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Direção ANDRÉLA CUSTÓDIO Capa e diagramação TELMA CUSTÓDIO Revisão KARINA MOTA Ilustração de capa TELMA CUSTÓDIO CIPBRASIL CATALOGAÇÃO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS RJ P873 Por que a escola não ensina gramática assim recurso eletrônico organização Stella Maris Borto niRicardo et al 1 ed São Paulo Parábola 2020 recurso digital Estratégias de ensino 47 Formato epub Requisitos do sistema adobe digital editions Modo de acesso world wide web Inclui bibliografia e índice ISBN 9786586250466 recurso eletrônico 1 Língua portuguesa Estudo e ensino 2 Língua portuguesa Gramática Estudo e ensino 3 Prática de ensino 4 Livros eletrônicos I BortoniRicardo Stella Maris II Série 2066229 CDD 4695 CDU 811134336 CAPÍTULO 5 O FENÔMENO DA HIPERCORREÇÃO Marcia Elizabeth Bortone Scheyla Brito Alves 1 Palavras iniciais Diógenes da Cunha Lima em seu livro Câmara Cascudo um brasileiro feliz contanos que certa vez Luís da Câmara Cascudo estudioso do nosso folclore foi convidado por um amigo velho mestre de fandango para assistir a um ensaio de marujos ao som de instrumentos de corda Os marinheiros e oficiais começaram então a cantar 1 Nas óndias do mar Para para ordenou o mestre Respeitem o professor Cascudo Eu já disse mais de mil vezes que a palavra não é ondas A palavra certa é ôn da gás 2 Vanderlei Luxemburgo conhecido técnico de futebol foi criticado ao escrever na internet Não sou mais técnico do Palmeiras Fui demitido por descordar das atitudes do Keirrison Vejam texto em meu blog luxemburgoblogiolcombr Estes exemplos demonstram ocorrências de hipercorreção muito presentes na fala e por conseguinte na escrita de pessoas que no afã de falarem bem equivocamse e acabam fazendo uma correção para além do uso padrão ou seja corrigem o que não estava errado Geralmente as pessoas que cometeram erros de hipercorreção têm algum conhecimento da normapadrão e estão preocupadas com o seu domínio do idioma São pessoas inseridas em um processo de mobilidade social pois os indivíduos quando aspiram mudar de classe social deparam com uma modalidade nova de fala e isso acarreta insegurança Como as regras da normapadrão foram tardi ament e interiorizadas pelo indivíduo em processo de mobilidade social ascendente sua competência no domínio dessas regras é menor cf BortoniRicardo 2011 213 para maiores esclarecimentos sobre mobilidade social ascendente e hipercorreções Os exemplos acima embora muito engraçados devem ser vistos com muita seriedade pelos professores de língua portuguesa A frequência com que inadequações dessa natureza ocorrem nos textos dos alunos mostra que a escola paralelamente a sua ação de ensinar a normapadrão precisa desconstruir um possível sentimento de insegurança linguística nos aprendizes Esses alunos pertencem às camadas sociais mais pobres onde os indivíduos usam um dialeto desprivilegiado a insegurança já existente na oralidade agravase mais ainda na escrita Por exemplo qual o aluno professor nunca encontrou nas produções de nossos alunos fragmentos de texto como este 3 ele dar comida aos peixinhos Esse aluno que já percebeu o significado social de uma forma linguística inexistente em seu dialeto tentará adequarse aos padrões ensinados na escola adotando modelos de prestígio como o uso do r em final verbal ou seja ele se monitora para produzir cantar ao invés de cantá Se a escola desse aluno não lançou mão de uma metodologia eficiente para interiorizar a regra ele irá transferila para sua escrita até em contextos que não exigem o uso do r tentando corrigir na fala ou escrita tudo o que se assemble ao que é considerado erro pela escola Ora se não percebermos a ocorrência desse fenômeno como poderemos trabalhar com nossos alunos quando do ensino da normapadrão o conveniente manejo das interferências no contínuo de monitoramento da norma A introdução de novos padrões linguísticos deve ser feita com uma metodologia que contemple as diferenças de usos nesse contínuo linguístico a fim de evitar hipercorreções na fala e na escrita do aluno para evitar que ele se torne linguisticamente inseguro Quando as pessoas se referem ao falar mais correto referemse à normapadrão do português a variedade linguística mais prestigiada no país e que é a base das gramáticas normativas As condições que fazem uma variedade ou dialeto chegar a situação de padrão são de natureza social histórica e política Assim