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Direito ·

Teoria Geral do Direito Civil

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Revista de Direito Brasileira Florianópolis SC v 26 n 10 p 2545 MaiAgo 2020 25 Revista de Direito Brasileira AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4275 UMA ANÁLISE SOB A ÓTICA DO ATIVISMO JUDICIAL E DAS QUESTÕES DE GÊNERO DIRECT ACTION OF UNCONSTITUTIONALITY 4275 AN ANALYSIS UNDER THE VIEW OF JUDICIAL ACTIVISM AND GENDER ISSUES Luana Paixão Dantas do Rosário Doutora em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia UFBA Professora Adjunta de Direito Constitucional da Universidade Estadual de Santa Cruz UESC Líder do Grupo de Pesquisa Jurisdição Constitucional Hermenêutica e Democracia JCHD certificado no DgPCNPq espelho dgpcnpqbrdgpespelhogrupo7039068957089890 Editora da revista Diké Email lpdrosariouescbr Manuela Macedo Leal Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Santa Cruz UESC Pesquisadora no Grupo de Pesquisa Jurisdição Constitucional Hermenêutica e Democracia JCHD certificado no DgPCNPq espelho dgpcnpqbrdgpespelhogrupo7039068957089890 Advogada OABBA nº 61663 Email manuelaleal47gmailcom Recebido em 24082019 Aprovado em 15042020 RESUMO A pesquisa abordou o perfil teórico ativista da Suprema Corte Brasileira no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n 4275 na ótica do ativismo judicial em Garapon e Dworkin ao passo em que teceu considerações à autocontenção e ao garantismo Explicitou ainda o perfil da abordagem teórica do gênero e do controle dos corpos em procedimentos de interdição a partir de Butler e Foucault Utilizou para análise os votos do ministro relator Marco Aurélio do ministro Alexandre de Moraes e do ministro Edson Fachin O problema residiu em analisar se existiu ativismo judicial a partir do marco teórico proposto no julgamento da ADI n 4275 e se este ativismo rompeu com a matriz teórica de gênero binária e heteronormativa dominante A hipótese inicial era a de que houve ativismo judicial no julgamento O método foi o hermenêutico fenomenológico e quanto à técnica foi realizada pesquisa documental com análise qualitativa e hermenêutica do conteúdo dos votos e teor do julgamento da ADI 4275 presentes no site do STF e pesquisa bibliográfica do marco teórico O resultado da pesquisa apontou para a confirmação do perfil ativista da Suprema Corte embora não aberto totalmente ao pluralismo e à diversidade das questões de gênero Palavraschave Supremo Tribunal Federal Transexualidade Direitos Fundamentais Ativismo judicial ABSTRACT The research approached the activist theoretical profile of the Brazilian Supreme Court in the judgment of the Direct Action of Unconstitutionality n 4275 in the perspective of the judicial activism in Garapon and Dworkin Revista de Direito Brasileira Florianópolis SC v 26 n 10 p 2545 MaiAgo 2020 26 Luana Paixão Dantas do Rosário Manuela Macedo Leal while it made considerations for selfrestraint and guarantee It also explained the profile of the theoretical approach of gender and the control of bodies in procedures of interdiction from Butler and Foucault It used for analysis the votes of the minister rapporteur Marco Aurélio of the minister Alexandre de Moraes and the minister Edson Fachin The problem was to analyze whether there was judicial activism based on the proposed theoretical framework in the ADI n 4275 and if this activism broke with the theoretical matrix of dominant binary and heteronormative gender The initial hypothesis was that there was judicial activism on trial The method was the phenomenological hermeneutic and as far as the technique was concerned a documentary research was carried out with qualitative and hermeneutical analysis of the content of the votes and content of the ADI n 4275 judgment present on the STF website and bibliographic research of the theoretical framework The result of the research pointed to the confirmation of the activist profile of the Supreme Court although not open completely to the pluralism and diversity of the gender issues Keywords Federal Court of Justice Transsexuality Fundamental rights Judicial activism SUMÁRIO Introdução 1 Questões de gênero a identidade trans 2 Ativismo judicial Definições e contrapontos 21 Antoine Garapon ativismo e o esvaziamento da instituição política 22 Ronald Dworkin ativismo hermenêutico e as questões de principio 23 Ativismo autocontenção e garantismo 3 Análise da ADI 4275 31 Voto do relator Ministro Marco Aurélio 311 O procedimento de jurisdição voluntária com requisitos pessoas trans não cirurgiadas 32 Voto do Ministro Alexandre de Moraes 33 Voto do Ministro Edson Fachin 34 Regulamentação e reflexos da ADI n 4275 O Provimento n 73 do Conselho Nacional de Justiça e o julgamento do Recurso Extraordinário n 670422 Conclusões Referências INTRODUÇÃO Ante o silêncio normativo brasileiro quanto aos direitos das pessoas que transitam em sua identidade de gênero no que toca inclusive ao direito a alteração do prenome e sexo na verdade seria gênero mas a petição inicial da Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI nº 4275 trata como alteração do sexo e a tese de repercussão geral é também fixada neste sentido sexo e não gênero em demonstração de conformidade à matriz de gênero binária dominante adequada à genitalização do discurso da racionalidade hegemônica no registro civil para sua adequação ao nome social o que ocasionava por sinal decisões judiciais conflitantes e uma realidade de incerteza quanto a efetivação dos direitos fundamentais e da personalidade dessas pessoas em 21 de julho de 2009 foi proposta pela Procuradoria Geral da República PGR a ADI nº 4275 BRASIL 2018 Todo o quadro vivenciado levou o Supremo Tribunal Federal a em 01 de março de 2018 dar provimento a ADI nº 4275 BRASIL 2018 utilizandose do princípio da dignidade da pessoa humana e da técnica da interpretação conforme a Constituição para finalmente reconhecer o direito a modificação do prenome e sexo das pessoas trans em seus registros civis O problema desta pesquisa reside em analisar se de fato existiu ativismo judicial a partir do marco teórico do ativismo hermenêutico de Ronald Dworkin 2010 das contribuições de Antoine Garapon 2001 e da síntese de Luís Roberto Barroso 2009 no julgamento da ADI 4275 tendo em vista que a Suprema Corte Brasileira em mais uma decisão histórica na afirmação dos direitos de minorias citase a ADPF nº 132 casamento homoafetivo e a ADPF nº 186 cotas raciais em universidades públicas aqui compreendidas como grupos histórica econômica e socialmente discriminados pareceu mais uma vez revelar seu ativismo judicial em direitos fundamentais E reside também em analisar se o ativismo presente nos discursos decisórios nos votos dos ministros de fato rompeu com a matriz de gênero binária e heteronormativa dominante Revista de Direito Brasileira Florianópolis SC v 26 n 10 p 2545 MaiAgo 2020 27 Revista de Direito Brasileira Daí então o interesse em pesquisar o perfil teórico do discurso do Tribunal em favor da diversidade e pluralismo das questões de gênero Na análise foram utilizados os conceitos de heteronormatividade e performances de gênero em Judith Butler 2003 e de regime de verdades e interdições em Michael Foucault 2015 No percurso da pesquisa foram também utilizadas compreensões da transexualidade pela socióloga brasileira Berenice Bento 2008 O método utilizado foi o hermenêutico fenomenológico e quanto a técnica foi o da pesquisa documental através da qual retirouse e analisouse hermenêutica e qualitativamente excertos dos votos dos ministros Marco Aurélio relator Alexandre de Moraes e Edson Fachin disponíveis no site do Supremo Tribunal Federal Houve também a técnica da pesquisa bibliográfica para a consulta dos marcos teóricos propostos A pesquisa se justifica pela sua relevância social afirmação de direitos de minorias e pertinência teórica do ativismo judicial exercido através do controle de constitucionalidade brasileiro que se abre para a efetivação de direitos fundamentais e se demonstra integrador e simbólico como se pode observar dos perfis de julgamento das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132 casamento homoafetivo BRASIL 2011 e nº 186 cotas raciais em universidade públicas BRASIL 2012 Com a finalidade de atingir o objetivo proposto de identificar o perfil teórico ativista da Suprema Corte e o perfil teórico das abordagens das questões de gênero e interdições será necessário inicialmente conceituar gênero sexo e transexualidade Nesse ínterim serão visitados os procedimentos de exclusão e os regimes de verdade para se compreender a normatização dos temas interditados Discutirseá o ativismo judicial como esvaziamento da instituição política em Antoine Garapon 2001 e como questão de princípio em Ronald Dworkin 2010 enquanto serão feitas breves considerações acerca da autocontenção e do garantismo A partir daí será possível narrar breve panorama da propositura e pertinência da ADI nº 4275 e passarseá à análise dos votos do Ministro Relator Marco Aurélio do Ministro Alexandre de Moraes1 que seguiu parcialmente o relator e condicionou o pedido de alteração à autorização judicial e do Ministro Edson Fachin que não o condicionou à autorização judicial 1 QUESTÕES DE GÊNERO A IDENTIDADE TRANS Os direitos das pessoas que transitam em sua identidade de gênero não se encontram na pauta jurídica há tanto tempo É pauta tão recente e eivada de questionamentos quanto o olhar ainda depositado a estas existências Em latim trans significa do outro lado Esse significado carrega imenso simbolismo a aqueles que se entendem do outro lado em estação diferente silenciados por uma sociedade que se orienta majoritariamente pela lógica binária de identidade de gênero atrelada ao sexo e seus marcadores biológicos ou simbólicos Obviamente o discurso que constrói as normas de gênero impostas é o discurso de poder o discurso binarista e heterossexual que impõe a constituição do gênero atrelada ao caráter biológico e apenas considera normal a performance masculina e a feminina É justamente este discurso que reduz as pessoas trans à margem que patologiza2 e medicamentaliza os corpos que transitam entre os gêneros 1 Oportunamente agradecemos ao Gabinete do Ministro Alexandre de Moraes pela disponibilização do voto em tempo hábil autorizada pelo referido Ministro antes mesmo da publicação do Acórdão da ADI 4275 que até o momento de produção desse artigo ainda não havia sido publicado com a finalidade de subsidiar a análise qualitativa e hermenêutica nesta pesquisa científica 2 Até o mês de junho de 2018 a transexualidade estava inserida na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde CID a CID10 desde 1990 entendida como um distúrbio mental A Organização Mundial da Saúde