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Os novos capítulos 4 e 5 servemse de ideias desenvolvidas no artigo Imagens de natureza de ciência e educação o caso da Revolução Francesa publicado na coletânea organizada por Stein e Kuiava Abrantes 2006 O capítulo 6 é totalmente novo e se apoia como indicamos nas referências em artigos que publicamos nos periódicos Ciência Ambiente e Ciência Hoje Abrantes 2008 2009 Na primeira edição deste livro planejaramos incluir um capítulo dedicado à filosofia da ciência de Hertz mas não pudemos fazêlo para atender às restrições impostas pela antiga editora quanto ao número de páginas Esse material foi publicado separadamente em uma coletânea organizada por Evora em 1992 e incorporado com modificações no capítulo 10 desta edição Agradecemos a autorização dos editores dessas publicações para que pudéssemos utilizar esses textos aqui Ficamos satisfeitos em poder retomar dessa forma o projeto original e além disso dar ao livro maior cobertura temática contemplando desenvolvimentos relativos à constituição da biologia como ciência Esta edição tem considerações finais inéditas em que aprofundamos algumas discussões metodológicas sobre a historiografia da ciência apenas indicadas na apresentação Também avaliamos aí o impacto que o emprego de modelos pode ter em uma historiografia comprometida com o ideal explicativo Fazemos ao final dessas considerações ponderações sobre o emprego da história das ciências no ensino de ciências e de filosofia Seria impraticável mencionar todas as pessoas que contribuíram para essa nova edição de Imagens de natureza imagens de ciência Entre a primeira edição 1988 e a atual transcorreram muitos anos ricos em experiência como docente e como pesquisador durante os quais pudemos apresentar os estudos deste livro para os mais diversos públicos Somos imensamente gratos a todos os que nos ajudaram nessas oportunidades a desenvolver ou rever as ideias apresentadas na primeira edição Destacamos a contribuição de nossos mais constantes interlocutores os alunos que cursam as disciplinas nas áreas de história e filosofia das ciências que oferecemos no Departamento de Filosofia e no Instituto de Biologia da Universidade de Brasília UnB Agradecemos por último o apoio do CNPq que nos permitiu realizar grande parte das pesquisas que resultaram neste trabalho Apresentação Os ensaios reunidos neste livro reconstroem alguns episódios significativos da história das ideias científicas cobrindo um período que vai da Antiguidade até o século XIX Neste texto apresentamos o arcabouço filosófico subjacente ao trabalho historiográfico aqui empreendido e por esta via introduzimos os temas centrais tratados nos diferentes capítulos Imagens de natureza A história da ciência fornece evidências de que em qualquer período os cientistas e filósofos admitiram consciente ou inconscientemente explícita ou implicitamente determinadas imagens de natureza que não podiam ser submetidas diretamente ao crivo da experiência Tais imagens fixam os constituintes que são considerados últimos ou essenciais da realidade suas modalidades de interação bem como os processos fundamentais dos quais participam Nossas concepções a respeito das entidades que constituem a natureza suas propriedades e modalidades de interação sofrem mudanças às vezes radicais ao longo do tempo Os recortes que fazemos do real nossas classificações das entidades e processos naturais variam de época para época refletindose em nossas teorias chamadas a explicar os fenômenos observados Povoamos o mundo de diversos modos em diferentes épocas Nossas teorias estão constantemente introduzindo novos termos que são muitas vezes rejeitados mais a frente Exemplos desses termos são esferas cristalinas éter flogístico calórico germes preexistentes etc Eles fazem parte de uma longa lista de termos que os cientistas em algum momento acredi taram que se referiam a entidades realmente existentes Hoje consideramos vários desses termos teóricos que só adquirem significado no interior das respectivas teorias meros produtos da imaginação de nossos predecessores e sabemos que não têm qualquer referência no real O mesmo pode ocorrer no futuro com os termos empregados nas teorias atualmente aceitas A imaginação teórica não poderia ser objeto de um controle experimental mais estrito evitandose a postulação de entidades e processos que não sejam observáveis Poderíamos eliminar tais hipóteses de nossas teorias admitindo somente objetos e processos que nos são imediatamente acessíveis como recomendaria um empirismo radical Essas são questões sobre as quais se debruçaram filósofos da ciência dos mais diversos matizes e não caberia discutilas aqui em detalhe O que tais discussões filosóficas deixaram claro é que o poder explicativo e preditivo de nossas teorias ficaria seriamente comprometido se adotássemos alguma terapia de eliminação e depuração dessas hipóteses e da linguagem teórica com que são expressas Em vez da expressão imagens de natureza que aparece no título e ao longo do livro poderíamos ter empregado expressões mais comuns com aproximadamente o mesmo sentido como concepções de natureza visões de natureza quadros de mundo etc Há ganhos mas também riscos no emprego de metáforas e temos de limitar a transferência irrestrita de toda a riqueza semântica que sugerem De um lado não pretendemos de forma alguma sugerir com a metáfora da imagem que o conhecimento científico no caso constitui um mero reflexo de uma realidade objetiva Ao contrário desejamos explorar essa metáfora no que ela aponta para uma irredutível contribuição do sujeito o cientista por exemplo na geração desse conhecimento O sujeito ou o grupo que integra representa de diversas maneiras seus objetos de investigação em função de suas crenças linguagem valores e interesses Por outro lado não quero sugerir tampouco que esses objetos são meras construções do sujeito sem qualquer tipo de restrição imposta por uma realidade objetiva Todo conhecimento sobretudo o produzido pela comunidade científica é avaliado por seu grau de adequação à experiência o palco no qual o sujeito interage com os objetos desse conhecimento Se esses objetos são sem dúvida representados exigese contudo que tais representações guardem algum tipo de similaridade ou correspondência com os objetos e processos na realidade que supomos existem independentemente do sujeito O caso de uma fotografia que é prontamente evocado pela metáfora da imagem pode servir para ilustrar essas considerações Todos nós esperamos que ela se assemelhe ao objeto fotografado o que nem sempre infelizmente é o caso Ao mesmo tempo sabemos que a fotografia é afetada de forma crucial pelas condições de iluminação pelas lentes e pela sensibilidade do filme empregados na máquina analógica neste caso pelo processo de revelação etc Isso sem falar da participação do fotógrafo que seleciona enquadra controla diversos parâmetros em função de seus objetivos e de sua apreciação estética De modo análogo a imagem de um objeto externo na retina é em condições normais causada pelo objeto Porém na medida em que o sujeito tem um acesso digamos consciente a essa imagem ela já se encontra impregnada filtrada por todo um conjunto de crenças do sujeito O processamento da informação visual é além disso condicionado pela estrutura do aparato cognitivo estrutura esta que por ter sido objeto de seleção natural ao longo da história evolutiva da espécie incorpora em seus mecanismos automáticos aos quais o sujeito não tem acesso consciente informação acerca do ambiente em que viveram seus ancestrais A metáfora da imagem poderia também ser aplicada a uma teoria científica esta pode ser vista como um aparato conceitual que utilizamos para capturar apreender os fenômenos com o intuito de categorizálos relacionálos explicálos prevêlos etc Poderíamos até atribuir propriedades análogas às visuais a estruturas que associamos ao conhecimento científico em alguns tipos de modelos por exemplo que podem ter um caráter icônico ver capítulo 8 Entretanto a razão para aqui distinguirmos imagens de natureza de teorias é que as primeiras fornecem justamente a matériaprima para os modelos e metáforas que são geratrizes e elementos constitutivos dessas teorias Na medida em que estas últimas são mais do que meros sistemas classificatórios dos fenômenos observados e visam explicar esses fenômenos através de hipóteses a respeito de suas causas em geral não observáveis as teorias não podem prescindir de uma imagem de natureza como sugerimos no início Por outro lado a dinâmica das imagens de natureza o modo e o ritmo com que se modificam não é a mesma das teorias científicas Uma ima gem de natureza por seu caráter abrangente e por postular entidades e relações consideradas essenciais à realidade tem em geral mais estabilidade que uma teoria Efetivamente uma sucessão de teorias pode compartilhar uma mesma imagem de natureza3 Uma imagem de natureza poderia ser identificada com uma metafísica ou uma filosofia da natureza embora a esses termos associemos especulações com uma sistematicidade que não exigiríamos de uma imagem que admite certo grau de dispersão e de imprecisão em seus contornos além de ter um caráter tácito Uma imagem de natureza possui justamente um caráter difuso incorporando de forma assistemática grande número de ideias intuições das quais não se tem muitas vezes consciência e não se consegue retraçar as origens Além disso diferentes imagens podem superporse havendo tolerância com respeito a inconsistências Estas são as características que como historiadores detectamos em diversas concepções dos cientistas Não estaríamos dispostos a atribuir a uma metafísica propriamente filosófica nenhuma dessas características que costumamos associar às imagens Mas qual a origem das imagens de natureza Muitas delas resultam de teorias científicas porém derivam mais comumente do senso comum e da experiência cotidiana Assim teorias já consolidadas e incorporadas ao nosso conhecimento de mundo familiares portanto são o ponto de partida para incursões em domínios novos de fenômenos fornecendo os modelos básicos para a tarefa explicativa a ser desempenhada por novas teorias A experiência cotidiana a linguagem ordinária e a ontologia a elas associadas são também fontes de modelos e metáforas de que se nutre a imaginação científica As imagens de natureza essas metafísicas4 assistemáticas que orientam a atividade científica criadora podem ser e são a longo prazo revistas ou substituídas especialmente se os programas de pesquisa que as pressupõem mostramse inadequados e incapazes de prever a experiência Desse modo as imagens de natureza também sofrem a pressão por assim dizer da experiência já que estão incorporadas em teorias e programas de pesquisa5 Exemplos de imagens de natureza Elencamos a seguir elementos de algumas imagens de natureza que se opõem em grande medida e que estão envolvidos em vários estudos de caso neste livro 1 mecanicismo dinamismo materialismo 2 deísmo teísmo 3 naturalismo sobrenaturalismo 4 ação à distância ação contígua 5 atomismo plenismo A crença de que todos os fenômenos físicos são manifestações de matéria em movimento o pressuposto fundamental da imagem mecanicista de natureza teve um papel central na instauração dos programas que caracterizaram a modernidade científica Nos capítulos 2 e 3 analisamos a emergência histórica dessa imagem O caráter inovador do mecanicismo só pode ser percebido se o comparamos com as principais imagens de natureza admitidas na Antiguidade discutidas no capítulo 1 as quais tiveram enorme influência até o período medieval e até além dele Veremos entretanto no capítulo 3 que o mecanicismo não foi uma imagem hegemônica de natureza mesmo no século XVII Sobreviveram na modernidade diversas imagens da Antiguidade gerando grande riqueza de da metafísica ou da ontologia por oposição ao caráter assistemático de uma imagem de natureza Também pode ser útil apontar a pretensão do filósofo que se dedica à metafísica de dar a seu empreendimento o caráter o mais geral possível Uma imagem de natureza diz respeito usualmente a um setor mais delimitado da realidade que constitui o objeto de uma ciência particular Aqueles que se perguntam como os filósofos da ciência contemporâneos poderiam encarar a noção de imagem de natureza e o papel que lhes atribuímos na prática científica podem consultar Abrantes 1998 2004a orientações de pesquisa muitas vezes conflitantes Por exemplo defendemos nesse capítulo que a imagem de natureza de Newton não é propriamente mecanicista mas sim dinamista A figura de Newton é central nas discussões em torno das imagens mecanicista e dinamista de natureza Suas teorias e especulações inspiraram programas de pesquisa nos séculos XVIII e XIX que apresentamos e discutimos especialmente nos capítulos 3 e 7 As teorias de Newton tornaramse hegemônicas e passaram a forjar as imagens de natureza pressupostas