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SEGUNDA PARTE DOS PRINCÍPIOS DAS COISAS MATERIAIS 1 As razões que nos levam a conhecer com segurança que há corpos e altura que está presente no mundo com todas as propriedades que sabemos pertenceremlhe claramente A esta substância extensa chamamos propriamente corpo ou substância das coisas materiais nunca devemos atribuirlhes a extensão que está nós poros ou intervalos não ocupados pelas suas partes quando está rarefeito mas sim aos outros corpos que preenchem estes intervalos O mesmo se passa quando vemos uma esponja cheia de água ou de outro líquido não pensamos que cada parte da esponja tem mais extensão mas apenas que há poros ou intervalos entre as suas partes que são maiores do que quando está seca e mais compacta então numa grandeza contínua de dez pés sem pensar em tal coisa uma vez que a ideia que temos do número dez é a mesma quer consideremos um número de dez pés ou qualquer outra dezena podemos até conceber uma grandeza contínua de dez pés sem pensar nesta ou naquela coisa embora não a possamos conceber sem qualquer coisa de extenso Apesar de tudo é evidente que não se poderia retirar qualquer parte de semelhante grandeza ou extensão se pelo mesmo processo também não separássemos outro tanto da grandeza ou da extensão rem entre si tal como a natureza do género ou da espécie difere da natureza do indivíduo Para discernirmos melhor a verdadeira ideia que temos do corpo tomemos por exemplo uma pedra e retiremoslhe tudo o que sabemos que não pertence à natureza do corpo Primeiramente retiramoslhe a dureza e nem por isso deixará de ser corpo depois a cor já que algumas vezes temos visto pedras tão transparentes que não têm cor tiremos o peso porque também o fogo ainda que muito téneue nem por isso deixa de ser um corpo tiremoslhe o frio o calor e todas as outras qualidades deste género pois não pensamos que estejam na pedra ou que a pedra mude de natureza porque umas vezes nos parece quente e outras fria Depois de assim termos examinado esta pedra descobrimos que a verdadeira ideia que nos faz conceber que é um corpo consiste unicamente em nos apercebermos distintamente de que é uma substância extensa em comprimento largura e altura ora isso mesmo está compreendido na ideia que temos do espaço não só daquele que está preenchido pelos corpos mas também daquele que se chama vazio 12 Em que sentido é diferente É verdade que há diferenças na nossa maneira de pensar pois se tirarmos uma pedra do espaço ou do lugar onde estava entendemos que retirámos a extensão desta pedra porque as consideramos inseparáveis uma da outra Apesar de tudo pensamos que a mesma extensão do lugar onde estava esta pedra se manteve se bem que o lugar que antes ocupava tenha estado preenchido por madeira água ar ou por qualquer outro corpo ou até que nos parecesse vazio dado que consideramos a extensão em geral parecendonos que a mesma pode estenderse às pedras à madeira à água ao ar e a todos os corpos e também ao vazio se o houver no caso de ela ter a mesma grandeza e figura que antes e que conserve a mesma posição relativamente aos corpos externos que determinam este espaço 13 O que é o lugar exterior A razão está no facto de as palavras lugar e espaço não significarem nada que seja verdadeiramente diferente do corpo que dizemos estar nalgum lugar e porque designam apenas a sua grandeza figura e o modo como se situa entre os outros corpos Para determinar esta posição é necessário observar outros corpos que consideramos imóveis mas dado que estes assim considerados são diversos podemos dizer que uma mesma coisa muda e não muda de lugar ao mesmo tempo Por exemplo se vemos um homem sentado na popa de um barco que o vento leva para fora do porto e se só fixarmos o barco parecernosá que este homem não muda de lugar porque vemos que se mantém sempre na mesma posição relativamente às partes do barco em que está mas se fixarmos as terras vizinhas parecernosá que este homem muda continuamente de lugar porque se afasta de uma e aproximase de outras Se além disso imaginarmos que a Terra gira sobre o seu eixo e que de Oriente a Ocidente perfaz o mesmo percurso que este barco de novo nos parecerá que aquele que está sentado à popa não muda de lugar porque teremos determinado este lugar por alguns pontos imóveis imaginados no céu Mas se pensarmos que em todo o universo não seria possível encontrar um ponto que fosse verdadeiramente imóvel verseá pelo que se segue que isso pode ser demonstrado e então concluiremos que no mundo nenhum lugar das coisas está firme e fixo a não ser que o fixemos com o pensamento 14 A diferença entre o lugar e o espaço Apesar de tudo o lugar e o espaço são nomes diferentes porque o lugar designa mais expressamente a localização do que a grandeza ou a figura e nós inversamente pensamos mais nestas quando se fala do espaço Dizemos frequentemente que uma coisa entrou no lugar de outra ainda que não tenha exactamente nem o seu tamanho nem a sua figura e não entendemos que por isso vai ocupar o mesmo espaço ocupado por essa outra coisa Sempre que se muda a localização dizemos que o lugar também se mudou embora se mantenha a mesma grandeza e a mesma figura Ainda que digamos que uma coisa está em tal lugar entendemos apenas que está assim situada relativamente às outras coisas mas se acrescentarmos que ocupa tal espaço ou tal lugar entendemos além disso que tem esta grandeza e aquela figura que pode preenchêlo exactamente 15 Como a superfície que rodeia um corpo pode ser tomada pelo seu lugar exterior Assim nunca distinguimos o espaço da extensão em comprimento largura e altura mas às vezes consideramos o lugar como se fosse interior à coisa que está situada e outras vezes como se fosse exterior O interior não difere absolutamente nada do espaço mas por vezes tomamos o exterior por uma superfície que rodeia imediatamente a coisa que está situada e notese que por superfície não se deve entender nenhuma parte do corpo que rodeia mas apenas a extremidade que está entre o corpo que rodeia e o que é rodeado que não passa de um modo ou maneira ou então pela superfície em geral que não é mais parte de um corpo do que de outro e que parece sempre a mesma enquanto tem a mesma grandeza e figura Embora não vejamos que o corpo que rodeia outro seja diferente da sua superfície não estamos habituados a dizer que aquele que está rodeado tenha por conseguinte mudado de lugar quando permanece na mesma situação relativamente aos restantes que consideramos imóveis Assim dizemos que um barco permanece no mesmo sítio quando levado pela corrente de um rio sendo simultaneamente impelido pelo vento por uma força tão homogénea que não muda de posição relativamente às margens embora vejamos que toda a superfície que o rodeia muda constantemente 16 Não pode haver vazio no sentido em que os filósofos tomam esta palavra Quanto ao vazio no sentido em que os filósofos tomam esta palavra isto é como um espaço onde não há nenhuma substância é evidente que tal espaço não existe no universo porque a extensão do espaço ou do lugar interior não é diferente da do corpo E dado que só podemos deduzir que um corpo é uma substância porque é extenso em comprimento largura e altura como concebemos que não é possível que o nada tenha extensão então devemos concluir a mesma coisa acerca do espaço que se supõe vazio isto é dado que ele tem extensão então é necessariamente substância 17 A palavra vazio no seu significado habitual não exclui todos os corpos Mas ao tomarmos esta palavra no seu significado habitual é verdade que não queremos dizer que não há absolutamente nada daquilo que presumimos dever existir aí Assim porque uma bilha está feita para guardar a água dizemos que está vazia quando só contém ar e quando não há um único peixe num viveiro dizemos que não tem nada lá dentro ainda que esteja cheio de água dizemos igualmente que um barco está vazio quando em vez das mercadorias normais é carregado com areia para poder resistir ao ímpeto do vento Acontece o mesmo quando afirmamos que um espaço está vazio porque não contém nada que seja perceptível pelos nossos sentidos embora contenha uma matéria criada e uma substância extensa o facto é que geralmente só prestamos atenção aos corpos que estão perto de nós que podemos sentir na medida em que causam impressões fortes nos sentidos E se em vez de nos lembrarmos daquilo que devemos entender pelas palavras vazio ou nada pensarmos que esse espaço em que nada se percepciona não contém nenhuma coisa criada estaríamos a cometer um erro tão grosseiro como quando dizemos que uma bilha só com ar está vazia julgando que esse ar contido nela não é uma coisa ou substância 18 Como se pode corrigir a falsa opinião da nossa preocupação a respeito do vazio Quase todos nos preocupámos com este erro desde muito novos porque ao vermos que não havia ligação necessária entre este recipiente e o corpo nele contido pareceunos que Deus poderia retirar qualquer corpo nele contido conservando o recipiente no lugar daquele que se tivesse retirado De modo a podermos corrigir tão falsa opinião observaremos que não há nenhuma relação necessária entre o recipiente e o corpo nele contido mas que essa relação é absolutamente necessária entre a figura côncava do recipiente e a extensão compreendida nesta concavidade e assim tanto poderemos conceber uma montanha sem vale do que semelhante concavidade sem a extensão contida nela ou esta extensão sem qualquer coisa extensa uma vez que o nada como já observámos várias vezes não pode ter extensão É por isso que se nos perguntassem o que aconteceria se Deus retirasse qualquer corpo que está num recipiente sem permitir que outro aí entrasse responderíamos que as suas paredes se aproximariam tanto que imediatamente se tocariam Ora dois corpos tocamse necessariamente quando não há nada entre eles porque seria contraditório que dois corpos estivessem afastados isto é que houvesse distância entre ambos e que apesar de tudo essa distância não fosse nada é que a distância é uma propriedade da extensão e não poderia subsistir sem algo extenso 19 Isto confirma o que se disse da rarefacção Depois de termos observado que a natureza da substância material ou do corpo consiste em ser uma coisa extensa e que a sua extensão não difere em nada da que atribuímos ao espaço vazio facilmente se conhece que não é possível seja de que maneira for que umas vezes qualquer das suas partes ocupe mais espaço do que outras e possa ser realmente rarefeita de modo diferente daquele que expusemos ou então que se encontre mais matéria ou corpo num recipiente cheio de ouro ou de chumbo ou de qualquer outro corpo pesado e duro do que quando só contém ar e parece vazio é que o tamanho das partes que compõem um corpo não depende em nada do peso ou da dureza que se experimenta com o seu contacto como também já salientei mas apenas da extensão que é sempre igual no mesmo recipiente 20 Não pode haver átomos ou pequenos corpos indivisíveis Também é fácil conhecer que não pode haver átomos isto é partes dos corpos ou da matéria que por natureza sejam indivisíveis como alguns filósofos imaginaram Pois por mais pequenas que as suas partes sejam todavia e porque é necessário que sejam extensas pensamos que não há sequer uma de entre elas que não possa dividirse em duas ou noutras ainda mais pequenas donde se segue que são divisíveis Com efeito pelo facto de conhecermos clara e distintamente que uma coisa pode dividirse devemos pensar que é divisível porque se pensarmos que é indivisível o juízo emitido sobre esta coisa seria contrário ao conhecimento que temos Ainda que imaginássemos que Deus quisesse reduzir alguma parte da matéria a uma partícula tão mínima que não pudesse dividirse noutras mais pequenas mesmo assim não poderíamos concluir que ela seria indivisível porque quando Deus tornasse esta partícula tão pequena que nenhuma criatura pudesse então dividila nem por isso poderia privarse do poder de a dividir pois não é possível que a sua omnipotência diminua como já observámos É por isso que dizemos que qualquer partícula mínima extensa que possa existir no mundo pode ser sempre dividida como é próprio da sua natureza 21 A extensão do mundo é indefinida Além disso também sabemos que este mundo ou a matéria extensa de que o universo é composto não tem limites porque por mais longe que levássemos a nossa imaginação mesmo assim poderíamos imaginar outros espaços indefinidamente extensos e não só os imaginamos como os concebemos tão reais quanto os imaginámos Por isso eles contêm um corpo indefinidamente extenso pois a ideia de extensão que concebemos seja em que espaço for é a verdadeira ideia que devemos ter do corpo 22 A Terra e os céus são feitos apenas de uma mesma matéria não podendo haver vários mundos Finalmente não é difícil inferir de tudo isto que a Terra e os céus são feitos de uma mesma matéria e que mesmo que houvesse uma infinidade de mundos seriam todos feitos da mesma matéria Donde se segue que não pode haver vários mundos pois claramente concebemos que a matéria cuja natureza consiste unicamente em ser uma coisa extensa ocupa agora todos os espaços imagináveis em que esses outros mundos poderiam existir além de que não poderíamos descobrir em nós a ideia de qualquer outra matéria 23 Todas as variedades presentes na matéria ou a diversidade das suas partes dependem do movimento das suas partes Logo só há uma matéria em todo o universo e só a conhecemos porque é extensa Todas as propriedades que nela apercebemos distintamente apenas se referem ao facto de poder ser dividida e movimentada segundo as suas partes e por consequência pode receber todas as afecções resultantes do movimento dessas partes Com efeito embora mediante o pensamento possamos imaginar divisões nesta matéria contudo é verdade que o nosso pensamento não pode alterar nada e a diversidade das formas que nela se encontram dependem do movimento local sem dúvida que isto foi também observado pelos filósofos em muitas ocasiões a natureza é o princípio do movimento e do repouso Por natureza entendiam aquilo que faz com que os corpos se disponham tais como os vemos por experiência 24 O que é o movimento de acordo com o senso comum Ora o movimento isto é aquele que se efectua de um lugar para outro porque não concebo outro e também porque não penso que seja necessário supor outro na natureza de acordo com o senso comum é a acção pela qual um corpo passa de um local para outro E por conseguinte uma vez que como já observámos anteriormente se pode afirmar que uma coisa muda e não muda de lugar ao mesmo tempo também podemos dizer que se move e não se move ao mesmo tempo Por exemplo quem está sentado na popa de um barco impedido pelo vento crê que se move quando se fixa apenas na margem donde partiu e a considera imóvel e não crê moverse quando se fixa somente no barco em que se encontra porque não muda de localização relativamente às suas partes Todavia uma vez que estamos habituados a pensar que não há movimento sem acção mais propriamente diremos que essa pessoa