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Filosofia ·

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Revisitando o cânone da filosofia moderna inicial1 Lisa Shapiro 1 Introdução No interior da história do início da filosofia moderna filósofos na América do Norte consideraram as figuras centrais do período como sendo sete Descartes Espinosa Locke Berkeley Hume e claro Hume pelo menos desde o começo do Século XX Foi aí que como sugere Bruce Kuclick 1984 William Jaimes e Josiah Royce firmaram quem eram as pessoas que valiam a pena ser lidas os grandes filósofos do período Depois de mais de cem anos pode ser a hora de revisitar tanto essa linha narrativa quanto o que exatamente pode significar ser um grande filósofo Podese argumentar que os esforços das últimas décadas de explorar figuras menos canônicas começando com o trabalho de Popkin e Watson e ganhando fôlego com os esforços mais recentes de se dar atenção a Malebranche Nadler 1992 Schmaltz 1996 a Gassendi Lolordo 2007 Fisher 2005 a Newton Downing 2014 Janiak 2007 ou a Reid Copenhaver 2007 2010 2011 Lehrer 1989 Van Cleve 2002 implicam todos o reconhecimento da necessidade de se renovar e de se reavivar a discussão De todo modo permanece um desequilíbrio entre esse interesse acadêmico e o interesse pedagógico Afinal poucas pessoas dão aulas sobre essas figuras nãocanônicas em suas aulas para a graduação Se essas figuras ganham algum espaço seja acadêmico ou pedagógico é porque elas se encaixam facilmente na narrativa que sustenta a canonização das sete grandes figuras centrais Portanto o cânone do início da modernidade como tal limita efetivamente se não as figuras que tomamos como importantes ao menos as narrativas que acreditamos definir a história da filosofia Houve também outro movimento nas últimas décadas Liderado por Daniel Garber historiadores da filosofia do período da modernidade incipiente buscaram contextualizar a filosofia desse período situando sua metafísica e em particular a metafísica do corpo e a natureza do espaço em relação à história da ciência assim modificando sutilmente a narrativa Recentemente esse programa contextualista foi estendido para incluir a epistemologia no coração da ciência experimental da época bem como a sua metafísica Aqui 1 Texto traduzido livremente com fins exclusivamente pedagógicos de SHAPIRO Lisa Revisiting the Early Modern Philosophical Canon Journal of the American Philosophical Association Accepted August 30 2016 também o foco tem residido na produção bibliográfica Se essa narrativa contextualista é incorporada à sala de aula isso tende a ocorrer mantendose as sete figuras canônicas e com o enfoque na metafísica do corpo e na causalidade Enquanto as questões centrais são retrabalhadas as figuras centrais permanecem as mesmas mesmo se outras figuras como Gassendi Boyle e Newton forem discutidas A estabilidade enraizada dessas figuras no cânone ressalta outro aspecto sua homogeneidade Nos idos da modernidade houve muitas mulheres que se engajaram ativamente com a filosofia mas boa parte de quem exerce pesquisa e docência na área não lê as pensadoras dessa época A dinâmica porém está mudando rapidamente É possível imaginar também que havia africanos árabes judeus e indianos na Europa engajados com filosofia mas uma porção ainda menor de nós vem trabalhando para descobrir ou se engajar com as obras desses pensadores Compartilhese ou não a tese de que a história da filosofia moderna incipiente deva ser revisitada ou mesmo se preocupe com a homogeneidade do cânone filosófico refletir criticamente sobre nosso foco em um conjunto de figuras e de narrativas com questões próprias pode nos permitir entender como funcionam os cânones em nossa disciplina Eu começo considerando a função e a estrutura de qualquer cânone filosófico para poder melhor avaliar o cânone da forma como está posto e para considerar o que é preciso para constituir um cânone filosófico Meu objetivo não é advogar diretamente pela introdução de novas figuras ao cânone ou pela retirada desta ou daquela figura Na verdade eu busco mostrar como nosso cânone pode ser diferente Para tanto eu forneço um estudo de caso que dá relevo a diferentes questões fundamentais para desenvolver uma narrativa As concepções de mente na filosofia do início da modernidade eram tão diferenciadas quanto o eram as concepções de corpo E assim como as concepções de corpo as concepções eram distribuídas e incorporadas em um contexto particular São centrais para esse contexto os escritos filosóficos sobre educação Realocando as questões sobre a mente que tomamos por centrais podemos não só transformar nossas narrativas sobre a história da filosofia mas também introduzir um grupo mais diverso e heterogêneo de figuras e de trabalhos a nossas historiografias filosóficas Um cânone filosófico deve ser dirigido por questões centrais e nós fazemos bem em olhar a história da filosofia para redescobrir as linhas de investigação que caíram em desuso mas que são mesmo assim relevantes para os dias de hoje Eu começo minha discussão do cânone filosófico me voltando para a justificativa interna de quem é nele incluso Na consideração do cânone da modernidade incipiente como está podemos ver três elementos centrais e interligados para essa justificativa interna o cânone dá um relato causal para o desenvolvimento histórico e intelectual da filosofia ao redor de um conjunto de questões filosóficas que são centralmente constitutivas dessa disciplina apresentada como o conjunto de trabalhos filosóficos de particular distinção e importância Na Seção Dois eu ilustro esse ponto no tocante ao cânone tradicional Na Seção Três eu mostro como os esforços de contextualizar a modernidade incipiente na história da ciência têm modificado sutilmente as questões centrais mesmo que preservando boa parte da linha causal de influência intelectual assim como uma presunção sobre a forma textual de um trabalho distintamente filosófico O estudo de caso que se foca no contexto intelectual e histórico das discussões acerca da natureza da mente e em particular as discussões filosóficas da época sobre educação que eu