por pesquisadores em vários campos Alguns historiadores referemse por exemplo a uma visão astronômica de natureza que se originou do sucesso espetacular dos Principia de Newton Essa visão ou imagem como preferimos chamar aplicouse por exemplo ao estudo de processos microscópicos tomando como modelo os tipos de entidade e de interação investigados por Newton no domínio do macrocosmo Veremos contudo que outras imagens de natureza foram também inspiradas nos trabalhos de Newton A tensão entre imagens de natureza mutuamente incompatíveis é um dos motores do desenvolvimento científico e filosófico nos vários períodos históricos Nesse sentido o historiador precisa distinguir nos séculos XVIII e XIX uma imagem mecanicista e outra materialista Embora esta última possua alguns elementos em comum com o dinamismo induz a um tratamento especial dos fenômenos envolvendo os seres vivos Como mostramos no capítulo 4 o mecanicismo do século XVII mostrouse inadequado para explicar os fenômenos no âmbito do que mais tarde viria a ser chamado de biologia Essa mudança de uma imagem mecanicista que estava associada à teologia natural para uma imagem materialista abriu caminho para uma das maiores revoluções ocorridas na história da ciência envolvendo o reconhecimento de que a natureza não é estática mas sim palco do surgimento do novo particularmente de novas espécies biológicas O materialismo efetivamente possibilitou que a ideia de evolução pudesse se consolidar em princípios do século XIX Outro componente de uma imagem de natureza que desempenha um papel central em diversos episódios analisados no livro referese ao problema da transmissão da ação física Ao longo da história da ciência encontramos defensores de duas concepções rivais a de que a ação física se transmite à distância e a de que esta ação se transmite de forma contígua em geral tendo algum meio como suporte Muitas páginas deste livro são dedicadas a discussões em torno da constituição de um meio frequentemente nomeado de éter que foi chamado a desempenhar uma série de funções Investigamos o que motivou cientistas e filósofos desde a Antiguidade a incorporálo em sua imagem de natureza Nos capítulos 8 e 9 mostro como essa questão ainda era central no século XIX em particular na construção da teoria eletromagnética e na óptica Esses capítulos refletem nosso interesse pela história da noção de campo e de forma mais geral por explicações dos fenômenos físicos envolvendo uma ação mediatizada e contígua Esse interesse levounos ao estudo da cosmologia estoica capítulo 1 e de sua influência na constituição de uma imagem dinamista de natureza que teve grande influência na história da ciência moderna como já mencionado Argumentamos que o dinamismo é uma imagem de natureza compartilhada por cientistas tão diferentes e distanciados no tempo quanto Newton e Faraday No contexto do eletromagnetismo vemos também como esse dinamismo se associa a um plenismo uma imagem de natureza como continuum no trabalho de Maxwell enquanto a eletrodinâmica desenvolvida no continente europeu principalmente por Helmholtz pressuponha elementos de uma imagem atomista associados ao pressuposto de que as ações eletrodinâmicas transmitemse à distância O tema da modalidade de transmissão da ação relacionase de modo complexo com o mecanicismo Analisamos no capítulo 3 como os newtonianos e os cartesianos entre outras correntes divergiram no século XVII e no início do século XVIII quanto à legitimidade de se incluírem forças como a gravitational em uma ontologia mecanicista Aqueles que admitiam forças tinham de enfrentar o problema da ação à distância Aos que postulavam uma ação mediatizada e contígua colocavase por sua vez a questão da natureza do meio se mecânica ou não que pudesse darlhe suporte Essa discussão tinha à época uma forte motivação teológica as divergências remetiam frequentemente à questão de como se dá o relacionamento de Deus com a Natureza Esse foi o tema central da famosa correspondência entre Leibniz e Clarke à qual nos referimos em diversas oportunidades Como exemplificado neste e em vários outros episódios da história das ci ências uma imagem de natureza pode incluir uma particular posição com respeito a como se traça a fronteira entre o natural e o sobrenatural Imagens de ciência Também empregamos no livro a noção correlata de imagem de ciência Com ela pretendemos englobar diversos tipos de concepções agora não mais a respeito da natureza mas a respeito da própria ciência como atividade6 Optamos por empregar a expressão imagem de ciência em vez de outras como filosofia da ciência metodologia etc em virtude do caráter normalmente assistemático e tácito das imagens fator que molda a prática dos cientistas7 Uma imagem de ciência pode incluir por exemplo concepções a respeito dos métodos adequados para a aquisição do conhecimento científico Ou ainda um conjunto de critérios para a validação de teorias ou de qualquer outro produto da atividade científica Tais critérios estão normalmente vinculados à adoção de determinados valores cognitivos como os de adequação empírica simplicidade consistência poder preditivo etc que também constituem componentes centrais de imagens de ciência constituindose em uma axiologia8 6 Laudan 1977 p 58 utiliza a expressão imagem de ciência em sentido análogo ao que adotamos neste livro 7 Alguns filósofos da ciência entendem sua atividade como justamente a de explicitar tais imagens de ciência de articular as intuições ditas préanalíticas dos cientistas Essas intuições estão envolvidas por exemplo nas decisões destes últimos de aceitar ou não uma hipótese uma teoria ou mesmo o resultado de um experimento Tais juízos dos cientistas a respeito de situações que enfrentam constantemente em sua prática seriam nessa concepção a matériaprima das teorias filosóficas da racionalidade científica metodologias Ver Abrantes 2013 8 Por vezes ao longo do livro entendemos por ciência na expressão imagem de ciência o conhecimento de modo geral Portanto uma imagem de ciência pode ser entendida em muitos contextos sobretudo nos primeiros capítulos simplesmente como uma imagem de conhecimento Uma imagem de conhecimento corresponde a um conjunto de concepções a respeito da natureza fontes e limites do conhecimento Uma imagem de conhecimento também fixa os métodos considerados adequados e confiáveis para adquirirmos conhecimento Essas são questões às quais uma teoria do conhecimento deve dar uma resposta sistemática Uma imagem de conhecimento contudo não precisa ser tão articulada e explícita quanto uma teoria do conhecimento do mesmo modo como uma imagem de natureza não precisa ser tão articulada e explícita quanto uma metafísica O caráter tácito e por vezes difuso e ambíguo de tais imagens não impede que influenciem e moldem a atividade cognitiva de vários modos e em diferentes graus A importância relativa que se dá a determinado valor cognitivo pode ser o elemento distintivo de uma imagem de ciência Diferentes pesos atribuídos a cada um dos valores cognitivos configuram diferentes imagens de ciência Por exemplo devemos considerar a consistência de nossas teorias como um valor ao qual devem subordinarse a abrangência o poder preditor e a capacidade dessas teorias em sugerir novas pesquisas Os cientistas frequentemente divergiram a respeito dessa questão como exemplifica a polêmica entre Poincaré e Duhem apresentada no capítulo 9 Uma imagem de ciência pode também indicar respostas a questões do seguinte tipo quais são os fins da atividade científica Buscase simplesmente sistematizar os fenômenos conhecidos ou pretendese ir além prevendo novos fenômenos Devemos contentarnos em descrever a experiência imediata ou pretendemos também desvendar os mecanismos causais subjacentes frequentemente não observáveis Uma questão que perpassa diversos episódios que analisamos no livro e que se relaciona com as que acabamos de formular diz respeito aos termos presentes nas teorias como célula elétron cromossomo eles se referem a entidades realmente existentes ou constituem meras abreviações de dados empíricos Essas alternativas correspondem a diferentes imagens de ciência Para dar aqui um único exemplo da importância histórica dessas imagens mostramos no capítulo 6 como a chamada doutrina da vera causa foi central na recepção da teoria da evolução de Darwin em especial no tocante ao estatuto cognitivo do mecanismo de seleção natural Esse mecanismo é uma causa verdadeira do processo evolutivo ao lado de outras como pensava Darwin Que tipos de evidências nos permitem assegurálo Respostas a questões desse tipo não são nada triviais e têm desafiado tratamentos filosóficos sistemáticos das várias imagens de ciência envolvidas A filosofia contemporânea da ciência distingue várias posições a respeito do estatuto cognitivo das teorias científicas conhecidas como realismo científico empirismo e instrumentalismo ver Abrantes 2013 Essa discussão ilustra como as divergências entre os cientistas causadas por diferenças nas imagens de ciência por eles assumidas podem estar na origem de uma investigação mais propriamente filosófica Os resultados desta última podem eventualmente retroagir e afetar as imagens de ciência tacitamente envolvidas na prática científica Outros exemplos de imagens de ciência Listamos a seguir algumas outras imagens de ciência em vários casos apresentadas em pares contrastantes para facilitar a compreensão do que está em jogo 1 descrição explicação como fins a serem alcançados pelo conhecimento científico 2 método indutivo método de hipótese como métodos a serem empregados 3 experimentação observação 4 papel atribuído à matemática no estudo da natureza adequado ou não e tipo de matemática empregada e g geometria ou cálculo 5 uso ou não de modelos mecânicos etc 6 a ciência que é tomada como modelo para as demais e g a física ou a história natural Ao longo da história da ciência imagens de ciência divergentes condicionaram posições a respeito do caráter e da admissibilidade de hipóteses nas teorias científicas Newton em diversas de suas obras defendeu que em física não há lugar para hipóteses Ele se referia especificamente a hipóteses relativas à causa da força gravitação cuja lei havia descoberto Por isso a figura de Newton veio a ser associada a uma imagem positivista de ciência que rejeitou como não científico o emprego de hipóteses a respeito de entidades e processos inobserváveis Os positivistas adotaram no século XIX o lema hypothesis non fingo de Newton como uma bandeira contra a metafísica que se imiscuiria na ciência por meio da busca de explicações causais para os fenômenos observados Para o positivismo o conhecimento científico deveria limitarse a formular leis correlações funcionais a respeito dos parâmetros observados A descoberta da lei da gravitação universal por Newton e sua explícita recusa em discutir os mecanismos causais responsáveis por essa regularidade nômica foram consideradas por positivistas exemplos de uma autêntica atitude científica de um ideal de ciência No capítulo 3 em que investigamos o estatuto da gravitação no século XVII defendemos entretanto que há uma grande distância entre as máximas metodológicas newtonianas como interpretadas pelos positivistas e a prática do cientista Newton Frequentemente notamos inconsistências entre a imagem explicitada por um cientista e a que efetivamente opera em sua prática o que transparece em outros estudos de caso feitos neste livro A influência de Newton foi tão grande que a lei da gravitação chegou a ser considerada um modelo de lei física Quando Coulomb descobriu a lei da atração entre cargas elétricas a similaridade entre a estrutura dessa lei e a descoberta por Newton foi saudada como evidência a favor de sua validade O uso de hipóteses em física e seu caráter foi uma questão central para cientistas e filósofos dos séculos XVIII e XIX como mostramos no capítulo 7 em que enfocamos as teorias físicas produzidas na França nesse período Cientistas como Biot Ampère Fourier e Poisson divergiram a respeito dessa questão metodológica tendo como pano de fundo a influência hegemônica de Laplace que ditou tanto imagens de natureza quanto de ciência na comunidade científica francesa A discussão a respeito do caráter pretensamente hipotético da teoria darwinista da evolução foi também o pano de fundo para duros embates metodológicos na GrãBretanha do século XIX envolvendo os partidários das imagens de ciência indutivista e hipotéticodedutivista Darwin teve de se posicionar a respeito frente à pressão dos críticos de sua teoria conforme abordado no capítulo 6 Outro exemplo de como imagens de ciência e também de natureza moldam a prática científica criadora é discutido nos capítulos 8 e 9 nos quais acompanhamos o desenvolvimento do eletromagnetismo no século XIX Esse episódio é um exemplo de que o avanço científico se faz frequentemente pelo confronto entre tradições de pesquisa distintas no caso