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Direito Processual Penal

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Superior Tribunal de Justiça HABEAS CORPUS Nº 598886 SC 202001796823 RELATOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ IMPETRANTE DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SANTA CATARINA ADVOGADOS DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SANTA CATARINA THIAGO YUKIO GUENKA CAMPOS SC036306 IMPETRADO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA PACIENTE VANIO DA SILVA GAZOLA PRESO PACIENTE IGOR TARTARI FELACIO PRESO INTERES MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA INTERES INNOCENCE PROJECT BRASIL AMICUS CURIAE ADVOGADOS FLÁVIA RAHAL BRESSER PEREIRA SP118584 DORA MARZO DE A CAVALCANTI CORDANI SP131054 RAFAEL TUCHERMAN SP206184 INTERES INSTITUTO DE DEFESA DO DIREITO DE DEFESA MARCIO THOMAZ BASTOS AMICUS CURIAE ADVOGADOS FLÁVIA RAHAL BRESSER PEREIRA SP118584 MARINA DIAS WERNECK DE SOUZA SP157282 HUGO LEONARDO SP252869 GUILHERME ZILIANI CARNELOS SP220558 ADVOGADA DOMITILA KOHLER SP207669 EMENTA HABEAS CORPUS ROUBO MAJORADO RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO DE PESSOA REALIZADO NA FASE DO INQUÉRITO POLICIAL INOBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART 226 DO CPP PROVA INVÁLIDA COMO FUNDAMENTO PARA A CONDENAÇÃO RIGOR PROBATÓRIO NECESSIDADE PARA EVITAR ERROS JUDICIÁRIOS PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA NÃO OCORRÊNCIA ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA 1 O reconhecimento de pessoa presencialmente ou por fotografia realizado na fase do inquérito policial apenas é apto para identificar o réu e fixar a autoria delitiva quando observadas as formalidades previstas no art 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial sob o crivo do contraditório e da ampla defesa 2 Segundo estudos da Psicologia moderna são comuns as falhas e os equívocos que podem advir da memória humana e da capacidade de armazenamento de informações Isso Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 1 de 8 Superior Tribunal de Justiça porque a memória pode ao longo do tempo se fragmentar e por fim se tornar inacessível para a reconstrução do fato O valor probatório do reconhecimento portanto possui considerável grau de subjetivismo a potencializar falhas e distorções do ato e consequentemente causar erros judiciários de efeitos deletérios e muitas vezes irreversíveis 3 O reconhecimento de pessoas deve portanto observar o procedimento previsto no art 226 do Código de Processo Penal cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se vê na condição de suspeito da prática de um crime não se tratando como se tem compreendido de mera recomendação do legislador Em verdade a inobservância de tal procedimento enseja a nulidade da prova e portanto não pode servir de lastro para sua condenação ainda que confirmado em juízo o ato realizado na fase inquisitorial a menos que outras provas por si mesmas conduzam o magistrado a convencerse acerca da autoria delitiva Nada obsta ressalvese que o juiz realize em juízo o ato de reconhecimento formal desde que observado o devido procedimento probatório 4 O reconhecimento de pessoa por meio fotográfico é ainda mais problemático máxime quando se realiza por simples exibição ao reconhecedor de fotos do conjecturado suspeito extraídas de álbuns policiais ou de redes sociais já previamente selecionadas pela autoridade policial E mesmo quando se procura seguir com adaptações o procedimento indicado no Código de Processo Penal para o reconhecimento presencial não há como ignorar que o caráter estático a qualidade da foto a ausência de expressões e trejeitos corporais e a quase sempre visualização apenas do busto do suspeito podem comprometer a idoneidade e a confiabilidade do ato 5 De todo urgente portanto que se adote um novo rumo na compreensão dos Tribunais acerca das consequências da atipicidade procedimental do ato de reconhecimento formal de pessoas não se pode mais referendar a jurisprudência que afirma se tratar de mera recomendação do legislador o que acaba por permitir a perpetuação desse foco de erros judiciários e consequentemente de graves injustiças 6 É de se exigir que as polícias judiciárias civis e federal realizem sua função investigativa comprometidas com o Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 2 de 8 Superior Tribunal de Justiça absoluto respeito às formalidades desse meio de prova E ao Ministério Público cumpre o papel de fiscalizar a correta aplicação da lei penal por ser órgão de controle externo da atividade policial e por sua ínsita função de custos legis que deflui do desenho constitucional de suas missões com destaque para a defesa da ordem jurídica do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis art 127 caput da Constituição da República bem assim da sua específica função de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos inclusive é claro dos que ele próprio exerce promovendo as medidas necessárias a sua garantia art 129 II 7 Na espécie o reconhecimento do primeiro paciente se deu por meio fotográfico e não seguiu minimamente o roteiro normativo previsto no Código de Processo Penal Não houve prévia descrição da pessoa a ser reconhecida e não se exibiram outras fotografias de possíveis suspeitos ao contrário escolheu a autoridade policial fotos de um suspeito que já cometera outros crimes mas que absolutamente nada indicava até então ter qualquer ligação com o roubo investigado 8 Sob a égide de um processo penal comprometido com os direitos e os valores positivados na Constituição da República buscase uma verdade processual em que a reconstrução histórica dos fatos objeto do juízo se vincula a regras precisas que assegurem às partes um maior controle sobre a atividade jurisdicional uma verdade portanto obtida de modo processualmente admissível e válido Figueiredo Dias 9 O primeiro paciente foi reconhecido por fotografia sem nenhuma observância do procedimento legal e não houve nenhuma outra prova produzida em seu desfavor Ademais as falhas e as inconsistências do suposto reconhecimento sua altura é de 195 m e todos disseram que ele teria por volta de 170 m estavam os assaltantes com o rosto parcialmente coberto nada relacionado ao crime foi encontrado em seu poder e a autoridade policial nem sequer explicou como teria chegado à suspeita de que poderia ser ele um dos autores do roubo ficam mais evidentes com as declarações de três das vítimas em juízo ao negarem a possibilidade de reconhecimento do acusado Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 3 de 8 Superior Tribunal de Justiça 10 Sob tais condições o ato de reconhecimento do primeiro paciente deve ser declarado absolutamente nulo com sua consequente absolvição ante a inexistência como se deflui da sentença de qualquer outra prova independente e idônea a formar o convencimento judicial sobre a autoria do crime de roubo que lhe foi imputado 11 Quanto ao segundo paciente teria quando muito conforme reconheceu o Magistrado sentenciante emprestado o veículo usado pelos assaltantes para chegarem ao restaurante e fugirem do local do delito na posse dos objetos roubados conduta que não pode ser tida como determinante para a prática do delito até porque não se logrou demonstrar se efetivamente houve tal empréstimo do automóvel com a prévia ciência de seu uso ilícito por parte da dupla que cometeu o roubo É de se lhe reconhecer assim a causa geral de diminuição de pena prevista no art 29 1º do Código Penal participação de menor importância 12 Conclusões 1 O reconhecimento de pessoas deve observar o procedimento previsto no art 226 do Código de Processo Penal cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime 2 À vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho a inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual condenação mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo 3 Pode o magistrado realizar em juízo o ato de reconhecimento formal desde que observado o devido procedimento probatório bem como pode ele se convencer da autoria delitiva a partir do exame de outras provas que não guardem relação de causa e efeito com o ato viciado de reconhecimento 4 O reconhecimento do suspeito por simples exibição de fotografias ao reconhecedor a par de dever seguir o mesmo procedimento do reconhecimento pessoal há de ser visto como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal e portanto não pode servir como prova em ação penal ainda que confirmado em juízo Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 4 de 8 Superior Tribunal de Justiça 13 Ordem concedida para a com fundamento no art 386 VII do CPP absolver o paciente Vânio da Silva Gazola em relação à prática do delito objeto do Processo n 00011992220198240075 da 1ª Vara Criminal da Comarca de Tubarão SC ratificada a liminar anteriormente deferida para determinar a imediata expedição de alvará de soltura em seu favor se por outro motivo não estiver preso b reconhecer a causa geral de diminuição relativa à participação de menor importância no tocante ao paciente Igor Tártari Felácio aplicála no patamar de 16 e por conseguinte reduzir a sua reprimenda para 4 anos 5 meses e 9 dias de reclusão e pagamento de 10 diasmulta Dêse ciência da decisão aos Presidentes dos Tribunais de Justiça dos Estados e aos Presidentes dos Tribunais Regionais Federais bem como ao Ministro da Justiça e Segurança Pública e aos Governadores dos Estados e do Distrito Federal encarecendo a estes últimos que façam conhecer da decisão os responsáveis por cada unidade policial de investigação ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas acordam os Ministros da Sexta Turma por unanimidade conceder o habeas corpus nos termos do voto do Sr Ministro Relator com os esclarecimentos do Sr Ministro Nefi cordeiro Os Srs Ministros Nefi Cordeiro Antonio Saldanha Palheiro Laurita Vaz e Sebastião Reis Júnior votaram com o Sr Ministro Relator Dra DORA MARZO DE A CAVALCANTI CORDANI pela parte INTERES INNOCENCE PROJECT BRASIL Dr THIAGO YUKIO GUENKA CAMPOSProtestará por Juntada pelas partes PACIENTES VANIO DA SILVA GAZOLA e IGOR TARTARI FELACIO Exmo Sr Dr JOSÉ ADONIS CALLOU DE ARAÚJO SÁ SUBPROCURADORGERAL DA REPÚBLICA Brasília 27 de outubro de 2020 Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 5 de 8 Superior Tribunal de Justiça Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ Relator Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 6 de 8 Superior Tribunal de Justiça HABEAS CORPUS Nº 598886 SC 202001796823 RELATOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ IMPETRANTE DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SANTA CATARINA ADVOGADOS DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SANTA CATARINA THIAGO YUKIO GUENKA CAMPOS SC036306 IMPETRADO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA PACIENTE VANIO DA SILVA GAZOLA PRESO PACIENTE IGOR TARTARI FELACIO PRESO INTERES MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA INTERES INNOCENCE PROJECT BRASIL AMICUS CURIAE ADVOGADOS FLÁVIA RAHAL BRESSER PEREIRA SP118584 DORA MARZO DE A CAVALCANTI CORDANI SP131054 RAFAEL TUCHERMAN SP206184 INTERES INSTITUTO DE DEFESA DO DIREITO DE DEFESA MARCIO THOMAZ BASTOS AMICUS CURIAE ADVOGADOS FLÁVIA RAHAL BRESSER PEREIRA SP118584 MARINA DIAS WERNECK DE SOUZA SP157282 HUGO LEONARDO SP252869 GUILHERME ZILIANI CARNELOS SP220558 ADVOGADA DOMITILA KOHLER SP207669 RELATÓRIO O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ VÂNIO DA SILVA GAZOLA e IGOR TÁRTARI FELÁCIO alegam ser vítimas de coação ilegal em decorrência de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina que conheceu parcialmente da Apelação Criminal n 00011992220198240075 e nessa extensão negoulhe provimento Consta dos autos que os réus foram condenados cada um à pena de 5 anos e 4 meses de reclusão em regime inicial semiaberto mais multa como incursos no art 157 2º II do CP A condenação transitou em julgado em 2782020 Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 7 de 8 Superior Tribunal de Justiça A defesa aduz em síntese que o paciente Vânio foi condenado exclusivamente com base em reconhecimento fotográfico extrajudicial realizado pelas vítimas o que não foi corroborado por outros elementos probatórios Observa que no caso específico dos autos as vítimas relataram que teriam indicado o autor do assalto com altura de 170 m sendo que o Paciente VÂNIO possui 195 m de altura ou seja 25 centímetros a mais do que o afirmado pelas vítimas fl 8 Em relação ao paciente Igor afirma que deve ser reconhecida a causa geral de diminuição de pena relativa à participação de menor importância e pondera que a denúncia atribuiu a ele simplesmente a conduta de emprestar o carro utilizado pelos demais agentes para praticarem o assalto fl 17 Requer liminarmente sejam sobrestados os efeitos da condenação até o julgamento final deste writ No mérito pleiteia a absolvição do réu Vânio e a redução da pena imposta ao paciente Igor nos termos do art 29 1º do CP O Ministério Público Federal manifestouse pelo não conhecimento do habeas corpus Às fls 661669 a defesa reitera o deferimento do pedido liminar para que sejam suspensos os efeitos da condenação em relação ao paciente Vânio O pleito foi por mim concedido para sobrestar até o julgamento final deste writ o cumprimento da pena imposta ao paciente Vânio da Silva Gazola nos autos do Processo n 00011992220198240075 fl 673 Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 8 de 8 Superior Tribunal de Justiça HABEAS CORPUS Nº 598886 SC 202001796823 EMENTA HABEAS CORPUS ROUBO MAJORADO RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO DE PESSOA REALIZADO NA FASE DO INQUÉRITO POLICIAL INOBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART 226 DO CPP PROVA INVÁLIDA COMO FUNDAMENTO PARA A CONDENAÇÃO RIGOR PROBATÓRIO NECESSIDADE PARA EVITAR ERROS JUDICIÁRIOS PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA NÃO OCORRÊNCIA ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA 1 O reconhecimento de pessoa presencialmente ou por fotografia realizado na fase do inquérito policial apenas é apto para identificar o réu e fixar a autoria delitiva quando observadas as formalidades previstas no art 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial sob o crivo do contraditório e da ampla defesa 2 Segundo estudos da Psicologia moderna são comuns as falhas e os equívocos que podem advir da memória humana e da capacidade de armazenamento de informações Isso porque a memória pode ao longo do tempo se fragmentar e por fim se tornar inacessível para a reconstrução do fato O valor probatório do reconhecimento portanto possui considerável grau de subjetivismo a potencializar falhas e distorções do ato e consequentemente causar erros judiciários de efeitos deletérios e muitas vezes irreversíveis 3 O reconhecimento de pessoas deve portanto observar o procedimento previsto no art 226 do Código de Processo Penal cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se vê na condição de suspeito da prática de um crime não se tratando como se tem compreendido de mera recomendação do legislador Em verdade a inobservância de tal procedimento enseja a nulidade da prova e portanto não pode servir de lastro para sua condenação ainda que confirmado em juízo o ato realizado na fase inquisitorial a menos que outras provas por si mesmas conduzam o magistrado a convencerse acerca da autoria delitiva Nada obsta ressalvese que o juiz realize em juízo o ato de reconhecimento formal desde que observado o devido procedimento probatório 4 O reconhecimento de pessoa por meio fotográfico é ainda mais problemático máxime quando se realiza por simples exibição ao reconhecedor de fotos do conjecturado suspeito extraídas de álbuns policiais ou de redes sociais já previamente selecionadas pela Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 9 de 8 Superior Tribunal de Justiça autoridade policial E mesmo quando se procura seguir com adaptações o procedimento indicado no Código de Processo Penal para o reconhecimento presencial não há como ignorar que o caráter estático a qualidade da foto a ausência de expressões e trejeitos corporais e a quase sempre visualização apenas do busto do suspeito podem comprometer