irei expor na Seção Quatro delineia uma outra história causal e nesse intento abre um novo tipo de questões filosóficas sobre a interrelação entre consciência posse de pensamento racionalidade educação e hábitos como central para a área bem como desafia o que define uma obra como propriamente filosófica Ao fazêlo isso também introduz um conjunto de mulheres assim como homens que pensaram sobre mulheres como figuras fundamentais para o debate filosófico Dessa forma desafiase a justificativa interna do cânone Nessa revisita crítica do cânone filosófico é importante reconhecer que o cânone funciona dentro da disciplina de uma forma particular e que os aspectos estruturais que o justificam e o estabilizam lhe são internos Primeiro ler figuras canônicas na história da filosofia tem um papel central em ensinar a estudantes o que é filosofia quais métodos usamos a quais temas ou questões a filosofia se reporta e como nosso passado filosófico nos traz ao nosso presente filosófico O cânone tem pois uma função pedagógica Em segundo lugar como registrou Richard Rorty 1984 o cânone é também justificatório dos interesses filosóficos contemporâneos Os filósofos contemporâneos costumam querer situar o seu próprio trabalho dentro de uma longeva tradição para colocar suas discussões contemporâneas como executoras de um progresso em relação a questões pelo menos semelhantes esse cânone serve então como uma Geistesgeschichte História do Espírito Embora essas sejam pressões conservadoras elas também podem ser aproveitadas Eu concluo considerando se um cânone desestabilizado pode continuar a funcionar pedagogicamente e como isso pode ajudar a apoiar certas preocupações filosóficas contemporâneas É uma importante função do trabalho em história da filosofia a abertura de novas linhas de investigação contemporânea e igualmente prover recursos para dar base a essas investigações assim como fazer com que essas novas linhas de investigação sejam facilmente introduzidas ao processo de ensino e aprendizado 2 A história canônica do início da filosofia moderna Para ilustrar essas estratégias de justificativa consideremos o cânone tradicional para o início da filosofia moderna Este se propõe a descrever uma cadeia causal de eventos intelectuais que começa com Descartes uma figura alardeada como essencialmente autocausada Sua metafísica inovadora e dualismo vai e impacta Espinosa e Leibniz cada um dos quais lê Descartes e então Leibniz lê Espinosa Cada um deles desenvolve o seu próprio sistema filosófico em resposta ao que entendem como virtudes e vícios da proposta cartesiana preservando a intuição filosófica de que o conhecimento é fundamentado na natureza da mente humana ou da razão enquanto resistem à visão cartesiana de haver duas substâncias finitas separadas e independentes independentes exceto em sua dependência para com Deus que seriam o corpo e a mente Espinosa não se contenta com a consistência da ontologia de Descartes e argumenta que que há somente uma substância uma substância infinita que tem atributos infinitamente múltiplos dos quais o pensamento e a extensão são dois os dois que nós seres humanos somos capazes de entender Leibniz por sua vez responde tanto Descartes como Espinosa buscando dar conta do problema indefectível da interação entre duas substâncias realmente distintas enquanto resistindo ao monismo metafísico e preservando os indivíduos Nessa última concepção o que existem são mônadas as únicas entidades com um conceito individual completo cada uma das quais expressando o universo todo embora não o façam com total clareza As entidades particulares que encontramos são simplesmente agregados de mônadas que se encontram nas relações harmônicas préestabelecidas umas com as outras Também Locke foi impactado por Descartes embora tenha desenvolvido uma alternativa para o sistema epistemológico cartesiano rejeitando o inatismo a respeito da razão e tomando o conhecimento como fundado no que a experiência apresenta permanecendo no geral agnóstico sobre a metafísica com a possível exceção da força fundamentalmente humana de para agir ou a própria liberdade e a natureza e a existência de Deus Para Locke a substância pura em geral é um não sei o quê que serve como substrato em que as qualidades se assentam em vez de subsistirem por si próprias Substâncias particulares são simplesmente aquilo que é apreendido pelos nomes com que assinalamos agregados de qualidades que se encontram juntas No entanto assim como o dualismo de Descartes tem seus problemas também os tem o compromisso de Locke com a primazia da percepção sensível Berkeley e Hume cada qual à sua maneira leram Locke com cuidado e Hume leu Berkeley e foram afetados por seus compromissos empiristas desenvolvendo suas próprias filosofias de modo a evitar os problemas de Locke e a um só tempo manter o seu empirismo Eles podem compartilhar o nominalismo sobre substâncias particular mas cada um tem asseverações claras que escapam da metodologia empirista de Locke Berkeley demonstra que não há base na experiência para estabelecer distinções entre propriedades que tomamos como essenciais para corpos e aquelas que temos por dependentes em nossa percepção Hume lida com a causalidade aplicando os princípios empiristas para a articulação desse conceito A cadeia causal intelectual da narrativa canônica conduz inexoravelmente a Kant como seu ápice Muito se faz com a sentença de Kant de que Hume o acordou de seu sono dogmático e então do elo causal entre Hume e Kant mas é também fato que Kant é tido como síntese das intuições daqueles escrevendo nas tradições cartesiana e lockeana de modo a evitar as armadilhas de cada uma das tradições A segunda estratégia de justificativa interna é usada na construção dessa já aceita história Um pequeno conjunto de questões filosóficas de base estrutura essa narrativa a questão epistemológica da base para proposições sobre o conhecimento a questão metafísica sobre que tipo de coisas existem e como interagem causalmente Figuras nãocanônicas têm sido enxertadas na narrativa em virtude de se reportarem a essas questões Malebranche é introduzido como uma figura