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Microbiologia

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Autoras Profa Kátia Regina Silva Aranda Profa Sabrina da Silva Sabo Colaboradores Prof Juliano Rodrigo Guerreiro Profa Marília Tavares Coutinho da Costa Patrão Microbiologia de Alimentos Professoras conteudistas Kátia Regina Silva Aranda Sabrina da Silva Sabo Kátia Regina Silva Aranda Graduada no curso de Ciências Biológicas na modalidade médica pela Universidade de Mogi das Cruzes UMC em 1999 Possui doutorado concluído em 2005 e pósdoutorado pela Universidade Federal de São Paulo Unifesp concluído em 2010 Professora e pesquisadora desde 2005 nas áreas das ciências da saúde como microbiologia e biotecnologia e professora pela Universidade Paulista UNIP lecionando no curso de Farmácia em São Paulo desde 2019 Sabrina da Silva Sabo Graduada em Farmácia pela Universidade São Francisco USF em 2009 Possui especialização lato sensu em Microbiologia Ambiental e Industrial pela Sociedade Brasileira de Microbiologia 20112012 doutorado em Ciências pelo Departamento de Tecnologia BioquímicoFarmacêutica na Faculdade de Ciências Farmacêuticas Universidade de São Paulo USP em 2017 e pósdoutorado em Microbiologia Aplicada pela mesma instituição em 2018 Trabalhou durante oito anos 20052012 no Laboratório Universitário de Análises Clínicas do Hospital Universitário São Francisco Bragança Paulista SP dos quais durante três anos atuou como responsável técnica pela unidade de microbiologia Adquirindo experiência em microbiologia clínica e industrial sobretudo em processos biotecnológicos com ênfase em bioprospecção fermentação bem como produção purificação e aplicação de biomoléculas de interesse industrial Leciona na Universidade Paulista UNIP nos cursos de Farmácia Biomedicina e Ciências Biológicas no campus de São Paulo desde 2019 Todos os direitos reservados Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma eou quaisquer meios eletrônico incluindo fotocópia e gravação ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP A662m Aranda Kátia Regina Silva Microbiologia de Alimentos Kátia Regina Silva Aranda Sabrina da Silva Sabo São Paulo Editora Sol 2021 148 p il Nota este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP Série Didática ISSN 15179230 1 Microrganismo 2 Conservação 3 Produção I Aranda Kátia Regina Silva II Sabo Sabrina da Silva III Título CDU 57967 U51172 21 Prof Dr João Carlos Di Genio Reitor Prof Fábio Romeu de Carvalho ViceReitor de Planejamento Administração e Finanças Profa Melânia Dalla Torre ViceReitora de Unidades Universitárias Profa Dra Marília AnconaLopez ViceReitora de PósGraduação e Pesquisa Profa Dra Marília AnconaLopez ViceReitora de Graduação Unip Interativa EaD Profa Elisabete Brihy Prof Marcello Vannini Prof Dr Luiz Felipe Scabar Prof Ivan Daliberto Frugoli Material Didático EaD Comissão editorial Dra Angélica L Carlini UNIP Dr Ivan Dias da Motta CESUMAR Dra Kátia Mosorov Alonso UFMT Apoio Profa Cláudia Regina Baptista EaD Profa Deise Alcantara Carreiro Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico Prof Alexandre Ponzetto Revisão Jacinara Albuquerque Vera Saad Sumário Microbiologia de Alimentos APRESENTAÇÃO 7 INTRODUÇÃO 7 Unidade I 1 IMPORTÂNCIA DA MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS 9 11 Panorama brasileiro e mundial de surtos relacionados a DTA 11 2 FATORES QUE INTERFEREM NO CRESCIMENTO MICROBIANO EM ALIMENTOS 15 21 Fatores intrínsecos 15 211 Atividade de água 15 212 pH 19 213 Potencial oxidaçãoredução 21 214 Composição nutricional 23 215 Presença de substâncias naturalmente antimicrobianas 24 216 Presença de microbiota natural 25 217 Aula prática 26 22 Fatores extrínsecos 28 221 Umidade relativa do ambiente 29 222 Composição química do ambiente 31 23 Teoria dos obstáculos de Leistner 35 24 Deteriorações dos alimentos por microrganismos 38 241 Alterações físicas dos alimentos causadas por contaminação microbiana 38 242 Alterações químicas dos alimentos causadas por contaminação microbiana 41 3 MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 44 31 Conservação por agentes químicos 45 32 Conservação por agentes físicos 47 321 Métodos de remoção48 322 Métodos de conservação por altas temperaturas 49 323 Métodos de conservação por desidratação 52 324 Métodos de conservação por baixas temperaturas 54 325 Método de conservação por radiação ionizante 56 4 UTILIZAÇÃO DE MICRORGANISMOS PARA A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS 57 41 Produção de queijos 59 42 Produção de outros produtos lácteos 59 43 Produção de pão 60 44 Produção de bebidas alcoólicas e vinagre 61 Unidade II 5 PRINCIPAIS DOENÇAS RELACIONADAS AOS AGENTES TRANSMITIDOS POR ALIMENTOS 69 51 A importância dos agentes causadores de doença 70 52 Doenças de origem alimentar 71 53 Agentes causadores de DTA 71 531 Bactérias 72 532 Vírus98 533 Fungos 100 534 Parasitas 103 54 Intoxicações químicas 110 6 PRINCIPAIS MÉTODOS DE IDENTIFICAÇÃO E QUANTIFICAÇÃO DE MICRORGANISMOS EM ALIMENTOS MICRORGANISMOS INDICADORES 111 61 Microrganismos indicadores 111 62 Indicadores de contaminação fecal ou da qualidade higiênica do alimento 112 63 Métodos de análise 113 631 Amostragem 113 632 Preparação da amostra 114 633 Métodos de contagem de microrganismos 114 634 Isolamento e identificação de microrganismos 115 7 PRINCIPAIS FERRAMENTAS DE CONTROLE DE MICRORGANISMOS APPCC E BOAS PRÁTICAS 115 71 Sistema APPCC 116 711 Preparar um fluxograma do processo 116 712 Identificar os perigos e avaliar sua gravidade 117 713 Determinar os pontos críticos de controle 117 714 Instituir medidas e estabelecer critérios para assegurar o controle 118 715 Monitorar os pontos críticos de controle e registrar os dados 118 716 Agir na correção quando os critérios não são atingidos 119 72 Implantação do sistema APPCC 119 73 Boas Práticas 120 731 Boas práticas de higiene BPF 120 8 AULAS PRÁTICAS ANÁLISE MICROBIOLÓGICA DE ÁGUA E DE LEITES E DERIVADOS 121 81 Aula prática análise microbiológica de água 121 811 Coliformes totais método da membrana filtrante 124 82 Aula prática análise microbiológica de leites e derivados 125 7 APRESENTAÇÃO Ao estudar esta disciplina mostraremos a você todos os fatores que contribuem para as alterações dos alimentos causadas pelo mundo microbiano ou seja além de conhecer o controle higiênico sanitário de alimentos vamos conhecer também as principais doenças de origem microbiana transmitidas por alimentos quais fatores contribuem para a proliferação de microrganismos e como identificálos nos alimentos Em nosso dia a dia e onde quer que estejamos estamos sempre cercados por microrganismos que podem nos trazer benefícios ou então serem bastante indesejados Saber lidar com esses seres minúsculos deve ser o grande diferencial dos profissionais da área da saúde Assim sendo mostraremos a você que algumas espécies de microrganismos são capazes de causar o que chamamos de doenças transmitidas por alimentos DTA e que em situações extremas podem ser grande problema de saúde pública devido à capacidade de essas DTA evoluírem para um surto alimentar Mas como podemos frear a disseminação dessas DTA A resposta está em conhecer a composição química e as condições ideais de armazenamento dos alimentos ou seja saber seus fatores intrínsecos e extrínsecos Sem dúvida estabelecer a relação do alimento com os microrganismos nos abre um mundo de informações que nos permite entender os processos de alterações do alimento e não mais importante as doenças causadoras de surtos alimentares sendo algumas delas com número elevado de óbitos Este conteúdo prepara você para traçar um plano de análise microbiológica de alimentos desde a amostragem até a liberação do resultado Lembrese de que é muito importante se manter organizado em seus estudos Dessa forma será possível acompanhar melhor a evolução dos conteúdos além de evoluir adequadamente na construção do seu conhecimento INTRODUÇÃO Neste livrotexto você vai entender o porquê de alguns alimentos durarem mais que outros o porquê de alguns alimentos serem mais macios ou crocantes que outros o porquê de alguns terem um gosto mais ácido entre outros diferentes aspectos No entanto conhecer apenas as características dos alimentos não é o suficiente para controlar o crescimento indesejado dos microrganismos É preciso também conhecer as preferências nutricionais e ambientais desses seres ou seja saber que existem por exemplo microrganismos que se adaptam muito bem ao frio da geladeira e aqueles que sobrevivem a altas temperaturas sendo um grande problema para as indústrias alimentícias A partir do conhecimento das características dos alimentos bem como dos microrganismos você estará pronto para saber como controlálos Assim também mostraremos os principais métodos de conservação dos alimentos e como cada um deles agirá sobre os microrganismos indesejáveis Mas é preciso ter em mente que eles nem sempre são vilões Logo você perceberá que sem a presença de algumas espécies microbianas em nossas vidas não poderíamos apreciar um bom vinho ou uma boa cerveja acompanhados por um queijo delicioso e um pão fresquinho e crocante 8 Inicialmente abordaremos as características químicas e ambientais que favorecem o crescimento microbiano e as alterações dessas mesmas características Em seguida vamos compreender o controle higiênicosanitário de alimentos e os principais microrganismos relacionados com DTAs doenças transmitidas por alimentos bem como suas características as das doenças Mais adiante apresentaremos as principais técnicas de identificação e quantificação de microrganismos em alimentos além dos meios de eliminação eou diminuição da carga microbiana E por fim vamos compreender as principais ferramentas de controle de microrganismos Após essa jornada você será capaz de considerar os possíveis microrganismos envolvidos de acordo com características dos alimentos e comparação dos resultados obtidos com o preconizado por legislações vigentes Também saberá reconhecer as alterações resultantes de crescimento microbiano em alimentos Desejamos um bom estudo e esperamos que você alcance um dos objetivos maiores na sua trajetória acadêmica que é o conhecimento capaz de fazer toda a diferença na sua carreira profissional 9 MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS Unidade I 1 IMPORTÂNCIA DA MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS Todos sabemos que os microrganismos estão por todas as partes Eles já existiam na Terra há bilhões de anos antes do surgimento das plantas e dos animais Embora sejam as menores formas de vida coletivamente eles representam a maior parte da biomassa do nosso planeta e desempenham funções essenciais para os outros seres vivos Na realidade seres humanos plantas e animais são intimamente dependentes da atividade microbiana para reciclagem de nutrientes e para a degradação da matéria orgânica ou seja nenhuma outra forma de vida é tão importante para manutenção da vida na Terra quanto os microrganismos Os microrganismos podem realizar modificações benéficas nos alimentos e de grande interesse para a indústria mas também podem ser a causa de deteriorações e DTA A deterioração dos alimentos ocorre naturalmente por ação dos microrganismos que utilizam os nutrientes ali presentes como fonte de energia sendo portanto elementos imprescindíveis para o crescimento celular Ao se desenvolverem em um determinado alimento os microrganismos desencadearão modificações de cor odor sabor textura e aspecto representadas na figura a seguir Essas características representam o resultado não apenas da multiplicação indesejada do microrganismo em questão mas também de transformações químicas influenciadas pelos seus produtos metabólicos A deterioração microbiana é uma questão bastante preocupante para as indústrias do ramo já que grandes perdas econômicas são relatadas anualmente A B C D E Figura 1 Exemplos de modificações organolépticas e sensoriais em alguns alimentos A pão B queijo C feijão D tomate E frango 10 Unidade I Além dos microrganismos deteriorantes os alimentos também estão predispostos a contaminações por microrganismos genericamente denominados patogênicos As vias de contaminação de alimentos por esses microrganismos são inúmeras e estão diretamente relacionadas às más condições de higiene durante todo o processamento de um alimento ou seja na produção no armazenamento na distribuição e no manuseio O que devemos considerar é que os alimentos contaminados por patógenos representam um risco à saúde de quem os consome pois nem sempre liberam substâncias que deixam os alimentos com características indesejadas tal como fazem os microrganismos deteriorantes Portanto em muitas situações o patógeno pode estar presente no alimento e o indivíduo faz seu consumo sem se dar conta de sua existência podendo ser acometido pelas DTA As DTA podem se manifestar por meio de infecções quando o indivíduo ingere um alimento que contenha agentes patogênicos por intoxicações alimentares quando uma pessoa ingere alimentos com substâncias tóxicas produzidas por microrganismos e por toxinfecções que resultam da ingestão de alimentos que apresentam microrganismos patogênicos que produzem toxinas tanto nos alimentos como durante passagem pelo trato intestinal A figura a seguir traz exemplos de microrganismos que podem causar cada uma dessas manifestações clínicas O consumo de alimentos crus ou mal cozidos que tenham entrado em contato com fezes principalmente de aves contaminadas por salmonella sp podem causar a salmonelose uma das mais frequentes DTAs O consumo de alimentos embutidos enlatados e em conservas produzidos em condições sanitárias precárias podem ser veículos da toxina botulínica produzida por C botulinium causando o botulismo alimentar A cólera é uma doença infecciosa intestinal aguda transmitida por contaminação fecaloral direta ou pela ingestão de água ou alimentos contaminados por V cholerae o qual libera uma toxina que se liga às paredes intestinais provocando diarreias aquosas A Infecção B Intoxicação C Toxinfecção Salmonella sp Clostridium botulinium Vibrio cholerae Figura 2 Exemplos de microrganismos causadores de DTA as quais se manifestam em infecções intoxicações e toxinfecções 11 MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS São documentados cerca de 250 tipos de DTA em todo o mundo sendo que a maioria são por bactérias e suas respectivas toxinas ou então por vírus e fungos Devido à diversificação dos fatores causais das DTA não há um quadro clínico específico mas os sintomas clássicos são náuseas vômitos dores abdominais diarreia falta de apetite e febre A característica e a intensidade das DTA dependem do tipo de alimento do perfil imunológico do indivíduo afetado e principalmente do microrganismo em questão Embora os microrganismos sejam muitas vezes vistos como vilões é importante esclarecer que nem todos provocam efeitos nocivos aos produtos e aos seus consumidores Ao contrário do que se pensa a presença de determinados microrganismos em alimentos é desejada e muitas vezes essencial tal como aqueles presentes em alimentos fermentados como o iogurte e o queijo por exemplo As características organolépticas e sensoriais particulares desses alimentos fermentados só são possíveis graças à presença de microrganismos específicos que ao utilizarem os nutrientes do leite como fonte de energia para o crescimento celular produzem substâncias como ácidos lático propiônico e acético que causam alterações desejadas ao alimento modificando suas propriedades originais transformandoo em um novo produto Os produtos de panificação e bebidas alcoólicas são exemplos adicionais dos benefícios dos microrganismos fermentadores Espécies de leveduras ao utilizarem os carboidratos e proteínas desses alimentos para se multiplicarem e se desenvolverem produzem dióxido de carbono CO2 como produto de suas atividades metabólicas responsável pelo crescimento da massa do pão No caso de bebidas alcoólicas como o vinho e a cerveja leveduras específicas são colocadas sobre uvas e malte respectivamente e ao utilizarem os nutrientes desses alimentos esses microrganismos produzirão o etanol como produto metabólico Assim conhecer os agentes responsáveis pelas ações mencionadas e saber quais as características químicas e ambientais que favorecem ou desfavorecem seus crescimentos são informações muito valiosas que permitirão que compreendamos qual a melhor forma de controlálos 11 Panorama brasileiro e mundial de surtos relacionados a DTA Você provavelmente já deve ter ouvido falar que existe uma relação entre o consumo de um alimento contaminado com o que chamamos de surto alimentar Um surto alimentar definese como um incidente no qual duas ou mais pessoas apresentam a mesma doença sintomas semelhantes ou excretam os mesmos patógenos e isso é ocasionado pela ingestão de um alimento eou água da mesma fonte contaminada ou que foram contaminados da mesma forma Um dos primeiros grandes surtos bemdocumentados ocorreu na Escócia em 1964 quando mais de 500 pessoas foram contaminadas por Salmonella typhi ao consumirem uma espécie de carne enlatada produzida por uma indústria que não havia feito o correto tratamento das águas utilizadas para o resfriamento