularidade devesse se sujeitar ao 258 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico en Revista de Administración Pública Espanha Centro de Estudios Políticos y Constitucionales n 25 1958 p 15 259 ALFONSO Luciano Parejo Domínio Público Op cit p 12 260 BLANCO Alejandro Vergara Teoria del dominio publico Op cit p 137 261 ALFONSO Luciano Parejo Domínio Público Op cit p 13 98 98 regime comum das relações privadas em razão de tal singularidade acabam se sujeitando a um direito privado especial com regime próprio262 Como será visto embora propugne um campo próprio do domínio público e insujeição ao regime de direito privado acabase adotando algumas formas do direito comum de aquisição como a doação acessão ou a compra e venda e de cessação da dominialidade tal qual a destruição alienação ou doação ainda que sujeita a regulação própria263 Tais questões dentre inúmeras outras apontam a dificuldade de se apoiar a formação de um regime jurídico para os bens público sob um critério de titularidade estatal já que isto importaria em ampliar seu objeto para identificar coisas que não se adéquam a tal disciplina própria além de ignorar o verdadeiro objeto que pretende ser protegido Não é recente a compreensão que um regime jurídico especial dos bens públicos que singulariza o domínio público em relação ao privado não decorre simplesmente do fato destes bens estarem sob a titularidade do Estado pois enquanto sujeitos a uma relação jurídica patrimonial a rigor se submetem ao regime de direito comum264 Igualmente não será a natureza das coisas que ensejam a formação de uma disciplina própria pois embora certas materialidades aparentem aptidão à satisfação das necessidades coletivas como os bens naturais eles podem assumir feições privadas que excluam o regime protetivo como as terras privadas ou rios particulares Propõese o regime jurídico especial para proteger o bem jurídico e não a coisa em seu sentido material ou seja tal disciplina jurídica regula as coisas ao qual é atribuída uma qualificação jurídica no caso de bem público não em razão de sua titularidade ou natureza mas de uma função assumida que deflagra a concessão de mecanismos legais protetivos Por esta razão continua insuficiente considerar que o traço característico do regime jurídico de bens públicos seja a sua participação na atividade administrativa ainda que 262 FRAGA Gabino Derecho Administrativo Op cit p 457 CAETANO Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 888 263 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Artigo 37 inciso XXI impõe o prévio processo de licitação pública para compras e alienações para contratos administrativos realizados sob o regime de Direito Público 264 URUGUAI Visconde do Ensaio sobre o Direito Administrativo Rio de Janeiro Typographia Nacional 1862 p 86 99 99 considerada que tal vinculação como da Administração Pública não decorre pela vontade mas pela finalidade jurídica265 Isto porque seria ignorar que determinados bens irão exercer uma função social independente da sua vinculação formal à atividade administrativa e portanto previamente a uma qualificação como jurídica de tal finalidade pública como ocorrem com os bens naturais como os rios e mares Em um modelo de Estado marcado por uma pluralidade de atores sociais envolvidos na persecução do interesse público considerar o contrário gera dificuldades em casos como por exemplo de bens privados utilizados por entes da sociedade civil sem parceria com o Estado para prestação de atividade de interesse eminentemente social Não se sustenta logicamente considerar que bens do Estado que não estão afetados a uma finalidade coletiva são qualificados públicos e ensejam um regime protetivo enquanto coisas embora fora de sua titularidade realizam um interesse da coletividade mas não serão tidos como públicos ou a uma disciplina de direito público Poderia então se ampliar o conceito para abranger no regime jurídico próprio dos bens públicos a par da regulação da lei civil de tais bens apenas àqueles de sujeição aos entes públicos todas as coisas que independente dos seus titulares participem da atividade administrativa e portanto se encontrem vinculado a tais fins266 Porém tornarseia necessário dar contornos mais nítidos ao que é considerado como função pública ou seja se a atividade pública exercida pelos sujeitos estatais o munus publico exercido por particulares mediante ato formal de consentimento dos entes públicos ou qualquer atividade de interesse coletivo exercido por atores sociais Isto porque no Direito Romano as coisas ao qual era atribuído um regime protetivo tidas como res extra commercium não eram apenas por ato de disposição de vontade humana res publicae res universitates res comunes omnium mas igualmente por reconhecimento natural res sacrae res religiosae res sanctae267 265 LIMA Ruy Cerne Princípios de Direito Administrativo São Paulo Revista dos Tribunais 1982 p 75 266 Ruy Cerne Princípios de Direito Administrativo Op cit p 76 267 VANESTRALEN Hernando Bienes de titularidad pública Op cit p 213 100 100 Porém a formação de um regime jurídico distinto e privilegiado para a res publicae com elementos excludentes da aplicação pura do regime comum como a inalienabilidade e a impenhorabilidade derivava não da singularidade das coisas em si que podem ter igual natureza material mas da sua finalidade para o povo romano Significa aduzir que não corresponde somente o ato de afetação em si o dicatio ou publicatio o elemento para determinar a incidência de um regime tutelar já que há coisas que naturalmente atendem uma necessidade coletiva e portanto ensejam independente de um ato de vontade formal o seu reconhecimento protetivo O regime jurídico privilegiado na forma como estipulada pelo Direito Romano tinha como finalidade não proteger a coisa em si seja por sua natureza ou pelo seu ato de afetação mas assegurar na medida destes a satisfação do destino coletivo ao qual se vinculava o referido bem público268 Isto não significa negar que a afetação não exerce papel capital visto que não exercendo a coisa em sua substância e por si só uma necessidade coletiva cabe um ato que coloque a para o atendimento de uma função pública e portanto dotea de um regime jurídico capaz de proteger e garantia a sua adequação a tal fim Neste sentido que se forma na idade média a delimitação do patrimônio da coroa e do público a necessidade de proteger determinados bens tornandoos fora do comércio já que ligados aos interesses comunais do reino daqueles que ingressavam no acervo do monarca e estavam sujeitos à sua livre disposição269 Porém não há uma identificação plena entre função social e afetação formal pois seria transvestir em um critério de titularidade a designação do regime jurídico de direito público para as coisas que exercem uma necessidade coletiva já que mandariam de uma qualificação pública pelo Estado que em última instância definiria o que é ou não público No próprio direito francês a Ordonnance de Moulins de 1566 que inaugurou a distinção entre os bens públicos e privados a partir de seus efeitos regulares e consagrou 268 ALFONSO Luciano Parejo Dominio Público Op cit p 7 269 SÁNCHEZ Miguel Morón Los bienes públicos régimen jurídico Madrid Tecnos 1997 p 24 101 101 formalmente o princípio da indisponibilidade do domínio público gerou uma celeuma ao determinar o perdimento de bens privados e particulares para o Estado270 Tanto que tal origem autoritária levou à revogação da Ordonnance já no Estado Liberal pela Loi du 22 novembre 1790271 como freio a onipotência do Monarca quanto a disposição dos domínio estatal seja na designação de coisas privadas como públicas como na manutenção de públicas de suas coisas privadas que não atendiam finalidades coletivas272 A concessão de um regime jurídico de direito público capaz de traduzir em traços distintivos e mais protetivos as coisas apenas pode decorrer da medida em que elas sejam qualificadas como públicas que pode realizarse pelo Estado mas não em razão de sua soberania mas na medida em que se liguem a uma função social Tanto que com a revolução liberal na França há transferência dos bens da coroa para a nação e pelo papel que irão assumir a necessidade de despilos de qualquer caráter privado e sua possibilidade de disposição reconstróise a noção romana de coisa fora do comércio através dos atributos de inalienabilidade e imprescritibilidade273 Neste sentido que deve ser lida a formação de um regime jurídico aos bens públicos que os tornam impassíveis de apropriação privada com os atributos de indisponibilidade inalienabilidade e imprescritibilidade ao passo que os demais bens podem a rigor ser apropriados e sujeitos a uma disposição latu sensu livre274 Não se pode sustentar que diante da falta de uma previsão normativa de um critério para delimitar o regime jurídico especial são tais caracteres de não sujeição ao comércio jurídico que funcionarão como elementos para determinar não apenas uma disciplina própria mas distinguila de um modelo comum275 O predomínio generalizado dessa distinção pelos caracteres ou efeitos em especial a inalienabilidade decorre antes de um critério histórico do próprio regime político que no 270 FRANÇA Portaria de Moulins de Fevereiro de 1566 Art 28 58 e 59 271 Lei de 22 de novembro e 1 de dezembro de 1790 Art 13 272 FOIGNET René Manuel Élémentaire de Droit Administratif Op cit p 199 273 Coube a sistematização a obra clássica PROUDHON M Traité du domaine public ou De la distinction des biens considérés principalement par rapport au domaine public Dijon Chez Victor Lagier Libraire Éditeur 1833 274 CRUZ Alcides Op cit p 204 275 CAETANO Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 887 102 102 direito antigo regulava de forma similar a disposição de bona publica pelo monarca276 do que efetivamente de um elemento capaz de sustentar uma especificidade do regime jurídico No Direito Romano se distinguiam as coisas divinas das humanas bem como os bens particulares res singulorum dos bens públicos que abrangiam as coisas de uso comum de todos res communes omnium daquelas que pertenciam ao Estado Romano res publicae e as que pertenciam às cidades res universitatum e eram atribuídas ao povo277 Havia a identificação da res publicae como fora do comércio ou seja que as coisas públicas eram dotadas dos atributos de inalienabilidade e imprescritibilidade e portanto traduziamse como elementos caracterizadores de um regime jurídico distinto e privilegiado278 Porém tais elementos não foram considerados pela disciplina do regime jurídico de bens públicos seja no Código Civil de 1916 onde sequer havia previsão de inalienabilidade mas da sua insujeição as leis civis279 assim como na regulação atual pelo Código Civil de 2002 não são tais critérios distintivos mas a titularidade280 Tais caracteres são antes efeitos de uma disciplina jurídica especial formada em razão da necessidade de proteção da função social assumida pelas as referidas coisas do que efetivamente um traço distintivo dos bens públicos ou como fundamento para um regime jurídico específico Os bens que são tidos como dotados de uma finalidade pública pelo tempo que durar tal destinação devem ter a natureza de coisas fora do comércio enquanto os demais por faltar tal função irão compor o domínio privado sendo livremente alienáveis e sujeitos à sua prescritibilidade281 276 PORTUGAL Dominici Antunez Tractatus de donationibus jurium et bonorum regiae coronae Tomo 2 Lugduni Anisson 1726 p 482 277 MADEIRA Eliane Maria Agati Digesto de Justiniano Op cit Livro 1 Capítulo VIII item 2 parágrafo 1 a 6 Livro III Capítulo IV item 1 parágrafo 1 278 ALFONSO Luciano Parejo Dominio Público Op cit p 7 279 BRASIL Lei Federal nº 3071 de 01 de Janeiro de 1916 Art 67 Os bens de que trata o artigo antecedente só perderão a inalienabilidade que lhes é peculiar nos casos e forma que a lei prescrever 280 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 98 São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno todos os outros são particulares seja qual for a pessoa a que pertencerem 281 CRUZ Alcides Op cit p 204205 103 103 Tal tese chegou a ser incorporada pelo Código Civil de 1916 que identificava os bens públicos como as coisas foras do comércio e estas como aquelas insuscetíveis de apropriação e legalmente inalienáveis embora parcialmente já que insistia na inalienabilidade de todos os bens públicos inclusive considerando os dominicais282 O que importa notar é o que deflagra o regime jurídico protetivo e a qualificação como coisa fora do comércio não é apenas a determinação formal ou legal mas igualmente a material e natural que as dote de uma função para a coletividade que a impeça de apropriação por particulares e portanto ser objeto de direitos individuais283 Considerar como os romanos que os bens públicos são res extra commercium não é apontar que a sua exclusão do regime comum com a aplicação de uma disciplina jurídica própria decorra desta própria natureza pois se há coisas que de fato são materialmente inapropriáveis como alguns bens públicos naturais outras não o são Ademais a atribuição de uma natureza fora do comércio não pode servir como elemento central do regime jurídico de direito público já que não necessariamente é um efeito especifico já que em alguns sistemas jurídicos os bens públicos não são inalienáveis e em nossa ordem jurídica há bens privados que podem ser gravados com uma inalienabilidade284 Considerar que o regime jurídico de direito público veda o comércio não significa total insujeição a qualquer ato negocial mas uma restrição a rigor às formas privadas pois se admite desde as delegações até a criação dos direitos reais administrativos inclusive negócios transmissíveis para os particulares como as permissões285 Traduzse como um efeito do regime jurídico pois pretende torna impossível que o bem público seja objeto de uma relação jurídica obrigacional contratual ou real que o reduza a uma propriedade ou posse permanente individual bem como qualquer forma oneração pelos modos do Direito Privado286 282 BRASIL Lei Federal nº 3071 de 01 de Janeiro de 2016 Art 69 e 67 283 CAETANO Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 825 284 MASAGÃO Mario Curso de Direito Administrativo Tomo II 2ed São Paulo Max Limonad 1959 p 135 285 CAETANO Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 825826 286 Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 825 104 104 Pretende conservar não a titularidade estatal mas a função social que é perseguida de forma que ainda sob a titularidade não estatal seja da coletividade grupo social ou sujeito privado em específico será atribuída enquanto tal coisa estiver ligada à persecução de uma finalidade coletiva Dessa forma que na concessão administrativa por exemplo os bens utilizados na prestação da atividade pública conservam os atributos de inalienabilidade impenhorabilidade e imprescritibilidade durante o exercício do serviço público pelo particular e após a extinção do contrato administrativo são revertidos ao Estado287 Enquanto a coisa estiver vinculada a uma função coletiva independente de seu titular como no caso narrado com o ente particular durante a execução do contrato administrativo ou com o titular público após a sua extinção conservará um regime jurídico protetivo que impeça a perda de tal qualificação pública o que aduz a questões de diferentes ordens Uma vez reconhecida que a categoria central que orienta a formação de uma disciplina científicoteórica específica o domínio público e uma regulação jurídiconormativa própria o regime jurídico especial é a função social em uma gradação de concretização e não apenas de conformação isto resulta em discutir qual será o seu conteúdo Sendo a funcionalização da coisa a uma necessidade coletiva o elemento central que definirá a incidência da disciplina normativa especial devese questionar os chamados bens patrimoniais ou dominicais que embora presentes no acervo dos entes estatais não estão afetados a uma função coletiva Há de se verificar se é possível sustentar um único regime jurídico especial para a regulação de coisas distintas quanto à sua funcionalidade em razão de uma afetação material ou formal e a própria titularidade bens desafetados sob a sujeição estatal e coisas afetadas sob uma titularização coletiva O tema será tratado a seguir 287 BRASIL Lei Federal n 8897 de 13 de Fevereiro de 1995 Art 35 1 Extinta a concessão retornam ao poder concedente todos os bens reversíveis direitos e privilégios transferidos ao concessionário conforme previsto no edital e estabelecido no contrato 22 A insuficiência da unicidade de uma disciplina jurídica para pluralidade dos bens públicos da insustentabilidade dos caracteres à assistematicidade da regulação constitucional à luz da função social A tentativa de delimitação de um regime jurídico para os bens públicos conduz a necessidade de investigação acerca das coisas que compõem o domínio público de forma a apurar se todas podem ser reunidas sob uma única disciplina ou estarão sujeitas tal qual a sua especificidade a várias disciplinas ou a gradações de um regime Neste viés surge a primeira celeuma que é a própria delimitação das fronteiras do público pois dependente de qual critério é aderido pela referida teoria adotada podese ampliar o objeto para sustentar qualquer bem sob a titularidade estatal ou restringilo para propor apenas determinadas coisas em razão de sua natureza Partese portanto da concepção generalizada de que o domínio público se identifica em alguma medida com a titularidade estatal de forma a demonstrar as incongruências de se sustentar determinada coisas no acervo público e mostrar maior compatibilidade de uma perspectiva funcional no que tange a sujeição ao regime jurídico especial Novamente isto envolve uma desmistificação da idéia de um regime jurídico único capaz de regular a heterogeneidade dos bens que integram o domínio público e demanda a busca por soluções que envolvem as referidas coisas e seus problemas que persistem e assumem novas formas288 Claro que a expressão domínio público nunca foi caracterizada por demarcar uma uniformidade mas se assumida dada concepção sob tal rótulo não é possível extrair de forma clara um regime jurídico comum para os bens que integram tal acervo público tal noção restará esvaziada e como técnica se exteriorizará tal qual insuficiente289 Também não é uma controvérsia atual a dificuldade de regulação dos bens públicos em razão dessa insuficiência do emprego das categorias tradicionais propostas para regular a 288 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 447 289 Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 447448 106 106 multiplicidade de bens que compõem o domínio estatal nas variadas configurações que eles assumem290 Porém se agrava na contemporaneidade na medida em que o redimensionamento do papel do Estado e a participação de outros atores sociais na prossecução do interesse público produz um movimento dialético de redução e ampliação dos bens públicos e conduzem a uma celeuma na regulação das coisas que não são mais estatais e as que passam a ser públicos Algumas questões agravam a dificuldade de formação de um regime jurídico para os bens públicos como a própria regulação da matéria ser eminentemente lege ferenda com a previsão no tipo normativo de conceitos jurídicos de conteúdo indeterminado bens estabelecimentos patrimônio o que dificulta a caracterização do seu conteúdo291 Isso torna claro no que tange aos recursos financeiros dos poderes públicos que ora é considerado como bens públicos para sujeição ao regime especial e restrição ao seu uso em outros momentos é tido como ingressos e sujeito ao objeto de regulação normativa própria e análise da ciência jurídicofinanceira Aliase também a inexistência de uma codificação administrativa ou de uma disciplina normativa unificada do regime de bens que sendo tratado em uma pluralidade de fontes legais292 editadas diante de regimes jurídicoconstitucionais diversos e conjecturas políticas liberais ou sociais ampliam a dificuldade de uma sistematização em um único regime Não se ignore igualmente que sob a égide de um Estado Federado onde cada ente é dotado de uma autonomia políticoadministrativa cada qual exercerá não apenas as competências atribuídas pela partilha constitucional mas igualmente a regulação normativa e ação administrativa sob os bens atribuídos ou adquiridos para cumprimento dos seus fins Isso resulta em uma constelação normativa não apenas no âmbito federal e estadual mas em uma federação anômala no que se refere ao ente municipal e distrital o que produz 290 REALE Miguel Direito Administrativo Op cit p 229 291 Miguel Direito Administrativo Op cit p 229 292 Na ordem jurídica vigente a disciplina de bens públicos ocorre não apenas com o sistema de partilha de competências e bens também na Constituição Federal de 1988 como na sua classificação geral definição de seus caracteres e formas de aquisição pelo Código Civil Lei Federal nº 1040602 na legislação federal que de forma esparsa trata do seu procedimento de alienação Lei Federal nº 86661993 que regula os bens da União DecretoLei nº 97601946 e a sua regularização administração aforamento e alienação Lei Federal nº 96361998 além das suas especificidades nos consórcios públicos Lei Federal nº 111072005 e das disposições estaduais e municipais 107 107 regulações diferenciadas e torna difícil a sua reunião científica em uma disciplina única ao menos sem produzir determinadas incoerências Se tais questões conduzem a uma dificuldade na formação de um regime jurídico único devese indagar em que medida é sustentável propor reunir sob uma única disciplina jurídicocientífica os bens públicos com a pretensão de regular de forma uniforme uma pluralidade de coisas em suas especificidades e até mesmo as suas indeterminabilidades Isto porque a existência de determinadas coisas das pessoas administrativas de direito público de índole eminentemente privada como os bens dominicais e aquelas em zonas fronteiriças das pessoas administrativas de direito privado ligados tanto à atividade pública quanto privada desenvolvida dificultam na regulação uniforme de tal pluralidade de coisas Poderia sustentar a conveniência de implantar um regime jurídico especial distinto da disciplina do domínio público e privado para tais bens em zonas fronteiriças293 Entretanto não resolveria a celeuma que envolve a aplicação ou não dos referidos regimes aos bens considerados públicos Poderseia considerar que a formação de um regime jurídico para os bens públicos deve ser extraída ou determinada pelo próprio estatuto fundamental da sociedade política de forma que compete a Constituição Federal estipular os elementos básicos que permitiriam a recondução de todas às coisas a uma disciplina básica ou geral O processo de constitucionalização do domínio público é um elemento essencial na consagração da sujeição das coisas às finalidades públicas294 uma vez que auxilia na determinação não apenas das fronteiras do público e do privado mas através da partilha entre os sujeitos públicos determina a ação estatal e a função assumida pelos bens públicos Porém a adoção generalizada nos textos constitucionais de distintos ordenamentos jurídicos dos elementos do regime de direito público inalienabilidade impenhorabilidade e imprescritibilidade para os bens públicos antes apontam a assimilação de uma matriz francesa das teorias do domínio público295 do que de fato uma regulação eficaz das coisas 293 ARÉVALO Manuel Franciscos Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 46 294 LLOVET Tomás Font La ordenación constitucional del dominio público in BAQUER Sebastián Martín Retortillo Estudios sobre la Constitución española Homenaje al profesor Eduardo García de Enterría Madrid Civitas 1991 pág 3931 295 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 446 108 108 Em parte há bens que para a literatura majoritária integram o domínio público sem que no entanto estejam sujeitos a tais atributos como por exemplo os bens dominicais que em razão de sua titularidade acabase atribuindo uma alienação condicionada mas sequer deveria diante da ausência de uma função social Talvez deverseá ter sido adotada a fórmula da Constituição Espanhola que prevê a inspiração do regime do domínio público por tais caracteres296 o que permite que tais princípios sejam não apenas moduláveis por norma infraconstitucional mas igualmente a compreensão de que não são exclusivos dos bens sob titularidade estatal297 Adéquase portanto a pluralidade de bens que são identificados no acervo do domínio público que podem ou não ser dotados dos elementos de inalienabilidade impenhorabilidade e imprescritibilidade na medida em que estejam ligados à realização de uma função social e portanto seja necessário proteger tal finalidade Poderia sustentar que guardando o bem a qualificação de público isto importaria na assunção de um regime jurídico de direito público e em consequência tais caracteres contudo isto seria assumir que há uma identidade entre uma disciplina especial e pública que volve novamente à confusão dos conceitos de público e estatal Todavia o fato de construir uma teoria para as coisas que exerçam uma função social o domínio público demanda a necessidade de uma disciplina especial que embora a rigor possa ser um regime jurídico de direito público deve ser aplicado na medida em que garanta a funcionalização da coisa o fundamento último dessa regulação específica Isto significa admitir que há uma reordenação quanto a tradicional noção de que a singularidade do regime público em relação ao privado ocorre em razão dos atributos concedidos ao ente estatal como os poderes administrativos ou dos caracteres produzidos sob os referidos bens como a inalienabilidade impenhorabilidade e a imprescritibilidade298 Os poderes administrativos não já podiam ser vistos como traços distintivos uma vez que não são exercidos exclusivamente sob o domínio público mas também sob o domínio 296 ESPANHA Constituição da Espanha de 27 de Dezembro de 1978 Art 132 1 La le regulará el régimen jurídico de los bienes de dominio público y de los comunales inspirándose en los principios de inalienabilidad imprescriptibilidad e inembargabilidad así como su desafectación 297 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 451 298 URUTTIA José Luiz GonzálezBerenguer Sobre La Crisis Op cit p 192 109 109 privado subordinando a atividade econômica e social individual inclusive no que tange ao exercício do direito de propriedade aos ditames dos interesses públicos299 Tais traços característicos igualmente não são inerentes do regime de direito público pois igualmente o regime jurídico de direito privado pode o estipular para a proteção e utilização da coisa garantindo o respeito a dado interesse social pelos instrumentos ou faculdades do direito privado300 Assim mesmo a inalienabilidade por exemplo não pode ser utilizada como critério destacante para o domínio público uma vez que há bens públicos que não se sujeitam as mesmas como os bens dominicais301 bem como existem bens privados que igualmente podem ser dotados de tais características302 Mesmo porque a inalienabilidade dos bens públicos para a literatura jurídica tradicional parece encontrar fundamento na afetação de forma que não consiste tanto na impossibilidade de sua disposição mas antes na incapacidade de alienação onerosa ou gratuita sem a prévia exigência de um ato de desafetação303 Embora se sustente que o regime jurídico especial para as coisas qualificadas como públicas decorre da função social e não da afetação em si inevitável que a inalienabilidade ou qualquer atributo para os bens públicos não serão absolutos mas incidentes na medida em que necessários à proteção desta em sua graduação Toda questão apresentada se demonstra deficiente à formação de uma teoria geral do domínio público pela falta de contornos marginais na delimitação do regime jurídico próprio para os bens públicos que busca fundamento em efeitos não específicos em relação aos bens privados para a formação de uma disciplina própria Isso decorre precipuamente por esta tentativa de delimitação do regime jurídico dos bens públicos a partir de uma titularidade que antes visa conservar tais coisas a uma sujeição 299 TÁCITO Caio O Poder de Polícia e Seus Limites Revista de Direito Administrativo v 27 1952 Fundação Getúlio Vargas p 2 300 OYARZÚN Santiago Montt La administración del Estado y los bienes Op cit p 274 301 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 101 Os bens públicos dominicais podem ser alienados observadas as exigências da lei 302 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1911 A cláusula de inalienabilidade imposta aos bens por ato de liberalidade implica impenhorabilidade e incomunicabilidade 303 URUTTIA José Luiz GonzálezBeren guer Sobre La Crisis Del Conceptio Op cit p 203 110 110 estatal enquanto tidas como propriedade do que efetivamente se ligar a proteção de sua função social ou reconduzila à própria coletividade Resta claro que na própria Constituição Federal de 1988 embora tenha consagrado um controle social seja exercido diretamente pelo grupo social304 ou indiretamente através dos órgãos constitucionais305 não atribui de forma geral a atuação pela sociedade no que tange aos bens públicos Ao revés opta por determinar a titularidade e a proteção singular306 ou comum307 dos bens públicos imediatamente aos entes federados e seus respectivos órgãos administrativos308 em uma perspectiva patrimonialista extraível do próprio tipo constitucional que opta pelo verbo ter denotando antes a relação de titularidade do que estar ligando à efetiva função Poderseia sustentar que a lei fundamental ao atribuir a sujeição dos bens públicos aos entes estatais ainda que neste viés patrimonialista estaria resguardando de forma indireta ou mediata a titularidade na coletividade bem como a própria função já que a ação pública é dotada de tal munus legal Porém demonstrase de forma clara a tentativa de formação de um acervo patrimonial independente da função social perseguida o modo como são atribuídas à titularidade estatal determinadas coisas que sequer podem ser apropriadas e exercem já por si só uma finalidade coletiva 304 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 5 LXXIII qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe à moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural ficando o autor salvo comprovada máfé isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência 305 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 129 São funções institucionais do Ministério Público III promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos 306 Constituição da epública Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 20 São bens da União Art 26 Incluemse entre os bens dos Estados 307 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 23 É competência comum da União dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios I zelar pela guarda da Constituição das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público III proteger os documentos as obras e outros bens de valor histórico artístico e cultural os monumentos as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos VI proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas VII preservar as florestas a fauna e a flora 308 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 144 A segurança pública dever do Estado direito e responsabilidade de todos é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio através dos seguintes órgãos 8º Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens serviços e instalações conforme dispuser a lei 111 111 Considera o modo como atribui bens ao acervo patrimonial da União coisas que são insuscetíveis por sua própria natureza de apropriação por sujeitos públicos ou privados como lagos rios e águas309 ilhas e praias310 o mar territorial311 as cavidades naturais e os sítios arqueológicos e préhistóricos312 que tendem por si só exercer uma função social Poderseia afirmar que tem por finalidade garantir qual sujeito dentro de um Estado Federativo será incumbido da proteção e promoção dos referidos bens em razão da natureza do interesse nacional regional ou local porém para tal mister não precisava ser atribuída a titularidade com viés de propriedade mas competências com ligação à um dever Ao revés ao considerar como bens do Estado outras coisas de índole natural como as águas superficiais ou subterrâneas313 as áreas das ilhas oceânicas e costeiras314 bem como as ilhas fluviais e lacustres315 desde que não pertencentes à União demonstram que o objetivo é determinar as titularidades e não as funções Isto porque é necessário considerar o princípio da preponderância de interesses de forma estática de modo que bens que ultrapassam o domínio territorial ou exercem uma função para mais de um munícipio serão de titularidade estatal e mais de um estado de sujeição federal ignorando que haja em alguns casos não apenas interseções mas zonas fronteiriças 309 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 20 III os lagos rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio ou que banhem mais de um Estado sirvam de limites com outros países ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham bem como os terrenos marginais e as praias fluviais 310 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 20 IV as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países as praias marítimas as ilhas oceânicas e as costeiras excluídas destas as que contenham a sede de Municípios exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal e as referidas no art 26 II 311 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 20 VI o mar territorial 312 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 20 X as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e préhistóricos 313 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 26 I as águas superficiais ou subterrâneas fluentes emergentes e em depósito ressalvadas neste caso na forma da lei as decorrentes de obras da União 314 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 26 II as áreas nas ilhas oceânicas e costeiras que estiverem no seu domínio excluídas aquelas sob domínio da União Municípios ou terceiros 315 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 26 III as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à União 112 112 Em que medida por exemplo podese considerar que um rio que cruza apenas um Estado não possui relevância ou interesse nacional a justificar uma proteção da União Ao atender uma coletividade indeterminada gera portanto repercussões que ultrapassam os domínios territoriais daquele ente estatal Seria ignorar a própria integridade e indivisibilidade do domínio natural que torna impossível uma repartição territorial da sua função social que assumem visto que se ligam ao equilíbrio do ecossistema e a própria manutenção da vida humana e não somente daquela coletividade naquele território Ademais como visto determinados bens públicos compõem o domínio público não estatal e portanto se sujeitam a uma titularidade de um ente não estatal a coletividade um grupo social ou ente privado tal qual os bens naturais que não são passíveis de apropriação por nenhum sujeito ou atribuição de propriedade mas servem à coletividade Isso não significa que o Estado enquanto um ente moral constituído para perseguir finalidades coletivas não exercerá sobre eles determinados deveres e portanto uma regulação do seu uso que permita o alcance ou o melhor atendimento à função pública mas que há uma atecnia da Constituição Federal ao considerar tais coisas como bens da União ou do Estado Ademais essa partilha constitucional de bens demonstra que não se relaciona propriamente com a função pública na medida em que consagra o município e o distrito federal como entes federados com autonomia316 mas não prevê qualquer acervo ao tratar dos seus regimes317 Não se nega que parte da literatura jurídica buscará construir um acervo patrimonial para o munícipio318 e aplicar o regime patrimonial da União e Estados ao Distrito Federal por 316 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 18 A organização políticoadministrativa da República Federativa do Brasil compreende a União os Estados o Distrito Federal e os Municípios todos autônomos nos termos desta Constituição 317 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 29 a 31 318 STROPPA Yara Martinez de Carvalho e Silva Município aquisição de bens móveis e imóveis Boletim de Direito Administrativo n 9 1992 p 521 113 113 força de interpretação de norma constitucional relativa à competência319 embora alguns fundamentem a exclusão do Município como ente federado exatamente por tal razão320 Porém se o fundamento da partilha constitucional de bens fosse garantir a titularidade na medida da realização de determinadas funções públicas por um lado deveriam ser atribuídas coisas que estivessem ligadas ao munus publico de tais entes bem como prever um acervo para que cada ente realizasse as suas funções Não obstante parece ligar eminentemente à questão de soberania a atribuição do mar territorial como bem da União ou a afirmação de uma autonomia política a determinação de lagos e rios como bens do Estado do que antes uma preocupação com a sua função social tanto que não se refere Note como a Constituição Federal de 1988 ao trazer um regime jurídico para os bens públicos adota não como elemento central a função mas um critério de titularidade tanto que opta por realizar uma partilha das coisas para os entes federados e sequer busca definir a finalidade pública a ser adotada pelos referidos bens Tal preocupação com o sujeito estatal e a sua propriedade resta claro na assunção que serão bens públicos também os que pertençam e os que venham ser atribuídos321 sem delimitação se haverá uma função social para tal atribuição bem como novamente sem veicular qualquer disposição relativa à finalidade que deve ser perseguida Isto fica igualmente claro no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias que estipulou a revisão das alienações concessões e doações de terras públicas realizadas sob a vigência do período de 1962 e 1987 demandando a reversão ao patrimônio dos entes federados em caso de ilegalidade ou interesse público respectivamente322 319 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 32 1º Ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e Municípios 320 SILVA José Afonso da Curso de Direito Constitucional Positivo 24 ed São Paulo Malheiros 2005 p 474475 e 639644 321 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 20 São bens da União I os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos 322 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 51 Serão revistos pelo Congresso Nacional através de Comissão mista nos três anos a contar da data da promulgação da Constituição todas as doações vendas e concessões de terras públicas com área superior a três mil hectares realizadas no período de 1º de janeiro de 1962 a 31 de dezembro de 1987 1º No tocante às vendas a revisão será feita com base exclusivamente no critério de legalidade da operação 2º No caso de concessões e doações a revisão obedecerá aos critérios de legalidade e de conveniência do interesse público 3º Nas hipóteses 114 114 Extraídas as hipóteses de ilegalidade e subtraída a possível tensão que tal reversão pode ocasionar ao princípio da segurança jurídica e a prescrição administrativa tratandose de interesse público não há razão para demandar uma reversão já que a persecução da função social pode estar sendo realizada pelo sujeito privado na privatização ou despublicização Porém pretende sujeitar situações já constituídas perante a ordem vigente a época a uma revisão que não necessariamente voltase a proteção da função social dos referidos bens já que no caso das alienações observarão apenas o critério da legalidade mas antes se preocupa com a possibilidade de reaver a titularidade estatal Poderia então supor que o critério de titularidade adotado pela Constituição Federal seja o elemento estruturante e suficiente para a formação de um único regime jurídico para os bens públicos e portanto a função social será a consequência disto ou seja decorrerá da medida da atribuição à sujeição estatal das referidas coisas Porém a própria Constituição Federal não submete a um único regime jurídico todos os bens públicos uma vez que esbarra na própria dificuldade em delimitar determinadas coisas a partir de uma definição pela sua titularidade e acaba utilizando outras formas de designação Assim no que tange à regulação da cultura e a dificuldade na determinação de uma titularidade única determina a formação de um patrimônio cultural brasileiro323 ao qual atribui não uma propriedade mas uma proteção324 e gestão325 pelos poderes públicos com a participação direta do povo Parece reconhecer a formação de um domínio público não estatal ao admitir que tais coisas tenham uma função social e portanto são qualificadas como públicas patrimônio previstas nos parágrafos anteriores comprovada a ilegalidade ou havendo interesse público as terras reverterão ao patrimônio da União dos Estados do Distrito Federal ou dos Municípios 323 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 216 Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial tomados individualmente ou em conjunto portadores de referência à identidade à ação à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira nos quais se incluem 324 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 216 1º O Poder Público com a colaboração da comunidade promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro por meio de inventários registros vigilância tombamento e desapropriação e de outras formas de acautelamento e preservação 325 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 216 2º Cabem à administração pública na forma da lei a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem 115 115 nacional brasileiro porém sem necessariamente estarem sob a titularidade estatal mas da própria coletividade Ademais determina uma graduação de semelhante função que permitirá a titularidade estatal com a desapropriação ou a sua sujeição a titularidade pela coletividade grupo social ou indivíduo mas resguardando a sua finalidade pública com os inventários registros vigilância e tombamento Também parece reconhecer a insuficiência da delimitação de uma titularidade ao tratar da competência do Congresso Nacional quanto a tratados acordos e atos internacionais para bens do patrimônio nacional326 dotando de uma abertura semântica para abranger coisas relevantes ao Estado Brasileiro mas não estejam sob a União ou sequer aos entes públicos Tal caráter fica claro ao considerar que o mercado interno integra o patrimônio nacional327 que portanto não se limita ou se identifica a reunião dos bens federais estaduais municipais e distritais mas antes corresponde a uma fórmula adotada pelo constituinte para reconhecer a existência de outros bens públicos sob a não titularidade estatal Tal dificuldade de dotar de unicidade um regime jurídico especial para os bens públicos fica claro ao identificar certos bens públicos naturais como a floresta amazônica como patrimônio nacional e relacionálo com a sua função social ao determinar que o seu uso deva atender a proteção ambiental328 Parece incongruente considerar apenas tais bens naturais como patrimônio nacional e os demais como bens da União e do Estado já que se considerada tal função social exercida na garantia do meio ambiente ecologicamente equilibrado não os situam apenas em bem público de uso comum da coletividade329 mas da própria humanidade330 326 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 49 É da competência exclusiva do Congresso Nacional I resolver definitivamente sobre tratados acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional 327 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 219 O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e socioeconômico o bemestar da população e a autonomia tecnológica do País nos termos de lei federal 328 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 225 4º A Floresta Amazônica brasileira a Mata Atlântica a Serra do Mar o Pantanal MatoGrossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional e sua utilização farseá na forma da lei dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente inclusive quanto ao uso dos recursos naturais 329 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 225 Art 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso comum do povo e essencial à sadia 116 116 Note portanto que a Constituição Federal não consegue dotar de um regime jurídico único os bens públicos mas ao revés regula os bens públicos ora a partir da sua função social ora através de uma titularidade seja considerandoos como bens da coletividade ou partilhando entre os federados Poderia sustentar que a regulação do regime dos bens público ocorre através dos seus caracteres mas seria desconsiderada a insuficiência já vista dos atributos veiculados para distinguir os bens públicos em relação aos privados e sustentar a formação de um regime jurídico único Porém a própria Constituição Federal não dispõe de forma plena sobre tais caracteres com ausência de previsão da inalienabilidade mas a regulação da alienação tanto para a Administração Pública Direta331 e Indireta332 a impenhorabilidade apenas para alguns bens privados333 e a imprescritibilidade somente para os bens públicos imóveis334 Demonstrase não apenas do ponto científicojurídico a partir de uma perspectiva funcionalista da teoria do domínio público quanto normativopositivo à luz da regulação qualidade de vida impondose ao Poder Público e à coletividade o dever de defendêlo e preserválo para as presentes e futuras gerações 330 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação Ciência e Cultura de 17 de Outubro a 21 de Novembro de 1972 Art 2 Para fins da presente Convenção serão considerados como património natural Os monumentos naturais constituídos por formações físicas e biológicas ou por grupos de tais formações com valor universal excepcional do ponto de vista estético ou científico As formações geológicas e fisiográficas e as zonas estritamente delimitadas que constituem habitat de espécies animais e vegetais ameaçados com valor universal excepcional do ponto de vista da ciência ou da conservação Os locais de interesse naturais ou zonas naturais estritamente delimitadas com valor universal excepcional do ponto de vista a ciência conservação ou beleza natural 331 BRASIL Constituição da epública Federativa de 05 de Outubro de 1988 Art 37 XXI ressalvados os casos especificados na legislação as obras serviços compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento mantidas as condições efetivas da proposta nos termos da lei o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações 332 Constituição da epública Federativa de 05 de Outubro de 1988 Art 173 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços dispondo sobre III licitação e contratação de obras serviços compras e alienações observados os princípios da administração pública 333 Constituição da epública Federativa de 05 de Outubro de 1988 Art 5 XXVI a pequena propriedade rural assim definida em lei desde que trabalhada pela família não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento 334 Constituição da República Federativa de 05 de Outubro de 1988 Art 183 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião Art 191 Parágrafo único Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião 117 117 básica produzida pela Constituição Federal a impossibilidade de se sustentar um único regime jurídico capaz de regular tal pluralidade de coisas Isso também se verifica junto da Constituição Federal de uma disciplina pelo Código Civil335 e uma constelação normativa que abrange leis específicas como as de concessão dos bens336 E leis gerais que regulem o acervo de cada ente federado como o decretolei da União que determina sua conceituação identificação e demarcação337 Tal pluralidade normativa com distintas disposições relativas aos bens públicos concede indícios da impossibilidade de se sustentar um regime jurídico em razão da própria elasticidade e dificuldade de delimitação do conceito de bem público que acaba por abranger coisas estatais não funcionalizadas e excluir coisas privadas funcionalizadas Tomarseá de forma exemplificativa a regulação legal dos bens públicos que acaba por erigir a possibilidade de se sustentar uma disciplina única a partir da disciplina pela lei federal nº 1197709 no que tange a ocupação em bens públicos naturais338 bem como pela lei federal nº 133032016 no que se relaciona aos bens de pessoas administrativas privadas Em um vértice embora determine a Constituição Federal e a própria lei civil a insujeição dos bens públicos a usucapião339 foi admitida a regularização fundiária de ocupação irregular em bens públicos naturais340 inclusive naqueles que são tidos ou designados como área de preservação permanente341 Não há pretensão tratar nesse momento sob o tema porém se excluída a tese de inconstitucionalidade material da norma legal e buscando uma interpretação conforme à Constituição capaz de preservar a manifestação do legislativo parece que a lei admite 335 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Livro II Título Único Capítulo III 336 Lei Federal nº 9074 de 07 de Julho de 1995 Art 4 10 e 11 Art 4A inciso II e outros 337 DecretoLei nº 9760 de 05 de Setembro de 1946 338 A referida lei foi alterada pela Lei Federal nº 12424 de 16 de Junho de 2011 339 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 102 Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião 340 Lei Federal nº 11977 de 07 de Julho de 2009 Art 46 A regularização fundiária consiste no conjunto de medidas jurídicas urbanísticas ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes de modo a garantir o direito social à moradia o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado 341 Lei Federal nº 11977 de 07 de Julho de 2009 Art 46 1 O Município poderá por decisão motivada admitir a regularização fundiária de interesse social em Áreas de Preservação Permanente ocupadas até 31 de dezembro de 2007 e inseridas em área urbana consolidada desde que estudo técnico comprove que esta intervenção implica a melhoria das condições ambientais em relação à situação de ocupação irregular anterior 118 118 naquele lapso temporal para fins de moradia o usucapião de alguns bens de uso comum do povo Em outro vértice embora as sociedades de economia mista tenham natureza de direito privado e sejam formadas também parcialmente por capital privado342 inclusive sujeitas a um regime jurídico próprio das empresas privadas343 o seu estatuto jurídico prevê condicionamento aos seus bens quase idêntico àquelas impostas ao domínio público344 Poderia se sustentar que a própria Constituição Federal determina a sua sujeição à licitação e contratação para compras e alienações345 porém parece nítido que se veiculou a lei fundamental uma norma específica em relação à geral346 e pretendeu a criação de um regime especial ou diferenciado em razão da natureza dessas pessoas Não obstante o estatuto jurídico prevê dentre as suas disposições de normas para a aquisição347 e alienação348 do seu patrimônio que se aproximam claramente com as disposições relativas aos bens públicos embora em nenhum momento determine a natureza do seu acervo ou utilize a designação pública 342 BRASIL DecretoLei nº 200 de 25 de Fevereiro de 1967 Art 5 III Sociedade de Economia Mista a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado criada por lei para a exploração de atividade econômica sob a forma de sociedade anônima cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta 343 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 173 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços dispondo sobre II a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas inclusive quanto aos direitos e obrigações civis comerciais trabalhistas e tributários 344 Lei Federal nº 13303 de 30 de Junho de 2016 Art 49 A alienação de bens por empresas públicas e por sociedades de economia mista será precedida de I avaliação formal do bem contemplado ressalvadas as hipóteses previstas nos incisos XVI a XVIII do art 29 II licitação ressalvado o previsto no 3o do art 28 Art 50 Estendemse à atribuição de ônus real a bens integrantes do acervo patrimonial de empresas públicas e de sociedades de economia mista as normas desta Lei aplicáveis à sua alienação inclusive em relação às hipóteses de dispensa e de inexigibilidade de licitação 345 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 173 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços dispondo sobre III licitação e contratação de obras serviços compras e alienações observados os princípios da administração pública 346 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 37 Art 37 A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiência e também ao seguinte XXI ressalvados os casos especificados na legislação as obras serviços compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento mantidas as condições efetivas da proposta nos termos da lei o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações 347 Lei Federal nº 13303 de 30 de Junho de 2016 Art 47 e 48 348 Lei Federal nº 13303 de 30 de Junho de 2016 Art 49 e 50 119 119 Parece portanto que novamente excluída a tese de inconstitucionalidade das referidas normas legais e embora o Código Civil adote como critério para designação de bens públicos a sua titularidade349 determinando o regime de direito público e as suas restrições optou o legislador estender às pessoas privadas e seus bens em razão do aporte público Tais questões buscam apenas apontar a insustentabilidade da tese que guarda a existência de um regime jurídico único marcado por caracteres ou elementos supostamente comuns a uma variedade de bens considerados públicos e tutelados por uma pluralidade de normas jurídicas atentas às próprias especificidades da ação pública O reconhecimento de uma diversidade de relações jurídicas que tem por objeto os bens públicos e são figuradas não apenas pelo Estado mas também por outros atores sociais contudo não importará em uma pluralidade de disciplinas jurídicas já que incidiria na falta de sistematicidade para uma teoria do domínio público Tendo visto que é a função social a categoria central que em sua graduação distingue os domínios do público do privado parece que será o elemento que determinará não só a aplicação do regime jurídico especial mas também uma graduação que permita atingir aquela finalidade coletiva Surge a questão se reconhecida à qualificação de pública para a coisa que enseja uma disciplina jurídica própria isso importará na sua identificação com o regime jurídico de direito público e portanto a exclusão absoluta da aplicação das regras e princípios oriundos do direito comum Isso porque por um lado tradicionalmente no Direito Brasileiro a regulação do regime dos bens públicos a par do estatuto fundamental na Constituição tem a previsão de normas gerais pela lei civil o que importaria em incoerência lógica sustentar a exclusão plena de regras oriundas do direito privado Por outro tais influxos de privatização despublicização e racionalização produzem na gestão dos bens públicos uma tensão na aplicação estrita de normas oriundas de um regime jurídico de direito público e demandam em alguma medida a aplicação de regras mais flexíveis da disciplina civil O tema será tratado a seguir 349 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 98 São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno todos os outros são particulares seja qual for a pessoa a que pertencerem 120 120 23 A superação da suposta dicotomia do domínio privado e a complementariedade do direito comum da regulação pela lei civil conforme a função social Volvese a discussão acerca do regime jurídico especial atribuído aos bens públicos à própria construção da teoria do domínio público a luz de um critério de titularidade que acaba por embarcar não apenas coisas que não deveriam estar sujeitas a uma disciplina pública mas igualmente propõe um regime jurídico que eminentemente o ligue ao seu sujeito estatal A definição de um regime jurídico para os bens públicos antes de se relacionar estritamente com a função social assumida pela coisa acaba por perpassar uma tentativa de reafirmação do próprio ente estatal com a criação de uma disciplina normativa própria que regule o seu acervo tido patrimonial com exclusão da aplicação das regras do direito comum Não obstante isto produz a dificuldade de reconduzir à formação de um único regime jurídico não apenas coisas estatais que não exercem uma função pública mas como ignorar determinadas coisas que sob a titularidade de sujeitos particulares igualmente se vinculam a uma necessidade coletiva Propõese então delimitar uma especificidade para o regime jurídico especial dos bens públicos e portanto a sua unidade a partir da determinação de efeitos inalienabilidade imprescritibilidade e impenhorabilidade que não necessariamente são exclusivos das coisas qualificadas como públicas Ademais a tentativa de criação a partir da titularidade estatal de uma disciplina normativa para os bens públicos acaba esbarrando na dificuldade de delimitação à titularidade de determinadas coisas o que conduz a Constituição Federal a tratar de forma assistêmica como patrimônio nacional bens nacionais além dos bens dos entes estatais Essa pretensão de delimitação de fronteiras exatas para um regime jurídico especial das coisas do domínio público em relação à disciplina comum gera não só uma encruzilhada normativa na regulação da matéria mas acaba por produzir maior dificuldade conceitual no que tange a própria análise dos bens públicos350 350 OYARZÚN Santiago Montt La administración del Estado y los bienes Op cit p 272 121 121 Assim a construção teórica do domínio público acaba por embarcar na polêmica e antiga divisão entre direito público e privado351 ao qual não se pretende fazer uma análise apurada de forma a determinar a incidência e aplicação de cada um desses regimes jurídicos mas apenas verificar o tema na medida em que se relaciona com os bens públicos Tornase necessário se relacionar em que medida a superação de uma compreensão estática e estanque dos domínios do direito público e do privado impossibilitam a manutenção de uma concepção absoluta ou rígida da aplicação de um regime jurídico de direito público para os bens públicos Tal tentativa de situálos nas supostas fronteiras movediças e ambíguas existentes entre o direito público e o privado de forma a distinguir os bens coletivos e particulares ocorre em especial através da adoção de um critério residual e negativo ligado à titularidade que é oriundo do Direito Francês352 Isso significa aduzir que a comum identificação entre bens públicos e regime jurídico de direito público antes decorre da assunção de que o Estado em suas relações se sujeita a uma disciplina própria e portanto isto inclui o seu acervo tido patrimonial do que uma tentativa de apartar as referidas coisas por suas naturezas ou funções Isso porque na família romanogermânica determinada escola francesa generalizou uma teoria de unicidade que foi firmada no Código Civil Francês e na própria literatura jurídica administrativa e civil e compreende que o distintivo da coisa não é a sua natureza em si mas a sua titularidade que enseja regimes diferenciados Porém na matriz alemã distinguese o regime jurídico de direito público e privado pela construção de uma dualidade na noção de bem adotando tais os autores que as coisas têm no direito público um sentido distinto do direito privado decorrente inclusive da sua impossibilidade de algumas vezes delimitálos como os mares e o ar353 Sustentase a necessidade de se afastar a aplicação do direito comum diante da especificidade das coisas públicas de forma que haveria uma ambiguidade ou incerteza caso 351 ALFONSO Luciano Parejo Dominio Público Op cit p 23 352 VANESTRALEN Hernando Bienes de titularidad pública Op cit p 211212 353 FORSTHOFF Ernst Traité de Droit Administratif Allemand Bruxelas Societé Anon me DEditions Juridiques et Scientifiques 1969 p 546 122 122 sua tutela fosse realizada junto aos bens privados pelo Direito Civil cabendo à doutrina administrativista moderna determinar a distinção354 Por efeito a especificidade que assume a coisa na relação jurídica de direito público já que sujeita à realização do interesse público impõe como sustenta a literatura alemã a formação de um direito das coisas públicas como uma matéria do Direito Público em disciplina apartada da coisa dada pelo regime jurídico de direito privado355 Embora seja importante tal diferenciação para demarcar a distinção entre a relação jurídica formada pelo particular tendo por objeto à coisa tipicamente de propriedade enquanto direito subjetivo daquela com titularidade pelo Estado356 não parece que seja um fundamento legítimo para sustentar uma exclusão do regime privado Embora possa parecer mais adequado para determinar fronteiras claras entre o regime jurídico de direito público para coisas que sejam públicas e de direito privado para coisas que sejam privadas não identifica que necessariamente a materialidade ou especificidade do bem material determine a incidência das referidas disciplinas Como antes visto parece que a qualificação jurídica da coisa não se ligará a sua materialidade em si mas na medida em que esta é capaz de exercer uma função social e se ligar a realização de uma necessidade coletiva ou apenas se adequar ao interesse público e tal qual se sujeitar a uma qualificação privada Ademais acabase por reconduzir a questão da titularidade através da adoção de uma noção de puissance publique que impõem uma disciplina própria afastando a predominância da disciplina comum sobre os campos da disciplina administrativa sendo uma delas a suposta propriedade que o Estado exerce sobre as coisas pública 357 Embora na matriz francesa não haja a adesão dessa construção alemã de dualidade na noção de coisa generalizase também no regime romanogermânico uma distinção de uma disciplina especial para regular as coisas públicas de um regime comum e residual para tratar dos demais bens privados 354 MAYER Otto Le droit administratif allemand Op cit p 99100 355 FORSTHOFF Ernst Traité de Droit Administratif Allemand Op cit p 546 356 O tema será tratado no item 44 357 MAYER Otto Le droit administratif allemand Op cit p 100 123 123 Assim é comum encontrar a temática sem qualquer forma de debate pela literatura jurídica sendo usual a afirmação que os bens públicos são aqueles sob a titularidade do Estado e sujeitos a uma disciplina protetiva e exorbitante dos privados que estão sob a tutela dos particulares e não assumem nenhum dos caracteres especiais358 Parece haver uma identificação do regime jurídico especial como público e portanto estatal quando não necessariamente considerar que uma disciplina protetiva das referidas coisas perpasse estritamente por determinados atributos ou poderes concedidos ao Estado mas pode envolver outros mecanismos jurídicolegais No entanto o próprio Conselho de Estado Francês sustenta que a distinção do domínio público e privado decorre do regime jurídico especial de proteção que concede aos bens públicos determinados atributos imprescritibilidade impenhorabilidade e inalienabilidade além de um sistema de proteção penal especial normas específicas de regulação e outros359 Há ainda a tentativa de situar um papel de proeminência do Estado na proteção dos bens públicos desconsiderando não apenas a participação de outros sujeitos sociais mas os seus próprios limites diante do crescimento e a agregação dos interesses públicos em desenvolver inúmeras tarefas e ser responsável pela gestão de todas as referidas coisas Assim no que tange a tradicional distinção entre bens do domínio público e privado salvo a resistência de parte minoritária da literatura jurídica nada parece ter mudado mantendose a noção de que os bens públicos estão sujeitos a um regime jurídico de direito público criandose uma fronteira bem nítida com o domínio privado 360 Neste sentido o centro dessa celeuma dogmática acaba retornando à assimilação daquilo que a literatura jurídica aponta como um dos traços mais persistentes da cultura jurídica europeia a tentativa de construir na titularidade estatal uma identidade entre domínio público e regime jurídico de direito público361 Em que pese à perda do protagonismo estatal durante o século XX e o descolamento da noção de público com o estatal ainda persiste na tentativa de fixar uma relação simbiótica 358 FOIGNET René Op cit p 198 359 FRANÇA Conselho de Estado Arrêt Association Eurolat et Crédit foncier de France 6 de Maio de 1985 360 VANESTRALEN Hernando Bienes de titularidad pública Op cit p 218 361 BLANCO Alejandro Vergara Teoria del dominio publico Op cit p 28 124 124 de titularidaderegimequalificação dos bens que não se adéquam aos novos atores sociais as novas técnicas jurídicas e os critérios de determinabilidade da coisa no domínio público No próprio direito francês há certo consenso sobre as dificuldades decorrentes de um regime normativo rígido e a necessidade de extensão do conceito de dominialidade para um período que demanda maior flexibilidade capaz de atender as questões contemporâneas que surgem362 Sob o influxo das transformações dogmáticas tornase cada vez menos visível a distinção entre os campos de domínio do público e do privado de forma que embora possa persistir um interesse acadêmico em razão de seu caráter didático todavia carece de um fundamento ontológico aceitável363Além de reconhecida a unidade do ordenamento jurídico com a assunção pela Constituição do papel de seu epicentro dotada de hierarquia formal e axiológica tornase impossível considerar os ramos jurídicos de modo compartimentalizado se suas normas e categorias devem ser reconduzidas em forma e conteúdo aos preceitos da lei fundamental Junto a tal influxo centrípeto as mutações produzidas na gestão dos interesses públicos com os fenômenos de privatização despublicização e racionalização aliado ao redimensionamento da noção de soberania e papel do Estado no campo do público produzem efeitos não apenas no que se refere à titularidade mas também ao regime aplicável Sob tal viés se exterioriza como a chamada fuga para o direito privado a crescente adoção na gestão de interesses públicos da aplicação de institutos do regime jurídico privado capaz de garantir uma disciplina mais flexível que atenda as novas demandas da ação administrativa364 Deslocado o interesse público dos seus paradigmas centrais no modelo burocrático racional para os assumidos no gerencial da legalidade para a legitimidade da eficácia para a eficiência e do controle de procedimentos para aferição pelo resultado a adoção de um regime jurídico rígido e formal corresponde a óbice para alcance de tais determinados fins 362 LLOP Javier Barcelona Novedades en el régimen jurídico Op cit p 558 363 GUARIGLIA Carlos E Derecho publico Op cit p 29 364 ESTORNINHO Maria João A fuga para o direito privado contributo para o estudo da actividade de direito privado da administração pública Coimbra Almedina 1999 p 59 125 125 Também o reforço de atividades administrativas desenvolvidas por entes privados resultou na dificuldade de determinação do regime aplicável a cada função desenvolvida e em uma relativização da dicotomia do direito público e privado com a crescente concepção de uma unidade da ordem jurídica365 Ainda é celeuma na literatura administrativa a aplicação do regime de direito público como o consequente exercício dos poderes ou prerrogativas por sujeitos privados pois embora usualmente sejam considerados ligados à função pública ainda enfrenta resistência sua aplicação para sujeitos distintos do Estado Ademais junto à proliferação de instrumentos para a gestão de atividades públicas sob um regime jurídico de direito privado há uma crescente da intervenção estatal igualmente nos espaços individuais366 o que estreita a distinção entre ambos os conceitos e produz reflexo no que tange a teorização do domínio público Para alguns autores tais fenômenos abrem uma forma de legitimação para a aplicação do regime jurídico de direito privado pela Administração Pública inclusive por demandar um estudo atencioso e imparcial tanto das categorias públicas quanto privadas neste caso no que se trata de bens públicos367 Admitir a formação de uma teoria e a criação de uma disciplina própria para os bens públicos não significa determinar a sua sujeição plena ao regime jurídico de direito público mas que haja a aplicação de institutos e categorias próprias à pluralidade das coisas albergadas em tal acervo Em qualquer regulação normativa nunca há a incidência de apenas um regime jurídico tanto que no Direito Privado há a chamada aplicação das normas de ordem pública que manifestam a restrição à autonomia de vontade pela aplicação de regras de direito público que limitem a ação privada e reconduzam ao interesse público A submissão de alguns bens estatais as regras do Direito Civil não significa uma sujeição total a um regime jurídico de direito privado pois uma vez que envolvem interesses 365 ESTORNINHO Maria João A Fuga para o direito privado Op cit p 139141 366 RODRIGUEZARANA Jaime La vuelta al derecho administrativo a vueltas con lo privado y lo publico Revista de Derecho de La Universidad de Montevideo a 4 n 7 2005 p 95 367 OYARZÚN Santiago Montt La administración del Estado y los bienes Op cit p 274275 126 126 públicos haveria igualmente a incidência das normas legais protetivas que devem se sujeitar as coisas públicas368 Apenas garantese que as disposições administrativas não deveriam ser interpretadas de forma restritiva mas que nas lacunas do regime jurídico deve ocorrer uma ponderação de interesses para verificar o cabimento de se aplicarem os preceitos especiais do regime administrativo de direito privado ou da lei civil369 Porém a questão é se suficiente à aplicação do regime de direito privado na lacuna das normas de direito público o que importaria não apenas na regular adoção de uma própria técnica de integração da ordem jurídica mas continuaria sustentando de forma transvestida uma identificação da disciplina especial com pública e a proeminência da regulação estatal Isto porque há zonas de penumbra como os bens jurídicos de titularidade das pessoas jurídicas de direito privado criadas pelo Estado como as sociedades de economia mista e as empresas públicas que recebem patrimônio público para exercer finalidades coletivas e portanto gera certa indeterminabilidade na natureza pública ou privada de tais bens Ademais há a questão dos bens privados sob o domínio das pessoas jurídicas de Direito Público que adquiridos pelo Estado foram ou não afetados à finalidade pública mas embora sujeitos à função administrativa daqueles que são adquiridos por força legal como a sucessão hereditária ou execução fiscal não assumem uma função social alguma Poderia se sustentar que tratando de um domínio privado do ente público se aplica mutatis mutandis a disciplina privada civil370 e portanto não deveriam estar sujeitos a um regime jurídico de direito público mas de acordo com a sua natureza as regras do direito comum Embora possa traduzir certa coerência na regulação das coisas que enquanto desfuncionalizadas não deveriam sequer estar sob a titularidade estatal não parece ser capaz de sanar a disciplina do acervo de bens das pessoas administrativas privadas ou civis privadas no exercício de uma função social Incide no mesmo equívoco de sustentar uma aplicação rígida do regime jurídico de direito público para as coisas de pessoas jurídicas de direito 368 CAETANO Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 888 369 Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 888 370 BERTHÉLEMY H Op cit p 273 127 127 público a identificação de que para as pessoas jurídicas de direito privado devem se submeter suas coisas a um regime jurídico de direito privado Ainda que se considere uma aplicação desses institutos do direito privado das coisas com mitigações à luz do regime jurídico de direito público371 se propõe de forma estática a determinação de uma fórmula que não necessariamente se adéquam aos variados bens públicos e portanto as suas especificidades que exigem tratamentos próprios Há quem aponte que tal qual há uma autonomia científica do regime de direito público sob a tutela privada que a disciplina do domínio público é distinta da propriedade particular de sorte que nas eventuais ausências ou conflitos a integração deve ser realizada pela analogia às leis administrativas ou princípios do Direito Público372 Partese de uma compreensão que há uma universalidade no domínio público formada não apenas pelos bens afetos de mesmo ente público para uma finalidade idêntica mas a par da individualidade e autonomia jurídica de cada bem o reconhecimento de uma unidade do acervo sujeito portanto de um regime único e integro para resolução das dicotomias373 Não parece adequado reconhecer uma unidade dos bens públicos para sustentar um único regime jurídico quando há uma pluralidade de espécies de bens jurídicos afetados e desafetados sob a titularidade de sujeitos distintos públicos e privados e regulados por uma variedade normativa da Constituição até a lei civil Há de se afirmar uma dificuldade em delimitar campos nítidos que distinguem o domínio público ou privado com a existência de zonas cinzentas que abrangem bens públicos não afetos ao interesse da coletividade e bens privados utilizados para fins públicos torna incomplexa a fixação de um regime jurídico rígido público ou privado Isto não significa negar que cabe a rigor a regulação pelo direito civil para o bem privado uma vez que disciplina a relação jurídica que tem por objeto a coisa exercida a partir da autonomia de vontade do seu sujeito e posições jurídicas próprias como o uso gozo disposição e reivindicação da coisa374 371 CASTRO y BRAVO Federico de Derecho civil de España Parte General Madrid Ed Instituto de Estudios Políticos 1955 p 98 372 CAETANO Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 827 373 Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 827 374 MAYER Otto Le droit administratif allemand Op cit p 113 128 128 Igualmente se submete à disciplina pelo direito administrativo o bem público já que regula outra relação jurídica que tem por objeto a coisa exercida a partir da finalidade pública o que impõe deveres ao seu sujeito e atribuições jurídicas próprias competências e poderes administrativos para o atendimento das necessidades coletivas A admissão da existência de espaços próprios para o regime jurídico de direito público e privado não significa que devam ser considerados como campos herméticos que não se sujeitam a uma interface produzida não apenas para os bens em zonas de penumbra mas para todas as coisas públicas e privadas Seria paradoxal negar a relação entre o regime de direito público e privado pela própria tendência no direito comparado do tratamento das coisas públicas pela norma civil como uma formal especial de propriedade que decorre da própria matriz francesa liberal e de uma tese patrimonialista do domínio público375 O Código Civil Brasileiro de 1916 no projeto de Clovis Bevilaquia depois da revisão adotava a proposta do projeto de Coelho Rodrigues de apenas enunciar que os bens públicos podem ser de uso especial de uso comum ou dominiaes376 considerando que a definição do domínio público e privado dos bens não surge com a lei mas esta apenas a declara377 Não obstante a redação final optou por fixar uma disciplina para os bens públicos a partir de um critério normativosubjetivo taxativo considerando como pertencentes ao domínio nacional os bens dos entes federados e sendo os demais bens vinculados aos respectivos entes federados portanto de forma residual do domínio particular378 Tal diretiva foi acompanhada pelo Código Civil de 2002 que optou por prosseguir na regulação dos bens públicos como espécie de propriedade utilizando um critério tipicamente subjetivo considerandoos como aqueles pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno sendo os demais bens particulares379 375 BLANCO Alejandro Vergara Teoria del dominio publico Op cit p 152 376 BEVILAQUIA Clovis Original do Projecto do Codigo Civil Brasileiro Rio de Janeiro Acervo do Memorial do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará 1900 p 114 377 CRUZ Alcides Direito Administratcivo Op cit p 206 378 BRASIL Lei Federal nº 3071 de 1ºc de Janeiro de 1916 Art 65 379 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 98 129 129 A regulação normativa promovida pela lei civil dos bens públicos consideraos como uma das espécies de classificação dos bens jurídicos380 embora empregue um regime jurídico próprio no que tange ao uso comum e especial381 gratuito ou retribuído382 e seus atributos inalienabilidade imprescritibilidade e impenhorabilidade383 Adotando como traço distintivo dos bens públicos e privados um critério subjetivo titularidade das pessoas jurídicas de direito público e de natureza residual os demais são das pessoas particulares384 reforça as celeumas de um regime distintivo do privado em especial se considerados os entes privados administrativos e as terras devolutas Parece inadequado considerar que os bens pertencentes às pessoas administrativas com personalidade jurídica de direito privado criadas pelos entes federados na prossecução de determinados interesses públicos sejam tidos como privado desconsiderado não somente a sua origem mas a própria destinação Isto porque a própria Constituição Federal determina um regime misto com normas de direito público ao sujeitar a aquisição locação alienação e gravame de bens das empresas estatais à licitação385 bem como estipular regras específicas no caso da pessoa criada pelo consórcio público mesmo que privada386 Seria considerar que os bens públicos antes de serem versados para o patrimônio das pessoas administrativas privadas foram previamente desafetados ou estão sendo alienados 380 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 BRASIL Livro II dos Bens Título Único Das Diferentes Classes de Bens Capítulo 1 Dos Bens Considerados em Si Mesmo Seção I Dos Bens Imóveis Seção II Dos Bens Móveis Seção III Dos Bens Fungíveis e Consumíveis Seção IV Dos Bens Divisíveis Seção V Dos Bens Singulares e Coletivos Capítulo 2 Dos Bens Reciprocamente Considerados Capítulo 3 Dos Bens Públicos 381 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 99 São bens públicos I os de uso comum do povo tais como rios mares estradas ruas e praças II os de uso especial tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal estadual territorial ou municipal inclusive os de suas autarquias 382 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 103 O uso comum dos bens públicos pode ser gratuito ou retribuído conforme for estabelecido legalmente pela entidade a cuja administração pertencerem 383 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 100 Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis enquanto conservarem a sua qualificação na forma que a lei determinar Art 102 Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião 384 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 98 São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno todos os outros são particulares seja qual for a pessoa a que pertencerem 385 Lei Federal nº 13303 de 30 de Junho de 2016 Art 28 386 Lei Federal nº 13303 de 30 de Junho de 2016 Art 11 1º e Art 13 2º 130 130 como se bens particulares fossem O que é incompatível com a própria finalidade da transferência que é a persecução de um interesse público387 Ademais há uma idiocrasia no que tange aos bens dominicais a saber coisas consideradas como públicas por pertencer às pessoas jurídicas de direito público embora possuam estrutura de direito privado388 e sob tais entes exerçam sobre elas direitos pessoais ou reais389 tal como se sujeitos privados fossem Reforçase o problema com o reconhecimento de que para tais bens privados do Estado se aplica não a disciplina comum civil mas regras oriundas do regime jurídico de direito público390 já que uma vez que tais coisas não estejam afetadas ao interesse público falta o fundamento que determina a aplicação de um regime exorbitante391 Talvez por isso a própria literatura jurídica tente afirmar que sobre tais bens devese limitar a sujeição às normas do regime jurídico de direito público sob a alegação da existência de prerrogativas e poderes que se aplicam com maior profundidade aos bens propriamente públicos392 Poderia se alegar que coube a lei civil apenas ao tratar dos bens jurídicos classificar aqueles designados como público estipulando uma regulação geral já que a Constituição Federal em sua disciplina fundamental não determinou suas espécies e seus principais efeitos bem como que suas regras conservariam natureza de normas de direito público Porém além deste regime geral o Código Civil estipulou outras normas relativas à aquisição dos bens públicos como no caso de abandono da propriedade privada urbana393 ou inexistência de sucessores na herança jacente394 fora as demais disposições privadas como enfiteuse locação e comodato que a literatura jurídica considera aplicável395Ou podese 387 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 46 388 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 99 São bens públicos Parágrafo único Não dispondo a lei em contrário consideramse dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado 389 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 99 São bens públicos II os dominicais que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público como objeto de direito pessoal ou real de cada uma dessas entidades 390 VANESTRALEN Hernando Bienes de titularidad pública Op cit p 227 391 O tema será tratado no item 44 392 Hernando Bienes de titularidad pública Op cit p 227 393 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1276 394 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1822 395 CARVALHO FILHO José dos Santos Manual Op cit p 11811210 131 131 apontar que o fato do Código Civil regular os bens públicos não significa admitir que os mesmos dependam dos atributos previstos pela norma comum já que tais atributos decorrem antes de um regime jurídico de direito público do que sua consagração por normas do regime privado396 Porém em qualquer caso há de se reconhecer que a construção do regime jurídico de direito público acaba sendo condicionada por categorias do direito privado e limitada pela perspectiva dos bens públicos como objetos de direitos reais o que gera uma posição ambígua e uma zona intermediária entre o direito público e privado397 Assim não ignora que a manutenção do regime de bens públicos na legislação vigente do direito privado e quase ipsis literis com o que dispunha o Código Civil de 1916 gera uma incongruência de versar sobre a regulação de um instituto público em normas do direito comum mantendo uma disciplina legal incompatível com os desafios na matéria398 Isso porque embora se sustente um regime jurídico especial para os bens públicos com características próprias a sua disciplina se apropria do instituto de propriedade do direito privado inclusive quanto a sua regulação normativa fundamental que ocorre na própria lei civil que os insere como uma das categorias dos bens399 Da mesma maneira em que pese tentar se reconduzir os bens públicos a um regime jurídico de direito público acaba por adotando mesmo neles formas do direito privado como por exemplo o reconhecimento de alienação aforamento direito real de uso locação dentre outros de bens imóveis residenciais construídos ou destinados pelo poder público400 Isso reforça a impossibilidade de identificação plena do regime jurídico de direito especial com uma disciplina de direito público mas a assunção de que além de uma regulação geral pela lei civil haverá também a assunção em certa medida tanto de regras quanto das formas do direito comum Volvese a questão então em definir qual será o critério que será utilizado para determinar a incidência e em qual medida das regras de direito público e 396 MAYER Otto Le droit administratif allemand Op cit p 106 397 ALFONSO Luciano Parejo Dominio Publico Op cit p 3 398 CARVALHO FILHO José dos Santos Os Bens Públicos Op cit p 54 399 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Livro II Dos Bens Título Único Das Diferentes Classes de Bens Capítulo III Dos Bens Públicos 400 Lei Federal nº 8666 de 21 de Junho de 1993 Art 17 inciso I f 132 132 privado no regime jurídico especial formado para os bens públicos de forma a garantir tanto a sua proteção quanto a sua promoção Não sendo o critério da titularidade capaz de sustentar a formação de um regime jurídico para os bens públicos diante das variedades de relações assumidas pela diversidade de sujeitos parece encontrar na função social assumida pelas referidas coisas o elemento capaz de definir a sujeição e a sua medida do regime especial O tema será tratado a seguir 24 A proposta de uma regulação jurídica à luz da função social as gradações na aplicação do regime jurídico de direito público Como já visto os contornos de um regime jurídico especial para os bens públicos perpassa por dificuldades que abrangem a insuficiência do critério eleito para sua delimitação a problemática de afirmação de sua especificidade à luz dos caracteres propostos e da disciplina vigente bem como uma tentativa de delimitação do regime privado Tal qual não é possível identificar o domínio público como apenas uma teoria do domínio estatal não se sustenta mais a formação de um regime jurídico especial próprio para as coisas públicas em razão da titularidade centrada na figura do Estado diante da participação de outros atores sociais É incapaz firmar a idéia de um regime jurídico especial próprio que alcança a sua especialidade em razão de determinados traços inalienabilidade impenhorabilidade e imprescritibilidade que não apenas podem ser para bens privados como igualmente não são aplicados de forma homogênea a todos os bens públicos A própria tentativa de formação de uma disciplina fundamental pela Constituição Federal para os bens públicos a partir daquela titularidade e dos referidos caracteres acaba conduzindo a uma regulação assimétrica com reconhecimento de coisas sob a titularidade dos entes federados e outras não algumas restrições para bens públicos e outras não Pretende ainda a par de tais idiocrasias que tal regime jurídico especial tenha fronteiras distintas da disciplina comum embora a própria natureza de determinadas coisas inseridas no acervo do domínio público bem como as ausências normativas e demandas da gestão pública impõem a aplicação de regras do direito civil Tais questões conduzem a uma necessidade de que o regime jurídico especial dos bens públicos deva se apoiar em um elemento central capaz de legitimar não apenas a incidência de um regime jurídico especial mas a sua própria especificidade em relação à disciplina comum sem que no entanto importe em uma artificial delimitação do regime privado Corresponde a uma construção científicojurídica no Estado Liberal a noção de que no âmbito privado os bens seriam singularizados pela autonomia de vontade do seu titular no uso 134 134 e determinação da coisa ao passo que no âmbito público seria delimitada pelo interesse público por sua afetação formal a uma utilidade coletiva Em decorrência de tal delimitação rígida que se propõe uma dicotomia com campos delimitados e herméticos de um domínio público exercido precipuamente pelo Estado com afetação dos bens estatais aos interesses públicos e um domínio privado de titularidade dos particulares com uso dos bens privados Porém tal qual na Espanha a ausência de um estatuto ou lei reguladora própria dos bens públicos resulta em dificuldade em especial no que tange as celeumas decorrentes da aplicação dos elementos resultantes do seu regime exorbitante em especial a bens de outra natureza como os bens privados afetados401 e aos bens públicos dispostos embora desafetados Além da inexistência de uma disciplina normativa uniforme a não formação de uma categoria única aos bens de titularidade da coletividade demanda uma variedade de regimes jurídicos que serão fixados para aquela pluralidade de bens públicos402 ou uma gradação na aplicação das referidas matérias Isso significa admitir que a própria disciplina dos bens públicos encontrase fraturada na medida que pretendese a formação de um único regime jurídico à partir da summa divisio que distingue em bens públicos formados da dominialidade estatal e bens patrimoniais que compõem o acervo privado do Estado403 Em igual medida discutir a tutela normativa dos bens públicos significa superar a noção de que bens públicos é uma categoria residual que envolvem apenas as relações específicas titularizadas pela Administração Pública ignorando os sujeitos particulares no uso da res publicae ou os bens privados afetados ao interesse público404 É um equívoco considerar que os bens privados estão sujeitos a um espaço amplo de autonomia privada com eventual ingerência do ente estatal para adequálo ao interesse 401 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 451 402 WALINE Marcel Op cit p 278 403 OYARZÚN Santiago Montt La administración del Estado y los bienes Op cit p 272 404 WALINE Marcel Op cit p 278 135 135 público bem como que todos os bens considerados públicos estão ligados a uma função social em idêntico grau Isto porque a afetação não é uma categoria privativa do domínio público mas igualmente existe no domínio privado o que impõe tanto aos bens privados quanto aos bens públicos um atendimento a uma necessidade coletiva ainda que em gradações distintas quanto à função social assumida405 Não considera que a realização de tal função social não se limita apenas aos casos de afetações expressamente previstas pela lei civil como por exemplo no caso das fundações onde há destinação de um acervo patrimonial a um fim específico de cunho eminentemente social com fiscalização estatal406 Ao revés devese admitir que haja um dever geral de atendimento ou adequação do exercício da autonomia privada no âmbito das relações civis do indivíduo à realização de uma função social não somente no que se refere ao contrato407 mas em toda disciplina jurídico civil já que reconduzida ao cumprimento dos fins constitucionais408 No Estado Contemporâneo vigora um princípio social que orienta tanto o domínio público quanto o privado e impõe na gestão dos bens públicos ou na ordenação dos bens privados o atendimento de uma função social com as modificações que permitam a sua adequação ao interesse público 409 Inexorável que tal cumprimento da função social pelos bens qualificados como públicos e privados não ocorrerá em igual medida mas abrangerá desde uma mera adequação ao cumprimento de finalidades coletivas até a sua afetação ou utilização para a realização de determinado interesse público 405 URUTTIA José Luiz GonzálezBerenguer Sobre La Crisis Del Conceptio de Dominio Publico Revista de Administración Pública Espanha Centro de Estudios Políticos y Constitucionales nº 56 1968 p 193 406 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 62 Para criar uma fundação o seu instituidor fará por escritura pública ou testamento dotação especial de bens livres especificando o fim a que se destina e declarando se quiser a maneira de administrála 407 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 421 A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato 408 MORAES Maria Celina Bodin de O princípio da solidariedade In PEIXINHO Manuel Messias GUERRA Isabella Franco NASCIMENTO FILHO Firly orgs Os princípios da Constituição de 1988 Rio de Janeiro Lumen Juris 2001 p 170 409 FOUCART EmileVictor Éléments de Droit Public et Administratif Tome I Paris Videcoq Pere Et Fils LibrairesÉditeurs 1843 p 683 136 136 No que se refere aos bens privados a literatura jurídica costuma apontar os variados encargos sociais que abrangem desde a restrição patrimonial advinda da tributação até mesmo a sujeição da coisa às necessidades coletivas como as imposições de servidões ou a realização de desapropriações410 Não se inova ao considerar o domínio privado não como um campo de autonomia de vontade pleno mas sujeito a constrições pelas demandas sociais o que importa na sua sujeição a restrições impostas pelo ente estatal já que usualmente se reconhece um domínio imanente do Estado sob todas as coisas em seu território passíveis de restrição Porém note que há uma nítida gradação no que se refere ao atendimento da função social pelas coisas privadas que pode abranger desde uma mera restrição no exercício da autonomia individual até mesmo uma limitação da posse em razão da necessidade de atendimento dos interesses públicos Isso fica claro no que tange ao Estatuto da Cidade que determina uma gama de instrumentos de ordenação da propriedade privada urbana às funções da cidade que abrange desde limitações administrativas411 como por exemplo o gabarito de prédios até mesmo o parcelamento edificação ou utilização compulsória412 Note que os bens enquanto qualificados como privados se sujeitam a uma adequação à realização de uma função social porém não a prossecução ou o exercício do munus publico em si pois se a coisa independente do titular se voltar propriamente a realização de uma necessidade coletiva passará a ser qualificada como pública Tanto assim que enquanto um bem se sujeita a uma restrição a sua posse para adequá lo à uma função pública desenvolvida pelo Estado como uma ocupação temporária para a instalação de uma obra estatal ou a servidão administrativa para a passagem de energia elétrica conserva a sua natureza de privado Na medida que não mais se adéqua mas exerce a função social em si o imóvel ocupado acaba servindo de depósito ou apoio ao final da obra ou além da passagem de 410 FOUCART EmileVictor Éléments de Droit Public et Administratif Op cit p 683 411 BRASIL Lei Federal n 10257 de 10 de Julho de 2001 Art 4 inciso V alínea c 412 Lei Federal n 10257 de 10 de Julho de 2001 Art 4 inciso V alínea i 137 137 energia elétrica é necessária à instalação de terminal e equipamento de distribuição a literatura jurídica admite que houve uma desapropriação indireta Em tais casos o reconhecimento da qualificação pública da coisa é tão incontroversa que apontam os autores Uma vez haja a destinação a uma função social cabe ao titular do imóvel apenas a ajuização de uma ação pleiteando a indenização uma vez que passou a ser incorporada ao domínio público e não pode ser restituída ao domínio privado Admitido porém que os bens privados podem assumir uma adequação graduada no atendimento à função social há de se reconhecer que não estarão sujeitas à medida que ligadas às necessidades coletivas apenas a um regime jurídico de direito privado mas igualmente e em certa graduação a um regime jurídico de direito público Isso resta claro no caso do tombamento onde embora o particular continue sujeito a sua regulação pela lei civil no que tange a sua propriedade413 se submeterá igualmente às normas impostas pelo regime de direito público inclusive quanto a uma alienabilidade condicionada414 dever especial de conservação415 e outros Considere igualmente os bens privados que não foram tombados mas se sujeitam a limitações administrativas que a par da sua regulação pelo direito comum no que tange a propriedade impõe também um regramento de direito público como o código de postura municipal que estipula restrições quanto os ruídos416 construções e manutenções417 e afins Há de se verificar que a sujeição às restrições oriundas do regime jurídico de direito público em ambos os casos não ocorreu de forma idêntica para os bens privados mas antes 413 BRASIL Lei Federal n 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1228 e seguintes 414 DecretoLei n 25 de 30 de Novembro de 1937 Art 12 A alienabilidade das obras históricas ou artísticas tombadas de propriedade de pessôas naturais ou jurídicas de direito privado sofrerá as restrições constantes da presente lei 415 DecretoLei n 25 de 30 de Novembro de 1937 Art 18 Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional não se poderá na vizinhança da coisa tombada fazer construção que lhe impeça ou reduza a visibilidade nem nela colocar anúncios ou cartazes sob pena de ser mandado destruir a obra ou retirar o objeto impondose neste caso a multa de cinquenta por cento do valor do mesmo objeto 416 RIO DE JANEIRO Decreto n 29881 de 18 de Setembro de 2008 Livro II egulamento 2 Art 4 As atividades deverão obedecer aos níveis máximos de sons e ruídos preconizados pela NBR 10151 conforme estabelecido na tabela I do Anexo de acordo com os períodos e as zonas em que se divide o Município 417 Decreto n 29881 de 18 de Setembro de 2008 egulamento 6 Título 1 Art 1 Os proprietários de terrenos não edificados situados no Município manterão obrigatoriamente nesses imóveis placa identificadora com dimensões de sessenta centímetros por sessenta centímetros contendo o seu nome e endereço ou número de inscrição do imóvel no Cadastro Imobiliário do Município da Secretaria Municipal de Fazenda 138 138 ocorreram com uma gradação na medida em que tais coisas se adequavam em diferentes graus à função social Tal questão pode ser tida não apenas quanto aos bens considerados como privados e a sua adequação à função pública mas de igual modo para aqueles que possuem natureza pública mas estão sob a titularidade particular o que sujeitará a certa idiocrasia no que tange a aplicação de normas de direito público e privado Com o reconhecimento da delegação dos serviços ou exploração das infraestruturas e a titularidade imediata ao particular permitese atuar com maior liberdade através de formas negociais de direito privado porém conservando quanto aos bens já que afetados as posições decorrentes de seu regime de direito público418 Isto porque tais coisas enquanto sujeitas a uma finalidade pública devem ser passíveis de sua submissão e aplicação a um regime jurídico de direito público e portanto as restrições e condicionantes que buscam garantir o seu atendimento ao interesse público enquanto guardarem portanto a sua respectiva função social Inseridas também na mudança do modelo burocráticoracional para gerencial de deslocamento da afirmação da legalidade para a busca pela legitimidade da eficácia para eficiência e do controle dos procedimentos para controle do resultado devem se sujeitar às formas e modos do regime jurídico de direito privado Parte da literatura jurídica aponta isto como privilégios da propriedade pública às coisas destinadas à infraestruturas prestação de serviço ou atividades públicas em geral já que decorrentes de um regime jurídico especial que se forma não em razão da titularidade mas devido à afetação pública419 Sob a égide de um Estado Constitucional de Direito que impõem uma adequação da atuação dos sujeitos privados à uma função social420 e ordena a ação dos poderes públicos e 418 SANFIEL A M González Un nuevo régimen para las infraestructuras de dominio público Madrid Montecorvo 2000 p 231 419 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 463 420 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 5 XXIII a propriedade atenderá a sua função social 139 139 por conseguinte a afetação dos seus bens ao cumprimento dos interesses da comunidade421 não parece que correspondem à privilégios antes deveres da ordem jurídicoconstitucional Em certa medida tal entendimento já foi consagrado pelo Tribunal Constitucional da Espanha que defendeu a aplicação de um regime jurídico exorbitante com o reconhecimento de uma impenhorabilidade para os bens patrimoniais ou privados da Administração Pública desde que estivessem afetados a uma finalidade pública422 Considerou que os atributos oriundos do regime jurídico de direito público não devem ser como um poder ou potestade mas antes um dever que justifica na medida que o bem esteja afetado à uma função pública e enseje a concessão das prerrogativas necessárias para a proteção deste interesse geral423 Alguns autores optam por designar como obrigações de domínio público que incidem aos bens públicos cuja titularidade não se encontra no ente estatal mas em entes privados ou consórcio deles que estejam com a delegação negocial das referidas coisas como nas concessões ou tenham adquirido através de uma delegação legal como a desestatização424 Parece que tal nomenclatura ainda é uma tentativa de não reconhecer a incidência do regime jurídico de direito público para tais coisas já que estão sob uma titularidade privada de forma que caberia a incidência somente de deveres ou obrigações e não as prerrogativas e poderes Independente disso é interessante notar que eles apontam que o processo de transferência de sua titularidade para os particulares não retirará o caráter público dos referidos bens e a sua sujeição ao domínio público já que corresponde a artificio pois uma vez que estejam materialmente afetados não poderiam ser adquiridos425 Isso fica evidente em obras públicas de infraestrutura onde prosseguirá a coisa com o destino de uso público e portanto enseja a incidência do regime de direito público 421 BRASIL Constituição da epública Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil IV promover o bem de todos sem preconceitos de origem raça sexo cor idade e quaisquer outras formas de discriminação 422 ESPANHA Tribunal Constitucional da Espanha Sentença nº 166 de 15 de Julho de 1998 423 Tribunal Constitucional da Espanha Sentença nº 166 de 15 de Julho de 1998 424 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 465 425 Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 465 140 140 permitindo que seja objeto de regulação e controle estatal garantindo suas condições de atendimento das necessidades coletivas426 Assim as chamada obrigações de domínio público abrangem os bens afetados com a finalidade de garantir mediante a proteção da integridade de seu substrato físico ou jurídico tal destino público legitimando a Administração Pública o exercício de determinadas faculdades que classicamente eram reconhecidas apenas aos bens sob a sua titularidade427 Tanto que nos países com dualidade de jurisdição os bens do domínio privado cuja controvérsia envolvem a aplicação de regras do Direito Público se sujeita ao domínio dos tribunais administrativos na proteção do interesse público envolvido na controvérsia do bem sob regime privado428 Note que há uma dificuldade de delimitação para fixar o regime aplicável para coisas privadas que exercem função pública e as coisas públicas sob a titularidade de agentes privados antes uma vez que se volve a preocupação ao sujeito que desenvolve a atividade coletiva particular do que a finalidade ou destinação da coisa em si Tal incongruência se desloca quando consideramse as coisas sob a titularidade estatal que embora não parece haver grandes dificuldades em designálas como bens públicos ou inserilas no acervo do domínio público há uma dificuldade já que algumas não exercem uma função social e outras desenvolvem igualmente uma atividade privada A celeuma abrange os chamados bens dominicais que embora seja visto sequer deveriam integrar o acervo sob a titularidade do Estado em razão da sua não funcionalização aos fins de atuação do mesmo uma vez reconhecidos como bens públicos porém desfuncionalizados se sujeitam à um regime privado com certa especialidade Assim por um lado reconhece a lei que tais bens integram o acervo das pessoas jurídicas de direito público porém referindose aos mesmos como patrimônio e determinando que sob tais coisas se exerça um direito pessoal ou real429 sob uma estrutura de direito privado430 426 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 466 427 Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 466 428 CAETANO Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 889 429 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 99 inciso III 430 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 99 parágrafo único 141 141 Por outro lado todavia determina que a sua alienação não ocorra na forma comum das coisas privadas como por exemplo através de um contrato de compra e venda431 mas que ao revés se sujeitará a observância às prescrições formais e substanciais previstos em lei432 que será visto impõe um procedimento de licitação Outra dificuldade são as empresas públicas que embora constituídas sob a personalidade jurídica de direito privado para alcançar fins socialmente almejados são cedidos bens móveis e imóveis pelo ente público que devem ter portanto uma salvaguarda sobre o capital confiado pelo Estado433 Aponta a literatura jurídica que seu regime jurídico é em princípio de Direito Privado mas a afetação de seus bens à finalidade coletiva o sujeitaria ao regime público434 com todas as limitações decorrentes 435 o que aponta uma dificuldade de traçar um regime rígido sob os campos do domínio público e privado aos bens jurídicos em geral Parece acertado considerar a existência de uma gradação na sua sujeição tanto ao regime jurídico de direito público quanto privado já que não estará adstrito de forma igual às pessoas jurídicas de direito público mas igualmente não gozará da ampla liberdade das pessoas jurídicas de direito privado Assim embora possa se considerar no que tange aos bens públicos que há um regime jurídico de direito público que os dotam de características próprias e dão feições específicas a tais coisas igualmente é admissível que há a aplicação de determinados elementos ou institutos próprios da disciplina comum civil436 Não é sustentável que os traços característicos de tal regime público como a inalienabilidade ou a impenhorabilidade sejam tidos de forma absoluta a tal ponto de 431 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 481 e seguintes 432 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 101 433 DEBBASCH Charles Institutions et Droit Administratifs Paris Press Universitaires de France 1976 p 508 434 Charles Op cit p 509 435 Na legislação vigente a alienação de bens da Administração Pública se sujeita ao prévio procedimento de licitação pública sejam da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais bem como dos entes paraestatais BRASIL Lei Federal nº 8666 de 21 de Junho de 1993 Art 17 inciso I 436 SAGUER Marta Franch Imbricacion del domínio publico Op cit p 