de destaque no cartesianismo porque expande a forma como a natureza da mente fundamenta o conhecimento ao apelar para nossa percepção de ideias na mente de Deus e ainda ao desenvolver uma teoria da causas ocasionais para dar conta do problema da interação causal entre substâncias distintas E a causalidade ocasional prefigura a versão de Hume sobre a causalidade Gassendi oferece uma versão anterior do empirismo propalado por Locke embora como autor das Quintas Objeções às Meditações cartesianas ele não seja muito influenciado por Descartes quanto em confronto com este Reid é tido como desenvolvendo sua concepção das capacidades humanas em resposta direta a Hume Deve ficar claro que essas questões sobre a natureza da mente e como essa natureza possibilita o conhecimento ainda são centrais na filosofia contemporânea Deve ficar igualmente claro que questões a respeito da filosofia política social e moral são deixadas em segundo plano No entanto somente estar às voltas com uma questão filosófica central não basta para ser incorporado ao cânone Os cânones são essencialmente conservadores e figuras canônicas têm uma distinta autoridade Ao menos parte de sua autoridade provém de terem escrito o que é erigido como uma grande obra filosófica como se isso fosse um gênero por si as Meditações a Ética a Monadologia o Ensaio sobre o Entendimento Humano os Princípios do Conhecimento o Tratado da Natureza Humana e claro a Crítica da Razão Pura todos compartilham um forma de escritura Para introduzir uma nova figura ao cânone nós apelamos para o fato de ela ter escrito um tratado filosófico uma obra em um gênero em particular posto que isso a legitima enquanto filosofante Essa lógica para legitimar novas figuras canônicas tornase então um critério para decidir alguém como um filósofo propriamente dito se tu és um filósofo legítimo deves ter escrito uma obra filosófica de verdade tomandose uma obra filosófica propriamente dita como um trabalho em um gênero específico o gênero das outras grandes obras 3 Contextualismo e uma sutil modificação na narrativa Os esforços recentes por parte de historiadores da filosofia moderna inicial buscaram contextualizar os posicionamentos filosóficos dentro da história da ciência Como resultado dessa contextualização houve uma modificação sutil nas questões que animam a narrativa filosófica Em vez de terem por foco a epistemologia e em particular respostas ao ceticismo ou à metafísica da substância acadêmicos estão se aprofundando em questões metafísicas a respeito da natureza do corpo Esse arco narrativo começa com a definição de Descartes do corpo como uma substância extensa e então examina os debates sobre a natureza da extensão ou do espaço se é pleno ou se contém algum vácuo o que é um corpo e como corpos são individuados dentro do espaço e em particular se há átomos a natureza da interação entre corpos incluindose aí se corpos têm eficácia causal e a base para as leis da natureza que governam essas interações Claro algumas perguntas mais tradicionais como a natureza da causalidade continuam bem vivas nessa narrativa Se as questões centrais se modificaram levemente as personagens centrais da narrativa permanecem em larga medida as mesmas Descartes e Leibniz fazem sua aparição proeminente Locke e Kant também têm são protagonistas embora a razão de sua importância tenha se alterado um pouco A apropriação lockeana do atomismo e do mecanicismo no lugar de sua teoria das ideias é o que o leva aos holofotes E mesmo que a epistemologia de Kant continue relevante sua metafísica de fundamentação para a ciência toma maior força Mas há também uma mudança Até o passado recente Espinosa desaparecia para detrás das cortinas De Berkeley nem mesmo se falava e embora Hume ainda fosse parte da história o foco reside somente em sua exposição sobre a causalidade Porém novas personagens entram na história A fim de expandir a narrativa das descrições da extensão ou do espaço que começam com Descartes e são criticadas por Leibniz cumpre reconhecer a disputa entre Leibniz e Newton o newtoniano Samuel Clarke e como essa disputa dá um contexto por meio do qual entender Kant Também assim para entender o atomismo e o mecanicismo de Locke devemos nos voltar ao atomismo anterior de Gassendi o mecanicismo de Hobbes assim como a obra de Robert Boyle Modificar as questões mesmo que sutilmente proporciona um espaço em que se podem pôr novas personagens e com elas novas articulações das relações causais entre os filósofos que fazem progredir o enredo Vale a pena ressaltar que abrir esse espaço com essas modificações nas questões centrais já está ajudando a se haver com a homogeneidade do cânone Afinal com o foco em questões sobre a natureza da substância extensa é possível introduzir quase que sem que se perceba pensadoras cujas obras lidaram diretamente com essas questões Recentemente a atenção acadêmica tem se dirigido a Margaret Cavendish ou a Émilie du Châtelet Cavendish retoma a física estoica em sua doutrina da combinação completa que entende corpos como uma mistura de matéria inanimada animada e racional cujas diferentes proporções servem para diferenciar os tipos de coisas e junto a forma e a movimento comum para explicar as propriedades desses tipos assim como suas interações por meio de uma espécie de padronização ou de espelhamento Suas Observações sobre a Filosofia Experimental suas Cartas Filosóficas e seus Fundamentos da Filosofia Natural servem para articular uma física incluindo uma descrição da interação causal e para situar seu posicionamento com respeito a Descartes Hobbes e van Helmont uma figura que ainda está por ter seu lugar nas discussões canônicas Du Châtelet traduziu os Principia de Newton para o francês e sua introdução para essa tradução é um comentário filosófico significativo sobre a obra Suas concepções são expostas com maior grau de detalhe no seu Instituições da Física em que ela propõe uma descrição do raciocínio científico e da natureza do espaço do tempo e das leis da natureza Sua delongada discussão sobre a gravidade nesse trabalho inclui uma forma de dar conta das forças naturais Na medida