assim sentada está em repouso pois não sente qualquer acção em si e é isso o que senso comum julga 25 O que é o movimento propriamente dito Mas se em vez de nos limitarmos àquilo cujo fundamento radica apenas no senso comum quisermos saber o que é verdadeiramente o movimento a fim de lhe atribuirmos uma natureza que seja determinada diremos que o movimento é a translação de uma parte da matéria ou de um corpo da proximidade daqueles que lhe são imediatamente contíguos e que consideramos em repouso para a proximidade de outros Por corpo ou parte da matéria entendo tudo aquilo que é transportado conjuntamente ainda que seja composto de várias partes que com a sua acção desencadeiam outros movimentos Digo que é a translação e não a força ou a acção que transporta pois o movimento está sempre no móvel e não naquele que se move e habitualmente ninguém emprega o cuidado necessário ao distinguir estas duas coisas Além disso entendo que é uma propriedade do móvel e não uma substância assim como a figura é uma propriedade da coisa que está figurada e o repouso da coisa que está em repouso 26 É requerida tanta acção para o movimento como para o repouso Uma vez que normalmente nos enganamos quando pensamos que é necessária mais acção para o movimento do que para o repouso observaremos aqui que cometemos um erro desde muito novos porque geralmente movimentamos o nosso corpo de acordo com a nossa vontade que conhecemos intimamente e que está em repouso porque a Terra o fixa devido ao seu peso cuja força não sentimos E como este peso e várias outras causas de que habitualmente não nos apercebemos resistem ao movimento dos nossos membros e nos provocam o cansaço julgamos que para produzir um movimento seria necessária uma força maior e mais acção do que para o interromper pois tomámos a acção pelo esforço para movermos os nossos membros e por seu intermédio os outros corpos Mas facilmente nos libertamos deste preconceito se tivermos em conta que não fazemos nenhum esforço para mover os corpos que estão perto de nós nem para os interromper caso não tenham sido amortecidos pela gravidade ou por outra causa Assim empregamos tanta acção para fazer deslizar por exemplo um barco que está em repouso na água calma e sem corrente como para o parar de repente enquanto se desloca e se a experiência nos mostra neste caso que não é preciso tanta para o parar como para o pôr em marcha isso devese ao peso da água que levanta quando se desloca e à sua lentidão porque imagino a água calma e adormecida 27 O movimento e o repouso são apenas duas maneiras diferentes do corpo em que se encontram Mas porque aqui não se trata da acção que está naquilo que se move ou que trava o movimento mas principalmente do transporte e da sua paragem ou repouso é evidente que este transporte não está fora do corpo que é movido sendo apenas um corpo que quando é translado está disposto de outra maneira do que quando não o é de modo que nele o movimento e o repouso não passam de duas diferentes maneiras 28 O movimento propriamente só respeita aos corpos contíguos àquele que dizemos estar em movimento Também acrescentei que a translação do corpo ocorre da proximidade dos que lhe são contíguos para a proximidade de outros e não de um lugar para outro porque o lugar pode ser tomado de várias maneiras que dependem do nosso pensamento como expliquei anteriormente Art 10 a 16 Mas quando entendemos o movimento como a translação de um corpo que deixa a proximidade dos que lhe são contíguos certamente só podemos atribuir ao mesmo móvel um único movimento pois só existe uma determinada quantidade de corpos que o podem tocar ao mesmo tempo 29 Mesmo que só se relacione com os corpos contíguos que consideramos em repouso Enfim disse que a translação não ocorre da proximidade de toda a espécie de corpos contíguos mas apenas daqueles que consideramos em repouso Como esta translação é recíproca não podemos conceber que o corpo AB seja transladado da proximidade do corpo CD sem que também não saibamos que o corpo CD é transladado da proximidade do corpo AB e que ambos requerem a mesma acção Por isso e se quisermos atribuir ao movimento uma natureza que lhe seja totalmente própria que possa ser considerada isoladamente e sem ser necessário relacionála com outra coisa quando vemos que dois corpos imediatamente contíguos serão transladados cada um para o seu lado e que se separarão reciprocamente podemos então dizer que há tanto movimento num como no outro Confesso que nisto nos afastamos muito da maneira de falar do senso comum Como estamos habituados a estar na Terra que julgamos em repouso e embora vejamos algumas das suas partes contíguas a outros corpos mais pequenos serem transportadas da proximidade destes corpos nem por isso julgamos que se move 30 Por isso o movimento que separa dois corpos contíguos é mais atribuído a um do que ao outro A principal razão disto está no facto de pensarmos que um corpo só se move se se mover por inteiro e também porque não cremos que é a Terra inteira que se move dado que algumas das suas partes são transportadas da proximidade de alguns corpos mais pequenos que lhes são contíguos e por isso muitas vezes constatamos por experiência que essas translações são contrárias umas às outras Suponhamos o seguinte exemplo o corpo EFGH é a Terra e ao mesmo tempo que o corpo AB é transladado de E para F também o corpo CD é transportado de H para G Embora saibamos que as partes da Terra contíguas ao corpo AB são transladadas de B para A e que a acção desta translação possui a mesma natureza das partes da Terra presentes no corpo AB não diremos que a Terra se move de B para A ou de Ocidente para Oriente pois como as suas partes contíguas ao corpo CD foram transladadas da mesma maneira de C para D também devemos dizer que ela se move na direcção oposta ou seja de Oriente para Ocidente o que seria demasiado contraditório Por isso para não nos afastarmos demasiado do senso comum apenas diremos que os corpos AB e CD e outros semelhantes é que se movem e não a Terra Contudo devemos ter em conta que tudo o que há de real nos corpos que se movem e por isso dizemos que se movem também se encontra naqueles que lhes são contíguos embora os consideremos em repouso 31 Como pode haver muitos e diversos movimentos no mesmo corpo Apesar de cada corpo em particular ter apenas um movimento que lhe é próprio pois só há uma determinada quantidade de corpos contíguos e em repouso relativamente a ele todavia pode participar numa infinidade de outros movimentos enquanto faz parte de outros corpos com outros movimentos Por exemplo se um marinheiro ao passear no seu barco trouxer consigo um relógio ainda que as rodas deste tenham um único movimento que lhes é próprio é claro que fazem parte do movimento do marinheiro que passeia uma vez que constituem com ele um corpo que é conjuntamente transportado também é certo que participam do movimento do barco e até mesmo do do mar dado que acompanham o seu curso e também do da Terra supondo que esta gira em torno do seu eixo pois constituem um corpo com ela Embora seja verdade que todos estes movimentos estão nas rodas deste relógio todavia porque normalmente não pensamos em tantos movimentos ao mesmo tempo e até porque nem podemos conhecer todos os movimentos de que elas participam bastará que em cada corpo consideremos apenas o movimento que lhe é único e do qual podemos ter um conhecimento certo 32 Como o movimento único propriamente dito que é único em cada corpo também pode ser entendido como vários Mas também podemos considerar que este movimento único que propriamente é atribuído a cada corpo é composto de vários outros movimentos tal como distinguimos dois movimentos nas rodas de uma carruagem isto é um circular em torno do seu eixo e um recto que deixa um risco ao longo do caminho que percorrem Todavia é evidente que estes dois movimentos não diferem efectivamente um do outro porque cada ponto destas rodas e de qualquer outro corpo que se desloca só descreve uma única linha Não importa que esta linha seja muitas vezes torta parecendo que foi produzida por muitos movimentos diferentes na verdade podemos imaginar que qualquer linha mesmo a recta que é a mais simples de todas é o resultado dessa infinidade de movimentos Por exemplo se ao mesmo tempo que a linha AB desce para CD avançarmos com o seu ponto A para B a linha AD descrita pelo ponto A dependerá tanto dos movimentos de A para B e de AB para CD que são rectos como a linha curva descrita por cada ponto da roda depende do movimento recto e circular E embora às vezes seja útil distinguir um movimento em várias partes para que o possamos conhecer mais distintamente todavia e falando em termos absolutos só devemos contar um único movimento em cada corpo 33 Como em cada movimento deve haver um círculo ou anel de corpos que se movem conjuntamente Feita esta demonstração a saber que todos os lugares estão repletos de corpos e que cada parte da matéria é de tal modo proporcional ao tamanho do lugar que ocupa que seria impossível que preenchesse um lugar maior ou que se comprimisse para ocupar um que fosse mais apertado ou que qualquer outro corpo possa ocupar esse lugar enquanto ela lá se encontra devemos concluir portanto que tem de haver necessariamente um círculo de matéria ou anel de corpos que se movem em conjunto ao mesmo tempo e de tal maneira que quando um corpo deixa o seu lugar para que outro o preencha vai ocupar o do outro e assim sucessivamente até ao último que nesse instante ocupa o lugar deixado pelo primeiro E facilmente verificamos que isto é um círculo perfeito pois sem recorrermos ao vazio e à rarefacção ou à condensação vemos que a parte A deste círculo pode moverse para B já que a sua parte B se move ao mesmo tempo para C e C para D e D para A Mas se tivermos em conta que todas as desigualdades dos lugares podem ser compensadas por outras desigualdades pertencentes ao movimento das partes facilmente verificaremos que esse movimento conjunto da matéria também acontece no círculo mais imperfeito e irregular que se possa imaginar Assim toda a matéria compreendida no espaço EFGH pode moverse circularmente e a sua parte que se dirige para E pode passar para G e a que se dirige para G pode passar ao mesmo tempo para E sem que seja necessário supor a condensação ou o vazio desde que supondo que o espaço G é quatro vezes maior do que o espaço E e duas vezes maior do que os espaços F e H também suponhamos que o seu movimento é quatro vezes mais rápido para E do que para G e duas vezes mais rápido do que para F ou H e que em todos os locais deste círculo a velocidade do movimento compensa a exiguida de lugar Por conseguinte este processo permitenos saber que em qualquer espaço de tempo que queiramos determinar neste círculo passaria tanta matéria por um sítio como por outro 34 Daqui se segue que a matéria se divide em partes indefinidas e incontáveis ainda que não as compreendamos É no entanto necessário confessar que neste movimento há algo que o nosso espírito concebe como verdadeiro mas que apesar de tudo não consegue compreender a saber a divisão de algumas partes da matéria até ao infinito ou até a uma divisão indefinida e cujas partes são tantas que o nosso pensamento não consegue conceber uma tão pequena que não se divida também noutras ainda mais pequenas A matéria que ocupa o espaço G não pode preencher sucessivamente todos os espaços entre G e E sucessivamente mais pequenos até inumeráveis graus se qualquer das suas partes não mudar a sua figura e não se dividir sempre que necessário para ocupar exactamente os tamanhos desses espaços incontáveis diferentes uns os outros mas para que isto aconteça é necessário que todas essas pequenas parcelas que supomos pertencer à divisão de uma das partes e que de facto são incontáveis se distanciem um pouco umas das outras e por mais pequeno que este intervalo seja não deixa de ser uma verdadeira divisão 35 Como se faz esta divisão e como não se pode duvidar de que ela se pode fazer embora não a compreendamos Há que observar que não falo de toda a matéria mas apenas de alguma das suas partes Ainda que imaginássemos que no espaço G há duas ou três partes do tamanho do espaço E e que há outras ainda mais pequenas e em maior quantidade que permanecem indivisas todavia compreendemos que todas se podem mover circularmente na direcção de E desde que aí houvesse outras misturadas e que mudam de figura em tantas maneiras como se estivessem unidas às que não podem mudar de figura facilmente mas que se deslocam mais ou menos depressa conforme o lugar que devem ocupar e assim poderiam preencher todos os ângulos e pequenos recantos nos quais as outras não caberiam por serem demasiado grandes Ainda que não compreendamos como acontece esta divisão indefinida não devemos duvidar que ela não se faça pois compreendemos que ela se deduz necessariamente da natureza da matéria de que já temos um conhecimento muito distinto e também compreendemos que esta verdade pertence àquelas que não conseguimos compreender pois o nosso espírito é finito 36 Deus é a primeira causa do movimento e possui sempre a mesma quantidade no universo Depois de ter examinado a natureza do movimento é necessário considerar a sua causa E porque pode ser dupla começaremos pela primeira e mais universal a que produz geralmente todos os movimentos do mundo a seguir consideremos a outra a particular que faz com que cada parte da matéria adquira o que antes não tinha Quanto à primeira pareceme evidente que só pode ser Deus cuja omnipotência deu origem à matéria com o seu movimento e o repouso das suas partes conservando agora no universo pelo seu concurso ordinário tanto movimento e repouso como quando o criou Com efeito dado que o movimento não é mais do que um modo na matéria que se move tem por isso uma certa quantidade que nunca aumenta nem diminui se bem que em algumas das suas partes umas vezes haja mais e outras menos Por conseguinte quando uma parte da matéria se move duas vezes mais depressa do que outra sendo esta duas vezes maior 37 A primeira lei da Natureza cada coisa permanece no seu estado se nada o alterar assim aquilo que uma vez foi posto em movimento continuará sempre a moverse Como Deus não está sujeito a mudanças agindo sempre da mesma maneira podemos chegar ao conhecimento de certas regras a que chamo as leis da Natureza e que são as causas segundas particulares dos diversos movimentos que observamos em todos os corpos e daí a importância dessas leis A primeira é que cada coisa particular enquanto simples e indivisa se conserva o mais possível e nunca muda a não ser por causas externas Por conseguinte se vemos que uma parte da matéria é quadrada ela permanecerá assim se nada vier alterar a sua figura e se estiver em repouso nunca se moverá por si mesma mas uma vez posta em andamento também não podemos pensar que ela possa deixar de se mover com a mesma força enquanto não encontrar nada que atrase ou detenha o seu movimento De modo que se um corpo começou a moverse devemos concluir que continuará