423 142 142 impedir o dever de funcionalização social das coisas públicas bem como que se apliquem a todos os bens considerados como públicos437 Tão pouco que seja possível transpor plenamente categorias privadas no que se refere aos bens públicos como a própria alienação ou a usucapião sem considerar um dos traços distintivos da disciplina de direito público a persecução do interesse público demande que haja uma adequação de tais institutos à teleologia do regime administrativo Por um lado importa em julgar que a disciplina especial ao qual se sujeitam os bens públicos não se forma a partir de uma dicotomia entre o regime jurídico de direito público e privado mas acabam envolvendo graduações de ambas as normatividades que se adéqua a própria distinção dos bens do acervo público Superase portanto a compreensão que o regime jurídico de direito privado é incompatível com a atuação pública já que possui como um dos princípios estruturantes a autonomia de vontade pois mesmo quando os bens públicos se sujeitam a tal disciplina comum e conservam a incidência de um núcleo irredutível de direito público438 Também abandonase a idéia que os bens públicos se identificam plenamente a um regime jurídico de direito público mas que a delimitação da sua disciplina especial demandará da análise da própria graduação na funcionalização da coisa ou seja à medida que esteja ligada efetivamente à realização dos interesses da comunidade Assim reconduzse diante do descolamento do público com o privado e da persecução da função social por outros atores sociais o fundamento de uma disciplina jurídica especial para os bens públicos não a partir de sua titularidade mas da destinação das coisas à realização de uma função pública439 Desta feita além de garantir uma legitimidade na justificação para a sujeição de determinadas coisas a um regramento específico permite mediante a função social a possibilidade de se adequar a especificidade assumida por tais bens na persecução do interesse público garantindo uma regulação adequada na medida de sua gradação 437 O tema será debatido em momento oportuno no capítulo IV 438 ENTERRÍA Eduardo García de FERNÁNDEZ TomásRamon Curso de derecho Op cit p 49 439 GAUDEMET Yves El futuro Op cit p 17 143 143 Isto pode ser observado no que tange à aplicação do regime jurídico de direito público às empresas públicas que será condicionado à medida do exercício da função social como por exemplo na incidência da imunidade tributária recíproca para a empresa brasileira de correios e telégrafos O tema será tratado a seguir 25 O regime jurídico de direito público e as pessoas administrativas de direito privado análise da aplicação da imunidade recíproca tributária na exploração da atividade de banco postal pelos correios à luz da função social Como visto a impossibilidade de se sustentar um único e estático regime jurídico especial para os bens públicos conduz ao reconhecimento existência de uma gradação na aplicação das normas de direito público e de direito privado conforme o grau de adequação ou afetação à referida coisa Tal questão pode ser vislumbrada com maior clareza a partir da análise de entidades administrativas de direito privado que embora constituídas pelos poderes públicos e afetas ao atendimento de determinadas funções sociais igualmente atuam na ordem econômica ou social como sujeitos privados Considere a questão do serviço postal ao qual a ordem jurídicoconstitucional historicamente440 reconhece em razão do interesse da comunidade e por envolver a comunicação no território nacional não apenas como uma função social mas designa a competência administrativa441 e legislativa442 da União Antes desenvolvida tal atividade pública pelo Departamento dos Correios e Telégrafos este foi transformado ainda no século XX em empresa pública443 com a finalidade de executar controlar e explorar em regime de monopólio os serviços postais em todo o território nacional444 Porém a lei federal que disciplina tal atividade administrativa reconheceu que a União titulariza a exploração do serviço postal e telegrama através daquela empresa pública445 440 BRASIL Constituição de 1891 Art 34 item 15 Constituição de 1934 Art 5 VII Constituição de 1937 Art 15 VI Constituição de 1946 Art 5 XI Constituição de 1967 Art 8 XII 441 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 21 Compete à União X manter o serviço postal e o correio aéreo nacional 442 Constituição da epública Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 22 Compete privativamente à União legislar sobre V serviço postal 443 DecretoLei nº 509 de 20 de Março de 1969 Art 1º O Departamento dos Correios e Telégrafos DCT fica transformado em empresa pública vinculada ao Ministério das Comunicações com a denominação de Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos ECT nos termos do artigo 5º item II do Decreto lei nº200 de 25 de fevereiro de 1967 444 DecretoLei nº 509 de 20 de Março de 1969 Art 2 inciso I a III 445 Lei Federal nº 6538 de 22 de Junho de 1978 Art 2º O serviço postal e o serviço de telegrama são explorados pela União através de empresa pública vinculada ao Ministério das Comunicações 145 145 como um serviço público446 remunerado por tarifa447 porém sendo monopólio apenas algumas de suas atividades448 enquanto outras não449 Não pretendese envolver na celeuma acerca da natureza do serviço postal já que com a sua descentralização legal e a criação de ente administrativo privado para alguns tratarseia de serviço público apenas com regime jurídico diferenciado enquanto outros sustentam que é atividade econômica pelo Estado sem caráter de monopólio dado pela Constituição450 Propõese analisar em específico o tema na medida em que isto implica em uma sujeição a uma disciplina pública ou privada de modelo a determinar a esfera incidente de forma isolada cumulativa ou sobreposta bem como o critério utilizado para determinar a aplicação das regras de um e de outro regime jurídico Neste sentido determina a Constituição Federal o estabelecimento de um estatuto jurídico para a empresa pública da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços451 A própria lei fundamental considera a impossibilidade de fixar exclusivamente o mesmo regime jurídico de direito público previsto para as pessoas jurídicas de direito público da Administração Pública Direta Autárquica e Fundacional para os entes administrativos privados mas também não os sujeita à uma disciplina exclusivamente de direito privado 446 BRASIL Lei Federal nº 6538 de 22 de Junho de 1978 Art 4º É reconhecido a todos o direito de haver a prestação do serviço postal e do serviço de telegrama observadas as disposições legais e regulamentares 447 Lei Federal nº 6538 de 22 de Junho de 1978 Art 32 O serviço postal e o serviço de telegrama são remunerados através de tarifas de preços além de prêmios ad valorem com relação ao primeiro aprovados pelo Ministério das Comunicações 448 Lei Federal nº 6538 de 22 de Junho de 1978 Art 9º São exploradas pela União em regime de monopólio as seguintes atividades postais I recebimento transporte e entrega no território nacional e a expedição para o exterior de carta e cartãopostal II recebimento transporte e entrega no território nacional e a expedição para o exterior de correspondência agrupada III fabricação emissão de selos e de outras fórmulas de franqueamento postal 449 Lei Federal nº 6538 de 22 de Junho de 1978 Art 9 2º Não se incluem no regime de monopólio a transporte de carta ou cartãopostal efetuado entre dependências da mesma pessoa jurídica em negócios de sua economia por meios próprios sem intermediação comercial b transporte e entrega de carta e cartãopostal executados eventualmente e sem fins lucrativos na forma definida em regulamento 450 Sobre o tema vide FRANÇA Vladimir da Rocha O regime constitucional do serviço postal e os monopólios da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos Revista de Informação Legislativa Brasília a 45 n 177 janmar 2008 p 48 e ss 451 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 173 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços 146 146 Tanto que determina a formação de um estatuto jurídico próprio que disporá tanto da sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade452 quanto à sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas453 em claro reconhecimento de uma aplicação de ambas as disciplinas públicas e privadas na sua regulação normativa Na constituição da empresa brasileira de correios e telégrafos foi realizado um aporte de capital exclusivo da União que abrangeu bens móveis imóveis valores direitos e ações e passaram a estar por força legal a serviço ou disposição daquela pessoa além de outros que poderiam ser incorporados oriundos de pessoas jurídicas de direito público454 Inegável portanto que tais bens conservavam a titularidade estatal foram afetados para o cumprimento das suas atividades de exploração do serviço social455 o que ensejou sua sujeição à normas do regime jurídico de direito público como a aplicação de isenções imunidades e qualquer prerrogativa concedidas à Fazenda Pública456 Porém o processo de descentralização buscou traduzir em maior eficiência na gestão do interesse público o que conduz a sua submissão a uma disciplina de direito privado como aplicação do regime jurídico trabalhista para o seu pessoal457 ou a aplicação subsidiária da lei das sociedades por ações458 Note uma dificuldade de apontar fronteiras claras entre o regime aplicável decorrente não apenas da falta de determinação nítida da natureza do serviço postal serviço público ou atividade econômica e da própria regulação legal que o sujeita às prerrogativas das pessoas jurídicas de direito público mas também a disciplina normativa de direito privado 452 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 173 1º I sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade II a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas inclusive quanto aos direitos e obrigações civis comerciais trabalhistas e tributários 453 Constituição da epública Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 173 1º II a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas inclusive quanto aos direitos e obrigações civis comerciais trabalhistas e tributários 454 DecretoLei nº 509 de 20 de Março de 1969 Art 6º caput 1º 3º e 4º 455 DecretoLei nº 509 de 20 de Março de 1969 Art 2 inciso I a III 456 DecretoLei nº 509 de 20 de Março de 1969 Art 12 A ECT gozará de isenção de direitos de importação de materiais e equipamentos destinados aos seus serviços dos privilégios concedidos à Fazenda Pública quer em relação a imunidade tributária direta ou indireta impenhorabilidade de seus bens rendas e serviços quer no concernente a foro prazos e custas processuais 457 DecretoLei nº 509 de 20 de Março de 1969 Art 11º O regime jurídico do pessoal da ECT será o da consolidação das Leis do Trabalho aprovada pelo Decretolei nº 5452 de 1º de maio de 1943 458 DecretoLei nº 509 de 20 de Março de 1969 Art 21A Aplicase subsidiariamente a este DecretoLei a Lei no 6404 de 15 de dezembro de 1976 147 147 Isso se reforça com as sucessivas alterações no Estatuto Social da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos que acabou por ampliar o objeto social da empresa pública de forma a abranger não apenas o planejamento implantação e exploração do serviço postal mas a de atividades correlatas e outras atividades fins mediante autorização ministerial459 Inegável que a par da controvérsia da natureza jurídica do serviço postal ele pode ser considerado como uma função social o que é reconhecido pela própria lei460 que embora designada à empresa pública de forma exclusiva461 a rigor não verificase impedimento para seu exercício por outros atores sociais desde que garantido o seu acesso e continuidade Porém o exercício de outras atividades fins parece que não necessariamente se identificam como o exercício de uma função social propriamente dito como a sua atuação como banco postal tal qual correspondente na prestação de serviços bancários básicos em todo o território nacional Cinge tal controvérsia no que tange ao regime jurídico pois uma vez que desenvolve ou se liga a atividade financeira da mesma maneira que sujeitos econômicos deveria se sujeitar a sua disciplina normativa privada com restrições pública como as regras relativas à segurança para estabelecimentos financeiros462 inclusive pela clara subsunção ao tipo legal463 Todavia deslocase o debate da atividade desenvolvida para a titularidade sob a alegação que a empresa pública não desempenha uma atuação financeira como atividade 459 BRASIL Decreto Federal nº 8016 de 17 de Maio de 2013 Art 4 inciso I a IV 460 Decreto Federal nº 8016 de 17 de Maio de 2013 Art 4 3 A ECT no exercício de sua função social é obrigada a assegurar a continuidade dos serviços postais e telegráficos observados os índices de confiabilidade qualidade eficiência e outros requisitos fixados pelo Ministério das Comunicações 461 Decreto Federal nº 8016 de 17 de Maio de 2013 Art 4 1 A ECT terá exclusividade na exploração dos serviços de que tratam os incisos I a III do caput do art 9º da Lei nº 6538 de 22 de junho de 1978 conforme inciso X do caput do art 21 da Constituição 462 Lei Federal nº 7102 de 20 de Junho de 1983 Art 1º É vedado o funcionamento de qualquer estabelecimento financeiro onde haja guarda de valores ou movimentação de numerário que não possua sistema de segurança com parecer favorável à sua aprovação elaborado pelo Ministério da Justiça na forma desta lei 463 Lei Federal nº 7102 de 20 de Junho de 1983 1o Os estabelecimentos financeiros referidos neste artigo compreendem bancos oficiais ou privados caixas econômicas sociedades de crédito associações de poupança suas agências postos de atendimento subagências e seções assim como as cooperativas singulares de crédito e suas respectivas dependências 148 148 fim464 embora o critério determinante para aplicação do regime jurídico não deva ser o sujeito mas atividade realizada na medida em que se ligue a uma função social O exercício da atividade financeira de correspondente bancário não é a realização de uma função social propriamente dita mas deve se adequar a mesma de forma que tal qual o sujeito privado os correios produzem em risco pela atividade desenvolvida à segurança das pessoas e portanto devem se sujeitar às normas que determinam as regras de proteção As margens para aplicação do regime jurídico de direito público ou privado para a atuação junto a de serviço postal também de banco postal pela empresa brasileira de correios e telégrafos podem ser observadas igualmente no que tange a determinação da incidência de imunidade tributária constitucional Determina a Constituição Federal de 1988 como um dos limites constitucionais explícitos ao poder de tributar exercido pela União Estados Municípios ou Distrito Federal a vedação a instituição de impostos sobre o patrimônio renda ou serviços de um ente federado sobre o outro465 Tal hipótese de não incidência constitucionalmente qualificada decorre não de uma eleição pelo constituinte ao disciplinar o poder de tributar mas do próprio modelo de estado federativo que determina uma igualdade entre as entidades políticas dotadas de autonomia políticoadministrativo dentre do ente federado o que impede a sua tributação recíproca466 Porém se o fundamento parece se ligar eminentemente à titularidade o objeto da sua imunidade são aqueles previstos no tipo constitucional o patrimônio a renda e o serviço sem que possam abranger o último ou qualquer atividade desempenhada mas aquele que deflagre o regime jurídico de direito público e a prerrogativa decorrente 464 BRASIL Superior Tribunal de Justiça Recurso Especial nº 1497235SE Rel Min Mauro Campbell Marques J 01122015 A imposição legal de adoção de recursos de segurança específicos para proteção dos estabelecimentos que constituam sedes de instituições financeiras não alcança o serviço de correspondente bancário banco postal realizado pela ECT pois não exerce atividadefim e primária das instituições financeiras na forma definida no artigo 17 da Lei 45951964 Nesse sentido há precedente da Quarta Turma do STJ ao julgar o Esp 1183121SC no afastou a aplicação da Lei 71021983 à ECT 465 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 150 inciso VI a 466 BALEEIRO Aliomar Limitações constitucionais ao poder de tributar 7 ed revista e complementada à luz da Constituição de 1988 até a Emenda Constitucional nº 101996 por Misabel Abreu Machado Derzi Rio de Janeiro Forense 2006 p 15 149 149 Parece claro que pretendese com a expressão serviços proteger o exercício de uma função pública que justifique a aplicação do regime jurídico de direito público ainda que não seja pela titularidade estatal como o Supremo Tribunal Federal já decidiu acerca de emissão de papel moeda do ente estatal através de delegatária467 Ainda que tal função pública seja igualmente perseguida por mais de um ator social de modo que nas atividades exercidas de serviço postal pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos e a iniciativa privada deve ocorrer a aplicação de um regime de direito público e com a excelsa corte já decidiu a incidência da imunidade constitucional468 Tanto que no caso da Ordem dos Advogados do Brasil reconheceu que a imunidade recíproca apenas poderia incidir no que se refere à atividade propriamente dita do Estado defesa da Constituição da ordem jurídica do Estado democrático de direito dos direitos humanos da justiça social e não nas demais469 Igualmente no que se refere à Petrobras afastouse do critério da titularidade e eventual monopólio estatal para reconhecer a não incidência da imunidade tributária visto que a atividade em questão não se ligava a proteção ou realização de qualquer interesse público e portanto a risco ao exercício da autonomia do ente federado470 Note portanto que a aplicação do regime jurídico de direito público se relaciona de forma imediata à realização da função social de modo que nas pessoas administrativas 467 BRASIL Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinário nº 610517 Rel min Celso de Mello J 362014 A delegação da execução de serviço público mediante outorga legal não implica alteração do regime jurídico de direito público inclusive o de direito tributário que incide sobre referida atividade Consequente extensão a essa empresa pública em matéria de impostos da proteção constitucional fundada na garantia da imunidade tributária recíproca CF art 150 VI a 468 Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinário nº 601392 Rel Min Gilmar Mendes J 2822013 Exercício simultâneo de atividades em regime de exclusividade e em concorrência com a iniciativa privada Irrelevância Existência de peculiaridades no serviço postal Incidência da imunidade prevista no art 150 VI a da CF 469 Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinário nº 259976 Rel Min Joaquim Barbosa J 2332010 A imunidade tributária recíproca alcança apenas as finalidades essenciais da entidade protegida O reconhecimento da imunidade tributária às operações financeiras não impede a autoridade fiscal de examinar a correção do procedimento adotado pela entidade imune Constatado desvio de finalidade a autoridade fiscal tem o poderdever de constituir o crédito tributário e de tomar as demais medidas legais cabíveis Natureza plenamente vinculada do lançamento tributário que não admite excesso de carga 470 BRASIL Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinário nº 285716 Rel Min Joaquim Barbosa J 0232010 A imunidade tributária recíproca não se aplica à Petrobrás pois Tratase de sociedade de economia mista destinada à exploração econômica em benefício de seus acionistas pessoas de direito público e privado e a salvaguarda não se presta a proteger aumento patrimonial dissociado de interesse público primário A Petrobrás visa a distribuição de lucros e portanto tem capacidade contributiva para participar do apoio econômico aos entes federados A tributação de atividade econômica lucrativa não implica risco ao pacto federativo 150 150 privadas a aplicação da imunidade tributária recíproca se ligará à realização de serviços públicos e não a exploração de atividades econômicas privadas471 Tanto que a própria Constituição Federal determina que a imunidade se vincula para as autarquias e fundações desde que vinculadas à função social propriamente perseguida por elas472 bem como exclui a imunidade recíproca da exploração de atividades econômicas pelo Estado sob o mesmo regime dos empreendimentos privados473 Embora a literatura aponte que as empresas públicas apenas gozarão da imunidade reciproca na medida em que desenvolvam atividades que representem o papel de longa manus das pessoas políticas ao qual estão vinculadas como a prestação de serviços públicos ou poder de polícia474 podese sintetizar na medida em que tal atividade seja uma função social Assim o serviço postal enquanto um serviço público dota o seu titular de um regime jurídico de direito público que prevê tal imunidade tributária recíproca475 ao passo que a atividade de banco postal além de não ser atividade inerente a finalidade da empresa pública tem natureza de exploração econômica e não faz incidir tal disciplina Isto também fica evidente ao se analisar o seu fundamento legal que é a Resolução do Banco Central do Brasil e o tratamento dado à a contratação de correspondentes no país que envolve as sociedades associações os prestadores de serviços notariais e de registro e as empresas públicas476 471 BRASIL Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinário nº 253472 Rel Min Joaquim Barbosa J 2582010 472 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 150 2º A vedação do inciso VI a é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público no que se refere ao patrimônio à renda e aos serviços vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes 473 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 150 3º As vedações do inciso VI a e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio à renda e aos serviços relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel 474 CARRAZZA Roque Curso de Direito Constitucional Tributário Malheiros São Paulo 2003 p 652 475 MARTINS Ives Gandra da Silva Imunidade Tributária dos Correios e Telégrafos Revista Jurídica n 288 2001 p 38 476 BRASIL Banco Central do Brasil Resolução nº 3954 de 24 de Fevereiro de 2011 Art 3 151 151 Os contratos de correspondência são impessoais ou não personalíssimos477 com objeto tipicamente de atividade financeira privada478 e exercida de forma empresarial479 que não se demonstram identificáveis com uma noção de serviço público ou guardam relação com o objeto da referida empresa pública que é a atividade de serviço postal Note portanto que não é possível dar um tratamento único com a incidência de apenas uma disciplina jurídica para as pessoas administrativas que exercem serviços públicos e atividades econômicas como a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos cujo serviço postal e banco postal deflagram a aplicação de regimes próprios adequados à tais atividades No caso a incidência ou não da imunidade tributária dependerá da medida em que se qualificar aquele serviço como atividade privada adequada a uma função social no caso de instituição financeira sujeita às imposições de segurança pela lei ou atividade pública voltada à realização de um interesse da coletividade o serviço postal Parece ter sido acertada a decisão do Ministro Luiz Fux em recurso extraordinário julgado pelo Supremo Tribunal Federal onde se discutia a extensão da imunidade tributária 477 BRASIL Banco Central do Brasil esolução nº 3954 de 24 de Fevereiro de 2011 Art 7º Admitese o substabelecimento do contrato de correspondente em um único nível desde que o contrato inicial preveja essa possibilidade e as condições para sua efetivação entre as quais a anuência da instituição contratante 478 Banco Central do Brasil Resolução nº 3954 de 24 de Fevereiro de 2011 Art 8º O contrato de correspondente pode ter por objeto as seguintes atividades de atendimento visando ao fornecimento de produtos e serviços de responsabilidade da instituição contratante a seus clientes e usuários I recepção e encaminhamento de propostas de abertura de contas de depósitos à vista a prazo e de poupança mantidas pela instituição contratante II realização de recebimentos pagamentos e transferências eletrônicas visando à movimentação de contas de depósitos de titularidade de clientes mantidas pela instituição contratante III recebimentos e pagamentos de qualquer natureza e outras atividades decorrentes da execução de contratos e convênios de prestação de serviços mantidos pela instituição contratante com terceiros IV execução ativa e passiva de ordens de pagamento cursadas por intermédio da instituição contratante por solicitação de clientes e usuários V recepção e encaminhamento de propostas referentes a operações de crédito e de arrendamento mercantil de concessão da instituição contratante V recepção e encaminhamento de propostas de operações de crédito e de arrendamento mercantil concedidas pela instituição contratante bem como outros serviços prestados para o acompanhamento da operação VI recebimentos e pagamentos relacionados a letras de câmbio de aceite da instituição contratante VII execução de serviços de cobrança extrajudicial relativa a créditos de titularidade da instituição contratante ou de seus clientes VIII recepção e encaminhamento de propostas de fornecimento de cartões de crédito de responsabilidade da instituição contratante e IX realização de operações de câmbio de responsabilidade da instituição contratante observado o disposto no art 9º 479 Banco Central do Brasil Resolução nº 3954 de 24 de Fevereiro de 2011 Art 4ºA A instituição contratante deve adotar política de remuneração dos contratados compatível com a política de gestão de riscos de modo a não incentivar comportamentos que elevem a exposição ao risco acima dos níveis considerados prudentes nas estratégias de curto médio e longo prazos adotadas pela instituição tendo em conta inclusive a viabilidade econômica no caso das operações de crédito e de arrendamento mercantil cujas propostas sejam encaminhadas pelos correspondente 152 152 para tal empresa pública e distinguiu o monopólio no caso do serviço postal da concorrência com atividade de banco fiscal480 Assim considerou a existência de uma submissão ao regime de direito público para a atividade serviço postal com a incidência da imunidade tributária e um regime de direito privado para a exploração como banco fiscal ao qual não ocorreria a não incidência constitucionalmente qualificada 481 Embora resolva em parte a questão devese admitir que existem zonas fronteiriças que demandarão uma análise no caso concreto de forma a aferir não o objeto em si já que não é o elemento central da teoria do domínio público ou de seu regime mas a função social de forma a verificar a medida que a atividade esteja se adequando ou concretizando a mesma Isto porque é válida a ressalva que a atividade de banco postal pode assumir não apenas uma feição privada que deve ser adequada a uma função social mas diante das circunstâncias ser dotada de uma qualificação pública a medida que serve para realizar uma necessidade coletiva O banco postal pode ser assumir uma finalidade social na medida em que esteja instalado em determinado local onde não haja instituições financeiras em funcionamento por ausência de interesse econômico o que assumirá uma relevância para o grupo social ao garantir a circulação de recursos financeiros na localidade482 Nesse caso parece que incidirá a imunidade tributária não em razão de seu titular enquanto pessoa administrativa mas porque se liga à realização de uma função social de tal forma que não será uma mera exploração econômica em regime de concorrência mas um serviço público em uma situação de não concorrência Tais situações demonstram a impossibilidade de afirmar fronteiras rígidas entre o público e o privado e qualquer tentativa de delimitação estrita de um regime jurídico especial para os bens públicos identificados como uma disciplina de natureza pública plenamente apartada de uma regulação privada 480 BRASIL Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinário nº 601392 Rel Min Gilmar Mendes J 2822013 p 5 481 Idem Ibidem 482 NUNES Cleucio Santos A imunidade tributária dos correios sobre serviços postais não exclusivos Revista de Estudo de Direito Postal dos Correios v 1 2014 p 38 153 153 As distintas graduações assumidas pelas coisas no que tange a função pública variam desde uma adequação até uma plena realização e importarão em uma variedade de graus que assumirá o regime jurídico de direito público e de direito privado na formação de uma disciplina própria para os bens públicos e para os próprios bens privados É possível atestar que nenhuma coisa privada estará não sujeita ao regime jurídico de direito público na medida em que se submete a autonomia de vontade desde a uma menor ingerência através das restrições às normas de ordem pública como as limitações administrativas até uma redução mais ampla do seu espaço tal qual o tombamento Em igual medida as coisas públicas estão sujeitas a distintas graduações de suas submissões ao regime jurídico de direito público na medida de sua função social estando algumas sujeitas às restrições mais rígidas como a indisposição dos mares e rios ou mais flexíveis como a inalienabilidade dos prédios públicos superada pela desafetação O reconhecimento que o fundamento a teoria do domínio público e os efeitos o regime jurídico especial dos bens públicos volvemse a um critério de funcionalização à luz de sua graduação produz igualmente transformação no que se refere à sua titularidade em específico o papel desempenhado pelo Estado Não podendo se sustentar uma teoria do domínio público à luz de uma identificação com a titularidade estatal ou da incidência exclusiva do seu regime jurídico de direito público cabe discutir qual será o papel desenvolvido pelo Estado no que tange aos bens públicos diante da função social como elemento configurador Não havendo uma exclusividade do ente estatal no que tange a satisfação dos interesses da coletividade e na titularidade dos bens públicos cabe determinar qual será o seu papel na garantia ou promoção da função social que será perseguida por outros atores sociais no que se refere a gestão das coisas públicas Neste sentido tornase necessário delimitar de forma adequada a noção de titularidade sobre a coisa pública já que sob o influxo da concepção civil tradicional é confundida com uma perspectiva patrimonialista e portanto uma afirmação de propriedade sobre o bem público que não aparece se amoldar a tais questões O tema será tratado a seguir 154 154 CAPÍTULO 3 A TITULARIDADE DOS BENS PÚBLICOS 31 Da atribuição da personalidade ao ente estatal e da apropriação da noção privatista da coisa pública a construção do EstadoProprietário aquém da função social Conforme demonstrado não existe na ciência jurídica uma concepção definitiva de qual seja a qualificação dogmática do domínio público mas ao revés há inúmeras teorias que tentam justificar a delimitação de um acervo com a formação de uma disciplina própria para tais bens públicos Podese observar porém uma noção ampla aceita de que a titularidade estatal de forma isolada ou associada direta ou indiretamente a outros elementos corresponde à fundamentação teóricocientífica para a construção do instituto dos bens públicos e jurídico positiva que os dotam de um regime especial Demonstrase insuficiente sustentar um domínio público e um regime jurídico especial na figura do Estado diante da ampliação de outros atores sociais responsáveis para gestão dos bens públicos agravese a questão o modo generalizado que se compreende a relação do ente público com as referidas coisas Podese verificar que há certa preponderância na matriz romanogermânica de uma concepção patrimonialista de origem francesa que vincula a teoria dos bens públicos à figura do Estado em uma titularidade ou senhorio especial que seria o elemento de formação de um regime jurídico próprio483Isso parece estar ligado eminentemente a construção normativa do Estado como uma pessoa jurídica que dotada de uma personalidade e portanto a capacidade de adquirir direitos e obrigações estaria sujeito igualmente a atribuição de bens e a formação de um patrimônio Decorre de uma inadequada compreensão de que a noção de bens seja intimamente correlata à noção de propriedade por um sujeito quando tal concepção corresponde a uma dada concepção de coisificação típica do direito civil que liga as coisas à personalidade e portanto a noção de pessoa ou de titular484 483 BLANCO Alejandro Vergara Teoria del dominio publico y afetacion mineira Revista Chilena de Derecho v 17 1990 p 135 484 Alejandro Vergara Teoria del dominio publico Op cit p 139 155 155 No direito privado é generalizada a compreensão do patrimônio enquanto o conjunto ou universalidade de bens de que é dotada uma determinada pessoa extraindose portanto a noção de que o patrimônio se deduz diretamente da personalidade jurídica como a variedade de objetos sob o qual determinado sujeito exerce seus direitos e deveres485 Sob tal entendimento haveria portanto uma relação íntima entre pessoa e patrimônio de forma que é comum a referência de que inexista uma pessoa que não seja dotada de um patrimônio já que este não se confunde com riqueza tal qual não há um patrimônio que possa ser concebido de forma separada ou autônoma em relação a uma pessoa486 Neste viés o patrimônio assume uma feição de economicidade representando aquele acervo ao qual é possível atribuir um valor pecuniário positivo ou negativo decorrente da própria atuação do sujeito que através da manifestação de sua personalidade jurídica no exercício de sua autonomia de vontade adquire e despojase de bens e forma seu acervo487 Sob tal viés o Estado corresponde a um ente moral ao qual foi construída por ficção jurídica uma técnica capaz de atribuirlhe através da lei uma personalidade jurídica488 e portanto a possibilidade de atuar como titular de direitos e deveres nas relações jurídicas formadas com outras pessoas físicas ou jurídicas489 Isso porém não significa que possa se atribuir um tratamento jurídico ao Estado igual aos das demais pessoas jurídicas constituídas que são estabelecidas por sua própria ordenação legal seria ignorar não apenas o fundamento de sua instituição mas a finalidade que pretendese alcançar com tal constituição Não obstante isto não parecer ser um problema para a literatura tradicional já que a par da sua personalidade política e pública detentora de prerrogativas da soberania e competências criase uma personalidade jurídicoprivada com a formação de um Estado patrimonial um sujeito com patrimônio ou Estadopessoa490 485 AUBRY C RAU C Cours de droit civil français 5 ed tomo 1 Paris Librairie Générale de Jurisprudence 1897 p 229231 486 PLANIOL Marcel Traité élémentaire de droit civil 11 ed Paris Librairie Générale de Jurisprudence 1928 p 697 487 Marcel Op cit p 698699 488 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 41 São pessoas jurídicas de direito público interno I a União II os Estados o Distrito Federal e os Territórios III os Municípios IV as autarquias IV as autarquias inclusive as associações públicas V as demais entidades de caráter público criadas por lei Parágrafo único Salvo disposição em contrário as pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado regemse no que couber quanto ao seu funcionamento pelas normas deste Código Art 42 São pessoas jurídicas de direito público externo os Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público 489 DUCROCQ M TH Cours de Droit Administratif Paris Auguste Durand LibraireÉditeur 1863 p 12 490 BERTHÉLEMY H Op cit p 4446 156 156 Por efeito a figura estatal acabase por mover através de categorias teóricas públicas e privadas em alguns momentos sendo o ente público que atua através de poderes e prerrogativas sob a propriedade privada e em outros como um sujeito privado que exerce uma propriedade pública A problemática surge diante de tais coisas que uma vez ligadas à realização de uma utilidade coletiva não parecem se adequar à uma noção privatista capaz de ligalo à uma personalidade jurídica do seu titular como a formação de um patrimônio com um respectivo caráter de economicidade Isto fica evidente em determinados bens naturais como os mares e o ar que por sua própria natureza torna impossível uma delimitação no acervo de um ou outro Estado mas igualmente é possível perceber nos próprios bens artificiais praças e ruas que uma vez servindo à coletividade não parecem que o papel adequado para o Estado seja de proprietário Por esta razão a literatura jurídica aponta que uma boa parte da celeuma envolvendo os bens públicos inclusive a sua distinção de um domínio privado e a inalienabilidade das coisas publicas decorre da tentativa de manter conceitos tradicionais e oriundos do direito comum como as noções de direito subjetivo propriedade e dominus491 Na família romanogermânica tanto na matriz que se apoia em uma dualidade do regime das coisas como a literatura alemã quanto naquela que adota uma noção de unicidade tal qual oriunda do direito francês que acabava por regular as coisas públicas e privadas na lei civil há uma nítida apropriação de categorias do direito privado Como visto não se pretende fixar fronteiras entre o público e o privado mas deve se reconhecer que se há uma pretensão de construção de uma teoria própria e de um regime especial para os bens públicos a assimilação de suas estruturais fundamentais não se amoldam à especificidade que pretende se firmar Isto inclusive pela literatura alemã que embora sustente uma dualidade com a compreensão que existe uma categoria própria de coisas materiais dotadas de uma destinação especial sua colocação a serviço da comunidade colocam sua dependência especial da puissance publique do Estado que identificam como propriedade pública492 Embora considerem que tais coisas são distintas daquelas sujeitas ao regime jurídico de direito privado continuam compreendendo uma concepção de propriedade mesmo que 491 DUGUIT Léon Traité de Droit Constitutionnel 2 ed Tome 3 La Théorie Générale de LÉtat Paris Ancienne Librairie Fontemoing Gie Éditeurs 1923 p 317 492 MAYER Otto Le droit administratif allemand Tome 3 Paris V Giard E Briére LibrairesÉditeurs 1905 p 87 157 157 dotandoa de uma característica especial ou regime próprio que é adequada à pessoa jurídica de direito público493 Ligam tal noção ao próprio desenvolvimento moderno do Estado como pessoa permite que as coisas comuns que não se adéquam a uma noção de uma propriedade coletiva partilhada por cada cidadão possam estar sob a titularidade do ente moral que exercerá seus poderes na busca da realização das finalidades enquanto coisas públicas494 Em outro vértice generalizase na matriz romanogermânica a teoria dualista advinda da literatura administrativa francesa que identifica o domínio público com uma forma de propriedade inalienável e imprescritível embora com coisas afetadas a um destino ou finalidade pública495 Para a maioria dos autores seria a puissance publique capaz de afetar determinadas coisas à função pública e por efeito atribuíla uma personalidade um Estadopatrimonial496 de forma que o Estado seria marcado por esta dualidade de ao mesmo tempo ser um poder público e um agente patrimonial497Inegável que essa formação de uma personalidade patrimonial do Estado gera algumas idiocrasias como o próprio Estado que atribui a si personalidade jurídica também se designa titular de um direito subjetivo que é construído justamente como um espaço de proteção do indivíduo em face do ente público498 Há certa incongruência ao se sustentar a aplicação de uma categoria jurídicoprivada um patrimônio público como decorrente da personalidade jurídica do Estado fundada e através de prerrogativas que decorrem de uma categoria políticopública puissance ou potestade publica de sua noção enquanto ente soberano 499 Disso surgiram críticas acerca da insustentabilidade de uma personalidade dualística política e patrimonial na delimitação jurídica do Estado já que qualquer pessoa no Direito ainda que se manifeste de formas variadas conserva uma única natureza atribuída pelo ordenamento jurídico tal qual deve ocorrer com o Estado500 Em certa medida tais óbices foram incorporadas até pelos seus adeptos que passaram a sustentar uma unidade de personalidade em razão da dificuldade que se produzia no 493 Otto Le droit administratif allemand Op cit p 88 494 Otto Le droit administratif allemand Op cit p 88 e 92 495 VELASCO Recaredo Fernández Natureza juridical del domínio publico según Hauriou Aplicación de su doctrina a la legislación española Revista de Derecho Privado VIII 1921 p 230236 496 BERTHÉLEMY H Op cit p 4446 497 DUGUIT Léon Traité de Droit Op cit p 234 498 Léon Traité de Droit Op cit p 300 499 Léon Traité de Droit Op cit p 300 500 JELLINEK Georg Teoria general do Estado Op cit p 185188 158 158 momento de delimitar um fundamento jurídico para a obrigatoriedade dos contratos estatais ou para a responsabilidade estatal enquanto manifestação de atos de poder público501 Todavia insiste uma dupla face na possibilidade do Estado atuar como um sujeito eminentemente público porém igualmente privado de forma que exerce potestades sobre as coisas privadas e públicas como uma manifestação de soberania e de propriedade respectivamente Se a proposta fosse romper os limites do regime público e privado na regulação das coisas públicas seria sustentável porém tais adeptos ainda insistem a necessidade de uma formação de uma pessoa jurídicaadministrativa nestes moldes em razão da proteção de dados interesses como o exercício das prerrogativas e as pretensões à uma propriedade pública502 Reiteram embora decorrente de uma puissance publique que a personalidade administrativa do Estado se sujeita a um duplo efeito importando não apenas a atuação em uma via publica mas também privada com a única diferença que neste campo ao contrario dos sujeitos individuais ela se moveria por interesses públicos503 Por efeito acabase incorporando uma natureza dualística em uma concepção unitária de um ente estatal que tal como um sujeito público é ente soberano e exerce sua potestade sobre as coisas e como um sujeito privado é proprietário e executa as consequentes posições sobre os referidos bens Há uma evidente apropriação não apenas do conceito de propriedade do direito civil mas igualmente da sua ligação com a noção de personalidade que se coaliza eminentemente a uma construção liberal da disciplina que se quer se adéqua a reconstrução da disciplina à luz da Constituição em um movimento crescente de repersonalização e despatrimonialização504 Não parece que o reconhecimento da personalidade jurídica dos entes públicos505 como pessoas jurídicas de direito público506 signifique a formação de um patrimônio mas ao revés diante da sua finalidade que é a persecução de interesses públicos que exerce uma titularidade de coisas na medida que sirvam para tais fins 501 HAURIOU Maurice Precis Op cit p 340 502 Maurice Precis Op cit p 208 503 Maurice Precis de Droit Administratif Op cit p 209 504 ARONNE Ricardo Os direitos reais na constitucionalização do direito civil Direito Justiça Porto Alegre v 39 n 2 p 175196 juldez 2013 p 178 e ss 505 BRASIL Constituição da epública Federativa do Brasil Art 18 A organização políticoadministrativa da República Federativa do Brasil compreende a União os Estados o Distrito Federal e os Municípios todos autônomos nos termos desta Constituição 506 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 41 São pessoas jurídicas de direito público interno I a União II os Estados o Distrito Federal e os Territórios III os Municípios IV as autarquias IV as autarquias inclusive as associações públicas V as demais entidades de caráter público criadas por lei 159 159 No que tange aos bens públicos não há como no direito privado uma identificação entre personalidade e patrimônio de forma que já tendo sua afetação a uma finalidade coletiva prescinde sequer que haja a sua atribuição enquanto titularidade ou dominus para que seja preservado o seu destino507 Para alguns haveria um precedente no Direito Romano que ao se ligar a noção de res publicae como uma concepção de propriedade coletiva permitiria diante do Estado Moderno que se considerasse portanto os bens públicos como uma propriedade da sociedade representada pela figura estatal508 Porém parece tratarse de uma interpretação forçada já que o populus não tinha propriedade mas ao cidadão romano havia apenas o direito de usar coisas que estavam fora do comércio509 e portanto eram inapropriáveis por qualquer indivíduo e também não era de propriedade do estado romano No principado romano havia a própria distinção entre a res publicae cuja titularidade era do povo e não poder incidir o fim do lucro sobre tais coisas já que res publico usui destinatae daquelas res fiscales que estavam sob o domínio do príncipe e podiam ter tal finalidade conforme res in pecunia populi 510 A própria noção de domínio público foi construída a partir de uma interpretação da noção romana sob as res extracommercium de forma que o Estado não era o proprietário de tais bens inapropriáveis mas apenas exercia mediante suas potestades o controle e vigilância tendo apenas o título de dominus sob os outros bens privados estatais511 Foi sob a influência da escola da puissance publique a concepção moderna acaba por se identificar a noção de domínio público com o acervo patrimonial do Estado sendo os requisitos de inalienabilidade e imprescritibilidade decorrente da afetação atribuída por este ente moral à utilidade pública512 Tanto que alguns sustentam que no Estado de Direito substituise a propriedade do príncipe sobre os bens públicos para a propriedade da pessoa moral do Estado sobre tais coisas públicas de forma a sepultar a compreensão de que tais coisas possam permanecer sem titularidade513 507 DUGUIT Leon Traité de Droit Op cit p 310 508 MAYER Otto Le droit administratif allemand Op cit p 100 509 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico en Revista de Administración Pública Espanha Centro de Estudios Políticos y Constitucionales n 25 1958 p 15 510 Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 15 511 DUFAU Jean Le Domaine Public Op cit p 1525 512 HAURIOU Maurice Precis de Droit Administratif Op cit p 609 513 MAYER Otto Le droit administratif allemand Op cit p 92 160 160 Para tais adeptos a lei competiria positiva e regular as coisas públicas retirando qualquer ambiguidade quanto aos fins que se destinam e declarandoas como de propriedade geral do Estado que passa a se identificar com os bens públicos o domínio público e a propriedade do Estado propriamente dita 514 Poderseia firmar que sendo o Estado o ente moral representativo da coletividade não haveria celeumas em admitir a sua propriedade sob as coisas públicas já que o mesmo além de exercer o monopólio do poder de forma soberana está destinado a satisfação dos interesses do grupo social A questão é que sob tal vértice o domínio público não seria o conjunto de bens da nação propriamente dito ou do público mas o acervo patrimonial distribuído às diversas pessoas administrativas para o exercício da função administrativa podem ser afetados ao uso direto da coletividade ou a prestação dos serviços públicos515 Alegase que inexistam bens de propriedade da nação coletividade ou povo que seriam conceitos de natureza política ou sociológica516 embora a figura estatal igualmente possa ser apreendida por estes ramos da ciência e igualmente ter uma conotação jurídica que inclusive a Constituição Federal cede ao povo enquanto titular do poder políticojurídico517 Outros chegam a sustentar que o pertencimento anterior dos bens públicos ao longo da evolução histórica para as comunidades rurais o povo e o soberano decorreriam antes da inexistência de um ente moral dotado de personalidade jurídica para titularizar as relações jurídicas decorrentes do que de fato uma titularidade difusa sobre essas518 Ignorase a existência não apenas de instituições políticoadministrativas que centralizavam igualmente a figura do poder mas do reconhecimento que determinadas coisas estavam sob a titularidade do ente estatal como àquelas res fiscales em contraposição a res publicae no direito romano Parece que a não configuração dos bens públicos como propriedade do ente estatal ou da coletividade decorria antes da assimilação de um critério funcional que os reconhecia pelo papel desempenhado e a sua utilização conforme os fins almejados do que a titularidade que parece se identificar com o Estado Moderno e a afirmação do ente moral Tais concepções restringem as coisas públicas em uma identificação com o Estado que acaba por se afastar do critério funcional como o elemento central que a designa e da 514 MAYER Otto Le droit administratif allemand Op cit p 93 515 HAURIOU Maurice Precis de Droit Administratif Op cit p 610 516 MORENO Fernando Sainz El domínio publico Op cit p 488 517 BRASIL Constituição da epública Federativa de 1988 Art 1º Parágrafo único Todo o poder emana do povo que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente nos termos desta Constituição 161 161 compreensão que estarão envolvidos outros atores sociais na prossecução dos interesses da coletividade e portanto a gestão das referidas coisas Não significa que tais autores não dotem o patrimônio público de uma finalidade pública porém que esta decorre da medida em que são fixados como propriedade das pessoas de direito público e por efeito isto as dotarão de um caractere jurídico especial que é a sua destinação a uma utilidade pública519 Tal compreensão ignora àquelas coisas que exercem uma finalidade para coletividade independente da titularidade ou atribuição ao ente estatal como alguns bens públicos naturais e a tendência de maior participação dos atores sociais na busca da realização dos interesses públicos dotando de função social as referidas coisas Alguns adeptos alegarão que o fato das coisas públicas serem dotadas de indisponibilidade não impediria considerar que o Estado fosse proprietário do domínio público pois a sua extracomercialidade retiraria tais bens apenas da aquisição privada mas não impediria as pessoas administrativas de afetálas à finalidades públicas520 Corresponderia portanto antes como atributos excepcionais concedidos para excluir a aplicação do regime de direito civil521 e a apropriação por sujeitos privados com a sua exclusão da titularidade pública do que decorrente de qualquer função social que exercem tais coisas Para tais autores a própria inalienabilidade dos bens públicos não decorre de sua natureza mas antes representa uma indisponibilidade administrativa decorrente de uma incapacidade pessoal já que a Administração Pública enquanto proprietária de bens públicos afetos a interesse público não pode deles dispor522 Assim o Estado não seria mero titular dos bens públicos mas um verdadeiro proprietário cujo acervo seria formado tanto pelas coisas tidas como indisponíveis quanto também pelos demais bens que são considerados disponíveis ao qual caberia a propriedade privada523 Tal título de propriedade estatal seria formal e baseado não em um negócio jurídico mas encontraria fundamento na soberania do ente público como uma forma de potestade ou título de intervenção que permitiria exercer sob as referidas coisas as faculdades oriundas de um proprietário524 518 LANZIANO Washington Estudio Op cit p 87 519 MAYER Otto Le droit administratif allemand Op cit p 93 520 HAURIOU Maurice Precis de Droit Administratif Op cit p 611 521 MAYER Otto Le droit administratif allemand Op cit p 93 522 HAURIOU Maurice Precis de Droit Administratif Op cit p 620 523 CRUZ Alcides Op cit p 203 524 VANESTRALEN Hernando Bienes de titularidad pública Op cit p 215 162 162 Há uma clara assimilação de uma perspectiva subjetiva e patrimonialista do domínio público que não se adéqua a realidade subjacente pois como já visto a indisponibilidade de alguns bens naturais decorre da sua inapropriedade material por qualquer sujeito até o estatal bem como que o critério funcional que justifica a atribuição deste e outros caracteres Caso distinto fosse o entendimento uma vez que determinados bens não estivessem sob a propriedade estatal não poderiam se sujeitar a tais atributos o que não ocorre seja com os bens públicos através da despublicização ou com os bens privados como no caso de tombamento ou desapropriação indireta ao qual a função social impõe a restrição Tal difusão é tão ampla que na literatura jurídica nacional ainda confundese a noção de bens públicos com a de propriedade do Estado designando aqueles usualmente como as coisas que pertencem as pessoas jurídicas de direito público e portanto estão sujeitos à um regime jurídico próprio e exorbitante do direito comum525 Assim é comum uma tentativa de identificação entre os conceitos de domínio titularidade e regime jurídico em uma síntese que o domínio público é o acervo formado pelas propriedades atribuídas a um sujeito de direito com personalidade jurídica de direito público e sob um regime jurídico de direito público526 Porém como visto é possível reunir tais conceitos com epicentro na figura do Estado já que existe um domínio público não estatal exercido por variados titulares públicos e privados e sujeitos a um regime especial graduado que envolverá a aplicação de regras do direito comum ou da disciplina pública Generalizada a compreensão de um Estadoproprietário se sustenta que o ente público não exerce apenas uma titularidade sobre as coisas públicas mas possui o dominus sobre estas inclusive com suas atribuições de defesa e resguardo527 formando as mesmas o patrimônio estatal tal qual com os sujeitos privados Não faltam na legislação pátria atual exemplos da assimilação de tal construção ao prever não apenas a formação de um acervo patrimonial para cada ente público inclusive com regras de incorporação de coisas ao patrimônio público que sequer exercem ou irão realizar uma função social 525 CRETELLA JUNIOR José Dicionário Op cit p 106 526 MORENO Fernando Sainz El domínio publico Op cit p 488c 527 Assim dispôs o Decreto Federal que vedava o resgate dos aforamentos de terrenos pertencentes no dominio da União e da outras providencias Considerando que ao Govêrno cumpre velar pela integridade do Patrimônio da União defendendo e resguardando o domínio dos respectivos bens Considerando ainda que embora no direito patrio os bens públicos mesmo dominicais já sejam insuscetiveis de usocapião a circuntancias de se terem manifestado em contrário algumas opiniões torna conveniente que o legislador volte a reafirmar esse princípio que é de ordem pública BRASIL Decreto Federal nº 2278c5 de 31 de Maio de 1993 163 163 Além da partilha constitucional já estudada que atribuiu como propriedade os bens da União e Estados528 inclusive coisas materialmente inapropriáveis529 a lei civil reforça o caráter patrimonial ao determinar a aquisição no acervo do município dos bens da herança jacente530 e sem titular531 independente de exercerem ou poderem exercer uma função social Em igual sentido determina o direito comum brasileiro à apropriação pelo Estado dos bens privados abandonados de forma real ou presumida como o não cumprimento das obrigações fiscais532 e das coisas alheias perdidas ao qual cabe ao município os valores de sua venda em hasta publica ou abandono para o descobridor533 A literatura jurídica reforça tal caráter patrimonialista ao sustentar que a par dos bens atribuídos pela partilha constitucional de bens e competências534 e as próprias formas de aquisição determinada pela Constituição Federal535 seria admitida as outras formas de aquisição de propriedade da lei comum536 dação em pagamento compra venda e outras537 Embora se reconheça a titularidade sobre as referidas coisas não buscase atribuir nenhuma função social aos referidos bens de forma que admitese a formação de um acervo patrimonial estatal com coisas que não exerçam nenhuma ligação com as necessidades coletivas e nem venham necessariamente a assumir 528 BRASIL Constituição da epública Federativa de 1988 Art 20 São Bcens da União Art 26 Incluemse entre os bens do Estado 529 Constituição da epública Federativa de 1988 Art 20 III os lagos rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio ou que banhem mais de um Estado sirvam de limites com outros países ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham bem como os terrenos marginais e as praias fluviais VI o mar territorial 530 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1822 cA declaração de vacância da herança não prejudicará os herdeiros que legalmente se habilitarem mas decorridos cinco anos da abertura da sucessão os bens arrecadados passarão ao domínio do Município ou do Distrito Federal se localizados nas respectivas circunscrições incorporandose ao domínio da União quando situados em território federal 531 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1844 Não sobrevivendo cônjuge ou companheiro nem parente algum sucessível ou tendo eles renunciado a herança esta se devolve ao Município ou ao Distrito Federal se localizada nas respectivas circunscrições ou à União quando situada em território federal 532 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1276 O imóvel urbano que o proprietário abandonar com a intenção de não mais o conservar em seu patrimônio e que se não encontrar na posse de outrem poderá ser arrecadado como bem vago e passar três anos depois à propriedade do Município ou à do Distrito Federal se se achar nas respectivas circunscrições 533 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1237 Decorridos sessenta dias da divulgação da notícia pela imprensa ou do edital não se apresentando quem comprove a propriedade sobre a coisa será esta vendida em hasta pública e deduzidas do preço as despesas mais a recompensa do descobridor pertencerá o remanescente ao Município em cuja circunscrição se deparou o objeto perdido 534 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 20 a 24 Art 26 30 e Art 32 1º 535 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 5 XXIV e XXV Art 182 III Art 184 Art 216 1º e Art 243 536 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Artigo 356 481 538 e 1238 a 1259 537 MARINELA Fernanda Op cit 756757 164 164 Tal noção de um Estadoproprietário também se confirma na medida em que o Estado possa ser proprietário de coisas que não guardem uma função social imediata os tidos bens dominiaeis que irão compor um domínio próprio e se subordinar a um regime jurídico diferenciado dos bens particulares538 Tal compreensão foi aderida pelo Código Civil tanto de 1916 quanto de 2002 que apontava que os bens dominicais são aqueles que constituem o patrimônio dos entes federados como objeto de direito pessoal ou real dos respectivos sujeitos539 e dessa forma independente de qualquer afetação ou finalidade pública Tal noção assimilada de EstadoProprietário não corresponde a uma apropriação da categoria privada de forma plena mas antes se liga à uma noção de puissance publique que gera uma idiocracia de conceder ao ente público as benesses do tratamento de proprietário mas sem sujeitalo previamente ao cumprimento dos respectivos deveres Considere por exemplo que enquanto o não emprego do direito de propriedade com abandono da coisa pelo proprietário privado seja causa de extinção de propriedade540 no caso do suposto proprietário público o não exercício da utilidade pública colocam as suas coisas apenas como bens dominais que estão sujeitas mas não serão necessariamente alienadas541 Diante de tais críticas surgem propostas alguns sustentam o domínio público como uma propriedade mas de direito público que em razão da especificidade de suas natureza e finalidade impõem o surgimento de institutos próprios como os contratos administrativos ou a servidão administrativa542 Seria ignorar que a expressão dominius no direito administrativo nunca se identificou com uma noção de proprietas mas se vinculava à noção de potestas eminens do príncipe543 razão pelo qual no Estado de Direito parece se adequar melhor a concepção de função já que se transmuta à noção de poder para deveres partilhados em competências Ademais se for admitida que seja a especialidade da ação administrativa que justifique uma formação de uma disciplina jurídiconormativa própria e de uma teoria específica há de se sustentar que a sua matriz ou fundamento não será a titularidade estatal mas a função pública e portanto da afetação sobre a propriedade na delimitação dos bens públicos 538 CRUZ Alcides Op cit p 203 539 BRASIL Lei Federal nº 3071 de 1º de Janeiro de 1916 Art 66 inciso III 540 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1275 inciso III e 1276 541 CRUZ Alcides Op cit p 209 542 MAYER Otto Le droit administratif allemand Op cit p 101 543 BLANCO Alejandro Vergara Teoria del dominio publico Op cit p 150 165 165 Outros propõem soluções privatistas como considerar que o Estado sob determinados bens públicos não possui a propriedade mas a função de depositário das coisas do domínio público em razão do interesse social de forma a garantir a sua apropriação por sujeito público ou privado544 Embora reconheça a inapropriedade de determinadas coisas como o ar e o mar sob o qual o Estado não poderá agir como proprietário não parece adequado o instrumento jurídico já que pressupõe uma manifestação volitiva além de se inserir no âmbito do negócio jurídico privado transitório545 Porém é inegável que sendo o domínio público a reunião do conjunto de bens corporais e incorporais móveis e imóveis afetados a diversos títulos a universalidade da nação que há certas coisas em razão de sua natureza como os rios e os mares que não podem ser sujeita à uma propriedade pelo Estado mas a sua guarda e conservação546 Ademais não é possível considerar uma relação de propriedade já que as características propostas para os bens públicos inalienabilidade imprescritibilidade e impenhorabilidade são incompatíveis com as faculdades regulares desse direito para os seus titulares 547 Talvez por esta razão parte da literatura jurídica não sustenta uma relação de propriedade do Estado com a coisa mas uma noção de suporte jurídico de potestades que concederia o título jurídico de intervenção que permitiria a Administração Pública disciplinar as condutas em relação as coisas qualificadas como pública548 Assim para alguns haveria a formação de uma escala ou gradação de títulos sobre os bens do domínio público de forma que sob determinadas coisas o Estado exercerá uma potestade ou prerrogativa outros possuirá uma propriedade privada e por fim terá um dever de vigilância ou controle549 Por efeito seria necessário observar cada bem público para determinar se o ente público exerce sobre ele uma verdadeira propriedade com as suas implicações privadas ou se exerce uma potestade ou prerrogativa com todos os efeitos do seu império enquanto elemento do próprio Estado550 544 DUCROCQ M Cours de Droti Administratif 6 ed Tomo 2 Paris Ernest Thorin Éditeur 1881 p 106 107 545 B ASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 627 Pelo contrato de depósito recebe o depositário um objeto móvel para guardar até que o depositante o reclame 546 DUCROCQ M Cours Op cit p 107 547 MARÍN Carmen Chinchilla Bienes patrimoniales del Estado Madrid Marcial Pons 2001 p 98 548 GAMTB B Parejo OLIVEK J M Bodríguez Lecciones de dominio público Madrid Editora ICAI 1976 p 78 549 MARÍN Carmen Chinchilla Bienes Op cit p 103 550 VANESTRALEN Hernando Bienes de titularidad pública Op cit p 215 166 166 Em que pese a proposta distinguir dentro de uma noção estática de domínio público uma pluralidade de bens e portanto de distintas relações jurídicas do Estado parece sustentar as prerrogativas ou poderes como título causal gerando uma confusão com a noção de domínio imanente e a justificativa de intervenção na propriedade privada Ademais não parece claro que o Estado possa exercer sobre determinados bens um regime patrimonial como se sujeito privado fosse pois a própria diversidade de seus regimes e princípios diretivos o interesse público na disciplina pública e a autonomia de vontade na regulação privada impõem diretivas distintas ao uso e fruição das referidas coisas Porém avançase ao permitir a substituição da noção de propriedade para uma visão de função já que os seus titulares admitem uma concepção de domínio público que funciona como justificação para que o ordenamento jurídico atribua determinas faculdades às pessoas públicas para ordenar tais coisas ao interesse público 551 Aproximase portanto da compreensão dada por alguns que os bens que compõem o domínio público não cumprem funções típicas de propriedade e o que determina sua verdadeira natureza jurídica é um título causal de intervenção fundamentada em uma potestadefunção552 Não parece tratarse de uma potestadefunção pois ainda se liga a noção de titularidade na figura estatal e suas prerrogativas e poderes bem como em uma aparente discricionariedade quando parece que se situa como um dever de cumprimento da função social que pode ser exercida por outros atores sociais Nesse viés parece que ao rechaçar a tese patrimonialista de um título de propriedade privada do Estado sobre as coisas pública acabase por fundamentar em uma teoria funcionalista de que o domínio público se relaciona ou se vincula com as funções da Administração Pública553 Tal entendimento exerce um papel capital em especial diante da realidade social subjacente já que se sustenta uma teoria patrimonialista dos bens públicos com a figura do Estado como proprietário com seus poderes diante de instituições políticosadministrativas brasileiras marcadas pelo patrimonialismo nepotismo e autoritarismo Em uma cultura administrativa onde se observa uma apropriação da coisa pública por agentes privados para satisfação de interesses próprios exerce um papel essencial a busca pela 551 GAMTB B Parejo OLIVEK J M Bodríguez Lecciones de dominio público Madrid Editora ICAI 1976 p 78 552 MORENO Fernando Sainz El domínio publico una reflexion sobre su concepto y naturaleza Revista de Administración Pública Espanha Centro de Estudios Políticos y Constitucionales n 150 Septiembrediciembre 1999 p 481 167 167 configuração de uma titularidade estatal que permita preservar a função social assumida pelas referidas coisas O tema será tratado a seguir 553 BLANCO Alejandro Vergara Teoria del dominio publico Op cit p 150 32 Uma aproximação necessária da patrimonialização dos bens públicos ao patrimonialismo nas instituições políticoadministrativas brasileiras Como visto há certa preponderância de um caráter patrimonialista no que tange a titularidade dos bens públicos de forma que para a literatura dominante o Estado seria formado de um acervo patrimonial e exercia em relação às coisas uma posição próxima ao de proprietário ainda que considerada as posições jurídicas singulares que lhe forem atribuídas Tal questão assume relevo não apenas no que tange à sua origem em uma matriz francesa em uma quadra histórica de necessária afirmação da soberania estatal inclusive sobre os bens da nação mas igualmente no que tange a sua assimilação pelo direito brasileiro em razão da especificidade de suas instituições políticosadministrativas Desse modo tratar sobre os eventuais limites de se sustentar uma titularidade sobre os bens públicos a partir de um caráter eminentemente privatista e dotado de uma natureza de economicidade sem considerar tal questão importaria em ignorar os próprios limites conformativos do Direito no que se refere a realidade social subjacente Em que pese as próprias incongruências apontadas na tentativa de construção de uma teoria específica para as coisas públicas com a formação de um regime jurídico próprio excludente da disciplina comum mas com a apropriação de categorias fundamentais do direito privado assume especial relevo na realidade brasileira Há portanto uma insuficiência científicojurídico de se sustentar um critério de titularidade para uma dogmática própria dos bens públicos bem como uma dificuldade positivonormativo de se sustentar um regime jurídico especial utilizando tal elemento uma inevitável dificuldade social subjacente Devese verificar em que medida a sustentação teórica de uma perspectiva patrimonial para os bens públicos encontra em estruturas político administrativas marcadas por elementos perniciosos oriundos de sua formação colonial e reiteradas na contemporaneidade uma dificuldade que não pode ser ignorada Desta feita não pretendese a partir de uma perspectiva sociológica analisar os elementos que informam a cultura políticoadministrativa brasileira produzindo influência no Direito Administrativo no que tange as suas aproximações e distanciamento de seus elementos teóricos e dos efeitos sob as suas eficácias Porém tornase capital apontar a sua interface no que se refere à teoria dos bens públicos de modo a trazer subsídios que permitam reafirmar a insuficiência de uma 169 169 perspectiva patrimonial de economicidade como traço na relação que tem por objeto a coisa com seu titular Sob tal viés é ínsito ao debate o caráter assumido pela coisa pública aqui utilizada em um sentido amplo para abranger também os bens públicos no que tange as instituições públicas brasileiras oriundas precipuamente de um modelo próprio de formação político administrativa A colonização da América do Sul foi tida como de terras primitivas e com população inaproveitável e portanto pretendiase uma ocupação estritamente comercial com a formação de uma Administração Pública de funcionários e militares apenas na medida de defesa dos territórios ocupados e exploração dos recursos naturais554 Desde já observese uma função nitidamente patrimonialista assumida pelas coisas públicas uma vez que os bens públicos artificiais como as edificações e embarcações são exercidas exclusivamente com a finalidade de exploração econômica dos bens públicos naturais os recursos como a madeira e posteriormente o ouro e o café Assim ao reverso da colonização as áreas temperadas onde o Estado Inglês funda na América do Norte colônias com tradições de selfgovernment e de respeito às liberdades públicas e portanto a formação de instituições e organização políticoadministrativa própria na colonização do Brasil o Português fundou um prolongamento do Estado na América555 Submetido a uma Administração Metropolitana o Brasil não correspondia a uma unidade mas um conjunto de províncias ou capitanias tais como aquelas estabelecidas na África e no Oriente que integravam a monarquia portuguesa e estavam sujeitas a uma Administração Geral das Capitanias556 A Administração Pública Colonial não era apenas adotada de uma ausência de autonomia mas estava sujeita à uma direção ampla e geral de uma monarquia portuguesa em um escalonamento dos seus súditos e vassalos que exerciam um papel mesmo que modesto no organismo político monárquico557 Isso produz uma influência perniciosa já que a nobreza assumia um papel de poderio na Administração Colonial através desde o monopólio dos cargos públicos até a influência 554 PRADO JUNIOR Caio Formação do Brasil Contemporâneo São Paulo Companhia das Letras 2011 p 20 555 FAORO Raymundo Os Donos do Poder 3 ed Rio de Janeiro Globo 2001 p 146147 556 PRADO JUNIOR Caio Formação do Brasil Op cit p 322 557 Caio Formação do Brasil Op cit p 318 170 170 nas decisões políticas dos Conselhos da Coroa de forma que os demais cidadãos não possuíam direitos pessoais ou influência sobre as referidas decisões558 Desta feita o processo de colonização Europeia se processou no Brasil mais do que em qualquer parte da América em um modelo aristocrático patriarcal e escravocrata onde tudo se deixou à iniciativa particular dos nobres que eram responsáveis pelas instalações defesas e privilégios de mandos sobre a Colônia559 Isto porque há a adoção de um modelo de organização administrativa de sistema de capitanias com a divisão do território em grandes faixas de terra doadas de forma individual intransferível e transmissível por herança que permitia a apropriação das riquezas naturais e os deveres de defesa das ameaças As capitanias eram tratadas como concessões do poder público a particulares com atribuições ao donatário de natureza judiciária aplicação da justiça civil criminal e fiscal arrecadação de tributos devido à Coroa e administrativas fundação de vilas nomeação de funcionários e distribuição de terras entre colonos560 Porém há uma nítida confusão entre público e privado na figura do nobre que exercia o papel de colono e a função de exploração econômica e de governador que exercia atribuições sobre a colônia administrando as mesmas terras como fazenda e província usando ora privilégios de comerciante e ora competências públicas Esse sistema adotado na Administração Colônia é chamado pela literatura como de um feudalismo renascido na América onde à figura do senhor de latifúndios se incorpora não apenas uma categoria social aristocracia ou nobreza mas um viés estatal sua ascensão ao poder políticoadministrativo exercendo a autoridade como as mãos do rei à distância561 Há um caráter patrimonial na própria relação entre os governadores e a Coroa que exerciam o papel de autoridade e fazendeiro não com o objetivo de colonização e formação de um Estado mas de exploração dos recursos naturais garantindo o retorno à Portugal para a corte com as riquezas consequentes562 Estruturamse portanto as instituições políticosadministrativas sob a figura da autoridade e não da função que exercia sob seu pequeno feudo a capitania hereditária e as 558 ABREU J Capistrano de Capítulos de História Colonial 15001800 Brasília Conselho Editorial do Senado Federal 1998 p 27 559 FREYRE Gilberto Casagrande senzala Formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal 48 ed Recife Fundação Gilberto Freyre 2003 p 158159 e 187 560 WEHLING Arno WEHLING Maria José C Formação do Brasil Colônia Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1994 p 67 561 FAORO Raymundo Op cit p 155 562 Raymundo Op cit p 158 e 166167 171 171 coisas públicas a respectiva terra e os bens públicos as atribuições administrativas apenas necessárias para a defesa e exploração econômica para o seu enriquecimento próprio De tal sorte que além dos bens públicos se sujeitarem a um caráter eminentemente patrimonial para a exploração econômica dos recursos naturais assumem uma nítida feição privada já que eram utilizados por sujeitos privados que destinavam tais coisas à satisfação dos interesses de enriquecimento tanto da metrópole quanto seus próprios Mesmo quando há uma centralização administrativa com a absorção da autoridade dos capitães donatários na figura do governadorgeral permanece o fim de exploração econômica metropolitana563 Seja com maior fiscalização sobre os poderes do donatário564 ou com medidas burocráticas para garantir a arrecadação de tributos e rendas565 A formação de estruturas administrativas próprias com separação das funções dos donatários não afasta a exploração privada do público já que as Câmaras com atribuições tipicamente administrativas566 eram formadas pelo povo qualificado ou homensbons da lei que exerciam suas vontades sem manifestação do cidadão567 Há uma apropriação do uso da res publicae por determinado estrato social que exerce a titularidade da função pública e portanto da gestão das referidas coisas públicas de forma a garantir a satisfação dos seus interesses e não as necessidades coletivas que sequer eram perquiridas pelas atividades públicas Considerese a coleta dos tributos que era realizada por contrato mediante hasta pública e entregue a particular que por determinada soma se obrigava a pagar ao Erário os tributos arrecadas por sua conta sendo uma das práticas perniciosas do governo colonial já que o particular buscava não garantir as coisas públicas mas obter seus lucros privados568 Ao revés além de submeter o contribuinte a verdadeiras extorsões o Erário tinha grandes perdas pois não eram pouco frequente os contratadores insolváveis incapazes de pagar o preço do contrato que concediam favoritismo em relação a contratadores amigos ou comparsas que nunca satisfaziam suas dívidas para com a Fazenda Pública569 Sob tal cenário organizase uma Administração Pública que adotava processos autoritários de recrutamento de agentes públicos confusão entre competências excesso de 563 FAORO Raymundo Op cit p 158 e 167170 564 FREYRE Gilberto Casagrande senzala Op cit p 92 565 FAORO Raymundo Op cit p 171 566 PRADO JUNIOR Caio Op cit p 336 567 Caio Op cit p 333335 568 Caio Op cit p 341342 569 PRADO JUNIOR Caio Op cit p 342 172 172 burocratização em um aparelho ineficiente e autoritário570 que não se preocupava com aperfeiçoamento das atividades públicas571 Inexistia uma vinculação dos bens públicos à interesses públicos exceto na medida que se ligavam à necessidade para garantir a exploração econômica pelo Estado Português que era reiterado pelas estruturas políticoadministrativas coloniais e a nobreza aqui residente no uso da coisa pública como forma de enriquecimento A relação das autoridades com as coisas públicas era tão alheia ao interesse público de forma que as atividades de fisco defesa justiça e administração colonial se ligavam apenas aos interesses econômicos572 com nítida exploração da res publicae era comum a corrupção e imoralidade através de suborno peculato e distribuição de cargos públicos573 Verificase por conseguinte que a própria função pública é tida como um negócio de exploração inclusive através da ocupação de cargos públicos574 que é exercido de forma autoritária575 e patriarcal pela classe dominante como marca de nobreza ou de boa linhagem conforme aduz as Ordenações Filipinas ou os homens bons nas câmaras576 Por efeito na atividade administrativa colonial a par da centralização administrativa tanto o uso da função pública quanto a gestão dos bens públicos se afasta da noção de interesses da coletividade mas antes se liga a uma figura de autoridade que busca através de seus privilégios a satisfação dos interesses próprios O Estado era utilizado como um instrumento de dominação das classes sociais elevadas como os proprietários rurais e mineradores sobre as demais com um estamento burocrático que controlava o Estado com fins próprios manipulando as classes de acordo com seus interesses 577 Os detentores de posições públicas de responsabilidade não conseguiam compreender a distância fundamental entre domínios do privado e do público a gestão representava assunto de interesse particular se relacionando as funções aos empregos aos benefícios e aos interesses pessoais do funcionário do que a interesses objetivo da sociedade578 570 PRADO JUNIOR Caio Op cit p 353354 571 BOMFIM Manoel A América Latina Males de Origem Rio de Janeiro Centro Edelstein de Pesquisas Sociais 2008 p 100101 572 Manoel A América Latina Males de Origem Op cit p 102 573 PRADO JUNIOR Caio Op cit p 356357 574 FAORO Raymundo Op cit p 199 575 FREYRE Gilberto Op cit p 114115 576 FAORO Raymundo Op cit p 203205 577 WEHLING Arno WEHLING Maria José C Op cit p 300 578 HOLANDA Sérgio Buarque de Op cit p 145146 173 173 A coisa pública ainda que formalmente pudesse estar a suposto encargo de interesse público era manuseada na Administração Colonial para a realização dos interesses privados de determinada classe se sujeitando portanto as práticas persistentes de corrupção o seu manuseio para fins de nepotismo e uma perspectiva nitidamente patrimonialista Tal relação de poder da autoridade se exteriorizava em uma dominação patrimonial exercida pelo soberano e seu quadro administrativo sob a coisa pública ao controlar diretamente os recursos econômicos e militares em uma indissociação entre o patrimônio público e privado579 Formamse por conseguinte as instituições políticoadministrativas brasileiras a partir de determinados elementos como o patrimonialismo a corrupção a autopromoção do indivíduo que atuam não apenas na colonização da coisa pública mas na própria identidade brasileira no que se refere ao exercício da função administrativa580 Não se ignora as reformas realizadas no estado brasileiro dentre as quais se destaca a Administração de Pombal com seu despotismo esclarecido que buscou mais do que uma mera reforma na burocracia mas a manifestação de uma nova perspectiva racionalista sobre a gestão pública581Porém não tinha por finalidade beneficiar a coletividade mas a metrópole e as elites locais582 demarcando apenas uma mudança desse patrimonialismo tradicional originário e patriarcal para o estamental com uma separação conceitual e jurídica do patrimônio particular583 Mesmo na República com a ascensão do governo autoritário584 e a aceleração do processo de industrialização na década de 30 a tentativa de mudança para um padrão burocrático que buscou imprimir impessoalidade e eficácia na atuação administrativa demonstrase insuficiente Neste modelo organizacional burocrático pretendese que a Administração Pública passe a moverse na esfera de competências previamente definidas com relações estáticas baseadas na autoridade e submissão atividade especializada pela divisão racional e a criação 579 FAORO Raymundo A Aventura Liberal numa Ordem Patrimonialista in Revista da USP São Paulo n 17 p 16 marabrmai 1993 580 REZENDE Joaquim Leonel Alvim de NUNES Tiago de García O Jeitinho Brasileiro o Homem Cordial e a Impessoalidade Administrativa Encontros e Desencontros na Navegação da Máquina Pública Brasileira in Anais do III Encontro Internacional de Ciências Sociais Universidade Federal de Pelotas 2012 p 2 581 SALDANHA Nelson Nogueira História das Idéias Políticas no Brasil Brasília Senado Federal 2001 p 58 582 WOLKMER Antonio Carlos História do Direito no Brasil Rio de Janeiro Forense 2003 p 48 583 AVELLAR Hélio de Alcântara História Administrativa do Brasil Vol 5 Brasília DASP 1970 p 98 584 AMARAL Azevedo O Estado Autoritário e a Realidade Nacional Rio de Janeiro José Olympio Editora 1938 p 6 174 174 de procedimentos que gerem a prestação padronizada dos serviços públicos Propõese que se ascenda com a burguesia industrial e a classe média tecnoburocrática um novo perfil de agentes que voltam à coordenação dos interesses estatais e privados com a criação de critérios legais e gerais de ingresso nos serviços públicos classificação de cargos organização das estruturas e racionalização dos métodos585 Todavia o ideal de burocracia profissional foi frustrado pela persistência das concessões patrimonialistas transvertidas na forma de clientelismo e nos eventuais limites do formalismo burocrático que impediam a construção de um modelo de gestão pública capaz de atender as demandas da transformação econômica586 Sob tal viés os bens públicos enquanto recursos materiais do Estado desempenham um papel crucial no clientelismo já que tal rede personalista que se estende das entidades e partidos políticos até a burocracia e órgãos administrativos tem acesso ao aparelho estatal e manuseiam as referidas coisas públicas para tais fins privados 587 Tais processos de trocas personalistas permeiam as instituições formais ainda sob a égide de um suposto modelo burocrático racional pois o universalismo de procedimentos e o insulamento burocrático persistem sob a falsa impessoalidade os princípios clientelistas e os anéis burocráticos permeáveis continuam sujeitos ao patrimonialismo 588 Desse modo há apenas uma passagem do modelo de dominação patrimonial de uma feição estamental para racional já que haverá a apropriação privada da coisa pública porém dentro de uma ordem lícita com a continuação de sua distribuição como recompensas e favores589 Ainda considerando o advento da sociedade pósindustrial e a recorrência da globalização590 que tornou o modelo de gestão burocrático inoperante e economicamente insustentável incapaz de atender as demandas da economia e da sociedade impondo um novo complexo de transformações na Administração Pública não é capaz de sanar a problemática Erigiuse a implantação de um modelo gerencial que baseado nos vetores da eficiência e desempenho fosse capaz de atribuir maior governança mediante a organização 585 Sobre o tema vide WAHRLICH Beatriz A Reforma Administrativa da Era de Vargas Rio de Janeiro Editora FGV 1983 586 NUNES Edson A gramática política do Brasil clientelismo e insulamento burocrático Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1997 p 32 587 Edson A gramática Op cit p 32 588 Edson A gramática Op cit p 33 d 42 589 REZENDE Joaquim Leonel Alvim de NUNES Tiago de García O Jeitinho Brasileiro o Homem Cordial Op cit p 16 590 MOREIRA NETO Diogo de Figueiredo Globalização Regionalização Reforma do Estado e da Constituição Revista de Direito Administrativo Fundação Getúlio Vargas RJ n 215 Janmar 1998 p 120 175 175 dos fatores e finanças a descentralização da estrutura administrativa a cooperação entre os entes federativos e o controle voltado à aferição do resultado591 Porém persistem nas reformas administrativas diversas inadequações em face da realidade social brasileira subjacente como a elaboração de modelos ou concepções não ajustáveis falta de objetivos para as políticas do setor público e estratégias capazes de superar as eventuais resistências e conflitos592 Há uma busca por uma conformação normativa da problemática da Administração Pública ignorando que as questões relativas à legitimidade e a eficácia da ação administrativa não decorrem de um formalismo excessivo ou de uma ineficiência latente mas como as instituições movemse ainda através do patrimonialismo nepotismo e autoritarismo Mesmo com a tentativa de transição de uma gestão de natureza burocrática baseada na obediência das prescrições formais para uma profissional adstrita à eficiência dos resultados e a flexibilidade dos processos prosseguem os traços perniciosos que se exteriorizam no exercício da função pública e portanto na gestão dos bens públicos Há uma tentativa de racionalização da gestão e das coisas públicas através da implantação do modelo de New Public Management que envolve a descentralização racional com atribuição de flexibilidade aos entes e órgãos na persecução de suas finalidades e a profissionalização mediante a desburocratização e o emprego racional dos bens593Porém não traduziu modificações no que tange a relação do agente com a coisa pública já que tais reformas ignoraram um aspecto típico da estrutura institucional no Brasil a interpenetração entre a burocracia e as relações sociais de parentesco amizade apadrinhamento e suborno594 De tal sorte que embora tenham ocorridas sucessivas reformas administrativas ao longo do século XX que pretenderam imprimir maior eficiência e legitimidade na ação administrativa inclusive com reforço no controle do procedimento ou do resultado não foi capaz de evitar a apropriação da coisa pública para fins privados Isso porque tais estruturas da Administração Pública não foram emancipadas sequer com a independência política do Brasil permanecendo a mesma máquina administrativa com a reiteração dos mesmos processos e culturas595 inclusive no que tange ao exercício das atribuições e gestão da coisa pública 591 TÁCITO Caio A Reforma do Estado e a Modernidade Administrativa Revista de Direito Administrativo Fundação Getúlio Vargas RJ n 215 Janmar 1999 p 45 592 MARCELINO Gileno Fernandes Administração pública brasileira evolução situação atual e perspectivas futuras Revista do Serviço Público Brasília v 117 n2 setdez 1998 p 24 593 MOREIRA NETO Diogo de Figueiredo Mutações do Direito Administrativo Op cit p 2224 594 SCHWARTZ Stuart B Burocracia e sociedade no Brasil colonial São Paulo Perspectiva 1979 p 251 595 BOMFIM Manoel A América Latina Males de Origem Op cit p 179 176 176 Incontroverso que há um enrijecimento da cidadania no que concerne ao reconhecimento que o patrimônio público deve ser destinado a finalidades coletivas mas inegável que os casos de corrupção nepotismo e captura do Estado apontam a persistência de um patrimonialismo que se busca combater596 O patrimonialismo permanece atuante por debaixo de uma ordem burocráticaracional na Administração Pública e se desenvolvendo no quadro administrativo como resquício do caráter político assumido no período colonial que mesmo as reformas liberais não conseguem superar tal herança597 Persiste ainda sob a coisa pública um predomínio do senso privado no Brasil que corresponde a este personalismo decorrente em larga medida da presença dessas estruturas coloniais e feudais de nossa histórica social que se revela na formação da imagem geral de certos sistemas598 Há um predomínio desse senso que se exterioriza em um personalismo que confunde instituto com pessoas e que acaba por esbarrar qualquer dimensão pública com o tradicional privatismo daquelas concepções feudais arraigadas e dificulta a formação de fronteiras entre o público e o privado599 Exerce um papel capital no que tange aos bens públicos já que para o patrimonialismo é necessário que haja recursos administrativos dependentes do poder público para que atue mediante a sociedade através de variadas formas como as concessões estímulos subsídios autorização e outras600 Tais colocações da coisa pública para uso privado decorrem justo dessa formação onde o agente público exercia o controle pessoal do tido patrimônio estatal e realizava negócios privados de forma que ao sustentar com recursos particulares as realizações do governo subjetivamente considerava como seu o conjunto dos bens públicos colocados a sua guarda601 Por esta razão não se pode ignorar que o patrimonialismo assume no Estado Brasileiro uma extensão não apenas alcançando os sujeitos públicos mas o privado que se locupletam 596 BRESSERPEREIRA Luiz Carlos Do Estado Patrimonial ao Gerencial in PINHEIRO Wilheim e Sachs orgs Brasil Um Século de Transformações São Paulo Companhia das Letras 2001 p 258259 597 FAORO Raymundo A Aventura Liberal numa Ordem Patrimonialista Op cit p 17 598 SALDANHA Nelson Nogueira O Jardim e a Praça Ensaio sobre o lado privado e o lado público da vida social e histórica Ci Tróp Recife n 11 p 119 janjun 1983 599 Nelson Nogueira O Jardim e a Praça p 119 600 FAORO Raymundo A Aventura Liberal numa Ordem Patrimonialista Op cit p 17 601 FRANCO Maria Sylvia de Carvalho Homens livres na ordem escravocrata 3 Ed São Paulo Kairós Livraria Editora 1983 p 121122 177 177 com o mesmo mas igualmente uma profundidade já que alcança desde o período colonial até as reformas do neoliberalismo602 Neste contexto que sustentar um critério de titularidade como o fundamento do domínio público e do seu regime exorbitante se apropriando de categorias privatistas como o conceito de propriedade e do seu senhorio para coisas públicas bens que servem à uma finalidade coletiva se demonstra no caso brasileiro particularmente preocupante Adotar uma perspectiva de proprietário ou senhorio assumido pelo titular estatal sob a coisa pública não contribui com a tentativa de superação de uma apropriação privada da res publicae que já marca o contexto institucional brasileiro mas ao revés reitera o papel assumido pelos bens públicos nas trocas e favores políticos Assim admite o caráter patrimonial dos bens públicos de coisa integrante do acervo estatal uma feição nitidamente do patrimonialismo nas instituições políticoadministrativas brasileiras de uma apropriação pelo seu titular que o utiliza para uma finalidade estritamente privada afastada de qualquer benefício da coletividade Sob tal realidade políticoadministrativa subjacente que a formulação de qualquer teoria dos bens públicos que pretenda reconduzir tal substrato material ao atendimento das necessidades coletivas deve buscar um elemento estruturante capaz de tentar contribuir com a mudança do referido sistema A proposta de adequação do domínio público aos influxos contemporâneos como a privatização despublicização e racionalização de forma a resolver as idiocracias resultantes não significa ignorar tais elementos históricos persistentes patrimonialismo nepotismo e autoritarismo nas instituições estatais e na cultura administrativa brasileira Ao contrário assumir que tais reformas buscam implementar novos paradigmas aos bens públicos mas que encontram traços persistentes na realidade políticoadministrativa brasileira apenas reforçam a necessidade de construção de uma teoria que não apenas seja abstratamente sustentável mas capaz de conformar às questões sociais subjacentes Superada a noção de titularidade como elemento central da teoria dos bens públicos devese definir em qual perspectiva deve ser tido o papel do sujeito público ou não que assume a relação jurídica tendo por objeto as coisas públicas de forma a permitir que de fato possa se reconduzir a funcionalidade assumida pelas mesmas O tema será tratado a seguir 602 FAORO Raymundo A Aventura Liberal numa Ordem Patrimonialista Op cit p 17 33 Do reajustamento da titularidade dos bens públicos da noção do direito de propriedade ao reconhecimento de uma relação jurídica funcionalizada Conforme demonstrado tornase incongruente sustentar a partir de uma concepção funcional da teoria do domínio público uma titularidade para o Estado ou a coletividade que se identifique ou aproprie ainda que parcialmente de um conceito de propriedade e coloque o sujeito em uma dimensão igual ou próxima de proprietário Apoiarse em tal concepção construída em uma matriz francesa no século XIX onde havia a necessidade de afirmação da soberania estatal inclusive sob a recémconstruída da noção de bens da nação ignora os efeitos perniciosos de sua assimilação perante o patrimonialismo persistente das instituições políticoadministrativas brasileiras Porém não é recente a idéia que os bens públicos não se adequam à noção de um direito de propriedade do Estado tal qual em sua feição liberal privada e individual como um direito subjetivo que traduz em um livre uso fruição disposição e reinvindicação da referida coisa Apontam com destreza alguns autores que não se pode supor uma figura de Estado Proprietário já que em relação às referidas coisas públicas que seriam objeto de sua propriedade ele não seria capaz de exercer plenamente um papel de dominus já que não poderia restringir a sua destinação aos cidadãos inclusive estrangeiros603 De fato não se pode sustentar que a relação exercida pelo Estado que tem por objeto a coisa qualificada como pública possa ser igual ou próxima a de um direito de propriedade já que se movem por thelos distintos um enquanto exercício típico da autonomia que deve se adequar ao interesse público e o outro como a própria realização da finalidade coletiva A propriedade corresponde a um direito subjetivo público ou seja um poder de ação juridicamente delimitado concedido ao senhor da coisa possuindo em nossa ordem jurídica o status de direito humanofundamental uma vez que se liga a noção de personalidade humana e corresponde à forma de limitação ao arbítrio estatal604 Ademais o reconhecimento que a qualificação pública decorre de uma relação de propriedade do Estado sob uma coisa importa em reiterar uma noção de coisificação do 603 PROUDHON M Traité du domaine public ou De la distinction des biens considérés principalement par rapport au domaine public Dijon Chez Victor Lagier LibraireÉditeur 1833 p 4 604 Neste sentido a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão Art 17º Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado ninguém dela pode ser privado a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir e sob condição de justa e prévia indenização 179 179 domínio público admitindose a existência de uma relação jurídica que não envolva apenas a noção de dominialidade sob os bens mas igualmente de outros direitos sob as coisas605 Reconhecer que a relação do Estado que tem por objeto os bens públicos é de propriedade seria admitir que o ente moral não apenas possui um acervo patrimonial mas pode ter coisas que não estejam afetadas como os chamados bens dominiais ou patrimoniais que pode buscar a ampliação do seu acervo de riqueza Desta feita em que se ligue a noção de relação jurídica uma vez que os poderes ou posições jurídicas são exercidos perante a coletividade não é adequado supor essa relação jurídica ao Estado uma vez que ao contrário do sujeito privado esse não pode exercer com plena autonomia de vontade já que é gestor de bens a serviço da coletividade Por esta razão parece adequado o que sustenta a literatura alemã de que a relação formada pelo Estado com a coletividade e que tem por objeto a coisa não será igual ao do particular com a propriedade mas ao revés demandará uma existência e um desenvolvimento dogmático independente que impõe a formação de fronteiras próprias606 Por um lado isto não significa admitir uma teoria da dualidade com tratamentos distintos das mesmas pois o que pretendese proteger não é a substância material ou a coisa em si mas a sua finalidade pública ou seja a medida em que tais bens se destina à realização de uma necessidade coletiva Por outro é considerar que reconhece que uma das problemáticas da teoria do domínio público é o modo como ao estabelecer uma unidade no que tange a regulação da coisa tenta se criar uma concepção de propriedade administrativa como uma categoria especial de direitos reais semelhante a de natureza privada607 Observase que é possível fazer um tratamento distinto da noção de bem jurídico no que diz respeito ao regime público pautado pelo interesse público e privado vinculado a noção de autonomia de vontade que se situa em um ponto central entre a teoria dualista germânica e a monista de matriz francesa608 A impossibilidade de transpor o instituto privado para o âmbito público demanda a estruturação de um direito público das coisas609 que se afasta daquela concepção de direito de 605 SCAGLIUSI Maria de los Ángeles Fernández La necesaria reformulación del concepto de dominio público Op cit p 97 606 FORSTHOFF Ernst Traité de Droit Administratif Allemand Op cit p 546 607 GAMIR Roberto Parejo OLIVER José María Lecciones de domínio publico Madrid Ediciones Instituto Catolico de Artes e Industria 1976 p 7 608 ALFONSO Luciano Parejo Domínio Público Op cit p 36 609 MAYER Otto Le droit administratif allemand Op cit p 108 180 180 propriedade já que corresponde a direito subjetivo construído em face do Estado de natureza humanofundamental ligada à própria dimensão da pessoa humana Isso não significa ignorar todo o exposto quanto à necessária interface entre o regime jurídico de direito público e de direito privado no que tange a regulação da coisa porém reforçar que a distinção entre as coisas qualificadas como públicas e privadas decorrem das graduações distintas no cumprimento da função social Desta feita há de se considerar uma distinção nas relações jurídicas titularizadas no âmbito privado e público de modo que é possível sustentar um senhorio do particular sobre coisas qualificadas como privadas mas não se demonstra uma assertiva verdadeira supor um papel de proprietário pelo Estado para que as coisas sirvam as necessidades coletivas Como já visto a qualificação de público dado ao bem independe necessariamente de uma atuação estatal já que há coisas que buscam realizar necessidades coletivas mesmo sem estarem sob a titularidade do sujeito público como por exemplo os bens públicos naturais o ar e os mares e aqueles sob a sujeição de particulares Isso significa não apenas redimensionar que a titularidade quando estatal não assume uma feição de propriedade mas a própria transposição para o direito público das categorias privada de pessoa e patrimônio como vinculadas de sorte que não existe um sujeito que não seja dotado de um conjunto de bens Tal raciocínio não pretende negar o Estado como uma pessoa jurídica mas o reconhecimento que se tal instituição se singulariza e legitima por sua função que é o interesse público610 a sua relação com os bens materiais devem ser não como de proprietário com as respectivas faculdades mas de dever de adequação à persecução dos fins coletivos Por esta razão aderese a crítica feita pela literatura estrangeira não apenas no que se refere à teoria do domínio público mas toda ciência jurídicoadministrativista da ascensão no século XX sob as bases de um idealismo hegeliano da consagração da visão subjetiva e reconhecimento da personalidade jurídica do Estado611 Segundo tais autores com a consagração do Estado como pessoa centrase a disciplina na sua expressão orgânica e especialização de suas atividades a partir destas gerando uma perda da substância própria do ente612 que é a noção de função que corresponde não apenas o fundamento de sua existência mas da própria ciência jurídicoadministrativa 610 MORÓN Miguel Sanchéz Discrecionalidad administrativa y control judicial Madrid Tecnos 1995 p 97 611 ENTERRÍA Eduardo García de FERNÁNDEZ TomásRamon Curso de derecho administrativo Tomo 1 Madrid Editorial Tecnos 1998 p 37 612 ENTERRÍA Eduardo García de FERNÁNDEZ TomásRamon Curso de Op cit p 37 181 181 A qualificação da coisa como bem público decorre da medida em que se ligam à concretização da função social e portanto não tem por finalidade garantir ou afirmar um proprietário ou dominus sob os mesmos mas atribuir uma titularidade e um regime jurídico na medida em que permita proteger e garantir tal finalidade pública Assim é sustentável a formação de um vínculo entre o bem público com o Estado que não seja de titularidade de propriedade mas se ligue ao próprio fundamento de sua existência que é a busca por suas finalidades a saber a sua afetação ao atendimento dessa função ou interesse público Adéquase a própria existência de relações que um sujeito assume tendo por objeto a coisa que não necessariamente é uma propriedade mas uma titularidade que busca atender determinada finalidade como há no próprio direito privado por exemplo o síndico no condomínio613 o administrador judicial na massa falida614 dentre outros Ora se cabe no regime privado onde se busca uma adequação da autonomia privada à uma finalidade social o reconhecimento de relações jurídicas que embora titularizadas por sujeitos em relação à coisa não corresponde ao direito de propriedade quiçá no regime público onde a autonomia pública se adstringe a concretização dos interesses públicos Isso implica assumir que o Estado exerce uma relação jurídica no que se refere aos bens públicos que não se confunde com um direito de propriedade já que voltada à realização não de uma autonomia privada mas de uma função de persecução do interesse público cabendo por conseguinte fixar melhor os seus contornos Para alguns autores o Direito regula não apenas relações entre pessoas mas igualmente as relações jurídicas formadas entre pessoas e coisas de forma a garantir que aquelas atendam as suas necessidades individuais ou coletivas conforme tais pessoas sejam privadas ou públicas615Disso decorreria uma distinção que configuraria duas relações jurídicas uma de natureza eminentemente patrimonial e sujeita à um regime de direito privado formado com o particular e uma de natureza estritamente dominial e submissa a uma disciplina de direito público formada com o Estado 616 613 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1348 Compete ao síndico V diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar pela prestação dos serviços que interessem aos possuidores 614 Lei Federal nº 11101 de 09 de Fevereiro de 2005 Art 22 Ao administrador judicial compete sob a fiscalização do juiz e do Comitê além de outros deveres que esta Lei lhe impõe f arrecadar os bens e documentos do devedor e elaborar o auto de arrecadação nos termos dos arts 108 e 110 desta Lei g avaliar os bens arrecadados judicial compete sob a fiscalização do juiz e do Comitê além de outros deveres que esta Lei lhe impõe 615 OYARZÚN Santiago Montt La administración del Estado y los bienes entre lo público y lo privado Revista de Derechos y Humanidades Facultad de Derecho de la Universidad de Chile n 8 2001 p 265 616 Santiago Montt La administración del Estado y los bienes Op cit p 265 182 182 Porém isto seria confundir a noção de bem jurídico e de relação jurídica já tendo sido superada a concepção do domínio sob a coisa para o seu reconhecimento como o objeto das relações tuteladas pelo Direito a saber o vínculo da ação dos sujeitos enquanto instrumento de realização de suas finalidades jurídicas617 Assim relação jurídica na concepção vigente é a regulação normativa pelo Estado de uma relação interpessoal e portanto de um vínculo intersubjetivo formado entre mais de uma pessoa em torno de um objeto que embora seja uma categoria privada acaba sendo estendida para as relações públicas onde o Estado também figura como um dos sujeitos618 Nesse sentido discordase que se forme uma relação jurídica entre o Estado e a coisa já que tal se identifica com o vínculo estabelecido entre dois ou mais sujeitos de forma a regular as suas manifestações de vontade e portanto atribuindo os direitos e deveres respectivos que serão exercidos em torno de um objeto619 Tal objeto pode assumir nas relações jurídicas a natureza de prestações sendo tidas como pessoais ou de coisas sendo classificadas como direitos reais porém o que ocorrerá é a formação de um vínculo ou liame em torno de tal objeto o que ocorre nas relações do Estado com a coletividade620 Desta feita o Estado não forma com as coisas públicas uma relação jurídica mas com outro sujeito determinado ou não como a própria coletividade que poderá ter por objeto um direito ou um bem como por exemplo na regulação administrativa dos logradouros públicos ou de tráfegos nas vias públicas Isso significa admitir por conseguinte que se a relação não é de poder sobre a coisa a teoria do domínio público não pretende formar prerrogativas a serem exercidas de acordo com a faculdade do Estado mas determinar deveres na manutenção das condições necessárias que permitam a tais bens exercerem suas funções621 Resta evidente que a noção de relação jurídica como critério distinto permite uma análise mais precisa quanto à definição do sentido e finalidade dos bens públicos já que se supera a concepção de poder sobre as coisas no sentido jurídicoadministrativo tradicional ou de senhorio ou propriedade sobre as mesmas na concepção jurídicocivil comum622 Afirmando portanto que há um vínculo do ente público com outros sujeitos tendo por objeto uma coisa tornase necessário determinar a especificidade dessa relação jurídica a saber se 617 AMARAL Francisco Direito Civil Introdução 5 ed Rio de Janeiro Renovar 2003 p 309 618 Francisco