em que essas mulheres estão engajadas diretamente com um conjunto de questões da metafísica das ciências naturais que uma história contextual da filosofia demonstra como central para a filosofia moderna inicial elas são facilmente integradas à narrativa e de fato negligenciálas é fazer um desserviço à própria compreensão da história da filosofia Há outros dois pontos a serem feitos no que diz respeito à abordagem contextualista para a história da filosofia Primeiro a modificação das questões centrais propiciada por esse contextualismo é paralelo aos desenvolvimentos da filosofia contemporânea sobretudo a filosofia da ciência Isso porque muito da filosofia da ciência contemporânea se afastou de preocupações gerais sobre as explicações científicas e em direção a filosofias de ciências particulares incluindo claro a filosofia da física Os debates contemporâneos sobre a natureza do espaço encontram seus antecessores nos debates do começo da modernidade assim como discussões contemporâneas das leis da natureza e da causalidade O cânone reconfigurado portanto continua a ter um papel justificatório face aos interesses filosóficos contemporâneos Em segundo lugar a abordagem contextualista ainda parece privilegiar um certo tipo de texto como filosófico Figuras que logram proeminência nessa história reescrita Gassendi Boyle Newton e também Cavendish e Du Châtelet escreveram tratados Correspondência que se engaje com essas figuras como aquela de Clarke é também importante 4 Outro contexto liberdade humana educação e autonomia Situar a filosofia moderna inicial no contexto do desenvolvimento das ciências naturais auxilia na modificação sutil das questões centrais do cânone abreo e permite um elenco de personagens centrais mais heterogênea e reflete a diversidade da intelectualidade ativa no período Todavia enquanto que a revolução científica é certamente uma parte importante do contexto da filosofia na modernidade incipiente ela não é o único desenvolvimento intelectual significativo do período O livro A invenção da Autonomia de Schneewind por exemplo situa o desenvolvimento do conceito kantiano de autonomia dando foco aos papéis cambiantes das vontades divina e humana em suas relações dentro do contexto da reforma protesta das guerras religiosas e do desenvolvimento do republicanismo como uma teoria política A história ajuda a estruturar discussões filosóficas de autonomia agência moral e responsabilidade e então cumpre o papel justificatório que atribuímos ao cânone Essa duas histórias porém não precisam ser as únicas que nós contamos De fato se dermos foco somente a estas descobriremos que vamos encontrar um desenvolvimento muito importante no período da modernidade inicial e igualmente uma preocupação central da filosofia contemporânea teremos um encolhimento comparativo das histórias filosóficas contextualistas a mente No que se segue eu esboço uma outra narrativa que começa com a consideração da mente humana Uma forma de contar essa história é começar de uma questão central da filosofia contemporânea e encontrar suas raízes nas figuras canônicas do passado As preocupações contemporâneas com a consciência e a sua relação com a percepção têm suas raízes no período da modernidade inicial Para Descartes e quiçá para Locke a consciência é uma marca do mental embora Espinosa e Leibniz se digladiam com essa afirmação desenvolvendo por sua vez visões de como nós nos tornamos conscientes de nossas ideias e por isso do mundo Essa estratégia atualiza o cânone com questões centrais novas assegurando sua relevância para o debate filosófico contemporâneo No entanto isso deixa as mesmas figuras canônicas intocadas De todo modo se considerarmos o contexto histórico a forma como um entendimento da mente como intrinsecamente consciente de si mesma ou ao menos disso capaz é recebida apresenta um conjunto de possibilidades tanto para reenquadrar as questões quanto para incluir um novo conjunto heterogêneo de figuras No Século XVII descrições da mente eram interligadas com debates sobre a racionalidade das mulheres do aprendizado e com modelos de educação e com o movimento para se educarem as mulheres Essas discussões ressaltam o significado de ser proprietário dos próprios pensamentos o que a consciência permite para a racionalidade a necessidade de educação para se cultivar essa propriedade e a tensão entre o propósito da educação e a maneira com que a instituição da educação por si inculca costumes e hábitos nos estudantes isto é a tensão entre nossa autonomia e os costumes e hábitos que precisamos para nos tornarmos agentes em tudo autônomos Essa história é aqui somente um esboço com muitas lacunas para serem preenchidas mas meu objetivo aqui é fornecer um estudo de caso de como voltandonos ao contexto histórico nós podemos fazer mais do que simplesmente reenquadrar questões já bem estabelecidas podemos de fato reconhecer questões filosóficas que a filosofia contemporânea está negligenciando e pode então abrir novas linhas de investigação contemporânea a Colocando a questão Descartes sobre nossa experiência da liberdade É já gasto que para Descartes a consciência é uma marca do mental e como demonstra o cogito a consciência consiste de uma particular autopercepção Quando nós estamos pensando não podemos evitar de estarmos conscientes de que nós somos mesmo que estejamos enganados sobre aquilo em que pensamos A autopercepção própria ao pensamento tem implicação para nossa própria liberdade e para a racionalidade Para ele a liberdade consiste no poder de fazer diferentemente mas saber da nossa liberdade e ser inteiramente livre é insuficiente para descrever as características da vontade Em outras palavras nós podemos descrever os aspectos da verdade sem completamente entender que nós mesmos temos uma vontade livre Na verdade nosso conhecimento de nossa própria liberdade aquilo que de fato pertence a nós e na base da qual devemos ser avaliados deriva da experiência isto é de nossa autopercepção do exercício de nossa vontade Mas há uma lacuna entre o exercício de nossa vontade e a experiência desse exercício nós precisamos estar conscientes