das latas do produto após a esterilização Em relação a esse caso acreditase que o microrganismo tenha adentrado as latas por meio de suas fissuras ou de suas emendas 12 Unidade I O gênero Salmonella é um dos principais patógenos responsáveis por DTA em todo o mundo No Brasil desde a década de 1980 esse microrganismo tem sido descrito como agente causador de surtos de gastroenterites causadas pela ingestão de diversos alimentos Até meados do século XX o perfil epidemiológico das DTA no Brasil ainda era pouco conhecido Escassos estados eou municípios dispunham de estatísticas e levantamentos confiáveis sobre os agentes etiológicos frequentes e os alimentos que mais causavam esse tipo de doença Apenas em 1998 o Ministério da Saúde por meio do Sistema de Vigilância Sanitária implantou o programa de Vigilância Epidemiológica das DTA VEDAT que a partir de 1999 começou a investigar surtos Desde então surtos e casos de DTA têm sido acompanhados rigorosamente e em conjunto com vigilância epidemiológica vigilância sanitária vigilância ambiental assistência em saúde defesa e inspeção agropecuária laboratório e outras áreas e instituições parceiras a VEDAT tem como principal função controlar e prevenir essas ocorrências A notificação de casos de DTA tornouse obrigatória por meio do Sistema de Informação de Agravos de Notificação Sinan o qual notifica anualmente em média 700 surtos de doenças transmitidas por alimentos com envolvimento de 13 mil doentes e dez óbitos Os microrganismos mais frequentemente isolados em alimentos causadores de surtos alimentares no Brasil são representados na figura a seguir 234 N 2431 surtos 0 Escherichia coli Salmonella spp Staphylovovvus aureus Coliformes Norovírus Rotavírus Shigella Bacikkus Cereus Clostridium perfringens Vírus da Hepatite A 15 30 5 20 35 10 25 40 113 94 65 39 31 30 23 16 12 Figura 3 Distribuição dos microrganismos mais isolados nos surtos de DTAs no Brasil entre 2009 a 2018 13 MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS Saiba mais Para conhecer um pouco mais sobre as DTA no Brasil bem como a situação epidemiológica dos surtos alimentares em nosso país acesse BRASIL Ministério da Saúde Surtos de doenças transmitidas por alimentos no Brasil Informe 2018 2019 Disponível em httpsbitly3hP41XC Acesso em 5 nov 2020 Neste momento você deve estar se perguntando mas de onde vêm esses patógenos que contaminam nossos alimentos Para a sua pergunta existem várias respostas As origens das contaminações são variadas no entanto as principais fontes são o solo e a água plantas utensílios trato gastrointestinal de humanos e animais manipuladores de alimentos ração animal pele dos animais ar e poeira Veja a figura a seguir para mais detalhes Microrganismos do solo podem através do vento contaminar o ar e posteriormente chegar até os copors hídricos através da chuva A Solo e água E Manipuladores de alimentos B Plantas F Ração animal C Utensílios G Pele dos animais D Trato gastrointestinal H Ar e poeira A microbiota das mãos e roupas dos manipuladore pode ser proveniente do solo água poeira entre outros Outras fontes importantes são fossas nasais a boca e a pele Os microrganismos que contaminam plantas possuem mecanismos de adesão à superfície destas de onde obtêm nutrientes Representa importante fonte de contaminação por Salmonella e Listeria monocytogenes em aves e outros animais A higienização inadequada de utensílios de cozinha resulta na transmissão de microrganismos de um alumento para outro contaminação cruzada Fonte importante de contaminação principalmente do leite Microrganismos encontrados nesse alimento podem ser os mesmos da pele dos animais se a ordenha dor realizada sem higiene Rico em microrganismos não apenas em quantidade mas também em variedade Esta é a principal fonte dos alimentos com miroganismos enteropatogênicos Embora em teoria todos os microrganismos possam ser encontrados no ar os que melhor sobrevivem nesse ambiente são as bactérias Grampositivas e os fungos Figura 4 Principais fontes de contaminação por microrganismos em alimentos 14 Unidade I Ainda que existam programas que exijam o controle rigoroso da qualidade e segurança dos alimentos eou da água a ocorrência de surtos alimentares no mundo vem aumentando consideravelmente Segundo a Organização Mundial da Saúde OMS em escala global uma a cada dez pessoas é acometida por DTA e no montante 33 milhões de vidas são perdidas anualmente As causas do aumento de surtos são variadas mas aqui destacamos o aumento das populações a existência de grupos de pessoas mais susceptíveis bebês grávidas imunodeprimidos e idosos um processo de urbanização sem organização a necessidade de produzir alimentos em grandes quantidades além de fiscalização sanitária deficiente tanto nos órgãos públicos quanto nos privados Como mencionado anteriormente existem muitos tipos de DTA e muitas vezes os agentes responsáveis produzem sintomas muito parecidos o que dificulta o diagnóstico clínico Nesse sentido quando existe uma suspeita de surto causado pela ingestão de algum alimento eou água o diagnóstico é realizado não apenas baseado nos sintomas dos pacientes mas principalmente por exames laboratoriais específicos De modo geral para chegar ao diagnóstico do agente etiológico causador do surto de DTA recomendase a coleta de fezes dos indivíduos envolvidos e também do alimento suspeito É importante enfatizar que toda a investigação é acompanhada de perto pela vigilância sanitária e vigilância ambiental pelo Laboratório Central de Saúde Pública Lacen além da autoridade sanitária local que deverá realizar a inspeção sanitária do estabelecimento produtor do alimento suspeito coletar amostras de água e alimentos e utilizar swabs demonstrado na figura a seguir para coleta de amostras da superfície de utensílios e outras Todas essas operações de investigação devem ocorrer logo após a notificação do surto que deverá resultar em atividades para obter informações epidemiológicas e propor medidas de intervenção prevenção e controle Figura 5 Swab utilizado para coletar amostras de superfícies diversas Sabendo da gravidade das DTA o que se pode fazer para prevenilas Para prevenção recomendase lavar as mãos regularmente consumir alimentos frescos com boa aparência os quais devem ser previamente lavados e desinfetados desinfetar hortifrúti emergindoos em hipoclorito de sódio a 25 para cada litro de água tratada lavar ovos com água potável imediatamente antes de serem utilizados e evitar consumilos crus ex gemada maionese caseira frito com a gema mole manter alimentos 15 MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS perecíveis em temperatura ambiente por um tempo mínimo só até serem de fato preparados reaquecer bem os alimentos que tenham sido congelados ou refrigerados antes de comêlos na hora da compra dos alimentos verificar se são comercializados por empresas confiáveis além da necessidade de checar a validade as condições de armazenamento e seus aspectos físicos ou seja aparência consistência e odor não beber leite cru nem consumir derivados de leite não pasteurizados evitar o contato entre alimentos não cozidos e alimentos prontos para o consumo para impedir o que chamamos de contaminação cruzada beber água e consumir gelo apenas de locais de procedência conhecida não consumir alimentos cárneos e derivados crus ou malcozidosassados Se nenhuma dessas medidas preventivas for efetiva e inevitavelmente ocorrer DTA o tratamento será baseado em estratégias para evitar a desidratação e o óbito Geralmente os sintomas desaparecem em alguns dias mas se a febre persistir por mais de três dias se houver a presença de sangue nas fezes e desidratação severa será necessária a antibioticoterapia Também é fundamental beber bastante água principalmente aqueles que apresentarem quadros agudos de diarreia 2 FATORES QUE INTERFEREM NO CRESCIMENTO MICROBIANO EM ALIMENTOS Os alimentos são matrizes quimicamente complexas e de modo geral fornecem a maioria dos nutrientes necessários para a multiplicação de diversas espécies microbianas É importante dizer que a maioria dos alimentos possui o que chamamos de contaminação inicial sendo proveniente da matériaprima usada em sua elaboração eou das condições de higiene durante sua produção ambiente manipuladores e superfícies Para considerar um alimento seguro para o consumo é necessário verificar sua qualidade microbiológica que dependerá não apenas de quantidade e tipos de organismos presentes mas também da capacidade de sobrevivência e multiplicação nesse alimento Muitos fatores podem favorecer impedir ou limitar a multiplicação de microrganismos em alimentos e aqui nesta unidade serão divididos em dois grupos fatores intrínsecos e fatores extrínsecos 21 Fatores intrínsecos Os fatores intrínsecos são aqueles relacionados às características próprias do alimento como a atividade de água Aa o pH o potencial de oxirredução os nutrientes disponíveis a presença de substâncias naturalmente antimicrobianas e a presença de microbiota natural Esses fatores serão individualmente discutidos nos itens a seguir 211 Atividade de água Sabemos o quanto a água é importante para os seres humanos Para os microrganismos isso não é diferente e o metabolismo e a multiplicação desses seres nos alimentos dependem da quantidade de água Basicamente os alimentos possuem dois tipos de água em sua composição a água livre e a água ligada ver figura 16 Unidade I Água ligada Água livre Figura 6 Representação da água livre e da água ligada nos alimentos A água ligada está fortemente associada às macromoléculas do alimento e devido a isso o crescimento de microrganismos e o desenvolvimento de reações químicas não são possíveis de ocorrerem quando se utiliza esse tipo de água Já a água livre está presente nos espaços intergranulares do alimento e suas moléculas não estão ligadas a nenhum de seus componentes Atua como meio de distribuição de nutriente para o crescimento de microrganismos eou reações químicas e enzimáticas Para saber o quanto de água livre temos em um alimento devese determinar o parâmetro denominado atividade de água Aa A Aa é um parâmetro de fundamental importância para as indústrias alimentícias já que está diretamente relacionada com crescimento microbiano com reações químicas não desejadas e também com a textura dos alimentos A determinação da Aa em um alimento não fornece uma estimativa totalmente real da quantidade de água livre entretanto podese predizer a velocidade de seu crescimento microbiano bem como de outras reações de deterioração sendo portanto um indicador útil para prever a estabilidade de um produto e sua segurança microbiológica Por não estar ligada a nenhum componente do alimento a água livre é muito mais volátil do que a água ligada e por esse motivo é ela quem evapora para atingir uma umidade relativa de equilíbrio URE em um determinado ambiente a uma dada temperatura Portanto o parâmetro Aa pode ser definido como a razão existente entre a pressão parcial do vapor da água da amostra de um alimento e da pressão parcial do vapor da água pura em uma determinada temperatura Ou seja é a pressão necessária para que as moléculas de água livre do alimento e da água pura entrem em estado de vapor em dada temperatura podendo ser resumida como a mobilidade da água até entrar em equilíbrio com o meio Veja essa relação na figura a seguir 17 MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS Pressão parcial de vapor de amostra de alimento Pressão parcial de vapor da água pura Atividade de água Pressão parcial de vapor de amostra de alimento Pressão parcial de vapor da água pura Figura 7 Representação da definição de atividade de água nos alimentos Na pressão atmosférica ao nível do mar 1 atm sob temperatura de 25 C a água pura é uma medida de estado padrão sendo sua Aa igual a 100 Já nos alimentos a Aa sempre será menor que 100 veja a tabela a seguir pois seus componentes diminuem a mobilidade da água Além disso substâncias como o sal e o açúcar podem ser intencionalmente adicionadas a um alimento visando a redução da sua Aa diminuindo a água disponível para o metabolismo microbiano e consequentemente estendendo sua validade A disponibilidade da água livre em um alimento também pode ser reduzida por meio do processo de desidratação remoção completa da água e do congelamento estratégias frequentemente utilizadas pelas indústrias de alimentos Tabela 1 Valores de atividade de água Aa em alguns alimentos Alimentos Aa Frutas frescas e vegetais 097 Aves e pescados frescos 098 Carnes frescas 095 Pão 096 Queijo parmesão 076 Carnes curadas 095 Geleia 080 Gelatina 094 Arroz cozido 087 Farinha de trigo 087 Mel 075 Cereais 020 Açúcar 010 Adaptada de Franco Landgraf 2008 p 14 18 Unidade I Os microrganismos exigem um mínimo de Aa para se multiplicarem e se desenvolverem em um alimento Os valores mínimos relatados para alguns patógenos e microrganismos deteriorantes são representados na tabela a seguir Tabela 2 Valores mínimos de Aa exigidos por alguns patógenos alimentares e microrganismos deteriorantes para multiplicação em alimentos Microrganismo Mínimo de Aa para crescimento Bactérias deteriorantes 090 Fungos deteriorantes 062085 Clostridium botulinum causador do botulismo 094097 Escherichia coli um dos principais causadores de gastroenterite 093 Salmonella um dos principais causadores de gastroenterite 094 Listeria monocytogenes um dos principais causadores de gastroenterite 092 Staphylococcus aureus causador de toxinfecção alimentar 085 Vibrio cholerae causador da cólera 097 Adaptada de Franco Landgraf 2008 p 108 É importante dizer que a Aa de um alimento não é um valor fixo e pode variar durante a estocagem ou dependendo dos nutrientes presentes No entanto de modo geral quanto mais elevada for a Aa de um determinado alimento mais rápido os microrganismos serão capazes de crescer Portanto conhecer a Aa de um alimento é fundamental para que as indústrias alimentícias consigam prever e propor a melhor estratégia de conservação que possa prevenir o desenvolvimento de microrganismos indesejáveis Isso inclui projetos de embalagens que protejam o produto contra a umidade do ambiente a estimativa do prazo de validade e a definição das condições ideais de armazenamento durante a estocagem ou durante o consumo Além disso para aqueles produtos alimentícios que utilizam microrganismos em sua produção como a cerveja e o queijo por exemplo é necessário garantir um ambiente com Aa adequada para seus desenvolvimentos Observação Uma alta concentração de açúcar é tradicionalmente utilizada para a conservação de produtos que contenham frutas como geleias e conservas pois quanto maior a concentração de solutos maior a interação com as moléculas de água livre que as tornam menos disponíveis para o desenvolvimento dos microrganismos Com esse mesmo objetivo o sal também é frequentemente utilizado para estender o prazo de validade de peixes e carnes bacalhau e carne seca por exemplo 19 MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS Também é importante reforçar que a Aa é apenas um dos fatores que devem ser avaliados para garantir a preservação dos alimentos pois ainda há de se considerar outros fatores importantes que serão detalhados nos itens a seguir 212 pH Os microrganismos possuem preferências específicas em relação ao pH do meio onde poderão crescer e multiplicar Dentro de uma faixa de pH haverá um valor mínimo em que determinado microrganismo poderá crescer um valor ótimo o qual favorecerá seu ritmo de multiplicação e um valor máximo que representa uma condição extrema à qual esse microrganismo poderá estar presente De modo geral uma faixa de pH entre 65 e 75 ou seja valores de pH neutro é a mais propícia para a maioria dos microrganismos No entanto observase que quando comparados com bactérias os bolores e leveduras são mais tolerantes a extremos de pH e portanto são predominantes sob essas condições Entre o grupo das bactérias as patogênicas são as mais exigentes em relação a esse fator A tabela a seguir demonstra os valores de pH exigidos para o crescimento de microrganismo de importância alimentar Tabela 3 Valores de pH para multiplicação de alguns microrganismos de interesse à área de alimentos Microrganismo pH Mínimo Ótimo Máximo Bactérias Clostridium botulinum 4850 6080 8588 Escherichia coli 4344 6080 90100 Salmonella spp 4550 6075 8096 Staphylococcus aureus 4047 6070 9598 Lactobacillus spp 3044 5560 7280 Leveduras Saccharomyces cerevisiae 2024 4050 100105 Bolores Aspergillus niger 12 3060 100 Penicillium spp 19 4567 93 Fusarium spp 21 6772 100 Adaptada de Franco Landgraf 2008 p 17 Esses valores não podem ser tomados como regras pois assim como o que foi discutido com a Aa o crescimento dos microrganismos pode ser afetados por outros fatores que agem simultaneamente No entanto conhecer as condições de preferências de crescimento dos principais patógenos alimentares é bastante útil para prever em que alimentos eles poderão se proliferar já que os alimentos também possuem seus respectivos pHs 20 Unidade I Na tabela a seguir está exposto o pH aproximado de alguns alimentos Tabela 4 Valores de pH de alguns alimentos Alimento pH Vegetais Alface 50 Azeitona 3638 Batata 5356 Berinjela 45 Brócolis 65 Cenoura 