sempre em movimento e que nunca parará por si próprio Mas como habitamos uma Terra cuja constituição é de tal ordem que os movimentos que acontecem à nossa volta depressa param e muitas vezes por razões que os nossos sentidos ignoram desde o começo da nossa vida pensámos que os movimentos que assim terminavam por razões que desconhecíamos o faziam por si próprios E ainda hoje a nossa inclinação é crer que o mesmo acontece com tudo o que existe no mundo isto é que acabam naturalmente por si próprios e que tendem ao repouso porque aparentemente a experiência assim nolo ensinou em muitas ocasiões Mas isso não passa de um falso preconceito que repugna claramente às leis da Natureza com efeito o repouso é contrário ao movimento e pela sua própria natureza nada se torna no seu oposto ou se destrói a si próprio 38 Por que razão os corpos impelidos pela nossa mão continuam a moverse depois de os largarmos do movimento dos projécteis Presenciamos diariamente a prova desta primeira regra nas coisas que atiramos para longe não há razão para continuarem a moverse quando estão fora da mão que as lançou a não ser que de acordo com as leis da Natureza todos os corpos que se movem continuem a moverse até que o seu movimento seja travado por outros corpos É evidente que o ar e os outros corpos líquidos nos quais vemos estas coisas a moveremse gradualmente diminuem a velocidade do seu movimento se abanarmos um leque agitadamenle a nossa mão consegue sentir a resistência do ar o que também é confirmado pelo voo das aves E na Terra o único corpo fluido que oferece tanta resistência aos movimentos dos outros corpos é o ar 39 A segunda lei da Natureza todo o corpo que se move tende a continuar o seu movimento em linha recta A segunda lei que observo na Natureza é que cada parte da matéria considerada em si mesma nunca tende a continuar o seu movimento em linha curva mas sim em linha recta embora muitas destas partes sejam muitas vezes obrigadas a desviarse porque encontram outras no caminho e quando um corpo se move toda a matéria é conjuntamente movida e faz sempre um círculo ou anel Esta regra tal como a precedente depende de facto de Deus ser imutável e de conservar o movimento na matéria por uma operação muito simples Com efeito Deus não o conserva como poderia ter sido anteriormente mas sim como é precisamente no momento em que o conserva Embora seja verdade que o movimento não acontece num instante todavia é evidente que todo o corpo que se move está determinado a moverse em linha recta e não circularmente Por exemplo Fig 5 quando a pedra A gira na funda EA seguindo o círculo ABF no preciso momento em que está no ponto A determinase a moverse para qualquer lado isto é para C seguindo a recta AC se supusermos que é essa linha que toca o círculo Mas não conseguimos imaginar que estivesse determinada a moverse circularmente pois apesar de vir de L para A seguindo uma linha curva não conseguimos conceber que qualquer parte da curvatura possa estar nesta pedra quando se encontra no ponto A E já nos certificámos disto por experiência pois esta pedra quando sai da funda segue em linha recta para C e nunca tende a moverse para B O que claramente nos mostra que qualquer corpo que se move circularmente tende constantemente a afastarse do centro do círculo que descreve até o sentimos com a mão quando giramos a pedra na funda porque a pedra estica e estende a corda para se afastar directamente da nossa mão Esta consideração é de tal importância e sernosá útil em tantas ocasiões que devemos assinalála imediatamente propondome eu explicála ainda melhor quando for ocasião disso 40 A terceira lei se um corpo que se move encontrar outro mais forte o seu movimento não diminui em nada se encontrar um corpo mais fraco que consiga mover só perderá o movimento que lhe transmitir A terceira lei que observo na Natureza é que se um corpo em movimento não encontrar outro tem menos força para continuar a moverse em linha recta do que este para lhe resistir perdendo a determinação e desviandose mas sem nada perder do seu movimento e se tiver mais força move consigo esse outro corpo e perde tanto movimento como aquele que lhe transmite Assim quando atirámos um corpo duro contra outro maior duro e fixo aquele é repelido para o lado donde veio embora não perdendo nenhum do seu movimento mas se o corpo que encontra é mole pára imediatamente porque lhe transmite todo o seu movimento Esta regra compreende todas as causas particulares das mudanças que ocorrem nos corpos pelo menos as corporais pois ainda não sei se os anjos e os pensamentos dos homens conseguem mover os corpos é uma questão que reservo para o tratado que espero fazer sobre o homem 41 A prova da primeira parte desta regra Podemos conhecer melhor a verdade da primeira parte desta regra se prestarmos atenção à diferença entre o movimento de uma coisa e a sua determinação para um lado em vez de ser para outro e essa diferença é a causa desta determinação poder mudar sem haver quaisquer alterações no seu movimento Com efeito e como se disse antes cada coisa tal como é continua a ser sempre simplesmente como é e não como é relativamente às outras a não ser que seja obrigada a mudar de estado pelo encontro com outra coisa e por isso é absolutamente necessário que um corpo em movimento que encontre outro no seu percurso tão duro e fixo que não consiga mexêlo perca completamente a determinação do seu movimento para aquele lado tanto mais que se conhece perfeitamente a causa que lha fez perder isto é a resistência do corpo que o impede de ir mais além Mas isso não significa que perca algum do seu movimento dado que esse corpo não lhe retira o movimento nem por qualquer outra causa uma vez que o movimento não é contrário ao próprio movimento 42 A prova da segunda parte Também ficaremos a conhecer melhor a verdade da segunda parte desta regra se tivermos em consideração que Deus nunca muda a Sua maneira de agir e que conserva o mundo do mesmo modo como o criou Com efeito como tudo está repleto de corpos e se bem que cada parte da matéria tenda para o movimento em linha recta é evidente que desde o momento em que Deus criou a matéria não só pôs as suas partes em movimento de modos diferentes mas também as fez de tal natureza que desde então umas começaram a impelir outras e a comunicarlhes uma parte do seu movimento e como Deus as conserva ainda com a mesma acção e com as mesmas leis que lhes atribuiu aquando da sua criação é necessário que agora conserve nelas o movimento com que as dotou juntamente com a propriedade que atribuiu a este movimento de não estar sempre presente nas mesmas partes da matéria mas passando de umas para outras de acordo com o modo como se interceptam Assim esta contínua mudança nas criaturas não é de modo algum contrária à imutabilidade de Deus servindo até de argumento para a demonstrar 43 Em que consiste a força de cada corpo para agir ou resistir Além disso deve notarse que a força com que um corpo age contra outro ou resiste à sua acção consiste apenas em que cada coisa persiste o mais possível em permanecer no mesmo estado em que se encontra de acordo com a primeira lei anteriormente exposta Art 37 Daqui se segue que um corpo unido a outro possui alguma força para impedir que se separem e se se separam tem alguma força para impedir que se lhe junte de novo Assim quando está em repouso tem força para permanecer nesse repouso e por conseguinte para resistir a tudo quanto pudesse alterálo igualmente quando se move tem força para continuar o seu movimento isto é para se mover com a mesma velocidade e para o mesmo lado Mas a quantidade desta força deve ser avaliada tendo em conta o tamanho do corpo a que pertence a superfície resultante da separação dos corpos a velocidade do movimento e as maneiras como os diversos corpos se interceptam 44 Um movimento não é contrário a outro movimento mas apenas ao repouso e a determinação de um movimento para um lado não é contrário à sua determinação para outro lado Além disso há que notar que um movimento não é contrário a outro mais veloz ou tão veloz como ele e que só há oposição apenas entre dois modos entre o movimento e o repouso entre a velocidade e a lentidão do movimento desde que esta lentidão participe da natureza do repouso e entre a determinação de um corpo em se mover para qualquer lado e a resistência dos outros corpos que encontra no seu percurso quer estes corpos estejam em repouso quer se movam de modo diferente ou que aquele que se move encontre as partes do outro de modo diverso Assim a oposição é maior ou menor de acordo com a disposição dos corpos 45 Como é possível determinar pelas regras que se seguem como os movimentos dos corpos são alterados quando se interceptam uns aos outros Ora a fim de podermos deduzir destes princípios como é que cada corpo em particular aumenta ou diminui os seus movimentos ou muda a sua determinação quando é interceptado por outros corpos basta apenas calcular quanta força há em cada um destes corpos para desencadear o movimento ou para lhe resistir é evidente que aquele que tem mais movimento produz sempre o efeito de impedir o do outro E este cálculo poderia ser facilmente efectuado em corpos perfeitamente duros se fosse possível fazer com que apenas dois se encontrassem evitando que se tocassem simultaneamente e estivessem de tal modo separados dos restantes quer dos duros quer dos líquidos que não houvesse um só que pudesse ajudar ou impedir os seus movimentos pois observariam as seguintes regras a afastarse para o lado donde viera Dado que B não poderia empurrar C sem o fazer ir tão depressa quanto ele próprio seguiria também é verdade que C deve resistir proporcionalmente à velocidade de B em sua direcção e a sua resistência deve sobreporse à acção de B dado que é maior do que ele Assim por exemplo se C é o dobro de B e B tiver três graus de movimento não consegue empurrar C que está em repouso a não ser que lhe comunique dois graus isto é um para cada uma das metades conservando apenas o terceiro grau para si que não é maior do que cada uma das metades de C e por conseguinte não pode deslocarse mais depressa do que elas Do mesmo modo se B tiver trinta graus de velocidade deve comunicar vinte a C se tiver trezentos deve transferirlhe duzentos ou seja sempre o dobro da velocidade que conserva para si Mas como C está em repouso resiste dez vezes mais à recepção de vinte graus que à de dois e cem vezes mais à recepção de duzentos graus assim quanta mais velocidade B tiver mais resistência encontrará em C e porque cada uma das metades de C possui a mesma força para continuar em repouso como B para a repelir resistindolhe ambas ao mesmo tempo é evidente que as duas metades se sobrepõem e o forçam a afastarse Por conseguinte e independentemente da sua velocidade em direcção a C B nunca conseguirá mover C se este estiver em repouso e for maior do que ele 50 A quinta A quinta se pelo contrário o corpo C for um pouco mais pequeno do que B este só poderá deslocarse tão lentamente em direcção a C supondo que este ainda está em repouso total se tiver força para o mover e lhe comunicar a parte do seu movimento necessária para que ambos se desloquem depois à mesma velocidade isto é se B fosse o dobro de C só lhe comunicaria um terço do seu movimento uma vez que este terço moveria C tão depressa quanto os dois outros terços fariam B moverse pois que se supõe que é duas vezes maior Assim depois de ter encontrado C B deslocarseia um terço mais devagar do que antes ou seja só conseguiria percorrer dois espaços no mesmo tempo em que antes percorreu três Da mesma maneira se B fosse três vezes maior do que C só lhe comunicaria a quarta parte do seu movimento e assim sucessivamente e por pouca força que B possuísse seria sempre suficiente para mover C pois é evidente que até os movimentos mais débeis observam as mesmas leis e têm proporcionalmente os mesmos efeitos embora na Terra muitas vezes julguemos presenciar o contrário devido ao ar e outros líquidos que rodeiam sempre os corpos duros que se movem e que podem aumentar ou diminuir a sua velocidade como se refere a seguir 51 A sexta A sexta se o corpo C estivesse em repouso e fosse exactamente igual em tamanho ao corpo B que se move na sua direcção seria absolutamente necessário que fosse parcialmente impedido por B e em parte repelido de modo que se B se tivesse deslocado com quatro graus de velocidade deveria comunicarlhe um e com os outros três desviarseia para o lado donde viera Para isso ou B impediria C sem que por sua vez fosse repelido transferindolhe assim dois graus do seu movimento ou ressaltaria sem o impedir e por conseguinte conservaria estes dois graus de velocidade juntamente com os outros dois que não lhe podem ser retirados ou então seria repelido conservando uma parte destes dois graus e empurráloia comunicandolhe a outra parte É evidente que uma vez que são iguais não havendo por isso motivo para repelir C em vez de o empurrar estes dois efeitos repartemse igualmente isto é B deve transferir para C um desses dois graus de velocidade e repelilo com o outro 52 A sétima A sétima é última regra se B e C seguem a mesma trajectória e C antecede B mas deslocandose mais devagar sendo por isso atingido por B pode acontecer que B comunique uma parte da sua velocidade a C empurrandoo assim à sua frente e pode acontecer também que não lhe comunique absolutamente nenhuma sendo então repelido com todo o seu movimento para o lado donde veio Ou seja quando C é menor do que B e também quando é maior desde que a grandeza de tamanho de C não ultrapasse a grandeza de velocidade de B B nunca será repelido mas empurrará C comunicandolhe uma parte da sua velocidade e pelo contrário quando a grandeza de tamanho de C é maior do que a grandeza de velocidade de B é necessário que B seja repelido sem comunicar nenhum do seu movimento a C e finalmente quando o excesso do tamanho de B for exactamente igual ao excesso da velocidade de B este deve comunicar uma parte do seu movimento ao outro sendo repelido com o restante o que pode ser calculado da seguinte maneira se C é exactamente duas vezes maior do que B e se B não se mover duas vezes tão depressa quanto C faltandolhe aliás algum movimento então B será repelido sem aumentar o movimento de C e se B não se mover duas vezes tão depressa quanto C nunca será repelido transferindo a C a quantidade de movimento necessária para que ambos se movam com a mesma velocidade Por exemplo se C só tiver dois graus de velocidade e B cinco ou seja mais do que o dobro deve comunicarlhe dois desses cinco graus já que em C esses dois graus equivalem apenas a úm pois C é duas vezes tão grande quanto B deslocandose assim ambos com três graus de velocidade E estas demonstrações são tão certas que embora a experiência pareça provar o contrário seremos contudo obrigados a acrescentar mais fé à nossa razão do que aos nossos sentidos 53 A explicação destas regras é difficile porque cada corpo é simultaneamente tocado por muitos corpos Com efeito acontece muitas vezes que a