daquilo que estamos fazendo A troca de Descartes com Gassendi na Quinta Objeção e Resposta dá palco a esse ponto Em suas Objeções Gassendi pergunta como Descartes concebe a liberdade da vontade e em particular a indiferença Descartes responde que Eu não estou preparado para provar essas proposições Esses são o tipo de coisa que cada um de nós deve saber pela experiência em seu próprio caso em vez de ser convencido pelo argumento racional 7377 1259 Ele procede a expor para Gassendi que ele pensa que o próprio Gassendi é livre mas está simplesmente falhando em notar sua própria demonstração dessa liberdade evidenciado pelo seu ato de negação Se ele simplesmente notasse o que ele está fazendo implica Descartes Gassendi haveria de aprender a natureza de sua própria liberdade É somente a autopercepção que nos faz entender que somos livres Mas se nós podemos exercer nossa vontade sem sermos conscientes de que somos livres como é que nos tornamos conscientes de nossa liberdade As Meditações sugerem que somente nós por nós mesmos podemos ter essa autopercepção Quem medita se apresenta como alguém que pratica o autodidatismo Alguém que se desgarra das velhas crenças dos hábitos do pensar que se lhe inocularam e se deixa com a simples reflexão sobre a sua própria natureza como coisa pensante Somente por meio da autorreflexão é que se pode descobrir a própria liberdade E a descoberta por vez leva a outra o método de se esquivar do erro o padrão da racionalidade No Discurso porém está sugerido algo um tanto diferente Aqui por meio da descrição distendida na Parte Um sobre a educação que recebeu Descartes sugere que existe um sentido real em que ele nunca teria descoberto o método de corretamente conduzir a razão isto é ele nunca teria se ensinado o que se ensinou sem sua aculturação adequada tendo lido textos que tiveram um papel importante em formar a comunidade da qual ele faz parte dandolhe as ferramentas para lhe ajudar a lidar com os problemas que perpassam sua comunidade aprendendo as regras que governam a comunidade por meio da educação O que não fica claro é como a descoberta do método correto de raciocinar é derivado dos costumes e hábitos que os outros lhe inculcaram Certamente a aculturação e a educação nos dá uma linguagem por meio da qual nós expressamos nossos pensamentos e refletir sobre eles considerando se são falsos e escolher neles crer ou não crer Educação também nos expõe a uma multiplicidade de diferentes eventos e experiências atitudes em relação ao prosaico e ao extraordinário problemas que nunca se teria imaginado ou encontrado os meios para com eles lidar A expansão da própria do contexto local pode muito bem permitir à imaginação pensar o que pode ser de outro modo Isto é pode nos ajudar a reconhecer a nossa própria liberdade O estudo da lógica e da matemática pode ajudar a identificar e a resolver problemas e por meio desses estudos aprendemse as normas da racionalidade com a habilidade de se identificarem paralogismos e cálculos equivocados Portanto dependemos da nossa educação para todas as ferramentas que usamos para reconhecer que nós somos seres pensantes e livres usando nossa capacidade para bem pensar A descrição de Descartes sobre a mente certamente envolve a consciência mas também diz respeito a como a consciência se conecta com o nosso próprio exercício e experiência da liberdade e da racionalidade Ela também levanta questões não somente sobre o caráter dessa autopercepção mas também de como nós passamos a reconhecer por nós mesmos que estamos conscientes e igualmente que nós somos livres De forma relacionada também levanta questões da relação com a educação o desenvolvimento associado de hábitos da aculturação social e de nosso autoconhecimento Olhar as questões filosóficas dessa forma tem ressonância com o conjunto de debates muito relevantes sobre a racionalidade das mulheres nesse período Dos fins do Século XIII podese traçar a chamada querelle des femmes o debate sobre as mulheres por meio de uma série de argumentos alternantes de que as mulheres são inferiores aos homens menos racionais mais pérfidas e com aqueles que defendem a superioridade das mulheres mais próximas da sabedoria e da virtude No Século XVII esse debate parece chegar a um ponto de inflexão pela primeira vez se apresentaram argumentos em prol da igualdade entre homens e mulheres Estes argumentos se voltam a constatações sobre a educação Talvez o primeiro argumento nesse sentido tenha vindo do ensaio Da igualdade entre homens e mulheres 1622 de Marie de Gournay em que ela adota um método cético para chegar a essa conclusão É interessante que nesse ensaio ela oferece um argumento sobre o importante papel que as diferenças têm na educação para explicar as diferenças entre mulheres italianas ensimesmadas e inexperientes e mulheres inglesas e francesas ativas no mundo e seus correspondentes masculinos os homens italianos são educados ao passo que os homens ingleses e franceses não mostrando que diferenças em aparente racionalidade não são naturais mas sim o resultado de uma educação Ela sugere que é por meio da educação que as mulheres se tornam participantes ativas e independentes do mundo Anna Maria van Schurman escreve então a Dissertatio de Ingenii Muliebris ad Doctrinam 1638 e leva adiante essa ideia embora ela limite o grau adequado de engajamento público próprio às mulheres A série de silogismos que ela oferece demostra que é adequado a uma mulher cristã ser educada de duas maneiras Primeiro sob uma visão inicial os silogismos fornecem uma série de inferência para essa conclusão Mas do mesmo modo na medida em que quem o escreve é uma mulher a obra já realiza o que pretende provar dando evidência da habilidade natural de raciocinar em uma mulher Ademais uma vez que a conclusão vai de encontro à tradição aristotélica dominante eles mostram como sua autora se apropria das regras aristotélicas para o uso da razão Há aqui uma ressonância com a forma com que Descartes descreve no Discurso sua apropriação da educação para chegar à sua concepção da natureza do pensamento A obra portanto possui uma tensão similar àquela presente