4960 Feijão 4665 Milho 73 Tomate 4243 Frutas Banana 4547 Laranja suco 3643 Maçã 2933 Melão 6367 Uva 3445 Carnes Bovina moída 5162 Frango 6264 Presunto 5961 Pescado Atum 5261 Camarão 6870 Salmão 6163 Laticínios Leite 6365 Manteiga 6164 Queijo 4959 Alimentos prontos para o consumo Omelete 6670 Arroz branco cozido 4552 Feijão cozido 5364 Frango xadrez 5364 Maionese de legumes 3744 Picles 35 Adaptada de Franco Landgraf 2008 p 18 21 MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS Segundo Franco e Landgraf 2008 considerando seus respectivos pHs os alimentos são classificados em três grupos os alimentos com baixa acidez que possuem pH superior a 45 os alimentos ácidos que são aqueles que possuem pH entre 40 e 45 e os alimentos muito ácidos que têm pH abaixo de 40 De modo geral alimentos de baixa acidez são os mais suscetíveis à contaminação microbiana seja por patógenos ou deteriorantes Nos alimentos ácidos os fungos são predominantes mas bactérias pertencentes ao grupo das ácidoláticas comumente encontrada em queijo e manteigas por exemplo também podem crescer Já os alimentos muito ácidos limitarão o crescimento de bactéria porém as espécies de leveduras e fungos serão favorecidas já que se adaptam muito bem a essas condições É importante ressaltar que determinado alimento pode possuir inicialmente um pH que não favoreça o crescimento de bactérias mas esse valor pode ser alterado por produtos do metabolismo de fungos e pode permitir o crescimento bacteriano 213 Potencial oxidaçãoredução Os processos de oxidação e de redução de um alimento também conhecido como potencial redox ou simplesmente pelo símbolo Eh estão basicamente relacionados com a facilidade com que um substrato ganha ou perde elétrons Para isso precisamos recordar que um elemento que perde elétrons é conhecido como oxidado e o que ganha elétrons reduzido Quando esses elétrons são transferidos de um elemento para outro há a criação de uma diferença de potencial elétrico que pode ser medida por um equipamento apropriado denominado medidor de ORP cuja sigla deriva do termo em inglês oxidation reduction potential que demonstra o valor obtido em volts V ou milivolts mV Segundo Franco e Landgraf 2008 quanto mais positivo é o valor de um potencial elétrico de determinada substância mais oxidada ela está presença de O2 Em contrapartida quanto mais negativo for o potencial elétrico de um composto mais reduzido estará As indústrias de alimentos se preocupam e monitoram constantemente os potenciais de oxirredução de seus produtos com o auxílio do medidor de ORP pois uma série de compostos podem afetar o potencial redox dos alimentos sendo que o oxigênio atmosférico presente no ambiente de armazenamento é o composto que interfere de forma mais significativa para o aumento desse parâmetro nos alimentos os quais ficam sujeitos a contaminações microbianas Os microrganismos apresentam variações no grau de sensibilidade ao potencial de oxirredução e podem ser divididos como exposto a seguir Microrganismos aeróbicos aqueles que necessitam da presença de oxigênio para crescer portanto alimentos com potencial de oxirredução positivo Assim sendo quanto mais oxidado estiver o alimento mais predisposto ele estará a contaminações por esse microrganismo Nesse grupo está inclusa a maioria das espécies de bolores e leveduras além de bactérias deteriorantes como os gêneros Pseudomonas Moraxella Acinetobacter e Flavobacterium Algumas espécies de patógenos também se enquadram nesse grupo como o Bacillus cereus De modo geral os microrganismos aeróbicos requerem um potencial de oxirredução entre 350 e 500 mV Microrganismos anaeróbicos exigem a ausência completa ou parcial de oxigênio para se multiplicarem portanto se desenvolverão prioritariamente em alimentos com potencial de oxirredução negativo normalmente inferiores a 150 mV Estão inseridos nesse grupo algumas 22 Unidade I espécies de bactérias patogênicas como o Clostridium botulinum e também agentes deteriorantes como o Desulfotomaculum nigrificans bactéria associada à deterioração de alimentos enlatados que produz gás sulfídrico H2S e que penetra para dentro do alimento causando seu escurecimento e cheiro de ovo podre Observação A presença de O2 para o grupo dos anaeróbicos costuma ser mais nociva do que o potencial positivo de um alimento Isso acontece porque na presença de O2 produzse como produto do metabolismo a água oxigenada H2O2 Diferentemente dos microrganismos aeróbicos os anaeróbicos não possuem a enzima catalase a qual degradaria esse composto tóxico em água e CO2 Assim ocorre o acúmulo de H2O2 levando esses microrganismos à morte Microrganismos anaeróbicos facultativos podem crescer tanto na presença como na ausência de O2 e por esse motivo conseguem se multiplicar em alimentos com potencial de oxirredução negativo ou positivo A esse grupo pertencem por exemplo algumas espécies de leveduras fermentativas e algumas bactérias da família das enterobactérias Microrganismos microaerofílicos são aqueles que preferem condições bastante reduzidas de O2 para a multiplicação portanto alimentos com potencial de oxirredução baixo são os favoritos dessa classe de microrganismos As bactérias láticas são exemplos desse grupo A figura a seguir ilustra o crescimento dos microrganismos dependendo das suas preferências em relação às concentrações de O2 atmosférico Microrganismos aeróbicos Microrganismos anaeróbicos facultativos Microrganismos anaeróbicos Microrganismos microaerofílicos Figura 8 Efeito do O2 no crescimento dos microrganismos 23 MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS A tabela a seguir demonstra o potencial de oxirredução de alguns alimentos No entanto é preciso dizer que a determinação do valor de potencial de oxirredução de um alimento não é uma tarefa fácil já que pode ocorrer a interação da tensão de O2 que envolve o alimento com os seus componentes químicos interferindo nos valores da medição Tabela 5 Potencial de oxirredução de alguns alimentos Alimento Potencial de oxirredução em mV Leite Variando entre 300 a 340 Queijo cheddar Variando entre 300 a 100 Manteiga Variando entre 290 a 350 Carne em pedaços in natura 200 Carne moída 300 Carnes enlatadas Variando entre 20 a 150 Batata 150 Suco de uva 409 Suco de limão 383 Adaptada de Baptista Venâncio 2003 p 45 É interessante notar que carnes em pedaços grandes possuem potencial de oxirredução em torno de 200 mV No entanto quando moídas podem apresentar elevada concentração de O2 com valores de aproximadamente 300 mV o que facilita a sua contaminação por microrganismos aeróbicos Ainda sobre as carnes os músculos dos animais após abate têm potencial de oxirredução de aproximadamente 250 mV Entretanto cerca de 30 horas após o abate esse valor pode ser reduzido para 250 mV propiciando a multiplicação da microbiota anaeróbia da carne Possuir o conhecimento sobre os valores de potencial de oxirredução dos alimentos em suas diferentes formas de apresentação é de fundamental importância para as indústrias alimentícias para que tenham condições de prever os microrganismos mais suscetíveis e então serem capazes de propor embalagens mais adequadas que possam garantir a comercialização de um produto com características ideais de qualidade 214 Composição nutricional A quantidade e os tipos de nutrientes presentes em um alimento são fatores muito importantes para a multiplicação de microrganismos pois para que possam crescer é necessário que o alimento possua em sua composição água fonte de energia fontes de nitrogênio vitaminas e sais minerais A influência da água para o crescimento dos microrganismos nos alimentos já foi demonstrada anteriormente quando abordamos a Aa No caso das fontes de energia os microrganismos utilizam geralmente açúcares preferencialmente açúcares simples como a glicose álcoois e aminoácidos Há ainda um seleto grupo de microrganismos que utiliza fontes de energia não tão usuais como aqueles que consomem lipídeos Em relação às fontes de nitrogênio as principais são os aminoácidos que são provenientes de proteínas Sobre as fontes de vitaminas aquelas pertencentes ao complexo B a biotina 24 Unidade I e o ácido pantotênico são as mais frequentemente utilizadas pelos microrganismos pois funcionam como coenzimas envolvidas em diversas reações metabólicas Por fim os sais minerais que embora sejam requeridos em quantidades muito pequenas são fundamentais para que ocorra a multiplicação microbiana como o zinco o manganês e o sódio que participam em várias reações enzimáticas Em resumo quanto mais rico em nutrientes for um determinado alimento mais predisposto ele estará para ocorrências de contaminação microbiana 215 Presença de substâncias naturalmente antimicrobianas Você já percebeu que alguns alimentos têm uma estabilidade maior do que de outros Claro que isso pode estar atrelado a vários fatores como a quantidade livre de água como já vimos anteriormente Ou seja quanto maior a Aa maior a probabilidade de contaminações No entanto alguns alimentos possuem espécies de conservantes naturais que retardam ou impedem o ataque de microrganismos aumentando a estabilidade do alimento em questão Esse é o caso de condimentos e temperos pois muitos possuem óleos essenciais que exercem efeito antimicrobiano contra diversos microrganismos O óleo essencial extraído da canela por exemplo possui o cinamaldeído com efeito antimicrobiano importante contra diferentes espécies do gênero Salmonella um dos principais patógenos alimentares Esse mesmo efeito contra Salmonella também é observado pelos óleos essenciais extraídos do orégano e do tomilho os quais possuem respectivamente as substâncias carvacrol e timol Outro bom exemplo é o alho que detém em sua composição a alicina Essa substância apresenta ação antiviral antifúngica e antibiótica além de possuir considerável teor de selênio o que nos permite dizer que o alho também possui propriedades antioxidantes Outra substância antimicrobiana que tem recebido crescente destaque é bacteriocina Tratase de um peptídeo com ação bactericida ou bacteriostática que é produzido principalmente por bactérias láticas ou seja bactérias naturalmente presentes em laticínios fermentados Essa substância tem sido amplamente estudada nas últimas décadas e apresentase como uma potencial alternativa na conservação de alimentos em substituição ao conservantes químicos além de ser especialmente vantajosa por não promover alterações nas qualidades sensoriais do produto alimentício De fato essa substância já está comercialmente disponível e se chama nisina Descoberta em 1925 ela só foi autorizada para uso em alimentos em 1969 pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura No entanto no Brasil o Ministério da Saúde autorizou sua aplicação em alimentos apenas em 1996 sendo atualmente largamente utilizada como bioconservantes de produtos lácteos e cárneos embutidos como salsichas Além dessas substâncias com efeito antimicrobiano outras estruturas funcionam como barreiras físicas contra a penetração de microrganismos e também precisam ser consideradas Esse é o caso da casca de nozes casca de frutas e da casca dos ovos bem como a pele dos animais e a película que envolve as sementes 25 MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS 216 Presença de microbiota natural Ao utilizar os componentes do alimento para se multiplicar um determinado microrganismo tende a produzir substâncias que podem inibir o crescimento de outros microrganismos como uma estratégia para se sobressair em uma competição por espaço e nutrientes Isso é o que ocorre com os alimentos fermentados por bactérias lácticas Esse grupo de microrganismo ao se multiplicar em um produto lácteo produz ácido lático como metabólito o que resulta na diminuição do pH desse alimento tornandoo ácido demais para a sobrevivência da maioria dos microrganismos Por outro lado os fungos são bastante adaptados para essas condições e podem utilizar dessa oportunidade para se multiplicarem Se essa situação ocorrer esses fungos podem produzir uma enzima denominada descarboxilase que interage com os componentes do alimento resultando na formação de compostos alcalinos como as aminas Como consequência ocorre o aumento do pH do alimento que anteriormente estava muito ácido Nessa ocasião os microrganismos que antes não conseguiam crescer agora estarão aptos a se proliferar Um exemplo prático desse acontecimento são as leveduras que degradam o ácido lático dos produtos fermentados tornandoos favoráveis para o crescimento e a produção de toxinas por Clostridium botulinum um importante patógeno alimentar que será discutido em detalhes mais à frente neste livro A interação entre os microrganismos também pode ser uma eficiente forma para o controle do desenvolvimento de patógenos em alimentos Bactérias benéficas também tradicionalmente denominadas como probióticos podem ser intencionalmente adicionadas a um produto alimentício estimulando uma competição com a microbiota inicialmente presente Quando isso ocorre as bactérias patogênicas podem acabar sendo desfavorecidas sendo eliminadas ou tendo suas populações reduzidas Esse processo é chamado de exclusão competitiva e vem sendo bastante utilizado no controle da contaminação de granjas principalmente pelos patógenos Salmonella e Campylobacter Nessa interessante estratégia as aves desde a fase neonatal até a fase adulta recebem alimentação rica em probióticos Essa ação promove a colonização da superfície do epitélio do trato gastrointestinal dessas aves o que impede que microrganismos indesejáveis se instalem e causem as patologias associadas Além disso muitas espécies de bactérias probióticas possuem a vantagem adicional de produzir ácidos orgânicos e bacteriocina o que lhes garante predomínio durante a competição contra patógenos ver figura Bactérica patogênica Bactérica probiótica Ácidos orgânicos Bacteriocina Célula epitelial do intestino Figura 9 Representação esquemática da exclusão competitiva entre bactérias probióticas e patogênicas nas células epiteliais do intestino 26 Unidade I Saiba mais Para saber mais sobre os efeitos benéficos das bactérias probióticas em humanos e animais leia OLIVEIRA M N et al Aspectos tecnológicos de alimentos funcionais contendo probióticos Revista Brasileira de Ciências Farmacêuticas v 38 n 1 p 121 2002 217 Aula prática Vimos o quanto os fatores intrínsecos dos alimentos podem influenciar no crescimento dos microrganismos favorecendoos ou inibindoos Nas práticas a seguir analisaremos dois fatores intrínsecos muito determinantes para a caracterização de um alimento a atividade de água e a presença de substâncias naturalmente antimicrobianas Exemplo de aplicação Análise da atividade de água Aa A determinação de atividade de água nos alimentos pode ser feita utilizandose equipamento específico analisadormedidor de atividade de água ou utilizando dessecadores com solução saturada de sais Esse último método possui baixo custo e é facilmente executado sendo especialmente vantajoso em relação ao método por meio de equipamentos Nos dessecadores fechados hermeticamente com auxílio de bomba a vácuo as soluções saturadas de sais geram uma atmosfera de umidade relativa ou atividade de água já muito bem estabelecida e conhecida Assim uma amostra de alimento colocada dentro desse ambiente trocará de umidade com esse ambiente de umidade relativa conhecida de modo que entrem em um equilíbrio após determinado período A tendência em perder ou absorver a água do ambiente com a atmosfera conhecida poderá ser observada na variação do peso dos alimentos analisados Objetivo observação do efeito da atividade de água nos alimentos Procedimento preparar ao menos três dessecadores adicionando a cada um deles uma das soluções saturada de sal da tabela a seguir É importante reforçar que sejam selecionados sais com valores bem distintos de Aa Por exemplo no primeiro dessecador adicionar ácido sulfúrico Aa 000 no segundo adicionar carbonato de potássio Aa 043 no terceiro adicionar sulfato de sódio Aa 093 27 MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS Tabela 6 Sal UR a 25 C Aa Ácido sulfúrico 000 000 Hidróxido de potássio KOH 823 008 Acetato de potássio KC2H3O2 2251 023 Cloreto de magnésio MgCl2 328 033 Iodeto de sódio NaI 382 038 Carbonato de potássio K2CO3 4316 043 Nitrato de magnésio MgNO326H2O 5289 053 Brometo de sódio NaBr 576 058 Iodeto de potássio 689 068 Cloreto de sódio NaCl 757 076 Sulfato de amônio NH4SO4 809 081 Cloreto de potássio KCl 8434 084 Sulfato de sódio Na2SO4 10 H2O 930 093 Pesar três béqueres de 50 mL anotando as respectivas massas Adicionar a cada um desses béqueres 5 g de um determinado alimento Sugerimos amostras de bolacha água e sal café em pó e molho de tomate Colocar em cada um dos dessecadores já contendo uma das soluções saturadas de sal um dos conjuntos de béquer amostra Após sete dias verificar a aparências dos alimentos Após o período de sete dias se seguirmos o exemplo quanto à seleção dos sais e às amostras de alimento no dessecador contendo ácido sulfúrico a amostra de bolacha de água e de sal tenderá a permanecer crocante já que a troca de água com o ambiente será mínima Esperase que não haja contaminações nessa amostra O café em pó nesse ambiente tenderá