OMS anunciou nova edição da CID no dia 18062018 intitulada de CID11 na qual a transexualidade deixa de figurar como transtorno da personalidade e do comportamento e é incluída no catálogo como incongruência de gênero dentro da categoria de condições relativas à saúde sexual Na prática a transexualidade deixa de ser compreendida como uma doença mental no entanto ainda assim passível de constatação Revista de Direito Brasileira Florianópolis SC v 26 n 10 p 2545 MaiAgo 2020 28 Luana Paixão Dantas do Rosário Manuela Macedo Leal Joan Scott 1990 relembra que a conceituação de gênero é atrelada a experiência histórica pois entende o gênero como um elemento constitutivo de relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos e um primeiro modo de dar significado às relações de poder SCOTT 1990 p 5 O poder então é exercido sobre o gênero como forma de domínio político Judith Butler 2003 em compreensão semelhante à de Scott 1990 na qual busca historicizar a relação entre corpo e sexo ainda na década de 90 ressalta que a noção de gênero compreendida como atributo cultural construído para o feminino e o masculino que parte da demarcação biológica binarismo como instrumento para estabelecer posições hierárquicas apresenta limitações teóricas aos estudos feministas Propõe então uma teorização que rompe com a dicotomia sexo versus gênero Teoriza a compreensão do gênero como um artifício flutuante independente do sexo que é performático não somente em número de dois como o afirma a ótica binarista que está atrelada a diferenciação sexual que reproduz a ideia de validação de apenas duas performances o corpohomem masculino e o corpomulher feminino Butler 2003 entende que o gênero é construído e operacionalizado na linguagem e pela linguagem A partir de Foucault empreende que o gênero é o resultado do discurso das relações que produzem poder Cria a teoria da performatividade de gênero assumindo que o gênero é constituído pela repetição de atos signos e gestos O gênero então não é um dado mas uma sequência de atos que constitui o sujeito Portanto existem diversas performances possíveis de gênero no entanto o discurso hegemônico só permite a perpetuação de duas delas dentro da lógica binária A razão de ser desta imposição binária do gênero parte dos limites discursivos da experiência das performances de gênero eis que estes limites são estabelecidos pelo discurso cultural hegemônico baseados nas estruturas binárias masculinofeminino machofêmea homemmulher pênisvagina impostas pela linguagem da racionalidade universal Ao teorizar os limites deste discurso Butler 2003 define o que pode se compreender como heteronormatividade que se relaciona com o conceito de heterossexualidade compulsória de Adrienne Rich 2012 e se traduz na imposição hegemônica da heterossexualidade como norma de conduta A instituição de uma heterossexualidade compulsória e naturalizada exige e regula o gênero como uma relação binária em que o termo masculino se diferencia do termo feminino realizandose esta diferenciação por meio das práticas do desejo heterossexual BUTLER 2003 p 53 Nesta interpretação norma significa um padrão de conduta social cultural comportamental e ético construído e naturalizado que é justamente o padrão heterossexual que silencia qualquer outra performance fora da regra na qual a experiência da sexualidade só pode ser vivida na lógica binária Para Berenice Bento 2008 a Teoria Queer de Butler 2003 questiona severamente a tradição binária atribuída às teorizações de gênero fincadas na dicotomia sexo biológico versus gênero cultural Seguindo a linha performática da Teoria Queer afirma o que diferencia as performances dasos mulhereshomens biológicasos dasos transexuais é a legitimidade que as normas de gênero conferem a cada uma delas instaurando a partir daí uma disputa discursiva e uma produção incessante de discursos sobre a legitimidade de algumas existirem e de outras serem silenciadas e eliminadas BENTO 2008 p 48 Assim as normas de gênero impostas hegemonicamente por uma heterossexualidade compulsória deslegitimam as pessoas transexuais silenciamnas colocamnas à margem Portanto médica A CID11 deve ser implementada até 1º de janeiro de 2022 Será analisada ademais a decisão na ADI 4275DF que ainda observou a transexualidade sob o viés de doença mental haja vista que o julgamento ocorreu em março2018 fortemente influenciado pelo discurso patologizante Revista de Direito Brasileira Florianópolis SC v 26 n 10 p 2545 MaiAgo 2020 29 Revista de Direito Brasileira esses corpos anormais são considerados doentes necessitando para sua normalização de um indulto médico e de uma permissão jurídica nesta ótica binária Diversamente na perspectiva da Teoria Queer é dispensada a lógica da normalização e com isso a necessidade do indulto médico Desta maneira não faz sentido acolhida a compreensão queer de gênero para a afirmação da identidade da pessoa transexual a cirurgia de redesignação sexual visto que múltiplas são as possibilidades de performatizar o gênero Inclusive segundo Foucault 1998 este ato de vincular comportamento ao sexo gênero à genitália que define o feminino pela presença da vagina e o masculino pela presença do pênis remonta o séc XIX quando o sexo passou a conter a verdade última de nós mesmos Berenice Bento ao tentar decifrar quais mudanças sociais levaram a tal vinculação indica que a transexualidade não é uma experiência identitária ahistórica ao contrário revela com toda dor e dramaticidade os limites de uma ordem de gênero que se fundamenta na diferença sexual BENTO 2008 p 24 Desta maneira o discurso de poder foi o responsável por apagar o conteúdo histórico da experiência transexual com a finalidade de determinar que a verdade última dos sujeitos termina em seu sexo mantendo a lógica binária na qual a ordem social deve ser ditada pela natureza A sexualidade as performances de gênero a subjetividade a identidade de gênero constitui campos marcados pela diferença sexual Nessa lógica dicotômica não é possível fazer deslocamentos O masculino e o feminino só conseguem encontrar sua inteligibilidade quando referenciados à diferença sexual BENTO 2008 p 31 Bento busca definir um conceito para a transexualidade e sugere que a transexualidade é uma experiência identitária caracterizada pelo conflito com as normas de gênero BENTO 2008 p 18 A autora inclusive entende a travestilidade e os transgêneros como expressões identitárias que também revelam conflito com as normas de gênero normas que são fundadas pela heterossexualidade e idealizações Este é um conceito deveras complicado mas sobretudo ilustrativo posto que considerar a transexualidade como uma experiência identitária caracterizada pelo conflito com as normas de gênero leva em conta e reproduz a matriz teórica de gênero binária e heteronormativa com a qual a Teoria Queer de Butler 2003 rompe pois compreende a transexualidade como mais uma das possibilidades de performatizar o gênero se os atributos e atos do gênero as várias maneiras como o corpo mostra ou produz sua significação cultural são performativos então não há identidade preexistente pela qual um ato ou atributo possa ser medido não haveria atos de gênero verdadeiros ou falsos reais ou distorcidos e a postulação de uma identidade de gênero verdadeira se revelaria uma ficção reguladora BUTLER 2003 p 201 Portanto reduzir o gênero ao campo da demarcação biológica como o faz a construção binária revelase uma ficção reguladora que entende como possíveis apenas duas performances de gênero na qual as pessoas que transitam entre os gêneros entre elas as pessoas transexuais não se encaixam ficam à margem O conteúdo político e hegemônico que patologiza as pessoas trans panorama enfrentado por estes indivíduos na complexa teia social esbarra no discurso do binarismo ou como anotado por Judith Butler 2003 da heteronormatividade Depreendese então que essa redução acontece no campo do discurso da linguagem através de procedimentos de exclusão e imposições de regimes de verdade O sujeito que detém o poder de falar e de fazer reproduzir o seu discurso é o sujeito que se comporta de acordo com as normas de gênero impostas a heteronormatividade como constrói Butler 2003 Assim as pessoas que transitam entre as Revista de Direito Brasileira Florianópolis SC v 26 n 10 p 2545 MaiAgo 2020 30 Luana Paixão Dantas do Rosário Manuela Macedo Leal normas de gênero binarismo são consideradas desviantes e em termos foucaultianos têm seus discursos interditados A interdição segundo Michel Foucault 2015 é um dos procedimentos de exclusão do sujeito no discurso Ao excluir determinados sujeitos do discurso determina quem detém o poder de falar e de fazer reproduzir o seu discurso delimita o direito privilegiado ou exclusivo do sujeito que fala FOUCAULT 2015 p 9 Quem tem o direito de falar não pode falar sobre qualquer assunto assim como pessoas existem temas que são interditados No presente caso é privilegiado o sujeito que se comporta de acordo com as normas de gênero impostas com a heteronormatividade como constrói Butler 2003 Assim as pessoas que transitam entre as normas de gênero são consideradas desviantes e em consequência interditadas Sabese bem que não se tem o direito de dizer tudo que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância que qualquer um enfim não pode falar de qualquer coisa Tabu do objeto ritual da circunstância direito privilegiado ou exclusivo do sujeito que fala temos aí o jogo de três tipos de interdições que se cruzam se reforçam ou se compensam formando uma grade complexa que não cessa de se modificar FOUCAULT 2015 p 9 A construção dessa anormalidade e marginalização entendese perpassa pela criação e imposição do que Foucault 1979 intitula regimes de verdade que são os tipos de discurso que uma sociedade acolhe e faz funcionar como verdadeiros A verdade aqui é referendada pelo controle e medicalização dos corpos que atua para consolidar a constituição dos sujeitos Para Foucault o controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera simplesmente pela consciência ou pela ideologia mas começa no corpo com o corpo FOUCAULT 1979 p 81 Desta forma defende que o corpo é uma realidade biopolítica e a medicina uma estratégia biopolítica e por biopolítica entende o procedimento de formatação e controle das pessoas pelo Estado moderno Logo o regime de saber produz limitações as verdades do conhecimento e faz operar como o sujeito deve comportarse para encaixarse na normalidade imposta pelo regime de verdade verdade produzida não somente pelo discurso médico mas também pelo discurso jurídico Toma se inclusive a liberdade para apontar que o discurso jurídico por demais vezes se apropria do discurso médico para endossar sua autoridade como se observará do conteúdo