determinada variedade da língua geralmente aquela que já tem uma tradição escrita passa por um processo de codificação e legitimidade conduzido pelos grupos que detêm o poder nacional ao longo da formação histórica do país No Brasil a legitimação de uma variedade como padrão seguiu paralelamente ao processo de urbanização A variedade padrão e as demais variedades de uma língua são funcionais pois todas elas cumprem as funções que lhes são alocadas na própria organização sociocultural na comunidade de fala BortoniRicardo 2008 Já o Dicionário eletrônico Houaiss apresenta os termos hipercorreção hiperrurbanismo e ultracorreção como sinônimos Vejamos ULTRACORREÇÃO fenômeno que se produz quando o falante estranha e interpreta como incorreta uma forma correta da língua e em consequência acaba trocandoa por uma outra forma que ele considera culta nessa busca excessiva de correção notase em geral o temor do falante de revelar uma classe de origem socialmente discriminada hipercorreção hiperrurbanismo Houaiss 2001 reiras de acesso à normapadrão Bortone 1989 Se no entanto o professor de língua portuguesa estiver preparado para detectar e sanar o problema poderá ajudar o aluno a reconstruir pelo sucesso no aprendizado sua autoestima linguística e pessoal É necessário que o professor rompa com o processo de recíproca ignorância dialetal mencionado por Labov 1972 em que tanto os professores desconhecem o dialeto do aluno quanto os alunos desconhecem o professor resultando em ignorância mútua das regras necessárias para tradução de um sistema para outro e comece a trabalhar com as duas normas sanando as dúvidas quando da passagem de uma norma para outra Sendo assim o aluno enfrenta na escola duas desvantagens a diferença linguística em seu repertório e uma forte dose de insegurança linguística Como dito essa insegurança ocorre devido às pressões linguísticas como a de obligar o aluno em nossas escolas a usar somente a normapadrão e não explicar a ele que em suas interações familiares pode usar uma variedade não monitorada nem mostrar a ele que nós usamos uma ou outra variedade de acordo com o contexto em que estamos inseridos A hipercorreção também se enquadra nas práticas de higiene verbal Tratase do interessante fenômeno sociolinguístico que se observa quando uma falante ou uma comunidade de falantes ao tentar se aproximar de um padrão ideal imaginário de língua boa acaba acertando demais e se desviando tanto da gramática intuitiva da língua quanto da gramática normativa Bagno 2012 83 São douze prêmios ao final do concurso Neste caso o aluno produziu uma hipercorreção no nível fonológico da palavra pois recuperou na fala um ditongo que não existe Isto ocorreu justamente pela pressão social para usar o ditongo em contextos mais formais como beijo e não beijo Talvez uma boa tarefa para familiarizar o aluno com a pronúncia padrão seja levar a turma a realizar uma pesquisa sobre palavras que geram esse tipo de duplo uso O professor apresenta alguns pares de palavras como bandeja e a forma padrão bandeja receiosa e receosa e pede que os alunos descubram outros pares de palavras de comportamento semelhante Essa é uma tarefa que deve demorar algumas dias na coleta de dados mas é ótima porque mesmo assistematicamente já despertará no aluno um espírito investigativo sobre a língua que ele fala Quem sabe por meio dela os alunos comecem a perceber a funcionalidade da disciplina língua portuguesa Mas pensemos numa fala como esta Também ocorre hipercorreção com os chamados verbos abundantes que têm mais de um particípio Muita gente acha que só existem as formas ganho entregue pago etc e que é errado dizer ou escrever eu tinha ganho tinha entregue tinha pago etc Por analogia e hipercorreção surgiram novos particípios irregulares que só porque são novos sofrem o combate sistemático dos patrulheiros gramaticais de plantão Estou falando dos particípios trago Ele tinha trago os livros e chego Ela tinha chegado atrasada que a julgar pelo combate violento que sofrem já devem estar muito bem instalados na gramática intuitiva da maioria dos brasileiros Você acha certo ou errado dizer o corrupto foi pego em flagrante Ah certo Pois veja o que dizia o conhecido dicionário Caldas Aulete na 5ª ed 1964 no verbo obter Só os incultos empregam este termo E agora veja o que diz o dicionário Houaiss 2001 Pegar apresenta duplo particípio pegado pego é ou é Como as coisas mudaram em 35 anos não De uma