a manter sua característica original e também não deverá apresentar contaminações Já o molho de tomate ficará seco pois ele possui uma Aa elevada e em um ambiente com Aa nula a tendência é que ele libere água para essa atmosfera buscando a umidade relativa de equilíbrio Em uma situação extrema se tomarmos como base um dessecador contendo uma solução de sulfato de sódio a amostra de bolacha ficará murcha pois com uma umidade relativa tão elevada desse ambiente a tendência é que absorva a água dessa atmosfera O café seguindo o mesmo raciocínio se tornará uma massa pastosa Já o molho de tomate sofrerá pouco ou nenhum efeito pois tanto a atmosfera quanto a amostra desse alimento possuem elevados valores de Aa Diferentemente do exemplo anterior sob essa atmosfera esperase que após sete dias todas as amostras de alimentos estejam contaminadas 28 Unidade I 2171 Análise da presença de substâncias antimicrobianas naturais Alguns alimentos possuem em sua composição algumas substâncias com potencial de inibir o crescimento de alguns microrganismos Isso é uma propriedade bastante interessante pois atribui a esses alimentos um período maior de tempo de prateleira Exemplo de aplicação Objetivo checar se determinados alimentos possuem atividade antimicrobiana contra Staphylococcus aureus Procedimento em uma placa de Petri contendo o meio de cultura sólido TSB ou BHI semear com o auxílio de um swab uma solução contendo Staphylococcus aureus previamente crescido em meio de cultura líquido TSB ou BHI Faça movimentos em ziguezague de forma que toda a superfície da placa seja coberta com a solução da bactéria em questão Enquanto aguarda a solução na placa secar por alguns minutos triture se for necessário em gral e pistilo os alimentos que serão testados Sugerimos alho canela cravo e tomilho ou orégano frescos Com o auxílio de uma espátula de preferência estéril coloque uma pequena porção das amostras de alimento sob a superfície do meio de cultura sólido cultivado com Staphylococcus aureus Coloque para incubar em estufa bacteriológica a 35 C por 2448 horas Após esse período é esperado que haja a formação de halos de inibição ao redor das amostras de alimentos pois eles possuem em sua composição substâncias que exercem atividade antimicrobiana contra determinados microrganismos Esses halos de inibição supostamente formados representam o não crescimento do Staphylococcus aureus pois a substância antimicrobiana se difundiu matando os microrganismos que estavam ao redor das amostras de alimento 22 Fatores extrínsecos Quando falamos de fatores extrínsecos que interferem no crescimento de microrganismos em alimentos estamos nos referindo às condições ambientais às quais esse alimento foi exposto seja durante seu armazenamento ou durante a sua produção Entre os fatores extrínsecos mais relevantes estão a umidade e a temperatura do ambiente além da composição química da atmosfera que envolve o alimento Esses fatores serão discutidos em detalhes a seguir 29 MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS 221 Umidade relativa do ambiente Esse parâmetro está estritamente relacionado com a Aa de um alimento e a umidade relativa do ambiente É importante dizer que a Aa dos alimentos também pode ser dita como umidade relativa UR Para isso devese multiplicar a Aa por 100 visto que a UR é dada em porcentagem Por exemplo se a Aa de um alimento for 03 então sua UR será 30 Já a umidade relativa do ambiente indica a porcentagem de umidade no ar a uma dada temperatura Em um deserto por exemplo a UR do ar pode chegar a 15 no entanto a UR da maioria das atmosferas costuma ser em média 60 Quanto ao armazenamento dos alimentos considerase que é um parâmetro muito importante pois pode alterar a Aa de um alimento e consequentemente sua predisposição a contaminações microbianas Se armazenarmos um alimento de baixa Aa ou seja baixa UR em um ambiente com alta UR a Aa do alimento aumentará pois o alimento tenderá a absorver a água daquele ambiente O contrário também ocorre ou seja o armazenamento de um alimento de alta Aa alta UR em um ambiente seco baixa UR fará com que esse alimento dessorva água ou seja libere água para a atmosfera na tentativa de atingir o equilíbrio umidade relativa de equilíbrio URE e portanto tenderá ao ressecamento Para exemplificar as situações mencionadas imagine uma bolacha de água e sal A Aa desse produto varia em torno de 040 ou seja UR de 40 Se essa bolacha for deixada por um determinado período de tempo em um ambiente com UR atmosférica de 60 em temperatura ambiente a tendência é que esse produto fique murcho Isso ocorre porque a bolacha irá absorver a água presente no ar desse ambiente e portanto apresentará essa característica final a qual desagrada o consumidor e predispõe esse alimento a contaminações microbianas Na situação oposta se um molho de tomate o qual possui uma Aa média de 080 for exposto ao mesmo ambiente sob a mesma temperatura a tendência é que ele libere sua água livre para o ambiente também na tentativa de atingir a URE Nesse caso o molho de tomate terá sua Aa reduzida e ficará ressecado Uma Aa baixa limita o crescimento de bactérias no entanto favorece a multiplicação de fungos deteriorantes os quais conseguem se proliferar em Aa baixas Observação Temperatura do ambiente entre os fatores extrínsecos a temperatura ambiente faixa entre 15 C e 30 C talvez seja o fator mais determinante para a multiplicação dos microrganismos em alimentos Apesar de conseguirem se multiplicar em diferentes temperaturas os microrganismos possuem preferências para atingir seus máximos de proliferação Com foco nos contaminantes de alimentos e seus ótimos de temperatura os microrganismos podem ser divididos em três principais grupos os psicrotróficos os mesófilos e os termófilos 30 Unidade I Velocidade de crescimento Ótimo de temperatura para os psicrotróficos Ótimo de temperatura para os mesófilos Temperatura C 0 10 20 30 40 50 60 70 Ótimo de temperatura para os termófilos Figura 10 Crescimentos dos microrganismos psicrotróficos mesófilos e termófilos em diferentes temperaturas Detalhando cada um desses grupos os psicrotróficos têm ótimos de crescimento geralmente entre 20 C a 25 C não crescem além dos 30 C e o grande diferencial é que conseguem crescer sob baixas temperaturas que são as mesmas utilizadas em geladeiras Dessa forma os microrganismos desse grupo serão os principais responsáveis pela contaminação de alimentos refrigerados especialmente carnes pescados ovos e frango Os psicrotróficos conseguem deteriorar lentamente os alimentos os quais muitas vezes se apresentam sob a forma de micélios fúngicos ou limo na superfície ocasionando a sua alteração de sabor odor eou cor Os microrganismos mesófilos com temperaturas ótimas de crescimento entre 25 C a 40 C são os microrganismos mais comuns A grande preocupação das indústrias e estabelecimentos envolvidos nos processos de produção e manipulação de alimentos são esses microrganismos pois correspondem à grande maioria dos patógenos alimentares Tais microrganismos têm ótimos de crescimento sob temperaturas em torno de 37 C correspondente à temperatura corpórea de humanos e animais mamíferos o que justifica sua capacidade de boa adaptação nesses hospedeiros Já os termófilos são microrganismos capazes de crescer sob altas temperaturas A grande maioria dos microrganismos pertencentes a esse grupo têm ótimos de crescimento sob temperaturas em torno de 50 C a 60 C podendo inclusive resistir até a 90 C Para que se possa ter uma ideia a temperatura ideal de multiplicação desses microrganismos representa a média da temperatura da água que sai de torneiras aquecidas As bactérias termófilas de maior importância aos alimentos pertencem ao gênero Bacillus incluindo tanto espécies deteriorantes como Bacillus coagulans como também patogênicas como o Clostridium botulinum e o Clostridium perfringens Sabese que esses microrganismos são formadores de endósporos também conhecidos como esporos bacterianos que representam estruturas de 31 MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS resistência A grande preocupação é que se o tratamento térmico aplicado ao processo de produção de enlatados e compotas não for realizado corretamente e eles ficarem submetidos a altas temperaturas de armazenamento esses esporos podem germinar resultando no crescimento do microrganismo que causa a sua deterioração ou ainda serem veículo de DTAs como é o caso do botulismo alimentar causado por Clostridium botulinum 222 Composição química do ambiente A composição química do ambiente diz respeito aos gases que estão ao redor do alimento dentro de suas embalagens ou seja oxigênio O2 dióxido de carbono CO2 nitrogênio etileno entre outros A composição gasosa que envolve um produto alimentício determina os tipos de microrganismos que poderão crescer nele A presença de oxigênio por exemplo favorece a proliferação de microrganismos aeróbicos representados pela grande maioria dos agentes deteriorantes de alimentos e patógenos causadores de DTA Já na ausência de O2 predominarão prioritariamente os microrganismos anaeróbicos um grupo mais restrito e com metabolismo lento Portanto a modificação na composição química dos gases que envolvem os alimentos dentro das embalagens dita os microrganismos que sobrevivem e os que se multiplicam O O2 é responsável por muitas reações indesejadas nos alimentos como a oxidação e rancificação de óleos e gorduras amadurecimento acelerado de frutas e verduras alterações na coloração e aspecto dos alimentos além da deterioração ocasionada pelo crescimento de microrganismos aeróbicos Devido a esses efeitos as indústrias alimentícias tendem a utilizar embalagens específicas com um sistema denominado de atmosfera modificada A embalagem a vácuo foi a primeira forma de embalagem com atmosfera modificada comercialmente disponível Nessa condição utilizamse as embalagens impermeáveis a gases que têm o ar retirado para impedir o crescimento de organismos deteriorantes e patogênicos O O2 residual dentro das embalagens a vácuo é consumido pela microbiota naturalmente presente produzindo CO2 e fazendo com que o potencial de oxirredução assunto anteriormente discutido nesta unidade tenda a ficar negativo resultando na supressão do crescimento microbiano e impedindo portanto as modificações indesejadas nos alimentos É importante ressaltar que tal condição atmosférica não resulta na esterilização do alimento pois em condições onde há a escassez de O2 ocorre o predomínio de microrganismos anaeróbicos de velocidade metabólica lenta que atrasam a deterioração do alimento embalado sob essas condições Por outro lado é preciso observar que alguns patógenos alimentares como o Clostridium botulinum são anaeróbicos e poderiam ter o crescimento favorecido pela exclusão absoluta de O2 Por esse motivo a presença de algumas moléculas desse gás dentro das embalagens é imprescindível para que ocorra o crescimento da microbiota residente que funcionará como competidora desses importantes agentes patogênicos Além das embalagens a vácuo também temos aquelas que atuam com atmosfera modificada que visam a estender o tempo de vida útil dos alimentos e que também podem ser obtidas mediante a substituição total ou parcial do O2 por outros gases Embalagens contendo misturas entre oxigênio nitrogênio e CO2 são as mais utilizadas pelas indústrias de alimentos embora misturas com outros gases como monóxido de carbono óxido nitroso e dióxido de enxofre também sejam utilizadas As figuras a seguir ilustram as embalagens no modelo a vácuo e também aquelas que são obtidas por substituição de gases 32 Unidade I A Embalagens a vácuo B Embalagens por atmosfera modificada Figura 11 Representação de embalagens de alimentos por sistema a vácuo e por atmosfera modificada O aumento do prazo de validade dos produtos embalados sob atmosfera modificada é possível pois além de limitar a quantidade de O2 e seus efeitos indesejados o CO2 naturalmente resultante ou artificialmente inserido dentro das embalagens desempenha efeito bacteriostático contra diferentes espécies microbianas É importante dizer que esse efeito pode ser influenciado pela carga bacteriana inicial e pelo tipo de produto embalado sobretudo seu aspecto relacionado à quantidade de água livre ou seja Aa O mecanismo inibitório desse gás dependerá principalmente de sua dissolução no produto embalado e na quantidade ali encerrada Quando o CO2 se dissolve na água livre do alimento acaba acidificandoo Essa acidificação aliada ao efeito antimicrobiano do CO2 impede o crescimento de diversos microrganismos como já demonstrado anteriormente Considerase importante também que as temperaturas reduzidas ajam sinergicamente com o CO2 contribuindo com a ação bacteriostática É por esse motivo que alimentos embalados a vácuo ou sob atmosfera modificada são armazenados frequentemente sob refrigeração Mais recentemente as indústrias alimentícias estão se interessando em buscar novas tecnologias disponíveis e adaptálas aos seus produtos como as embalagens inteligentes e as embalagens ativas Além das funções propostas pela embalagem com atmosfera modificada que são a de fornecer uma barreira física para conter as contaminações microbiológicas e a de prevenir os processos de deterioração como a oxidação As embalagens ativas possuem alguns sistemas que de certa forma se comunicam com o alimento e liberam substâncias antimicrobianas durante sua validade Outra funcionalidade dessas embalagens é a de modificar alguns inconvenientes naturais do alimento por meio de enzimas específicas que são adicionadas ao material da embalagem e que interagem diretamente com o produto deixandoo com um sabor mais aceitável e eliminando por exemplo sabores amargos Já as embalagens inteligentes funcionam como indicadoras de qualidade do produto embalado Essa é uma vantagem bastante interessante pois quando um alimento está em processo de deterioração reações bioquímicas estão acontecendo e muitas vezes são imperceptíveis aos olhos do consumidor já que o alimento pode manter sua aparência de produto fresco 33 MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS Imagine a seguinte situação você está em um supermercado e olhando através da embalagem consegue visualizar e saber com precisão se as frutas que se encontram embaladas nela estão muito maduras ou se encontram muito próximas de se estragarem ou ainda em outra situação consegue saber se uma carne foi recentemente embalada ou se está prestes a se tornar imprópria para o consumo São situações que parecem futuristas mas que na verdade já são realidade nas indústrias alimentícias que estão implantando e investindo cada vez mais em novas tecnologias para minimizar os desperdícios e consequentemente seus custos financeiros Por meio de seus rótulos ou etiquetas as embalagens inteligentes funcionam detectando a mudança de pH do alimento embalado resultante da deterioração microbiana ou seja quando os microrganismos que estão presentes nessa embalagem crescem e se desenvolvem no alimento eles tendem a liberar como produto de seus metabolismos ácidos orgânicos como ácidos lático butírico e acético que irão acidificar o produto embalado Assim essa etiqueta ou o rótulo interagem com o conteúdo interno e muda de cor indicando o grau de deterioração do produto No caso de embalagens inteligentes para frutas existem sensores presentes na etiqueta que detectam o gás etileno que é liberado naturalmente durante o processo de maturação desses alimentos De acordo com a quantidade desse gás dentro da embalagem é possível saber o estágio de maturação da fruta embalada e dessa forma o consumidor sabe exatamente quando o alimento ainda está firme maduro ou completamente maduro A embalagem inteligente da empresa neozelandesa Ripesense é um exemplo ver figura a seguir Figura 12 Embalagem inteligente desenvolvida pela empresa Ripesense que indica o grau de maturação de frutas embaladas mediante um sensor de produção de gás etileno O círculo de coloração vermelha presente na embalagem indica que a fruta está fresca a cor laranja quer dizer que a fruta está madura enquanto o círculo de cor amarela indica que a fruta está passada e serve preferencialmente para a preparação de sucos 34 Unidade I Outro exemplo interessante dessa tecnologia é dado pela empresa inglesa Timestrip que desenvolveu um rótulo que indica o período em que um determinado produto está aberto Ao acionar o botão de ativação o tempo começa a ser monitorado pela etiqueta que mudará da coloração branca do indicador para a cor vermelha ver figura a seguir Antes da ativação Ativação manual Ativado e próximo do fim do período de monitoramento Figura 13 Etiqueta de monitoração do tempo especialmente útil para embalagens de alimentos Essa empresa também possui etiquetas que monitoram a temperatura de armazenamento ou transporte de alimentos Se houver violação do limite de temperatura estabelecido ela será apontada pela etiqueta ver figura seguir O mecanismo de funcionamento é relativamente simples a etiqueta contém um líquido azul que se move por capilaridade por uma membrana porosa branca a menos que a temperatura seja violada O progresso do líquido azul pode ser rastreado em relação aos marcadores de tempo