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FRIEDRICH ENGELS a origem da família da propriedade privada e do Estado Sobre A origem da família da propriedade privada e do Estado Clara Araújo Obras clássicas transcendem seu tempo A origem da família da propriedade privada e do Estado escrito por Friedrich Engels em 1884 com base nas pesquisas do antropólogo Lewis H Morgan sobre a família e em anotações feitas por Karl Marx é um desses clássicos São diversas as contribuições analíticas para uma teoria sobre a gênese de instituições sociais básicas e as conexões entre estas e a opressão e a exploração Marco nos estudos sobre a família este livro forneceu insumos consistentes para desvendar a natureza material e histórica das interações humanas e dos modos de organização da vida social em especial nas relações entre os sexos A análise de Engels retirou o gênero da camisa de força da biologia e situou as razões das desigualdades entre homens e mulheres fora dos destinos inscritos nos corpos Revelou também os elos entre a estrutura de classes a opressão de gênero e o papel do casamento e da autoridade masculina na tessitura dessa teia de subordinação controle da reprodução biológica dos bens econômicos e da propriedade privada Engels não foi o único a tratar dos vínculos entre economia família e subordinação das mulheres no século XIX mas sua obra foi pioneira ao formular uma teoria materialista das bases da desigualdade e ao tentar explicar com base nos conceitos de produção e de reprodução os vínculos entre a subordinação das mulheres e a família como unidade de reprodução econômica Além de pioneira a obra segue útil Família casamento vínculos amorosos e de parentesco trabalho assalariado exercício da autoridade masculina e autonomia feminina são temas atuais teóricos e empíricos em diversos campos de conhecimento na política e na vida cotidiana Algumas dessas questões ainda são tratadas no século XXI com vieses moralizadores desprovidos de registros e evidências empíricas há muito existentes e calcados em narrativas religiosas que apagam sua compreensão histórica sociológica e antropológica A leitura deste livro é portanto mais que uma visita a um empreendimento teórico pioneiro para a época em que foi escrito É necessária útil e esclarecedora nestes tempos marcados por superficialidades interpretativas desapreço pelo conhecimento e fundamentalismos obscurantistas Há limitações e imprecisões históricas revistas ou criticadas por estudos contemporâneos Há críticas feministas importantes de serem mencionadas A tese do matriarcado como sistema hegemônico não encontra base empírica atualmente mas a existência e diversidade de famílias matrilineares sim A participação da mulher no trabalho agrícola foi subestimada e estudos posteriores revelaram sua presença de forma ampla assim como nas atividades econômicas em geral Engels associou a dominação masculina ao surgimento da propriedade privada subestimando a cultura e vinculando de modo excessivamente otimista a superação da opressão de sexo à superação da opressão de classe Nada disso contudo retira a densidade de sua análise e a atualidade de muitas de suas conclusões para nos ajudar a refletir com novos olhares sobre o passado e compreender o presente Sobre A origem da família da propriedade privada e do Estado Alysson Leandro Mascaro Em A origem da família da propriedade privada e do Estado Engels investe radicalmente contra a forma patriarcal da família reiteradamente tida por sagrada e basilar da civilização Em que pesem as discussões posteriores da antropologia e da ciência da história acerca do matriarcado e de seu arraigamento nesse tempo histórico quiçá sendo a matrilinearidade e a matrilocalidade fenômenos históricos mais próprios Engels desponta com arrojo na valorização de um feminismo como base do comunismo originário Esta obra tem no Estado o desaguadouro de sua análise histórica e em torno do problema estatal muito de seu vigor e das críticas que recaem sobre seus apontamentos Tal como fez com a família ao dessacralizála Engels rechaça uma leitura idealista do Estado Temos aqui uma arma de combate contra os que insistem em afirmar supostas moralidades dos costumes ou apregoar a submissão à ordem capitalista e ao domínio estatal tidos como auge da civilização É a crítica da história da exploração contra os que até hoje teimam em louvar tradição família e propriedade Marília Moschkovich Escrito num período em que as ciências sociais e humanidades não tinham os contornos que têm hoje em termos de objetos e de métodos A origem da família da propriedade privada e do Estado goza de fluência na comunicação e no entrelaçamento de dados e objetos que se carece de epistemologias um tanto mais modernas também parece pavimentar caminhos possíveis para o século XX pelo tom crítico e pelo esforço bastante evidente e compensador para manter o rigor analítico tanto quanto permitiam as ferramentas e as informações da época Friedrich Engels A ORIGEM DA FAMÍLIA DA PROPRIEDADE PRIVADA E DO ESTADO EM CONEXÃO COM AS PESQUISAS DE LEWIS H MORGAN Tradução Nélio Schneider Prefácio Alysson Leandro Mascaro Posfácio Marília Moschkovich SUMÁRIO Nota da editora e do tradutor Prefácio à edição brasileira Alysson Leandro Mascaro Prefácio à primeira edição 1884 Prefácio à quarta edição 1891 I Estágios culturais préhistóricos II A família III A gens iroquesa IV A gens grega V Surgimento do Estado ateniense VI Gens e Estado em Roma VII A gens entre os celtas e os germanos VIII A formação do Estado pelos germanos IX Barbárie e civilização Posfácio à edição brasileira Entre marxismo feminismo e antropologia Marília Moschkovich Cronologia resumida de Marx e Engels NOTA DA EDITORA E DO TRADUTOR Neste 26º volume da coleção MarxEngels a Boitempo publica uma obra de grande importância para a compreensão da gênese da sociedade capitalista Escrita por Friedrich Engels em dois meses entre o final de março e 26 de maio de 1884 A origem da família da propriedade privada e do Estado teve sua primeira edição já nesse mesmo ano de 1884 HottingenZurique Verlag der Schweizerischen Volksbuchhandlung e outras três edições posteriores durante a vida do autor a última delas ou seja a quarta edição revisada e ampliada foi publicada no ano de 1892 Stuttgart J W Dietz e serviu de base para esta tradução Todas as alterações essenciais em relação à primeira edição estão indicadas em notas de rodapé Engels teve a ideia de escrever este livro ao encontrar entre os manuscritos de Karl Marx um resumo detalhado da obra de Lewis Henry Morgan Ancient Society or Researches in the Lines of Human Progress from Savagery through Barbarism to Civilization Sociedade antiga ou Pesquisas nas linhas do progresso humano do estado selvagem até a civilização passando pela barbárie datado de 18801881 com um grande número de apontamentos críticos opiniões próprias e complementos retirados de outras fontes Engels utilizou essas observações além de conclusões e dados concretos do livro de Morgan e de numerosos e variados dados suplementares extraídos de suas investigações sobre problemas da história da Grécia de Roma da antiga Irlanda dos antigos germanos etc O texto apresenta uma análise sociocrítica da evolução da estrutura familiar social e estatal moderna a partir do declínio de uma estrutura familiar primitiva organizada como grupos de interesses comuns vivendo em propriedade comuns a todos que não visava ao comércio nem ao acúmulo de riquezas A tradução e as notas sinalizadas com asterisco e N T são de autoria de Nélio Schneider As notas explicativas da edição alemã são acompanhadas da sigla N E A e as notas da edição brasileira de N E B ambas sempre precedidas de asteriscos As notas do próprio Engels são numeradas Quanto aos demais critérios da edição a grafia dos numerais e os destaques mantêmse fiéis ao original Os colchetes são inclusões desta edição para apresentar a tradução para o português de trechos grafados originalmente em outro idioma que não o alemão Páginas indicadas entre parênteses no próprio texto são referências das edições consultadas por Engels O uso de aspas e itálicos segue as normas internas da editora A Boitempo agradece ao tradutor Nélio Schneider e aos autores dos textos complementares à edição brasileira Alysson Leandro Mascaro Clara Araújo e Marília Moschkovich Agradece também aos profissionais responsáveis pela revisão e diagramação bem como ao autor da ilustração de capa Cássio Loredano e à equipe interna da editora PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA No entorno das descobertas promovidas por Marx e Engels acerca da história da sociabilidade e especificamente do capitalismo coube a Engels uma interface mais próxima com as ciências naturais embora o próprio Marx se entusiasmasse com os avanços desse grande campo como aqueles advindos das proposições de Darwin Se em livros como o AntiDühring restará patente uma problematização da própria filosofia da natureza e das ciências neste A origem da família da propriedade privada e do Estado Engels reflete diretamente sobre temas que hoje seriam chamados de antropológicos dentre outras questões a relação estrutural entre gêneros sexo família comunidade povo Estado É costume considerar A origem da família da propriedade privada e do Estado e AntiDühring bem como os textos nomeados Dialética da natureza como obras do velho Engels da última fase de sua produção De há muito empreendemse debates em torno da relação de continuidade ou distinção dessa derradeira etapa engelsiana com seus escritos anteriores Nesse conjunto de livros dáse uma ampliação temática do pensamento de Engels a partir de Marx mas para além dele abarcando uma vasta reflexão sobre natureza história e devires sociais Aqui residem muitos dos problemas engelsianos mas também muito de sua riqueza de paralelos e cruzamentos inesperados e mesmo de seu esforço político de divulgação e sensibilização de interesses para além daqueles que são os tradicionalmente conhecidos como marxistas economia e política sendo seus núcleos mais óbvios As variadas mensurações e apropriações do pensamento de Engels são um índice das disputas intelectuais de seu legado e das alternativas políticas marxistas desde então até hoje No campo dos embates teóricos isso se dá com uma tentativa de subsumir Engels a Marx desrespeitando sua diferença específica e sua condição insigne de intelectual de tal sorte que a grande similitude de horizonte de mundo entre ambos passa por alinhamento sumário desconhecendo o valor de um encontro autônomo e enriquecedor de dois pensadores e líderes políticos de alta envergadura No campo político a produção do último Engels revelase de objetos mais ampliados e sendo de uma didática comparativa do marxismo com outros campos do conhecimento foi também tomada como mais confortável para sua utilização por um marxismo vulgar como no caso do sovietismo teórico no tempo do stalinismo A origem da família bem como o AntiDühring foram obras de divulgação oficial soviética diluindo então chaves conceituais centrais de Marx em O capital de tal sorte que estas se fizessem ignoradas em face de esquemas teóricos mais didáticos e mais próximos a um dado senso comum Leis da dialética no caso do Anti Dühring ou etapas da evolução da sociabilidade da família ao Estado no caso de A origem da família passaram a ser métricas oficiais de explicação do método e da história Nesse último livro fazse na questão do Estado uma apropriação em favor de uma leitura de mundo stalinista o Estado é tomado de modo ampliado e inespecífico abrindo um possível paralelo de um passado estatal précapitalista portanto com o caso soviético de um autodeclarado Estado socialista O uso enviesado de tal obra em face das ideias seminais de Marx e mesmo de outras do próprio Engels ficará mais patente É preciso avançar tanto para além da diluição de Engels em Marx quanto para além de seu uso dogmático oficialista a serviço de uma leitura didática confortável a uma dada linearidade histórica que desembocaria no socialismo Repor Engels em seus termos é fundamental para compreender cientificamente suas insuficiências suas contradições e também suas riquezas originalidades e instigações A origem da família da propriedade privada e do Estado apresenta contribuições e revela problemas que até o presente implicam diretamente questões centrais para a luta política e social Alcançálos objetivamente é necessário O livro foi escrito e publicado em 1884 e depois revisado e ampliado pelo próprio autor até a quarta edição em 1892 texto derradeiro este a servir de base à presente tradução para o português tendo Engels se valido de notas de Marx acerca da obra do estadunidense Lewis Henry Morgan que se dedicou com relevante atenção e mesmo com larga convivência pessoal à história e à situação dos iroqueses povos originários que viveram em torno da região dos Grandes Lagos hoje situados entre os Estados Unidos e o Canadá Reconhecendo em Morgan importância e paralelos com suas ideias e as de Marx Engels se põe a esquadrinhar em especial tomando por base a obra Ancient Society or Researches in the Lines of Human Progress from Savagery through Barbarism to Civilization Sociedade antiga ou Pesquisas nas linhas do progresso humano do estado selvagem até a civilização passando pela barbárie as origens e as etapas da evolução histórica humana A tese central de Morgan é a de que o desenvolvimento das sociedades humanas se dá numa sequência de três fases o estado selvagem a barbárie e a civilização Fugindo de esquemas meramente evolucionistas o próprio Morgan não opõe simplesmente um passado atrasado a um presente civilizado Sua convivência direta com os iroqueses lhe revelou valorosas peculiaridades que turvavam a linearidade ideal propagada pelos entusiastas da civilização do homem branco ocidental Entusiasticamente Engels ressalta tais estudos de Morgan para apontar no estado originário de selvageria formas de produção e sociabilidade comunistas perdidas depois pela civilização caracterizada pela exploração e dominação Destacase nesse comunismo primitivo louvado por Engels o