a idoneidade e a confiabilidade do ato 5 De todo urgente portanto que se adote um novo rumo na compreensão dos Tribunais acerca das consequências da atipicidade procedimental do ato de reconhecimento formal de pessoas não se pode mais referendar a jurisprudência que afirma se tratar de mera recomendação do legislador o que acaba por permitir a perpetuação desse foco de erros judiciários e consequentemente de graves injustiças 6 É de se exigir que as polícias judiciárias civis e federal realizem sua função investigativa comprometidas com o absoluto respeito às formalidades desse meio de prova E ao Ministério Público cumpre o papel de fiscalizar a correta aplicação da lei penal por ser órgão de controle externo da atividade policial e por sua ínsita função de custos legis que deflui do desenho constitucional de suas missões com destaque para a defesa da ordem jurídica do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis art 127 caput da Constituição da República bem assim da sua específica função de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos inclusive é claro dos que ele próprio exerce promovendo as medidas necessárias a sua garantia art 129 II 7 Na espécie o reconhecimento do primeiro paciente se deu por meio fotográfico e não seguiu minimamente o roteiro normativo previsto no Código de Processo Penal Não houve prévia descrição da pessoa a ser reconhecida e não se exibiram outras fotografias de possíveis suspeitos ao contrário escolheu a autoridade policial fotos de um suspeito que já cometera outros crimes mas que absolutamente nada indicava até então ter qualquer ligação com o roubo investigado 8 Sob a égide de um processo penal comprometido com os direitos e os valores positivados na Constituição da República buscase uma verdade processual em que a reconstrução histórica dos fatos objeto do juízo se vincula a regras precisas que assegurem às partes um maior controle sobre a atividade jurisdicional uma verdade portanto obtida de modo processualmente admissível e válido Figueiredo Dias 9 O primeiro paciente foi reconhecido por fotografia sem nenhuma Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 10 de 8 Superior Tribunal de Justiça observância do procedimento legal e não houve nenhuma outra prova produzida em seu desfavor Ademais as falhas e as inconsistências do suposto reconhecimento sua altura é de 195 m e todos disseram que ele teria por volta de 170 m estavam os assaltantes com o rosto parcialmente coberto nada relacionado ao crime foi encontrado em seu poder e a autoridade policial nem sequer explicou como teria chegado à suspeita de que poderia ser ele um dos autores do roubo ficam mais evidentes com as declarações de três das vítimas em juízo ao negarem a possibilidade de reconhecimento do acusado 10 Sob tais condições o ato de reconhecimento do primeiro paciente deve ser declarado absolutamente nulo com sua consequente absolvição ante a inexistência como se deflui da sentença de qualquer outra prova independente e idônea a formar o convencimento judicial sobre a autoria do crime de roubo que lhe foi imputado 11 Quanto ao segundo paciente teria quando muito conforme reconheceu o Magistrado sentenciante emprestado o veículo usado pelos assaltantes para chegarem ao restaurante e fugirem do local do delito na posse dos objetos roubados conduta que não pode ser tida como determinante para a prática do delito até porque não se logrou demonstrar se efetivamente houve tal empréstimo do automóvel com a prévia ciência de seu uso ilícito por parte da dupla que cometeu o roubo É de se lhe reconhecer assim a causa geral de diminuição de pena prevista no art 29 1º do Código Penal participação de menor importância 12 Conclusões 1 O reconhecimento de pessoas deve observar o procedimento previsto no art 226 do Código de Processo Penal cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime 2 À vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho a inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual condenação mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo 3 Pode o magistrado realizar em juízo o ato de reconhecimento formal desde que observado o devido procedimento probatório bem como pode ele se convencer da autoria delitiva a partir do exame de outras provas que não guardem relação de causa e efeito com o ato viciado de reconhecimento Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 11 de 8 Superior Tribunal de Justiça 4 O reconhecimento do suspeito por simples exibição de fotografias ao reconhecedor a par de dever seguir o mesmo procedimento do reconhecimento pessoal há de ser visto como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal e portanto não pode servir como prova em ação penal ainda que confirmado em juízo 13 Ordem concedida para a com fundamento no art 386 VII do CPP absolver o paciente Vânio da Silva Gazola em relação à prática do delito objeto do Processo n 00011992220198240075 da 1ª Vara Criminal da Comarca de Tubarão SC ratificada a liminar anteriormente deferida para determinar a imediata expedição de alvará de soltura em seu favor se por outro motivo não estiver preso b reconhecer a causa geral de diminuição relativa à participação de menor importância no tocante ao paciente Igor Tártari Felácio aplicála no patamar de 16 e por conseguinte reduzir a sua reprimenda para 4 anos 5 meses e 9 dias de reclusão e pagamento de 10 diasmulta Dêse ciência da decisão aos Presidentes dos Tribunais de Justiça dos Estados e aos Presidentes dos Tribunais Regionais Federais bem como ao Ministro da Justiça e Segurança Pública e aos Governadores dos Estados e do Distrito Federal encarecendo a estes últimos que façam conhecer da decisão os responsáveis por cada unidade policial de investigação Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 12 de 8 Superior Tribunal de Justiça VOTO O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ Relator I Contextualização Consta dos autos que os pacientes foram condenados cada um à pena de 5 anos e 4 meses de reclusão em regime inicial semiaberto mais multa como incursos no art 157 2º II do CP porque em tese teriam sido os autores de delito de roubo realizado dentro de um restaurante com emprego de arma de fogo A condenação transitou em julgado em 2782020 segundo informação constante da página eletrônica do TJSC O Juiz sentenciante ao concluir pela condenação de ambos os acusados em relação à prática do referido crime assim fundamentou no que interessa fls 531534 grifei No que diz respeito à autoria os depoimentos colhidos em ambas as fases são claros e não deixam margem para dúvidas quanto a união de esforços dos réus Igor e Vânio na prática da infração penal Por outro lado o depoimento das vítimas encontram consonância em suas declarações iniciando pelo relato de Josinei Moreira narrando o que se recorda Que estava jantando no restaurante Costelão que é anexo ao posto Presidente que entraram dois cidadãos e anunciaram o assalto que primeiro foram no caixa do posto e limparam o que havia ali que na sequência foram até os clientes que estavam jantando que pegaram os celulares e carteiras com dinheiro e documentação que não viu se os indivíduos estavam de carro ou à pé que uma senhora que mora em cima do restaurante ou ao lado que era um hotel quem mencionou que os indivíduos estavam com um corsa bordô que o depoente viu dois assaltantes que estavam de bermuda chinelo moletomagasalho que um dos indivíduos estava com um capuz que tapava a boca e o nariz e o outro com um capuz e um lenço tapando a boca e o nariz que o depoente não viu arma mas percebeu que havia algo por baixo da jaquetamoletom parecido com uma arma ou pistola e que apontavam para as vítimas que o outro indivíduo ficava na outro lado do buffet com outro pessoal que o depoente viu mais o indivíduo que estava com capuz na cabeça sem o lenço no rosto que o depoente presenciou somente ameaça verbal que do depoente subtraíram celular e carteira com Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 13 de 8 Superior Tribunal de Justiça documentos e dinheiro que não recuperou nenhum dos objetos que o depoente não foi fazer reconhecimento na delegacia depoimento audiovisual fl 417 No mesmo sentido é o depoimento de Tailor Vieira cliente do estabelecimento e que foi o primeiro dos clientes a ser abordado pelos assaltantes Que o depoente estava no local jantando que entraram dois assaltantes que um deles ficou no caixa e o outro levou os pertences do depoente que estavam encapuzados somente com os olhos descobertos que levaram do depoente carteira com documentos e dinheiro seiscentos reais e celular que o depoente não recuperou nada desses objetos que o indivíduo que abordou o depoente sinalizava por baixo das vestes que estava armado que o depoente não viu arma que foram feitas ameaças verbais que os indivíduos eram brancos que tem certeza de que nenhum deles era negro porque a pele era clara que acredita que tinha estatura de cerca de 170 um metro e setenta e voz de gurizão depoimento audiovisual fl 418419 O funcionário do restaurante Guilherme Costa Flores Rodrigues que também teve seus objetos roubados na oportunidade descreveu o que presenciou Que trabalha no restaurante Costelão e trabalhava no dia em que ocorreu o fato que o depoente estava trabalhando na copa e atendendo os clientes quando entraram dois indivíduos que um deles se dirigiu ao caixa e o outro foi tirando as coisas dos clientes que o primeiro que entrou pediu para o depoente ficar parado que retiraram as carteiras e celulares dos clientes e saíram que do caixa do restaurante foi levado pouco dinheiro que realizou o reconhecimento na delegacia mas não tem certeza porque estavam encapuzados que um dos indivíduos era mais alto que o depoente depoimento audiovisual fl 418419 Por fim o relato de Viviany Rech Bento Back que estava no caixa no momento da ação criminosa Que a depoente estava trabalhando no dia do fato que por volta das 19h entraram dois indivíduos e anunciaram o assalto que estavam com capuz de moletom cobrindo o rosto que um deles estava armado e foram recolhendo os pertences dos clientes que estavam no estabelecimento dos funcionários e do caixa do restaurante que o reconhecimento foi feito através das filmagens das câmeras porque os indivíduos estiveram no estabelecimento mais cedo no período da tarde e trajavam a mesma roupa no assalto que o proprietário do restaurante conseguiu reconhecer que na delegacia a depoente conseguiu reconhecer com convicção o sujeito Vanio Gazola que era o indivíduo que ficou próximo da depoente que foram subtraídos celulares e carteiras dos clientes do restaurante Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 14 de 8 Superior Tribunal de Justiça foi subtraído o dinheiro do caixa que os indivíduos estavam em um carro prata que a depoente confirma o relatado em seu depoimento de que o indivíduo que estava próximo de si tinha cerca de 170 um metro e setenta com base na altura da depoente que é cerca de 160 um metro e sessenta que a depoente não viu o indivíduo com nitidez viu mais a parte da boca e o nariz que era grande barba por fazer que estava de moletom com capuz que não tem dúvida de que o reconhecimento que fez na delegacia era relacionado à pessoa que estava próximo à depoente depoimento audiovisual fl 418419 Os elementos informativos e provas contidos nos autos demonstram a autoria do crime em relação aos acusados que em comunhão de esforços com a intenção de alcançar vantagem patrimonial em detrimento do patrimônio alheio mediante grave ameaça subtraíram carteiras com documentos e dinheiro e celulares retirandoos da esfera de vigilância das vítimas Constatase que as vítimas em ambas as fases mencionaram categoricamente que dois indivíduos chegaram e adentraram no estabelecimento anunciando o assalto e dividiram tarefas sendo que um ficou próximo ao caixa do restaurante e após recolher o dinheiro que havia fico observando a ação do comparsa que aparentemente armado fazia ameaças e recolhia os pertences das vítimas Ato contínuo os réus assumiram a direção do veículo de Igor e empreenderam fuga A vítima Viviany Rech Bento Back foi categórica em seu depoimento e reafirmou que reconheceu o acusado Vanio da Silva Gazola que estava próximo de si durante o assalto e mesmo usando capuz o qual caía várias vezes segundo relato foi suficiente para a depoente notar as características físicas que a levaram ao reconhecimento do acusado A menção das vítimas sobre a estatura de um dos acusados não deve ser tomado isoladamente para de modo totalmente contrário aos demais elementos colhidos afastar a condenação Calha consignar que foram abordadas e surpreendidas dentro do restaurante enquanto jantavam sendo ameaçadas para que não olhassem para os acusados A defesa então interpôs apelação ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina que conheceu em parte do recurso e nessa extensão negoulhe provimento Na ocasião a referida Corte afastou a pretendida absolvição do réu Vânio com base nos seguintes argumentos fls 617618 destaquei Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 15 de 8 Superior Tribunal de Justiça Assim absolutamente possível o reconhecimento fotográfico de pessoas em sede policial a despeito das disposições do art 226 do CPP especialmente em casos como o dos autos em que o reconhecido não foi preso em flagrante Ademais importante ressaltar que a vítima Viviany Rech Bento Back afirmou judicialmente que confirma o reconhecimento realizado na Delegacia de Polícia apesar de na data da audiência afirmar que não teria condições de reconhecer novamente Vânio em razão do transcurso de tempo registro audiovisual de fls 418419 No que se refere à questão da altura do Apelante Vânio que foi apontada pelas vítimas como sendo de aproximadamente um metro e setenta centímetros quando consta do documento de fl 24 que ele teria cerca de um metro e noventa e cinco centímetros temse que não afasta a credibilidade do reconhecimento feito no dia seguinte aos fatos uma vez que as vítimas apontaram detalhes da face de Vânio que estava com o rosto apenas parcialmente coberto Não bastasse as imagens apresentadas pela própria Defesa às fls 475576 também demonstram as semelhanças entre o autor do fato que aparece nas imagens das câmeras de segurança e Vânio especialmente a estatura o formato do nariz e até mesmo o corte de cabelo o que corrobora o reconhecimento efetuado pelas Vítimas na Delegacia de Polícia Portanto afastase a preliminar arguida II O reconhecimento de pessoas como meio probatório A defesa aduz em síntese que o paciente Vânio foi condenado exclusivamente com base em reconhecimento fotográfico extrajudicial realizado pelas vítimas que não foi corroborado por outros elementos probatórios circunstância insuficiente para lastrear um decreto condenatório Antes contudo de adentrar o mérito da discussão convém salientar que o exame da controvérsia não demanda reexame de prova inviável no rito de cognição estreita do habeas corpus mas sim valoração da validade de prova o que é perfeitamente admitido no julgamento do writ Feitos esses esclarecimentos faço lembrar que segundo o disposto no art 155 do CPP in verbis O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial não podendo Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 16 de 8 Superior Tribunal de Justiça fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação ressalvadas as provas cautelares não repetíveis e antecipadas É a chamada garantia do livre convencimento motivado O art 157 do CPP por sua vez dispõe que são inadmissíveis no processo penal as provas ilícitas assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais e as provas delas derivadas salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras ou quando as derivadas puderem ser obtidas por fonte independente Sobre a matéria é conhecida e usual a distinção atribuída a Pietro Nuvolone entre provas ilícitas e provas ilegítimas Conforme lições de Grinover Fernandes e Gomes Filho a prova é ilegal toda vez que sua obtenção caracterize violação de normas legais ou princípios gerais do ordenamento de natureza processual ou material Quando a proibição for colocada por uma lei processual a prova será ilegítima ou ilegalmente produzida quando pelo