na janela de visualização Se a temperatura é violada o líquido se solidifica e para de se mover Cada avanço é irreversível e portanto o tempo acumulado de todas as violações de temperatura é mostrado pela distância que a mistura azul se move ao longo dos marcadores de tempo Inativado Monitoramento após ativado Indicação de violação de temperatura durante 4 horas Figura 14 Etiqueta de monitorização de temperatura especialmente útil para checar a violação da temperatura limite de produtos refrigerados e congelados Ambas as etiquetas são bastante propícias para produtos refrigerados e congelados 35 MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS Aqui no Brasil tais tecnologias ainda não são muito comuns de serem encontradas mas considerando o avanço crescente que esse mercado vem globalmente apresentando a expectativa é que as indústrias alimentícias brasileiras considerem essa possibilidade dentro dos próximos anos já que as vantagens beneficiam tanto os consumidores quanto as empresas envolvidas na cadeia de produção contribuindo para a sustentabilidade e economia dos negócio Lembrete Os fatores intrínsecos e extrínsecos ditam o ritmo em quem os microrganismos irão se proliferar nos alimentos Esses fatores são inerentes ao alimento como por exemplo pH acidez e atividade de água Já os fatores extrínsecos estão relacionados com ambiente em que os alimentos são expostos como umidade relativa do ar e temperatura 23 Teoria dos obstáculos de Leistner Conhecer os fatores intrínsecos e extrínsecos dos alimentos e os efeitos que eles exercem sobre o crescimento de microrganismos permite prever seu tempo de validade ou também tradicionalmente chamado de vida de prateleira com especial atenção aos patógenos alimentares Apesar de os fatores anteriormente mencionados afetarem de forma específica os alimentos é pouco útil o conhecimento das respectivas características isoladamente pois existe uma interação entre os fatores sejam eles intrínsecos ou extrínsecos Essa interrelação entre os fatores pode ser do tipo aditivo sinérgico ou até mesmo antagônico e é isso que deu origem ao conceito da teoria dos obstáculos de Leistner Leistner foi um pesquisador que descreveu em seus trabalhos que a estabilidade e a segurança microbiológica dos alimentos são obtidas pela ação combinada dos fatores intrínsecos e extrínsecos resultando na diminuição de contaminações microbianas intoxicações alimentares economia de energia e dinheiro pelas indústrias alimentícias bem como a redução do impacto ambiental gerado pelo desperdício de alimentos Essa teoria se baseia na utilização conjunta de mais de um tipo de mecanismo de controle microbiano dificultando a proliferação desses agentes Para entender essa teoria é preciso ter em mente que os alimentos podem conter uma carga inicial de microrganismos os quais podem se multiplicar até o momento do seu consumo podendo reduzir o tempo de prateleira do alimento ou até mesmo causar danos ao consumidor Esses microrganismos poderão ou não ser barrados por uma ou mais barreiras de conservação O conceito da teoria dos obstáculos de Leistner é apresentado na figura a seguir que ilustra sete exemplos da intensidade de atuação dos fatores intrínsecos e extrínsecos sobre o controle do crescimento microbiano em um determinado alimento melhorando a estabilidade e consequentemente sua qualidade 36 Unidade I Temperatura Atividade da água Atividade da água Atividade da água Atividade da água Atividade da água Atividade da água Efeito sinérgico entre as barreiras Meio rico em nutrientes Microrganismos injuriados Atividade da água pH pH pH pH pH pH Potencial de oxirredução Potencial de oxirredução Conservante Conservante Conservante Conservante Conservante Conservante Conservante pH Potencial de oxirredução Potencial de oxirredução Potencial de oxirredução Potencial de oxirredução Potencial de oxirredução Exemplo 1 Exemplo 2 Exemplo 3 Exemplo 4 Exemplo 6 Exemplo 5 Exemplo 7 Figura 15 Teoria dos obstáculos de Leistner 37 MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS No primeiro exemplo os fatores Conservante de processamento da matériaprima sua Aa seu pH o potencial de oxirredução e o conservante químico adicionado ao produto final contribuem igualmente para impedir o crescimento microbiano representado pela seta até que seja completamente inibido Essa é a situação mais desejada mas tratase de um modelo teórico de ocorrência pouco provável No caso do exemplo 2 a Aa do alimento exerceu importante barreira entretanto não foi suficiente para impedir o crescimento microbiano necessitando de mais três barreiras até que fosse completamente inibido pelo conservante químico que precisou ser adicionado em elevada concentração No entanto podese observar que se a carga microbiana fosse baixa apenas a Aa seria necessária para se obter a segurança microbiológica do alimento em questão que é o que se pode observar no exemplo 3 Por outro lado vemos no exemplo 4 que se a concentração inicial de microrganismos fosse bastante elevada provavelmente devido às más condições de higiene durante o processamento do alimento as quatro barreiras presentes seriam insuficientes para impedir o desenvolvimento microbiológico necessitando portanto da adição de outro fator para bloquear eficientemente o crescimento da população microbiana Apenas com essas quatro barreiras o produto teria tempo de prateleira curto ou poderia causar uma intoxicação alimentar No exemplo 5 temos a situação em que foram acrescidos mais nutrientes ao alimento resultando em um efeito do tipo trampolim no crescimento microbiano Nessa situação a intensidade das quatro barreiras precisa ser aumentada Por exemplo se estamos falando de um produto cárneo então o efeito antimicrobiano que a Aa pode exercer precisa com certeza ser intensificado diminuindo consideravelmente a quantidade de água livre ali presente Além disso seria preciso intensificar o efeito do pH acidificando ou basificando o meio embalar o produto em uma atmosfera modificada ou a vácuo e adicionar uma concentração mais elevada de conservantes Também existem situações em que o microrganismo se encontra injuriado fraco pouco adaptado às condições ambientais atuais Nesse caso ilustrado no exemplo 6 menos barreiras são necessárias para conter o crescimento do microrganismo em questão já que seu metabolismo está consideravelmente prejudicado O último exemplo ilustra uma situação que merece uma atenção especial referente à preservação dos alimentos por combinação de fatores pois a ação dos diferentes fatores pode ter não apenas um efeito aditivo na estabilidade mas também pode atuar sinergicamente O efeito sinérgico entre os fatores pode ser esperado quando cada um deles têm alvos diferentes dentro das células microbianas Por exemplo um fator afeta a parede celular e o outro dificulta a assimilação de nutrientes Isso perturbará o crescimento dos microrganismos em vários aspectos dificultando que agentes deteriorantes e patogênicos superem tal situação tendo o crescimento retardado e por consequência morrendo Assim sendo empregar diferentes obstáculos na preservação dos alimentos deve ser vantajoso já que não é necessário intensificar os obstáculos para alcançar a estabilidade microbiana E por que devemos conhecer os fatores intrínsecos e extrínsecos de cada alimento e saber como eles interagem Porque assim será possível estabelecer seu tempo de vida útil e as melhores condições de armazenamento Isso é realizado frequentemente por meio de ensaios laboratoriais que podem 38 Unidade I demandar um longo período e altos custos associados ou alternativamente utilizando o que chamamos de modelos matemáticos Esses modelos são fundamentados em equações matemáticas que calculam a probabilidade de crescimento de determinado microrganismo em um produto alimentício baseado em seus fatores intrínsecos e extrínsecos Tratase de um método inovador bastante vantajoso pois além de apresentarem resultados que se correlacionam muito bem com aqueles realizados com ensaios laboratoriais permite realizar estimativas de tempo de prateleira dos alimentos de forma rápida e econômica 24 Deteriorações dos alimentos por microrganismos Quando a microbiota inicial de um alimento sobrevive às barreiras impostas por ele ou pelo seu armazenamento ou então quando um patógeno acidentalmente se instala devido às condições inadequadas de higiene esses microrganismos alterarão as características físicas e químicas desse produto alimentício que é o processo conhecido como deterioração 241 Alterações físicas dos alimentos causadas por contaminação microbiana As alterações físicas mais importantes causadas pela presença de microrganismos são as modificações de viscosidade turbidez coloração sabor e odor dos alimentos Sobre a alteração da viscosidade alguns microrganismos sintetizam polissacarídeos Como exemplo podemos citar os microrganismos Bacillus subtilis e Escherichia coli que utilizam os açúcares sacarose e maltose para a produção de dextrana e amilose ver figuras a seguir Essas substâncias formam uma espécie de limo na superfície dos alimentos sólidos ou aumentam a viscosidade dos alimentos líquidos ou semissólidos Sabe aquela carne fresca que você comprou no supermercado esqueceu guardada na geladeira por dias e quando se lembrou de consumila observou uma limosidade sobre sua superfície Tratase de microrganismos que produzem esses polissacarídeos e consequentemente modificam a característica original do alimento O O O O n n O O O O O O O 4 4 4 4 1 1 6 6 6 1 1 1 1 1 1 α α α α α α CH2OH CH2OH CH2OH CH2OH CH2OH CH2 CH2 CH2 O O O Dextrana HOH Amilose HOH Figura 16 Estrutura linear dos polissacarídeos dextrana e amilose 39 MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS Sobre as mudanças do aspecto turbidez um exemplo bastante interessante são as bactérias láticas mais especificamente as dos gêneros Lactobacillus e Pediococcus Bactérias pertencentes a esses gêneros são consideradas as mais prejudiciais para as indústrias cervejeiras e são responsáveis pela maioria dos incidentes de deterioração bacteriana nesse tipo de bebida A cerveja é um meio bastante hostil para a maioria das bactérias com elevada acidez pH entre 38 a 47 considerável concentração de etanol geralmente entre 4 a 5 alta concentração de dióxido de carbono e baixa concentração de O2 que a torna um meio quase anaeróbico No entanto alguns microrganismos como os citados anteriormente são capazes de se adaptarem a essas condições e de estragar as cervejas Além de deixálas com uma turbidez bastante intensa podem alterar o sabor dessa bebida devido à produção de metabólitos como o ácido lático que a deixará mais ácida e o diacetil que irá conferir às cervejas contaminadas um sabor desagradável de manteiga As alterações da coloração ocorrem devido à contaminação dos alimentos por gêneros bacterianos produtores de pigmentos e quando hidrossolúveis se dispersam pela água livre do alimento podendo ter mudanças na coloração original do alimento não apenas no local de início da contaminação mas também em outros pontos ver figura a seguir No entanto se o pigmento produzido for do tipo lipossolúvel então só serão observadas as alterações da coloração nos pontos onde houver contaminação Figura 17 Mudança de coloração de carne crua ocasionada por contaminação microbiana No quadro a seguir apresentamos alguns gêneros bacterianos produtores de pigmentos bem como as respectivas características desses pigmentos Quadro 1 Alguns exemplos de microrganismos produtores de pigmentos Gênero bacteriano Características do pigmento Serratia Pigmento lipossolúvel que varia entre a coloração rósea e vermelha ver figura a seguir Flavobacterium Pigmento lipossolúvel que varia entre as colorações amarela laranja e vermelha Chromobacterium Produz violaceína pigmento violeta lipossolúvel Halococcus e Halobacterium Gêneros capazes de crescer em alimentos com alta concentração de sal importantes na deterioração de carnes e pescados desidratados e salgados Produzem bactorubeína pigmento com cor que varia entre rosa e vermelho Pseudomonas Pigmentos hidrossolúveis que variam entre a coloração amareloesverdeada ver a figura do filé de peixe até a verdefluorescente Adaptado de Franco Landgraf 2008 40 Unidade I Figura 18 Pedaço de bolacha tipo água e sal contaminada pela espécie bacteriana Serratia marcescens Peixe fresco antes da contaminação por Pseudomonas aeruginosa Peixe após a contaminação por Pseudomonas aeruginosa Figura 19 Alteração da coloração de filé de peixe fresco ocasionada pela contaminação por Pseudomonas aerugionosa Perceba que até este momento falamos apenas de modificações físicas ocasionadas por espécies bacterianas No entanto bolores e leveduras também causam deteriorações resultando em alterações químicas e físicas dos produtos alimentícios O crescimento de bolores em alimentos que ocorre mediante formação de micélios torna esse produto inapropriado para o consumo O micélio é um conjunto de hifas que apresentam diferentes aspectos seco pulverulento úmido gelatinoso com aparência de algodão e de coloração com tonalidade variando entre amarelo vermelho preto verdeacinzentado e castanho 41 MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS Os bolores de modo geral são agentes responsáveis por perdas massivas na produção de frutas legumes e verduras pois são fitopatogênicos Há ainda dois outros grupos de bolores especialmente importantes aqueles que deterioram grãos e cereais estocados também chamados de bolores de armazenamento e aqueles que são psicrotróficos que causam a deterioração de produtos refrigerados e que estamos bastante habituados a ver em nosso dia a dia quando deixamos alguns alimentos guardados por muito tempo na geladeira Sobre os bolores de armazenamento existem alguns gêneros principalmente Aspergillus Penicillium e Fusarium produtores de algumas espécies de micotoxinas das quais damos destaque às aflatoxinas Essas substâncias são consideradas metabólitos produzidos durante o crescimento da espécie de determinado fungo em frutas secas cereais e sementes especialmente o amendoim em condições combinadas de umidade e temperatura elevadas constituindo um risco à saúde humana devido aos seus efeitos tóxicos Além disso a presença de bolores em produtos industrializados ainda intactos indicam utilização de matériaprima de má qualidade ou falha nos protocolos de segurança microbiológica durante o processamento Saiba mais Para saber mais sobre as micotoxinas suas subclassificações as principais espécies produtoras bem como os efeitos e as dosagens tóxicas leia MAZIERO M T BERSOT L S Micotoxinas em alimentos produzidos no Brasil Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais v 12 n 1 p 8999 2010 Disponível em httpsbitly3fdJIBA Acesso em 27 out 2020 242 Alterações químicas dos alimentos causadas por contaminação microbiana Os microrganismos de modo geral utilizam os nutrientes presentes nos alimentos como fontes de energia para o bom funcionamento de seus metabolismos para que consequentemente consigam crescer e se multiplicar nesse meio Falaremos nos próximos itens sobre as principais transformações químicas ocasionadas pela contaminação microbiana dos alimentos a partir da degradação de carboidratos proteínas e lipídeos 2421 Carboidratos O consumo dos carboidratos pelos microrganismos pode ocorrer na presença ou ausência de O2 Em sua presença há o predomínio de bactérias aeróbicas ou anaeróbicas facultativas e nesse caso ao consumir os carboidratos os microrganismos produzirão como metabólitos finais moléculas de H2O e CO2 Já na ausência de O2 também chamado de metabolismo fermentativo os microrganismos 42 Unidade I anaeróbicos consomem os carboidratos do alimento e produzem substâncias como ácidos orgânicos diversos como pirúvico lático acético propiônico butírico succínico fórmico além de etanol CO2 H2S acetaldeído e diacetil que podem afetar as características organolépticas do alimento em questão 2422 Proteínas Relembrando as proteínas são cadeias de aminoácidos ligadas por ligações peptídicas ver figura a seguir NH2 R COOH C H Grupo amino Grupo carboxilo Aminoácidos Aminoácidos Grupo R Phe Leu Ser Cys Figura 20 Organização estrutural de proteínas Os microrganismos não conseguem utilizar como fonte de energia uma proteína intacta Eles precisam hidrolisála com a ajuda de enzimas proteases ou peptidases e assim utilizar as moléculas menores resultantes os peptídeos ou aminoácidos Importantes patógenos alimentares como Clostridium Bacillus e Pseudomonas secretam essas enzimas que rapidamente quebram as proteínas dos alimentos em peptídeos solúveis e aminoácidos Ao conseguirem utilizar as proteínas como fonte de energia para seus crescimentos os microrganismos causam a biodeterioração proteica mais conhecida como putrefação Nessa reação ocorre formação de substâncias com odores bastante desagradáveis e em consequência das rupturas das moléculas de proteínas também podem ocorrer alterações da textura entre outras imperfeições no alimento A degradação dos aminoácidos pode ocorrer de diferentes maneiras dependendo dos microrganismos da temperatura do meio da quantidade de O2 disponível e das substâncias antimicrobianas presentes Desanimação oxidativa