do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4275 BRASIL 2018 Os discursos de poder da medicina e do direito da medicalização e da normatização constroem a todo momento verdades que dão ou não qualidade de sujeitos aos corpos transeuntes As justificativas e reflexos dessa permissão jurídica e indulto médico serão adiante analisadas O silêncio legislativo a respeito dos direitos pleiteados pelas pessoas trans fazem parte dos temas interditados e do cistema dos regimes de verdade A reivindicação desses direitos ao Judiciário por esses corpos marginais é espaço de disputa pelo discurso e de ativismo 2 ATIVISMO JUDICIAL DEFINIÇÕES E CONTRAPONTOS 21 Antoine Garapon ativismo e o esvaziamento da Instituição Política Diante do protagonismo contemporâneo assumido pelo Poder Judiciário em efetivar direitos fundamentais sobretudo de minorias de sua função contramajoritária e da própria crise de representatividade do parlamento o ativismo judicial é compreendido como um dos efeitos da própria instituição democrática segundo Antoine Garapon 2001 Fenômeno de controversa definição pela imprecisão de seu significado inclusive dentre seus defensores o ativismo judicial é compreendido nesta abordagem a partir da conceituação do Ministro Roberto Barroso 2009 como uma postura proativa de interpretação Constitucional assumida pelo Judiciário na concretização dos fins constitucionais Revista de Direito Brasileira Florianópolis SC v 26 n 10 p 2545 MaiAgo 2020 31 Revista de Direito Brasileira Garapon no final do século XX entendeu o ativismo judicial como um dos reflexos mais aparentes da inflação do judiciário de demandas políticas de uma estrutura democrática que entra em crise o que intitula de a derrubada do homem democrático GARAPON 2001 p 26 Nessa linha tenta explicar o fenômeno do ativismo judiciário através do que entende como transformação do regime democrático Entende que quanto mais a democracia se emancipa mais procura na justiça uma espécie de memória salvaguarda Assim é que o juiz passa a ser o último guardião de promessas tanto para o sujeito como para a comunidade política GARAPON 2001 p 27 Para Garapon as elites republicanas não conseguiram manter as expectativas de moral e de justiça democráticos O estopim do ativismo jurídico não se trata de uma transferência de soberania para o juiz mas sobretudo de uma transformação da democracia GARAPON 2001 p 39 A origem desse movimento encontrase no investimento do direito no imaginário democrático posto que o direito se converteu na nova linguagem com a qual se formulam as demandas políticas que desiludidas com um Estado inativo se voltam maciçamente para a justiça GARAPON 2001 p 39 A justiça assim passa a ocupar um espaço simbólico e integrador dentro das sociedades democráticas que ausentes de autoridade necessitam de um ritual e um procedimento para referendar seu complexo engendramento No entanto há perigos que não são negados pelo autor Essa inversão de lugares e a supervalorização da atuação jurisdicional pela mídia pode culminar com uma falsa sensação de heroísmo aos juízes e o excesso de direito pode inclusive desnaturalizar a democracia A justiça não pode se colocar no lugar da política GARAPON 2001 p 53 e investida com tantas esperanças de dizer o que é justo e garantir a moral numa sociedade tão complexa a justiça corre o risco de implodir e quebrar com o simbolismo que carrega que ventila sua autoridade O que bem salienta Garapon é o perigo da despolitização da democracia através do ativismo judiciário nesse cenário em que o juiz se torna o novo anjo da democracia GARAPON 2001 p 74 reclamando um status de privilégio em posição de domínio inacessível à crítica popular Por outro lado deixar a questão de direitos fundamentais das minorias e neste caso de pessoas trans à mercê da deliberação da maioria é deveras arriscado Para compreender os contornos desta questão democrática passase a abordar a teoria hermenêutica de Ronald Dworkin no que toca às questões de princípios 22 Ronald Dworkin ativismo hermenêutico e as questões de princípios As pessoas trans sujeitos de direitos por sua marginalização histórica social e econômica podem ser compreendidas nesta abordagem como minorias Em Dworkin 2010 quando pessoas são identificadas como minorias se exige um tratamento equânime por parte de uma maioria posto que essa minoria possui direitos mesmo que não ditos pela normaregra que são consequência direta de sua dignidade questão de princípio Partindo deste entendimento é que Dworkin 2010 utiliza comumente em seu vocabulário técnico a expressão right to equal concern and respect que se traduz em um princípio geral no qual todas as pessoas merecem igualdade de consideração e respeito de tal forma que as leis não devem estar constituídas de maneira que coloque pessoas em desvantagem DWORKIN 2010 p 281 Em sua filosofia política Dworkin 2010 compreende que os cidadãos possuem direitos além daqueles que as leis lhes outorgam e traz como implicações desta instituição de direitos contra o governo duas ideias importantes A primeira a poderosa ideia da dignidade da pessoa humana pressupõe que existem maneiras de tratar um homem que são incompatíveis com seu reconhecimento como um membro pleno da comunidade humana e sustenta que tal tratamento é profundamente injusto DWORKIN 2010 p 304305 A segunda é a ideia de igualdade política oriunda da constituição democrática de uma sociedade e pressupõe que os membros mais frágeis Revista de Direito Brasileira Florianópolis SC v 26 n 10 p 2545 MaiAgo 2020 32 Luana Paixão Dantas do Rosário Manuela Macedo Leal da comunidade política têm direito à mesma consideração e ao mesmo respeito que o governo concede a seus membros mais poderosos DWORKIN 2010 p 305 A ideia de igualdade trazida por Dworkin 2010 traduzse em um trunfo que uma minoria possui contra uma maioria de maneira que uma lei não pode ser considerada justa se ferir o direito no sentido forte desta minoria mesmo que sua justificação se dê em benefício geral Em favor desta tese articula A parte principal do direito a parte que define e executa as políticas sociais econômicas e externas não pode ser neutra Deve afirmar em sua maior parte o ponto de vista da maioria sobre a natureza do bem comum Portanto a instituição dos direitos é crucial pois representa a promessa da maioria às minorias de que sua dignidade e igualdade serão respeitadas DWORKIN 2010 p 314 O argumento segundo o qual uma minoria tem direito à igualdade de consideração e respeito é um argumento de princípio DWORKIN 2010 p 130 Para o autor Direito é princípio E por princípio entende os direitos individuais que cada ser humano possui Política para Dworkin 2010 se trata de um conjunto de objetivos e metas para se alcançar tais princípios Nesta teia o autor defende a tese de que as decisões judiciais nos casos difíceis hard cases devem ser geradas por princípios e não por políticas Não obstante os juízes não agem arbitrariamente conforme suas convicções eles estão imersos em uma tradição a história institucional faz parte do pano de fundo que qualquer juízo plausível sobre os direitos de um indivíduo deve levar em consideração DWORKIN 2010 p 136 Ademais os juízes como qualquer autoridade política encontramse sujeitos à doutrina da responsabilidade política DWORKIN 2010 p 137 na qual só podem tomar decisões que possam justificar no âmbito de uma teoria política que justifique as outras decisões que porventura se proponham a tomar Dworkin traz então a concepção do direito como integridade uma questão de princípio na qual as proposições jurídicas são verdadeiras se constam ou se derivam dos princípios de justiça equidade e devido processo legal que oferecem a melhor interpretação construtiva da prática jurídica da comunidade DWORKIN 2010 p 272 Assim a integridade visa garantir uma coerência de princípio que se torna nova fonte do direito a partir da qual o juiz deve buscar identificar quais princípios justificam as leis e os precedentes para formar o seu juízo É justamente com a finalidade de analisar a formação do juízo plausível sobre as questões de princípio que envolvem a efetuação de direitos fundamentais que se passará a analisar hermenêutica e qualitativamente o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4275 BRASIL 2018 responsável pela efetivação dos direitos de uma minoria ignorada pela pauta política Antes contudo necessário ponderar acerca de algumas perspectivas que se contrapõem ao ativismo judicial 23 Ativismo autocontenção e garantismo O marco teórico do ativismo judicial tem oposição consagrada nas teorias do self restraint e autocontenção judicial cujos maiores expoentes cujos maiores expoentes em nossa ótica são Cass Sunstein 2011 Jhon Hart Ely 2010 e Robert Dahl 2012 De modo geral o que sustenta a autocontenção judicial é a ideia de que não cabe ao Poder Judiciário refazer as escolhas feitas no espaço político deliberativo O procedimentalismo de John Hart Ely 2010 defende que em vez de buscar decisões substantivas do que é melhor os juízes devem salvaguardar os procedimentosprocessos democráticos sem a intenção de determinar os valores fundantes de uma comunidade Para Ely numa democracia representativa as determinações de valor devem ser feitas pelos representantes Revista de Direito Brasileira Florianópolis SC v 26 n 10 p 2545 MaiAgo 2020 33 Revista de Direito Brasileira eleitos e se a maioria realmente desaproválos poderá destituílos através do voto ELY 2010 p 137 Para o minimalismo judicial de Robert Dahl o máximo que até o melhor sistema judicial pode garantir é a justiça procedimental ele não pode garantir a justiça substantiva DAHL 2012 p 25758 No projeto minimalista de Sunstein 2011 a posição institucional dos juízes deve ser a mais modesta possível ao admitir as suas limitações cognitivas e as consequências de suas decisões Tratase do autorreconhecimento epistêmico de seu lugar e papel guiado pela preocupação de que os juízes exerçam a atividade de legislador e pela qual a resolução das grandes questões ficaria a cargo das instituições políticas deliberativas Em nosso entendimento concepções procedimentalistas pecam em supervalorizar o espaço representativo de deliberação política em sociedades assimétricas e ainda por descuidar de que as Constituições contemporâneas fundem o juízo do que é devido ao do que é melhor e o exigem normativamente de modo que o desafio interpretativo de concretizar direitos fundamentais com o imperativo democrático da inclusão das minorias tradicionalmente excluídas do espaço deliberativo pode demandar uma postura ativista alargando a própria concepção de democracia Outro marco teórico que tem sido apontado por alguns como contrário ao ativismo judicial vide a Carta de Jundiaí3 um manifesto de juristas é o garantismo No entanto essa é uma visão incompleta do