análise preconceituosa para uma apresentação neutra sem nenhum juízo de valor Ensinar os alunos a resolverem esse tipo de problema deve tomar um tempo em nosso planejamento Em primeiro lugar será muito útil desconstruir o mito de que o professor conhece a conjugação de todos os verbos da língua de acordo com os manuais prescritivos Em segundo lugar o professor mostrará ao aluno o que faz para solucionar dúvidas como essa A técnica de consulta a manuais desmistifica o saber linguístico da norma de prestígio no seu uso mais monitorado e formal O aluno começa a entender que serão as muitas consultas e as muitas leituras que construirão nele esse arcabouço Ele reconhecerá o caminho da construção e decidirá se deseja ou não fazer essa empreitada E mesmo que opte por não fazêla ficará mais socialmente seguro por entender que não há pessoas mais especiais ou superiores em termos de gramática normativa há sim pessoas que possuem por um ou outro motivo mais contato com essa norma Esse tipo de atividade também ajuda o aluno a perceber a funcionalidade da gramática normativa Ninguém sabe bem o que aconteceu mas todos esperam respostas Os exemplos 7 8 e 9 apresentam hipercorreção das palavras respectivamente cuidado incrível e aconteceu Na tentativa de utilização da forma de prestígio dáse nelas o abaixamento de vogal onde não se faz necessário Para que o resgate fosse efetuado seria necessário mais tempo Em 10 percebemos que se acrescentou um ditongo à grafia da palavra fosse Como explicar isso É que há em nossa fala descuidada uma forte tendência à redução de ditongos decrescentes Esse fenômeno ocorre com frequência na fala de qualquer brasileiro inclusive dos que têm domínio da normapadrão como é o caso da palavra roubo que se pronuncia comumente robo Bujões Bojões Curtir Cortir Dormir Dizer Dezer Beber Disparar Descolor Discordar Descortar Incrível Enflamado Engano Encrenca Enflável Empréstimo Impressão Emporta Inventado Enviado Envenenado Aconteceu Arrependeu Seguiu Seguiu Respondeu Respondeu Surgiu Contágio Fosse Esposa jogadores devem então pegar a lista de conferência e contar quantas palavras adequadas à normapadrão pegaram Que tal esse tipo de atividade lúdica Atividades assim sempre se constituem em boa saída para desenvolver algumas aulas no fim do turno ou aulas próximas do fim de semana quando o aluno já está bem cansado Elas acabam sendo mais descontraídas e têm aparência de brincadeira Normalmente o aluno aprecia sair da rotina do livro didático e do caderno Propondo outra atividade Bingo ortográfico Elaborando as cartelas imprima tabelas diferentes com certo número de palavras ou expressões Todas elas devem possuir o mesmo número de palavras a serem encontradas No nosso exemplo figura 3 cada cartela possui 15 opções de palavrasalvo É recomendável o professor colar cada ficha em papel cartão garantindolhe maior durabilidade para não condicionar a resposta do aluno por exemplo numa palavra do tipo sorvete Numa região em que não se produza o r caipira o aluno logo identificará a ortografia correta Ao ouvir a ou ver a imagem da palavra ou expressão cantada os alunos devem verificar se possuem em sua cartela e se possuírem devem escolher a forma ortograficamente correta colocando o grão sobre o item escolhido Vejam agora alguns casos de hipercorreção relacionados a aspectos sintáticos 14 A praga que alastravase pelo pomar 15 Eu não lhe vi ontem 16 Esses foram os alunos que a diretora os entrevistou ontem Percebemos a hipercorreção na colocação pronominal sintaxe de colocação nas três frases apresentadas Em 14 vemos o seguinte na norma de maior prestígio a preferência de colocação pronominal é ênclitica mas o português falado no Brasil rejeita essa tendência preferindo a próclise Na hipercorreção o falante ou o redator faz ao contrário coloca o pronome em posição de ênclise justamente nos casos em que a gramática normativa instrui uma colocação proclítica A hipercorreção de 15 é baseada no uso comum de Eu não vi ele ontem O brasileiro tem preferência na oralidade por usar os pronomes do caso reto em função de complementos verbais Como o uso dos pronomes oblíquos é raro na oralidade eles acabam sendo motivo de muita insegurança e por conseguinte de hipercorreção Assim outro uso hipercorreto do pronome seria o de usar o pronome oblíquo lhe usado para substituir o complemento de um verbo transitivo indireto com verbo transitivo direto Quero lhe abraçar nós