ou redutora a primeira desaminação oxidativa ocorre quando a partir do aminoácido glutamato o microrganismo produz amônia e o alfacetoácido correspondente 43 MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS e os utiliza como fonte de energia Já no caso da desaminação redutora só ocorre se houver contaminação por microrganismos anaeróbicos que produzirão no lugar do alfacetoácido os ácidos orgânicos Isso é importante de ser observado pois a deterioração de pescados pode ser identificada pela análise de ácidos fórmico acético propiônico entre outros Desaminação oxidativa e redutora ocorrendo simultaneamente os microrganismos do gênero Clostridium metabolizam o aminoácido Lalanina por meio da desaminação oxidativa e de forma combinada fazem a desaminação redutora de outro aminoácido como a glicina gerando produtos como ácido acético amônia e CO2 Descarboxilação nesse tipo de putrefação os microrganismos possuem a capacidade de produzir uma enzima a descarboxilase que realiza a remoção do grupamento carboxílico ver figura anterior presente nos aminoácidos Em anaerobiose a descarboxilação resulta na produção de aminas do tipo histamina cadaverina e putrescina a partir dos aminoácidos histidina lisina e ornitina respectivamente as quais são voláteis e são utilizadas como indicadores da qualidade de pescados Produção de H2S quando ocorre a degradação de aminoácidos contendo enxofre em sua composição como a cisteína produzse o gás H2S conhecido por seu odor característico de ovo podre Entre as bactérias produtoras dessa substância estão as deteriorantes de produtos enlatados ou envasados sendo a Desulfotomaculum nigrificans a espécie mais frequenteTambém é interessante ressaltar que a produção de H2S em produtos cárneos pode resultar em uma alteração física desses alimentos modificando sua coloração vermelha para tons de verde marrom ou cinza Isso ocorre quando carnes frescas são acondicionadas em embalagens a vácuo ou naquelas que não permitem a entrada de gases e que ficam armazenadas sob refrigeração entre 1 C a 5 C Nessa situação o H2S reage com o mioglobina responsável pela coloração avermelhada da carne formando a sulfomioglobina que possui coloração esverdeada ver figura a seguir Figura 21 Pontos esverdeados em carne acondicionada em embalagem do tipo atmosfera modificada consequência da produção de H2S por microrganismos contaminantes 44 Unidade I Decomposição do radical do aminoácido nesse tipo de deterioração os microrganismos produzem a partir da decomposição do grupo R ver figura 20 dos aminoácidos compostos característicos como o indol a partir da decomposição do radical do aminoácido triptofano sendo essa substância também utilizada como indicadora da qualidade de pescados É importante deixar claro que diferentemente do que acontece na deterioração de carboidratos em que há a redução do pH devido à produção de diversos ácidos orgânicos na putrefação verificase a elevação do pH Analisar o pH e constatálo ácido ou básico dará indícios do tipo de degradação que ocorreu em determinado alimento 2423 Lipídeos Os lipídeos mais abundantes nos alimentos são os triacilgliceróis ou também denominados como triglicerídeos em que a formação estrutural é resultado da esterificação de uma molécula de glicerol com três de ácidos graxos ver figura a seguir CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 CH2 CH2 CH2 CH2 CH2 CH2 CH2 CH2 CH2 CH2 CH2 CH2 CH2 CH2 CH2 3 H2O água triacliglicerol glicerol 3 ácidos grasos CH2 CH2 CH2 OH O OH O OH O HO HO HO H H H H H H C C C C C C C C C C C C O O O O O O H H H H Figura 22 Formação de uma molécula de triacilglicerol a partir do processo de esterificação entre três moléculas de ácidos graxos e uma de glicerol A degradação das moléculas de triacilgliceróis presentes em um determinado alimento dependerá do tipo de microrganismo responsável pela contaminação mas de modo geral os microrganismos lipolíticos produzem lipases que irão quebrar as ligações entre as moléculas de ácidos graxos e glicerol Ao realizar esse feito poderá ocorrer a rancificação hidrolítica processo em que a partir da degradação dos triacilgliceróis de um alimento há a liberação de ácidos graxos livres de cadeia curta como o ácido butírico caproico e caprílico que além de tornarem os lipídeos mais suscetíveis à oxidação são voláteis e portanto emprestam odores desagradáveis ao alimento popularmente chamado de ranço Em alguns queijos essa reação é desejável mas na maioria dos alimentos não 3 MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS Em um mundo considerado perfeito esperase sempre que os microrganismos não tenham acesso ao alimento mas na prática isso pode ser considerado impossível Assim sendo é necessária a adoção de práticas de conservação 45 MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS Os métodos de conservação dos alimentos se relacionam com o controle do desenvolvimento de microrganismos com o intuito de eliminar os riscos associados à saúde do consumidor além de prevenir ou prorrogar as modificações químicas e físicas que foram discutidas nos itens anteriores Esses métodos visam à eliminação total ou parcial dos microrganismos indesejáveis por meio da modificação ou suspensão de um ou mais fatores intrínsecos ou extrínsecos tornando o meio inaceitável para a proliferação desses agentes Essa proteção do alimento também pode ser conseguida mediante o uso de substâncias químicas que impedirão o crescimento de microrganismos Os métodos de conservação dos alimentos terão como princípios Prevenir ou retardar a decomposição microbiana impedindo o acesso e o crescimento de microrganismos nos alimentos utilizandose baixas temperaturas desidratação embalagem com condições atmosféricas desfavoráveis ou adição de conservantes químicos Podese conseguir os mesmos efeitos destruindo os microrganismos utilizandose métodos que apliquem calor ou radiação Prevenir ou retardar a autodecomposição do alimento destruindo e inativando enzimas como por meio do branqueamento em que o alimento é imerso em água fervente cozido por um tempo breve e logo em seguida resfriados com água gelada Ainda podese evitar a autodecomposição impedindo que reações químicas ocorram como a prevenção das oxidações dos lipídeos utilizandose um antioxidante Evitar que insetos ou outros animais causem danos aos alimentos Você já deve ter percebido que existem vários métodos de conservação Discutiremos individualmente os principais deles nos itens a seguir 31 Conservação por agentes químicos Um conservante químico é uma substância química adicionada intencionalmente a um alimento para garantir que ele não seja contaminado por microrganismos deteriorantes ou patogênicos ou que a deterioração seja o máximo possível prorrogada O número de substâncias com propriedade conservante é limitado visto que como serão ingeridos com os alimentos precisam comprovar segurança para não comprometer a saúde do consumidor Organizações internacionais Codex Alimentarius programa conjunto a Food and Agriculture Organization e OMS e nacionais Ministério da Saúde por meio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária ANVISA regularizam os aditivos permitidos os alimentos que podem conter conservantes bem como a dose diária aceitável que significa a máxima concentração dessa substância que pode ser ingerida diariamente sem ser nociva à saúde Entre os conservantes químicos que são autorizados para o uso em produtos alimentícios os mais utilizados são o ácido ascórbico e seus derivados o ácido benzoico e o propiônico e seus respectivos sais o dióxido de enxofre e seus derivados os ácidos orgânicos lático acético e cítrico e os nitritos e nitratos 46 Unidade I Daremos enfoque a essas duas últimas substâncias pois existe grande polêmica que correlaciona sua presença principalmente em produtos cárneos e a carcinogênese Saiba mais Para conhecer mais detalhadamente sobre os principais conservantes químicos leia FANI M Os conservantes mais utilizados em alimentos Aditivos e Ingredientes v 1 n 123 p 4046 2015 Disponível em httpsbitly34a2686 Acesso em 27 out 2020 O nitrato de sódio NaNO3 e o nitrito de potássio KNO3 são comumente utilizados em solução para obtenção de carnes curadas já que possuem a capacidade de estabilizar a cor vermelha quando entra em reação com a mioglobulina formando as nitrosaminas Também são inibidores de alguns agentes deteriorantes e patogênicos especialmente a espécie Clostridium botulinum além de melhorarem as características organolépticas desses produtos alimentícios Sobre seu efeito contra o Clostridium botulinum ele ocorre pela inibição do crescimento das células desse microrganismo durante o armazenamento e pela prevenção da germinação dos esporos de resistência que possam ter resistido ao processo térmico aplicado Para que isso aconteça a quantidade de nitrito deve ser maior do que aquela utilizada para melhorar a cor e o sabor dos produtos cárneos curados Apesar da sua fundamental importância nesses tipos de alimento o uso de nitritos e nitratos têm seus inconvenientes O grande problema reside na reação dessas substâncias com aminas secundárias formando as nitrosaminas as quais de modo geral são carcinogênicas Saiba mais Para saber um pouco mais sobre as nitrosaminas e seus riscos à saúde pública acesse AVALIAÇÃO DO risco de nitrosaminas por quê S l s n 2020 1 vídeo 2min44 Publicado pelo canal Fernanda Waechter Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvq61px5EOhlc Acesso em 27 out 2020 Existem outros importantes compostos químicos que também agem como conservantes e que são utilizados desde os tempos remotos com o objetivo de estender o tempo de prateleira dos alimentos 47 MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS Já parou para pensar em como nossos antepassados faziam para preservar os produtos perecíveis como carnes e pescados por exemplo Uma das maneiras que o homem préhistórico encontrou para preservar e garantir a qualidade de seus alimentos foi utilizando a salga Há ainda relatos de povos que conseguiam esse mesmo efeito utilizando o mel Mas qual é o modo de ação dessas substâncias Tanto o sal como o açúcar do mel agem pelo mesmo mecanismo ou seja em altas concentrações esses compostos provocam a desidratação tanto do alimento como dos microrganismos pertencentes à microbiota residente Os microrganismos possuem água em seus interiores e quando são colocados em solução hipertônica a água tende a sair da célula microbiana com o objetivo de equilibrarsolubilizar a grande quantidade de soluto no caso açúcar ou sal do ambiente externo ver figura a seguir Esse fenômeno chamase plasmólise e também ocorre com as células de carnes e frutas ocasionando a desidratação desses alimentos Membrana Soluto Parede celular Água Solução isotônica observase semelhante concentração de soluto tanto dentro quanto fora da célula bacteriana havendo portanto um equilíbrio da movimentação da água Solução hipertônica há maior concentração de soluto fora da célula bacteriana portanto a água se move para fora da célula causando o encolhimento do citoplasma plasmólise Citoplasma Figura 23 Demonstração ilustrativa da plasmólise de uma célula bacteriana A defumação também é uma prática bastante antiga para conseguir prolongar a validade dos alimentos A fumaça além de contribuir para a melhoria do sabor e cor dos alimentos possui substâncias com atividades antimicrobianas como o formaldeído por exemplo que atua causando a desnaturação das proteínas dos microrganismos pela sua reação com os grupamentos amina prejudicando a proliferação Em função da necessidade do calor para obtenção da fumaça a segurança microbiológica dos produtos defumados também pode ser atribuída à destruição térmica de microrganismos da superfície além da desidratação Outras substâncias químicas mais frequentes nos tempos atuais são os gases utilizados em embalagens de produtos alimentícios processados como comentamos no item Composição química do ambiente desta unidade 32 Conservação por agentes físicos Diferentemente dos métodos químicos que possuem um número consideravelmente pequeno de substâncias permitidas para serem utilizadas na conservação dos alimentos os agentes físicos são inúmeros A seguir falaremos sobre os principais e mais utilizados métodos físicos de conservação de produtos alimentos 48 Unidade I 321 Métodos de remoção Falaremos inicialmente sobre alguns dos métodos de conservação dos alimentos por remoção dos microrganismos presentes que são lavagem sedimentaçãocentrifugação e filtração A lavagem como o próprio nome diz consiste em lavar o alimento como etapa prévia ao envasamento congelamento ou consumo de um alimento cru como frutas e legumes por exemplo com o objetivo de se removerem não apenas microrganismos mas também poeira e resquícios de pesticidas Já a sedimentação consiste em uma das primeiras etapas do sistema de tratamento de água para tornála potável em que partículas mais pesadas como as células dos microrganismos tenderão a se depositar no fundo dos tanques de tratamento A centrifugação possui o mesmo embasamento de separação de partículas no entanto o processo é acelerado mediante o uso de um equipamento chamado centrífuga que rotaciona de forma bastante veloz e permite a separação de partículas de maior densidade que se depositarão no fundo de um tubo em formato cônico Nas indústrias produtoras de leite esse processo é realizado para remover partículas indesejadas que ficam suspensas na superfície Entre os métodos de remoção a filtração é o único método que remove completamente os microrganismos mas que ao mesmo tempo é inconveniente por ser limitado apenas a alimentos líquidos Nesse processo o líquido é filtrado sob pressão de uma bomba a vácuo por uma membrana com poros micrométricos permitindo que o líquido resultante seja completamente livre de microrganismos estéril É uma técnica bastante utilizada para garantir esterilidade de sucos de frutas refrigerantes água vinho e cerveja A figura a seguir ilustra os processos de centrifugação e filtração Células ou elementos mais pesados se depositam no fundo do tubo Centrífuga Filtração Centrifugação Figura 24 Processos de centrifugação e filtração 49 MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS 322 Métodos de conservação por altas temperaturas O uso desses métodos está baseado no efeito destrutivo que o calor exerce sobre os microrganismos mais especificamente causando a desnaturação de suas proteínas e inativação de enzimas fundamentais para o bom funcionamento de seus metabolismos Os alimentos podem ser tratados termicamente por dois tipos de processos pasteurização e esterilização Pasteurização Esse método é utilizado principalmente pela indústria de laticínios para a obtenção do leite pasteurizado Tem como principal objetivo a destruição de todos os microrganismos patogênicos mas também acaba por reduzir o número de microrganismos deteriorantes resultando na extensão do tempo de prateleira sobretudo quando o produto é armazenado sob refrigeração o que garante uma barreira a mais a ser superada pelos microrganismos Bastante versátil a pasteurização também é utilizada para garantir a segurança microbiológica de outros produtos como iogurtes sorvetes cervejas vinhos e vinagres Nessa técnica duas combinações de tempo e temperatura podem ser aplicadas 63 C por 30 minutos baixa temperatura por longo tempo ou 72 C por 15 minutos de uso ainda mais frequente Esse último processo também é conhecido como HTST do inglês hightemperature shorttime pasteurization que traduzido significa pasteurização por alta temperatura por curto tempo É importante reforçar que essa técnica não permite destruir esporos bacterianos como aqueles produzidos pela espécie Clostridium botulinum por exemplo ou ainda algumas bactérias resistentes ao calor Portanto quando se deseja a remoção completa de qualquer forma de vida em alimento recorrese à esterilização Observação Por volta de 1864 um grupo de comerciantes procuraram o cientista francês Louis Pasteur pedindo que ele descobrisse o porquê de os vinhos e cervejas azedarem tão rápido instandolhe que desenvolvesse um método que impedisse esse acontecimento O cientista descobriu que um tipo de fungo chamado levedura convertia o açúcar do vinho e da cerveja em etanol na ausência de ar processo hoje conhecido como fermentação Quando essas bebidas eram expostas ao ar bactérias contaminantes transformavam o álcool em vinagre ácido acético Pasteur então propôs o aquecimento das cervejas e vinhos por tempo e temperatura suficientes para matar as bactérias que causavam esse inconveniente Hoje esse método é conhecido como pasteurização 50 Unidade I Esterilização A esterilização por definição destrói todas as formas de vida microbiana incluindo os esporos bacterianos Normalmente esse processo ocorre por meio do uso de autoclaves ver figura em que sob uma pressão de 1 atmosfera acima da pressão do nível do mar a água pode ser aquecida a 121 C e o vapor úmido gerado entra em contato com os microrganismos causando a coagulação das proteínas e levandoos à morte Um período de 15 minutos já é o suficiente para alcançar esse objetivo A esse processo damos o nome de esterilização completa Figura 25 Autoclave comum muito