a tradição britânica iniciada por Faraday e continuada por Maxwell de um lado e a tradição continental iniciada por Ampère de outro Mostramos que as diversas teorias que competiam nesse período inseriamse em programas de pesquisa cada qual caracterizado não só por pressupostos relativos à natureza dos fenômenos estudados pressupostos metafísicos mas também relativos a determinados ideais de ciência pressupostos epistemológicos metodológicos e axiológicos9 9 A prática científica é afetada pelas imagens que os cientistas fazem dela imagens essas que correspondem a diferentes ideais de ciência e têm portanto um caráter normativo A despeito disso os cientistas são frequentemente levados a rever suas imagens da atividade de que par A obra científica de Maxwell é nesse sentido bastante especial pela consciência que ele possuía das imagens associadas ao programa do qual participava e pela análise crítica a que as submeteu Ele comparou por exemplo as vantagens e limitações de diferentes métodos que eram empregados pelos cientistas de sua época Discutiu além disso os problemas filosóficos colocados pela interpretação do formalismo matemático das teorias físicas pelo uso de hipóteses modelos mecânicos e analogias entre outros Diante do reconhecido sucesso em várias frentes da tradição continental em eletrodinâmica que pressupunha um complexo particular de imagens de natureza e de ciência a atitude de Maxwell foi defender o pluralismo isto é o trabalho simultâneo em programas alternativos baseados em diferentes imagens Como resultado de uma pesquisa que se estendeu por décadas tanto no plano teórico quanto experimental a teoria de Maxwell se impôs como uma alternativa viável e até superior às rivais Iniciouse então o processo de recepção dessa teoria pelos cientistas do continente europeu Esse episódio de transmissão de ciência é analisado em detalhe no capítulo 9 Nesse processo revelaramse não somente as diferentes imagens de natureza em que se apoiavam de um lado os cientistas britânicos e de outro os do continente europeu mas também suas diferentes imagens de ciência A recepção da teoria de Maxwell foi de fato acompanhada de uma intensa discussão metodológica e epistemológica que repercutiu por exemplo nas posições filosóficas de Poincaré e de Duhem já mencionadas brevemente No que diz respeito ao item 6 uma imagem de ciência pode também refletir preferências por uma ciência particular por sua metodologia pela estrutura típica de suas teorias etc que é então tomada como modelo para as demais ciências As matemáticas por exemplo foram em muitos períodos tomadas como modelos de ciência em função de sua estrutura dedutiva e da solidez epistêmica de seus fundamentos A física por sua vez em particular a física newtoniana foi modelar para as ciências do século XVIII Essas discussões remetem a diferentes metodologias associadas de um lado à mecânica e à astronomia e de outro às ticipam se percebem um grande descompasso entre elas e a prática da comunidade ou então se a prática que está em conformidade com uma particular imagem mostrase inadequada ou ineficaz em produzir conhecimento Ver Laudan 1984 chamadas ciências baconianas tema discutido no capítulo 2 A física foi contestada como modelo de ciência por philosophes como Diderot que tomaram ao invés a química e a história natural como modelos alternativos conforme analisado no capítulo 4 Várias polêmicas na história da ciência envolveram a questão da validade e dos limites do emprego da linguagem matemática nas teorias físicas bem como questões relativas à interpretação do formalismo das teorias físicas Divergências a esse respeito que tematizamos em vários capítulos remetem a diferenças nas imagens de ciência assumidas Essa questão tornouse especialmente relevante sobretudo a partir do final do século XVIII e temos um exemplo nas controvérsias envolvendo Fourier e os laplacianos capítulo 7 ou ainda nas dificuldades de Maxwell e de W Thomson em aceitar teorias que não estivessem acompanhadas de uma clara intepretação física do formalismo matemático capítulo 8 Essa questão foi também central para Duhem duro crítico dessa imagem de ciência A interrelação entre imagens de natureza e imagens de ciência Os exemplos das seções anteriores mostram como a prática científica está comprometida com um imaginário filosófico que é explicito pelos próprios cientistas quando se faz necessário Vários estudos de caso neste livro apontam um condicionamento recíproco entre imagens de natureza e imagens de ciência O emprego do mesmo termo imagem tanto no que se refere aos pressupostos metafísicos de um programa de pesquisas uma imagem de natureza quanto aos pressupostos epistemológicos metodológicos e axiológicos dessa atividade uma imagem de ciência abre espaço para um tratamento global dessas diferentes categorias de imagens e permite evidenciar sua interdependência É sabido que questões epistemológicas relativas a natureza e limites do conhecimento implicam de modo direto ou indireto questões metafísicas a respeito dos objetos de conhecimento e viceversa O capítulo 1 no qual discutimos as cosmologias de Platão de Aristóteles e dos estoicos entre outras propostas na Antiguidade fornece várias evidências disso Por exemplo Aristóteles ao rejeitar elementos centrais da metafísica de Platão teve de enfrentar sérias dificuldades epistemológicas de modo a assegurar ao conheci mento do mundo físico uma distinção e um valor epistêmico que seu mestre não estava disposto a conceder Um caso de interdependência entre imagens de natureza e de ciência discutido em detalhe no capítulo 2 é o da afirmação da experimentação como método na ciência moderna A emergência de novos métodos modalidades explicativas e fins para a atividade científica foi consequência de dramáticas mudanças em nossas imagens de natureza Isso é esperado na medida em que os métodos da ciência pressupõem muitas vezes de forma tácita hipóteses a respeito da natureza das entidades e processos investigados Assim o uso sistemático da experimentação como método só foi possível especialmente a partir do século XVI com a rejeição de uma suposta teleologia nos processos naturais e sua substituição por um estrito mecanicismo Procuro mostrar que a emergência de uma imagem mecanicista de natureza foi uma condição necessária para que a experimentação se qualificasse como um método adequado para a obtenção de conhecimento a respeito da Natureza Esse é um exemplo de como mudanças em nossas imagens de natureza induzem mudanças nos próprios métodos empregados para investigar a natureza e por essa via mudanças nas imagens de ciência Nem sempre tais mudanças são espetaculares e amplas como neste caso muitas vezes as mudanças metodológicas são circunscritas a determinadas áreas que investigam tipos específicos de fenômenos As novas metodologias possibilitam por sua vez em sentido inverso a formulação de novas hipóteses ou impõem revisões e até a rejeição de hipóteses anteriormente aceitas induzindo dessa maneira mudanças nas próprias imagens de natureza¹⁰ A articulação entre imagens de natureza e de ciência e os padrões de desenvolvimento gerados por sua interrelação tomam formas particulares em cada época devendo ser objeto de investigação historiográfica Outro exemplo de condicionamento entre imagens de natureza e de ciência referese aos efeitos epistemológicos de crenças a respeito da relação entre Deus e Natureza No capítulo 2 mostramos como a crença cristã no voluntarismo divino conduziu no período medieval a um fortalecimento de uma atitude empirista e instrumentalista em oposição a um racionalismo apriorista Este último era um dos elementos da imagem de ciência dos que se consideravam herdeiros de Aristóteles Inicialmente a afirmação do voluntarismo e do concomitante empirismo criou um clima favorável à imaginação científica libertandoa das amarras de uma imagem aristotélicoptolomaica de natureza Mas a revolução científica da modernidade não teria ocorrido se que cientistas como Galileu 15641642 voltassem a adotar uma atitude realista com respeito a teorias como a de Copérnico contrariando a postura instrumentalista pregada pela Igreja Voltando ao tema do uso de hipóteses em ciência veremos no capítulo 4 que os fracassos das explicações mecânicas de tipo cartesiano especialmente no domínio dos fenômenos biológicos motivaram em um primeiro momento uma atitude cética e restritiva quanto à formulação de hipóteses a respeito de mecanismos causais não observáveis Passouse a defender que as ciências deveriam visar meramente à descrição e não tentar explicar os fenômenos A história natural era justamente à época caracterizada pela simples busca de descrições dos fenômenos por oposição à física que estava comprometida com o ideal explicativo Essa postura metodológica dos que se dedicavam à história natural era além disso reforçada por uma epistemologia empirista de cepa lockeana que se opunha a um racionalismo de corte cartesiano que era pressuposto por boa parte da pesquisa em física sobretudo no domínio da mecânica O materialismo como imagem de natureza no século XVIII mostrouse contudo dificilmente conciliável com um empirismo estrito Do ceticismo que havia prevalecido no início daquele século passouse a uma atitude mais liberal quanto ao uso de hipóteses sobretudo no âmbito dos fenômenos que hoje chamaríamos de biológicos mas não somente como mostra a proliferação de fluidos imponderáveis na física do final daquele século As hipóteses adotadas para explicar processos biológicos não seriam mais de tipo mecanicista mas sim tributárias de outra imagem de natureza dinamista e materialista que pressupunha poderes ativos na própria matéria¹¹ Discutimos a influência dessas imagens de natureza sobretudo nos capítulos 3 e 4 ¹¹ Percebemos aqui uma dinâmica complexa em que os reveses explicativos de um programa que adotava uma imagem particular de natureza no caso o mecanicismo de tipo cartesiano refletiramse em mudanças nas imagens de ciência conduzindo no caso em tela a um fortalecimento do empirismo Essas novas imagens de ciência eram contudo um obstáculo à construção de explicações baseadas em uma nova imagem de natureza o dinamismo e o materialismo Isso forçou uma nova modificação nas imagens de ciência que voltaram a ser mais permissivas quanto ao uso de hipóteses a respeito de entidades e processos não observáveis ou não dire uma série de teorias em um mesmo programa de pesquisas por exemplo podem compartilhar uma mesma imagem de natureza Um argumento análogo pode ser montado para a relativa estabilidade das imagens de ciência relativamente aos métodos e valores efetivamente empregados pelos cientistas ao decidirem aceitar ou rejeitar produtos particulares de sua atividade No que diz respeito à grande caixa filosofia privilegiamos duas subáreas que têm maior influência sobre as ciências eou mais influência sofrem destas últimas a filosofia da ciência e a metafísica já que estão intimamente relacionadas às imagens de ciência e de natureza respectivamente Isso não exclui outras subáreas da filosofia que possam tornar a ciência como objeto de reflexão ou interagir de algum modo com os produtos da atividade científica Poderíamos então ter incluído também a lógica a ética a antropologia filosófica etc na caixa filosofia A filosofia tem uma dinâmica própria e autônoma com fatores condicionantes de várias ordens mas este não é nosso foco aqui A caixa filosofia indicia simplesmente buscando de certo modo uma simetria com os diversos elementos da caixa ciência que posições metafilosóficas restringem as metafísicas e as filosofias da ciência produzidas pelos filósofos A dinâmica da filosofia pode além disso ser afetada pela própria dinâmica da ciência e viceversa As várias setas ligando as duas grandes caixas indicam essa possibilidade de influência recíproca direta ou indireta A filosofia profissional aquela produzida pelos filósofos pode estar na origem das imagens dos cientistas Nesse caso a influência iria digamos da filosofia da ciência para a imagem de ciência ou da metafísica para a imagem de natureza Mas a influência inversa também ocorre das imagens para as filosofias dos filósofos Assim uma imagem de natureza pode motivar uma metafísica A influência nessa direção pode até ser mais direta como sugere a seta indo da caixa relativa à dimensão cognitiva da ciência teorias métodos e valores para as caixas da filosofia da ciência e da metafísica sem intermediação das imagens Ciência e filosofia As evidências históricas de que há um mútuo constrangimento entre imagens de natureza e de ciência sugerem que a ciência e a filosofia sistemática ou seja as áreas a que se dedicam respectivamente cientistas e filósofos profissionais interagem de múltiplas maneiras 10 A história da ciência e a da filosofia de fato superpõemse e têm uma relação muito mais íntima do que normalmente transparece nas reconstruções tanto dos historiadores da ciência