contrário a proibição for de natureza material a prova será ilicitamente obtida GRINOVER Ada Pellegrini FERNANDES Antonio Scarance GOMES FILHO Antônio Magalhães As nulidades no processo penal São Paulo Revista dos Tribunais 1997 p 131 grifei Antônio Scarance Fernandes acerca do referido dispositivo legal nesse sentido assinala O tema da prova ilícita passou a ser objeto de tratamento no artigo 157 do Código de Processo Penal com a redação que lhe foi dada pela lei 116902008 O novo dispositivo define caput do art 157 como provas ilícitas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais devendose entender como normas legais apenas as de natureza material precipuamente as que definem as infrações penais Não se pode abranger aí as normas processuais pois em relação a essas o regime é outro de vez que em caso de serem ofendidas resolvese pela declaração de nulidade enquanto em caso de ilicitude na produção da prova deve ela ser desentranhada caput do art 157 Processo Penal Constitucional São Paulo Revista dos Tribunais 2010 p 86 De fato a existência de distinção entre as provas ilegítimas e as ilícitas para além da natureza do direito violado material ou processual se dá também quanto aos efeitos ou à sanção aplicável inadmissibilidade ou Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 17 de 8 Superior Tribunal de Justiça nulidade A inadmissibilidade da prova ilícita impede o seu ingresso ou se já produzida sua exclusão no processo enquanto a ilegítima será sancionada com sua nulidade Vale dizer as provas produzidas com violação das normas procedimentais serão nulas e não produzirão resultados no processo o que todavia não impede que sejam refeitos os atos em conformidade com a lei de modo a possibilitar assim o aproveitamento da fonte de prova No tocante ao reconhecimento de pessoas e coisas o Código de Processo Penal dedica três sucintos artigos ao ato do reconhecimento de pessoas e coisas arts 226 227 e 228 Em relação ao reconhecimento de pessoas o art 226 estabelece que o ato deverá ocorrer da seguinte forma a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever o indivíduo que deva ser reconhecido art 226 I a pessoa cujo reconhecimento se pretender será colocada se possível ao lado de outras que com ela tiverem semelhança convidandose quem tiver de fazer o reconhecimento a apontála art 226 II se houver razão para recear que a pessoa chamada para realizar o ato por intimidação ou outra influência não diga a verdade em face da pessoa a ser reconhecida a autoridade providenciará para que esta não veja aquela art 226 III do ato de reconhecimento lavrarseá termo pormenorizado subscrito pela autoridade pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais art 226 IV Guilherme de Souza Nucci conceitua o reconhecimento de pessoas como o ato pelo qual uma pessoa admite e afirma como certa a identidade de outra ou a qualidade de uma coisa Manual de Processo Penal e Execução Penal 11 ed Rio de Janeiro Forense 2014 p 436 Segundo o autor a expressão se possível constante do inciso II do art 226 referese ao requisito de serem colocadas pessoas que portem similitude com a que deva ser reconhecida e não com a exigência da disposição de várias pessoas umas do lado das outras O reconhecimento busca em última análise indicar com precisão a pessoa contra a qual se realiza determinada imputação Em relação às exigências feitas pelo Código de Processo Penal pondera Aury Lopes Júnior que esses cuidados não são formalidades inúteis ao contrário constituem condição de credibilidade do instrumento probatório refletindo na qualidade da tutela jurisdicional prestada e na própria confiabilidade do sistema judiciário de um país Direito processual penal 14 ed São Paulo Saraiva 2017 p 490 Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 18 de 8 Superior Tribunal de Justiça Nesse contexto adverte o referido autor Tratase de uma prova cuja forma de produção está estritamente definida e partindo da premissa de que em matéria processual penal forma é garantia não há espaço para informalidades judiciais Infelizmente prática bastante comum na praxe forense consiste em fazer reconhecimentos informais admitidos em nome do princípio do livre convencimento motivado op cit 2017 p 488 grifei Ainda na visão de Aury Lopes Júnior e de Joselton Calmon Braz Correia o reconhecimento pessoal falha nas duas dimensões na legislativa porque nosso CPP disciplina parcamente a matéria e na dimensão das práticas policiais por falta de preparo e de agentes capacitados para realizálo com o menor nível de contaminação indução e cautela necessários Ainda precisamos falar sobre o falso reconhecimento pessoal Disponível em httpswwwconjurcombr2019nov08limitepenalaindaprecisamosfalarfa lsoreconhecimentopessoal Acesso em set 2020 Na espécie não houve qualquer cuidado com a observância do procedimento previsto em lei para o reconhecimento formal do primeiro paciente o que como se aduzirá a seguir induz à nulidade de tal elemento informativo e por conseguinte de sua invalidade para amparar juízo de condenação III O valor probatório do reconhecimento de pessoas na jurisprudência do STJ Esta Corte Superior ao interpretar os referidos dispositivos federais entende que o reconhecimento fotográfico realizado na fase do inquérito policial como meio de prova é apto para identificar o réu e fixar a autoria delitiva somente quando observadas as formalidades legais e corroborado por outras provas colhidas na fase judicial sob o crivo do contraditório e da ampla defesa Ilustrativamente 1 O reconhecimento fotográfico realizado em solo policial é material probante a ser considerado para efeitos de comprovação da autoria do delito desde que corroborado por outros elementos de prova Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 19 de 8 Superior Tribunal de Justiça colhidos em juízo sob a luz do contraditório e da ampla defesa 2 No caso em tela a única vítima realizou reconhecimento fotográfico em solo policial e em juízo afirmou que por estar esquecido não reconhecia imediatamente na fotografia entretanto confirma têlo reconhecido perante a autoridade policial 3 Ausente portanto qualquer outro elemento probatório somente o reconhecimento fotográfico realizado em solo policial e insuficientemente corroborado em juízo de rigor a absolvição do agravado por insuficiência de provas 4 Agravo regimental desprovido AgRg no HC n 469563SC Rel Ministro Antonio Saldanha Palheiro 6ª T DJe 21112019 1 O habeas corpus não se presta para a apreciação de alegações que buscam a absolvição do paciente em virtude da necessidade de revolvimento do conjunto fáticoprobatório o que é inviável na via eleita 2 Hipótese na qual as instâncias ordinárias destacaram que o reconhecimento fotográfico do paciente que fora efetuado durante o inquérito foi ratificado em juízo pessoalmente tendo ele sido corroborado por outros elementos de convicção amealhados nos autos sendo portanto descabido falar em nulidade da prova e por consectário em carência de elementos de convicção para a condenação do paciente ou em condenação baseada exclusivamente em elementos informativos 3 A jurisprudência deste Tribunal Superior admite a possibilidade de reconhecimento do acusado por meio fotográfico ainda que não observadas a totalidade das formalidades contidas no art 226 do Código de Processo Penal Com efeito o reconhecimento fotográfico do réu quando ratificado em juízo sob a garantia do contraditório e ampla defesa pode servir como meio idôneo de prova para fundamentar a condenação 6 Agravo desprovido AgRg no HC n 462030SP Rel Ministro Ribeiro Dantas 5ª T DJe 1332020 Eventualmente reconhecese a imprestabilidade do reconhecimento de pessoa em que não se observaram os requisitos formais previstos no art 226 do CPP Um exemplo se colhe do julgamento do HC n 232960RJ de minha relatoria realizado em 15102015 DJe 6112015 ocasião em que a Sexta Turma desta Corte Superior de Justiça anulou Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 20 de 8 Superior Tribunal de Justiça condenação lastreada em reconhecimento fotográfico na fase inquisitorial e sem observância das formalidades do art 226 do CPP pois o ato não foi repetido em juízo ou referendado por outras provas judiciais Na oportunidade por unanimidade de votos o colegiado reconheceu que o referido ato era inidôneo para lastrear a condenação pois na fase judicial a vítima apenas confirmou o boletim de ocorrência e o reconhecimento em si mas não identificou novamente o acusado nem sequer por meio de imagem Colaciono por oportuno a ementa do julgado 1 O reconhecimento fotográfico como meio de prova é apto para identificar o réu e fixar a autoria delitiva somente quando corroborado por outras provas colhidas sob o crivo do contraditório 2 O reconhecimento do paciente por fotografia realizado na fase do inquérito sem observância das regras procedimentais do art 226 do CPP não foi repetido em Juízo ou referendado por outras provas judiciais inidôneo portanto para lastrear a condenação em segundo grau Na fase judicial a vítima apenas confirmou o boletim de ocorrência e o reconhecimento em si mas não identificou novamente o acusado nem sequer por meio de imagem 3 Não pode ser validada à condenação operada em grau de recurso por órgão colegiado distante da prova produzida pelo Juiz natural da causa baseada única e exclusivamente em reconhecimento fotográfico realizado na polícia sem respeito às fórmulas do art 226 do CPP Não se trata de negar validade ao depoimento da vítima e sim de negar validade a condenação baseada em elemento informativo colhido em total desacordo com as regras probatórias e sem o contraditório judicial 4 Sob a égide de um processo penal de cariz garantista que nada mais significa do que concebêlo como atividade estatal sujeita a permanente avaliação de conformidade com a Constituição O direito processual penal não é outra coisa senão Direito constitucional aplicado diziao W Hassemer buscase uma verdade processual onde a reconstrução histórica dos fatos objeto do juízo vinculase a regras precisas que assegurem às partes um maior controle sobre a atividade jurisdicional 5 Não é despiciendo lembrar que em um modelo assim construído e manejado no qual sobrelevam princípios e garantias voltadas à proteção do indivíduo contra eventuais abusos estatais que interfiram em sua liberdade dúvidas relevantes no espírito do julgador hão de merecer solução favorável ao réu favor rei Afinal A certeza Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 21 de 8 Superior Tribunal de Justiça perseguida pelo direito penal máximo está em que nenhum culpado fique impune à custa da incerteza de que também algum inocente possa ser punido A certeza perseguida pelo direito penal mínimo está ao contrário em que nenhum inocente seja punido à custa da incerteza de que também algum culpado possa ficar impune LUIGI FERRAJOLI 6 Habeas corpus não conhecido Ordem concedida de ofício para anular a condenação do paciente restabelecer a sentença absolutória e ordenar sua soltura salvo se por outro título judicial estiver preso HC n 232960RJ Rel Ministro Rogerio Schietti 6ª T DJe 6112015 Em outro writ de minha relatoria policiais militares no afã de solucionar crime praticado contra membro da corporação enviaram às vítimas por correspondência eletrônica a foto do suspeito obtida durante a investigação de outro delito acrescida da errônea informação de que ele teria praticado conduta semelhante Decidiu este Colegiado que tal procedimento viciou não somente o ato mas também a prova judicial dele decorrente imprestável para sanar a dúvida sobre a autoria delitiva principalmente ante o registro na sentença de que o réu na data dos fatos não possuía as características físicas descritas no boletim de ocorrência e não fora reconhecido por outra testemunha ocular do latrocínio Concluímos asserindo que 3 Ainda que produzida sob o crivo do contraditório não é possível emprestar credibilidade e força probatória à confirmação em juízo de reconhecimento formal eivado de irregularidades Se extirpado tal elemento informativo não seria possível nem sequer denunciar o paciente pois não foi colhido nenhum outro indício de sua participação no latrocínio HC n 335956SP Rel Ministro Rogerio Schietti 6ª T DJe 222016 Essa também tem sido a compreensão adotada pelo Supremo Tribunal Federal acerca da matéria Exemplificativamente menciono o HC n 172606SP DJe 582019 de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes em que monocraticamente se absolveu o réu em razão de a condenação haver sido lastreada apenas no reconhecimento fotográfico realizado na fase policial O problema maior se verifica quando o reconhecimento viciado Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 22 de 8 Superior Tribunal de Justiça pessoal ou fotográfico feito neste último caso em desacordo com o procedimento positivado no art 226 do CPP e quase sempre a partir de fotos extraídas de albuns policiais fotos de rosto ou busto ou encontradas em redes sociais acaba sendo ratificado em juízo pelo reconhecedor e é utilizado na sentença condenatória como argumento suficiente para a prova da autoria delitiva mesmo sem o amparo de outras provas independentes e idôneas a tal fim IV O reconhecimento de pessoas e a memória humana A análise da matéria posta em discussão neste habeas corpus trazida a esta Corte em petição inicial redigida com muito esmero e técnica pelo nobre Defensor Público do Estado de Santa Catarina Thiago Yukio Guenka Campos acaba perpassando pela relação do processo penal com o fenômeno das falsas memórias especificamente quanto aos seus reflexos na prova do reconhecimento pessoal Parece claro que o debate sobre o reconhecimento de pessoas deve inevitavelmente lidar com um fato certo e incontornável a falibilidade da memória humana No ramo da Psicologia a memória é conceituada como o meio pelo qual uma pessoa recorre às suas experiências passadas a fim de usar essas informações no presente referindose a um processo de mecanismos dinâmicos associados à retenção e recuperação da informação STERNBERG R J Psicologia cognitiva Porto Alegre Artes Médicas Sul 2000 p 204 O reconhecimento é portanto um juízo psicológico de identidade estabelecido por alguém mediante método comparativo entre uma percepção presente e outra ocorrida ou vivida no passado Todavia esse mecanismo não é isento de erros visto que mesmo um fato lembrado pode ser distorcido É o que a ciência denomina de falsas memórias definidas como lembranças de eventos não ocorridos de situações não presenciadas de lugares jamais vistos ou de lembranças distorcidas ROEDIGER H L III MCDERMOTT K B Distortions of memory In E Tulving F I M Craik The Oxford Handbook of Memory Oxford Oxford University Press 2000 p 149162 e STEIN L M PERGHER G K Criando falsas memórias em adultos por meio de palavras associadas Psicologia Reflexão e Crítica 14 2001 p 353366 Ou ainda conceituadas como lembranças para além da experiência direta na qual se inserem interpretações ou inferências que podem inclusive refutar a Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 23 de 8 Superior Tribunal de Justiça própria experiência REYNA V F LLOYD F F Theories of false memory in children and adults Learning and Individual Differences 9 1997 p 95123 Essas memórias podem até mesmo consoante já provado em estudos empíricos decorrer da convergência de lembranças verdadeiras e de sugestões vindas de outras pessoas tornando o indivíduo suscetível a esquecer a fonte da informação bem como a não perceber a origem da informação sugestionada quando se é interrogado de maneira evocativa LOFTUS E F Memory malleability Constructivist and fuzzytrace explanations Learning and Individual Differences 7 2005 133137 Aliás não é porque o registro das memórias é expresso com confiança detalhe e emoção que necessariamente o evento tenha ocorrido tal como narrado LOFTUS E F Make believe memories American Psychologist 277 2003 p 867873 Isso porque as informações evocadas pela memória são influenciadas por emoções e pelas variações decorrentes do nível de consciência da pessoa que faz o reconhecimento e do seu estado de ânimo Loftus e Palmer ao estudar a recordação de testemunhas oculares observaram o Efeito da Falsa Informação Misinformation Effects