experiência pode parecer contrária às regras que acabo de explicar mas a sua razão é evidente pois pressupõem que os dois corpos B e C são totalmente duros e de tal maneira separados de todos os restantes que não há nenhum à sua volta que possa ajudar ou impedir o seu movimento e não há corpos assim no mundo É por isso que antes de podermos avaliar se essas regras existem ou não no mundo não basta saber como é que os dois corpos tais como B e C podem interagir quando se encontram também é necessário considerar como os outros corpos que os rodeiam podem aumentar ou diminuir a sua acção E porque não há nada que os leve a ter efeitos diferentes exceptuando a diferença entre eles de uns serem líquidos ou moles e os outros duros é necessário examinarmos agora em que consistem estas duas qualidades de ser duro e ser líquido 54 Em que consiste a natureza dos corpos duros e líquidos Quanto a este aspecto devemos primeiramente aceitar o testemunho dos sentidos já que estas qualidades se relacionam com eles ora os sentidos só nos informam que as partes dos corpos líquidos cedem facilmente o seu lugar e não oferecem resistência às nossas mãos quando os encontram por seu lado as partes dos corpos duros estão de tal modo unidas que só poderão ser separadas por uma força que quebre essa ligação Depois se examinarmos a causa de certos corpos cederem o seu lugar sem oferecer resistência e a razão de outros não o cederem descobriremos que os corpos que já estão em movimento não impedem que os lugares que abandonam naturalmente sejam ocupados por quaisquer outros corpos mas os corpos que estão em repouso só podem ser afastados do seu lugar por qualquer força vinda de outro ponto para introduzir neles uma mudança Donde se segue que um corpo é líquido quando está dividido em muitas partículas que se movem separadamente de maneiras diferentes e é duro quando todas as suas partes se tocam entre si sem precisarem de movimento para se afastarem reciprocamente B em repouso é mais oposto por estar parado aos movimentos das partículas do corpo líquido D tomadas globalmente do que se se lhes opusesse pelo seu movimento no caso de se mover Finalmente quanto à sua determinação também se conclui que há tantas que se movem de C para B como no sentido contrário tanto mais que são as mesmas que vindo de C são impelidas contra a superfície do corpo B e voltam a seguir para C Algumas destas partes tomadas em particular empurram B para F à medida que o encontram e assim mais o impedem de se mover para C do que se estivessem em movimento porque há tantas determinações que ao tenderem de F para B o empurram para C e então B será empurrado igualmente para ambos os lados e se não lhe acontecer nada de estranho deixa de moverse Se imaginarmos alguma figura neste corpo B haverá nele tantas partes que empurram para um lado quantas as que o levarão para o oposto visto que o líquido que o rodeia não tem uma corrente como a dos rios que os fazem correr só para um lado Ora eu suponho que B está rodeado de todos os lados pelo líquido FD mas não é necessário que esteja exactamente no meio dele e embora haja mais entre B e C do que entre B e F nem por isso tem mais força se o empurrar mais para F do que para C dado que não age globalmente contra ele mas apenas mediante aquelas suas partículas que lhe tocam na superfície Até agora considerámos o corpo B em repouso mas se agora imaginarmos que é impedido para C por qualquer força vinda de fora por pequena que seja não será propriamente suficiente para o mover sozinha mas sêloá para se juntar às partes do corpo líquido FD determinandoas a empurrálo também para C e a comunicarlhe uma parte do seu movimento 57 A prova do artigo anterior Para conhecermos isto mais distintamente imaginemos que quando não há nenhum corpo duro no corpo líquido FD as suas partículas a e i o a estão dispostas em anel e movemse circularmente conforme a ordem das letras a e i e aquelas que estão marcadas com o u y a o movemse por sua vez conforme a ordem das letras o u y Para que um corpo seja líquido as partículas que o compõem devem moverse em muitas direcções como já se observou Mas supondo que o corpo duro B flutua no líquido FD entre as suas partes a e o sem se mover vejamos o que acontece Primeiramente impede que as partículas a e i o passem de o para a e não completem o círculo com o seu movimento impede também que as partículas marcadas com o u y a não passem de a para o mais as que vêm de i para o empurram B para C e as que vêm paralelamente de y para a empurramno para F com uma força tão igual que se não lhes acontecer nada de estranho não o poderão mover sendo umas impelidas de o para u e as outras de a para e e em vez das duas voltas que faziam antes só farão uma conforme a ordem das letras a e i o u y a Logo é evidente que elas não perdem nada do seu movimento devido ao encontro com o corpo B mudando apenas a sua determinação não continuando pois a moverse em linha tão recta nem tão próximas da recta do que se o encontrassem pelo caminho Finalmente se imaginarmos que B é empurrado por qualquer força que antes estava nele digo que esta força quando se une àquela em que as partes do corpo líquido que vêm de i para o repelem para C não é assim tão pequena que não consiga ultrapassar aquela que faz com as outras forças que vêm de y para a o empurrem na direcção contrária sendo suficiente para alterar a determinação delas e fazer com que se movam conforme a ordem das letras a y u o tanto quanto é requerido para não impedir o movimento do corpo B Porque quando dois corpos estão determinados a moveremse para dois pontos directamente opostos um ao outro e se encontram aquele que tem mais força deverá mudar a determinação do outro E o que acabei de observar a respeito das partículas a e i o u y também se aplica a todas as restantes partes do corpo líquido FD que chocam contra o corpo B isto é as partes que o impedem para C opõemse a outras tantas que o empurram em sentido oposto e por pequena que seja a força que acrescenta mais a umas do que a outras é suficiente para alterar a determinação das que têm menos e embora não descrevam os círculos tais como aqui se representam a e i o e o u y a empregam sem dúvida a sua agitação para se moverem circularmente ou então de outras maneiras equivalentes 58 Um corpo não deve ser considerado totalmente líquido relativamente ao corpo duro que o rodeia se algumas das suas partes se moverem menos depressa do que o corpo duro Ora uma vez alterada a determinação das partículas do corpo líquido que impediam o movimento do corpo B na direcção de C este corpo começará a moverse e terá tanta velocidade quanta a força que deve ser acrescentada às das partículas deste líquido para o determinar a este movimento desde que nenhumas delas se movam mais ou pelo menos tão depressa quanto esta força pois se algumas se movem mais devagar não se pode considerar que este corpo assim composto por elas é líquido e neste caso mesmo a mais pequena força não poderia mover o corpo duro que estaria dentro dado que necessitaria de ser muito grande para poder vencer a resistência daquelas que não se deslocassem tão depressa Assim vemos que o ar a água e os outros corpos líquidos resistem mais sensivelmente aos corpos que se movem quinta regra pode perguntarse por que razão não podemos partir um prego ou um pedaço de ferro só com a força das nossas mãos Além do mais cada uma das metades deste prego pode ser considerada um corpo que está em repouso contra a sua outra metade e por isso este conjunto devia poder ser separado com a força das mãos já que não é maior do que elas e a natureza do movimento consiste em que o corpo que dizem estar a deslocarse se separou dos outros corpos que o tocam Contudo deve observarse que as nossas mãos são muito moles isto é participam mais da natureza dos corpos líquidos do que dos duros e portanto todas as suas partes constituintes não agem em conjunto contra o corpo que queremos dividir e assim só há aquelas partes que ao tocálo se apoiam conjuntamente nela Como a metade de um prego pode ser considerada um corpo pois pode separarse da outra do mesmo modo a parte da nossa mão que toca nesta metade de prego e que é muito mais pequena do que toda a mão pode ser tomada por um outro corpo pois pode separarse das outras partes que compõem esta mão E porque pode separarse mais facilmente do resto da mão do que uma parte em relação ao seu resto e sentimos dor quando uma tal separação acontece nas partes do nosso corpo portanto não conseguimos partir um prego com as mãos Mas se pegarmos num martelo numa lima numas tesouras ou em qualquer outro instrumento e deles nos servíssemos de tal maneira que aplicássemos a força da nossa mão contra a parte do corpo que queremos dividir que deve ser mais pequeno do que a parte do instrumento que aplicamos contra ele podemos vencer a dureza deste corpo ainda que seja muito grande 64 Na Física só aceito princípios que também tenham sido aceites na Matemática de modo a poder provar por demonstração tudo quanto deduzirei e estes princípios são suficientes para explicar por este processo todos os fenómenos da Natureza Não acrescento aqui mais nada a respeito das figuras nem sobre o modo como acontecem diversidades incontáveis nos movimentos devido às suas infinitas variedades tanto mais que estas coisas podem ser compreendidas quando se falar delas pressupondose que aqueles que lêem os meus escritos conhecem os elementos da Geometria ou que pelo menos o seu espírito seja dado à compreensão das demonstrações da Matemática Confesso francamente que nas coisas corporais a única matéria que conheço é aquela que pode ser dividida representada e movimentada de todas as maneiras possíveis isto é aquela matéria a que os geómetras chamam quantidade e que é objecto das suas demonstrações nesta matéria só considero as suas divisões figuras e movimentos E enfim ao tratar deste assunto só tomarei por verdadeiro aquilo que tiver sido deduzido com tanta evidência que poderia ser considerado uma demonstração matemática E uma vez que este processo permite explicar todos os fenómenos da Natureza como se verificará pelo que segue não penso que devamos aceitar outros princípios na Física nem aliás devemos desejar outros para além daqueles que aqui se explicam 91 entre eles com uma velocidade extraordinária e que êstes mesmos líquidos facilmente cedem o seu lugar quando se movem mais lentamente 59 Um corpo duro empurrado por outro não só recebe dele todo o movimento que adquire mas emprestalhe também uma parte do corpo líquido que o rodeia Apesar de tudo devemos pensar que quando o corpo B é movido por uma força externa não adquire o seu movimento unicamente da força que o empurrou mas sobretudo das partículas do corpo líquido que o rodeia e que as partículas que compõem os círculos a e i o e a y o u perdem tanto do seu movimento quanto aquele que comunicam às partículas do corpo B que estão entre o e a porque participam dos movimentos circulares a e i o a e a y u o a ainda que se juntem continuamente a outras partes deste líquido enquanto avançam na direção de C o que também dá origem a que recebam apenas pouco movimento de cada uma das partículas 60 Contudo não pode ter mais velocidade do que aquela que este corpo duro lhe transmite Mas devo explicar por que razão não disse acima que a determinação das partículas a y u o não terá de alterarse completamente mas apenas o suficiente para não impedir o movimento do corpo B A razão está em que este corpo B não se pode mover mais depressa do que ao ser impelido pela força externa ainda que as partes do corpo líquido FD muitas vezes tenham mais agitação E quando filosofamos devemos observar isto cuidadosamente nunca devemos atribuir a uma causa nenhum efeito que ultrapasse o seu poder Com efeito se imaginarmos que o corpo B que estava rodeado de todos os lados pelo líquido FD sem se mover é agora impelido muito lentamente por qualquer força externa isto é pela minha mão não podemos pensar que se move com maior velocidade do que aquela que recebeu da minha mão uma vez que possui apenas o impulso que dela recebeu e que é a causa pela qual se move E ainda que as partes do corpo líquido se movam talvez muito mais depressa não devemos acreditar que estão determinadas pelos movimentos circulares como a e i o a e a y u o a ou outros parecidos a terem mais velocidade do que a força que impele o corpo B mas que apenas empregam a agitação que têm para se mover em muitas outras direcções 61 Um corpo líquido que se move inteiro para qualquer lado arrasta necessariamente consigo todos os corpos duros que contém ou que o rodeiam 88 Por tudo o que acabámos de demonstrar facilmente se compreende que um corpo duro em repouso entre as partículas de um corpo líquido que o rodeia por todos os lados está em equilíbrio exacto Assim e por maior que ele seja qualquer força mínima pode impelilo para um lado e para o outro quer esta força lhe advenha de qualquer causa externa ou consista em que todo o corpo líquido que o rodeia se dirige para qualquer lado tal como os rios correm para o mar e o ar para o poente quando os ventos do Oriente sopram Neste caso o corpo duro rodeado de todos os lados por este líquido é inevitavelmente levado por ela É a quarta regra segundo a qual se disse anteriormente que um corpo em repouso não pode ser movido por um mais pequeno e embora este mais pequeno se desloque muito rapidamente isso não vai de modo nenhum contra o que disse 62 Não se pode dizer com propriedade que um corpo duro se move quando é assim arrastado por um corpo líquido Se atentarmos na verdadeira natureza do movimento que é propriamente o transporte do corpo que se move da proximidade de outros corpos contíguos sendo este transporte recíproco nos corpos que são mutuamente contíguos mesmo que habitualmente não digamos que ambos se movem todavia sabemos que não é verdadeiro dizer que um corpo duro se move quando rodeado de todos os lados por um líquido obedece ao seu curso ou que se tivesse tanta força para lhe resistir pudesse impedirse de ser arrastado por ela pois afastase muito menos das partes que o rodeiam quando segue o curso deste líquido do que quando não o segue 63 A que se deve o facto de haver corpos tão duros que não podem ser divididos pelas nossas mãos ainda que sejam mais pequenos do que elas Depois de ter demonstrado a facilidade com que às vezes movemos corpos enormes quando flutuam ou estão suspensos em qualquer líquido e isto não se opõe à quarta regra anteriormente explicada também é necessário demonstrar como é que a nossa dificuldade de partirmos outros que são bastante mais pequenos pode estar de acordo com a quinta Se é verdade que as partes dos corpos duros não podem ser unidas com qualquer cola e que não têm absolutamente nada que impeça a sua separação a não ser o facto de estarem em repouso umas contra as outras como se disse atrás e que também é verdade que um corpo que se move ainda que devagar tem sempre força suficiente para mover outro mais pequeno que está em repouso como ensina a 89