quanto dos historiadores da filosofia Sabemos por exemplo que o surgimento da ciência moderna foi uma grande ou talvez a principal motivação para que filósofos como Locke Hume e Kant desenvolvessem suas teorias do conhecimento Isso sem falarmos de filósofos como Descartes ou Leibniz que deram contribuições tanto à ciência quanto à filosofia sendo difícil ou mesmo impraticável distinguir onde uma atividade especulativa acaba e a outra começa Delimitações rígidas comprometem em geral uma compreensão da unidade da obra desses pensadores e a interdependência das diversas investigações a que se dedicaram Quanto mais se recua na história tentativas de demarcar a ciência da filosofia tornamse cada vez mais questionáveis Detalho esse ponto nas considerações finais deste livro Muitos cientistas por sua vez dedicaramse a questões metodológicas epistemológicas e metafísicas colocadas por seu trabalho e assim deram contribuições importantes à filosofia O que motivou tais cientistas foi frequentemente a necessidade de explicitar as imagens de natureza e de ciência pressupostas por sua investigação Esse foi o caso de Poincaré Duhem e Hertz em uma tonalidade epistemológica para citar somente alguns cientistasfilósofos que são personagens dos estudos de caso deste livro Nos capítulos 9 e 10 mostramos como cientistas no século XIX chegaram por vezes a articular genuínas filosofias da ciência motivadas por seu trabalho científico Podemos dizer que a filosofia da ciência enquanto área especializada da filosofia e com um foco mais restrito do que a teoria geral do conhecimento estava constituindose na primeira metade do século XIX13 Efetivamente datam dessa época os trabalhos seminais de J Herschel W Whewell e J S Mill No capítulo 6 mostramos que as posições desses filósofos condicionaram as imagens de ciência da comunidade científica britânica e que Darwin reagiu especialmente a elas na tentativa de argumentar a favor de sua teoria As implicações do evolucionismo para a metafísica por outro lado foram também bastante exploradas 11 Portanto é de se esperar que em diversos graus e modalidades as imagens de natureza e de ciência dos cientistas influenciem as metafísicas epistemologias e metodologias elaboradas pelos filósofos e por sua vez que estas últimas tenham impacto naquelas imagens A história e a filosofia da ciência especialmente nas últimas décadas são um exemplo de como pode ser profícua a aproximação entre investigações empíricas no caso empreendidas no âmbito da ciência histórica e filosóficas no caso da filosofia que tem a ciência como seu objeto O historiador da ciência apoiandose nas teorias da racionalidade elaboradas pelo filósofo da ciência fará certamente uma historiografia mais consciente de seus pressupostos já que o historiador também assume imagens de ciência que o guiam na seleção e reconstrução do material histórico embora nem sempre se detenha em explicitálas e discutilas14 O filósofo da ciência por sua vez não pode ignorar o rico material que o historiador oferece do desenvolvimento científico como este se deu efetivamente no passado Esse material é frequentemente a base empírica de que o filósofo dispõe para avaliar as teorias da racionalidade científica que articula A fronteira entre o científico e o filosófico é usualmente bastante fluida sobretudo em um passado distante como observamos anteriormente Tentativas de traçar limites artificiais entre discussões classificandoas como estritamente científicas ou estritamente filosóficas só podem gerar má historiografia seja da ciência seja da filosofia Neste livro diversos capítulos poderiam ser classificados como de história da filosofia Outros como de história da ciência É certo que ao nos aproximarmos do presente as práticas cognitivas tornamse mais especializadas e seus produtos mais facilmente classificáveis no caso como científicos ou como filosóficos As ciências sobretudo a partir do século XVIII tornaramse gradativamente mais autônomas com respeito à filosofia institucionalizadas com uma linguagem e temáticas cada vez mais esotéricas Reconhecer isso não implica contudo que questões filosóficas não mais sejam colocadas na prática científica e por essa prática Mesmo quando tratamos de assuntos mais especializados como as diversas teorias nos domínios da óptica e do eletromagnetismo no século XIX nos capítulos 8 e 9 procuramos enfatizar os aspectos filosóficos subjacentes à prática científica e que a influenciaram de modo significativo Qualquer estudioso da história contemporânea da filosofia da ciência sabe por sua vez que esta deita raízes nas discussões filosóficas de cientistas do século XIX mencionamos alguns deles anteriormente Tornar estanques o fazer científico e o fazer filosófico mesmo na atualidade pode ser nocivo para ambos a ciência e a filosofia interagem de vários modos e em diferentes níveis e os estudos de caso deste livro contribuem para ilustrar como isso pode ocorrer15 Ele pode portanto ser encarado não somente como um livro de história da ciência mas igualmente como uma introdução histórica tanto à filosofia da ciência quanto à metafísica Ciência e sociedade Nos anos 1960 e 1970 ocorreu uma acirrada polêmica em torno do caráter que deve idealmente ter a historiografia da ciência Esta deve ocuparse exclusivamente dos aspectos internos isto é estritamente ligados à produção do conhecimento envolvendo por exemplo a construção de teorias o trabalho experimental e sua articulação com o trabalho teórico etc ou o historiador também deve investigar os fatores externos que moldam essa história Outra maneira de colocar as alternativas seria o conhecimento científico possui uma dinâmica própria autônoma ou depende de forma essencial das dinâmicas da cultura e das diversas práticas sociais Para que tais questões sejam devidamente encaminhadas é preciso reconhecer que o que condiciona a inclusão ou não de determinados fatores numa reconstrução histórica são as motivações do historiador e os objetivos que ele persegue bem como as características particulares dos episódios e períodos históricos que investiga O historiador deve lançar mão de todos os elementos necessários para que essas questões tenham uma resposta satisfatória e tais episódios venham a ser compreendidos e explicados Entramos em mais detalhes a esse respeito nas considerações finais deste livro mas adiantamos aqui alguns pontos Preocupações filosóficas sobretudo em metafísica e em epistemologia conduzem naturalmente a um estilo mais internalista de historiografia como o que caracteriza a maior parte dos capítulos deste livro Mas o trabalho científico tem múltiplas dimensões e sua relação com a cultura entendida em um sentido amplo e sua inserção em outras práticas sociais devem muitas vezes receber uma atenção especial do historiador para que ele possa oferecer uma explicação adequada de sua dinâmica Convém insistir que as questões que o historiador se coloca definem diferentes estilos e o foco em certos tipos de condicionantes históricos e não outros Nenhuma historiografia de qualquer período que seja pode pretender esgotar a riqueza do material histórico e a complexidade da trama que condiciona os eventos O importante é que o historiador explicite quais questões lhe interessam e de que modo isso o levou a fazer determinados recortes e a privilegiar certos eventos personagens etc em detrimento de outros16 A importância tecnológica política e ideológica que a ciência passa a ter sobretudo a partir do século XVIII e a base institucional em que se apoia não podem ser ignoradas pelo historiador mesmo por aquele que possui predominantemente interesses filosóficos como é nosso caso neste livro Por exemplo o desenvolvimento das ciências na França desse período que investigamos nos capítulos 5 e 7 exige que se amplie o foco só assim se pode compreender satisfatoriamente como foram engendradas as condições para que a ciência se tornasse uma das principais forças transformadoras nas sociedades contemporâneas O capítulo 5 tem nesse tocante um caráter distinto se comparado aos demais deste livro na medida em que abordamos um contexto mais amplo social educacional e político no qual o trabalho científico está imerso Embora esse capítulo tenha um estilo mais externalista diversas questões filosóficas ocupam aí um lugar central especialmente aquelas referentes às imagens de natureza e de ciência que dividiam por exemplo os filósofos iluministas ou as que eram partilhadas por diferentes setores da sociedade francesa nas franjas da intelectualidade e do establishment científico As imagens de ciência dos acadêmicos são comparadas no capítulo 5 às dos artesãos Investigamos também como as imagens dos políticos interagiram com as dos cientistas Essas múltiplas relações são cruciais para se entender as vicissitudes das instituições francesas nas quais a atividade científica se realizava nesse período Os capítulos 5 e 7 podem ser vistos ainda como um estudo sociológico bastante amplo da comunidade científica francesa entre o final do século XVIII e o início do século XIX O capítulo 7 e sobretudo o capítulo 9 tratam por sua vez de como as comunidades científicas do continente europeu incluindo a francesa e a britânica interagiram por meio do intercâmbio de conhecimento Como à época essas comunidades eram muito mais estanques do que hoje com dinâmicas internas idiossincráticas não surpreende descobrir que adotavam diferentes imagens de natureza e de ciência o que afetou de modo crucial a transmissão de ciência entre elas As dimensões cognitiva institucional e social da dinâmica científica estão todas elas tematizadas nesses capítulos Embora as considerações finais deste livro sejam dedicadas em grande medida a tópicos de metodologia da pesquisa histórica achamos pertinente adiantar um comentário a respeito do uso que fazemos de fontes primárias e secundárias Como este livro abrange um período muito vasto da história da ciência e da filosofia apoiamonos amplamente na literatura secundária produzida por historiadores consagrados especialistas nos respectivos períodos Isso é particularmente evidente nos dois primeiros capítulos que pretendem retraçar em largas pinceladas as imagens de natureza e de ciência que constituíram o pano de fundo para o trabalho científico que se realizou a partir do século XVII Isso não impediu que as linhas condutoras do trabalho historiográfico que empreendemos e que expusemos nesta Apresentação condicionassem a apropriação que fizemos do trabalho daqueles historiadores Contamos com a condescendência do leitor para o franco uso da literatura secundária sobretudo nos primeiros capítulos já que se espera idealmente que o historiador se debruce quase que de modo exclusivo sobre fontes primárias e com base nelas ofereça sua própria reconstrução do passado eventualmente confrontandoa com as reconstruções propostas por outros historiadores Esse ideal é praticamente inalcançável por um único historiador que se lance na reconstrução de um período tão extenso quanto o que cobre este livro Há evidentemente riscos em tentativas de se ampliar o escopo e não se circunscrever a estudos de caso envolvendo uns poucos autores ou um curto intervalo do tempo histórico mas os ganhos em termos de inteligibilidade também nos parecem evidentes ao se compor um quadro mais abrangente De toda forma há um uso crescente de fontes primárias e de uma pesquisa de primeira mão com base nelas na historiografia que desenvolvemos a partir do capítulo 3 Caberá ao leitor julgar se o resultado é ao mesmo tempo instigante e satisfatório do ponto de vista da fidelidade histórica e dos cânones metodológicos adotados pela historiografia contemporânea da ciência Capítulo 1 Imagens de natureza e de ciência na Antiguidade A chamada Revolução Científica do século XVII pode ser interpretada num determinado nível como uma substituição das imagens de natureza e de ciência da Antiguidade que foram assimiladas transformadas e transmitidas ao longo do período medieval por novas imagens A situação contudo é de grande complexidade pelas seguintes razões 1 Várias imagens de natureza e de ciência competiam na Antiguidade e no período medieval embora algumas delas tenham se tornado quase hegemônicas em determinados momentos Há portanto que se especificar quais imagens foram visadas pelas críticas dos cientistas e filósofos modernos 2 As novas imagens de natureza não podemos falar tampouco de uma única emergiram em contraposição a diversas imagens da Antiguidade e do período medieval e assimilaram seletivamente aspectos dessas imagens É preciso fazer justiça a essa diversidade se quisermos ter um quadro minimamente fiel dos episódios e desenvolvimentos que estão na origem da ciência moderna Neste capítulo apresentamos em linhas gerais algumas imagens de natureza e de ciência na Antiguidade que serviram como pano de fundo para os desenvolvimentos subsequentes que inauguraram a modernidade científica