fenômeno do ativismo judicial O garantismo é uma teoria que visa a efetivação de direitos e garantias fundamentais O ativismo judicial tal como por nós apresentado também parte de igual pressuposto inclusive deve ter neste o seu parâmetro de funcionamento Na lição de Ferrajoli 2010 o garantismo visa uma adequação entre o modelo constitucional e a aplicação das normas infraconstitucionais é um padrão normativo que busca a efetividade de um sistema de garantias e neste ínterim apontar para os eventuais desvios na busca desta finalidade O ativismo judicial tal como aqui descrito também busca a concretização e efetividade de direitos e garantias fundamentais Ocorre que para isto muitas vezes a concretização precisa ser ativista Em outras palavras ser garantista pode implicar a necessidade de uma postura ativista na concretização dos direitos fundamentais A concepção mais restritiva do garantismo aquela pela qual efetivar as garantias está relacionada com realizar uma devida ou taxativa interpretação da norma está muito atrelada ao Direito Penal de onde aliás vêm os garantistas em princípio Isto porque no Direito Penal contra o poder punitivo do Estado as interpretações devem ser restritivas e taxativas No entanto no Direito Constitucional de natureza extremamente política e conteúdos vagos e axiológicos a imposição de restrições interpretativas pode significar exatamente o oposto do que se busca com a efetivação das garantias Eis onde reside o desafio interpretativo dos conteúdos constitucionais 3 ANÁLISE DA ADI 4275DF A Ação Direta de Inconstitucionalidade4 nº 4275 BRASIL 2018 foi proposta pela Procuradoria Geral da República PGR para que fosse dada interpretação conforme a Constituição Federal ao artigo 58 da Lei nº 6015 BRASIL 1973 que dispõe sobre os registros públicos no sentido de ser possível a alteração de prenome e sexo no registro civil mediante averbação no registro original independentemente de cirurgia de transgenitalização BRASIL 2018 online O conteúdo da norma contestada se referia à possibilidade de alteração do prenome por apelidos 3 Elaborada durante o Colóquio Internacional No ensejo do primeiro ano de vigência do CPC2015 realizado em agosto2016 capitaneado pelo Instituto Panamericano de Direito Processual IPDP pela Associação Brasileira de Direito Processual ABDPro e pela Revista Brasileira de Direito Processual RBDPro 4 Segundo Dirley da Cunha Jr 2014 cuidase de uma ação de controle concentradoprincipal de constitucionalidade para a defesa genérica de todas as normas constitucionais conhecida também como ação genérica Revista de Direito Brasileira Florianópolis SC v 26 n 10 p 2545 MaiAgo 2020 34 Luana Paixão Dantas do Rosário Manuela Macedo Leal públicos notórios que segundo a PGR abrangeria o prenome social dos transexuais5 ressaltese que embora o pedido inicial tenha se referido aos transexuais houve ampliação em sede de julgamento para os transgêneros e entendia a PGR ser incongruente a modificação do prenome sem a correspondente alteração do sexo no registro civil suscitando a interpretação do preceito em jogo em consonância com os artigos 1º inciso III 3º inciso IV e 5º caput e inciso X da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 BRASIL 1988 Definitivamente julgada em 01 de março de 2018 teve como relator o Ministro Marco Aurélio Todos os ministros votaram pelo reconhecimento do direito ou seja pela alteração do sexo e prenome no registro civil e embora tenham ampliado o direito de alteração do assentamento civil aos transgêneros mantiveram somente a alteração do sexo o que indica uma concepção binarista e heteronormativa do gênero A maioria 6 dos 10 ministros posto que impedido o Ministro Dias Toffolli entendeu que a alteração prescinde de autorização judicial e foi esta a tese fixada no julgamento Neste sentido votaram Edson Fachin Luiz Roberto Barroso Rosa Weber Luiz Fux Celso de Mello e a então presidente da Corte Carmen Lúcia O relator Marco Aurélio condicionou a alteração a procedimento de jurisdição voluntária6 os ministros Alexandre de Moraes Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes seguiram o relator embora com ressalvas Destarte percebese duas orientações de voto a que condiciona à autorização judicial e a que prescinde desta Salientase ainda que não houve controvérsia acerca de submissão dos transexuais à cirurgia de transgenitalização como condição à referida alteração de registro todos os ministros entenderam que tal submissão feriria a dignidade da pessoa humana A partir desta orientação os votos escolhidos para análise foram primeiro o voto do Ministro Marco Aurélio relator da ADI 4275 que se manifestou favorável à submissão da alteração do registro a procedimento de jurisdição voluntária Em seguida selecionouse o voto do Ministro Alexandre de Moraes primeiro a votar após o relator em concordância parcial impondo autorização judicial Após optouse pelo voto do Ministro Edson Fachin primeiro a votar em dissonância com o relator e não impor qualquer tipo de autorização judicial como condicionante voto que foi seguido majoritariamente e revelou abertura dos pontos de fuga ao cistema 31 Voto do relator Ministro Marco Aurélio O Ministro Marco Aurélio relator da ADI 4275 votou favoravelmente à alteração do registro civil condicionandoa ao procedimento de jurisdição voluntária Inicialmente salientou ser perfeitamente possível a interpretação conforme a Constituição técnica hermenêutica que parte da filtragem constitucional pela qual concluiu que a Suprema Corte é absolutamente competente para examinar o alcance da expressão polissêmica da norma impugnada Neste trecho já se percebe o viés hermeneuticamente ativista da decisão na interpretação da Lei de Registros Públicos eis que reconhece a lacuna da lei e preenche criativamente o seu significado o artigo 58 da Lei nº 60151973 permite a técnica de interpretação conforme à Carta Federal Embora lacônico o dispositivo encerra situação excepcional na qual autorizada a substituição do prenome por apelido público notório O exame do alcance desta última expressão revela a polissemia da norma sobretudo a partir das balizas do Texto Maior A ressaltar essa óptica o preceito tem sido utilizado por magistrados para afastar o direito à mudança do prenome e gênero averbados 5 Entendese por transexuais as pessoas que possuem identidade de gênero diferente do sexo biológico enquanto os transgêneros são entendidos como pessoas que transitam entre os gêneros Ver JESUS Jaqueline Gomes de Orientações sobre a população transgênero conceitos e termos Brasília Autor 2012 24p Disponível em HTTPSwwwsertaoufgbrup160ORIENTAC395ESPOPULA87C383OTRANSpdf1334065989 Acesso em 02 nov 2018 6 No qual não há lide não há ação judicial tratase de solicitação livre da parte a um juiz que referenda o ato Ver DIDIER JÚNIOR Fredie Curso de direito processual civil 17 ed Salvador JusPODIVM 2015 1v Revista de Direito Brasileira Florianópolis SC v 26 n 10 p 2545 MaiAgo 2020 35 Revista de Direito Brasileira relativamente a transexual consoante revelam as decisões judiciais anexadas à petição inicial AURÉLIO 2018 p 6 grifo nosso Na argumentação do Ministro Marco Aurélio é possível identificar a reflexão de Garapon 2001 em relação a implosão de demandas no judiciário da agenda democrática e do desabamento do homem político isto porque o Supremo Tribunal Federal atuou neste caso como um garantidor de promessas A característica principal desta afirmação está no efeito vinculante da decisão tomada e ainda no fato deste pleito em particular demonstrar o esvaziamento da esfera política fenômeno próprio das democracias contemporâneas segundo Garapon 2001 O parlamento brasileiro em sua maioria conservador não fez garantir direitos fundamentais a uma minoria marginalizada pauta relevante e esquecida O silêncio da instituição política levou a Corte a utilizar a interpretação conforme a Constituição Federal dando sentido à norma através de uma filtragem constitucional na qual o princípio propulsor da síntese do argumento do relator foi a dignidade da pessoa humana que permitiu anunciar direitos legítimos a um grupo aparentemente esquecido e marginalizado pela sociedade brasileira O ministro ressalta o tema é sensível e envolve valores constitucionais de importância maior Cabe indagar mostrase legítimo recusar a transexuais o direito à alteração do prenome e gênero no registro civil A resposta é desenganadamente negativa É tempo de a coletividade atentar para a insuficiência de critérios morfológicos para afirmação da identidade de gênero considerada a dignidade da pessoa humana Descabe potencializar o inaceitável estranhamento relativo a situações divergentes do padrão imposto pela sociedade para marginalizar cidadãos negandolhes o exercício de direitos fundamentais AURÉLIO 2018 p 78 grifo nosso Observase já neste trecho que Marco Aurélio compreende a insuficiência da questão da diferenciação sexual como marco para a afirmação da identidade de gênero justamente o discurso binarista imposto pelo discurso da racionalidade hegemônica como aponta Butler 2003 Assenta esse entendimento na própria dignidade da pessoa humana epicentro axiológico do Estado Democrático de Direito Neste ponto é possível perceber a reflexão da filosofia de Ronald Dworkin 2010 na argumentação do ministro levandose em conta os direitos morais que as minorias possuem contra a maioria Por se tratar de uma sociedade democrática a questão da dignidade humana e da igualdade se traduzem em um trunfo que as minorias neste caso as pessoas transexuais possuem contra a maioria que se demonstrou inerte através da via política congressistas representativos e diante da norma em vigor considerada injusta nestes parâmetros de igualdade é necessário que o Judiciário diga o direito moral fundante à norma o direito advindo deste pacto no qual uma sociedade que coloca o bem comum em alta conta deve ter para com aqueles que não têm sua dignidade observada ou garantida que fazem parte desta mesma sociedade é dever do Poder Público no Estado Democrático de Direito promover a convivência pacífica com o outro na seara do pluralismo sem admitir o crivo da maioria sobre escolhas exclusivamente morais sobretudo quando decorrem de inafastáveis circunstâncias próprias à constituição somática da pessoa Cabe a cada qual trilhar a respectiva jornada arcando com a responsabilidade imposta pela própria consciência na busca pelos objetivos que se propôs a cumprir AURÉLIO 2018 p 9 O ministro Marco Aurélio condicionou a retificação de registro a procedimento de jurisdição voluntária sem a exigência de requisitos médicos se as pessoas trans em questão tiverem se submetido à cirurgia de transgenitalização exigindo a seu turno uma série de requisitos de Revista de Direito Brasileira Florianópolis SC v 26 n 10 