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SEGUNDA PARTE DOS PRINCÍPIOS DAS COISAS MATERIAIS 1 As razões que nos levam a conhecer com segurança que há corpos e altura que está presente no mundo com todas as propriedades que sabemos pertenceremlhe claramente A esta substância extensa chamamos propriamente corpo ou substância das coisas materiais nunca devemos atribuirlhes a extensão que está nós poros ou intervalos não ocupados pelas suas partes quando está rarefeito mas sim aos outros corpos que preenchem estes intervalos O mesmo se passa quando vemos uma esponja cheia de água ou de outro líquido não pensamos que cada parte da esponja tem mais extensão mas apenas que há poros ou intervalos entre as suas partes que são maiores do que quando está seca e mais compacta então numa grandeza contínua de dez pés sem pensar em tal coisa uma vez que a ideia que temos do número dez é a mesma quer consideremos um número de dez pés ou qualquer outra dezena podemos até conceber uma grandeza contínua de dez pés sem pensar nesta ou naquela coisa embora não a possamos conceber sem qualquer coisa de extenso Apesar de tudo é evidente que não se poderia retirar qualquer parte de semelhante grandeza ou extensão se pelo mesmo processo também não separássemos outro tanto da grandeza ou da extensão rem entre si tal como a natureza do género ou da espécie difere da natureza do indivíduo Para discernirmos melhor a verdadeira ideia que temos do corpo tomemos por exemplo uma pedra e retiremoslhe tudo o que sabemos que não pertence à natureza do corpo Primeiramente retiramoslhe a dureza e nem por isso deixará de ser corpo depois a cor já que algumas vezes temos visto pedras tão transparentes que não têm cor tiremos o peso porque também o fogo ainda que muito téneue nem por isso deixa de ser um corpo tiremoslhe o frio o calor e todas as outras qualidades deste género pois não pensamos que estejam na pedra ou que a pedra mude de natureza porque umas vezes nos parece quente e outras fria Depois de assim termos examinado esta pedra descobrimos que a verdadeira ideia que nos faz conceber que é um corpo consiste unicamente em nos apercebermos distintamente de que é uma substância extensa em comprimento largura e altura ora isso mesmo está compreendido na ideia que temos do espaço não só daquele que está preenchido pelos corpos mas também daquele que se chama vazio 12 Em que sentido é diferente É verdade que há diferenças na nossa maneira de pensar pois se tirarmos uma pedra do espaço ou do lugar onde estava entendemos que retirámos a extensão desta pedra porque as consideramos inseparáveis uma da outra Apesar de tudo pensamos que a mesma extensão do lugar onde estava esta pedra se manteve se bem que o lugar que antes ocupava tenha estado preenchido por madeira água ar ou por qualquer outro corpo ou até que nos parecesse vazio dado que consideramos a extensão em geral parecendonos que a mesma pode estenderse às pedras à madeira à água ao ar e a todos os corpos e também ao vazio se o houver no caso de ela ter a mesma grandeza e figura que antes e que conserve a mesma posição relativamente aos corpos externos que determinam este espaço 13 O que é o lugar exterior A razão está no facto de as palavras lugar e espaço não significarem nada que seja verdadeiramente diferente do corpo que dizemos estar nalgum lugar e porque designam apenas a sua grandeza figura e o modo como se situa entre os outros corpos Para determinar esta posição é necessário observar outros corpos que consideramos imóveis mas dado que estes assim considerados são diversos podemos dizer que uma mesma coisa muda e não muda de lugar ao mesmo tempo Por exemplo se vemos um homem sentado na popa de um barco que o vento leva para fora do porto e se só fixarmos o barco parecernosá que este homem não muda de lugar porque vemos que se mantém sempre na mesma posição relativamente às partes do barco em que está mas se fixarmos as terras vizinhas parecernosá que este homem muda continuamente de lugar porque se afasta de uma e aproximase de outras Se além disso imaginarmos que a Terra gira sobre o seu eixo e que de Oriente a Ocidente perfaz o mesmo percurso que este barco de novo nos parecerá que aquele que está sentado à popa não muda de lugar porque teremos determinado este lugar por alguns pontos imóveis imaginados no céu Mas se pensarmos que em todo o universo não seria possível encontrar um ponto que fosse verdadeiramente imóvel verseá pelo que se segue que isso pode ser demonstrado e então concluiremos que no mundo nenhum lugar das coisas está firme e fixo a não ser que o fixemos com o pensamento 14 A diferença entre o lugar e o espaço Apesar de tudo o lugar e o espaço são nomes diferentes porque o lugar designa mais expressamente a localização do que a grandeza ou a figura e nós inversamente pensamos mais nestas quando se fala do espaço Dizemos frequentemente que uma coisa entrou no lugar de outra ainda que não tenha exactamente nem o seu tamanho nem a sua figura e não entendemos que por isso vai ocupar o mesmo espaço ocupado por essa outra coisa Sempre que se muda a localização dizemos que o lugar também se mudou embora se mantenha a mesma grandeza e a mesma figura Ainda que digamos que uma coisa está em tal lugar entendemos apenas que está assim situada relativamente às outras coisas mas se acrescentarmos que ocupa tal espaço ou tal lugar entendemos além disso que tem esta grandeza e aquela figura que pode preenchêlo exactamente 15 Como a superfície que rodeia um corpo pode ser tomada pelo seu lugar exterior Assim nunca distinguimos o espaço da extensão em comprimento largura e altura mas às vezes consideramos o lugar como se fosse interior à coisa que está situada e outras vezes como se fosse exterior O interior não difere absolutamente nada do espaço mas por vezes tomamos o exterior por uma superfície que rodeia imediatamente a coisa que está situada e notese que por superfície não se deve entender nenhuma parte do corpo que rodeia mas apenas a extremidade que está entre o corpo que rodeia e o que é rodeado que não passa de um modo ou maneira ou então pela superfície em geral que não é mais parte de um corpo do que de outro e que parece sempre a mesma enquanto tem a mesma grandeza e figura Embora não vejamos que o corpo que rodeia outro seja diferente da sua superfície não estamos habituados a dizer que aquele que está rodeado tenha por conseguinte mudado de lugar quando permanece na mesma situação relativamente aos restantes que consideramos imóveis Assim dizemos que um barco permanece no mesmo sítio quando levado pela corrente de um rio sendo simultaneamente impelido pelo vento por uma força tão homogénea que não muda de posição relativamente às margens embora vejamos que toda a superfície que o rodeia muda constantemente 16 Não pode haver vazio no sentido em que os filósofos tomam esta palavra Quanto ao vazio no sentido em que os filósofos tomam esta palavra isto é como um espaço onde não há nenhuma substância é evidente que tal espaço não existe no universo porque a extensão do espaço ou do lugar interior não é diferente da do corpo E dado que só podemos deduzir que um corpo é uma substância porque é extenso em comprimento largura e altura como concebemos que não é possível que o nada tenha extensão então devemos concluir a mesma coisa acerca do espaço que se supõe vazio isto é dado que ele tem extensão então é necessariamente substância 17 A palavra vazio no seu significado habitual não exclui todos os corpos Mas ao tomarmos esta palavra no seu significado habitual é verdade que não queremos dizer que não há absolutamente nada daquilo que presumimos dever existir aí Assim porque uma bilha está feita para guardar a água dizemos que está vazia quando só contém ar e quando não há um único peixe num viveiro dizemos que não tem nada lá dentro ainda que esteja cheio de água dizemos igualmente que um barco está vazio quando em vez das mercadorias normais é carregado com areia para poder resistir ao ímpeto do vento Acontece o mesmo quando afirmamos que um espaço está vazio porque não contém nada que seja perceptível pelos nossos sentidos embora contenha uma matéria criada e uma substância extensa o facto é que geralmente só prestamos atenção aos corpos que estão perto de nós que podemos sentir na medida em que causam impressões fortes nos sentidos E se em vez de nos lembrarmos daquilo que devemos entender pelas palavras vazio ou nada pensarmos que esse espaço em que nada se percepciona não contém nenhuma coisa criada estaríamos a cometer um erro tão grosseiro como quando dizemos que uma bilha só com ar está vazia julgando que esse ar contido nela não é uma coisa ou substância 18 Como se pode corrigir a falsa opinião da nossa preocupação a respeito do vazio Quase todos nos preocupámos com este erro desde muito novos porque ao vermos que não havia ligação necessária entre este recipiente e o corpo nele contido pareceunos que Deus poderia retirar qualquer corpo nele contido conservando o recipiente no lugar daquele que se tivesse retirado De modo a podermos corrigir tão falsa opinião observaremos que não há nenhuma relação necessária entre o recipiente e o corpo nele contido mas que essa relação é absolutamente necessária entre a figura côncava do recipiente e a extensão compreendida nesta concavidade e assim tanto poderemos conceber uma montanha sem vale do que semelhante concavidade sem a extensão contida nela ou esta extensão sem qualquer coisa extensa uma vez que o nada como já observámos várias vezes não pode ter extensão É por isso que se nos perguntassem o que aconteceria se Deus retirasse qualquer corpo que está num recipiente sem permitir que outro aí entrasse responderíamos que as suas paredes se aproximariam tanto que imediatamente se tocariam Ora dois corpos tocamse necessariamente quando não há nada entre eles porque seria contraditório que dois corpos estivessem afastados isto é que houvesse distância entre ambos e que apesar de tudo essa distância não fosse nada é que a distância é uma propriedade da extensão e não poderia subsistir sem algo extenso 19 Isto confirma o que se disse da rarefacção Depois de termos observado que a natureza da substância material ou do corpo consiste em ser uma coisa extensa e que a sua extensão não difere em nada da que atribuímos ao espaço vazio facilmente se conhece que não é possível seja de que maneira for que umas vezes qualquer das suas partes ocupe mais espaço do que outras e possa ser realmente rarefeita de modo diferente daquele que expusemos ou então que se encontre mais matéria ou corpo num recipiente cheio de ouro ou de chumbo ou de qualquer outro corpo pesado e duro do que quando só contém ar e parece vazio é que o tamanho das partes que compõem um corpo não depende em nada do peso ou da dureza que se experimenta com o seu contacto como também já salientei mas apenas da extensão que é sempre igual no mesmo recipiente 20 Não pode haver átomos ou pequenos corpos indivisíveis Também é fácil conhecer que não pode haver átomos isto é partes dos corpos ou da matéria que por natureza sejam indivisíveis como alguns filósofos imaginaram Pois por mais pequenas que as suas partes sejam todavia e porque é necessário que sejam extensas pensamos que não há sequer uma de entre elas que não possa dividirse em duas ou noutras ainda mais pequenas donde se segue que são divisíveis Com efeito pelo facto de conhecermos clara e distintamente que uma coisa pode dividirse devemos pensar que é divisível porque se pensarmos que é indivisível o juízo emitido sobre esta coisa seria contrário ao conhecimento que temos Ainda que imaginássemos que Deus quisesse reduzir alguma parte da matéria a uma partícula tão mínima que não pudesse dividirse noutras mais pequenas mesmo assim não poderíamos concluir que ela seria indivisível porque quando Deus tornasse esta partícula tão pequena que nenhuma criatura pudesse então dividila nem por isso poderia privarse do poder de a dividir pois não é possível que a sua omnipotência diminua como já observámos É por isso que dizemos que qualquer partícula mínima extensa que possa existir no mundo pode ser sempre dividida como é próprio da sua natureza 21 A extensão do mundo é indefinida Além disso também sabemos que este mundo ou a matéria extensa de que o universo é composto não tem limites porque por mais longe que levássemos a nossa imaginação mesmo assim poderíamos imaginar outros espaços indefinidamente extensos e não só os imaginamos como os concebemos tão reais quanto os imaginámos Por isso eles contêm um corpo indefinidamente extenso pois a ideia de extensão que concebemos seja em que espaço for é a verdadeira ideia que devemos ter do corpo 22 A Terra e os céus são feitos apenas de uma mesma matéria não podendo haver vários mundos Finalmente não é difícil inferir de tudo isto que a Terra e os céus são feitos de uma mesma matéria e que mesmo que houvesse uma infinidade de mundos seriam todos feitos da mesma matéria Donde se segue que não pode haver vários mundos pois claramente concebemos que a matéria cuja natureza consiste unicamente em ser uma coisa extensa ocupa agora todos os espaços imagináveis em que esses outros mundos poderiam existir além de que não poderíamos descobrir em nós a ideia de qualquer outra matéria 23 Todas as variedades presentes na matéria ou a diversidade das suas partes dependem do movimento das suas partes Logo só há uma matéria em todo o universo e só a conhecemos porque é extensa Todas as propriedades que nela apercebemos distintamente apenas se referem ao facto de poder ser dividida e movimentada segundo as suas partes e por consequência pode receber todas as afecções resultantes do movimento dessas partes Com efeito embora mediante o pensamento possamos imaginar divisões nesta matéria contudo é verdade que o nosso pensamento não pode alterar nada e a diversidade das formas que nela se encontram dependem do movimento local sem dúvida que isto foi também observado pelos filósofos em muitas ocasiões a natureza é o princípio do movimento e do repouso Por natureza entendiam aquilo que faz com que os corpos se disponham tais como os vemos por experiência 24 O que é o movimento de acordo com o senso comum Ora o movimento isto é aquele que se efectua de um lugar para outro porque não concebo outro e também porque não penso que seja necessário supor outro na natureza de acordo com o senso comum é a acção pela qual um corpo passa de um local para outro E por conseguinte uma vez que como já observámos anteriormente se pode afirmar que uma coisa muda e não muda de lugar ao mesmo tempo também podemos dizer que se move e não se move ao mesmo tempo Por exemplo quem está sentado na popa de um barco impedido pelo vento crê que se move quando se fixa apenas na margem donde partiu e a considera imóvel e não crê moverse quando se fixa somente no barco em que se encontra porque não muda de localização relativamente às suas partes Todavia uma vez que estamos habituados a pensar que não há movimento sem acção mais propriamente diremos que essa