no qual imediatamente depois do evento é apresentada uma informação coerente mas falsa para em seguida testar a memória Verificaram que os participantes do estudo apresentaram aumento nos índices de reconhecimento falso e diminuição nos de verdadeiro LOFTUS E F Creating false memories Scientific American 1997 7075 Portanto as falsas memórias tanto podem se originar espontaneamente como podem ser implantadas As espontâneas são criadas internamente no indivíduo como resultado do processo normal de compreensão do evento enquanto as sugestionadas dizem respeito às lembranças resultantes de um estímulo externo intencional ou não cujo conteúdo não pertence ao episódio vivido embora seja coerente com o fato Partindo dos estudos realizados por Real Martinez Fariña Rivera e Arce Fernandez Aury Lopes Júnior observa que há diversos fatores que modulam a qualidade da identificação os quais não podem ser desconsiderados O resultado do reconhecimento depende pois tanto da capacidade de memorização do reconhecedor quanto de diversos aspectos externos que podem influenciálo Exemplificativamente o tempo em que a vítima esteve exposta ao delito e ao agressor tempo de duração do evento criminoso a gravidade do fato o tempo decorrido entre o contato com o autor do delito e a realização do reconhecimento as condições ambientais tais como visibilidade do local no momento dos Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 24 de 8 Superior Tribunal de Justiça fatos aspectos geográficos etc a natureza do crime com ou sem violência física grau de violência psicológica etc Direito processual penal 14 ed São Paulo Saraiva 2017 p 493 Em relação à influência do estado psicológico na memória Izquierdo também afirma que a memória humana é armazenada de acordo com o desenvolvimento das células nervosas quanto mais calma ou quanto melhor estiver o ânimo da pessoa maior será a capacidade de armazenamento da sua memória Ao contrário quanto maior for a alteração psicológica menor será a capacidade de reter informações IZQUIERDO Iván Memória Porto Alegre Artmed 2006 p 12 Fato é que há diversos estudos notadamente no campo da Psicologia moderna que demonstram as falhas e os equívocos que podem advir da memória humana e da capacidade de armazenamento de informações Os estudos indicam que a memória pode ao longo do tempo se fragmentar e por fim se tornar inacessível quando comparada à essência do evento Ao mesmo tempo as falsas memórias podem ser mais resistentes do que as verdadeiras com relatos mais vívidos em testes de recordação REYNA V F LLOYD F F Theories of false memory in children and adults Learning and Individual Differences 9 1997 95123 O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada IPEA aponta que as falsas memórias podem ser mais detalhadas do que as verdadeiras são criadas por processos internos da própria pessoa ou por intermédio de informações implantadas pelo ambiente externo Avanços científicos em psicologia do testemunho aplicados ao reconhecimento pessoal e aos depoimentos forenses Série Pensando o Direito n 59 Brasília Ministério da Justiça 2015 p 23 Nesse contexto vale mencionar a interessante conclusão de pesquisa realizada nos Estados Unidos conduzida pelo professor Brandon Garrett a qual apontou que a repetição de procedimentos de identificação não confere maior grau de confiabilidade a um reconhecimento Há no entanto correlação entre a quantidade de vezes que uma testemunhavítima é solicitada a reconhecer uma mesma pessoa e a produção de uma resposta positiva Em amostra com 161 condenações de inocentes revertidas após a realização de exame de DNA 57 dos casos contaram com mais de um procedimento de identificação a testemunha admitiu em juízo que inicialmente não tinha certeza quanto à autoria do delito e que passou a Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 25 de 8 Superior Tribunal de Justiça reconhecer o acusado somente depois do primeiro reconhecimento Innocence Project Brasil Prova de reconhecimento e erro judiciário São Paulo 1 ed jun 2020 p 13 Daí a razão pela qual as psicólogas Nancy K Steblay e Jennifer E Dysart recomendam não só que sejam evitados procedimentos de identificação que usam um mesmo suspeito como também que identificações produzidas por procedimentos repetidos não sejam consideradas tão confiáveis justamente porque quanto mais vezes uma testemunha for solicitada a reconhecer uma mesma pessoa mais provável ela desenvolver falsa memória a seu respeito STEBLAY Nancy K DYSART Jennier E Repeated eyewitness identification procedures with the same suspect Journal of Applied Research in Memory and Cognition apud Innocence Project Brasil Prova de reconhecimento e erro judiciário São Paulo 1 ed jun 2020 p 13 Não por outro motivo Gustavo A Arocena ao se referir à doutrina jurídica argentina afirma ser unânime naquele país o entendimento de que o reconhecimento pessoal é um ato definitivo e irreprodutível porque não se pode repetilo em idênticas condições El reconocimiento por fotografia las atribuciones de la Policía Judicial y los actos definitivos e irreproductibles In Temas de derecho procesal penal contemporâneos Córdoba Editorial Mediterránea 2004 p 97 Na mesma linha argumentativa Stein e Nygaard também consideram ser essencial que os aplicadores do Direito tenham conhecimento da memória humana pois os interrogatórios ao buscar informações sobre experiências passadas de suspeitos vítimas ou testemunhas realizam verdadeiros testes de memória com essas pessoas envolvidas STEIN Lilian Milnitsky NYGAARD Naria Lúcia Campani A memória em julgamento uma análise cognitiva dos depoimentos testemunhais In Revista Brasileira de Ciências Criminais n 43 abriljunho de 2003 Editora Revista dos Tribunais p 153 O valor probatório do reconhecimento portanto deve ser visto com muito cuidado justamente em razão da sua alta suscetibilidade de falhas e distorções Justamente por possuir quase sempre um alto grau de subjetividade e de falibilidade é que esse meio de prova deve ser visto com reserva V Consequências do erro de reconhecimento Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 26 de 8 Superior Tribunal de Justiça Estudos apontam que o reconhecimento equivocado mistaken eyewitness identification tem sido uma das principais causas de erro judiciário com a consequência deletéria e muitas vezes irreversível digase de levar pessoas inocentes à prisão Dada a evidência de muitos casos de erros judiciários foi criada nos Estados Unidos em 1992 a Innocence Project uma ONG fundada por advogados civilistas especialistas em pedir indenização ao Estado em decorrência de condenações de pessoas inocentes Segundo pesquisa feita por essa ONG aproximadamente 75 das condenações de inocentes se deve a erros cometidos pelas vítimas e por testemunhas ao identificar os suspeitos no ato do reconhecimento Em 38 dos casos em que houve esse erro várias testemunhas oculares identificaram incorretamente o mesmo suspeito inocente Disponível em wwwinnocenceprojectorgWhatistheinnocenceProjectHowdiditge tstartedphp Acesso em set 2020 Em 2019 o National Registry of Exonerations banco de dados que reúne a maior quantidade de informações sobre os casos de erros judiciais já revertidos nos Estados Unidos apontou que as causas mais frequentes de condenação de inocentes naquele país são falsa acusação 59 má atuação das autoridades 54 erro de reconhecimento terceiro lugar representando 29 dos casos INNOCENCE PROJECT BRASIL Prova de reconhecimento e erro judiciário São Paulo 1 ed jun 2020 p 1 Os exemplos erros de reconhecimento no Brasil também não são poucos Cito alguns apenas para ilustrar algo que se repete com relativa frequência na crônica judiciária Em 2014 o ator Vinícius Romão de Souza foi preso após haver sido reconhecido por uma mulher que o acusou de têlo assaltado Depois de permanecer 16 dias na prisão a 33ª Vara Criminal do Rio de Janeiro concedeu habeas corpus em favor do acusado depois que a vítima afirmou em novo depoimento que se enganou ao fazer o reconhecimento do ator como o suposto autor do delito Reporto também o caso de André Luiz Medeiros Biazucci Cardoso que ficou preso por 6 meses e 26 dias entre outubro de 2013 e maio de 2014 por sete estupros que não cometeu Aos 27 anos de idade foi recolhido no Presídio de Bangu após uma das vítimas do abuso haver anotado a placa do carro dele e entregue à polícia afirmando ser o veículo do Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 27 de 8 Superior Tribunal de Justiça criminoso Na delegacia algumas das vítimas reconheceram André como o estuprador que chegou a ficar 37 dias na solitária sem nenhum tipo de contato exterior A absolvição com a consequente liberdade veio depois de o seu advogado conseguir autorização para feitura de DNA nos resíduos biológicos presentes nas vítimas e nas cenas dos crimes enquanto ele estava preso O resultado do teste provou não ser ele o responsável pelos delitos Informações obtidas a partir da reportagem publicada no Portal G1 BRITO Guilherme Aprendi a ter fé diz inocentado após 7 meses preso por estupros no Rio Disponível em httpg1globocomriodejaneironoticia201410aprenditerfedizinocentado apos7mesespresoporestuprosnoriohtml Acesso em set 2020 Registro ainda o recente drama vivido pelo violoncelista Luiz Carlos Justino jovem de 23 anos preso por engano no centro de Niterói RJ em 292020 por um delito ocorrido em 2017 Segundo a acusação Justino teria praticado um roubo nesse ano na companhia de mais três pessoas e com emprego de arma de fogo A participação do referido indivíduo foi determinada por reconhecimento fotográfico realizado pela vítima ainda em 2017 Em 592020 o Juiz de primeiro grau converteu a prisão do acusado em domiciliar Em termos doutrinários o reconhecimento fotográfico é colocado em causa em função de sua grande possibilidade de erro A psicologia aplicada tem se empenhado em investigar fatores psicológicos que comprometem a produção da memória Neste ramo encontramos contribuições que dissecam as variáveis que podem interferir na precisão da memória escreveu o Magistrado Informações obtidas a partir da reportagem publicada no site do Correio Braziliense Músico negro que teria sido acusado por engano é libertado no Rio Disponível em httpswwwcorreiobraziliensecombrbrasil2020094873670musiconegroq ueteriasidoacusadoporenganoelibertadonoriohtml Acesso em set 2020 Faço menção também ao caso de Douglas Moreira que foi preso em janeiro de 2014 ao voltar para casa depois de plantão realizado no hospital PanAmericano na Tijuca zona norte do Rio de Janeiro sob a acusação de roubar um carro em Nova Iguaçu a 39 quilômetros dali Policiais retiraram uma foto do auxiliar de serviços gerais do seu perfil no Facebook e apresentaram à vítima que equivocadamente o reconheceu como sendo o autor do delito Disponível em httpsnoticiasuolcombrcotidianoultimasnoticias20200920vidatravadap resocombaseemfotoinocenteficaate3anosnacadeiahtm Acesso em set 2020 Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 28 de 8 Superior Tribunal de Justiça O caso de Antonio Claudio Barbosa de Castro cuja absolvição foi proclamada em 2019 foi assim descrito pelos integrantes do Innocence Project Brasil Em 2014 uma menina de apenas 11 anos ouviu a voz de Antonio em um cabeleireiro e a identificou como pertencente ao homem que dias antes a abordara e estuprara em uma passarela na periferia de Fortaleza Acompanhada da mãe a menina foi até a Delegacia de Polícia e já com a foto de Antonio que conseguiu por uma rede social o apontou como o autor do crime A Polícia Civil que já investigava outros crimes com o mesmo modus operandi considerou que Antonio seria o responsável por sete outros estupros que aconteceram na mesma região A mídia local então passou a se referir a Antonio como o maníaco da moto fazendo alusão à descrição dada pelas vítimas no sentido de que em todos os casos o agressor se apresentara dirigindo uma moto vermelha e as estuprara à luz do dia sem retirar o capacete Ao longo da fase de investigação as vítimas reconheceram Antonio pela mesma foto apresentada pela menina e que já circulava pelos grupos de Whatsapp da cidade Porém na fase processual as sete outras vítimas disseram que já não podiam reconhecer Antonio e retiraram a acusação Ele foi condenado a 9 anos de prisão pelo estupro da primeira menina que fez o reconhecimento inicialmente por voz e que manteve a afirmação durante todo o processo Uma exnamorada de Antonio enviou o caso para o Innocence Project Brasil e depois de uma intensa investigação por parte da equipe do Projeto foi possível identificar que os relatos das vítimas apontavam para um homem alto de cerca de 184 m o que contrastava diretamente com a baixa estatura de Antonio que mede apenas 158 m As próprias investigadoras do caso que não sabiam que Antonio ainda estava preso se juntaram à equipe do Projeto Além disso as pesquisas realizadas revelaram que crimes idênticos continuaram a ocorrer mesmo depois da prisão de Antonio Cláudio descortinando ainda que à época dos fatos diversas evidências apontavam para um outro suspeito já condenado por crimes sexuais mas não receberam a devida atenção do então delegado responsável pelo caso Por meio de uma perícia fotogramétrica que comparou imagens de câmera de segurança que registrara um dos episódios Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 29 de 8 Superior Tribunal de Justiça criminosos com a real estatura de Antonio detectando uma diferença de cerca de vinte e seis centímetros o Innocence Project Brasil apresentou uma revisão criminal com pedido de absolvição em parceria com a Defensoria Pública do Estado do Ceará A revisão foi julgada procedente e em julho de 2019 Antonio foi inocentado e solto pelo Tribunal de Justiça do Estado do Ceará depois de cinco anos preso injustamente INNOCENCE PROJECT BRASIL Prova de reconhecimento e erro judiciário São Paulo 1 ed jun2020 p 28 destaquei Por derradeiro e sem nenhuma pretensão de esgotar os diversos exemplos de afirmados erros de reconhecimento registro o recente caso de Lucas Moreira de Souza que chegou a ser condenado a quase 80 anos de prisão por suposto envolvimento em uma série de assaltos A Justiça do Distrito Federal há poucos dias reverteu a condenação em razão das inconsistências na investigação a única prova apresentada contra o então suspeito era um reconhecimento impreciso feito por testemunhas Disponível em httpsg1globocomdfdistritofederalnoticia20201021jovemde27anose absolvidoaposficarquase3anospresoporcrimesquenaocometeunodfgh tml Acesso em out 2020 VI O reconhecimento de pessoas e a seletividade do sistema penal Relatório apresentado recentemente em setembro de 2020 pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro apontou que 53 pessoas foram acusadas com base em reconhecimento fotográfico falho ao longo dos últimos seis anos Os casos têm em comum o fato de oa acusadoa haver sido reconhecidoa por meio fotográfico na fase inquisitiva Disponível em httpwwwdefensoriarjdefbruploadsimagensd12a8206c9044a3e92716341a 99b2f6fpdf Acesso em set 2020 A análise que levou em conta as 19 varas criminais do Estado do Rio de Janeiro e envolveu os casos recebidos entre 1º62019 e 1032020 evidenciou falhas de procedimento da polícia na hora de se utilizar do reconhecimento fotográfico Todos os indivíduos foram processados por roubo na forma simples ou com causa de aumento em sua maioria pelo concurso de pessoas ou pelo emprego de arma à exceção de um deles Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 30 de 8 Superior Tribunal de Justiça acusado de homicídio Com relação à prisão preventiva o relatório apontou que em 862 dos casos houve a decretação da cautela extrema Quanto à cor da pele apenas 20 dos indivíduos eram brancos consta do referido relatório que a informação sobre a cor da pele foi retirada dos registros policiais o que sugere algo até intuitivo o racismo estrutural Para o coordenador de Defesa Criminal da DPRJ Emanuel Queiroz O perfil dos injustiçados em sua maioria é o mesmo pessoas negras periféricas pobres e com baixa escolaridade Também há no mencionado relatório a seguinte informação Da leitura dos relatos é possível notar que em pelo menos metade osas acusadosas tinham anotações anteriores o que explica constarem nos