p 2545 MaiAgo 2020 36 Luana Paixão Dantas do Rosário Manuela Macedo Leal ordem médica para as pessoas trans não cirurgiadas Percebese que o ministro reforça a demarcação biológica do gênero ao propor requisitos para auferir com segurança a transexualidade como se essa condição fosse passível de diagnóstico 411 O procedimento de jurisdição voluntária com requisitos pessoas trans não cirurgiadas A utilização do discurso do poder da medicina para a definição com segurança da identidade trans pelo Direito como pretendeu o ministro relator em seu voto reforça a percepção de uma interdição FOUCAULT 2015 e a necessidade de um procedimento que controle o indivíduo Dessa forma o discurso médico é visivelmente utilizado como a realidade biopolítica procedimento de controle Estatal afirmada por Foucault 1979 confirmadora do padrão comportamental imposto o critério morfológico embora carente de mitigação ainda é parâmetro relevante para a identificação de cidadãos Nos casos em que não realizada a cirurgia de transgenitalização a alteração do assentamento deve ser precedida da verificação de critérios técnicos aptos a comprovar a transexualidade Mostrase adequado observar o que preconizado na Resolução nº 1955 de 3 de setembro de 2010 do Conselho Federal de Medicina A norma dispõe sobre a cirurgia de transgenitalização estabelecendo os requisitos a serem atendidos pelo paciente a fim de redefinir com segurança os caracteres sexuais AURÉLIO 2018 p 10 grifo nosso O discurso utilizado neste trecho em especial reforça a ideia da genitalização da ótica binária imposta pela heterossexualidade compulsória BUTLER 2003 Somente consideramse validadas pelo discurso hegemônico as duas performances atreladas à genitália que frequentemente reforçam a ideia do corpohomem e do corpomulher Nenhuma outra performance pode ser compreendida e concebida por este discurso jurídico que mantém o perfil hegemônico nesta interdição A medicina como estratégia biopolítica conforme Foucault 1979 é utilizada pelo ministro quando propõe como parâmetro uma resolução do Conselho Federal de Medicina que utiliza o termo patologizante transexualismo a fim de estabelecer requisitos a serem auferidos no procedimento de jurisdição voluntária proposto para garantir a segurança na alteração de registro civil de pessoa transexual que não passou por cirurgia de transgenitalização Temse aqui uma controvérsia Ao mesmo tempo em que defende em seu voto que submeter as pessoas transexuais a cirurgia de transgenitalização como condição para alteração registral tratase de imposição de mutilação e ferimento à dignidade da pessoa humana o ministro condiciona a alteração do registro civil destas pessoas trans não mutiladas7 a uma aferição médica a um diagnóstico e utiliza requisitos da resolução do Conselho Federal de Medicina que busca justamente regulamentar essas cirurgias de transgenitalização A partir da resolução o ministro cria requisitos para a alteração do registro de prenome e gênero para pessoas trans que não passam pela cirurgia de transgenitalização a alteração do assentamento de pessoa não submetida à transgenitalização deve ser condicionada ao preenchimento dos seguintes requisitos i idade mínima de 21 e ii diagnóstico médico de transexualismo consoante os critérios do artigo 3º da Resolução nº 19552010 do Conselho Federal de Medicina por equipe multidisciplinar constituída por médico psiquiatra cirurgião endocrinologista psicólogo e assistente social após no mínimo dois anos de acompanhamento conjunto AURÉLIO 2018 p 11 grifo nosso 7 Expressão utilizada em plenária de julgamento pelo ministro relator Ver STF Pleno Retomado julgamento de ADI sobre alteração de registro civil sem mudança de sexo Direto do Plenário Brasília TV Justiça 01 mar 2018 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvsRhdrUUaYMg Acesso em 04 jun 2018 Revista de Direito Brasileira Florianópolis SC v 26 n 10 p 2545 MaiAgo 2020 37 Revista de Direito Brasileira Presente está o discurso de poder analisado por Foucault 1979 principalmente no tocante ao controle exercido pela sociedade nos corpos dos seus integrantes Este controle se revela no condicionamento estabelecido pelo ministro de requisitos médicos para definir com segurança a existência de uma identidade de gênero identidade esta reveladora de uma performatividade que foge a lógica binária e logo a racionalidade do discurso hegemônico Embora utilize a dignidade da pessoa humana como principal argumentação para dar procedência parcial ao pedido o ministro não se abre às pluralidades desta dignidade traduzida por Dworkin 2010 como uma ideia central da instituição dos direitos na qual sustenta que existem maneiras de tratar uma pessoa que são incompatíveis com seu reconhecimento como um membro pleno da comunidade humana e que tal tratamento é profundamente injusto Temse aqui um parâmetro de tratamento injusto que mantém uma lógica patologizante dos corpos que transitam em sua identidade de gênero 32 Voto do Ministro Alexandre de Moraes alteração condicionada a autorização judicial O Ministro Alexandre de Moraes votou logo após o relator favoravelmente à alteração do registro civil porém condicionandoa à autorização judicial mas sem impor qualquer requisito médico ou necessidade de cirurgia de transgenitalização O ministro utiliza em sua argumentação bases no direito comparado casos do Tribunal Constitucional Alemão legislação Italiana Grã Bretanha Espanhola Portuguesa e Argentina para sustentar a desnecessidade de cirurgia de redesignação sexual como condição para alteração do registro civil Sustenta adiante ser inconcebível a supressão do assentamento originário justificando se tratar de violação da autenticidade segurança e eficácia dos registros bem como para assegurar direito de terceiros O ministro propõe a abrangência da interpretação não somente aos transexuais mas também aos transgêneros entendendo ser consequência necessária da dignidade da pessoa humana e passa a ser o primeiro a comentar em plenário neste sentido Julga então procedente o pedido e na sessão plenária após o voto do ministro Fachin que não impôs autorização judicial para a alteração do registro o ministro Moraes propõe aditamento ao seu voto para manifestarse a favor da autorização judicial e justifica A necessidade da decisão judicial de jurisdição voluntária não decorre ao meu ver de nenhuma espécie de discriminação porque ela é prevista desde a lei de 1973 para qualquer alteração de prenome É prevista para garantir uma maior segurança jurídica tanto que a mudança do prenome exige a decisão judicial e eu diria até por uma questão de segurança jurídica MORAES 2018 p 7 É assim que entendendo ser uma questão de segurança jurídica o ministro profere seu aditamento condicionando a alteração assim como o relator a uma decisão judicial A opção de Moraes é de não inovar Essa opção está atrelada à tradição positivista e tanto está que o ministro condiciona a opção a uma leitura normativa Podese perceber da teoria de Dworkin 2010 que embora o juiz esteja obrigado a seguir a moralidade institucional a fim de garantir a integridade não está obrigado a não inovar por este motivo no entanto questionase mesmo se haveria moralidade institucional a orientar a cautela interpretativa diante da ausência de precedentes na matéria ao contrário o juiz quando está diante de um caso difícil no qual há direitos fundamentais em jogo e insuficiência legislativa para a garantia destes direitos deve agir com vistas a garantilos mesmo que não estejam expressos mesmo que precise inovar a fim de garantir os direitos das minorias as questões de princípios Há neste caso em especial a necessidade de inovar Dessa opção por não inovar observase o caráter de autocontenção do Ministro que com seu argumento de segurança jurídica parece impor a ideia de que não cabe ao Judiciário invadir a esfera de deliberação política Esta posição revelase inclusive procedimentalista na qual Moraes Revista de Direito Brasileira Florianópolis SC v 26 n 10 p 2545 MaiAgo 2020 38 Luana Paixão Dantas do Rosário Manuela Macedo Leal parece se apropriar da atitude defendida por John Hart Ely 2010 buscando uma decisão que salvaguarde os procedimentos democráticos sem demonstrar resoluções substantivas do que é melhor para a comunidade objeto do pleito Portanto Moraes foge de demonstrar determinações valorativas o que escapa e ignora a complexidade de se garantir direitos a uma minoria que não se viu representada nas instituições políticas deliberativas e requer nesse sentido a intervenção da esfera judicial como última saída A autocontenção nega nesse caso a própria complexidade da democracia eis que necessária uma posição ativista para se garantir os direitos dessa minoria 33 Voto do Ministro Edson Fachin alteração incondicionada à autorização judicial Após o ministro Alexandre de Moraes manifestouse o ministro Edson Fachin que não apresentou em seu voto qualquer condicionamento a autorização judicialprocedimento de jurisdição voluntária Seu voto rompe bruscamente a linha de raciocínio que estava se estabelecendo no julgamento Na argumentação de Fachin podese inferir a teoria dos direitos de Dworkin 2010 e a força gravitacional dos precedentes O ministro inicia seu voto justificando que a base de sua interpretação está fincada nos precedentes da Suprema Corte assim o voto se estriba em precedentes que formam jurisprudência deste Tribunal e especialmente da Corte Interamericana de Direitos Humanos especificamente citamse os seguintes o RE 670422 Rel Ministro Dias Toffoli a ADPF 54 Rel Ministro Marco Aurélio Opinião Consultiva 2417 da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre Identidade de Gênero e Igualdade e NãoDiscriminação FACHIN 2018 p 23 Observase interpretação calcada em questões de princípio conforme traduz Dworkin 2010 O ministro analisa o sistema constitucional como um todo a fim de checar se sua teoria se harmoniza com a moralidade institucional que é pano de fundo do seu juízo Este movimento que foi realizado pelo ministro Edson Fachin amoldase à teoria desenvolvida por Dworkin 2010 que entende o direito como integridade nesta capacidade que os juízes devem ter para tratar casos semelhantes de maneira semelhante e deixar transparecer através do método interpretativo a argumentação de princípio por trás das decisões tomadas anteriormente Para justificar a interpretação criativa da norma e o recebimento da Ação Direta de Inconstitucionalidade Fachin utilizase da moralidade institucional do Supremo Tribunal Federal ao afirmar que na esteira de pacífica jurisprudência desta Corte eventual indicação imprecisão da técnica decisória a ser adotada pelo Supremo Tribunal Federal não inviabiliza o conhecimento da ação direta Isso porque o Tribunal não está condicionado no desempenho