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Os novos capítulos 4 e 5 servemse de ideias desenvolvidas no artigo Imagens de natureza de ciência e educação o caso da Revolução Francesa publicado na coletânea organizada por Stein e Kuiava Abrantes 2006 O capítulo 6 é totalmente novo e se apoia como indicamos nas referências em artigos que publicamos nos periódicos Ciência Ambiente e Ciência Hoje Abrantes 2008 2009 Na primeira edição deste livro planejaramos incluir um capítulo dedicado à filosofia da ciência de Hertz mas não pudemos fazêlo para atender às restrições impostas pela antiga editora quanto ao número de páginas Esse material foi publicado separadamente em uma coletânea organizada por Evora em 1992 e incorporado com modificações no capítulo 10 desta edição Agradecemos a autorização dos editores dessas publicações para que pudéssemos utilizar esses textos aqui Ficamos satisfeitos em poder retomar dessa forma o projeto original e além disso dar ao livro maior cobertura temática contemplando desenvolvimentos relativos à constituição da biologia como ciência Esta edição tem considerações finais inéditas em que aprofundamos algumas discussões metodológicas sobre a historiografia da ciência apenas indicadas na apresentação Também avaliamos aí o impacto que o emprego de modelos pode ter em uma historiografia comprometida com o ideal explicativo Fazemos ao final dessas considerações ponderações sobre o emprego da história das ciências no ensino de ciências e de filosofia Seria impraticável mencionar todas as pessoas que contribuíram para essa nova edição de Imagens de natureza imagens de ciência Entre a primeira edição 1988 e a atual transcorreram muitos anos ricos em experiência como docente e como pesquisador durante os quais pudemos apresentar os estudos deste livro para os mais diversos públicos Somos imensamente gratos a todos os que nos ajudaram nessas oportunidades a desenvolver ou rever as ideias apresentadas na primeira edição Destacamos a contribuição de nossos mais constantes interlocutores os alunos que cursam as disciplinas nas áreas de história e filosofia das ciências que oferecemos no Departamento de Filosofia e no Instituto de Biologia da Universidade de Brasília UnB Agradecemos por último o apoio do CNPq que nos permitiu realizar grande parte das pesquisas que resultaram neste trabalho Apresentação Os ensaios reunidos neste livro reconstroem alguns episódios significativos da história das ideias científicas cobrindo um período que vai da Antiguidade até o século XIX Neste texto apresentamos o arcabouço filosófico subjacente ao trabalho historiográfico aqui empreendido e por esta via introduzimos os temas centrais tratados nos diferentes capítulos Imagens de natureza A história da ciência fornece evidências de que em qualquer período os cientistas e filósofos admitiram consciente ou inconscientemente explícita ou implicitamente determinadas imagens de natureza que não podiam ser submetidas diretamente ao crivo da experiência Tais imagens fixam os constituintes que são considerados últimos ou essenciais da realidade suas modalidades de interação bem como os processos fundamentais dos quais participam Nossas concepções a respeito das entidades que constituem a natureza suas propriedades e modalidades de interação sofrem mudanças às vezes radicais ao longo do tempo Os recortes que fazemos do real nossas classificações das entidades e processos naturais variam de época para época refletindose em nossas teorias chamadas a explicar os fenômenos observados Povoamos o mundo de diversos modos em diferentes épocas Nossas teorias estão constantemente introduzindo novos termos que são muitas vezes rejeitados mais a frente Exemplos desses termos são esferas cristalinas éter flogístico calórico germes preexistentes etc Eles fazem parte de uma longa lista de termos que os cientistas em algum momento acredi taram que se referiam a entidades realmente existentes Hoje consideramos vários desses termos teóricos que só adquirem significado no interior das respectivas teorias meros produtos da imaginação de nossos predecessores e sabemos que não têm qualquer referência no real O mesmo pode ocorrer no futuro com os termos empregados nas teorias atualmente aceitas A imaginação teórica não poderia ser objeto de um controle experimental mais estrito evitandose a postulação de entidades e processos que não sejam observáveis Poderíamos eliminar tais hipóteses de nossas teorias admitindo somente objetos e processos que nos são imediatamente acessíveis como recomendaria um empirismo radical Essas são questões sobre as quais se debruçaram filósofos da ciência dos mais diversos matizes e não caberia discutilas aqui em detalhe O que tais discussões filosóficas deixaram claro é que o poder explicativo e preditivo de nossas teorias ficaria seriamente comprometido se adotássemos alguma terapia de eliminação e depuração dessas hipóteses e da linguagem teórica com que são expressas Em vez da expressão imagens de natureza que aparece no título e ao longo do livro poderíamos ter empregado expressões mais comuns com aproximadamente o mesmo sentido como concepções de natureza visões de natureza quadros de mundo etc Há ganhos mas também riscos no emprego de metáforas e temos de limitar a transferência irrestrita de toda a riqueza semântica que sugerem De um lado não pretendemos de forma alguma sugerir com a metáfora da imagem que o conhecimento científico no caso constitui um mero reflexo de uma realidade objetiva Ao contrário desejamos explorar essa metáfora no que ela aponta para uma irredutível contribuição do sujeito o cientista por exemplo na geração desse conhecimento O sujeito ou o grupo que integra representa de diversas maneiras seus objetos de investigação em função de suas crenças linguagem valores e interesses Por outro lado não quero sugerir tampouco que esses objetos são meras construções do sujeito sem qualquer tipo de restrição imposta por uma realidade objetiva Todo conhecimento sobretudo o produzido pela comunidade científica é avaliado por seu grau de adequação à experiência o palco no qual o sujeito interage com os objetos desse conhecimento Se esses objetos são sem dúvida representados exigese contudo que tais representações guardem algum tipo de similaridade ou correspondência com os objetos e processos na realidade que supomos existem independentemente do sujeito O caso de uma fotografia que é prontamente evocado pela metáfora da imagem pode servir para ilustrar essas considerações Todos nós esperamos que ela se assemelhe ao objeto fotografado o que nem sempre infelizmente é o caso Ao mesmo tempo sabemos que a fotografia é afetada de forma crucial pelas condições de iluminação pelas lentes e pela sensibilidade do filme empregados na máquina analógica neste caso pelo processo de revelação etc Isso sem falar da participação do fotógrafo que seleciona enquadra controla diversos parâmetros em função de seus objetivos e de sua apreciação estética De modo análogo a imagem de um objeto externo na retina é em condições normais causada pelo objeto Porém na medida em que o sujeito tem um acesso digamos consciente a essa imagem ela já se encontra impregnada filtrada por todo um conjunto de crenças do sujeito O processamento da informação visual é além disso condicionado pela estrutura do aparato cognitivo estrutura esta que por ter sido objeto de seleção natural ao longo da história evolutiva da espécie incorpora em seus mecanismos automáticos aos quais o sujeito não tem acesso consciente informação acerca do ambiente em que viveram seus ancestrais A metáfora da imagem poderia também ser aplicada a uma teoria científica esta pode ser vista como um aparato conceitual que utilizamos para capturar apreender os fenômenos com o intuito de categorizálos relacionálos explicálos prevêlos etc Poderíamos até atribuir propriedades análogas às visuais a estruturas que associamos ao conhecimento científico em alguns tipos de modelos por exemplo que podem ter um caráter icônico ver capítulo 8 Entretanto a razão para aqui distinguirmos imagens de natureza de teorias é que as primeiras fornecem justamente a matériaprima para os modelos e metáforas que são geratrizes e elementos constitutivos dessas teorias Na medida em que estas últimas são mais do que meros sistemas classificatórios dos fenômenos observados e visam explicar esses fenômenos através de hipóteses a respeito de suas causas em geral não observáveis as teorias não podem prescindir de uma imagem de natureza como sugerimos no início Por outro lado a dinâmica das imagens de natureza o modo e o ritmo com que se modificam não é a mesma das teorias científicas Uma ima gem de natureza por seu caráter abrangente e por postular entidades e relações consideradas essenciais à realidade tem em geral mais estabilidade que uma teoria Efetivamente uma sucessão de teorias pode compartilhar uma mesma imagem de natureza3 Uma imagem de natureza poderia ser identificada com uma metafísica ou uma filosofia da natureza embora a esses termos associemos especulações com uma sistematicidade que não exigiríamos de uma imagem que admite certo grau de dispersão e de imprecisão em seus contornos além de ter um caráter tácito Uma imagem de natureza possui justamente um caráter difuso incorporando de forma assistemática grande número de ideias intuições das quais não se tem muitas vezes consciência e não se consegue retraçar as origens Além disso diferentes imagens podem superporse havendo tolerância com respeito a inconsistências Estas são as características que como historiadores detectamos em diversas concepções dos cientistas Não estaríamos dispostos a atribuir a uma metafísica propriamente filosófica nenhuma dessas características que costumamos associar às imagens Mas qual a origem das imagens de natureza Muitas delas resultam de teorias científicas porém derivam mais comumente do senso comum e da experiência cotidiana Assim teorias já consolidadas e incorporadas ao nosso conhecimento de mundo familiares portanto são o ponto de partida para incursões em domínios novos de fenômenos fornecendo os modelos básicos para a tarefa explicativa a ser desempenhada por novas teorias A experiência cotidiana a linguagem ordinária e a ontologia a elas associadas são também fontes de modelos e metáforas de que se nutre a imaginação científica As imagens de natureza essas metafísicas4 assistemáticas que orientam a atividade científica criadora podem ser e são a longo prazo revistas ou substituídas especialmente se os programas de pesquisa que as pressupõem mostramse inadequados e incapazes de prever a experiência Desse modo as imagens de natureza também sofrem a pressão por assim dizer da experiência já que estão incorporadas em teorias e programas de pesquisa5 Exemplos de imagens de natureza Elencamos a seguir elementos de algumas imagens de natureza que se opõem em grande medida e que estão envolvidos em vários estudos de caso neste livro 1 mecanicismo dinamismo materialismo 2 deísmo teísmo 3 naturalismo sobrenaturalismo 4 ação à distância ação contígua 5 atomismo plenismo A crença de que todos os fenômenos físicos são manifestações de matéria em movimento o pressuposto fundamental da imagem mecanicista de natureza teve um papel central na instauração dos programas que caracterizaram a modernidade científica Nos capítulos 2 e 3 analisamos a emergência histórica dessa imagem O caráter inovador do mecanicismo só pode ser percebido se o comparamos com as principais imagens de natureza admitidas na Antiguidade discutidas no capítulo 1 as quais tiveram enorme influência até o período medieval e até além dele Veremos entretanto no capítulo 3 que o mecanicismo não foi uma imagem hegemônica de natureza mesmo no século XVII Sobreviveram na modernidade diversas imagens da Antiguidade gerando grande riqueza de da metafísica ou da ontologia por oposição ao caráter assistemático de uma imagem de natureza Também pode ser útil apontar a pretensão do filósofo que se dedica à metafísica de dar a seu empreendimento o caráter o mais geral possível Uma imagem de natureza diz respeito usualmente a um setor mais delimitado da realidade que constitui o objeto de uma ciência particular Aqueles que se perguntam como os filósofos da ciência contemporâneos poderiam encarar a noção de imagem de natureza e o papel que lhes atribuímos na prática científica podem consultar Abrantes 1998 2004a orientações de pesquisa muitas vezes conflitantes Por exemplo defendemos nesse capítulo que a imagem de natureza de Newton não é propriamente mecanicista mas sim dinamista A figura de Newton é central nas discussões em torno das imagens mecanicista e dinamista de natureza Suas teorias e especulações inspiraram programas de pesquisa nos séculos XVIII e XIX que apresentamos e discutimos especialmente nos capítulos 3 e 7 As teorias de Newton tornaramse hegemônicas e passaram a forjar as imagens de natureza pressupostas