registros fotográficos das delegacias de polícia verificandose ser comum que sejam apresentadas fotos de pessoas acusadas de outros crimes o que reforça a estigmatização criminal p 3 Não por outro motivo Aury Lopes Júnior aponta que os estereótipos culturais como cor classe social sexo etc possuem grande influência na percepção dos delitos fazendo com que vítimas e testemunhas tenham uma tendência de reconhecer em função desses estereótipos Ainda que o criminoso nato de Lombroso seja apenas um marco histórico da criminologia é inegável que ele habita o imaginário de muitos principalmente em países com profundos contrastes sociais baixo nível cultural e por consequência alto índice de violência urbana como o nosso Direito processual penal 14 ed São Paulo Saraiva 2017 p 493 Não há pois como ignorar que nossa realidade infelizmente demonstra que pensamentos que tais ainda habitam o imaginário de muitas pessoas A situação tornase mais preocupante quando verificamos que a imensa parcela dos reconhecimentos no Brasil é feita sem a presença de advogado sem oportunidade de recusa por parte do imputado pois preso temporariamente ou até ilegalmente conduzido coercitivamente no interior de delegacias de polícia sem qualquer controle conforme alerta Aury Lopes Júnior op cit 2017 p 495 VII O caso dos autos paciente Vânio e as falhas do Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 31 de 8 Superior Tribunal de Justiça reconhecimento fotográfico O caso versado nestes autos ajustase plenamente aos relatos das falhas e das inconsistências do reconhecimento fotográfico anteriormente mencionados E mais ainda evidencia como a autoridade judiciária ao sentenciar se contentou com essa prova tão frágil e eivada de vícios simplesmente se apegando a dados portanto absolutamente insuficientes para se afirmar a participação delitiva do acusado além de uma dúvida razoável Com efeito o Juiz sentenciante ao concluir pela autoria do delito em relação a ambos os pacientes considerou que os depoimentos colhidos em ambas as fases são claros e não deixam margem para dúvidas quanto à união de esforços dos réus Igor e Vânio na prática da infração penal fls 531532 Foram os seguintes os depoimentos na sua dicção claros e que não lhe deixam margem para dúvidas fls 531533 a Josinei Moreira uma das vítimas do roubo b Tailor Vieira o primeiro dos clientes do restaurante que foi abordado pelos assaltantes c Guilherme Costa Flores Rodrigues funcionário do restaurante que também teve objetos roubados d Viviany Rech Bento Back que estava no caixa no momento da ação criminosa Afirmou o Magistrado que as vítimas em ambas as fases mencionaram categoricamente que dois indivíduos chegaram e adentraram no estabelecimento anunciando o assalto e dividiram tarefas sendo que um ficou próximo ao caixa do restaurante e após recolher o dinheiro que havia ficou observando a ação do comparsa que aparentemente armado fazia ameaças e recolhia os pertences das vítimas Ato contínuo os réus assumiram a direção do veículo de Igor e empreenderam fuga fl 534 Sem necessidade de nenhum exame mais detido basta ler o conteúdo dos referidos depoimentos para se constatar que embora de fato tenham as vítimas mencionado de modo categórico que eram dois os assaltantes o reconhecimento dos autores do roubo ficou longe de ser Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 32 de 8 Superior Tribunal de Justiça aproveitável Efetivamente a leitura da sentença condenatória do acórdão impugnado e a análise do contexto fático já delineado nos autos pelas instâncias ordinárias permitem inferir que o paciente Vânio foi condenado exclusivamente com base em reconhecimento fotográfico realizado e confirmado em juízo por somente uma das quatro vítimas acima referidas e sem que nenhuma outra prova apreensão de bens em seu poder confissão relatos indiretos etc desse o mínimo amparo ao reconhecimento Nem se diga que houve ratificação do reconhecimento em juízo pois o que uma das vítimas apenas confirmou perante a autoridade judiciária foi haver realizado o reconhecimento realizado na delegacia Não se trata de situação em que as filmagens poderiam dar alguma credibilidade ao reconhecimento mormente quando se utilizam em subsídio inovações tecnológicas como a reconhecimento facial e biométrico Na espécie ainda que conste dos autos a informação de que foram examinadas as câmeras do estacionamento e perceberam que duas pessoas com vestimentas similares às dos assaltantes passaram no local horas antes não há indicativo de que foi a partir dessas filmagens que se extraíram as fotografias que importaram no reconhecimento de um dos suspeitos até porque estavam eles encapuzados o que tornaria inócua ou pelo menos frágil a identificação de ambos apenas porque estavam com roupas parecidas sequer descritas pela autoridade policial com as dos autores do roubo Confiramse a Josinei Moreira afirmou que viu dois assaltantes que estavam de bermuda chinelo moletomagasalho que um dos indivíduos estava com um capuz que tapava a boca e o nariz e o outro com um capuz e um lenço tapando a boca e o nariz fl 532 Esse ofendido afirmou no entanto que não foi fazer reconhecimento na delegacia fl 532 b Tailor Vieira o primeiro dos clientes do restaurante a ser abordado pelos assaltantes igualmente afirmou que os dois assaltantes estavam encapuzados somente com os olhos descobertos fl 532 aliás na fase do inquérito policial já havia declarado que ambos estavam com o rosto aparecendo apenas os olhos fl 87 c Jakson Roberto da Silva que também estava no estabelecimento jantando com o seu companheiro declarou em interrogatório Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 33 de 8 Superior Tribunal de Justiça realizado na fase policial que em um determinado momento dois rapazes com a cara coberta entraram no restaurante e anunciaram assalto fl 153 d Guilherme Costa Flores Rodrigues funcionário do restaurante ressaltou que realizou o reconhecimento na delegacia mas não tem certeza porque estavam encapuzados fl 532 e por fim Viviany Rech Bento Back que estava no caixa no momento da ação criminosa asseriu que os dois indivíduos que anunciaram o assalto estavam com capuz de moletom cobrindo o rosto fl 532 ainda que o reconhecimento foi feito através das filmagens das câmeras porque os indivíduos estiveram no estabelecimento mais cedo no período da tarde e trajavam a mesma roupa no assalto que o proprietário do restaurante conseguiu reconhecer fl 532 notese que não se afirmou terem sido os réus reconhecidos pelo rosto mas pela roupa o que apenas indica que as duas pessoas que estiveram antes seriam as mesmas a cometer o roubo mas como se chegou à pessoa do primeiro paciente o outro nem mesmo foi reconhecido não houve a menor explicação Não há dúvidas de que tal circunstância rosto encapuzado relatada no depoimento de todas as vítimas mencionadas na sentença condenatória modula a qualidade da identificação e portanto não pode ser desconsiderada pois obviamente dificulta o reconhecimento de determinado suspeito acerca da prática de um crime Ademais embora Viviany Rech haja afirmado em juízo que estava segura quanto ao reconhecimento de Vânio como sendo um dos autores do delito testemunhou que não viu o indivíduo com nitidez viu mais a parte da boca e o nariz que era grande barba por fazer e que ele tinha cerca de 170 um metro e setenta com base na altura da depoente que é cerca de 160 um metro e sessenta fl 533 Vale ressaltar ainda que também em juízo essa vítima confirmou o seu depoimento prestado na fase inquisitiva de que o indivíduo que estava próximo de si durante o assalto Vânio Gazola tinha cerca de 170 um metro e setenta e que não tem dúvida de que o reconhecimento que fez na delegacia era relacionado à pessoa que estava próxima à depoente fl 533 Aliás todas as testemunhas ouvidas em juízo e na fase inquisitiva afirmaram que o assaltante possuía cerca de 170 m No entanto conforme documento constante dos autos fl 52 o paciente Vânio possui cerca de 195 m discrepância que reforça a Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 34 de 8 Superior Tribunal de Justiça fragilidade do reconhecimento para embasar a sua condenação máxime se considerado que à luz dos padrões brasileiros uma pessoa com altura de quase 2 metros dificilmente passaria desapercebida pela vítima de um assalto A despeito disso tal característica não foi descrita por nenhum dos ofendidos Chama atenção igualmente a afirmação do próprio Juiz sentenciante de que as vítimas foram abordadas e surpreendidas dentro do restaurante enquanto jantavam sendo ameaçadas para que não olhassem para os acusados fl 534 Certamente essa foi também uma das razões pelas quais os próprios ofendidos afirmaram em juízo que não podiam reconhecer com a certeza necessária os autores dos fatos Não há dúvidas além disso de que o reconhecimento fotográfico foi induzido Conforme relatório policial juntado aos autos fls 204213 no local do roubo os policiais militares diante das descrições realizadas pelas vítimas mostraram imagens de Vânio da Silva Gazola tendo duas delas o reconhecido como um dos autores do roubo fl 205 quais sejam Viviany e Guilherme É dizer a polícia não realizou nenhuma medida para tentar fazer um reconhecimento fotográfico nos moldes do art 226 do CPP ao contrário os policiais militares diante das descrições delatadas pelas vítimas mostraram imagens de Vânio da Silva Gazola vulgo Vaninho tendo duas delas o reconhecimento como um dos autores do roubo fl 205 ressaltando a autoridade policial na sequência que Vânio é bastante conhecido no meio policial inclusive encontrandose foragido há tempos ostentando contra si mandado de prisão ativo por homicídio Sabese também do envolvimento de Vânio em crimes patrimoniais fl 205 Confirase a propósito o termo de reconhecimento de pessoa por foto relacionado à vítima Guilherme Costa Flores Rodrigues fl 75 grifei Aos vinte um dias do mês de setembro de dois mil e dezoito nesta cidade de Tubarão na Divisão de Investigação Criminal onde presente se achava o senhor ANDRÉ MONTEIRO CRISOSTOMO Delegado de Polícia comigo Jenifer Rodrigues Escrivão de Polícia ad hoc presentes ainda as testemunhas Tadeu Leopoldo Siqueira Junior e Jose Roberto Larrovd policiais civis lotados nesta Delegacia todos abaixo assinados compareceu GUILHERME COSTA FLORES Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 35 de 8 Superior Tribunal de Justiça RODRIGUES a quem a autoridade deferiu o compromisso legal de dizer a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado compromisso que foi prontamente aceito por elea A autoridade convidoua para na presença das testemunhas supramencionadas reconhecer um dos autores do roubo ocorrido no dia 20092018 sob o boletim de ocorrência 2011201803528 quando então RECONHECEU SEM A MENOR DÚVIDA VANIO DA SILVA GAZOLA como sendo um dos autores que praticaram o roubo no restaurante situado na Rodovia BR 101 Churrascaria O Costelão ao lado do posto Presidente Nada mais havendo a constar mandou a autoridade que se encerrasse o presente termo No que tange à vítima Viviany Reck Bento Back o termo de reconhecimento de pessoa por fato foi lavrado nos seguintes termos fl 78 Aos vinte um dias do mês de setembro de dois mil e dezoito nesta cidade de Tubarão na Divisão de Investigação Criminal onde presente se achava o senhor ANDRÉ MONTEIRO CRISOSTOMO Delegado de Polícia comigo Jenifer Rodrigues Escrivão de Polícia ad hoc presentes ainda as testemunhas Tadeu Leopoldo Siqueira Junior e Jose Roberto Larroyd policiais civis lotados nesta Delegacia todos abaixo assinados compareceu VIVIANY RECK BENTO BACK a quem a autoridade deferiu o compromisso legal de dizer a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado compromisso que foi prontamente aceito por elea A autoridade convidoua para na presença das testemunhas supramencionadas reconhecer um dos autores do roubo ocorrido no dia 20092018 sob o boletim de ocorrência 2011201803528 quando então RECONHECEU SEM A MENOR DÚVIDA VANIO DA SILVA GAZOLA como sendo um dos autores que praticaram o roubo no seu restaurante situado na Rodovia BR 101 Churrascaria O Costelão ao lado do posto Presidente Nada mais havendo a constar mandou a autoridade que se encerrasse o presente termo Vejase como são idênticos os atos de reconhecimento e como não se faz nenhuma menção ao procedimento previsto no art 226 do Código de Processo Penal nem ao menos para justificar eventual impossibilidade de seguir as diretrizes com as necessárias adaptações ali indicadas Constato de igual forma que o boletim de ocorrência depois de descrever brevemente a prática do roubo no restaurante narra a perseguição Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 36 de 8 Superior Tribunal de Justiça policial ao veículo dos suspeitos que abandonaram o automóvel e se embrenharam em uma mata sem ser detidos Há menção ao fato de que o documento do carro que fora abandonado estava no nome de Igor Tartari Felácio porém não há uma descrição de como os policiais concluíram que um dos suspeitos seria Vânio apenas identificaram pelas roupas os mesmos indivíduos que estiveram horas antes no restaurante como os que praticaram o roubo Dentro do veículo abandonado foram localizadas algumas vestes usadas no roubo e reconhecidas pelas vítimas conforme imagens e um documento em nome de IGOR TARTARI FELACIO dono do automóvel conforme declarado por sua mãe Copcast 00066 Que o veículo e demais pertences foram conduzidos a Delegacia de Laguna pela PM4500 para os procedimentos cabíveis Que durante o atendimento da ocorrência foram verificadas as imagens do circuito interno do estabelecimento bem como mostrado para as vítimas do roubo imagens de suspeitos Que de pronto foram reconhecidos pelas vítimas os masculinos VANIO DA SILVA GAZOLA e IGOR TARTARI FELACIO como sendo os autores do roubo De acordo com o proprietário do estabelecimento os suspeitos estiveram na tarde de hoje no local por volta das 16 hs fato este que foi confirmado pelas imagens do circuito de monitoramento do restaurante fl 100 Ou seja os policiais não esclareceram como houve o reconhecimento de Vânio Reitero que conforme o relato das vítimas os autores do roubo estavam com capuz de moletom cobrindo o rosto em um dos depoimentos a vítima Viviany afirmou que os agentes usavam capuz o qual caía várias vezes fl 534 mas nenhuma outra vítima disse isso e ela mesma o tempo todo afirmou ter visto apenas o nariz e parte da boca do indivíduo fl 533 Ressalto por oportuno que não se está no caso a negar a validade integral do depoimento das vítimas mas sim de negar validade à condenação baseada em elemento informativo colhido em total desacordo com as regras probatórias e nem sequer confirmado em Juízo mediante exibição de novas fotos aos sujeitos passivos do crime distante portanto da possibilidade de refutação pelo exercício do contraditório das partes É de se obtemperar ainda que não há razão que justifique correrse o risco de consolidar na espécie possível erro judiciário mercê da notória fragilidade do conjunto probatório Não é despiciendo lembrar Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 37 de 8 Superior Tribunal de Justiça que em um modelo processual onde sobrelevam princípios e garantias voltados à proteção do indivíduo contra eventuais abusos estatais que interfiram em sua liberdade dúvidas relevantes hão de merecer solução favorável ao réu favor rei Afinal A certeza perseguida pelo direito penal mínimo está ao contrário em que nenhum inocente seja punido à custa da incerteza de que também algum culpado possa ficar impune FERRAJOLI Luigi Direito e razão São Paulo Revista dos Tribunais 2002 p 85 Um dos grandes perigos dos modelos substancialistas de direito penal alerta o jusfilósofo peninsular é o de que em nome de uma fundamentação metajurídica predominantemente de cunho moral ou social se permita incontrolado subjetivismo judicial na determinação em concreto do desvio punível Daí por que a verdade a que aspira esse modelo é a chamada verdade substancial ou material ou seja uma verdade absoluta carente de limites não sujeita a regras procedimentais e infensa a ponderações axiológicas o que portanto degenera em julgamentos privados de legitimidade ante a ausência de apoio ético no modo de ser do