Direito Civil Op cit p 23 619 Francisco Direito Civil Op cit p 104 620 BLANCO Alejandro Vergara Teoria del domínio Op cit p 3132 621 ALFONSO Luciano Parejo Dominio Público Op cit p 24 183 183 perquirir qual será o traço distintivo desta em consideração com os demais nexos formados pelos atores privados Em um primeiro momento tanto nas relações jurídicas de direito público e de direito privado ainda que no último a esfera de autonomia ou liberdade seja mais ampla podese identificar uma função social que deve orientar o titular da coisa no seu exercício em relação à coletividade623 Isso faz com que alguns autores entendam que embora as coisas tidas como bens públicos também possuam uma função social não é esse o seu traço distintivo já que os privados igualmente se sujeitam ao atendimento de uma determinada finalidade coletiva624 Neste sentido que o Conselho de Estado Francês já sustentou a tese de que a função social não é critério suficiente para considerálos como bens públicos impondo portanto o regime jurídico de direito público decorrente da dominialidade pública já que sempre sujeitos à regulamentos administrativos que o adéquem ao interesse público625 Para parte da literatura jurídica portanto não seria a função social o critério que definiria sua relação jurídica com o Estado mas o momento que passa a haver uma imputação de um dever jurídico no caso que determine a sua gestão no atendimento do interesse coletivo626 Assim seria a afetação pública que corresponderia ao elemento básico na definição dos bens públicos627 e neste caso aquele que determina e fundamenta o nexo causal da relação jurídica que permite imputar normativamente à coisa a sua natureza de bem público e ao Estado o dever de sua realização Note que tal compreensão transveste novamente um critério de titularidade já que caberá ao próprio Estado o papel de determinar a adequação da coisa ao cumprimento da função social e por conseguinte importa reconhecer que a relação jurídica tendo por objeto os bens públicos é dotada de uma natureza formal ou solene Tanto que tais autores consideram que a afetação pública não gera um título de propriedade de modo a formar uma relação jurídica tal qual com os sujeitos privados mas um título de potestade que consagra ao EstadoAdministração o exercício de dadas prerrogativas com fim de atendimento às finalidades coletivas628 622 ALFONSO Luciano Parejo Dominio Público Op cit p 30 623 OYARZÚN Santiago Montt La administración Op cit p 265 624 ALFONSO Luciano Parejo Dominio Público Op cit p 28 625 FRANÇA Conselho de Estado Arrêt Cie dassurances La Préservatrice foncière J 11 de Fevereiro de 1994 626 ALFONSO Luciano Parejo Dominio Público Op cit p 28 627 Sobre as vertentes vide BLANCO M Sánchez La afectación de bienes al dominio público Sevilha García Oviedo 1979 p 403 628 ORTIZ G Ariño La afectación Op cit p 31 184 184 Ademais voltam a reconduzir a afetação pública como elemento que permite uma vinculação ao regime jurídico de direito público de forma que a coisa ao qual guarda o elemento teleológico de atendimento as necessidades coletivas assume uma destinação material se relacionando à função pública629 Considerar a afetação em sua vertente formal como o elemento que definirá a formação da relação jurídica entre o Estado e a coletividade que tem por objeto uma coisa significa incidir nas limitações já apresentadas de considerar coisas afetadas formalmente que não exercem materialmente uma finalidade pública e viceversa Tal relação jurídica não pode ocorrer pelo ato formal de afetação à atividade ou aos serviços públicos como proposta pela literatura jurídica administrativista tradicional630 mas por sua vinculação ao destino público631 visto que há coisas que servem a coletividade ainda que não tenham sido formalmente afetadas pelo Estado para tanto como por exemplo o ar Sustentar uma afetação como critério da relação jurídica significa admitir que a mesma é formada apenas no momento que ocorre a autovinculação pela Administração Pública que por ato próprio se obrigue a determinada prestação a saber a criação e manutenção dos bens públicos632 Partese de uma perspectiva jurídicopositivista que tal relação jurídica surge da manifestação de vontade do EstadoAdministração dentro da norma positiva ainda que através da forma de ato administrativo o que se aproxima de um formalismo que não resolve determinadas questões Há determinadas coisas que em razão de sua própria substância material ligamse as necessidades da coletividade e do próprio ser humano como os mares e rios e portanto condicionálos à manifestação de vontade pela Administração Pública para vincularse é confundir o público com o estatal e deixar ao seu arbítrio a designação de bem público Outras embora não guardem uma materialidade a sua destinação com a afetação a realização in concreto a um determinado interesse público tornase inexorável enquanto permanecer tal situação o reconhecimento de sua natureza de bem público e portanto a formação de uma relação jurídica com o Estado que passa a ter o dever de guarda e tutela 629 ORTIZ G Ariño La afectación de bienes ai servicio público Madrid Editora ENAP 1973 p 43 630 DUCROCQ M TH Cours Op cit p 574 LIMA Ruy Cerne Princípios Op cit p 77 631 COLIN Ambroise CAPITANT H Cours Élémentaire de Droit Civil Français 7 ed Paris Librairie Dalloz 1932 p 709 632 ALFONSO Luciano Parejo Dominio Público Op cit p 31 185 185 Admitir a afetação formal seria permitir que a qualificação e a desqualificação do que seja destino público fosse deixada ao arbítrio do Estado633 o que permitiria não reconhecer aquelas coisas que exercem por si só uma função perante a coletividade ou desafetar as outras coisas ao qual foi atribuída uma finalidade coletiva Devese buscar o liame jurídico que permite a formação dessa relação jurídica do Estado com a coletividade a partir de um critério funcional ou finalista que será capaz de exteriorizar o atributo singular e contemporâneo que permita qualificar e reconhecer a coisa como um bem público634 Não é possível considerar que a classificação de uma coisa em privado ou público se sujeite apenas a questões formais ou solene ignorando a situação de fato do referido bem em razão da própria extensão do domínio público e a impossibilidade de sua geometrização completa635 Se não incidiria no equívoco ainda generalizado de reconhecer por exemplo que um prédio abandonado não transitoriamente tem uma natureza pública uma vez que foi formalmente afetado pelo Estado mas as santas casas de misericórdias que tradicionalmente exercem a prestação de serviços à coletividade tem natureza privada enquanto não os forem Sustentar que tal relação jurídica se forma pela afetação como um ato formal de vontade estatal636 seria admitir a incongruência de que o ente moral teria autonomia para manter bens públicos desfuncionalizados e não qualificar como público bens privados funcionalizados a par da sua afetação material às necessidades coletivas Admitirseia que caso não previsse a ordem jurídicolegal ou não houvesse um ato administrativo formal as coisas naturais que exercem uma função pública como o ar e os mares não seriam consideradas bens públicos ao passo que outras que não exercem por si só como os prédios já gozariam desta qualificação Isso não é desconsiderar que determinadas coisas dependam de uma afetação para que possam exercer uma finalidade coletiva como os bens artificiais que a rigor podem ser públicos ou privados mas que em razão de um ato formal são colocados ao atendimento das necessidades coletivas 633 PASTOR Juan Alfonso Santamaría Objeto y ámbito La tipología de los bienes públicos y el sistema de competencias IN MARÍN M Carmen Chinchilla Comentarios a la Ley 332003 del Patrimonio de las Administraciones Publicas Madrid Civitas 2004 p 8595 634 Juan Alfonso Santamaría Objeto y ámbito La tipología de los bienes públicos y el sistema de competencias IN MARÍN M Carmen Chinchilla Comentarios a la Ley 332003 del Patrimonio de las Administraciones Publicas Madrid Civitas 2004 p 8595 635 ENTERRÍA Eduardo Gárcia Sobre la Imprescritibilidad Op cit p 50 636 ALFONSO Luciano Parejo Dominio Público Op cit p 42 186 186 Porém não é a afetação enquanto manifestação de vontade e elemento formal que enseja o nexo que singularizará tal relação jurídica do titular com o bem público mas na medida em que a coisa mesmo sem um ato de vontade e de forma moral atende a uma necessidade coletiva De certo modo há uma tentativa de apropriação deste entendimento já que a afetação para a determinação da dominialidade pública tem sido considerada de forma estrita de maneira que não basta a colocação em disposição a atividade pública em si mas tornase necessária a sua adaptação exclusiva ou essencialmente às finalidades da mesma637 Tal concepção foi reconhecida pelo próprio Conselho de Estado Francês que passou a determinar a necessidade de um aménagement spécial ou adaptação dos bens afetados ao serviço638 público e ao uso coletivo639 deixando claro que a mera afetação formal não pode ser usada como critério para o reconhecimento do bem público640 Parece haver uma prevalência da afetação material sobre a formal tendo a literatura jurídica considerado que a relação física ou funcional que existe entre um bem e o domínio público pode resultar pela regra da acessoriedade641 ou pela forma de aquisição de acessão642 o reconhecimento da natureza pública643644 Porém ainda é insuficiente considerar a necessidade de uma afetação material por se ligar a um ato de vontade estatal que de fato adeque ou adapte à coisa a uma necessidade coletiva ignorando que há coisas que mesmo sem uma manifestação do Estado já estão destinadas ao atendimento de funções públicas Vide por exemplo as terras indígenas que como já visto o ato de demarcação estatal é declaratório não apenas do marco temporal e territorial da existência de uma ocupação 637 WALINE Marcel Les Mutations domaniale Paris Jouve 1925 p 4548 638 FRANÇA Conselho de Estado Arrêt Société Le Béton 19 de Outubro de 1956 639 Conselho de Estado Arrêt Berthie 22 de Abril de 1960 640 Não deixou de ser objeto de crítica pela literatura jurídica visto que há bens que apesar de nenhuma adaptação especial conservam em sua própria natureza o caráter público como os bosques públicos HERVOUET F Lutilité de la notion daménagement spécial dans la théorie du domaine public Revue Du Droit Public Paris 1983 p 160161 641 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 92 Principal é o bem que existe sobre si abstrata ou concretamente acessório aquele cuja existência supõe a do principal 642 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Seção III Da Aquisição por Acessão Art 1248 A acessão pode darse I por formação de ilhas II por aluvião III por avulsão IV por abandono de álveo V por plantações ou construções 643 Os bens materialmente independentes ou dissociáveis sem perda do domínio público não serão considerados incorporados ao mesmo Deve haver um vínculo de dependência ou como aponta a literatura um liame físico entre o acessório que o faça seguir o destino do bem principal DUFAU Le domaine Op cit p 77 644 Novamente tal teoria teve resposta por alguns autores que propuseram uma técnica chamada classificação ou divisão em volumes de forma a negar que a acessoriedade de bens privados conduzam a sua natureza pública admitindo em um conjunto de construções sob o domínio público sejam apartados bens que não aderem a obra em si DUFAU Le domaine Op cit p 188189 187 187 tradicional mas da sua funcionalização por aquele grupo social para sua perpetuação e cultura que é um interesse público qualificado pela ordem constitucional Igualmente considere os bens públicos naturais como por exemplo os rios ou florestas que independente de uma afetação ou ato de vontade estatal ainda atenderiam uma necessidade coletiva mesmo sem a existência de uma adaptação especial que permitisse o melhor atendimento a tais fins Também não se mostra adequado considerar que a formação da relação jurídica que tem por objeto o bem público decorre da afetação de forma que uma coisa ingressa no domínio público quando está afetada a uma utilidade coletiva e o deixará quando tal afetação terminar645 Seria ignorar que além das coisas que exercem uma finalidade coletiva independente de uma afetação formal que as demais adaptadas ou destinadas pelo ente por seu ato de vontade podem ser igualmente desafetadas por uma manifestação estatal mesmo que estejam satisfazendo uma necessidade coletiva Isso significaria admitir que o liame ou nexo causal que liga o Estado com a coletividade seria definido não pela função social em si mas pelo ato de vontade estatal que o dotasse ou o retirasse de tal destinação pública o que conduz a titularidade como critério na definição da relação jurídica que tem por objeto o bem público Tal concepção resulta em uma expansão equivocada das relações jurídicas que formarão o domínio público que passa a abranger não somente as coisas que estejam afetadas diretamente à cidadania mas também aquelas colocadas à disposição dos serviços públicos tornandoas um título ou ritual sem qualquer substância material646 Por essa razão ainda é incompleta a construção do Conselho de Estado Francês com a figura do aménagement spécial647 porque gera a presunção de que a afetação ao serviço público produz um reconhecimento da adaptação especial da coisa antes da observância dos critérios e de um domínio público por antecipação ou dominialidade virtual648 Não há de se alegar portanto que a afetação formal ou material ao menos enquanto ligada a um ato de manifestação estatal seja o elemento que determinará o liame que tem por objeto o bem público assim como mesmo a afetação implícita também não pode ser o elemento configurador da relação jurídica Isso porque para a literatura jurídica a afetação 645 ENTERRÍA Eduardo Gárcia Sobre la Imprescritibilidad del Dominio Publico Revista de Administración Pública Espanha Centro de Estudios Políticos y Constitucionales n 13 1954 p 20 646 GAUDEMET Yves El futuro Op cit p 15 647 FRANÇA Conselho de Estado Arrêt Lecoq de 03 de Março de 1978 648 Conselho de Estado Arrêt Avi de 31 de Janeiro de 1995 188 188 implícita se liga à titularidade estatal e não a função da coisa sendo considerada aquela decorrente de um ato administrativo que determina ao bem uma finalidade pública ou de uma ocupação pacífica pela Administração Pública649 Novamente assume o Estado o papel central visto que nesta concepção se inexistir uma manifestação volitiva formal ou não não haverá uma qualificação jurídica da coisa como bem público e por conseguinte retornase a questão que há coisas que independente de um agir estatal irão atender uma função social Talvez por essa razão que parte da literatura jurídica considere que a relação jurídica formada no domínio público seja de direito real limitado já que tem por objeto uma coisa mas não configura uma relação de propriedade do Estado uma vez que não é necessária para que possa garantir ou proteger que o bem atinja a sua finalidade pública650 Como exemplo típico apontase as servidões administrativas que constituídas sob a propriedade privada permitem ao ente público sem que adquira a titularidade mantenha a destinação atual à finalidade coletiva e portanto a proteção da natureza pública exercida por parte da coisa mediante a configuração de um direito real Tem por vantagem convergir na compreensão que se a disciplina jurídica especial se funda na proteção da finalidade pública deve envolver não apenas aquelas sob a titularidade estatal mas igualmente que os bens sob uma titularidade privada uma vez que destinados a um interesse público devem se revestir das garantias e exorbitâncias públicas 651 Todavia importa em superar a apropriação do instituto da propriedade nos seus contornos privados com a circunscrição dentro do domínio público de uma noção de direito real com a titularização pelo EstadoAdministração de direitos subjetivos com iguais posições jurídicas que um proprietário individual652 Por efeito não resolve a problemática de se apropriar de categorias de direito privado e de sustentar faculdades típicas de um EstadoProprietário embora pretenda sustentar uma relação jurídica de direito real para a garantia do cumprimento da finalidade pelas referidas coisas se aproxime de uma perspectiva não apenas finalista mas tipicamente funcionalista Como o próprio Tribunal Constitucional Espanhol já se manifestou é possível reconhecer que a destinação a uma finalidade pública não é monopólio do domínio público 649 VANESTRALEN Hernando Bienes de titularidad pública Op cit p 218 650 SCAGLIUSI Maria de los Ángeles Fernández La necesaria reformulación del concepto de dominio público Op cit p 98 651 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 448 652 Por esta razão tende a literatura jurídica à sustentar que no domínio público os direitos reais teriam caráter limitado Neste sentido DIEZPICASO Luis Breves Reflexiones Sobre El Objeto Del Demanio Los Iura In Re Aliena Revista española de derecho administrativo nº 35 1982 p 651 e ss 189 189 mas pode ocorrer com coisas sob uma titularidade privada de forma que para as mesmas devem ser garantido um regime jurídico público653 Assim a relação jurídica que se forma tem por objeto os bens qualificados como públicos podem ter como sujeitos não somente o Estado e a coletividade mas qualquer outro ator social público ou privado já que o seu liame é formado pela função social que é exercida pela coisa e não por sua titularidade Parece comprovada tal consagração mutatis mutandis pelo ordenamento jurídico que reconhece a criação de uma pessoa de direito privado654 mas com uma finalidade de interesse público655 e portanto aplicação de regras de direito público na proteção da função social assumida pela coisa Prevê igualmente de forma expressa a intervenção para proteção de tal acervo patrimonial pelo parquet656 o que denota a natureza coletiva ou pública dos interesses envolvidos657 restando claro determinar uma forma de indisponibilidade no que tange a sua extinção e destinação dos bens à outra instituição de igual natureza658 Igualmente com a criação das próprias pessoas administrativas com personalidade jurídica de direito privado que como perseguem tais fins coletivos659 estão sujeitas a uma 653 ESPANHA Tribunal Constitucional da Espanha Sentença nº 166 de 15 de Julho de 1998 654 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 44 São pessoas jurídicas de direito privado III as fundações 655 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 62 Para criar uma fundação o seu instituidor fará por escritura pública ou testamento dotação especial de bens livres especificando o fim a que se destina e declarando se quiser a maneira de administrála Parágrafo único A fundação somente poderá constituirse para fins de I assistência social II cultura defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico III educação IV saúde V segurança alimentar e nutricional VI defesa preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável VII pesquisa científica desenvolvimento de tecnologias alternativas modernização de sistemas de gestão produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos VIII promoção da ética da cidadania da democracia e dos direitos humanos IX atividades religiosas e X VETADO 656 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 66 Velará pelas fundações o Ministério Público do Estado onde situadas 657 Constituição da República Federativa de Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 127 O Ministério Público é instituição permanente essencial à função jurisdicional do Estado incumbindolhe a defesa da ordem jurídica do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis 658 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 69 Tornandose ilícita impossível ou inútil a finalidade a que visa a fundação ou vencido o prazo de sua existência o órgão do Ministério Público ou qualquer interessado lhe promoverá a extinção incorporandose o seu patrimônio salvo disposição em contrário no ato constitutivo ou no estatuto em outra fundação designada pelo juiz que se proponha a fim igual ou semelhante 659 DecretoLei nº 200 de 25 de Fevereiro de 1967 Art 4 A Administração Federal compreende II A Administração Indireta que compreende as seguintes categorias de entidades dotadas de personalidade jurídica própria a Autarquias b Emprêsas Públicas c Sociedades de Economia Mista d fundações públicas Art 5º Para os fins desta lei considerase II Emprêsa Pública a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado com patrimônio próprio e capital exclusivo da União criado por lei para a exploração de atividade econômica que o Govêrno seja levado a exercer por fôrça de contingência ou de conveniência administrativa podendo revestirse de qualquer das formas admitidas em direito III Sociedade de Economia Mista a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado criada por lei para a exploração de 190 190 disciplina jurídica especial660 com incidência de normas de direito público no que tange aos seus referidos bens661 É possível ainda visualizar o vínculo parcial que se forma com as coisas sob a titularidade privada que estejam em parte destinados à realização de uma função social servidão ocupação temporária ou tombamento tanto que a sua integral destinação pública ocasionará a sua desapropriação indireta ou seja a sua qualificação como bem público Note que a concretização da função social é o elemento que determina não apenas as margens do domínio público e a aplicação do regime jurídico especial mas igualmente o nexo causal que ligará o titular Estado ou particular com a coletividade tendo por objeto a respectiva coisa Sepulta por conseguinte qualquer tentativa de centralizar tal relação jurídica na figura da afetação pois é forçoso admitir que se há coisas sob outras titularidades que não do Estado como visto no domínio público não estatal não pode exclusivamente se sustentar que o ato ou manifestação de vontade estatal formará tal nexo causal Tal compreensão garante que se proteja a finalidade coletiva perseguida pelo bem pois se o elemento que determina o nexo de seu titular com a coletividade não é uma manifestação volitiva mas a própria função social exercida pela coisa enquanto ela persistir haverá a sua proteção mediante a sujeição do regime jurídico especial Assim na fundação enquanto a coisa conservar a sua destinação pública não é possível qualquer ato de disposição por seu gestor que retire da sua afetação de forma que a dissolução da pessoa com a tredestinação dos seus bens para outra que exerça a mesma função social só ocorrerá caso não tenha aptidão para atender mais o fim público De igual sorte a alienação da propriedade com ocupação temporária tombamento ou servidão ocorre com o gravame real que corresponde ao instrumento formal de proteção do atendimento parcial da função social de modo que ainda alienada é garantida a perpetuação do cumprimento daquele interesse da coletividade atividade econômica sob a forma de sociedade anônima cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta 660 BRASIL Lei Federal nº 13303 de 30 de Junho de 2016 Art 1 Esta Lei dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias abrangendo toda e qualquer empresa pública e sociedade de economia mista da União dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios que explore atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços ainda que a atividade econômica esteja sujeita ao regime de monopólio da União ou seja de prestação de serviços públicos 661 Lei Federal nº 13303 de 30 de Junho de 2016 Art 28 Os contratos com terceiros destinados à prestação de serviços às empresas públicas e às sociedades de economia mista inclusive de engenharia e de publicidade à aquisição e à locação de bens à alienação de bens e ativos integrantes do respectivo patrimônio ou à execução de obras a serem integradas a esse patrimônio bem como à implementação de ônus real sobre tais bens serão precedidos de licitação nos termos desta Lei ressalvadas as hipóteses previstas nos arts 29 e 30 191 191 Reconduz à categoria de função social que ao atuar como elemento central da teoria do domínio público permite delimitar contornos claros não apenas na delimitação do acervo e do seu regime aplicável mas da relação que o titular e a coletividade terão tendo por objeto coisas que atendam necessidades coletivas Porém mais do que isso se adéqua a própria instrumentalidade da função pública que demanda a adequação dos seus institutos e do regime jurídico especial à finalidade pública permitindo distinguilo da teoria privada tal como ocorre por exemplo na responsabilidade estatal que é dotada de elementos próprios662 Ao considerar que é a concretização da função social o elemento que determinará o nexo formado entre o titular e a coletividade em torno de uma coisa permitese uma especificidade clara e nítida em relação aos bens privados já que embora ligados também a uma função social a ordem jurídica demanda tão somente uma adequação Auxilia na resolução da celeuma que será tratada com maiores detalhes dos bens sob a titularidade estatal desfuncionalizados já que uma vez não exercem uma função social não há a formação de uma relação jurídica entre o Estado e a sociedade que permitam a sua qualificação como pública e portanto vedação à sua aquisição por usucapião Por outro lado também permite resolver a problemática dos bens sob a titularidade particular que se encontram funcionalizados como por exemplo as florestas em domínios privados pois já que exercem uma função social há a formação de uma relação jurídica entre o Estado e a sociedade e a sua qualificação como pública o que demanda uma proteção Tal compreensão de que a relação jurídica que tem por objeto os bens públicos também decorre da função social assumida e se adéqua a noção da compensação de determinadas necessidades coletivas ou situações de escassez determinam o status público dos bens para a satisfação do interesse público663 Isso fica claro por exemplo no que se refere às águas particulares que por enquanto não atendem uma função social porém na medida em que eventual escassez ou demanda torne necessário à satisfação de necessidades coletivas importará no reconhecimento de uma relação jurídica formada com a coletividade e a sua qualificação como pública664 Note que o reconhecimento do atendimento a uma finalidade coletiva que demarca a natureza pública da coisa não significa necessariamente que o bem deverá estar sob a 662 ALFONSO Luciano Parejo Dominio Público Op cit p 36 663 SCAGLIUSI Maria de los Ángeles Fernández Op cit p 102 664 Parece que tal entendimento foi incorporado pelo próprio Código de Águas BRASIL Decreto Federal n 24643 de 10 de Julho de 1934 Art 3º A perenidade das águas é condição essencial para que elas se possam considerar públicas nos termos do artigo precedente 192 192 titularidade do poder público pois importaria igualmente em identificar a noção de público e estatal e de que os bens públicos são aqueles sob a propriedade do Estado Porém se admitido que o vínculo formado entre o titular e a coletividade tendo por objeto a coisa qualificada como pública decorre da concretização da referida função social cabe então determinar qual será o papel do respectivo sujeito no que tange a tal relação jurídica funcionalizada formada Tratandose de uma relação intersubjetiva e tendo por centro tal objeto serão impostos direitos e deveres de cada um dos sujeitos envolvidos de forma a garantir o atendimento à finalidade da respectiva relação jurídica no caso o atendimento da função social pela referida coisa qualificada como pública Neste sentido assume especial relevo determinar quais serão os deveres impostos ao titular das coisas que são qualificadas como bens públicos na respectiva relação jurídica já que serão exercidos por sujeitos públicos ou privados cuja própria especificidade de suas naturezas resultará em obrigações distintas No que tange ao Estado importa na superação de sua compreensão de proprietário com faculdades para a sua verificação de titular com deveres específicos em relação à coisa que serão igualmente distintos conforme esteja ou não sob a titularidade imediata ou direta dos referidos bens públicos Já no que se refere aos particulares significa aduzir que além das obrigações gerais impostas no uso regular dos bens públicos devem ser verificadas quais serão impostas enquanto estiver sob a titularidade das relativas coisas de forma a garantir não apenas uma adequação mas o cumprimento de uma função social O tema será tratado a seguir 34 Do efeito da atribuição de titularidade dos bens públicos das obrigações do domínio público ao papel de gestor na função social Em grande medida a crise da teoria dos bens públicos decorre da própria assimilação da categoria jurídica de propriedade665 que tem sofrido alterações em razão da ascensão de um modelo constitucional voltado à proteção do homem e seus direitos e conduz a uma despatrimonialização das relações jurídicas 666 No direito civil tal crise no conceito tradicional e liberal de propriedade sobre a coisa ao demandar uma flexibilidade do conceito para se acomodar as exigências da vida social acaba sendo imposto a todos os sujeitos e por conseguinte demanda sua assimilação também ao próprio Estado667 Desse modo sustentar uma concepção patrimonialista sobre a coisa pública que não se adéqua mais a ordem jurídica vigente sequer no que se refere ao direito privado corresponde ignorar que sob a égide de um Estado Constitucional de Direito o exercício de qualquer titularidade sobre o bem se sujeita a uma série de deveres Se aos bens qualificados como privados são impostas obrigações de compatibilização com os fins perseguidos pela ordem jurídica supor que a figura de um Estado exerce poderes administrativos ou faculdades plenas de proprietário é contrariar que os bens atribuídos a sua titularidade o são para a garantia da realização de seus objetivos668 Ademais importa em ignorar que os sucessivos conflitos envolvendo as coisas públicas como a usucapião de bens estatais abandonados decorrem da tentativa de perpetuação de um status quo na teoria formulada que não se adéquam as transformações observadas nas relações sociais e na própria regulação da coisa pelo Direito Nesse sentido também aponta a literatura jurídica a necessidade de uma redefinição urgente do direito das coisas de forma a garantir uma adequação entre a teoria jurídica e a realidade concreta de forma que sua concepção absoluta deve ceder as suas novas formas de expressão como condicionamentos desmembramentos e relativismos669 Assim a regulação do instituto tem sofrido alterações contemporâneas para admitir a sua relativização diante da funcionalização aos fins sociais ambientais e econômicos da 665 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 471 666 MORAES Maria Celina A caminho de um direito civil constitucional Revista de Direito Civil Imobiliário Agrário e Empresarial vol 65 1993 p 8 667 BLANCO Alejandro Vergara Teoria del dominio publico Op cit p 138 668 DUGUIT Leon Traité de Droit Op cit p 315 194 194 ordem jurídica que embora pareça ser mais evidente no âmbito do direito privado no que tange ao Estado não parece efetivamente ter ocorrido 670 A crescente superação da patrimonialização da coisa no âmbito jurídicocivil não tem sido acompanhada no que se refere aos bens públicos o que ignora a verdadeira justificação do título atribuído para intervenção sobre tais bens e para a própria atuação do próprio Estado que é a realização de uma função social671 Tornase necessário deslocar o princípio ontológico do instituto de uma concepção subjetiva de titularidade para uma noção teleológica de função se adéqua melhor ao vínculo público que se forma com os referidos bens672 e isto importa em uma transmutação no papel do titular das referidas coisas Demandase uma disassociação do binômio funçãotitularidade e sua relação recíproca os bens públicos são aqueles de titularidade do Estado e cabe a ele apenas exercer a titularidade dos respectivos bens de forma a evitar a associação falsa de domínio público e de propriedade pública673 A pretensão que a teoria do domínio público corresponda a uma técnica jurídica capaz de constituir um título pleno de intervenção administrativa que legitime a atuação estatal sob as referidas coisas não deve ser em um sentido regaliano de propriedade de relação do titular com o bem674 Se a coisa é qualificada como pública em razão da medida que se liga a concretização de um interesse público o papel do seu titular não será de exercer um domínio ou senhorio sob a mesma com os respectivos poderes ou faculdades mas a atribuição de prerrogativas na medida necessária para que se garanta o cumprimento das necessidades coletivas Nesse viés a desvinculação da noção de função com a de titularidade se converte no principal instrumento para superar a teoria patrimonialista do domínio público675 de forma a orientar as suas repercussões no que tange a assunção da titularidade sobre as referidas coisas bem como os efeitos decorrentes Sustentar a existência de uma titularidade sobre os bens públicos não significa assumir que tal sujeição se identifique com um direito de propriedade tal qual um sujeito privado 669 GILLI JeanPaul Redéfinir le droit de propriété Paris Centre de echerche dUrbanisme 1975 p 124 670 Embora se sustente que sobre os bens públicos o Estado exerça um direito de propriedade todavia não se admite a assimilação do dever de funcionalização social das propriedades aos bens públicos desafetados ao interesse público a ponto de admitir a sua usucapião O tema será tratado oportunamente no item 44 671 ALFONSO Luciano Parejo Dominio Público Op cit p 25 672 BLANCO Alejandro Vergara Teoria del dominio publico Op cit p 139 673 Alejandro Vergara Teoria del dominio publico Op cit p 147 674 PALASÍ Villar Derecho Administrativo Madrid Universidad de Madrid 1968 p 32 675 BLANCO Alejandro Vergara Teoria del dominio publico Op cit p 139 195 195 ou um poder administrativo em uma concepção liberal oitocentista do Estado mas antes que deve se adequar a ordem jurídicoconstitucional subjacente Porém também não é ignorar que ao se formar uma relação jurídica entre o titular seja público ou privado com a coletividade tendo por objeto tal coisa qualificada como pública isto não importará na atribuição ao lado da obrigação de determinados direitos mas que se fundamentam e legitimam na medida em que correlacionam com tal finalidade676 Voltada à titularidade dos bens públicos não como atribuição de senhorio ou poder mas ligada à realização de uma função social isto não significa admitir que o seu exercício ocorra de forma idêntica em relação aos diferentes sujeitos que podem exercêla bem como as próprias coisas que se ligam à uma necessidade coletiva Como visto há determinadas coisas que sua própria substância se ligam a uma necessidade coletiva inclusive essencial por se ligar a existência e perpetuidade humana como por exemplo o ar e os mares enquanto outras a sua natureza material não a dotam de uma função coletiva mas depende de um ato de vontade como por exemplo um prédio Há de se admitir que a própria natureza enquanto não designativa da qualificação de público da coisa pois é o atendimento à função coletiva que a determina e não a sua aptidão física ou orgânica entretanto produz uma distinção no que tange aos direitos e deveres que serão assumidos pelos seus titulares Isto porque algumas dessas coisas são materialmente inapropriáveis e portanto juridicamente indisponíveis em razão de sua própria natureza como os bens jurídicos naturais enquanto outras em sua substância são passíveis de apropriação sendo atribuída a sua inalienabilidade como forma de proteger a sua função tais quais os artificiais Por esta razão com apoio na literatura jurídica pode se sustentar uma escala gradativa no que se refere ao reconhecimento de tais bens públicos como objeto de direitos pelos seus respectivos titulares677 de forma a se adequar a especificidade que assumem tais coisas na realização da função social Assim embora dados bens naturais façam parte do domínio público e a rigor estejam sob a titularidade difusa da coletividade a sua natureza material ou como preferem alguns autores a sua indeterminabilidade espacial como o espaço aéreo marítimo territorial e afim impede não apenas a sua apropriação ao menos total mas um senhorio pleno678 676BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 187 Também comete ato ilícito o titular de um direito que ao exercêlo excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social pela boafé ou pelos bons costumes 677 CAETANO Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 827 678 Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 827 196 196 Por efeito para esses autores sob tais bens públicos o seu titular não teria como exercer uma propriedade pública mas apenas direitos dominiais sob as referidas coisas dotandoo de um conjunto de prerrogativas que seriam necessárias para a garantia do atendimento da função social 679 Embora se rechace que o Estado exercerá propriedade sobre qualquer outro bem qualificado como público ainda que materialmente apropriável tal entendimento conduz a uma interessante reflexão acerca da diferenciação do papel assumido pelo titular no que tange as coisas públicas naturais e artificiais inclusive no que se refere às coisas privadas Uma importante distinção da relação administrativa formada com o bem público que se diferencia da relação de propriedade formada pelo bem privado é a capacidade de disposição tanto na aquisição uso e perda do domínio que seria limitada em razão da destinação do bem à finalidade pública680 Uma vez que os bens privados são orientados pelo princípio da autonomia de vontade a sua disposição naquele sentido amplo encontra um espaço amplo desde que adequado ao exercício da função social ao passo que os bens públicos uma vez que direcionados pelo princípio do interesse público deve ter sua disposição condicionada àquela finalidade Por efeito o domínio sobre as coisas públicas garante ao seu titular que sejam concedidos direitos igualmente públicos enquanto necessários à própria proteção da finalidade pública permitindose por conseguinte render o máximo de utilidade coletiva através de um tratamento distinto daquele efetuado do regime privado681 Porém isto não importa que houvesse um direito do Estado de manter a sua conservação na propriedade pública e portanto resguardar uma esfera de proteção pública para coisa mesmo que esteja desafetada ou desclassificada de sua utilidade pública já que o ente estatal poderia atribuir outra igual finalidade coletiva682 Considerado que é o elemento funcional que forma o nexo causal entre o titular e a coletividade tendo por objeto o bem que se qualifica como público e concede os direitos e deveres isto ocorre apenas em razão da função social exercida e na medida que a proteja de forma que inexistindo ou não subsistindo há a extinção dessa relação jurídica Ao revés se considerado que o complexo de direitos e deveres são atribuídos devido o liame funcional formado pelo cumprimento da função social pela coisa isto significa admitir 679 CAETANO Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 827 e 829 680 LIMA Ruy Cerne Op cit p 77 681 CAETANO Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 827 e 829 682 Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 830 197 197 que houvesse uma gradação à medida que há o atendimento da necessidade coletiva por aquele bem qualificado como coletivo Neste giro inequívoco que para os bens públicos naturais uma vez que exercem por si só a função pública e são insuscetíveis de apropriação exceto de forma parcial significaria uma reserva de direitos para abranger a fruição e disposição ordenada pelo Estado apenas no que tange ao poder de regular e de policiar o uso desses bens683 Não cabe ao titular a disposição da coisa natural quando qualificada como pública como por exemplo o ar ou rio visto que o exercício de sua função social não só não ocorre por um ato de vontade como se no primeiro caso é impossível desafetálos no segundo seria admitir a disposição de uma necessidade coletiva e até mesmo humana Porém se não é possível a disposição em si das referidas coisas é possível que o Estado possa na sua regulação destinar a exploração a um sujeito privado em prol da coletividade ou exercer o deverpoder de polícia garantindo uma disposição do uso ou restrição transitória a indivíduos que permita a proteção da sua finalidade social684 Já para os bens artificiais cujo exercício da função pública decorre de um ato de vontade e a sua substância não impede a sua apropriação como por exemplo os prédios há de se admitir que se a relação jurídica é formada por um ato que o ligue a uma finalidade coletiva a sua perpetuação ocorrerá enquanto permanecer a mesma Por efeito serão atribuídos igualmente direitos e deveres ao titular das referidas coisas de forma a garantir o exercício de sua função social mas uma vez que isto decorre de um ato que produz a sua afetação há de se admitir que seja garantida uma inalienabilidade enquanto permanecer ligada à finalidade ou seja sem impedimento que haja uma eventual disposição Novamente se rechaça qualquer tese de que o reconhecimento de uma afetação ou desafetação da coisa a uma finalidade coletiva signifique firmar um critério de titularidade como definidor na relação jurídica ou uma concepção patrimonial da coisa pública mas se liga eminentemente à questão da função social Recordese que a disponibilidade é traço característico do direito de propriedade enquanto ligada à autonomia de vontade ao passo que a inalienabilidade é característica da coisa pública ligada à função pública o que não necessariamente importa que o Estado seja proprietário mas gestor daqueles interesses da coletividade685 683 CAETANO Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 834 684 BIELSA Rafael Op cit p 170171 685 TAVARES José Os Princípios Fundamentais Op cit p 349 198 198 Admitirse uma inalienabilidade não implica no reconhecimento de uma indisposição absoluta mas tão somente que determinadas coisas enquanto qualificadas como públicas se sujeitam àquele regime protetivo especial já visto sem que isso signifique uma restrição absoluta ao seu titular da disposição mas a sua conservação enquanto ligada a finalidade Tal proposição converge para a tese já aqui exposta que a gradação do atendimento da função social não apenas define as fronteiras do público e do privado mas igualmente delimita formas distintas de cumprimento das necessidades coletivas pelos bens públicos que influem na gradação do regime aplicável e no papel do seu titular Tanto os direitos quanto deveres do titular do bem qualificado como público serão graduados em razão de sua vertente objetiva na medida em que tais coisas se ligam de forma distinta ao atendimento da função social quanto em sua vertente subjetiva na forma em que sujeitos distintos são responsáveis pela garantia desta finalidade pública Assim reconhecido que haverá uma gradação nos direitos e deveres relativos às coisas que atendem por si só uma necessidade coletiva em relação a outras que só por um ato de vontade são destinadas à uma finalidade social há de se verificar se os mesmos serão exercidos de forma idêntica pelos seus sujeitos Como visto as transmutações ocorridas na soberania do Estado e na persecução dos interesses da coletividade resultaram em um descolamento do público com o estatal e o reconhecimento que haverá bens sob uma titularidade imediata do Estado enquanto outros poderão estar sob a sujeição do grupo social ou sujeito privado É tradicional a noção que sob os bens públicos cada indivíduo teria o direito de uso ou gozo como titular de um jus utendi em razão de uma titularidade comum que atribuiria a todos de forma uti singuli e uti universi686 embora não determine em si os deveres decorrente dessa sujeição das respectivas coisas Ao revés considera que os bens públicos estão sujeitos a regulação pelo próprio Estado que permitiria condicionar o uso ao seu destino e a utilização pelos outros sujeitos687 sustentando alguns inclusive que isto decorreria de se tratarem de res nullius possuída em nome alheio pelo Estado para assegurar à coletividade a sua fruição688 Entretanto não parece adequado sustentar que os bens públicos são res nullius pois além de se admitir uma possível apropriação seria ignorar que sob tais coisas existe uma titularidade ou sujeito que exerça 686 BIELSA Rafael Op cit p 166 687 Rafael Op cit p 166 688 PROUDHON M Traité du domaine public Op cit p 4 e ss 199 199 direitos e deveres em relação à mesma689 sem que considere que isso seja uma propriedade já que tais coisas não visam o usufructus abusos e afins690 Admitida porém que há coisas que estarão sob a titularidade não Estatal mas da própria coletividade seja através de determinado grupo social como as terras ocupadas pelos indígenas ou sujeito privado como na despublicização caberá definir os seus respectivos deveres em relação à coisa Desde já ultrapassase à noção de que tais deveres se limitariam àqueles decorrentes da regulação estatal sob as referidas coisas pois correspondem à restrições ordinárias decorrentes do exercício de um poder de polícia geral que decorrem das necessidades de ordenação do seu respectivo uso Admitida uma titularidade da coletividade ou de algum daqueles atores sociais sob as coisas públicas há de se definir o seu papel na garantia de concretização da função social perseguida pelo bem público e por conseguinte quais serão os seus deveres e em que medida esses serão ou não idênticos ao do Estado A literatura estrangeira aponta para a proteção dos bens enquanto suportes materiais ao exercício de uma função pública que impõem ao seu titular seja o Estado ou o particular as chamadas obrigações do domínio público que legitimam o exercício das garantias e prerrogativas públicas691 Não se deve considerar que tais obrigações impostas pela titularidade correspondam por si o elemento que determina a formação do nexo ou distingue a relação jurídica que tem por objeto a coisa pública pois traduz isto na consequência jurídica ou sanção imposta pelo vínculo jurídico formado em relação ao referido objeto Seria partir de uma concepção positivistaestruturalista em que a imputação da referida consequência ao sujeito é o traço distintivo da relação jurídica e do próprio Direito692 quando embora seja inegável que sob os bens públicos incidam os deveres de guarda e proteção não parece que sob todos que tenham tais deveres resulte em uma natureza pública Porém se adéqua a compreensão que se uma concepção de relação jurídica determina uma articulação de direitos e deveres surgindo para o seu titular haverá obrigações jurídicas impostas aos seus sujeitos de criação e manutenção das coisas públicas de forma a alcançarem a sua finalidade coletiva693 689 ALVAREZGENDÍN Sabino El dominio publico Op cit p 24 690 MENEGALE J Guimarães Op cit p 19 691 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 448449 692 KELSEN Hans Teoria Pura do Direito São Paulo Martins Fontes 2003 p 8691 e 113115 693 ALFONSO Luciano Parejo Dominio Público Op cit p 30 200 200 Não obstante parece que tais obrigações de domínio público de fato são antes uma designação distinta para abranger os deveres decorrentes da gestão pública que incidirão sob os titulares que estejam na execução do munus publico em especial na figura estatal enquanto ente moral cuja criação e perpetuação se liga à satisfação dos interesses públicos Isto implica admitir que embora haja obrigações de proteção e promoção da função social que devem ser exercidos pelo titular da coisa pública seja coletividade grupo social ou particular o Estado mesmo que não a esteja com a sua sujeição direta conservará ainda o dever de proteção da função social assumida Relembrese no caso já analisado das terras tradicionalmente ocupadas que figuram como domínio público não estatal já que sob sujeição do grupo indígena aos quais devem conservar a função social assumida identidade e cultura indígena sob pena de se extinguir o liame jurídico que tanto as qualificam como públicas quanto fundamentam tal titularidade Além das obrigações decorrentes dessa atribuição da titularidade a tal grupo social inegável que cabe ao Estado igualmente preservar essa função social de forma que aquele sujeito não poderia como por exemplo contra invasões e explorações bem como garantir a proteção das outras necessidades coletivas como a proteção dos rios e demais bens naturais Na literatura jurídica tradicional sustentase tal reserva de obrigações em razão de uma suposta dicotomia da titularidade de modo que embora a sua execução ou sujeição direta estivesse sob um particular ainda guardaria o Estado uma titularidade imediata sob as referidas coisas É a apropriação na teoria das coisas públicas da concepção de propriedade e de seu senhorio que estreitou a noção de público com de Estado confundindo ambos pois sob as atividades e bens públicas o ente moral exerce uma função de gestor ao cumpre entregar seu aproveitamento à coletividade o verdadeiro sujeito de tais coisas 694 O raciocínio é reverso pois as obrigações impostas ao Estado na conservação e promoção dos bens públicos não são decorrentes de possuir uma sujeição última sob tais respectiva coisas mas de ser gestor dos interesses da coletividade que correspondem aos verdadeiros titulares sem que possuam per si os instrumentos para a sua proteção Se o fundamento da atuação do Estado se ligava no Estado Liberal de Direito a noção de potestade ou senhorio sob a coisa com a consagração do Estado Constitucional de Direito configura em deveres que se voltam na garantia da função social dos bens que integram o domínio público695 694 BLANCO Alejandro Vergara Teoria del dominio publico Op cit p 140 695 ALFONSO Luciano Parejo Dominio Público Op cit p 26 201 201 Isso implica na compreensão de que não basta o Estado exercer obrigações em um conceito estático de afetação da coisa a uma finalidade pública mas assumir uma visão dinâmica e historicamente fluídica no dever jurídico de orientar a ação dos seus órgãos e agentes à tutela e promoção da função social696 Ademais de que mesmo sob os bens que não estejam na sua titularidade caberá uma atuação estatal visto que o elemento que deflagra a sua atuação não é o objeto estar sob a sujeição mas a perseguição da finalidade coletiva de modo que mesmo sob a titularidade de outrem restará as obrigações de atuar quando necessário na proteção da função social Assim deslocase por vez a compreensão de um Estadoproprietário que exerce faculdades de senhorio e prerrogativas soberanas sob as suas coisas para de um Estado Gestor que enquanto regulador dos interesses da coletividade é atribuído um dever jurídico de proteção e promoção das coisas ligadas às finalidades sociais Compreender que o Estado não exerce um direito de propriedade mas um dever de gestão sobre a coisa pública é admitir que sobressaia a relevância dos bens públicos não em razão de sua titularidade mas do seu exercício enquanto afetado ao interesse da coletividade o que importa na própria ampliação da noção de gestão697 Centrada a relação jurídica no elemento teleológico isso importa não apenas no reconhecimento de que a titularidade pode ser estatal ou não já que se busca a realização daquela função social mas que se pretende alcançar a sua melhor forma de concretização a própria redefinição da exclusividade da mesma Isso significa que se a noção de EstadoProprietário reforçava uma concepção liberal de propriedade pública sob um domínio exclusivo de um ente estatal sustentar um conceito de EstadoGestor é substituílo por uma noção de competências698 com a atuação coordenada por variados entes na consecução do interesse público É mais um dos mitos dos bens públicos a noção de que tais coisas devem estar sob o domínio como sujeição de um ente estatal quando sob a égide de um Estado de Direito estarão sob uma repartição constitucional699 entre mais de um ente se necessário para o melhor atendimento da função social Assim refletir sobre os efeitos produzidos na atribuição de titularidade dos bens qualificados como público à luz da perspectiva funcionalista em certa medida corresponde a 696 ALFONSO Luciano Parejo Dominio Público Op cit p 26 697 GONZÁLEZ Julio V González Garcia La titularidad Op cit p 127 698 Julio V González Garcia La titularidad Op cit p 127 699 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 455 202 202 admitir que a própria noção de titularidade deva se sujeitar a uma releitura que se adéque melhor a realização da função social Assim substituise a tradicional noção de titularidade como uma sujeição sob os bens para uma concepção de competências exercidas sob tais coisas700 que se adéquam muito mais a noção não de um ente moral criado para atingir finalidades públicas mas de funções públicas que serão perseguidas por entes morais Como já firmou a Corte Constitucional Espanhola devemse analisar os bens públicos além de seu regime jurídico de titularidade mas reconhecêlos como o suporte físico ou material de uma pluralidade de atividades públicas e privadas ao qual a Constituição atribui competências aos variados entes federados701 Nesse sentido o regime constitucional de partilha de competências e de bens adota um modelo de federalismo cooperativo que estrutura um sistema que combina competências exclusivas privativas e principiológicas com competências comuns e concorrentes buscando um equilíbrio na federação mas prevendo atuações paralelas entre os entes702 Junto à técnica do federalismo cooperativo acresce um esquema de competências concorrentes com atributos exercidos por mais de um ente de federação de forma a garantir maior eficiência na execução de tarefas e objetivos de interesse social e uma responsabilidade do Estado703 Note que há uma necessária convergência desse modelo federalista de partilha de competências com a teoria dos bens públicos pois não há como sustentar uma titularidade rígida no que se refere a tais coisas uma vez que correspondem aos substratos materiais para a realização daqueles munus públicos Assim é possível identificar um papel de EstadoGestor dos bens públicos pela Constituição Federal ao determinar ser competência comum dos quatros níveis federados a conservação do patrimônio público704 da proteção de bens de valor histórico artístico e cultural705 e dos bens públicos naturais706 700 GONZÁLEZ Julio V González Garcia La titularidad Op cit p 127 701 ESPANHA Tribunal Constitucional Espanhol Sentença nº 227 de 29 de noviembre de 1988 702 SILVA José Afonso da Curso de Op cit p 477 e 479 703 Almiro do Couto e Comentários ao Artigo 20 da Constituição Federal Bens da União in CANOTILHO J J Gomes SARLET Ingo Wolfgang STRECK Lenio Luiz MENDES Gilmar Ferreira Comentários à Constituição do Brasil São Paulo SaraivaAlmedina 2013 p 1552 704 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 23 É competência comum da União dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios I zelar pela guarda da Constituição das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público 705 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 23 III proteger os documentos as obras e outros bens de valor histórico artístico e cultural os monumentos as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos 706 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 23 VII preservar as florestas a fauna e a flora 203 203 Note que a Constituição Federal não determina um dever individual consentâneo ao titular dos bens públicos de garantir a guarda dos bens que são da federação a ele foi atribuído em razão da partilha constitucional mas incumbe um dever comum de todos os entes na preservação do patrimônio daquela comunidade política Reforça a idéia de que embora possa ser atribuída uma titularidade aos bens públicos não exclui os deveres consentâneos que serão impostos aos demais entes estatais enquanto criados para satisfação dos interesses da coletividade de garantir a preservação da função social que exercem Ademais ao tratar da gestão associada é expresso pela Constituição Federal que a formação de consórcios públicos e de convênios de cooperação podem resultar a transferência total ou parcial de bens públicos707 o que sobreleva a prevalência de sua função na realização do interesse público sobre a sua titularidade Não é recente a superação da idéia de competência exclusiva para uma gestão associada dos serviços públicos que mediante a permeabilidade das competências supõe a atuação de várias entidades administrativas na prossecução do interesse público e portanto a afetação dos referidos bens públicos para tal mister708 Em certa medida a literatura jurídica pátria já reconhece a prevalência da função sob a titularidade dos bens públicos ao admitir exempli gratia a desapropriação de um ente federado sobre outro desde que observado o princípio da preponderância de interesses nacionais regionais e locais que justifiquem a referida ingerência 709 Tal entendimento parece ser admitido igualmente pelos os autores estrangeiros em maior ou menor grau ao admitir que a mudança de titularidade na coisa pública sem que isto resulte em uma perda da sua finalidade coletiva e tão pouco em violação ao princípio da inalienabilidade já que mantida a destinação e o domínio público710 Também aparenta assumido pelo Conselho de Estado Francês que adere essa théorie des mutations domaniales permitir que o Estado possa de forma discricionária e sem 707 BRASIL Constituição da epública Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 241 A União os Estados o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados autorizando a gestão associada de serviços públicos bem como a transferência total ou parcial de encargos serviços pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos 708 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 53 709 CARVALHO FILHO José dos Santos Manual de Direito Administrativo 27 ed rev atual e ampla São Paulo Atlas 2014 p 836 710 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 51 204 204 qualquer indenização modificar a afetação de uma coisa do domínio público que pertença a o outro ente moral com personalidade de direito público711 Uma vez que o domínio público é marcado pela prossecução do interesse público todos os bens que o compõem são indivisíveis e estão destinados à proteção deste o que justifica a modificação do thelos de um bem público por uma autoridade de coisa que está sob a sujeição de outra712 No caso da França não há propriamente uma mudança da titularidade mas uma modificação ou superposição da afetação do bem público que permite a transferência da gestão do ente local para o ente nacional713 o que afirma claramente no âmbito do domínio público uma distinção entre a noção de titularidade e função Claro que tal construção teórica e jurisprudencial de uma mutação dominial surgiu para contornar uma suposta proibição de expropriação da coisa pública em razão do princípio da inalienabilidade do domínio público714 porém acaba por reforça o critério de função na delimitação dos contornos da titularidade e na sua própria modificação Com essa construção a teoria dos bens públicos evolui para a par de um domínio absoluto do seu titular para uma homogeneização em torno da competência de forma a haver a participação coordenada de todas as Administrações Públicas afetadas por o substrato físico ou real da destinação da coisa715 Admitir tal superposição na destinação da coisa conduz ao reconhecimento de uma gestão conjunta entre os sujeitos públicos e uma composição dos interesses públicos incidentes no caso do Estado Unitário Francês entre os interesses locais e nacionais716 e na questão do Estado Federado Brasileiro entre os interesses locais regionais e nacionais Por efeito reconhecer uma titularidade aos bens públicos a partir de uma perspectiva funcional é sustentar que não apenas existirão sujeitos públicos e privados responsáveis pela gestão das referidas coisas como que isto não ocorrerá de forma exclusiva mas do modo que permita o melhor atendimento da função social Quando a titularidade do bem público estiver sob um grupo social ou ente privado caberá uma atuação do Estado bem como se a coisa pública estiver sob a sujeição de um ente público isto não excluirá a atuação de outros entes estatais de forma a garantir a melhor realização da necessidade coletiva 711 FRANÇA Conselho de Estado Arrêt Ville de Paris et chemins de fer dOrléans 16 de Julho de 1909 712 CAPITANT David Les mutations domaniales et les superpositions daffectation in Réflexions sur le Code General de la propriété des personnes publiques Litec 2007 p 33 713 David Les mutations domaniales Op cit p 33 714 David Les mutations domaniales Op cit p 34 715 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 472 716 CAPITANT David Les mutations domaniales Op cit p 44 205 205 Ademais incidirá aos respectivos titulares das coisas públicas as chamadas obrigações do domínio público ou simplesmente os deveres decorrentes do papel de gestor que embora possam ser distintos ao ente público ou privado em razão da própria natureza de cada sujeito deve envolver em certa medida a atribuição de determinadas faculdades Sem se adentrar na celeuma se a disciplina administrativa é formada por potestades oriundas da soberania estatal717 prerrogativas decorrentes da função ou munus público718 ou por deveres explícitos e implícitos decorrentes da atribuição de uma competência legal719 inexorável que o reconhecimento de um papel de gestor impõe a necessidade de instrumentos No que tange aos bens públicos parece que decorre da própria noção de domínio público como técnica multívoca que pretende atribuir um título de legitimidade para maior atuação do titular sob coisas que exerçam uma finalidade pública que sejam atribuídas algumas posições específicas720 Isto não significa ignorar a dificuldade de delimitar quais seriam tais atribuições de gestão em razão dos problemas que surgem por exemplo quando observado o próprio modelo de partilha de competência com atribuições comuns e concorrentes mas que demanda uma fórmula de coordenação ou de cooperação721 Tornase nítido no que se refere a determinados bens públicos aos quais atribuídas competências comuns como os bens naturais a realização de determinadas obrigações como o dever de fiscalização pode resultar em uma superposição regulatória que acabe importando em um menor grau de eficiência722 Neste sentido buscam alguns autores quais seriam essas faculdades para a proteção da coisa pública como a regulação do uso com o estabelecimento de reservas ou restrições a criação de critérios ou requisitos para a sua utilização bem como a fiscalização e limitação com fins de interesse público decorrente do exercício do poder de polícia723 717 CRETELLA JUNIOR José Os cânones do Direito Administrativo Revista de Informação Legislativa a 23 97 janmar 1988 p 21 718 BRITTO Carlos Ayres Distinção entre direitos subjetivos e prerrogativas constitucionais Revista do Ministério Público do Estado de Sergipe n 2 v 1 1992 Boletim de Direito Administrativo v 5 n 11 p 48 50 719 A crítica à construção de um regime administrativo em um Estado de Direito com uma matriz de prerrogativas ou poderes foi tratado em MOURA Emerson Affonso da Costa Um fundamento Op cit Capítulo II 720 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 467 721 Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 452 722 AAGAARD Todd S Regulatory Overlap Overlapping Legal Fields and Statutory Discontinuities Virginia Environmental Law Journal Vol 29 No 3 2011 p 238240 723 RODRÍGUEZ J R Calero Régimen jurídico de las costas españolas Pamplona Editorial Aranzadi SA 1995 p 99 206 206 Parece insuficiente a tentativa de restringir nestas proposições teóricas quais seriam os atributos exercidos pelo titular no que se refere às coisas públicas ainda mais considerando que envolvem apenas os poderes ou as prerrogativas que são concedidas ao Estado embora a coisa possa ser titularizadas por outros sujeitos Também não resolve a questão considerar que a gestão dos bens públicos se esgota no uso como fazem parte dos autores especificando as suas modalidades comum geral compartilhado e privado e os instrumentos públicos autorização permissão concessão e cessão e privados enfiteuse direito de superfície locação e comodato724 Não se nega que a gestão dos bens públicos pelo Estado abrange uma atividade de tutela das coisas que será realizado precipuamente mas não exclusivamente através do exercício dos seus poderes em especial de gestão e de regulação da sua utilização pela coletividade725 Não se pode restringir a atuação do gestor apenas para a regulação do seu uso uma vez que se volve a titularidade à persecução da função social significa que não se destina apenas a disciplina da sua utilização mas da própria existência e perpetuação da finalidade coletiva assumida pela coisa Por esta razão preferese a estipulação de uma fórmula genérica que a titularidade dos bens públicos abrangerá as faculdades expressas aquelas previstas em lei726 e as implícitas decorrentes e necessários para o seu exercício727 que sejam atribuídas tanto para sujeitos públicos quanto privados Assim por exemplo nas terras tradicionalmente ocupadas a titularidade dos índios abrangerá as faculdades expressas como de exploração dos recursos naturais728 quanto s faculdades implícitas como a defesa dentro da ordem jurídica729 e permissivo legal730 de apropriação por qualquer outro sujeito dentro deste 724 CARVALHO FILHO José dos Santos Manual Op cit p 11811210 725 CAETANO Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 916917 726 Como por exemplo impedir a evasão a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico artístico ou cultural BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 23 IV 727 Como por exemplo adentrar sem prévia comunicação no campo de exploração dos recursos hídricos e minerais para realizar os deveres expressos de registro acompanhamento e fiscalização das concessões de direitos de pesquisa e exploração BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 23 XI 728 BRASIL Constituição da epública Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 231 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinamse a sua posse permanente cabendolhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo dos rios e dos lagos nelas existentes 729 Lei Federal n 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1210 O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação restituído no de esbulho e segurado de violência iminente se tiver justo receio de ser molestado 1 O possuidor turbado ou esbulhado poderá manterse ou restituirse por sua própria força contanto que o faça logo os atos de defesa ou de desforço não podem ir além do indispensável à manutenção ou restituição da posse 207 207 Não se ignora a existência na literatura jurídica de autores que sustentam à extensão plena ao Direito Administrativo das formas e métodos de gestão que são típicos do setor privado à propriedade privada com fins de racionalização e exploração rentável e propõem portanto a reforma do direito dos bens públicos731 Porém também não se escusa aqueles que são contrários a um aproveitamento econômico dos bens públicos sustentando os riscos de dilapidação a melhor garantia para a integridade e o cumprimento de sua função pública é a utilização coletiva das coisas e não a apropriação ainda que transitória e para fins de exploração econômica por agente privado 732 Não se pretende nesta tese analisar em si a exploração dos bens públicos mas apenas firmar que o papel de gestor que será assumido pelo titular da coisa qualificada como pública importará no reconhecimento de um dever de promoção da função social que atribuirá faculdades expressas ou implícitas mas não serão exercidas de forma exclusivas A problemática pode ser observada no que tange aos bens que compõem o domínio público mas estejam sob a titularidade dos entes privados o que não exclui o dever de atuação do Estado como no caso de determinados bens públicos naturais como as florestas privadas ou culturais os bens privados tombados O tema será tratado a seguir 730 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 231 3º O aproveitamento dos recursos hídricos incluídos os potenciais energéticos a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional ouvidas as comunidades afetadas ficandolhes assegurada participação nos resultados da lavra na forma da lei 731 GAUDEMET Yves El futuro Op cit p 11 732 Yves El futuro Op cit p 12 208 208 35 O papel do EstadoGestor nos bens que exercem função social sob a titularidade particular da velha questão do tombamento à nova celeuma das florestas em terras privadas Como visto um dos efeitos da crise da teoria dos bens públicos é permitir ressituar o domínio público não a partir de um critério de titularidade estatal identificando como uma noção de proprietário das referidas coisas mas partir do elemento da finalidade pública que é a razão do próprio instituto e fundamento da sua disciplina exorbitante733 Sob tal viés assume o Estado enquanto ente moral criado e destinado para a satisfação das finalidades coletivas o papel de gestor dos bens qualificados como públicos que estejam sob a sua titularidade imediata ou sujeição de outro ator social um conjunto de deveres de forma a garantir o cumprimento daquela função social Neste ponto nos aproximamos de uma antiga celeuma que é o tombamento dos bens que compõem o patrimônio cultural brasileiro mas estejam sob uma titularidade privada ao qual tal reconhecimento pode impor ônus ao sujeito que por vezes não seja capaz de suportá lo integralmente ensejando uma ação estatal Determina a Constituição Federal de 1988 o dever do Estado em colaboração da comunidade da promoção e proteção do patrimônio cultural brasileiro que envolverá desde medidas que não importem na alteração de sua titularidade inventários registros e vigilância até a sua sujeição ao próprio Estado como a desapropriação734 Note que o fato da lei fundamental determinar a proteção do patrimônio histórico e cultural brasileiro ao Estado não significa que ele possa avocar por si próprio a sua tutela mas sendo a titularidade mediata da coletividade cada cidadão tem o seu direito público subjetivo de ver a coisa protegida mediante instrumentos próprios como ação popular735 Dentre tais medidas de acautelamento e preservação há o tombamento que pretende mediante a imposição de restrições aos bens que compõem tal acervo histórico e artístico nacional a garantir a conservação de sua função social qualificada por lei a saber o seu excepcional valor histórico arqueológico ou etnográfico bibliográfico ou artístico736 733 LAVIALLE Christian Le domaine public une catégorie juridique menacée Op cit p 585 734 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 216 1º 735 ALVES Alexandre Ferreira de Assumpção O tombamento como instrumento de proteção ao patrimônio cultural Revista Brasileira de Estudos Jurídicos Universidade Federal de Minas Gerais v 98 juldez 2008 p 8384 736 BRASIL DecretoLei nº 25 de 30 de Novembro de 1937 Art 1º Constitue o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interêsse público 209 209 Observe que constitui o patrimônio histórico e cultural brasileiro não apenas às coisas que estejam sob a titularidade das pessoas jurídicas de direito público mas igualmente aquelas que possam estar sob a sujeição das pessoas jurídicas de direito privado sejam eles entes naturais ou morais737 A proteção jurídica dada pelo instrumento designado como tombamento decorre da proteção da função social pois não é a coisa em si que se protege mas se materializa como um bem jurídico que é objeto de tutela na medida em que assume um valor cultural ao qual o Estado procede o reconhecimento jurídico738 Por isso parece imprópria a técnica legislativa ao considerar que tais coisas sejam pertencentes às pessoas privadas pois uma vez que compõem o patrimônio histórico e cultural brasileiro isto significa considerar que estão afetadas a uma finalidade social ao qual passam a ser designadas como públicas Parece partir de uma concepção patrimonialista de que a qualificação do bens como público decorre do fato de estar sob o acervo da titularidade estatal quando a partir daquela perspectiva funcionalista tais coisas assumirão um caráter público sem ignorar que estejam sob uma titularidade privada Isso fica claro pelo modo como tais coisas uma vez tombadas se sujeitam igualmente a uma alienabilidade condicionada ainda que a lei utilize expressões distintas pois estando sob a titularidade estatal apenas caberá a sua transferência à outro ente público739 e a titularidade privada a qualquer outro ente desde que observada as restrições legais740 Tal entendimento parece ter sido parcialmente reconhecido já pelo Superior Tribunal de Justiça brasileiro ao afirmar que o bem está submetido com o tombamento à um regime jurídico sui generis permanecendo o seu titular na condição de administrador e incumbindo o ônus de conservação da coisa tombada 741 quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico bibliográfico ou artístico 737 BRASIL DecretoLei nº 25 de 30 de Novembro de 1937 Art 2º A presente lei se aplica às coisas pertencentes às pessôas naturais bem como às pessôas jurídicas de direito privado e de direito público interno 738 RABELO Sonia O Estado na preservação dos bens culturais tombamento Rio de Janeiro IPHAN 1999 p 45 739 DecretoLei nº 25 de 30 de Novembro de 1937 Art 11 As coisas tombadas que pertençam à União aos Estados ou aos Municípios inalienáveis por natureza só poderão ser transferidas de uma à outra das referidas entidades 740 DecretoLei nº 25 de 30 de Novembro de 1937 Art 12 A alienabilidade das obras históricas ou artísticas tombadas de propriedade de pessôas naturais ou jurídicas de direito privado sofrerá as restrições constantes da presente lei 741 Superior Tribunal de Justiça Recurso Especial nº 25371 Relator Ministro Giácono Gavazzi J 19041993 210 210 De qualquer modo pretendese com o tombamento se proteger a coisa independente da sua titularidade estar sob uma sujeição privada evitandose uma desnecessária estatização de todo o patrimônio histórico e cultural nacional mas sujeitando tais bens à uma disciplina normativa especial que alguns denominam como regime jurídico de tutela pública742 Como visto uma vez que tais coisas ainda sob a titularidade privada estejam ligadas não a uma adequação a função social mas a concretização de uma necessidade coletiva a proteção do patrimônio histórico nacional se sujeitam a um regime jurídico especial que não exclui as regras de direito privado mas impõe aplicação de normas de direito público Sob tal viés a tais coisas estejam sob a sujeição pública ou particular incidiram deveres ou obrigações que visam preservar não a sua titularidade mas a proteção da função que assumem podendo ser distintas em razão da natureza dos seus sujeitos uma vez que se movem por princípios distintos autonomia de vontade e interesse público Desta feita uma vez que esteja sob a titularidade privada pode ser objeto de negócio jurídico desde que haja a averbação no registro do seu tombamento743 a transcrição no seu deslocamento744 e a comunicação à autoridade745 pois o que pretendese não é conservar o sujeito mas garantir que a função social seja perpetuada Isso implica no reconhecimento do seu próximo titular que a coisa exerce uma função social e portanto não se sujeita à sua autonomia de vontade plena e aplicação integral das formas e normas do regime jurídico de direito privado mas enquanto compõem ao patrimônio histórico nacional está ligada à um interesse público e aplicação dos deveres decorrentes Tanto que ao revés de um bem privado ao qual o Código Civil admite uma disposição material pelo abandono746 ou a destruição resguardadas as suas consequências747 para as coisas que exercem uma função pública impõe a lei de tombamento a vedação da destruição demolição ou mutilação748 e o dever de notificação em caso de extravio ou furto749 Se parece claro que pretende o regime jurídico especial imposto à tais coisas que estão sob a titularidade privada mas exercem uma função social garantir a proteção da mesma devese verificar então sob quem será imposto os ônus ou deveres decorrentes para permitir a conservação do seu caráter de patrimônio histórico nacional 742 ALVES Alexandre Ferreira de Assumpção O tombamento Op cit p 86 743 BRASIL DecretoLei nº 25 de 30 de Novembro de 1937 Art 13 caput e 1º 744 DecretoLei nº 25 de 30 de Novembro de 1937 Art 13 2º 745 DecretoLei nº 25 de 30 de Novembro de 1937 Art 13 3º 746 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1275 inciso IV 747 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 188 inciso II 1297 1357 1408 e 1410 inciso V 748 DecretoLei nº 25 de 30 de Novembro de 1937 Art 17 749 DecretoLei nº 25 de 30 de Novembro de 1937 Art 16 211 211 Nesse sentido repare que impõe a lei de tombamento um dever de conservação e reparação ao titular da coisa tombada inclusive que não possuindo os recursos deverá levar o conhecimento à Administração Pública sob pena de aplicação de multa estipulada em relação ao dano sofrido pela coisa750 Poderia supor que tratandose de propriedade privada caberia ao próprio sujeito o dever de sua conservação porém note que considerada necessárias às obras e inexistindo pelo seu titular capacidade econômica de realizalas poderá o órgão competente ordenar a sua realização a expensas da União751 Contudo sendo medidas para conservação de propriedade privada em tese geraria a dificuldade de compatibilizar com a vedação da Lei de Improbidade Administrativa ao vedar a utilização de equipamentos ou materiais públicos em obra ou serviço particular752 e a aplicação de recursos públicos em qualquer forma de incorporação ao patrimônio particular753 Parece nítido que a coisa ao assumir uma função social no caso tratado o interesse da coletividade na preservação do patrimônio histórico e cultural brasileiro assume a qualificação de público o que enseja as obrigações ou deveres não apenas ao seu titular mas ao Estado enquanto gestor dos interesses e bens públicos Não se pode tentar limitar tais deveres ao exercício do poder de polícia pois seria admitir tal qual o pensamento tradicional que se trata de coisa privada ao qual compete ao Estado regular o seu uso através das restrições incidentes na propriedade particular em razão da sua compatibilidade com o interesse público754 Não devese confundir os bens privados que devem no exercício de sua autonomia privada se compatibilizar ao interesse público e por conseguinte se sujeitam à restrições determinadas pelo Estado como as limitações administrativas com as coisas que exercem por si só uma função social e portanto são impostos os deveres para tutelar tal finalidade Se parece suficiente para o Estado as atividades de regulação como regulamentação fomento poder de polícia no que se refere aos bens privados de forma a ordenar a ação 750 BRASIL DecretoLei nº 25 de 30 de Novembro de 1937 Art 19 751 DecretoLei nº 25 de 30 de Novembro de 1937 Art 19 1º 752 BRASIL Lei Federal nº 8429 de 2 de Junho de 1992 Art 9 Constitui ato de improbidade administrativa IV utilizar em obra ou serviço particular veículos máquinas equipamentos ou material de qualquer natureza de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art 1 desta lei bem como o trabalho de servidores públicos empregados ou terceiros contratados por essas entidades 753 Lei Federal nº 8429 de 2 de Junho de 1992 Art 10 Constitui ato de improbidade administrativa I facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular de pessoa física ou jurídica de bens rendas verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art 1º desta lei 754 CRETELLA JUNIOR José Regime Jurídico do Tombamento Revista de Direito Administrativo Rio de Janeiro n 112 abrjun 1973 p 51 e 54 212 212 particular para aquelas coisas que são qualificados como públicas na medida que exercem uma função social impõese atividades típicas de gestão para o ente público Porém há de se reconhecer que se foi atribuída ou mantida a titularidade da coisa que exerce uma função social sob a sujeição de um ente privado corresponde a seu dever ou ônus a conservação da coisa cabendo a ação estatal apenas em demonstração da impossibilidade de adimplemento de tal obrigação755 Assim excepciona a Lei de Tombamento a aplicação dos recursos públicos em bens sob a sujeição de particulares pois seu valor cultural revestea de um interesse público que embora possam acrescer o valor da coisa e gerar benefício ao seu titular se legitimam pela necessidade de conservação da sua função social na preservação do seu valor cultural756 Tanto que demonstrando o seu titular particular a impossibilidade de conservação do respectivo bem o que no caso corresponde a insuficiência ao próprio dever de tutela da função social perseguida já que é a conservação da coisa por se ligar ao patrimônio histórico cultural cabe igualmente a sua desapropriação757 Nesse caso citado não deve ser tida a desapropriação como o ato que transfere a coisa da propriedade privada para a estatal qualificandoa como pública pois já assumia tal dimensão por exercer a função social mas como a mudança de titularidade de forma a garantir o melhor atendimento à necessidade coletiva Tanto que não será admitida tal desapropriação para outros fins senão a manutenção do próprio tombamento exceto mediante a sua prévia desqualificação como o reconhecimento que não exerce mais aquela sua função social e por efeito pode ser atribuída outra finalidade igualmente coletiva Decorre da própria noção que o tombamento não é um modo de transferência de dominialidade pois pretende proteger o valor histórico e artístico da coisa e não garantir uma propriedade pública porém caso haja necessidade de garantir o cumprimento da sua função social quando seu titular não consegue por exemplo por excessivo ônus econômico758 Igualmente não devese observar apenas pela ótica privatista de modo que o pagamento de indenização ao particular é pelo esvaziamento do conteúdo econômico do bem 755 BRASIL Superior Tribunal de Justiça Recurso Especial nº 25371 Relator Ministro Giácono Gavazzi J 19041993 756 RABELO Sonia O Estado na preservação dos bens culturais Op cit p 119 757 DecretoLei nº 25 de 30 de Novembro de 1937 Art 19 1º 758 MEIRELLES Hely Lopes Tombamento e Indenização Revista de Direito Administrativo Rio de Janeiro n 161 julset 1985 p 5 213 213 mas sob o vértice público decorre da atribuição da titularidade ao sujeito estatal que passa a assumir a coisa que exerce a função social pela incapacidade do ente privado exercêla Embora pela tese aqui proposta a coisa possa ser qualificada como pública em razão do seu exercício para uma função social o seu titular é privado e deve ser resguardada autonomia privada na exploração da coisa tal qual um concessionário o faria de forma que se volta integralmente ao munus publico deve o Estado assumir a sua titularidade759 Sob tal viés a funcionalização da coisa pelo titular privado não exonera o Estado no desempenho do seu dever constitucional de zelar pela integridade do patrimônio cultural que ocorrerá mediante a desapropriação do bem tombado com a indenização ao particular pelo seu efeito em sua esfera patrimonial760 Poderseia aduzir que uma vez sendo verificada a necessidade de conservação pelo seu titular privado e sendo notificado o Estado não sejam adotadas as medidas cabíveis de realização das obras ou de desapropriação a própria Lei de Tombamento determina o cancelamento do tombamento761 Porém isto não significa que a coisa tombada tratase de um bem privado que passa a exercer função pública apenas mediante a qualificação pelo tombamento e mediante a sua perda deixa de estar afetada à qualquer interesse da coletividade algo demonstrado pela omissão estatal em relação à sua conservação Compreender como no pensamento jurídico tradicional que o tombamento é o ato formal que confirma uma qualificação técnica que atribui à coisa à realização de um interesse público que antes não exercia762 não apenas significa considerar a afetação como o que qualifica a coisa como pública mas ignorar os próprios limites conformativos do direito Há coisas que mesmo não tombadas já integram o patrimônio histórico e cultural e considerar que o bem só será objeto da qualificação e proteção decorrente mediante um ato de afetação estatal seria admitir por exemplo que os b não descobertos poderiam ser destruídos pelo particular enquanto não fossem tombados pelo Estado Inevitável que determinados bens integram o patrimônio histórico e artístico nacional ainda que não tenham sido formalmente tombados pelo ente público tendo tal procedimento 759 SILVA Carlos Medeiro Parecer Patrimônio Artístico e Histórico Nacional Tombamento Desapropriação Concessão de lavra Ato administrativo Revogação Revista de Direito Administrativo io de Janeiro v 67 1962 Ementa O tombamento compulsório que importe na negação ao restrição total do direito de propriedade não se pode praticar sem a desapropriação com indenização É nulo o tombamento que impossibilita a lavra do minério objeto do ato administrativo válido e eficaz criador de direitos individuais irrevogável por motivo de conveniência reconhecida posteriormente 760 FIGUEIREDO Lúcia Valle Curso de Direito Administrativo São Paulo Malheiros 1995 p 200 761 BRASIL DecretoLei nº 25 de 30 de Novembro de 1937 Art 19 3º 762 CRETELLA JUNIOR José Regime Jurídico do Tombamento p 54 214 214 apenas uma natureza declaratória de uma qualidade já existente sob o bem ou de uma situação jurídica já constituída em momento anterior763 Desse modo o Estado não pode ter a livre disposição de reconhecida a qualificação do bem como integrante do patrimônio histórico e cultural pelo órgão técnico por conveniência ou oportunidade decidir não tombálo764 se não aplicar outro instrumento protetivo pois isto significaria admitir que há uma função social mas que não será tutelada pelo Estado A omissão estatal na reparação da coisa tombada não pode significar um ato de disposição da função social que era exercida pela coisa pois o Estado enquanto ente moral constituído como gestor de interesses e bens públicos se sujeita não apenas ao dever de prossecução mas igualmente de indisponibilidade dos interesses e bens público A Constituição Federal não apenas atribuí competências mas impõe deveres a todos os entes federados no que tange à proteção dos bens culturais na medida de seus interesses locais regionais e nacionais de forma que não se podem subtrair a legítima proteção das referidas coisas através dos seus poderes como por exemplo de polícia765 Por efeito tal qual na decisão da impugnação realizada pelo titular da coisa no tombamento compulsório766 a desqualificação na hipótese parece decorrer não de um arbítrio estatal mas do reconhecimento que a coisa não exerce a função social seja porque nunca o fez o primeiro caso ou porque deixou de ter Dessa feita ao apresentar a impugnação o órgão técnico pode aduzir que a coisa não possui os elementos que denotem um excepcional valor histórico arqueológico ou etnográfico bibliográfico ou artístico ou o Estado a ser convocado ao cumprimento do dever de conservação da coisa que a mesma não exerce mais Note porém que não significa que o Estado ou o seu titular privado possam se eximir do dever de conservação que é imposto pela lei em razão da função social que assume a coisa de modo que permanecendo ligada ao patrimônio histórico e cultural nacional deve reparála ainda que o sujeito privado tenha conduzido a perda da conservação para descaracterizála Há uma responsabilidade do poder público de reparação da coisa tombada seja o dano causado ou não pelo titular de forma que não pode se recusar a proceder à reparação a obra 763 SOUZA FILHO Carlos Frederico Marés de Bens culturais e proteção jurídica Porto Alegre Unidade Editorial 1997 p 6365 764 SILVA José Afonso da Direito urbanístico Op cit p 491 765 RABELO Sonia O Estado na preservação dos bens culturais Op cit p 89 766 BRASIL DecretoLei nº 25 de 30 de Novembro de 1937 Art 9 item 3 215 215 ou serviço já que igualmente sujeito ao dever de conservação daquele bem exceto se demonstrada que não há necessidade767 Caso fosse contrário poderseia aduzir então que o titular privado da coisa qualificada como pública poderia se eximir das obrigações impostas para a proteção da função social mediante o abandono ou perecimento da coisa bem como a turbação de sua destinação à necessidade coletiva Pode igualmente implicar no reconhecimento que a preservação da referida função social a conservação do patrimônio histórico e cultural brasileiro demanda outros instrumentos adequados à natureza da coisa768 sem que possa se eximir o Estado mesmo sem titularidade sob as referidas coisas não adotar outras medidas protetivas769 Tal questão assume especial relevo também no que tange aos bens públicos naturais em especial por exemplo as florestas pois embora se situem em propriedade privada e possam estar sob o comando um sujeito privado não perdem a sua natureza visto que ela é qualificada não pela titularidade mas pela função social que naturalmente exerce Durante um longo período as florestas protegidas sob gestão do Estado criadas em terras do domínio público ou em áreas por ele adquiridas principalmente sob a forma de parques Nacionais foram o centro da política de conservação mundial porém há uma tendência na conservação da natureza nos domínios privados770 Tal interesse decorre porque grande parte das terras e recursos naturais dos quais a biota é dependente concentramse sob a titularidade de entes particulares não existindo terras publicas em quantidade suficiente para proteger significativamente recursos espécies e biomas e atingir as metas de conservação da biodiversidade almejadas 771 Por efeito inegável que a Constituição Federal ao declarar que o meio ambiente ecologicamente equilibrado corresponde a bem público772 significa abranger não apenas as 767 MACHADO Paulo Affonso Leme Direito Ambiental Brasileiro São Paulo Malheiros 2004 p 898 768 RABELO Sonia O Estado na preservação dos bens culturais Op cit p 113 769 MUKAI Toshio A Degradação do patrimônio histórico e cultural Revista de Direito Administrativo Rio de Janeiro n 234 outdez 2003 p 39 770 MARQUES Emilena Muzolon RANIERI Victor Eduardo Lima Determinantes da decisão de manter áreas protegidas em terras privadas Revista Ambiente Sociedade São Paulo v 15 n 1 p 131 janabr 2012 771 Emilena Muzolon RANIERI Victor Eduardo Lima Determinantes da decisão de manter áreas protegidas em terras privadas Op cit p 131 772 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 225 Art 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida impondose ao Poder Público e à coletividade o dever de defendêlo e preservá lo para as presentes e futuras gerações 216 216 coisas naturais que foram atribuídas pela lei fundamental na partilha de competências mas igualmente aqueles que sejam indispensáveis ao meio ambiente atribuídos pela lei773 Nesse sentido o Código Florestal ao afirmar que as florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação nativa são bens de interesse comum a todos os habitantes do país774 ou seja possuem uma qualificação pública que ultrapassa o domínio exclusivo de qualquer ente público Igualmente não se limita à noção de domínio privado caso estejam as florestas localizadas em propriedade particular ao reconhecer não apenas uma utilidade das terras ao qual elas se situe ao qual se exercerá o direito de propriedade com as limitações impostas pela ordem jurídicopositiva775 Resta claro que a própria lei ao determinar o seu objeto de regulação adota um critério funcional ao buscar a proteção das florestas independente da sua titularidade pública ou privada tanto que determina a aplicação das suas obrigações ainda que haja qualquer tipo de sucessão ou aquisição776 Nesse sentido o Código Florestal estipula uma série de obrigações que decorrem de um dever geral de conservação das florestas como a vedação ao uso de fogo777 ou que a exploração em terras públicas ou privadas demanda um plano de manejo florestal sustentável e um licenciamento do órgão778 Tais medidas de caráter obrigatório impostas pela lei aos titulares privados encontram certa resistência tendo em vista que resultarão em limitações ao uso de recursos naturais além de determinar custos econômicos da proteção que irão afetar diretamente os seus interesses privados779 773 PEREIRA José Edgard Penna Amorim Perfis Constitucionais das Terras Devolutas Belo Horizonte Del Rey 2003 p 174 e 224 774 BRASIL Lei Federal n 12651 de 25 de Maio de 2012 Art 2 As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação nativa reconhecidas de utilidade às terras que revestem são bens de interesse comum a todos os habitantes do País exercendose os direitos de propriedade com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem 775 Lei Federal n 12651 de 25 de Maio de 2012 Art 2 As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação nativa reconhecidas de utilidade às terras que revestem são bens de interesse comum a todos os habitantes do País exercendose os direitos de propriedade com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem 776 Lei Federal n 12651 de 25 de Maio de 2012 Art 2 2 As obrigações previstas nesta Lei têm natureza real e são transmitidas ao sucessor de qualquer natureza no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural 777 Lei Federal n 12651 de 25 de Maio de 2012 Art 38 778 Lei Federal n 12651 de 25 de Maio de 2012 Art 31 779 MARQUES Emilena Muzolon RANIERI Victor Eduardo Lima Determinantes da decisão de manter áreas protegidas em terras privadas Op cit p 132 217 217 Nesse passo há um ponto de contato entre a questão do tombamento e da florestas sob a titularidade privadas pois embora assumam uma função social isto não exclui que tanto à coisa quanto a terra seja dada igualmente uma destinação privada pelos respectivos sujeitos que se traduza em uma exploração economicamente apreciável Sob tal viés há de se admitir não pode ser atribuído o dever de proteção da função social exercida pela coisa apenas ao seu titular mesmo porque seria ignorar que a ordem jurídica prevê a criação de entes e órgãos destinados à tutela e promoção dos interesses e bens da coletividade que não podem se imiscuir de tal dever constitucional780 Desta feita tais deveres incidirão não apenas para o sujeito público ou privado das respectivas terras onde estejam situadas as florestas pois seria ignorar o papel de assumido pelo Estado que mesmo não estando sob a titularidade dos bens públicos terá o dever de proteger a função social perseguida pelas referidas coisas Nesse viés a Constituição Federal determina uma competência administrativa comum para os entes federativos no que tange a preservação das florestas faunas e flora781 sem especificar que tais coisas devam estar sob as suas titularidades ou de algum sujeito público o que amplia o dever de proteção para as florestas sob o domínio de pessoas privadas Isso também parece consagrado pelo Código Florestal ao determinar o compromisso do Estado Brasileiro com a preservação não apenas das florestas mas dos outros bens naturais vegetação nativa biodiversidade solo recursos hídricos e sistema climático de forma a proteger e perpetuar sua função social o bem estar das gerações presentes e futuras782 Porém é insuficiente delimitar que o papel dos entes federados ocorrerá através tipicamente de funções de regulação como a formulação de políticas públicas783 fomento à pesquisa científica e tecnológica784 incentivos econômicos785 ou o exercício do poder de polícia normativo ou administrativo786 Embora possa se supor adequado que cabe apenas a regulação quando o ente estatal não estiver sob a titularidade da floresta há de se admitir que em determinados casos apenas a sua regulação das coisas sob a sujeição de ente privados não será suficiente para proteger a função social assumida 780 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 127 O Ministério Público é instituição permanente essencial à função jurisdicional do Estado incumbindolhe a defesa da ordem jurídica do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis 781 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 23 VII 782 Lei Federal n 12651 de 25 de Maio de 2012 Art 1A Parágrafo Único Inciso I 783 Lei Federal n 12651 de 25 de Maio de 2012 Art 1A Parágrafo Único Inciso IV 784 Lei Federal n 12651 de 25 de Maio de 2012 Art 1A Parágrafo Único Inciso V 785 Lei Federal n 12651 de 25 de Maio de 2012 Art 1A Parágrafo Único Inciso VI 786 Lei Federal n 12651 de 25 de Maio de 2012 Art 1A Parágrafo Único Inciso III 218 218 Considere por exemplo as chamadas áreas de preservação permanente que são as áreas cobertas com florestas ou outras formas de vegetação destinada ao cumprimento de determinadas funções sociais qualificadas por lei que são declaradas de interesse social por ato do Chefe do Poder Executivo787 Compete ao titular seja pessoa física ou jurídica de direito público ou de direito privado a qualquer título de intervenção como propriedade posse ou ocupação o dever de manter a vegetação na área de preservação permanente incluindo a sua recomposição em caso de supressão788 bem como de garantir o acesso de pessoas e animais789 Porém não determina se caberá ao Estado em caso de descumprimento dos referidos deveres substituir o respectivo titular prevendo expressamente somente a atuação pública em caso de atividades de segurança nacional e obras de interesse da defesa civil destinadas à prevenção e mitigação de acidentes em áreas urbanas790 Inevitável que podese extrair como uma obrigação implícita decorrente da própria partilha constitucional de competências que ao fazer como uma atribuição comum aos entes federados o dever de preservação das florestas impõe necessariamente a aplicação das medidas relativas à sua tutela todavia a falta de delimitação de quais seriam impõe o debate Se o sujeito que estiver sob a titularidade da respectiva coisa não exercer os deveres ou obrigações decorrentes da relação jurídica há de se admitir que não basta a aplicação de uma sanção em caso de descumprimento porque isto não só importaria em uma disposição pelo sujeito da função social como não restituiria o seu cumprimento Por efeito o reconhecimento que cabe o exercício da fiscalização e aplicação da sanção pelo EstadoAdministração em caso de desmatamento de florestas ou matas nativas ainda que localizados em terras privadas791 corresponde antes ao reconhecimento de uma manifestação do deverpoder de polícia 787 BRASIL Lei Federal n 12651 de 25 de Maio de 2012 Art 6 Consideramse ainda de preservação permanente quando declaradas de interesse social por ato do Chefe do Poder Executivo as áreas cobertas com florestas ou outras formas de vegetação destinadas a uma ou mais das seguintes finalidades I conter a erosão do solo e mitigar riscos de enchentes e deslizamentos de terra e de rocha II proteger as restingas ou veredasIII proteger várzeas IV abrigar exemplares da fauna ou da flora ameaçados de extinção V proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico cultural ou histórico VI formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias VII assegurar condições de bemestar público VIII auxiliar a defesa do território nacional a critério das autoridades militares IX proteger áreas úmidas especialmente as de importância internacional IX proteger áreas úmidas especialmente as de importância internacional 788 Lei Federal n 12651 de 25 de Maio de 2012 Art 7 caput e 1 789 Lei Federal n 12651 de 25 de Maio de 2012 Art 9 790 Lei Federal n 12651 de 25 de Maio de 2012 Art 9 3 791 Superior Tribunal de Justiça Recurso Especial nº 1560916 Rel Min Francisco Falcão DJe 09122016 219 219 De nada adiantaria reconhecer que a função social é o elemento que define não apenas os domínios entre o público e o privado bem como deflagra o seu regime jurídico especial e impõem obrigações ou deveres ao seu titular se o mesmo poderia se eximir de proteção essa função social mediante a aplicação e cumprimento de uma sanção Ao revés há de se aduzir que a par da responsabilização administrativa civil ou penal do titular da coisa que descumpre as obrigações impostas com fins de tutela e promoção da função pública caberá ao Estado enquanto gestor dos interesses da coletividade assumir mais do que um papel de regulador da respectiva coisa Nesse sentido compete ao Ente Público portanto exercer as obrigações relativas que garantam a tutela e a promoção da função social desenvolvida pela referida coisa sem que isto signifique que assumirá a sua titularidade imediata visto que a coisa ainda poderá permanecer sob a sujeição privada Observase uma crescente tendência de que a titularidade das coisas ambientais se desloquem do sujeito público para o privado com a redução da instituição de áreas protegidas estatais e atribuição da sujeição bem como os encargos de conservação para os próprios sujeitos particulares792 Isso pode ocorrer através da imposição de limitações administrativas gerais mas igualmente mediante a utilização de instrumentos especiais presentes na própria legislação administrativa a par da instituição das áreas de preservação permanente já tratadas793 a criação de reservas legais794 unidades de conservação795 e outras Do mesmo modo há de se reconhecer que a impossibilidade do sujeito privado em proteger a função social assumida pela coisa parece que resultará em uma gradação maior na atração do dever de tutela e promoção do Estadogestor de forma a ocorrer a substituição da sua titularidade Nesses casos a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal tende a garantir uma plena indenizabilidade para o titular das respectivas florestas que recobrem 792 MORSELLO Carla Áreas protegidas públicas e privadas São Paulo FAPESP 2001 p 61 793 BRASIL Lei Federal nº 12651 de 25 de Maio de 2012 Art 4 Considerase Área de Preservação Permanente em zonas rurais ou urbanas para os efeitos desta Lei 794 Lei Federal nº 12651 de 25 de Maio de 2012 Art 12 Todo imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa a título de Reserva Legal sem prejuízo da aplicação das normas sobre as Áreas de Preservação Permanente observados os seguintes percentuais mínimos em relação à área do imóvel excetuados os casos previstos no art 68 desta Lei 795 Lei Federal nº 9985 de 18 de Julho de 2000 Art 2 Para os fins previstos nesta Lei entendese por I unidade de conservação espaço territorial e seus recursos ambientais incluindo as águas jurisdicionais com características naturais relevantes legalmente instituído pelo Poder Público com objetivos de conservação e limites definidos sob regime especial de administração ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção 220 220 áreas dominiais privadas que sejam sujeitas às restrições administrativas ou objeto de apossamento estatal796 Não pretendese discutir as repercussões econômicas da perda da titularidade sob as coisas que assumem uma função social embora pareça clara que se integral ou onerosamente destinadas à tal finalidade coletiva com a incapacidade de seu titular deve ser reconhecida a desapropriação com sujeição ao Estado e atribuição da indenização respectiva O que resta confirmado é que há coisas sob uma titularidade privada exercem uma função social como os bens tombados e as florestas ao qual em razão de tal finalidade é atribuída uma qualificação pública com a aplicação de um regime jurídico especial com normas que garantam tal atribuição Do mesmo modo da formação de tal relação jurídica com a coletividade surge para o seu titular um complexo de deveres que permitam garantir a perpetuação dessa finalidade no caso a concretização da função social como por exemplo a obrigação de conservação tanto dos bens tombados quanto das florestas sob a titularidade privada Sob tal viés fixado que as obrigações impostas ao titular da coisa qualificada como pública em razão da função social originam um dever de funcionalização é necessário que se estenda ao Estado enquanto o gestor dos interesses e bens da sociedade evitando que a função social seja perdida por descumprimento do respectivo sujeito Neste sentido a superação do papel do Estado que exerce poderes soberanos como um senhor sob os bens públicos para o ente jurídico ao qual são atribuídas as competências e os deveres que garantam a função social parece impor mais que uma atividade de regulação sob tais bens mas do exercício de uma gestão sob as coisas Isso não implica o retorno à uma centralidade na figura Estatal pois admitir que enquanto ente moral criado para persecução dos interesses e dos bens da coletividade haverá um dever de promovelos sob qualquer titularidade não significar negar que o dever de funcionalização pode ser realizado por outro sujeito Por efeito tornase primordial dar contornos nítidos ao dever de funcionalização para as coisas qualificadas como pública de forma a definir não apenas a sua obrigação pelos seus titulares mas a possibilidade de sua destinação ser atribuída por outros sujeitos bem como as respectivas consequências em caso de sua não realização O tema será tratado a seguir 796 BRASIL Supremo Tribunal Federal RE 290950 AgR Relator Min Dias Toffoli 1ª Turma J 041114 221 221 CAPÍTULO 4 O DEVER DE FUNCIONALIZAÇÃO DOS BENS PÚBLICOS 41 Da delimitação de um critério material e não exclusivo de funcionalização dos bens públicos do aménagement especial do Estado à multiplicidade de relações jurídicas tendo por objeto a coisa pública Como visto a recondução da teoria dos bens públicos a um elemento ou categoria central teleológico ou finalístico implica em uma alteração no que tange não somente as fronteiras do domínio público ou a incidência de sua disciplina jurídica especial mas em igual medida na delimitação do seu titular e dos seus deveres decorrentes Assumida a gradação da função social entre a mera adequação ou a concretização das necessidades coletivas como o critério que define a preponderância na qualificação privada ou pública do bem jurídico atua na aplicação graduada das normas do regime jurídico público e privada e portanto dos deveres assumidos pelos seus sujeitos Por efeito a formação do nexo entre o sujeito e a coletividade que tem por objeto uma coisa que realiza uma função social produz um complexo de