por pesquisadores em vários campos Alguns historiadores referemse por exemplo a uma visão astronômica de natureza que se originou do sucesso espetacular dos Principia de Newton Essa visão ou imagem como preferimos chamar aplicouse por exemplo ao estudo de processos microscópicos tomando como modelo os tipos de entidade e de interação investigados por Newton no domínio do macrocosmo Veremos contudo que outras imagens de natureza foram também inspiradas nos trabalhos de Newton A tensão entre imagens de natureza mutuamente incompatíveis é um dos motores do desenvolvimento científico e filosófico nos vários períodos históricos Nesse sentido o historiador precisa distinguir nos séculos XVIII e XIX uma imagem mecanicista e outra materialista Embora esta última possua alguns elementos em comum com o dinamismo induz a um tratamento especial dos fenômenos envolvendo os seres vivos Como mostramos no capítulo 4 o mecanicismo do século XVII mostrouse inadequado para explicar os fenômenos no âmbito do que mais tarde viria a ser chamado de biologia Essa mudança de uma imagem mecanicista que estava associada à teologia natural para uma imagem materialista abriu caminho para uma das maiores revoluções ocorridas na história da ciência envolvendo o reconhecimento de que a natureza não é estática mas sim palco do surgimento do novo particularmente de novas espécies biológicas O materialismo efetivamente possibilitou que a ideia de evolução pudesse se consolidar em princípios do século XIX Outro componente de uma imagem de natureza que desempenha um papel central em diversos episódios analisados no livro referese ao problema da transmissão da ação física Ao longo da história da ciência encontramos defensores de duas concepções rivais a de que a ação física se transmite à distância e a de que esta ação se transmite de forma contígua em geral tendo algum meio como suporte Muitas páginas deste livro são dedicadas a discussões em torno da constituição de um meio frequentemente nomeado de éter que foi chamado a desempenhar uma série de funções Investigamos o que motivou cientistas e filósofos desde a Antiguidade a incorporálo em sua imagem de natureza Nos capítulos 8 e 9 mostro como essa questão ainda era central no século XIX em particular na construção da teoria eletromagnética e na óptica Esses capítulos refletem nosso interesse pela história da noção de campo e de forma mais geral por explicações dos fenômenos físicos envolvendo uma ação mediatizada e contígua Esse interesse levounos ao estudo da cosmologia estoica capítulo 1 e de sua influência na constituição de uma imagem dinamista de natureza que teve grande influência na história da ciência moderna como já mencionado Argumentamos que o dinamismo é uma imagem de natureza compartilhada por cientistas tão diferentes e distanciados no tempo quanto Newton e Faraday No contexto do eletromagnetismo vemos também como esse dinamismo se associa a um plenismo uma imagem de natureza como continuum no trabalho de Maxwell enquanto a eletrodinâmica desenvolvida no continente europeu principalmente por Helmholtz pressuponha elementos de uma imagem atomista associados ao pressuposto de que as ações eletrodinâmicas transmitemse à distância O tema da modalidade de transmissão da ação relacionase de modo complexo com o mecanicismo Analisamos no capítulo 3 como os newtonianos e os cartesianos entre outras correntes divergiram no século XVII e no início do século XVIII quanto à legitimidade de se incluírem forças como a gravitational em uma ontologia mecanicista Aqueles que admitiam forças tinham de enfrentar o problema da ação à distância Aos que postulavam uma ação mediatizada e contígua colocavase por sua vez a questão da natureza do meio se mecânica ou não que pudesse darlhe suporte Essa discussão tinha à época uma forte motivação teológica as divergências remetiam frequentemente à questão de como se dá o relacionamento de Deus com a Natureza Esse foi o tema central da famosa correspondência entre Leibniz e Clarke à qual nos referimos em diversas oportunidades Como exemplificado neste e em vários outros episódios da história das ci ências uma imagem de natureza pode incluir uma particular posição com respeito a como se traça a fronteira entre o natural e o sobrenatural Imagens de ciência Também empregamos no livro a noção correlata de imagem de ciência Com ela pretendemos englobar diversos tipos de concepções agora não mais a respeito da natureza mas a respeito da própria ciência como atividade6 Optamos por empregar a expressão imagem de ciência em vez de outras como filosofia da ciência metodologia etc em virtude do caráter normalmente assistemático e tácito das imagens fator que molda a prática dos cientistas7 Uma imagem de ciência pode incluir por exemplo concepções a respeito dos métodos adequados para a aquisição do conhecimento científico Ou ainda um conjunto de critérios para a validação de teorias ou de qualquer outro produto da atividade científica Tais critérios estão normalmente vinculados à adoção de determinados valores cognitivos como os de adequação empírica simplicidade consistência poder preditivo etc que também constituem componentes centrais de imagens de ciência constituindose em uma axiologia8 6 Laudan 1977 p 58 utiliza a expressão imagem de ciência em sentido análogo ao que adotamos neste livro 7 Alguns filósofos da ciência entendem sua atividade como justamente a de explicitar tais imagens de ciência de articular as intuições ditas préanalíticas dos cientistas Essas intuições estão envolvidas por exemplo nas decisões destes últimos de aceitar ou não uma hipótese uma teoria ou mesmo o resultado de um experimento Tais juízos dos cientistas a respeito de situações que enfrentam constantemente em sua prática seriam nessa concepção a matériaprima das teorias filosóficas da racionalidade científica metodologias Ver Abrantes 2013 8 Por vezes ao longo do livro entendemos por ciência na expressão imagem de ciência o conhecimento de modo geral Portanto uma imagem de ciência pode ser entendida em muitos contextos sobretudo nos primeiros capítulos simplesmente como uma imagem de conhecimento Uma imagem de conhecimento corresponde a um conjunto de concepções a respeito da natureza fontes e limites do conhecimento Uma imagem de conhecimento também fixa os métodos considerados adequados e confiáveis para adquirirmos conhecimento Essas são questões às quais uma teoria do conhecimento deve dar uma resposta sistemática Uma imagem de conhecimento contudo não precisa ser tão articulada e explícita quanto uma teoria do conhecimento do mesmo modo como uma imagem de natureza não precisa ser tão articulada e explícita quanto uma metafísica O caráter tácito e por vezes difuso e ambíguo de tais imagens não impede que influenciem e moldem a atividade cognitiva de vários modos e em diferentes graus A importância relativa que se dá a determinado valor cognitivo pode ser o elemento distintivo de uma imagem de ciência Diferentes pesos atribuídos a cada um dos valores cognitivos configuram diferentes imagens de ciência Por exemplo devemos considerar a consistência de nossas teorias como um valor ao qual devem subordinarse a abrangência o poder preditor e a capacidade dessas teorias em sugerir novas pesquisas Os cientistas frequentemente divergiram a respeito dessa questão como exemplifica a polêmica entre Poincaré e Duhem apresentada no capítulo 9 Uma imagem de ciência pode também indicar respostas a questões do seguinte tipo quais são os fins da atividade científica Buscase simplesmente sistematizar os fenômenos conhecidos ou pretendese ir além prevendo novos fenômenos Devemos contentarnos em descrever a experiência imediata ou pretendemos também desvendar os mecanismos causais subjacentes frequentemente não observáveis Uma questão que perpassa diversos episódios que analisamos no livro e que se relaciona com as que acabamos de formular diz respeito aos termos presentes nas teorias como célula elétron cromossomo eles se referem a entidades realmente existentes ou constituem meras abreviações de dados empíricos Essas alternativas correspondem a diferentes imagens de ciência Para dar aqui um único exemplo da importância histórica dessas imagens mostramos no capítulo 6 como a chamada doutrina da vera causa foi central na recepção da teoria da evolução de Darwin em especial no tocante ao estatuto cognitivo do mecanismo de seleção natural Esse mecanismo é uma causa verdadeira do processo evolutivo ao lado de outras como pensava Darwin Que tipos de evidências nos permitem assegurálo Respostas a questões desse tipo não são nada triviais e têm desafiado tratamentos filosóficos sistemáticos das várias imagens de ciência envolvidas A filosofia contemporânea da ciência distingue várias posições a respeito do estatuto cognitivo das teorias científicas conhecidas como realismo científico empirismo e instrumentalismo ver Abrantes 2013 Essa discussão ilustra como as divergências entre os cientistas causadas por diferenças nas imagens de ciência por eles assumidas podem estar na origem de uma investigação mais propriamente filosófica Os resultados desta última podem eventualmente retroagir e afetar as imagens de ciência tacitamente envolvidas na prática científica Outros exemplos de imagens de ciência Listamos a seguir algumas outras imagens de ciência em vários casos apresentadas em pares contrastantes para facilitar a compreensão do que está em jogo 1 descrição explicação como fins a serem alcançados pelo conhecimento científico 2 método indutivo método de hipótese como métodos a serem empregados 3 experimentação observação 4 papel atribuído à matemática no estudo da natureza adequado ou não e tipo de matemática empregada e g geometria ou cálculo 5 uso ou não de modelos mecânicos etc 6 a ciência que é tomada como modelo para as demais e g a física ou a história natural Ao longo da história da ciência imagens de ciência divergentes condicionaram posições a respeito do caráter e da admissibilidade de hipóteses nas teorias científicas Newton em diversas de suas obras defendeu que em física não há lugar para hipóteses Ele se referia especificamente a hipóteses relativas à causa da força gravitação cuja lei havia descoberto Por isso a figura de Newton veio a ser associada a uma imagem positivista de ciência que rejeitou como não científico o emprego de hipóteses a respeito de entidades e processos inobserváveis Os positivistas adotaram no século XIX o lema hypothesis non fingo de Newton como uma bandeira contra a metafísica que se imiscuiria na ciência por meio da busca de explicações causais para os fenômenos observados Para o positivismo o conhecimento científico deveria limitarse a formular leis correlações funcionais a respeito dos parâmetros observados A descoberta da lei da gravitação universal por Newton e sua explícita recusa em discutir os mecanismos causais responsáveis por essa regularidade nômica foram consideradas por positivistas exemplos de uma autêntica atitude científica de um ideal de ciência No capítulo 3 em que investigamos o estatuto da gravitação no século XVII defendemos entretanto que há uma grande distância entre as máximas metodológicas newtonianas como interpretadas pelos positivistas e a prática do cientista Newton Frequentemente notamos inconsistências entre a imagem explicitada por um cientista e a que efetivamente opera em sua prática o que transparece em outros estudos de caso feitos neste livro A influência de Newton foi tão grande que a lei da gravitação chegou a ser considerada um modelo de lei física Quando Coulomb descobriu a lei da atração entre cargas elétricas a similaridade entre a estrutura dessa lei e a descoberta por Newton foi saudada como evidência a favor de sua validade O uso de hipóteses em física e seu caráter foi uma questão central para cientistas e filósofos dos séculos XVIII e XIX como mostramos no capítulo 7 em que enfocamos as teorias físicas produzidas na França nesse período Cientistas como Biot Ampère Fourier e Poisson divergiram a respeito dessa questão metodológica tendo como pano de fundo a influência hegemônica de Laplace que ditou tanto imagens de natureza quanto de ciência na comunidade científica francesa A discussão a respeito do caráter pretensamente hipotético da teoria darwinista da evolução foi também o pano de fundo para duros embates metodológicos na GrãBretanha do século XIX envolvendo os partidários das imagens de ciência indutivista e hipotéticodedutivista Darwin teve de se posicionar a respeito frente à pressão dos críticos de sua teoria conforme abordado no capítulo 6 Outro exemplo de como imagens de ciência e também de natureza moldam a prática científica criadora é discutido nos capítulos 8 e 9 nos quais acompanhamos o desenvolvimento do eletromagnetismo no século XIX Esse episódio é um exemplo de que o avanço científico se faz frequentemente pelo confronto entre tradições de pesquisa distintas no caso