pessoa assim sentada está em repouso pois não sente qualquer acção em si e é isso o que senso comum julga 25 O que é o movimento propriamente dito Mas se em vez de nos limitarmos àquilo cujo fundamento radica apenas no senso comum quisermos saber o que é verdadeiramente o movimento a fim de lhe atribuirmos uma natureza que seja determinada diremos que o movimento é a translação de uma parte da matéria ou de um corpo da proximidade daqueles que lhe são imediatamente contíguos e que consideramos em repouso para a proximidade de outros Por corpo ou parte da matéria entendo tudo aquilo que é transportado conjuntamente ainda que seja composto de várias partes que com a sua acção desencadeiam outros movimentos Digo que é a translação e não a força ou a acção que transporta pois o movimento está sempre no móvel e não naquele que se move e habitualmente ninguém emprega o cuidado necessário ao distinguir estas duas coisas Além disso entendo que é uma propriedade do móvel e não uma substância assim como a figura é uma propriedade da coisa que está figurada e o repouso da coisa que está em repouso 26 É requerida tanta acção para o movimento como para o repouso Uma vez que normalmente nos enganamos quando pensamos que é necessária mais acção para o movimento do que para o repouso observaremos aqui que cometemos um erro desde muito novos porque geralmente movimentamos o nosso corpo de acordo com a nossa vontade que conhecemos intimamente e que está em repouso porque a Terra o fixa devido ao seu peso cuja força não sentimos E como este peso e várias outras causas de que habitualmente não nos apercebemos resistem ao movimento dos nossos membros e nos provocam o cansaço julgamos que para produzir um movimento seria necessária uma força maior e mais acção do que para o interromper pois tomámos a acção pelo esforço para movermos os nossos membros e por seu intermédio os outros corpos Mas facilmente nos libertamos deste preconceito se tivermos em conta que não fazemos nenhum esforço para mover os corpos que estão perto de nós nem para os interromper caso não tenham sido amortecidos pela gravidade ou por outra causa Assim empregamos tanta acção para fazer deslizar por exemplo um barco que está em repouso na água calma e sem corrente como para o parar de repente enquanto se desloca e se a experiência nos mostra neste caso que não é preciso tanta para o parar como para o pôr em marcha isso devese ao peso da água que levanta quando se desloca e à sua lentidão porque imagino a água calma e adormecida 27 O movimento e o repouso são apenas duas maneiras diferentes do corpo em que se encontram Mas porque aqui não se trata da acção que está naquilo que se move ou que trava o movimento mas principalmente do transporte e da sua paragem ou repouso é evidente que este transporte não está fora do corpo que é movido sendo apenas um corpo que quando é translado está disposto de outra maneira do que quando não o é de modo que nele o movimento e o repouso não passam de duas diferentes maneiras 28 O movimento propriamente só respeita aos corpos contíguos àquele que dizemos estar em movimento Também acrescentei que a translação do corpo ocorre da proximidade dos que lhe são contíguos para a proximidade de outros e não de um lugar para outro porque o lugar pode ser tomado de várias maneiras que dependem do nosso pensamento como expliquei anteriormente Art 10 a 16 Mas quando entendemos o movimento como a translação de um corpo que deixa a proximidade dos que lhe são contíguos certamente só podemos atribuir ao mesmo móvel um único movimento pois só existe uma determinada quantidade de corpos que o podem tocar ao mesmo tempo 29 Mesmo que só se relacione com os corpos contíguos que consideramos em repouso Enfim disse que a translação não ocorre da proximidade de toda a espécie de corpos contíguos mas apenas daqueles que consideramos em repouso Como esta translação é recíproca não podemos conceber que o corpo AB seja transladado da proximidade do corpo CD sem que também não saibamos que o corpo CD é transladado da proximidade do corpo AB e que ambos requerem a mesma acção Por isso e se quisermos atribuir ao movimento uma natureza que lhe seja totalmente própria que possa ser considerada isoladamente e sem ser necessário relacionála com outra coisa quando vemos que dois corpos imediatamente contíguos serão transladados cada um para o seu lado e que se separarão reciprocamente podemos então dizer que há tanto movimento num como no outro Confesso que nisto nos afastamos muito da maneira de falar do senso comum Como estamos habituados a estar na Terra que julgamos em repouso e embora vejamos algumas das suas partes contíguas a outros corpos mais pequenos serem transportadas da proximidade destes corpos nem por isso julgamos que se move 30 Por isso o movimento que separa dois corpos contíguos é mais atribuído a um do que ao outro A principal razão disto está no facto de pensarmos que um corpo só se move se se mover por inteiro e também porque não cremos que é a Terra inteira que se move dado que algumas das suas partes são transportadas da proximidade de alguns corpos mais pequenos que lhes são contíguos e por isso muitas vezes constatamos por experiência que essas translações são contrárias umas às outras Suponhamos o seguinte exemplo o corpo EFGH é a Terra e ao mesmo tempo que o corpo AB é transladado de E para F também o corpo CD é transportado de H para G Embora saibamos que as partes da Terra contíguas ao corpo AB são transladadas de B para A e que a acção desta translação possui a mesma natureza das partes da Terra presentes no corpo AB não diremos que a Terra se move de B para A ou de Ocidente para Oriente pois como as suas partes contíguas ao corpo CD foram transladadas da mesma maneira de C para D também devemos dizer que ela se move na direcção oposta ou seja de Oriente para Ocidente o que seria demasiado contraditório Por isso para não nos afastarmos demasiado do senso comum apenas diremos que os corpos AB e CD e outros semelhantes é que se movem e não a Terra Contudo devemos ter em conta que tudo o que há de real nos corpos que se movem e por isso dizemos que se movem também se encontra naqueles que lhes são contíguos embora os consideremos em repouso 31 Como pode haver muitos e diversos movimentos no mesmo corpo Apesar de cada corpo em particular ter apenas um movimento que lhe é próprio pois só há uma determinada quantidade de corpos contíguos e em repouso relativamente a ele todavia pode participar numa infinidade de outros movimentos enquanto faz parte de outros corpos com outros movimentos Por exemplo se um marinheiro ao passear no seu barco trouxer consigo um relógio ainda que as rodas deste tenham um único movimento que lhes é próprio é claro que fazem parte do movimento do marinheiro que passeia uma vez que constituem com ele um corpo que é conjuntamente transportado também é certo que participam do movimento do barco e até mesmo do do mar dado que acompanham o seu curso e também do da Terra supondo que esta gira em torno do seu eixo pois constituem um corpo com ela Embora seja verdade que todos estes movimentos estão nas rodas deste relógio todavia porque normalmente não pensamos em tantos movimentos ao mesmo tempo e até porque nem podemos conhecer todos os movimentos de que elas participam bastará que em cada corpo consideremos apenas o movimento que lhe é único e do qual podemos ter um conhecimento certo 32 Como o movimento único propriamente dito que é único em cada corpo também pode ser entendido como vários Mas também podemos considerar que este movimento único que propriamente é atribuído a cada corpo é composto de vários outros movimentos tal como distinguimos dois movimentos nas rodas de uma carruagem isto é um circular em torno do seu eixo e um recto que deixa um risco ao longo do caminho que percorrem Todavia é evidente que estes dois movimentos não diferem efectivamente um do outro porque cada ponto destas rodas e de qualquer outro corpo que se desloca só descreve uma única linha Não importa que esta linha seja muitas vezes torta parecendo que foi produzida por muitos movimentos diferentes na verdade podemos imaginar que qualquer linha mesmo a recta que é a mais simples de todas é o resultado dessa infinidade de movimentos Por exemplo se ao mesmo tempo que a linha AB desce para CD avançarmos com o seu ponto A para B a linha AD descrita pelo ponto A dependerá tanto dos movimentos de A para B e de AB para CD que são rectos como a linha curva descrita por cada ponto da roda depende do movimento recto e circular E embora às vezes seja útil distinguir um movimento em várias partes para que o possamos conhecer mais distintamente todavia e falando em termos absolutos só devemos contar um único movimento em cada corpo 33 Como em cada movimento deve haver um círculo ou anel de corpos que se movem conjuntamente Feita esta demonstração a saber que todos os lugares estão repletos de corpos e que cada parte da matéria é de tal modo proporcional ao tamanho do lugar que ocupa que seria impossível que preenchesse um lugar maior ou que se comprimisse para ocupar um que fosse mais apertado ou que qualquer outro corpo possa ocupar esse lugar enquanto ela lá se encontra devemos concluir portanto que tem de haver necessariamente um círculo de matéria ou anel de corpos que se movem em conjunto ao mesmo tempo e de tal maneira que quando um corpo deixa o seu lugar para que outro o preencha vai ocupar o do outro e assim sucessivamente até ao último que nesse instante ocupa o lugar deixado pelo primeiro E facilmente verificamos que isto é um círculo perfeito pois sem recorrermos ao vazio e à rarefacção ou à condensação vemos que a parte A deste círculo pode moverse para B já que a sua parte B se move ao mesmo tempo para C e C para D e D para A Mas se tivermos em conta que todas as desigualdades dos lugares podem ser compensadas por outras desigualdades pertencentes ao movimento das partes facilmente verificaremos que esse movimento conjunto da matéria também acontece no círculo mais imperfeito e irregular que se possa imaginar Assim toda a matéria compreendida no espaço EFGH pode moverse circularmente e a sua parte que se dirige para E pode passar para G e a que se dirige para G pode passar ao mesmo tempo para E sem que seja necessário supor a condensação ou o vazio desde que supondo que o espaço G é quatro vezes maior do que o espaço E e duas vezes maior do que os espaços F e H também suponhamos que o seu movimento é quatro vezes mais rápido para E do que para G e duas vezes mais rápido do que para F ou H e que em todos os locais deste círculo a velocidade do movimento compensa a exiguida de lugar Por conseguinte este processo permitenos saber que em qualquer espaço de tempo que queiramos determinar neste círculo passaria tanta matéria por um sítio como por outro 34 Daqui se segue que a matéria se divide em partes indefinidas e incontáveis ainda que não as compreendamos É no entanto necessário confessar que neste movimento há algo que o nosso espírito concebe como verdadeiro mas que apesar de tudo não consegue compreender a saber a divisão de algumas partes da matéria até ao infinito ou até a uma divisão indefinida e cujas partes são tantas que o nosso pensamento não consegue conceber uma tão pequena que não se divida também noutras ainda mais pequenas A matéria que ocupa o espaço G não pode preencher sucessivamente todos os espaços entre G e E sucessivamente mais pequenos até inumeráveis graus se qualquer das suas partes não mudar a sua figura e não se dividir sempre que necessário para ocupar exactamente os tamanhos desses espaços incontáveis diferentes uns os outros mas para que isto aconteça é necessário que todas essas pequenas parcelas que supomos pertencer à divisão de uma das partes e que de facto são incontáveis se distanciem um pouco umas das outras e por mais pequeno que este intervalo seja não deixa de ser uma verdadeira divisão 35 Como se faz esta divisão e como não se pode duvidar de que ela se pode fazer embora não a compreendamos Há que observar que não falo de toda a matéria mas apenas de alguma das suas partes Ainda que imaginássemos que no espaço G há duas ou três partes do tamanho do espaço E e que há outras ainda mais pequenas e em maior quantidade que permanecem indivisas todavia compreendemos que todas se podem mover circularmente na direcção de E desde que aí houvesse outras misturadas e que mudam de figura em tantas maneiras como se estivessem unidas às que não podem mudar de figura facilmente mas que se deslocam mais ou menos depressa conforme o lugar que devem ocupar e assim poderiam preencher todos os ângulos e pequenos recantos nos quais as outras não caberiam por serem demasiado grandes Ainda que não compreendamos como acontece esta divisão indefinida não devemos duvidar que ela não se faça pois compreendemos que ela se deduz necessariamente da natureza da matéria de que já temos um conhecimento muito distinto e também compreendemos que esta verdade pertence àquelas que não conseguimos compreender pois o nosso espírito é finito 36 Deus é a primeira causa do movimento e possui sempre a mesma quantidade no universo Depois de ter examinado a natureza do movimento é necessário considerar a sua causa E porque pode ser dupla começaremos pela primeira e mais universal a que produz geralmente todos os movimentos do mundo a seguir consideremos a outra a particular que faz com que cada parte da matéria adquira o que antes não tinha Quanto à primeira pareceme evidente que só pode ser Deus cuja omnipotência deu origem à matéria com o seu movimento e o repouso das suas partes conservando agora no universo pelo seu concurso ordinário tanto movimento e repouso como quando o criou Com efeito dado que o movimento não é mais do que um modo na matéria que se move tem por isso uma certa quantidade que nunca aumenta nem diminui se bem que em algumas das suas partes umas vezes haja mais e outras menos Por conseguinte quando uma parte da matéria se move duas vezes mais depressa do que outra sendo esta duas vezes maior 37 A primeira lei da Natureza cada coisa permanece no seu estado se nada o alterar assim aquilo que uma vez foi posto em movimento continuará sempre a moverse Como Deus não está sujeito a mudanças agindo sempre da mesma maneira podemos chegar ao conhecimento de certas regras a que chamo as leis da Natureza e que são as causas segundas particulares dos diversos movimentos que observamos em todos os corpos e daí a importância dessas leis A primeira é que cada coisa particular enquanto simples e indivisa se conserva o mais possível e nunca muda a não ser por causas externas Por conseguinte se vemos que uma parte da matéria é quadrada ela permanecerá assim se nada vier alterar a sua figura e se estiver em repouso nunca se moverá por si mesma mas uma vez posta em andamento também não podemos pensar que ela possa deixar de se mover com a mesma força enquanto não encontrar nada que atrase ou detenha o seu movimento De modo que se um corpo começou a moverse devemos concluir que continuará