processo De lado oposto sob a égide de um processo penal de cariz garantista o que nada mais significa do que concebêlo como atividade estatal sujeita a permanente avaliação de conformidade com a Constituição da República O direito processual penal não é outra coisa senão Direito constitucional aplicado diziao W Hassemer buscase uma verdade processual em que reconstrução histórica dos fatos objeto do juízo se vincula a regras precisas que assegurem às partes maior controle sobre a atividade jurisdicional Assim não é possível ratificar a condenação do paciente Vânio da Silva Gazola visto que apoiada em prova absolutamente desconforme ao modelo legal sem a observância das regras probatórias próprias VIII Os requisitos mínimos para a validade do reconhecimento de pessoa O reconhecimento de pessoas é como já destacado meio de prova disciplinado no art 226 do Código de Processo Penal Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 38 de 8 Superior Tribunal de Justiça O dispositivo em apreço estabelece um procedimento e requisitos mínimos para que essa importante fonte de informações possa ter valor probatório mesmo que produzida na fase inquisitorial sem portanto o contraditório judicial e quase sempre sem o acompanhamento de um advogado ou mesmo do representante do Ministério Público Eis por que não se poderia transigir com a inobservância do procedimento probatório indispensável para que esse meio de prova produza seus efeitos no futuro convencimento judicial acerca da autoria delitiva Mais ainda se revela frágil e perigosa a prova decorrente do reconhecimento pessoal quando se realiza por exibição ao reconhecedor de fotografia do suspeito quase sempre escolhida previamente pela autoridade policial quer por registros já existentes na unidade policial quer por imagens obtidas pela internet ou em redes sociais E mesmo quando se procura seguir com adaptações o procedimento indicado no CPP para o reconhecimento presencial não há como ignorar que o caráter estático a qualidade da foto a ausência de expressões e trejeitos corporais e a quase sempre visualização apenas do busto do suspeito comprometem a idoneidade e a confiabilidade do ato Diferente seria a situação de uma prova de reconhecimento derivada de filmagens de um crime por câmeras de segurança ou de um aparelho celular das quais se permitiria sem margem a dúvidas identificar a pessoa filmada durante a ação delitiva sempre evidentemente com o apoio de outras provas ainda que circunstanciais Em tais casos não se trataria de ato de reconhecimento formal mas de prova documental inserida nos autos a merecer avaliação criteriosa do julgador Registro a propósito a opinião qualificada pela própria vivência profissional e acadêmica de dois Delegados de Polícia e Mestres em Direito acerca da fragilidade epistemológica desse ato inquisitorial É preciso colocar em discussão a metodologia informadora e a prática constitutiva desses reconhecimentos pessoais Em outras palavras quais são os critérios técnicos observados pelas agências criminais a garantir o nível de confiabilidade racional exigido para esse tipo de instrumento recognitivo do caso penal Quais os parâmetros científicos levados em consideração para um reconhecimento de pessoas que asseguram a validade de seu resultado final positivo ou negativo Na maioria das Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 39 de 8 Superior Tribunal de Justiça situações não há técnica alguma apenas um empirismo vulgar e orientador de injustiças criminais É preciso levar mais a sério a complexa função recognitiva da persecução penal bem como os necessários mecanismos de controle epistêmico e standards de prova mais exigentes próprios de um regime processual democrático Não custa repetir que em qualquer Estado minimamente preocupado com a tutela de direitos fundamentais impõese à decisão criminal condenatória uma sustentação por elementos empíricos válidos e demonstráveis de forma objetiva e racional que indiquem a superação do nível de dúvida razoável que milita em favor do imputado O reconhecimento de pessoas como fonte de injustiças criminais Disponível em httpswwwconjurcombr2019jul16academiapoliciareconhecimen topessoasfonteinjusticascriminais Acesso em set 2020 Por sua vez a jurisprudência dos Tribunais inclusive desta Corte Superior tem tolerado essas irregularidades sob o argumento de que o art 226 do CPP constitui mera recomendação não ensejando nulidade da prova eventual descumprimento dos requisitos formais ali previstos Confiramse exemplificativamente os seguintes julgados 3 O acórdão recorrido está alinhado à jurisprudência desta Corte Superior no sentido de que as disposições contidas no art 226 do Código de Processo Penal configuram uma recomendação legal e não uma exigência absoluta não se cuidando portanto de nulidade quando praticado o ato processual reconhecimento pessoal de forma diversa da prevista em lei AgRg no AREsp n 1054280PE de minha relatoria Sexta Turma DJe 1362017 REsp n 1853401SP Rel Ministro Sebastião Reis Júnior 6ª T DJe 492020 grifei 2 Considerando que o disposto no art 226 do CPP configura aos olhos deste Tribunal Superior mera recomendação legal a inobservância das formalidades legais para o reconhecimento pessoal do acusado não enseja nulidade quando o ato for formalizado de forma diversa da normativamente prevista 3 A questão referese ao regime inicial de cumprimento da reprimenda que já foi objeto de análise por esta Sexta Turma em habeas corpus inexistindo motivo Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 40 de 8 Superior Tribunal de Justiça hábil para nova deliberação 4 Agravo regimental desprovido AgRg no AREsp n 1340162SP Rel Ministro Antonio Saldanha Palheiro 6ª T DJe 1292019 7 A teor dos julgados desta Corte Superior não é obrigatória a repetição das formalidades do art 226 do CPP em Juízo na confirmação do reconhecimento de pessoas realizado na fase inquisitorial Prevalece o entendimento de que as formalidades configuram mera recomendação e podem ser realizadas de forma diversa desde que não comprometida a finalidade da prova AgRg no AREsp n 1175175AM Rel Ministro Rogerio Schietti Cruz 6ª T DJe 15122017 2 É pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que é legítimo o reconhecimento pessoal ainda quando realizado de modo diverso do previsto no art 226 do Código de Processo Penal servindo o paradigma legal como mera recomendação 3 É firme o entendimento jurisprudencial no sentido de que o Magistrado é livre para formar sua convicção com fundamentos próprios a partir das evidências apresentadas no curso da instrução processual não estando obrigado a ficar adstrito aos argumentos trazidos pela defesa ou pela acusação nem tendo que responder de forma pormenorizada a cada uma das alegações das partes bastando que exponha as razões do seu convencimento ainda que de maneira sucinta 4 Neste caso o Tribunal apresentou motivação suficiente para rejeitar os argumentos que davam base à tese absolutória solucionando a quaestio iuris de modo claro e coerente não se vislumbrando deficiência de fundamentação apta a ensejar a nulidade do feito 5 Habeas corpus não conhecido HC n 474655PR Rel Ministro Reynaldo Soares da Fonseca 5ª T DJe 362019 grifei Não obstante essa orientação jurisprudencial proponho sejamos capazes de rever essa interpretação mercê da qual se convalida de algum Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 41 de 8 Superior Tribunal de Justiça modo o reconhecimento tanto pessoal quanto fotográfico feito em desacordo com o modelo legal ainda que sem valor probante pleno e que pode estar dando lastro a condenações temerárias Em verdade o entendimento que se tem sufragado é o de que havendo alguma prova que dê validade ao reconhecimento irregularmente produzido na fase inquisitorial este meio de prova acaba por compor o conjunto de provas a ser avaliada pelo juiz ao sentenciar O problema de tal interpretação é que não sendo raro a vítima confirmar em juízo um reconhecimento irregular esse meio de prova assume importância ímpar no destino do acusado porque amparado por mera ratificação em juízo de algo que foge dos mínimos standards ou padrões epistemológicos para ser válido Sobre o tema é lapidar a doutrina de Badaró O reconhecimento pessoal já foi apontado como a mais falha e precária das provas A principal causa de erro no reconhecimento é a semelhança entre as pessoas A avaliação do valor probatório do reconhecimento envolve um fator essencial o confronto entre a descrição antecipadamente feita e os traços físicos da pessoa identificada Por isso é necessária a estrita observância do procedimento probatório previsto no art 226 do CPP para que o reconhecimento pessoal possa ser valorado como prova O reconhecimento fotográfico tem sido aceito como meio de prova válido desde que não seja possível a realização do reconhecimento pessoal O principal argumento para a aceitação do reconhecimento fotográfico é justamente que se trataria de um meio de prova atípico Todavia o reconhecimento fotográfico não é prova atípica mas um meio de prova irritual que vulnera o procedimento probatório previsto no art 226 substituindo a segunda fase de comparação física e ao vivo da pessoa a ser reconhecida pela comparação fotográfica Não se trata pois de um simples caso de prova atípica que seria admissível ante a regra do livre convencimento judicial As formalidades de que se cerca o reconhecimento pessoal são a própria garantia da viabilidade do reconhecimento como prova visando a obtenção de um elemento mais confiável de convencimento BADARÓ Gustavo Henrique Processo penal 5 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2017 p 490491 grifei Com igual ênfase leciona Aury Lopes Júnior Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 42 de 8 Superior Tribunal de Justiça O reconhecimento de pessoas e coisas está previsto nos arts 226 e s do CPP e pode ocorrer tanto na fase préprocessual como também processual O ponto de estrangulamento é o nível de inobservância por parte dos juízes e delegados da forma prevista no Código de Processo Penal Tratase de uma prova cuja forma de produção está estritamente definida e partindo da premissa de que em matéria processual penal forma é garantia não há espaço para informalidades judiciais Infelizmente prática bastante comum na praxe forense consiste em fazer reconhecimentos informais admitidos em nome do princípio do livre convencimento motivado Noutra linha devese advertir que o fato de admitirmos as provas inominadas tampouco significa permitir que se burle a sistemática legal Assim não pode ser admitida uma prova rotulada de inominada quando na realidade ela decorre de uma variação ilícita de outro ato estabelecido na lei processual penal cujas garantias não foram observadas Exemplo típico de prova inadmissível é o reconhecimento do imputado por fotografia utilizado em muitos casos quando o réu se recusa a participar do reconhecimento pessoal exercendo seu direito de silêncio nemo tenetur se detegere O reconhecimento fotográfico somente pode ser utilizado como ato preparatório do reconhecimento pessoal nos termos do art 226 inciso I do CPP nunca como um substitutivo àquele ou como uma prova inominada LOPES JÚNIOR Aury Direito processual penal 13 ed São Paulo Saraiva 2016 excertos das p 506510 grifei Prossegue o professor gaúcho apontando prática policial que parece ajustarse plenamente ao caso presente Muitas vezes antes da realização do reconhecimento pessoal a vítimatestemunha é convidada pela autoridade policial a examinar álbuns de fotografia buscando já uma préidentificação do autor do fato O maior inconveniente está no efeito indutor disso ou seja estabelecese uma percepção precedente ou seja um préjuízo que acaba por contaminar o futuro reconhecimento pessoal Não há dúvida de que o reconhecimento por fotografia ou mesmo quando a mídia noticia os famosos retratos falados do suspeito contamina e compromete a memória de modo que essa ocorrência passada acaba por comprometer o futuro o reconhecimento pessoal havendo uma Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 43 de 8 Superior Tribunal de Justiça indução em erro Existe a formação de uma imagem mental da fotografia que culmina por comprometer o futuro reconhecimento pessoal Tratase de uma experiência visual comprometedora Portanto é censurável e deve ser evitado o reconhecimento por fotografia ainda que seja mero ato preparatório do reconhecimento pessoal dada a contaminação que pode gerar poluindo e deturpando a memória Ademais o reconhecimento pessoal também deve ter seu valor probatório mitigado pois evidente sua falta de credibilidade e fragilidade LOPES JÚNIOR Aury op cit p 512513 Na espécie conforme já salientado anteriormente o reconhecimento fotográfico já por si de confiabilidade duvidosa não seguiu minimamente o roteiro normativo previsto no art 226 do CPP Não houve prévia descrição da pessoa a ser reconhecida não se exibiram outras fotografias de possíveis suspeitos ao contrário escolheu a polícia uma foto de um suspeito que já cometeu outros crimes mas que nada indicava até então ter qualquer ligação com o roubo investigado Chega a ser temerário o procedimento policial adotado neste caso ao se escolher sem nenhuma explicação ou indício anterior quem se desejava que fosse identificado pelas vítimas Além disso mesmo com a informação trazida em vários depoimentos de que os autores do roubo estavam encapuzados o acusado Vânio ora paciente foi reconhecido por seu nariz grande sem nem se preocupar a autoridade policial de indagar como a vítima Viviany que confirmou o reconhecimento em juízo explicava o fato de haver afirmado que o suspeito que ficara ao seu lado durante o roubo teria cerca de 170 m de altura quando o indivíduo reconhecido tinha 195 m uma característica particular e pouco comum nas pessoas em geral IX Necessidade de adoção de novas rotinas pela Polícia Civil A sucessão de falhas no procedimento em questão implica a invalidação completa do reconhecimento fotográfico do paciente Vânio da Silva Gazola e sua consequente absolvição De nada porém servirá esta decisão se continuarem os órgãos Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 44 de 8 Superior Tribunal de Justiça de persecução penal e o próprio Poder Judiciário a coonestarem essa prática investigatória dissociada do modelo legal e constitucional de um processo penal minimamente ético em seu proceder e cientificamente exercitado por seus protagonistas Em verdade essa indiscutível realidade em relação ao reconhecimento pessoal impõe aos operadores do Direito desde o policial que atua no flagrante até os membros das mais altas cortes do Poder Judiciário o desafio de se apropriarem de técnicas pautadas nos avanços científicos para que se promovam os ajustes necessários a evitar que os reconhecimentos equivocados sigam produzindo condenações de inocentes conforme bem observam os integrantes do Innocence Project Brasil Prova de reconhecimento e erro judiciário São Paulo 1 ed jun2020 p 3 Como pontuam Machado e Barilli As mudanças urgentes no campo probatório penal que devem ocorrer a partir das contribuições da psicologia do testemunho não podem se limitar apenas ao âmbito dogmático teórico ou normativo dever ser mediante projetos de reforma legislativa do atual artigo 226 do CPP Devem ser pensadas em diferentes níveis operacionais da Justiça criminal e por óbvio sem descurar da realidade nacional Do contrário teremos apenas refinadas teorias ou excelentes normas porém sem qualquer alteração real no cotidiano das varas criminais e delegacias de polícia país afora A academia já foi capaz de produzir inúmeras pesquisas sobre as mazelas do sistema de persecução penal inclusive das nefastas práticas policiais quanto às falsas identificações pessoais Faltam agora estratégias concretas que acolhidas pelo poder público possibilitem a devida instrução e correta implementação de protocolos técnicos de reconhecimento pessoal nos diferentes âmbitos da Justiça criminal brasileira Leonardo Marcondes Machado e Raphael Jorge de Castilho Barilli O reconhecimento de pessoas como fonte de injustiças criminais Disponível em httpswwwconjurcombr2019jul16academiapoliciareconheci mentopessoasfonteinjusticascriminais grifei A iniciativa