obrigações que se liga a garantia de atendimento àquela finalidade da relação jurídica a saber a garantia do atendimento das necessidades coletivas Tornase necessário inquirir como será realizado este dever de funcionalização dos bens públicos de modo a fixar se dependerá necessariamente de um ato formal de adequação usualmente designado de afetação e se uma vez destinado à realização de determinada necessidade coletiva excluirá a promoção de outra função social por outro sujeito Novamente há de se proceder a uma delimitação já que não se pretende inquirir o tema da função social dos bens797 mas a formulação de um critério que permita delimitar o dever de funcionalização exercido pelas coisas qualificadas como públicas de forma a confrontar as hipóteses aqui propostas nesta tese Neste viés é possível sustentar que a par de uma feição tipicamente patrimonialista do domínio público adotada de forma quase generalizada pela literatura jurídica até mesmo entre 797 Sobre o tema vide dentre outros FACHIN Luiz Edson A funcao social da posse e a propriedade contemporânea Porto Alegre Sergio Fabris 1988 TORRES Marcos Alcino de Azevedo A propriedade e a posse um confronto em torno da função social Rio de Janeiro Lumen Juris 2007 MARQUES NETO 222 222 seus adeptos observase uma assimilação da teoria funcionalista na medida em que tentam ligar a noção de bens públicos ao atendimento aos interesses públicos O Conselho de Estado Francês com a criação da noção de aménagement busca determinar diferentes formas de delimitar a afetação da coisa à finalidade pública como a realização de instalações materiais sobre o bem público798 a situação geográfica da coisa799 ou a combinação de ambos os critérios800 Assim a par do requisito proposto pela literatura jurídica para designação do bem como parte do domínio público determina a jurisprudência francesa além da afetação a uma finalidade coletiva uma demonstração da adequação da coisa em nível material ao serviço público ao qual se destina Inegável que a subjetividade deste conceito e a variedade de interpretações dadas pelo Conselho de Estado para o que seja esse aménagement ou afetação especial permite um amplo campo de manejo para a qualificação de um bem jurídico como integrante do domínio público ou eventualmente a sua própria exclusão801 Ademais embora tal requisito possa se amoldar ao que tange a determinados bens como por exemplo os prédios não parece se adequar a determinadas coisas como as montanhas e mares cuja própria natureza parece determinar a sua destinação à finalidade coletiva dispensando um ato de afetação ou de adequação especial Neste sentido parece haver uma imbricação entre bens de uso comum do povo e bens públicos naturais de forma que embora não seja possível definir de forma extensiva todas as coisas destinadas ao uso coletividade uma vez que abrange das praças ao ar é inegável que as coisas naturais como rios mares montanhas integrem o seu objeto802 Tais coisas independem de um ato formal de afetação para integrar ao domínio público já que estão colocadas por sua natureza a serviço da coletividade de modo que mesmo os adeptos que sustentam a necessidade da sua previsão legal reconhecem que sob tais bens há antes uma declaração do que uma constituição de sua natureza pública803 Como já visto tornase insustentável o critério de afetação como elemento para a delimitação dos bens públicos já que para determinadas coisas em razão de sua substância Floriano Peixoto de Azevedo Bens públicos função social e exploração econômica o regime jurídico das utilidades públicas Belo Horizonte Fórum 2009 798 FRANÇA Conselho de Estado Arret La Ville de Toulouse de 13 de Julho de 1961 799 FRANÇA Conselho de Estado Arret Sté Lyonnaise de Transports de 05 de Fevereiro de 1965 800 FRANÇA Conselho de Estado Arret Sté Le Beton de 19 de Outubro de 1956 801 SAGUER Marta Franch Imbricacion del domínio publico Op cit p 435 802 FORSTHOFF Ernst Traité de Droit Administratif Allemand Op cit p 561 803 MARTORELL Aurelio Guaita Derecho Administrativo Aguas Montes Minas Madrid Civitas 1986 p 23 223 223 decorre uma especialidade que faz operar uma destinação ligandoas a satisfação de determinado interesse ou necessidade coletiva804 Seria incongruente supor que determinadas coisas como o ar ou os mares apenas assumem um caráter público e exercem uma função pública na medida em que sejam objeto de uma afetação formal por ato administrativo ou legislativo ignorando que antes e independente da própria existência do Estado se ligam às necessidades coletivas e até mesmo humanas Poderia então supor que não é a função social em si no que tange a sua graduação em um papel de concretização mas ao ato de adequação que determinará não apenas a qualificação do bem como público porém a sua concretização ou não deste dever de funcionalização Ainda que se considere a adequação há de se elocubrar que esta deve ser tida como a vinculação propriamente dita à função social que determina a natureza pública e não a um ato formal de afetação ou específico de classement que deflagrará o domínio público e a incidência do regime jurídico especial protetivo de tal finalidade pública805 Considere a questão das coisas naturais cuja lei civil determina em rol exemplificativo que são tidos como bens públicos806 porém sem especificar o critério de sua delimitação reduzindo a literatura jurídica a antiga e generalizada assertiva que os bens de uso comum do povo são aqueles cuja utilização ocorre sem discriminação de usuários ou ordem especial807 Centrase a delimitação da qualificação das referidas coisas naturais como públicas a partir de um critério do uso como se a sua ligação à função social decorresse da medida em que tais coisas estivessem disponíveis a utilização pelos indivíduos quando o atendimento das necessidades coletivas e humanas podem sequer envolver um acesso pleno Parece ligar a uma concepção liberal que a literatura jurídica estrangeira pretende resolver a questão sustentando que o acesso aos bens naturais decorre não da ligação da sua natureza propriamente dita ao uso mas que o direito de participar dos bens da coletividade inclusive em posse de terceiros decorre do fato de tais bens serem escassos808 Por efeito tratandose de coisas sujeitas a um regime jurídico de direito público não poderia o uso ter como fundamento o exercício de uma liberdade individual já que relações 804 BLANCO Alejandro Vergara Teoria del domínio publico Op cit p 158 805 SAGUER Marta Franch Imbricacion del domínio publico Op cit p 435 806 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 99 São bens públicos I os de uso comum do povo tais como rios mares estradas ruas e praças DOU Brasília DF 11012002 p1 807 MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 30 ed São Paulo Malheiros 1993 p 505 808 ESPINOZA Alexander Bienes naturales públicos como límite del ámbito de protección Instituto de Estudos Constitucionais 2008 p 1 224 224 jurídicas de participação só ocorrem quando a lei determina faculdades exclusivas de um titular sob os demais o que não advém por exemplo com o ar ou com os mares809 Todavia com a noção de escassez aproximase a temática dos bens públicos de uma perspectiva econômica associandoa aos elementos de produção terra trabalho e capital e considerando que a exploração dos recursos naturais pode resultar em danos em razão do seu possível efeito de esgotamento e da sua não renovabilidade Associase portanto a noção de uso com de prejuízo inclusive considerando que sendo os bens naturais espécies de bens públicos que resulta na inviabilidade de exclusão de determinados usuários da sua fruição o acesso por toda sociedade acaba resultando o dever de suportar os prejuízos decorrentes como esgotamentos ou danos810 Claro que tal entendimento ignora os efeitos produzidos na ordem econômica tendo em vista limitações que ocasionaria à exploração econômica da coisa pública bem como o menor grau de proteção dos referidos bens que resultaria já que não abrangeriam aquelas coisas naturais que não possuam certo grau de escassez 811 De qualquer forma a utilização das coisas públicas pelo indivíduo corresponde antes à forma de acesso do indivíduo aos referidos bens do que propriamente o exercício da sua função social ou da sua destinação das necessidades coletivas e portanto critério que determinará a qualificação da coisa como pública em si812 Tomese por exemplo novamente as áreas de preservação permanente que exercem uma destinação pública independente do uso imediato pela coletividade em razão do papel ambiental desempenhado na garantia dos recursos hídricos da estabilidade geológica da biodiversidade e da flora e fauna813 Embora regule o Código Ambiental a sua utilização pelas pessoas jurídicas de direito público e de direito privado814 note que igualmente exerce uma destinação pública por auxiliar na promoção do equilíbrio ambiental necessário ao bem estar da coletividade independente do acesso pelos indivíduos inclusive demandando até mesmo sua restrição 815 809 ESPINOZA Alexander Bienes naturale Op cit p 2 810 ESPINOZA Alexander Bienes naturale Op cit p 8 811 ESPINOZA Alexander Bienes naturale Op cit p 2 812 ESPINOZA Alexander Bienes naturale Op cit p 3 813 RIBEIRO Glaucus Vinicius Biasetto A origem histórica do conceito de Área de Preservação Permanente no Brasil Revista Thema n 8 2011 p3 814 BRASIL Lei Federal nº 12651 de 25 de Maio de 2012 Art 7º A vegetação situada em Área de Preservação Permanente deverá ser mantida pelo proprietário da área possuidor ou ocupante a qualquer título pessoa física ou jurídica de direito público ou privado 1o Tendo ocorrido supressão de vegetação situada em Área de Preservação Permanente o proprietário da área possuidor ou ocupante a qualquer título é obrigado a promover a recomposição da vegetação ressalvados os usos autorizados previstos nesta Lei 815 RIBEIRO Glaucus Vinicius Biasetto A origem Op cit p 23 225 225 Não significa aduzir que o critério será a escassez dos recursos naturais pois ainda que a coisa não esteja escassa ela pode se ligar a uma necessidade coletiva como por exemplo a qualificação das florestas como bens públicos não em razão de sua perda mas da forma como sempre foram necessárias para o equilíbrio do ecossistema e bemestar humano Por efeito determinados bens públicos como alguns bens naturais irão exercer a sua função social independente de um ato de afetação formal geral legislativo ou administrativo ou especial ao serviço público ou acesso ao uso público visto que a sua própria natureza o faz se ligar a uma necessidade coletiva Isto não é recusar que determinadas coisas demandarão para o exercício de sua função social um ato de afetação por um sujeito que o liguem a uma necessidade coletiva como por exemplo um prédio já que a sua substância não o coloca para atendimento imediato à concretização a uma função social Porém não se pode admitir que apenas a sua qualificação formal dote de um caráter público816 e portanto de uma função social pois é ignorar que mesmo com a ausência de manifestação volitiva determinadas coisas atenderão necessidades coletivas e supor que o Estado seja capaz de regular e ordenar toda a realidade social em sua complexidade atual Entretanto podese considerar válida a construção do aménagement especial enquanto o ato volitivo que não apenas destina mas igualmente adeque a coisa à finalidade pública na medida em que reconheça que ele será cabível apenas para aqueles bens que já não estejam ligados à realização de necessidade coletiva Já que o elemento central que determina a funcionalização da coisa ao atendimento à finalidade pública não é o ato formal de afetação que pode sequer existir no primeiro caso ou ser apenas um precedente no segundo mas a própria medida que a coisa esteja ligada a exercício da sua função social Se considerássemos que é o ato de afetação formal ou especial aménagement que dotasse a coisa de uma necessidade coletiva haveria de se admitir que uma vez afetada ou destinada uma coisa a uma função social para o atendimento de outra demandaria uma prévia desafetação que a excluísse daquela finalidade pública antes perquirida Neste sentido considere novamente a questão dos bens de uso comum se firmado que é a utilização que atribuí a sua qualificação como pública ligando a uma necessidade coletiva 816 ESPANHA Constituição da Espanha de 27 de Dezembro de 1978 Art 132 2 Son bienes de dominio público estatal los que determine la ley y en todo caso la zona marítimoterrestre las playas el mar territorial y los recursos naturales de la zona económica y la plataforma continental 226 226 isto significaria considerar uma impossibilidade de sua restrição de acesso à coletividade e a exploração econômica individual já que ambas descaracterizariam àquela função pública Se por um lado parece claro que a destinação da coisa não pode significar um interdito completo ao exercício de autonomia individual isto não significa garantir um espaço amplo de autonomia individual no que tange aos bens públicos uma vez que seria capaz de turbar a utilização pelos indivíduos ou finalidade pública ao qual se destinam 817 Não se deve fazer uma interpretação literal da expressão uso comum já que não é o elemento essencial das coisas públicas mas admitir que embora veicule o direito de utilização não há nenhum impedimento para que haja temporariamente o impedimento de uso ou que ocorra a atribuição para algum sujeito particular818 Haverá uma restrição à liberdade de acesso aos indivíduos para tais bens públicos quando necessária seja pelo Estado ou qualquer sujeito titular a adoção de medidas que se demonstrem indispensável a guarda e proteção da coisa de forma a garantir o cumprimento da sua finalidade pública819 Decorre inclusive do próprio dever do seu titular de garantir não apenas a proteção dos direitos fundamentais mas da sua adequação com outros bens e valores constitucionais que irão demandar uma solução que pode resultar em uma restrição ao acesso pleno pelos indivíduos aos bens públicos de uso comum820 Assim haverá a garantia do uso pela coletividade mas sem que haja impedimento para restrições ao seu acesso como a imposição de contraprestação pelos poderes públicos821 bem como situações onde o interesse público e a proteção de outros valores constitucionais podem resultar em restrição excepcional822 Isto porque a questão do uso dos bens públicos envolve um elemento essencial a sua própria concepção que corresponde à graduação da sua participação no interesse público ao qual ela esteja afetada823 o que no caso dos bens públicos naturais parece assumir uma proporção mais intensa 817 ESPINOZA Alexander Bienes naturale Op cit p 3 818 MAYER Otto Le droit administratif allemand Op cit p 125 819 ALFONSO Luciano Parejo Domínio Público Op cit p 38 820 MARQUES NETO Floriano de Azevedo A possibilidade de restrição de acesso a bens públicos Op cit p 277 821BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 103 O uso comum dos bens públicos pode ser gratuito ou retribuído conforme for estabelecido legalmente pela entidade a cuja administração pertencerem 822 MARQUES NETO Floriano de Azevedo A possibilidade de restrição de acesso a bens públicos de uso comum por questões ambientais e urbanísticas Revista de Direito Administrativo Fundação Getúlio Vargas v 235 2004 p 277278 823 MAYER Otto Le droit administratif allemand Op cit p 127 227 227 A questão pode ser analisada através de um julgamento do Tribunal Constitucional Federal Alemão824 que analisava o uso de águas subterrâneas por um proprietário para extração de carvalho cuja celeuma decorre do modo de forma próxima ao nosso ordenamento jurídico é destacada do direito de propriedade825 já que corresponde à bem público Neste sentido há de se admitir que a disposições do Código de Água acerca da exploração das fontes corresponde a uma limitação ao direito de liberdade826 e portanto o acesso do proprietário às águas subterrâneas no que tange a sua utilização e consumo de forma a preservar a sua afetação à finalidade pública a saber o oferecimento de água a todos Poderia se sustentar que tais recursos naturais águas subterrâneas sejam necessários para que realizasse o uso de sua propriedade na exploração de cascalho e portanto tal restrição conduziria a não proteção da sua propriedade enquanto necessário para exercício da sua autonomia e liberdade privada827 Igualmente que enquanto os bens de uso comum do povo admitem uma utilização individual a própria legislação permite o seu acesso desde que não turbe o acesso à coletividade pois estaria dentro do direito público subjetivo do cidadão o uso do referido bem público Neste sentido vale a advertência que no tratamento dos bens públicos naturais há utilização de variadas designações que resultam na aplicação de diferentes tipos de racionalidade no que se refere ao tema e portanto traduzse em signos ideológicos com valorações distintas828 Assim alguns adotam uma noção instrumental dos referidos bens públicos como recursos naturais que se sujeitam à exploração por sujeitos privados no âmbito de sua autonomia individual o que conduz a uma apropriação dos bens naturais que passam a ser propriedade privada em um fenômeno designado como clôture des terres communales Não se trata de evento recente no que tange aos bens naturais se ligando ao próprio processo de regulação pelo Estado do direito de propriedade privada ainda dos séculos XV e 824 ALEMANHA Tribunal Constitucional Federal BVerfGE 39 15 de julho de 1981 825 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1230 A propriedade do solo não abrange as jazidas minas e demais recursos minerais os potenciais de energia hidráulica os monumentos arqueológicos e outros bens referidos por leis especiais 826 BRASIL Decreto Federal nº 24643 de 10 de Julho de 1934 Art 96 O dono de qualquer terreno poderá apropriarse por meio de poços galerias etc das águas que existam debaixo da superfície de seu prédio contanto que não prejudique aproveitamentos existentes nem derive ou desvie de seu curso natural águas públicas dominicais públicas de uso comum ou particulares Parágrafo único Se o aproveitamento das águas subterrâneas de que trata este artigo prejudicar ou diminuir as águas públicas dominicais ou públicas de uso comum ou particulares a administração competente poderá suspender as ditas obras e aproveitamentos 827 ESPINOZA Alexander Bienes naturale Op cit p 8 228 228 XVI vem envolvendo na atualidade a controvérsia do reconhecimento da natureza pública dos bens intelectuais e sua inserção nos campos do domínio público ou a sua exploração privada829 Tal concepção não parece atentar contra uma perspectiva funcionalista dos bens públicos pois a própria literatura jurídica que formulou a concepção francesa moderna de domínio público delimitava que os bens naturais seriam tidos como públicos na medida em que exerçam efetivamente uma destinação ou finalidade coletiva830 Transpondo tal entendimento para o impasse proposto não haveria impedimento para a apropriação privada das águas subterrâneas desde que não atentasse contra uma finalidade coletiva ou outra particular desvio derivação ou prejuízo de águas públicas dominicais públicas de uso comum ou particulares Outros autores partem de uma perspectiva dos bens naturais como as coisas materiais ou imateriais que correspondem a elementos básicos para a própria sobrevivência e convivência humana e por conseguinte se relacionam diretamente a coletividade que pode se identificar com a expressão public commun Sob tal égide o espaço dos bens públicos de uso comum seria ao contrário do mercado um lugar de equidade de acesso aos recursos naturais que demandaria a sua proteção recuperação e ampliação em um contexto de polarizações e conflitos das crises sociais ecológicas e econômicas do modelo de produção adotado831 Tal compreensão igualmente se adéqua a uma perspectiva funcional dos bens públicos e parece demandar que a exploração individual ou aproveitamento econômico não se ligue a interesses privados mas às necessidades coletivas o que se adéqua ao thelos da própria qualificação as referidas coisas Na celeuma em análise parece que a exploração individual geraria um benefício exclusivo para o particular em detrimento da coletividade o que ensejaria o reconhecimento que é o uso anormal da coisa pública exploração privada de cascalho sendo vedado de forma a proteger à finalidade coletiva por ela perseguida fornecimento de água à sociedade Por fim parte da literatura adota uma perspectiva dos referidos bens públicos à luz da solidariedade de forma que os bens naturais são indispensáveis a vida humana e a natureza e 828 IVARS Jorge Daniel Recursos naturales o bienes comunes naturales Algunas reflexiones Centro de Estudios Interdisciplinarios en Etnolingüística y Antropología SocioCultural n 26 Dez 2003 p 92 829 DARDOT Pierre CHRISTIAN Laval Commun Essair sur la revolution au XXI e Siècle Paris La Découverte 2014 830 PARDESUS JeanMarie Traité des Servitudes ou Services Fonciers Op cit p 79 831 HELFRICH Silke Bienes comunes y ciudadanía Una invitación a Compartir in HELFRICH Silke Genes bytes y emisiones bienes comunes y ciudadanía México Fundación Heinrich Böll 2008 p 21 229 229 se ligam não apenas a comunidade enquanto elemento humano estatal mas a própria humanidade o que envolve o termo patrimoine commun de lhumanité Neste sentido não significa negar a soberania estatal mas ao revés compreender o papel do acervo de bens sob a titularidade do ente público como necessário e indispensável ao atendimento ao bem comum sendo portanto objeto de proteção orientado por tal influxo de solidariedade832 Sob tal viés não apenas seria tal exploração privada um atentando contra os interesses coletivos daquele grupo social mas poderia ser inclusive para a própria humanidade na medida em que tal bem público natural águas subterrâneas fosse identificado como ligado à própria existência humana Interessante notar que se o critério da afetação ou aménagement especial demonstrasse suficiente para solver o conflito bastavase inquerir se tais águas subterrâneas estão por um ato formal ou por uma adequação ao serviço público destinado ao fornecimento de água todavia a questão volvese à resolução do conflito independente dessa ação estatal No campo de análise da ciência jurídicoadministrativista onde se dota os bens naturais de um caráter normativo e de uma natureza pública parece que não podem ser tidos como recursos naturais mas são regulados como bens públicos de uso comum cuja utilização de tal expressão é a primeira forma de apropriação pela linguagem833 Neste sentido o reconhecimento que os bens públicos naturais não são apropriáveis seja pelo sujeito privado ou mesmo o ente público não é uma construção moderna mas advêm do próprio direito romano que consagrou a res communis como decorrência do direito natural com o reconhecimento a todos os homens do direito ao ar ao mar aos rios834 Note portanto que o res communes ommnium não se adequa a noção comum de propriedade ou de domínio sendo as coisas que em razão de sua condição natural não são sujeitas à apropriação privada e portanto encontramse fora do comércio jurídico impedindo a sua aquisição por qualquer titular835 Assim como não há uma propriedade do Estado igualmente relembre o apontamento da literatura jurídica que não se trata de uma propriedade coletiva de tais bens públicos onde cada cidadão seja um coproprietário sem que isso negue que tais coisas em razão de sua natureza ou ato jurídico exerçam uma destinação às pessoas coletivamente consideradas836 832 PETRELLA Ricardo El bien común Elogio de la solidaridad Madrid Debate 1997 p 30 833 IVARS Jorge Daniel Recursos naturales o bienes comunes naturales Op cit p 94 834 MADEIRA Eliane Maria Agati Digesto de Justiniano Op cit Livro 1 Título III 835 GARCÍA Garrido M Diccionario de Jurisprudencia Romana Madrid Dykinson 2000 p 301305 836 FORSTHOFF Ernst Traité de Droit Administratif Allemand Op cit p 564 230 230 Neste sentido podese sustentar que sua instrumentalidade não se refere à apropriação ou exploração individual ou pelo Estado mas enquanto em sua integralidade corresponde ao acervo de coisas essenciais para a vida coletiva da humanidade e garantia da diversidade biológica do próprio planeta837 Todavia reconhecida que tais coisas não podem ser apropriadas e exerçam uma função social decorrente da sua própria natureza isto não significa nem a vedação às restrições de acessos individuais mas igualmente não pode supor uma integral impossibilidade da sua exploração Cabe ao Estado o importante papel de controlar os efeitos que o uso irrestrito pela comunidade sem qualquer forma de regulação dos bens públicos de uso comum e da própria autonomia privada podem gerar que alguns consideram como uma tragédia enquanto um evento inevitável838 Como já visto compete ao Estado enquanto gestor dos referidos bens públicos da comunidade garantir o atendimento de suas finalidades públicas bem como o acesso pela coletividade e pelos indivíduos singularmente considerados na medida em que protegem e garantem tal afetação pública Tais deveres jurídicos do Estado na gestão dos bens públicos de uso comum podem não ser expressos já que decorrem da função administrativa e da necessidade de adequação da ação individual ao interesse público como por exemplo a obrigação de assegurar a segurança na circulação em vias públicas inclusive com a responsabilidade decorrente839 Assim pode se sustentar que inicialmente a exploração individual em detrimento dos demais membros da coletividade corresponde a espaço ilegítimo de uso dos bens públicos de uso comum do povo caso vede o acesso aos outros membros sem que traduza na realização de interesses alheios comuns ou importe em benefício aferido pela comunidade Isto porque o exercício individual do direito de uso dos bens públicos de uso comum do povo envolve o que a literatura alemã chama de tolerância mútua que conduz a um espaço limitado para garantia do acesso comum840 e correspondem as restrições fáticas que se sujeitam qualquer direito no seu exercício em relação aos interesses bens e direitos da ordem jurídica Por esta razão tal limitação abrange não apenas o direito de uso do bem comum mas o direito de propriedade como por exemplo dos bens imóveis contíguos à coisa pública tal 837 IVARS Jorge Daniel Recursos naturales o bienes comunes naturales Op cit p 95 838 HARDIN Garret La Tragedie des biens communs Science 162 13 décembre 1968 p 12431248 839 FORSTHOFF Ernst Traité de Droit Administratif Allemand Op cit p 575 231 231 qual nos terrenos marginais841 cujas margens apartada a controvérsia se públicas842 ou privadas843 com servidão844 sujeitamse seu proprietário a permitir o uso por outros cidadãos Neste sentido o Conselho de Estado Francês determinou que tais bens públicos portanto estão sujeitos a um regime de liberdade mas igualmente de legalidade na sua utilização por todos garantindo a manutenção da ordem pública e a própria finalidade coletiva da coisa exteriorizada no uso indiscriminado845 Isto não significa que só há tal forma de utilização dos bens públicos de uso comum do povo ao revés é possível situar além da lusage en commun ou gemeingebranch realizado de forma geral ou indiscriminada por todos tal uso individualizado ou utilisations spéciales porém restrito pelos limites que garantam o atendimento do interesse público846 Também desconsiderar que os bens públicos naturais não possam ser explorados por entes privados847 mediante autorização concessão ou permissão848 o que decorre do próprio modelo econômico adotado pelo Estado Brasileiro que prevê excepcionalmente o exercício da atividade econômica pelos entes públicos849 Não é recente a noção de que os bens públicos de uso comum estejam afetados em razão de sua própria natureza ao interesse da coletividade e portanto a rigor impeçam o uso excludente de um sujeito privado que não possa ser atribuído uma exploração ou destinação individual transitória 840 FORSTHOFF Ernst Traité de Droit Administratif Allemand Op cit p 567 841 FORSTHOFF Ernst Traité de Droit Administratif Allemand Op cit p 582583 842 BRASIL Supremo Tribunal Federal Súmula 479 As margens dos rios navegáveis são de domínio público insuscetíveis de expropriação e por isso mesmo excluídas de indenização 843 Decreto Federal 24643 de 10 de Julho de 1934 Art 31 Pertencem aos Estados os terrenos reservados às margens das correntes e lagos navegáveis se por algum título não forem do domínio federal municipal ou particular 844 MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Op cit p 526 845 FRANÇA Conselho de Estado Arrêt Ville de Marines 26 de Outubro de 1988 846 FORSTHOFF Ernst Traité de Droit Administratif Allemand Op cit p 562 e 569 847 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 176 As jazidas em lavra ou não e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo para efeito de exploração ou aproveitamento e pertencem à União garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra 1º A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o caput deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União no interesse nacional por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País na forma da lei que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas 848 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 21 Compete à União XII explorar diretamente ou mediante autorização concessão ou permissão b os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos 849 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 173 Ressalvados os casos previstos nesta Constituição a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo conforme definidos em lei 232 232 No próprio Direito Romano embora reconhecesse que a res publicae era de titularidade do povo foram utilizadas concessões em variadas modalidades e distinta dos esquemas de direito privado que permitiam aos particulares faculdades de gozo que ampliavam o uso normal das coisas públicas850 Poderseia afirmar a impossibilidade de se sustentar a exploração de bens públicos por particulares em razão dos caracteres que são dotados os bens do domínio público como a imprescritibilidade e inalienabilidade mas seria ignorar que a mudança de titularidade referida não importa em uma apropriação privada Isto porque o uso ou exploração dos referidos bens públicos naturais se liga a realização dos interesses públicos qualificados pela ordem jurídica e portanto sujeita a quem exerça o munus publico seja o próprio Estado ou o particular ao dever de proteção e promoção das necessidades coletivas O próprio Conselho de Estado Francês já se manifestou no sentido que o uso normal decorrente da afetação do bem público não impede uma utilização privada para atividade econômica ou industrial desde que destinada à satisfação direta de interesses coletivos mediante atividade ou serviço público851 Os bens públicos naturais podem ser objeto de relações jurídicas desde que compatíveis com sua natureza e destino852 no caso é permitida a utilização ou exploração privada desde que adequada à função social assumida ou que busque perquirir outra determinada necessidade coletiva Não há impedimento que a par de uma função social assumida pela coisa possa ser destinada ao atendimento de outra finalidade igualmente coletiva vide por exemplo os rios que além de se ligarem as necessidades coletivas de equilíbrio do ecossistema e fornecimento de água podem ser objeto de concessão para a exploração do transporte aquaviário Embora tenham contornos claros do uso dos bens públicos naturais no que tange à exploração econômica para os agentes privados já que são objeto de delegação legal ou negocial pelo Estado por outro lado há uma dificuldade de assimilação pela literatura jurídica da função social dada pela ocupação por indivíduos dos bens públicos Apesar de ser atribuído a cada cidadão um direito público subjetivo ao uso comum dos bens públicos853 todavia não é possível extrair do uso normal o fundamento para o exercício 850 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 16 851 FRANÇA Conselho de Estado Arrêt La Roustane 10 de Maio de 1996 852 BIELSA Rafael Op cit p 160 853 FORSTHOFF Ernst Traité de Droit Administratif Allemand Op cit p 548 233 233 de uma ocupação em especial nos bens naturais em razão de sua inadequação pelas repercussões ambientais urbanísticas civis e administrativas Tratase de celeuma de analise interdisciplinar que pode se relacionar com a questão ambiental de como a ocupação humana irregular agrava os riscos naturais para o tênue equilíbrio do ecossistema854 de forma que com a manutenção das condições subhumanas de habitação não há como se garantir o meio ambiente equilibrado ou a própria moradia digna855 Em outro vértice sob o ponto de vista urbanístico abrange os efeitos da falta de investimento estatal infraestrutura e serviços públicos e da exclusão social em especial no acesso a moradia sob as ocupações irregulares dos bens naturais que resultam na precariedade da moradia e agravam questões urbanas como poluição epidemia e o lixo856 Igualmente ensejam reflexões no campo do próprio direito civil já que o reconhecimento da relação de posse ou de domínio desatende a sua funcionalização imposta pela ordem jurídica857 o que reduz o espaço do domínio amplo da autonomia de vontade e ordena a sua adequação ao cumprimento dos fins sociais e ambientais858 Poderia parecer que situada a análise administrativa acerca do conflito de tais ocupações dos bens naturais o debate estaria encerrado já que a Constituição Federal consagra a imprescritibilidade859 vedando a apropriação privada sobre bens públicos urbanos ou rurais pelo particular que esteja sob sua posse em determinado tempo Porém mesmo se sustentada uma interpretação literal e isolada do tipo constitucional com reconhecimento de uma proibição da aquisição por usucapião não se trata aqui de bens públicos desfuncionalizados bem como não há impeditivo para reconhecer a formação de outra relação jurídica pelo particular Tanto que há previsão normativa do reconhecimento da chamada concessão de uso especial de moradia por sujeito privado que observados os 854 VEYRET Yvette MESCHINET DE RICHEMOND N O risco os riscos In VEYRET Y Org Os riscos o homem como agressor e vítima do meio ambiente São Paulo Contexto 2007 p 63 855 DUARTE Marise Costa de Souza Meio Ambiente e Moradia Curitiba Juruá 2012 p 4647 856 MARICATO Erminia Brasil Cidades Alternativas para a Crise Urbana Petrópolis Vozes 2001 p 163 857 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1229 1º O direito de propriedade deve ser exercitado em consonância com suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados de conformidade com o estabelecido em lei especial a flora a fauna as belezas naturais o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico bem como evitada a poluição do ar e das águas DOU 11012002 p1 858 BORGES Roxana Cardoso Função ambiental da propriedade Revista de Direito Ambiental v 09 p 68 69 859 BRASIL Constituição da República Federativa de 05 de Outubro de 1988 Art 183 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião Art 191 Parágrafo único Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião 234 234 requisitos legais temporais materiais e formais tenha a posse de bem público em área urbana para a moradia própria ou de sua família860 Ademais como visto os caracteres do domínio público dentre os quais a inalienabilidade e imprescritibilidade decorrem não da titularidade do bem mas de sua função social que deflagra um regime jurídico exorbitante capaz de atribuir instrumentos de proteção do cumprimento de suas finalidades coletivas Neste sentido parece claro que tal reconhecimento de uma relação jurídica formada pelo particular tendo por objeto o bem público não poderá ser de um título de propriedade na medida em que tais coisas naturais já atendam outras funções sociais como a preservação do ecossistema e do bem estar humano Sob tal égide não cabe a regularização fundiária de interesse social reconhecer um direito de propriedade861 sobre bens público naturais inclusive àquelas chamadas áreas de preservação permanente cuja destinação à finalidade pública decorre da própria natureza das referidas coisas e portanto nem a lei municipal pode desafetálos para a apropriação862 Desta feita se reconhecido que a ocupação dos bens públicos de uso comum não é capaz de elidir a não apropriação decorrente da própria essência do bem natural ou a inalienabilidade não se ignora que há outra relação jurídica formada pelo indivíduo com a coletividade tendo por objeto a coisa pública e por finalidade uma função social Por um lado é inadequado considerar que os bens públicos são rex extracommercium já que isto implicaria a impossibilidade de formação de atos e negócios jurídicos quando a vedação é somente aquelas que importem em sua disposição e a restrição absoluta a retirada da sua destinação que deve ser permanente enquanto ligada a uma necessidade coletiva Assim é insustentável que possa se extrair uma função social já exercida por um bem qualificado como público para a realização de outra ainda mais no caso em tela onde tais bens naturais áreas de preservação permanente se ligam não apenas às necessidades coletivas mas igualmente humanas 860 BRASIL Medida Provisória 2220 de 4 de Setembro de 2001 com redação dada pela Medida Provisória nº 759 de 2016 Art 1º Aquele que até 22 de dezembro de 2016 possuiu como seu por cinco anos ininterruptamente e sem oposição até duzentos e cinquenta metros quadrados de imóvel público situado em área com características e finalidade urbana e que o utilize para sua moradia ou de sua família tem o direito à concessão de uso especial para fins de moradia em relação ao bem objeto da posse desde que não seja proprietário ou concessionário a qualquer título de outro imóvel urbano ou rural 861 Lei Federal nº 11977 de 7 de Julho de 2009 Art 60 Sem prejuízo dos direitos decorrentes da posse exercida anteriormente o detentor do título de legitimação de posse após 5 cinco anos de seu registro poderá requerer ao oficial de registro de imóveis a conversão desse título em registro de propriedade tendo em vista sua aquisição por usucapião nos termos do art 183 da Constituição Federal 862 Lei Federal nº 11977 de 7 de Julho de 2009 Art 53 A regularização fundiária de interesse social depende da análise e da aprovação pelo Município do projeto de que trata o art 51 235 235 Por outro todavia é incontestável que a ocupação para fins de habitação corresponde ao cumprimento de outra função social igualmente perseguida pela ordem jurídica o direito de moradia ao qual deve ser reconhecida a formação de uma relação jurídica pelos respectivos sujeitos sobre tais terras Entretanto há de se reconhecer que além de determinados bens públicos naturais serem inapropriáveis seja por entes públicos ou privados o reconhecimento da realização de uma função social não se confunde com apropriação da coisa e a título de proteção da moradia digna não se pode atribuir propriedade à coisas que exerçam função para toda coletividade Não pretendese tratar da celeuma em si de qual seria o instrumento de garantia de tal relação jurídica e portanto de outra função social atribuída pelos indivíduos aos bens públicos naturais ao ocupálos para fins de moradia concessão de uso direito de superfície e demais Propugnase demonstrar que a dificuldade na delimitação da funcionalização dos bens públicos decorre da equivocada assimilação no âmbito público de uma identificação de bem e propriedade com uma noção de apropriação privada ou de sujeito público com patrimônio que dificulta formação de categorias próprias adequadas a uma teoria dos bens públicos Ademais a persistência na identificação de que as coisas qualificadas como públicas são aquelas afetadas por ato estatal gerase conflitos no que tange ao surgimento de demais relações jurídicas que se formam sob a coisa e demonstram a possibilidade fática de que haja sob tais bens mais de uma destinação material para cumprimento de outras funções sociais Erigese que o critério da funcionalização dos bens públicos não pode ser a afetação formal ou especial realizada pelo Estado mas a própria destinação material à função social e por conseguinte que não há impedimento para formação de relações jurídicas com finalidades públicas diferenciadas com variados sujeitos em torno do bem qualificado como público Por efeito há de se admitir que o dever de funcionalização dos bens públicos deve ser tido a partir de um critério material não necessariamente a existência de um ato formal designativo mas uma destinação efetiva à função social não exclusivo de forma que a coisa pode atender a variados interesses públicos incidentes Fixado que é a efetiva destinação da coisa a uma finalidade pública que demonstra o atendimento ao dever de funcionalização imposta ao seu titular ou ao Estado Há de se admitir que haja uma contingência temporal na medida em que seja capaz de fato de atender as necessidades coletivas O tema será tratado a seguir 236 236 42 Do marco temporal da função social dos bens públicos do ato formal de desafetação a uma atualidade no atendimento da finalidade coletiva Como visto quando uma coisa exerce uma função social mediante o atendimento de uma necessidade coletiva formase um vínculo entre o seu titular e a coletividade que implica na aplicação de um regime jurídico especial e a determinação de direitos e deveres que garantam o atendimento daquela finalidade Isto não significa firmar que tal relação jurídica é constituída por um ato de afetação formal ou especial realizado pelo Estado contudo que seja formada a partir de um critério material e não exclusivo uma vez que a coisa colocada a serviço da coletividade devese sujeitar a uma disciplina normativa protetiva e a incidência de obrigações aos seus sujeitos Por efeito podese vislumbrar a existência de um marco temporal já que a rigor tal coisa pode não ter em algum momento se ligado à concretização de uma função social bem como em determinado tempo pode não estar mais destinada a tal finalidade em razão do desaparecimento daquela necessidade Há quem sustente que tal marco temporal ocorre quando as coisas que fazem parte do domínio público estejam degradadas ou seja não são mais capazes em sua natureza ou substância de atender o interesse coletivo estão faticamente desafetadas e portanto não teriam mais a natureza pública e seriam passíveis de usucapião por particulares863 Para essa parte da literatura jurídica tal transformação material da coisa ainda que realizada por parte de um possuidor supera os limites da imprescritibilidade dos bens públicos admitindo neste caso a ocorrência de sua retirada fática da destinação e portanto a sua incorporação por um agente privado864 Entretanto parece transpor a noção privada de extinção de propriedade por perda da coisa865 que não se adéquam as coisas qualificadas como públicas pois uma vez e enquanto destinadas à realização de uma função social impõem os deveres de conservação ao seu titular esvaziando qualquer autonomia de vontade no que se refere a sua disposição material866 863 PROUDHON M Traité du domaine public Op cit p 218 864 DUEZ Paul DEBEYRE Guy Traite de Droit Administratif Paris Dalloz 1952 p 775776 865 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1275 Além das causas consideradas neste Código perdese a propriedade IV por perecimento da coisa 866 Lei Federal nº 8429 de 2 de Junho de 1992 Art 10 Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa ou culposa que enseje perda patrimonial desvio apropriação malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art 1º desta lei e notadamente X agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público 237 237 Não se ignora que as coisas em sua materialidade podem se sujeitar à destruição867 mas que a sua degradação extingue a função social inclusive por ato de vontade do seu titular permitiria que o sujeito se beneficiasse da própria torpeza quando atuasse sob a coisa afetada para desfuncionalizála e destruílas ou tornála possível de apropriação individual Parece adequado considerar que se há um marco temporal no que se refere à funcionalização da coisa pública ocorre não com a degradação ou extinção material da coisa mas a perda do atendimento da destinação pública868 de forma que caberá ao titular a recomposição de sua substância ou predestinação à outra função igualmente pública Igualmente não parece passível reconhecer que o marco temporal da funcionalização possa ocorrer através de uma desafetação formal por ato do poder público que retire da coisa a função social antes exercida e portanto permita a sua desqualificação como um bem público869 Assim consideram que a desafetação não é um ato formal propriamente dito mas um ato jurídico ou seja uma manifestação de vontade estatal que modifica a situação jurídica do bem colocandoo em sentido oposto à afetação870 porém neste caso não corresponderá ao marco temporal em si Não seria propriamente a declaração formal pelo poder público que resulta na sua desafetação mas a medida ao qual o ato jurídico que retire a coisa da sua qualificação pública871 ou seja subtraia de sua finalidade coletiva e portanto torne a coisa não apenas desfuncionalizada mas retire a qualificação de pública Considere por exemplo a título de abstração que o Estado pretendesse desafetar um rio público que antes servia à comunidade ainda que se considere que haja o fim do abastecimento de água potável não se extinguirá com o ato formal a sua função social ligada ao equilíbrio do ecossistema e bem estar humano Ademais seria admitir que o lapso de tempo do particular em posse da coisa é capaz de subtrair da esfera do domínio publico determinando a sua incorporação ao domínio privado durante o período que o bem permaneceu abandonado e portanto destituído de finalidade pública pela autoridade estatal872 867 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 86 São consumíveis os bens móveis cujo uso importa destruição imediata da própria substância sendo também considerados tais os destinados à alienação 868 LANZIANO Washington Estudios Op cit p169170 869 LANZIANO Washington Estudios Op cit p169170 870 FORSTHOFF Ernst Traité de Droit Administratif Allemand Op cit p 560 871 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 100 Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis enquanto conservarem a sua qualificação na forma que a lei determinar 872 TROPLONG M Le Droit Civil Expliqué De la prescription Tome 1 3 ed Paris Charles Hingray LibraireEditeur 1838 p 247248 238 238 Não parece que possa se ligar a um ato de desafetação expresso pelo Estado ou tácito diante do abandono e ocupação pelo particular pois importaria no reconhecimento de uma disposição pelo sujeito não apenas de uma coisa que atende uma necessidade coletiva mas da própria função social já que não é obrigatória a designação de outro bem para mesmo fim Novamente a problemática se situa na dificuldade de distinção do público e do estatal de forma que ao titular caberia dispor sobre interesses e bens públicos ao qual é apenas gestor com o agravante de que ainda estejam tais coisas ligadas ao atendimento da função social e sem a imposição de uma destinação de outras para a realização daquela necessidade coletiva Parece inadequado julgar que a função social da coisa se extinguirá seja por uma depreciação ou por um ato de disposição expressa ou implícita estatal poderseia considerar que o lapso temporal seria fixado então em decorrência do uso de modo que a utilização para fins públicos definiria a sua manutenção ao passo que o contrário a extinção A possibilidade de prescrição resulta portanto do uso da coisa a saber na medida em que o agente privado deralhe um fim individual retirando o conteúdo público e tal uso seria a condição do domínio de forma que o assim fazendo não estaria mais no domínio público o respectivo bem873 Por efeito para tais autores cessaria o domínio público portanto pelo abandono da coisa pela autoridade administrativa já que exteriorizaria uma vontade da Administração Pública de encerrar o seu destino público e portanto funcionaria como uma forma de desafetação tácita874 Neste viés que a adoção de uma perspectiva funcional da coisa se afasta de uma noção dos adeptos que reforçam na figura da afetação estatal já que enquanto para estes tal qual todos os atos foram destinados em algum momento ao atendimento da função pública podem igualmente ser desafetados875 parece insuficiente tal entendimento Há bens públicos que em razão de sua própria natureza se ligam a uso da coletividade mas igualmente se tornam impassíveis de qualquer apropriação coletiva através do Estado ou individual876 e portanto não tendo sido atribuída aquela função social pelo ente moral e não compondo o seu acervo material não há como sustentar uma possibilidade de sua disposição Porém mais do que isso a afetação não corresponde apenas ao ato que determina o fim da coisa para a finalidade pública de modo que seja efetivamente colocada à utilização 873 CALVO Recaredo Fernández de Velasco Resumen de Derecho Administrativo y de Ciencia de la Administración 2 ed Barcelona Bosch 1931 p 168 874 OVIEDO Carlos Gárcia Derecho Administrativo 4 ed I Madrid EISA 1953 p 162 875 LANZIANO Washington Estudios Op cit p169 876 FORSTHOFF Ernst Traité de Droit Administratif Allemand Op cit p 548 239 239 coletiva mas determina como ela será realizada de forma que a sua utilização sendo modificada importa em alteração na afetação 877 Assim ainda que uma coisa como por exemplo um prédio tenha sido afetada formalmente a uma finalidade coletiva passando a ser designada como um bem público de uso especial para determinado órgão público na hipótese de não exercer tal mister há uma alteração na sua afetação que no caso for de nenhuma outra utilização importará em perda da mesma Considerar que desafetação é uma manifestação de vontade do ente estatal que modifica a situação jurídica do bem colocandoo em sentido oposto à afetação878 e por conseguinte permitindo uma evasão do cumprimento da sua função social é considerar a possibilidade de disposição das necessidades coletivas Ademais geraria a tautologia de permitir que o Estado possa por ato formal subtrair coisas que estão efetivamente afetadas à finalidade pública permitindo a sua disposição privada porém sob aquelas ao qual não há uma destinação coletiva não se admite que o indivíduo proceda a uma desafetação ou colocação para uma função social Ao revés mesmo na literatura alemã onde grande parte dos autores sustenta a existência de uma propriedade pública aduz que compete à Administração Pública intervir sob tais coisas de forma a garantir que conservem seu elemento característico que é a sua ligação a uma finalidade coletiva 879 Devese portanto aduzir que a noção de afetação e desafetação estatal não se refere a uma livre disposição ou não da função social já que enquanto gestor cabe adotar as medidas que garantam o atendimento à necessidade coletiva e retire o bem apenas quando não mais estiver ligado àqueles interesses públicos Tal qual inexiste um direito subjetivo absoluto para os entes privados o Estado não tem um pleno poder no que tange ao acervo sob a sua titularidade de forma que há um conteúdo social ao qual deve perseguir que não é um conceito cerrado mas a expressão de dado momento histórico880 Assim há de se compreender que o dever de funcionalização do bem público decorrerá não de um ato formal de constituição ou declaração da coisa para a sua destinação 877 FORSTHOFF Ernst Traité de Droit Administratif Allemand Op cit p 559 878 FORSTHOFF Ernst Traité de Droit Administratif Allemand Op cit p 560 879 MAYER Otto Le droit administratif allemand Op cit p 128 880 USEROS Enrique Martinez Derecho Administrativo Homenagem a Carlos García Oviedo Madrid EISA 1955 p 391 240 240 a uma função social mas a partir do momento em que houve a sua efetiva colocação para o atendimento a uma necessidade coletiva881 Admitir ao contrário seria adotar um critério da titularidade de forma transvestida já que demandaria uma manifestação de vontade Estatal através da edição de um ato legislativo ou administrativo que declarasse ou reconhecesse o exercício à função social o que poderia não ocorrer embora a coisa já estivesse em atendimento da necessidade coletiva Desta feita há de se reconhecer que a função social exercida pela coisa não é apenas um conceito contingente mas que deve ser assegurada de forma atual pelos seus titulares inclusive de forma a garantir a incidência do regime protetivo e por conseguinte dos caracteres da inalienabilidade da imprescritibilidade e da impenhorabilidade882 Tal questão gera repercussão no que se refere ao abandono dos bens públicos que a maior parte da literatura jurídica não considera como forma de perda de destinação pois importaria em desmantelamento da doutrina da imprescritibilidade desses bens de modo que exigem um ato formal que exteriorize o despojamento883 Parecem duas coisas distintas a delimitação A coisa deixou de cumprir a sua função social na questão da aquisição por usucapião por um particular uma vez que o último parece ser um dos efeitos não apenas do descumprimento do dever de funcionalização mas também de uma adequação à função social dada por particular após um lapso de tempo Outros autores sustentam que o abandono da coisa pela autoridade estatal cessa o domínio público na medida em que exteriorizaria uma vontade implícita da Administração Pública em extinguir o seu destino público e portanto funcionaria como uma forma de desafetação tácita884 Assim a prescritibilidade seria uma forma de alienabilidade decorrente de uma disposição oculta da Administração Pública pois ao serem abandonadas as coisas públicas pelo Estado tornarseiam res derelictaes e passariam ao patrimônio do seu primeiro ocupante originário885 Note porém que sustentar o abandono como uma forma de manifestação volitiva tácita da Administração Pública inclusive ignorando que o silêncio administrativo só produz efeitos quando qualificado por lei continua a considerar uma disposição da função social por afetação ou desafetação pela autoridade estatal 881 FORSTHOFF Ernst Traité de Droit Administratif Allemand Op cit p 558 882 LANZIANO Washington Estudios Op cit p 111 883 ALVAREZGENDÍN Sabino El dominio publico Op cit p 4142 884 OVIEDO Carlos Gárcia Derecho Administrativo 4 ed I Madrid EISA 1953 p 162 885 URUTTIA José Luiz GonzálezBerenguer Sobre La Crisis Del Conceptio Op cit p 202 241 241 Como já dito o Estado enquanto gestor dos interesses e bens públicos não pode desafetar coisas que exercem uma finalidade coletiva exceto se inexistente tal função social embora o reconhecimento que não deve admitir uma disposição jurídica não implica em ignorar que ipis factus por vezes o ente público no mundo dos fatos abandonará tais coisas Caso tais coisas não sejam objetos de uma concretização de uma função social por seu titular ou outro ator social e portanto percam a qualificação de pública que permita a sua prescritibilidade e por conseguinte aquisição por sujeito privado desde que preenchido os requisitos tratase de questão distinta que será abordada posteriormente Versa a problemática acerca da admissão que se a coisa é qualificada como pública pela função social que exerce no momento ao qual não esteja mais ligada uma necessidade coletiva há de se admitir que encerre o nexo causal da sua relação jurídica com a sociedade e assim o dever de funcionalização que sujeita seu titular Isto abrange não apenas o marco temporal final mas igualmente o seu lapso inicial tanto que os administrativistas tradicionais que recusam a aquisição por usucapião admitem incidir sob as coisas públicas quando não existir certeza acerca da sua afetação ou desafetação bem como àquelas anteriores ao regime legal instituído como antigo regime886 Parece que o descumprimento de um dever de funcionalização que permitiria a aquisição privada nos termos daqueles autores decorre não propriamente de uma incerteza sob tal afetação ou desafetação ou a sua instituição anterior ao regime vigente mas que em ambos os casos não é possível definir uma atualidade no atendimento da função social Por esta razão não se pode identificar a perda da função social com o lapso de tempo do particular em posse do bem que permitiria subtrair a coisa da esfera do domínio público determinado a sua incorporação ao domínio privado porque se a coisa permaneceu abandonada por esse período já terá perdido o seu caráter de público887 Assim como não deve ser a disposição por ato do Estado que resulte na perda da qualificação pública da coisa igualmente não será a conduta do particular que determinará a sua apropriação pois em ambos os casos resultaria em um vilipêndio aos bens que servem a coletividade que se pretende justamente proteger pela teoria dos bens públicos Igualmente não é uso da coisa pois seria admitir que à medida que o agente privado desse a mesma uma utilização individual retiraria o conteúdo público e isto significaria que a 886 HAURIOU Maurice Precis de Droit Administratif Op cit p 616 887 TROPLONG M Le Droit Civil Expliqué De la prescription Tome 1 3 ed Paris Charles Hingray LibraireEditeur 1838 p 247248 242 242 utilização seria a condição do domínio e portanto uma exploração particular para fim privado resultaria em perda do domínio público888 Poderia se sustentar que a qualificação pública do bem se extingue com o provimento jurisdicional que reconheça a usucapião ou outro direito do particular porém seria não apenas partir de um critério de titularidade como admitir que o Estadojuiz poderia retirar a função social do bem algo que não foi sustentado Se admitida a usucapião claro que para a produção dos referidos efeitos deve ser declarada pelo Estado através de provimento jurisdicional porém para efeitos de controle e de confirmação da ação usucapienda já que a situação fática não decorre da manifestação volitiva estatal mas se sujeita apenas ao reconhecimento das suas repercussões jurídicas Não se pode porém considerar que a perda da qualificação pública que ocorrerá em razão da não continuidade de um atendimento de uma função social decorra seja por um ato de manifestação estatal de desafetação explícita ou tácita bem como de destinação pelo particular a uma aquisição privada Neste caso quando a literatura jurídica sustenta que o possuidor abusivo pode consolidar uma aquisição do bem público através de uma desafetação tácita desde que haja um longo lapso de tempo de omissão dos poderes públicos não justifica a prevalência de suas reinvindicações tardias889 parece se ligar não propriamente com a vontade ou o tempo Novamente o reconhecimento de uma usucapião pelo ato de vontade particular de ocupação por um lapso de tempo sem que haja pelo Estado qualquer reivindicação deve resultar de uma consequência de que a referida coisa já não estar cumprindo de forma material a sua função social sob pena de incoerência com a teoria do domínio público Pensar de forma distinta seria admitir o esbulho possessório do sujeito privado o que não é impossível apenas no que tange aos bens naturais em razão de sua inapropriação natural890 mas todas as coisas qualificadas como públicas incorre de se admitir que um particular possa retirar delas o atendimento às necessidades coletivas Como visto o dever de funcionalização dos bens públicos deve ser tido a partir de um critério material e não exclusivo que imponha um real atendimento a uma finalidade coletiva Não apenas por seu titular mas por qualquer ator social que possa dotála de outra função social porém não permite que exclua uma já existente 888 CALVO Recaredo Fernández de Velasco Resumen de Derecho Administrativo y de Ciencia de la Administración 2 ed Barcelona Bosch 1931 p 168 889 ENTERRÍA Eduardo Gárcia Sobre la Imprescritibilidad Op cit p 36 890 ENTERRÍA Eduardo Gárcia Sobre la Imprescritibilidad Op cit p 36 243 243 Se há de se admitir uma delimitação temporal para tal dever de funcionalização dos bens públicos estará essa estritamente ligada à continuidade da relação jurídica ao qual decorre portanto ao vínculo entre o titular e a coletividade que tem por objeto a coisa que satisfaz aquela necessidade coletiva Desse modo a tentativa de situar no perecimento ou abandono da coisa na desafetação estatal ou esbulho privado uma desqualificação do bem como público significaria formar uma teoria própria do domínio público com a criação de uma disciplina especial protetiva que não adiantaria pois bastaria turbar a função social da coisa para admitir sua apropriação privada Como será problematizado o descumprimento de um dever de funcionalização dos bens públicos não gera como efeito imediato a sua apropriação privada mas ensejará ao seu titular ou Estado uma obrigação de dotálo da concretização de uma função social como a própria decorrência do caráter protetivo do seu regime jurídico especial Busca a teoria do domínio público fazer incidir uma disciplina normativa capaz de proteger a coisa na medida em que ligada a concretização de uma função social a saber em um marco temporal que a priori abranja desde a formação da respectiva relação jurídica até o momento que deixe de atender uma necessidade coletiva Isto significa que a aplicação deste regime jurídico especial com seus atributos de inalienabilidade impenhorabilidade e imprescritibilidade surge apenas com a formação da relação jurídica que tem por objeto uma coisa que cumpre uma função social persistindo apenas e enquanto se liga à concretização desta finalidade pública Neste viés já foi visto que os bens embora sejam qualificados como público devido à função social que concretizam não significa que os exerçam de forma idêntica mas ao revés estando ligados de forma distinta à realização das necessidades coletivas há de se admitir que o seu regime jurídico igual incida de forma graduada Por conseguinte o dever de funcionalização dos bens públicos não será tido de forma idêntica por todas as coisas ligadas à concretização de uma função social mas ao revés deverá ser igualmente sujeito a uma gradação que determinará a aplicação daquele regime e a imposição das suas obrigações decorrentes Isto admite um especial relevo no que tange aos chamados bens patrimoniais da Administração Pública que a rigor não assumem uma função social e por conseguinte cabe inferir se estarão sujeitos à incidência do regime jurídico específico em especial no que tange as regras para a sua alienabilidade O tema será tratado a seguir 43 Da gradação do dever de funcionalização dos bens públicos de uma escala de dominialidade ao reconhecimento da alienabilidade plena dos bens dominicais Como visto corresponde a equívoco supor que para os bens públicos incide de forma exclusiva e idêntica apenas um regime jurídico de direito público tendo em vista que a sua gradação na concretização da função social assumida importará na sua sujeição em maior ou menor grau as normas oriundas da disciplina pública e privada Tal adução que é o elemento teleológico responsável pela identificação do domínio público e a própria delimitação do regime jurídico especial implica na própria redefinição da qualificação do bem como público já que passa a se ligar não a um ato de afetação uma titularidade estatal ou ao regime aplicável mas a necessidade coletiva ao qual busca realizar Isto conduz a uma celeuma de considerar determinados bens como públicos em razão de sua titularidade do Estado mesmo que não estejam ligados a uma finalidade pública algo que em geral a literatura administrativista brasileira sequer insere no debate diante da previsão legal expressa dos chamados bens dominicais891 Na literatura estrangeira o problema da distinção entre os bens públicos e patrimoniais do Estado tem conduzido a reconstrução da teoria do domínio público com a tentativa de unificação do regime jurídico sob a titularidade da Administração Pública de forma a abranger tais bens desafetados ou a construção de um conceito de coisa pública capaz de excluílos892 Parte dos autores busca resolver a questão unificando sob a titularidade estatal já que mesmo as coisas que não estejam afetadas materialmente a uma finalidade pública ainda compõem o domínio público de forma que não seria impeditivo que fossem considerados os bens patrimoniais como públicos893 Propõem uma superação do critério funcional mediante a dissociação do elemento orgânico e da sua orientação pela noção de atribuição que utilizam para enfeixar dentro da noção de domínio público todo acervo público de forma a garantir a existência de um regime comum normativo 894 Parece teratológico considerar que a mera titularidade pública já dota a coisa de uma afetação ao cumprimento de fins e políticas públicas pois seria admitir que não existiriam 891 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 99 São bens públicos III os dominicais que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público como objeto de direito pessoal ou real de cada uma dessas entidades 892 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 448 893 YOLKA Phillipe La propriété publique éléments pour une théorie LGDJ París 1997 p 611 245 245 bens públicos abandonados e até mesmo a impossibilidade de alienação dos bens dominicais já que estariam sempre afetados Ademais é um equívoco supor que a titularidade pode ser o elemento que conduza todos os bens públicos a uma disciplina especial pois com o descolamento do público com o estatal a prossecução das necessidades coletivas passa a ser desenvolvida por entes privados o que reforça a necessidade de aplicação de um regime protetivo Outros porém pretendem resolver a celeuma através de um conceito de coisa pública que gire em torno da noção de função para abranger os bens que estejam independentes da sua titularidade sob o Estado destinados a um serviço de interesse geral ou a uma finalidade pública excluindo por conseguinte os bens patrimoniais895 Parece se adequar à tendência do Supremo Tribunal Federal de qualificar os bens jurídicos a partir do seu aspecto funcional como no julgado896 onde os livros eletrônicos foram alcançados pela imunidade tributária897 mediante uma interpretação dos referidos bens jurídicos por seu aspecto funcional Neste sentido parece claro que se o Estado não pode assumir gerir ou tutelar interesses que sejam estranhos às necessidades coletivas ou seja aqueles bens valores e interesses que foram consagrados democraticamente pela sociedade através da ordem jurídica898 Igualmente não cabe possuir bens que não estejam afetos a tais fins Na medida em que tais coisas exerçam de forma efetiva uma função social serão qualificadas como públicas e estarão sujeitas a uma disciplina normativa especial assim como não estando destinadas a uma finalidade coletiva não estarão sob os ditames de um regime jurídico protetivo que vede a sua alienabilidade Corresponde equívoco supor que no Direito Romano a inalienabilidade era um atributo das coisas públicas em si899 pois excluídas as coisas religiosas e sagradas ao qual eram formalmente reconhecidas nas demais coisas públicas a vedação da sua inalienação não decorria de sua natureza mas em razão do uso ao qual se dedicavam900 894 YOLKA Phillipe La propriété Op cit p 611613 895 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 448 896 BRASIL Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinário nº 330817 897 BRASIL Constituição da epública Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 150 Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte é vedado à União aos Estados ao Distrito Federal e aos Municípios VI instituir impostos sobre d livros jornais periódicos e o papel destinado a sua impressão 898 MORÓN Miguel Sanchéz Discrecionalidad administrativa Op cit p 97 899 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 17 900 Lege venditionis illa facta si quid sacri aut religiosi nut publicit est eius nihil venit si res non n usu publico sed in patrimonio fisc erit venditio eius valebit MADEIRA Eliane Maria Agati Digesto de Justiniano Op cit Capítulo 18 1 72 246 246 Tanto que mesmo consagrado o princípio da inalienabilidade das coisas públicas em Roma com a respectiva aplicação de sanções pelo seu descumprimento901 isto não impedia que se admitisse a validade da disposição das coisas públicas não para efeitos de translação do título de propriedade mas em relação ao ressarcimento ao comprador de boa fé902 Assim uma vez constituída a inalienabilidade da coisa pública ao qual era titular o povo romano não poderia nem mesmo o Estado convertêlo em bens patrimoniais ou o particular se apropriar dela sendo garantidas ao cidadão romano ações populares que provocavam um interdito pretorial 903 Porém quando não destinada a uma finalidade pública e havendo uma posse privada que não causasse prejuízo ao uso geral não havia interesse de qualquer cidadão para impedir a transmissão e portanto adquiria a mesma plena eficácia jurídica com a criação de um justo título de transmissão da propriedade904 Na própria Idade Média onde havia uma distinção difícil entre patrimônio do monarca e domínio público a própria inalienabilidade dos bens da coroa tinha por objetivo impedir a divisão dos reinos e a dilapidação do patrimônio real o que repercutiria em um incremento de impostos destinados à manutenção da Coroa e do Rei905 Já sob a égide do Estado Moderno ainda há entre os autores tradicionais que sustentam existir uma propriedade estatal e afirmam que a concessão de atributos próprios aos bens públicos decorre da necessidade de garantir a sua não aquisição pelos particulares em razão da afetação à utilidade pública que se sujeitam906 Por efeito há de admitir que se os atributos concedidos à coisa qualificada como pública inalienabilidade impenhorabilidade e imprescritibilidade decorrem da função social ao qual está ligada e que cada bem a exerce em alguma medida haverá desta forma uma gradação no que tange não apenas na aplicação do regime mas nos deveres decorrentes Desse modo podese considerar a existência de uma gradação no que tange ao dever de funcionalização imposto aos titulares e ao Estado as coisas qualificadas como públicas na medida em que tais bens estejam ligados à realização de uma função social o que conduz uma aplicação diferenciada no que tange as vedações impostas pelo regime especial 901 Ominium rerum quas quis habere vel posidere vel persegui potest venditio recte fit quas vero natura vel gentium ius vel mores civitatis commercio exuerunt carum nulla venditio est MADEIRA Eliane Maria Agati Digesto de Justiniano Op cit Capítulo 18 1 34 902 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 18 903 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 17 904 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 17 905 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 24 906 MAYER Otto Le droit administratif allemand Op cit p 104 247 247 Tal entendimento que os bens públicos estão sujeitos a diferentes graus de destinação a finalidade pública em razão da intensidade que se liguem a mesma a literatura jurídica costuma designar como escala de dominialidade907 no reconhecimento de que as coisas pertencentes ao domínio público atendem de forma distinta a função social Embora não se restrinja a função social e portanto o domínio público com apenas a destinação a um serviço público tal como fazem tais autores908 interessante notar que alteram a compreensão que o regime jurídico especial dos bens públicos é um conjunto uniforme de normas aplicáveis a todos os bens mas dotadas de uma particularidade e gradação Isto resultaria em diferentes categorias e portanto da aplicação do regime jurídico no que se refere ao domínio público já que enquanto alguns bens de uso comum da coletividade demandam uma maior ação do Estado para garantir o seu acesso coletivo outros como as florestas impõem uma atividade de conservação909 Assim em decorrência de tal escala de dominialidade assumese que em razão da intensidade com que tais coisas se ligam a uma função pública não apenas determinados bens se sujeitariam a um regime de direito público estatal outros de grau menor importariam em um regime de direito privado com normas de ordem pública910 Vide os bens naturais qualificados como públicos como por exemplo o ar e os mares as suas ligações à realização de uma função social decorre da sua própria substância e a necessidade coletiva ao qual pretendem satisfazer guarda uma natureza de essencialidade ligada mais do que ao bem estar humano mas a sua própria existência Já os bens artificiais qualificados como públicos por exemplo os prédios e as ruas se prezam a satisfação de uma função social em razão de uma manifestação de vontade que os afetou a uma necessidade coletiva ao qual não necessariamente se reveste de um caráter de infungibilidade pois poderiam ser substituídos Há de se reconhecer que embora ambos estejam destinados à concretização de uma função social não apenas os fundamentos que os ligam às necessidades coletivas como a própria natureza das finalidades públicas são de graus distintos e ensejam uma aplicação graduada do seu regime especial e do próprio dever de funcionalização Assim parece incidir na formação da disciplina normativa especial sob os bens públicos naturais maior graduação na aplicação das normas de direito público que impeçam 907 DUGUIT León Traité de Droit Constitutionnel Op cit p 327 908 Como sustenta o autor ao afirmar le foudement même de la domanialité publique estlidée daffectation à un service public DUGUIT León Traité de Droit Constitutionnel Op cit p 324 909 DUGUIT León Traité de Droit Constitutionnel Op cit p 328 910 DUGUIT León Traité de Droit Constitutionnel Op cit p 344405 248 248 qualquer forma de disposição jurídica conservando a função social a qual exerce o que se demonstra pela constelação normativa protetiva do nosso ordenamento jurídico911 Já sob o regime positivo específico sobre os bens públicos artificiais verificase uma menor intensidade com a aplicação de normas de direito privado que permitem a sua sujeição a disposição jurídica embora qualificada pela existência não apenas de lei mas pela observância do procedimento disposto912 Inegável aduzir do debate que a escala de dominialidade se refere às coisas que pertencem ao domínio público e a partir de uma perspectiva funcional Há de se admitir que existam coisas sob a titularidade do EstadoAdministração que não estão afetadas de forma direta ou indireta às necessidades coletivas e portanto não deveriam estar sujeitas as suas restrições Primeiramente é válido recordar que tais atributos decorrentes do regime jurídico a que se sujeita o domínio público correspondem antes a condicionamentos com vistas á preservação dos bens de finalidade pública que exercem do que vedações absolutas uma vez que em uma ordem jurídica plural nenhum bem interesse ou direito pode ser absoluto Por efeito tornase necessário distinguir o princípio da inalienabilidade que desde a antiguidade foi consagrado para os bens naturais que compõem o domínio público que estavam foram do comércio Da alienabilidade condicionada dos patrimônios do Estado ou bens da coroa que com o Estado Moderno se sujeitam à necessidade de lei913 Talvez por esta razão alguns autores acertadamente preferem sustentar uma distinção entre inalienabilidade ligada a função pública que não permite a Administração Pública suprimila já que com a destinação pública criase um direito público subjetivo aos cidadãos e indisponibilidade dos demais bens estatais ao qual tem liberdade de disposição914 Por efeito a inalienabilidade não seria um atributo propriamente dito dos bens públicos ou da titularidade estatal sobre o domínio público mas do próprio regime 911 Podese apontar o Código Florestal Lei nº 126512012 e as leis que instituem o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza Lei nº 99852000 o Sistema Nacional do Meio Ambiente Lei nº 69381981 que definem a Gestão de Florestas Públicas Lei nº 112842006 os Recursos Hídricos Lei nº 94331997 bem como as Políticas de Resíduos Sólidos Lei nº 123052010 Política de Saneamento Básico Lei nº 114452007 a criação de Estações Ecológicas Áreas de Proteção Ambiental Lei nº 69021981 dentre outras 912 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 100 Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis enquanto conservarem a sua qualificação na forma que a lei determinar 913 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 26 914 VALLÉS A de Inalienabilitá del demanio pubblico Rivista di Diritto Pubblico 1914 p 418 249 249 administrativo que impõe uma série de poderesdeveres na busca pela prossecução do interesse público 915 Parece se adequar a noção do direito administrativo brasileiro que segundo a literatura dominante teria como uma das suas pedras angulares ou um dos seus princípios basilares a indisponibilidade do interesse público que não permite a disposição pela Administração Pública dos bens direitos e interesses públicos916 Desta feita a deflagração da inalienabilidade decorre apenas enquanto necessário para a proteção da indisponibilidade da função pública em si porém não significa o único instrumento de garantia dos bens públicos incidindo outros como o próprio exercício do poder de polícia917 Não obstante não é possível sustentar a inalienabilidade e a garantia da função da coisa mediante a titularidade da Administração Pública sobre os referidos bens de baixo da alegação de que a vedação de qualquer disposição de bem público a sujeito privado como uma proteção mais rigorosa e específica da finalidade coletiva918 Não se demonstra correto já que a indisponibilidade não impede o exercício do munus publico realizado por particular pois no que tange ao serviço público por exemplo pode ser atribuído ainda que com as devidas limitações o exercício do poder de polícia garantindo que haja a proteção do interesse público919 Tanto que embora generalizado tal entendimento cada vez mais tem sido mitigado como por exemplo com o reconhecimento no Estado Francês da constituição de enfiteuse sobre os bens públicos e privados da Administração Pública para a prestação de serviço ou realização de um interesse público920 A inalienabilidade dos bens públicos se relaciona com a destinação a uma finalidade coletiva de forma que não destinados naturalmente ou afetados artificialmente a uma função social não há como designálos como bens fora do comércio e sustentar a impossibilidade de sua alienação921 915 VALLÉS A de Inalienabilitá Op cit p 418 916 Para nossa análise crítica sobre o fundamento do regime administrativo brasileiro baseado apenas no interesse público em uma ordem constitucional pluralista vide MOURA Emerson Affonso da Costa Um fundamento do regime administrativo o princípio da prossecução do interesse público Rio de Janeiro Lumen Juris 2014 917 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 38 918 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 38 919 MELLO Celso Antônio Bandeira de Serviço público e poder de polícia concessão e delegação Revista eletrônica de Direito do Estado Salvador Instituto de Direito Público da Bahia n 7 julhoagostosetembro 2006 p 911 920 FRANÇA Lei de 5 de Janeiro de 1988 Art 13 921 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 62 250 250 Claro que como já visto isso não significa considerar que um ato de desafetação posterior é capaz de subtrair a função social pois seria permitir que a alienação possa ser capaz de transverter a finalidade coletiva e garantir o despojamento da coisa pública negando de fato a própria inalienabilidade e sua pretensão de proteção922 Seria admitir que o EstadoAdministração tem o poder de dispor sobre coisas afetadas às necessidades coletivas quando em razão da função administrativa tem o deverpoder de prossecução dos interesses públicos o que conduz necessariamente à indisponibilidade dos bens direitos e interesses que buscam tais finalidades Todavia isto não significa que o Estado possa manter uma inalienabilidade das coisas que não exercem qualquer função social pois seria aduzir que o ente moral constituído para atendimento das necessidades coletivas pode assumir uma feição privada tal qual sujeito comum e constituir e ampliar um patrimônio Desta feita quando qualifica a norma civil que são bens públicos aqueles do domínio nacional sob a titularidade das pessoas jurídicas de direito público referese às coisas que compõem o domínio público exercem uma função social tanto que as demais sob qualquer pessoa ao qual estejam sujeitas serão qualificadas como privadas923 Assim por um lado qualquer disposição onerosa ou gratuita pela Administração Pública de bem que esteja realizando um interesse público é nula de pleno direito924 visto que falta mais do que um requisito para a eficácia Mais um dos pressupostos para a própria validade do negócio jurídico de direito público 925 Nesse sentido não há que se alegar a preservação da boa fé daquele que participa da alienação do bem público pois parece inadequado no conflito entre o interesse público preservação da função social concretizada pela coisa e o privado proteção da boa fé do indivíduo afastar a inalienabilidade com a prevalência do interesse individual926 Nesse segmento verificase que a inalienabilidade é atributo concedido excepcionalmente aos bens apenas quando justificado em sua destinação que parece ser a 922 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 66 923 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 98 São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno todos os outros são particulares seja qual for a pessoa a que pertencerem 924 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 71 925 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 100 Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis enquanto conservarem a sua qualificação na forma que a lei determinar 926 Em igual sentido ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 79 251 251 teleologia do pretendido pela sua regulação normativa927 tal qual ocorre nas próprias disposições comuns para as coisas privadas928 Tanto que a própria literatura jurídica admite que é possível a alteração da titularidade de bens públicos afetados à finalidade coletiva desde que esta seja mantida por exemplo a gestão associada de serviços públicos com a extinção de uma entidade administrativa e destinação para outra bem como a alienação de um ente público para outro929 Ademais parece superada a ideia de que a inalienabilidade do direito público é distinta daquela do regime privado pois se em tese o sujeito particular não poderia retirar tal cláusula sobre o bem privado enquanto conservar a função protegida não há razão porque caberia a Administração Pública se os interesses por ela tutelados são ainda mais relevantes930 Não se ignora que a própria literatura jurídica931 e a jurisprudência dominante932 têm reconhecido a relatividade da cláusula de inalienabilidade sobre o bem privado tendo em vista a necessidade de preservação de outros valores de índole constitucional como a prevalência da dignidade da pessoa humana nas questões meramente patrimoniais Porém no que tange aos bens públicos apenas reforça que a duração da inalienabilidade não pode ser perpétua mas ao contrário que a indisponibilidade deve ter o lapso de tempo do seu fundamento a saber a afetação da coisa à finalidade coletiva e pode ser duradoura ou transitória933 Superase a noção de uma inalienabilidade sobre os bens públicos de forma absoluta e perpétua para admitir que o próprio ordenamento jurídico preveja a possibilidade de disposição quando não estiver ligada à uma função social o que conduz a investigação de como será procedida tal disposição Isto porque a lei civil não impede a disposição dos bens de uso comum ou especial mas somente consagra a inalienabilidade para as coisas afetadas a uma finalidade pública de 927 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 100 Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis enquanto conservarem a sua qualificação na forma que a lei determinar 928 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1848 Salvo se houver justa causa declarada no testamento não pode o testador estabelecer cláusula de inalienabilidade impenhorabilidade e de incomunicabilidade sobre os bens da legítima 929 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 5153 930 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 39 931 NEVARES Ana Luiza Maia As cláusulas de inalienabilidade impenhorabilidade e incomunicabilidade sob a ótica civilconstitucional Revista Trimestral de Direito Civil n133 janmar 2001 p 212247 932 BRASIL Superior Tribunal de Justiça Recurso Especial nº 1158679MG Ementa Direito das Sucessões Revogação de cláusulas de inalienabilidade incomunicabilidade e impenhorabilidade impostas por testamento Função social da propriedade Dignidade da pessoa humana Situação excepcional de necessidade financeira Flexibilização da vedação contida no Código Civil Possibilidade 933 Neste sentido embora sustentando que a desafetação sempre ocorrerá por ato formal e não por situação fática ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 83 252 252 forma que determina a necessidade de uma prévia retirada da sua qualificação e a submissão ao princípio da legalidade administrativa934 A primeira vista parece contrassenso exigir um procedimento especial para alienação dos bens de uso comum e especial que perderam a qualificação já que uma vez subtraídos de qualquer função social não incidiria uma disciplina jurídica especial a partir de um escala de dominialidade com aplicação de normas do direito público Porém no que se refere aos bens sob a titularidade do EstadoAdministração sejam de natureza pública ou privado aplicase o princípio da indisponibilidade de forma que não possui competência para alienação sem que haja uma prévia autorização legal que permita o ato de disposição935 Tal exigência de autorização legal não decorre da inalienabilidade em si mas da opção legislativa de atribuição ao Poder Legislativo de controle sobre os atos que possam afetar o acervo sob a titularidade do Estado936 e portanto como manifestação dos checks and balances que busca manter o equilíbrio dos poderes no Estado Republicano Assume antes o papel de instrumento de preservação da função social do que de proteção da titularidade já que pretendese garantir o controle por órgãos estatais da alienação de coisas que antes exerceram uma destinação da coletividade do que um elemento para proteção das coisas sob a sujeição estatal Todavia não exclui o legislador os bens públicos dominicais do atributo de inalienabilidade já que o condiciona à observância não apenas do princípio da legalidade mas do próprio princípio do devido processo legal condicionando a validade do negócio jurídico ao cumprimento das exigências previstas em lei937 Nesse sentido determina a Constituição Federal que as alienações públicas devem observar um procedimento administrativo específico938 de forma que a disposição dos bens públicos dominicais não devem ser realizados conforme o regime comum mas se sujeitar ao princípio da obrigatoriedade de licitação 934 B ASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 100 Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis enquanto conservarem a sua qualificação na forma que a lei determinar 935 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 57 936 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 59 937 B ASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 101 Os bens públicos dominicais podem ser alienados observadas as exigências da lei 938 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Artigo 37 XXI ressalvados os casos especificados na legislação as obras serviços compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento mantidas as condições efetivas da proposta nos termos da lei o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações 253 253 Segundo a jurisprudência espanhola apenas sob os bens dominiais devem incidir as prerrogativas e restrições de natureza pública enquanto ligados à satisfação de uma necessidade coletiva isso não implicaria uma ausência de proteção mas uma redução na intensidade939 em assimilação clara de um critério de titularidade Todavia se os bens dominicais são as coisas ou bens patrimoniais do Estado ao qual não estão afetados à finalidade pública não há pelo todo exposto como sustentálos como integrantes ao domínio público e tão pouco determinar que se sujeitem a uma disciplina especial graduada com normas de direito público no que tange a sua alienação Poderia perpetuar o fato de determinados bens serem qualificados como privados não impedem justamente a incidência das chamadas normas de ordem pública e no caso mesmo que se alegue que tais bens dominicais são de índole privada podem se sujeitar a uma disciplina especial Todavia ressalta novamente a questão que a alienabilidade condicionada no direito privado decorre quando há uma função social a ser protegida e determina que na proteção de dados interesses sejam estipuladas regras de ordem pública capazes de dificultar a disposição por um titular de coisas que serão protegidas em razão de outros sujeitos ou para o mesmo940 As garantias ou medidas de proteção concedidas aos bens públicos tal qual a inalienabilidade buscam proteger o seu titular das possíveis agressões ou usurpações que possam desvirtuar as referidas coisas do cumprimento ou atendimento aos fins do interesse público941 o que não ocorre no caso Ainda sob os bens que guardam uma qualificação pública foi visto que o regime jurídico especial deve ser compreendido como amplo o suficiente para garantir uma individualização no que se refere as tutela das diversidades de coisas seus destinos públicos e as suas próprias características942Entretanto é possível vislumbrar que há contornos limítrofes no que tange a aplicação do regime jurídico especial que permite abranger da estrita indisponibilidade para os bens públicos naturais para a alienabilidade condicionada à perda da função social e observância do procedimento específico para os bens públicos artificiais943 939 CARBONELL Elisa Moreu Desmistificación Op cit p 439 940 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1750 Os imóveis pertencentes aos menores sob tutela somente podem ser vendidos quando houver manifesta vantagem mediante prévia avaliação judicial e aprovação do juiz 941 VANESTRALEN Hernando Bienes de titularidad pública Op cit p 237 942 VANESTRALEN Hernando Bienes de titularidad pública Op cit p 238 943 VANESTRALEN Hernando Bienes de titularidad pública Op cit p 239 254 254 A escala de dominialidade busca delimitar a gradação na aplicação das normas jurídicas de direito público no regime jurídico especial apenas no que se refere às coisas do domínio público de forma que não há de se inferir adotada uma perspectiva de funcionalidade uma aplicação gradativa aos bens dominicais e desfuncionalizados em razão da sua titularidade Tanto que os próprios autores apontam uma distinção no regime de proteção e de utilização entre os bens públicos e privados da Administração Pública de modo que sob os bens que compõem os chamados bens patrimoniais não incide o tráfico jurídico da mesma forma que ocorre sob os tidos como bens dominiais944 Assim a exorbitância do estatuto do domínio público não pode ser estendida a todos os bens sujeitos à titularidade Estatal de forma que não devem ser aplicados naqueles sujeitos um regime privado as potestades direitos e obrigações que tem a autoridade no manejo das referidas coisas945 Neste viés há de se verificar que os bens dominicais não podem estar sujeitos a uma alienabilidade condicionada decorrente de um regime jurídico especial concedido aos bens que integram ao domínio público de modo que o entendimento contrário à luz do disposto na lei civil pode ser rechaçado Ao determinar o legislador comum que os bens dominicais podem ser alienados observadas as exigências da lei946 não significa a estipulação para estes do regime jurídico especial previsto pela Constituição Federal947 pois se refere aos bens antes qualificados como público de modo a permitir o controle da perda de sua finalidade pública Ao revés se considerado que não realiza uma função social que justifique qualquer procedimento especial devese considerar que o texto legal se refere somente a observância das prescrições da lei civil quanto à disposição dos bens igualmente privados como as regras relativas aos negócios jurídicos948 perda de propriedade949 e afins 944 GONZÁLEZ Julio V González Garcia La titularidad de los bienes Op cit p 69 945 OYARZÚN Santiago Montt La administración del Estado y los bienes Op cit p 272 946 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 101 947 BRASIL Constituição da epública Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 37 inciso XXI ressalvados os casos especificados na legislação as obras serviços compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento mantidas as condições efetivas da proposta nos termos da lei o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações 948 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 104 A validade do negócio jurídico requer I agente capaz II objeto lícito possível determinado ou determinável III forma prescrita ou não defesa em lei 949 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1275 Além das causas consideradas neste Código perdese a propriedade I por alienação II pela renúncia III por abandono IV por perecimento da coisa V por desapropriação 255 255 Caso contrário seria uma idiocrasia supor por exemplo que o chamado patrimônio empresarial aquele decorrente da atividade excepcional exercida pelo Estado enquanto agente econômico a rigor a literatura jurídica considera uma das classes de bens públicos inclusive com a admissão de uma copropriedade com as empresas950 Embora determine o regime civil a sua exclusão como bens públicos951 ao estipular o comando constitucional que a atuação do Estado como agente na exploração da atividade econômica decorre por imperativos de segurança nacional ou relevante interesse coletivo952 parece claro que os bens utilizados estão igualmente afetados a tal finalidade pública Não obstante a Constituição Federal determinaria uma mesma forma de alienação dos bens aportados às pessoas administrativas privadas953 que podem inclusive estar exercendo uma finalidade pública específica para os bens dominicais desafetados de qualquer atendimento ao interesse público Firmar a incongruência de se sustentar uma alienação condicionada em razão de um regime especial do domínio público para coisas que estão desfuncionalizadas a contrário sensu significa determinar que o dever de funcionalização dos bens públicos demanda que às coisas sob a titularidade estatal seja dada uma função social ou seja alienadas Não há como sustentar a existência sob a titularidade de um ente moral criado para satisfazer necessidades coletivas a perpetuação de bens que não estejam realizando pois seria determinar que o sujeito particular no exercício de sua autonomia privada deva adequar seus bens a uma função social954 mas permitir ao ente público criado para tanto não a exerça Uma das celeumas na literatura brasileira no que tange aos bens públicos parece volverse justamente sob a admissibilidade pelos autores administrativistas da possibilidade de existência de tais coisas públicas desfuncionalizadas embora os autores civilistas já delimitassem que os bens privados devem conservar a sua função social sob pena de sua perda 950 VANESTRALEN Hernando Bienes de titularidad pública Op cit p 246 951 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 98 São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno todos os outros são particulares seja qual for a pessoa a que pertencerem 952 Constituição da epública Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 173 essalvados os casos previstos nesta Constituição a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo conforme definidos em lei 953 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 173 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços dispondo sobre III licitação e contratação de obras serviços compras e alienações observados os princípios da administração pública 256 256 Se os bens públicos tem um caráter eminentemente instrumental já que voltados à satisfação do interesse público o que justifica e legitima não apenas a atuação do Estado mas a própria noção de domínio público É inegável que não se deve estender à bens públicos coisas que não sirvam a tal fim e assim não precisem de tal qualificação955 A teoria do domínio público como uma espécie de regulação pública da propriedade alcança sua especificidade na medida em que tais coisas são dotadas de uma funcionalidade de forma que busque enquanto regime jurídico proteger essa destinação ao interesse público assumido pelas referidas coisas956 A própria origem da expressão domínio público na matriz romanogermânica foi utilizada para delimitar o conjunto de bens que são destacados para finalidades do grupo social e portanto são excluídos de uma apropriação privada em razão dessa destinação pública que assumem957 Os bens para serem públicos devem exercer uma função coletiva a saber seja pela conservação pela insuscetibilidade de reposição como os rios regulação exploração por sujeitos privados como os minérios de suporte ou operação por apoiarem ou serem utilizados no serviço público ou financeiros quando destinados à rentabilidade 958 Porém uma vez que tais coisas não exerçam uma função social caso estejam sob uma titularidade do Estado o dever de funcionalização dos bens públicos demandará ou a sua afetação a uma necessidade coletiva ou a sua alienação uma vez que já possui uma qualificação de privado Isto porque o descumprimento de tal obrigação decorrente da relação jurídica firmada pelo Estado e a coletividade enquanto gestor dos interesses e bens públicos importará no reconhecimento que outro sujeito possa concretizar um interesse coletivo e até mesmo o particular pode apropriarse mediante uma adequação à função social O tema será tratado a seguir 954 BRASIL Constituição da epública Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 5 XXIII a propriedade atenderá a sua função social 955 SCAGLIUSI Maria de los Ángeles Fernández La necesaria reformulación del concepto de dominio público Op cit p 103 956 URUTTIA José Luiz GonzálezBerenguer Sobre La Crisis Del Conceptio de Dominio Publico Revista de Administración Pública Espanha Centro de Estudios Políticos y Constitucionales nº 56 1968 p 191 957 PARDESUS JeanMarie Traité des Servitudes ou Services Fonciers Op cit p 73 958 SCAGLIUSI Maria de los Ángeles Fernández La necesaria reformulación del concepto de dominio público Op cit p 103 257 257 44 Do descumprimento do dever de funcionalização dos bens públicos da vedação constitucional da usucapião à adequação da função social por particular Como visto o dever de funcionalização dos bens públicos corresponde ao conjunto de obrigações impostas ao titular ou ao Estado como decorrência da relação jurídica formada com a coletividade que tem por objeto a coisa que exerce uma função pública na garantia de proteção e promoção desta finalidade social Por efeito é tido a partir de um critério material onde não basta a afetação formal ou especial mas a efetiva destinação da coisa ao atendimento da necessidade coletiva de forma não exclusiva já que mais de um sujeito pode destinála a concretização de mais de uma função social consagrada pela ordem jurídica pluralista Se afirmado que é possível definir um marco temporal que abrange o termo inicial e final de ligação da coisa à realização de uma função social há de se determinar que sucederão bens que não apenas possam ter servido à uma finalidade coletiva mas não o mais exercem ou sequer chegaram a desenvolver tal munus publico Tornase necessário delimitar qual será o efeito decorrente do não exercício de uma função social pela coisa o que desde já enseja uma exclusão para o debate aqui firmado pois se o bem nunca exerceu uma finalidade coletiva como já dito em tempo algum esteve sob um domínio público ou sujeito a um regime jurídico especial já que não havia uma função a ser protegida Por efeito assume relevo para debate neste momento delimitar as consequências do não cumprimento pelo dever de proteção e promoção da função social para as coisas que foram qualificadas como públicas em específico no que se refere à possibilidade a partir daquele critério material não exclusivo e da sua destinação a ser realizada por outro ator social Desta feita excluemse os chamados bens patrimoniais ou dominicais que antes decorriam de uma assimilação equivocada das categorias privadas que o Estado enquanto pessoa deveria ser dotado de um acervo patrimonial e que sob tais coisas públicas exercia uma relação jurídica de propriedade próxima àquela do direito comum Excluídas tais coisas sequer devem ser qualificadas como pública a partir de uma perspectiva funcional dos bens públicos Já que não exerciam uma função social pretendese investigar aquelas coisas que estavam ligadas a uma necessidade coletiva todavia em algum momento não mais desenvolvam tal munus 258 258 Em certa medida isso volve discutir do ponto de vista teóricodogmático a questão da imprescritibilidade dos bens públicos bem como a consequente vedação normatopositivo da aquisição das referidas coisas através da usucapião consagrada pela nossa ordem jurídico constitucional Nesse sentido se a análise partir de uma perspectiva positivista considerando que no ordenamento brasileiro vigente há uma vedação imposta por norma constitucional de natureza originária959 e que a literatura nacional majoritária aponta a não submissão dos bens públicos às normas do regime de direito privado o debate restaria encerrado nesse ponto Ironicamente embora o tema da usucapião dos bens públicos seja uma das questões contemporâneas de relevância no direito administrativo corrente parte da literatura jurídica sequer analisa a questão tal qual a interpretação literal da vedação constitucional fosse suficiente e a disposição normativa esgotasse o tema960 Assim sustentam que o ordenamento pátrio previu a imprescritibilidade dos bens públicos antes mesmo da ordem constitucional consagrar a sua vedação e portanto com a disposição da lei fundamental não haveria possibilidade de contradita sendo tais bens insuscetíveis de aquisição por usucapião961 De fato existia previsão em decretos executivos da imprescritibilidade dos bens públicos962 não obstante antes desses e do Código Civil de 1916 era admitido à usucapião dos bens privados da União desde que a posse se prolongasse pelo decurso de tempo mínimo de quarenta anos963 algo confirmado pela Corte Constitucional Brasileira964 Ademais sob a ordem jurídicoconstitucional vigente não pode encerrar a hermenêutica constitucional à intepretação de qualquer um dos seus preceitos apenas a partir de um método literal e isolado Seja porque isso nunca traduzirá um sentido inequívoco965 seja porque as proposições negativas demandam uma análise restritiva966 959 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 183 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião 960 NERY JUNIOR Nelson NERY Rosa Maria de Andrade Constituição Federal Comentada e legislação Constitucional 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2009 p 656 961 MALUF Carlos Alberto Dabus Maluf Comentários aos Artigos 182 e 183 in BONAVIDES Paulo MIRANDA Jorge AGRA Walber de Moura Coord Comentários à Constituição Federal de 1988 Rio de Janeiro Edgen 2009 p 2055 962 BRASIL Decreto Federal nº 22785 de 1933 DecretoLei nº 9760 de 1946 963 CARVALHO Carlos Augusto de Nova Consolidação das Leis Civis Rio de Janeiro Livraria de Francisco Alves 1899 p 137 964 B ASIL Supremo Tribunal Federal Súmula 340 Desde a vigência do Código Civil os bens dominiais como os demais bens públicos não podem ser adquiridos por usucapião 965 As duas expressões interpretação extensiva e restritiva deixam na penumbra indistintas imprecisas mais ideias do que a linguagem faz presumir tomadas na acepção literal conduzem a frequentes erros Nenhuma norma oferece fronteiras tão nítidas que eliminem a dificuldade em verificar se se deve passar além ou ficar aquém do que as palavras parecem indicar MAXIMILIANO Carlos Hermenêutica e Aplicação do Direito Rio de Janeiro Forense 2011 p 163164 966 MAXIMILIANO Carlos Hermenêutica Op cit p 199 259 259 Por efeito podese apontar inicialmente que a vedação do tipo constitucional à aquisição dos bens públicos não pode ser tida a partir da literalidade do texto para abranger todas as coisas públicas mas deve ser perquirida à luz dos outros valores e bens protegidos pela Constituição de forma a dar um sentido que se adéque ao seu conteúdo global Assim não pretende se discutir a controversa questão de inconstitucionalidade de normas decorrentes de um poder constituinte originário já que a rigor ilimitado e incondicionado967 Mas buscar no âmbito da hermenêutica uma interpretação conforme a constituição adequando aos demais bens e valores do sistema normativoconstitucional Nesse tocante inevitável que a Constituição Federal traduza limitações que as coisas devam ter para a realização de outros bens e valores igualmente tutelados prevendo instrumentos como a desapropriação968 a requisição969 a expropriação970 e a cláusula geral explícita de atendimento à função social971 ambiental972 e econômica973 Claro que se utilizada uma interpretação a partir da topografia constitucional seria possível excluir os bens públicos da função social da propriedade uma vez que tal cláusula encontrase no título de direitos e garantias fundamentais no capítulo dos direitos e deveres individuais e coletivos e portanto em tese não sujeitos aos poderes públicos Igualmente poderia se afirmar que a Constituição Federal previu expressamente as hipóteses de usucapião tanto dos bens imóveis urbanos974 quanto dos bens imóveis rurais975 967 Sobre a concepção de limitações ulteriores e superiores à manifestação do constituinte originário vide o trabalho BACHOF Otto Normas Constitucionais Inconstitucionais Coimbra Atlantida Editora 1951 968 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 5 inciso XXIV a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou por interesse social mediante justa e prévia indenização em dinheiro ressalvados os casos previstos nesta Constituição 969 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 5 inciso XXV no caso de iminente perigo público a autoridade