de sua atividade jurisdicional pelas razões de ordem jurídica invocadas como suporte da pretensão de inconstitucionalidade deduzida pelo autor da ação direta ADI 561MC Rel Min Celso de Mello Pleno DJ 23032001 Ademais a técnica decisória objeto do pedido desta ação direta embora se afaste do tradicional conceito de interpretação conforme segundo o qual a interpretação deve ficar adstrita aos limites da intenção legislativa não é inédita nesta Corte Com efeito a interpretação conforme pode implicar o deferimento de decisão manipulativa de efeito aditivo como de resto já reconheceu o Tribunal quando do julgamento da ADPF 54 Rel Ministro Marco Aurélio Pleno DJe 29042013 FACHIN 2018 p 5 Nesta esteira de raciocínio o ministro reconhece que a decisão decorrente do controle de constitucionalidade teria efeito aditivo e aqui tomase a liberdade para afirmar que este efeito revela o próprio ativismo judicial realizado pela Corte Depreendese da argumentação de Fachin uma das reflexões feitas por Garapon 2001 quando o ministro reflete a importância da atuação Revista de Direito Brasileira Florianópolis SC v 26 n 10 p 2545 MaiAgo 2020 39 Revista de Direito Brasileira jurisdicional na complexa teia democrática na qual o Estado se depara com as mais variadas camadas e implicações dos direitos às liberdades e garantias individuais e o juiz com seu olhar empático e solidário guardião de uma promessa precisa analisar essa situação complexa e garantir um direito que de fato existe É o que se depreende Evidenciase assim com olhar solidário e empático sobre o outro que inadmitir a alteração do gênero no assento de registro civil é atitude absolutamente violadora de sua dignidade e de sua liberdade de ser na medida em que não reconhece sua identidade sexual negandolhe o pleno exercício de sua afirmação pública FACHIN 2018 p 15 grifo nosso Com isto podese afirmar que a propositura da ADI 4275 é um efeito direto da evolução da democracia que passa a dar visibilidade aos que antes eram invisíveis às instituições políticas formais O judiciário ao atuar neste caso deixa clara a inércia legislativa manipulando a interpretação de uma lei que já não produz eficácia ante os novos engendramentos sociais A questão é tão complexa que o ministro ao justificar seu posicionamento precisa dizer o óbvio a identidade de gênero é manifestação da própria personalidade da pessoa humana e como tal cabe ao Estado apenas o papel de reconhecêla nunca de constituíla Ademais se ao Estado cabe apenas o reconhecimento élhe vedado exigir ou condicionar a livre expressão da personalidade a um procedimento médico ou laudo psicológico que exijam de indivíduos assunção de um papel de vítima de determinada condição A pessoa não deve provar o que é e o Estado não deve condicionar a expressão da identidade a qualquer tipo de modelo ainda que meramente procedimental FACHIN 2018 p 1516 grifo nosso O ministro avança em relação ao proposto pelo relator quando não condiciona a alteração a qualquer requisito médico ou jurídico indicando que o julgamento não deve apenas se adequar à Constituição mas também ao Pacto San José da Costa Rica Portanto segue a Opinião Consultiva 2417 da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre Identidade de Gênero e Igualdade e NãoDiscriminação de 24 de novembro de 2017 que indica que os procedimentos para alterações de registro civil dos Estados devem estar de acordo com a identidade de gênero autopercebida E portanto os Estados têm a possibilidade de estabelecer e decidir sobre o procedimento mais adequado de conformidade com as características próprias de cada contexto e de seu direito interno os trâmites e procedimentos para a mudança de nome adequação de imagem e retificação da referência ao sexo ou ao gênero em todos os registros e em todos os documento de identidade para que estejam conformes à identidade de gênero autopercebidas independentemente de sua natureza jurisdicional ou materialmente administrativa FACHIN 2018 p 15 grifo nosso O ministro ao trazer concepção contemporânea acerca da identidade de gênero que demonstra absoluta harmonização com a dignidade da pessoa humana contribui para o debate de maneira aberta e plural Finda a argumentação Fachin não apresenta qualquer condicionamento a alteração do registro civil seja ela médica ou jurídica Vota para que a alteração ocorra diretamente no registro civil através de procedimento cartorário opinião que foi majoritária embora com apenas 02 votos de diferença o que demonstra certa resistência da composição da Corte em se abrir às pluralidades das questões de gênero Fachin fornece uma interpretação que permite concluir a partir do que foi posto acerca do garantismo de que a postura ativista foi justamente a que se demonstrou necessária para se efetivar Revista de Direito Brasileira Florianópolis SC v 26 n 10 p 2545 MaiAgo 2020 40 Luana Paixão Dantas do Rosário Manuela Macedo Leal garantias Diferentemente da concepção garantista de limitação da esfera interpretativa neste julgamento para propiciar a afirmação dos direitos fundamentais das pessoas trans se mostrou imprescindível uma postura ativista sem a qual não se obteria outro resultado O conteúdo político esvaziado nas esferas representativas de uma sociedade assistemática e complexa levou o intérprete constitucional a ser garantista justamente por meio do ativismo ao contrário do defendido por algumas correntes Portanto demonstrase que por diversas ocasiões é preciso ir além da taxatividade para garantir e não o contrário A posição adotada por Fachin que foi majoritária numa leitura debruçada na acepção de território a partir de Deleuze e Guattari 2010 soa como fruto da desterritorialização do discurso Território em uma apropriação poética do conceito é tudo aquilo que o sujeito controla que está dentro que pode ser medido que é submisso não desvia O discurso controlado aquele que possui margens definidas é justamente o discurso heteronormativo binarista Tudo o que está fora dele é desterritorializado Deleuze e Guattari 2010 fornecem um exemplo bastante simples para entender a territorialização basta imaginar que um bastão é um galho desterritorializado Aqui os limites do bastão da desterritorialização encontramse justamente no discurso insubmisso das pessoas trans pessoas interditadas e seus corpos como refletido em Foucault 1979 biopolíticos controlados A fissura do território se deu no próprio impulsionamento da propositura da ADI n 4275 fruto da luta dos movimentos sociais LGBTQ e aqui citamse os dois importantes representantes que levaram a PGR a propor a Ação Direta de Inconstitucionalidade a Associação Brasileira de Gays Lésbicas Bissexuais Travestis e Transexuais ABGLT e a Articulação Nacional de Travestis e Transexuais ANTRA A primeira organização política de travestis da América Latina8 foi instituída em 02 de maio de 1992 quando se fundou a Associação de Travestis e Liberados ASTRAL A construção de organizações políticas como a ASTRAL se deu pela reunião da comunidade interessada em resposta à violência policial exercida pelo governo nos locais de prostituição e a inserção em programa de prevenção à AIDS O enfoque governamental dado a grupos de pessoas trans partia unicamente dos programas de prevenção à AIDS não havia enfoque para questões que já eram bandeira naquela época a exemplo do nome social Já o espaço formal das pessoas trans em movimentos unificados se deu na ABGLT Associação que nasceu em 31 de janeiro de 1995 fruto das lutas pela redemocratização e há 25 anos permanece resistindo pelo reconhecimento das pautas LGBTQ nas instituições políticas formais Dos esforços para a afirmação da existência e luta por direitos da comunidade LGBTQ como um todo há outras visibilidades Em 28 de junho de 1997 foi realizada a 1ª Parada do Orgulho LGBT de São Paulo sob o tema somos muitos estamos em todas as profissões Em dezembro de 2000 na cidade de Curitiba a organização de uma rede nacional de ONGs de travestis e transexuais se concretiza na criação da Articulação Nacional de Travestis Transexuais e Transgêneros ANTRA e que atualmente configurase como a maior rede de travestis e transexuais da América Latina CARVALHO M CARRARA S 2013 Embora existam representatividades e linha de frente na luta pelos corpos trans o Brasil é o país que mais mata a população transgênero no mundo Segundo o Mapa dos Assassinatos de Travestis e Transexuais no Brasil em 20179 pesquisa desenvolvida pela ANTRA apenas em 2017 foram 129 casos de homicídios Significa dizer que a cada 48h uma pessoa trans é morta no Brasil Este dado cruel e 8 As informações sobre os grupos e organizações políticas aqui reproduzidas foram retiradas de um estudo realizado em 20092010 a partir de relatos das lideranças dos movimentos Ver CARVALHO Mario CARRARA Sérgio Em direção a um futuro trans Contribuição para a história do movimento de travestis e transexuais no Brasil In Sexualidad Salud y Sociedad Revista Latinoamericana d 2 n 14 2013 p 319351 Disponível em httpswwwepublicacoesuerjbrindexphpSexualidadSaludySociedadarticleview68624940 Acesso em 23 nov 2018 9 Disponível em httpsantrabrasilfileswordpresscom201802relatc3b3riomapadosassassinatos2017 antrapdf Acesso em 25 nov 2018 Revista de Direito Brasileira Florianópolis SC v 26 n 10 p 2545 MaiAgo 2020 41 Revista de Direito Brasileira o cenário enfrentado todos os dias pelas pessoas trans são motivos para endurecer ainda mais a frente de resistência Apesar dos tristes e inaceitáveis índices as conquistas obtidas pelos movimentos são reflexos de sua luta a exemplo da alteração do registro civil que é pauta antiga do movimento trans e da recente interpretação dada pelo Tribunal Superior Eleitoral em 2018 à chamada Lei das Eleições de 1997 que exige um mínimo de 30 de candidaturas femininas nas eleições a partir da nova interpretação mulheres trans podem ser incluídas na cota mínima para mulheres assim como homens trans na porcentagem dos homens Os movimentos sociais são encarados como ações sociais coletivas de caráter sociopolítico e cultural que viabilizam formas distintas de a população se organizar e expressar suas demandas GOHN 2011 p 335 que agem como resistência à exclusão e lutam pela inclusão social Na concretude existem dois tipos de ações que podem ser desenvolvidas diretas mobilizações passeatas marchas etc e indiretas Observase no caso concreto que a ação direta do movimento trans em conjunto ao movimento LGBTQ gerou impacto na ação indireta a representação jurídica A pressão realizada pelos diversos representantes do movimento embalou o julgamento da ADI n 4275 e levou inclusive à realização de um movimento de desterritorialização praticado pelo ministro Fachin que em seu voto caminhou na contramão do discurso racional hegemônico A luta incessante e árdua dos movimentos