no corpo de obras cartesiano Os seres humanos têm uma capacidade natural para razão e raciocinar ou pensar envolve certa posse dos próprios pensamentos Existe não obstante um lugar para a educação nos ensinar as regras dessa conduta Não é óbvio entretanto como a educação pode ser instrumentalizada para nosso desenvolvimento enquanto seres racionais em que a racionalidade envolve essencialmente a posse de nossos próprios pensamentos A educação afinal é estruturada para que quem detém a autoridade nos inculque hábitos John Locke em Alguns Pensamentos sobre a Educação certamente vê a função da educação como a inoculação de hábitos aqueles que promovem a virtude O trabalho começa com uma série de exercícios para cultivar os hábitos corporais que vão superar as adversidades e serem de valor à criança conforme esta cresce e se torna adulta viaja a diferentes regiões e países e mais importante desenvolve seu entendimento Isso também inclui o desenvolvimento de hábitos mentais que servem a um propósito similar mas aqui as adversidades que a mente deve aprender a superar são os seus próprios desejos Pela maneira que Locke tem de enxergar os seres humanos são movidos por nossa inquietude ao sentir a ausência daquilo que nos dá prazer somos movidos por essa inquietude de modo a recobrar nossa satisfação e alegria ECHU 2205 Mas esses desejos não precisam se conformar à razão e nós precisamos aprender cedo a nos negar a satisfação de nossos desejos erráticos O papel da educação é inocular em nós em tenra idade o hábito dessa negação Pode parecer que a visão de Locke sobre a educação como a imposição de hábitos adequados vai na contramão do papel que venho sugerindo que a educação tem em Descartes em Gournay e em van Schurman Há pouco espaço para ser proprietário dos próprios pensamentos na medida em que aprender consiste em ser educação consiste em receber hábitos modos e costumes que são adequados à própria posição Porém assim como para Descartes para Locke a volição o exercício do domínio da mente sobre si própria é central à natureza humana Podemos talvez ver sua recomendação da educação como um precursora ao exercício da volição Uma boa educação nos ensina a nos negarmos a satisfação dos nossos desejos motivações que nossa natureza nos dá Adquirir esses hábitos de autonegação nada tem de voluntário eles não envolvem deliberadamente redigir nossos desejos No entanto a inoculação desses hábitos dá à criança a prática de negação de seus desejos para que quando ela ativamente quer fazer algo no lugar de outra coisa ela pode exercer sua vontade sem grande dificuldade A educação detalha Locke não só fornece as ferramentas de que precisamos para exercer a nossa vontade mas também fornece uma espécie de prática de negação que nos é dada Na medida em que nós entramos nos hábitos pela recusa à satisfação de nossos desejos e os realocamos nós estamos nos preparando para conscientemente escolher fazer ou não algo seja isso acreditar ou alguma outra ação Exercer nossa vontade exercer nosso domínio sobre nós mesmos envolve negar a um certo ponto aquilo a que nos habituamos Como isso acontece Locke mesmo diz pouco a esse respeito De fato ele faz com que isso pareça simples E talvez já que o trabalho de filosofar faz com que inevitavelmente se levantem objeções para nós que estamos acostumados a pensar de outro modo pode parecer fácil Mas é importante reconhecer que frequentemente não é fácil pôr em questão os próprios hábitos especialmente aqueles que nos estão profundamente entranhados e que servem para estruturar nossas vidas cotidianas Nós podemos retornar ao contexto histórico para ver que essa questão foi levantada mais uma vez no tocante à educação das mulheres Em seu prefácio ao Discurso Moral e Físico sobre a Igualdade de Ambos os Sexos 1673 título que ecoa o do ensaio de De Gournay Poullain nota pontos válidos de imitação na fábula de Descartes pondo em questão a educação tradicional a busca pela verdade enquanto indivíduos nossas próprias crenças dandonos conta e corrigindo nossos preconceitos Para Poullain um preconceito não é simplesmente uma crença falsa embora também o seja Preconceito é um termo técnico que se refere a julgamentos que fazemos de maneira irrefletida isto é sem examinarmos o que nos está entranhado ou solidificado inculcado pelo hábito e pelo costume e portanto que serve para estruturar nosso entendimento do mundo ao nosso redor Tais preconceitos não são a pura e simples consequência inevitável de nosso conhecimento imperfeito mas mais precisamente são mais próximos do que chamamos em termos contemporâneos de vieses implícitos O autor ilustra bem a questão Poullain toma o método cartesiano como incapaz de erradicar esses preconceitos Para explorar seu valor nesse âmbito ele seleciona uma opinião em particular que parece ser aceita universalmente e portanto verdadeira buscando demonstrar que esta é na verdade um preconceito e de todo mal fundamentada Essa opinião é a da desigualdade entre os sexos Entre todos os preconceitos ninguém encontraria um mais apropriado para ilustrar minha tese do que as concepções ordinárias sobre a desigualdade entre os sexos Clarke 2013 p 120 Poullain deseja mostrar que a única base para essa crença são os costumes e certas experiências superficiais e se as mulheres parecerem desiguais aos homens é em razão da forma com que as mulheres têm sido dominadas e excluídas tanto das ciências quanto da vida pública A escolha de examinar essa crença em particular expõe como algumas crenças habituais podem estar encharcadas de uma ordem social e política que institui uma hierarquia de valores que a educação ratifica Em virtude do grau em que essas crenças estão emaranhadas com tantas outras crenças desacoplálas de nós ou ao menos as abrir para revisão constitui um verdadeiro desafio Isso porque as pessoas estão convencidas de que se uma prática está bem estabelecida então pensamos que ela deve estar correta Clarke 2013 p 125 Conclamar o que é não implica o que deve ser não nos serve muito De fato as crenças estão tão arraigadas nota Poulain que parece que as próprias mulheres toleram sua condição