nos saímos bens Haviam muitas pessoas na festa Muitas coisas de importantes ocorreram em minha vida Pensando nessas ocorrências precisamos reforçar ao ensinar a normapadrão os regimes dos verbos e nomes que aparecem nos textos que analisamos com os alunos ou naqueles que revisamos coletivamente Precisamos lembrar que informações muito óbvias básicas para nós talvez não o sejam para nossos alunos Além dessas atividades é interessante propor exercícios de reconhecimento de adequação à normapadrão Apresentamos uma proposta Treine seus conhecimentos linguísticos A normapadrão da língua portuguesa requer o conhecimento de usos gerais e específicos Por exemplo é necessário saber como concordar tanto nos casos da regra geral como nos casos especiais um verbo com o sujeito concordância verbal ou um nome com outro nome concordância nominal Também é necessário saber se há exigência ou não de uma preposição após um verbo regência verbal ou após um nome regência nominal Pensando nisso julgue as frases a seguir anotando um X dentro dos parênteses se a frase estiver escrita conforme os usos da língua padrão Nós não saímos bem Nós não saímos bem Eles têm que ser muito rápidos Eles têm que ser muito rápidos Elas eram muito bonitas Elas eram muitos bonitas A gente perde tudo quando não valoriza o que ganha A gente perde tudo quando não valoriza o que ganhamos A gente perdemos tudo quando não valorizamos o que ganhamos A gente sabe muitas coisas A gente sabemos muitas coisas O casal não tinha a menor possibilidade de continuarem juntos O casal não tinham a menor possibilidade de continuarem juntos É necessário que hajam provas É necessário que haja provas Havia muitas pessoas na festa Haviam muitas pessoas na festa Muitas coisas importantes ocorreram em minha vida Muitas coisas de importantes ocorreram em minha vida As razões são sempre diferentes uma das outras As razões são sempre diferentes de uma das outras Devemos ter amor por todas as pessoas Estava ligado na tv na expectativa de ver um bom programa Estava ligado na tv na expectativa de ver um bom programa Nesse tipo de atividade levamos os alunos à utilização da gramática como fonte de resolução dos problemas linguísticos relacionados à normapadrão bem como do dicionário Se for possível pegue os dicionários da biblioteca escolar e leveos para consulta em sala durante a atividade Temos que ter o cuidado de apresentar exemplos semelhantes inseridos em textos até porque o aluno não escreve frases isoladas e sim textos 4 Como traçar novos caminhos no ensino de língua materna Na medida em que os professores de língua materna têm conhecimentos linguísticos sobre as diferenças existentes no contínuo das variedades da mais padrão a menos padrão reconhecem as variantes manifestas nos textos produzidos pelos alunos A percepção das variantes caracterizadas por aspectos ora de cunho fonológico morfológico sintático e de outra natureza possibilitará ao professor graduar as dificuldades a serem trabalhadas na apropriação da normapadrão no decorrer de toda a escolarização A hipercorreção deve ser cuidadosamente trabalhada e diagnosticada para minimizar a distância entre a variedade mais padrão e a variedade menos padrão sem demonstrar desprezo pelo registro do aluno a fim de não impedilo de se expressar oralmente ou por escrito em sua variedade materna A aprendizagem da normapadrão deve ser implementada de forma segura e contextualizada para não criar insegurança linguística no educando principalmente naqueles vindos das classes sociais menos escolarizadas Para que o aluno aprenda a normapadrão de maneira segura é necessário que algumas medidas sejam tomadas É sobre algumas dessas medidas que refletiremos agora 41 Apresentar os dois modelos que geram dúvidas 25 Eu fui corajoso e entrei na casa abandonada A casa estava coberta de teia de aranha e quase todas as telhas estavam quebradas Quando for apresentar algum texto ou exercício de hiper correção aos alunos o professor deve ter o cuidado de incluir palavra expressão ou frase que apresente o fone a sílaba ou o conjunto de palavras sintagma que desencadeia o fenômeno Dessa forma os possíveis usuários do hipercorreção perceberão que há um duplo uso daquele entre linguístico do qual se julgava haver apenas um único uso Por exemplo a presença das expressões telha de barro e teia de aranha num mesmo texto pode suscitar um ótimo aprendizado para um usuário de hiper correção O