caráter matriarcal de suas sociedades Trazendo à tona também os conhecidos estudos de J J Bachofen acerca do direito materno Engels investe radicalmente contra a forma patriarcal da família reiteradamente tida por sagrada e basilar da civilização Em que pesem as discussões posteriores da antropologia e da ciência da história acerca do matriarcado e de seu pretenso arraigamento nesse tempo histórico quiçá sendo a matrilinearidade e a matrilocalidade fenômenos históricos efetivamente mais próprios Engels desponta com arrojo na valorização de um feminismo como base do comunismo originário No mesmo sentido A origem da família deixa patente seu rechaço à prevalência do masculino na sexualidade que se deu desde a barbárie até a civilização Engels ao desnaturalizar e dessacralizar instituições sociais muito fulcrais como a família idealmente projetada a partir do louvor da monogamia burguesa e tomada como modelo universal quiçá por alguns eterno adentra um campo de disputa central e refinado revelando uma estratégia política que importa até a atualidade Em momentos como o presente de flagrante recurso ao moralismo no que tange à família contra trabalhadores comunistas e pessoas de esquerda em que valores ditos religiosos são opostos ao progressismo social tudo isso num maquinário de exacerbação da exploração capitalista pósfordista que se erige com a crise sob seus pés a obra de Engels revela e o faz desde o século XIX o campo moral como um dos objetos incontornáveis de luta política da classe trabalhadora Mas o próprio Engels arrojandose nessa luta é de alguma maneira um homem de seu tempo portando suas contradições e seus limites sua larga e generosa recepção de outras culturas e povos é feita pelo olhar europeu sua defesa das mulheres é feita mediante o olhar do homem ainda em passagens laterais de A origem da família expõe juízos sumários e depreciativos a respeito da homossexualidade Podese também fazer objeções a Engels no que tange à factualidade e às informações com as quais trabalha no presente livro Mas a narrativa engelsiana acerca do fluxo histórico das sociedades em A origem da família representa não simplesmente um desfile factual aleatório ou voluntariosamente narrado mas uma aplicação metodológica do materialismo histórico e do materialismo dialético razão pela qual a negação de muitos desses mesmos fatos pelos estudos científicos posteriores não abala o dado nuclear das proposições de Engels a historicidade dos seres humanos está lastreada na produção Há determinação social E não se trata de uma simples determinação pelo econômico Também neste livro Engels é exemplar ao demonstrar que muitas causas concorrem na formação da sociabilidade a dominação sexual como um desses elementos patentes Há íntima relação entre família e produção a divisão do trabalho aí ressalta do mesmo modo que há entre estas e a apropriação privada e a política Ideologia costumes valores coerções morais e religiosas tudo se soma num complexo que é uma totalidade estruturada com determinação na produção Nos termos de um marxismo contemporâneo como o de Althusser podese ler neste livro de Engels a riqueza de cruzamentos entre determinação e sobredeterminação Quando trata da passagem do escravismo ao feudalismo Engels até mesmo rompe com a expectativa de leitura de quem tenderia a considerar a sucessão dos modos de produção uma linearidade lógica No capítulo sobre a formação do Estado pelos germanos enfatiza que a extinção da escravidão não adveio de uma contribuição cristã da moral da civilização da razão dos valores Pelo contrário o cristianismo conviveu muito tempo com a escravidão e muitas vezes a legitimou Engels considera que a sociedade escravista romana moribunda e decadente passou de seu modo de produção a outro feudal por conta da chegada do atraso germano que a partir de sua barbárie dissolveu com energia o que lentamente definhava e então de modo peculiar ensejou novo sistema produtivo Os modos de produção assim são lidos por Engels não como teleologia nem como racionalidade inexorável ou superação a partir de sociabilidades mais avançadas mas como frutos de determinações a partir de situações e derivações factuais de alguma maneira a transição de modos de produção revela o materialismo do encontro A obra A origem da família da propriedade privada e do Estado tem no Estado o desaguadouro de sua análise histórica e em torno do problema estatal muito de seu vigor e das críticas que recaem sobre seus apontamentos Tal como fez com a família ao dessacralizála Engels também rechaça uma leitura idealista do Estado Não se trata da efetividade da ideia ética de Hegel tampouco do bem comum mas sim de um modelo de articulação política para dar conta de sociedades cujos antagonismos entre classes e interesses conflitantes são inconciliáveis Combatendo a noção de unidade do povo ou da coesão do povo em face da dominação política que se lhe incide Engels funda sua análise do Estado na exploração de classes cuja divisão remonta já ao domínio do masculino sobre o feminino O percurso das sociedades que saem de seus arranjos gentílicos para o Estado é o percurso complexo da divisão do trabalho e do domínio do produto sobre o produtor Nesse trajeto a apropriação das riquezas e dos meios de produção vai atrelada aos aparatos e arranjos políticos necessários para dar conta de sustentar nas mãos dos espoliadores o produzido pelos espoliados Podese vislumbrar ainda em A origem da família um mote compartilhado também com outra obra de Engels escrita com Karl Kautsky O socialismo jurídico publicada poucos anos depois Em ambas há a afirmação de que sendo o socialismo a mudança no padrão de produção com a retomada dos meios de produção pelos produtores o que acarreta o fim da propriedade privada isso será também o fim do direito que sustenta a subjetividade portadora dos bens e exploradora do mesmo modo o socialismo será o fim do Estado não outro Estado Ao lado da fundamental contribuição engelsiana à crítica do Estado restam patentes as dificuldades de A origem da família no que tange à sua inespecificidade histórica quanto à propriedade privada e ao Estado Se é verdade que escravismo e feudalismo tal qual capitalismo são modos de produção que se fundam na apropriação dos meios de produção e dos bens por parte de alguns há algo em específico que distingue o capitalismo de ambos a propriedade como direito garantida inclusive pelo Estado Assim do mesmo modo como há mercadoria antes do capitalismo mas só há formamercadoria quando o trabalho do trabalhador assalariado se torna abstrato com sua subsunção real ao capitalista de tal sorte que tudo efetivamente se torna uma imensa coleção de mercadorias assim também há apropriação antes do capitalismo do estado selvagem à barbárie e à civilização veemse as etapas dessas apropriações do comum por alguns mas só há propriedade privada como forma social quando derivada da formamercadoria e da forma de subjetividade jurídica Uma trajetória de pensadores marxistas que vai de Evguiéni Pachukanis a Márcio Bilharinho Naves passando por Gianfranco La Grassa é decisiva para uma leitura mais refinada e científica que dá especificidade às formas do capitalismo sem diluílas numa confusão do capitalismo com outros modos de produção escorada em uma genérica exploração e divisão social que houve efetivamente em todos eles O capitalismo guarda uma singularidade em suas formas sociais O mesmo se dá com o Estado As dificuldades engelsianas em identificar o Estado como fenômeno político capitalista fazem com que sua leitura seja inespecífica remontando a figuras políticas como as romanas e fazendo crer que eram estatais quando eram no máximo de um domínio direto e mais complexificado por parte dos senhores de escravos Somente haverá forma política estatal como terceira em face dos agentes da produção sustentandose por um aparato materialmente próprio e reunindo em suas mãos a violência social oficial quando os resquícios senhoriais feudais forem rompidos Isso se dá com a Revolução Industrial e com as revoluções burguesas Então a igualdade e a liberdade permitirão a equivalência e a relativa autonomia estatal em face de velhos privilégios e domínios Fazer retroagir o Estado ao escravismo não permite alcançar a especificidade social da política no capitalismo Insisto nessa condição insigne da forma política estatal em meu livro Estado e forma política 1 Debates recentes como o da derivação a partir de Joachim Hirsch são fundamentais para compreender o Estado como fenômeno somente capitalista Mesmo o debate sobre a transição entre feudalismo e capitalismo sintetizado por Perry Anderson considera o surgimento das formas do capitalismo no final da Idade Moderna e não em seu início desvinculando então o Absolutismo daquilo que se poderia chamar Estado enquanto forma social terceira aos agentes da produção Se é verdade que tais problemas da historicização larga fazem perder a especificidade dos fenômenos da propriedade privada e do Estado A origem da família da propriedade privada e do Estado tem no entanto o mérito de ser uma importante arma de combate em face dos que insistem em afirmar supostas moralidades inexoráveis dos costumes ou apregoar a submissão à ordem capitalista posta e ao domínio estatal tidos como auge da civilização Esta obra é a crítica da história da exploração contra os que até hoje teimam em louvar tradição família e propriedade Alysson Leandro Mascaro São Paulo 2018 1 São Paulo Boitempo 2013 A ORIGEM DA FAMÍLIA DA PROPRIEDADE PRIVADA E DO ESTADO PREFÁCIO À PRIMEIRA EDIÇÃO 1884 Os capítulos a seguir constituem de certo modo a execução de um testamento Ninguém menos que Karl Marx havia reservado para si a tarefa de expor os resultados das pesquisas de Morgan em conexão com os resultados de sua e em certa medida posso dizer nossa investigação materialista da história e desse modo evidenciar toda a sua importância Pois foi Morgan quem redescobriu na América do Norte a concepção materialista de história descoberta por Marx quarenta anos antes e ao comparar barbárie com civilização foi levado por ela no que diz respeito aos seus pontos principais aos mesmos resultados obtidos por Marx A Ancient Society 1 de Morgan foi tratada pelos portavozes da ciência pré histórica na Inglaterra do mesmo modo que O capital foi tratado por muitos anos pelos economistas de ofício na Alemanha ou seja ambos foram tão diligentemente copiados quanto obstinadamente silenciados Meu trabalho não pode ser senão uma pobre compensação para aquilo que meu falecido amigo não pôde oferecer No entanto nos extensos excertos que ele fez do trabalho de Morgan há observações críticas que reproduzirei aqui na medida do possível Segundo a concepção materialista o fator que em última análise determina a história é este a produção e a reprodução da vida imediata Ele próprio porém é de natureza dupla Por um lado a geração dos meios de subsistência dos objetos destinados a alimentação vestuário habitação e das ferramentas requeridas para isso por outro a geração dos próprios seres humanos a procriação do gênero As instituições sociais em que os seres humanos de determinada época histórica e de determinado país vivem são condicionadas por duas espécies de produção pelo estágio de desenvolvimento do trabalho de um lado e pelo da família de outro Quanto menos desenvolvido o trabalho quanto mais limitada a quantidade de seus produtos e portanto de riqueza da sociedade tanto mais a ordem social se mostrará dominada por laços consanguíneos Entretanto é sob essa estruturação social baseada em laços consanguíneos que se desenvolve gradativamente a produtividade do trabalho e com ela a propriedade privada e a troca a diferenciação da riqueza o aproveitamento da força de trabalho alheia e desse modo a base dos antagonismos de classe novos elementos sociais que no decurso das gerações se esfalfam para adequar a antiga constituição social às novas condições até que por fim a incompatibilidade das duas acarreta uma revolução total A velha sociedade baseada em uniões consanguíneas explode ao chocarse com as classes sociais recémdesenvolvidas seu lugar é tomado por uma nova sociedade sintetizada no Estado cujas subdivisões são formadas não mais por uniões consanguíneas mas por uniões locais uma sociedade em que a ordem da família é inteiramente dominada pela ordem da propriedade e na qual passam a desdobrarse livremente os antagonismos de classe e as lutas de classe que constituem o conteúdo de toda a história escrita até agora O grande mérito de Morgan é ter descoberto os traços principais dessa base préhistórica de nossa história escrita e têla recuperado ao encontrar nas uniões consanguíneas dos índios norteamericanos a chave que nos permite resolver os enigmas mais importantes até agora insolúveis da história grega romana e alemã mais antiga No entanto seu escrito não é obra de um dia Ele se debateu com seu material por cerca de quarenta anos até dominálo por completo É por isso que seu livro é uma das poucas obras de nosso tempo que marcaram época Na exposição a seguir o leitor conseguirá facilmente discernir em termos gerais o que provém de Morgan daquilo que acrescentei Nas seções históricas sobre a Grécia e Roma não me limitei às provas documentais de Morgan mas adicionei o que estava ao meu alcance As seções sobre os celtas e os alemães são essencialmente de minha autoria nesse ponto Morgan dispunha quase só de fontes de segunda mão e no que se refere às condições alemãs além de Tácito apenas das falsificações liberais de má qualidade do senhor Free man As explanações de cunho econômico de Morgan suficientes para seus propósitos mas muito insuficientes para os meus foram todas reelaboradas por mim E por fim obviamente sou responsável por todas as conclusões em que Morgan não é expressamente citado 1 Lewis H Morgan Ancient Society or Researches in the Lines of Human Progress from Savagery through Barbarism to Civilization Londres Macmillan and Co 1877 O livro foi impresso na América do Norte e por estranho que pareça é difícil encontrálo em Londres O autor faleceu há alguns anos PREFÁCIO À QUARTA