competente poderá usar de propriedade particular assegurada ao proprietário indenização ulterior se houver dano 970 Constituição da epública Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 243 As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei observado no que couber o disposto no art 5º 971 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 5 XXIII a propriedade atenderá a sua função social 972 Constituição da epública Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida impondose ao Poder Público e à coletividade o dever de defendêlo e preservá lo para as presentes e futuras gerações 973 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 170 A ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa tem por fim assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social observados os seguintes princípios III função social da propriedade 974 BRASIL Constituição da epública Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 183 Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados por cinco anos ininterruptamente e sem oposição utilizandoa para sua moradia ou de sua família adquirirlheá o domínio desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural 260 260 Inclusive ao regulálos previu para cada forma expressa uma restrição do não cabimento em ambos os bens públicos976 Todavia tal interpretação restrita da função social assumida pelas coisas além de não realizar o princípio da máxima eficácia das normas constitucionais importa em aparente contradição com o princípio da unidade da Constituição já que condicionaria o bem privado ao respeito à coletividade enquanto as coisas públicas não estariam destinadas Poderia se alegar que tais coisas não precisem adequarse à função social visto que qualificados como públicos já exercem uma necessidade coletiva Contudo não parece ser sustentável pois a literatura majoritária admite a conservação de sua natureza para bens desfuncionalizados como bens públicos de uso especial abandonados ou dominicais Tal incongruência se reforça ao verificar que a ordem jurídicoconstitucional vigente estipula apenas aos bens qualificados como privados uma série de deveres que os adéquem ao exercício de uma função social enquanto para os bens tidos como públicos em especial aqueles desfuncionalizados não caberiam o cumprimento de tais deveres Em conformação legislativa ao dever fundamental de função social977 dos bens978 dispõe o direito comum que a perda da propriedade ocorre além dos casos de imposição administrativa como a desapropriação e disposição jurídica ou material alienação gratuita ou onerosa perecimento pela coisa ou renúncia pelo abandono979 Entretanto na literatura jurídica ainda que o ente público demonstre sobre a coisa ao qual exerce domínio conduta incompatível com a função social e haja destinação pelo cidadão considera tratarse de ocupação irregular que deve ser rechaçada pela ordem jurídica tendo em vista a imensidão do patrimônio público e a impossibilidade de vigilância do Estado980 Demonstra incoerência também ao considerar que a determinação dos bens como público pode ocorrer através de circunstâncias fáticas ou qualificação legal porém para 975 Constituição da epública Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 191 Aquele que não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano possua como seu por cinco anos ininterruptos sem oposição área de terra em zona rural não superior a cinquenta hectares tornandoa produtiva por seu trabalho ou de sua família tendo nela sua moradia adquirirlheá a propriedade 976 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 183 único e Art 191 único 977 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 5 inciso XXIII 978 Note que o constituinte não discriminou a coisa pública da privada e embora se situe no título de Direitos e Garantias Fundamentais no Capítulo dos Direitos e garantias individuais isto não significa que vincule apenas os particulares sendo demonstrado isto pelo artigo 5º inciso XXIV que situa o dever fundamental da Administração Pública de realizar a desapropriação apenas mediante justa e prévia indenização em dinheiro e dentro do procedimento estabelecido por lei 979 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1275 inciso III 980 CARVALHO FILHO José dos Santos Os Bens Públicos Op cit p 5960 261 261 exclusão do patrimônio público apenas fenômenos naturais independentes da vontade humana ou a desqualificação por lei pode alterar a afetação dos bens públicos981 Alega que no caso do bem público como a dominialidade é conferida por lei a um bem não pode haver cessação tácita pois seria admitir abrogação pelo desuso assim somente a alteração legal ou mediante ato intencional ou deliberado pela Administração Pública de mudança de destino do bem público ocorreria o fim da sua propriedade982 Desconsidera que a qualificação de público veiculada pela lei é a titularidade em uma perspectiva de patrimonialidade983 tanto que se admite a aquisição pelos entes privados por negócios privados venda doação etc e portanto deveria então se aplicar as formas de extinção igualmente no direito comum Admite ainda a literatura dominante que o Estado pode através de apossamento mesmo que sem previsão legal ou observância à restrição constitucional da propriedade privada para atender a dado interesse coletivo ou adquirila por desapropriação indireta cabendo ao proprietário apenas indenização posterior se intentar ação no prazo prescricional de cinco anos984 O cidadão porém quando exerce a posse direta e contínua sobre bem público abandonado com finalidade de moradia que é igualmente um interesse coletivo só que ao revés da desapropriação indireta tem previsão constitucional esse não pode se apropriar do bem estatal pois sua aquisição só ocorre nas hipóteses restritas da lei985 Assim para o abandono de imóvel urbano ou rural privado inclusive de forma real ou presumida como o não cumprimento das obrigações fiscais e inexistindo possuidor privado bem como a posse pelo ente público a lei civil determina que passe ao domínio do ente municipal ou distrital no primeiro caso ou federal no segundo caso986 Porém para o abandono de bem estatal não há previsão legal de imposição dos deveres de funcionalização da propriedade para os imóveis privados urbanos987 e rurais988 981 REALE Miguel Op cit p 231 e 233 982 SANTOS Carvalho Op cit p 107 983 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 98 São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno todos os outros são particulares seja qual for a pessoa a que pertencerem 984 MELLO Celso Antônio Bandeira de Curso de Direito Administrativo São Paulo Malheiros 2009 p 882 883 985 MELLO Celso Antônio Bandeira de Curso de Op cit p 914 986 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1276 caput e parágrafos 987 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 182 4º É facultado ao Poder Público Municipal mediante lei específica para área incluída no plano diretor exigir nos termos da lei federal do proprietário do solo urbano não edificado subutilizado ou não utilizado que promova seu adequado aproveitamento sob pena sucessivamente de I parcelamento ou edificação compulsórios II imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo III desapropriação com 262 262 inclusive densificando as normas constitucionais tais conceitos jurídicos de conteúdo indeterminado989 traduz cláusula impeditiva de aquisição por usucapião990 Como visto não há de se sustentar um critério de titularidade em uma perspectiva nitidamente patrimonial para as coisas que pretendem se qualificar como pública pois o traço distintivo é o atendimento às necessidades coletivas que determina tanto a formação do seu vínculo quanto a extinção da referida relação jurídica com a coletividade Porém ainda para aqueles que reconhecem que a afetação dos bens públicos provém tanto das situações fáticas no uso para fins da coletividade quanto da afetação que destina a coisa à fruição de determina interesse público quando se trata da desafetação propõem um tratamento diferenciado991 Para parte da literatura jurídica a desafetação dos bens públicos não poderia decorrer de uma situação fática que permitiria reconhecer a sua desclassificação para o domínio privado do ente público e portanto sujeita à prescritibilidade mas apenas de uma qualificação jurídica capaz de cessar a função que se baseia o caráter dominial estatal992 Centrase novamente na teoria dos bens públicos a figura do Estado ignorando aqueles influxos transformadores não apenas da atividade de prossecução dos interesses públicos como a despublicização mas da sua própria noção de soberania que passa a ser redimensionada com o reconhecimento de outros atores sociais Como visto não se pode sujeitar a qualificação ou desqualificação de um bem como público por ato de vontade estatal pois seria ignorar coisas que exercem independente de sua pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal com prazo de resgate de até dez anos em parcelas anuais iguais e sucessivas assegurados o valor real da indenização e os juros legais 988 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 184 Compete à União desapropriar por interesse social para fins de reforma agrária o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária com cláusula de preservação do valor real resgatáveis no prazo de até vinte anos a partir do segundo ano de sua emissão e cuja utilização será definida em lei 989 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 182 4º É facultado ao Poder Público Municipal mediante lei específica para área incluída no plano diretor exigir nos termos da lei federal do proprietário do solo urbano não edificado subutilizado ou não utilizado que promova seu adequado aproveitamento sob pena sucessivamente de Art 186 A função social é cumprida quando a propriedade rural atende simultaneamente segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei aos seguintes requisitos I aproveitamento racional e adequado II utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente III observância das disposições que regulam as relações de trabalho IV exploração que favoreça o bemestar dos proprietários e dos trabalhadores 990 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 183 Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados por cinco anos ininterruptamente e sem oposição utilizandoa para sua moradia ou de sua família adquirirlheá o domínio desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião 991 CAETANO Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 884 992 CAETANO Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 885 263 263 vontade uma função social como os mares e o ar e admitir que sob as outras poderia dispor da necessidade coletiva ao qual atendem a excluindo Todavia para a literatura generalizada o mero desinteresse ou abandono administrativo de uma coisa que havia tido uma utilidade pública não funcionaria como uma desafetação para fins de reconhecimento da possível alienação ou aquisição por prescrição sendo necessária uma previsão legal993 Poderia sustentar que é decorrência da própria indisponibilidade dos interesses e dos bens públicos porém tal princípio tem por finalidade evitar que os mesmos sejam desviados da sua afetação à finalidade pública mas não se traduz a uma proibição absoluta de alienação que é permitida desde que garantida a continuidade da vinculação a um interesse público994 Considerado os bens públicos como objetos de uma relação jurídica específica formada em razão de sua destinação à função social há de se reconhecer que em Estados Contemporâneos marcados pelo pluralismo há uma ampliação e complexização das demandas sociais que resultam em uma variedade de interesses públicos995 Por efeito não é possível considerar o interesse público como uma unidade mas uma pluralidade de demandas e necessidades sociais ao qual são tuteladas ou reconhecidas pelo Direito como finalidades e deveres públicos na medida em que consagradas mediante a proteção pela ordem jurídicoconstitucional dos bens interesses e direitos da sociedade Neste viés é reconhecido explicitamente pela Constituição Federal996 que o direito fundamental de moradia vincula aos poderes públicos não apenas a abstenção da sua violação o que já impede remoções arbitrárias mas o dever de concretização que abrange a adoção de medidas que permitam garantir uma habitação digna aos seus titulares Desse modo há de se reconhecer que se o bem público pode ter sua titularidade alterada garantindo a continuidade da sua finalidade pública não há óbice que a sua funcionalização ocorra diante de uma omissão estatal por um sujeito privado que o destine para outra função igualmente buscada pela ordem jurídica Neste viés a vedação constitucional para usucapião dos bens públicos urbanos e rurais deve ser entendida como a proibição de aquisição de prescritibilidade para coisas que estejam 993 CAETANO Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 885 994 CAETANO Marcelo Manual de Direito Administrativo Op cit p 896 995 MOREIRA NETO Diogo de Figueiredo Globalização Regionalização Reforma do Estado e da Constituição Revista de Direito Administrativo n 215 p 2 Janmar 1998 996 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1988 Art 6 São direitos sociais a educação a saúde a alimentação o trabalho a moradia o transporte o lazer a segurança a previdência social a proteção à maternidade e à infância a assistência aos desamparados na forma desta Constituição Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90 de 2015 264 264 afetadas a uma finalidade pública mas não ao impedimento da adequação a outra função social como o direito de moradia Parece que a celeuma envolve justamente a assimilação do critério de titularidade com a compreensão inadequada de que a vedação constitucional impede qualquer aquisição por prescrição de bens sob a titularidade estatal quando deve ser considerada por um elemento funcional a proibição da usucapião de coisas que estejam exercendo uma finalidade pública Como sustentado a incidência do regime jurídico especial ocorre de forma graduada na medida em que a coisa esteja dentro da autonomia privada adequada à finalidade pública ou esteja ligada a concretização da própria função social o que determinará uma gradação na incidência dos seus caracteres como a prescritibilidade Assim enquanto para um bem privado há a incidência de algumas regras protetivas da função social como limitações administrativas não haverá a sujeição absoluta a outras normas como a inalienabilidade imprescritibilidade e impenhorabilidade que incidirão apenas nos imóveis que realizem uma função pública Os bens públicos são dotados de imprescritibilidade na medida em que conservem tal qualificação ou seja estejam a partir daquele critério material e não exclusivo destinado à realização de uma necessidade coletiva de forma que não estando ligados à concretização de uma função social perdem tal atributo Não haverá por conseguinte impedimento à usucapião já que enquanto uma prescrição aquisitiva se funda em uma presunção atribuída pela lei há um título que garanta a apropriação de uma coisa e a rigor as coisas que compõem o domínio público não podem ser adquiridos pelo particular997 Por esta razão o debate sobre a usucapião de bens públicos não se situa propriamente dito na possibilidade ou não de prescrição aquisitiva sobre coisas que compõem o domínio público já que a imprescritibilidade é elemento decorrente da própria formação da disciplina especial para os bens que são dotados da qualificação pública Provém da antiguidade clássica a afirmação que os bens públicos podem até ser alienáveis mas são imprescritíveis998 Com a ascensão do Estado Moderno essa afirmação é reforçada por generalizada disposição nos ordenamentos jurídicopositivos e aderida pela 997 BIELSA Rafael Op cit p 161 e 163 998 JUSTINIANO Instituições Curitiba Tribunais do Brasil Editora 1979 Livro II Título VI 9 es fisci nostri usucapi non potest sed Papinianus scripsit bonis vacantibus fisco nondum nuntiatis bona fide emptorem sibi traditam rem ex his bonis usucapere posse et ita divus Pius et divus Pius et divi Severus et Antoninus rescripserunt 265 265 literatura jurídica que a prescrição aquisitiva não é capaz de retirar o bem público do sujeito estatal Porém a própria literatura jurídica tradicional mitiga isso ao afirmar que os bens que compõem o domínio público são imprescritíveis e inalienáveis enquanto durar para tais autores a afetação de forma que ocorrendo a sua desafetação retorna a coisa ao comércio e pode portanto ser objeto de alienação ou aquisição privada999 Assim a imprescritibilidade não seria um obstáculo intransponível para a aquisição da coisa pública mas iria impor uma prévia desafetação através de um ato formal estatal1000 o que permitiria acrescentar tais bens fossem subtraídos da esfera do domínio público e passíveis de aquisição de propriedade por qualquer sujeito privado Note entretanto que embora algumas coisas demandem um ato de afetação para atendimento de uma necessidade coletiva parece que tal destinação ao longo da evolução histórica ocorreu antes pela interpretação do facta concludentia do que acrescentar fórmula sacramental ou ato expresso de reconhecimento de sua natureza pública1001 A extracomercialidade jurídica ocorria para determinadas coisas públicas como um consentâneo da própria impossibilidade de apropriação pela sua natureza como os rios e o ar apenas as outras decorreriam de um ato designado publicae que excluiria da aquisição da propriedade privada determinados bens como as estradas e os fóruns1002 Porém no Direito Romano a publicatio era considerada e cumprida pela forma como a coisa era destinada ao uso público independente de um ato formal do magistrado de modo que a circunstância fática era uma forma normal de destinação bem como a vetustas ou uso imemorial fazia presumir o caráter público da coisa substituindo o título formal1003 Ademais como já debatido a formação de uma disciplina jurídica própria e especial decorre não de uma afetação mas de uma destinação das referidas coisas ao atendimento de interesse público com a finalidade de dotálas de uma funcionalidade específica a saber uma proteção na medida em que ligada à sua destinação garanta a realização do interesse comum1004 A qualificação da coisa como pública uma vez que significa o atendimento material a uma finalidade coletiva faz deflagrar o regime jurídico especial e a incidência da 999 HAURIOU Maurice Precis de droit administratif Op cit p 611 1000 HAURIOU Maurice Precis de droit administratif Op cit p 611612 1001 ENTERRÍA Eduardo Gárcia Sobre la Imprescritibilidad Op cit p 21 1002 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 15 1003 ENTERRÍA Eduardo Gárcia Sobre la Imprescritibilidad Op cit p 22 1004 ALFONSO Luciano Parejo Dominio Público Op cit p 24 266 266 imprescritibilidade de modo que a discussão acerca da usucapião dos bens públicos não envolve a sua vedação em si mas o objeto sob o qual incide Tal celeuma contém a definição da natureza pública desses bens que como visto dos critérios apresentados titularidade natureza regime normativo ou afetação que se demonstra apta a abranger tanto as coisas naturais quanto artificiais a sujeição pública ou privada o regime estritamente público ou não por ato estatal ou não e a finalidade pública Sendo o critério teleológico aquele que definirá a qualificação pública do bem se a coisa realiza uma função social não caberá a sua apropriação privada Entretanto deixando de possuir tal finalidade ou sendo possível destacar uma parte para a formação de uma coisa não haverá o elemento que determinará a sua proteção normativa e a sua imprescritibilidade Isso ocorre inclusive para os bens públicos naturais pois se a rigor são incapazes de uma apropriação individual ou estatal uma vez que cabe serem destacados e desligados da função social a própria ordem jurídica admite a aquisição da propriedade como no caso de acréscimos ou incorporações naturais como as ilhas1005 o aluvião1006 a avulsão e outros1007 Da mesma maneira os bens públicos artificiais enquanto ligados ao atendimento de uma função social são imprescritíveis mas perdendo tal ligação efetiva ou estando parcialmente desligado de uma necessidade coletiva não faz incidir mais o regime protetivo e deve ser permitida a sua funcionalização por outro sujeito Assim reconhecida que a destinação às necessidades coletivas não decorre de um ato de afetação formal mas a própria colocação da coisa ao atendimento de uma finalidade pública o que faz incidir a sua imprescritibilidade pode deixar de têla mediante uma situação fática que determine a cessação do domínio das coisas sem solenidades1008 Por efeito a imprescritibilidade dos bens públicos decorre antes da questão fática de que coisas destinadas ao uso público não são possíveis de uma apropriação individual que é o requisito para a prescritibilidade do que um privilégio ou exceção singular no ordenamento jurídico para qualquer bem da Administração Pública1009 1005 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1249 As ilhas que se formarem em correntes comuns ou particulares pertencem aos proprietários ribeirinhos fronteiros observadas as regras seguintes 1006 Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1250 Os acréscimos formados sucessiva e imperceptivelmente por depósitos e aterros naturais ao longo das margens das correntes ou pelo desvio das águas destas pertencem aos donos dos terrenos marginais sem indenização 1007 B ASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1251 Quando por força natural violenta uma porção de terra se destacar de um prédio e se juntar a outro o dono deste adquirirá a propriedade do acréscimo se indenizar o dono do primeiro ou sem indenização se em um ano ninguém houver reclamado 1008 ENTERRÍA Eduardo Gárcia Sobre la Imprescritibilidad Op cit p 22 1009 ENTERRÍA Eduardo Gárcia Sobre la Imprescritibilidad Op cit p 24 267 267 A imprescritibilidade decorre da função pública que enquanto um poderdever de persecução do interesse público não puder portanto suprimila pela vontade do Estado Administração já que com a sua colocação para o atendimento das necessidades coletivas constituise um direito público subjetivo aos seus cidadãos1010 Sob tal entendimento há de se concluir que assim como uma coisa passa a ser destinada à finalidade coletiva e não pode ser adquirida por usucapião por qualquer particular uma vez apartada do seu destino deve ser reconhecida a possibilidade de sua apropriação por uma posse de um sujeito privado1011 Tal vértice traduz em uma coerência sistêmica à disciplina administrativa pois se cabível uma destinação tácita ou implícita de coisas privadas a um interesse público como no caso da desapropriação indireta há de se admitir que as coisas estatais não destinadas a uma finalidade pública podem ser ordenadas a um interesse particular1012 Cabe por conseguinte definir de que forma tal coisa pode ser subtraída da sua finalidade pública de maneira que determinados autores sustentem que o mero apossamento pelo particular de modo excludente não permita o atendimento dos interesses da coletividade já que permitiria que fosse objeto de uma aquisição prescritiva1013 Parece forçado considerar que o mero uso pelo particular com exclusão da coletividade seja capaz de gerar uma desafetação tácita pois tal entendimento conduziria para que qualquer esbulho possessório sobre coisas que de fato atendam a coletividade resultem na prescritibilidade do bem antes qualificado como púbico Se adequa a prescritibilidade sob tais bens à luz das próprias razões da usucapião a saber a impossibilidade de petrificação das relações jurídicas o que irá conduzir necessariamente ao reconhecimento de situações já consolidadas no tempo ao invés de preservar situações onde há conduta incompatível do sujeito em relação à coisa1014 Formada uma relação jurídica entre o titular e a coletividade tendo por objeto a coisa que exerce uma destinação pública não sendo garantida a finalidade pretendida com igual vínculo há de se admitir que tal qual como qualquer outra na ordem jurídica haverá a extinção do liame e reconhecimento da formação de outrem Não é cabível sustentar a permanência de um título formal que atribua uma titularidade sob a coisa se o sujeito não exerce a finalidade pretendida sobre a mesma e outro 1010 VALLÉS A de Inalienabilitá del demanio pubblico Rivista di Diritto Pubblico 1914 p 418 1011 GARNIER François Xavier Paul Traité des chemins de toutes espèces Paris BeaucéRusand 1825 p 246 1012 DUEZ Paul DEBEYRE Guy Op cit p 769 1013 CALVO Recaredo Fernández de Velasco Resumen de Derecho Administrativo Op cit p 169 268 268 já exterioriza conduta típica com relação a essa dando lhe um fim útil por conseguinte deve se ter sua relação jurídica protegida e conservada Assim considerar como a literatura tradicional de que o princípio da inalienabilidade vigora enquanto a coisa pertencer ao domínio público proibindo as alienações voluntárias ou forçadas como a usucapião de forma que a desafetação ou perda da sua destinação não permita a sua transmissão1015 parece equivocado Importa considerar que a indisponibilidade dos bens públicos decorrente do regime jurídico protetivo se mantém ainda que não haja mais a situação deflagradora da disciplina especial ou seja que a coisa terá a proteção de normas de direito público mesmo que não sirva mais a nenhum fim público Ademais ignora que não envolve simplesmente a mera desafetação tácita como uma perda de uma função social mas a não utilização ou destinação da coisa a uma finalidade coletiva por um lapso temporal que para alguns significa a demonstração de uma conduta de abandono da Administração Pública Tanto que alguns autores sustentam que a imprescritibilidade dos bens públicos se forma apenas após a cessação do domínio público que ocorrerá com um ato de desafetação implícito seja em razão de uma realidade fática ou explícito por um ato formal pela própria autoridade competente1016 Novamente pretendese reconduzir à titularidade estatal a realização ou retirada da coisa à finalidade pública embora como gestor não compete ao Estado dispor de interesses e bens públicos razão pelo qual não é o ato de desafetação explícito mas a perda da sua destinação material que implicará na sua exclusão do domínio público e regime protetivo Não se justifica sustentar um intervencionismo estatal com a deflagração de um regime jurídico de direito público exorbitante e mais protetivo em relação à disciplina civil privada para o uso fruição e disposição de coisas que não guardam nenhum fim de interesse coletivo ou que justifique sua exclusão das normas comuns1017 Ademais sustentar uma desafetação tácita uma conduta estatal que demonstre não ter interesse pela coisa resultaria na dificuldade de firmála pois haveria a alegação de falta de destinação coletiva de forma transitória de modo que tais coisas poderiam vir a exercer uma utilidade coletiva vindoura 1014 ENTERRÍA Eduardo Gárcia Sobre la Imprescritibilidad Op cit p 36 1015 LAUBADÉRE Andre de Traté Élémentare Op cit p 766 1016 ARÉVALO Manuel Francisco Clavero La inalienabilidade del domínio publico Op cit p 36 1017 SCAGLIUSI Maria de los Ángeles Fernández La necesaria reformulación del concepto de dominio público Op cit p 104 269 269 Esse grau de indeterminabilidade de tal critério de delimitação da afetação pública pode resultar em arbítrio na regulação da coisa pública e sustentar uma impossibilidade de alienação de qualquer bem público já que todos os bens estatais podem ter em algum momento uma utilidade futura Como visto o dever de funcionalização dos bens públicos se sujeita a um critério material não exclusivo e atual de forma que a coisa para ser qualificada como pública deve ser pelo Estado ou outro sujeito destinada de fato a realização de uma finalidade coletiva que será verificada no momento vigente Não se pode firmar que a regra é que as coisas sejam públicas até que o Estado determine por conduta expressa ou tácita o contrário já que se ligaria além da titularidade a uma noção de patrimonialidade dos bens públicos que não se adéqua ao fenômeno já visto de descolamento do público com o privado Ademais adota o Estado Brasileiro um modelo de livre economia de mercado que se baseia na circulação independente de bens A exclusão de coisas da livre disposição deve ocorrer de forma excepcional e apenas na medida em que atenda a realização ou preservação de valores igualmente equivalentes1018 Não pode se ter a pretensão de sustentar que não apenas a teoria privada usualmente chamada de Direitos Reais ou Direito das Coisas mas também a teoria pública aqui designada de Domínio Público possa ter caráter neutro ou patrimonial sem estar relacionado com os princípios gerais da atividade econômica1019 Assim além da ordenação imposta pela ConstituiçãoSocial às coisas o que determina a sua funcionalização socioambiental1020 devese considerar que a própria Constituição Econômica determinou que no modelo capitalista de Estado um dos princípios básicos é a propriedade privada1021 Isto significa a proteção contra a supressão da propriedade dos bens e do capital porém igualmente da circulação da titularidade na esfera privada enquanto basilares de uma 1018 PASTOR Juan Alfonso Santamaría Objeto y ámbito La tipología de los bienes públicos y el sistema de competências Op cit p 8296 1019 LÉON Luís DíezPicazo Y Ponce de Fundamentos de Derecho civil patrimonial v III Las relaciones jurídicoreales Madrid Civitas 1995 p 44 1020 BRASIL Constituição da República de 05 de Outubro de 1988 Art 5 XXIII a propriedade atenderá a sua função social 1021 Constituição da República de 05 de Outubro de 1988 Art 170 A ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa tem por fim assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social observados os seguintes princípios II II propriedade privada 270 270 Economia de Mercado exceto quando necessária à restrição no que tange ao interesse público1022 Por conseguinte extraise uma função socioeconômica dos bens públicos como um elemento estruturante do seu próprio regime jurídico1023 de forma que não podem existir bens no acervo que componham o domínio público que não estejam afetados à uma finalidade pública em clara violação à ordem jurídicoconstitucional A consagração de uma função social da propriedade pelo constituinte abrange tanto os bens privados quanto aos públicos uma vez que embora em diferença graduada ambos estão sujeitos ao cumprimento de uma função pública que anule qualquer utilidade meramente individual sob a referida coisa1024 Assim não se trata que tal perda da finalidade pública deva ocorrer por um lapso temporário que demonstre ou manifeste igualmente no regime privado uma situação de abandono que ipsis factus exteriorize a disposição da propriedade1025 pois como visto não há uma propriedade estatal mas uma titularidade pública ligada à função social pretendida Todavia diante da vedação constitucional e legal no ordenamento jurídico brasileiro ainda que dada tal interpretação que busque determinar o objeto de tutela da norma e a sua adequação com os outros valores e bens constitucionalmente tutelados há de se determinar se haverá a aplicação ou não plena da usucapião privada Neste viés inexistindo prazos prescricionais legais específicos para a usucapião sobre bens públicos1026 tende a literatura jurídica aplicar os prazos especiais da casuística regulação 1022 ARONNE Ricardo Comentários Ao Artigo 170 Inciso II in CANOTILHO J J Gomes SARLET Ingo Wolfgang STRECK Lenio Luiz MENDES Gilmar Ferreira Comentários à Constituição do Brasil São Paulo SaraivaAlmedina 2013 p 3862 1023 SCAGLIUSI Maria de los Ángeles Fernández Op cit p 110 1024 MORENO Fernando Sainz El domínio publico Op cit p 482 1025 BRASIL Lei Federal nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002 Art 1275 Além das causas consideradas neste Código perdese a propriedade III por abandono 1026 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1998 Art 37 A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiência e também ao seguinte 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente servidor ou não que causem prejuízos ao erário ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento 271 271 para a Administração Pública1027 evitando que a questão da prescritibilidade fique ao arbítrio da livre interpretação dos juízes embora haja autores que sustentem prazos ainda maiores1028 De qualquer sorte parece que a definição de um ou outro prazo prescricional em favor do bem público antes corresponde a uma forma de reforço da sua imprescritibilidade do que sua negativa já que determinará um critério objetivo para a faculdade de reintegração sob os bens do domínio público perturbados pelos particulares1029 Poderseia sustentar que a própria Constituição Federal regula as hipóteses onde a não observância da função socioambiental da propriedade gera a desapropriação do bem urbano1030 e rural1031 o que permitiria a aplicação de suas regras a contrario sensu já que os poderes públicos no Estado de Direito devem respeitar às suas próprias prescrições Contudo parece inadequado sustentar para aplicação da prescrição aquisitiva relativa a bens que faziam parte do domínio público a utilização de normas relativas a desapropriação que se dirigem à propriedade privada desfuncionalizadas e pretende promover uma destinação pública pelo ente estatal Se a coisa não exerce mais a sua qualificação pública não encontrase sob o domínio público e tão pouco faz incidir o regime jurídico próprio inclusive no que tange a uma vedação ou condicionamento de sua imprescritibilidade de forma que passível de apropriação privada devese sujeitar ao preenchimento dos prazos e requisitos para os bens privados Neste sentido determina a Constituição Federal ao vedar a usucapião para os bens públicos1032 as prescrições para ocupação de áreas urbanas1033 e rurais1034 Parece claro que 1027 Decreto Federal nº 20910 de 6 de Janeiro de 1932 Art 1º As dívidas passivas da União dos Estados e dos Municípios bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal estadual ou municipal seja qual for a sua natureza prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originar BRASIL Lei Federal nº 9784 de 29 de Janeiro de 1999 Art 54 O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos contados da data em que foram praticados salvo comprovada máfé 1028 ENTERRÍA Eduardo Gárcia Sobre la Imprescritibilidad Op cit p 45 e 47 Após propõe o autor que o prazo seja de 60 sessenta anos conforme o Direito Inglês 1029 ENTERRÍA Eduardo Gárcia Sobre la Imprescritibilidad Op cit p 52 1030 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1998 Art 182 4º É facultado ao Poder Público municipal mediante lei específica para área incluída no plano diretor exigir nos termos da lei federal do proprietário do solo urbano não edificado subutilizado ou não utilizado que promova seu adequado aproveitamento sob pena sucessivamente de III desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal com prazo de resgate de até dez anos em parcelas anuais iguais e sucessivas assegurados o valor real da indenização e os juros legais 1031 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1998 Art 184 Compete à União desapropriar por interesse social para fins de reforma agrária o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária com cláusula de preservação do valor real resgatáveis no prazo de até vinte anos a partir do segundo ano de sua emissão e cuja utilização será definida em lei 1032 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1998 Art 183 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião Art 191 Parágrafo único Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião 272 272 se tais coisas não conservarem a qualificação de pública por não mais exercerem sua respectiva função social caberá a aplicação dos requisitos determinados pela lei fundamental 1033 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1998 Art 183 Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados por cinco anos ininterruptamente e sem oposição utilizandoa para sua moradia ou de sua família adquirirlheá o domínio desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural 1034 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de Outubro de 1998 Art 191 Aquele que não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano possua como seu por cinco anos ininterruptos sem oposição área de terra em zona rural não superior a cinquenta hectares tornandoa produtiva por seu trabalho ou de sua família tendo nela sua moradia adquirirlheá a propriedade 273 273 45 Os elementos do dever de funcionalização dos bens públicos da concretização da função social pelo Estado à adequação pelo particular no caso da ocupação do Jardim Botânico no Rio de Janeiro Como abordado o dever de funcionalização dos bens públicos deve ser disposto a partir de um critério material que demande não apenas uma destinação formal mas uma efetiva ligação a uma necessidade coletiva e não exclusivo De forma que ainda que seu titular não o exerça cabe ao Estado enquanto gestor dos interesses coletivos ou outro sujeito realizálo Isto impõe inegavelmente um marco temporal que não se extingue com uma desafetação mas que antes demanda uma atualidade no atendimento da finalidade coletiva permitindo a aplicação graduada do regime jurídico especial e exigindo em seu descumprimento a possibilidade de adequação dada pelo particular Tais proposições podem ser vislumbradas em questões complexas onde haja a sujeição da coisa as variadas funções sociais por distintos titulares e por conseguinte demonstre não apenas a insuficiência das categorias tradicionais ao qual se move a questão dos bens públicos como a busca por critérios capazes de solver a problemática social instaurada Tomase como caso paradigmático a ocupação fundiária e formação da Comunidade do Horto há mais de três décadas decorrente de ato de cessão estatal aos servidores públicos para moradia funcional ocorrido no Jardim Botânico do Rio de Janeiro já que envolve eminentemente um conflito no que tange as distintas funcionalizações sociais O tema tem sido objeto de inúmeros litígios em distintas instâncias judiciais razão pela qual se delimita para a análise apenas para vislumbrar a uniformização promovida sobre as decisões de primeira instância através das controvérsias que já foram objetos de julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça Sob tal viés a egrégia corte já entendeu que por tratarse o Jardim Botânico do Rio de Janeiro de um bem público e tombado independente de ser nova ou antiga a moradia demandaria um rigoroso procedimento no que tange ao reconhecimento de eventual ocupação construção ou exploração1035 Como visto o lapso temporal da ocupação pelo particular de fato não determinará a perda da função social que enseja a não incidência da imprescritibilidade mas somente valerá 1035 BRASIL Superior Tribunal de Justiça Recurso Especial n 808708RJ Relator Min Herman Benjamin DJE 04052011 p 7 274 274 após a desvinculação da coisa a sua necessidade coletiva como um dos requisitos para o reconhecimento da adequação da função social promovida pelo sujeito privado Porém não se vislumbra que se tratando de um bem público uma coisa que exerce uma função social objeto de tombamento a adoção deste procedimento tem regime específico para os bens que exercem a finalidade coletiva de conservação do patrimônio histórico cultural havendo impedimento para que se reconheça uma eventual ocupação Já foi tratado aqui que a funcionalização de uma coisa para atendimento de um interesse coletivo não impede que possa ser igualmente destinada à outra função social mas ao revés admitese que pode se formar uma pluralidade de relações jurídicas com distintos sujeitos sem que necessariamente sejam excludentes Ademais tal qual o tombamento de um bem sob a titularidade privada não impede a sua ocupação para moradia ou exploração econômica mas apenas impõe ao seu sujeito obrigações específicas e por efeito restrições no exercício da coisa não há impossibilidade que sobre uma coisa na titularidade estatal seja dado uma destinação por particular Tanto não há impedimento para outra funcionalização do bem público que embora já tombado o jardim desde 19381036 e a chácara da floresta1037 desde 1995 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional como jardim histórico foi admitida a cessão de terras no local para ocupação por servidores públicos Desde já se exclui portanto uma feição privatista em relação ao uso original dado pela Administração Pública pois uma vez que se destinava à habitação dos servidores públicos com vista ao melhor atendimento ao serviço público inegável que tais coisas exerciam uma função social Cabe inquirir o marco temporal ao qual tal função social foi exercida uma vez que os imóveis não serviam mais para a ocupação do servidor público que não estava mais na ativa e ligado ao cumprimento do serviço público e se a moradia por seus familiares representava a realização ou adequação de uma função social Isto porque como já foi tratado aqui o que define o domínio entre o público e o privado é como a coisa está sendo direcionada para concretização de uma necessidade coletiva no caso de melhor atendimento do serviço público ou não estando sujeita a uma 1036 BRASIL Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional Lista de Bens Materiais Tombados e Processos em Andamento Fase atual rerratificação Disponível em httpportaliphangovbruploadsckfinderarquivosLista Bens Tombados Dez 2015pdf Acesso em 30052017 1037 Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional Lista de Bens Materiais Tombados e Processos em Andamento Processo n 13621995 Chácara da Floresta Fase atual instrução Disponível em httpportaliphangovbruploadsckfinderarquivosLista Bens Tombados Dez 2015pdf Acesso em 30052017 275 275 aquisição privada ela se adéqua à função social determinada pela ordem no caso a usucapião Aduz a Corte que junto ao Jardim Botânico há cerca de 140 hectares que segundo a corte são de propriedade da União o que independentemente das extraordinárias qualidades naturais e culturais já impõe que qualquer utilização uso ou exploração privada seja de caráter excepcional por tempo certo e interesse público1038 Desde já foi verificado que a existência de uma relação jurídica entre o titular e a coletividade onde a coisa exerce uma finalidade coletiva não impede o reconhecimento da formação de outra relação jurídica sob a mesma coisa caso atenda ou se adéque a outra função social Não haveria impeditivo que sob as mesmas terras ao qual há bens públicos naturais o parque do Jardim Botânico e o seu papel para o equilíbrio do ecossistema e o bem estar humano houvesse outros bens públicos artificiais a área na qual foram construídas as moradias dos servidores que uma vez desafetado dessa função social se sujeitariam a apropriação Porém sustentase equivocadamente uma apropriação de bens pelo Estado de coisas que são inapropriáveis por sua própria natureza e aduz uma formação de universalidade a variedade e numerosidade de bens individuais que o integram o patrimônio cultural tombado ou protegido como conjunto o Jardim Botânico aí incluído1039 Não há como considerar uma unidade o Jardim Botânico formado pela flora e fauna que o caracteriza como um bem público natural já que ligado naturalmente à conservação do sistema natural e bem estar local com as demais terras e edificações bens públicos artificiais na medida em que estejam afetados a uma necessidade coletiva Poderia supor que é necessário para a proteção do Jardim Botânico o espaço físico que ocupa1040 porém o critério que qualifica a coisa como pública é a função social que exerce de forma que se parte das terras do horto não se alinham a uma necessidade coletiva não pode deflagrar a proteção Isto porque enquanto sob o primeiro não há como incidir uma apropriação privada já que tais coisas por si só exercem uma função social as demais caso não se liguem à realização de uma finalidade coletiva não deflagrarão um regime jurídico especial e a imprescritibilidade que impede a apropriação particular 1038 BRASIL Superior Tribunal de Justiça Recurso Especial n 808708RJ Relator Min Herman Benjamin DJE 04052011 p 11 1039 Superior Tribunal de Justiça Recurso Especial n 808708RJ Relator Min Herman Benjamin DJE 04052011 p 12 276 276 A dificuldade parece decorrer da assimilação não apenas de um critério de titularidade já que competiria ao Estado autorizar tal uso da coisa pública como também de um caráter nitidamente patrimonialista já que se trata o bem público a partir do manuseio indevido de categorias privadas para solver a questão Isso fica claro ao determinar que no caso há ausência de uma autorização inequívoca válida e atual o que produz uma mera detenção ilícita que não gera nem pode gerar a menos que se queira contrariando a mens legis estimular tais atos condenáveis direitos entre eles o de retenção garantidos somente ao possuidor de boafé pelo Código Civil 1041 Neste tocante gera certa idiocrasia pois se por um lado utilizase tais noções privadas para afastar uma legitimidade da ocupação por particular por outro sustentase que os bens públicos federais possuem um regime jurídico especial ao qual não cabe aplicar o Código Civil exceto em caso de omissão e levando em conta os princípios próprios1042 Assim uma vez que a ocupação não decorreria de um título formal pelo Estado seria passível não apenas de seu despejo como também sem indenização por força de aplicação da lei1043 já que as benfeitorias necessárias somente serão indenizáveis se a União for previamente notificada da sua execução1044 Note que a existência de um regime normativo especial para os bens públicos não se identifica exclusivamente com a aplicação de regras jurídicas de direito público Não havendo vedação à aplicação graduada de normas de direitos privados bem como a necessária incidência das regras e princípios constitucionais Neste julgado quanto em outros recentes1045 não se discute a par da conservação do patrimônio histórico e cultural a tensão com o ajustamento a outra função social o direito social de moradia mas ao revés apoiase em exclusiva aplicação de normatividade anterior à Constituição Federal de 1988 sem buscar a adequação aos valores e bens consagrados 1040 Superior Tribunal de Justiça Recurso Especial n 808708RJ Relator Min Herman Benjamin DJE 04052011 p 13 1041 BRASIL Superior Tribunal de Justiça Recurso Especial n 808708RJ Relator Min Herman Benjamin DJE 04052011 p 8 1042 Superior Tribunal de Justiça Recurso Especial n 808708RJ Relator Min Herman Benjamin DJE 04052011 p 9 1043 DecretoLei n 9760 de 5 de Setembro de 1946 Art 71 O ocupante de imóvel da União sem assentimento desta poderá ser sumariamente despejado e perderá sem direito a qualquer indenização tudo quanto haja incorporado ao solo ficando ainda sujeito ao disposto nos arts 513 515 e 517 do Código Civil Parágrafo único Excetuamse dessa disposição os ocupantes de boa fé com cultura efetiva e moradia habitual e os direitos assegurados por este Decretolei 1044 DecretoLei n 9760 de 5 de Setembro de 1946 Art 90 As benfeitorias necessárias só serão indenizáveis pela União quando o SPU tiver sido notificado da realização das mesmas dentro de 120 cento e vinte dias contados da sua execução 1045 BRASIL Superior Tribunal de Justiça Recurso Especial n 1055403RJ Relator Min Sérgio Kunina J 07062016 277 277 Não se pode ignorar que uma vez a moradia seja consagrada como um direito fundamental social e exercida individualmente e adequada a uma função social mas sendo objeto de um grupo como no caso mais de 600 habitações há de se verificar a concretização de uma necessidade coletiva Ao invés de buscar uma exegese com os interesses e direitos tutelados pela Constituição tratase a questão à luz de uma posse que não oferece garantia de permanência de modo que a posse anterior em nada muda esta situação simplesmente porque nenhum particular pode possuir bens públicos exercendo sobre estes a mera detenção1046 De fato as coisas qualificadas como públicas implicam na aplicação de um regime jurídico especial com a incidência do atributo de imprescritibilidade porém isto não significa que o critério que defina tal natureza seja a titularidade mas a partir de um elemento teleológico àqueles que concretizam uma função social Tornase necessário verificar em que medida portanto tais coisas estejam ligadas a materialização de uma função social ou não de modo a verificar se há ou não a incidência do regime jurídico especial e portanto uma imprescritibilidade ou não que permita definir qual é o papel exercido pelo particular no caso Neste viés demonstrase correto o entendimento que eventual omissão ou consentimento tácito estatal que permitiu a consolidação da ocupação ao longo do tempo não pode determinar a apropriação privada pois vigora na gestão e controle dos bens e interesses públicos o princípio da indisponibilidade1047 Todavia a imprescritibilidade é atributo concedido por regime jurídico especial que surge quando formase uma relação jurídica onde seu objeto atende a uma finalidade específica a saber a concretização de uma função social o que demanda verificar no caso quanto às referidas moradias É de se estranhar que o próprio horto florestal onde ficam as referidas casas que antes serviram à moradia dos servidores público fora tombado enquanto conjunto arquitetônico1048 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional de sua respectiva função social e inserido no patrimônio histórico e cultural nacional 1046 Superior Tribunal de Justiça Recurso Especial n 816585 Relator Min José Delgado J 05102016 1047 Superior Tribunal de Justiça Recurso Especial n 808708RJ Relator Min Herman Benjamin DJE 04052011 p 17 1048 BRASIL Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional Lista de Bens Materiais Tombados e Processos em Andamento Processo n 6411961 Horto floresta Conjunto Arquitetônico Fase atual tombado Disponível em httpportaliphangovbruploadsckfinderarquivosLista Bens Tombados Dez 2015pdf Acesso em 30052017 278 278 Porém uma vez buscada auditoria sobre a situação dos quinze processos de regularização fundiária de interesse social pela Superintendência do Patrimônio da União do Estado do Rio de Janeiro foi apontado pelo Tribunal de Contas da União suspostas irregularidades1049 É interessante notar que são apontadas como causa da ilicitude dos referidos processos não apenas o fato de abranger áreas tombadas e protegidas por legislação ambiental ou seja que atendam uma finalidade pública mas envolver igual apropriação de perspectiva de patrimonialidade sob as coisas públicas Assim denota a corte que devese considerar que o preço médio do metro quadrado dos imóveis naquela área está entre os mais altos do País inspirando maiores cuidados na gestão das terras públicas ali localizadas cuja reflexão na imprensa poderia elevar a expectativa da população sobre a atuação fiscalizadora deste Tribunal1050 Parece haver uma preocupação em manutenção da coisa sob a titularidade estatal não na medida em que há o atendimento de uma função social mas em garantir sob tais bens ao qual há um valor econômico relevante uma propriedade estatal inclusive com a proposta de remoção das famílias carentes para outra comunidade de acordo com a lei 1051 A previsão legal ao que se refere a precedência na regularização fundiária de ocupantes removidos decorre antes pela impossibilidade de adequação da função social daqueles bens1052 do que de uma necessidade de conservação da coisa sob a titularidade estatal que sequer pode dar destino ao cumprimento da finalidade coletiva para os mesmos Há uma nítida tratativa das coisas públicas a partir de um vértice de patrimonialidade pelo modo como até 2013 sequer o parque encontravase delimitado os 130 hectares1053 que só então passaram a ser objeto de registro em cartório o que corresponde a uma busca por instrumentos civis para uma celeuma que não se liga a tais categorias privatistas A par da controvérsia é preciso observar se os residentes no horto do jardim botânico constituem uma população tradicional que deve ter reconhecida tais terras pela função que 1049 Tribunal de Contas da União Processo nº 03018620102 1050 Tribunal de Contas da União Processo nº 03018620102 Acórdão p 23 1051 Tribunal de Contas da União Processo nº 03018620102 Acórdão p 1213 1052 Lei Federal nº 11977 de 7 de Julho de 2009 com Redação dada pela Lei nº 12424 de 2011 Art 3 Para a indicação dos beneficiários do PMCMV deverão ser observados os seguintes requisitos III prioridade de atendimento às famílias residentes em áreas de risco ou insalubres ou que tenham sido desabrigadas III prioridade de atendimento às famílias residentes em áreas de risco insalubres que tenham sido desabrigadas ou que perderam a moradia em razão de enchente alagamento transbordamento ou em decorrência de qualquer desastre natural do gênero 1053 MIRANDA FILHO Armando Existe solução justa para o caso do Jardim Botânico do Rio de Janeiro Revista de Direito GV Fundação Getúlio Vargas vol8 no2 São Paulo JulyDec 2012 P 501 279 279 exercem na conservação do patrimônio histórico cultural brasileiro1054 ou se há a realização de um direito fundamental a moradia por aquele grupo tal caso reforça a celeuma aqui tratada Embora claramente reconhecido no direito privado que os bens devem se sujeitar a uma adequação para uma função social e essa pode ser determinada por outros atores sociais de forma a concretizar os fins e objetivos da ordem jurídica no que tange aos bens públicos que devem se ligar à concretização de uma necessidade coletiva há certa dificuldade Seja a tentativa de tratar a questão a partir de categorias privadas como patrimônio ou posse seja a investida em versar a problemática à luz de elementos públicos como soberania ou potestades conduz a uma dificuldade de garantir o regime próprio que devem possuir tais coisas e a sua adequação à realidade social e aos deveres impostos pelo Direito Determinar que os bens sejam qualificados como público na medida em que estejam ligados de forma material e nãoexclusiva à concretização de uma função social enquanto a mesma persistir importa em admitir que sobre tais coisas ainda que o Estado atenda uma finalidade coletiva outros sujeitos possam buscar realizála ou adequar o bem as mesmas Assim como o dever de funcionalização dos bens públicos impõe ao seu titular ou ao Estado enquanto gestor dos interesses dos bens da coletividade o dever de concretização da função social isto não traduz impeditivo de sobre tais coisas o particular possa direcionála de forma não exclusiva a outra finalidade coletiva ou se inexistindo a uma apropriação privada Há de se reconhecer que sob coisas que exercem por sua própria natureza uma finalidade pública como o Jardim Botânico em si não há de se admitir uma apropriação privada ou uma funcionalização por particulares que signifique a perda da finalidade que exercem no equilíbrio do ecossistema e o bem estar da comunidade Porém ademais como as terras em seu entorno há de se reconhecer a realização de outra função social como o próprio Estado fez com a moradia funcional para servidores públicos garantindo melhor atendimento ao serviço público porém se perdeu com a morte dos agentes e a omissão estatal que resultou em sua continuidade para moradia Sob tais coisas embora pudesse se admitir uma apropriação privada já que não mais ligada pelo Estado a nenhuma necessidade coletiva há de se admitir que a ocupação histórica 1054 Neste sentido SOUZA Laura Olivieiri Carneiro de Dossiê Histórico do Horto Florestal do Rio de Janeiro Rio de Janeiro Associação de Moradores e Amigos do Horto 2013 280 280 por uma comunidade ao qual inclusive houve tombamento das suas edificações pelo próprio Estado parece corresponder não a uma adequação mas concretização de uma função social Compreender tal entendimento demanda porém o esforço de despirse de uma inadequada identificação de domínio público com domínio estatal para aceitar que dadas coisas irão exercer função social ainda que não estejam sob uma titularidade dos poderes públicos o que se adéqua com as transformações do Estado e do Direito Igualmente a incidência do regime jurídico de direito público que irá impedir a aquisição por alienação ou prescrição não decorre apenas dessa titularidade estatal mas só poderá incidir na medida em que esteja ligada à realização de uma função social que demande uma proteção especial para coisas que exercem uma destinação a ser protegida Impõe portanto um redimensionamento do Estado que não será mais tido como o titular das referidas coisas e pode retirálas de sua destinação pública de acordo com uma discricionariedade mas será o gestor das funções que elas exercem ainda que estejam sob a sujeição de outros atores sociais Isso resultará na identificação de um dever de funcionalização dos bens públicos que centrese a partir da proteção do elemento teleológico impedindo que o Estado mantenha coisas desfuncionalizadas e garantindo o reconhecimento de que o particular dotouas de uma função pública ou diante da sua perda promoveu uma adequação à mesma Situase portanto a questão além dos dogmas perpetuados a partir de uma teoria dos bens públicos estruturada sob o século XIX onde a questão volviase à afirmação da soberania do Estado Nacional à luz de influxos centralizadores ou liberalizantes em que cabia ao ente público a gestão plena de seus interesses Diante de uma pluralidade de interesses públicos da consagração de inúmeros atores sociais da despublicização da persecução da necessidade coletiva e das insuficiências do Estado em lidar com a pluralidade de serviços e atividades coletivas há de se buscar uma teoria dos bens públicos que se adéque aos desafios contemporâneos Sob tal viés parece que no limiar do século XXI diante da crise de legitimidade estatal do crescimento da participação dos atores sociais na ação pública da consagração de fins e objetivos pela ordem jurídica e o reconhecimento do dever de função social como princípio do Direito faz com que o elemento funcional assuma o centro da teoria dos bens públicos 281 281 CONCLUSÃO Na matriz romanogermânica foi veiculado o domínio público como uma teoria construída pela literatura francesa a partir de uma interpretação da res publicae do direito romano capaz de formar uma disciplina jurídica que atribua aos bens públicos determinados caracteres permitindo que conserve a titularidade estatal Todavia a expressão domínio público não deve ser identificada com uma única teoria mas ao revés reconhecer que abrange variadas escolas que irão buscar o fundamento da qualificação da coisa como pública e portanto da formação de seu regime normativo desde sua associação com a noção de soberania estatal até a de função pública Neste sentido embora justificável para a literatura tradicional do século XIX a fundamentação de tal teoria na figura de puissance publique como forma de afirmação do Estado soberano todavia superado o contexto históricosocial subjacente e diante da evolução das instituições públicas e da própria ciência jurídica não se justifica a manutenção Com a ascensão do Estado Constitucional de Direito encontrase fundamentada uma teoria do domínio público na medida em que esta se relaciona com os deveres constitucionais oriundos da partilha de competências e bens entre os entes públicos decorrentes dos deveres de proteção e concretização dos valores interesses bens e direitos constitucionais Ademais a noção de domínio envolve a própria compreensão do tratamento normativo dada a coisa De modo que mesmo em tal família jurídica há a divergência da experiência alemã que propõe uma dualidade na noção de coisa e da literatura francesa que a partir de uma unidade as distingue apenas quanto ao seu regime jurídico Em nossa ordem normativopositiva e ciência jurídica adotouse a concepção de unidade no que tange ao tratamento da coisa o que aliado uma ausência de regulação normativa impôs não apenas a aplicação do conceito de propriedade à relação pública mas a própria incidência das normas civis para regular as omissões nas matérias Neste sentido a proposta de um regime normativo específico e exorbitante para os bens públicos dotandolhes de características próprias e apartadas do regime jurídico comum que são dotadas as demais coisas privadas igualmente se demonstra incapaz de lidar com determinados bens Assim como as insuficiências da própria disciplina pública Sustentamse a existência de bens dominicais para o Estado que uma vez desafetados de qualquer finalidade pública não ensejam a aplicação do regime normativo específico todavia se submetem de forma mitigada ou parcial a tal disciplina o que não se adéqua a sua referida natureza não sendo capazes de integrálos ao domínio público 283 283 Assim embora propugne um regime jurídico especial e exorbitante às coisas públicas com a concessão de prerrogativas e limitações bem como busque se construir teorias acerca da relação do Estado com tais bens sob o rótulo de domínio público acabase por apropriar do conceito privado de propriedade em uma perspectiva tipicamente patrimonialista Tal feição demonstrase na forma por um lado pretendese uma disciplina normativa que atribua caracteres específicos aos bens públicos evitando a sua apropriação privada como a inalienabilidade e a imprescritibilidade por outro permite ao Estado a sua própria disposição através do processo de desafetação Ignora as transformações ocorridas na própria disciplina civil da coisa que buscam adequar os seus institutos e categorias ao fenômeno de despatrimonialização e repersonalização do direito comum e portanto à ordem jurídicoconstitucional pluralista e voltada à proteção do homem Por outro lado filiase a matrizes teóricas administrativistas de feições autoritárias que sustenta uma posição da Administração Pública enquanto titular de poderes e prerrogativas para determinar e buscar promoção dos interesses públicos ao revés de sujeita a deveres e competências para a promoção dos bens valores interesses e direitos qualificados Isso se demonstra na própria forma que as escolas do domínio público buscam distintos critérios de delimitação dos seus referidos bens que volvem em sua maioria a processos como a titularidade do acervo ao revés da natureza das coisas do seu regime normativo ao contrário da sua finalidade Por efeito se demonstram mesmo que combinados insuficientes para delimitar um acervo plural formado por bens sob a titularidade do Estado e outros que não se admite a sua apropriação Coisas afetadas à finalidade pública e outras que não se ligam ao munus publico por um regime público que se aplica ainda que parcialmente às coisas do caráter privado Neste estado de arte dos bens públicos há de se admitir a complementariedade do regime de direito privado seja pela ausência de regulação plena dos institutos como por exemplo a previsão das formas de sua aquisição seja pela igualdade da existência de coisas tidas como públicas mas que se movem em categorias privadas A desmistificação dos bens públicos envolve ainda reconhecer a impossibilidade de formação de um regime jurídico único capaz de regular as referidas coisas decorrentes da própria pluralidade de entes autônomos da especificidade dos bens igualmente da insuficiência da norma civil na tutela do tema Neste sentido ao contrário dos Estados Unitários como a França onde é possível a formação de um Código dos Bens Públicos a consagração de um modelo de Estado Federado 284 284 com autonomia políticoadministrativa aos entes conduz inexoravelmente à uma regulação legislativa e administrativa própria dando feições distintas à tutela dos bens públicos Embora a Constituição Federal enquanto lei fundamental veicule a partilha de bens e competências entre os entes federados inclusive com injustificável ausência de disposição em relação aos Municípios e Distrito Federal disponha em alguma medida de alguns atributos dos bens públicos com regulação insuficiente Igualmente o Código Civil não parece exercer o papel de lei geral no que tange a regulação dos bens públicos cabendo antes a sua classificação e designação de atributos do que efetivamente uma plena disposição sobre normas nacionais relativas à aquisição gestão e disposição das referidas coisas Ao revés adota o critério da titularidade na qualificação dos bens públicos em uma perspectiva patrimonialista das coisas públicas que reforça a assimilação da noção de um EstadoProprietário que exerce as faculdades típicas de dominus inclusive à disposição sob uma suposta relação de propriedade Tanto a insuficiência da regulação normativa pelo código civil quanto o tratamento dos bens públicos a partir de uma noção de propriedade é verificado pela adoção na literatura pátria da aplicação de institutos negociais do direito privado para coisas públicas como doação compra e venda e afins Todavia corresponde a incongruência a construção de uma teoria do domínio público que pretende traçar fronteiras nítidas com regime privado para a adoção de normas do direito comum no que se trata dos bens públicos ainda mais considerado a inexistência de previsão legal para a sua aplicação que ocorre de forma seletiva pela literatura jurídica Ademais a propriedade é um direito fundamental do homem que se consagra nas revoluções liberais como forma de limitação do arbítrio do poder e proteção de uma esfera de autonomia privada frente ao Estado de modo que parece inadequado sustentar tal relação jurídica para o Estado em face da coletividade Diante das limitações do Código Civil surge uma constelação normativa no âmbito nacional regional e local para regular sobre os bens públicos quanto ao seu uso coletivo ou associado pelos entes públicos cessão individual exploração privada ou consorciada e alienação legal ou negocial que dificultam uma sistematização científica de um regime único Ademais tanto a construção teórica do domínio público quanto a disciplina jurídica dos bens públicos não é capaz de lidar de forma satisfatória com as questões contemporâneas que envolvem as tensões com o privado em especial no que tange questões como ocupação dos bens de uso comum do povo abandono dos especiais e alienação dos dominicais 285 285 Por um lado sustentase de forma generalizada uma inalienabilidade dos bens públicos inclusive os bens naturais quando na realidade corresponde a uma inapropriabilidade por agentes privados ou pelo próprio Estado que atua como gestor dos referidos bens que em sua natureza já exercem uma afetação à finalidade pública Todavia isto não impede a sua cessão individual ou exploração econômica desde que seja para o exercício da atividade de persecução de um interesse público ou resulte em benefício direto para a comunidade vedandose permissões ou autorizações para satisfação exclusiva de interesses privados Razão pelo qual devese afastar de apropriações exteriorizadas pela própria linguagem com a sujeição dos referidos bens públicos como recursos naturais cuja exploração decorra do próprio exercício do direito de propriedade individual uma vez que embora de uso comum do povo não impede as restrições necessárias à proteção do referido interesse público Sob tal viés as ocupações com fins de moradia sob os bens públicos naturais não se sujeitam a uma aquisição privada pois é da própria natureza dos referidos bens a sua impossibilidade de apropriação o que não impede todavia o reconhecimento da formação de outra relação jurídica tendo as referidas coisas por objeto Neste sentido há uma incongruência em sustentar que sob tais bens podem ser formadas relações jurídicas que permitam a exploração pela iniciativa privada como no caso das minerações mas não admitir que sejam reconhecidas outras relações jurídicas para atendimento de outros interesses constitucionais como a moradia No próprio Direito Francês cuja rigidez teórica conduziu a um longo período sem reconhecimento de outras relações jurídicas formadas sobre as coisas públicas consagraram se os chamados direitos reais administrativos entre particulares inclusive de forma transmissível como no caso das permissões Se há uma vedação material em relação aos bens públicos naturais pela sua natureza e destinação para o reconhecimento da ocupação não parece haver nenhum impedimento para reconhecimento que o abandono de bens públicos artificiais resulte em perda da sua afetação pública e admita a aquisição privada Isto porque a cláusula ou princípio de inalienabilidade dos bens públicos não corresponde a uma vedação absoluta à sua aquisição mas ao revés é admitida de forma condicionada através da lei e do processo de desafetação que embora a literatura jurídica majoritária considere apenas pela via formal deve ser tida no campo material Seria uma incongruência admitir que o Estado possa através de uma desafetação formal retirar o destino público de uma coisa permitindo a sua alienação e ao mesmo tempo 286 286 vedar que coisas que não exerçam uma finalidade pública não possam ser dotadas de outra destinação igualmente pública por um sujeito particular Sendo o critério da afetação o elemento central da teoria do domínio público e da formação do regime jurídico dos bens públicos é através do mesmo que adquirem os bens a qualificação de público e portanto a sua vedação à apropriação pelo particular de forma a resguardar a sua destinação coletiva Em sentido próximo não tendo a coisa uma afetação à finalidade pública não deve portanto se sujeitar as restrições decorrentes do regime jurídico de direito público imposto as mesmas de forma que não se sustenta a disciplina especial dada aos bens dominicais por guardarem feições tipicamente privadas Se por um lado poderia sustentar que o aporte público dota a coisa de uma finalidade pública por outro a formação patrimonial privada para atuação como sujeito privado na ordem econômica e social não pode conduzir a sua sujeição Em ambas as hipóteses há restrições que condicionam os referidos bens públicos Parece confundirse titularidade estatal com bem público De forma que atribuem qualificação às coisas sem finalidade pública sob a suposta propriedade estatal de um regime rígido de alienação que é incompatível com sua natureza e destinação enquanto aos bens funcionalizados admitese o regime de flexibilização com alienação mediante a desafetação Note portanto que as deficiências na resolução dos conflitos resultam da persistência na identificação de domínio público com domínio estatal dos bens públicos como aqueles sob a titularidade dos poderes públicos ainda que desfuncionalizados e a submissão do regime especial como decorrência de uma propriedade estatal Por esta razão propõese uma teoria do domínio público que atenda a especificidade da relação jurídica do Estado com a sociedade tendo por objeto as coisas que são afetadas a uma finalidade coletiva que seja capaz de solver os conflitos e questões contemporâneas decorrentes do uso exploração e alienação dos bens públicos Por um lado não se pode pretender adotar a res publicae enquanto elemento central na regulação do Direito Romano de outra realidade política histórica e social para a construção de uma teoria dos bens públicos diante de uma ordem plural e voltada ao dever geral de funcionalização das coisas e da propriedade Por outro não convém ignorar que a afetação era o critério que dotava as coisas de uma natureza pública que não se confundia com a titularidade estatal mas antes representava aqueles bens essenciais à comunidade e portanto inapropriáveis ao qual cabia ao Estado apenas a sua gestão 287 287 Corresponde a uma construção moderna e francesa com a atribuição da personalidade jurídica ao ente público a apropriação da noção privada de pessoapatrimônio para dotar o Estado de um acervo patrimonial quando parece adequada a compreensão alemã de que as coisas públicas não podem ser confundidas com as privadas Noções como propriedade patrimônio e senhorio se amoldam à noção de direito público subjetivo exercido pelo particular em relação à coisa privada face ao Estado e a outros particulares mas não se adéquam aos bens públicos enquanto qualificados pelo destino que exercem e exteriorizam um dever de gestão por aquele ente moral Sob tal viés há de se reconhecer que o domínio público é formado apenas pelos bens dotados de uma destinação a uma finalidade pública pois não justificaria a construção de uma teoria e formação de um regime jurídico protetivo para coisas excluindoas de parte do comércio jurídico senão para preservar a sua finalidade Porém isto não significa ignorar que haja distinção entre o fundamento e efeitos dessa destinação pública de forma a discernir um domínio público não estatal de coisas afetadas por sua natureza e portanto indisponíveis até mesmo para o Estado de um domínio público estatal de coisas afetadas por atos e portanto inalienáveis enquanto vigente Significa portanto que a qualificação jurídica de público dada aos bens decorre da relação jurídica formada não do Estado sob a coisa mas do ente público com a coletividade tendo por objeto determinadas peças que irão servir a dados fins no caso do ente moral sempre o atendimento ao interesse público qualificado por lei Neste sentido afastase a classificação de tal relação jurídica como de propriedade já que não existe um dominus que dotado de autonomia de vontade pode ou não exercer as suas posições jurídicas tradicionais uso fruição disposição e reivindicação em face da coletividade e do Estado Tratase de uma relação jurídica de direito público e portanto o Estado atua enquanto gestor dos interesses públicos de modo que em relação a tais bens exerce deveres constitucionais decorrentes da partilha de atribuição pela lei fundamental bem como o dever de concretização dos bens valores direitos e interesses essenciais Desse modo não podem existir bens públicos que não exerçam uma finalidade pública e sob a titularidade estatal sem que sirvam ao interesse público conquanto tais são os elementos que traduzem não apenas a formação mas a própria legitimidade da configuração tanto das coisas quanto do ente como públicos Uma vez que os bens públicos por sua natureza se sujeitem à apropriação privada e não sendo dotados de uma afetação a uma finalidade pública não é possível conservar a sua 288 288 qualificação como pública já que não cabe ao Estado exercer um papel de proprietário mas apenas de gestor dos interesses fundamentais da comunidade Por efeito os elementos essenciais do regime jurídico decorrente do domínio público inalienabilidade impenhorabilidade e imprescritibilidade aplicamse apenas aos bens qualificados como públicos não em seu aspecto formal e estático mas em uma concepção material e dinâmica Dessa forma constróise uma teoria dos bens públicos que centrada na afetação à finalidade pública e portanto na prossecução do interesse público é capaz de lidar com os conflitos oriundos de interesses privados sem adotarse a discutível fórmula da supremacia sem partir de uma perspectiva liberal e maximizante dos direitos fundamentais Com tal concepção garantese uma adequação a uma ordem jurídicoconstitucional marcada por uma pluralidade de bens e valores essenciais da comunidade de forma a preservar os bens públicos na medida em que se destinem a satisfação dos interesses públicos e nos demais casos sujeitemse à ação privada realizando direitos igualmente tutelados Assim propõe uma solução capaz de permitir nos conflitos entre a exploração individual e a destinação coletiva a ocupação privada e o abandono público a natureza privada dos bens dominicais e a alienação especial pelo regime de direito público uma solução que represente a tutela dos bens públicos e a proteção dos direitos fundamentais 289 289 REFERÊNCIAS AAGAARD Todd S Regulatory Overlap Overlapping Legal Fields and Statutory Discontinuities Virginia Environmental Law Journal Vol 29 No 3 2011 ABREU J Capistrano de Capítulos de História Colonial 15001800 Brasília Conselho Editorial do Senado Federal 1998 ALEMANHA Tribunal Constitucional Federal BVerfGE 39 15 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forma entre aquele que detém a titularidade formal do bem e a coletividade de pessoas inclusive Estado Essa relação jurídica que tem como sujeito a coletividade possui como objeto uma ampla abstenção que consiste na necessidade de os não proprietários respeitarem o exercício da situação de ingerência econômica do titular sobre a coisa PROPRIEDADE E DOMÍNIO PROPRIEDADE Com isso a propriedade não é o retrato material do imóvel com suas características físicas mas a feição econômica e jurídica que a representa formalmente dotando a propriedade de uma situação ativa que lhe permita o trânsito jurídico de titularidade e a proteção plena do aparato jurisdicional Disso avanço para a compreensão da propriedade como uma relação jurídica complexa formada entre o titular do bem e a coletividade de pessoas PROPRIEDADE E DOMÍNIO PROPRIEDADE Se a propriedade é observada pela lógica da relação jurídica a ela inerente a seu turno o domínio repousa na situação material de submissão direta e imediata da cosia ao poder do seu titular mediante o senhorio pelo exercício das faculdades de uso gozo e disposição Nesse ponto quanto à natureza de seu conteúdo temse que o domínio é um direito real que se exerce através da posse O proprietário exercita ingerência sobre coisas domínio e pede a colaboração de pessoas propriedade Disso se verifica a ideia de propriedade plena quando se tem todos os poderes do domínio em uma só pessoa PROPRIEDADE E DOMÍNIO PROPRIEDADE Destarte a propriedade consiste na titularidade do bem já o domínio se refere ao conteúdo interno da propriedade sendo que um existe em decorrência do outro Por conseguinte é possível compreender o domínio como a relação material de submissão direta e imediata da coisa ao poder de seu titular através do exercício das faculdade de uso gozo e disposição PROPRIEDADE E DOMÍNIO PROPRIEDADE Simplificando a ideia de propriedade para o próximos fins propriedade como sendo um conjunto de direitos sobre um recurso que o dono está livre para exercer e cujo exercício é protegido contra a interferência por outro agentes O artigo 1228 traz consigo um conjunto de faculdades que são as inerentes ao domínio As faculdades não são direitos autônomos mas poderes ínsitos à situação de proprietário As faculdades do domínio eventualmente podem ser destacadas pelo seu titular implicando na formação de direitos reais sobre coisa alheia ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE Todavia mesmo quando há o destaque de uma das faculdade do domínio o direito de propriedade se mantém exclusivo O que se tem é o domínio unificado coincide com a propriedade plena o domínio fracionado resulta na propriedade limitada ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE USAR É a faculdade do proprietário de servirse da coisa de acordo com a sua destinação econômica O uso será direto ou indireto conforme o proprietário conceda utilização pessoal do bem ou em prol de terceiro ou deixeo em poder de alguém eu esteja sob sua ordens servidor da posse Mesmo o uso sem utilização atual caracteriza essa faculdade dominial Ex casa na praia que está sempre ao seu alcance ALERTA O uso não é mais uma faculdade do proprietário mas um dever já que a falta de exercício tem efeitos jurídicos O problema do acesso aos bens ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE GOZAR A faculdade de fruir consiste na exploração econômica da coisa mediante a extração de frutos e produtos que ultrapassem a percepção dos simples frutos naturais Distinção entre frutos naturais faculdade de usar industriais e civis ambos são faculdade de gozar É importante a distinção entre frutos e produtos que reside na renovação constante dos frutos à medida que são retirados Em contrapartida os produtos vãose exaurindo quando extraídos da natureza sem possibilidade de renovação ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE GOZAR Conforme art 1232 o proprietário faz jus tantos aos frutos como aos produtos Inseridos estes na categoria dos bens acessórios aplicase o famoso brocardo o acessório segue a sorte do principal art 92 CC Também decorre do jus fruendi direito de fruir o direito às pertenças De acordo com o art 93 do CC não constituem parte integrante da coisa mas se destinam de modo duradouro ao uso serviço ou aformoseamento de outro bem benfeitoria Ou seja as pertenças guardam sua autonomia ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE GOZAR Ou seja nas pertenças as pertenças não se ligam a coisa principal prevalecendo o princípio da não aderência Ex os tratores de uma fazenda são intencionalmente empregados na exploração econômica do imóvel e a ele subordinados no sentido econômico jurídico O que se tem é que não aderem à coisa sendo possível a sua retirada pelo possuidor quando derrotado em ação petitória ou possessória ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE DISPOR Entendese como dispor a faculdade que tem o proprietário de alterar a própria substância da coisa É a escolha da destinação a ser dada ao bem a mais ampla forma de concessão de finalidade econômica ao objeto do direito real A disposição pode ser material ou jurídica Enquanto no exercício dos poderes de usar e fruir o proprietário não se priva da substância da coisa pois aquelas faculdade podem ser destacadas em favor de terceiros sem que seja atingida a condição jurídica do proprietário ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE DISPOR A disposição material da coisa é percebida por atos como a destruição material do bem ou o seu abandono Em ambos os casos o proprietário pratica atos físicos que importam em perda da propriedade art 1275 inc III e IV CC Obs Bens consumíveis disposição material e fruição coisa possíveis confusões e proibição a qualquer norma limitativa ao gozo ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE DISPOR A outro turno a disposição jurídica pode ser total ou parcial Total quando o proprietário praticar ato de alienação importando em mutação subjetiva do direito real a alienação será onerosa venda ou gratuita doação Nos dois casos o adquirente sucederá o alienante em todas as faculdades do domínio ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE DISPOR Já a parcial é percebida no instante em que são instituídos ônus reais sobre o bem O proprietário dispõe parcialmente da coisa quando institui um gravame sobre ela tal com o usufruto ou hipoteca Nas duas situações o proprietário manterá a titularidade apesar da convivência com um direito real sobre coisa alheia como o do credor hipotecário ou um usufrutuário que recebe temporariamente certas faculdades do domínio Isso também ocorre quando é gravado por cláusula de inalienabilidade art 1911 CC ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE REIVINDICAR Compreendido como elemento externo ou jurídico da propriedade representa a pretensão do titular do direito subjetivo de excluir terceiros de indevida ingerência sobre a coisa permitindo que a o proprietário mantenha a sua dominação sobre o bem realizando verdadeiramente atuação socioeconômica sobre a coisa Portanto enquanto usar gozar e dispor se relacionam com o exercício do senhorio pelo dono sobre a coisa a pretensão reivindicatória se qualifica como uma tutela do próprio direito subjetivo ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE REIVINDICAR Se a tutela é no campo do direito subjetivo a ação reivindicatória é de natureza obrigacional e não real Ou seja a pretensão reivindicatória e uma obrigação de fazer por parte do réu consistente na atividade de devolução do bem pretensão obrigacional sendo que a causa de pedir é a violação do dever genérico de abstenção donde surge o direito de sequela A propriedade é estruturada ao redor da norma moral da inviolabilidade sendo a faculdade de reivindicar um instrumento de defesa que fortalece a norma da inviolabilidade tanto em termos de efetividade objetiva quanto coerção subjetiva ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE REIVINDICAR Sendo a via de exercício da faculdade de reivindicar a ação reivindicatória para que se obtenha êxito na demanda para a doutrina clássica é suficiente demonstrar o direito subjetivo da titularidade da propriedade sem qualquer discussão fática sobre a qualidade da posse de terceiro Para o que se tem atual sobre a legitimação passiva para a ação reivindicatória a noção ampla de posse injusta a que alude o art 1228 CC não corresponde ao conceito restrito de posse injusto do art 1200 CC Em verdade é aquela desamparada que causa jurídica eficiente ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE A ação reivindicatória é o meio legal para o proprietário reaver a coisa de quem a possua injustamente sem direito obrigacional ou real A posse injusta da coisa que autoriza a ação reivindicatória não se confunde com a qualificação da posse constante do art 1200 do Código Civil Na ação reivindicatória a injustiça da posse significa posse exercida sem direito real sobre a coisa ou sem causa obrigacional que a autorize Irrelevante para fins de reivindicatória o exercício da posse sem violência clandestinidade ou precariedade bem como não afasta seu acolhimento eventual boafé do possuidor IV Dispositivo Recurso desprovido TJSP Apelação Cível 10081188920208260278 Relator a Enéas Costa Garcia Órgão Julgador 1ª Câmara de Direito Privado Foro de Itaquaquecetuba 2ª Vara Cível Data do Julgamento 24022025 Data de Registro 24022025 ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE Ao dispor o art 1231 do Código Civil que a propriedade presumese plena e exclusiva até prova em contrário estabelecese a presunção em favor do titular Se houver qualquer restrição ao direito de propriedade cabe a quem alega afastar a presunção de plenitude e exclusive de caráter juris tantum passível de ser elidida EXCLUSIVIDADE PERPETUIDADE ELASTICIDADE E CONSOLIDAÇÃO PRINCIPAIS ATRIBUTOS DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE EXCLUSIVIDADE A mesma coisa não pode pertencer com exclusividade e simultaneamente a duas ou mais pessoas em idêntico lapso temporal pois o direito de proprietário proíbe que terceiros exerçam qualquer senhorio sobre a coisa No condomínio puro e simples não há elisão ao princípio da exclusividade eis que pelo estado de indivisão do bem cada um dos proprietários detém fração ideal do todo Isto é como ainda não se localizaram materialmente por apenas possuírem cotas abstratas tornamse donos de cada parte e do todo ao mesmo tempo PRINCIPAIS ATRIBUTOS DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE PERPETUIDADE A propriedade tem duração ilimitada subsistindo independentemente do exercício de seu titular sendo transmitida por direito hereditário aos sucessores extinguindose somente pela vontade do dono ou por disposição expressa de lei nas hipóteses de perecimento da coisa desapropriação ou usucapião É por isso que apesar de incorporada ao gênero das ações reais reputase a pretensão reivindicatória como perpétua podendo o proprietário usar o atributo da sequela a qualquer tempo PRINCIPAIS ATRIBUTOS DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE PERPETUIDADE O exemplo que esclarece usucapião O proprietário não perde o domínio pelo não uso prolongado da coisa e sim pela posse reiterada do usucapiente A conquista do usucapião seria o mérito exclusivo do possuidor que alcança os requisito legais pois isoladamente o demérito do proprietário inerte não lhe acarretaria a sanção da privação do direito de propriedade Por outro lado há a doutrina que rechaça a intangibilidade da propriedade ou imprescritibilidade de pretensões reivindicatórias O argumento central é a função social da propriedade fundada na finalidade normal da propriedade PRINCIPAIS ATRIBUTOS DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE PERPETUIDADE Uma prova da flexibilização da perpetuidade do direito de propriedade seria o cumprimento de função social quando o ordenamento possibilita o imóvel urbano ou rural ser arrecadado pelo Poder Público como abandonado quando cessados os atos de posse deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais Vale dizer haverá uma presunção absoluta de abandono do imóvel de quem não utiliza o bem e deixa de cumprir as obrigações propter rem PRINCIPAIS ATRIBUTOS DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE ELASTICIDADE E CONSOLIDAÇÃO O direito subjetivo de propriedade abrange um complexo de faculdade que não sofrerá cisão se uma delas for temporariamente desmembrada do conjunto prevalecendo a unidade do direito subjetivo com a preservação do significado jurídico da propriedade Ou seja apesar de o direito de propriedade perseverar com titularidade exclusiva a elasticidade poderá resultar em cisão dos poderes dominiais em favor de outras pessoas PROPRIEDADE PLENA v PROPRIEDADE LIMITADA PRINCIPAIS ATRIBUTOS DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE ELASTICIDADE E CONSOLIDAÇÃO Com efeito o domínio pode ser distendido amplamente elástico A essa situação dáse o nome de propriedade plena ou alodial quando há concentração dos atributos Ademais alodialidade é uma qualidade do imóvel sobre o qual não incidem ônus reais Quando forem destacados poderes para a formação de direitos reais sobre coisa alheia dáse o nome de propriedade limitada podendo inclusive advir de uma transmissão gratuita de direito de propriedade como cláusula de inalienabilidade PRINCIPAIS ATRIBUTOS DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE ELASTICIDADE E CONSOLIDAÇÃO O princípio da consolidação ou da força de atração indica que todas as contrações do domínio serão transitória e anormais Após certo tempo as compressões cessam e reunificados os direitos desmembrados reassume o titular da propriedade o domínio em sua plenitude Nesse ponto percebese dois modelos antagônicos de um lado a exclusividade e de outro a elasticidade sendo que a consolidação afirma a tendência à exclusividade PRINCIPAIS ATRIBUTOS DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE O art 1229 do Código Civil delimita a extensão vertical da propriedade abrangendo o espaço aéreo e subsolo correspondente em altura e profundidade útil ao exercício do direito subjetivo sendo que o titular não poderá oporse injustificadamente à atuação de terceiros sobre o imóvel Um tanto diverso da propriedade romana ad sidera et ad ínferos do céu ao inferno Art 1229 A propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo correspondentes em altura e profundidade úteis ao seu exercício não podendo o proprietário oporse a atividades que sejam realizadas por terceiros a uma altura ou profundidade tais que não tenha ele interesse legítimo em impedilas A EXTENSÃO DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE Art 1230 A propriedade do solo não abrange as jazidas minas e demais recursos minerais os potenciais de energia hidráulica os monumentos arqueológicos e outros bens referidos por leis especiais Parágrafo único O proprietário do solo tem o direito de explorar os recursos minerais de emprego imediato na construção civil desde que não submetidos a transformação industrial obedecido o disposto em lei especial A EXTENSÃO DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE CONSTITUIÇÃO FEDERAL Art 20 São bens da União VIII os potenciais de energia hidráulica X as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e préhistóricos Art 176 As jazidas em lavra ou não e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo para efeito de exploração ou aproveitamento e pertencem à União garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra 4º Não dependerá de autorização ou concessão o aproveitamento do potencial de energia renovável de capacidade reduzida A EXTENSÃO DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE Nesse sentido a partir da máxima pela qual a propriedade se estende até aonde há interesse prático de seu titular temos que somente por uma ótica de ponderação de interesses postos em tensão na lógica da proporcionalidade em concreto e razoabilidade é possível definir quando é o interesse útil de exercício do propriedade Expansão de propriedade e exigência de abstinência pretensão lítica v abusiva A EXTENSÃO DA PROPRIEDADE OBRIGADO CRISTIAN ALBERTO GAZOLI DA ROCHA A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE PÚBLICA MARÍLIA 2020 CRISTIAN ALBERTO GAZOLI DA ROCHA A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE PÚBLICA Dissertação apresentada como exigência parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito em Empreendimentos Econômicos Desenvolvimento e Mudança Social à Comissão Julgadora do Programa de PósGraduação Stricto Sensu da Universidade de Marilia UNIMARSP sob orientação da Profa Dra Mariana Ribeiro Santiago MARÍLIA 2020 Rocha Cristian Alberto Gazoli da A função social da propriedade pública Cristian Alberto Gazoli da Rocha Marília UNIMAR 2020 99f Dissertação Mestrado em Direito Empreendimentos Econômicos Desenvolvimento e Mudança Social Universidade de Marília Marília 2020 Orientação Profa Dra Mariana Ribeiro Santiago 1 Estado 2 Função Social 3 Propriedade Pública I Rocha Cristian Alberto Gazoli da CDD 3413 CRISTIAN ALBERTO GAZOLI DA ROCHA A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE PÚBLICA Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília na área de concentração Empreendimentos Econômicos Desenvolvimento e Mudança Social como exigência parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito sob a orientação da Professora Doutora Mariana Ribeiro Santiago Aprovado pela banca examinadora em Profª Drª Mariana Ribeiro Santiago Orientadora Prof Dr Jonathan Barros Vita Profª Drª Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira Prof Dr Edvaldo Pereira de Brito A Laís e Leticia minhas lindas estrelas do amanhã AGRADECIMENTOS A Deus onipotente e eterno Senhor de minha essência e luz de meus pensamentos À Profa Dra Mariana Ribeiro Santiago por seus valorosos ensinamentos que agregaram inestimável conhecimento À minha esposa Laís mãe de meu mais lindo sonho Leticia presente de Deus em nossa vida A Maria Inês Gazoli da Rocha mulher que olhou em meus olhos e disse que me amava e a qual Deus me concedeu a dádiva de poder chamar simplesmente mãe A Valdeci da Rocha homem vertical construtor de meus princípios e valores a qual Deus me concedeu a dádiva de poder chamar simplesmente pai À minha irmã Consuelo a meu cunhado Fabio à minha sobrinha Letícia e a meu sobrinho Fabio família que Deus me confiou À minha segunda família Grupo de Oração Cristo Jovem por nossos anos de convivência Tenho uma espécie de dever de sonhar sempre pois não sendo mais nem querendo ser mais que um espectador de mim mesmo tenho que ter o melhor espetáculo que posso Assim me construo a ouro e sedas em salas supostas palco falso cenário antigo sonho criado entre jogos de luzes brandas e músicas invisíveis Fernando Pessoa Livro do Desassossego São Paulo Editora Brasiliense 1986 p 232 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE PÚBLICA Resumo A temática apresentada com o título de a função social da propriedade pública sugere o estudo aplicado a diversos ramos tais como o social o econômico o político o jurídico e o ambiental no plano da segunda dimensão dos direitos fundamentais O tema complexo apresenta pontos positivos e negativos O objetivo central do artigo é trazer à discussão a essência da função social da propriedade pública e uma possível solução à problemática de sua inércia A escolha do tema se justifica à medida que quanto mais organizado se mostra um Estado incluindo aqui dar cumprimento à norma constitucional que prevê a função social da propriedade maior será o seu nível de desenvolvimento Nessa pretensão o trabalho é composto por três capítulos O primeiro capítulo envolve um estudo dentro da área social econômica política jurídica e ambiental bem como promove um exame sistemático e temporal da propriedade ao longo das Constituições brasileiras relacionandose a função social da propriedade como pressuposto indispensável ao Estado Democrático de Direito pois se trata acima de tudo de um direito fundamental No segundo capítulo estudase especificamente a função social da propriedade pública acrescentando as recentes jurisprudências do Supremo Tribunal Federal que deram uma maior abrangência ao conteúdo No terceiro capítulo expõe se a dificuldadedesafio em dar uma célere solução às propriedades públicas ociosas sem função social em contraponto à agilidade observada nas propriedades privadas uma vez que aquelas passariam por uma análise política decisões de seu governante econômica provisão orçamentária e jurídica observância da legalidade Ainda no terceiro capítulo a análise se volta para a ineficiênciaincapacidade do Estado seja por má gestão política ou mesmo por falta de orçamento de destinar a função social de algumas propriedades públicas bem como a viabilidade de se adotar medidas como as privatizações concessões e as parcerias público privadas adicionando dados de propriedades públicas inativas segundo órgãos oficiais Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Ministérios Planalto etc Como conclusão entendese que a destinação da função social da propriedade pública deve ser observada com maior rigidez prevendo ainda que lentamente uma solução para sua improdutividade Por fim foram adotados os métodos de abordagem dedutivo e indutivo Os procedimentos de pesquisa aplicados foram o bibliográfico e o documental tendo como fontes a doutrina artigos científicos jurisprudência e dados de órgãos estatais Palavraschave Função Social Propriedade Pública Estado THE SOCIAL FUNCTION OF PUBLIC PROPERTY Abstract The theme presented with the title of the social function of public property suggests the study applied to several branches such as social economic political legal and environmental in terms of the second dimension of fundamental rights The theme although complex has positive and negative points The main objective of the article is to discuss the essence of the social function of public property and a possible solution to the problem of its inertia The choice of the theme is justified because as the more organized a State is including here complying with the constitutional norm that provides for the social function of property the higher is its level of development Accordingly the work consists of three chapters The first chapter involves a study within the social economic political legal and environmental areas as well as promoting a systematic and temporal examination of property throughout the Brazilian Constitutions relating the social function of property as an indispensable assumption to the Democratic Rule of Law since it is above all a fundamental right In the second chapter the social function of public property is specifically studied adding the recent Supreme Court jurisprudential that gave a greater coverage to the content In the third chapter the difficultychallenge in giving a quick solution to idle public properties without social function is exposed as opposed to the agility of private properties since those one would undergo a political analysis decisions of their ruler economic budget provision and legal compliance with legality Still in the third chapter the analysis turns to the inefficiencyincapacity of the State either due to political mismanagement or even lack of budget in allocating the social function of some public properties as well as the feasibility of adopting measures such as privatizations concessions and publicprivate partnership adding data on inactive public properties according to official bodies Brazilian Institute of Geography and Statistics Ministries Presidency etc In conclusion it is understood that the destination of the social function of public property must be observed with greater rigidity providing a solution for its unproductivity Finally the deductive and inductive approach methods were adopted The research procedures applied were bibliographic and documentary with doctrine scientific articles jurisprudence and data from state bodies as sources Keywords Social Function Public Property State SUMÁRIO INTRODUÇÃO11 1 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE COMO PRESSUPOSTO PARA O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO14 11 O ESTUDO DA PROPRIEDADE E SUA EVOLUÇÃO CONSTITUCIONAL NO BRASIL14 12 A PROPRIEDADE COMO GARANTIA DO DIREITO FUNDAMENTAL25 13 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E SUA PROXIMIDADE COM A POLÍTICA E A ECONOMIA34 14 A FUNÇÃO AMBIENTAL DA PROPRIEDADE OU FUNÇÃO ECOLÓGICA DA PROPRIEDADE 45 15 A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA49 2 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE PÚBLICA COMO INSTRUMENTO DE DESENVOLVIMENTO 54 21 BENS PÚBLICOS E AS PRINCIPAIS TEORIAS DOUTRINÁRIAS 54 22 O CONCEITO ATUAL DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE PÚBLICA NO BRASIL64 3 POSSÍVEIS SOLUÇÕES PARA ALCANCE DA FUNÇÃO SOCIAL DE PROPRIEDADES PÚBLICAS INATIVAS71 31 AS PRIVATIZAÇÕES COMO INSTRUMENTO DINÂMICO À FUNÇÃO SOCIAL DAS PROPRIEDADES PÚBLICAS INATIVAS 71 32 USUCAPIÃO DE BEM PÚBLICO E SUA FLEXIBILIZAÇÃO PARA ALCANCE DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE 75 33 AS CONCESSÕES DE USO DE BENS PÚBLICOS 81 CONCLUSÃO87 REFERÊNCIAS90 11 INTRODUÇÃO A forma dinâmica em que o Estado se desenvolve vem provocando diversos estudos no âmbito doutrinário e jurisprudencial sobre a função social da propriedade pública O tema compreende posições diversas das mais conservadoras circulando portanto pela orbita da imutabilidade às mais liberais estas lastreadas nas decisões interpretativas dos tribunais superiores A forma conservadora proporciona a estabilidade de conceitos contudo deixa de observar diversos critérios tais como o desenvolvimento no espaço e tempo social político e econômico A forma progressiva em que a temática se desenvolve é necessária ao mesmo tempo em que se faz cautelosa pois as decisões judiciais devem ser interpretativas da Constituição ou mesmo da Lei Infraconstitucional cabendo ao Poder Legislativo o controle sobre a elaboração e modificações das leis A aplicação de novos critérios necessariamente impõe a aplicação de novos limites O desenvolvimento irregular e desenfreado não interessa a nenhuma sociedade pois cria efeitos irreparáveis e irreversíveis devendo o avanço ser exercido com toda responsabilidade que lhe é peculiar A vertente liberal se mostra principalmente no processo evolutivo do conceito de poder público e a sua função social da propriedade procurando erradicar a problemática da improdutividade e maximizando os efeitos já existentes Tal movimento reflete diretamente em temas essenciais tais como a economia a política o direito o meio ambiente e a empresa Atualmente a difusão do estudo da função social deve como regra ser acompanhada pela difusão atual dos demais elementos que a acompanham por exemplo se estamos falando da função social agregada como parte do direito fundamental devemos estudar todas as gerações que existem inclusive as recentemente laboradas quarta e quinta geração a exceção fica a cargo dos conceitos que ainda não foram modificados A propriedade pública como objeto do direito constitucional fundamental é utilizada para atender às necessidades da coletividade não devendo servir como meio ocioso Aí encontrase a problemática do estudo ou seja quais as eventuais soluções dispostas pela função social para tornar produtiva a propriedade pública refutável Ou ainda como tornar mais vigorosa a propriedade pública que já atinge sua função social Tudo isso deve levar em conta 12 o plano concreto tomando como variável a legislação vigente o plano político a ser enfrentado e o escasso orçamento existente Não raro encontramos sentenças que no plano lógico jurídico são perfeitas contudo no plano material são impossíveis de serem estabelecidas tomando como base diversos fatores Para tanto as variáveis devem ser observadas pois são elas que possibilitaram a aplicabilidade e a eficiência das soluções O objetivo central do presente trabalho é justamente esse trazer à discussão a essência da função social da propriedade pública e uma possível solução à problemática no plano concreto por meio dos instrumentos infraconstitucionais disponíveis A escolha do tema se justifica à medida que quanto mais organizado se mostra um Estado incluindo aqui dar cumprimento à norma constitucional que prevê a função social da propriedade pública maior será o seu nível de desenvolvimento Daí a necessidade de se estabelecer uma lógica estudando a ordem a propriedade a função social a função social da propriedade pública e por fim os diversos dispositivos que solucionaram a improdutividade da propriedade pública Isso claro adentrando em temas correlatos ao longo da dissertação dando base e suporte às alegações Nessa pretensão o trabalho é composto por três capítulos O primeiro capítulo A função social da propriedade como pressuposto do Estado democrático de direito procura conceituar inicialmente a propriedade dando especial ênfase aos imóveis e a função social ao longo da evolução constitucional e infraconstitucional de quase dois séculos com início na Constituição do Império de 1824 e com o término na Constituição Cidadã de 1988 que atribuiu a propriedade como garantia do direito fundamental no Código Civil de 2002 e nas jurisprudências colecionadas pelos Ministros da mais alta corte brasileira o Supremo Tribunal Federal O tema ainda faz uma ligação com os aspectos políticos e econômicos mostrando que a análise colide com todos os modelos existentes Comunismo Liberalismo Neoliberalismo e Socialdemocracia Ao final aborda os diversos subramos da função social da propriedade tais como a função social da propriedade rural e a função ambiental da propriedade ou função ecológica da propriedade Ainda como conteúdo de estudo acadêmico comparativo analisa a função social da empresa Essa abordagem introdutória é necessária para estabelecer os alicerces do tema para discussão dos subsequentes capítulos Sem essa base não seria possível o desenvolvimento da presente dissertação No segundo capítulo Função Social da Propriedade Pública como instrumento de desenvolvimento estudase especificamente a função social da propriedade pública singularizando a ideia de domínio público a força de domínio que o Estado tem sobre a propriedade sua capacidade de administração e bem público domínio terrestre domínio 13 hídrico domínio mineral domínio florestal domínio da fauna