O desafio é persuadir as pessoas e demonstrar a falsidade dessa crença Em seu trabalho Poullain constrói uma narrativa completamente diferente oferecendo uma história causal de como a ordem social chegou aonde chegou Essa descrição busca promover uma explicação alternativa para a origem das características particulares que fundamentam afirmações de desigualdade e com isso facilita a sua revisão Em seu segundo trabalho sobre o mesmo tema Sobre a educação das mulheres na condução da mente nas ciências e na moral 1674 ele elabora essa descrição Ele reconhece que boa parte de nossas crenças nos é imputada por outros dependemos dos outros para nossas mais básicas necessidades desde o nascimento e simplesmente aceitamos a autoridade dos outros no que diz respeito às coisas Para superar essa dependência na autoridade moral e epistêmica dos outros não sucumbindo aos preconceitos devemos nos voltar para dentro e encontrar uma espécie particular de confiança uma que reconhece que nossa habilidade de justificar nossas crenças está em pé de igualdade com a dos outros Isto é precisamos reconhecer que temos autoridade sobre nossos próprios pensamentos Com essa autoridade vem a responsabilidade de assegurar que nossos pensamentos são bem fundamentados baseados em boas razões e não apenas no que é de praxe Isso não significa que chegamos às crenças por nós mesmos mas que nós devemos deferência ao julgamento alheio somente quando este se demonstra hábil por meio de sua capacidade de exprimir o seu próprio entendimento Isto é temos de nos basear no testemunho dos outros somente quando estes nos mostram o que sabem de uma maneira que nós mesmos o entendamos também Não parece que Poullain pensa que é particularmente difícil encontrar a confiança na própria autoridade Pode ser preciso estar nas circunstâncias certas mas parece que para ele essas circunstâncias são fáceis de se encontrar Será esse o caso O contexto particular da discussão de Poullain dá força a essa questão O trabalho começa com o reconhecimento de que mulheres com frequência não possuem autoridade política e epistêmica tolerando a sua condição Dada essa condição é um desafio convencêlas a escutar sua própria razão e não se remeterem à opinião popular Mary Astell em sua Proposta Séria para Mulheres 1694 e 1697 dá conta desse desafio Com efeito ela identifica o tipo de educação que as mulheres receberam os hábitos que lhe foram inculcados e os costumes em que foram aculturadas como solapando a sua habilidade de entender sua natureza como seres humanos e portanto valorizaremse de acordo Sua Proposta Séria busca retificar essa situação Segundo o relato de Astell a criação das mulheres dá atenção aos meandros da sua aparência física seja o vestido sua carruagem seus movimentos ao dançar sua conversação para encantar de modo a servir ao fim e ao cabo ao marido Tendo esse foco Astell se faz clara elas se valorizam de maneira incorreta em dois sentidos distintos Primeiro mulheres tomam o seu corpo por seu único lócus de valor suas mentes são postas a trabalhar na configuração do corpo perfeito Segundo elas valorizam a opinião dos homens cuja aprovação desejam Ao fazêlo elas falham em ver suas mentes como fontes de valor mas elas também cedem aos padrões pelas quais são julgadas pelos homens que buscam atrair Que as mulheres se equivoquem não é algo intrínseco à condição feminina Uma educação adequada proporcionaria às mulheres a confiança em seu próprio julgamento e a habilidade para resistir à força dos toscas manhas e outros costumes e hábitos com que nos alvejam Na primeira parte de seu trabalho 1694 Astell polemiza sobre a necessidade de uma tal educação Na segunda parte publicada três anos depois 1697 ela deixa de lado o tom polêmico e apresenta diretamente o seu programa O programa tem uma semelhança notável com aquele presente no método de Descartes tal como articulado no Discurso circunscrever adequadamente a questão raciocinar somente com ideias claras permanecer focado e isento de julgamento em relação àquilo que não se entende Ela propõe pura e simplesmente fornecer às mulheres o que é necessário para essa prática de raciocínio A esperança é que esses hábitos de pensamentos possam ser aplicados a outras coisas para avaliar criticamente as maneiras e os costumes em que nós fomos criados uma abordagem sugestiva do papel dos hábitos da mente na educação lockeana Deve ficar claro que essa narrativa esboçada desenvolvida ao se contextualizar historicamente as descrições da mente na modernidade incipiente envolve um conjunto mais heterogêneo de pessoas a escrever metade das figuras que discuti são mulheres Deve também ficar claro que a narrativa satisfaz um dos elementos que definem o cânone filosófico Podemos traçar linhas de influência causal entre os textos e as figuras centrais nessa história O método cético de que se vale Gournay também é usado por Descartes eles compartilham a influência de Montaigne Poullain está claramente adotando o método cartesiano para argumentar em favor da tese de Gournay sobre a igualdade entre homens e mulheres A influência de Descartes pode também ser vista em Astell a qual mesmo se não tiver lido Descartes teve acesso ao cartesianismo por meio de sua correspondência com o malebranchiano John Norris E Astell está claramente situada na linha argumentativa em favor da educação das mulheres incluindose aí Gournay e van Schurman É menos claro no entanto se a narrativa se baseia em textos distintamente filosóficos Estão nela ensaios uma dissertação ou uma composição de silogismos um discurso um tratado um diálogo e uma obra polemista Certamente o discurso é filosófico embora seja escrito em língua vernácula e para um público mais popular E os outros textos O simples fato de terem sido escritos para um público mais amplo de terem se engajado em assuntos de interesse público nada fazem para desqualificálos de serem textos filosóficos De fato um pouco de reflexão sobre os clássicos da filosofia se não textos canônicos revela que o gênero filosófico tem pouco a ver com o que é considerado como um trabalho de filosofia As obras de Platão são diálogos