utilizada em laboratórios de pesquisa e ensino No entanto nas indústrias de alimentos empregase o termo esterilização comercial sendo esse método frequentemente utilizado para alimentos enlatados Costumase pensar que os alimentos enlatados são completamente livres de microrganismos ou seja estéreis A verdade é que a temperatura empregada na esterilização absoluta 121 C é muito alta e poderia degradar os nutrientes do alimento Assim sendo os alimentos enlatados são submetidos apenas a uma temperatura suficiente para destruir os esporos de resistência produzidos por Clostridium botulinum produtores da toxina botulínica responsáveis por causar o botulismo alimentar Esse processo se refere à esterilização comercial e diferentemente da esterilização completa utilizase um equipamento chamado retorta ver figura a seguir ainda que funcione baseado nos mesmos princípios da autoclave 51 MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS Figura 26 Equipamento retorta utilizado no processo de esterilização de alimentos enlatados A figura a seguir ilustra o processo de esterilização comercial de alimentos enlatados Nessa primeira etapa realizase uma lavagem ou branqueamento do alimento utilizando vapor ou água quente visando amolecer o alimento para que a lata seja preenchida mais facilmente Esse tratamento também reduz a população microbiana e desativa enzimas que podem alterar cor textura e sabor do alimento As latas são completamente preenchidas deixando o mínimo espaço vazio O vapor é utilizado para esgotar ou expulsar o ar ainda presente Nessa etapa as Iatas são então vedadas As latas são esterilizadas por meio de vapor pressurizado dentro da retorta Em seguida as latas são resfriadas por submersão em banho de água ou por pulverização de água Por fim as latas são etiquetadas estocadas e liberadas para a comercialização Figura 27 Processo de esterilização comercial de alimentos enlatados 52 Unidade I Saiba mais Para entender melhor as etapas do processo de enlatamento dos alimentos industrializados e ver como isso funciona na prática assista ao vídeo ENLATADOS ESTERILIZAÇÃO comercial fábrica de conserva de pescados atum enlatado S l s n 2019 1 vídeo 9min27 Publicado pelo canal Inspeção e bemestar animal online Disponível em httpswwwyoutubecomwatchv3ZNhuGUtX2o Acesso em 28 out 2020 Falamos sobre leites pasteurizados mas você já ouviu falar sobre leite tipo longa vida ou UHT O termo UHT vem da denominação em inglês ultra high temperature e significa tratamento sob temperaturas elevadas Esse termo é utilizado quando o leite é submetido a temperaturas entre 140 C e 150 C por quatro segundos e posteriormente é rapidamente resfriado em uma câmara a vácuo garantindo a esterilidade da bebida Quando a embalagem está intacta ou seja não foi aberta pelo consumidor esse tipo de leite pode ser armazenado sem refrigeração por vários meses sem alteração de suas características organolépticas 323 Métodos de conservação por desidratação O processo para desidratar os alimentos junto à conservação por salgas são os métodos mais milenares entre os sistemas de preservação dos alimentos A conservação por desidratação se fundamenta no fato de que todos os microrganismos e enzimas precisam de água para serem ativos Assim sendo nesse método se reduz a quantidade de água até certo ponto em que os microrganismos deteriorantes e patogênicos não encontrem condições de se multiplicarem nesse meio É importante reforçar que prioritariamente com esse método desejase prevenir a contaminação microbiana No entanto outros efeitos podem ser obtidos como a prevenção de alterações químicas e físicas no alimento favorecidas pelo excesso de água além de que quanto mais reduzido for o tamanho de determinado alimento pela remoção da água menor espaço ele ocupará reduzindo portanto os custos associados com armazenamento embalagens e transporte Como o processo de conservação por desidratação é realizado Na Antiguidade a desidratação dos alimentos era feita de forma natural expondo o produto ao sol e ao vento sendo importante observar que as temperaturas precisavam ser elevadas e o ar estar seco para que não houvesse posteriormente a contaminação microbiana Atualmente em ambientes industriais ainda que se realize o processo de secagem natural devido a seu baixo custo a desidratação de forma controlada é mais frequente e pode ser feita por algumas técnicas descritas a seguir 53 MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS Secagem a vácuo em que o alimento é acondicionado dentro de uma câmara na qual o vácuo é produzido e a água se evapora mediante a aplicação de baixas temperaturas Secagem em túneis a qual empregamse túneis por onde bandejas contendo os alimentos são movimentadas paralelamente ou contra uma corrente de ar ver figura Fornalha Duto para levar ar quente à câmara Câmara de secagem Figura 28 Figura esquemática demonstrando a secagem por túneis Secagem por liofilização que é a eliminação da água por sublimação Para isso o alimento precisa ser primeiramente congelado rapidamente Logo após é colocado em um equipamento chamado liofilizador ver figura a seguir onde sob vácuo é realizada a desidratação do produto Frutas secas são frequentemente produzidas por esse sistema Figura 29 Liofilizador industrial utilizado para secagem de alimentos Secagem por atomização ou também conhecida pelo termo em inglês spray drying é quando um alimento líquido ou semissólido é colocado por um bico atomizador dentro de uma câmara de secagem O produto sai do bico atomizador como uma névoa e com isso aumenta sua superfície 54 Unidade I de contato com o ar quente da câmara resultando em sua desidratação ver figura a seguir O leite em pó foi um dos primeiros produtos a ser produzido por esse sistema Líquido Ar aquecido Separador Bico atomizador Câmara de secagem Pó Figura 30 Demonstração esquemática do processo de secagem por spray drying 324 Métodos de conservação por baixas temperaturas Entre os fatores extrínsecos a temperatura com certeza é um dos parâmetros mais determinantes na atividade metabólica dos microrganismos Quanto mais reduzida a temperatura menor será a atividade metabólica microbiana Nesse sentido o resfriamento e o congelamento dos alimentos são os métodos que irão conserválos por meio de baixas temperaturas Esses métodos são frequentemente utilizados para a conservação de alimentos perecíveis e visam impedir o crescimento de todos os microrganismos em especial aqueles pertencentes aos grupos dos psicrotróficos já mencionados anteriormente nesta unidade A seguir falaremos detalhadamente sobre a refrigeração e o congelamento 3241 Refrigeração A temperatura ideal dos refrigeradores deve estar entre 2 C a 8 C Essa temperatura debilita o metabolismo da grande maioria dos microrganismos o que atribui ao resfriamento um efeito bacteriostático Até mesmo os psicrotróficos que são capazes de se desenvolver em tais condições terão seu metabolismo bastante reduzido e crescerão lentamente nos alimentos armazenados sob a temperaturas dos refrigeradores o que ao longo dos dias resultará em alterações da cor e sabor dos alimentos Por esse motivo a refrigeração é considerada um método de conservação temporário necessitando de métodos complementares Por exemplo carnes e pescados são alimentos que podemos armazenar em refrigerador por alguns dias no entanto a vida útil desses alimentos poderia ser estendida se fossem envasados em embalagens com atmosfera modificada representando uma barreira adicional a ser superada pelos microrganismos deteriorantes e patogênicos 55 MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS Outra observação importante a ser feita a respeito da refrigeração é que os alimentos devem ser refrigerados em porções pequenas de forma que seja possível serem completamente resfriados em um curto período de tempo não dando margem para a proliferação dos microrganismos psicrotróficos 3242 Congelamento A baixa temperatura alcançada pelo congelamento normalmente 18 C permite a esse método maior eficiência quando comparado com a refrigeração em relação à redução da deterioração que é causada por microrganismos enzimas e O2 pois quanto menor a temperatura de armazenamento maior será o prolongamento do tempo de prateleira dos alimentos além de ser adicionalmente vantajoso para manutenção da sua cor aparência e aroma Existem dois tipos de processos para o congelamento dos alimentos o rápido em que a temperatura é diminuída a aproximadamente 20 C em 30 minutos e o lento em que a temperatura de congelamento é atingida em 72 horas processo que ocorre em nossos congeladores domésticos Daremos um enfoque ao congelamento rápido pois apresenta mais vantagens em relação à qualidade do produto sendo especialmente interessante por não permitir a adaptação dos microrganismos àquela baixa temperatura o que aconteceria durante o congelamento lento Além disso os cristais de gelo formados durante o processo de congelamento não destroem mecanicamente as células dos alimentos o que acontece durante o congelamento rápido devido à formação de cristais grandes É importante dizer que o método de conservação por congelamento não é esterilizante apesar de haver uma considerável redução populacional A parcela de microrganismos destruídos por esse método morre principalmente pelo congelamento da água livre que é um componente vital pela desnaturação das proteínas e enzimas celulares devido a suas lesões pelos cristais de gelo por alteração nos lipídeos de membrana dificultando a permeabilidade celular e pela perda de gases citoplasmáticos como O2 por exemplo que para os microrganismos aeróbicos resulta no impedimento das reações respiratórias Observação Você saberia dizer por que não é recomendado que se congele e descongele produtos cárneos sucessivas vezes A maioria das razões está associada a modificações da textura sabor e da qualidade nutricional No entanto a segurança microbiológica pode ser comprometida Quando se recongelam produtos de origem animal as células liberam enzimas que podem degradar as macromoléculas desse alimento em compostos mais simples os quais são mais fáceis de serem utilizados pelos microrganismos remanescentes favorecendo sua proliferação e consequentemente a deterioração do produto 56 Unidade I 325 Método de conservação por radiação ionizante A radiação tem efeitos diversos nas células microbianas que dependem do comprimento de onda da intensidade de emissão da radiação e do período de exposição Para a conservação de alimentos a radiação com comprimento de onda mais curto raios gama e raios X são de maior interesse pois são mais nocivos aos microrganismos ver figura Figura 31 Espectro de energia radiante O principal efeito da radiação ionizante sobre os microrganismos é a formação de radicais hidroxila OH que é altamente reativa a partir da ionização de seu conteúdo citoplasmático aquoso Esses radicais por sua vez acabam interagindo com componentes orgânicos da célula microbiana especialmente com o DNA mediante à desestabilização de pontes de hidrogênio e de duplas ligações O uso da radiação ionizante para prolongar o tempo de prateleira dos alimentos data de 1929 por uma patente protocolada nos Estados Unidos Nos últimos anos tem recebido crescente destaque pois como destrói os microrganismos sem haver o aumento significativo da temperatura a qualidade nutricional do alimento permanece praticamente intacta desde que respeitadas as doses de radiação A dose de radiação é medida em Grays em homenagem a um dos primeiros radiologistas Para falar de milhares de Grays utilizase a abreviação kGy Para eliminar ou reduzir a carga microbiana em carnes bovinas e de aves utilizase uma dose de 1 kGy a 10 kGy também conhecida como dose de pasteurização Nos Estados Unidos os alimentos tratados por esse método recebem um símbolo chamado radura ver figura a seguir que muitas vezes tem sido interpretado como advertência o que gera certa insegurança ao consumidor apesar de possuir segurança garantida pelos órgãos competentes É importante reforçar que os alimentos irradiados não são radioativos e para isso basta imaginar a mesa 57 MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS de raio X de uma unidade de radiologia que não se torna radioativa após exposições frequentes de radiações ionizantes Figura 32 Símbolo Radura utilizado pelos Estados Unidos para indicar que alimentos foram tratados com radiação ionizante No Brasil esse método também é permitido pelas autoridades legais que obrigam que os alimentos processados dessa maneira recebam em seus rótulos a seguinte descrição alimento tratado por processo de irradiação Apesar disso há uma preocupação de que as indústrias possam estar usando esse método de forma abusiva camuflando as condições precárias de higiene dos alimentos além de já haver evidências da presença de traços de compostos causadores de câncer após determinados alimentos terem sido tratados por radiação ionizante 4 UTILIZAÇÃO DE MICRORGANISMOS PARA A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS Existe uma forte tendência em pensarmos nos microrganismos como vilões associandoos sempre a doenças contaminações e deteriorações No entanto é preciso esclarecer que muitas espécies microbianas são fundamentais na produção de diversos alimentos e bebidas além de outros produtos de interesse industrial como enzimas e antibióticos por exemplo O uso de microrganismos para a produção de alimento é um costume bastante antigo e em tempos remotos era feito de forma inconsciente e sem muito controle Hoje sabese que nossos antepassados iniciaram a produção de alimentos e bebidas através do processo de fermentação Mas afinal o que é fermentação Para produzir energia ATP para o seu metabolismo os microrganismos necessitam consumir os nutrientes do meio A fonte de energia mais facilmente consumida por eles é a glicose que pode ser utilizada por dois processos a respiração e a fermentação sendo essa última o foco do nosso assunto 58 Unidade I Sob condição anaeróbica a fermentação ocorre quando a glicose é quebrada em duas moléculas de ácido pirúvico que por sua vez recebe elétrons e íons hidrogênio da coenzima NADH sendo convertidos em produtos finais da fermentação que podem ser diversos dependendo do microrganismo que estiver realizando o processo A figura a seguir ilustra o processo de transformações bioquímicas na fermentação bem como os produtos metabólicos finais que podem ser obtidos por diferentes microrganismos Organismo Streptococcus Lactobacillus Bacillus Saccharomyces levedura Proplonibacterium Clostridium Escherichia Salmonella Enterobacter Produtos finalis da fermentação Ácido láctico Etanol e CO2 Ácido propiônico ácido acético H2 e CO2 Ácido butírico butanol acetona álcool isopropílico e CO2 Etanol ácido láctico ácido succínico ácido acético CO2 e H2 Etanol ácido láctico ácido fórmico butanodiol acetoína CO2 e H2 Ácido pirúvico Glicólise Glicose 2 NDA 2 NADH 2 ADP 2 NADH 2 ATP 2 NAD 2 Ácido pirúvico Ácido pirúvico ou derivado Formação de produtos finais de fermentação Figura 33 Esquema ilustrativo do processo de fermentação e a produção de diferentes substâncias dependendo dos microrganismos que realizam o processo São esses produtos finais que transformarão por exemplo trigo em pão leite em queijo ou iogurte uvas em vinho malte em cerveja arroz japonês em saquê canadeaçúcar em cachaça etc A seguir discutiremos em detalhes como algumas dessas transformações acontecem 59 MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS 41 Produção de queijos O processo de fabricação de queijo ocorreu muito ocasionalmente quando na Antiguidade muitos anos antes de Cristo um comerciante árabe em uma de suas viagens armazenou leite em uma espécie de bolsa produzida com estômago de bezerro Dentro de alguns dias depois ele percebeu que o leite havia desaparecido e em seu lugar encontravase uma pasta semissólida e um líquido amarelado Para ele a situação era um completo desastre mas nascia ali um dos alimentos mais consumidos o queijo A explicação desse incidente é muito simples Durante a ordenha bactérias da pele do animal contaminaram o leite dentro de um recipiente praticamente anaeróbico as bactérias se proliferaram e como produto de seus metabolismos produziram o ácido lático Nesse meio ácido enzimas presentes na bolsa feita de estômago de bezerro resina eou pepsina contribuíram com o processo precipitando as proteínas do leite e dando origem ao que chamamos de coalho parte semissólida do queijo que se separa da parte líquida soro de leite Hoje temos um domínio muito maior sobre esse processo e sabemos que a partir da lactose açúcar do leite adicionase uma pequena porcentagem de bactérias ácidoláticas selecionadas principalmente pertencentes aos gêneros Lactococcus Leuconostoc Lactobacillus e Streptococcus que produzirão o ácido lático auxiliando na formação do coalho além de exercer uma efetiva inibição do crescimento de microrganismos indesejados As bactérias ácidoláticas também são fundamentais durante o processo de maturaçãocura dos queijos pois morrerão e liberarão enzimas intracelulares que por sua vez continuarão atuando nos componentes do queijo para darlhes as características peculiares de sabor aroma corpo e textura