a tradição britânica iniciada por Faraday e continuada por Maxwell de um lado e a tradição continental iniciada por Ampère de outro Mostramos que as diversas teorias que competiam nesse período inseriamse em programas de pesquisa cada qual caracterizado não só por pressupostos relativos à natureza dos fenômenos estudados pressupostos metafísicos mas também relativos a determinados ideais de ciência pressupostos epistemológicos metodológicos e axiológicos9 9 A prática científica é afetada pelas imagens que os cientistas fazem dela imagens essas que correspondem a diferentes ideais de ciência e têm portanto um caráter normativo A despeito disso os cientistas são frequentemente levados a rever suas imagens da atividade de que par A obra científica de Maxwell é nesse sentido bastante especial pela consciência que ele possuía das imagens associadas ao programa do qual participava e pela análise crítica a que as submeteu Ele comparou por exemplo as vantagens e limitações de diferentes métodos que eram empregados pelos cientistas de sua época Discutiu além disso os problemas filosóficos colocados pela interpretação do formalismo matemático das teorias físicas pelo uso de hipóteses modelos mecânicos e analogias entre outros Diante do reconhecido sucesso em várias frentes da tradição continental em eletrodinâmica que pressupunha um complexo particular de imagens de natureza e de ciência a atitude de Maxwell foi defender o pluralismo isto é o trabalho simultâneo em programas alternativos baseados em diferentes imagens Como resultado de uma pesquisa que se estendeu por décadas tanto no plano teórico quanto experimental a teoria de Maxwell se impôs como uma alternativa viável e até superior às rivais Iniciouse então o processo de recepção dessa teoria pelos cientistas do continente europeu Esse episódio de transmissão de ciência é analisado em detalhe no capítulo 9 Nesse processo revelaramse não somente as diferentes imagens de natureza em que se apoiavam de um lado os cientistas britânicos e de outro os do continente europeu mas também suas diferentes imagens de ciência A recepção da teoria de Maxwell foi de fato acompanhada de uma intensa discussão metodológica e epistemológica que repercutiu por exemplo nas posições filosóficas de Poincaré e de Duhem já mencionadas brevemente No que diz respeito ao item 6 uma imagem de ciência pode também refletir preferências por uma ciência particular por sua metodologia pela estrutura típica de suas teorias etc que é então tomada como modelo para as demais ciências As matemáticas por exemplo foram em muitos períodos tomadas como modelos de ciência em função de sua estrutura dedutiva e da solidez epistêmica de seus fundamentos A física por sua vez em particular a física newtoniana foi modelar para as ciências do século XVIII Essas discussões remetem a diferentes metodologias associadas de um lado à mecânica e à astronomia e de outro às ticipam se percebem um grande descompasso entre elas e a prática da comunidade ou então se a prática que está em conformidade com uma particular imagem mostrase inadequada ou ineficaz em produzir conhecimento Ver Laudan 1984 chamadas ciências baconianas tema discutido no capítulo 2 A física foi contestada como modelo de ciência por philosophes como Diderot que tomaram ao invés a química e a história natural como modelos alternativos conforme analisado no capítulo 4 Várias polêmicas na história da ciência envolveram a questão da validade e dos limites do emprego da linguagem matemática nas teorias físicas bem como questões relativas à interpretação do formalismo das teorias físicas Divergências a esse respeito que tematizamos em vários capítulos remetem a diferenças nas imagens de ciência assumidas Essa questão tornouse especialmente relevante sobretudo a partir do final do século XVIII e temos um exemplo nas controvérsias envolvendo Fourier e os laplacianos capítulo 7 ou ainda nas dificuldades de Maxwell e de W Thomson em aceitar teorias que não estivessem acompanhadas de uma clara intepretação física do formalismo matemático capítulo 8 Essa questão foi também central para Duhem duro crítico dessa imagem de ciência A interrelação entre imagens de natureza e imagens de ciência Os exemplos das seções anteriores mostram como a prática científica está comprometida com um imaginário filosófico que é explicito pelos próprios cientistas quando se faz necessário Vários estudos de caso neste livro apontam um condicionamento recíproco entre imagens de natureza e imagens de ciência O emprego do mesmo termo imagem tanto no que se refere aos pressupostos metafísicos de um programa de pesquisas uma imagem de natureza quanto aos pressupostos epistemológicos metodológicos e axiológicos dessa atividade uma imagem de ciência abre espaço para um tratamento global dessas diferentes categorias de imagens e permite evidenciar sua interdependência É sabido que questões epistemológicas relativas a natureza e limites do conhecimento implicam de modo direto ou indireto questões metafísicas a respeito dos objetos de conhecimento e viceversa O capítulo 1 no qual discutimos as cosmologias de Platão de Aristóteles e dos estoicos entre outras propostas na Antiguidade fornece várias evidências disso Por exemplo Aristóteles ao rejeitar elementos centrais da metafísica de Platão teve de enfrentar sérias dificuldades epistemológicas de modo a assegurar ao conheci mento do mundo físico uma distinção e um valor epistêmico que seu mestre não estava disposto a conceder Um caso de interdependência entre imagens de natureza e de ciência discutido em detalhe no capítulo 2 é o da afirmação da experimentação como método na ciência moderna A emergência de novos métodos modalidades explicativas e fins para a atividade científica foi consequência de dramáticas mudanças em nossas imagens de natureza Isso é esperado na medida em que os métodos da ciência pressupõem muitas vezes de forma tácita hipóteses a respeito da natureza das entidades e processos investigados Assim o uso sistemático da experimentação como método só foi possível especialmente a partir do século XVI com a rejeição de uma suposta teleologia nos processos naturais e sua substituição por um estrito mecanicismo Procuro mostrar que a emergência de uma imagem mecanicista de natureza foi uma condição necessária para que a experimentação se qualificasse como um método adequado para a obtenção de conhecimento a respeito da Natureza Esse é um exemplo de como mudanças em nossas imagens de natureza induzem mudanças nos próprios métodos empregados para investigar a natureza e por essa via mudanças nas imagens de ciência Nem sempre tais mudanças são espetaculares e amplas como neste caso muitas vezes as mudanças metodológicas são circunscritas a determinadas áreas que investigam tipos específicos de fenômenos As novas metodologias possibilitam por sua vez em sentido inverso a formulação de novas hipóteses ou impõem revisões e até a rejeição de hipóteses anteriormente aceitas induzindo dessa maneira mudanças nas próprias imagens de natureza¹⁰ A articulação entre imagens de natureza e de ciência e os padrões de desenvolvimento gerados por sua interrelação tomam formas particulares em cada época devendo ser objeto de investigação historiográfica Outro exemplo de condicionamento entre imagens de natureza e de ciência referese aos efeitos epistemológicos de crenças a respeito da relação entre Deus e Natureza No capítulo 2 mostramos como a crença cristã no voluntarismo divino conduziu no período medieval a um fortalecimento de uma atitude empirista e instrumentalista em oposição a um racionalismo apriorista Este último era um dos elementos da imagem de ciência dos que se consideravam herdeiros de Aristóteles Inicialmente a afirmação do voluntarismo e do concomitante empirismo criou um clima favorável à imaginação científica libertandoa das amarras de uma imagem aristotélicoptolomaica de natureza Mas a revolução científica da modernidade não teria ocorrido se que cientistas como Galileu 15641642 voltassem a adotar uma atitude realista com respeito a teorias como a de Copérnico contrariando a postura instrumentalista pregada pela Igreja Voltando ao tema do uso de hipóteses em ciência veremos no capítulo 4 que os fracassos das explicações mecânicas de tipo cartesiano especialmente no domínio dos fenômenos biológicos motivaram em um primeiro momento uma atitude cética e restritiva quanto à formulação de hipóteses a respeito de mecanismos causais não observáveis Passouse a defender que as ciências deveriam visar meramente à descrição e não tentar explicar os fenômenos A história natural era justamente à época caracterizada pela simples busca de descrições dos fenômenos por oposição à física que estava comprometida com o ideal explicativo Essa postura metodológica dos que se dedicavam à história natural era além disso reforçada por uma epistemologia empirista de cepa lockeana que se opunha a um racionalismo de corte cartesiano que era pressuposto por boa parte da pesquisa em física sobretudo no domínio da mecânica O materialismo como imagem de natureza no século XVIII mostrouse contudo dificilmente conciliável com um empirismo estrito Do ceticismo que havia prevalecido no início daquele século passouse a uma atitude mais liberal quanto ao uso de hipóteses sobretudo no âmbito dos fenômenos que hoje chamaríamos de biológicos mas não somente como mostra a proliferação de fluidos imponderáveis na física do final daquele século As hipóteses adotadas para explicar processos biológicos não seriam mais de tipo mecanicista mas sim tributárias de outra imagem de natureza dinamista e materialista que pressupunha poderes ativos na própria matéria¹¹ Discutimos a influência dessas imagens de natureza sobretudo nos capítulos 3 e 4 ¹¹ Percebemos aqui uma dinâmica complexa em que os reveses explicativos de um programa que adotava uma imagem particular de natureza no caso o mecanicismo de tipo cartesiano refletiramse em mudanças nas imagens de ciência conduzindo no caso em tela a um fortalecimento do empirismo Essas novas imagens de ciência eram contudo um obstáculo à construção de explicações baseadas em uma nova imagem de natureza o dinamismo e o materialismo Isso forçou uma nova modificação nas imagens de ciência que voltaram a ser mais permissivas quanto ao uso de hipóteses a respeito de entidades e processos não observáveis ou não dire uma série de teorias em um mesmo programa de pesquisas por exemplo podem compartilhar uma mesma imagem de natureza Um argumento análogo pode ser montado para a relativa estabilidade das imagens de ciência relativamente aos métodos e valores efetivamente empregados pelos cientistas ao decidirem aceitar ou rejeitar produtos particulares de sua atividade No que diz respeito à grande caixa filosofia privilegiamos duas subáreas que têm maior influência sobre as ciências eou mais influência sofrem destas últimas a filosofia da ciência e a metafísica já que estão intimamente relacionadas às imagens de ciência e de natureza respectivamente Isso não exclui outras subáreas da filosofia que possam tornar a ciência como objeto de reflexão ou interagir de algum modo com os produtos da atividade científica Poderíamos então ter incluído também a lógica a ética a antropologia filosófica etc na caixa filosofia A filosofia tem uma dinâmica própria e autônoma com fatores condicionantes de várias ordens mas este não é nosso foco aqui A caixa filosofia indicia simplesmente buscando de certo modo uma simetria com os diversos elementos da caixa ciência que posições metafilosóficas restringem as metafísicas e as filosofias da ciência produzidas pelos filósofos A dinâmica da filosofia pode além disso ser afetada pela própria dinâmica da ciência e viceversa As várias setas ligando as duas grandes caixas indicam essa possibilidade de influência recíproca direta ou indireta A filosofia profissional aquela produzida pelos filósofos pode estar na origem das imagens dos cientistas Nesse caso a influência iria digamos da filosofia da ciência para a imagem de ciência ou da metafísica para a imagem de natureza Mas a influência inversa também ocorre das imagens para as filosofias dos filósofos Assim uma imagem de natureza pode motivar uma metafísica A influência nessa direção pode até ser mais direta como sugere a seta indo da caixa relativa à dimensão cognitiva da ciência teorias métodos e valores para as caixas da filosofia da ciência e da metafísica sem intermediação das imagens Ciência e filosofia As evidências históricas de que há um mútuo constrangimento entre imagens de natureza e de ciência sugerem que a ciência e a filosofia sistemática ou seja as áreas a que se dedicam respectivamente cientistas e filósofos profissionais interagem de múltiplas maneiras 10 A história da ciência e a da filosofia de fato superpõemse e têm uma relação muito mais íntima do que normalmente transparece nas reconstruções tanto dos historiadores da