sempre em movimento e que nunca parará por si próprio Mas como habitamos uma Terra cuja constituição é de tal ordem que os movimentos que acontecem à nossa volta depressa param e muitas vezes por razões que os nossos sentidos ignoram desde o começo da nossa vida pensámos que os movimentos que assim terminavam por razões que desconhecíamos o faziam por si próprios E ainda hoje a nossa inclinação é crer que o mesmo acontece com tudo o que existe no mundo isto é que acabam naturalmente por si próprios e que tendem ao repouso porque aparentemente a experiência assim nolo ensinou em muitas ocasiões Mas isso não passa de um falso preconceito que repugna claramente às leis da Natureza com efeito o repouso é contrário ao movimento e pela sua própria natureza nada se torna no seu oposto ou se destrói a si próprio 38 Por que razão os corpos impelidos pela nossa mão continuam a moverse depois de os largarmos do movimento dos projécteis Presenciamos diariamente a prova desta primeira regra nas coisas que atiramos para longe não há razão para continuarem a moverse quando estão fora da mão que as lançou a não ser que de acordo com as leis da Natureza todos os corpos que se movem continuem a moverse até que o seu movimento seja travado por outros corpos É evidente que o ar e os outros corpos líquidos nos quais vemos estas coisas a moveremse gradualmente diminuem a velocidade do seu movimento se abanarmos um leque agitadamenle a nossa mão consegue sentir a resistência do ar o que também é confirmado pelo voo das aves E na Terra o único corpo fluido que oferece tanta resistência aos movimentos dos outros corpos é o ar 39 A segunda lei da Natureza todo o corpo que se move tende a continuar o seu movimento em linha recta A segunda lei que observo na Natureza é que cada parte da matéria considerada em si mesma nunca tende a continuar o seu movimento em linha curva mas sim em linha recta embora muitas destas partes sejam muitas vezes obrigadas a desviarse porque encontram outras no caminho e quando um corpo se move toda a matéria é conjuntamente movida e faz sempre um círculo ou anel Esta regra tal como a precedente depende de facto de Deus ser imutável e de conservar o movimento na matéria por uma operação muito simples Com efeito Deus não o conserva como poderia ter sido anteriormente mas sim como é precisamente no momento em que o conserva Embora seja verdade que o movimento não acontece num instante todavia é evidente que todo o corpo que se move está determinado a moverse em linha recta e não circularmente Por exemplo Fig 5 quando a pedra A gira na funda EA seguindo o círculo ABF no preciso momento em que está no ponto A determinase a moverse para qualquer lado isto é para C seguindo a recta AC se supusermos que é essa linha que toca o círculo Mas não conseguimos imaginar que estivesse determinada a moverse circularmente pois apesar de vir de L para A seguindo uma linha curva não conseguimos conceber que qualquer parte da curvatura possa estar nesta pedra quando se encontra no ponto A E já nos certificámos disto por experiência pois esta pedra quando sai da funda segue em linha recta para C e nunca tende a moverse para B O que claramente nos mostra que qualquer corpo que se move circularmente tende constantemente a afastarse do centro do círculo que descreve até o sentimos com a mão quando giramos a pedra na funda porque a pedra estica e estende a corda para se afastar directamente da nossa mão Esta consideração é de tal importância e sernosá útil em tantas ocasiões que devemos assinalála imediatamente propondome eu explicála ainda melhor quando for ocasião disso 40 A terceira lei se um corpo que se move encontrar outro mais forte o seu movimento não diminui em nada se encontrar um corpo mais fraco que consiga mover só perderá o movimento que lhe transmitir A terceira lei que observo na Natureza é que se um corpo em movimento não encontrar outro tem menos força para continuar a moverse em linha recta do que este para lhe resistir perdendo a determinação e desviandose mas sem nada perder do seu movimento e se tiver mais força move consigo esse outro corpo e perde tanto movimento como aquele que lhe transmite Assim quando atirámos um corpo duro contra outro maior duro e fixo aquele é repelido para o lado donde veio embora não perdendo nenhum do seu movimento mas se o corpo que encontra é mole pára imediatamente porque lhe transmite todo o seu movimento Esta regra compreende todas as causas particulares das mudanças que ocorrem nos corpos pelo menos as corporais pois ainda não sei se os anjos e os pensamentos dos homens conseguem mover os corpos é uma questão que reservo para o tratado que espero fazer sobre o homem 41 A prova da primeira parte desta regra Podemos conhecer melhor a verdade da primeira parte desta regra se prestarmos atenção à diferença entre o movimento de uma coisa e a sua determinação para um lado em vez de ser para outro e essa diferença é a causa desta determinação poder mudar sem haver quaisquer alterações no seu movimento Com efeito e como se disse antes cada coisa tal como é continua a ser sempre simplesmente como é e não como é relativamente às outras a não ser que seja obrigada a mudar de estado pelo encontro com outra coisa e por isso é absolutamente necessário que um corpo em movimento que encontre outro no seu percurso tão duro e fixo que não consiga mexêlo perca completamente a determinação do seu movimento para aquele lado tanto mais que se conhece perfeitamente a causa que lha fez perder isto é a resistência do corpo que o impede de ir mais além Mas isso não significa que perca algum do seu movimento dado que esse corpo não lhe retira o movimento nem por qualquer outra causa uma vez que o movimento não é contrário ao próprio movimento 42 A prova da segunda parte Também ficaremos a conhecer melhor a verdade da segunda parte desta regra se tivermos em consideração que Deus nunca muda a Sua maneira de agir e que conserva o mundo do mesmo modo como o criou Com efeito como tudo está repleto de corpos e se bem que cada parte da matéria tenda para o movimento em linha recta é evidente que desde o momento em que Deus criou a matéria não só pôs as suas partes em movimento de modos diferentes mas também as fez de tal natureza que desde então umas começaram a impelir outras e a comunicarlhes uma parte do seu movimento e como Deus as conserva ainda com a mesma acção e com as mesmas leis que lhes atribuiu aquando da sua criação é necessário que agora conserve nelas o movimento com que as dotou juntamente com a propriedade que atribuiu a este movimento de não estar sempre presente nas mesmas partes da matéria mas passando de umas para outras de acordo com o modo como se interceptam Assim esta contínua mudança nas criaturas não é de modo algum contrária à imutabilidade de Deus servindo até de argumento para a demonstrar 43 Em que consiste a força de cada corpo para agir ou resistir Além disso deve notarse que a força com que um corpo age contra outro ou resiste à sua acção consiste apenas em que cada coisa persiste o mais possível em permanecer no mesmo estado em que se encontra de acordo com a primeira lei anteriormente exposta Art 37 Daqui se segue que um corpo unido a outro possui alguma força para impedir que se separem e se se separam tem alguma força para impedir que se lhe junte de novo Assim quando está em repouso tem força para permanecer nesse repouso e por conseguinte para resistir a tudo quanto pudesse alterálo igualmente quando se move tem força para continuar o seu movimento isto é para se mover com a mesma velocidade e para o mesmo lado Mas a quantidade desta força deve ser avaliada tendo em conta o tamanho do corpo a que pertence a superfície resultante da separação dos corpos a velocidade do movimento e as maneiras como os diversos corpos se interceptam 44 Um movimento não é contrário a outro movimento mas apenas ao repouso e a determinação de um movimento para um lado não é contrário à sua determinação para outro lado Além disso há que notar que um movimento não é contrário a outro mais veloz ou tão veloz como ele e que só há oposição apenas entre dois modos entre o movimento e o repouso entre a velocidade e a lentidão do movimento desde que esta lentidão participe da natureza do repouso e entre a determinação de um corpo em se mover para qualquer lado e a resistência dos outros corpos que encontra no seu percurso quer estes corpos estejam em repouso quer se movam de modo diferente ou que aquele que se move encontre as partes do outro de modo diverso Assim a oposição é maior ou menor de acordo com a disposição dos corpos 45 Como é possível determinar pelas regras que se seguem como os movimentos dos corpos são alterados quando se interceptam uns aos outros Ora a fim de podermos deduzir destes princípios como é que cada corpo em particular aumenta ou diminui os seus movimentos ou muda a sua determinação quando é interceptado por outros corpos basta apenas calcular quanta força há em cada um destes corpos para desencadear o movimento ou para lhe resistir é evidente que aquele que tem mais movimento produz sempre o efeito de impedir o do outro E este cálculo poderia ser facilmente efectuado em corpos perfeitamente duros se fosse possível fazer com que apenas dois se encontrassem evitando que se tocassem simultaneamente e estivessem de tal modo separados dos restantes quer dos duros quer dos líquidos que não houvesse um só que pudesse ajudar ou impedir os seus movimentos pois observariam as seguintes regras a afastarse para o lado donde viera Dado que B não poderia empurrar C sem o fazer ir tão depressa quanto ele próprio seguiria também é verdade que C deve resistir proporcionalmente à velocidade de B em sua direcção e a sua resistência deve sobreporse à acção de B dado que é maior do que ele Assim por exemplo se C é o dobro de B e B tiver três graus de movimento não consegue empurrar C que está em repouso a não ser que lhe comunique dois graus isto é um para cada uma das metades conservando apenas o terceiro grau para si que não é maior do que cada uma das metades de C e por conseguinte não pode deslocarse mais depressa do que elas Do mesmo modo se B tiver trinta graus de velocidade deve comunicar vinte a C se tiver trezentos deve transferirlhe duzentos ou seja sempre o dobro da velocidade que conserva para si Mas como C está em repouso resiste dez vezes mais à recepção de vinte graus que à de dois e cem vezes mais à recepção de duzentos graus assim quanta mais velocidade B tiver mais resistência encontrará em C e porque cada uma das metades de C possui a mesma força para continuar em repouso como B para a repelir resistindolhe ambas ao mesmo tempo é evidente que as duas metades se sobrepõem e o forçam a afastarse Por conseguinte e independentemente da sua velocidade em direcção a C B nunca conseguirá mover C se este estiver em repouso e for maior do que ele 50 A quinta A quinta se pelo contrário o corpo C for um pouco mais pequeno do que B este só poderá deslocarse tão lentamente em direcção a C supondo que este ainda está em repouso total se tiver força para o mover e lhe comunicar a parte do seu movimento necessária para que ambos se desloquem depois à mesma velocidade isto é se B fosse o dobro de C só lhe comunicaria um terço do seu movimento uma vez que este terço moveria C tão depressa quanto os dois outros terços fariam B moverse pois que se supõe que é duas vezes maior Assim depois de ter encontrado C B deslocarseia um terço mais devagar do que antes ou seja só conseguiria percorrer dois espaços no mesmo tempo em que antes percorreu três Da mesma maneira se B fosse três vezes maior do que C só lhe comunicaria a quarta parte do seu movimento e assim sucessivamente e por pouca força que B possuísse seria sempre suficiente para mover C pois é evidente que até os movimentos mais débeis observam as mesmas leis e têm proporcionalmente os mesmos efeitos embora na Terra muitas vezes julguemos presenciar o contrário devido ao ar e outros líquidos que rodeiam sempre os corpos duros que se movem e que podem aumentar ou diminuir a sua velocidade como se refere a seguir 51 A sexta A sexta se o corpo C estivesse em repouso e fosse exactamente igual em tamanho ao corpo B que se move na sua direcção seria absolutamente necessário que fosse parcialmente impedido por B e em parte repelido de modo que se B se tivesse deslocado com quatro graus de velocidade deveria comunicarlhe um e com os outros três desviarseia para o lado donde viera Para isso ou B impediria C sem que por sua vez fosse repelido transferindolhe assim dois graus do seu movimento ou ressaltaria sem o impedir e por conseguinte conservaria estes dois graus de velocidade juntamente com os outros dois que não lhe podem ser retirados ou então seria repelido conservando uma parte destes dois graus e empurráloia comunicandolhe a outra parte É evidente que uma vez que são iguais não havendo por isso motivo para repelir C em vez de o empurrar estes dois efeitos repartemse igualmente isto é B deve transferir para C um desses dois graus de velocidade e repelilo com o outro 52 A sétima A sétima é última regra se B e C seguem a mesma trajectória e C antecede B mas deslocandose mais devagar sendo por isso atingido por B pode acontecer que B comunique uma parte da sua velocidade a C empurrandoo assim à sua frente e pode acontecer também que não lhe comunique absolutamente nenhuma sendo então repelido com todo o seu movimento para o lado donde veio Ou seja quando C é menor do que B e também quando é maior desde que a grandeza de tamanho de C não ultrapasse a grandeza de velocidade de B B nunca será repelido mas empurrará C comunicandolhe uma parte da sua velocidade e pelo contrário quando a grandeza de tamanho de C é maior do que a grandeza de velocidade de B é necessário que B seja repelido sem comunicar nenhum do seu movimento a C e finalmente quando o excesso do tamanho de B for exactamente igual ao excesso da velocidade de B este deve comunicar uma parte do seu movimento ao outro sendo repelido com o restante o que pode ser calculado da seguinte maneira se C é exactamente duas vezes maior do que B e se B não se mover duas vezes tão depressa quanto C faltandolhe aliás algum movimento então B será repelido sem aumentar o movimento de C e se B não se mover duas vezes tão depressa quanto C nunca será repelido transferindo a C a quantidade de movimento necessária para que ambos se movam com a mesma velocidade Por exemplo se C só tiver dois graus de velocidade e B cinco ou seja mais do que o dobro deve comunicarlhe dois desses cinco graus já que em C esses dois graus equivalem apenas a úm pois C é duas vezes tão grande quanto B deslocandose assim ambos com três graus de velocidade E estas demonstrações são tão certas que embora a experiência pareça provar o contrário seremos contudo obrigados a acrescentar mais fé à nossa razão do que aos nossos sentidos 53 A explicação destas regras é difficile porque cada corpo é simultaneamente tocado por muitos corpos Com efeito acontece muitas vezes que a