EDIÇÃO 1891 As edições anteriores de grande tiragem deste escrito estão esgotadas há quase meio ano e já faz algum tempo que o editor J H W Dietz solicitou que eu providenciasse uma nova edição Trabalhos mais urgentes me impediram de fazer isso até agora Sete anos se passaram desde a publicação da primeira edição durante os quais houve significativos avanços no conhecimento a respeito das formas originais da família Foi preciso portanto esmerarme nas melhorias e complementações visto que a intenção de imprimir o presente texto em estereotipia a impossibilitará que eu faça mudanças por um bom tempo b Assim submeti o texto inteiro a uma revisão cuidadosa e introduzi uma série de complementos nos quais espero que o estado atual da ciência tenha sido devidamente considerado Além disso na sequência deste prefácio ofereço uma breve visão panorâmica do desenvolvimento da história da família desde Johann Jakob Bachofen até Morgan isso principalmente porque a escola préhistórica inglesa de inspiração chauvinista continua a fazer o que pode para cobrir com a mortalha do silêncio a revolução das concepções protohistóricas levada a cabo pelas descobertas de Morgan mas não se constrange nem um pouco em se apropriar de seus resultados Também em outros lugares esse exemplo inglês é em parte seguido à risca Meu trabalho foi traduzido para várias línguas estrangeiras Em primeiro lugar para o italiano Lorigine della famiglia della proprietà privata e dello stato trad de Pasquale Martignetti segundo a edição revista pelo autor Benevento 1885 Depois para o romeno Originea familiei proprietăţii private şi a statului trad de Joan Ndejde para a revista Contemporanul Iasi setembro de 1885 a maio de 1886 E para o dinamarquês Familjens Privatejendommens og Statens Oprindelse trad de Gerson Trier segundo a edição revista pelo autor Copenhague 1888 Uma tradução francesa de Henri Ravé baseada na presente edição alemã está no prelo Até o início da década de 1860 não se pode falar de uma história da família Até esse momento a ciência histórica ainda se encontrava totalmente sob a influência dos cinco livros de Moisés A forma patriarcal da família que ali é descrita mais extensamente do que em qualquer outro lugar não só foi aceita sem mais nem menos como sendo a mais antiga mas também foi identificada abstraída a poliginia com a atual família burguesa de modo que a família não teria passado propriamente por nenhum desenvolvimento histórico no máximo admitiase que nos tempos primevos pudesse ter havido um período de promiscuidade sexual No entanto além do casamento monogâmico conheciamse também a poliginia oriental e a poliandria indotibetana mas não se conseguia ordenar essas três formas em uma sequência histórica e elas figuravam lado a lado sem conexão entre si Alguns povos da história antiga bem como certos povos selvagens ainda existentes não consideravam a descendência a partir do pai mas sim a partir da mãe ou seja a linha materna era tida como a única válida muitos povos atuais proí bem o casamento dentro de determinados grupos maiores que antes não haviam sido investigados mais de perto e esse costume se encontra em todas as partes do mundo todos esses fatos eram conhecidos e exemplos deles foram reunidos em quantidade cada vez maior Porém não se sabia o que fazer com eles e nas Researches into the Early History of Mankind etc etc Pesquisas sobre a história antiga da humanidade etc etc de E B Tylor 1865 eles ainda figuram como meros usos peculiares ao lado da proibição de tocar madeira em chamas com ferramentas de ferro em vigor entre alguns povos selvagens e esquisitices religiosas semelhantes A história da família data de 1861 a saber da publicação do livro Das Mutterrecht O direito materno de Bachofen Nele o autor faz as seguintes afirmações 1 nos primórdios os seres humanos teriam cultivado relações sexuais irrestritas forma que ele designa como heterismo recorrendo a um termo inadequado 2 esse tipo de relação excluía toda certeza sobre a paternidade e por conseguinte a descendência só podia ser considerada pela linha materna pelo direito materno e esse teria sido originalmente o caso entre todos os povos da Antiguidade 3 em decorrência disso as mulheres na condição de mães e únicos progenitores seguramente conhecidos da geração mais jovem foram contempladas com um grau maior de respeito e consideração o que segundo a concepção de Bachofen se ampliou para um domínio completo das mulheres ginecocracia 4 a transição para o casamento monogâmico no qual a mulher pertencia exclusivamente a um só homem implicou a violação de um mandamento religioso antiquíssimo isto é a violação do direito tradicional dos demais homens àquela mulher violação essa que deveria ser expiada ou cuja tolerância tinha de ser comprada mediante a entrega da mulher aos demais homens por tempo limitado As provas que fundamentam essas afirmações são encontradas por Bachofen em numerosas passagens da literatura clássica antiga coligidas com extrema diligência O desenvolvimento do heterismo até a monogamia e do direito materno até o direito paterno ocorre segundo ele principalmente entre os gregos em consequência de uma evolução das concepções religiosas da introdução de novas divindades que representavam o novo modo de ver as coisas no grupo das divindades tradicionais que representavam a concepção antiga de tal forma que estas últimas foram gradativamente postas em segundo plano pelas primeiras Portanto segundo Bachofen o que provocou as mudanças históricas na posição social ocupada pelo homem e pela mulher na relação mútua foi não o desenvolvimento das condições reais de vida das pessoas mas o reflexo religioso dessas condições de vida na mente dessas mesmas pessoas Nessa linha Bachofen expõe a Oresteia de Ésquilo como a descrição dramática da luta entre o direito materno em declínio e o direito paterno que despontou na era dos heróis e acabou vitorioso Por seu amante Egisto Clitemnestra matou seu marido Agamemnon que acabara de retornar da guerra contra os troianos mas Orestes filho de Clitemnestra e Agamemnon vingou a morte do pai matando a mãe Em consequência ele passa a ser perseguido pelas Erínias as protetoras espirituais do direito materno segundo o qual o assassinato da mãe é o mais grave e inexpiável dos crimes Porém Apolo que com seu oráculo exortara Orestes a cometêlo e Atena que fora convocada para ser juíza as duas divindades que aqui representam a nova ordem patriarcal o protegem Atena ouve as duas partes Toda a disputa se resume no debate que acontece em seguida entre Orestes e as Erínias Orestes alega que Clitemnestra cometeu um duplo sacrilégio matando o marido ela matou também seu pai Por que as Erínias perseguem a ele e não a ela que é muito mais culpada A resposta é contundente Ela não era consanguínea do homem que matou O assassinato de um homem não consanguíneo mesmo que seja o esposo da assassina pode ser expiado e não interessa às Erínias sua competência se restringe a perseguir o assassinato entre parentes consanguíneos e nesse caso de acordo com o direito materno o crime mais grave e inexpiável é o matricídio Então Apolo assume a defesa de Orestes Atena determina que os areopagitas os jurados atenienses votem ocorre empate nos votos a favor da absolvição e da condenação então Atena na condição de presidente do tribunal vota a favor de Orestes absolvendoo O direito paterno saiu vitorioso sobre o direito materno os deuses da linhagem recente como são designados pelas próprias Erínias derrotamnas e as Erínias acabam sendo persuadidas a assumir outro ofício a serviço da nova ordem Essa interpretação nova mas decididamente correta da Oresteia constitui uma das melhores e mais belas passagens de todo o livro mas ao mesmo tempo é a prova de que Bachofen acredita nas Erínias em Apolo e Atena no mínimo tanto quanto a seu tempo Ésquilo o fizera pois acredita que na era heroica grega eles realizaram o milagre de derrubar o direito materno em favor do direito paterno É evidente que uma concepção como essa em que a religião é tida como a alavanca decisiva da história mundial necessariamente desembocará no misticismo puro Por conseguinte é trabalho árduo e nem sempre compensador estudar com atenção o calhamaço de Bachofen Mas nada disso diminui o mérito de seu pioneirismo primeiro ele substituiu a hipótese de um estado primitivo desconhecido de promiscuidade sexual pela demonstração mediante numerosos indícios presentes na literatura clássica antiga de que antes do casamento monogâmico de fato existiu entre os gregos e entre os asiáticos um estado em que um homem podia se relacionar sexualmente com muitas mulheres assim como uma mulher com muitos homens sem ofender os costumes de que esse costume não desapareceu sem deixar vestígios na forma da entrega das mulheres aos demais homens por tempo limitado como meio de conquistar o direito ao casamento monogâmico de que por conseguinte originalmente a descendência podia ser considerada apenas pela linha feminina de mãe para mãe de que essa validade exclusiva da linha materna ainda se manteve por muito tempo depois que foi adotado o casamento monogâmico em que a paternidade passou a ser assegurada ou então reconhecida e de que essa posição original das mães como únicas ascendentes asseguradas das crianças garantiu a elas e desse modo às mulheres em geral uma posição social mais elevada do que jamais voltariam a ter Bachofen não formulou essas sentenças com tal clareza sua concepção mística o impediu Mas ele as provou e em 1861 isso representou uma revolução completa O calhamaço de Bachofen foi escrito em alemão isto é na língua do país que à época era o menos interessado na história prévia da família atual Por isso permaneceu desconhecido Seu sucessor mais próximo no mesmo campo apareceu em 1865 sem jamais ter ouvido falar de Bachofen Esse sucessor foi J F McLennan o exato oposto de seu predecessor Em vez do místico genial temos aqui o jurista enfadonho em vez da fantasia poética exuberante as combinações plausíveis do advogado litigante McLennan encontra entre muitos povos selvagens bárbaros e mesmo civilizados de tempos antigos e novos uma forma de casamento em que o noivo sozinho ou em companhia de amigos deve simular um ato de violência e raptar de seus parentes a noiva Esse costume certamente é um resquício de um costume mais antigo em que homens de uma tribo de fato raptavam mulheres de fora de outras tribos mediante o uso da força Ora como surgiu esse casamento mediante rapto Enquanto os homens dispuseram de mulheres em quantidade suficiente na sua tribo não havia motivo para adotarem tal medida Constatamos porém com a mesma frequência que entre povos não desenvolvidos existiam certos grupos que por volta de 1865 ainda eram identificados com as próprias tribos que proibiam o casamento entre seus membros de modo que os homens eram forçados a buscar suas mulheres e as mulheres seus homens fora do grupo enquanto em outros grupos vigorava o costume de que os homens só podiam casar com mulheres do próprio grupo McLennan chama aqueles de exógamos estes de endógamos e sem mais nem menos formula uma contraposição rígida entre tribos exogâmicas e tribos endogâmicas E embora sua investigação da exogamia esfregue em seu nariz o fato de que em muitos casos se não na maioria ou até em todos essa contraposição só existe em sua imaginação ele a põe na base de toda a sua teoria De acordo com esta tribos exogâmicas só podiam tomar mulheres de outras tribos e dado o estado de guerra permanente entre tribos que corresponde à condição selvagem o rapto teria sido o único meio de fazer isso McLennan prossegue perguntando de onde vem esse costume da exogamia As concepções da consanguinidade e do incesto não teriam nada a ver com ele porque essas coisas só se teriam desenvolvido bem mais tarde Mas havia sim o costume muito difundido entre os selvagens de matar crianças do sexo feminino logo após o nascimento Isso teria dado origem a um excedente de homens em cada tribo cuja consequência imediata teria sido a existência de vários homens com uma só mulher em comum a poliandria A consequência disso por sua vez teria sido esta sabiase quem era a mãe mas não o pai de uma criança e portanto o parentesco era considerado apenas pela linha materna excluindo a linha paterna ou seja tratavase de direito materno E a segunda consequência da falta de mulheres na tribo carência atenuada mas não resolvida pela poliandria foi justamente o rapto sistemático e violento de mulheres de outras tribos Dado que exogamia e poliandria se originam da mesma causa da ausência de paridade numérica entre os dois sexos devemos encarar todas as raças exogâmicas como originalmente dadas à poliandria E por essa razão temos de considerar irrefutável que entre as raças exogâmicas o primeiro sistema de parentesco foi o que tomava conhecimento dos laços de sangue apenas pelo lado materno John Ferguson McLennan Primitive Marriage Casamento primitivo em Studies in Ancient History Estudos de história antiga 1886 p 124 O mérito de McLennan é ter apontado a disseminação geral e a grande importância do que ele chama de exogamia Mas de modo nenhum ele descobriu e muito menos entendeu a existência dos grupos exogâmicos Desconsiderando notas mais antigas e isoladas oriundas de vários observadores justamente as fontes usadas por McLennan foi Latham Descriptive Ethnology Etnologia descritiva 1859 que descreveu de modo preciso e correto essa instituição entre os magares da Índia dizendo que estaria disseminada e ocorreria em todas as partes do mundo em uma passagem que o próprio McLennan cita E também o nosso Morgan havia demonstrado e descrito corretamente já em 1847 em suas cartas sobre os iroqueses na American Review e em 1851 em The League of the Iroquois A liga dos iroqueses a existência da referida instituição nessa tribo ao passo que como veremos a mentalidade de advogado de McLennan provocou uma confusão muito maior do que a fantasia mística de Bachofen na esfera do direito materno Outro mérito de McLennan é ter identificado a ordem matrilinear de descendência como a original embora mais tarde reconheça