domínio espacial domínio patrimonial histórico domínio patrimonial genético e domínio ambiental este sendo definido pelas diversas correntes doutrinárias como a exclusivista defendida pelo o Prof José dos Santos Carvalho Filho a inclusivista defendida por Hely Lopes Meirelles e Maria Silvia Zanella Di Pietro e a mista defendida por Celso Antônio Bandeira de Mello que servem como limitadores Analisa também os diversos atributos inerentes à propriedade pública tais como a inalienabilidade que proíbe a venda de bens públicos a imprescritibilidade regulando que não há alterações jurídicas de propriedade em decorrência de tempo a impenhorabilidade que garante à propriedade pública a proteção contra penhora a não onerosidade regulando que nenhum ônus real possa recair sobre a propriedade pública bem como a recente posição do Supremo Tribunal Federal quanto ao sequestro de Erário Público possibilitando a efetivação das decisões judiciais O capítulo segundo ao final faz uma pontual crítica aos infinitos gastos com imóveis públicos desocupados um total de 10304 imóveis em todo Brasil e até no exterior sobrepondose a ideia de prioridade com outros pontos relevantes tais como a saúde pública habitação e segurança pública Por fim buscase o conceito da função social da propriedade pública nos limites impostos pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal O terceiro capítulo Possíveis soluções para alcance da função social de propriedades públicas inativas estuda os diversos instrumentos de alcance para a resolução do conflito da propriedade pública estagnada tais como as privatizações que quando utilizadas em tempos remotos mostraram forte reação positiva do mercado econômico bolsa de valores pois houve a diminuição de gastos públicos com a manutenção das empresasfolha de pagamento e a liquidação de parte das dívidas públicas contraídas creditadas com os leilões das privatizações Não obstante criouse a Lei 803190 instituindo o Programa de Desestatização Mais à frete trata da usucapião de bem público e sua flexibilização para alcance da função social da propriedade Por fim fazse breve resumo sobre as Concessões e as Parcerias Público Privadas PPP Foram adotados os métodos de abordagem dedutivo e indutivo Os procedimentos de pesquisa aplicados foram o bibliográfico e o documental tendo como fontes a doutrina clássica e contemporânea artigos científicos jurisprudência bem como dados de órgãos estatais oficiais Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Ministério do Planejamento Ministério do Meio Ambiente Policia Federal ControladoriaGeral da União Planalto etc 14 1 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE COMO PRESSUPOSTO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO O primeiro capítulo procura definir inicialmente o conceito de propriedade e de função social através de sua evolução histórica ao longo da matéria constitucional brasileira e demais legislações infraconstitucionais Em seguida estuda a estrutura doutrinaria básica da função social da propriedade em suas linhas gerais em especial na visão de Ministros da mais alta corte brasileira o Supremo Tribunal Federal bem como seu conceito segundo o ordenamento constitucional de 1988 marco este que servirá para enfrentar os demais temas nos capítulos próximos Tem ainda o objetivo de mostrar a necessidade e a importância de tais institutos no que tange a sua produtividade sua destinação à toda coletividade e não mais exclusivamente ao proprietário sua correlação com o desenvolvimento social econômico político jurídico e ambiental de uma nação ou seja comprova a importância da matéria para o Estado democrático de direito 11 O ESTUDO DA PROPRIEDADE E SUA EVOLUÇÃO CONSTITUCIONAL NO BRASIL A primeira Constituição brasileira teve sua outorga em 25 de março de 1824 pelo então governo monárquico de Dom Pedro I possuindo o total de oito títulos 1º Do Império do Brasil seu Território Governo Dinastia e Religião 2º Dos Cidadãos Brasileiros 3º Dos Poderes e Representação Nacional 4º Do Poder Legislativo 5º Do Imperador 6º Do Poder Judicial 7º Da Administração e Economia das Províncias e 8º Das Disposições Gerais e Garantias dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Brasileiros A Europa sofria grandes transformações por meio de suas diversas revoluções o que por óbvio chamou a atenção da América Latina Liberdade igualdade e fraternidade A famosa tríade que caracterizou a Revolução Francesa também ecoou no mundo lusobrasileiro especialmente a partir da Revolução de 24 de agosto de 1820 No entanto devido às mitigadas Luzes portuguesas estas palavras não vibravam entre os membros da elite do Reino Unido com a mesma intensidade encontrada nos homens esclarecidos do mundo europeu além Pirineus De 15 qualquer modo serviram de esteio para o novo vocabulário que permeou as principais discussões na imprensa e nos folhetos de 1820 a 1823 publicados tanto no Brasil como em Portugal NEVES 2003 p 141 Dentre todas as Constituições brasileiras a de 1824 é a que durou mais tempo tendo sofrido considerável influência da Constituição francesa de 1814 Foi marcada por forte centralismo administrativo e político tendo em vista a figura do Poder Moderador constitucionalizado e também por unitarismo e absolutismo LENZA 2012 p 101 A estrutura demonstra o Governo como prioridade acima dos direitos individuais e coletivos No entanto a previsão desses direitos já demonstrava a transformação jurídica por que o Brasil vinha passando Era de inserção obrigatória na Constituição de 1824 o capítulo referente aos direitos e garantias individuais Afinal o grande desiderato do movimento constitucionalista que a inspirou era a conquista de uma formulação jurídica adequada que reconhecesse os direitos fundamentais do homem que constituem atributos próprios da pessoa humana e que são o cerne da liberdade do indivíduo ALVES 1985 p 11 Compreender o modelo de governo da época se faz necessário uma vez que isso resulta diretamente no conceito de propriedade aplicado A Constituição de 1824 estabeleceu no seu art 179 XXII a inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros tendo por base a liberdade a segurança individual e a propriedade tudo garantido pela Constituição do Império O direito de propriedade era exercido com plenitude Se o bem público legalmente verificado exigisse o uso e emprego da Propriedade do Cidadão seria ele previamente indenizado do valor A Lei regulamentaria em todos os casos em que houvesse esta única exceção e daria as regras para se determinar a indenização BRASIL 1824 A palavra plenitude leva ao sentido de absoluto de poder ser livre em relação à destinação da propriedade sem limites A intervenção estatal já era admitida pela desapropriação caso houvesse necessidade desde que posteriormente houvesse indenização A segunda Constituição brasileira foi promulgada em 24 de fevereiro de 1891 e teve como marco principal ser a primeira Constituição brasileira no modelo Republicano elaborada por uma Assembleia Constituinte Consagrou o sistema governamental Presidencialista em forma de Estado Federal Republicano Sem dúvida o marco histórico da Democracia brasileira se divide entre antes e depois da Constituição de 1891 Assim como a Constituição Imperial foi também fortemente influenciada pelo pensamento francês acrescido do ideal federalista norteamericano este último tendo Rui Barbosa como seu principal defensor Sofreu uma única revisão em 1926 Era rígida e apesar de alguma controvérsia histórica foi considerada promulgada MOTTA 2019 p 101 16 O direito de propriedade não tomou contornos diferentes do previsto anteriormente A Constituição de 1891 previa em seu art 72 17 quase a mesma base assegurando aos brasileiros e a estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade à segurança individual e à propriedade O direito de propriedade mantevese em toda a sua plenitude salvo a desapropriação por necessidade ou utilidade pública mediante indenização prévia BRASIL 1891 Houve a inclusão de elementos importantes em 1891 que devem ser observados De início a pessoa do estrangeiro garantindolhe portanto direitos iguais a de um nacional e por fim o pagamento de indenização prévia em caso de desapropriação ou seja anteriormente à desapropriação A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934 foi promulgada em 16 de julho sob a presidência de Getúlio Vargas sendo a de menor duração da nossa história de apenas 3 três anos Nessa época o Brasil se viu em um colapso democrático advindo do ano de 1932 a chamada revolução Constitucionalista o que gerou a formação da Assembleia Constituinte em 1933 Destacouse por prever diversos poderes aos Membros do Ministério Público inclusive a criação do procuradorgeral da República Buscou resolver o problema da falta de efeitos erga omnes das decisões declaratórias de inconstitucionalidade do Supremo Tribunal Federal instituindo o mecanismo da suspensão pelo Senado das leis invalidadas na mais alta Corte No campo do controle de constitucionalidade ainda a intervenção federal em estados membros por descumprimento de princípio constitucional sensível foi subordinada ao juízo de procedência pelo Supremo Tribunal Federal de representação do procuradorgeral da República A Constituição previu também expressamente o mandado de segurança MENDES 2017 p 98 O direito de propriedade veio descrito no art 113 item 17 da Constituição de 1934 assegurando aos brasileiros e a estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade à subsistência à segurança individual e à propriedade Este último não poderia ser exercido contra o interesse social ou coletivo na forma que a lei determinasse A desapropriação se daria por necessidade ou utilidade pública nos termos da lei mediante prévia e justa indenização Em caso de perigo iminente como guerra ou comoção intestina poderiam as autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem público o exigisse ressalvado o direito à indenização ulterior BRASIL 1934 Pontos relevantes adotou a Constituição de 1934 no sentido de estabelecer ainda que de forma limitada postura negativa de não se exercer a propriedade contra o interesse social ou 17 coletivo e não explícita a função social da propriedade A limitação está em não prever ações à propriedade bastava ao proprietário tão somente não criar risco à sociedade ou à coletividade por exemplo uma terra poderia ser improdutiva e ainda assim atingiria sua função social desde que não prejudicasse ninguém A desapropriação ainda era prevista acrescentando a esse contexto a expressão justa o que denota uma apuração realizada por alguém perito e quantia remuneratória suficiente à indenização Previa ainda a desapropriação por parte do poder público em casos de guerra e revoltas internas lembrando que no contexto histórico a 1ª Guerra Mundial encerrouse em 1918 e a 2ª Guerra Mundial estava em seu início no ano de 1939 Além disso a Constituição de 1934 definiu a propriedade como elemento essencial na ordem social e econômica junto aos arts 118 e 199 respectivamente determinando que as minas e demais riquezas do subsolo bem como as quedas dágua constituíssem propriedade distinta ao solo para o efeito de exploração ou aproveitamento industrial devendo o aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais bem como das águas e da energia hidráulica ainda que de propriedade privada depender de autorização ou concessão federal na forma estabelecida em lei BRASIL 1934 Em 10 de novembro de 1937 a nova Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil foi outorgada pela Ditadura de Getúlio Vagas recebendo forte influência da autoritária Constituição da Polônia de 1935 A Polaca Vigorou por oito anos e sofreu vinte e uma emendas Na realidade tratavase de uma Constituição autoritária O presidente da República legislava por decretosleis e aplicavaos como Poder Executivo Nessa Carta foram previstas normas como forma de Estado Federal mas todo o poder foi transferido para o governo central especialmente para o presidente da República federalismo nominal manteve a tripartição dos poderes só esteticamente pois o Executivo ampliou muito suas funções e o Legislativo e o Judiciário tiveram suas funções extremamente reduzidas os direitos e garantias foram restringidos não havia sequer princípio da legalidade mandado de segurança e ação popular que foram retirados do texto constitucional previa pena de morte para crimes políticos autorizava a censura prévia da imprensa e demais formas de comunicação a lei declarada inconstitucional pelo Judiciário poderia ser revista pelo Legislativo Na esteira da estética democrática a Constituição de 1937 flagrantemente fascista previa no art 187 a necessidade de ser submetida a um plebiscito o que nunca aconteceu Isso fez com que alguns autores afirmassem que a Constituição de 1937 jamais ganhou vigência PADILHA 2018 p 24 18 Por se tratar de uma Constituição laborada nos moldes ditatoriais houve uma sensível redução de garantias constitucionais O art 113 da Constituição de 1934 trazia a expressão inviolabilidade de direito a propriedade enquanto o art 122 do mesmo diploma mencionou apenas o direito à liberdade BRASIL 1937 O tom de absoluto abria assim margem para a exceção Fato semelhante se deu com a função social da propriedade que até então fora conquistado na Constituição de 1934 e não mais replicado na Constituição de 1937 não obstante a redação do art 166 2o mostrando todo o autoritarismo do governo prevendo que declarado o estado de emergência em todo o país poderia o presidente da República no intuito de salvaguardar os interesses materiais e morais do Estado ou de seus nacionais decretar com prévia aquiescência do Poder Legislativo a suspensão das garantias constitucionais atribuídas à propriedade e à liberdade de pessoas físicas ou jurídicas súditos de Estado estrangeiro que por qualquer forma tivessem praticado atos de agressão de que resultassem prejuízos para os bens e direitos do Estado brasileiro ou para a vida os bens e os direitos das pessoas físicas ou jurídicas brasileiras domiciliadas ou residentes no país BRASIL 1937 Houve um verdadeiro retrocesso constitucional Em relação aos direitos exploratórios do particular ou mesmo para o aproveitamento industrial de minas e demais riquezas do subsolo bem como de quedasdágua permaneceuse com o mesmo texto de 1934 até porque já havia a necessidade de controle estatal por meio de autorização federal Ainda contendo o título de Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil a Carta Magna de 1946 foi promulgada em 18 de setembro pela chamada República Populista ou Quarta Republica sendo presidida a nação pelo militar General Eurico Gaspar Dutra O diploma possuía 222 artigos prevendo diversas temáticas Dentre os vários direitos a Organização do Estado do Poder Legislativo do Orçamento do Poder Executivo do Poder Judiciário bem como previa a chamada Declaração de Direitos Restaurou o controle jurisdicional de constitucionalidade no Brasil permitindo que o controle difuso fosse exercido pelo Supremo Tribunal Federal em sede de recurso extraordinário art 101 II a b e c Preservou a exigência de maioria absoluta dos membros do Tribunal para a eficácia da decisão declaratória de inconstitucionalidade art 200 Manteve a atribuição do Senado Federal para suspender a executoriedade de lei declarada inconstitucional pelo Pretório Excelso art 64 Emprestou nova configuração à representação de inconstitucionalidade interventiva introduzida no Brasil pela Carta de 1934 deixandoa sob os auspícios do procuradorgeral da República art 8o parágrafo único cc o art 7o VII Ainda foi modificada pela Emenda Constitucional no 16 de 26 de novembro de 1965 que 19 inaugurou oficialmente em nosso país a fiscalização abstrata de normas Nisso conferiu ao Supremo Tribunal Federal a competência para processar e julgar originariamente ações diretas de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou federal propostas pelo procurador geral da República A Emenda Constitucional no 1665 no art 124 XIII permitiu ao legislador estabelecer processo de competência originária do Tribunal de Justiça para declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato do município em conflito com a Constituição do Estado BULOS 2018 p 203 No tocante à propriedade houve a permanência junto ao capítulo destinado às Garantias Individuais art 141 citado posteriormente no capítulo destinado à Ordem Econômica condicionando o seu uso ao bemestar social Prevendo a lei ainda com observância do disposto no art 141 16 a promoção da justa distribuição da propriedade com igual oportunidade para todos BRASIL 1946 A volta expressa da função social da propriedade é marcante nessa constituição pois fora reduzida na anterior como já mencionado As palavras como bemestar social justa e igual oportunidade expressaram a vontade do legislador destacando sua importância Não houve modificação em relação aos direitos exploratórios do particular ou mesmo para o aproveitamento industrial de minas e demais riquezas do subsolo bem como de quedasdágua que ainda necessitava de autorização federal pois o controle estatal permanecia A novidade se deu com a previsão da usucapião rural inserida no próprio texto constitucional mais especificamente no art 156 3 prevendo que todo aquele que não sendo proprietário rural nem urbano ocupasse por dez anos ininterruptos sem oposição nem reconhecimento de domínio alheio trecho de terra que houvesse tornado produtivo por seu trabalho e de sua família poderia adquirir a propriedade mediante sentença declaratória devidamente transcrita Contudo a área nunca poderia ser excedente a cem hectares devendo ser caracterizada como suficiente para assegurar ao lavrador e sua família condições de subsistência e progresso social e econômico nas dimensões fixadas pela lei da época segundo os sistemas agrícolas regionais BRASIL 1946 A usucapião rural sempre foi tema relevante à propriedade e sua função social Essa separação seria praticamente impossível tanto que o tema foi inserido na própria constituição Os requisitos da época envolviam a produtividade por meio do trabalho e a limitação de espaço área menor de cem hectares Essa modalidade demonstra que o sistema econômico do período passava pelo desenvolvimento e expansão das áreas campestres subordinado ao bemestar social 20 Outro tema especifico veio discriminado junto ao art 7º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias de 1946 ADCT46 assegurando à propriedade do estado do Piauí as fazendas de gado do domínio da União situadas no território daquele estado e remanescentes do confisco aos jesuítas no período colonial BRASIL 1946 Tais terras foram adquiridas pelos Jesuítas por meio do testamento deixado por Domingos Afonso Mafrense no ano de 1711 in verbis Nomeio e instituo por meus testamenteiros em primeiro lugar o Rv Padre Reitor da Companhia de Jesus desta cidade da Bahia que ao presente for e adiante lhe for sucedendo e não aceitando este nomeio ao licenciado Francisco Ximenes e em terceiro lugar a Antonio da Silva Livreiro meu vizinho e em quarto ao capitão Belchior Moreira aos quais e cada um in solidum dou todo o meu poder que em direito posso Declaro que sou senhor e possuidor da metade das terras que pedi no Piauí com o coronel Francisco Dias de Ávila e seus irmãos as quais terras descobri e povoei com grande risco de minha pessoa e considerável despesa com adjutório dos sócios e sem eles defendi também muitos pleitos que se moveram sobre as ditas terras ou parte delas e havendo dúvidas entre mim e Leonor Pereira Marinho viúva do dito coronel sobre a divisão das ditas terras fizemos uma escritura de transação no cartório de Henrique Valensuella da Silva na qual declaramos os sítios com que cada um havíamos de ficar assim dos que tínhamos ocupado com gados como arrendados a várias pessoas acordando e assentando juntamente a forma com que havíamos de ir ocupando as mais terras por nós ou pelos rendeiros que metêssemos como mais largamente se verá da dita escritura Declaro que nas ditas terras conteúdas nas ditas sesmarias tenho ocupado muitos sítios com gados meus assim vacum como cavalar e todos fornecidos com escravos e cavalos e o mais necessário o que tudo constará dos meus papeis fábricas com a quantidade dos gados pelas entregas de cada uma das fazendas e assim mais muitos sítios dados de arrendamento a várias pessoas e outros muitos estão ainda por povoar e desocupados que também se poderão ir dando de arrendamento ou ocupando com gados meus como melhor parecer a meu sucessor SERTÃO 1897 A instauração do regime militar no Brasil trouxe consigo novos rumos influenciando abertamente a elaboração de uma nova Constituição a começar pelo abandono de seu antigo nome Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil e adoção da nomenclatura Constituição da República Federativa do Brasil de 1967 Em 24 de janeiro de 1967 desenvolveuse a Constituição engendrada pela ditadura cívicomilitar que havia sido orquestrada pelo Ato Institucional nº 1 de 9 de abril de 1964 com a centralização antifederalista brasileira e por dedução o federalismo hegemônico da União O quadro de hipertrofia do Poder Executivo era revelado pela concentração do poder político nas mãos do presidente da República que detinha o comando da administração pública e sobretudo das Forças Armadas Elaborou o governo um aparato oficial de repressão aos direitos fundamentais que por indução não ofereceu à sociedade civil proteção contra o 21 arbítrio do Estado até a abertura política e a redemocratização do Brasil MORAES 2017 p 18 O governo do então presidente Arthur da Costa e Silva mais conhecido como Costa e Silva pertencente ao extinto partido Arena transformou o regime militar em uma verdadeira ditadura Protestos civis logo se desenvolveram em lutas armadas que ocasionaram a elaboração dos Atos Institucionais AI tendo como o mais radical o AI5 No tocante à propriedade esta foi mantida dentro do capítulo referente às garantias e liberdades fundamentais embora com atuação secundária apesar de no contexto da eficácia limitarse apenas ao aspecto formal ou seja existia uma previsão expressa sem contudo haver qualquer linha de eficácia O art 150 da Constituição de 1967 assegurava aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida à liberdade à segurança e à propriedade Foi a Constituição da vanguarda em elencar a função social da propriedade no rol dos princípios da Ordem Econômica e Social em seu art 157 BRASIL 1967 O fundamento da ordem econômica deveria possuir um papel de destaque em especial por prever princípios como a valorização do trabalho como condição da dignidade humana função social da propriedade harmonia e solidariedade entre os fatores de produção desenvolvimento econômico repressão ao abuso do poder econômico caracterizado pelo domínio dos mercados a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros Contudo como já mencionado a formalidade imperava em detrimento da materialidade A luta pelos direitos constitucionais no Brasil se deu a partir de um árduo e longo processo de redemocratização A Constituição Federal de 1988 conferiu ao povo brasileiro uma maior efetividade aos direitos individuais e fundamentais A atual Carta Magna trouxe direitos essenciais até então não aceitos e muitas vezes não praticados pelos antigos governos ditadores tais como a abolição da censura a qualificação de crimes inafiançáveis como a tortura e as ações armadas contra o estado democrático e a ordem constitucional entre outros A Constituição Federal de 1988 teve o papel de resgatar a democracia no Estado brasileiro Estávamos mergulhados em uma situação que trazia forte restrição ao exercício das liberdades democráticas com um Poder Judiciário que exercia a jurisdição de forma limitada deixando de atuar de forma independente Os direitos constitucionais eram interpretados de maneira restritiva o que impedia o livre exercício e fruição das liberdades asseguradas Dentro desse quadro surge a Assembleia Nacional Constituinte que assumiu o papel de resgatar o Estado democrático de direito restabelecendo o Poder Judiciário autônomo e com jurisdição plena entregando ao Poder Legislativo seu papel 22 de legislar e permitindo que o Poder Executivo tratasse apenas do que lhe era essencial ou seja a administração típica sua função estatal Imbuída de tal tarefa a Constituinte tratou de assegurar tais direitos RAGAZZI ARAUJO 2007 p 43 No mesmo sentido podemos notar que o legislador fora mais cuidadoso ao redigir a atual Constituição ou pelo menos mais sensato pois na Constituição anterior 1969 os assuntos referentes a direitos fundamentais encontravamse no final do texto a partir dos arts 141 150 e 153 e na atual encontramse no começo no art 5o Pela primeira vez na história não se via no início da Constituição a organização do Estado mas sim a pessoa do cidadão brasileiro a população como o bem maior a serem primeiro contempladas É um texto moderno com inovações de relevante importância para o constitucionalismo brasileiro e até mundial Bem examinada a Constituição Federal de 1988 constitui hoje um documento de grande importância para o constitucionalismo em geral É a Constituição Cidadã na expressão de Ulysses Guimarães presidente da Assembleia Nacional Constituinte que a produziu porque teve ampla participação popular em sua elaboração e especialmente porque se volta decididamente para plena realização da cidadania SILVA 2005 p 89 Mas o que realmente veio a ser novo e revolucionário na nova Carta Magna foram valores até então abolidos Com o título de Dos princípios fundamentais consagrou ao povo uma nova era de liberdade e orgulho princípios como o da dignidade da pessoa humana os quais mostram o conceito de que o Estado não está em função do Estado mas em função de todas as pessoas pois os princípios constitucionais são precisamente a síntese dos valores mais relevantes da ordem jurídica A Constituição como já vimos é um sistema de normas jurídicas Ela não é um simples agrupamento de regras que se justapõem ou que se superpõem A ideia de sistema fundase na harmonia de partes que convivem sem atritos Em toda ordem jurídica existem valores superiores e diretrizes fundamentais que costuram suas diferentes partes Os princípios constitucionais consubstanciam as premissas básicas de uma dada ordem jurídica irradiandose por todo o sistema Eles indicam o ponto de partida e os caminhos a serem percorridos BARROSO 1998 p142 Passamos então de uma Constituição estritamente formal 1969 regida sob a ótica de uma ditadura militar para uma Constituição de eficácia formal e material 1988 desenvolvendose no contexto jurídico juntamente com a sociedade que rege e no espaço e tempo em que se encontra inserida Quanto à propriedade esta foi inserida no contexto fundamental do art 5o caput Título II Capítulo I Dos Direitos e Garantias Fundamentais consagrando que todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza garantindose aos brasileiros e aos 23 estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade impondo ainda no inciso XXIII que a propriedade atenderá a sua função social BRASIL 1988 A função social é impositiva à propriedade ou seja não admite a ociosidade Assim foi a escolha do legislador quando utilizou o verbo atenderá um pronto comando o qual não abre margem para interpretação Tratase de um direito individual ou liberdade pública direito de 1ª dimensão na expressão de Karel Vasak ou direito de status negativo na expressão de Georg Jellinek O direito nasceu com esse objetivo Atualmente é a liberdade pública impeditiva de ações excessivas proibição do excesso por parte do Estado Todavia todo direito de 1ª dimensão também gera ao Estado deveres de fazer À luz de todo o sistema constitucional que prevê como objetivo da República erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais art 3o III da Constituição Federal de 1988 o direito também corresponde ao dever do Estado de assegurar um mínimo existencial garantindo que cada pessoa tenha um mínimo de propriedade para que possa viver com dignidade Dessa maneira é constitucional qualquer modalidade de programa de transferência de renda dos governos federal estadual ou municipal NUNES JÚNIOR 2019 p 813 A Constituição Federal de 1988 trouxe um estudo sistemático no que tange à função social da propriedade relevante para o presente trabalho vez que a tendência é debruçarse sobre o estudo da propriedade imóvel subdividindo a função social da propriedade em urbana e rural Assim devese combinar o art 5ª com os arts 182 e 186 da Carta Magna Nas palavras de Flavio Martins A função social da propriedade urbana está prevista no art 182 2o da Constituição Federal A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor Plano diretor é uma lei municipal aprovada pela Câmara Municipal de Vereadores obrigatória nas cidades com mais de 20 mil habitantes sendo o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana art 182 1o CF Nesse sentido já decidiu o STF o direito de edificar é relativo dado que condicionado à função social da propriedade RE 178836 rel Min Carlos Velloso Por sua vez a função social da propriedade rural está prevista no art 186 da Constituição Federal A função social é cumprida quando a propriedade rural atende simultaneamente segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei aos seguintes requisitos I aproveitamento racional e adequado II utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente III observância das disposições que regulam as relações de trabalho IV exploração que favoreça o bemestar dos proprietários e dos trabalhadores Nesse sentido já decidiu o STFO direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto eis que sobre ele pesa grave hipoteca social a significar que descumprida a função social que lhe é inerente CF art 5o 24 XXIII legitimarseá a intervenção estatal na esfera dominial privada observados contudo para esse efeito os limites as formas e os procedimentos fixados na própria Constituição da República O acesso à terra a solução dos conflitos sociais o aproveitamento racional e adequado do imóvel rural a utilização apropriada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente constituem elementos de realização da função social da propriedade ADI 2213MC rel Min Celso de Mello No mesmo sentido MS 25284 rel Min Marco Aurélio NUNES JÚNIOR 2019 p 813 Não bastasse a descrição junto ao capítulo destinado aos Direitos e Garantias Fundamentais refletindo diretamente na pessoa achou por bem o constituinte brasileiro descrever seu aspecto no âmbito econômico influenciando diretamente vários segmentos conforme já estudado Não se trata aqui de mera prolixidade pelo contrário quis o legislador enfatizar em dois importantes âmbitos a propriedade e sua função social quais sejam seu aspecto humano e econômico O art 5ª XXV da Constituição Federal previu a desapropriação em no caso de iminente perigo público A autoridade competente poderá usar de propriedade particular assegurada ao proprietário indenização ulterior se houver dano hodiernamente a condicionante é a existência de dano para a indenização O inciso XXVI do mesmo dispositivo estabeleceu limites de bloqueio segundo os quais em caso de dívida a pequena propriedade rural assim definida em lei desde que trabalhada pela família não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento O texto inovou em seu art 176 garantindo que as jazidas em lavra ou não os demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo para efeito de exploração ou aproveitamento e pertencem à União garantindo à concessionária a propriedade do produto da lavra BRASIL 1988 A título de pesquisa acadêmica atentamos que o progresso legislativo da propriedade também foi significativo em outros países a exemplo da Inglaterra e da França países estes que foram significativos na evolução universal da temática Na Inglaterra um dos principais documentos elaborados foi a Magna Charta Libertatum datada de 1215 e outorgada pelo rei João SemTerra a qual dentre vários direitos previa a garantia de proteção à propriedade privada n31 O Estado pela primeira vez possuía uma barreira devendo observar os mandamentos contidos na Magna Carta em especial no cerne dos direitos individuais do devido processo legal e da propriedade No século XVIII conjugamse vários fatores que iriam determinar o aparecimento das Constituições e infundirlhes as características fundamentais Sob influência do jusnaturalismo amplamente difundido pela obra dos contratualistas afirmase a superioridade do indivíduo 25 dotado de direitos naturais inalienáveis que deveriam receber a proteção do Estado A par disso desenvolvese a luta contra o absolutismo dos monarcas ganhando grande força os movimentos que preconizavam a limitação dos poderes dos governantes Por último ocorre ainda a influência considerável do Iluminismo que levaria ao extremo a crença na razão refletindose nas relações políticas por meio da exigência de uma racionalização do poder DALLARI 2016 p 114 Já na França sob a ótica social temse que os Direitos Sociais se iniciam com a Revolução Francesa O feudalismo privilegiava os senhores feudais como proprietários das terras enquanto ao povo restava usar a terra numa condição escravagista condição esta que decai com o surgimento de outra classe a burguesia Durante essa fase além das inúmeras revoltas do povo pela mudança do regime outros fatores interferiram para desencadear o surgimento da luta por direitos humanos a exemplo da peste negra a revolta da burguesia e a luta da Igreja pela mantença do feudalismo Foi neste contexto que Napoleão presenteia os franceses com o Código Civil francês marco fundamental para o entendimento da definição de propriedade contemporânea pois reuniu os poderes inerentes da propriedade de forma concreta didática ao mencionar que a propriedade é um direito nascendo assim o conteúdo interno da propriedade Direito de Propriedade Direito Subjetivo Faculdade Poder BORGES OLIVEIRA LACERDA 2011 p 726729 Nesse contexto histórico desenvolveuse a propriedade interna forjada a base de revoluções e lutas de classes sociais possibilitando ao Estado um novo conceito de propriedade tal como a obrigação da propriedade e o direitodever objetivo da propriedade O Estado Moderno recoloca na sociedade o atributo de agrupar o poder político até então fragmentado fixando bases na observância da legalidade e não mais na arbitrariedade 12 A PROPRIEDADE COMO GARANTIA DO DIREITO FUNDAMENTAL Ao longo da história os direitos fundamentais foram divididos pela doutrina clássica em três gerações ou como parte dos pesquisadores preferem em três dimensões levando em conta a cronologia em que foram elaborados No estudo das gerações não importa a exclusão de uma pela outra mas sim sua incorporação Os direitos de primeira geração foram os primeiros a ser conquistados pela humanidade e se relacionam à luta pela liberdade e segurança diante do Estado Por isso caracterizamse 26 por conterem uma proibição ao Estado de abuso do poder o Estado não pode desrespeitar a liberdade de religião nem a vida etc Tratase de impor ao Estado obrigações de não fazer São direitos relacionados às pessoas individualmente Por exemplo propriedade igualdade formal perante a lei liberdade de crença de manifestação de pensamento direito à vida etc CARVALHO FILHO 2018 p 12 Os direitos de segunda geração são os direitos sociais assim entendidos os direitos de grupos sociais menos favorecidos e que impõem ao Estado uma obrigação de fazer de prestar direitos positivos como saúde educação moradia segurança pública e alimentação Baseiamse na noção de igualdade material redução de desigualdades no pressuposto de que não adianta possuir liberdade sem as condições mínimas educação saúde para exercêla Começaram a ser conquistados após a Revolução Industrial quando grupos de trabalhadores passaram a lutar pela categoria Nesse caso em vez de se negar ao Estado uma atuação exige se dele que preste saúde educação etc Tratase portanto de direitos positivos impõem ao Estado uma obrigação de fazer São exemplos saúde educação previdência social lazer segurança pública moradia direitos dos trabalhadores CARVALHO FILHO 2018 p 12 Com a terceira geração contamos com os chamados direitos transindividuais isto é direitos que são de várias pessoas mas não pertencem a ninguém isoladamente Transcendem o indivíduo isoladamente considerado São também conhecidos como direitos metaindividuais estão além do indivíduo ou supraindividuais estão acima do indivíduo isoladamente considerado Os chamados direitos de terceira geração têm origem na revolução tecnocientífica terceira revolução industrial a revolução dos meios de comunicação e de transportes que tornaram a humanidade conectada em valores compartilhados A humanidade passou a perceber que na sociedade de massa há determinados direitos que pertencem a grupos de pessoas grupos esses às vezes absolutamente indeterminados Por exemplo a poluição de um riacho em uma pequena fazenda que atinge as pessoas que lá vivem Mas não só a elas Esse dano ambiental atinge também a todos os que vivem na cidade pois esse riacho deságua na barragem que abastece de água por todo o Estado E mais atinge todas as pessoas do mundo pois é interesse mundial manter o meio ambiente ecologicamente equilibrado CARVALHO FILHO 2018 p 13 A doutrina moderna apesar de ainda haver divergência atribui uma quarta e quinta geração aos direitos fundamentais A quarta geração se relaciona com os diretos de engenharia genética e globalização política enquanto a quinta geração relacionase com o direito à paz Assim a quarta geração seria a globalização política neoliberal que caminha silenciosa sem nenhuma referência de valores Há contudo outra globalização política que ora se 27 desenvolve sobre a qual não tem jurisdição a ideologia neoliberal Radicase na teoria dos direitos fundamentais Esta última é a única que verdadeiramente interessa aos povos da periferia Globalizar direitos fundamentais equivale a universalizálos no campo institucional A globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos de quarta geração que aliás correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado social São direitos de quarta geração o direito à democracia o direito à informação e o direito ao pluralismo Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro em sua dimensão de máxima universalidade para a qual parece o mundo inclinarse no plano de todas as relações de convivência Os direitos da primeira geração direitos individuais os da segunda direitos sociais e os da terceira direitos ao desenvolvimento ao meio ambiente à paz e à fraternidade permanecem eficazes são infraestruturais formam a pirâmide cujo ápice é o direito à democracia BONAVIDES 2019 p 571572 Os debates científicos realizado na cidade de Curitiba junto ao IX Congresso Íbero Americano e no VII Simpósio Nacional de Direito Constitucional bem como junto ao II Congresso LatinoAmericano de Estudos Constitucionais realizado em Fortaleza destacaram se pela possibilidade concreta de se falar em uma quinta geração de direitos fundamentais por meio da qual em face dos acontecimentos mundiais como por exemplo o atentado terrorista de 11 de Setembro em solo norteamericano surgiria legítimo direito à paz HONESKO 2008 p195197 O novo Estado de direito das cinco gerações de direitos fundamentais vem coroar por conseguinte aquele espírito de humanismo que no perímetro da juridicidade habita as regiões sociais e perpassa o Direito em todas as suas dimensões A dignidade jurídica da paz deriva do reconhecimento universal que se lhe deve enquanto pressuposto qualitativo da convivência humana elemento de conservação da espécie reino de segurança dos direitos Tal dignidade unicamente se logra em termos constitucionais mediante a elevação autônoma e paradigmática da paz a direito da quinta geração Por conseguinte retirase o direito à paz da invisibilidade em que o colocou o edificador da categoria dos direitos da terceira geração Para tanto fazse mister acender luzes rasgar horizontes pavimentar caminhos enfim descerrar o véu que encobre esse direito na doutrina ou o faz ausente dos compêndios das lições do magistério de sua normatividade lacuna pois que impende desde logo preencher BONAVIDES 2008 p 5 Os direitos e garantias fundamentais estabelecidos pela atual Constituição pátria consagram os direitos e deveres individuais e coletivos os direitos sociais abarcados os direitos dos trabalhadores os direitos de nacionalidade e os direitos políticos incluindo o estatuto 28 constitucional dos partidos políticos e a liberdade de associação partidária Portanto a regra atribui aos direitos e garantias fundamentais o gênero enquanto às demais categorias a espécie Se não há dúvida que os direitos fundamentais de certa forma são também sempre direitos humanos no sentido de que seu titular sempre será o ser humano ainda que representado por entes coletivos grupos povos nações Estado também é certo que não é esse o motivo pelo qual a distinção se faz necessária ainda mais no contexto do direito constitucional positivo De acordo com o critério aqui adotado o termo direitos fundamentais se aplica àqueles direitos em geral atribuídos à pessoa humana reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado A fundamentalidade formal encontrase ligada ao direito constitucional positivo no sentido de um regime jurídico definido a partir da própria constituição seja de forma expressa seja de forma implícita e composto em especial pelos seguintes elementos a como parte integrante da constituição escrita os direitos fundamentais situamse no ápice de todo o ordenamento jurídico gozando da supremacia hierárquica das normas constitucionais b na qualidade de normas constitucionais encontramse submetidos aos limites formais procedimento agravado e materiais cláusulas pétreas da reforma constitucional art 60 da CF muito embora se possa controverter a respeito dos limites da proteção outorgada pelo constituinte aspecto desenvolvido no capítulo sobre o poder de reforma constitucional c além disso as normas de direitos fundamentais são diretamente aplicáveis e vinculam de forma imediata as entidades públicas e mediante as necessárias ressalvas e ajustes também os atores privados A fundamentalidade material ou em sentido material por sua vez implica análise do conteúdo dos direitos isto é da circunstância de conterem ou não decisões fundamentais sobre a estrutura do Estado e da sociedade de modo especial porém no que diz com a posição nestes ocupada pela pessoa humana É portanto evidente que uma conceituação meramente formal no sentido de serem direitos fundamentais aqueles que como tais foram reconhecidos na constituição revela sua insuficiência também para o caso brasileiro uma vez que a Constituição Federal como já referido e previsto no art 5o 2o admite expressamente a existência de outros direitos fundamentais que não os integrantes do catálogo Título II da CF com ou sem assento na Constituição além da circunstância de que tal conceituação estritamente formal nada revela sobre o conteúdo isto é a matéria propriamente dita dos direitos fundamentais art 5o 1o da CF SARLET MARINONI MITIDIERO 2019 p 309328 Os direitos fundamentais como parte essencial da Constituição brasileira passaram por diversas transformações ao longo da história em seu conteúdo titularidade eficácia e efetivação Dentre suas principias características podemos citar a historicidade baseados a partir de um conceito histórico tornandose fundamental à medida que se insere na Constituição a imprescritibilidade ou seja são permanentes a irrenunciabilidade não podem ser objeto de transação a inviolabilidade não toleram desrespeitos por autoridades ou mesmo lei infraconstitucional a universalidade alcança a todos sem restrições a concorrência podem 29 ser exercidos concomitantemente com outros direitos fundamentais a efetividade cabe ao poder público garantir sua aplicação a fim de atingir seus objetivos a interdependência não podem ser contrários a outros direitos fundamentais e a complementaridade são interpretados de forma conjunta e harmônica A propriedade sempre foi objeto de suma importância em especial dentro do contexto social econômico e jurídico brasileiro Social pois a índole humana de forma natural segregara ou acolhera determinada pessoa em suas diversas comunidades tornandose aquela fator de diferenciação e divisão Econômica à medida que um dos requisitos para a classificação do indivíduo é a propriedade influenciando direta e indiretamente na sua economia familiar eg a aprovação de um credito através da garantia de um imóvel Jurídica pois o conceito clássico até então atribuído apenas às propriedades imóveis com destaque às terras rurais evoluiu à ordem de propriedades imateriais sendo que estas em determinadas hipóteses detêm proventos bem maiores que aquelas eg a marca imaterial da CocaCola se sobrepõe substancialmente a determinado imóvel suburbano O direito de propriedade é sem dúvida o mais importante de todos os direitos subjetivos materiais Há unanimidade dos civilistas no sentido de que o direito de propriedade como direito real por excelência constitui o cerne do direito das coisas representando a propriedade a espinha dorsal do direito privado Realmente dentro do sistema permanente de apropriação de riquezas em que vivemos inevitáveis os conflitos de interesses entre as pessoas envolvendo disputas sobre bens reclamando sua disciplina pelo ordenamento jurídico HARADA 2007 p 103 A subjetividade incorporada na propriedade se dá à medida que a vontade humana norteia diversas condutas tal como usar gozar e dispor ou seja é baseada no poder da vontade ou mesmo no interesse Com efeito é o mais importante e o mais sólido de todos os direitos subjetivos o direito real por excelência É o eixo em torno do qual gravita o direito das coisas Dele pode se dizer ser a pedra fundamental de todo o direito privado MONTEIRO 2011 p 84 Não obstante Edmundo Gatti em seu livro Teoria General de los Derechos Reales acrescenta que o direito subjetivo é integrado por três elementos quais sejam o sujeito o objeto e a causa Todo derecho subjetivo está integrado por três elementos el sujeto el objeto y la causa El sujeto del derecho es su titular es decir la persona a cuya voluntad el ordenamiento jurídico otorga el podero facultad o cuyo interés resulta protegido El objeto del derecho es la persona o la cosa sobre la que el sujeto ejerce su poder o la persona de la que está facultado a exigir um 30 determinado comportamento La causa del derecho es el hecho o acto jurídico que le há dado nacimiento Pero además de esos elementos todo derecho tiene um contenido es la naturaleza y la extensión de la prerrogativa que da nombre y tipicidade al derecho subjetivo GATTI 1980 p 141 O domínio é direito subjetivo de propriedade pois estabelece à pessoa determinada a discricionariedade do poder de liberdade de ação sobre específica coisa concreta e não abstrata curvandose a um dever jurídico geral vínculo jurídico Como explica Sílvio Rodrigues Todo direito subjetivo representa um vínculo jurídico Assim o domínio O liame que se estabelece entre o proprietário e a coisa que se encontra em seu domínio vincula de um certo modo todas as pessoas do universo que estão presas a uma obrigação passiva de não turbar o exercício do direito pelo seu titular RODRIGUES 2003 p74 Cumpre ainda um dever universal com a humanidade reconhecida inclusive no âmbito internacional por meio da Declaração Universal dos Direitos Humanos em seu art XVII 1 que dispõe que todo ser humano tem direito à propriedade só ou em sociedade com outros NAÇÕES UNIDAS 1948 O texto é influenciado diretamente pelo princípio da dignidade da pessoa humana o qual compreende acima de tudo um valor moral e espiritual de cada pessoa como direito básico em um Estado democrático É um princípio absoluto pois constitui o núcleo essencial dos direitos fundamentais O Código Civil brasileiro de 2002 no seu art 1228 observou os mandamentos constitucionais fortemente influenciados ao cumprimento da função social revelando que o proprietário tem a faculdade de usar gozar e dispor da coisa e o direito de reavêla do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha devendo ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados de conformidade com o estabelecido em lei especial a flora a fauna as belezas naturais o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico bem como evitada a poluição do ar e das águas BRASIL 2002 É um direito real fundamental e absoluto por excelência Real pela natureza jurídica que assim define Nas palavras do Prof Guillermo L Allende em seu livro Panorama de derecho reales 1Tradução livre Todo direito subjetivo é composto de três elementos o sujeito o objeto e a causa O sujeito do direito é o seu proprietário ou seja a pessoa sob cuja vontade o sistema jurídico concede o poder da faculdade ou cujo interesse é protegido O objetivo do direito é a pessoa ou coisa sobre a qual o sujeito exerce seu poder ou a pessoa de quem tem o direito de exigir um determinado comportamento A causa da lei é o fato ou ato legal que deu à luz Mas além desses elementos todo direito tem um conteúdo é a natureza e a extensão da prerrogativa que dá nome e tipicidade ao direito subjetivo 31 El derecho real es um derecho absoluto de contenido patrimonial cuyas normas substancialmente de ordem pública stablecen ente uma persona sujeto activo y una cosa determinada objeto uma relación imediata que previa publicidade obliga a la sociedade sujeito passivo a abstenerse de realizar cualquier acto contrario al mismo obligación negativa naciendo para el caso de violación uma acción real y que otorga sus titulares las ventajas inherentes as ius persequendi y al preferendi ALLENDE 1967 p 192 Fundamental à medida que o objeto carece de necessidade a universalidade Absoluto justamente pela vontade do proprietário de executar alguns dos verbos descritos no art 1228 1o do Código Civil e por ser oponível a todos no que tange ao domínio pois existem limitações previstas legalmente Processando a propriedade como um direito fundamental passa ela a emanar outros direitos de cunho fundamental tais como o direito a alimentação produção agrícola moradia trabalho lazer dentre outros É indispensável conceituar juridicamente a propriedade Não obstante assim não o fez o Código Civil usando quando muito conceitos indeterminados dando preferência ao caso em concreto e ao entendimento dos magistrados Tal afirmativa se dá pelas diversas transformações que sofre no decorrer dos anos Não existe um conceito inflexível do direito de propriedade Muito erra o profissional que põe os olhos no direito positivo e supõe que os lineamentos legais do instituto constituem a cristalização dos princípios em termos permanentes ou que o estágio atual da propriedade é a derradeira definitiva fase de seu desenvolvimento Ao revés evolui sempre modificase ao sabor das injunções econômicas políticas sociais e religiosas Nem se pode falar a rigor que a estrutura jurídica da propriedade tal como se reflete em nosso Código é a determinação de sua realidade sociológica pois que aos nossos olhos e sem que alguém possa impedilo ela está passando por transformações tão substanciais quanto aquelas que caracterizaram a criação da propriedade individual ou que inspiraram a sua concepção feudal PEREIRA 2019 p 33 O estudo jurídico da propriedade pressupõe o conhecimento de sua evolução histórica Todavia para recordála como necessário basta aludir às transformações fundamentais que sofreu no curso dos tempos registrando as formas próprias que tomou em sucessivos regimes econômicos coincidentes 2Tradução livre O direito real é um direito absoluto de conteúdo patrimonial cujas normas são substancialmente de ordem pública estabelecem entre uma pessoa sujeito ativo e uma certa coisa objeto uma relação imediata cuja publicidade prévia obriga a sociedade sujeito passivo a absterse de praticar qualquer ato contrário a ela obrigação negativa no caso de violação de uma ação real e que ofereça aos seus proprietários as vantagens inerentes à sua persecução e preferência 32 com os períodos históricos em que se costuma dividir a história da civilização GOMES 2012 p 110 O papel da propriedade é tão importante que decidiu o legislador brasileiro ao longo de toda a história inserir na própria Constituição seus princípios Tal ideia foi transplantada da primeira à última Carta Magna e construiu o entendimento de proteção pelo poder público cabendo a ele a fiscalização regulamentação e punição de eventuais infrações Como se torna difícil conceituar a propriedade haja vista as suas constantes modificações necessário se faz um estudo histórico no âmbito legislativo Constitucional a fim de observar essas evoluções dando ênfase ao estudo da propriedade material em especial os bens imóveis em detrimento das imateriais visando o foco da presente dissertação A legislação distingue o conceito de propriedade do conceito de posse Esta por sua vez é objeto de diversas teorias sendo as principais a Teoria Subjetiva da Posse e a Teoria Objetiva da Posse A Teoria Subjetiva foi idealizada por Savigny Friedrich Carl von Savigny grande jurista alemão do Século XIX e possui como base dois elementos essenciais o corpus a possibilidade de disposição de um bem e o animus a vontade e escolha de possuir um bem A concepção de Savigny exige pois para que o estado de fato da pessoa em relação à coisa se constitua em posse que ao elemento físico corpus venha juntarse a vontade de proceder em relação à coisa como procede o proprietário affectio tenendi mais a intenção de têla como dono animus Se faltar essa vontade interior essa intenção de proprietário animus domini existirá simples detenção e não posse A teoria se diz subjetiva em razão deste último fato Para Savigny adquirese a posse quando ao elemento material corpus poder físico sobre a coisa se adita o elemento intelectual animus intenção de têla como sua Reversamente não se adquire a posse somente pela apreensão física nem somente com a intenção de dono Adipiscimur Possessionem Corpore et animo nec per se corpore nec per se animo Destarte quem tem a coisa em seu poder mas em nome de outrem não lhe tem a posse civil é apenas detentor tem a sua detenção que ele chama de posse natural naturalis possessio despida de efeitos jurídicos e não protegida pelas ações possessórias ou interditos Para Savigny portanto não constituem relações possessórias aquelas em que a pessoa tem a coisa em seu poder ainda que juridicamente fundada como na locação no comodato no penhor etc por lhe faltar a intenção de têla como dono animus domini o que dificulta sobremodo a defesa da situação jurídica PEREIRA 2019 p 285 Já a Teoria Objetiva preconizada por Ihering Rudolf von Ihering outro grande jurista alemão nascido em 22 de agosto de 1818 na cidade de Aurich dispensa o elemento subjetivo 33 apresentado por Savigny Possuidor seria aquele que mesmo sem dispor do poder material sobre o bem comportase como se fosse o proprietário imprimindolhe destinação Assim o sujeito que após um dia de trabalho em sua lavoura dirigese à cidade para comprar mais sementes está exercendo posse sobre a sua plantação mesmo que não esteja naquele momento materialmente exercendo um poder sobre ela A teoria de Ihering nessa linha explicaria com mais facilidade determinados estados de posse como a do locador que embora não esteja direta e materialmente utilizando o apartamento atua como possuidor imprimindo destinação ao bem ao locálo e auferir os respectivos aluguéis GAGLIANO PAMPLONA FILHO 2019 p 60 Na mesma linha o Ministro Moreira Alves lembra que Ihering adverte que a afirmação de Savigny de que a apreensão ou seja o ato físico o corpus necessário à aquisição da posse consistia na possibilidade física de agir imediatamente sobre a coisa e de afastar dela qualquer ação de terceiro e não se coadunava com os textos que a admitiam em hipóteses como a do javali preso na armadilha colocada pelo caçador em que essa possibilidade não existiria Para Ihering sendo a posse a exteriorização ou a visibilidade da propriedade o critério para a verificação de sua existência é a maneira pela qual o proprietário exerce de fato sua propriedade o que implica dizer que o corpus é a relação de fato entre a pessoa e a coisa de acordo com a sua destinação econômica É o procedimento do possuidor com referência à coisa possuída igual ao que teria normalmente o titular do domínio ALVES 1997 p 223 O Código Civil em seu art 1196 dispõe que se considera possuidor todo aquele que tem de fato o exercício pleno ou não de algum dos poderes inerentes à propriedade ou seja adotou claramente a Teoria Objetiva de Ihering BRASIL 2002 É correto afirmar que o Código Civil brasileiro adotou a Teoria Objetiva de Ihering na perspectiva do princípio constitucional da função social Ora no art 1196 o legislador aproximouse inequivocamente desse pensamento mesmo que o sujeito não seja o proprietário mas se comporte como tal por exemplo plantando construindo morando poderá ser considerado possuidor Sucede que a interpretação dessa norma por óbvio não poderá ser feita fora do âmbito de incidência do superior princípio da função social Vale dizer o exercício pleno ou não dos poderes inerentes à propriedade usar gozar ou fruir dispor reivindicar somente justifica a tutela e a legitimidade da posse se observada a sua função social A ideia é de que a Teoria Objetiva foi adotada embora reconstruída na perspectiva do princípio constitucional da função social Finalmente vale acrescentar que a despeito de o codificador não haver adotado a Teoria de Savigny como a pedra fundamental do nosso sistema possessório podese sentir em determinados pontos a sua influência como na leitura dos 34 arts 1238 e 1242 que diferenciam as formas extraordinária e ordinária de usucapião a depender da boa ou da máfé ou seja do animus do possuidor GAGLIANO PAMPLONA FILHO 2019 p 63 O foco da dissertação baseiase na propriedade já consolidado seu conceito neste tópico em especial na propriedade imóvel Contudo a noção de posse nos moldes apresentados era necessária à medida que aquele direito poderá derivar deste ou seja a posse como direito real afeta a propriedade de forma direta ou indireta existindo próximo vinculo jurídico entre os dois institutos 13 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E SUA PROXIMIDADE COM A POLÍTICA E A ECONOMIA A evolução de uma sociedade se dá por constantes modificações de conceitos e valores podendo ocorrer na maioria das vezes mediante estudos e pesquisas ou mesmo retroceder tomemos aqui como exemplo a problemática de que um determinado grupo não mais quer aplicar a ideia existente retrocedendo ao conceito antigo Contudo a tendência natural é a evolução Assim também se dá o pensamento de Anthony Giddens relatando haver razões fortes e objetivas para se acreditar que estamos atravessando um período importante de transição histórica Além disso as mudanças que nos afetam não estão confinadas a nenhuma área do globo estendendose quase por toda parte Nossa época se desenvolveu sob o impacto da ciência da tecnologia e do pensamento racional GIDDENS 2007 p 13 O direito não foge a essa regra de desenvolvimento Não muito raro encontramse relevantes trabalhos científicos jurídicos livros teses dissertações artigos tratando da evolução de determinado tema ou ainda julgados sobre específico caso os quais criam um modelo novo de aplicabilidade jurisprudência Nas palavras de Leon Duguit Pero si el Derecho está em um estado completo de transformación Si continuamente las instituciones jurídicas nuevas están em vía de elaborarse seguramente en la realidad de las cosas hay uma transformación continua y perpetua de las ideas y de las instituciones DUCHUIT 1975 p1723 3Tradução Livre Mas se a lei estiver em um estado completo de transformação Se continuamente estão sendo elaboradas novas instituições jurídicas certamente na realidade das coisas há uma transformação contínua e perpétua de ideias e instituições 35 Para Friedrich Karl von Savigny o direito cresce com o crescimento fortalecese com a força do povo e por fim definha quando a nação perde sua nacionalidade Portanto a síntese dessa teoria é que toda lei é formada originariamente à maneira pela qual numa linguagem usual porém não correta de todo dizse que foi formado o direito consuetudinário Isto é que primeiro desenvolveuse por costumes e crença popular e em seguida pela jurisprudência em toda a parte portanto por poderes internos que operam em silêncio não pela vontade arbitrária de um legislador MORRIS 2015 p 289290 A propriedade como elemento essencial da função social também passou e passa ao longo dos anos por diversas transformações conceituais O movimento é linear e crescente na medida em que evoluem os anseios e aspirações de determinada sociedade Esta por sua vez assim como o tempo e espaço é um elemento importante às transformações a ideia de propriedade da primeira Constituição de 1824 é totalmente diferente da ideia de propriedade da Constituição de 1988 O estudo da função social da propriedade não se diferencia Ou seja passa necessariamente por constantes reestruturações apresentando ainda versões distintas quando agregado a outros fundamentos tais como a economia a política o meio ambiente a empresa etc Essas fusões somadas à evolução conceitual natural criaram subdivisões da função social da propriedade sendo elas a função ambiental da propriedade ou função ecológica da propriedade a função social da empresa a função social da propriedade pública objeto do presente estudo entre outras Algumas dessas ramificações encontram maior proximidade ao gênero enquanto outras um pouco menos porém o núcleo de todas as estruturas é a função social da propriedade No Brasil a base constitucional da função social da propriedade em sentido lato sem prejuízo de uma interpretação stricto das legislações infraconstitucionais atinentes aos subgêneros encontra amparo sistemático na Constituição federal em seus arts 1o III e IV4 3o 4Art 1º A República Federativa do Brasil formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal constituise em Estado democrático de direito e tem como fundamentos I a soberania II a cidadania III a dignidade da pessoa humana IV os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa V o pluralismo político Parágrafo único Todo o poder emana do povo que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente nos termos desta Constituição 36 I5 5º XXIII6 este elevado ao nível de princípio 182 2º7 bem como na base principiológica econômica constitucional descrita no art 1708 a qual visa a soberania nacional a proteção da propriedade privada da função social da propriedade da livre concorrência a defesa do consumidor e do meio ambiente inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação a redução das desigualdades regionais e sociais a busca do pleno emprego o tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte e o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país O princípio da função social da propriedade descrito no art 5º XXIII da Constituição federal tem na sua origem a visão de regulamentar os direitos outorgados aos proprietários No campo do aspecto funcional do direito de propriedade surge a noção de função social da propriedade Tratase do papel que a propriedade desempenha nas relações jurídicas econômicas e sociais representado pelo aspecto dinâmico GAMA 2011 p 228 5Art 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil I construir uma sociedade livre justa e solidária II garantir o desenvolvimento nacional III erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais IV promover o bem de todos sem preconceitos de origem raça sexo cor idade e quaisquer outras formas de discriminação 6Art 5º Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade nos termos seguintes XXIII a propriedade atenderá a sua função social 7Art 182 A política de desenvolvimento urbano executada pelo Poder Público municipal conforme diretrizes gerais fixadas em lei tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bemestar de seus habitantes 1º O plano diretor aprovado pela Câmara Municipal obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor 3º As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro 4º É facultado ao Poder Público municipal mediante lei específica para área incluída no plano diretor exigir nos termos da lei federal do proprietário do solo urbano não edificado subutilizado ou não utilizado que promova seu adequado aproveitamento sob pena sucessivamente de I parcelamento ou edificação compulsórios II imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo III desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal com prazo de resgate de até dez anos em parcelas anuais iguais e sucessivas assegurados o valor real da indenização e os juros legais 8Art 170 A ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa tem por fim assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social observados os seguintes princípios I soberania nacional II propriedade privada III função social da propriedade IV livre concorrência V defesa do consumidor VI defesa do meio ambiente inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42 de 19122003 VII redução das desigualdades regionais e sociais VIII busca do pleno emprego IX tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6 de 1995 Parágrafo único É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica independentemente de autorização de órgãos públicos salvo nos casos previstos em lei 37 O simples título de domínio não é por si só mais suportado devendo obrigatoriamente ser acompanhado de mais um adjetivo tal como produtividade coletividade dinâmica ambiente social moradia dentre outros O simples acúmulo de bem por meio da propriedade não mais possui espaço passando portanto a constituir um instrumento cuja finalidade é o trabalho uma ferramenta de produção de outros bens e serviços Para tanto o Ministro Alexandre de Moraes conceitua a função social da propriedade como o elemento estrutural da definição do direito à propriedade privada e a limitação legal de seu conteúdo demonstra a substituição de uma concepção abstrata de âmbito meramente subjetivo de livre domínio e disposição da propriedade por uma concepção social de propriedade privada reforçada pela existência de um conjunto de obrigações para com os interesses da coletividade visando também à finalidade ou utilidade social que cada categoria de bens objeto de domínio deve cumprir MORAES 2013 p 268 No mesmo sentido doutrinário o Ministro Marco Aurélio de Melo aduz que o conceito na sociedade atual não mais comporta espaço para entender a propriedade divorciada do elemento que lhe confere conteúdo e tutela jurídica que vem a ser o exercício do domínio mediante a atenta observância da função social pois em que pese a proteção privada da propriedade ela deverá retratar uma finalidade econômica e social apta à sua vocação urbana ou rural gerando frutos empregos e conduzindo a uma justa circulação de riquezas de modo que tenhamos uma sociedade mais justa e solidária objetivo primaz do Estado democrático de direito inaugurado pela Constituição da República Federativa do Brasil MELO 2011 p 88 O art 1849 e o art 18610 ambos prescritos na Carta Magna de 1988 tratam especificamente da função social da propriedade rural Sobre esse tema encontrase vasta doutrina com enfoque principalmente na desapropriação de terras improdutivas visando 9Art 184 Compete à União desapropriar por interesse social para fins de reforma agrária o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária com cláusula de preservação do valor real resgatáveis no prazo de até vinte anos a partir do segundo ano de sua emissão e cuja utilização será definida em lei 1º As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro 2º O decreto que declarar o imóvel como de interesse social para fins de reforma agrária autoriza a União a propor a ação de desapropriação 3º Cabe à lei complementar estabelecer procedimento contraditório especial de rito sumário para o processo judicial de desapropriação 4º O orçamento fixará anualmente o volume total de títulos da dívida agrária assim como o montante de recursos para atender ao programa de reforma agrária no exercício 5º São isentas de impostos federais estaduais e municipais as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária 10Art 186 A função social é cumprida quando a propriedade rural atende simultaneamente segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei aos seguintes requisitos I aproveitamento racional e adequado II utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente III observância das disposições que regulam as relações de trabalho IV exploração que favoreça o bemestar dos proprietários e dos trabalhadores 38 sempre o interesse da coletividade pois a terra agrária antes de tudo é um bem de produção essencial à sobrevivência da humanidade No que concerne à terra rural a legislação extravagante deve ser observada tal como a Lei 4504 de 30 de novembro de 1964 a qual dispõe sobre o Estatuto da Terra e dá outras providências Lei esta que orienta e posiciona o Direito Agrário sendo um ramo especifico do Direito bem como trata do valoroso tema da Reforma Agrária com ênfase na destinação social e econômica dos bens imóveis rurais e por fim na promoção de Políticas Agrícolas A não observância da produtividade da terra agrária abre espaço para diversas sanções A legitimação de sua figura no entanto está jungida ao cumprimento da função social da propriedade que na verdade é o cumprimento da função social da terra Não o fazendo o proprietário se sujeita a diversas sanções numa escala progressiva a culminar com a caracterização do imóvel objeto do direito de propriedade como latifúndio o que o deixa na linha de fogo da desapropriação por interesse social para finalidade de reforma agrária transferindose a propriedade do mesmo a outrem que tenha mais consciência da verdadeira destinação social do bem além da questão da usucapião agrária LIMA 1992 p 8990 Tanto a propriedade como a função social são conceitos que podem ser estudados isoladamente a exemplo podemos citar a função social do trabalho o qual não possui relação com a propriedade ou podem ser fundidos em uma relação dialética transformandose na importante temática denominada de função social da propriedade Ambos são de fundamental importância ao Estado democrático de direito fator essencial a seu desenvolvimento e à diminuição de eventuais desigualdades existentes Assegura a todos um direito básico não obstante atualmente possui prescrição de ordem constitucional e infraconstitucional O Estado democrático de direito assegura por meio da função social da propriedade uma nação que visa à garantia do exercício de direitos individuais dentre os quais o maior é o princípio da dignidade da pessoa humana e sociais Na lição de Edvaldo Brito A função social quando assume a forma positiva revela a originalidade do novo conceito de propriedade qual seja o do seu exercício sob a forma de empresa que é assim um instrumento do domínio desses bens de produção O aspecto negativo evidenciase mediante as limitações relativamente ao objeto e ao conteúdo do direito fundamentandose no interesse da segurança e da saúde públicas da economia popular da higiene etc BRITO 2012 p404 Todo indivíduo tem o dever social de desempenhar determinada atividade de desenvolver da melhor forma possível sua individualidade física moral e intelectual para com isso cumprir sua função social da melhor maneira FIGUEIREDO 2008 p 83 39 O Estado democrático de direito não deve vincularse a interesses individuais mas coletivos os quais receberam tratamento especial pela Constituição a proteção da livre iniciativa da propriedade e seu fim social livre concorrência consumidor meio ambiente proibição de abuso de direito redução das desigualdades e busca do pleno emprego Isso está assegurado no atual texto constitucional brasileiro por meio de princípios a democratização econômica e social da nação A Democracia estampada em nossa nação assegura direitos gerais e abstratos no que tange à propriedade contudo não irrestritos ou seja o democratismo como pilar de igualdade e justiça do Estado também impõe limites à função social da propriedade A Constituição como fonte primaria estabeleceu o norte das demais legislações para disciplinar a matéria limitadora cabendo em especial mas não se limitando a este como inclusive podese observar no transcrito sobre a Lei 4504 de 30 de novembro de 1964 a qual dispõe sobre o Estatuto da Terra ao Código Civil brasileiro A propriedade portanto tendo em vista sua função social sofre limitações de várias naturezas em razão do direito de vizinhança até as de ordem constitucional e administrativa para preservação do meio ambiente fauna flora patrimônio artístico etc VENOSA 2018 p 147 O ensinamento de Maria Helena Diniz amplia essa restrição a todo o ordenamento constitucional inclusive ao princípio estampado nas cláusulas pétreas A Constituição Federal art 5º XXII ao garantir o direito de propriedade considerou a questão de suas restrições que reaparece em forma analítica no art 170 sob o título Da ordem econômica e social que tem por escopo realizar o desenvolvimento nacional e a justiça social com base nos seguintes princípios liberdade de iniciativa valorização do trabalho como condição da dignidade humana função social da propriedade harmonia e solidariedade entre as categorias sociais de produção repressão não só ao abuso do poder econômico caracterizado pelo domínio dos mercados como também à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros e expansão das oportunidades de emprego produtivo Em tudo isso há limitações ao direito de propriedade DINIZ 2007 p 254255 Sem sua devida finalidade a propriedade não é um direito universal por conseguinte mais que necessária uma punição por seu desvio de forma adequada proporcional e gradual não se deve desapropriar 400 alqueires que não observaram a demarcação de 4 metros quadrados de reserva ambiental prevista em lei inicialmente devese notificar e caso necessário aplicarlhe multas Existem várias sanções previstas algumas de caráter genérico aplicadas à grande maioria dos casos em concreto tais como as notificações e as multas outras de caráter mais 40 especifico tal como a edificação ou parcelamento compulsório Lei 102572001 incidência de IPTU progressivo Lei 102572001 e a desapropriação As punições mencionadas têm natureza administrativa perfazendo processo e ordem administrativa ou judicial sem prejuízo de eventuais processos de caráter penal A desapropriação deve ser aplicada com cautela sendo ela a ultima ratio das penalidades previstas ou mesmo a ultima ratio da decisão pública adotada visto que o procedimento de transferência de propriedade de terceiro a pessoa pública depende de requisitos específicos razões de utilidade pública de necessidade pública ou ainda de interesse social que podem ainda ser cumulados com o pagamento de justa e prévia indenização É fonte originária de aquisição da propriedade pois não existe qualquer título anterior portanto inapto a reivindicações e sem transcrição de qualquer ônus porventura existente A desapropriação é medida excepcional ao direito de propriedade e caso seja aplicada em demasia afronta a função social e consequentemente o Estado democrático de direito O rito do devido processo legal e da razoabilidade devem ser observados Não se pode olvidar que uma fiscalização é necessária no sentido de combater eventuais improdutividades pois a impunidade acarretará fatalmente a desvalorização da economia o desemprego a desigualdade social etc Outra lei de fundamental importância ao estudo é a Lei 102572001 que regulamenta os arts 182 e 183 da Constituição Federal estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências A mesma trata de assuntos de suma importância para o desenvolvimento da função social da propriedade tal como plano diretor desapropriação servidão administrativa tombamento de imóveis ou de mobiliário urbano concessão de direito real de uso parcelamento edificação ou utilização compulsórios usucapião especial de imóvel urbano direito de superfície outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso regularização fundiária legitimação de posse disciplina do parcelamento do uso e da ocupação do solo dentre outros Caso o Estado seja voltado a uma política econômica mais conservadora na qual exista uma doutrina ou atitude favorável à perpetuação dos padrões existentes e oposta portanto à mudança exercendo uma função básica em qualquer sociedade BRAGA 1997 p 187 teremos um modelo de função social da propriedade Contudo caso haja uma economia voltada mais ao liberalismo que propõe um Estado mínimo apenas intervindo na vida social e no mercado para assegurar as condições estritamente necessárias para que a sociedade e a economia atuem por si estabelecendo a ordem da autorregulação própria da lógica racionalista 41 coincidente com a lógica da autorregulação do mercado COELHO 2006 p 180 teremos um modelo de função social da propriedade totalmente diverso A função social da propriedade ao longo da história política e econômica do mundo sempre de alguma forma seja direta ou indiretamente foi tema a ser discutido sendo ela parte da equação ou mesmo resultado da estrutura ideológica Assim a SocialDemocracia consiste basicamente num guardião da propriedade privada e com um aparato público capaz de conceber implementar e financiar programas e planos de ação destinados a promover os interesses sociais coletivos de seus membros BOTTOMORE OUTHWAITE 1996 p 260 Em determinados modelos econômicos a função social da propriedade possui um destaque especial tal como no Capitalismo cujo grande precursor foi Adam Smith o qual discute principalmente a natureza do sistema econômico sob a ótica da funcionalidade volume de produção origem do crescimento econômico etc Sendo que quatro características são marcantes i produção de mercadorias orientada para o mercado ii propriedade privada dos meios de produção iii um grande segmento da população que não pode existir a não ser vendendo sua força de trabalho no mercado e iv comportamento individualista aquisitivo maximizado da maioria dos indivíduos dentro do sistema econômico HUNT 2005 p 35 A teoria de Smith influencia ainda hoje os governos em especial na vertente do livre mercado e da completa liberdade de compra da propriedade privada havendo aqui uma única restrição qual seja a de âmbito econômico É inegável que o modelo de produção capitalista possui como um de seus principais eixos permitir à população o acesso livre à propriedade privada e a seus meios de produção e serviços HUNT 2005 p 38 O modelo Comunista o qual teve como grande defensor Karl Mark viu na propriedade privada esta como espécie da propriedade a emancipação total dos sentidos e essências humanas haja vista o crescimento do individual e diminuição do social A eliminação positiva da propriedade privada tal como a apropriação da vida humana constitui portanto a eliminação positiva de toda a alienação o regresso do homem a partir da religião da família do Estado etc à sua existência humana ou seja social MARX apud MARINS 2005 p 139 Ainda para o mesmo a propriedade aparece agora do lado do capitalista como direito de apropriarse de trabalho alheio nãopago ou de seu produto do lado do trabalhador como impossibilidade de apropriarse de seu próprio produto A separação entre propriedade e trabalho tornase consequência necessária de uma lei que aparentemente originavase em sua identidade MARX 1988 p157 Em tempos remotos o modelo comunista não estabelecia a função social da propriedade ou quando o previa mitigava A título de direito comparado podemos citar a Rússia e a China 42 Em os países comunistas la orientación es ya distinta no se va por el caminho de la función social sino por el de la supresión de la propriedade inmueble o poco más o menos En relaciones a Rusia tendremos especialmente presente la llamada ley de Bases Com fecha 8 de dicienbro de 1961 el Soviet Supremo de la Unión de las Repúblicas Socialistas Soviéticas dispone Artículo 1º Aprobar las Bases de la lesgislación civil de la Unión de RSS y las repúblicas federadas y ponerlas em vigor a partir del 1º de mayo de 1962 Artículo 21 Propiedad estatal El Estado es el único propietario de todos los bienes estatales Son propriedade del Estado la tierra el subsuelo las aguas los bosques las fabricas minas centrales eléctricas el transporte ferroviario los bancos Con respecto a la República Popular da China transcribimos el artículo 8 de su Constitución el Estado en virtude de la ley protege el derecho de los campesinos a la propriedade de la tierra y de los otros médios de producción ALLENDE 1967 p 38238311 O Neoliberalismo foi um movimento teórico político nascido na Europa e América do Norte logo após a 2a Guerra Mundial e com o intuito de romper com o Estado intervencionista e de bemestar social até então existente Para o economista e precursor do modelo Friedrich Hayek a função social da propriedade sempre foi usada como um conceito distorcido pelas demais doutrinas ao ponto em que estas viam a propriedade como um bem proveniente de desigualdade uma condição para privilegiados Contudo contrariando tal lógica Hayek afirma que ela seria efetivamente um privilégio se por exemplo como sucedeu por vezes no curso da história a propriedade da terra fosse reservada aos membros da nobreza É privilégio também se como sucede nos nossos tempos o direito de produzir ou vender determinados bens é reservado pela autoridade a certos indivíduos Mas chamar de privilégio a propriedade privada como tal que todos podem adquirir segundo as mesmas normas só porque alguns conseguem adquirila e outros não é destituir a palavra privilégio do seu significado HAYEK 1990 p103 As decisões políticas não tomadas com a devida importância que merecem ou mesmo quando omissas no âmbito da propriedade e sua função social ocasionaram ao longo da história verdadeiras tragédias econômicas A crise imobiliária e de crédito ocorrida em 2008 nos Estados Unidos trouxe e traz lições valiosas até hoje A gravidade foi tão avassaladora que atingiu profundamente diversas nações incluindo o Brasil 11Nos países comunistas a orientação já é diferente não seguem o caminho da função social mas a de supressão do imóvel ou pouco mais ou menos Em relação à Rússia lembramos especialmente das chamadas leis de bases Em 8 de dezembro de 1961 o Soviete Supremo da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas dispõe Artigo 1º Aprovar as bases da legislação civil da União da URRS e das repúblicas federadas e colocálas em vigor a partir de 1º de maio de 1962 Artigo 21 Propriedade do Estado O Estado é o único proprietário de todos os bens do Estado São propriedade do Estado terra subsolo água florestas fábricas minas usinas de energia transporte ferroviário bancos Com relação à República Popular da China transcrevemos o artigo 8 de sua Constituição o Estado em virtude da lei protege o direito dos camponeses à propriedade da terra e de outros meios de produção 43 Internamente podemos citar como omissão política na função social da propriedade o início do ciclo denominado de favelização ou processo histórico de ocupação legalilegal de áreas cujo início se deu em 18961897 intensificado em 1950 com a industrialização do país A falha do governo brasileiro a esse movimento ocasionou áreas de enorme concentração populacional sem a devida dignidade que lhes é inerente falta de saneamento básico coleta de lixo infraestrutura educação saúde proporcionando ainda mas não limitandose a esta grande aglomeração de organizações criminosas em especial as de tráfico de drogas Ex PCC Comando Vermelho FND Família do Norte Nesses territórios há elevada prevalência de subnutrição entre crianças agravada pelas habitações insalubres Além da subnutrição infantil verificase também uma alta prevalência de obesidade entre adultos causada pelo consumo de alimentos ultra processados de baixo custo O consumo desses produtos está associado à maior suscetibilidade de ganho de peso especialmente entre mulheres que sofreram subnutrição em idades precoces A prevalência de baixa estatura em crianças com até 5 cinco anos é de 6 seis por cento a 8 oito por cento no Brasil mas supera 25 vinte e cinco por cento em grupos de alta vulnerabilidade A coexistência dessas condições configura uma dupla carga de doenças e incide fortemente no aumento do custo das políticas públicas especialmente no campo da saúde na alta da mortalidade e doenças crônicas de difícil tratamento As favelas no Brasil são áreas urbanas marcadas por moradias precárias sem registros formais de propriedade Nos últimos 15 quinze anos grupos criminosos organizados como o Primeiro Comando da Capital PCC têm expandido seu território de domínio e mais recentemente a partir das penitenciárias onde alguns de seus integrantes cumprem pena comandam os crimes SAWAYA ALBUQUERQUE DOMENE 2018 p 243 Segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento Básico de 2014 35 trinta e cinco milhões de brasileiros não têm acesso aos serviços de água tratada Já metade da população não têm coleta de esgoto sendo que apenas 40 quarenta por cento do que é coletado é tratado Segundo o estudo do Trata Brasil os maiores impactos estão nas famílias de baixa renda muitas delas residentes em áreas irregulares O consumo de água nessas favelas é de cerca de 6626 milhões m³ano o suficiente para encher 675 sessenta e sete e meio por cento da capacidade total do Sistema Cantareira em São Paulo Deste total porém apenas 32 trinta e dois por cento são faturados Os outros 68 sessenta e oito por cento que não são cobrados pelas empresas vêm de gatos nas ligações de água córregos poços entre outros meios Quanto ao esgotamento sanitário os percentuais são ainda mais alarmantes São gerados 5301 milhões m³ano de esgoto ou 54 cinquenta e quatro por cento da capacidade do 44 Cantareira Destes porém estimase que são coletados apenas 44 milhões m³ano 83 Os outros 917 noventa e um vírgula sete por cento são lançados no meio ambiente Para universalizar os serviços de saneamento nas áreas irregulares das 89 oitenta e nove cidades analisadas seria necessário fazer 3068827 três milhões sessenta e oito mil oitocentas e vinte sete novas ligações de água e esgoto ou seja conectar esse número de casas às redes oficiais VELASCO 2016 Segundo o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE o Brasil tinha cerca de 114 milhões de pessoas morando em favelas e cerca de 122 doze vírgula dois por cento delas ou 14 milhão estavam no Rio de Janeiro Considerandose apenas a população dessa cidade cerca de 222 vinte e dois vírgula dois por cento dos cariocas ou praticamente um em cada cinco eram moradores de favelas No entanto ainda em 2010 Belém era a capital brasileira com a maior proporção de pessoas residindo em ocupações desordenadas 545 cinquenta e quatro e meio por cento ou mais da metade da população Salvador 331 São Luís 230 Recife 229 e o Rio 222 vinham a seguir IBGE 2019 Em contraponto caso haja decisões políticas legislativas e jurídicas tomadas corretamente visando a destinação da função social da propriedade certamente ocorrerá o desenvolvimento em diversas áreas Um dos exemplos a ser citado é a usucapião prevista em suas diversas modalidades junto ao Código Civil Brasileiro de 2002 A improdutividade de uma área abre o direito de terceiro não proprietário reivindicála ressalvando sua excepcionalidade vez que a propriedade é direito a ser garantido sob pena de instabilidade jurídica Notase aí a intenção primária da função social Talvez não exista nenhum outro melhor exemplo do que destinar um território abandonado ou mesmo improdutivo à moradia e trabalho de uma família Esta é a pura essência da função social A família sem lar agora estabilizada por um imóvel há anos inativo a família sem trabalho agora produtora de renda bens e serviços com a utilização de alqueires há anos improdutivos Na lição de Silvio Rodrigues a usucapião é modo originário de aquisição de domínio a partir da posse mansa e pacífica por determinado espaço de tempo fixado na lei usucapio est adjectio dominii per continuationem possessionis temporis lege definit ROGRIGUES 2009 p 108 A lei garantiu uma maior vantagem quando a usucapião é destinada à moradia familiar e à produtividade sobre a terra diminuindo para tanto o prazo para aquisição por meio dos 45 arts 1238 Parágrafo único usucapião extraordinária 1239 usucapião rural 1240 e 1240 A usucapião urbana 1242 usucapião ordinária12 todos do atual Código Civil O avanço tecnológico proporcionado ao longo dos tempos é de suma importância para o desenvolvimento de qualquer sociedade O crescimento digital traz a evolução do bem comum bem como traz melhorias em diversos ramos tais como a construção civil a saúde a cultura o direito entre outros A ciência tecnológica existente na atualidade também cumpre papel fundamental para o desenvolvimento de políticas públicas da função social da propriedade A globalização dotada dos diversos instrumentos tecnológicos existentes surge como ferramenta de controle e cobrança das políticas públicas oferecidas pelos governantes eleitos Os acertos ou mesmo os erros existentes na tomada de decisão dos escolhidos proporcionam uma reação em cadeia de seus governados As imagens do reflorestamento de determinada área desmatada a desapropriação pelo poder público de determinada área urbana privada improdutiva para a construção de um hospital de base ou ainda as imagens de determinada favela sem infraestrutura básica de água e esgoto a poluição de nascentes na construção de um túnelponte são capazes de em segundos proporcionar uma maior aceitação ou rejeição de determinado candidato 14 A FUNÇÃO AMBIENTAL DA PROPRIEDADE OU FUNÇÃO ECOLÓGICA DA PROPRIEDADE 12Art 1238 Aquele que por quinze anos sem interrupção nem oposição possuir como seu um imóvel adquire lhe a propriedade independentemente de título e boafé podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis Parágrafo único O prazo estabelecido neste artigo reduzirseá a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo Art 1239 Aquele que não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano possua como sua por cinco anos ininterruptos sem oposição área de terra em zona rural não superior a cinquenta hectares tornandoa produtiva por seu trabalho ou de sua família tendo nela sua moradia adquirir lheá a propriedade Art 1240 Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados por cinco anos ininterruptamente e sem oposição utilizandoa para sua moradia ou de sua família adquirirlheá o domínio desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural 1o O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher ou a ambos independentemente do estado civil 2o O direito previsto no parágrafo antecedente não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez Art 1240A Aquele que exercer por 2 dois anos ininterruptamente e sem oposição posse direta com exclusividade sobre imóvel urbano de até 250m² duzentos e cinquenta metros quadrados cuja propriedade divida com excônjuge ou excompanheiro que abandonou o lar utilizandoo para sua moradia ou de sua família adquirir lheá o domínio integral desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural 1o O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez Art 1242 Adquire também a propriedade do imóvel aquele que contínua e incontestadamente com justo título e boafé o possuir por dez anos Parágrafo único Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido onerosamente com base no registro constante do respectivo cartório cancelada posteriormente desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia ou realizado investimentos de interesse social e econômico 46 No que tange à questão ambiental também podemos traçar uma estreita ligação com a função social da propriedade enquanto gênero Talvez esse seja o assunto de maior discussão acadêmica nos últimos anos e na atualidade abrangendo dentre outros a sustentabilidade ambiental desapropriação e desmatamento O Supremo Tribunal Federal por meio do seu pleno no julgamento da ADI 2213DF publicado em 23042004 cujo Relator foi o Ministro Celso de Mello decidiu que o direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto eis que sobre ele pesa grave hipoteca social a significar que descumprida a função social que lhe é inerente art 5º XXIII legitimarseá a intervenção estatal na esfera dominial privada observados contudo para esse efeito os limites as formas e os procedimentos fixados na própria Constituição da República O acesso à terra a solução dos conflitos sociais o aproveitamento racional e adequado do imóvel rural a utilização apropriada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente constituem elementos de realização da função social da propriedade Estabeleceuse sobre essa ótica a chamada função ambiental da propriedade ou função ecológica da propriedade à medida que visa à utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e à preservação do meio ambiente protegendo sobretudo a propriedade em si contra a perda de seu potencial produtivo devido a danos ambientais irreversíveis como por exemplo perda da qualidade do solo causada pela erosão BORGES 2003 p 281 Fato concreto se dá com a Terra Indígena de São Marcos BrasilRR a qual foi regularizada há poucos anos havendo a necessidade de se fazer a desapropriação de fazendas de gado Essas fazendas encontravamse estabelecidas não só na região dos campos naturais como também já ocupavam a Serra de Pacaraima sendo comuns os desmatamentos ao longo da Rodovia BR174 no seu trecho entre Boa Vista e a fronteira com a Venezuela Para a desapropriação a Fundação Nacional do Índio contou com o apoio financeiro da Eletronorte que realiza ainda na área da Terra Indígena São Marcos um trabalho comunitário de disseminação de técnicas agrícolas práticas de saneamento básico entre outras atividades comunitárias com o objetivo de melhorar as condições de vida da população IBGE 2009 A sustentabilidade também ganha contorno especial na atualidade Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente o consumo dos hidroclorofluorcarbonos HCFCs uma das principais substâncias responsáveis pela degeneração da camada de ozônio teve queda de 3775 trinta e sete vírgula setenta e cinco por cento no Brasil em relação à linha de base que é de 1327 mil trezentos e vinte e sete toneladas PDO Potencial de Destruição do 47 Ozônioano equivalente à média dos anos 2009 e 2010 Ao todo foram reduzidas aproximadamente 501 quinhentas e uma toneladas PDO Potencial de Destruição do Ozônio O percentual de redução ficou a apenas 135 um vírgula trinta e cinco por cento da meta de 393 trinta e nove vírgula três por cento pactuada pelo Brasil para o ano de 2020 conforme cronograma de eliminação do consumo de hidroclorofluorcarbonos HCFCs estabelecido pelo Protocolo de Montreal para os países em desenvolvimento O cronograma prevê a eliminação completa dos hidroclorofluorcarbonos HCFCs no Brasil até 2040 MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE 2019 A sustentabilidade ambiental parte da consciência respeito e educação das demais sustentabilidades tais como a social a econômica e a empresarial Essas formas devem se unir para um fim especifico que refletirá nas demais ou seja a atitude de uma irradiará nas outras A função ambiental da propriedade é discutida no plano privado e no plano público ambas devem ser observadas segundo os princípios gerais e específicos Algumas atuações da função social da propriedade ambiental privada sofrem limitações ou mesmo são inaplicáveis quando confrontadas com função social da propriedade ambiental pública Em determinado tempo pode um produtor rural empreender plantio e colheita em sua área cujo fim é o lucro empregando para tanto cerca de 30 trinta funcionários em contrapartida poderia essa mesma terra ser de propriedade da União cuja decisão seja cultivar seu estado in natura vez que seria de interesse da coletividade a preservação intacta do local a fim de preservar determinada espécie de pássaros ameaçados de extinção Ambas se opõem sem contudo deixar de atingir sua devida finalidade Porém no segundo exemplo ao contrário do primeiro devese haver um estudo justificando essa realidade sob pena de a propriedade ser declarada improdutiva Por outro lado algumas atuações da função social da propriedade ambiental privada são idênticas quando confrontadas com função social da propriedade ambiental pública Ambas as pessoas são responsáveis pela conservação e reconstrução da área ambiental Assim é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça o novo adquirente do imóvel é parte legítima para figurar no polo passivo de ação por dano ambiental que visa o reflorestamento de área destinada à preservação ambiental Não importa que o novo adquirente não tenha sido o responsável pelo desmatamento da propriedade Ipsis litteris não há como se eximir a adquirente desta obrigação legal indistintamente endereçada a todos membros de uma coletividade por serem estes em última análise os beneficiários da regra máxime ao se considerar a função social da propriedade BRASIL 2006 48 A estrutura ambiental acompanha o novo adquirente sendo este responsável por sua manutenção e conservação por meio de plantio tratamento de solo reflorestamento visando o meio ambiente ecologicamente equilibrado sadio e sem escassez de recursos a futuras gerações art 225 da CF8813 Está aí a função social definida e ainda que exista dano por ele não causado surgirão caso desrespeitada tal regra implicações de ordem administrativa penal e civil Quanto a essa temática necessário se faz breve comentário sobre o princípio da solidariedade aplicado ao cerne ambiental que visa à construção de um ambiente social livre justo e solidário O princípio da solidariedade foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro através do art 3º I da Constituição Federal de 1988 como pressuposto do Estado Democrático de Direito voltado para a convivência em um ambiente social focado em construir uma sociedade livre justa e solidária Ou seja podese dizer que o texto constitucional impõe uma modificação ao Estado determinando uma ação positiva do Poder Público no sentido de assegurar condições mínimas de vida digna para aos cidadãos TOLEDO SANTIAGO 2019 p 56 A Constituição Federal de 1988 disciplina que a solidariedade é um pilar essencial à República Federativa do Brasil14 retratando o princípio da igualdade adotado na Revolução Francesa consoante a ideia de fraternidade Ainda no mesmo sentido porém fundindo o conceito de solidariedade e justiça está a lição de Habermas que afirma A justiça concebida deontologicamente exige como sua outra face a solidariedade Não se trata neste caso de dois momentos que se complementam mas de aspectos da mesma coisa Toda moral autônoma tem que resolver ao mesmo tempo duas tarefas ao reivindicar trato igual e com ele um respeito equivalente pela dignidade de cada um faz valer a inviolabilidade dos indivíduos na sociedade e ao mesmo tempo em que exige a solidariedade por parte dos indivíduos como membros de uma comunidade na qual são socializados protege as relações intersubjetivas de reconhecimento recíproco A justiça referese à igualdade da liberdade dos indivíduos que se determinam a si mesmos e que são insubstituíveis enquanto a solidariedade referese ao bem ou à felicidade dos companheiros irmanados em uma forma de vida intersubjetivamente compartilhada e deste modo também à preservação da integridade dessa forma de vida As normas não podem proteger um sem o outro isto é não podem proteger a igualdade de direitos e as liberdades dos indivíduos sem o bem do próximo e da comunidade a que eles pertencem HABERMAS 2000 pp 7576 13Art 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida impondose ao Poder Público e à coletividade o dever de defendêlo e preservá lo para as presentes e futuras gerações 14Art 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil I construir uma sociedade livre justa e solidária 49 A cooperação entre os seres humanos traz linhas históricas observando que efetivamente se consideramos a evolução histórica do Constitucionalismo podemos facilmente notar que ele foi liberal inicialmente e depois social A par disso o constitucionalismo fraternal alcança a dimensão da luta pela afirmação do valor do desenvolvimento do meio ambiente ecologicamente equilibrado da democracia e até de certos aspectos do urbanismo como direitos fundamentais Tudo na perspectiva de se fazer a interação de uma verdadeira comunidade isto é uma comunhão pela consciência de que estamos todos em um mesmo barco sendo impossível escapar da mesma sorte ou destino histórico BRITO 2003 p 136 Bobbio ao lecionar sobre as gerações dos direitos humanos decidiu por abordar a fraternidade como direito da terceira geração este como elemento de progresso e desenvolvimento da humanidade o que por derradeiro abrange o meio ambiente equilibrado para sadia qualidade de vida Afirma ainda o filosofo político que a terceira geração de direitos tem início com a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU em 1948 possuindo como característica a afirmação dos direitos de forma universal e positiva Universal no sentido de que os destinatários dos princípios nela contidos não são mais apenas os cidadãos deste ou daquele Estado mas todos os homens positiva no sentido de que põe em movimento um processo em cujo final os direitos do homem deverão ser não mais apenas proclamados ou apenas idealmente reconhecidos porém efetivamente protegidos até mesmo contra o próprio Estado que os tenha violado BOBBIO 1992 p 193 A função ambiental solidária da propriedade passa pelo conceito estrutural de ajuda mútua composição e solução de eventuais conflitos que norteiam o princípio da solidariedade ou seja todas as pessoas públicas ou privadas devem manter a cooperação buscando a manutenção e conservação do meio ambiente visto que o homem interage com a natureza de forma antropogênica acima ou igualitariamente à natureza valorandoa como mero instrumento ou utilitário 15 A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA A função social da empresa se impõe muito mais por contornos mercadológicos do que pela simples imposição legal ou seja o mercado se tornou seletivo nas escolhas de seus produtos e serviços preferindo empresas que tenham o compromisso social desenvolvido por 50 meio de programas e atividades para o bem coletivo A função social se tornou requisito paralelo ao lucro à produção e ao crescimento empresarial Algumas empresas visando seus princípios estatutários ou mesmo o puro marketing dentro da sociedade de consumo e serviço procuram vincular sua marca às diversas entidades assistenciais de renome por exemplo Organizações Não Governamentais ONGs e órgãos vinculados à Organização das Nações Unidas ONU ou mesmo agregar seu produto a um selo especifico de qualidade tal como SA 8000 AA 1000 ISO 26000 e NBR 16001 Várias associações empresariais nasceram com o objetivo de difundir propostas de responsabilidade social empresarial a exemplo da Business for Social Responsibility nos Estados Unidos o Instituto Ethos de Responsabilidade Social e o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas Ibase estes dois últimos com sede no Brasil A diversidade de expressões relacionadas como empresa cidadã filantropia estratégica ética empresarial investimentos sustentáveis governança corporativa e muitas outras decorre da importância desse assunto BARBIERI CAJAZEIRA 2016 p 1 É inegável que na atualidade a pessoa jurídica possui um papel fundamental dentro da economia e da sociedade de uma nação Essa ordem dita percentuais de desenvolvimento e crescimento atingindo diretamente a terceiros cumprindo com sua finalidade social O consumidor hodiernamente conclama para que a empresa siga essa regra de colaboração A desobediência em tal preceito coloca em risco uma marca e consequentemente seus negócios financeiros Maria Helena Diniz 1998 p 613 define a função social da empresa como o exercício pelo administrador da sociedade por ações das atribuições legais e estatutárias para a consecução dos fins e do interesse da companhia usando do seu poder de modo a atingir a satisfação das exigências do bem comum A função social da empresa está atrelada às conquistas do Estado Social que se pode definir como aquele que acrescentou à dimensão política do Estado liberal a perspectiva econômica e social limitando e controlando o poder econômico e tutelando os hipossuficientes LÔBO 2003 p 1213 Algumas atitudes são claramente palpáveis podendo ser desenvolvidas por pessoas jurídicas de natureza pública ou privada bem como em variadas frentes segundo a escolha da empresa educacional ambiental inclusão social Como exemplo de pessoa jurídica de direito privado podemos citar a Fundação Itaú Social que por meio do Prêmio ItaúUnicef reconhece e estimula o trabalho de ONGs que contribuem conjuntamente à escola pública para a educação integral de crianças e adolescentes 51 em condições de vulnerabilidade Ainda com a Olimpíada da Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro capacita professores para o ensino da leitura e da escrita por meio da distribuição de material de formação Os textos produzidos por alunos da rede pública participam de uma premiação nacional O modelo foi premiado internacionalmente sendo a iniciativa adotada como política pública pelo governo federal em 2007 em parceria com Ministério da Educação PORTAL FUNDAÇÃO ITAÚ SOCIAL 2019 A exemplo de empresa jurídica de direito público podemos citar os Correios que por meio do programa Começar de Novo que conta com a parceria com o Conselho Nacional de Justiça CNJ promovendo a inserção social de apenados que estejam em regime aberto ou semiaberto por meio de sua inclusão no mercado de trabalho e da qualificação profissional PORTAL CORREIOS 2019 As contextualizações das ações concretas acima mencionadas não refletem única e exclusivamente a função social da empresa Existem segmentos que não desenvolvem nenhum programa voltado a terceiros contudo cumprem com seu papel social por meio do desenvolvimento interno de seus funcionários oferecendo melhores salários melhores condições de trabalho e segurança melhor programa previdenciário a seus colaboradores entre outros No plano infraconstitucional encontramos amparo legal específico junto ao art 11615 parágrafo único e art 154416 ambos da Lei das