para a devida conformidade dessa prova ao modelo legal deve partir das próprias Polícias civis e federal cumprindo por sua vez ao Ministério Público o papel de fiscalizar a Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 45 de 8 Superior Tribunal de Justiça correta aplicação da lei penal por ser órgão de controle externo da atividade policial e por sua ínsita função de custos legis que deflui do desenho constitucional de suas missões com destaque para a defesa da ordem jurídica do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis art 127 caput bem assim da sua específica função de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos inclusive é claro dos que ele próprio exerce promovendo as medidas necessárias a sua garantia art 129 inciso II Daí se infere que independentemente de qualquer positivação legal a nossa Carta Magna impõe ao Ministério Público o dever de agir sempre na defesa de direitos e de garantias individuais que são normalmente confrontados durante o exercício da ação penal pública a qual aliás é promovida pelo Parquet de modo privativo art 129 I da CF Em outras palavras ao mover a ação penal pública como parte acusadora o órgão do Ministério Público não se despe do dever de fiscalizar e mais do que isso respeitar as liberdades públicas eis que por serem elas indisponíveis e por comporem a ideia de uma ordem jurídica sedimentada em um regime democrático reclamam a tutela do próprio Ministério Público Este Superior Tribunal de Justiça a seu turno ao conferir nova e adequada interpretação do art 226 do CPP sinaliza para toda a magistratura e todos os órgãos de segurança nacional que soluções similares à que serviu de motivo para esta impetração não devem futuramente ser reproduzidas em julgados penais Isso porque a missão do Superior Tribunal de Justiça é precipuamente a de uniformizar a melhor interpretação da lei federal formando precedentes que orientem o julgamento de casos futuros Deveras estabelecer os parâmetros de aplicação das regras probatórias do processo penal requer do STJ a clara compreensão sobre sua razão de ser conferir unidade ao sistema jurídico projetando a aplicação do Direito mediante sua adequada interpretação com base no julgamento dos casos de sua competência Como acuradamente assere Daniel Mitidiero Cortes Superiores e Cortes Supremas Do Controle à Interpretação da Jurisprudência ao Precedente São Paulo Editora RT 2013 passim a decisão recorrida deve ser entendida como meio de que se vale a Corte Superior para a partir da interpretação adequada do Direito alcançar o máximo possível da unidade do direito aplicado em todo o território nacional sem renunciar por óbvio ao controle de juridicidade das decisões recorridas Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 46 de 8 Superior Tribunal de Justiça Mais ainda é preciso que se determine doravante a invalidade de qualquer reconhecimento formal pessoal ou fotográfico que não siga estritamente o que determina o art 226 do CPP sob pena de continuarse a gerar uma instabilidade e insegurança de sentenças judiciais que sob o pretexto de que outras provas produzidas em apoio a tal ato todas porém derivadas de um reconhecimento desconforme ao modelo normativo autorizariam a condenação potencializando assim o concreto risco de graves erros judiciários Na precisa observação de Antônio Vieira a prevenção de erros e especialmente de condenações errôneas passa por uma importante mudança de atitude em relação ao reconhecimento de pessoas passando da postura comum até então de confiança exagerada e percepção de suficiência na prova de identificação para uma atitude de ceticismo epistêmico VIEIRA Antônio Riscos Epistêmicos no Reconhecimento de Pessoas contribuições a partir da neurociência e da psicologia do testemunho Boletim Revista do Instituto Baiano de Direito Processual Penal Ano 2 Nº 3 Salvador IBADPP p 1516 Aliás sobre a responsabilidade de um Tribunal Superior quando enfrenta temas sensíveis e se vê premido a tomar uma posição que implique a anulação de um processo a juíza da Corte Suprema dos Estados Unidos Sonia SOTOMAYOR em voto dissidente proferido em debate sobre a licitude de provas Utah v Strieff 579 US 136 S Ct 2056 2016 anotou com muita propriedade que When courts admit only lawfully obtained evidence they encourage those who formulate law enforcement polices and the officers who implement them to incorporate Fourth Amendment ideals into their value system Stone v Powell 428 U S 465 492 1976 But when courts admit illegally obtained evidence as well they reward manifest neglect if not an open defiance of the prohibitions of the Constitution Weeks 232 U S at 394 Quando os tribunais admitem apenas evidências obtidas legalmente eles encorajam aqueles que formulam políticas de aplicação da lei e os oficiais que as implementam a incorporar os ideais da Quarta Emenda em seu sistema de valores Mas quando os tribunais também admitem evidências obtidas ilegalmente eles recompensam negligência manifesta se não um desafio aberto às proibições da Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 47 de 8 Superior Tribunal de Justiça Constituição tradução livre X Participação de menor importância paciente Igor Sustenta a defesa ainda que no tocante ao paciente Igor deve ser reconhecida a causa geral de diminuição de pena relativa à participação de menor importância e pondera que a denúncia atribuiu a ele simplesmente a conduta de emprestar o carro utilizado pelos demais agentes para praticarem o assalto fl 17 Não descuro que um dos temas mais controvertidos da ciência penal é a delimitação da autoria ou da participação nos delitos em que há o concurso de pessoas Tal circunstância acaba por se refletir na imputação e na amplitude dessa imputação que recai sobre o agente que é indicado logo no início da persecução penal in judicio com a denúncia ofertada pelo Ministério Público Apesar de o Código Penal prever que todo aquele que concorre para o crime é considerado autor art 29 caput reconhece a menor reprovabilidade de quem participa da ação delitiva de modo secundário sem a mesma importância dos que executam a conduta descrita no tipo E ao analisar a sentença e o acórdão proferidos na instância ordinária entendo assistir razão à defesa ao afirmar que Igor Felácio teve quando muito uma participação de menor importância na dinâmica do roubo pelo qual foi condenado É bem verdade que a Corte estadual ao concluir que Igor Felácio foi um dos autores do roubo pelo qual foi condenado e não partícipe assim fundamentou o ato decisório fls 629630 grifei Sustenta o Apelante Igor ainda o reconhecimento da participação de menor importância no delito de roubo Melhor sorte não o socorre Isso porque inferese dos autos que o Apelante Igor foi quem disponibilizou o automóvel para que Vânio e um outro indivíduo não identificado praticassem o roubo no estabelecimento comercial O veículo foi de fundamental importância uma vez que o restaurante era situado às margens da BR sendo utilizado para ir até o local bem como para a fuga e abandonado na cidade de Laguna em razão da presença da polícia Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 48 de 8 Superior Tribunal de Justiça Dessa forma do contexto fáticoprobatório apresentado temse que o Recorrente Igor em comunhão de esforços e unidade de desígnios típicos da coautoria praticou o crime de roubo narrado na Denúncia Portanto não há falar em participação de menor importância na conduta delituosa por parte do Apelante Igor não merecendo reparos a Sentença condenatória Esclareço ainda que o Magistrado de primeiro grau afirmou em sua sentença condenatória que o agente também ocupou papel de destaque fornecer no mínimo o veículo para a prática do crime veículo este que inclusive foi decisivo no êxito na fuga não se revela de diminuta importância para o sucesso da ação fl 535 No entanto embora haja afirmado que o agente também ocupou papel de destaque o próprio Juiz põe em dúvida a participação direta desse acusado no delito de roubo o que é corroborado pela ausência de seu reconhecimento e pelo que foi descrito no relatório policial a seguir mencionado no que interessa fls 205206 Diante do encontro do documento de IGOR no interior do veículo utilizado pelos criminosos os policiais militares no afã de elucidar o fato fizeram constar no boletim de ocorrência que ele também havia sido reconhecido pelas vítimas Ocorre que em depoimento prestado em sede policial nenhuma vítima reconheceu Igor como sendo um dos assaltantes Também é possível verificar claramente através de análise das imagens registradas pelas câmeras de segurança que nenhum dos suspeitos de encaixa nas características físicas de Igor IGOR tem cabelo grande e possui compleição física mais avantajada sendo perceptível que se encontra acima do peso Já o suspeito que acompanha o sujeito reconhecido como VÂNIO não possui tais características sendo possível afirmar com certeza que não se trata de IGOR nas imagens Importante mencionar que tal fato não exclui a possibilidade de participação de IGOR no crime aqui apurado seja como motorista de fuga seja emprestando o seu veículo para os criminosos o que é bastante plausível diante da versão esdrúxula apresentada por IGOR em seu interrogatório Ao que tudo indica o paciente Igor portanto não influenciou de maneira decisiva no êxito da empreitada criminosa visto que não participou dos atos de execução ou seja não executou a ação nuclear típica ele não subtraiu bens nem exerceu grave ameaça ou violência Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 49 de 8 Superior Tribunal de Justiça contra as vítimas Quando muito conforme reconheceu o Magistrado sentenciante emprestou o veículo usado pelos assaltantes para chegarem ao restaurante e fugirem do local do delito na posse da res furtiva conduta que não pode ser tida como essencial para a prática e a consumação do roubo até porque não se logrou demonstrar nem sequer se efetivamente houve tal empréstimo do automóvel com a prévia ciência de seu uso ilícito por parte da dupla que cometeu o roubo Essas circunstâncias permitem que seja reconhecida em seu favor a causa geral de diminuição de pena relativa à participação de menor importância prevista no art 29 1º do CP Em relação ao quantum de diminuição de pena considerando a conduta imputada ao paciente de emprestar o veículo aos assaltantes e a contribuição de sua conduta para o sucesso da empreitada criminosa entendo dentro do livre convencimento motivado ser suficiente e adequada a redução da reprimenda no patamar mínimo de 16 Diante de tais considerações deve ser efetivada a nova dosimetria da pena Na primeira fase a reprimendabase ficou estabelecida no mínimo legal ou seja em 4 anos de reclusão e 10 diasmulta Na segunda etapa não há nenhuma agravante ou atenuante fl 536 Na terceira fase as instâncias ordinárias aumentaram a pena em 13 ocasião em que fizeram menção ao art 157 2º I do CP emprego de arma fl 536 já revogado por ocasião do cometimento do delito objeto deste writ perpetrado em 2092018 Esclareço por oportuno que a Lei n 136542018 entrou em vigor em 2342018 antes portanto da prática do crime de roubo imputado ao réu e ela revogou o inciso I do 2º do art 157 do CP passando a prever em seu lugar o aumento de pena de 23 se a violência ou ameaça for exercida com emprego de arma de fogo art 157 2ºA Assim a rigor a reprimenda do paciente Igor deveria haver sido exasperada no referido patamar No entanto para não incorrer na inadmissível reformatio in pejus mantenho a exasperação da sanção nessa etapa da dosimetria em 13 Na sequência reduzo a pena em 16 em decorrência da causa geral de diminuição relativa à participação de menor importância art 29 1º do CP e por conseguinte torno a reprimenda do paciente Igor Tártari Felácio definitiva em 4 anos 5 meses e 9 dias de reclusão e pagamento de 10 diasmulta Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 50 de 8 Superior Tribunal de Justiça XI Conclusões 1 O reconhecimento de pessoas deve observar o procedimento previsto no art 226 do Código de Processo Penal cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime 2 À vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho a inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual condenação mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo 3 Pode o magistrado realizar em juízo o ato de reconhecimento formal desde que observado o devido procedimento probatório bem como pode ele se convencer da autoria delitiva a partir do exame de outras provas que não guardem relação de causa e efeito com o ato viciado de reconhecimento 4 O reconhecimento do suspeito por mera exibição de fotografias ao reconhecedor a par de dever seguir o mesmo procedimento do reconhecimento pessoal há de ser visto como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal e portanto não pode servir como prova em ação penal ainda que confirmado em juízo XII Dispositivo À vista do exposto concedo a ordem para a com fundamento no art 386 VII do CPP absolver o paciente Vânio da Silva Gazola em relação à prática do delito objeto do Processo n 00011992220198240075 da 1ª Vara Criminal da Comarca de Tubarão SC Ainda ratifico a liminar anteriormente deferida para determinar a imediata expedição de alvará de soltura em seu favor se por outro motivo não estiver preso Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 51 de 8 Superior Tribunal de Justiça b reconhecer a causa geral de diminuição relativa à participação de menor importância no tocante ao paciente Igor Tártari Felácio aplicála no patamar de 16 e por conseguinte reduzir a sua reprimenda para 4 anos 5 meses e 9 dias de reclusão e pagamento de 10 diasmulta Voto ainda para que se dê ciência da decisão aos Presidentes dos Tribunais de Justiça dos Estados e aos Presidentes dos Tribunais Regionais Federais bem como ao Ministro da Justiça e Segurança Pública e aos Governadores dos Estados e do Distrito Federal encarecendo a estes últimos que façam conhecer da decisão os responsáveis por cada unidade policial de investigação Dêse ciência também aos Ministérios Públicos estaduais e federal bem como às Defensorias Públicas Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 52 de 8 Superior Tribunal de Justiça HABEAS CORPUS Nº 598886 SC 202001796823 RELATOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ IMPETRANTE DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SANTA CATARINA ADVOGADOS DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SANTA CATARINA THIAGO YUKIO GUENKA CAMPOS SC036306 IMPETRADO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA PACIENTE VANIO DA SILVA GAZOLA PRESO PACIENTE IGOR TARTARI FELACIO PRESO INTERES MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA INTERES INNOCENCE PROJECT BRASIL AMICUS CURIAE ADVOGADOS FLÁVIA RAHAL BRESSER PEREIRA SP118584 DORA MARZO DE A CAVALCANTI CORDANI SP131054 RAFAEL TUCHERMAN SP206184 INTERES INSTITUTO DE DEFESA DO DIREITO DE DEFESA MARCIO THOMAZ BASTOS AMICUS CURIAE ADVOGADOS FLÁVIA RAHAL BRESSER PEREIRA SP118584 MARINA DIAS WERNECK DE SOUZA SP157282 HUGO LEONARDO SP252869 GUILHERME ZILIANI CARNELOS SP220558 ADVOGADA DOMITILA KOHLER SP207669 VOTO O EXMO SR MINISTRO NEFI CORDEIRO A falsa memória é grave risco à prova penal especialmente relevante no reconhecimento de autores do crime onde a emoção o tempo e lapsos espontâneos levam ao erro apenas aumentado em sucessivos reconhecimentos Forma é garantia legal de confiabilidade na prova Mesmo impossível o reconhecimento sem erros nosso procedimento legal busca estabelecer confiança razoável pela identificação de alguém entre semelhantes após descrevêlo e sem indecisões o que disto se afasta reduz não somente o respeito à forma mas à própria confiabilidade dessa prova Não chego como o Relator a admitir que qualquer descumprimento do rito probatório leve à inadmissão do reconhecimento mas sim que quanto maior seja o grau desse descumprimento menor será a confiança na prova de modo que graves defeitos ao procedimento impeçam valorar como suficiente à admissão da autoria para a condenação como regra objetiva e de critério de prova sem corroboração probatória adequada independente e idônea Embora a realização posterior de prova em regra afaste a invalidade de semelhante prova