que Bachofen o havia precedido nesse ponto Mas também quanto a isso ele não tem clareza fala o tempo todo de parentesco apenas pela linha feminina kinship through females only e aplica essa expressão correta para estágios mais antigos continuamente também a etapas posteriores de desenvolvimento em que a ascendência e a herança ainda são de fato consideradas exclusivamente pela linha feminina mas o parentesco também é reconhecido e declarado pelo lado masculino Tratase da mentalidade estreita do jurista que fixa para si mesmo um termo jurídico e continua a aplicálo sem modificações a condições às quais ele não mais se aplica Mas pelo visto apesar de toda a sua plausibilidade a teoria de McLennan não pareceu bem fundamentada nem mesmo aos olhos de seu autor Ao menos ele próprio se dá conta do fato notável de que a forma do aparente rapto de mulheres assume contornos mais nítidos e expressivos justamente entre os povos em que predomina o parentesco masculino ou seja a ascendência pela linha masculina p 140 E igualmente Fato inusitado é que pelo que sabemos o infanticídio não é praticado sistematicamente em nenhum lugar onde a exogamia e a forma mais antiga de parentesco vigoram lado a lado p 146 São dois fatos que afrontam diretamente sua explicação e aos quais ele só consegue contrapor hipóteses novas e ainda mais confusas Apesar disso sua teoria foi muito aplaudida e teve grande repercussão na Inglaterra ali McLennan foi tido de modo geral como fundador da história da família e como autoridade principal nesse campo Por mais que se constatassem exceções e modificações isoladas o antagonismo entre tribos exogâmicas e endogâmicas por ele formulado permaneceu a base aceita da visão dominante e se converteu nos antolhos que impossibilitaram todo e qualquer olhar amplo e livre sobre o campo de investigação e em consequência todo e qualquer progresso decisivo Ao valor exagerado atribuído a McLennan atitude que se tornou costumeira na Inglaterra e também em outros lugares que seguiram o exemplo inglês devese contrapor o fato de que o estrago causado por ele com sua contraposição inteiramente enganosa de tribos exogâmicas e endogâmicas foi maior do que o proveito trazido por suas pesquisas Entretanto logo vieram à tona mais e mais fatos que não se enquadravam em sua elegante moldura McLennan tinha conhecimento de apenas três formas de casamento poligamia poliandria e monogamia Porém depois que a atenção foi direcionada para esse ponto foram encontradas provas cada vez mais numerosas de que entre povos não desenvolvidos existiram formas de casamento em que uma série de homens tinha uma série de mulheres em comum e Lubbock The Origin of Civilisation A origem da civilização 1870 reconheceu esse casamento grupal communal marriage como fato histórico Logo em seguida no ano de 1871 Morgan veio a público com material novo e decisivo em muitos aspectos Ele se convencera de que o peculiar sistema de parentesco vigente entre os iroqueses era comum a todos os aborígines dos Estados Unidos e portanto estava disseminado por todo um continente embora se encontre em contradição direta com os graus de parentesco que de fato resultam do sistema de casamento ali vigente Então persuadiu o governo norteamericano a colher informações sobre os sistemas de parentesco dos demais povos com base em um questionário e em tabelas compostos por ele próprio das respostas obtidas descobriu 1 que o sistema de parentesco dos indígenas americanos também vigorava entre numerosos povos da Ásia e sob uma forma um tanto modificada da África e da Austrália 2 que era possível explicálo integralmente a partir de uma forma de casamento grupal em via de extinção no Havaí e em outras ilhas australianas e 3 que porém ao lado dessa forma de casamento vigorava nessas mesmas ilhas um sistema de parentesco que só poderia ser explicado a partir de uma forma de casamento grupal ainda mais primitiva e já extinta Ele publicou as informações coletadas e as conclusões que tirou delas em seu livro Systems of Consanguinity and Affinity Sistemas de consanguinidade e afinidade de 1871 e ao fazer isso levou o debate para um campo infinitamente mais abrangente Ao partir dos sistemas de parentesco e com base neles reconstruir as formas da família que lhes correspondiam ele inaugurou um novo caminho para a pesquisa e um olhar retrospectivo de maior alcance para a PréHistória da humanidade Se esse método entrasse em vigor a graciosa formulação de McLennan se teria desfeito no ar McLennan defendeu sua teoria na nova edição de Primitive Marriage Casamento primitivo Studies in Ancient History Estudos de história antiga 1875 Ele próprio compõe uma história da família de modo extremamente artificial não dispondo de nada além de hipóteses mas ao mesmo tempo exige de Lubbock e Morgan provas não só de cada uma de suas afirmações como também da concludência irrefutável as únicas que são admitidas em um tribunal escocês Quem faz isso é o mesmo homem que da estreita relação do irmão da mãe com o filho da irmã entre os germanos Tácito Germânia cap 20 do relato de César de que cada bretão tem dez ou doze de suas mulheres em comum e de todos os relatos dos escritores antigos sobre a comunhão de mulheres entre os bárbaros tira sem pestanejar a conclusão de que em todos esses povos imperava a poliandria Temse a impressão de ouvir um promotor que toma todas as liberdades ao preparar seu caso mas que exige do advogado a prova juridicamente válida que sustente cada uma de suas palavras com toda a formalidade O casamento grupal é pura fantasia afirma ele e retrocede a um período bem anterior ao de Bachofen Os sistemas de parentesco apresentados por Morgan seriam meras regras de cortesia social comprovadas pelo fato de que os índios também costumam chamar um estranho um branco de irmão ou de pai É o mesmo que afirmar que as designações pai mãe irmão e irmã seriam simples formas de se dirigir a alguém porque sacerdotes e abadessas católicos também são chamados de pai e mãe os monges e as monjas e até mesmo os maçons e os membros de corporações profissionais na Inglaterra se chamam de irmão e irmã em sessões solenes Em resumo a defesa de McLennan foi extremamente fraca Mas restou um ponto em que ele ainda não tinha sido pego A contraposição de tribos exogâmicas e endogâmicas na qual se baseava todo o seu sistema não só não tinha sido abalada como continuava a ser reconhecida de modo geral como o eixo que sustentava toda a história da família Admitiase que a tentativa de McLennan de explicar essa contraposição era insuficiente e contradizia os fatos enumerados por ele próprio Mas a contraposição em si a existência de dois tipos autônomos e independentes de tribos que se excluíam mutuamente dos quais um tomava suas mulheres dentro da tribo enquanto ao outro isso era absolutamente proibido essa contraposição era tida como um evangelho inquestionável Confirase por exemplo Origines de la famille Origens da família 1874 de Alexis GiraudTeulon ou até mesmo Origin of Civilisation Origem da civilização 4 ed 1882 de John Lubbock É desse ponto que parte a obra principal de Morgan intitulada Ancient Society Sociedade antiga 1877 que está na base deste trabalho O que Morgan apenas intuiu obscuramente em 1871 é desenvolvido de modo plenamente consciente nessa obra Endogamia e exogamia não estão em contraposição a existência de tribos exogâmicas ainda não foi comprovada Mas na época em que vigorava o casamento grupal e é muito provável que alguma vez ele tenha vigorado em toda parte a tribo se subdividia em certa quantidade de grupos consanguíneos pelo lado materno as gentes c no interior dos quais o casamento entre membros era estritamente proibido de modo que os homens de uma gens podiam buscar mulheres dentro da tribo e via de regra faziam isso mas tinham de buscá las fora de sua gens Assim sendo a gens rigorosamente exogâmica a tribo que abrangia o conjunto das gentes era endogâmica na mesma proporção Com isso foi definitivamente descartado o que sobrara do floreio verbal de McLennan Morgan porém não se contentou com isso A gens dos índios norte americanos ajudouo ademais a alcançar o segundo progresso decisivo no campo por ele investigado Nessa gens organizada com base no direito materno ele descobriu a forma originária da qual evoluíra a posterior gens organizada com base no direito paterno ou seja a gens que encontramos nos antigos povos civilizados A gens grega e romana que constituiu um enigma para todos os historiadores do passado foi explicada a partir da gens indiana e desse modo foi encontrada uma nova base para toda a história primitiva A redescoberta da gens matrilinear original como préestágio da gens patrilinear dos povos civilizados tem para a história primitiva a mesma importância que a teoria da evolução de Darwin para a biologia e a teoria do maisvalor de Marx para a economia política Ela capacitou Morgan a esboçar pela primeira vez uma história da família em que se constatam provisoriamente e em grandes traços os estágios clássicos do desenvolvimento na medida do que permite o material conhecido até agora É evidente para todos que com isso tem início uma nova era do tratamento da história primitiva A gens matrilinear se tornou o eixo em torno do qual gira toda essa ciência desde a sua descoberta sabese bem que rumo tomar o que investigar e como agrupar o que foi investigado E de modo correspondente os avanços que acontecem nesse campo são bem mais rápidos do que antes do livro de Morgan Agora as descobertas de Morgan gozam de reconhecimento geral ou melhor até os estudiosos da PréHistória ingleses se apropriaram delas Mas quase nenhum deles admite abertamente que é a Morgan que devemos essa revolução nas concepções Na Inglaterra silenciaram sobre seu livro tanto quanto possível e ele próprio foi despachado com um elogio condescendente por causa de suas realizações anteriores remexem ciosamente nos detalhes de sua exposição mas calamse obstinadamente a respeito de suas descobertas realmente grandes A edição original de Ancient Society está esgotada na América do Norte não existe mercado vantajoso para algo desse tipo na Inglaterra ao que parece o livro foi sistematicamente reprimido e a única edição que marcou época e ainda se encontra em circulação no mercado de livros é a tradução alemã De onde procede essa cautela em que é difícil não ver uma conspiração para abafar o fato especialmente quando se levam em conta as numerosas citações feitas apenas por cortesia e outras demonstrações de camaradagem que pululam nos escritos de nossos renomados estudiosos da PréHistória Seria pelo fato de Morgan ser americano e de ser muito duro para os estudiosos da PréHistória ingleses apesar de sua diligência na coleta de material ser digna do maior reconhecimento ter de depender de dois estrangeiros geniais a saber Bachofen e Morgan no que se refere aos pontos de vista gerais válidos para a classificação e o agrupamento desse material em suma no que se refere às suas ideias O alemão ainda seria aceitável mas o americano Na presença do americano todo inglês se torna um patriota Presenciei alguns exemplos bastante divertidos disso nos Estados Unidos Mas a isso se somam também os fatos de que McLennan era o fundador e por assim dizer o líder oficialmente nomeado da escola préhistórica inglesa de que de certo modo fazia parte do bomtom pré histórico limitarse a falar com a mais profunda reverência de sua construção histórica artificiosa que vai do infanticídio até a família matrilinear passando pela poliandria e pelo casamento mediante rapto de que a mais leve manifestação de dúvida a respeito da existência de tribos exogâmicas e endogâmicas absolutamente excludentes era tida como heresia blasfema e de que Morgan portanto ao dissolver no ar todos esses dogmas santificados cometera uma espécie de sacrilégio E ainda por cima ele os dissolveu de uma maneira que precisava apenas ser verbalizada para convencer de imediato de modo que os veneradores de McLennan que até aquele momento cambaleavam perplexos entre exogamia e endogamia praticamente tinham de levar as mãos à cabeça e exclamar Como pudemos ser tão idiotas que não atinamos com isso nós mesmos E como se esses crimes não tivessem sido suficientes para proibir a escola oficial de qualquer tratamento que não fosse o de colocálo friamente de lado Morgan ainda passou dos limites não só ao criticar a civilização a sociedade produtora de mercadorias a forma básica da sociedade atual em termos que lembram Fourier mas também ao falar de uma futura reorganização dessa sociedade com palavras que poderiam ter sido ditas por Karl Marx Portanto foi merecida a acusação indignada de McLennan de que ele nutre total antipatia pelo método histórico acusação corroborada pelo senhor professor GiraudTeulon em Genebra ainda em 1884 Mas é fato que em 1874 Origines de la famille esse mesmo senhor Giraud Teulon ainda vagava perdido no labirinto da exogamia de McLennan do qual Morgan teve de libertálo Não preciso tratar aqui dos demais avanços que a história primitiva deve a Morgan no curso do meu trabalho encontrase o necessário sobre eles Os quarenta anos decorridos desde a publicação de sua obra principal enriqueceram muito o material que temos sobre a história das sociedades humanas originárias aos antropólogos viajantes e estudiosos profissionais da PréHistória somaramse os juristas do direito comparado que contribuíram em parte com material novo em parte com novos pontos de vista Isso abalou ou até fez caducar algumas hipóteses isoladas de Morgan Mas em momento algum o material novo coletado levou à substituição de seus principais pontos de vista A ordem que ele introduziu na história primitiva vale até hoje em traços gerais Podemos dizer até mesmo que ela goza de um reconhecimento cada vez mais generalizado na mesma proporção em que se dissimula a autoria desse grande avanço 2 Londres 16 de junho de 1891 Friedrich Engels a Método de impressão que consiste na gravação da composição tipográfica em uma única chapa de metal N E B b Na revista Neue Zeit a última parte da frase tem o seguinte teor sobretudo porque a nova