sociais LGBTQ pelo reconhecimento da dignidade dessas pessoas foi justamente o que incitou a fissura do território que se abriu timidamente mas finalmente para desterritorializar 44 Regulamentação e reflexos da ADI n 4275 o Provimento n 73 do Conselho Nacional de Justiça e o julgamento do Recurso Extraordinário n 670422 Definitivamente julgada em 01 de março de 2018 a ADI n 4275 teve sua tese de repercussão geral fixada para possibilitar aos transgêneros a partir de então independentemente de realização de cirurgia de transgenitalização ou de tratamentos hormonais ou patologizantes a alteração de prenome e sexo diretamente no registro civil Senão vejamos O Tribunal por maioria vencidos em parte os Ministros Marco Aurélio e em menor extensão os Ministros Alexandre de Moraes Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes julgou procedente a ação para dar interpretação conforme a Constituição e o Pacto de São José da Costa Rica ao art 58 da Lei 601573 de modo a reconhecer aos transgêneros que assim o desejarem independentemente da cirurgia de transgenitalização ou da realização de tratamentos hormonais ou patologizantes o direito à substituição de prenome e sexo diretamente no registro civil BRASIL 2018 online Diante da decisão a Corregedoria Nacional de Justiça órgão do Conselho Nacional de Justiça regulamentou no dia 29 de junho de 2018 a referida alteração do assentamento de registro civil através do Provimento n 73 CNJ online ato normativo que deve ser seguido de maneira uniforme por todos os Cartórios de Registro Civil do país O Provimento n 73 indica que a alteração só será permitida aos maiores de 18 dezoito anos facultando a apresentação de laudo psicológicomédico que ateste a transexualidadetravestilidade do requerente Segundo a regulamentação ações em curso não impedem a alteração Há ainda a exigência de apresentação de uma série de documentos10 no ato 10 Documentos exigidos certidão de nascimento atualizada certidão de casamento atualizada se for o caso cópia do registro geral de identidade cópia da identificação civil nacional se for o caso cópia do passaporte brasileiro se for o caso cópia do cadastro de pessoa física no Ministério da Fazenda cópia do título de eleitor cópia de carteira de identidade social se for o caso comprovante de endereço certidão do distribuidor cível do local de residência dos últimos cinco anos estadualfederal certidão do distribuidor criminal do local de residência dos últimos cinco anos estadualfederal certidão de execução criminal do local de residência dos últimos cinco anos estadualfederal certidão dos tabelionatos de protestos do local de residência dos últimos cinco anos certidão da Justiça Eleitoral do Revista de Direito Brasileira Florianópolis SC v 26 n 10 p 2545 MaiAgo 2020 42 Luana Paixão Dantas do Rosário Manuela Macedo Leal do pedido de alteração exigência que não é feita quando da averbação de registro civil de pessoa cisgênero fato que revela a imposição de requisitos demasiados o que vai contra a natureza da decisão tomada pelo STF em sede de ADI n 4275 O Provimento n 73 em seu teor se refere a alteração de gênero como se sexo fosse o que indica uma impropriedade terminológica já que a decisão só permitiu a alteração do sexo O STF inclusive em 15 de agosto de 2018 julgou o Recurso Extraordinário n 67042211 RE n 670422 e aplicou entendimento semelhante ao utilizado na ADI n 4275 mas avançou em relação a tese fixada na Ação Direta de Inconstitucionalidade posto que permitiu a alteração de prenome e classificação de gênero das pessoas trans diretamente no registro civil A possibilidade de alteração da classificação de gênero impõe avanço significativo que se estende às pessoas transgêneros visto que compreende o gênero como um artifício fluído e performático que não está associado à demarcação biológica da pessoa Esta decisão então demonstra o respeito às questões de gênero situação diferente da observada no julgamento da ADI n 4275 alvo de críticas neste artigo No entanto enquanto não houver aditamento no Provimento n 73 para adequarse ao julgamento do RE n 670422 há uma enorme problemática quanto à eficácia do direito reconhecido em sede de Recurso Extraordinário Há no entanto uma questão da realidade que não se pode ignorar Vimos que há múltiplas formas de performatizar o gênero há inclusive aquelas pessoas que se veem como trans porém ainda a partir de uma lógica binária É preciso também respeitar e acolher esses corpos divergentes que sofrem e significam suas identidades e existências à margem de um sistema cisheteronormativo A maneira mais inclusiva de acolher a essa diversidade portanto é possibilitar e garantir a multiplicidade a mudança de prenome a mudança de sexo e a mudança de gênero sem prévios condicionamentos a autorizações judiciais ou requisitos médicos sem patologizações ou preconceitos respeitandose a narrativa de cada ser e a liberdade para ser o que se é CONCLUSÕES Ante o exposto a análise da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4275 a partir do marco teórico proposto permite concluir que existiu de fato um perfil teórico ativista neste julgamento A propositura e julgamento da ADI 4275 se mostra reflexo do esvaziamento da instituição política bem como da necessidade de reafirmação pelo Judiciário dos direitos de uma minoria que possui direitos morais questões de princípio não ditos pela norma vigente A utilização nos votos dos três Ministros aqui analisados do princípio da dignidade da pessoa humana como grande propulsor de suas conclusões em favor do exercício do direito ao nome das pessoas trans reflete a ideia de que todas as pessoas possuem direito a igualdade de consideração e respeito de maneira que as leis não devem ser constituídas deixando pessoas em desvantagem A filtragem constitucional realizada bem como a justificação em precedentes da própria Corte afirmam a ideia do direito como integridade Os resultados da pesquisa permitem concluir ainda acerca da validação do perfil de gênero binário pela Suprema Corte Brasileira que embora tenha realizado um ativismo integrador e local de residência dos últimos cinco anos certidão da Justiça do Trabalho do local de residência dos últimos cinco anos certidão da Justiça Militar se for o caso Ver BRASIL 2018 Provimento 73 Dispõe sobre a averbação da alteração do prenome e do gênero nos assentos de nascimento e casamento de pessoa transgênero no Registro Civil das Pessoas Naturais RCPN Diário de Justiça Eletrônico do CNJ 29 jun 2018 11 O RE foi proposto contra Acórdão da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que fixou entendimento no sentido de que a alteração do assentamento civil de pessoa transexual deveria estar condicionada à realização de cirurgia de transgenitalização alegando como argumentação jurídica o princípio da publicidade e veracidade dos registros públicos Vide Apelação Cível Nº 70041776642 Oitava Câmara Cível Tribunal de Justiça do RS Relator Rui Portanova Julgado em 30062011 Ao RE foi dada repercussão geral e definitivamente julgado pelo STF em agosto2018 Revista de Direito Brasileira Florianópolis SC v 26 n 10 p 2545 MaiAgo 2020 43 Revista de Direito Brasileira simbólico não se abriu às pluralidades das questões de gênero Autorizam a conclusão de que em simbólica monta o STF reproduziu o discurso que admite apenas a ultrapassada e conservadora ideia do gênero atrelado ao sexo na qual somente é possível compreender as performances de gênero em número de dois atreladas ao feminino e ao masculino O principal argumento que reforça esse entendimento está assentado no fato de que não houve extensão na tese fixada para a possibilidade de alteração do gênero no assentamento civil mas tão somente do sexo Este posicionamento não leva em consideração a fluidez do gênero e limita a sua performance em feminino e masculino Portanto embora tenha havido extensão do direito aos transgêneros esse direito só atingirá o prenome ignorando a existência de uma identidade de gênero fluída Ademais o voto do ministro relator que impôs requisitos médicos a serem auferidos para a afirmação da identidade com segurança das pessoas transexuais revela a validação de um discurso patologizante que confirma a ideia de normatização dos corpos que transitam em sua identidade de gênero Os ministros mesmo aqueles que seguiram o relator não impuseram em seu voto qualquer requisito médico O debate do relator então ocorreu no âmbito dos procedimentos de exclusão no discurso do regime de verdades compreendidos como procedimentos sociais utilizados pelo discurso de poder da medicina e do direito para o controle do corpo e dos indivíduos A vencer as marcas discursivas do binarismo por uma concepção plural de gênero o julgamento da ADI 4275 revelase um grande e poderoso marco na afirmação dos direitos fundamentais das pessoas trans identidades frequentemente silenciadas pelo discurso de poder hegemônico O direito ao nome sem dúvida é um dos mais expressivos direitos individuais que ventilam a dignidade da pessoa humana Nome é pertencimento primeira instância na qual a pessoa humana se reconhece afirma sua identidade que a marca para a posteridade Nome é o lar da pessoa lar do mais íntimo sentimento de ser de estar para si e para o mundo E mais importante do que viver é viver com dignidade em espaço de muito mais do que a simples tolerância mas de consideração e de respeito A partir do julgamento da ADI 4275 com sua força vinculante as pessoas trans finalmente têm prenunciada sua tão custosa dignidade REFERÊNCIAS AURÉLIO Marco Voto em Ação Direta de Inconstitucionalidade n 4275DF Brasília Supremo Tribunal Federal 2018 Disponível em httpwwwstfjusbrarquivocmsnoticiaNoticiaStfanexoADI4275VotoMMApdf Acesso em 09 abr 2018 BARROSO Luis Roberto Judicialização ativismo judicial e legitimidade democrática Anuario Iberoamericano de Justicia Constitucional ISSN 11384824 núm 13 Madrid 2009 p 1732 Disponível em httpsdialnetuniriojaesservletarticulocodigo5124286orden0infolink Acesso em 30 set 2018 BENTO Berenice O que é transexualidade São Paulo Brasiliense 2008 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Diário Oficial da União 5 out 1988 Lei n 6015 de 31 de dezembro de 1973 Dispõe sobre os registros públicos e dá outras providências Diário Oficial da União 31 dez 1973 Conselho Nacional de Justiça Provimento 73 Dispõe sobre a averbação da alteração do prenome e do gênero nos assentos de nascimento e casamento de pessoa transgênero no Registro Revista de Direito Brasileira Florianópolis SC v 26 n 10 p 2545 MaiAgo 2020 44 Luana Paixão Dantas do Rosário Manuela Macedo Leal Civil das Pessoas Naturais RCPN Diário de Justiça Eletrônico do CNJ 29 jun 2018 Supremo Tribunal Federal Ação direta de inconstitucionalidade n 4275DF Requerente Procuradoria Geral da República