professor pode incluir essas expressões num texto a ser revisado pela turma com a mediação do professor ou pode incluílas num texto de leitura cuja escrita é pressuposta como padrão Tanto no primeiro caso como no segundo o aluno que comete esse tipo de hiper correção Desconhecendo a diferença que a expressão teia de aranha está atenta a turma Telha de barro e teia de aranha Será que uma das duas escritas está errada A palavra telha existe A palavra teia existe Existe outra maneira de pronunciar a palavra telha Existe outra maneira de pronunciar a palavra teia Quais outras palavras são parecidas com essas E assim por diante até que fique bem claro para o aluno que as duas formas ocorrem na escrita e designam palavras diferentes mas na fala as duas pronúncias se igualam caso o falante use uma norma não padrão na qual não haja a presença do fone representado pelo dígrafo lh em palavras como muiémulher cuí colher teia telhateiateia etc Sempre que promover uma atividade de escuta de leitura ou de análise linguística é interessante que ela culmine na produção de um texto cujo gênero deve corresponder àquele trabalhado Por isso é interessante propor aos alunos situações reais ou imaginárias levandoos a produzirem gêneros orais e escritos tanto em contextos monitorados quanto em contextos não monitorados Entretanto é importante atentar para a recomendação de só pedir a produção de determinado gênero depois de ler e analisar com a turma um texto exemplar daquele gênero Ao longo do ano os alunos devem produzir vários textos orais e escritos devendo também ter um feedback do professor Toda produção de texto oral ou escrita deve ser previamente preparada ou seja o aluno deve ter sido exposto a um gênero semelhante ao que lhe será pedido Por exemplo o professor só deve pedir uma carta de leitor se já tiver apresentado o gênero aos alunos só deve solicitar um jornal falado se eles já tiverem analisado algum anteriormente Em se tratando de textos orais devemos levar nossos alunos a planejarem a fala de acordo com a situação comunicativa a utilizarem a variedade linguística adequada à situação de interlocução valorizando seu próprio repertório linguístico a monitorarem seu desempenho oral e quando necessário reformularem o planejamento prévio Brasil 1998 Ou seja o professor deve estar sempre atento para desenvolver a flexibilidade comunicativa e a segurança linguística do aluno Já no processo de produção de textos escritos é urgente levar os alunos a redigirem diferentes tipos de textos estruturandoos adequadamente quanto ao tema à progressão temática aos propósitos do texto explicarem as informações indispensáveis à interpretação utilizarem recursos coesivos adequados bem como elementos lexicais sintáticos figurativos e ilustrativos ajustandoos às circunstâncias formalidade e propósitos da interação utilizarem de acordo com o gênero e com as condições de produção os padrões de escrita de forma proficiente analisarem e revisarem o próprio texto segundo a finalidade do texto e o destinatário Brasil 1998 A produção contínua de texto a sua reescrita corrigirá não apenas os problemas de hiper correção dos alunos mas aumentará significativamente o letramento deles Muitos são os gêneros que podemos pedir em sala de aula canção textos dramáticos notícia entrevista debate depoimento exposição seminário crônica conto poema notícia artigo carta do leitor entrevista relatório resumo esquema etc Os Parâmetros Curriculares Nacionais de 1998 recomendam que o professor trabalhe com dois eixos básicos no ensino de língua portuguesa o uso da língua oral e escrita e a reflexão sobre a língua e a linguagem O aluno sempre deverá ser levado a produzir leitura e escrita após analisar a língua em uso Essa análise deve ser mediada pelo professor e é por meio dela que o aluno se conformará com os mais diferentes modos de falar e escrever Devemos selecionar estrategicamente textos compreensíveis aos alunos e pertencentes aos mais diversos gêneros de preferência os mais presentes e necessários à realidade deles Nesse processo de análise linguística devemos planejar as aulas objetivando que o aluno constitua um conjunto de conhecimentos sobre o funcionamento da linguagem e sobre o sistema linguístico relevantes para as práticas de escuta leitura e produção de textos se aproprie dos instrumentos de natureza procedural e conceitual necessários para a análise e reflexão linguística delimitação e