edição deverá ter a grande tiragem que é habitual na literatura socialista alemã um tamanho que continua a ser raro em outras áreas do mercado livreiro alemão N E A c Quando em itálico tratase do nominativo plural da palavra latina gens N T 2 Na viagem de retorno de Nova York em setembro de 1888 encontrei um excongressista representante do distrito de Rochester que conhecera Lewis Morgan Infelizmente ele não tinha muita coisa a contar Morgan teria vivido privadamente em Rochester ocupandose tão somente de seus estudos Seu irmão tinha sido coronel e ocupava um cargo no Ministério da Guerra em Washington graças à intermediação desse irmão ele conseguiu fazer com que o governo se interessasse por suas pesquisas e publicar várias de suas obras à custa do erário o próprio narrador se teria empenhado várias vezes por ele durante o exercício de seu mandato no Congresso I ESTÁGIOS CULTURAIS PRÉHISTÓRICOS Morgan é o primeiro a tentar estabelecer com conhecimento de causa uma certa ordem na PréHistória da humanidade enquanto uma ampliação do material disponível não obrigar a modificações a estruturação estabelecida por ele permanecerá em vigor Das três épocas principais a saber estado selvagem barbárie e civilização ele obviamente se ocupa só das duas primeiras e da transição para a terceira E subdivide cada uma das duas em três estágios o inferior o intermediário e o superior de acordo com os progressos ocorridos em cada um na produção dos meios de subsistência pois diz ele A habilidade nessa produção é decisiva para o grau de superioridade humana e domínio sobre a natureza de todos os seres vivos apenas o ser humano chegou a um domínio quase incondicional da geração de alimentos Todas as grandes épocas do progresso humano coincidem de modo mais ou menos direto com as épocas de ampliação das fontes de sustento a O desenvolvimento da família acompanha esse processo mas não oferece características tão contundentes para uma subdivisão dos períodos 1 O estado selvagem 1 Estágio inferior A infância do gênero humano vivida ao menos em parte nas árvores única explicação para o fato de ter sobrevivido aos grandes predadores e durante a qual ele ainda se manteve em seu habitat original as florestas tropicais ou subtropicais Frutas nozes e raízes lhe serviam de alimento a criação de uma linguagem articulada é o principal resultado desse tempo De todos os povos conhecidos nesse período histórico nenhum se encontrava nesse estado primitivo Mesmo que ele tenha durado milênios não podemos demonstrar sua existência por meio de testemunhos diretos porém uma vez admitido que o ser humano descende do reino animal a suposição dessa transição é incontornável 2 Estágio intermediário Começa com o aproveitamento de peixes nos quais incluímos também caranguejos conchas e outros animais aquáticos como alimento e com o uso do fogo As duas coisas andam juntas dado que o alimento à base de peixe só é plenamente aproveitável mediante o uso do fogo Porém com essa nova alimentação os seres humanos se tornaram independentes do clima e da localidade acompanhando os rios e as costas marítimas puderam se espalhar pela maior parte da terra mesmo em estado selvagem As ferramentas de pedra bruta não polida da fase inicial da Idade da Pedra as chamadas ferramentas paleolíticas que pertencem em sua totalidade ou em sua maior parte a esse período constituem evidências dessas migrações em razão de sua difusão em todos os continentes A ocupação de novas áreas e o ímpeto descobridor associado ao domínio do fogo por fricção fizeram aparecer novos gêneros alimentícios como raízes e tubérculos ricos em amido assados sobre cinzas quentes ou em covas fornos de terra e a caça que com a invenção das primeiras armas a clava e a lança ocasionalmente suplementou o cardápio Nunca existiram povos exclusivamente caçadores do tipo que figura nos livros isto é que viviam unicamente da caça a incerteza quanto ao resultado da caça não permitia isso Nesse estágio a insegurança permanente a respeito das fontes de alimento parece ter suscitado o canibalismo que se manteria por muito tempo Os australianos e muitos polinésios ainda hoje se encontram nesse estágio intermediário do estado selvagem 3 Estágio superior Tem início com a invenção do arco e flecha quando a caça se tornou um alimento regular e a atividade de caça um dos ramos normais de trabalho Arco corda e flecha compõem um instrumento bastante complexo cuja invenção pressupõe um longo tempo de experiência acumulada faculdades mentais aguçadas e portanto o conhecimento simultâneo de um conjunto de outras invenções Se compararmos os povos que conhecem o arco e flecha mas ainda não dominam a olaria a partir da qual Morgan data a transição para a barbárie de fato já encontramos os primórdios do assentamento em aldeias certo domínio da produção dos meios de subsistência de recipientes e utensílios de madeira tecidos feitos à mão sem tear com fibras de entrecasca cestos trançados com entrecasca e vime ferramentas de pedra polida neolíticas De modo geral o fogo e o machado de pedra já possibilitavam os barcos feitos de tronco e em algumas partes vigas e tábuas para a construção de casas Encontramos todos esses progressos por exemplo entre os índios do noroeste da América do Norte que dispõem de arco e flecha mas não conhecem a olaria Para o estado selvagem o arco e flecha representou o mesmo que a espada de metal representou para a barbárie e a arma de fogo para a civilização a arma decisiva 2 A barbárie 1 Estágio inferior Datado da invenção da olaria Comprovadamente em muitos casos e provavelmente em toda parte a olaria surgiu do hábito de cobrir recipientes de vime ou madeira com barro para tornálos resistentes ao fogo nesse processo logo se descobriu que o barro modelado fazia o mesmo serviço sem o recipiente por dentro Até então pudemos considerar o curso do desenvolvimento de modo geral válido para um determinado período de todos os povos sem levar em conta sua localização Com o início da barbárie porém atingimos um estágio em que os diferentes recursos naturais dos dois grandes continentes da Terra exerceram sua influência O fator característico do período da barbárie é a domesticação de animais e o cultivo de plantas Ora o continente oriental o chamado Velho Mundo possuía quase todos os animais úteis à domesticação e todas as espécies de cereais passíveis de cultivo com exceção de uma o continente ocidental a América possuía um único mamífero domesticável a lhama e esta apenas em uma região do Sul e de todos os cereais cultiváveis apenas um que no entanto era o melhor de todos o milho Essas condições naturais distintas tiveram como efeito que dali por diante a população de cada hemisfério andasse em seu próprio ritmo e os marcos nas fronteiras de cada um dos estágios passassem a ser diferentes para cada caso 2 Estágio intermediário Iniciase no Oriente com a domesticação de animais no Ocidente com o cultivo de plantas alimentícias mediante a rega e o uso de adobes tijolos secos ao sol e pedras nas construções Começamos com o Ocidente dado que nessa região tal estágio não chegou a ser superado em lugar nenhum até a conquista europeia Entre os índios do estágio inferior da barbárie no qual se incluem todos os que se encontravam a leste do rio Mississippi já havia na época em que foram descobertos alguma cultura de milho e talvez também de abóbora melão e outras plantas de horta que supria uma parcela essencial de sua alimentação eles moravam em casas de madeira em aldeias cercadas de paliçadas As tribos do Noroeste especialmente na região do rio Colúmbia ainda se encontravam no estágio superior do estado selvagem e não conheciam a olaria nem qualquer cultivo de plantas Em contraposição na época da conquista os índios dos chamados pueblos do Novo México os mexicanos os da América Central e os peruanos encontravamse no estágio intermediário da barbárie moravam em casas em forma de fortaleza construídas com adobe ou pedra conforme a localização e o clima cultivavam em hortas irrigadas artificialmente milho e outras plantas alimentícias que representavam sua principal fonte de alimentos e até já tinham domesticado alguns animais o peru e outras aves entre os mexicanos a lhama entre os peruanos Além disso dominavam o processamento de metais com exceção do ferro razão pela qual não puderam dispensar o uso das armas e ferramentas de pedra A conquista espanhola interrompeu todo e qualquer desenvolvimento autônomo No Oriente o estágio intermediário da barbárie começou com a domesticação de animais fornecedores de leite e carne enquanto o cultivo de plantas parece ter permanecido desconhecido até uma fase avançada desse período A domesticação e criação de gado e a formação de rebanhos maiores parecem ter servido de ensejo para a separação dos arianos e semitas dentre a massa dos bárbaros Os arianos europeus e asiáticos ainda têm em comum os nomes dos animais mas quase nenhum nome das plantas cultivadas A formação de rebanhos levou à vida pastoril nos lugares apropriados entre os semitas nas planícies dos rios Tigre e Eufrates entre os arianos nas campinas da Índia dos rios Oxo Amu Dária e Jaxartes Sir Dária Don e Dniepre A domesticação do gado deve ter ocorrido pela primeira vez nas fronteiras dessas terras de pastagens Assim para as gerações posteriores os povos pastoris pareceram provir de regiões que muito longe de serem o berço do gênero humano eram quase inabitáveis para seus antepassados selvagens e mesmo para a gente do estágio inferior da barbárie Ao contrário assim que esses bárbaros do estágio intermediário se habituaram à vida pastoril jamais lhes teria ocorrido sair voluntariamente das planícies produtoras de pastagens dos rios e retornar para as áreas de florestas em que seus antepassados se sentiam em casa Até mesmo quando foram forçados a rumar para o Norte e o Ocidente foi impossível para os semitas e arianos mudarse para as áreas cobertas de florestas da Ásia ocidental e da Europa antes de terem condições de mediante o cultivo de cereais alimentar seu gado e especialmente passar o inverno nesse solo menos favorável É mais que provável que o cultivo de cereais nessa região tenha se originado da carência de pasto para o gado e só mais tarde tenha se tornado importante para a alimentação humana À alimentação rica em carne e leite dos arianos e semitas e especificamente ao seu efeito favorável sobre o desenvolvimento das crianças talvez deva ser atribuída a evolução superior dessas duas raças Os índios que moravam nos pueblos do Novo México reduzidos a uma dieta quase exclusivamente vegetariana de fato têm um cérebro menor do que o dos índios do estágio inferior da barbárie que se alimentam mais de carne e peixes Em todo caso é nesse estágio que desaparece gradativamente o canibalismo que se mantém apenas como ato religioso ou o que nesse caso é praticamente idêntico como poção mágica 3 Estágio superior Começa com a fusão do minério de ferro e faz a transição para a civilização por meio da invenção da escrita alfabética e de seu uso para produzir registros literários Esse estágio que como foi dito foi levado a termo de modo autônomo somente no hemisfério oriental é mais rico em avanços da produção do que todos os outros juntos Pertencem a ele os gregos da era heroica as tribos itálicas pouco antes da fundação de Roma os germanos de Tácito os normandos da época dos vikings b Deparamonos aqui em primeiro lugar com o arado de ferro puxado por animais o qual possibilita a agricultura em grandes áreas o cultivo do campo e desse modo uma multiplicação dos meios de subsistência praticamente ilimitada para as condições daquele tempo e assim também com a derrubada do mato e sua transformação em roça e pastagem que por sua vez seria impossível em grande escala sem o machado e a pá de ferro Porém isso levou à rápida multiplicação da população e à densidade populacional numa área pequena Antes do cultivo dos campos só na ocorrência de condições muito excepcionais teria sido possível reunir meio milhão de pessoas sob uma única direção central provavelmente isso nunca acontecera O florescimento máximo alcançado no estágio superior da barbárie comparece diante de nós nos poemas homéricos principalmente na Ilíada Ferramentas de ferro avançadas o fole de ferreiro o moinho manual a roda de oleiro a preparação de azeite e vinho o processamento avançado do metal passando à condição de obra de arte a carroça e o carro de guerra a construção naval com vigas e pranchões os primórdios da arquitetura como arte cidades rodeadas de muralhas com torres e ameias a epopeia homérica e toda a mitologia esses são os principais legados que os gregos trouxeram da barbárie para a civilização Se compararmos essa descrição com a de César ou até de Tácito a respeito dos germanos que se encontravam no início do estágio cultural do qual os gregos homéricos estavam prestes a sair para um estágio mais elevado vemos a riqueza do desenvolvimento da produção contido no estágio superior da barbárie O quadro que esbocei aqui com base em Morgan do desenvolvimento da humanidade até os primórdios da civilização passando pelo estado selvagem e pela barbárie já é suficientemente rico em traços novos e o que é mais importante irrefutáveis porque foram extraídos diretamente da produção Ainda assim parecerá fraco e mirrado em comparação com o quadro que se descortinará ao final de nossa peregrinação somente então será possível trazer adequadamente à luz a transição da barbárie para a civilização e a contraposição concludente de ambas Provisoriamente podemos generalizar a subdivisão de Morgan da seguinte maneira estado selvagem época em que preponderou a apropriação de produtos naturais prontos os produtos artificiais do ser humano são em sua maior parte ferramentas auxiliares dessa apropriação Barbárie época em que se consolidaram a pecuária e a agricultura o aprendizado de métodos de produção intensificada de produtos naturais mediante a atividade humana Civilização época de aprendizado do processamento ulterior de produtos naturais da indústria propriamente dita e da arte a Lewis H Morgan Ancient Society cit p 