experiência pode parecer contrária às regras que acabo de explicar mas a sua razão é evidente pois pressupõem que os dois corpos B e C são totalmente duros e de tal maneira separados de todos os restantes que não há nenhum à sua volta que possa ajudar ou impedir o seu movimento e não há corpos assim no mundo É por isso que antes de podermos avaliar se essas regras existem ou não no mundo não basta saber como é que os dois corpos tais como B e C podem interagir quando se encontram também é necessário considerar como os outros corpos que os rodeiam podem aumentar ou diminuir a sua acção E porque não há nada que os leve a ter efeitos diferentes exceptuando a diferença entre eles de uns serem líquidos ou moles e os outros duros é necessário examinarmos agora em que consistem estas duas qualidades de ser duro e ser líquido 54 Em que consiste a natureza dos corpos duros e líquidos Quanto a este aspecto devemos primeiramente aceitar o testemunho dos sentidos já que estas qualidades se relacionam com eles ora os sentidos só nos informam que as partes dos corpos líquidos cedem facilmente o seu lugar e não oferecem resistência às nossas mãos quando os encontram por seu lado as partes dos corpos duros estão de tal modo unidas que só poderão ser separadas por uma força que quebre essa ligação Depois se examinarmos a causa de certos corpos cederem o seu lugar sem oferecer resistência e a razão de outros não o cederem descobriremos que os corpos que já estão em movimento não impedem que os lugares que abandonam naturalmente sejam ocupados por quaisquer outros corpos mas os corpos que estão em repouso só podem ser afastados do seu lugar por qualquer força vinda de outro ponto para introduzir neles uma mudança Donde se segue que um corpo é líquido quando está dividido em muitas partículas que se movem separadamente de maneiras diferentes e é duro quando todas as suas partes se tocam entre si sem precisarem de movimento para se afastarem reciprocamente B em repouso é mais oposto por estar parado aos movimentos das partículas do corpo líquido D tomadas globalmente do que se se lhes opusesse pelo seu movimento no caso de se mover Finalmente quanto à sua determinação também se conclui que há tantas que se movem de C para B como no sentido contrário tanto mais que são as mesmas que vindo de C são impelidas contra a superfície do corpo B e voltam a seguir para C Algumas destas partes tomadas em particular empurram B para F à medida que o encontram e assim mais o impedem de se mover para C do que se estivessem em movimento porque há tantas determinações que ao tenderem de F para B o empurram para C e então B será empurrado igualmente para ambos os lados e se não lhe acontecer nada de estranho deixa de moverse Se imaginarmos alguma figura neste corpo B haverá nele tantas partes que empurram para um lado quantas as que o levarão para o oposto visto que o líquido que o rodeia não tem uma corrente como a dos rios que os fazem correr só para um lado Ora eu suponho que B está rodeado de todos os lados pelo líquido FD mas não é necessário que esteja exactamente no meio dele e embora haja mais entre B e C do que entre B e F nem por isso tem mais força se o empurrar mais para F do que para C dado que não age globalmente contra ele mas apenas mediante aquelas suas partículas que lhe tocam na superfície Até agora considerámos o corpo B em repouso mas se agora imaginarmos que é impedido para C por qualquer força vinda de fora por pequena que seja não será propriamente suficiente para o mover sozinha mas sêloá para se juntar às partes do corpo líquido FD determinandoas a empurrálo também para C e a comunicarlhe uma parte do seu movimento 57 A prova do artigo anterior Para conhecermos isto mais distintamente imaginemos que quando não há nenhum corpo duro no corpo líquido FD as suas partículas a e i o a estão dispostas em anel e movemse circularmente conforme a ordem das letras a e i e aquelas que estão marcadas com o u y a o movemse por sua vez conforme a ordem das letras o u y Para que um corpo seja líquido as partículas que o compõem devem moverse em muitas direcções como já se observou Mas supondo que o corpo duro B flutua no líquido FD entre as suas partes a e o sem se mover vejamos o que acontece Primeiramente impede que as partículas a e i o passem de o para a e não completem o círculo com o seu movimento impede também que as partículas marcadas com o u y a não passem de a para o mais as que vêm de i para o empurram B para C e as que vêm paralelamente de y para a empurramno para F com uma força tão igual que se não lhes acontecer nada de estranho não o poderão mover sendo umas impelidas de o para u e as outras de a para e e em vez das duas voltas que faziam antes só farão uma conforme a ordem das letras a e i o u y a Logo é evidente que elas não perdem nada do seu movimento devido ao encontro com o corpo B mudando apenas a sua determinação não continuando pois a moverse em linha tão recta nem tão próximas da recta do que se o encontrassem pelo caminho Finalmente se imaginarmos que B é empurrado por qualquer força que antes estava nele digo que esta força quando se une àquela em que as partes do corpo líquido que vêm de i para o repelem para C não é assim tão pequena que não consiga ultrapassar aquela que faz com as outras forças que vêm de y para a o empurrem na direcção contrária sendo suficiente para alterar a determinação delas e fazer com que se movam conforme a ordem das letras a y u o tanto quanto é requerido para não impedir o movimento do corpo B Porque quando dois corpos estão determinados a moveremse para dois pontos directamente opostos um ao outro e se encontram aquele que tem mais força deverá mudar a determinação do outro E o que acabei de observar a respeito das partículas a e i o u y também se aplica a todas as restantes partes do corpo líquido FD que chocam contra o corpo B isto é as partes que o impedem para C opõemse a outras tantas que o empurram em sentido oposto e por pequena que seja a força que acrescenta mais a umas do que a outras é suficiente para alterar a determinação das que têm menos e embora não descrevam os círculos tais como aqui se representam a e i o e o u y a empregam sem dúvida a sua agitação para se moverem circularmente ou então de outras maneiras equivalentes 58 Um corpo não deve ser considerado totalmente líquido relativamente ao corpo duro que o rodeia se algumas das suas partes se moverem menos depressa do que o corpo duro Ora uma vez alterada a determinação das partículas do corpo líquido que impediam o movimento do corpo B na direcção de C este corpo começará a moverse e terá tanta velocidade quanta a força que deve ser acrescentada às das partículas deste líquido para o determinar a este movimento desde que nenhumas delas se movam mais ou pelo menos tão depressa quanto esta força pois se algumas se movem mais devagar não se pode considerar que este corpo assim composto por elas é líquido e neste caso mesmo a mais pequena força não poderia mover o corpo duro que estaria dentro dado que necessitaria de ser muito grande para poder vencer a resistência daquelas que não se deslocassem tão depressa Assim vemos que o ar a água e os outros corpos líquidos resistem mais sensivelmente aos corpos que se movem quinta regra pode perguntarse por que razão não podemos partir um prego ou um pedaço de ferro só com a força das nossas mãos Além do mais cada uma das metades deste prego pode ser considerada um corpo que está em repouso contra a sua outra metade e por isso este conjunto devia poder ser separado com a força das mãos já que não é maior do que elas e a natureza do movimento consiste em que o corpo que dizem estar a deslocarse se separou dos outros corpos que o tocam Contudo deve observarse que as nossas mãos são muito moles isto é participam mais da natureza dos corpos líquidos do que dos duros e portanto todas as suas partes constituintes não agem em conjunto contra o corpo que queremos dividir e assim só há aquelas partes que ao tocálo se apoiam conjuntamente nela Como a metade de um prego pode ser considerada um corpo pois pode separarse da outra do mesmo modo a parte da nossa mão que toca nesta metade de prego e que é muito mais pequena do que toda a mão pode ser tomada por um outro corpo pois pode separarse das outras partes que compõem esta mão E porque pode separarse mais facilmente do resto da mão do que uma parte em relação ao seu resto e sentimos dor quando uma tal separação acontece nas partes do nosso corpo portanto não conseguimos partir um prego com as mãos Mas se pegarmos num martelo numa lima numas tesouras ou em qualquer outro instrumento e deles nos servíssemos de tal maneira que aplicássemos a força da nossa mão contra a parte do corpo que queremos dividir que deve ser mais pequeno do que a parte do instrumento que aplicamos contra ele podemos vencer a dureza deste corpo ainda que seja muito grande 64 Na Física só aceito princípios que também tenham sido aceites na Matemática de modo a poder provar por demonstração tudo quanto deduzirei e estes princípios são suficientes para explicar por este processo todos os fenómenos da Natureza Não acrescento aqui mais nada a respeito das figuras nem sobre o modo como acontecem diversidades incontáveis nos movimentos devido às suas infinitas variedades tanto mais que estas coisas podem ser compreendidas quando se falar delas pressupondose que aqueles que lêem os meus escritos conhecem os elementos da Geometria ou que pelo menos o seu espírito seja dado à compreensão das demonstrações da Matemática Confesso francamente que nas coisas corporais a única matéria que conheço é aquela que pode ser dividida representada e movimentada de todas as maneiras possíveis isto é aquela matéria a que os geómetras chamam quantidade e que é objecto das suas demonstrações nesta matéria só considero as suas divisões figuras e movimentos E enfim ao tratar deste assunto só tomarei por verdadeiro aquilo que tiver sido deduzido com tanta evidência que poderia ser considerado uma demonstração matemática E uma vez que este processo permite explicar todos os fenómenos da Natureza como se verificará pelo que segue não penso que devamos aceitar outros princípios na Física nem aliás devemos desejar outros para além daqueles que aqui se explicam 91 entre eles com uma velocidade extraordinária e que êstes mesmos líquidos facilmente cedem o seu lugar quando se movem mais lentamente 59 Um corpo duro empurrado por outro não só recebe dele todo o movimento que adquire mas emprestalhe também uma parte do corpo líquido que o rodeia Apesar de tudo devemos pensar que quando o corpo B é movido por uma força externa não adquire o seu movimento unicamente da força que o empurrou mas sobretudo das partículas do corpo líquido que o rodeia e que as partículas que compõem os círculos a e i o e a y o u perdem tanto do seu movimento quanto aquele que comunicam às partículas do corpo B que estão entre o e a porque participam dos movimentos circulares a e i o a e a y u o a ainda que se juntem continuamente a outras partes deste líquido enquanto avançam na direção de C o que também dá origem a que recebam apenas pouco movimento de cada uma das partículas 60 Contudo não pode ter mais velocidade do que aquela que este corpo duro lhe transmite Mas devo explicar por que razão não disse acima que a determinação das partículas a y u o não terá de alterarse completamente mas apenas o suficiente para não impedir o movimento do corpo B A razão está em que este corpo B não se pode mover mais depressa do que ao ser impelido pela força externa ainda que as partes do corpo líquido FD muitas vezes tenham mais agitação E quando filosofamos devemos observar isto cuidadosamente nunca devemos atribuir a uma causa nenhum efeito que ultrapasse o seu poder Com efeito se imaginarmos que o corpo B que estava rodeado de todos os lados pelo líquido FD sem se mover é agora impelido muito lentamente por qualquer força externa isto é pela minha mão não podemos pensar que se move com maior velocidade do que aquela que recebeu da minha mão uma vez que possui apenas o impulso que dela recebeu e que é a causa pela qual se move E ainda que as partes do corpo líquido se movam talvez muito mais depressa não devemos acreditar que estão determinadas pelos movimentos circulares como a e i o a e a y u o a ou outros parecidos a terem mais velocidade do que a força que impele o corpo B mas que apenas empregam a agitação que têm para se mover em muitas outras direcções 61 Um corpo líquido que se move inteiro para qualquer lado arrasta necessariamente consigo todos os corpos duros que contém ou que o rodeiam 88 Por tudo o que acabámos de demonstrar facilmente se compreende que um corpo duro em repouso entre as partículas de um corpo líquido que o rodeia por todos os lados está em equilíbrio exacto Assim e por maior que ele seja qualquer força mínima pode impelilo para um lado e para o outro quer esta força lhe advenha de qualquer causa externa ou consista em que todo o corpo líquido que o rodeia se dirige para qualquer lado tal como os rios correm para o mar e o ar para o poente quando os ventos do Oriente sopram Neste caso o corpo duro rodeado de todos os lados por este líquido é inevitavelmente levado por ela É a quarta regra segundo a qual se disse anteriormente que um corpo em repouso não pode ser movido por um mais pequeno e embora este mais pequeno se desloque muito rapidamente isso não vai de modo nenhum contra o que disse 62 Não se pode dizer com propriedade que um corpo duro se move quando é assim arrastado por um corpo líquido Se atentarmos na verdadeira natureza do movimento que é propriamente o transporte do corpo que se move da proximidade de outros corpos contíguos sendo este transporte recíproco nos corpos que são mutuamente contíguos mesmo que habitualmente não digamos que ambos se movem todavia sabemos que não é verdadeiro dizer que um corpo duro se move quando rodeado de todos os lados por um líquido obedece ao seu curso ou que se tivesse tanta força para lhe resistir pudesse impedirse de ser arrastado por ela pois afastase muito menos das partes que o rodeiam quando segue o curso deste líquido do que quando não o segue 63 A que se deve o facto de haver corpos tão duros que não podem ser divididos pelas nossas mãos ainda que sejam mais pequenos do que elas Depois de ter demonstrado a facilidade com que às vezes movemos corpos enormes quando flutuam ou estão suspensos em qualquer líquido e isto não se opõe à quarta regra anteriormente explicada também é necessário demonstrar como é que a nossa dificuldade de partirmos outros que são bastante mais pequenos pode estar de acordo com a quinta Se é verdade que as partes dos corpos duros não podem ser unidas com qualquer cola e que não têm absolutamente nada que impeça a sua separação a não ser o facto de estarem em repouso umas contra as outras como se disse atrás e que também é verdade que um corpo que se move ainda que devagar tem sempre força suficiente para mover outro mais pequeno que está em repouso como ensina a 89