identificação de unidades compreensão das relações estabelecidas entre as unidades e das funções discursivas associadas a elas no contexto seja capaz de verificar as regularidades das diferentes variedades do português reconhecendo os valores sociais nelas implicados e consequentemente o preconceito contra as formas populares em oposição às formas dos grupos socialmente favorecidos Brasil 1998 52 Nas aulas iniciais de prática de recepção de texto devemos incluir a prática de leitura de dicionários e gramáticas Essa é uma prática imprescindível não só para aqueles que cometem hipercorreção mas para todos os alunos Saber ler esse tipo de texto faz parte das competências de um leitor proficiente Por meio dessa atividade o aluno deve ser levado a compreender que a leitura de uma notícia é diferente da leitura de um romance que também é diferente de consulta a um dicionário ou a uma gramática Cada gênero textual possui características específicas por isso é importante considerar suas especificidades tendo como ponto de referência suas condições de produção seu uso social e seu funcionamento A gramática e o dicionário são gêneros que requerem a leitura tópica que leva a identificar informações pontuais no texto É esse tipo de leitura que fazemos quando consultamos um verbete no dicionário ou enciclopédia ou uma informação específica na gramática Esse tipo de leitura só deve ser feita quando o leitor precisa agregar mais referencialidade ao texto que está lendo por não possuir conhecimento discursivo linguístico ou informação essencial para a recuperação dos sentidos do texto Esperase que com o constante uso de dicionário e gramática o aluno consiga discernir os momentos em que precisa ou não consultálos tanto para a recepção quanto para a produção de textos Assim ampliará seu repertório lexical produzindo textos ortograficamente corretos e resolvendo dúvidas relacionadas a diversas irregularidades na língua inclusive relacionadas a hipercorreção Porém como afirma Irandé Antunes 2007 não se deve confundir o estudo da nomenclatura gramatical com o estudo da gramática Saber gramática vai além de ser competente em nomear as suas unidades e categorias O professor deve atribuir à nomenclatura gramatical uma função apenas complementar A nomenclatura gramatical um saber metalinguístico nomeia as unidades da língua mas não tem um fim em si mesma No entanto é importante chamar as unidades da língua por seus nomes técnicos nas atividades de reflexão linguística Gradativamente o professor deve 44 Tornar os alunos proficientes na leitura Quanto mais o aluno ler mais seguro ficará diante da normapadrão Devemos selecionar no nosso planejamento anual textos representativos dos mais diversos gêneros textuais trabalhar com textos que façam sentido para os alunos que despertem interesse e que tenham funcionalidade É bastante desejável que nos empenhemos em encontrar textos que possibilitem trabalhar com os temas transversais ética pluralidade cultural meio ambiente saúde orientação sexual trabalho e consumo Há uma probabilidade ínfima de um leitor proficiente cometer hipercorreções Por isso a leitura deve ter o maior espaço possível na aprendizagem da língua Devem ser realizadas aulas específicas de leitura em que o professor apresentará determinado gênero textual uma carta de leitor por exemplo Para levar o aluno a perceber o contexto desse tipo de gênero textual podemse fazer perguntas como quem escreveu esse texto para quem e com qual finalidade Qual texto anterior motivou a escrita deste Qual tipologia textual predomina no gênero carta de leitor narração exposição argumentação injunção Como o escritor organizou seus argumentos Qual a posição dele em relação ao assunto Se foram duas opiniões elas são concordantes ou não O texto está escrito em linguagem formal ou informal Por quê O texto está escrito de acordo com a normapadrão ou está parecido com a fala do dia a dia português vernacular A linguagem está adequada para o público que vai ler este texto E assim por diante até que os alunos percebam que há uma estreita relação entre a linguagem a situação os interlocutores e o lugar em que o texto circula O professor deve realizar aulas de leitura sempre que possível variando o gênero a tipologia textual e o grau de formalidade apresentando desde textos formais até textos de extrema informalidade como por exemplo a leitura de artigos da Constituição Brasileira e uma conversa na