19 N E A b Na edição de 1884 consta e os germanos de César ou como preferiríamos dizer de Tácito em vez de os germanos de Tácito os normandos da época dos vikings N E A II A FAMÍLIA Morgan que passou grande parte de sua vida entre os iroqueses que ainda hoje habitam o Estado de Nova York e foi adotado por uma de suas tribos a dos senecas encontrou entre eles um sistema de parentesco que estava em contradição com suas relações familiares reais Vigorava entre eles um tipo de casamento monogâmico que podia ser facilmente dissolvido por ambas as partes designado por Morgan como família de um par a A descendência desse casal era manifesta e reconhecida por todo o mundo não havia dúvida nenhuma quanto a quem se devia chamar de pai mãe filho filha irmão irmã Mas o uso efetivo dessas expressões contradizia isso O iroquês chama de filhos e filhas não só os seus mas também os de seus irmãos e eles o chamam de pai Em contraposição ele chama os filhos e filhas de sua irmã de sobrinhos e sobrinhas e estes o chamam de tio Inversamente a mulher iroquesa chama de filhos e filhas além dos seus próprios também os de suas irmãs e estes a chamam de mãe Os filhos e filhas de seus irmãos em contraposição ela chama de sobrinhos e sobrinhas e ela é chamada de tia deles Do mesmo modo os filhos e filhas dos irmãos chamamse entre si irmãos e irmãs o mesmo ocorrendo com os filhos e filhas das irmãs Em contraposição os filhos e filhas de uma mulher e os de seu irmão chamamse entre si primos e primas E não se trata de meras designações vazias mas de expressões de noções realmente válidas de proximidade e distância igualdade e desigualdade de consanguinidade e essas visões servem de base para um sistema de parentesco elaborado do início ao fim que é capaz de expressar várias centenas de relações diferentes de parentesco de um mesmo indivíduo Mas não só Esse sistema não apenas se encontra em pleno vigor entre todos os índios norte americanos até agora nenhuma exceção foi encontrada mas vigora quase sem modificações entre os aborígines da Índia entre as tribos dravídicas do Decão e as tribos dos gauras do Industão As expressões de parentesco dos tâmeis do sul da Índia e dos iroqueses da tribo dos senecas do Estado de Nova York ainda hoje são coincidentes para mais de duzentas diferentes relações de parentesco E também em todas essas tribos indianas como entre todos os índios americanos as relações de parentesco decorrentes da forma familiar vigente se encontram em contradição com o sistema de parentesco Ora como se explica isso Tendo em vista o papel decisivo do parentesco para a ordem social de todos os povos selvagens e bárbaros não se pode descartar a importância desse sistema tão difundido com o auxílio de ditos espirituosos Um sistema em vigor em toda a América do Norte que subsiste igualmente na Ásia entre povos de raça bem diferente e que se encontra em grandes quantidades sob formas modificadas em maior ou menor grau em toda a África e Austrália um sistema como esse precisa ser explicado historicamente e não eliminado discursivamente como por exemplo McLennan tentou b As designações pai criança irmão irmã não são simples títulos honoríficos mas acarretam obrigações recíprocas bem determinadas muito sérias que em seu conjunto perfazem uma parte essencial da constituição da sociedade daqueles povos E a explicação foi encontrada Nas ilhas Sandwich no Havaí ainda persistia na primeira metade deste século uma forma de família que fornecia exatamente o mesmo tipo de pais e mães irmãos e irmãs filhos e filhas tios e tias sobrinhos e sobrinhas exigido pelo sistema de parentesco americano e indiano antigo Mas coisa curiosa o sistema de parentesco em vigor no Havaí uma vez mais não se coadunava com a forma da família de fato vigente ali É que ali todas as crianças geradas por irmãos e irmãs são sem exceção irmãos e irmãs e esses nomes valem para as crianças em comum não só de sua mãe e suas irmãs ou de seu pai e seus irmãos mas para todos os irmãos e irmãs de seu pai e de sua mãe sem distinção Portanto se o sistema de parentesco norteamericano pressupõe uma forma de família mais primitiva que já não existe na América e que realmente ainda podemos encontrar no Havaí o sistema de parentesco havaiano nos remete a uma forma de família ainda mais primitiva cuja existência atual de fato não conseguimos mais demonstrar mas que deve ter existido senão o sistema de parentesco correspondente a ela não teria podido surgir Morgan diz o seguinte A família é o elemento ativo ela nunca é estacionária mas avança de uma forma inferior para uma forma superior à proporção que a sociedade evolui de um estágio mais baixo para um estágio mais elevado Em contraposição os sistemas de parentesco são passivos somente depois de longos períodos eles registram os progressos que a família fez no decorrer do tempo e só experimentam mudanças radicais depois que a família mudou radicalmente c E Marx acrescenta o mesmo acontece com os sistemas políticos jurídicos religiosos e filosóficos em geral Enquanto a família continua vivendo o sistema de parentesco se ossifica e enquanto este continua existindo por costume a família cresce para além dele Porém com a mesma segurança com que Cuvier foi capaz de deduzir dos ossos de um esqueleto de animal encontrado perto de Paris que eles haviam pertencido a um marsupial e que ali outrora viveram marsupiais agora extintos com a mesma segurança podemos deduzir do sistema de parentesco historicamente transmitido a nós que existiu uma forma de família que lhe corresponde agora extinta Os sistemas de parentesco e as formas de família recémmencionados diferenciamse dos sistemas ora vigentes pelo fato de cada criança ter vários pais e várias mães No sistema de parentesco americano ao qual corresponde a família havaiana irmão e irmã não podem ser pai e mãe da mesma criança mas o sistema de parentesco havaiano pressupõe uma família em que isso em contraposição é a regra Somos transpostos aqui para uma série de formas de família que contradizem diretamente a forma que até agora se costumava admitir como a única válida A concepção tradicional tem conhecimento apenas do casamento monogâmico e ao lado deste da poligamia de um só homem e ainda no máximo da poliandria de uma só mulher mas silencia como condiz ao filisteu moralizante a respeito de a práxis ignorar tácita mas desinibidamente essa barreira interposta pela sociedade oficial O estudo da PréHistória em contraposição confronta nos com situações em que homens vivem em poligamia e suas mulheres vivem simultaneamente em poliandria e em consequência as crianças comuns são tidas como comuns a todos essas situações por sua vez passaram por toda uma série de mudanças até sua dissolução final no casamento monogâmico Essas mudanças estreitaram cada vez mais o círculo que envolve o laço matrimonial comum e que originalmente era muito vasto até que por fim restou somente o par individual hoje predominante Assim ao reconstruir de modo retrospectivo a história da família Morgan chega em consonância com a maioria de seus colegas a um estado originário no qual reinava a relação sexual irrestrita no âmbito de uma tribo de tal modo que cada mulher pertencia igualmente a cada homem e cada homem igualmente a cada mulher d De um estado originário desse tipo já se vem falando desde o século passado mas só com expressões generalizadas o primeiro a leválo a sério foi Bachofen sendo esse um de seus grandes méritos ele procurou por vestígios desse estado nas tradições históricas e religiosas e Sabemos hoje que os vestígios encontrados por ele não levam de nenhum modo a um estágio social de relação sexual indiscriminada mas sim a uma forma bem posterior a saber a do casamento grupal Se aquele estágio primitivo da sociedade existiu mesmo pertence a uma época tão remota que dificilmente podemos esperar que sejam encontradas entre fósseis sociais entre selvagens parados no tempo provas diretas de sua existência remota O mérito de Bachofen consiste justamente em ter trazido essa questão para o primeiro plano da investigação 3 Recentemente virou moda negar esse estágio inicial da vida sexual humana Pretendese poupar a humanidade dessa vergonha Recorrese além da falta de toda e qualquer prova direta especialmente ao exemplo do restante do mundo animal a partir deste Charles Letourneau LÉvolution du mariage et de la famille 1888 compilou numerosos fatos segundo os quais também ali uma relação sexual totalmente indiscriminada pertenceria a um estágio mais baixo A partir de todos esses fatos só consigo tirar a conclusão de que eles não provam absolutamente nada para o ser humano e suas condições de vida primitivas O acasalamento por tempo mais longo entre os vertebrados se explica suficientemente por razões fisiológicas como no caso dos pássaros pelo desamparo em que se encontra a fêmea durante o período de choco os exemplos de monogamia fiel que ocorrem entre aves nada provam em relação aos seres humanos dado que estes não descendem das aves E se a monogamia estrita for o auge de toda virtude quem leva a palma é a tênia que em cada uma das 50200 proglótides ou segmentos de seu corpo possui um aparelho sexual feminino e um masculino completos e passa a vida copulando consigo mesma em todos esses segmentos Limitandonos porém aos mamíferos encontramos entre eles todas as formas possíveis de vida sexual desregramento reminiscências do casamento grupal poligamia monogamia só falta a poliandria que apenas os seres humanos conseguiram produzir Até nossos parentes mais próximos os quadrúpedes nos oferecem todo tipo de diversidade no agrupamento de machos e fêmeas e se traçarmos limites ainda mais estreitos e considerarmos apenas os quatro macacos antropoides a única coisa que Letourneau consegue nos dizer é que eles são ora monogâmicos ora poligâmicos enquanto Henri de Saussure afirma segundo GiraudTeulon que eles seriam monogâmicos f As afirmações novas aduzidas por Edvard Westermarck The History of Human Marriage Londres 1891 sobre a monogamia dos macacos antropoides nem de longe constituem provas Em suma as notícias são de tal natureza que Letourneau para ser honesto admite Aliás entre os mamíferos não existe nenhuma proporção entre o grau de desenvolvimento intelectual e a forma de relação sexual g E Alfred Espinas Des Sociétés animales 1877 chega a dizer A horda é o grupo social supremo que podemos observar entre os animais Ela assim parece é composta de famílias mas já desde o início a família e a horda se encontram em conflito pois se desenvolvem em proporção inversa h Como já mostra o que foi dito acima não temos certeza sobre praticamente nada a respeito dos grupos familiares e outros grupos conviviais dos macacos antropoides as informações se contradizem frontalmente O que não deve causar admiração As informações que temos sobre as tribos humanas no estágio selvagem já são contraditórias carentes de exame crítico e verificação mas as sociedades dos macacos são muito mais difíceis de observar do que as humanas Por enquanto temos de rejeitar toda e qualquer inferência a partir de tais relatos absolutamente inconfiáveis Em contraposição a sentença de Espinas nos oferece um ponto de partida melhor Nos animais superiores horda e família não se complementam reciprocamente mas são antagônicas Espinas descreve muito bem como o ciúme dos machos durante o cio afrouxa ou até dissolve temporariamente qualquer horda sociável Onde a família está estreitamente unida só com raras exceções se formam hordas Em contraposição onde predomina a relação sexual livre ou a poligamia a horda surge quase automaticamente Para que surja uma horda os vínculos familiares precisam ter se afrouxado e o indivíduo recuperado sua liberdade É por isso que é raro encontrar hordas organizadas entre as aves Em contraposição entre os mamíferos encontramos sociedades com certo grau de organização justamente porque nesse caso o indivíduo não se dissolve na família Portanto a gênese do senso de união da horda não pode ter inimigo maior do que o senso de união da família Não deixemos de dizêlo com todas as letras o fato de ter se desenvolvido uma forma social mais elevada do que a família só pode ter ocorrido porque ela acolheu famílias que haviam passado por uma mudança radical o que não exclui que justamente desse modo essas famílias mais tarde tiveram a possibilidade de se constituir de maneira nova em circunstâncias infinitamente mais favoráveis Alfred Espinas Des Sociétés animales Paris 1877 citado em Alexis GiraudTeulon Origines du mariage et de la famille cit p 51820 Aqui se mostra que as sociedades animais de fato possuem um certo valor para a inferência das sociedades humanas mas apenas um valor negativo Pelo que sabemos o vertebrado superior só conhece duas formas de família a poligamia ou o acasalamento individual em ambos se permite só um macho adulto só um esposo O ciúme do macho ao mesmo tempo vínculo e limite da família contrapõe a família animal à horda a horda que é a forma social mais elevada ora é inviabilizada ora é diluída ou dissolvida durante o cio na melhor das hipóteses tolhida em sua evolução pelo ciúme dos machos Só isso já é prova suficiente de que família animal e sociedade primitiva humana são coisas incompatíveis e de que os humanos primitivos que se empenhavam por alçarse acima da animalidade ou não conheciam nenhuma família ou conheciam quando muito uma que não ocorre entre os animais Um animal tão desarmado quanto o ser humano em formação também poderia sobreviver em pequeno número em isolamento cuja forma suprema de convívio é o casal individual como atribuído por Westermarck ao gorila e ao chimpanzé com base em relatos de caçadores Mas para que acontecesse a evolução para além da animalidade para que se efetivasse o maior dos progressos já exibido pela natureza faziase necessário um elemento adicional a substituição da capacidade de defesa de que carecia o indivíduo pela força unida e pela cooperação da horda A transição para a humanidade seria simplesmente inexplicável a partir de relações como as que vivem hoje os macacos antropoides esses macacos dão antes a impressão