anterior no caso do reconhecimento isso não se pode permitir pelo natural vício da Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 53 de 8 Superior Tribunal de Justiça memória já identificadora de pessoa inicial com erro a fixação da imagem do reconhecido tende a substituir aquela memória do dia do crime Assim não serve como prova independente e idônea o reconhecimento posterior em juízo após grave falha no reconhecimento inicial Tampouco testemunhos apenas de relato do reconhecimento inicial com grave defeito servem como prova independente e idônea Finalmente o reconhecimento fotográfico serve como prova apenas inicial e deve ser o reconhecimento fotográfico ratificado por reconhecimento pessoal assim que isto se torne possível sendo incapaz de permitir a condenação sem corroboração independente e idônea Assim minhas conclusões são O descumprimento ao procedimento de identificação de pessoas e coisas reduz a confiabilidade na prova e graves defeitos impedem valorar como suficiente à admissão da autoria para a condenação como regra objetiva e de critério de prova sem corroboração probatória independente e idônea O reconhecimento fotográfico merece oportuna ratificação por reconhecimento pessoal sendo incapaz de permitir a condenação como regra objetiva e de critério de prova sem corroboração independente e idônea Concordando com o Relator no resultado do julgamento dele divirjo apenas parcialmente da tese de invalidade a qualquer defeito de forma do reconhecimento isto reservado ao que considere o julgador como grave descumprimento de rito Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 54 de 8 Superior Tribunal de Justiça HABEAS CORPUS Nº 598886 SC 202001796823 VOTO O EXMO SR MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR Senhor Presidente não tenho muito a dizer O Ministro Rogerio Schietti como de praxe esgotou o assunto Enfrentou e esgotou a questão referente ao reconhecimento fotográfico e aos dispositivos legais e constitucionais que o orientam sob todos os ângulos possíveis Apenas tomo a liberdade aqui eminente Relator de trazer palavras que apenas endossam tudo aquilo que Vossa Excelência já explanou com enorme brilho Primeiro cito Fernando da Costa Tourinho Filho Reconhecimento Ato por que se faz a verificação e confirmação da identidade de pessoa ou coisa No reconhecimento há a fusão de uma percepção presente com outra pretérita A pessoa que procede ao reconhecimento faz uma evocação à reminiscência e procura ver a semelhança entre aquela figura guardada na memória e aquela que lhe é apresentada Às vezes a memória não é boa Por outro lado quanto mais o tempo passa mais se distancia a lembrança o que dificulta seriamente o reconhecimento Ademais é muito comum a existência de pessoas que guardam impressionante identidade física Daí o acerto desta v decisão da Suprema Corte As formalidades previstas no art 226 do CPP são essenciais à valia do reconhecimento que inicialmente há de ser feito por quem se apresente para a prática do ato a ser iniciado com a descrição da pessoa a ser reconhecida Em seguida o suspeito deve ser colocado ao lado de outros que com ele guardem semelhança a fim de que se confirme o reconhecimento A cláusula se for possível constante do inc II do artigo de regência consubstancia exceção diante do princípio da razoabilidade O vício não fica sanado pela corroboração do reconhecimento em juízo também efetuado sem as formalidades referidas Precedentes Rel Min Marco Aurélio RT 752516 Reconhecimento fotográfico E se se tratar de reconhecimento fotográfico Depende do caso concreto Se a autoridade solicita à pessoa que vai proceder ao reconhecimento a descrição daquela que vai ser reconhecida e a seguir exibelhe cinco ou seis fotografias de presos que guardem entre si certa semelhança para que ela aponte qual delas retrata o criminoso tal ato aliado a outros elementos constantes dos autos pode ser valioso Entretanto o comum é a Polícia exibir fotografias de pessoas completamente diferentes algumas trazendo dizeres como aborto roubo homicídio o que torna mais sugestivo o reconhecimento Às vezes sabemos todos há fotografias que não retratam com fidelidade a pessoa outras vezes há uma semelhança Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 55 de 8 Superior Tribunal de Justiça física impressionante Por isso tudo sem embargo da palavra sempre autorizada de Frederico Marques entendemos que o reconhecimento fotográfico deixa a desejar É um perigoso meio de prova e que tem dado causa a inúmeros casos de erro judiciário Código de Processo Penal Comentado Tourinho Filho vol 1 Saraiva fls 225226 Grifos nossos E a seguir entendo preciso e adequado as razões do voto do Ministro Marco Aurélio HC n 75331SP acima citadas por Tourinho Filho É sabença geral não se ter em qualquer dispositivo de lei preceitos inúteis Cada qual tem uma razão de ser e portanto um objetivo O artigo 226 do Código de Processo Penal é categórico ao revelar o procedimento a ser adotado quando se cuida do reconhecimento de pessoas Em primeiro lugar aquele que deva proceder ao reconhecimento há de ser convocado para descrever a pessoa a ser reconhecida Em fase subseqüente visando a tornar extremo de dúvidas o reconhecimento e portanto colarlhe a indispensável segurança jurídica a pessoa que dele for alvo será colocada se possível ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança convidandose quem tiver de fazer o reconhecimento a apontála Inegavelmente apenas em uma única hipótese desprezase esta fase ou seja naquela em que é impossível assim procederse No caso dos autos não há a menor notícia de óbice à observância do preceito simplesmente foi colocado em plano secundário como se não compusesse a ordem jurídica em vigor emprestandoselhe inocuidade maior chegandose a seguir via reconhecimento à margem da prescrição legal à condenação do Paciente primário e de bons antecedentes A luta por este empreendida quer interpondo recurso quer caminhando para a justificação prevista no artigo 423 do Código de Processo Penal mostrouse infrutífera Ora se de um lado é certo não servir o habeascorpus ao novo julgamento da causa de outro não menos correto é que se mostra o meio adequado à aferição da ocorrência ou não de ilegalidade Senhor Presidente não posso desconhecer que esta é a derradeira oportunidade que o Paciente tem de ver observado o devido processo legal de ser julgado após instrução regular da ação penal o que não se verifica quando se aponta de importância menor formalidade relativa à única prova que serviu de base ao Juízo na condenação imposta ou seja a revelada pelo reconhecimento A persecução criminal é sim almejada por toda a sociedade Todavia vivendose em um Estado Democrático de Direito há de ocorrer com obediência irrestrita às normas instrumentais em vigor evitandose a consumação de erros judiciários que acabem por macular a vida de uma pessoa colando estigma de efeitos permanentes Porque em jogo a própria liberdade entendo que o Supremo Tribunal Federal não pode endossar quadro revelador da imposição de decreto condenatório após negativa de autoria a partir de prova única ou seja reconhecimento levado a efeito ao arrepio da norma imperativa insculpida no artigo 226 do Código de Processo Penal Não parto no Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 56 de 8 Superior Tribunal de Justiça julgamento deste habeas para o revolvimento de matéria fática Não defino a inocência do Paciente Assegurolhe no entanto o direito de ser julgado com absoluto respeito ao que disciplinado legalmente Grifos nossos Senhor Presidente na verdade não vejo mais como endossar a desobediência de formalidades impostas pela nossa norma processual sob a justificativa eterna de que o Judiciário e aqui no caso a nossa polícia não tem estrutura humana e material para tornar efetiva a letra da lei Aqui a exceção o não cumprimento dos procedimentos presentes nos incisos I II III e IV do artigo 226 do CPP se tornou regra Não me lembro Sr Presidente nestes quase dez anos de Tribunal de ter visto um único processo onde as normas citadas foram cumpridas Assim acompanho na íntegra o eminente Relator Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 57 de 8 Superior Tribunal de Justiça HABEAS CORPUS Nº 598886 SC 202001796823 VOTOVOGAL A EXMA SRA MINISTRA LAURITA VAZ Sr Presidente Srs Ministros quero inicialmente cumprimentar o Dr Thiago Yukio Guenka Campos e também a Dra Dora Marzo que fez uma brilhante sustentação em sua manifestação como amicus curiae e trouxe elementos importantes aos autos Também saúdo o Dr José Adonis que falou em nome do Ministério Público da preocupação do Ministério público o qual até chegou a concluir pelo não conhecimento do habeas corpus Eu também cumprimento o Exmo Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ pela substancialidade de seu voto No caso observase da atenta leitura da sentença que a condenação do Paciente apoiouse exclusivamente no reconhecimento fotográfico efetuado por uma das vítimas confirmado em juízo O Tribunal de origem ao manter a condenação consignou o que segue fls 615618 sem grifos no original Sustenta a Defesa preliminarmente a nulidade da Sentença por estar baseada em reconhecimento realizado pelas vítimas em sede policial o qual teria desrespeitado o art 226 inciso II do Código de Processo Penal Razão não lhe assiste Isso porque as disposições do art 226 do Código de Processo Penal que tratam do procedimento a ser observado para o reconhecimento de pessoas e coisas são simples recomendações cuja inobservância não importa por si só em invalidade processual Assim absolutamente possível o reconhecimento fotográfico de pessoas em sede policial a despeito das disposições do art 226 do CPP especialmente em casos como o dos autos em que o reconhecido não foi preso em flagrante Ademais importante ressaltar que a vítima Viviany Rech Bento Back afirmou judicialmente que confirma o reconhecimento realizado na Delegacia de Polícia apesar de na data da audiência afirmar que não teria condições de reconhecer novamente Vânio em razão do transcurso de tempo registro audiovisual de fls 418419 No que se refere à questão da altura do Apelante Vânio que foi apontada pelas vítimas como sendo de aproximadamente um metro e setenta centímetros quando consta do documento de fl 24 que ele teria cerca de um metro e noventa e cinco centímetros temse que não afasta a credibilidade do reconhecimento feito no dia seguinte aos fatos uma vez que as vítimas apontaram detalhes da face de Vânio que estava com o rosto Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 58 de 8 Superior Tribunal de Justiça apenas parcialmente coberto Não bastasse as imagens apresentadas pela própria Defesa às fls 475576 também demonstram as semelhanças entre o autor do fato que aparece nas imagens das câmeras de segurança e Vânio especialmente a estatura o formato do nariz e até mesmo o corte de cabelo o que corrobora o reconhecimento efetuado pelas Vítimas na Delegacia de Polícia Portanto afastase a preliminar arguida Como se vê embora a vítima tenha confirmado que realizou o reconhecimento fotográfico na fase extrajudicial apontou que sequer teria condições de reconhecer novamente Vânio em razão do transcurso de tempo Relevante destacar ainda a fragilidade do reconhecimento fotográfico realizado no qual a vítima apontou que o autor do roubo teria cerca de um metro e setenta centímetros enquanto o Paciente tem um metro e noventa e cinco centímetros diferença considerável É certo que a jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que as disposições insculpidas no art 226 do CPP configuram uma recomendação legal e não uma exigência absoluta não se cuidando portanto de nulidade quando praticado o ato processual reconhecimento pessoal de modo diverso AgRg no AREsp 1291275RJ Rel Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA DJe 11102018 Ocorre porém que consoante destacado pelo Ministro Relator o reconhecimento é prova com alto grau de subjetividade e a observância do procedimento previsto no art 226 do Código de Processo Penal dá um norte ao Julgador com relação às formalidades mínimas que devem ser obedecidas na elaboração dessa prova representando uma garantia ao Acusado que não deve ser afastada pelo Poder Público Dessa forma deve haver maior critério na observância da legislação atinente a essa forma de prova colhida pela autoridade policial Registro ainda que ouvi com muita clareza as observações feitas pelo Exmo Ministro NEFI CORDEIRO sobre sua preocupação no sentido de que mínimos descumprimentos do rito não podem gerar a inadmissão da prova e não identifiquei uma divergência das conclusões pelo menos com relação às conclusões do voto do Exmo Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ sendo certo que no caso houve um grave descumprimento ao disposto no art 226 do CPP por tratarse de mero reconhecimento fotográfico Parabenizo mais uma vez o Exmo Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ por suas conclusões por levar ao conhecimento de várias autoridades esta decisão que está sendo prolatada hoje aqui nesta tarde Eu gostaria apenas de acrescentar Ministro ROGERIO que Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 59 de 8 Superior Tribunal de Justiça também fosse levada ao conhecimento da Defensoria Pública do Estado de todos os Estados esse trabalho como incentivo Sou uma grande apoiadora da Defensoria Pública e acho interessante que as Defensorias Públicas estaduais tomem conhecimento desse trabalho tão importante realizado pela Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina Recordo que Santa Catarina com o meu Estado de Goiás foram os últimos Estados a criarem a Defensoria Pública Depois de muita luta no meu Estado de Goiás pedindo pleiteando buscando a criação da Defensoria Pública Ante o exposto CONCEDO a ordem de habeas corpus nos termos do voto do Ministro Relator É como voto Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 60 de 8 Superior Tribunal de Justiça CERTIDÃO DE JULGAMENTO SEXTA TURMA Número Registro 202001796823 PROCESSO ELETRÔNICO HC 598886 SC MATÉRIA CRIMINAL Números Origem 00011992220198240075 11992220198240075 EM MESA JULGADO 27102020 Relator Exmo Sr Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ Presidente da Sessão Exmo Sr Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO SubprocuradorGeral da República Exmo Sr Dr JOSE ADONIS CALLOU DE ARAUJO SA Secretário Bel ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA AUTUAÇÃO IMPETRANTE DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SANTA CATARINA ADVOGADOS DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SANTA CATARINA THIAGO YUKIO GUENKA CAMPOS SC036306 IMPETRADO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA PACIENTE VANIO DA SILVA GAZOLA PRESO PACIENTE IGOR TARTARI FELACIO PRESO INTERES MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA INTERES INNOCENCE PROJECT BRASIL AMICUS CURIAE ADVOGADOS FLÁVIA RAHAL BRESSER PEREIRA SP118584 DORA MARZO DE A CAVALCANTI CORDANI SP131054 RAFAEL TUCHERMAN SP206184 INTERES INSTITUTO DE DEFESA DO DIREITO DE DEFESA MARCIO THOMAZ BASTOS AMICUS CURIAE ADVOGADOS FLÁVIA RAHAL BRESSER PEREIRA SP118584 MARINA DIAS WERNECK DE SOUZA SP157282 HUGO LEONARDO SP252869 GUILHERME ZILIANI CARNELOS SP220558 ADVOGADA DOMITILA KOHLER SP207669 ASSUNTO DIREITO PENAL Crimes contra o Patrimônio Roubo Majorado SUSTENTAÇÃO ORAL Dra DORA MARZO DE A CAVALCANTI CORDANI pela parte INTERES INNOCENCE PROJECT BRASIL Dr THIAGO YUKIO GUENKA CAMPOSProtestará por Juntada pelas partes PACIENTES VANIO DA SILVA GAZOLA e IGOR TARTARI FELACIO Exmo Sr Dr JOSÉ ADONIS CALLOU DE ARAÚJO SÁ SUBPROCURADORGERAL DA Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 61 de 8 Superior Tribunal de Justiça REPÚBLICA CERTIDÃO Certifico que a egrégia SEXTA TURMA ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data proferiu a seguinte decisão A Sexta Turma por unanimidade concedeu o habeas corpus nos termos do voto do Sr Ministro Relator com os esclarecimentos do Sr Ministro Nefi cordeiro Os Srs Ministros Nefi Cordeiro Antonio Saldanha Palheiro Laurita Vaz e Sebastião Reis Júnior votaram com o Sr Ministro Relator Documento 1996943 Inteiro Teor do Acórdão Site certificado DJe 18122020 Página 62 de 8