afinal e esse gênero é amplamente adotado no período do início da modernidade Considere os Diálogos sobre Metafísica e Religião de Malebranche os Três Diálogos entre Hylas e Philonous de Berkeley os Diálogos sobre a Religião Natural de Hume Diálogos não são o único gênero literário utilizado para fins filosóficos De Rerum Natura de Lucrécio é um poema épico que traslada o atomismo epicurista para o período do início da modernidade Montaigne inventa um gênero o ensaio como um teste aos seus próprios pensamentos Já na época em que Locke escreveu seu Ensaio sobre o Entendimento Humano o gênero se fez corrente Outros trabalhos do início da modernidade brincam com o gênero A Fábula das Abelhas de Mandeville apresenta uma densa filosofia moral e política em diversos gêneros um poema um argumento como que ensaio ponderações O Dicionário de Bayle traz uma série de entradas expositivas sobre figuras particulares e suas visões mas é também o pesadelo de um tipógrafo com suas notas de rodapé e anotações marginais nas quais alguns pontos filosóficos dos mais significativos são feitos Espinosa se apropria do gênero da geometria para compor a Ética Talvez o mais relevante aqui seja Descartes que apresenta seu novo programa filosófico na série de gêneros vistos no Discurso do Método nas Meditações e nos Princípios de Filosofia A ideia de que há um gênero distintamente filosófico simplesmente não se sustenta sob uma análise mais detida não havendo portanto razão para não se incluírem as obras que pus como centrais à narrativa esboçada como filosóficas Isso nos deixa com a questão de as questões que animam essa narrativa serem centrais à filosofia ou não Há três pontos distintos a se fazer aqui Primeiro algumas das questões que sustentam a narrativa o relacionamento entre nossos hábitos de pensamento e nossa propriedade de nossos pensamentos ressoam com discussões recentes sobre autoconhecimento injustiça epistêmica e viés implícito dentro da epistemologia e da filosofia da mente Atenção a narrativas históricas como essa que esbocei pode servir para legitimar discussões contemporâneas situandoas em um contexto histórico mais longevo e atenção a textos históricos com problemas similares pode prover perspectivas que levam adiante o debate Em segundo lugar pode parecer que essas questões tidas na narrativa historicamente contextualizada que apresentei questões sobre a importância da educação para se aperceber de nosso natureza como conscientes e pensantes para cultivar a posse de nossos pensamentos pensar de forma independente e no fim ser agentes independentes são aplicadas não centrais As questões centrais podese pensar revolvem em torno da natureza da consciência e de seu papel na representação Cumpre notar sem embargo que o contexto histórico nos mostra uma visão da mente sendo elaborado no período de uma maneira completamente análogo à concepção de mente elaborada pela ciência moderna As questões nessa narrativa não são menos aplicadas do que aquelas relativas à física da época Ademais essa narrativa histórica reúne dois pedaços da discussão filosófica contemporânea a consciência e a autonomia Embora essas correntes tracem seus próprios antecedentes históricos elas também deixaram para o segundo plano os antecedentes que ajudam a realçar seus pontos de interseção Considerando essa nova narrativa da história da filosofia podemos desenvolver novas linhas de investigação em vez das já existentes Finalmente questões sobre o papel e a forma da boa educação tem um papel central na narrativa Talvez a educação também deva ser ressaltada como uma questão filosófica central em razão das pressões sobre a educação em nossa época Existe uma longa tradição de filósofos canônicos que discutem a educação de Platão a Agostinho de Rousseau a Dewey bem como os trabalhos já aqui mencionados Estamos em um momento em que parece que devemos justificar o valor de uma educação nãoinstrumental e pode então ser algo interessante retomar o que o cânone filosófico pensava sobre o valor intrínseco da educação para lidar com esse desafio atual 6 Relação da pesquisa acadêmica com a docência Ao se pensar sobre o cânone filosófico é importante não subestimar o papel que ele tem na docência O cânone fornece aos estudantes em diferentes instituições uma série de textos comuns por meio dos quais interagem significativamente entre si Ele fornece uma comunidade similar para estudantes enquanto passam pelo currículo em sua instituição É portanto tentador sugerir que haja uma ruptura entre a pesquisa acadêmica e a docência Desarticular o cânone pode ser bom e belo para a pesquisa mas o currículo não este deve permanecer intacto Embora eu respeite esse impulso quero repelilo Primeiro nada do que argumentei requer jogar fora ou não se engajar com os textos já canônicos Poucos docentes dão conta das sete figuras em um curso panorâmico todo mundo faz escolhas do que expor É melhor explicitar como essas decisões são feitas e simplesmente fazer isso já abre algumas possibilidades pedagógicas Segundo romper com o cânone não quer dizer relegar ao não ser as figuras às quais nos acostumamos nem mesmo a precisão no discurso que é marca da empreitada filosófica desde Sócrates Na verdade dirigir a atenção a novas figuras e a novos textos pode não só levar a melhor entender o espaço lógico das respostas ao que é central na filosofia mas também a nos fazer repensar como fazemos nossas perguntas Perguntar as questões centrais de novas formas enriquece como pensamos sobre nossa disciplina nossa própria pesquisa e da mesma forma como compartilhamos esses pensamentos com estudantes de modo a revigorar a história da filosofia e garantir o vigor contínuo da disciplina como um todo Referências Anstey Peter 2011 John Locke and Natural Philosophy Oxford Oxford University Press 2000 The Philosophy of Robert Boyle London Routledge Astell Mary 1694 and 16972002 A Serious Proposal to the Ladies Patricia Springborg ed Peterborough Broadview Press Bayle Pierre 16961991 An historical and critical dictionary Richard Popkin ed Indianapolis Hackett 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