de ramos colaterais extraviados que caminham para sua gradativa extinção e em todo caso encontramse em declínio Só isso já basta para rejeitar qualquer conclusão tirada do paralelismo entre as formas de família dos macacos e as do humano primitivo Tolerância recíproca dos machos adultos ausência de ciúme foi a primeira condição para a formação desses grupos maiores e mais duradouros sendo esse o único meio em que se poderia efetivar a humanização do animal E de fato qual é a forma mais antiga e mais original da família que encontramos e que podemos provar inegavelmente na história e ainda hoje estudar aqui e ali O casamento grupal a forma em que grupos inteiros de homens e grupos inteiros de mulheres se possuem mutuamente e que deixa pouco espaço para o ciúme Além disso encontramos em estágios posteriores do desenvolvimento a forma excepcional da poliandria que representa uma afronta direta a todos os sentimentos de ciúme e por conseguinte é desconhecida dos animais Porém visto que as formas de casamento grupal que conhecemos são acompanhadas de condições tão curiosamente complexas que elas necessariamente apontam para formas anteriores mais simples de relação sexual e desse modo em última instância para um período de relação indiscriminada correspondente à transição da animalidade para a humanidade essas referências aos casamentos animais nos levam justamente até o ponto do qual elas deveriam nos afastar de uma vez por todas Pois o que significa relação sexual indiscriminada Significa que não vigoravam as regras proibitivas atualmente vigentes ou vigentes em um período anterior ao atual Já vimos cair a barreira do ciúme Se alguma coisa estiver definida então é esta o ciúme é um sentimento que se desenvolveu em uma época relativamente tardia O mesmo vale para a concepção do incesto Não só irmão e irmã foram originalmente marido e mulher mas também a relação sexual entre paimãe e seus filhosfilhas é permitida ainda hoje em muitos povos Hubert Howe Bancroft The Native Races of the Pacific States of North America 1875 v I atesta isso para os índios caviatos do estreito de Behring para os cadiacos do Alasca para os tineses do interior da América do Norte britânica Letourneau compilou relatos do mesmo fato a respeito dos índios ojíbuas dos cucus do Chile dos caraíbas e dos carenes do Sudeste Asiático para não falar das narrativas dos gregos e romanos antigos a respeito dos partos persas citas hunos etc Antes de o incesto ser inventado e ele é uma invenção por sinal extremamente valiosa a relação sexual entre paimãe e seus filhosfilhas não era algo mais temível do que entre outras pessoas que pertenciam a gerações diferentes e isso acontece hoje inclusive nos países mais dados ao filistinismo sem provocar grande espanto até mesmo virgens de mais de sessenta anos se casam às vezes quando são suficientemente ricas com homens jovens de cerca de trinta anos Mas se excluirmos das formas mais originais de família que conhecemos as concepções de incesto vinculadas a elas concepções que são totalmente diferentes das nossas e com frequência as contradizem frontalmente chegaremos a uma forma de relação sexual que só pode ser descrita como indiscriminada Desregrada na medida em que ainda não existiam as restrições impostas mais tarde pelo costume Disso não resulta porém necessariamente uma práxis cotidiana totalmente multicolorida e caótica Acasalamentos individuais temporários não estão absolutamente excluídos do mesmo modo que até no casamento grupal eles agora constituem a maioria dos casos O mais recente negador desse estado originário Westermarck caracteriza como casamento toda condição em que os dois sexos permanecem como casal até o nascimento do rebento em relação a isso é preciso dizer que esse tipo de casamento podia muito bem ocorrer no estado da relação sexual indiscriminada sem contradizer o desregramento isto é a ausência de restrições à relação sexual impostas pelo costume Westermarck todavia parte da opinião de que o desregramento implica a supressão das propensões individuais de modo que a prostituição é sua forma mais autêntica i Pareceme no entanto que será impossível compreender as condições primitivas enquanto se olhar para elas da perspectiva do bordel Quando tratarmos do casamento grupal retomaremos esse ponto De acordo com Morgan esse estado originário da relação indiscriminada deu origem provavelmente bem cedo à 1 Família consanguínea que foi o primeiro estágio da família Neste os grupos que podem casarse são separados por gerações todos os avôs e todas as avós dentro dos limites da família são marido e mulher entre si assim como seus filhos e suas filhas ou seja os pais e as mães assim como os filhos e as filhas destes formarão por seu turno um terceiro círculo de cônjuges comuns e os filhos e as filhas destes que serão os bisnetos e as bisnetas dos primeiros constituirão o quarto círculo Nessa forma de família portanto somente ascendentes e descendentes paimãe e filhosfilhas estão excluídos tanto dos direitos quanto dos deveres como diríamos do casamento entre si Irmãos e irmãs primos e primas de primeiro grau de segundo grau e de graus mais afastados são todos irmãos e irmãs entre si e justamente por isso são todos marido e mulher uns dos outros Nesse estágio a relação entre irmão e irmã implica por si só o exercício da relação sexual recíproca 4 A configuração típica dessa família consistiria na descendência de um casal na qual por sua vez os descendentes de cada grau são irmãos e irmãs e justamente por isso maridos e mulheres entre si A família consanguínea está extinta Nem mesmo os povos mais rudimentares de que fala a história fornecem qualquer exemplo comprovável dela Mas ela deve ter existido o que nos força a pressupor isso é o sistema de parentesco havaiano que vigora até hoje em toda a Polinésia e expressa graus de consanguinidade que só podem ter surgido nessa forma de família o que nos força a pressupor isso ademais é todo o desenvolvimento posterior da família que condiciona aquela forma como préestágio necessário 2 Família punaluana Se o primeiro avanço da organização consistiu em excluir paimãe e filhosfilhas da relação sexual recíproca o segundo consistiu na exclusão de irmã e irmão Por causa da maior igualdade etária dos implicados esse avanço foi infinitamente mais importante mas também muito mais difícil do que o primeiro Ele se consumou aos poucos começando provavelmente j com a exclusão dos irmãos biológicos isto é os do lado materno da relação sexual primeiro em casos isolados e gradativamente tornandose a regra no Havaí houve exceções ainda neste século terminando com a proibição do casamento até entre irmãos colaterais isto é de acordo com a nossa nomenclatura filhos e filhas de irmãos e irmãs netosnetas e bisnetosbisnetas de irmãos e irmãs segundo Morgan esse avanço constitui uma excelente ilustração de como atua o princípio da seleção natural k Não há dúvida de que as tribos em que a endogamia foi coibida por esse avanço necessariamente se desenvolveram de forma mais rápida e plena do que aquelas em que o casamento entre irmãos permaneceu a regra e a lei E o efeito desse progresso se fez sentir de maneira poderosa prova disso é a instituição que foi muito além do que a princípio se pretendia da gens que constitui a base da ordem social da maioria dos povos bárbaros da Terra se não de todos eles e a partir da qual passamos diretamente para a civilização na Grécia e em Roma Toda família primitiva tinha de se dividir no mais tardar após algumas gerações A economia doméstica originalmente comunista que reinou sem exceção até uma fase avançada do período intermediário da barbárie condicionava o tamanho máximo da comunidade familiar que variava de acordo com as condições mas era bem determinado em cada localidade Assim que surgiu a ideia da impropriedade da relação sexual entre filhos e filhas da mesma mãe manifestouse necessária e concretamente nas divisões das antigas comunidades domésticas e na fundação de novas comunidades desse tipo que entretanto não coincidiam necessariamente com o grupo familiar Uma ou várias séries de irmãs se tornaram o núcleo de uma dessas comunidades e seus irmãos uterinos se tornaram o núcleo da outra Desse modo ou de modo similar surgiu da família consanguínea a família que Morgan denominou punaluana Segundo o costume havaiano certa quantidade de irmãs uterinas ou mais afastadas isto é primas de primeiro e segundo graus ou até de graus mais afastados tornavamse esposas em comum de esposos em comum dos quais porém seus irmãos eram excluídos esses homens não se chamavam mais entre si de irmãos o que eles também não precisavam mais ser mas de punalua isto é companheiro íntimo algo como associé associado Da mesma forma uma série de irmãos uterinos ou mais afastados tinha certa quantidade de mulheres que não eram suas irmãs em casamento comum e essas mulheres se chamavam entre si de punalua Essa é a formação clássica de família que mais tarde permitiu uma série de variações e cujo traço característico básico era o seguinte comunhão recíproca de homens e mulheres dentro de um determinado círculo familiar da qual no entanto estavam excluídos os irmãos das mulheres primeiro os uterinos mais tarde também os mais afastados e inversamente estavam excluídas portanto também as irmãs dos esposos Essa forma de família nos indica pois com a maior precisão possível os graus de parentesco expressos pelo sistema americano Os filhosfilhas das irmãs da minha mãe continuam sendo filhosfilhas dela do mesmo modo que os filhosfilhas dos irmãos do meu pai são filhosfilhas dele e todos são meus irmãosirmãs mas os filhosfilhas dos irmãos da minha mãe passam a ser sobrinhossobrinhas dela os filhosfilhas das irmãs do meu pai passam a ser sobrinhossobrinhas dele e todos são meus primosprimas Pois enquanto os esposos das irmãs da minha mãe continuam sendo esposos dela e da mesma forma as mulheres dos irmãos do meu pai ainda são esposas dele de direito embora nem sempre de fato a proscrição social da relação sexual entre irmãos e irmãs dividiu em duas classes os filhos dos irmãos e das irmãs que até então eram tratados indistintamente como irmãos e irmãs uns continuam sendo irmãos e irmãs mais afastados entre si os outros os filhosfilhas do irmão de um lado e os da irmã de outro não podem mais ser irmãos e irmãs entre si pois não podem ter mais pai e mãe em comum nem o pai nem a mãe nem ambos e por essa razão fazse necessário criar aqui pela primeira vez a classe dos sobrinhos e das sobrinhas dos primos e das primas que não teria sentido na ordem familiar anterior O sistema americano de parentesco que aparece como puro contrassenso na forma familiar baseada em qualquer tipo de casamento monogâmico é explicado racionalmente e fundamentado naturalmente até nos mínimos detalhes pela família punaluana A família punaluana ou uma forma muito parecida com ela l deve ter existido pelo menos na mesma proporção da difusão desse sistema de parentesco Essa forma de família que comprovadamente existiu no Havaí provavelmente se teria difundido em toda a Polinésia se os piedosos missionários como em seu tempo os monges espanhóis na América tivessem conseguido vislumbrar em tais relações anticristãs mais do que uma simples abominação 5 César relata a respeito dos bretões que naquela época se encontravam na fase intermediária da barbárie que cada dez ou doze deles tinham esposas em comum sendo as uniões em sua maioria de irmãos com irmãos e de pais com filhos m a melhor explicação para isso é o casamento grupal n As mães bárbaras não têm dez a doze filhos com idade suficiente para manter mulheres em comum mas o sistema de parentesco americano que corresponde ao da família punaluana fornece muitos irmãos porque todos os primos próximos e distantes de um homem são seus irmãos A expressão pais com filhos pode denotar uma compreensão equivocada de César nesse sistema não está excluída em absoluto a possibilidade de pai e filho ou mãe e filha se encontrarem no mesmo grupo conjugal mas sim pai e filha ou mãe e filho Do mesmo modo essa forma de casamento grupal ou outra semelhante o fornece a explicação mais simples para os relatos de Heródoto e outros autores antigos a respeito da comunhão de mulheres entre os povos selvagens e bárbaros Isso também vale para o que John Forbes Watson e John William Kaye The People of India contam dos ticuros em Aúde ao norte do rio Ganges Eles convivem quer dizer sexualmente quase indiscriminadamente em grandes comunidades e quando duas pessoas são tidas como casadas o laço é apenas nominal A instituição da gens parece terse originado na vasta maioria dos casos diretamente da família punaluana É verdade que o sistema de classes australiano também oferece um ponto de partida para ela os australianos têm gentes mas ainda não dispõem da família punaluana o que eles têm é uma forma mais rudimentar do casamento grupal p Em todas as formas de família grupal não se sabe ao certo quem é o pai de uma criança mas sabese bem quem é a mãe Mesmo que esta considere suas todas as crianças da família e tenha obrigações de mãe para com todas elas ela distingue das demais as crianças que ela própria gerou Está claro portanto que enquanto existe casamento grupal é possível comprovar a linhagem apenas pelo lado materno e portanto somente a linha materna é reconhecida Esse de fato é o caso entre todos os selvagens e povos que pertencem ao estágio inferior da barbárie e o grande mérito de Bachofen foi ter sido o primeiro a descobrir isso Ele denomina direito materno Mutterrecht esse reconhecimento exclusivo da linhagem pelo lado da mãe e das relações de herança dele resultantes mantenho essa designação em função da concisão Porém ela é equivocada porque nesse estágio social ainda não se pode falar de direito no sentido jurídico Ora se tomarmos um dos dois grupos típicos da família punaluana a saber o da série de irmãs uterinas e mais afastadas isto é de irmãs que descendem de irmãs uterinas em primeiro e segundo graus ou mesmo em graus mais afastados com seus filhosfilhas e irmãos uterinos ou mais afastados pelo lado materno