ciência quanto dos historiadores da filosofia Sabemos por exemplo que o surgimento da ciência moderna foi uma grande ou talvez a principal motivação para que filósofos como Locke Hume e Kant desenvolvessem suas teorias do conhecimento Isso sem falarmos de filósofos como Descartes ou Leibniz que deram contribuições tanto à ciência quanto à filosofia sendo difícil ou mesmo impraticável distinguir onde uma atividade especulativa acaba e a outra começa Delimitações rígidas comprometem em geral uma compreensão da unidade da obra desses pensadores e a interdependência das diversas investigações a que se dedicaram Quanto mais se recua na história tentativas de demarcar a ciência da filosofia tornamse cada vez mais questionáveis Detalho esse ponto nas considerações finais deste livro Muitos cientistas por sua vez dedicaramse a questões metodológicas epistemológicas e metafísicas colocadas por seu trabalho e assim deram contribuições importantes à filosofia O que motivou tais cientistas foi frequentemente a necessidade de explicitar as imagens de natureza e de ciência pressupostas por sua investigação Esse foi o caso de Poincaré Duhem e Hertz em uma tonalidade epistemológica para citar somente alguns cientistasfilósofos que são personagens dos estudos de caso deste livro Nos capítulos 9 e 10 mostramos como cientistas no século XIX chegaram por vezes a articular genuínas filosofias da ciência motivadas por seu trabalho científico Podemos dizer que a filosofia da ciência enquanto área especializada da filosofia e com um foco mais restrito do que a teoria geral do conhecimento estava constituindose na primeira metade do século XIX13 Efetivamente datam dessa época os trabalhos seminais de J Herschel W Whewell e J S Mill No capítulo 6 mostramos que as posições desses filósofos condicionaram as imagens de ciência da comunidade científica britânica e que Darwin reagiu especialmente a elas na tentativa de argumentar a favor de sua teoria As implicações do evolucionismo para a metafísica por outro lado foram também bastante exploradas 11 Portanto é de se esperar que em diversos graus e modalidades as imagens de natureza e de ciência dos cientistas influenciem as metafísicas epistemologias e metodologias elaboradas pelos filósofos e por sua vez que estas últimas tenham impacto naquelas imagens A história e a filosofia da ciência especialmente nas últimas décadas são um exemplo de como pode ser profícua a aproximação entre investigações empíricas no caso empreendidas no âmbito da ciência histórica e filosóficas no caso da filosofia que tem a ciência como seu objeto O historiador da ciência apoiandose nas teorias da racionalidade elaboradas pelo filósofo da ciência fará certamente uma historiografia mais consciente de seus pressupostos já que o historiador também assume imagens de ciência que o guiam na seleção e reconstrução do material histórico embora nem sempre se detenha em explicitálas e discutilas14 O filósofo da ciência por sua vez não pode ignorar o rico material que o historiador oferece do desenvolvimento científico como este se deu efetivamente no passado Esse material é frequentemente a base empírica de que o filósofo dispõe para avaliar as teorias da racionalidade científica que articula A fronteira entre o científico e o filosófico é usualmente bastante fluida sobretudo em um passado distante como observamos anteriormente Tentativas de traçar limites artificiais entre discussões classificandoas como estritamente científicas ou estritamente filosóficas só podem gerar má historiografia seja da ciência seja da filosofia Neste livro diversos capítulos poderiam ser classificados como de história da filosofia Outros como de história da ciência É certo que ao nos aproximarmos do presente as práticas cognitivas tornamse mais especializadas e seus produtos mais facilmente classificáveis no caso como científicos ou como filosóficos As ciências sobretudo a partir do século XVIII tornaramse gradativamente mais autônomas com respeito à filosofia institucionalizadas com uma linguagem e temáticas cada vez mais esotéricas Reconhecer isso não implica contudo que questões filosóficas não mais sejam colocadas na prática científica e por essa prática Mesmo quando tratamos de assuntos mais especializados como as diversas teorias nos domínios da óptica e do eletromagnetismo no século XIX nos capítulos 8 e 9 procuramos enfatizar os aspectos filosóficos subjacentes à prática científica e que a influenciaram de modo significativo Qualquer estudioso da história contemporânea da filosofia da ciência sabe por sua vez que esta deita raízes nas discussões filosóficas de cientistas do século XIX mencionamos alguns deles anteriormente Tornar estanques o fazer científico e o fazer filosófico mesmo na atualidade pode ser nocivo para ambos a ciência e a filosofia interagem de vários modos e em diferentes níveis e os estudos de caso deste livro contribuem para ilustrar como isso pode ocorrer15 Ele pode portanto ser encarado não somente como um livro de história da ciência mas igualmente como uma introdução histórica tanto à filosofia da ciência quanto à metafísica Ciência e sociedade Nos anos 1960 e 1970 ocorreu uma acirrada polêmica em torno do caráter que deve idealmente ter a historiografia da ciência Esta deve ocuparse exclusivamente dos aspectos internos isto é estritamente ligados à produção do conhecimento envolvendo por exemplo a construção de teorias o trabalho experimental e sua articulação com o trabalho teórico etc ou o historiador também deve investigar os fatores externos que moldam essa história Outra maneira de colocar as alternativas seria o conhecimento científico possui uma dinâmica própria autônoma ou depende de forma essencial das dinâmicas da cultura e das diversas práticas sociais Para que tais questões sejam devidamente encaminhadas é preciso reconhecer que o que condiciona a inclusão ou não de determinados fatores numa reconstrução histórica são as motivações do historiador e os objetivos que ele persegue bem como as características particulares dos episódios e períodos históricos que investiga O historiador deve lançar mão de todos os elementos necessários para que essas questões tenham uma resposta satisfatória e tais episódios venham a ser compreendidos e explicados Entramos em mais detalhes a esse respeito nas considerações finais deste livro mas adiantamos aqui alguns pontos Preocupações filosóficas sobretudo em metafísica e em epistemologia conduzem naturalmente a um estilo mais internalista de historiografia como o que caracteriza a maior parte dos capítulos deste livro Mas o trabalho científico tem múltiplas dimensões e sua relação com a cultura entendida em um sentido amplo e sua inserção em outras práticas sociais devem muitas vezes receber uma atenção especial do historiador para que ele possa oferecer uma explicação adequada de sua dinâmica Convém insistir que as questões que o historiador se coloca definem diferentes estilos e o foco em certos tipos de condicionantes históricos e não outros Nenhuma historiografia de qualquer período que seja pode pretender esgotar a riqueza do material histórico e a complexidade da trama que condiciona os eventos O importante é que o historiador explicite quais questões lhe interessam e de que modo isso o levou a fazer determinados recortes e a privilegiar certos eventos personagens etc em detrimento de outros16 A importância tecnológica política e ideológica que a ciência passa a ter sobretudo a partir do século XVIII e a base institucional em que se apoia não podem ser ignoradas pelo historiador mesmo por aquele que possui predominantemente interesses filosóficos como é nosso caso neste livro Por exemplo o desenvolvimento das ciências na França desse período que investigamos nos capítulos 5 e 7 exige que se amplie o foco só assim se pode compreender satisfatoriamente como foram engendradas as condições para que a ciência se tornasse uma das principais forças transformadoras nas sociedades contemporâneas O capítulo 5 tem nesse tocante um caráter distinto se comparado aos demais deste livro na medida em que abordamos um contexto mais amplo social educacional e político no qual o trabalho científico está imerso Embora esse capítulo tenha um estilo mais externalista diversas questões filosóficas ocupam aí um lugar central especialmente aquelas referentes às imagens de natureza e de ciência que dividiam por exemplo os filósofos iluministas ou as que eram partilhadas por diferentes setores da sociedade francesa nas franjas da intelectualidade e do establishment científico As imagens de ciência dos acadêmicos são comparadas no capítulo 5 às dos artesãos Investigamos também como as imagens dos políticos interagiram com as dos cientistas Essas múltiplas relações são cruciais para se entender as vicissitudes das instituições francesas nas quais a atividade científica se realizava nesse período Os capítulos 5 e 7 podem ser vistos ainda como um estudo sociológico bastante amplo da comunidade científica francesa entre o final do século XVIII e o início do século XIX O capítulo 7 e sobretudo o capítulo 9 tratam por sua vez de como as comunidades científicas do continente europeu incluindo a francesa e a britânica interagiram por meio do intercâmbio de conhecimento Como à época essas comunidades eram muito mais estanques do que hoje com dinâmicas internas idiossincráticas não surpreende descobrir que adotavam diferentes imagens de natureza e de ciência o que afetou de modo crucial a transmissão de ciência entre elas As dimensões cognitiva institucional e social da dinâmica científica estão todas elas tematizadas nesses capítulos Embora as considerações finais deste livro sejam dedicadas em grande medida a tópicos de metodologia da pesquisa histórica achamos pertinente adiantar um comentário a respeito do uso que fazemos de fontes primárias e secundárias Como este livro abrange um período muito vasto da história da ciência e da filosofia apoiamonos amplamente na literatura secundária produzida por historiadores consagrados especialistas nos respectivos períodos Isso é particularmente evidente nos dois primeiros capítulos que pretendem retraçar em largas pinceladas as imagens de natureza e de ciência que constituíram o pano de fundo para o trabalho científico que se realizou a partir do século XVII Isso não impediu que as linhas condutoras do trabalho historiográfico que empreendemos e que expusemos nesta Apresentação condicionassem a apropriação que fizemos do trabalho daqueles historiadores Contamos com a condescendência do leitor para o franco uso da literatura secundária sobretudo nos primeiros capítulos já que se espera idealmente que o historiador se debruce quase que de modo exclusivo sobre fontes primárias e com base nelas ofereça sua própria reconstrução do passado eventualmente confrontandoa com as reconstruções propostas por outros historiadores Esse ideal é praticamente inalcançável por um único historiador que se lance na reconstrução de um período tão extenso quanto o que cobre este livro Há evidentemente riscos em tentativas de se ampliar o escopo e não se circunscrever a estudos de caso envolvendo uns poucos autores ou um curto intervalo do tempo histórico mas os ganhos em termos de inteligibilidade também nos parecem evidentes ao se compor um quadro mais abrangente De toda forma há um uso crescente de fontes primárias e de uma pesquisa de primeira mão com base nelas na historiografia que desenvolvemos a partir do capítulo 3 Caberá ao leitor julgar se o resultado é ao mesmo tempo instigante e satisfatório do ponto de vista da fidelidade histórica e dos cânones metodológicos adotados pela historiografia contemporânea da ciência Capítulo 1 Imagens de natureza e de ciência na Antiguidade A chamada Revolução Científica do século XVII pode ser interpretada num determinado nível como uma substituição das imagens de natureza e de ciência da Antiguidade que foram assimiladas transformadas e transmitidas ao longo do período medieval por novas imagens A situação contudo é de grande complexidade pelas seguintes razões 1 Várias imagens de natureza e de ciência competiam na Antiguidade e no período medieval embora algumas delas tenham se tornado quase hegemônicas em determinados momentos Há portanto que se especificar quais imagens foram visadas pelas críticas dos cientistas e filósofos modernos 2 As novas imagens de natureza não podemos falar tampouco de uma única emergiram em contraposição a diversas imagens da Antiguidade e do período medieval e assimilaram seletivamente aspectos dessas imagens É preciso fazer justiça a essa diversidade se quisermos ter um quadro minimamente fiel dos episódios e desenvolvimentos que estão na origem da ciência moderna Neste capítulo apresentamos em linhas gerais algumas imagens de natureza e de ciência na Antiguidade que serviram como pano de fundo para os desenvolvimentos subsequentes que inauguraram a modernidade científica