Sociedades por Ações Lei 6404 de 15 de Dezembro de 1976 que se refere à função social lembrando que se trata de legislação específica para apenas uma espécie societária 15Art 116 Entendese por acionista controlador a pessoa natural ou jurídica ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto ou sob controle comum que a é titular de direitos de sócio que lhe assegurem de modo permanente a maioria dos votos nas deliberações da assembleia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia e b usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia Parágrafo único O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender 16Art 154 O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa 1º O administrador eleito por grupo ou classe de acionistas tem para com a companhia os mesmos deveres que os demais não podendo ainda que para defesa do interesse dos que o elegeram faltar a esses deveres 2 É vedado ao administrador a praticar ato de liberalidade à custa da companhia b sem prévia autorização da assembleia geral ou do conselho de administração tomar por empréstimo recursos ou bens da companhia ou usar em proveito próprio de sociedade em que tenha interesse ou de terceiros os seus bens serviços ou crédito c receber de terceiros sem autorização estatutária ou da assembleia geral qualquer modalidade de vantagem pessoal direta ou indireta em razão do exercício de seu cargo 3º As importâncias recebidas com infração ao disposto na alínea c do 2º pertencerão à companhia 4º O conselho de administração ou a diretoria podem autorizar a prática de atos gratuitos razoáveis em benefício dos empregados ou da comunidade de que participe a empresa tendo em vista suas responsabilidades sociais 52 Ao mesmo tempo em que existem empresas comprometidas com o importante papel humano que desenvolvem há de se reconhecer que existem outras que procuram se valer de atitudes ilícitas desequilibrando assim todo um sistema prejudicando toda uma cadeia incluindo aqui a função social a qual exerce Para coibir esse intento criouse não só uma legislação eficaz e ativa como também órgãos de proteção ao consumidor as instituições públicas e privadas a proteção do processo competitivo e a proteção da política de defesa da concorrência O Conselho Administrativo de Defesa Econômica CADE constitui um dos principais órgãos de combate a ilícitos econômicos desde a época de sua criação que se deu em 10 de setembro de 1962 pelo então governo do presidente João Goulart através da Lei nº 4137 Lei que à época regulava a repressão ao abuso do Poder Econômico possuindo tal conselho vínculo de subordinação ao Ministério da Justiça e tendo entre as principais funções a gestão econômica e o regime de contabilidade das empresas Outros órgãos de igual valor também possuem responsabilidades sobre o tema incluem se aqui as Promotorias de Justiça Especializadas o Procon as próprias Agências Reguladoras dentre outras Contudo o de maior destaque e abrangência irrefutavelmente é o Conselho Administrativo de Defesa Econômica CADE Os órgãos mencionados possuem autonomia em suas competências porém pode haver indiretamente ou mesmo diretamente a interferência de outro órgão para melhor auxiliar nas investigações O Conselho Administrativo de Defesa Econômica CADE em 2016 foi chamado a atuar como amicus curiae na ação civil pública nº 3475ª PJDC2016 proposta pela 5ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa do Consumidor e do Contribuinte da Capital do Rio de Janeiro contra a empresa Decolarcom Ltda que requereu em síntese o pagamento de R 5700000000 cinquenta e sete milhões de reais pela prática de geopricing pois a empresa ré utilizandose de uma estrutura tecnológica avançada em especial do site Decolarcom e de um sistema de algoritmos sistema de algoritmos de processamento de ofertas discriminava consumidores tendo como base a sua origem geográfica eou nacionalidade alterando os preços de hospedagem em hotéis ou mesmo alterando preços e disponibilidade de ofertas conforme a origem do consumidor OLIVEIRA 2018 Os crimes cometidos contra a função social são comuns também no ambiente público No ano de 2015 24112015 a ControladoriaGeral da União CGU em parceria com a Polícia Federal e o Ministério Público Federal realizou a Operação Tyrannos com objetivo de combater fraudes no Programa Nacional de Habitação Rural PNHR integrante do Programa Minha Casa Minha Vida no estado de Minas Gerais A estimativa inicial é que houve desvios 53 de cerca de R 200000000 dois milhões de reais De acordo com as investigações grupo criminoso controlava todas as etapas do programa inclusive efetuava a escolha dos beneficiários promovia a cobrança de taxas ilegais o superfaturamento de recursos a falsificação de documentos além da compra de materiais de construção fornecidos por empresas do grupo por preços acima do mercado Entre 2010 e 2014 a organização celebrou contratos de mais de R 5600000000 cinquenta e seis milhões de reais para executar o Programa Nacional de Habitação Rural em mais de 20 vinte municípios de Minas Gerais São investigados os crimes de organização criminosa peculato falso testemunho fraude processual estelionato ordenamento de despesa não autorizada e falsificação de documentos PORTAL CGU 2015 Ainda no ano de 2017 a Policia Federal de Belém deflagrou no município de Abaetetuba PA a Operação República Velha que investiga desvios de recursos do programa Bolsa Família para financiamento de campanha eleitoral À época foram cumpridos quatro mandados de busca e apreensão e dois mandados de condução coercitiva expedidos pelo Juízo da 7ª Zona Eleitoral Dentre as conduções estavam um vereador municipal e sua esposa funcionária da Secretaria Municipal de Assistência Social do Município de Abaetetuba PA setor do município responsável pelo cadastramento de beneficiários do referido programa federal As investigações constataram que mais de 30 trinta beneficiários do programa que é destinado ao combate da fome e da pobreza doaram ilegalmente um percentual para as campanhas eleitorais do vereador investigado nos anos de 2012 2014 e 2016 PORTAL PF Em relação ao plano jurídico foram criadas leis específicas para o combate aos desvios de finalidades e eventuais ilícitos de função social A Lei 1252911 dispõe sobre a Estrutura do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica altera a Lei nº 8137 de 27 de dezembro de 1990 o DecretoLei nº 3689 de 3 de outubro de 1941 Código de Processo Penal a Lei nº 7347 de 24 de julho de 1985 revoga dispositivos da Lei nº 8884 de 11 de junho de 1994 e da Lei nº 9781 de 19 de janeiro de 1999 bem como dá outras providências 54 2 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE PÚBLICA COMO INSTRUMENTO DE DESENVOLVIMENTO A tomografia epistêmica do estudo da função social da propriedade pública delonga diversas constantes e ponderações ao longo de sua evolução histórica de modo que para o presente trabalho necessária se faz a introdução sobre a temática na atualidade que será antecedida pelo estudo da propriedade pública sob a égide da atual Constituição Federal de 1988 e do Código Civil de 2002 Aí está a centralidade do segundo capítulo Procurase ainda trazer alguns julgados recentes do Supremo Tribunal Federal que expandiram o conceito em análise por exemplo ADI 4613 rel min Dias Toffoli j 2092018 P DJE de 3122018 Ao final do capítulo concluise que as alterações trazidas pelas jurisprudências maximizaram a forma da função social da propriedade pública transformando espaços ociosos em produtivos ou ainda elaborando melhorias nas propriedades ativas Toda essa reestruturação deve observar uma menor intervenção financeira e orçamentária por parte dos julgados tornando possível sua efetiva aplicabilidade em consonância com os princípios de direito administrativo os princípios como mandamento de otimização não perdendo entretanto a ideia de justiça As modificações positivas trazidas ao Estado fazem surgir uma rotatividade que atinge ou mesmo influencia no âmbito da função social da propriedade privada tornando assim um ciclo de desenvolvimento e crescimento completo O atual capítulo tem o condão de galgar o próximo passo do estudo analisando a função social da propriedade pública e os atributos que a compõem pois o capítulo anterior demonstrou aspectos genéricos porém essenciais a um raciocínio lógico A ênfase será dada aos bens públicos imóveis em detrimento dos demais visto que aquele possui expressiva maioria e um poder de alcance maior Traz ainda a discussão de elos entre a sociedade e políticas públicas de urbanização moradia infraestrutura saneamento básico entre outros 21 BENS PÚBLICOS E AS PRINCIPAIS TEORIAS DOUTRINÁRIAS 55 O exame da propriedade pública necessariamente se confunde com a análise legal e doutrinaria dos bens públicos ambos são sinônimos entretanto ambas as definições são opostas ao conceito de domínio público O domínio público em sentido estrito é o conjunto de bens móveis e imóveis corpóreos ou incorpóreos pertencente ao Estado Assim em uma primeira aproximação podese dizer que o domínio público é constituído pela somatória dos bens públicos do patrimônio atribuído pelo ordenamento jurídico às pessoas componentes da organização estatal A expressão bem público no entanto é mais abrangente do que domínio público porque existem bens públicos que são regidos por princípios de direito privado MASSA 2018 p 924 ou seja a expressão domínio público apresenta desdobramento menor que o termo bem público pois há bens públicos que ultrapassam a área do domínio público por serem regidos por princípios de direito comum Em sentido amplo a expressão domínio público revela a força de domínio que o Estado tem sobre a propriedade sua capacidade de administração A noção de domínio público envolve não só o domínio patrimonial relativo ao direito de propriedade que o Estado exerce sobre os bens que compõem o seu patrimônio como também o domínio eminente de natureza política que o Estado tem sobre todos os bens existentes no seu território com o poder de regulamentar ou restringir o seu uso ou até de transferilos compulsoriamente para o patrimônio estatal passando a exercer também o domínio patrimonial mediante a desapropriação Em termos mais simples tudo o que se encontra no território do ente político está de certa forma sujeito a sua disciplina respeitadas as competências dos demais entes políticos Assim o estado da Paraíba detém o poder político de estabelecer regras referentes a tudo o que se encontre sobre o seu território respeitadas as competências federais e municipais domínio eminente porém alguns desses bens pertencem ao próprio estado No tocante a estes a Paraíba também exerce o domínio patrimonial Em certas hipóteses utilizando o domínio eminente o Estado pode desapropriar um bem que se encontre no seu território e como legítimo proprietário passar a exercer sobre tal bem o domínio patrimonial ALEXANDRE DEUS 2018 p 985 Nas palavras de Themistocles Brandão Cavalcanti Para bem fixar a natureza do debate doutrinário devemos portanto distinguir o poder do Estado sobre todo o seu território inclusive a propriedade privada daquele que o mesmo exerce sobre os bens propriamente do seu domínio compreendendo todos os bens exclusivos da propriedade privada CAVALCANTI 1977 p 440 O domínio público lato sensu subdividese em domínio terrestre terras devolutas e plataformas continentais por exemplo domínio hídrico como águas públicas internas cuja 56 disciplina encontrase no Decreto 2464334 Código de Águas domínio mineral como os recursos minerais cuja disciplina encontrase no DecretoLei 22767 Código de Minas domínio florestal como a Floresta Amazônica e Pantanal MatoGrossense cuja disciplina encontrase na Lei 1265112 Código Florestal domínio da fauna por exemplo os animais de qualquer espécie cuja disciplina encontrase na Lei 519767 Código de Caças domínio espacial como o espaço aéreo cuja disciplina encontrase na Lei 756586 Código Brasileiro de Aeronáutica domínio patrimonial histórico como o acervo histórico do Museu do Ipiranga domínio patrimonial genético por exemplo material genético e domínio ambiental meio ambiente em todas as suas formas A definição de bem público ficou a cargo do atual Código Civil Lei 104062002 em seu Capítulo III no Livro II Dos Bens nos art 98 a 103 devendo sua atribuição e divisão serem feitas pela Constituição Federal de 1988 respectivamente o art 20 para os bens da União o art 26 para os bens dos estados o art 30 para os bens do Distrito Federal e por fim o art 33 para os bens dos Territórios Federais Não há referência pela Constituição de bens públicos pertencentes aos municípios à administração pública indireta concessionárias e permissionárias cabendo à legislação infraconstitucional ou mesmo à doutrina definilos O art 98 do Código Civil brasileiro disciplina que são públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno Todos os outros são particulares seja qual for a pessoa a que pertencerem BRASIL 2002 A legalidade do artigo ocasionou trabalhos doutrinários fantásticos de renomados administrativistas em especial no que tange ao alcance do conceito de bens públicos possuindo cada qual suas particularidades e linhas delimitadoras Três são as principais correntes a exclusivista a inclusivista e a mista A primeira posição é chamada de exclusivista e tem como principal defensor o professor José dos Santos Carvalho Filho que vincula o conceito de bem público como sendo todo objeto que pertence ao patrimônio de pessoas jurídicas de direito público Com base no vigente dispositivo do novo Código podemos então conceituar bens públicos como todos aqueles que de qualquer natureza e a qualquer título pertençam às pessoas jurídicas de direito público sejam elas federativas como a União os Estados o Distrito Federal e os Municípios sejam da Administração descentralizada como as autarquias nestas incluindose as fundações de direito público e as associações públicas Os elementos do conceito que já anteriormente apresentávamos foram sufragados pelo art 98 do Código Civil como é fácil concluir Referimonos a bens de qualquer natureza porque na categoria se inserem os bens corpóreos e 57 incorpóreos móveis imóveis semoventes créditos direitos e ações Por outro lado a menção à propriedade a qualquer título fundase na especial circunstância de que no conceito tanto se incluem os bens do domínio do Estado na qualidade de proprietário em sentido estrito quanto aqueles outros que de utilização pública se sujeitam ao poder de disciplinamento e regulamentação pelo Poder Público É costume encontrar em alguns textos a expressão bens alodiais como relacionada aos bens públicos A expressão foi cunhada na Idade Média e significava os bens que constituíam a propriedade definitiva que por isso mesmo não estava sujeita a prazo nem a outras condições além de beneficiarse de isenções senhoriais feudais Verificase pois ser impróprio o emprego da expressão na atualidade a menos que para indicar bens públicos livres alodialidade o que na prática terá pouco reflexo quanto aos efeitos jurídicos A propósito da titularidade dos bens públicos há uma particularidade a destacar os titulares são as pessoas jurídicas públicas e não os órgãos que as compõem Na prática tem ocorrido o registro de propriedade atribuído a Tribunal de Justiça Assembleia Legislativa Ministério Público A indicação revela apenas que o bem foi adquirido com o orçamento daquele órgão específico estando por isso afetado a suas finalidades institucionais A propriedade todavia é do ente estatal no caso o Estadomembro e não do órgão que não tem personalidade jurídica e representa mera repartição interna da pessoa jurídica por mais relevantes que sejam as suas funções O efeito jurídico exclusivo de semelhante afetação é o de que somente por exceção deve o bem ser desvinculado dos fins institucionais do órgão eis que afinal este o adquiriu com recursos próprios CARVALHO FILHO 2018 p 1212 Tal corrente remete ainda a um ponto importante no que tange à atribuição do registro de imóveis públicos a órgãos não dotados de personalidade jurídica A propriedade e gestão do imóvel deve ser atribuída à entidade administrativa direta imbuída de capacidade civil absoluta para exercer direitos e adquirir obrigações e deveres em seu próprio nome Por outro lado exclui de seu parecer os bens destinados às empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam serviços públicos Apesar da dissidência esta corrente é a mais aceita atualmente A segunda posição é chamada de inclusivista e tem como principais defensores Hely Lopes Meirelles e Maria Silvia Zanella Di Pietro que vinculam o conceito de bem público como todo aquele que pertence à Administração Pública direta e indireta O patrimônio público é formado por bens de toda natureza e espécie que tenham interesse para a Administração e para a comunidade administrada Esses bens recebem conceituação classificação e destinação legal para sua correta administração utilização e alienação como veremos no decorrer deste item em que a final trataremos da aquisição de bens que passarão a integrar o patrimônio público Bens públicos em sentido amplo são todas as coisas corpóreas ou incorpóreas imóveis móveis e semoventes créditos direitos e ações que pertençam a qualquer título às entidades estatais autárquicas fundacionais e empresas governamentais O conceito adotado não1 deixa dúvidas quanto ao fato de que também são bens públicos os pertencentes às autarquias e fundações públicas Quanto aos bens das empresas estatais empresas públicas e sociedades de economia mista entendemos que são também bens públicos com destinação especial e administração particular das 58 instituições a que foram transferidos para consecução dos fins estatutários A origem e a natureza total ou predominante desses bens continuam públicas sua destinação é de interesse público apenas sua administração é confiada a uma entidade de personalidade privada que os utilizará na forma da lei instituidora e do estatuto regedor da instituição Esse patrimônio embora incorporado a uma instituição de personalidade privada continua vinculado ao serviço público apenas prestado de forma descentralizada ou indireta por uma empresa estatal de estrutura comercial civil ou mesmo especial Mas lato sensu é patrimônio público tanto assim que na extinção da entidade reverte ao ente estatal que o criou e qualquer ato que o lese poderá ser invalidado por ação popular Lei federal 471765 art Iº Não há outro raciocínio a seguir porque se tais bens pertenciam ao Estado e foram transferidos com destinação especial a uma empresa do Estado desde o momento em que esta os abandona ao ponto de serem apossados por terceiros tais bens que já permaneciam na órbita estatal apenas utilizados pela Administração descentralizada reincorporamse no patrimônio da entidade centralizada que os cedera tão somente para o fim estabelecido na lei autorizadora da instituição estatal MEIRELLES FILHO BURLE 2016 p 636 Usaremos aqui a expressão no segundo sentido assinalado abrangendo os bens de uso comum do povo e os de uso especial Embora a designação de bens do domínio público não seja perfeita porque pode dar a ideia de bens cujo uso pertence a toda a coletividade preferimos utilizála como forma de contrapor o regime jurídico dos bens de uso comum e de uso especial submetidos ao direito público ao regime dos bens do domínio privado do Estado bens dominicais que é parcialmente público e parcialmente privado Com efeito embora a classificação adotada pelo Código Civil abranja três modalidades de bens quanto ao regime jurídico existem apenas duas Com relação aos bens de uso comum e de uso especial não existe diferença de regime jurídico pois ambos estão destinados a fins públicos essa destinação pode ser inerente à própria natureza dos bens como ocorre com os rios estradas praças ruas ou pode decorrer da vontade do poder público que afeta determinado bem ao uso da Administração para realização de atividade que vai beneficiar a coletividade direta ou indiretamente PIETRO 2019 p852 A segunda corrente recebe críticas no sentido de não diferenciar os regimes jurídicos dos bens afetados ao serviço público e os destinados a exploração de atividades econômicas como Caixa Econômica Federal e Banco de Brasil este último com o título de sociedade de economia mista Ou seja em determinado momento a teoria apresentase como una quando deveria fazer divisões A terceira posição é chamada de corrente mista e tem como principal defensor Celso Antônio Bandeira de Mello que em simples linhas define como bens públicos os pertencentes a pessoas jurídicas de direito público bem como aqueles destinados a prestação de um serviço público Há um misto somatória de titularidade estatal mais o uso a um serviço público Bens são todos os bens que pertencem as pessoas jurídicas de direito público isto é a União Estado Distrito Federal Municípios respectivamente autarquias e fundações estas ultimas aliás não passam de autarquias 59 designadas pela base estrutural que possuem bem como os que embora não pertencentes a tais pessoas estejam afetados à prestação de um serviço público O conjunto de bens públicos forma o domínio público que inclui tanto bens imóveis como móveis A noção de bem público tal como qualquer outra noção em Direito só interessa se for correlata a um dado de regime jurídico Assim todos os bens que estiverem sujeitos ao mesmo regime público deverão ser havidos como bens públicos Ora bens particulares quando afetados a uma atividade pública enquanto o estiverem ficam submissos ao mesmo regime jurídico dos bens de propriedade pública Logo têm que estar incluídos no conceito de bem público MEIRELLES FILHO BURLE 2016 p 913 914 O acervo utilizado para a efetiva prestação de serviço público ainda que pertencente a pessoas jurídicas de direito público é afetado pelas mesmas condições tal como a impenhorabilidade As pessoas jurídicas de direito privado tais como as empresas públicas sociedades de economia mista concessionárias e permissionárias são enquadradas nessa plataforma pois os bens utilizados são indispensáveis à continuidade da prestação de serviço público Por lógica é a corrente mais ampla enquadrando todos aqueles que de alguma forma possuam vínculo com o Estado Tal posição merece muito cuidado quando afirma que se considera bem público os que embora não pertencentes a tais pessoas estejam afetados à prestação de um serviço público Hodiernamente em vista da estrutura financeira do Estado é comum servidores utilizaremse de bens próprios para a efetiva prestação do serviço público o que não necessariamente determina que aquele bem pertença ao ente público Tomamos aqui o exemplo de um médico que se utiliza de seu estetoscópio para clinicar um paciente todos os dias no posto de saúde no qual labora ou ainda de um magistrado que se utiliza de seu notebook para proferir sentenças em seu gabinete Veja que tais bens não pertencem ao Estado contudo são utilizados para a efetiva prestação de serviço público o que não caracteriza o direito de propriedade das pessoas jurídicas de direito público No mesmo contexto existem bens que foram emprestados ou cedidos ao serviço púbico que por derradeiro pertencem ao particular e não à terceira pessoa pública Tomemos como exemplo um determinado imóvel pertencente ao privado que é emprestado a título não oneroso para a campanha de vacinação de animais em específico bairro afastado da zona urbana Por mais que as situações narradas sejam ilustrativas as mesmas não são raras de se observar no cotidiano da população que sofre com a carência ou mesmo limitação da prestação de serviço público As circunstâncias dos casos específicos devem ser observadas sob pena de se criar uma generalidade em abstrato ao contexto o que tornaria a definição errônea 60 Os bens de propriedade pública são dotados de condições especiais visto que sua natureza jurídica se diferencia da propriedade privada A impenhorabilidade a inalienabilidade a imprescritibilidade e a não onerosidade são os atributos que mais se destacam dentre todos possuindo um alto grau de discussão na jurisprudência e doutrina quanto a sua extensão e uso A inalienabilidade surge da proibição de venda de bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial enquanto conservarem a sua qualificação conforme regulamenta o art 100 do Código Civil A condição admite exceção caso haja regular disciplina legal A inalienabilidade é a supressão de determinado bem jurídico material ou titular do direito de propriedade O bem não pode ser vendido dado em pagamento doado ser objeto de permuta etc Quando se tratar de indisponibilidade do interesse público a inalienabilidade de qualquer bem público é relativa pois sucumbirá ao comando de alienação disposto em lei Deve ser observado que existe condicionada a previsão legal a possibilidade de transferência do domínio de todos os bens públicos salvo aqueles que são insuscetíveis de transferência de domínio em virtude da sua própria natureza Em alguns casos a alienação de bens públicos exige norma jurídica específica tendose como exemplo a exigência do art 18817 da Constituição Federal COUTO 2019 p730731 A Lei de Licitações revela formas de alienação pública nos seus arts 17 18 e 19 englobando bens móveis e imóveis tendo como requisito mais importante o interesse público justificado Existem modelos que não necessariamente envolvem contraprestações financeiras como é o caso da alienação gratuita permissão e doação possuindo requisitos especiais afastando eventuais desvios de finalidade BRASIL 1993 Outras formas com modelos próprios são previstas Venda Compra e Venda Permuta Dação em Pagamento Concessão de Domínio Investidura Incorporação Retrocesso e Legitimação de Posse Os bens públicos são imprescritíveis não sofrem alterações jurídicas de propriedade em decorrência de tempo portanto não são passíveis de usucapião Existe pacífico entendimento sobre essa temática repercussão que gerou a edição da Súmula 340 do Supremo Tribunal Federal determinando que desde a vigência do Código Civil os bens dominiais como os demais bens públicos não podem ser adquiridos por usucapião A Constituição de 1988 estabelece que nem mesmo as normas de usucapião pro labore isto é aquele que assegura a 17Art 188 A destinação de terras públicas e devolutas será compatibilizada com a política agrícola e com o plano nacional de reforma agrária 1º A alienação ou a concessão a qualquer título de terras públicas com área superior a dois mil e quinhentos hectares a pessoa física ou jurídica ainda que por interposta pessoa dependerá de prévia aprovação do Congresso Nacional 2º Excetuamse do disposto no parágrafo anterior as alienações ou as concessões de terras públicas para fins de reforma agrária 61 propriedade pelo cultivo da terra com o próprio trabalho ou com o trabalho da família podem incidir sobre bens públicos O art 191 do mesmo diploma legal restringiu a utilização deste tipo de aquisição de propriedade que é invocada por aquele que não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano e o possui como seu por cinco anos ininterruptos sem oposição área de terra em zona rural não superior a 50 cinquenta hectares tornea produtiva por seu trabalho e de sua família tendo nela moradia Ficou explicitado no parágrafo único do referido artigo que ela não recai sobre imóveis públicos Também a usucapião constitucional de área urbana não recai sobre imóveis públicos conforme determinação do 3º do art 183 da Constituição Federal NOHARA 2017 p 748 A impenhorabilidade garante à propriedade pública a proteção contra penhora contrição de bens mediante ação executória com o objetivo de garantir o juízo arresto e sequestro estes últimos são medidas cautelares a fim de garantir o juízo em futuro provimento jurisdicional preservando as modalidades de alienação comum aos bens privados Os atributos mencionados analisados em um primeiro momento constituem garantias das propriedades e patrimônios pertencentes ao poder público em uma visão constitucional É requisito necessário à ordem do Estado democrático de direito evitando assim deturpações a bens que pertencem a todos de forma comum Na verdade essa proteção é consequência da inalienabilidade condicionada considerando que os bens públicos não podem ser alienados de forma livre e que excepcionalmente observadas as condições da lei será possível a sua transferência Dessa forma de que valerá realizar a penhora o arresto ou o sequestro se o bem ao final não poderá ser alienado A garantia da penhora perde o seu sentido O respaldo constitucional para a impenhorabilidade dos bens públicos está no art 100 da Constituição Federal que estabelece expressamente que a satisfação dos débitos do poder público decorrentes de decisões judiciais deverá ser realizada pelo regime de precatório A garantia para o credor não é diretamente os bens públicos e sim o regime de precatório MARINELA 2018 p 907 Existe grande discussão na atualidade sobre a possibilidade de sequestro de Erário Público para cumprimento de decisões judiciais no que tange ao direito fundamental à saúde em especial ações provenientes do pedido de fornecimento de medicamentos A decisão de deferimento em instâncias superiores gera o movimento ainda que inicial numa exceção que posteriormente poderá ser abrangida por outros direitos fundamentais de igual importância O Recurso Especial 1069810 o qual teve como relator o Min Napoleão Nunes Maia Filho 62 proferiu parecer no sentido de caber ao Estado por meio da representatividade do juiz adotar medidas capazes de efetivar a decisão tal como o sequestro18 O Supremo Tribunal Federal também se posicionou parcialmente pela possibilidade de sequestros de valores por meio do Recurso Extraordinário 607582 que ainda está em fase de julgamento A matéria é tão enfática que lhe foi atribuída repercussão geral19 Conquanto a regra que ainda persiste é a da impossibilidade de sequestros O atributo da não onerosidade garante que nenhum ônus real possa recair sobre a propriedade pública ou seja não se dará em garantia de dívida em casos em que ocorra inadimplemento por parte do Estado a um terceiro isso porque os débitos são pagos mediante o instituto do precatório ou mesmo do RPV Requisição de Pequeno Valor e o art 1420 do Código Civil BRASIL 2002 disciplina que só aquele que pode alienar poderá empenhar hipotecar ou dar em anticrese Nessa linha só os bens que se podem alienar poderão ser dados em penhor anticrese ou hipoteca A impossibilidade de oneração de bem público não alcança os bens dominicais que após o cumprimento dos requisitos legais podem ser alienados Os bens alienáveis podem ser dados em garantia real não havendo motivo para exclusão dos bens dominicais Dessa forma nada impede por exemplo que bens dominicais sejam dados em garantia nos contratos celebrados pela Administração Pública desde que haja avaliação prévia do bem justificativa realização de licitação obrigatória para celebração do próprio contrato e no caso de imóveis prévia autorização legislativa OLIVEIRA 2019 p 674 18 EMENTA PROCESSUAL CIVIL ADMINISTRATIVO RECURSO ESPECIAL ADOÇÃO DE MEDIDA NECESSÁRIA À EFETIVAÇÃO DA TUTELA ESPECÍFICA OU À OBTENÇÃO DO RESULTADO PRÁTICO EQUIVALENTE ART 461 5o DO CPC BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS POSSIBILIDADE CONFERIDA AO JULGADOR DE OFÍCIO OU A REQUERIMENTO DA PARTE RECURSO ESPECIAL PROVIDO ACÓRDÃO SUBMETIDO AO RITO DO ART 543C DO CPC E DA RESOLUÇÃO 082008 DO STJ 1 Tratandose de fornecimento de medicamentos cabe ao Juiz adotar medidas eficazes à efetivação de suas decisões podendo se necessário determinar até mesmo o sequestro de valores do devedor bloqueio segundo o seu prudente arbítrio e sempre com adequada fundamentação 2 Recurso Especial provido Acórdão submetido ao regime do art 543C do CPC e da Resolução 082008 do STJ REsp 1069810 RS STJ Primeira Seção Rel Min Napoleão Nunes Maia Filho julgado em 23102013 DJe 06112013 19 AGRAVO DE INSTRUMENTO DIREITO À SAÚDE ANTECIPAÇÃO DA TUTELA FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS RESPONSABILIDADE DO ESTADO BLOQUEIO DE VALORES NA CONTA CORRENTE DO ENTE PÚBLICO EM CASO DE DESCUMPRIMENTO DA JUDICIAL CABIMENTO Agravo desprovido Unânime 2 Este Tribunal no julgamento do RE 607582 de minha relatoria reconheceu a existência da repercussão geral da matéria para que os efeitos do art 543B do CPC possam ser aplicados Esta Corte firmou o entendimento no sentido da possibilidade do bloqueio de verbas públicas para garantir o fornecimento de medicamentos Cito os seguintes julgados AI 553712AgR rel Min Ricardo Lewandowski 1ª Turma DJe 462009 AI 597182AgRrel Min Cezar Peluso 2ª Turma DJ 6112006 RE 580167 rel Min Eros Grau DJe 2632008 AI 669479 rel Min Dias Toffoli DJe 17122009 RE 562528 de minha relatoria DJ 6102005 AI 640652 rel Min Joaquim Barbosa DJ 27112007 e AI 724824 rel Min Cármen Lúcia DJe 2392008 O acórdão recorrido não divergiu desse entendimento3 Ante o exposto nego seguimento ao recurso extraordinário Publiquese Brasília 2 de setembro de 2010Ministra Ellen Gracie Relatora REsp 607582RS STF Segunda Turma Rel Min ELLEN GRACIE Data de Julgamento 02092010 Data de Publicação DJe 171 DIVULG 14092010 PUBLIC 15092010 63 Em uma análise pragmática notase que no contexto real da contemporaneidade os atributos retardam de certa forma a função social da propriedade pública Diversos bens em especial os imóveis estão ociosos há muito tempo sem qualquer destinação dada ao mínimo que seja justamente por não poderem ser objetos de usucapião ou mesmo de venda por exemplo Ainda que ao Estado caiba como trabalho primordial direcionar sua política orçamentária aos diversos sistemas que administra saúde educação segurança pública não raro observamos uma problemática aguda quanto a estes por falta ou diminuição de verbas surgindo situações de enorme precariedade contexto que choca com a gigantesca despesa de manutenção e locação de prédios governamentais O governo federal é proprietário de um total de 10304 dez mil trezentos e quatro imóveis em todo o Brasil e até no exterior que estão desocupados Apesar do grande número de imóveis vazios o Executivo Federal gasta R 160000000000 um bilhão e seiscentos milhões de reais por ano com aluguel para abrigar órgãos públicos Do total de imóveis em desuso 80 oitenta por cento são prédios comerciais residências salas galpões e terrenos que podem ser vendidos alugados ou cedidos pela Administração Pública Federal Esses imóveis não têm uma destinação específica e por isso podem ser disponibilizados inclusive para o uso privado Rio de Janeiro Pará Bahia e Santa Catarina nessa ordem abrigam 60 sessenta por cento dos imóveis desocupados que podem ser negociados pela Administração Pública Federal São 1587 mil quinhentos e oitenta e sete no Rio 1586 mil quinhentos e oitenta e seis no Pará 483 quatrocentos e oitenta e três em São Paulo 480 quatrocentos e oitenta no Mato Grosso do Sul e 165 cento e sessenta e cinco no Distrito Federal Estes entes lideram o ranking de imóveis que não estão sendo usados sendo que quatro deles estão no exterior ODILA 2017 Deve existir prioridade quanto ao direcionamento do Erário Público Vertentes como saúde educação e segurança pública devem anteceder à reforma de um prédio público luxuoso os valores se posicionam verticalmente em dois extremos Uma ala de Unidade de Tratamento Intensivo UTI leito hospital em um hospital da rede pública de saúde nunca deverá ser subsequente à locação de um imóvel para abrigar uma autarquia pública por mais importante que esta seja Em 2018 a fim de corrigir essas distorções o governo federal publicou por meio da portaria nº 17 de 7 de Fevereiro de 2018 comando que dispõe sobre medidas de racionalização do gasto público nas contratações para aquisição de bens e prestação de serviços ficando 64 suspensa a realização de novas contratações relacionadas à aquisição e locações de bens móveis e imóveis20 22 O CONCEITO ATUAL DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE PÚBLICA NO BRASIL A função social da propriedade pública se enquadra no mesmo conceito da função social da propriedade privada havendo apenas a mudança de titularidade quanto ao patrimônio As obrigações e deveres são os mesmos não podendo haver inatividade no bem sob pena de lhe incumbirem sanções As penalidades impostas são os únicos requisitos que são divergentes visto que a propriedade privada possui regras mais ampliativas tais como a usucapião e a desapropriação e a propriedade pública por sua natureza jurídica e consequentemente os atributos a ela impostos impenhorabilidade inalienabilidade imprescritibilidade e não onerosidade possuem caráter limitador Existe uma corrente minoritária que admite não existir o conceito de função social da propriedade pública aplicandose tão somente a propriedades particulares dado que os bens públicos possuem a essência jurídica voltada ao uso da coletividade não havendo portanto sentido falar em função social Assim enquanto dever fundamental a função social da propriedade prevista no art 5º XXIII da Constituição Federal deve ser atendida por todos os particulares e não pelo Estado pois as sanções jurídicas previstas para o descumprimento da função social da propriedade urbana são imputáveis apenas aos particulares sendo inadequadas para punir os entes públicos União estados Distrito Federal municípios pelo descumprimento deste dever No meio rural é patente a inaplicabilidade das sanções jurídicas previstas para o descumprimento da função social aos entes públicos ABE 2008 p 142 20Art 1º Fica suspensa a partir da publicação desta Portaria a realização de novas contratações relacionadas a I aquisição de imóveis II locação de imóveis III aquisição de veículos de representação de transporte institucional e de serviços comuns conforme disposto nos arts 3º 5º e 6º do Decreto nº 6403 de 17 de março de 2008 IV locação de veículos e V locação de máquinas e equipamentos 1º A suspensão prevista no caput não se aplica quando se tratar de I imóveis destinados à reforma agrária e aqueles administrados pelo Ministério da Defesa ou pelos Comandos da Marinha do Exército ou da Aeronáutica II aquisição de veículos de representação para uso exclusivo do Presidente e do VicePresidente da República III prorrogação contratual eou substituição contratual em relação aos incisos II IV e V do caput e IV despesas relacionadas aos censos demográfico e agropecuário e a ações de defesa civil 2º Considerando os aspectos de relevância e urgência excepcionalidades pontuais quanto à suspensão prevista nos incisos IV e V do caput poderão ser autorizadas por ato fundamentado da autoridade máxima do órgão permitida a subdelegação 65 Tal corrente por sua vez merece uma advertência ao ponto em que a norma constitucional se destina aos poderes O povo por sua vez é emissor considerada a eleição da Assembleia Constituinte No mais tal entendimento contraria diretamente a eficácia da norma constitucional no plano social e jurídico Social pois se verifica na hipótese da norma vigente isto é com potencialidade para regular determinadas relações ser efetivamente aplicada a casos concretos Eficácia jurídica por sua vez pois a norma está apta a produzir efeitos na ocorrência de relações concretas mas já produz efeitos jurídicos na medida em que a sua simples edição resulta na revogação de todas as normas anteriores que com ela conflitam TEMER 1988 p 23 O interesse público diverge do interesse social Interesse social é o interesse que consulta à maioria da sociedade civil o interesse que reflete o que essa sociedade entende por bem comum anseio de proteção à res pública a tutela daqueles valores e bens mais elevados os quais essa sociedade espontaneamente escolheu como sendo os mais relevantes MANCUSO 1997 p 85 Contrária à posição acima existe a corrente majoritária que entende existir a função social da propriedade pública ainda que não exauriente para todos os casos A disponibilidade do bem à coletividade não exclui o princípio constitucional da função social A finalidade cogente informadora do domínio público não resulta na imunização dos efeitos emanados do princípio da função social da propriedade previsto no texto constitucional A função social da propriedade é princípio constitucional que incide sobre toda e qualquer relação jurídica de domínio pública ou privada não obstante ter havido um desenvolvimento maior dos efeitos do princípio da função social no âmbito do instituto da propriedade privada justamente em razão do fato de o domínio público desde a sua existência e agora com maior intensidade estar de um modo ou de outro voltado sempre ao cumprimento de fins sociais pois como visto marcado pelo fim de permitir à coletividade o gozo de certas utilidades ROCHA 2005 p 127 A segunda corrente parece ser a mais acertada Ao Estado não cabe se eximir de sua responsabilidade pelo contrário deve ele ser modeloexemplo às demais personalidades sob pena de uma impunibilidade que contraria os preceitos constitucionais Ora há diversos normativos infraconstitucionais que aplicam o princípio da função social da propriedade pública tais como a Lei nº 1197709 que dispõe sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União no âmbito da Amazônia legal o DecretoLei 27167 que dispõe sobre loteamento urbano responsabilidade do loteador concessão de uso e 66 espaço aéreo21 e a já mencionada Lei 1025701 que regulamenta os arts 182 e 183 da Constituição Federal estabelecendo diretrizes gerais da política urbana Todas as normas relativas aos bens independente de sua espécie de uso comum de uso especial e uso dominical possuem eficácia da função social garantindo o atendimento à população em suas diversas necessidades Os bens públicos são essencialmente um conjunto de instrumentos para que o Estado desempenhe os seus deveres Consolidase então a concepção de que os bens públicos são um instrumento para a promoção dos direitos fundamentais Os bens públicos devem ser utilizados de modo direto para assegurar a toda a comunidade a obtenção das necessidades essenciais à sua dignidade Será obrigatória a aplicação do bem público sempre que sua utilização se configurar como o meio adequado para satisfazer direitos fundamentais JUSTEN FILHO 2010 p 1047 No mais a Constituição Federal de 1988 de forma ampla consagrou as diretrizes da função social da propriedade pública e privada não estabelecendo exceções a esse regimento O Supremo Tribunal Federal em diversas decisões não só estabeleceu a corrente predominante da função social da propriedade pública como também expandiu seus horizontes maximizando positivamente o instituto Alguns bens públicos sofrem limitação não total quando utilizados pelos particulares pois sua destinação principal confere o funcionamento da administração pública A doutrina denomina de bens de uso especial todas as coisas móveis ou imóveis corpóreas ou incorpóreas utilizadas pela Administração Pública para realização de suas atividades e consecução de seus fins DI PIETRO 2012 p 569 A função social da propriedade pública bem como as normas e atos que a permeiam deve vir acompanhada necessariamente de três requisitos validez justiça e eficácia O problema da justiça é o problema da correspondência ou não da norma aos valores últimos ou finais que inspiram um determinado ordenamento jurídico Norma justa é aquela que deve ser norma injusta é aquela que não deveria ser Por isso o problema da justiça se denomina comumente de problema deontológico do direito O problema da validade é o problema da existência da regra enquanto tal independentemente do juízo de valor sobre ela ser justo ou não Enquanto para julgar a justiça de uma norma é preciso comparála a um valor ideal para julgar a sua validade é preciso realizar investigações do tipo empíricoracional Para decidir se 21Art 7o É instituída a concessão de uso de terrenos públicos ou particulares remunerada ou gratuita por tempo certo ou indeterminado como direito real resolúvel para fins específicos de regularização fundiária de interesse social urbanização industrialização edificação cultivo da terra aproveitamento sustentável das várzeas preservação das comunidades tradicionais e seus meios de subsistência ou outras modalidades de interesse social em áreas urbanas 67 uma norma é válida isto é como regra jurídica pertencente a um determinado sistema é necessário com frequência realizar três operações Primeiro averiguar se a autoridade de quem ela emanou tinha poder legítimo para emanar normas jurídicas segundo averiguar se não foi abrogada terceiro averiguar se não é incompatível com outras normas do sistema particularmente com uma norma hierarquicamente superior O problema da validade jurídica pressupõe que se tenha respondido à pergunta o que se entende por direito Tratase do problema ontológico do direito O problema da eficácia de uma norma é o problema de ser ou não seguida pelas pessoas a quem é dirigida Que uma norma exista como norma jurídica não implica que seja também constantemente seguida A investigação para averiguar a eficácia ou a ineficácia de uma norma é de caráter históricosociológico voltase para o estudo do comportamento dos membros de um determinado grupo social o problema da eficácia das regras jurídicas é o problema fenomenológico do direito BOBBIO 2006 p 46 O plano da eficácia é o que mais merece cuidados Não raro observamos que existem comandos válidos e justos contudo sem nenhuma eficácia Tomemos o exemplo que um ato emanado do Poder Executivo a exemplo de um governador determinando a construção de um posto de saúde que após seu termino não entra em funcionamento pois não existe dotação orçamentária para compra de maquinário e contratação de efetivo O ato é valido à medida que é chancelado por uma autoridade competente não é abrogado e não conflita com outra norma É justo pois a saúde é o bem essencial da vida humano e sempre demanda cuidados Nada obstante não é eficaz visto que não gera efeitos a terceiro A função social da propriedade pública na ideia exposta é válida justa mas não é efetiva O exemplo mencionado acima infelizmente se fez concreto no ano de 2017 quando mais de 160 cento e sessenta Unidades de Pronto Atendimento UPAs foram construídas mas não chegaram a efetivamente funcionar sendo que outras 340 trezentas e quarenta estavam em construção sem previsão de quando iriam começar a atender a população A Unidade de Pronto Atendimento UPA é uma parceria entre o governo federal e os municípios O Ministério da Saúde faz o repasse da verba para obra e a prefeitura entra com a contrapartida em equipamento e folha de pagamento de servidores públicos No mesmo ano em todo o país quase mil unidades básicas de saúde foram entregues mas ainda não utilizadas pela população 95 noventa e cinco delas locadas no estado de São Paulo À época o Ministério da Saúde notificou todos os estados com obras paradas para que os governos estaduais e municipais apresentassem um programa pondo as unidades em funcionamento Segundo o ministério os administradores que não utilizassem os prédios deveriam devolvêlos GLOBO 2017 68 A fim de restabelecer a eficácia da função social da propriedade pública o governo federal na data de 22 de maio de 2018 assinou as alterações do Decreto do 782712 flexibilizando a finalidade das Unidades de Pronto Atendimento UPAs e consequentemente readequando a rede física do Sistema Único de Saúde SUS Com a medida os estados e municípios foram autorizados a utilizar a estrutura de Unidades de Pronto Atendimento 24 vinte e quatro horas que estavam prontas e sem funcionamento para outra atividade na área da saúde sem precisar devolver os recursos federais investidos A medida atendia a uma demanda das gestões locais para não perder as estruturas Com o decreto foi possível utilizar as unidades para atender outros estabelecimentos de saúde como Unidades Básicas de Saúde UBS Centro de Atenção Psicossocial CAPS Centro Especializado em Reabilitação CER e Academias da Saúde A ação fora resultado de longas tratativas entre representantes do Ministério da Saúde Tribunal de Contas da União TCU Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde CONASEMS Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde CONASS e Confederação Nacional dos Municípios CNM até a chegar a essa solução que beneficia a população e o município no uso da estrutura em saúde dentro do que é permitido por lei MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO 2018 É inegável que na comparação de desenvolvimento e solução de eventuais conflitos entre a função social da propriedade privada e a função social da propriedade pública esta fica prejudicada seja pela limitação imposta pela própria lei seja pela discricionariedade de administração dos governantes Observase que no caso das Unidades de Pronto Atendimento UPAs o programa lançado em 2016 só veio a ter uma efetiva solução com a flexibilização de uso do imóvel por meio de Decreto Presidencial em 2018 É inegável que o engessamento normativo burocratização das normas aliado à arbitrariedade de decisão dos administradores por seus diversos fatores ocasiona prejuízo constante às pessoas Afim de dar base a essa afirmativa poderia colocarse em discussão as seguintes perguntas qual impacto no âmbito clínico foi ocasionado pelo não atendimento de 160 cento e sessenta Unidades de Pronto Atendimento UPAs entre 2016 e 2018 Qual o prejuízo orçamentário para a reforma e manutenção das Unidades de Pronto Atendimento UPAs no período de ociosidade do programa A Administração Pública cumpre uma função na medida em que vinculada pelo dever de realizar determinados fins em benefício do interesse público Daí por que se há de entender função como um deverpoder e não mero poderdever BRASIL 2010 69 A razão de mera propriedade do poder público sobre os bens sem nenhuma finalidade especifica infringe o princípio da função social da propriedade devendo este ser aplicado e servir como uma baliza capaz de obrigar a uma produtividade poderdever Assim a função social da propriedade pública condiz com valores que se espalham no vasto ordenamento legislativo brasileiro uma vez que a nação adotou como modelo o Estado democrático de direito Algumas dessas leis possuem evidentes valores soberanos enquanto outras possuem valores menores porém ambas construíram valores biográficos que influenciaram o ordenamento nacional Ao Estado cabem dois caminhos Primeiro restringir o uso do bem público exercendo para tanto o poder de polícia o qual lhe foi outorgado ou segundo ampliar os direitos atendendo para tanto a função social da propriedade pública refletindo diretamente o uso ao interesse da coletividade Ambos dependem da discricionariedade de seus governantes porém quando existe um confronto de ideais ou mesmo de direitos uma lide pode ser posta à resolução do judiciário O Supremo Tribunal Federal ao longo de sua história procurou readequar positivamente o significado de função social da propriedade pública sem de certa forma agredir o plano orçamentário administrado pelos chefes de Estado A ADI 461318 que declarou a constitucionalidade da Lei nº 1200609 permitindo a veiculação de mensagens educativas de trânsito em peças publicitárias de produtos da indústria automobilística arts 77A e 77E no âmbito das concessionárias e permissionárias de rodovia é um exemplo Tal entendimento não confere violação da livre iniciativa e da liberdade de expressão cooperando o Estado com a iniciativa privada para aperfeiçoamento da educação de todos no trânsito em absoluta observância aos princípios da proteção ao consumidor e da função social da propriedade À época o relator do processo Min Dias Toffoli manifestouse favorável à ideia22 22 As normas não trazem qualquer restrição à plena liberdade de comunicação das empresas ou à livre iniciativa e não excluem ademais a responsabilidade do Estado em promover por ato próprio publicações de mensagens educativas de trânsito Tratase apenas de cooperação da indústria automobilística consectária da proteção ao consumidor e da função social da propriedade princípios da ordem econômica na divulgação de boas práticas de trânsito Por outro lado as propagandas também encerram pretensão comercial que as distancia nesse ponto da mera propagação de informação sendo mais propriamente quanto a essa faceta manifestação da livre iniciativa para a qual se exige a observância de princípios constitucionais como a função social da propriedade e a defesa do consumidor Quanto à alegação de que as propagandas são custeadas pelas empresas automobilísticas o que estaria por transmitir a obrigação do Estado à informação educativa de trânsito às empresas automobilísticas rememoro o que acima destaquei como uma das limitações à livre iniciativa o princípio constitucional da função social da propriedade No caso as normas questionadas não estão por promover a isenção da responsabilidade do Estado em fazer publicações de mensagens educativas de trânsito O Estado continua sendo obrigado a emitir tais mensagens educativas explicando à população sobre os riscos de violar as leis de trânsito Exemplo dessa função é a instituição da Semana Nacional do Trânsito realizada anualmente entre os dias 18 e 25 de setembro com o objetivo de conscientizar motoristas e pedestres sobre a importância de um trânsito mais seguro 70 O Supremo Tribunal Federal por trás de uma decisão emblemática atingiu a finalidade da função social da propriedade pública com maestria de forma a dar publicidade sobre educação de tráfego por meio de propagandas em canteiros de rodovias de concessionárias sem contudo atingir de forma voraz o orçamento público A função social já era exercida por meio da rodovia e foi potencializada com as propagandas em seu canteiro utilizando pouco recurso financeiro sem desmatamento ambiental e reduzindo eventuais valores pagos com propagandas vultuosas em meios de comunicação rádio tv mídia social O Recurso Extraordinário 111648723 colocou em alvo gigantes princípios em lados opostos a função social da propriedade privada e acesso a moradia contra a função social da propriedade pública e o direito de propriedade Acertada a decisão do Ministro Marco Aurélio pois não se pode alegar prejuízo à função social da propriedade para justificar eventual inadimplemento visto que haveria uma grande instabilidade financeiraeconômica Doutro modo a Caixa Econômica Federal também exerce a função social no âmbito público à medida que oferece acessibilidade de moradia por meio de financiamento pelo PAR Programa de Arrecadação Residencial e a criação de um ambiente menos caótico em ruas avenidas e rodovias ADI 4613 STF Rel Min DIAS TOFFOLI Data de Julgamento 20092018 Data de Publicação 03122018 23 RECURSO EXTRAORDINÁRIO MATÉRIA FÁTICA INTERPRETAÇÃO DE NORMAS LEGAIS INVIABILIDADE NEGATIVA DE SEGUIMENTO 1 Atentem para o decidido na origem O Tribunal Regional Federal da 5º Região confirmando o entendimento do Juízo determinou observada a legislação de regência a reintegração de posse de imóvel arrendado mediante o Programa de Arrendamento Residencial PAR Concluiu demonstrado o esbulho e rescisão do contrato por falta de pagamento No extraordinário cujo trânsito busca alcançar o recorrente alega violados os artigos 6º e 170 da Constituição Federal Diz contrariados o direito fundamental à moradia assim como os princípios da função social da propriedade e da conservação do contratado Alega ser abusivo e desproporcional a rescisão contratual sem a adequação de forma de pagamento condizente com a situação econômica atual da recorrente A Carta Maior exatamente no inciso III do art 110 eleva a função social da propriedade como princípio da ordem econômica O Constituinte na verdade exige que qualquer bem de valor econômico independentemente de sua natureza jurídica exerça em sua plenitude função social O imóvel objeto da ação possessória pertence à Caixa Econômica Federal instituição que inequivocamente vem promovendo sua função social através do PAR Programa de Arrendamento Residencial com opção de compra instituído pela Lei 1018801 para fins de atendimento da necessidade de moradia da população de baixa renda Ressalto ainda que a regulação estatal prevista no art 170 somente se justifica por razões de interesse público o que não se verifica no caso concreto Por fim o direito social à moradia além de não possuir caráter absoluto não pode ser invocado para justificar inadimplência contratual Havendo inequívoco descumprimento das contraprestações livremente pactuadas a manutenção da embargante na posse direta do imóvel consistiria em grave violação ao princípio da isonomia RE 1116487 STF Rel Min MARCO AURÉLIO Data de Julgamento 30052019 Data de Publicação 06082019 71 3 POSSÍVEIS SOLUÇÕES PARA ALCANCE DA FUNÇÃO SOCIAL DE PROPRIEDADES PÚBLICAS INATIVAS O último capítulo desta dissertação procura demonstrar os desafios em destinar a função social às diversas propriedades públicas existentes porém improdutivas seja por má gestão política ou mesmo por falta de previsão orçamentária apresentando como exemplo diversas propriedades públicas sem função social ativa ou mesmo com baixa taxa de desenvolvimento O objetivo é expor as possíveis soluções para essa problemática adotando caminhos mais viáveis por meio do setor privado tais como as privatizações concessões e as Parcerias Público Privadas 31 AS PRIVATIZAÇÕES COMO INSTRUMENTO DINÂMICO À FUNÇÃO SOCIAL DAS PROPRIEDADES PÚBLICAS INATIVAS A função social da propriedade pública deve extrair o melhor de sua essência Tal afirmativa implica necessariamente dar produtividade àquela propriedade que esteja inativa mas também deve dinamizar o desempenho daquelas que produzem pouco ou mesmo que poderiam produzir mais Caso essa regra não seja observada devese levar em conta o instituto da privatização como meio secundário de solução de conflito evitando assim o retrocesso e a não evolução Grande repercussão na atualidade se observa quanto às privatizações das estatais a fim de criar um mercado econômico mais ativo e liberal Uma empresa que esteja sob o controle estatal que emprega cinquenta funcionários e que comprovadamente por meio de estudos poderia empregar quinhentos funcionários sob a égide do privado de certa forma não cumpre em sua integralidade com sua função social ou ainda se a expectativa de exploração de petróleo sob a liderança governamental está prevista para trinta anos em detrimento dos três anos previstos para a atuação pelo setor privado deve se levar em consideração a privatização A reação do mercado financeiro frente às privatizações mostrase positiva Tomando como exemplo a recente privatização da Eletrobrás usina que produz um terço da energia consumível no Brasil as ações da estatal à época de sua venda fecharam com valorização de 72 493 quarenta e nove vírgula três pode cento e o valor de mercado da companhia saltou em um só dia aproximadamente de R 900000000000 nove bilhões de reais para R 2900000000000 vinte e nove bilhões de reais quando a Bolsa de São Paulo subiu cerca de 2 dois por cento ultrapassando pela primeira vez desde 2011 o patamar de 70000 setenta mil pontos NAKAGAWA RODRIGUES CARVALHO 2017 p B1 Ainda fomentaria o pagamento da astronômica dívida estrangeira do Brasil e do déficit público utilizando a receita obtida com as privatizações ou seja a privatização de ativos públicos como a principal fonte de recursos nãoinflacionários para financiamento do déficit público Além de complementar as receitas correntes com o resultado das vendas o processo de privatização reduz as necessidades de financiamento do setor público NFSP em duas vertentes Na primeira diminui a necessidade de emissão de papéis títulos ou moeda para financiar gastos correntes na segunda reduz a dívida em virtude da troca de títulos públicos por ações das empresas privatizadas MATOS FILHO OLIVEIRA 1996 p 9 Por fim haveria a transferência do passivo das empresas privatizadas aos compradores ressaltando que entre 1991 e 2001 o governo brasileiro transferiu ao setor privado o controle de mais de cem empresas estatais e participações minoritárias em várias companhias Esses leilões geraram US 6790000000000 sessenta e sete bilhões e novecentos milhões de dólares americanos em receitas mais US 1810000000000 dezoito bilhões e cem milhões de dólares americanos em dívidas transferidas aos compradores constituindo um dos maiores programas de privatização do mundo ANUAITI NETO BAROSSI FILHO CARVALHO MACEDO 2005 p 152 No plano histórico as privatizações sempre foram determinantes em épocas de crise No ano de 1974 o governo brasileiro sob o comando do General Ernesto Geisel viuse obrigado a impulsionar a economia garantindo que o país não entrasse em uma recessão Definiuse então o chamado II Plano Nacional de Desenvolvimento II PND o qual garantiu um grande plano de investimento em estatização de setores essenciais à população por exemplo energia elétrica produção de insumos e bens de capital O plano garantiu taxas de crescimento expressivas embora menores que no período 19691973 Em 1975 o PIB se expandiu 51 cinco vírgula um por cento em 1976 102 dez vírgula dois por cento em 1977 49 quatro vírgula nove por cento em 1978 também 49 quatro vírgula nove por cento e em 1979 68 seis vírgula oito por cento Contudo em contraponto entre 1974 e 1979 a dívida externa passou de US 1490000000000 quatorze bilhões e novecentos milhões de dólares americanos para US 5580000000000 cinquenta e cinco bilhões e oitocentos milhões de dólares americanos No início do período 73 havia crédito barato no mercado internacional parâmetro que se reverteu no fim da década MARINGONI 2016 À época a estatização fora indispensável e talvez uma das poucas iniciativas viáveis pois garantiu grande empregabilidade em áreas estratégicas Porém com o decorrer dos anos em especial com a implantação do Plano Real no ano de 1994 tal conceito se mostrou insustentável pois as privatizações foram incluídas como uma das plataformas Esse fora o grande marco das privatizações na nação brasileira Nos três anos de Plano Real ocorreram 26 vinte e seis transferências ao setor privado proporcionando ao Tesouro recursos da ordem de R 860000000000 oito bilhões e seiscentos milhões de reais de um total de R 1310000000000 treze bilhões e cem milhões de reais obtidos pelo governo federal desde o início do Programa Nacional de Desestatização em 1990 ALMEIDA 1997 p 20 O Estado absorveu a execução de uma série de tarefas o que em um primeiro momento fortaleceu setores estratégicos e garantiu benefícios à sociedade em nome do bem comum mas em um segundo momento passou a oprimila por meio de ostensiva intervenção e consequente supressão da livre iniciativa MACHADO 2014 p 102 O ponto negativo se dá pela grande perda de arrecadação orçamentária que somente o conglomerado de cinco das estatais brasileiras Petrobras Eletrobrás Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BNDES Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal registraram um lucro de R 1510000000000 quinze bilhões e cem milhões de reais no primeiro trimestre de 2018 uma alta de 448 quarenta e quatro vírgula oito por cento na comparação com o mesmo período do ano anterior MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO 2018 Ainda no mesmo sentido poderíamos argumentar que as privatizações criariam de certa forma um ambiente não concorrencial visto que os investimentos em determinados setores seriam elevados e com riscos consideráveis A Constituição Federal adotou claro sistema econômico capitalista quando determinou que a livre concorrência do art 170 predominasse Ante a afirmativa a estatização encontra cada vez mais dificuldade em permanecer ativa na atualidade pois a economia da livre concorrência cumulada com a função social da propriedade tornase mais sustentável quando exercida entre entes privados e não entre estes e estatais ou mesmo entre estatais É importante mencionar que novos conceitos de modelos econômicos estão surgindo refletindo diretamente sobre a função social da propriedade e nas privatizações Antônio Negri acredita na transformação por meio de um Biopoder novo Poder construindo assim um Biocapitalismo novo Capitalismo gerando por derradeiro uma Biopolítica nova Política 74 Modelar o desejo da singularidade para construílo como elemento coletivo ao interior de experiências que permanecem irredutivelmente libertárias NEGRI 2015 p 83 A função social da propriedade lembra o Estado do seu eixo central qual seja o de efetivamente administrar não interferindo no mercado sem uma justificativa plausível Observados os princípios mencionados temos uma ordem econômica ativa reta e crescente fornecedora do bemestar social e a qual resguarda a dignidade da pessoa humana Falar em Programa Nacional de Desestatização PND como é conhecido necessariamente implica falar em privatizações O Programa Nacional de Desestatização nasceu em 12 de abril de 1990 no governo do então presidente Fernando Collor de Mello por meio da Medida Provisória nº 155 que posteriormente foi convertida na Lei 8031 com o objetivo de trilhar o caminho inverso do plano de estatização implantado na década anterior Chegouse à conclusão de que o mercado livre aberto sob administração da instituição privada e não pública alcançaria maiores e melhores resultados econômicos bem como alcançaria até então a nova determinação constitucional A Lei 803190 foi um marco dentro da legislação brasileira aplicando princípios econômicos sobre a nova égide da Constituição de 1988 e ainda flexibilizava institutos jurídicos tais como a propriedade pública permitindo uma tomada de decisão discricionária por parte dos administradores públicos por meio de um procedimento novo moderno Posteriormente a Lei 803190 foi revogada pela Lei 9491 de 9 de setembro de 1997 prevendo a alteração de procedimentos relativos ao Programa Nacional de Desestatização No decorrer dos anos outras modificações foram feitas por meio de decretos sendo eles o Decreto nº 6026 de 2007 Decreto nº 6380 de 2008 Decreto nº 6502 de 2008 Decreto de 16 de julho de 2008 Decreto nº 7267 de 2010 Decreto nº 8094 de 2013 e Decreto nº 9387 de 2018 Os objetivos da atual legislação são específicos reordenar a posição estratégica do Estado na economia transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público contribuir para a reestruturação econômica do setor público especialmente por meio da melhoria do perfil e da redução da dívida pública líquida permitir a retomada de investimentos nas empresas e atividades que vierem a ser transferidas à iniciativa privada contribuir para a reestruturação econômica do setor privado especialmente para a modernização da infraestrutura e do parque industrial do país ampliando sua competitividade e reforçando a capacidade empresarial nos diversos setores da economia inclusive por meio da concessão de crédito permitir que a Administração Pública concentre seus esforços nas atividades em que a presença do Estado seja fundamental para a consecução das prioridades 75 nacionais contribuir para o fortalecimento do mercado de capitais por meio do acréscimo da oferta de valores mobiliários e da democratização da propriedade do capital das empresas que integrarem o Programa art1 da Lei 949197 Em breves linhas devolver a economia a quem lhe é de direito explorar o setor privado Importante salientar que algumas privatizações são vedadas tais como a do Banco do Brasil SA da Caixa Econômica Federal e das empresas públicas ou sociedades de economia mista que exerçam atividades de competência exclusiva da União de que tratam os incisos XI e XXIII do art 21 a alínea c do inciso I do art 159 e o art 177 da Constituição Federal exceto as previstas para participações acionárias detidas por essas entidades desde que não incida restrição legal à alienação das referidas participações art 3 da Lei 949197 A previsão engloba ainda temas importantes como as modalidades operacionais a serem aplicadas a criação do Conselho Nacional de Desestatização CND o Fundo Nacional de Desestatização FND a alienação de ações a pessoas físicas e jurídicas os acionistas controladores e a participação pontual do BNDES 32 USUCAPIÃO DE BEM PÚBLICO E SUA FLEXIBILIZAÇÃO PARA ALCANCE DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE A usucapião é um instituto bem típico dentro da órbita jurídica brasileira cabendo em especial à Constituição de 1988 e ao Código Civil Brasileiro de 2002 preverem suas diversas formas de processamento a partir de determinados requisitos cumulativos ou não O que se procura demonstrar neste tópico é a necessidade de uma evolução consequentemente de uma flexibilização da usucapião de bem público a fim de tornar determinadas propriedades públicas inativas em produtivas atingindo assim o princípio constitucional da função social Não muito raro encontramos propriedades pertencentes ao Estado em situação de verdadeiro abandono o que nos faz refletir ainda mais sobre o tema e sobre a máxima de que todos os bens públicos cumprem sua função social bem como estão à disposição da coletividade A Constituição de 1988 foi absolutamente peremptória ao prescrever em seu art 183 3º que os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião No mesmo sentido dispõe o art 191 parágrafo único Portanto os imóveis e bens da União art 20 dos estados federados art 26 dos municípios art 29 e do Distrito Federal não se encontram sujeitos à usucapião 76 especial urbana ou rural TAVARES 2018 p 590 A fórmula se repete no art 102 do Código Civil assegurando que os bens públicos não estão sujeitos à usucapião BRASIL 2002 O Supremo Tribunal Federal seguindo o entendimento acima mencionado editou a Súmula 340 dispondo que desde a vigência do Código Civil os bens dominicais como os demais bens públicos não podem ser adquiridos por usucapião A conveniência do constituinte à época foi de proteção dos bens públicos resguardando os de eventual oposição Contudo o entendimento com a transformação natural da sociedade e do Estado vem se demonstrando demasiadamente ultrapassado e prejudicial A ociosidade de imóveis públicos atinge a população de forma comissiva e omissiva Comissiva à medida que gera um elevado custo de manutenção das propriedades pago com tributo debitado do contribuinte pois inegável que a conservação do patrimônio público improdutivo gera um custo elevado ao Estado Omissiva à medida que poderiam ser utilizados para diversas finalidades fundamentais tais como a moradia O déficit habitacional total no Brasil em 2017 foi estimado em 777 sete vírgula setenta e sete milhões de unidades Dentre seus componentes notase a grande concentração no ônus excessivo com aluguel 423 e na coabitação familiar 413 Também vale notar que o nível atingido pelo déficit em 2017 é o recorde da série histórica apresentada A evolução de alguns dos componentes do déficit também é digna de destaque Assim entre 2007 e 2017 a participação do componente ônus excessivo com aluguel passou de 242 vinte e quatro vírgula dois por cento para 423 quarenta e dois vírgula três por cento passando a atingir 15 um vírgula cinco milhão de domicílios a mais No mesmo período mais de meio milhão de famílias deixaram a condição de conviventes no entanto surgiram cerca de 50 mil domicílios improvisados Em termos da distribuição do déficit total por faixas de renda nota se a forte concentração nos estratos até 3 três salários mínimos Somadas as faixas de renda até 1 um salário mínimo e de 1 um a 3 três salários mínimos responderam por 917 noventa e um vírgula sete do déficit total o equivalente a 71 sete vírgula um milhões de unidades Essas mesmas duas faixas respondem por 100 cem por cento das unidades com ônus excessivo com o pagamento de aluguel e dos domicílios improvisados GONÇALVES 2018 p 11 Portanto há pontos positivos em dois aspectos Primeiro no sentido de desonerar o Estado e consequentemente a população e em segundo destinando diretamente a propriedade à sua função social A Constituição de 1988 lamentavelmente proibiu qualquer tipo de usucapião de imóvel público quer na zona urbana art 183 3o quer na área rural art 191 parágrafo único com 77 o que revogou a Lei 2 696981 na parte relativa aos bens públicos Essa proibição constitui um retrocesso por retirar do particular que cultiva a terra um dos instrumentos de acesso à propriedade pública precisamente no momento em que se prestigia a função social da propriedade DI PIETRO 2012 p 735 Tais normas apesar de sua natureza de ordem pública admitem segundo alguns autores interpretação flexível Citese o que ensina José Joaquim Canotilho in verbis Hoje não há normas constitucionais programáticas É claro que continuam a existir normasfim normastarefa normasprograma que impõe uma atividade e dirigem materialmente a concretização constitucional Mas o sentido destas normas não é o que lhes assinalava tradicionalmente a doutrina simples programas extorsões morais declarações sentenças políticas aforismos políticos promessas apelos ao legislador programas futuros juridicamente desprovidos de qualquer vinculatividade Às normas programáticas é reconhecido hoje um valor jurídico constitucionalmente idêntico ao dos restantes preceitos da Constituição Mais do que isso a eventual mediação da instância legiferante na concretização das normas programáticas não significa a dependência deste tipo de normas da interposição do legislador é a positividade das normasfim e normastarefa normas programáticas que justifica a necessidade de intervenção dos órgãos legiferantes CANOTILHO 2008 p 198 A evolução da hermenêutica e da interpretação da matéria constitucional da usucapião de bens públicos demonstrase um passo importante à medida que cria reflexos positivos à coletividade mais relevantes que sua retenção conforme já mencionado no início do tópico Há tempos a rigidez da proibição da usucapião de bens públicos vem se demonstrando mais prejudicial que eficaz à sociedade não atingindo portanto os requisitos intrínsecos abrindo margem à interpretação jurisprudencial versátil Em um estudo análogo entre a Constituição e as Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro podemos citar o entendimento de Maria Helena Diniz A ciência jurídica exerce funções relevantes não só para o estudo do direito mas também para a aplicação jurídica viabilizandoo como elemento de controle do comportamento humano ao permitir a flexibilidade interpretativa das normas autorizada pelo art 5º da Lei de Introdução e ao propiciar por suas criações teóricas a adequação das normas no momento de sua aplicação pode se dizer que não há norma jurídica que não deva sua origem a um fim um propósito ou um motivo prático que consistem em produzir na realidade social determinados efeitos que são desejados por serem valiosos justos convenientes adequados à subsistência de uma sociedade oportunos etc DINIZ 2015 p 67 Para o Ministro Luiz Roberto Barroso as normas constitucionais estão em um processo histórico de interpretação e construção 78 Por sua natureza uma Constituição contém predominantemente normas de princípio ou esquema com grande caráter de abstração Destinase a Lei Maior a alcançar situações que não foram expressamente contempladas ou detalhadas no texto Enquanto a interpretação ensina Cooley é a arte de encontrar o verdadeiro sentido de qualquer expressão a construção significa tirar conclusões a respeito de matérias que estão fora e além das expressões contidas no texto e dos fatores nele considerados São conclusões que se colhem no espírito embora não na letra da norma A interpretação é limitada à exploração do texto ao passo que a construção vai além e pode recorrer a considerações extrínsecas Já se deixou consignado anteriormente que uma das singularidades das normas constitucionais é o seu caráter sintético esquemático de maior abertura Disso resulta que a linguagem do Texto Constitucional é mais vaga com emprego de termos polissêmicos tributos servidores isonomia e conceitos indeterminados assuntos de interesse local dignidade da pessoa humana É justamente dessa abertura de linguagem que resultam construções como a legitimados os fins também estarão os meios necessários para atingilos b se a letra da norma assegura o direito a mais está implícito o direito a menos c o devido processo legal abriga a ideia de procedimento adequado e de razoabilidade substantiva BAROSSO 2009 p 107108 Como qualquer outro ato jurídico a interpretação requer cuidados Essa prudência por outro lado não pode ser excessiva a ponto de induzir o intérprete a salvar a lei à custa da Constituição nem tampouco contrariar o sentido inequívoco da lei para constitucionalizála de qualquer maneira No primeiro caso porque isso implicaria interpretar a Constituição conforme a lei e assim subverter a hierarquia das normas no segundo porque toda a conformação exagerada implica no fundo usurpar tarefas legislativas e transformar o intérprete em legislador na exata medida em que a lei resultante dessa interpretação conformadora em sua letra como no seu espírito seria substancialmente distinta daquela resultante do trabalho legislativo Em sede de controle de constitucionalidade os tribunais devem comportarse como legisladores negativos anulando as leis contrárias à Constituição quando for o caso e jamais como produtores de normas ainda que por via interpretativa COELHO 2003 p 6 Novas tendências para a usucapião de bens públicos ao longo de 30 trinta anos de Constituição e 17 dezessete anos de Código Civil foram criadas flexibilizandoa por meio de sentençasacórdãos judiciais Há muito ainda que se estudar e discutir todavia novos caminhos já se demonstram promissores Em 2010 o Supremo Tribunal Federal no Agravo Regimental do Recurso Extraordinário nº 218324 por meio da sua 2ª Turma tendo como relator o Ministro Joaquim Barbosa firmou entendimento no sentido de reconhecer a possibilidade de usucapião de domínio útil do bem objeto de enfiteuse BRASIL 2010 No mesmo sentido o Superior Tribunal de Justiça em 2013 por meio do Recurso Especial nº 575572 confirmando o entendimento do STF voltou a enfrentar o assunto 79 admitindo a possibilidade de reconhecer a usucapião do domínio útil de bem público sobre o qual tinha sido anteriormente instituída enfiteuse uma vez que nesta circunstância existe apenas a substituição do enfiteuta pelo usucapiente não trazendo qualquer prejuízo ao Estado À época do acórdão a Relatora Ministra Nancy Andrighi alegou que foi constituída em favor de um particular enfiteuse perpétua sob imóvel pertencente à União sendo tal ocupação ininterrupta por mais de vinte anos Em sua decisão argumentou que haveria somente a modificação da pessoa do enfiteuta com a substituição do particular que inicialmente obteve da União o direito de enfiteuse por aquele que o adquiriu por meio de usucapião A vedação legal de declarar usucapião sobre imóvel pertencente à União objetiva proteger a propriedade do Estado que na hipótese do julgamento permaneceria inalterada pois o objeto da prescrição aquisitiva seria somente o domínio útil que já não pertencia à União desde o momento em que foi instituída a enfiteuse sobre o bem Ainda citou vários outros precedentes tal como o Recurso Especial nº 154123 de relatoria do Ministro Barros Monteiro Pub no DJ de 23081999 e Recurso Especial nº 507798 de relatoria do Ministro Aldir Passarinho Junior Pub no DJ de 03052004 BRASIL 2013 Um dos casos mais emblemáticos ocorrido no estado de São Paulo deuse entre a Cooperativa Coppersteel Bimetálicos Ltda e o município de Campinas Na época decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo que o pedido era juridicamente possível devendo ser afastada a decisão de primeiro grau que julgou o feito extinto sem análise de mérito O bem desapropriado passou a compor o patrimônio disponível da municipalidade mas ocorreu a desafetação ingressando dessa maneira no patrimônio particular das empresas que tinham interesse na formação do Distrito Industrial de Campinas Não se pode negar que o pedido era viável Relativamente à posse longeva e com intenção de dono da cooperativa nenhuma controvérsia existiu Concluiuse portando que deveria haver a reforma da sentença e julgar procedente a ação de usucapião para reconhecer a propriedade da empresa autora SÃO PAULO 2014 Segundo a interpretação do Supremo Tribunal Federal a usucapião de bem público em especifico das enfiteuses só é possível à medida que o elemento principal do instituto a propriedade ainda pertenceria ao Estado o que efetivamente seria transferido é o domínio útil não acarretando assim qualquer prejuízo A enfiteuse é o direito real limitado que confere a alguém perpetuamente poderes inerentes ao domínio com a obrigação de pagar ao dono da coisa uma renda anual conhecida como foro O instituto é denominado também emprazamento ou aforamento Aquele que tem o domínio do imóvel aforado é o senhorio direto titular do domínio eminente ou direto aquele 80 que possui imediatamente é o enfiteuta ou foreiro o titular do domínio útil FARIAS ROSENVALD 2019 p114 O instituto possuía previsão legal junto ao Código Civil de 1916 em seu Capítulo II do art 678 conceito24 ao art 694 o qual regulava o instituto da subenfiteuse e os terrenos de marinha25 Atualmente o Código Civil em seu art 203826 proíbe a negociação de enfiteuse devendo ser extinta Diante do entendimento majoritário de que a enfiteuse pela sua tônica medieval deve ser eliminada o Código Civil de 2002 passou com o escopo de extinguila paulatinamente a tratála nas disposições transitórias proibindo para tanto a constituição de novas enfiteuses e subenfiteuses por considerálas obsoletas sem contudo ofender as situações constituídas sob o império do Código Civil de 1916 atendendo ao princípio da irretroatividade da lei resguardando direitos adquiridos por ordem do comando constitucional Com isso evitarseão conflitos de interesse pois prescreve que as já existentes até sua extinção reger seão pelo Código Civil de 1916 e pelas leis posteriores GUILHERME 2017 p 1004 Em alguns países tais como a Argentina o direito à enfiteuse ainda é valido tomando como base a particularidade legislativa do país assim nos ensina Edmundo Gatti em seu livro Teoria General de los Derechos Reales La enfiteusis es el derecho real de usar y gozar amplia y perpetuamente o por muy largo tempo de um inmueble rústico ajeno mediante el pago de um canon es transmisible por herencia por actos entre vivos con consentimento del dueño directo y en su caso pago del laudemio si el dueño directo no opta por el derecho de tanto GATTI 1980 p 1427 A omissão legal sobre o conteúdo da usucapião das enfiteuses abriu margem para a interpretação extensiva do Poder Judiciário Melhor sorte seria que a matéria versasse sob a ótica e regimentos do Poder Legislativo Grande discussão sobre o Ativismo Judicial acalora 24Art 678 Dáse a enfiteuse aforamento ou emprazamento quando por ato entre vivos ou de última vontade o proprietário atribui à outro o domínio útil do imóvel pagando a pessoa que o adquire e assim se constitui enfiteuta ao senhorio direto uma pensão ou foro anual certo e invariável 25Art 694 A subenfiteuse está sujeita às mesmas disposições que a enfiteuse A dos terrenos de marinha e acrescidos será regulada em lei especial 26Art 2038 Fica proibida a constituição de enfiteuses e subenfiteuses subordinandose as existentes até sua extinção às disposições do Código Civil anterior Lei n o 3071 de 1 o de janeiro de 1916 e leis posteriores 1 o Nos aforamentos a que se refere este artigo é defeso I cobrar laudêmio ou prestação análoga nas transmissões de bem aforado sobre o valor das construções ou plantações II constituir subenfiteuse 2 o A enfiteuse dos terrenos de marinha e acrescidos regulase por lei especial 27Tradução livre A enfiteuse é o direito real de usar e usufruir ampla e perpetuamente ou por muito tempo um imóvel estrangeiro pagando uma taxa É transferível por herança por atos entre os vivos com o consentimento do proprietário do direto e se aplicável com o pagamento do laudêmio se o proprietário direto não optar pelo direito de ambos 81 há décadas o Judiciário e Legislativo criando enormes discussões sobre os limites impostos a cada um dos Poderes 33 AS CONCESSÕES DE USO DE BENS PÚBLICOS A concessão de uso de bens públicos é um importante instrumento no cerne da função social da propriedade pública Tratase do contrato administrativo pelo qual o poder público atribui a utilização privativa de determinado bem a particular por determinado tempo O que a distingue da autorização e permissão de uso é o caráter contratual e portanto mais estável da outorga do uso do bem público Deve ser empregada nos casos em que o particular realizará investimentos consideráveis no bem público demandando maior segurança jurídica O fato de a concessão de uso não ser precária não quer dizer que como todo contrato administrativo não possa ser rescindida unilateralmente pela Administração A diferença é que os atos administrativos discricionários que são realmente precários autorizações e permissões de uso muitas vezes podem ser revogados a qualquer tempo sem que o particular tenha direito a qualquer indenização já a concessão de uso pode ser rescindida mas com pagamento de ampla indenização incluindo lucros cessantes ARAGÃO 2013 p 514 Como a concessão de uso é contrato gerando maior estabilidade às partes contratantes não pode ser utilizada para usos de interesses predominantemente particulares Pode contudo acontecer que o uso de interesse particular seja da própria destinação do bem público por exemplo concessões de bens públicos para a instalação de estádios públicos cemitérios etc O contrato de concessão de uso confere ao particular o direito pessoal de uso especial e exclusivo do bem público não podendo ser transferido sem a prévia anuência da Administração A concessão pode ser de mero uso ou de uso cumulado com a exploração do bem público em que o particular se substitui à própria Administração Pública na gestão do bem na exploração da atividade econômica sobre ele incidente e no aferimento dos frutos dele oriundos por exemplo a concessão de águas públicas para criação de peixes concessão do direito de exploração de uma patente do Estado concessão de potenciais de energia hidrelétrica concessão para exploração de hotel de propriedade do Estado concessão de área rural pública 82 para exploração da atividade agrícola concessão de terreno público para a criação de um estacionamento e exploração econômica de florestas públicas28 ARAGÃO 2013 p 514 Sua disciplina legal encontrase lastreada no art 17529 da Constituição Federal na Lei 898795 que dispõe sobre o regime de concessões e permissões de prestação de serviços públicos e na Lei 907495 que estabelece normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos e dá outras providências A norma constitucional bem como as leis citadas demonstram positivamente alta carga de preocupação com os usurários a fim de não serem submetidos à discricionariedade abusiva do particular mas às regras preestabelecidas não obstante terse tópicos como serviços adequados direitos e obrigações do usuário políticas tarifárias licitação contrato de concessão encargos do poder concedente encargos da concessionária intervenção e extinção de concessão regendo essa interação público e a concessória particular São portanto normas de âmbito nacional aplicadas a todos os entes da Federação estados municípios e Distrito Federal por força do art 22 XXVII da Constituição Federal pois são essas pessoas encarregadas de avaliar a possibilidade e conveniência da concessão em dado serviço público Há vários pontos positivos dentre eles a melhor qualidade de vida desenvolvimento nos setores da economia e infraestrutura Na mesma vertente estimula o setor privado bem como diminui o déficit público por meio da eliminação de subsídios estatais e da desoneração de investimento naquele ramo É um instrumento de implementação de certas políticas públicas Não é pura e simplesmente uma manifestação da atividade administrativa contratual do Estado Muito mais do que isso é uma alternativa para realização de valores constitucionais fundamentais JUSTEN FILHO 2003 p 5859 Há particularidades que devem ser observadas entre elas a de existir concessão somente em serviços públicos próprios do Estado e a transferência de poder ao concessionário da 28Lei n 1128406 que dispõe sobre a gestão de florestas públicas para a produção sustentável institui na estrutura do Ministério do Meio Ambiente o Serviço Florestal Brasileiro SFB cria o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal FNDF altera as Leis nºs 10683 de 28 de maio de 2003 5868 de 12 de dezembro de 1972 9605 de 12 de fevereiro de 1998 4771 de 15 de setembro de 1965 6938 de 31 de agosto de 1981 e 6015 de 31 de dezembro de 1973 e dá outras providências 29Art 175 Incumbe ao Poder Público na forma da lei diretamente ou sob regime de concessão ou permissão sempre através de licitação a prestação de serviços públicos Parágrafo único A lei disporá sobre I o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação bem como as condições de caducidade fiscalização e rescisão da concessão ou permissão II os direitos dos usuários III política tarifária IV a obrigação de manter serviço adequado 83 execução e não da titularidade do serviço por exemplo o poder de fiscalização e inspeção30 poder de alterar unilateralmente as cláusulas regulamentares31 Um dos maiores e mais complexos projetos de concessão do Brasil se dá na modalidade de transporte urbano O Rodoanel Mário Covas também conhecido como Rodoanel Metropolitano de São Paulo é uma autoestrada composta por duas pistas de rolamento com três faixas de tráfego cada que foi construída em torno do centro da Região Metropolitana de São Paulo O Rodoanel tem o objetivo de aliviar o intenso tráfego de veículos pesados oriundos do interior do estado e das diversas regiões do país que hoje cruzam as duas vias urbanas marginais da cidade Pinheiros e Tietê provocando uma grave situação de congestionamento urbano O empreendimento obteve melhoria na qualidade de vida da Grande São Paulo tornando o trânsito da cidade mais ágil eliminando o tráfego pesado de cargas de passagem e fazendo a ligação de todas as rodovias ao porto de Santos por fora da área urbana Ainda deixou a cidade livre para os transportes coletivo e individual Com extensão total de aproximadamente 180 cento e oitenta quilômetros a rodovia interliga os grandes corredores de acesso à metrópole O projeto contempla dispositivos e medidas operacionais que visam reduzir as consequências de acidentes com cargas perigosas controlando e impedindo a contaminação ambiental Nos túneis houve a previsão da implantação de sistemas de ventilação e filtros facilitando a dissipação dos gases já devidamente filtrados O Rodoanel é uma rodovia definida como de classe zero Isso significa que o anel viário constitui uma estrada de alto padrão tecnológico com acesso restrito às estruturas viárias além das interligações previstas em seu projeto A rodovia foi projetada para se localizar em uma faixa que varia entre 20 vinte e 40 quarenta quilômetros do centro da capital paulista A obra está dividida em quatro trechos Oeste Sul Leste e Norte Ela interliga os dez principais eixos rodoviários que conectam a Região Metropolitana de São Paulo com o interior e litoral do estado bem como com outras capitais brasileiras O trecho oeste o primeiro a ser construído interliga as rodovias Anhanguera Bandeirantes Presidente Castelo Branco Raposo Tavares e Régis Bittencourt Os demais trechos interligarão de acordo com os planos do governo estadual as rodovias Imigrantes Anchieta Ayrton Senna Presidente Dutra e Fernão Dias DNIT 2016 Grande destaque no âmbito da Administração Pública são as concessões mediante a Parceria PúblicoPrivada ou como comumente são conhecidas as PPPs as quais são regidas 30Lei 898795 Arts 3º 29 I 30 e parágrafo único 31 V 23 VII 31Lei 898795 Arts 9º 4º inc VII do art 18 inc V do art 23 art 6º 1º e 2º 84 pela Lei nº 11079200432 que em seu art 2º conceitua como sendo o contrato administrativo de concessão na modalidade patrocinada ou administrativa Concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei nº 8987 de 13 de fevereiro de 1995 quando envolver adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado e a concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens Ressalva a mencionada Lei que não constitui Parceria PúblicoPrivada a Concessão comum assim entendida a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei nº 8987 de 13 de fevereiro de 1995 quando não envolver contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado Essa na verdade é a grande diferença que existe entre as duas modalidades O instituto das PPPs surgiu e desenvolveuse principalmente na Inglaterra onde vários serviços públicos foram repassados com vantagem à iniciativa privada E mesmo em países mais próximos como o Chile encontramse iniciativas particularmente meritórias No Brasil em geral a qualidade dos serviços públicos outorgados ainda se encontra aquém do desejado embora se revele expressivamente superior à qualidade observada no modelo anterior quando sua prestação era proporcionada diretamente pelo setor público como nos casos da telefonia e das rodovias Diante deste cenário o desenvolvimento da infraestrutura é um fatorchave para proporcionar um crescimento econômico sustentável e garantir o acesso de todos a serviços básicos O Estado brasileiro tem longa tradição de estabelecer parcerias com o setor privado para possibilitar os saltos necessários para atender às suas demandas Neste caminho as Parcerias PúblicoPrivadas PPPs se configuram como um dos principais instrumentos para que o governo federal os estados e municípios possam descentralizar a administração dos investimentos transmitindoa ao setor privado mantendo seu papel de regulador e fiscalizador O modelo vem sendo aplicado em diversos setores e regiões do país São Paulo Rio de Janeiro e Recife por exemplo possuem exemplos bemsucedidos de PPPs em saúde cultura e infraestrutura A cada nova aplicação novos desafios motivam o contínuo aprimoramento do modelo seja em termos de gestão contrato ou regulação para garantir sempre a melhor alocação de recursos e garantias a todos Embora não possamos ainda dizer que usufruímos de um serviço irrepreensível existem no Brasil vários exemplos de concessões que aumentaram a qualidade devida de seus usuários Cabe às instituições nacionais entre elas o TCU e as agências 32Institui normas gerais para licitação e contratação de parceria públicoprivada no âmbito da administração pública 85 reguladoras impulsionar a interminável evolução desse instituto para que dele resulte a oferta de um bem público cada vez mais satisfatório MONTEIRO 2014 p 412 Segundo a doutrina a parceria públicoprivada é um contrato organizacional de longo prazo de duração por meio do qual se atribui a um sujeito privado o dever de executar obra pública eou prestar serviço público com ou sem direito à remuneração por meio da exploração da infraestrutura mas mediante uma garantia especial e reforçada prestada pelo poder público utilizável para a obtenção de recursos no mercado financeiro JUSTEN FILHO 2010 p 549 Há requisitos essenciais previstos em lei para esse tipo de contratação tais como licitação inferior a R 2000000000 vinte milhões de reais duração de até 5 cinco anos ou que tenha como objeto único o fornecimento de mãodeobra o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública Como exemplo de PPPs temse o complexo penal privado no município de Ribeirão das Neves MG onde também há penitenciárias públicas o qual foi lançado em 2008 e previa a construção de cinco unidades prisionais com um total de 3360 três mil trezentas e sessenta vagas até 2011 No entanto segundo a Secretaria de Estado e Defesa Social de Minas Gerais a empresa vencedora Gestores Prisionais Associados GPA entregou entre 2013 e 2014 apenas três unidades com 2016 duas mil e dezesseis vagas A administradora conta com uma equipe de 600 seiscentos funcionários nas áreas de segurança interna e de assistência jurídica educacional de saúde material de trabalho cultural e profissionalizante Na área administrativa todos os cargos de direção são duplicados sendo ocupados por um funcionário da GPA e por um servidor público Ao todo 200 duzentos servidores trabalham em parceria com a concessionária Há ainda a empresa Accenture do Brasil contratada pela Secretaria de Estado de Defesa Social de Minas Gerais para o monitoramento permanente que atua como verificadora independente São 380 trezentos e oitenta indicadores de desempenho analisados rotineiramente Caso haja o descumprimento parcial ou total de algum indicador previsto no contrato a GPA pode ser multada e ter o valor descontado SENADO 2016 A legislação internacional de países desenvolvidos e em desenvolvimento já adotou as PPPs como uma das formas de concessões Podemos citar a Austrália Infrastructure Australia Act 2008 New South Wales Infrastructure NSW Act 2011 e Victoria Partnerships Victoria Requirements May 2013 o Canadá Order Designating the Minister of Transport as Minister for Purposes of the Act e Regulations for the Purposes of the Canada Strategic Infrastructure Fund Act o Chile Nueba Ley y Reglamento de Concesiones 2010 Reglamento de Concesiones Ley MOP e Ley de Concesiones Decreto MOP 900 de 1996 os Estados Unidos TIFIA Transportation Infrastructure Finance and Innovation Act of 1998 a França 86 Ordonnance n 2004559 du 17 juin 2004 sur les contrats de partenariat Décret de soutenabilité budgétaire du 27 septembre 2012 Arreté du 16 décembre 2010 relatif à linstruction budgétaire du 27 septembre 2012 Décret nº2009243 du 2 mars 2009 Décret nº20041119 du 19 octobre 2004 Décret nº2005953 du 9août 2005 Circulaire du 14 septembre 2005 Circulaire du 9 mai 2012 Décret nº20051740 du 30 décembre 2005 Décision du Conseil dÉtet nº275531 du 31 mai 2006 e Loi nº2008735 du 28 juillet 2008 a Irlanda National Development Finance Agency Act 2002 Portugal Decreto Lei nº 862003 de 26 de Abril de 2003 e México Lei de Asociaciones PúblicoPrivadas Reglamento de la Ley de Asociaciones PúblicoPrivadas Lineamientos que establecen las disposiciones para determinar la rentabilidad socialasí como la conveniencia de llevar a cabo un proyecto mediante un esquema de asociación públicoprivada Manual que establece las disposiciones para determiner la rentabilidad social así como la conveniencia de llevar a cabo un proyecto mediante el esquema de Asociación PúblicoPrivada A preocupação da legislação internacional demonstra que existe grande demanda na atuação do privado junto às políticas públicas trazendo diversas vantagens no âmbito econômico para os empreendedores bem como serviços de melhor qualidade à população usuária As concessões se bem administradas demonstram ser eficaz instrumento ao desenvolvimento da função social da propriedade pública uma vez que em apertada síntese não diminuem o patrimônio do Estado e permitem ao particular a exploração econômica de determinada atividade até então deficitária ou inexistente por parte do poder público 87 CONCLUSÃO No decorrer da história o Brasil vem experimentando constantes transformações em diversas frentes em especial nas atividades políticoadministrativas políticolegislativas judiciária e econômica As constantes modificações demonstram a evolução ou reafirmação de imutabilidade de determinadas temáticas tal como ocorre com a função social da propriedade pública As alterações são necessárias contudo devem ser realizadas observando o princípio de cautela e isonomia e caso haja necessidade enviadas ao judiciário em especial às Cortes Superiores para sua correta interpretação e decisão mostrando assim que as instituições possuem plena harmonia e funcionalidade O trabalho revelou que outras áreas correlacionadas diretamente com o tema quais sejam a social a econômica a política a jurídica e a ambiental desenvolvemse no mesmo compasso que a função social da propriedade o que facilita a estruturação para o desenvolvimento Não obstante sistematizouse que todos os planos políticos e econômicos relevantes no decorrer das gerações tiveram como prioridade a função social da propriedade a exemplo do liberalismo do neoliberalismo do comunismo etc Expôsse ainda que é indubitável que a função social da propriedade pública é instrumento de um Estado democrático de direito pertencente à base dos Direitos Fundamentais Aliás qualquer forma desmembrada já seria constante dessa afirmativa seja a função social ou mesmo a propriedade pública A unificação que no decorrer da história constitucional caminhou conjuntamente só demonstra a importância do objeto do estudo e a relevância que ele tem para um crescente desenvolvimento Todas as gerações dos direitos fundamentais estudadas cinco gerações demonstraram que de alguma forma seja direta ou indiretamente possuem correlação com a função social da propriedade pública As distorções existentes na função social da propriedade pública vêm sendo corrigidas paulatinamente conforme diversas matérias encartadas acarretando para o futuro um caminho promissor e de crescimento da nação Concluise haver diminuição significativa de propriedades ociosas ou ainda de otimização da sua atuação extraindo o máximo de eficácia A pesquisa ainda revelou que todos os poderes Executivo Legislativo e Judiciário não extrapolaram seus limites possuindo interesse em extinguir a inatividade da propriedade 88 pública Contudo o desafio para as futuras gerações é dar eficácia e efetividade a essas ações sem que interfiram diretamente e abruptamente no plano orçamentário e estrutural Caso haja contrariedade à essa assertiva o Estado poderá usar de meios lícitos para coibir essa estagnação tais como as concessões privatizações e as PPPs Esses mecanismos vêm demonstrando grande repercussão positiva vez que seus efeitos assim o fizeram por merecer Concluiuse que mais que positiva a ação é necessária a utilização desses meios para o melhor desenvolvimento do país Revelouse que as concessões as privatizações e as PPPs são realidades hodiernas presentes em diversas transações bilionárias e de grande repercussão tais como a concessão do Rodoanel de São Paulo maior obra metropolitana do Brasil e a privatização da Eletrobrás Indicouse que as PPPs são utilizadas como preferências cada vez mais em todas as esferas da Federação União estado e munícipio As privatizações são conhecidas há mais tempo iniciandose com maior relevância à época da intervenção militar sob o comando do General Ernesto Geisel 1974 com o chamado II Plano Nacional de Desenvolvimento II PND permanecendo até hoje com a criação do CND Conselho Nacional de Desestatização e do FND Fundo Nacional de Desestatização O mercado mostrase positivo a essa iniciativa pois abre campo para a exploração de atividade econômica avanços na tecnologia e pagamento de ativos brasileiros com o ganho da venda As concessões são objeto de norma de plano constitucional art 175 da CF88 A observação é importante pois demonstra a intenção do Legislador Constituinte em utilizarse de determinados setores do particular para sua melhor prestação de serviço público Transmitiu se a necessidade do aspecto histórico pois a evolução mostrase ascendente nas próximas décadas Expôsse que as políticas públicas raramente são oferecidas com qualidade ou quando muito são oferecidas de forma incompleta e dessa ideia nasceu o conceito das Parcerias PúblicoPrivadas a fim de desafogar e dar maior dignidade à prestação de serviço público A tônica recebe contornos positivos de diversos países desenvolvidos e em desenvolvimento demonstrando ser a projeção futura de várias nações incluindo o Brasil O particular também poderá intervir na inércia da função social da propriedade pública com a reivindicação por meio de usucapião de bens públicos inativos tal instituto já sendo admitido em algumas modalidades como a usucapião de domínio útil do bem objeto de enfiteuse conforme diversos entendimentos do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribuna de Justiça 89 A usucapião de enfiteuse revelou o auge do trabalho quanto a evolução da função social da propriedade Modificações essas trazidas e chanceladas pelo Supremo Tribunal Federal abrindo saudável discussão quanto a sentenças baseadas no ativismo judicial ou meramente interpretativas Todos esses instrumentos são necessários pois se constatou que o Estado é deficitário nesses aspectos ou seja em dar produtividade às suas propriedades seja em decorrência da má gestão administrativa ocasionada por seus governadores que possuem o poder de decisões discricionárias seja pela própria impossibilidade dos fatores externos limitação orçamentária vedação legal Outros instrumentos devem ser igualmente incentivados a fim de dar destinação célere à função social da propriedade pública proporcionado igualdade de sanções entre as vertentes pública e privada caso a norma seja descumprida vez que a distinção entre ambos no que tange à improdutividade de terminada propriedade cria o cerne de impunibilidade bem como má aplicação da Justiça em um Estado democrático de direito 90 REFERÊNCIAS ABE Nilma de Castro Notas sobre a inaplicabilidade da função social à propriedade pública Revista Brasileira de Direito Constitucional São Paulo n11 p135154 janjun 2008 ALEXANDRE Ricardo DEUS João de Direito administrativo 4 ed rev atual e ampl Rio de Janeiro Forense São Paulo Método 2018 ALLENDE Guillermo L Panorama de Derechos Reales Buenos Aires La Ley 1967 ALMEIDA Fernando Galvão de A privatização na era do Real Revista Conjuntura Econômica São Paulo v51 n7 p20 jul 1997 Disponível em httpbibliotecadigitalfgvbrojsindexphprcearticleview4033042612 Acesso em 30 ago 2019 ALVES Francisco de Assis Constituições do Brasil Brasília Institutos dos Advogados do Brasil 1985 ALVES José Carlos Moreira Posse evolução histórica 2ed v1 Rio de Janeiro Forense 1997 ARAGÃO Alexandre Santos de Curso de direito administrativo 2ed rev atual e ampl Rio de Janeiro Forense 2013 BARBIERI José Carlos CAJAZEIRA 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propriedade poder atribuído ao titular excludente da participação das demais pessoas e cujos únicos limites seriam aqueles impostos pela própria lei Com efeito a propriedade é um direito complexo que se instrumentaliza pelo domínio Este como substância econômica da propriedade possibilita ao seu titular o exercício de um feixe de atributos consubstanciado nas faculdades de USAR GOZAR DISPOR E REINVIDICAR a coisa que lhe serve art 1228 CC Portanto PROPRIEDADE DOMÍNIO PROPRIEDADE E DOMÍNIO PROPRIEDADE PROPRIEDADE DOMÍNIO A propriedade é um direito subjetivo concernente à relação jurídica complexa que se forma entre aquele que detém a titularidade formal do bem e a