Saiba mais Para conhecer os detalhes da produção industrial de queijos acesse ao vídeo INCRÍVEIS MÁQUINAS de fabricação de queijo e satisfatórias que estão em um novo nível S l s n 2020 1 vídeo 10min5 Publicado pelo canal TechZone Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvaoC080ezMo Acesso em 28 out 2020 42 Produção de outros produtos lácteos A partir do leite ainda é possível produzir outros diversos produtos fermentados A manteiga é um deles A manteiga é produzida a partir de uma espécie de creme de leite tipo uma nata que é fermentada com uma mistura de espécies de bactérias ácidoláticas geralmente composta pelos gêneros Lactococcus e Streptococcus Esses microrganismos aumentarão a viscosidade do creme e produzirão diacetil uma combinação de duas moléculas de ácido acético responsável pelo sabor e aroma característico desse produto 60 Unidade I Por fim esse creme fermentado será processado em uma batedeira etapa da fabricação em que se tem de fato a formação da manteiga Nessa etapa com a agitação glóbulos de gordura se unirão formando aglomerados cada vez maiores havendo a separação de uma parte líquida o lentelho ou o soro de manteiga o qual costuma ser desprezado Outro produto lácteo fermentado que faz parte do nosso dia a dia é o iogurte Em um processo industrial o iogurte é preparado a partir da evaporação de um quarto da água do leite deixandoo mais concentrado utilizando uma panela a vácuo Formase um leite espesso ao qual adicionase as bactérias ácidoláticas mais comumente uma mistura de Streptococcus thermophilus principal produtor de ácido lático e Lactobacillus bulgaricus que produz substâncias que contribuem com o sabor e o aroma desse laticínio Mais recentemente outro fermentado lácteo tem recebido crescente destaque o kefir Essa bebida láctea é resultado da fermentação do leite por uma comunidade de bactérias e leveduras que se organizam em grãos ver figura a seguir Figura 34 Grão de kefir Um estudo avaliou a composição microbiológica de um kefir e identificou 359 espécies de microrganismos havendo a predominância de bactérias ácidoláticas com propriedades probióticas o que atribui a essa bebida diversos benefícios à saúde entre os quais verificase com maior frequência o auxílio em distúrbios gastrointestinais 43 Produção de pão Outro alimento fermentado que está muito presente diariamente em nossas mesas é o pão produzido a partir da fermentação do trigo moído O consumo de pães data de dez mil anos antes de Cristo e naquela época esse alimento era produzido apenas pela mistura de farinha de trigo e água formando uma massa que era cozida em pedras quentes Como não havia a presença de fermento microrganismos esse pão não crescia e apresentase achatado e duro Com o passar dos tempos o homem foi aprimorando seu modo de produção e hoje sabese que não há pão se não houver a fermentação da farinha de trigo pela espécie de levedura chamada Saccharomyces cerevisiae presente no fermento 61 MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS De forma resumida a produção industrial dos pães envolve três etapas de fermentação Na primeira ocorrerá a fermentação principal com produção de CO2 resultando na formação de bolhas de ar que ficarão retidas na massa dobrando ou até triplicando seu volume inicial Após essa etapa realizase o boleamento operação manual ou mecânica que tem por objetivo eliminar a pegajosidade da massa dandolhe ao mesmo tempo uma forma regular Posteriormente haverá uma segunda fermentação para recuperar a extensibilidade perdida no boleamento Logo após ocorre a moldagem etapa em que é dada a forma característica aos pães que ficarão descansando por aproximadamente duas horas Durante o descanso ocorrerá a terceira fermentação em que os pães recuperarão o tamanho adequado Por fim ocorre a cocção É importante ressaltar que o CO2 não é o único metabólito formado durante a fermentação Há também a produção de etanol que durante a cocção em conjunto com a água evaporase gerando uma crosta dourada tão apreciada e desejada quando compramos os pãezinhos 44 Produção de bebidas alcoólicas e vinagre Você sabia que a maioria das bebidas alcoólicas é produzida a partir da fermentação por microrganismos A cerveja por exemplo é produzida por espécies de leveduras principalmente Saccharomyces cerevisiae a partir da fermentação do amido de cereais malte de cevada principalmente em grandes tanques de fermentação ver figura a seguir É preciso esclarecer que as leveduras não conseguem consumir diretamente o amido do malte É preciso realizar o processo de moagem dos grãos secos conhecido como maltagem Durante esse processo as enzimas que degradam o amido amilase são liberadas e o converterão nos açúcares simples glicose e maltose Somente dessa maneira as leveduras serão capazes de utilizarem essas substâncias como fonte de energia produzindo como metabolismo final o etanol e o CO2 Figura 35 Tanques de fermentação onde ocorre a produção de cerveja 62 Unidade I Observação Por curiosidade já existem no mercado as cervejas light ou seja de baixa caloria Durante a produção dessas cervejas adicionase intencionalmente a enzima amilase ou então utilizamse linhagens de leveduras que convertem maior quantidade do amido da cevada em glicose e maltose resultando em menor quantidade de carboidrato e mais álcool Depois a cerveja só precisará ser diluída até atingir a porcentagem alcoólica habitual Outra bebida fermentada bastante consumida é o vinho bebida preparada exclusivamente pela fermentação de uvas maduras ou frescas prioritariamente por leveduras porém bactérias ácidoláticas podem ser utilizadas quando o vinho é feito de uvas ácidas por conta da presença de altas concentrações de ácido málico Nesse caso tais bactérias transformam esse ácido málico em ácido lático que é mais fraco resultando em um vinho menos ácido com sabor mais delicado É importante dizer que pode ocorrer a produção de vinho por outras frutas mas de acordo com a legislação brasileira na embalagem dessas bebidas é obrigatório que se coloque após a denominação vinho o nome da fruta de origem por exemplo vinho de maçã vinho de abacaxi etc Outro detalhe importante é que a obtenção dos vinhos tinto e branco dependerá do tipo de uva Para vinho branco utilizamse uvas brancas do tipo Chardonnay Pinot Blanc Moscatel entre outras ou só a polpa das uvas tintas Para vinho tinto é necessário usar as uvas tintas com pele do tipo Cabernet Sauvignon Merlot Pinot Noir entre outras que liberarão compostos fenólicos como antocianinas flavonas taninos que contribuirão para os atributos sensoriais e principalmente para a coloração característica do vinho tinto As etapas da produção de vinhos estão representadas na figura a seguir 63 MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS As uvas colhidas são cuidadosamente selecionadas Sulfito é adicionado para eliminar microrganismos indesejáveis A levedura que participa da fermentação é adicionada As uvas são maceradas e o bagaço é retirado O vinho é filtrado É envelhecido em barris Ocorre a fermentação Por fim o vinho é engarrafado Em tonéis específicos o vinho tornase mais límpido devido à decantação de alguns sólidos remanescentes O fermentado resultante é prensado para separar os sólidos do vinho Figura 36 Etapas da produção de vinho Quando o vinho é intencionalmente exposto ao ar livre ocorre a contaminação pelas bactérias aeróbicas como as do gênero Acetobacter e Gluconobacter Essas bactérias converterão o etanol do vinho em ácido acético resultando no vinagre Você deve estar se perguntando mas e as bebidas alcoólicas destiladas São também obtidas a partir de fermentações E a resposta é sim Nas bebidas como uísque vodca cachaça e rum por exemplo são utilizados cereais tubérculos e melaço como substrato fermentável para diversas bactérias que produzirão o etanol como produto final de seus metabolismos O etanol é então destilado para que possa ser utilizado em bebidas alcoólicas concentradas Lembrete A presença de microrganismos nos alimentos está quase sempre associada a doenças no entanto é preciso sempre lembrar que existem muitas espécies de microrganismos que são utilizadas para se produzir alimentos com especial destaque à espécie de levedura Saccharomyces cerevisiae para a produção de cervejas e de pão As bactérias lácteas também merecem o devido destaque visto que sem elas não teríamos o queijo e nem o iogurte que consumimos diariamente 64 Unidade I Resumo Nesta unidade você aprendeu sobre a influência dos microrganismos nos alimentos Primeiramente abordamos seu aspecto negativo quando estão presentes de forma indesejada estragando os alimentos ou até mesmo causando doenças DTA por meio de manifestações do tipo infecção ou intoxicação ou ambas ao mesmo tempo toxinfecções Isso acontece porque os microrganismos encontram nos alimentos todos os nutrientes de que precisam para crescerem e se multiplicarem Sabendo disso em seguida discutimos como os fatores intrínsecos Aa pH composição nutricional potencial de oxirredução presença de substâncias antimicrobianas e microbiota natural e extrínsecos umidade relativa temperatura e composição química do ambiente ou do armazenamento dos alimentos podem atuar beneficiando ou impedindo o crescimento e a multiplicação de determinadas espécies sendo que quando presentes a concentração de microrganismos dependerá da intensidade desses fatores que podem atuar contra os microrganismo de forma individual sinérgica barreiras de Leistner Vimos também que de uma forma ou outra os microrganismos sempre estarão presentes nos alimentos como microbiota inicial Quando esses microrganismos sobrevivem às barreiras impostas pelos fatores intrínsecos e extrínsecos eles alterarão as características físicas e químicas dos produtos alimentícios causando deteriorações que podem ser percebidas pelos consumidores pois sofrem modificações na coloração no sabor e no odor dos alimentos Por outro lado dependendo do agente contaminante essas modificações nem sempre ocorrem ou então não são facilmente percebidas pelos consumidores Por esse motivo as indústrias alimentícias estão cada vez mais focadas em produzir embalagens inteligentes que ajudam a identificar produtos estragados Ainda nesta unidade vimos que as indústrias alimentícias utilizam diversos métodos de conservação com o objetivo de prolongar o tempo de prateleira dos alimentos especialmente aqueles considerados perecíveis Entre os quais podemos citar a esterilização comercial a pasteurização a salga e a desidratação Por fim vimos o aspecto positivo da presença dos microrganismos nos alimentos e pudemos perceber que determinadas espécies são essenciais para a produção de diversos alimentos como os laticínios queijos manteiga iogurte e kefir o pão as bebidas alcoólicas especialmente vinho e cerveja e também o vinagre 65 MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS Exercícios Questão 1 Enade 2016 adaptada Leia o texto a seguir A indústria de lácteos tem utilizado bactérias lácticas nos mais variados produtos como culturas iniciadoras ou adjuntas em leites fermentados e queijos pois elas favorecem características sensoriais e tecnológicas além de promover a conservação inibindo a competição da microbiota deteriorante e de agentes patogênicos Esses produtos devem também atender aos padrões de identidade e qualidade que garantem ao consumidor um alimento padronizado seguro e de qualidade WENDLING L K WESCHENFELDER S Probióticos e alimentos lácteos fermentados uma revisão Rev Inst Laticínios Cândido Tostes v 68 n 395 p 4957 2013 com adaptações No contexto apresentado avalie as afirmativas e a relação proposta entre elas I O leite não é meio adequado para a multiplicação de microrganismos probióticos o que torna a produção de leite fermentado probiótico um grande desafio para a indústria porque II A multiplicação de bactérias probióticas em leite como meio de cultivo é lenta em virtude principalmente da ausência de atividade proteolítica podendo ser necessária a incorporação de nutrientes como peptídios e aminoácidos e de outros fatores de crescimento para se reduzir o tempo de fermentação A respeito dessas afirmativas assinale a opção correta A As afirmativas I e II são verdadeiras e a II é uma justificativa correta da I B As afirmativas I e II são verdadeiras e a II não é uma justificativa correta da I C A afirmativa I é verdadeira e a II é falsa D A afirmativa I é falsa e a II é verdadeira E As afirmativas I e II são falsas Resposta correta alternativa A 66 Unidade I Análise da questão Para resolver a questão devemos lembrar de alguns pontos importantes sobre probióticos e sobre aspectos tecnológicos de interesse para a sua produção como os expostos a seguir Probióticos são microrganismos vivos capazes de melhorar o equilíbrio microbiano intestinal Várias cepas de lactobacilos e bifidobactérias destacamse entre os microrganismos probióticos mais utilizados Entre os efeitos benéficos atribuídos aos lactobacilos temos o auxílio na digestão da lactose em indivíduos intolerantes a redução da constipação e da diarreia infantil o auxílio na resistência a infecções por salmonela a prevenção da diarreia do viajante e o alívio da síndrome do intestino irritável Às bifidobactérias são atribuídos os efeitos de estimulação do sistema imunológico a produção de vitamina B a inibição da multiplicação de patógenos a redução da concentração de amônia e colesterol no sangue e o auxílio no restabelecimento da microbiota normal depois de tratamentos com antibióticos Entre os aspectos a serem considerados na utilização de culturas probióticas na tecnologia de obtenção de produtos alimentícios temos a exigência de que sejam selecionadas cepas para uso humano e que as culturas a serem utilizadas apresentem boas propriedades tecnológicas ou seja devem mostrar boa multiplicação no leite e conferir as características sensoriais adequadas ao produto além de manter estabilidade e viabilidade durante o seu processamento e armazenamento Análise das afirmativas I Afirmativa verdadeira Justificativa existe grande desafio na produção de leite fermentado probiótico já que apesar de ser rico do ponto de vista nutricional ele não é um meio adequado à multiplicação desses microrganismos Em função principalmente da ausência de atividade proteolítica o leite é um meio de cultivo que causa a multiplicação lenta dos microrganismos probióticos II Afirmativa verdadeira Justificativa em função principalmente da ausência de atividade proteolítica o leite é um meio de cultivo que causa a multiplicação lenta dos microrganismos probióticos O recurso para resolver os problemas da lentidão de crescimento e da inviabilidade dos probióticos no leite é a incorporação de micronutrientes como peptídios e aminoácidos além de outros fatores de crescimento o que causa redução no tempo de fermentação e possibilita a viabilidade dos microrganismos probióticos Relação entre as afirmativas além de a afirmativa II ser verdadeira ela explica corretamente a proposição contida na afirmativa I que também é verdadeira 67 MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS Questão 2 Leia o texto e observe o gráfico a seguir Surtos de DTA no município de São Paulo Surtos de diarreia ou de doenças transmitidas por alimentos DTA são definidos quando dois ou mais casos apresentam diarreia aguda eou gastroenterite aguda relacionados em tempo e espaço ou por uma fonte comum de contaminação água ou refeiçãoalimento comum No gráfico a seguir temos a distribuição dos surtos de DTA no município de São Paulo MSP segundo o mês de notificação e o comparativo entre os anos de 2015 a 2019 com dados atualizados até 30082019 Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez 8 2016 8 26 11 5 7 5 5 3 5 1 4 2 2018 2 13 7 2 6 2 6 6 4 2 8 22 2015 0 5 10 15 20 25 30 12 28 8 5 7 8 8 11 7 7 2 2 2017 14 9 7 4 5 2 8 13 12 0 1 5 2019 10 11 11 7 2 2 6 Mês de notificação n surtos de DTA Figura 37 Disponível em httpswwwprefeituraspgovbrcidadesecretariasupload saudeboletimepidemiologicoDTAoutubro2019pdf Acesso em 28 set 2020 com adaptações Com base na leitura analise as afirmativas I O número de surtos notificados foi maior nos anos de 2015 e 2016 II Os meses de verão concentram o maior número de surtos notificados no período analisado III Em 2015 foi notificado mais do que o dobro do número de surtos notificados em 2018 68 Unidade I É correto o que se afirma em A I apenas B II apenas C I e III apenas D I e II apenas E I II e III Resposta correta alternativa E Análise da questão A partir da análise do gráfico os números de surtos notificados ao ano de 2015 a 2019 somandose os números mês a mês no quadro anexo ao gráfico foram os apresentados a seguir 2015 125 casos 2016 68 casos 2017 77 casos 2018 58 casos 2019 de janeiro a agosto 54 casos O número de surtos é maior nos meses de verão Análise das afirmativas I Afirmativa correta Justificativa isso pode ser visto no gráfico e nos números mostrados no quadro adjacente II Afirmativa correta Justificativa o maior número de notificações ocorreu no mês de março fim do verão III Afirmativa correta Justificativa em 2015 foram notificados 125 surtos e em 2018 58 Portanto em 2015 tivemos mais do que o dobro dos valores de 2018 pois 125 58 215