Relator Min Marco Aurélio Diário da Justiça Eletrônico 06 mar 2018 Supremo Tribunal Federal Arguição de descumprimento de preceito fundamental n 132RJ Requerente Governador do Estado do Rio de Janeiro Relator Min Ayres Britto Diário da Justiça Eletrônico 13 out 2011 Supremo Tribunal Federal Arguição de descumprimento de preceito fundamental n 186DF Requerente Partido Democratas Relator Min Ricardo Lewandowski Diário da Justiça Eletrônico 26 abr 2012 BUTLER Judith Problemas de gênero feminismo e subversão da identidade Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2003 CARVALHO Mario CARRARA Sérgio Em direção a um futuro trans Contribuição para a história do movimento de travestis e transexuais no Brasil In Sexualidad Salud y Sociedad Revista Latinoamericana d 2 n 14 2013 p 319351 Disponível em httpswwwe publicacoesuerjbrindexphpSexualidadSaludySociedadarticleview68624940 Acesso em 23 nov 2018 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA Corregedoria normatiza troca de nome e gênero em cartório Disponível em httpwwwcnjjusbrnoticiascnj87092corregedorianormatizatroca denomeegeneroemcartorio Acesso em 23 nov 2018 CUNHA JÚNIOR Dirley da Curso de Direito Constitucional 12 ed rev ampl atual Salvador Juspodivm 2018 DAHL Robert A democracia e seus críticos Tradução de Patrícia de Freitas Ribeiro São Paulo Martins Fontes 2012 DELEUZE Gilles GUATTARI Félix O que é a filosofia trad Bento Prado Jr e Alberto Alonso Munõz 3 ed São Paulo Ed 34 2010 DIDIER JÚNIOR Fredie Curso de direito processual civil 17 ed Salvador JusPODIVM 2015 1v DWORKIN Ronald Levando os direitos a sério trad Nelson Boeira 3 ed São Paulo Martins Fontes 2010 ELY John Hart Democracia e Desconfiança Uma Teoria do Controle Judicial de Constitucionalidade Trad Juliana Fontes São Paulo Martins Fontes 2010 FACHIN Edson Voto em Ação Direta de Inconstitucionalidade n 4275DF Brasília Supremo Tribunal Federal 2018 Disponível em httpwwwstfjusbrarquivocmsnoticiaNoticiaStfanexoADI4275VotoEFpdf Acesso em 09 abr 2018 FERRAJOLI Luigi Direito e razão teoria do garantismo penal 3ª ed São Revista de Direito Brasileira Florianópolis SC v 26 n 10 p 2545 MaiAgo 2020 45 Revista de Direito Brasileira Paulo Editora Revista dos Tribunais 2010 FOUCAULT Michel Microfísica do poder Organização e tradução de Roberto Machado Rio de Janeiro Edições Graal 1979 História da sexualidade I a vontade de saber Rio de Janeiro Graal 1998 A ordem do discurso 24 ed São Paulo Loyola 2015 Coleção Leituras Filosóficas GARAPON Antoine O juiz e a democracia o guardião de promessas 2 ed Rio de Janeiro Revan 2001 GOHN Maria da Glória Movimentos Sociais na Contemporaneidade In Revista Brasileira de Educação v 16 n 47 2011 p 333361 Disponível em httpwwwscielobrpdfrbeduv16n47v16n47a05pdf Acesso em 23 nov 2018 MORAES Alexandre de Voto em Ação Direta de Inconstitucionalidade n 4275DF Brasília Supremo Tribunal Federal 2018 RICH A Heterossexualidade compulsória e existência lésbica Bagoas Estudos gays gêneros e sexualidades v 4 n 05 27 nov 2012 SCOTT Joan W Gênero uma categoria útil de análise histórica Educação e Realidade vol 16 n 2 Porto Alegre juldez 1990 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL STF reconhece a transgêneros possibilidade de alteração de registro civil sem mudança de sexo Disponível em httpwwwstfjusbrportalcmsverNoticiaDetalheaspidConteudo371085 Acesso em 14 maio 2018 SUNSTEIN Cass R One case at a time judicial minimalism on the Supreme Court 2 ed Massachusetts Harvard University Press 2001 UNIVERSIDADE PAULISTA UNIP ATIVIDADE PRÁTICA SUPERVISIONADA 20242 ATIVIDADE DO 2º1º SEMESTRES 1 INTRODUÇÃO Seja bemvindo à ATIVIDADE PRÁTICA SUPERVISIONADA de 20242 Nosso objetivo é fomentar estratégias que permitam ao aluno construir conhecimento com autonomia e atuação em equipe de 03 a 06 alunos para desenvolver habilidades de pesquisa seleção e consolidação de informações comunicação de ideias debate em grupo e apreensão de saberes específicos de sua área de formação profissional As atividades de pesquisa debate e redação do relatório final deverão ser realizadas com respeito aos mais rigorosos princípios éticos o que significa que não serão aceitos textos que sejam fruto de plágio Aproveite a oportunidade para aprender e avançar em seu conhecimento sobre Direito Sua atuação profissional poderá ser bastante diferenciada de forma positiva se você aproveitar as oportunidades didáticas que as ATIVIDADES PRÁTICAS SUPERVISIONADAS da UNIP oferecem Em caso de dúvida converse com seu Coordenador 2 PROBLEMA APRESENTADO O Supremo Tribunal Federal STF julgou a AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4275 DISTRITO FEDERAL que teve como relator o Ministro Marco Aurélio Mello que proferiu o voto que se encontra anexo 3 ATIVIDADE A SER REALIZADA 31 1 O grupo deverá ler o voto do Ministro Marco Aurélio Mello e verificar se o artigo 15 do Código Civil poderia ter sido utilizado para fundamentar a decisão adotada pelo STF 32 2 O grupo deverá redigir um texto sobre a aplicabilidade do artigo 15 ao caso decidido no STF 33 O texto para resposta do item anterior deverá mencionar eventuais obras e portais jurídicos consultados 4 PRAZO DE ENTREGA E POSTAGEM DA APS Os trabalhos da Atividade Prática Supervisionada deverão ser postados em plataforma própria com acesso pela área do aluno em Trabalhos Acadêmicos pelos líderes dos Grupos que deverão cadastrar anteriormente os RAs dos demais componentes em data a ser estabelecida e divulgada no próprio site As APS serão validadas e registradas individualmente em ficha própria Ficha de Acompanhamento da APS e que deverão ser postadas de todos os integrantes do Grupo pelo Líder juntamente com o Trabalho no ícone Trabalhos Acadêmicos Bom trabalho ANÁLISE DA APLICABILIDADE DO ARTIGO 15 DO CÓDIGO CIVIL NO ADI 4275 DO DF O ADI n 4275 julgado pelo STF buscava a interpretação conforma a Constituição Federal do art 58 da Lei n 6015 disponde sobre a possibilidade de alteração de prenome e sexo no registro civil mediante averbação no registro original independentemente de cirurgia de transgenitalização Logo a questão posta a órbita do STF referese em definir se é possível a modificação de prenome e gênero de transexual no registro civil independente da realização de cirurgia de transgenitalização O Ministro Marco Aurélio relator do caso deu voto favorável à alteração de registro civil tratandose de procedimento de jurisdição voluntária salientando que não há óbice para que o registro seja realizado nos moldes assentados no art 58 da Lei de Registros Públicos em perfeita consonância com a Constituição Federal O Ministro defendeu a dignidade humana autonomia e o direito ao desenvolvimento da personalidade ressaltando que o Estado não deve impor restrições indevidas à identidade de gênero Marco Aurélio destacou que a identidade de gênero deve ser respeitada e reconhecida como parte fundamental da personalidade humana e que a exigência de cirurgia para a mudança de registro civil é desnecessária e desproporcional No entanto o Ministro sugeriu a necessidade de critérios técnicos para comprovar a transexualidade em casos sem cirurgia citando normas do Conselho Federal de Medicina o que demonstra uma abordagem de cautela ao liberar a mudança sem procedimentos médicos Ademais impor qualquer restrição a mudança de prenome do transsexual violaria direitos constitucionais inerentes bem como criaria obstáculos para a plena inclusão social e o bemestar psíquico do transgênero inclusive a imposição de cirurgia A esse respeito o art 15 do CC dispõe que ninguém pode ser constrangido a submeterse com risco de vida a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica Levando em conta o artigo supracitado há proteção iminente do artigo aos direitos da personalidade principalmente no que concerne ao direito a integridade física e a vida Assim os direitos personalíssimos tratados na presente ação fazem uma complementação entre si no que se refere ao direito ao nome a integridade física e o direito a vida digna dos quais devem ser analisados em conjunto para que se extrai a melhor interpretação do direito O presente artigo estabelece a proteção ao princípio da inviolabilidade da integridade física e psicológica do indivíduo o qual tem o condão de garantir a liberdade individual sobre o próprio corpo Esse princípio fundamentase em valores constitucionais como a dignidade da pessoa humana art 1º III da Constituição Federal e o direito à liberdade art 5º caput A doutrina reconhece esse dispositivo como uma proteção ao livre arbítrio e à integridade física do ser humano Maria Helena Diniz ao comentar o Código Civil afirma que o artigo 15 protege o direito à integridade física e psíquica do indivíduo destacando que o ser humano não pode ser compelido a aceitar práticas médicas exceto em situações de perigo à vida de terceiros DINIZ 2017 p 123 O princípio da autonomia é outro aspecto crucial associado a esse artigo Segundo José Afonso da Silva o direito à autonomia significa que cada pessoa tem a prerrogativa de decidir sobre seu próprio corpo especialmente no que se refere à aceitação ou recusa de tratamentos médicos Ele menciona que a autonomia reflete o respeito pela individualidade e pela liberdade pessoal sem interferências que não sejam em prol de valores ainda mais fundamentais como a proteção da vida em situações de risco coletivo SILVA 2015 p 89 A esse respeito condicionar um direito atribuído ao direito ao nome a uma intervenção cirúrgica arriscada sem duvidas viola direitos fundamentais e personalíssimos que se veria diante do dever de escolher entre o exercício de dois direitos importantes Dessa forma o artigo 15 do Código Civil representa uma proteção robusta ao direito individual de autodeterminação em questões relacionadas à saúde por mais que o sentido principal da norma seja o de proteger aqueles que querem se eivar do atendimento médico é importante abranger a sua interpretação para o caso concreto já que também é um direito não precisar passar por tratamento cirúrgico para que lhe seja garantido um direito Além disso é importante salientar que caso fosse diferente o resultado do julgado do ADI o governo deveria garantir subsídios para aqueles que desejassem a mudança de sexo pudessem realizar a operação o que sem dúvidas seria um desafio na prática com longas filas e morosidade na eficácia do direito Nesse sentido concluise que o art 15 do Código Civil pode ser interpretado extensivamente para servir de fundamentação ao voto dado pelo Ministro principalmente por que em contrário ocasionaria limitação de direitos gerando conflitos normativos REFERÊNCIAS DINIZ Maria Helena Curso de Direito Civil Brasileiro 37 ed São Paulo Saraiva 2017 SILVA José Afonso da Curso de Direito Constitucional Positivo 42 ed São Paulo Malheiros 2015