coletividade de pessoas inclusive Estado Essa relação jurídica que tem como sujeito a coletividade possui como objeto uma ampla abstenção que consiste na necessidade de os não proprietários respeitarem o exercício da situação de ingerência econômica do titular sobre a coisa PROPRIEDADE E DOMÍNIO PROPRIEDADE A propriedade é um direito subjetivo concernente à relação jurídica complexa que se forma entre aquele que detém a titularidade formal do bem e a coletividade de pessoas inclusive Estado Essa relação jurídica que tem como sujeito a coletividade possui como objeto uma ampla abstenção que consiste na necessidade de os não proprietários respeitarem o exercício da situação de ingerência econômica do titular sobre a coisa PROPRIEDADE E DOMÍNIO PROPRIEDADE Com isso a propriedade não é o retrato material do imóvel com suas características físicas mas a feição econômica e jurídica que a representa formalmente dotando a propriedade de uma situação ativa que lhe permita o trânsito jurídico de titularidade e a proteção plena do aparato jurisdicional Disso avanço para a compreensão da propriedade como uma relação jurídica complexa formada entre o titular do bem e a coletividade de pessoas PROPRIEDADE E DOMÍNIO PROPRIEDADE Se a propriedade é observada pela lógica da relação jurídica a ela inerente a seu turno o domínio repousa na situação material de submissão direta e imediata da cosia ao poder do seu titular mediante o senhorio pelo exercício das faculdades de uso gozo e disposição Nesse ponto quanto à natureza de seu conteúdo temse que o domínio é um direito real que se exerce através da posse O proprietário exercita ingerência sobre coisas domínio e pede a colaboração de pessoas propriedade Disso se verifica a ideia de propriedade plena quando se tem todos os poderes do domínio em uma só pessoa PROPRIEDADE E DOMÍNIO PROPRIEDADE Destarte a propriedade consiste na titularidade do bem já o domínio se refere ao conteúdo interno da propriedade sendo que um existe em decorrência do outro Por conseguinte é possível compreender o domínio como a relação material de submissão direta e imediata da coisa ao poder de seu titular através do exercício das faculdade de uso gozo e disposição PROPRIEDADE E DOMÍNIO PROPRIEDADE Simplificando a ideia de propriedade para o próximos fins propriedade como sendo um conjunto de direitos sobre um recurso que o dono está livre para exercer e cujo exercício é protegido contra a interferência por outro agentes O artigo 1228 traz consigo um conjunto de faculdades que são as inerentes ao domínio As faculdades não são direitos autônomos mas poderes ínsitos à situação de proprietário As faculdades do domínio eventualmente podem ser destacadas pelo seu titular implicando na formação de direitos reais sobre coisa alheia ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE Todavia mesmo quando há o destaque de uma das faculdade do domínio o direito de propriedade se mantém exclusivo O que se tem é o domínio unificado coincide com a propriedade plena o domínio fracionado resulta na propriedade limitada ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE USAR É a faculdade do proprietário de servirse da coisa de acordo com a sua destinação econômica O uso será direto ou indireto conforme o proprietário conceda utilização pessoal do bem ou em prol de terceiro ou deixeo em poder de alguém eu esteja sob sua ordens servidor da posse Mesmo o uso sem utilização atual caracteriza essa faculdade dominial Ex casa na praia que está sempre ao seu alcance ALERTA O uso não é mais uma faculdade do proprietário mas um dever já que a falta de exercício tem efeitos jurídicos O problema do acesso aos bens ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE GOZAR A faculdade de fruir consiste na exploração econômica da coisa mediante a extração de frutos e produtos que ultrapassem a percepção dos simples frutos naturais Distinção entre frutos naturais faculdade de usar industriais e civis ambos são faculdade de gozar É importante a distinção entre frutos e produtos que reside na renovação constante dos frutos à medida que são retirados Em contrapartida os produtos vãose exaurindo quando extraídos da natureza sem possibilidade de renovação ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE GOZAR Conforme art 1232 o proprietário faz jus tantos aos frutos como aos produtos Inseridos estes na categoria dos bens acessórios aplicase o famoso brocardo o acessório segue a sorte do principal art 92 CC Também decorre do jus fruendi direito de fruir o direito às pertenças De acordo com o art 93 do CC não constituem parte integrante da coisa mas se destinam de modo duradouro ao uso serviço ou aformoseamento de outro bem benfeitoria Ou seja as pertenças guardam sua autonomia ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE GOZAR Ou seja nas pertenças as pertenças não se ligam a coisa principal prevalecendo o princípio da não aderência Ex os tratores de uma fazenda são intencionalmente empregados na exploração econômica do imóvel e a ele subordinados no sentido econômico jurídico O que se tem é que não aderem à coisa sendo possível a sua retirada pelo possuidor quando derrotado em ação petitória ou possessória ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE DISPOR Entendese como dispor a faculdade que tem o proprietário de alterar a própria substância da coisa É a escolha da destinação a ser dada ao bem a mais ampla forma de concessão de finalidade econômica ao objeto do direito real A disposição pode ser material ou jurídica Enquanto no exercício dos poderes de usar e fruir o proprietário não se priva da substância da coisa pois aquelas faculdade podem ser destacadas em favor de terceiros sem que seja atingida a condição jurídica do proprietário ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE DISPOR A disposição material da coisa é percebida por atos como a destruição material do bem ou o seu abandono Em ambos os casos o proprietário pratica atos físicos que importam em perda da propriedade art 1275 inc III e IV CC Obs Bens consumíveis disposição material e fruição coisa possíveis confusões e proibição a qualquer norma limitativa ao gozo ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE DISPOR A outro turno a disposição jurídica pode ser total ou parcial Total quando o proprietário praticar ato de alienação importando em mutação subjetiva do direito real a alienação será onerosa venda ou gratuita doação Nos dois casos o adquirente sucederá o alienante em todas as faculdades do domínio ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE DISPOR Já a parcial é percebida no instante em que são instituídos ônus reais sobre o bem O proprietário dispõe parcialmente da coisa quando institui um gravame sobre ela tal com o usufruto ou hipoteca Nas duas situações o proprietário manterá a titularidade apesar da convivência com um direito real sobre coisa alheia como o do credor hipotecário ou um usufrutuário que recebe temporariamente certas faculdades do domínio Isso também ocorre quando é gravado por cláusula de inalienabilidade art 1911 CC ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE REIVINDICAR Compreendido como elemento externo ou jurídico da propriedade representa a pretensão do titular do direito subjetivo de excluir terceiros de indevida ingerência sobre a coisa permitindo que a o proprietário mantenha a sua dominação sobre o bem realizando verdadeiramente atuação socioeconômica sobre a coisa Portanto enquanto usar gozar e dispor se relacionam com o exercício do senhorio pelo dono sobre a coisa a pretensão reivindicatória se qualifica como uma tutela do próprio direito subjetivo ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE REIVINDICAR Se a tutela é no campo do direito subjetivo a ação reivindicatória é de natureza obrigacional e não real Ou seja a pretensão reivindicatória e uma obrigação de fazer por parte do réu consistente na atividade de devolução do bem pretensão obrigacional sendo que a causa de pedir é a violação do dever genérico de abstenção donde surge o direito de sequela A propriedade é estruturada ao redor da norma moral da inviolabilidade sendo a faculdade de reivindicar um instrumento de defesa que fortalece a norma da inviolabilidade tanto em termos de efetividade objetiva quanto coerção subjetiva ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE FACULDADE DE REIVINDICAR Sendo a via de exercício da faculdade de reivindicar a ação reivindicatória para que se obtenha êxito na demanda para a doutrina clássica é suficiente demonstrar o direito subjetivo da titularidade da propriedade sem qualquer discussão fática sobre a qualidade da posse de terceiro Para o que se tem atual sobre a legitimação passiva para a ação reivindicatória a noção ampla de posse injusta a que alude o art 1228 CC não corresponde ao conceito restrito de posse injusto do art 1200 CC Em verdade é aquela desamparada que causa jurídica eficiente ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE A ação reivindicatória é o meio legal para o proprietário reaver a coisa de quem a possua injustamente sem direito obrigacional ou real A posse injusta da coisa que autoriza a ação reivindicatória não se confunde com a qualificação da posse constante do art 1200 do Código Civil Na ação reivindicatória a injustiça da posse significa posse exercida sem direito real sobre a coisa ou sem causa obrigacional que a autorize Irrelevante para fins de reivindicatória o exercício da posse sem violência clandestinidade ou precariedade bem como não afasta seu acolhimento eventual boafé do possuidor IV Dispositivo Recurso desprovido TJSP Apelação Cível 10081188920208260278 Relator a Enéas Costa Garcia Órgão Julgador 1ª Câmara de Direito Privado Foro de Itaquaquecetuba 2ª Vara Cível Data do Julgamento 24022025 Data de Registro 24022025 ESTRUTURA DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPRIEDADE Ao dispor o art 1231 do Código Civil que a propriedade presumese plena e exclusiva até prova em contrário estabelecese a presunção em favor do titular Se houver qualquer restrição ao direito de propriedade cabe a quem alega afastar a presunção de plenitude e exclusive de caráter juris tantum passível de ser elidida EXCLUSIVIDADE PERPETUIDADE ELASTICIDADE E CONSOLIDAÇÃO PRINCIPAIS ATRIBUTOS DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE EXCLUSIVIDADE A mesma coisa não pode pertencer com exclusividade e simultaneamente a duas ou mais pessoas em idêntico lapso temporal pois o direito de proprietário proíbe que terceiros exerçam qualquer senhorio sobre a coisa No condomínio puro e simples não há elisão ao princípio da exclusividade eis que pelo estado de indivisão do bem cada um dos proprietários detém fração ideal do todo Isto é como ainda não se localizaram materialmente por apenas possuírem cotas abstratas tornamse donos de cada parte e do todo ao mesmo tempo PRINCIPAIS ATRIBUTOS DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE PERPETUIDADE A propriedade tem duração ilimitada subsistindo independentemente do exercício de seu titular sendo transmitida por direito hereditário aos sucessores extinguindose somente pela vontade do dono ou por disposição expressa de lei nas hipóteses de perecimento da coisa desapropriação ou usucapião É por isso que apesar de incorporada ao gênero das ações reais reputase a pretensão reivindicatória como perpétua podendo o proprietário usar o atributo da sequela a qualquer tempo PRINCIPAIS ATRIBUTOS DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE PERPETUIDADE O exemplo que esclarece usucapião O proprietário não perde o domínio pelo não uso prolongado da coisa e sim pela posse reiterada do usucapiente A conquista do usucapião seria o mérito exclusivo do possuidor que alcança os requisito legais pois isoladamente o demérito do proprietário inerte não lhe acarretaria a sanção da privação do direito de propriedade Por outro lado há a doutrina que rechaça a intangibilidade da propriedade ou imprescritibilidade de pretensões reivindicatórias O argumento central é a função social da propriedade fundada na finalidade normal da propriedade PRINCIPAIS ATRIBUTOS DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE PERPETUIDADE Uma prova da flexibilização da perpetuidade do direito de propriedade seria o cumprimento de função social quando o ordenamento possibilita o imóvel urbano ou rural ser arrecadado pelo Poder Público como abandonado quando cessados os atos de posse deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais Vale dizer haverá uma presunção absoluta de abandono do imóvel de quem não utiliza o bem e deixa de cumprir as obrigações propter rem PRINCIPAIS ATRIBUTOS DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE ELASTICIDADE E CONSOLIDAÇÃO O direito subjetivo de propriedade abrange um complexo de faculdade que não sofrerá cisão se uma delas for temporariamente desmembrada do conjunto prevalecendo a unidade do direito subjetivo com a preservação do significado jurídico da propriedade Ou seja apesar de o direito de propriedade perseverar com titularidade exclusiva a elasticidade poderá resultar em cisão dos poderes dominiais em favor de outras pessoas PROPRIEDADE PLENA v PROPRIEDADE LIMITADA PRINCIPAIS ATRIBUTOS DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE ELASTICIDADE E CONSOLIDAÇÃO Com efeito o domínio pode ser distendido amplamente elástico A essa situação dáse o nome de propriedade plena ou alodial quando há concentração dos atributos Ademais alodialidade é uma qualidade do imóvel sobre o qual não incidem ônus reais Quando forem destacados poderes para a formação de direitos reais sobre coisa alheia dáse o nome de propriedade limitada podendo inclusive advir de uma transmissão gratuita de direito de propriedade como cláusula de inalienabilidade PRINCIPAIS ATRIBUTOS DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE ELASTICIDADE E CONSOLIDAÇÃO O princípio da consolidação ou da força de atração indica que todas as contrações do domínio serão transitória e anormais Após certo tempo as compressões cessam e reunificados os direitos desmembrados reassume o titular da propriedade o domínio em sua plenitude Nesse ponto percebese dois modelos antagônicos de um lado a exclusividade e de outro a elasticidade sendo que a consolidação afirma a tendência à exclusividade PRINCIPAIS ATRIBUTOS DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE O art 1229 do Código Civil delimita a extensão vertical da propriedade abrangendo o espaço aéreo e subsolo correspondente em altura e profundidade útil ao exercício do direito subjetivo sendo que o titular não poderá oporse injustificadamente à atuação de terceiros sobre o imóvel Um tanto diverso da propriedade romana ad sidera et ad ínferos do céu ao inferno Art 1229 A propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo correspondentes em altura e profundidade úteis ao seu exercício não podendo o proprietário oporse a atividades que sejam realizadas por terceiros a uma altura ou profundidade tais que não tenha ele interesse legítimo em impedilas A EXTENSÃO DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE Art 1230 A propriedade do solo não abrange as jazidas minas e demais recursos minerais os potenciais de energia hidráulica os monumentos arqueológicos e outros bens referidos por leis especiais Parágrafo único O proprietário do solo tem o direito de explorar os recursos minerais de emprego imediato na construção civil desde que não submetidos a transformação industrial obedecido o disposto em lei especial A EXTENSÃO DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE CONSTITUIÇÃO FEDERAL Art 20 São bens da União VIII os potenciais de energia hidráulica X as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e préhistóricos Art 176 As jazidas em lavra ou não e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo para efeito de exploração ou aproveitamento e pertencem à União garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra 4º Não dependerá de autorização ou concessão o aproveitamento do potencial de energia renovável de capacidade reduzida A EXTENSÃO DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE Nesse sentido a partir da máxima pela qual a propriedade se estende até aonde há interesse prático de seu titular temos que somente por uma ótica de ponderação de interesses postos em tensão na lógica da proporcionalidade em concreto e razoabilidade é possível definir quando é o interesse útil de exercício do propriedade Expansão de propriedade e exigência de abstenção pretensão lítica v abusiva A EXTENSÃO DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE Descoberta é o fato jurídico atofato que consiste em alguém encontrar cosia alheia perdida art 1233 CC Ela gera para o descobridor uma obrigação de fazer consistente em entregar a coisa que saiu da esfera de proteção do titular Não é um modo aquisitivo de propriedade móvel por tratarse somente do achado de coisas que temporariamente estão fora do alcance físico do dono Vale salientar que ninguém é obrigado a recolher a coisa perdida mas recolhendoa o descobridor não poderá se apropriar sob pena de responsabilidade civil acrescendose a subsunção da conduta ao tipo do art 169 par ún II do CP DA DESCOBERTA PROPRIEDADE O descobridor é obrigado a restituir o objeto vago ao legítimo possuidor Caso não o encontre em pessoa deverá entregalo à autoridade competente parágrafo único do art1233 CC art 746 CPC A descoberta gera um direito de recompensa em favor do descobridor cujo piso mínimo será de 5 do valor do bem achádego além das despesas com a conservação da coisa como depositário art 1234 CC CONTINUAÇÃO DA DESCOBERTA PROPRIEDADE O juiz ficará o valor exato a ser pago a título de recompensa na linha da proporcionalidade ao ponderar conjuntamente os esforços desenvolvimento pelo descobridor em localizar o proprietário a possibilidade que o dono teria de achar a coisa por seus próprios esforços e sem auxílio do descobridor além da situação econômica do descobridor e das possibilidades financeiras do proprietário parágrafos único do art 1234 CC DA DESCOBERTA PROPRIEDADE O achádego será obtido do próprio dono da coisa ou descontado do produto obtido pela venda em leilão Nessa última hipótese o valor remanescente será concedido ao município em que o bem houver sido descoberto art 1237 CC DA DESCOBERTA PROPRIEDADE Excepcionalmente haverá duas situações em que será facultado ao descobridor adquirir a propriedade a caso o proprietário ao comparecer em juízo declineie por abandonar a coisa para exonerarse da obrigação de custear o achádego art 1234 CC b caso o município abandone o bem em conformidade com o interesse público quando o diminuto valor em favor do descobridor art 1237 par ún CC Ou seja ao invés do proprietário pagar o achádego ao descobridor a indenização é substituída pela própria entrega do bem móvel in natura DA DESCOBERTA PROPRIEDADE Caso o proprietário se recuse a abandonar o bem mas não diligencie no sentido de pagar o achádego poderá o descobridor exercer o direito de retenção a fim de manter consigo a posse sobre bem como forma de constranger o proprietário a cumprir a obrigação O descobridor se assemelha a um possuidor de boafé e como tal deverá ser considerado para fins de tutela em face do proprietário e de terceiros DA DESCOBERTA PROPRIEDADE REGISTRO DO TÍTULO A circulação do bens só se torna viável se houver a tutela do ordenamento jurídico no sentido de pacificar interesses no sentido daqueles que perde e adquire propriedade O primeiro passo para garantir a circulação jurídica é oferecer às partes é oferecer o instrumento do contrato assegurando à eles a segurança necessárias na passagem do patrimônio Todavia o contrato apenas produzirá os efeitos obrigacionais perante os envolvidos sendo res inter alios acta ou seja os efeitos não alcançarão terceiros AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PROPRIEDADE REGISTRO DO TÍTULO O registro público se insere nesse contexto promovendo a devida visibilidade para terceiros promovendo tendo nesse contexto o efetivo efeito de circulação de bens dentro do tráfico jurídico AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PROPRIEDADE REGISTRO DO TÍTULO RELAÇÃO OBRIGACIONAL EFICÁCIAL REAL Um paralelismo comum é entre o registro como modo aquisito de propriedade nos bens imóveis art 1227 CC em equivalência a tradição nos bens móveis art 1226 CC O registro porém é uma tradição solene eis que demanda a formalidade do processamento perante o ofício imobiliário sendo insuficiente a subscrição do título ou a mera entrega da coisa ao adquirente AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PROPRIEDADE REGISTRO DO TÍTULO RELAÇÃO OBRIGACIONAL EFICÁCIAL REAL Quando for registrado um título aquisitivo de propriedade p ex escritura de compra e venda alcançase a condição de proprietário em caráter ex nunc Vale dizer o adquirente recebe os poderes dominiais do bem e se converte em titular do direito subjetivo de propriedade Obs O registro da sentença de usucapião e do formal de partilha não fatos aquisitos de domínio pois este já foi adquirido respectivamente ao tempo em que se completou a usucapião e no momento da morte art 1784 CC AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PROPRIEDADE REGISTRO DO TÍTULO RELAÇÃO OBRIGACIONAL EFICÁCIAL REAL SISTEMA DE REGISTRO 1ROMANO O título não se mostra suficiente para transferir a propriedade devendo ser completado pela observância de um modo forma de aquisição que seria o registro 2 FRANCÊS O registro imobiliário constitui mero instrumento de publicidade e oponibilidade a terceiro pois os contratos isoladamente transmitem a propriedade e geram eficácia real 3 ALEMÃO Para a transmissão é abstraído a causa contrato e a passagem decorre de uma segunda convenção realizada perante o oficial de registro e dissociada do título originário AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PROPRIEDADE REGISTRO DO TÍTULO RELAÇÃO OBRIGACIONAL EFICÁCIAL REAL Em linhas gerais o Direito Brasileiro perfilhou o caminho do meio ou seja o sistema romano ao adotar a teoria do título e do modo de aquisição de propriedade Sem título não se adquire inter vivos a propriedade imóvel art 1245 CC Não basta o título para gerar efeito translativo ex escritura pública instrumento particular carta de sentença e formal de partilha pois determinante é o modo aquisitivo ou seja o registro Art 1245 Transferese entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PROPRIEDADE REGISTRO DO TÍTULO RELAÇÃO OBRIGACIONAL EFICÁCIAL REAL O registro deve ser entendido a partir de um negócio jurídico complexo composto de duas fases uma obrigacional e uma real 1 Com efeito quando o transmitente outorga a escritura de compra e venda o beneficiário adquire um título tornase credor de obrigação de dar mas não se converte em proprietário Ou seja o título só lhe defere a posição de credor de uma relação obrigação 2 depósito do negócio jurídico de natureza causal no RGI pois a autorização do alienante para a transferência resta implícita no título de origem AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PROPRIEDADE REGISTRO DO TÍTULO RELAÇÃO OBRIGACIONAL EFICÁCIAL REAL Ex A aliena imóvel a B e minutos depois de outorgada a escritura vem a falecer O óbito do alienante impede que B registre o título AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PROPRIEDADE REGISTRO DO TÍTULO RELAÇÃO OBRIGACIONAL EFICÁCIAL REAL Ex A aliena imóvel a B e minutos depois de outorgada a escritura vem a falecer O óbito do alienante impede que B registre o título Não porque a manifestação de vontade válida do alienante de cujus exauriuse com ao tempo da venda Portanto os sucessores de A não poderão impedir a transferência do imóvel sob o argumento de que com a morte houve a imediata transferência do imóvel pela saisine AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PROPRIEDADE REGISTRO DO TÍTULO RELAÇÃO OBRIGACIONAL EFICÁCIAL REAL Ex2 A outorga escritura de compra e venda para B em 20 de outubro de 202x e A outorga escritura de compra e venda do mesmo imóvel para C em 25 de outubro de 202x C registra o título imediatamente a escritura de compra e venda B tem ação reivindicatória contra C em relação ao imóvel AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PROPRIEDADE REGISTRO DO TÍTULO RELAÇÃO OBRIGACIONAL EFICÁCIAL REAL Ex2 B tem ação reivindicatória contra C em relação ao imóvel Não porque com o registro nascerá para C direito real de propriedade e apesar da anterioridade cronológica da escritura carece de propriedade sendo a reivindicatória ação privativa dessa natureza AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA OBRIGADO DIREITO CIVIL VI COISAS E PROPRIEDADE INTELECTUAL Prof Leonardo Peteno Magnusson POSSE Ponto de partida os direitos reais são vínculos entre sujeitos e bens que emergem em nível jurídico Nada obstante há além da propriedade outro vínculos que apesar de não formais assumem relações entre sujeito e coisa no plano fático No caso na posse temos 1 Poder físico sobre a coisa 2 Necessidade do homem de se apropriar de bens IDEIAS INICIAIS POSSE Teoria subjetiva Savigny Corpus apreensão da coisa e disponibilidade física animus intenção como se proprietário fosse Teoria objetiva Ihering A posse seria o poder de fato e a propriedade o poder de direito sobre a coisa Vem a ser a posse o exercício de um poder sobre a coisa correspondente ao direito de propriedade ou de outro direito real Efeito posse simultânea TEORIAS E DEFINIÇÃO POSSE O possuidor no regime brasileiro art 1196 CC é quem em seu próprio nome exterioriza alguma das faculdades da propriedade usar gozar dispor e reivindicar seja ele proprietário ou não Dentro dessas características a posse acaba por ser considerada um caminho para a propriedade Bevilaqua decorrente da afiliação à teoria objetiva O possuidor se comporta como proprietário exercendo poderes sobre uma coisa e poderes ostensivos conservandoa e defendendoa TEORIAS E DEFINIÇÃO POSSE Sendo ou não a posse um direito inferido da propriedade teorias em verdade constitui um direito subjetivo dotado de estrutura peculiar e própria Posse fato Possuir direito subjetivo Posse é direito real ou obrigacional 1 A posse não está elencada no artigo 1225 do CC 2 Não há previsão de registro da posse no Ofício Imobiliário Lei n 601573 3 o legislador dispensou a participação dos cônjuges nas ações possessórias art 73 2º CPC 4 vedação à reintegração de posse contra terceiro que ignorava origem ilícita art 1247 CC NATUREZA DA POSSE POSSE Mas também não seria somente obrigacional Propõese que a posse poderia assumir três naturezas 1 Quando o proprietário é o possuidor de seu bem a posse é vista como um direito real já que o direito de possuir é um dos atributos do domínio que significa basicamente o senhorio sobre uma coisa 2 Pode também a posse ser vista como relação jurídica obrigacional quando emanada de um contrato por exemplo de locação ou promessa de compra e venda O fato jurídico que lhe atribui a posse é a relação jurídica obrigacional 3 Há ainda uma terceira possibilidade que não está atrelado ao direito de propriedade ou relação jurídica obrigacional que é quando a posse emana exclusivamente de uma situação jurídica fática e existencial como apossamento e ocupação NATUREZA DA POSSE POSSE Doutrina e jurisprudência dominante podem ser objeto da posse apenas as coisas corpóreas aquelas que podem ser visualizadas e tocadas Coisas que tenham materialidade e sejam suscetíveis de valor econômico com exteriorização de um poder fático Ex contrato de locação não possui posse o direito obrigacional ou direito real consequente à contratação mas sim a coisa Discussão Rui Barbosa e a possibilidade de expandir os interditos possessórios para reintegrar ou manutenir servidor públicos em seus cargos Discussão 2 Coisas corpóreas incorpóreas e as Súmulas 193STJ e 228STJ OBJETO DA POSSE POSSE Coisa corpórea v coisa incorpórea enquanto as coisas corpóreas são perceptíveis pelos sentidos as coisas incorpóreas não têm existência física Súmula 193STJ O direito de uso de linha telefônica pode ser adquirido por usucapião Distinção direito real de uso posse lembrar da proposição de Bevilaqua Súmula 228STJ É inadmissível o interdito proibitório para a proteção do direito autoral O direito do autor por não recair sobre coisa corpórea não pode ser turbado ou esbulhado apenas exercido indevidamente por outros em simples concorrência OBJETO DA POSSE POSSE A capacidade de apropriação não incluso a cláusula de inalienabilidade e a expressividade econômica da coisa não são suscetíveis de posse as coisas fora do comércio Ou seja não haverá posse quando a coisa não puder ser objeto de propriedade particular Com isso os bens públicos de uso comum do povo e de uso especial afetados em prol da coletividade ou do exercício de alguma atividade pública não estão suscetíveis à posse Contrário senso haverá a posse de bens públicos dominicais ou patrimoniais posto desafetados assim como de bens públicos de outra categoria quando objeto de concessão a particular inclusive derivada da relação jurídica Ver artigo 100 e ss do CC OBJETO DA POSSE POSSE É o fenômeno que se verifica quando o proprietário efetivando uma relação jurídica negocial com terceiro transferelhe o poder de fato sobre a coisa Ou seja por força de uma relação jurídica entre o proprietário e terceiro detectase o desdobramento da posse em direta e indireta Proprietário que não desdobra a sua posse posse plena Comparativo entre a teoria objetiva Ihering e subjetiva Savigny O desdobramento da posse é possível pela adoção da teoria objetiva que compreende a posse como exteriorização do poder de fato sobre a coisa Já na teoria subjetiva é inconcebível já que o possuidor direto careceria de animus e o indireto de corpus DESDOBRAMENTO DA POSSE POSSE Em termos práticos verificase o desdobramento quando faculdades que integram o domínio são transferidas pra outra pessoa para que utilize como decorrência de relação jurídica 1 de direito real ex penhor usufruto propriedade fiduciária 2 ou obrigacional ex comodato locação A posse direta não anula a indireta Elas coexistem pacificamente e a isso dá se o nome de posses paralelas DESDOBRAMENTO DA POSSE POSSE Com isso posse direta é aquela que adquire o não proprietário correspondente à apreensão física da coisa art 1197 CC Portanto a posse direta é 1 temporal pois o desdobramento da posse baseiase em relação jurídica transitória de poderes dominiais obs extinção das enfiteuses posse do foreiro semelhante a um aluguel permanente 2 subordinada ou derivada já que a atuação do possuidor direto é limitada ao âmbito de poderes dominiais a ele transferidos pelo possuidor indireto de acordo com a espécie de relação jurídica ex usufruto usar gozar habitação usar moradia DESDOBRAMENTO DA POSSE POSSE Por sua vez posse indireta é a que o proprietário conserva quando temporariamente cede a outrem o poder de fato sobre a coisa A posse não depende apenas do controle material da coisa já que estende a condição de possuidor àquele que utiliza a coisa mediata e indiretamente por intermédio de outras pessoas Como é possuidor aquele conserva umalguns dos poderes dominiais não se pode negar que com o proprietário remanescem algumas faculdades dominiais sendo outras transmitidas ao possuidor direto DESDOBRAMENTO DA POSSE POSSE DEFESA DA POSSE Os possuidores direto e indireto defendem suas posses autonomamente contra terceiros por meio das ações possessórias independentemente de assistência mútua dispensando assim litisconsórcio ativo necessário se houver formase litisconsórcio facultativo AUTOTUTELA Art 1210 O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação restituído no de esbulho e segurado de violência iminente se tiver justo receio de ser molestado 1º O possuidor turbado ou esbulhado poderá manterse ou restituirse por sua própria força contanto que o faça logo os atos de defesa ou de desforço não podem ir além do indispensável à manutenção ou restituição da posse DESDOBRAMENTO DA POSSE POSSE Exemplos 1 Os pais exercem o usufruto legal sobre o patrimônio do filho menor art 1689 CC 2 O inventariante dirige o espólio art 1991 CC 3 O promissário comprador se imite na posse contratual não obstante só se tornar proprietário com o registro da escritura definitiva após regular quitação art 1418 CC Ao momento da aquisição da capacidade plena do menor 1 do trânsito em julgado do formal de partilha 2 e do adimplemento da última prestação do compromisso de compra e venda ou da resolução contratual por inadimplemento 3 a posse unificarseá como proprietário cessando a composse DESDOBRAMENTO DA POSSE POSSE O POSSUIDOR DIRETO E A DEFESA DE INTERESSES O caso do condômino locador Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio art 18 CPC DEFESA DA POSSE DIRETA O possuidor direto pode defender a posse mesmo contra o possuidor indireto na vigência da relação jurídica em virtude de qualquer agressão à sua posse Obs Importante a relação jurídica de direito real ou obrigacional concede a uma pessoa apenas o direito à posse Assim a condição de possuidor direto se edifica progressivamente com o poder fático sobre a coisa objeto do vínculo DESDOBRAMENTO DA POSSE POSSE Para compreender a propriedade como regra é exclusiva Como a posse em face fática se assemelha à propriedade assume essa qualidade também A composse é uma situação excepcional consistente na posse comum de mais de uma pessoa sobre a mesma coisa que se encontra em estado de indivisão art 1199 CC Nesse sentido a comunhão no direito das coisas 1 comunhão da propriedade é entendida como condomínio ou compropriedade 2 nesse sentido a comunhão da situação fática da posse é a composse Portanto para se ter composse 1 mais de um possuidor 2 estado de indivisão da coisa COMPOSSE POSSE Exemplos Vasto grupo de pessoas que ocupam um imóvel abandonado Todos são compossuidores requisito 1 mais de um possuidor sem discriminação de partes reservadas requisito 2 estado de indivisão Obs Se os possuidores acordarem no sentido de reservar áreas específicas e delimitadas para a atuação fática individual e pacífica sobre a sua fração concreta desaparecerá a composse surgindo várias posse pro diviso COMPOSSE POSSE Exemplos Herdeiros requisito 1 mais de um possuidor com relação à fazenda deixada pelo pai no curso do espólio requisito 2 estado de indivisão Na fase anterior ao formal de partilha os sucessores são simultaneamente compossuidores e comproprietários do bem de raiz COMPOSSE POSSE DEFESA DA POSSE Assim como na compropriedade na composse cada possuidor detém um parte abstrata ideal da coisa Isso é suficiente par que possa invocar isoladamente a proteção possessória contra terceiros ou mesmo contra um compossuidor para o resguardo da pose sobre a área comum Nas relações externas perante terceiros os compossuidores procedem com exclusividade como se fossem os únicos titulares da posse Ou seja perante terceiro cada compossuidor pode ser considerado possuidor como um todo e portanto poderá exercer todos os direitos Mas na relação interna ou seja entre os composssuidores deverá agir de modo a não suprimir o conteúdo dos direitos dos outros compossuidores cujo remédio são as possessórias COMPOSSE POSSE Ainda sobre a relação interna e a defesa dos interesses do compossuidor quando houver atuação em determinada área contra a posse propriamente dita o instrumento processual está inserido nas ações possessórias Por sua vez quando a controvérsia se insere no uso e gozo ordinário propriamente dito da coisa comum mormente a sua exploração econômica será caso de enriquecimento ilícito com os mecanismos processuais pertinentes Ex bens se encontram em estado de indivisão no bojo de um inventário no qual alguns dos herdeiros são indenizados por aqueles que indevidamente se apropriam dos frutos da coisa comum no período que precede a partilha COMPOSSE POSSE DISTINÇÃO ENTRE COMPOSSE E DESDOBRAMENTO DA POSSE a distinção é que na composse há repartição quantitativa na posse Nas posses direta e indireta há repartição qualitativa da posse Vale dizer com o desdobramento de posse há posses paralelas em graus diferenciados na composse todos os possuidores encontramse no mesmo plano Para aprofundar Ex áreas privativas e áreas comuns de condomínio edilício ademais a problemática das vagas de garagem exclusivas e privativas Nesse ponto o uso rotativo e não equitativo das vagas COMPOSSE POSSE A detenção é uma posse degradada juridicamente desqualificada pelo ordenamento jurídico Ou seja o ordenamento jurídico decidiu que em determinadas situações o poder fático de alguém não tem repercussão jurídica Por conseguinte distinção entre posse e detenção desqualificação jurídica Nesse sentido há uma escala de poder sobre a coisa PROPRIEDADE POSSE DETENÇÃO Há quatro hipóteses de detenção que ordenamento jurídico reconhece 1 servidores da posse 2 atos de permissão ou tolerância 3 atos de violência ou clandestinidade 4 atuação em bens públicos de uso comum e uso especial DETENÇÃO POSSE Servidores da posse são aqueles que detêm o poder físico sobre a coisa em razão de uma relação subordinativa para com terceiro Apreende a coisa em cumprimento de ordens ou instruções emanadas dos reais possuidores ou proprietários Conhecidos com fâmulos da posse exercitam atos de posse em nome alheio como mero instrumento da vontade de outrem Obs Não é necessário vínculo formal remuneração contínuo É bastante um vínculo social de subordinação porém sem autonomia DETENÇÃO SERVIDORES DA POSSE ART 1198 POSSE DEFESA DA POSSE PELO DETENTOR O detentor não possui legitimidade para ajuizar ações possessórias em defesa de um esbulho turbação ou ameaça sobre o bem AUTOTUTELA Todavia na qualidade de longa manus do possuidor certamente poderá exercer a pretensão defensiva pela via do desforço imediato ou da legítima defesa da posse com a ressalva de que o faça em nome e proveito do terceiro que represente Enunciado n 493 do CJF DETENÇÃO SERVIDORES DA POSSE ART 1198 POSSE A permissão nasce da autorização expressa do verdadeiro possuidor para que terceiro utilize a coisa a tolerância resulta de consentimento tácito ao seu uso caracterizandose ambas pela transitoriedade e pela faculdade de supressão do uso a qualquer instante pelo real possuidor sem erigir proteção possessória ao usuário Ex Vizinhança hospitalidade hospedagem ou me complacência A permissão não é um negócio jurídico mas sim um ato jurídico stricto sensu Por tanto pode ser extinto a qualquer tempo no sentido de desconstituir a detenção Há um estado de sujeição do detentor em face do verdadeiro possuidor DETENÇÃO ATOS DE PERMISSÃO OU TOLERÂNCIA ART 1208 POSSE Enquanto materialmente existentes os atos de violência e clandestinidade impedem a aquisição da posse por parte de quem delas se aproveita configurandose os ilícitos perpetrados sobre a coisa simples atos de detenção se transmutando para a natureza de posse com a efetiva cessação de tais condutas Ou seja a condição de esbulhador violento e clandestino é reduzida à de mero detentor Mas a posse inaugurada no momento superveniente à cessação da violência ou clandestinidade terá qualificação de injusta DETENÇÃO ATOS DE VIOLÊNCIA OU CLANDESTINIDADE ART 1208 POSSE Diferente do fâmulo de daqueles que utilizam a coisa por permissão ou autorizam ou seja aqueles que tem detenção dependente os detentores que exercem atos de violência e clandestinidade exercem detenção independente DETENÇÃO E AÇÕES POSSESSÓRIAS Essa condição de detentor independente autoriza o manejo de interditos possessórios em face de terceiros que não a vítima dos atos de violência ou clandestinidade pois não estará litigando contra que obteve a coisa de forma manifestamente viciosa art 1211 CC DETENÇÃO ATOS DE VIOLÊNCIA OU CLANDESTINIDADE ART 1208 POSSE O particular que ocupa bem público de uso com do povo ou especial não possui posse mas apenas a condição de mero detentor Inclusive contra a administração terá a defesa apenas contra o excesso pela via da pretensão indenizatória DETENÇÃO BENS PÚBLICOS ART 100 POSSE VÍCIOS OBJETIVOS DA POSSE Não tem qualquer relação com a causa da posse mas sim da forma pela qual ocorreu sua aquisição violência clandestinidade ou precariedade Posse justa é aquela cuja aquisição não repugna ao direito isenta de vícios de origem posto não ter sido obtida pelas formas enunciadas no art 1200 do CC Posse injusta é a que se instala por modo proibido e vicioso ou então iniciada de forma pacífica e pública se converte em momento posterior em injusta Dividese em violenta clandestina e precária CLASSIFICAÇÃO DA POSSE POSSE VÍCIOS OBJETIVOS DA POSSE Posse injusta Posse violenta adquirese pelo uso da força vis absoluta ou pela ameaça vis compulsiva Seja pelo uso de força bruta ou de intimidação contra o real possuidor ou servidor da posse caseiro ou os motivos pois o vício é objetivo Contrato celebrado por coação apossamento maculado por coação CLASSIFICAÇÃO DA POSSE POSSE VÍCIOS OBJETIVOS DA POSSE Posse injusta Posse clandestina adquirese às ocultas de quem exerce a posse atual sem publicidade ou ostensividade mesmo que a ocupação seja eventualmente constatada por outras pessoas Não é mero desconhecimento mas um camuflar Ex invasão de casa de veraneio Detenção posse clandestina e esbulho CLASSIFICAÇÃO DA POSSE POSSE VÍCIOS OBJETIVOS DA POSSE Posse injusta Posse precária resulta do abuso de confiança do possuidor que indevidamente retém a coisa além do prazo avençado para o término da relação jurídica que originou a posse Ex Comodato posse precária Ex Detenção extinção contrato de trabalho posse injusta CLASSIFICAÇÃO DA POSSE POSSE APELAÇÃO DIREITO CIVIL EMBARGOS DE TERCEIRO AÇÃO REIVINDICATÓRIA RECURSO DESPROVIDO I Caso em Exame Apelação interposta contra sentença que julgou improcedente embargos de terceiro em ação reivindicatória Os autores alegam direito à assistência judiciária inexistência de posse injusta aquisição do imóvel com posse de 18 anos prescrição aquisitiva aplicação da função social da propriedade e necessidade de indenização por benfeitorias II Questão em Discussão A questão em discussão consiste em determinar se a posse dos embargantes é injusta e se há direito à reivindicação do imóvel pelo proprietário além da análise sobre a possibilidade de indenização por benfeitorias III Razões de Decidir A ação reivindicatória é o meio legal para o proprietário reaver a coisa de quem a possua injustamente sem direito obrigacional ou real A posse injusta da coisa que autoriza a ação reivindicatória não se confunde com a qualificação da posse constante do art 1200 do Código Civil Na ação reivindicatória a injustiça da posse significa posse exercida sem direito real sobre a coisa ou sem causa obrigacional que a autorize Irrelevante para fins de reivindicatória o exercício da posse sem violência clandestinidade ou precariedade bem como não afasta seu acolhimento eventual boafé do possuidor Aquisição do imóvel quando já havia sido julgada procedente ação reivindicatória contra o alienante sendo afastada a existência de usucapião Aquisição de coisa litigiosa com conhecimento do estado litigioso da coisa afastando boafé e a pretensão de indenização de acessões e benfeitorias que causaram prejuízo ao proprietário IV Dispositivo Recurso desprovido TJSP Apelação Cível 10081188920208260278 Relator a Enéas Costa Garcia Órgão Julgador 1ª Câmara de Direito Privado Foro de Itaquaquecetuba 2ª Vara Cível Data do Julgamento 24022025 Data de Registro 24022025 CLASSIFICAÇÃO DA POSSE POSSE VÍCIOS SUBJETIVOS DA POSSE Relativos a boafé em sentido que haja plena convicção de legitimidade da posse ou seja ignora o vício ou obstáculo que impede a aquisição da posse Portanto o vício subjetivo da máfé decorre da ciência do possuidor no tocante à ilegitimidade de sua posse Já a boafé envolve um estado psicológico que necessariamente não se liga à maneira pela qual a posse foi adquirida e sim a uma visão do possuidor sobre a sua real situação jurídica diante da coisa Ex possuidor adquire imóvel embasado em título de domínio escritura desconhecendo a falsidade Obs ENGANO ACEITÁVEL CLASSIFICAÇÃO DA POSSE POSSE O JUSTO TÍTULO DA POSSE BOAFÉ E MÁFÉ Art 1201 É de boafé a posse se o possuidor ignora o vício ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa Parágrafo único O possuidor com justo título tem por si a presunção de boafé salvo prova em contrário ou quando a lei expressamente não admite esta presunção PORTANTO Com justo título presunção de boafé tendo inversão do ônus de prova quanto eventual injustiça da causa da posse Sem justo título deverá produzir prova quanto a causa da posse que não transparecia vício obstáculo ou lesão a direito alheio ordinariamente identificáveis CLASSIFICAÇÃO DA POSSE POSSE Salvo prova em contrário manterá a posse o mesmo caráter da aquisição art 1203 CC Tratase de uma presunção iuris tantum já que em princípio não é permitido unilateralmente alterar a configuração de uma posse sanando arbitrariamente eventuais vícios objetivos ou subjetivos no interesse exclusivo do possuidor Em outros termos a posse e suas causas com as virtudes e defeitos sendo este seu caráter é como regra imutável Como mencionado o comportamento do sujeito é determinante para configurar a posse como injusta mas posterior como regra isto não se modifica CONVALESCIMENTO DA POSSE POSSE FATO DE NATUREZA JURÍDICA Em razão de uma relação jurídica de direito real ou obrigacional é facultada ao possuidor que mantenha posse objetiva ou subjetiva viciada alterar o caráter sanando os vícios de origem Ex posse obtida por violência adquire compra e venda o imóvel Nesse caso há a modificação da causa possessionis razão da posse A posse injusta convertese em justa CONVALESCIMENTO DA POSSE POSSE FATO DE NATUREZA MATERIAL É a manifestação por atos exteriores e prolongados do possuidor da inequívoca intenção de privar o proprietário do poder de disposição sobre a coisa Nesse caso não há um acordo de vontades mas o proprietário deixa de resistir a posse injusta Nesse caso a posse sofre o fenômeno da intervenção e o possuidor adquire animus domini Ato contínuo os caracteres da posse mudam de ad interdictae para ad usucapionem podendo se qualificar inclusive como de boafé lembrando do instituto correlato da boafé supressio CONVALESCIMENTO DA POSSE POSSE Se de acordo com Ihering teoria adotada o possuidor é aquele que tem de fato o exercício pleno ou não de algum dos poderes inerentes ao domínio qualquer pessoa que esteja nessa situação terá adquirido a posse art 1204 CC Por isso uma forma de compreender o possuidor é como aquele que tem de fato o exercício pleno ou não de algum do poderes inerentes à propriedade Essa é inclusive a disposição legal art 1196 CC Seguindo a proposição de apreensão econômica da coisa o titular do poder de ingerência socioeconômica sobre um bem da vida será possuidor apenas não alcançará as hipóteses de detenção AQUISIÇÃO E PERDA DA POSSE POSSE Compreendido essa estrutura da posse ela será adquiria com o simples exercício do poder de fato sobre a coisa independentemente de qualquer causalidade Ou seja enquanto a propriedade tem causalidade nascendo por exemplo a partir do registro ou usucapião a posse independe de qualquer forma jurídica prévia embora possa ter como elemento informativo um ato causal O que se percebe é que a posse é flexível e depende quase sempre do que é usual e comum no tempo e espaço As circunstâncias que revelam a posse são as mais variadas podem ser ligadas ao normal exercício aparente da propriedade AQUISIÇÃO E PERDA DA POSSE POSSE Nada obstante é possível uma distinção entre aquisições originárias e derivadas Na aquisição originária a chamada posse natural surge ex novo em razão do apossamento da ocupação do bem caracterizada como a tomada de controle material da coisa por parte de uma pessoa que de forma pública e reiterada pratica atos materiais que demonstram a sujeição do bem ao titular Na posse natural temos um modo originário de aquisição de posse em que não há qualquer relação jurídica entre o novo possuidor e um possuidor ou proprietário precedente AQUISIÇÃO E PERDA DA POSSE POSSE Ainda sobre a aquisição originária da posse natural é resultante do exercício de poderes de fato sobre a coisa alijado de qualquer base negocial De acordo com o art 1205 inc I CC a posse pode ser adquirida pela própria pessoa que a pretende Para tanto é despiciendo cogitar das regras ordinariamente aplicáveis aos negócios jurídicos não aplica já que se caracteriza como um atofato ato voluntário efeito decorre da norma Questão da capacidade do possuidor AQUISIÇÃO E PERDA DA POSSE POSSE Já a aquisição derivada tem como núcleo a posse civil ou jurídica aquela que se transmite ao novo possuidor O possuidor não se apodera da coisa mas recebea de quem exercia a posse anteriormente Essa modalidade de posse é adquirida por força da relação jurídica sem necessidade da apreensão material da coisa Ou seja quem adquire a propriedade ou um direito dela decorrente ex usufruto recebe o direito de possuir por investirse de faculdades de uso e gozo da coisa AQUISIÇÃO E PERDA DA POSSE POSSE Ainda na posse derivada a despeito da relação causal o adquirente da posse só será verdadeiramente considerado possuidor no momento em que exercer de fato poderes sobre a coisa independentemente do fato jurídico do fato jurídico do qual derivou a faculdade de possuir Vale dizer a tradição do bem é apenas o pressuposto para que a pessoa comece a se conduzir como o bom proprietário normalmente faria perante o bem AQUISIÇÃO E PERDA DA POSSE POSSE UNIÃO DE POSSES SUCESSIO POSSESSIONIS Não há propriamente uma aquisição da posse mas a passagem de um patrimônio inteiro Os herdeiros legítimos ou testamentários continuam a posse dos bens da heranças em caráter de individualidade eis que se subrogam na posição econômica do falecido ex lege Tratase de modo derivado de titularização da posse pois diante do princípio da saisine não se pode destacar a nova posse da antiga AQUISIÇÃO E PERDA DA POSSE POSSE UNIÃO DE POSSES SUCESSIO POSSESSIONIS Aliás a mutação subjetiva da titularidade da posse não afeta às suas qualidades Isto é os vícios objetivos e subjetivas que balizam a sua natureza art 1206 CC mesmo que no íntimo ignorassem os defeitos da posse já conhecidos por seus antecessores acompanham a posse AQUISIÇÃO E PERDA DA POSSE POSSE UNIÃO DE POSSES ACESSIO POSSESSIONIS Em sentido diverso que sempre se verifica inter vivos e por meio de uma relação jurídica o sucessor singular tem a faculdade de unir a sua posse à do antecessor O sucessor singular pode optar por cortar toda a trajetória possessória anterior e começar uma nova jornada Se o desligamento ocorrer sua posse obterá a vantagem de exemplificativamente valerse de justo título de sua posse nova para a contagem de prazo de usucapião ordinária CONTINUAÇÃO AQUISIÇÃO E PERDA DA POSSE POSSE UNIÃO DE POSSES ACESSIO POSSESSIONIS Mas lembrar que por relação jurídica temos uma forma de aquisição derivada de posse Sendo assim a posse é acompanhada das mesmas características com que se encontrava no patrimônio do transmitente De mais a mais é certo que ninguém pode alterar por ato de própria vontade os caracteres da própria posse como ocorreria se pelo exercício da faculdade de união de posses o possuidor fosse capaz de convalescer a posse injusta em justa liberandose dos vícios que maculavam a relação possessória anterior AQUISIÇÃO E PERDA DA POSSE POSSE FRUTOS Frutos são as utilidades econômicas que a coisa produz sem alteração ou perda de sua substância Essa ideia parte da noção de fruto como algo que é produzido e lhe destaca duas características a periodicidade de sua produção e a preservação da cosia frutífera Comumente frutos e produtos pertencem habitualmente ao proprietário do bem tal como enaltece o princípio da gravitação jurídica art 92 CC Quanto se fala em posse o estudo diz respeito exclusivamente ao FRUTOS excluindo produto EFEITOS DA POSSE POSSE FRUTOS Os frutos podem ser separados da coisa principal ainda que em momento superveniente de sorte que podem ser objeto de relação jurídica ainda que não separados art 95 CC Na qualidade de coisas acessórias normalmente pertencerão os frutos ao proprietário ou ao titular da coisa ao tempo em que forem colhidos Atendendo porém à função social da posse a lei homenageia a eticidade da conduta do possuidor de boafé em detrimento do proprietário inerte que abandonou a posse EFEITOS DA POSSE POSSE FRUTOS Estamos temos o seguinte Art 1232 Os frutos e mais produtos da coisa pertencem ainda quando separados ao seu proprietário salvo se por preceito jurídico especial couberem a outrem Sem preceito jurídico especial Art 1214 O possuidor de boafé tem direito enquanto ela durar aos frutos percebidos De modo que a aquisição de frutos está subordinada ao seguintes requisitos EFEITOS DA POSSE POSSE RESPONSABILIDADE CIVIL Possibilidade de imputação de responsabilidade civil dever de indenizar ao possuidor pela perda da posse ou deterioração da coisa que vem a ser retomada A distribuição dos ricos quanto à perda ou deterioração do bem oscila a depender da boa ou da máfé do possuir a partir do que se tem nos art 1217 e 1218 do CC As consequências estão ligadas ao perecimento avaria da coisa EFEITOS DA POSSE POSSE RESPONSABILIDADE CIVIL O art 1217 afirma que o possuidor de boafé somente responderá civilmente pela perda o deterioração da coisa possuída quando lhe der causa Ou seja até que a boafé cesse apenas haverá a responsabilidade do possuidor quando o retomante provar a culpa pelo perecimento da coisa devendo então ressarcir pelo montante equivalente à depreciação econômica provocada na coisa No mínimo deverá provar descuido ou negligência do possuidor e a relação de causalidade entre a desídia e o dano Tratase de responsabilidade civil subjetiva Tratase de prestígio à boafé EFEITOS DA POSSE POSSE RESPONSABILIDADE CIVIL Nesse sentido tratandose de bem infungível não se provando culpa o risco da perda ou deterioração será única e exclusivamente do retomante aplicando se o brocardo res perito domino em semelhança ao que ocorre no direito obrigacional que é positivo no art 238 EFEITOS DA POSSE POSSE RESPONSABILIDADE CIVIL Por sua vez o art 1218 O possuidor de máfé responde pela perda ou deterioração da coisa ainda que acidentais salvo se provar que de igual modo se teriam dado estando ela na posse do reivindicante A norma estipula que o possuidor de máfé será responsabilizado pelo perecimento ou degeneração do bem ainda que o evento lesivo tenha sido determinado por força maior escusandose perante o retomante somente quando demonstrado que o fato verificarseia mesmo que lá não mais permanecesse Ex terremoto Ou seja ideia de diligência intransponível EFEITOS DA POSSE POSSE RESPONSABILIDADE CIVIL O que se tem no artigo 1218 é uma responsabilidade objetiva por risco integral na qual o real titular do bem não precisará prova a culpa do possuidor de máfé nem este poderá ilidir o dever de reparar por eventos externos à sua atuação como o fortuito externo e o fato de terceiro Assim o possuidor de máfé tem a convicção que deveria restituir o bem a quem de direito mas se o faz Esse comportamento moralmente reprovável merecerá intensa sanção por parte do ordenamento Consequentemente qualquer evento danoso será imediata e objetivamente responsável EFEITOS DA POSSE OBRIGADO 125 ARGUMENTUM Revista de Direito n 11 2010 UNIMAR Função social do uso de bens públicos FUNÇÃO SOCIAL DO USO DE BENS PÚBLICOS NATUREZA JURÍDICA E REQUISITOS DA OUTORGA DE USO DA ÁGUA E DE SUA RESPECTIVA COBRANÇA SOCIAL FUNCTION OF THE USE OF PUBLIC PROPERTy JURIDICAL NATURE AND REqUIREMENTS FOR A PERMIT FOR USAGE OF WATER AND ITS REVENUE Luiz Marcello de Almeida Pereira1 Sumário 1Introdução 2 Propriedade e função social 3 A água é bem público 31 Regime jurídico da água enquanto bem econômico 32 Domínio da água 4 Uso dos recursos hídricos outorga e cobrança 41 Outorga 42 Cobrança gera internalização de externalidades negativas 5 Considerações finais Referências Summary 1Introduction 2 Property and social function principle 3 Water is a public property 31 Regulation of water as economic domain 32 Pro perty of water 4 Use of water resources permit and charging 41 Permit 42 Charging generates internalization of negative externalities 5 Final remarks Reference Resumo O artigo propõe que o princípio da função social da propriedade se aplica à outorga de uso da água Há uma primeira discussão sobre a função social e o sentido constitucional do princípio A partir de noções próprias da teoria do ordenamento jurídico e do Estado se estabelece a vinculação entre a função social da propriedade do Estado e do ordenamento positivadas no artigo 3º da Constituição da República atual Segue exame do regime da água enquanto bem econômico e também sobre a titularidade e a tipi cidade de seu domínio Aprofundase então sobre a natureza jurídica e a forma típica do ato administrativo da outorga bem como da cobrança referente ao uso Após a determinação destas premissas a conclusão se faz pela aplicabilidade do princípio à outorga Palavraschave Outorga do uso da água Função social da propriedade Função social do uso de bem público 1 Mestre em direito pela UNIMAR professor de Direito Constitucional e História do Direito no Centro Universitário Estácio de Sá em SalvadorBA ARGUMENTUM Revista de Direito n 11 2010 UNIMAR 126 Luiz Marcello de Almeida Pereira Abstract The article states the applicability of the social function of property principle to the permit for water use The first discussion is about the constitutional meaning of the principle The third article of the Brazilian Constitution gives the key to understand the social function of property The next step is examining the rule of water as an input in the economy and also the legal type of domain that applies to water The specification of the permit for water use is the next subject concerning its typical juri dical nature and the nature of charging for it After setting these premises the conclusion is for the applicability of the principle as a criterion to the permit for water use Keywords Permit for water use Social function of property social function of water use 1 Introdução O presente artigo propõe a função social como critério constitucionalmente obrigatório para a concessão de outorga de uso de água A afirmativa principal é que o direito ao uso da água tanto quanto o direito à propriedade posto que se trate de direito de gozo privilegiado de bem tem como critério de legitimidade a obediência à sua função social Para tanto se analisam as noções de propriedade e função social como definidas constitucionalmente e posteriormente se determina o regime da água inclusive sua propriedade e forma de atribuição de seu uso A função social da outorga tanto quanto a função social da propriedade se submete à regra geral da função social do ordenamento A função social da outorga deve correr portanto no mesmo curso do mandamento constitucional CR Art 3º que estabelece os objetivos da República Não há portanto direito à outorga se o uso se chocar com a construção de sociedade livre justa e solidária a garantia do desenvolvimento social a erradicação da pobreza e da marginalização a redução das desigualdades regionais e sociais ou a promoção do bem de todos sem discriminação 2 Propriedade e função social A Constituição da República estabelece que a propriedade atenderá sua função social no seu Art 5º XXIII estabelecendo no Art 170 III a mesma função social da propriedade como princípio da ordem econômica Eros Roberto Grau analisando as diferenças entre o regime da propriedade antes e depois da obrigatoriedade de atender a função social enxerga nesta evolução 127 ARGUMENTUM Revista de Direito n 11 2010 UNIMAR Função social do uso de bens públicos como afirmou André Piettre a revanche da Grécia sobre Roma da filosofia sobre o direito a concepção romana que justifica a pro priedade pela origem família dote estabilidade dos patrimônios sucumbe diante da concepção aristotélica finalista que a justifica pelo seu fim seus serviços sua função2 Tratase de conflito entre concepções culturalmente divergentes A romana é análoga àquela do início da modernidade liberal e próxima do direito natural A grega é análoga à contemporânea próxima da concepção de direito como instrumento de organização social e da efetivação de políticas de Estado ou de Governo3 Na Roma clássica o fundamento do ordenamento era a tradição ou seja a repetição do passado Assim o direito não era visto como um instrumento mas como resultado Nesta hipótese ele era obedecido e mesmo aplicado como imperativo absoluto O fundamento de crítica a este ordenamento não eram as consequências práticas de sua concretização mas apenas sua adequação aos mandamentos tradicionais Na ática antiga o fundamento do ordenamento era a razão ou seja o que se desenha para o futuro Assim o direito não era visto como resultado mas como instrumento Nesta hipótese ele era obedecido e mesmo aplicado com vistas à sociedade que se pretendia construir O fundamento de crítica a este ordenamento não era a tradição mas sim seus efeitos na sociedade Ao fundar o ordenamento na razão a ática apontava para a possibilidade de pragmaticamente negar proteção a qualquer direito quando seu exercício fosse socialmente nocivo Com a vitória da razão compreendese que a forma das criações humanas devese subordinar à função que desempenharão Daí a importância cada vez maior da interpretação teleológica do ordenamento No direito ordenamento a forma é positivada em textos que limitam circunstâncias de tempo e espaço requisitos condições procedimentos liberdades ou competências que estabelecem o que é aquele instituto A função é a proteção do bem juridicamente relevante No Direito ciência a forma se expressa no conjunto das normas jurídicas criadas pelo interprete com base no ordenamento que definem o regime do dado instituto As normas infraconstitucionais ganham significado a partir do conteúdo deontológico atribuído à Constituição O regime do direito à propriedade está subordinado ao atendimento de sua função social A própria essência da propriedade se define pela função social pela finalidade que se busca atingir por sua positivação 2 GRAU E R Elementos de direito econômico São Paulo Revista dos Tribunais 1981 p 113 3 Rica explanação relacionada ao tema se encontra em FERRAz JR T S Introdução ao estudo do direito técnica decisão dominação 3 ed São Paulo Atlas 2001 p 2129 ARGUMENTUM Revista de Direito n 11 2010 UNIMAR 128 Luiz Marcello de Almeida Pereira O Estado congrega recursos sociais é característica desta forma de organização social a gestão pelo ente político supremo de recursos da economia decorre daí que deva atuar em prol desta sociedade que o suporta Teóricos de todos os matizes ideológicos se debruçam sobre o tema nenhum olvidando que a função do Estado seja perseguir o bem comum O criador da expressão Rousseau definia este como objeto da vontade geral da sociedade entretanto Chaïm Perelman ressalta querer opor como faz Rousseau a vontade geral sempre reta à vontade de todos frequentemente induzida em erro é justificar de antemão todas as tiranias pois é evidente que o tirano sempre conhe ce melhor que o povo os verdadeiros interesses deste último4 A definição do bem comum em cada caso concreto ou abstrato se coloca como decisão política submetida à Constituição da República entendida como formalização das decisões políticas fundamentais dos titulares da soberania Daí a legitimidade da determinação da finalidade do ordenamento e do Estado no Art 3º da nossa Constituição inserida no Título em que se encontram as decisões políticas fundamentais que o constituinte acolheu5 As decisões mais particulares se submetem aos princípios que formalizam as decisões mais gerais assim como os dispositivos normativos hierarquicamente inferiores se submetem aos superiores Assim a função última de todo direito se identifica com as finalidades da República determinadas pelo Art 3º da Constituição Além da generalização acima definida os direitos fundamentais têm funções específicas negativas de proibição ou dever de abstenção pelo Estado e positivas de obrigação ou dever de ação pelo Estado Segundo Canotilho elas são as funções de defesa ou de liberdade de prestação social de proteção perante terceiros e de não discriminação6 a primeira negativa e as três últimas positivas O direito à propriedade segundo esta ideia consiste na exclusividade de uso fruição e disposição de bens perante o Estado e terceiros e na obrigação ao Estado de empenho para prover condições materiais do seu gozo a todos sem discriminação O ordenamento deriva seu sentido dos princípios constitucionais fundamentais sempre em conexão com a realidade social que os atualiza O exercício dos direitos fundamentais é legítimo apenas enquanto não fere a sociedade Eles são protegidos como forma de alcançar as finalidades que a 4 PERELMAN C Lógica jurídica nova retórica São Paulo Martins Fontes 1998 p 201 5 SILVA J A Curso de direito constitucional positivo São Paulo Malheiros 2002 p 95 6 CANOTILHO J J G Direito constitucional e teoria da constituição 3 ed Lisboa Almedina sd p 383386 129 ARGUMENTUM Revista de Direito n 11 2010 UNIMAR Função social do uso de bens públicos Constituição determinou para a República e para o ordenamento ou seja se o proprietário não cumpre e não se realiza a função social da propriedade ele deixa de ser merecedor de tutela por parte do ordenamento jurídico desaparece o direito de propriedade7 A função social da propriedade está ligada ao seu uso de maneiras socialmente relevantes de forma a a inserir o bem na cadeia produtiva de maneira a obedecer aos mandamentos do Art 170 da Constituição da República o desenvolvimento nacional está no inciso II do seu Art 3º b a promover distribuição equitativa de renda recursos ou serviços para toda a sociedade em obediência aos incisos III e IV do Art 3º e c a promover a construção de sociedade livre justa e solidária Art 3º I Função social é função justa justa para com toda a sociedade 3 A água é bem público Assim o bem deve ter uso e quanto maior for este uso desde que legítimo maiores serão os benefícios que advirão dele para a sociedade Isso vale para os bens privados como também para os bens públicos Neste sentido Notese que o poder público tanto pode restringir como pode am pliar o uso de bens públicos quando amplia está atendendo ao princípio da função social da propriedade pública uma vez que está cumprindo o dever de garantir que a utilização dos bens públicos atenda da forma mais ampla possível ao interesse da coletividade 8 Bens públicos por serem recursos sociais inexoravelmente devem servir à finalidade do bem comum não é inexorável entretanto que efetivamente sirvam por óbvio Cabe perquirir sobre distinções entre as categorias de bens públicos gênero com três espécies segundo o Art 99 do Código Civil a os bens de uso comum b os de uso especial e c os dominicais Não interessa investigar em pormenor no escopo do presente estudo os de uso especial e os dominicais já que a água é bem de uso comum Sobre estes Di Pietro leciona que não é demais repetir que a destinação pública é inerente à própria natureza jurídica dos bens de uso comum do povo porque eles estão afetados a fins 7 SILVEIRA D S D A propriedade agrária e suas funções sociais In SILVEIRA D S D XAVIER F S Orgs O direito agrário em debate Porto Alegre Livraria do Advogado 1988 p 14 8 DI PIETRO M S z Função social da propriedade pública Revista Eletrônica de Direito do Estado Salvador Instituto de Direito Público da Bahia nº 6 abrilmaiojunho 2006 Disponível em httpdi reitodoestadocombr Acesso em 24 jun 2006 ARGUMENTUM Revista de Direito n 11 2010 UNIMAR 130 Luiz Marcello de Almeida Pereira de interesse público seja por sua própria natureza seja por destinação legal9 Bandeira de Melo também afirma que os de uso comum têm afetação estabelecida em lei ou decorrente de sua natureza ou do destino natural do bem citando expressamente os recursos hídricos10 Pode haver no âmbito do regime dos recursos hídricos a outorga para que terceiros os usem seriam pessoas privadas ou públicas diferentes das titulares de seu domínio Em verdade as pessoas responsáveis pela formalização da outorga também não são titulares destes domínios mas o problema se resolve pela atribuição legal de competência para tanto e pelo claro fundamento constitucional das leis em questão Art 21 XIX da Constituição da República Esta outorga deve garantir o maior uso possível dos ditos recursos também em decorrência do quanto já se afirmou até o momento sobre o direito à função social da propriedade ou seja as águas públicas podem atender a inúmeros objetivos alguns de uso comum como a navegação outros de uso privativo como a deri vação para fins agrícolas ou industriais ou para execução de serviço público como a produção de energia elétrica e o abastecimento da população como também podem atender simplesmente às primeiras necessidades da vida11 Fundamental é que estes usos se sobreponham harmoniosamente se sucedam no tempo e no espaço e se multipliquem A Lei Federal 943397 em consonância com o imperativo constitucional determina logo em seu Art 1º IV que um dos fundamentos da Política Nacional de Recursos Hídricos seja exatamente o uso múltiplo das águas Não obstante sua multiplicidade alguns usos dos recursos hídricos os mais economicamente relevantes dentre eles inclusive serão outorgados São estes usos que argumentase aqui devem ter clara função social sem a qual a outorga é inconstitucional 31 Regime jurídico da água enquanto bem econômico O Direito Ambiental é aqui tratado como parte do Direito Econômico é o pensamento de Paulo de Bessa Antunes por exemplo ao ressaltar que o Direito do Meio Ambiente é dotado de instrumentos específicos que o capacitam 9 DI PIETRO M S z Função social da propriedade pública Revista Eletrônica de Direito do Estado Salvador Instituto de Direito Público da Bahia nº 6 abrilmaiojunho 2006 Disponível em httpdi reitodoestadocombr Acesso em 24 jun 2006 10 BANDEIRA DE MELLO C A Curso de direito administrativo São Paulo Malheiros 1997 p 557 11 Idem 131 ARGUMENTUM Revista de Direito n 11 2010 UNIMAR Função social do uso de bens públicos a atuar na ordem econômica de molde a configurar um determinado padrão de desenvolvimento12 O regime jurídico da gestão dos recursos hídricos organiza a exploração dos corpos dágua objetivando sua distribuição social condizente com os preceitos constitucionais quer para consumo imediato quer para utilização destes recursos como insumos para a oferta de bens ou serviços A partir desta linha passa a fazer sentido mais profundo a presença da defesa do meio ambiente no Art 170 VI da Constituição da República é que um dos traços importantes do perfil constitucional de desenvolvimento é exatamente a sustentabilidade e o respeito ao direito difuso aos recursos naturais é o prisma sob o qual se deve entender o domínio dos recursos hídricos a outorga de seu uso e a decorrente cobrança Os recursos hídricos são importantes para o desenvolvimento econômico do país mas também são recursos a se resguardarem para manutenção da vida presente e futura Claro a humanidade futura não pode ser titular de direito algum já que não existe materialmente apenas povoa as esperanças e expectativas das gerações atuais Entretanto é direito da sociedade contemporânea direito de titularidade difusa manter estas esperanças e expectativas é essencial para a fundamentação ética do ordenamento jurídico garantir as condições materiais de subsistência e mesmo de transformação da civilização partilhada atualmente A Constituição obriga a intervenção do Estado na atividade econômica Eros Roberto Grau após extensa e profícua discussão13 sobre a expressão atividade econômica propõe que ela denomine dois objetos relacionados Em sentido amplo a expressão define todas as atividades voltadas à satisfação de necessidades o que envolve a utilização de bens e serviços recursos escassos14 Incluemse nesta categoria tanto as atividades privadas quanto os serviços públicos Em sentido estrito como sinônimo de domínio econômico atividade econômica denomina apenas as legadas à iniciativa privada ainda que sob regulamentação pública Observando os termos estipulados por Eros Grau temse que o Estado intervém no campo da atividade econômica em sentido estrito por absorção monopólio ou participação competição Intervém sobre o domínio econômico por direção ou indução15 Nas intervenções por direção o Estado impõe comportamentos sob sanções negativas importantes regendo mais incisivamente o domínio econômico As intervenções por indução colocamse em outro plano no das sanções premiais em que certos comportamentos são estimulados 12 ANTUNES P B Direito ambiental 6 ed Rio de Janeiro Lumen Júris 2002 p 19 13 GRAU E R A ordem econômica na Constituição de 1988 interpretação e crítica São Paulo Malheiros 2000 p 123 ss 14 Idem ibidem p 133 15 Idem ibidem p 159 ARGUMENTUM Revista de Direito n 11 2010 UNIMAR 132 Luiz Marcello de Almeida Pereira Podese ver relação entre a defesa do meio ambiente e as intervenções econômicas hoje existentes sob suas modalidades de absorção ou participação direção e indução16 As normas de utilização dos recursos hídricos incluem direção e indução além da possibilidade de participação é fundamental para se compreenderem os limites jurídicos das decisões sobre a gestão dos recursos hídricos definir a titularidade do domínio destes recursos o regime da outorga e da cobrança por seu uso Afinal de contas é este o objeto das decisões e são estas as normas que afetarão o domínio econômico e a vida cotidiana dos administrados Fenômeno econômico e jurídico a propriedade dos bens de produção tem regime constitucional que se subordina à ideia de função social já se sabe O regime jurídico dos recursos hídricos inclui as normas que se referem ao seu domínio bem como condições e eventual cobrança pelo seu uso visando garantir níveis mínimos de qualidade e quantidade que sustentem o desenvolvimento econômico e humano presente e futuro O regime da água está subordinado aos seus fins a Política Nacional de Recursos Hídricos está subordinada aos objetivos prescritos no Art 2º da Lei Federal 943397 interpretados conforme o Art 3º da Constituição da República O caminho para estes objetivos deve ser desenhado democraticamente pois é fundamento da Política Nacional de Recursos Hídricos a gestão descentralizada contando com a participação do Poder Público dos usuários e das comunidades Art 1º VI da Lei Federal 943397 32 Domínio da água A natureza jurídica da água como um bem como coisa juridicamente qualificada tem sofrido grandes alterações ao longo do tempo Ordenamento e ciência jurídica são históricos eles se constroem a partir do contorno histórico e refletem as contradições valores interesses e cultura típicos deste contorno Citese como exemplo o direito romano com a sempre necessária observação de que naquele contexto a propriedade não deve ser interpretada sob as mesmas luzes da propriedade existente no campo e nas cidades da sociedade capitalista pois era diferente em significação em uso e em finalidade17 Primeiro a água foi considerada res nullius um bem sem titularidade apropriável por qualquer um A partir das Institutas entretanto ela passa a ser res communis já 16 GRAU E R A ordem econômica na Constituição de 1988 interpretação e crítica São Paulo Malheiros 2000 p 123 et seq 17 VéRAS NETO F q Direito romano clássico seus institutos jurídicos e seu legado In WOLKMER A C Org Fundamentos de história do direito Belo Horizonte Del Rey 2005 p 96 133 ARGUMENTUM Revista de Direito n 11 2010 UNIMAR Função social do uso de bens públicos que por direito natural as coisas a seguir pertencem a todos nomeadamente o ar a água corrente o mar e por esta razão o litoral marinho18 No Brasil contemporâneo a interpretação dos Arts 20 e 26 da Constituição da República deixa claro que a água é bem de domínio público o que o Art 1º I da Lei Federal 943397 reafirma O Art 99 do Código Civil estreita a qualificação inserindo a água dentre os bens de uso comum do povo em contraposição aos bens de uso especial e aos dominicais O Art 1º do Decreto 2464334 Código de águas estabelecia que as águas públicas podem ser de uso comum ou dominicais Há que se levar em consideração entretanto que os bens dominicais são alienáveis enquanto as águas segundo o Art 18 da Lei 943397 são inalienáveis Assim só há sentido no ordenamento se elas forem como o são bens públicos de uso comum do povo incluindose o dispositivo do antigo Decreto dentre os revogados pelo Art 57 da nova Lei As águas pluviais entretanto continuam regidas pelo Código de águas Art 102 e seguintes quanto a isto a Lei 943397 não modificou as sábias regras de 193419 A água é portanto bem público de uso comum Sua titularidade é matéria constitucional O Art 20 III e VIII da Constituição da República estabelece quais são as águas da União enquanto o Art 26 I estabelece as águas dos Estados quanto às águas superficiais cabe observar que é da titularidade da União apenas o potencial hidrelétrico dos corpos estaduais Não fosse suficientemente clara a Constituição a Lei Federal 998400 Art 7º 1º determina quando o potencial hidráulico de produção de energia elétrica localizarse em corpo de água de domínio dos Estados ou do Distrito Federal límpida a inferência de que o potencial é da União enquanto a água é do Estado ou do Distrito Federal quanto às águas subterrâneas pertencem aos Estados Disposição sobre assunto relacionado é o Código Florestal Lei Federal 477165 especificamente seu Art 2º Um dos critérios de definição de área de proteção permanente é a proximidade de corpos dágua cursos de rios ou redor de lagoas reservatórios e nascentes O dispositivo não altera a propriedade dos bens apenas atribui a eles um regime diferente Além disto de preservação permanente é a flora que se encontre enquadrada dentro das condições mencionadas na lei federal20 mesmo que a ratio da lei seja a preservação da vegetação que protege os cursos dágua21 No tocante à água entretanto não há apenas direitos de titularidade individual o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é difuso Art 225 da Constituição da República A água é essencial para este equilíbrio 18 Et quidem naturali jure communia sunt omnium haec aqua profluens et mare et per hoc litora maris Institutas Livro II TítuloI I 19 MACHADO P A L Direito ambiental brasileiro 10 ed São Paulo Malheiros 2002 p 415 20 ANTUNES P B Direito ambiental 6 ed Rio de Janeiro Lumen Júris 2002 p 48 21 IDEM p 49 ARGUMENTUM Revista de Direito n 11 2010 UNIMAR 134 Luiz Marcello de Almeida Pereira Alterações na qualidade da água nos cursos hídricos assim como em seu regime têm claros efeitos no equilíbrio ecológico daí o uso da água estar relacionado a este direito difuso 4 Uso dos recursos hídricos outorga e cobrança Outra indagação de fundamental importância para a atividade econômica é o regime do uso dos recursos hídricos ou seja sobre os requisitos que permitem este uso as condições em que se pode dar e as vedações ao seu exercício Este é o regime das outorgas de uso dos recursos hídricos Já que a propriedade dos recursos hídricos é pública sua utilização depende de ato jurídico regido por normas que determinam competência e formalizado de maneira previamente determinada Tratase de desdobramento do princípio da legalidade A outorga permite ao Estado controlar tanto a captação de água quanto a emissão de efluentes em seus corpos é portanto instrumento fundamental para a implementação de uma política nacional de gestão de recursos hídricos Em par com a discussão sobre a natureza jurídica da outorga bem como sobre as suas limitações e relações com os direitos dos administrados caminha a determinação de seu papel na implementação da Política e do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos Norma geral é que a água deve ter usos múltiplos ressalvadas as eventualidades em que se devem observar prioridades A Lei Federal 943397 diz textualmente que a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas Art 1º IV entretanto em situações de escassez o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação dos animais Art 1º III Este o fundamento para outro mandamento constante no mesmo texto o Art 15 V o qual permite a suspensão da outorga de uso pelo outorgante nos momentos de escassez Ato vinculado quanto às condições e também quanto a seu conteúdo Só pode haver a suspensão em caso de escassez para o uso humano e dessedentação animal 41 Outorga O termo outorga é utilizado tanto na Constituição da República quanto nos textos infraconstitucionais sobre recursos hídricos Sua natureza jurídica é de ato administrativo emanado portanto ao final de um procedimento administrativo Há que se aprofundar a discussão sobre sua categorização pelo critério da forma decreto resolução deliberação ou portaria e de conteúdo típico se de permissão autorização concessão ou licença dadas as diferenças entre os institutos e suas consequências jurídicas é assim que se poderá melhor 135 ARGUMENTUM Revista de Direito n 11 2010 UNIMAR Função social do uso de bens públicos definir o regime jurídico a ser obedecido pelos empreendimentos econômicos ou sociais que dependam da outorga Será útil antes de prosseguir ressaltar que alguns usos de recursos hídricos são independentes de outorga Em obediência ao princípio da legalidade todos os comportamentos privados sem restrição em lei são permitidos é a interpretação corrente do Art 5º II da Constituição da República Como o caput do Art 12 da Lei 943397 lista os casos em que a outorga é requerida a interpretação sistemática leva à conclusão de que todos os usos que não constem dos incisos do dispositivo são permitidos independem da outorga O administrado pode fazer tudo que a lei não proíba Entretanto o inciso V do Art 12 ora em foco é bastante aberto ao dizer que dependem de outorga outros usos que alterem o regime a quantidade ou a qualidade da água existente em um corpo de água A expressão é suficientemente vaga para abarcar quase qualquer comportamento privado de interação com qualquer corpo de água considerados os adjuntos adnominais e a amplitude do conceito de corpo de água Daí o sentido do 1º do artigo mencionado logo acima listando os casos cujo uso será independente de outorga A regulamentação da lei poderá esmiuçar os casos do Art 12 V porém nunca a ponto de alcançar os casos do 1º é direito de todos a desnecessidade de outorga para uso de pequenos núcleos populacionais rurais inciso I ou os que forem considerados insignificantes II e III pelo regulamento como se trata de direito a restrição excessiva será inválida Na definição de Maria Sylvia zanella di Pietro autorização é o ato unilateral administrativo e discricionário pelo qual a Administração consente a título precário que o particular se utilize bem público com exclusividade22 Pode ser gratuita ou onerosa e tem característica importantíssima para este estudo não é conferida com vistas à utilidade pública mas no interesse privado do utente23 Daí sua maior precariedade transitoriedade e conteúdo de faculdade não dever de utilização do bem pelo usuário Com relação à discricionariedade com ela concordam Hely Lopes Meireles e Celso Antonio Bandeira de Mello calando sobre a onerosidade ou o dever de uso2425 bem com sobre todo o restante Permissão de uso ainda nas palavras de Di Pietro é ato administrativo unilateral discricionário e precário gratuito ou oneroso pelo qual a Administração Pública faculta a utilização privativa de bem público para fins de interesse público26 A característica diferenciadora entre autorização e permissão é sua finalidade daí decorre que a segunda obriga o usuário a exercer o uso sob pena 22 DI PIETRO M S z Direito administrativo 16 ed São Paulo Atlas 2003 p 564 23 Id Ib 24 LOPES MEIRELLES H Direito administrativo brasileiro 21 ed São Paulo Malheiros 1996 p 171 25 BANDEIRA DE MELLO C A Curso de direito administrativo 9 ed São Paulo Malheiros 1997 p 273 26 Idem ibem p 565 ARGUMENTUM Revista de Direito n 11 2010 UNIMAR 136 Luiz Marcello de Almeida Pereira de caducidade do ato o que Hely Lopes Meirelles também afirma27 quanto ao prazo a permissão também pode ser qualificada gerando neste caso o direito subjetivo do permissionário até o termo préfixado para a utilização Celso Antônio Bandeira de Mello afirma a vinculação do ato mormente quando se trata se permissão de serviço28 Seguindo ainda a mesma Di Pietro A concessão de uso é contrato administrativo pelo qual a Administração Pública faculta ao particular a utilização privativa de bem público para que a exerça conforme sua destinação29 O caso de emprego de concessão é aquele em que a utilização do bem é mais onerosa para o usuário Daí a fixação de prazos mais longos e a consequente necessidade de licitação As concessões de uso podem ser de simples uso ou de exploração temporárias ou perpétuas remuneradas ou gratuitas de utilidade pública ou privada e autônoma ou acessória a concessão de serviço público Hely Lopes Meirelles chama a atenção para a possibilidade de concessão real de uso transferível a terceiros por atos intervivos ou por sucessão legítima ou testamentária30 e o classifica como contrato administrativo não ato negocial Licença é o ato que se relaciona ao exercício de uma atividade e que envolve direitos caracterizandose como ato vinculado31 Exatamente por envolver direitos é meramente declaratório enquanto a autorização por exemplo é ato constitutivo Em todas estas características há acordo entre Hely Lopes Meirelles32 e Celso Antônio Bandeira de Mello33 A outorga é ato administrativo e como tal está submetida ao princípio da legalidade A norma jurídica entendida como proposição deôntica de comportamento comporta três operadores proibir permitir ou obrigar A proibição de um comportamento equivale à obrigação de comportamentos diferentes dele nas mesmas situações A permissão expressa é definida por uma série de obrigações e proibições que expressamente a limitam mais aquelas advindas da interpretação do ordenamento enquanto a permissão tácita é limitada pelo ordenamento como um todo mormente os princípios constitucionais O inciso II do Art 5º da Constituição da República estabelece que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei Portanto apenas lei abaixo das Constituições pode inaugurar mandamentos 27 Idem Ibem p 172 28 Idem Ibidem 29 DI PIETRO M S z Direito administrativo 16 ed São Paulo Atlas 2003 p 567 30 LOPES MEIRELLES H Direito administrativo brasileiro 21 ed São Paulo Malheiros 1996 p 242 31 CRETELLA Júnior N RT 48618 In DI PIETRO M S z Direito administrativo São Paulo Atlas 2003 p 220 32 Idem ibem p 171 33 Idem Ibidem p 273 137 ARGUMENTUM Revista de Direito n 11 2010 UNIMAR Função social do uso de bens públicos Apenas a lei inaugura o ordenamento criando obrigações de ação ou abstenção ou seja apenas a lei cria proibições permissões expressas ou obrigações Do lado dos administrados o princípio estabelece os contornos jurídicos da liberdade é livre todo comportamento que a lei deixa de proibir A vontade privada se forma livremente e pode decidir tanto sobre realizar ou deixar de realizar determinados atos como também sobre o modo como levará a cabo seu intento No âmbito privado a liberdade direito se exerce a partir da vontade Do lado da administração o princípio estabelece os contornos jurídicos da competência ao agente público é estabelecido o poderdever de comportarse apenas da forma como a lei obrigar ou permitir expressamente A decisão política se forma nos lócus determinados pelo ordenamento obedecendo aos procedimentos previstos no ordenamento para se positivar em dispositivo normativo também tipificado no ordenamento No âmbito público a competência poder e dever se exerce apenas nos termos da legalidade é a este princípio da legalidade que a outorga se submete é o que manda a Constituição da República no caput do Art 37 A outorga é competência de alguém a qual só pode ser exercida nos termos estritos do procedimento e dos critérios legais Os critérios de competência são seis pessoal temporal territorial procedimental material e teleológica34 O quadro abaixo traz as informações essenciais discutidas a seguir Competência para concessão da outorga âmbito Federal Pessoal Diretoria Colegiada da ANA por Resolução Material águas de domínio da União Territorial Federação Temporal Indeterminada Procedimental Típico de autorização Teleológica Objetivos da Lei 943397 e do Plano de Bacia quanto à pessoa no nível federal a competência é da Diretoria Colegiada da Agência Nacional de águas ANA como determina o Art 12 V da Lei Federal 998400 quanto à matéria a Lei Federal 998400 em seu Art 4º IV dispõe que cabe à ANA outorgar o direito de uso de recursos hídricos em corpos de água de domínio da União Aos Estados cabe outorgar o direito de uso sobre recursos de seu próprio domínio Pode haver delegação pela União para outorga de recurso seu por Estado ou pelo Distrito Federal conforme o parágrafo único do Art 14 da Lei Federal 943397 34 SUNDFELD C A Fundamentos do direito público São Paulo Malheiros 1993 p 104 ARGUMENTUM Revista de Direito n 11 2010 UNIMAR 138 Luiz Marcello de Almeida Pereira A Lei 943397 estabelece que a outorga seja um dos instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos Art 5º III Ora a natureza de instrumento é de existência submetida a finalidades alheias instrumento é meio para se alcançarem fins que não escolhe Assim é inescapável que as finalidades da outorga são as finalidades da Política estabelecidas no seu Art 2º o qual se reproduz abaixo pela importância de seus termos exatos Art 2º São objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos I assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos II a utilização racional e integrada dos recursos hídricos incluindo o transporte aquaviário com vistas ao desenvolvimento sustentável III a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais quanto ao procedimento serão necessárias maiores delongas já que aqui se encontra o perfil jurídico do instituto e portanto os limites de sua dinâmica Será útil analisar o conteúdo da decisão que realiza a outorga seu prazo sua forma e sua natureza jurídica No nível federal a lei que criou a ANA estabelece que o ato é autorização Art 4º IV A Lei 943397 em seu Art 16 estabelece que toda outorga de uso de água tem prazo sempre inferior a trinta e cinco anos porém renovável Portanto tratase de autorização qualificada O prazo pode ser distinto nos casos em que a outorgada é concessionária ou autorizada de serviço público ou de energia elétrica Art 5º 4º da Lei 998400 Ainda pode haver alterações durante a outorga ou eventualmente ocasionando sua suspensão em decorrência da perda da navegabilidade do corpo Art 13 da Lei 943397 ou eventos naturais como inundações ou secas Art 4º X da Lei 998400 O Art 5º 3º da Lei 998400 permite a prorrogação sempre respeitandose as prioridades estabelecidas nos Planos de Recursos Hídricos O ato da outorga usualmente estabelece o prazo Resta saber se a existência dos prazos acima implica ou não em indenização no caso de retirada extemporânea Ora a outorga é de direito de uso como a legislação repete consistentemente Lei 943397 Art 12 e Lei 998400 Art 5º e particularmente o 1º do Art 6º O outorgado tem direito ao uso do recurso hídrico nas condições estabelecidas no ato da outorga Entretanto se coloca uma questão se as restrições posteriores a suspensão ou a retirada da outorga seriam indenizáveis Parece certo que o ponto fulcral para sua a resposta está na motivação do ato administrativo que altera suspende ou retira a outorga Se houver desobediência aos requisitos constitucionais ou legais no ato de autorização ou 139 ARGUMENTUM Revista de Direito n 11 2010 UNIMAR Função social do uso de bens públicos concessão inclusive descompasso com o Plano de Bacia haveria anulação ou invalidação do ato Com efeitos ex tunc a invalidação não é indenizável Se porventura estiver presente mera irregularidade então será imperativa a convalidação do ato em face da função social do uso dos recursos hídricos Se o uso está de acordo com o Plano de Bacia então o outorgante está dando função socialmente relevante ao bem público A Lei 943397 ordena como já se disse que a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas Art 1º IV A Lei não estabelece faculdade mas dever não permite porém obriga o órgão gestor a proporcionar uso múltiplo Por estes motivos é que se afirma que o ato de convalidação é vinculado para obedecer à função social da propriedade pública para dar a ela o uso maior e mais relevante possível Pode ocorrer de o outorgado descumprir alguma das condições da outorga como captação ou emissão superiores às autorizadas ou concedidas ausência do uso por três anos consecutivos emissão com qualidade ou regime de captação distintos do estabelecido Nestes casos darseá a sanção prescrita no ato da outorga podendo chegar à sua cassação Lei 943397 Art 15 I e II No nível estadual O Decreto 4125896 estabelece a revogação em caso de descumprimento de qualquer norma legal ou regulamentar atinente à espécie Art 11 do Anexo ao decreto citado Sempre mesmo nestes casos devem ser levados em consideração os argumentos acima expostos motivadores da manutenção da outorga Entretanto se evento posterior independente das vontades das partes impedir a continuidade do uso poderá haver sua suspensão caducidade ou mesmo a revogação sem indenização ao outorgado O evento pode ser caso fortuito ou força maior que por si só impossibilite a continuidade da outorga ou que leve à alteração no Plano de Bacia e este à impossibilidade A caducidade se dá porque sobreveio norma jurídica que tornou inadmissível a situação antes permitida pelo direito e outorgada pelo ato precedente35 caso em que a alteração no Plano leva à retirada A alteração da quantidade da qualidade ou do regime da água captada são mais precisamente os fatos impeditivos Nestes casos a autoridade deve sempre dar prioridade aos usos mais socialmente relevantes por força da Constituição da República da legislação e do Plano de Bacia Alguns destes usos são os consumos humanos e a dessedentação animal Lei 943397 Art 1º III a prevenção de grave degradação ambiental Art 15 IV ou a manutenção da navegabilidade Art 15 VI Notese que em qualquer destes casos não haverá indenização até porque se impõe a decisão de salvaguardar o benefício mais geral em detrimento do mais particular e a vida supremamente De maneira sucinta a suspensão ou retirada da outorga nunca geram indenização salvo se ilegais entretanto é imperativo que estas sejam as últimas 35 BANDEIRA DE MELLO C A Curso de direito administrativo São Paulo Malheiros 1997 p 280 ARGUMENTUM Revista de Direito n 11 2010 UNIMAR 140 Luiz Marcello de Almeida Pereira alternativas das quais lançará mão a outorgante optando sempre que possível pela manutenção do uso Uma última questão ainda é nebulosa sobre a necessidade de prévia licitação A Lei 866693 em seu Art 2º prevê a licitação como procedimento prévio à concessão desde que esta gere contrato ou seja desde que haja acordo de vontades entre Administração e usuário do bem Portanto não se cogita da necessidade de licitação já que o conteúdo jurídico da outorga é autorização ato e não contrato administrativo Há entretanto um problema se o uso decorrer de contrato administrativo O caso típico é o abastecimento e saneamento urbanos A Lei 1144507 estabelece no parágrafo único do seu Art 4º que para a prestação de serviços públicos de saneamento básico a utilização de recursos hídricos é sujeita a outorga de direito de uso nos termos da Lei no 9433 de 8 de janeiro de 1997 de seus regulamentos e das legislações estaduais Portanto esta outorga quanto aos critérios e procedimentos legais obedece à legislação geral sobre água não se constituindo caso especial Aí haverá licitação todavia notese que a concessão do serviço não é de titularidade do outorgante do direito de uso da água No caso específico do abastecimento e saneamento urbanos inclusive a competência é comum Art 23 IX da Constituição da República Cabe ao Município a prestação do serviço por interpretação do Art 30 V também da Constituição da República além da opção pelo ente mais próximo ter como objetivos e motivação a melhoria da qualidade dos serviços e uma melhor articulação do setor com a política municipal de desenvolvimento urbano36 Deve haver licitação mas apenas para a prestação do serviço Para a outorga ela é inexigível por aplicação do Art 25 da Lei 866693 vez que há inviabilidade de competição O fato é que o serviço público é principal em relação ao uso do recurso hídrico A administração municipal decidirá os critérios para eventual licitação do serviço público usualmente menor tarifa e melhor técnica sanitária Vencida esta licitação a da outorga ficaria sem competidores porventura se pudesse nela pensar 42 Cobrança gera internalização de externalidades negativas A água é essencial à vida antes mesmo de ser essencial à vida econômica mas a vida social faz parte da condição humana o que faz incontornável a economia 36 VARGAS M C Desafios da transição para o mercado regulado no setor de saneamento In Anuário GEDIM 2002 cidade serviços e cidadania Rio de Janeiro Lumem Júris 2002 p 131 141 ARGUMENTUM Revista de Direito n 11 2010 UNIMAR Função social do uso de bens públicos A atividade econômica produz externalidades isto é efeitos secundários aos objetivos propriamente produtivos Essas externalidades são positivas se trazem ganhos à sociedade ou a pessoas ou negativas se trazem danos a bens sociais ou individuais Ora o meio ambiente é bem social seu equilíbrio é direito difuso A água é parte deste equilíbrio portanto os malefícios que a atividade econômica produz são externalidades negativas há um tipo de depreciação não considerado nos agregados econômicos convencionais o decorrente da degradação ambiental O quanto determinados fluxos de produção afetam as condições ambientais a médio e a longo prazo Este tipo de depreciação supostamente é de muito maior importância do que o dos recursos de capital que se desgastam Até porque o capital é também ele reservas naturais transformadas37 Um dos mecanismos de regulação deste fenômeno para realizar o desenvolvimento sustentável é a incorporação ou internalização das externalidades ambientais negativas Tratase de abordagem de fundamentação econômica via emprego de instrumentos tributários Baseiase no princípio do pagamento pelo poluidor PPP Os custos em que a sociedade como um todo incorre para controlar ou remover externalidades negativas geradas por empresas poluidoras são no caso ressarcidos por tributos pagos por essas empresas A eficácia desta categoria de controle é função direta dos danos que a internalização dos custos da degradação ambiental causam à capacidade de competição das empresas tribu tadas O objetivo principal é estimular tecnologias de produção que reduzam a zero as externalidades negativas desonerando assim as empresas desse custo adicional38 Duas observações se fazem necessárias Primeira que a cobrança pelo uso da água não é propriamente tributária se bem que nos termos em que o raciocínio econômico se coloca pode ter função similar ao onerar a produção A natureza jurídica da cobrança é a remuneração da outorga onerosa O Art 20 da Lei Federal 943397 diz textualmente que serão cobrados os usos de recursos hídricos sujeitos a outorga Não se trata de tributo indenização ou sanção administrativa O Conselho Nacional de Recursos Hídricos na Moção 262004 refere que os recursos auferidos com a cobrança pelo uso 37 ROSSETTI J P Introdução à economia São Paulo Atlas 2002 p 588 38 Idem p 383 ARGUMENTUM Revista de Direito n 11 2010 UNIMAR 142 Luiz Marcello de Almeida Pereira da água por não terem a natureza jurídica de imposto contribuição social e de intervenção no domínio econômico não podem ser contingenciados A natureza jurídica da cobrança é a de preço público remuneração pelo uso de bem público Com a ressalva sobre a natureza jurídica da cobrança um de seus efeitos é realmente a busca pela empresa por desonerarse deste custo Com efeito o uso da água será mais oneroso quanto mais danoso for para o meio ambiente A devolução de água limpa ao meio ambiente gera cobrança menor que a devolução de água poluída Assim a cobrança funciona como forma de internalização desta externalidade sendo irrelevante o fato de não ter natureza de tributo Segunda observação é que a cobrança não apenas onera o produtor servindo como estímulo a que use a água de maneira mais responsável Os recursos advindos da cobrança têm como destino o fundo que financia obras e programas que recuperaram o meio ambiente O efeito benéfico da cobrança desta forma é potencializado Os órgãos competentes para a cobrança no nível federal são a ANA Lei 998400 Art 4º IX e as Agências de águas por delegação da outorgante Lei 943397 Art 44 III é que a Agência de águas só pode ser criada se tiver sua viabilidade financeira garantida pela cobrança Lei 943397 Art 43 II então no período entre a instituição da cobrança e a criação da Agência a ANA realiza a cobrança e o repasse ao Comitê para a aplicação dos recursos Após a criação da Agência é que se dá a delegação Resta terceira possibilidade que é o contrato de gestão a partir do qual se dá a delegação da competência da ANA a entidades sem fins lucrativos que tenham recebido do Conselho Nacional de Recursos Hídricos a delegação das funções de Agências de água Lei 1088104 cc Lei 943397 Art 47 Notese que esta delegação é sempre determinada pela criação da Agência de águas por solicitação do Comitê de Bacia ou da delegação também solicitada pelo Comitê é ele o órgão competente para a iniciativa Lei 943397 Art 43 Os recursos financeiros arrecadados serão prioritariamente aplicados no financiamento de estudos programas projetos e obras incluídos nos Planos de Recursos Hídricos sendo no máximo 75 do total aplicados no pagamento de despesas de implantação e custeio administrativo dos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos Lei 943397 Art 22 A Agência de Bacia e a Agência de águas são órgãos correspondentes sempre funcionando como secretaria executiva do respectivo ou respectivos Comitês Lei 943397 Art 41 é que pode haver uma única Agência para mais de um Comitê 143 ARGUMENTUM Revista de Direito n 11 2010 UNIMAR Função social do uso de bens públicos 5 Considerações finais A água é bem público de uso comum do povo sendo de domínio da União apenas os corpos superficiais que banhem mais de um Estado ou País e o restante de domínio dos Estados e do Distrito Federal O direito ao uso dos recursos hídricos é adquirido por pessoas físicas ou por outras pessoas jurídicas de direto público ou privado por outorga dos entes federais ou estaduais competentes sempre segundo critérios legais e derivados do Plano de Bacia A outorga federal tem conteúdo de autorização e forma de Resolução emanada pela Diretoria Colegiada da ANA A cobrança por este uso tem natureza de tarifa e é de competência da outorgante ou do órgão executivo do Comitê de Bacia revertendo os fundos angariados para aplicação decidida por ele e pelo Conselho respectivo As normas que incidem sobre o ato de outorga são a Constituição da República a Lei 943397 o ato que der a competência à autoridade outorgante e os planos de recursos hídricos sendo mais específico e importante para a decisão da outorga o Plano de Bacia Hidrográfica Tanto o Plano quanto a outorga devem permitir usos socialmente interessantes para a água sendo fundamental que ela assim seja empregada nos seus múltiplos usos O critério da função social deve ser satisfeito na elaboração dos planos e na outorga questão prática da maior importância é a definição caso a caso da função social dos corpos dágua Os usos de cada corpo são definidos a partir dos planos de recursos hídricos o que significa que eles devem a obedecer aos critérios de função social dos recursos hídricos e dos seus usos presentes no ordenamento superior b regulamentar estes critérios esmiuçando quantitativa e qualita tivamente os usos lícitos Os critérios até o momento apresentados para a definição da função social estão no Art 3º da Constituição da República mormente o inciso I que se refere ao objetivo de se construir sociedade livre justa e solidária e o inciso II que impõe a garantia ao desenvolvimento nacional Referências ANTUNES P B Direito ambiental 6 Ed Rio de Janeiro Lumen Júris 2002 BANDEIRA DE MELLO C A Curso de direito administrativo São Paulo Malheiros 1997 CRETELLA JúNIOR N RT 48618 In DI PIETRO M S z Direito administrativo São Paulo Atlas 2003 ARGUMENTUM Revista de Direito n 11 2010 UNIMAR 144 Luiz Marcello de Almeida Pereira DI PIETRO M S z Direito administrativo 16 edSão Paulo Atlas 2003 Função social da propriedade pública Revista Eletrônica de Direito do Estado Salvador Instituto de Direito Público da Bahia nº 6 abrilmaiojunho 2006 Disponível em httpdi reitodoestadocombr Acesso em 24 de junho de 2006 FERRAz JúNIOR T S Introdução ao estudo do direito técnica decisão dominação 3 ed São Paulo Atlas 2001 FIORILLOC A P Princípios do processo ambientalSão Paulo Saraiva 2004 FREITAS V P Águas aspectos jurídicos e ambientais Curitiba Juruá 2000 GRAU E R A ordem econômica na Constituição de 1988 interpretação e crítica São Paulo Malheiros 2000 LOPES MEIRELLES H Direito administrativo brasileiro 21 ed São Paulo Malheiros 1996 MACHADO P A L Direito ambiental brasileiro 10 ed São Paulo Malheiros 2002 Direito ambiental brasileiro São Paulo Malheiros 2009 PERELMAN C Lógica jurídica nova retórica São Paulo Martins Fontes 1998 ROSSETTI J P Introdução à economia São Paulo Atlas 2002 SILVA J A Curso de direito constitucional positivo São Paulo Malheiros 2002 SILVEIRA D S D A propriedade agrária e suas funções sociais In SILVEIRA D S D XA VIER F SA Orgs O direito agrário em debate Porto Alegre Livraria do Advogado Editora 1988 SOUzA L C Águas e sua proteção Curitiba Juruá 2004 SOUzA L C Poluição das águas doces responsabilidade constitucional ambiental In FIGUEIRE DO G J P Coord Direito ambiental em debate Rio de Janeiro Esplanada v1 p 177188 2004 SUNDFELD C A Fundamentos do direito público São Paulo Malheiros 1993 VARGAS M C Desafios da transição para o mercado regulado no setor de saneamento In Anuário GEDIM 2002 cidade serviços e cidadania Rio de Janeiro Lumem Júris 2002 VéRAS NETO F q Direito romano clássico seus institutos jurídicos e seu legado In WOLKMER A C org Fundamentos de história do direito Belo Horizonte Del Rey 2005 Recebido em 08102009 Aceito para publicação em 23022010