internet entre dois amigos Os alunos devem ser capazes de identificar o contexto de produção textual reconhecendo a estrutura padrão ou o tipo do gênero textual Recomendamos a leitura das páginas 49 a 65 dos Parâmetros Curriculares Nacionais nas quais estão elencados os objetivos e conteúdos do ensino de língua portuguesa com sugestões de gêneros que poderão ser utilizados Quando o professor propor gêneros informais pode exentar algumas hipercorreções caso não haja textos genuínos e durante a análise linguística quando os alunos apontarem o problema o fenômeno deve ser comentado salientandose que essa forma de fala ou de escrita é muito comum e é resultado do conhecimento insuficiente da normapadrão Quanto mais leitura o aluno tiver mais familiarizado ficará com a língua inclusive com sua variedade padronizada o que o tornará mais seguro linguisticamente 45 Trabalhar com o processo de reescrita dos textos Os alunos precisam produzir e reescrever muitos textos ora coletiva ora individualmente mas sempre em atividade mediada pelo professor O processo de produção de textos escritos precisa estar claro tanto para o docente quanto para os discentes afinal a boa escrita é processual ela não surge pronta O professor deve acostumar seu aluno a prever os seguintes passos sempre que for produzir um texto primeiro ele vai estabelecer o tema de acordo com a situação proposta depois começará a levantar ideias e dados por meio de leitura ou de outro tipo de pesquisa depois que obter material informativo fará um planejamento de escrita conforme a estrutura do gênero solicitado Só então começará a escrever de fato Porém esse primeiro escrito será apenas o rascunho a primeira versão de muitas Além de já estar revisando a própria escrita enquanto produz o rascunho o aluno sabe que o professor fará uma intervenção apontando os problemas de ordem discursiva textual gramatical e convencional Quando reescrever o rascunho com os apontamentos do professor escreverá a segunda versão do texto que será novamente enviada ao professor para outra revisão Estando apta a segunda versão poderá ser considerada final caso contrário o aluno fará uma terceira versão de acordo com os novos apontamentos do professor E assim o processo seguirá até que o professor considere o texto a versão final Os alunos devem se acostumar a redigir seus textos quantas vezes forem necessárias até que possam ser considerados textos bem escritos No trabalho de reescrita podese conduzir a turma para a construção de uma tabela com critérios que serão utilizados na correção dos textos estabelecendose códigos para os principais problemas textuais e linguísticodiscursivos Os alunos precisam perceber o texto como um todo mas também precisam perceber as questões linguísticas e discursivas que serão estudadas durante o processo de análise do próprio texto Com a mediação do professor eles aprenderão não só um conjunto de instrumentos linguísticodiscursivos como também as técnicas de revisão que envolvem rasuras substituições e exclusões Progressivamente essa prática tornará os alunos hábeis na autocorreção Cabe a nós professores ensinar nossos alunos de uma maneira clara e cooperativa de forma a lhes propiciar maior segurança linguística eliminando a hipercorreção Temos que leválos a perceber que os conhecimentos da gramática normativa não devem ser decorados nem vistos como fins em si mesmos mas como uma fonte de consulta que vai ajudálos a tirar suas dúvidas de língua quando for requerida a normapadrão Mais do que propor regras temos que mostrar como uma palavra verbo conjunção adjetivo etc tem uma função e cria determinados efeitos de sentido no texto temos de mostrar que os recursos coesivos devem ser utilizados para garantir a coerência do texto oral ou escrito Trabalho com textos implica também considerar a genericidade além da variação para a adequação à situação e mostrar sempre como esse processo ocorre em situações reais de interação e com uma função social adequação da linguagem às diversas ocasiões e situações É assim que ensinará o educando a reconhecer características contextuais e a desempenhar papéis verbais de acordo com estas É necessário levantar o perfil sociolinguístico do educando pois ele servirá de base para a formulação de uma política pedagógica que ao garantir o acesso do aluno à normapadrão respeite suas peculiaridades culturais e lhe garanta a segurança necessária para usar sua língua materna