que segundo nosso pressuposto não são seus maridos temos exatamente o círculo de pessoas que mais tarde aparecem como membros de uma gens na forma originária dessa instituição Em virtude da linhagem todos têm uma mãe ancestral comum da qual as descendentes femininas são irmãs de geração em geração Porém os maridos dessas irmãs não podem mais ser seus irmãos e portanto não podem descender dessa mãe ancestral ou seja não pertencem ao grupo aparentado por consanguinidade a posterior gens mas seus filhosfilhas pertencem a esse grupo visto que a descendência pelo lado materno é a única decisiva porque é a única da qual se tem certeza Uma vez estabelecida a proibição da relação sexual entre irmãos e irmãs inclusive parentes colaterais mais distantes pelo lado materno o grupo acima também se transformou em uma gens isto é também se constituiu em um círculo consistente de parentes consanguíneos pela linha feminina que não podem casarse entre si e que a partir daquele momento vai consolidandose cada vez mais por meio de outras instituições comuns sociais e religiosas e diferenciandose das demais gentes da mesma tribo Detalharemos isso mais adiante Porém quando descobrimos que a gens se desenvolve não apenas necessariamente mas até naturalmente a partir da família punaluana só falta um passo para presumirmos como quase certa a existência pregressa dessa forma de família em todos os povos para os quais é possível comprovar instituições gentílicas isto é para praticamente todos os bárbaros e povos civilizados q Quando Morgan escreveu seu livro nosso conhecimento acerca do casamento grupal ainda era bastante limitado Ainda não se sabia tanto sobre os casamentos grupais dos australianos organizados em classes e paralelamente Morgan já havia publicado em 1871 as informações que lhe vinham chegando sobre a família punaluana do Havaí r Por um lado a família punaluana forneceu a explicação completa para o sistema de parentesco vigente entre os índios americanos que fora o ponto de partida de todas as investigações de Morgan por outro constituiu o ponto de partida perfeito de onde se podia derivar a gens de direito materno por fim representou um estágio de desenvolvimento muito superior ao das classes australianas Em vista disso é compreensível que Morgan a concebesse como um estágio de desenvolvimento que necessariamente precedeu o do casamento do par e lhe atribuísse uma disseminação geral em tempos mais antigos Desde então tomamos conhecimento de uma série de outras formas de casamento grupal e sabemos que Morgan foi longe demais nesse ponto Porém de qualquer modo ele teve a sorte de depararse no caso de sua família punaluana com a forma suprema a forma clássica do casamento grupal a forma a partir da qual se explica mais facilmente a transição para uma forma superior O conhecimento que temos do casamento grupal ganhou um incremento fundamental graças ao missionário inglês Lorimer Fison que por muitos anos estudou essa forma da família em seu solo clássico a Austrália Ele encontrou o estágio de desenvolvimento mais baixo entre os negros australianos do Monte Gambier no sul da Austrália Ali toda a tribo é dividida em duas grandes classes os croquis e os cumites A relação sexual no interior de cada uma dessas classes é severamente malvista em contraposição todo homem de uma das classes é esposo nato de toda mulher da outra classe e esta é sua esposa nata Não os indivíduos mas os grupos inteiros são casados uns com os outros uma classe é casada com a outra classe E notese bem nesse ponto não se faz qualquer ressalva à diferença de idade ou à consanguinidade específica a não ser que isso seja condicionado pela divisão em duas classes exogâmicas Um croqui tem direito de tomar como esposa uma mulher cumite porém visto que sua própria filha por ser filha de uma mulher cumite é igualmente cumite pelo direito materno ela é esposa nata de todo croqui e portanto também de seu pai Pelo menos a organização em classes que temos diante de nós não impede isso Portanto ou essa organização surgiu em uma época em que a despeito do impulso obscuro de limitar a endogamia ainda não se via nada de especialmente hediondo na relação sexual entre paimãe e seus filhosfilhas nesse caso o sistema de classes teria surgido diretamente de um estado de relacionamento sexual indiscriminado Ou então a relação entre paimãe e seus filhosfilhas já era malvista pelo costume quando surgiram as classes nesse caso o estado atual remonta à família consanguínea e constitui o primeiro passo para fora dela O último caso é o mais provável Pelo que sei não se mencionam exemplos de relação conjugal entre paimãe e seus filhosfilhas na Austrália e também a forma posterior da exogamia a gens de direito materno via de regra pressupõe tacitamente a proibição dessa relação como algo que já se encontra dado em sua fundação O sistema de duas classes é bastante difundido além de existir na região do Monte Gambier no sul da Austrália encontrase também mais a leste na região do rio Darling e no nordeste em Queensland Só exclui os casamentos entre irmãos e irmãs entre os filhosfilhas dos irmãos e entre os filhosfilhas das irmãs pela linha materna por pertencerem à mesma classe em contrapartida os filhosfilhas da irmã e do irmão podem casarse Encontramos um avanço no impedimento da endogamia entre os camilarois na região do rio Darling em Nova Gales do Sul onde as duas classes originais foram divididas em quatro e cada uma dessas quatro classes é casada em bloco com outra classe bem determinada As primeiras duas classes são esposas natas umas das outras conforme a mãe pertença à primeira ou à segunda os filhosfilhas passam para a terceira ou quarta os filhosfilhas dessas duas classes casados um com o outro voltam a pertencer à primeira e à segunda classes Desse modo uma geração sempre pertence à primeira e segunda classes a geração seguinte à terceira e quarta a próxima de novo à primeira e segunda classes Assim filhosfilhas de irmãos e irmãs pelo lado materno não podem tornarse esposo e esposa mas netos e netas de irmãos e irmãs podem sêlo Essa ordem peculiarmente complexa torna se ainda mais intrincada quando em todo caso posteriormente são enxertadas nela as gentes de direito materno mas não podemos tratar disso aqui Percebese bem que o impulso para impedir a endogamia reiteradamente se manifesta com força mas de modo bem natural e experimental sem consciência clara do ponto aonde se quer chegar O casamento grupal que na Austrália ainda é casamento entre classes casamento em massa de uma classe inteira de homens muitas vezes disseminada por toda a amplidão do continente com uma classe de mulheres igualmente disseminada esse casamento grupal visto de perto não parece tão horrendo como imagina a fantasia filisteia habituada às atividades dos bordéis Pelo contrário demorou muitos anos até que se percebesse sua existência e até em tempos mais recentes essa existência voltou a ser questionada Ao observador superficial apresentase como um casamento monogâmico mais solto e em alguns momentos como uma poligamia acompanhada de infidelidade ocasional É preciso passar anos estudando como fizeram Lorimer Fison e Alfred William Howitt para descobrir a lei reguladora dessas situações matrimoniais cuja práxis parece antes familiar ao europeu comum a lei segundo a qual um negro australiano na condição de forasteiro milhares de quilômetros distante de sua terra natal entre pessoas cuja língua lhe é incompreensível ainda assim encontra de aldeia em aldeia de tribo em tribo mulheres que se entregam a ele sem oferecer resistência nem reclamar e segundo a qual aquele que tem várias mulheres cede uma delas ao hóspede para o pernoite Onde o europeu só vê imoralidade e ilegalidade na verdade vige uma lei rigorosa As mulheres pertencem à classe conjugal do forasteiro e por conseguinte são suas esposas natas a mesma lei consuetudinária que instrui o contato entre os dois proíbe sob pena de banimento qualquer relação fora das classes conjugais que se correspondem Mesmo quando mulheres são raptadas como acontece com frequência e em algumas regiões é a regra a lei das classes é rigorosamente observada Aliás no caso do rapto de mulheres já se percebe um vestígio da transição para o casamento monogâmico pelo menos na forma do casamento do par depois que o jovem rapta ou sequestra a menina com a ajuda de amigos todos eles um após o outro servemse sexualmente dela mas depois disso ela é considerada a esposa do jovem que organizou o rapto Em contrapartida se a mulher raptada consegue fugir do esposo e é pega por outro ela se torna esposa deste e o primeiro perde sua prerrogativa Ao lado e no interior do casamento grupal que subsiste em toda parte vãose compondo portanto relações de exclusividade vãose formando pares por períodos mais longos ou mais curtos paralelamente à poligamia de modo que o casamento grupal está em processo de extinção também ali só restando saber quem desaparecerá primeiro sob a influência europeia o casamento grupal ou os negros australianos que o praticam Em todo caso o casamento de classes inteiras como o vigente na Austrália é uma forma muito inferior e primitiva do casamento grupal ao passo que a família punaluana pelo que sabemos constitui seu estágio supremo de desenvolvimento A primeira forma é a que parece corresponder à condição social dos selvagens errantes enquanto a segunda já pressupõe assentamentos relativamente consolidados de comunidades comunistas e leva diretamente ao estágio seguinte de desenvolvimento Certamente ainda encontraremos outros estágios intermediários entre os dois temos diante de nós um campo de investigação que acabou de ser aberto mas ainda nem foi pisado 3 Família de um par Certa formação de pares por um prazo mais curto ou mais longo já acontecia no casamento grupal ou ainda antes o homem tinha uma esposa principal ainda não se poderia dizer esposa favorita entre as suas muitas mulheres e ele era para ela o principal esposo entre os demais Essa circunstância contribuiu consideravelmente para confundir a cabeça dos missionários que viam no casamento grupal s ora uma comunhão indiscriminada de mulheres ora um adultério arbitrário Porém essa formação de pares por costume tinha de se consolidar cada vez mais à medida que a gens ganhava forma definitiva e à proporção que aumentava a quantidade de classes de irmãos e irmãs entre os quais o casamento era impossível O impulso para o impedimento do casamento entre parentes consanguíneos dado por meio da gens levou ainda mais longe Assim descobrimos que entre os iroqueses e a maioria dos outros índios que se encontram no estágio mais baixo da barbárie é proibido o casamento entre os parentes enumerados pelo seu sistema que são várias centenas de tipos Nessa complexidade crescente de proibições do casamento os casamentos grupais foram sendo gradativamente impossibilitados eles foram substituídos pela família de um par Nesse estágio um homem mora com uma mulher mas de tal maneira que a poligamia e a infidelidade ocasional são mantidas como direitos dos homens mesmo que a primeira raramente ocorra por razões econômicas ao passo que das mulheres geralmente se exige a mais rigorosa fidelidade pelo tempo que durar a convivência e o adultério cometido por elas é cruelmente castigado Porém o laço matrimonial pode ser facilmente cortado por uma ou outra parte e os filhosfilhas continuam pertencendo exclusivamente à mãe Nessa exclusão cada vez mais exacerbada dos parentes consanguíneos do laço matrimonial também continua a atuar a seleção natural Nas palavras de Morgan Os casamentos entre gentes não consanguíneas geraram uma raça mais robusta em termos tanto físicos quanto espirituais duas tribos progressistas se mesclaram e os novos crânios e cérebros se dilataram naturalmente até abranger as capacidades de ambas t Desse modo as tribos de constituição gentílica necessariamente predominaram sobre as que ficaram para trás ou as arrastaram com o seu exemplo Consequentemente o desenvolvimento da família na PréHistória consiste no constante estreitamento do círculo dentro do qual vigora a comunhão conjugal entre os dois sexos e o qual originalmente abrangia toda a tribo Pela exclusão continuada primeiro dos parentes mais próximos depois dos cada vez mais afastados e por fim dos parentes meramente agregados pelo casamento todo tipo de casamento grupal acaba sendo inviabilizado na prática o que sobra no fim é o par unido ainda por um tempo por laços frouxos a molécula cuja dissolução faz com que o casamento como tal deixe de existir Já a partir disso fica evidente que o amor sexual individual no sentido atual do termo pouco teve a ver com o surgimento do casamento monogâmico Isso fica provado de modo ainda mais cabal pela práxis de todos os povos que se encontram nesse estágio Enquanto em formas anteriores de família os homens nunca estiveram mal supridos de mulheres tendoas pelo contrário em quantidade mais do que suficiente nesse novo estágio as mulheres se tornaram raras e requisitadas Por conseguinte a partir do casamento do par começa o rapto e a compra de mulheres sintomas muito difundidos mas nada além disso de uma mudança muito mais profunda já ocorrida entretanto esses sintomas meros métodos para arranjar mulheres foram reformulados pelo pedante escocês McLennan como casamento mediante rapto e casamento mediante compra em classes de famílias específicas Também de resto entre os índios americanos e em outras partes no mesmo estágio as tratativas para o casamento não são assunto dos envolvidos que muitas vezes nem são consultados mas de suas mães Com frequência duas pessoas totalmente desconhecidas são prometidas em casamento e inteiradas do negócio já fechado só quando se aproxima o momento de se casar Antes das núpcias o noivo dá presentes aos parentes gentílicos da noiva ou seja aos parentes por parte da mãe não ao pai e sua parentela e esses presentes são considerados o dote de compra pela moça cedida O casamento permanece dissolúvel pela vontade de qualquer dos dois cônjuges no entanto em muitas tribos como na dos iroqueses formouse uma opinião pública adversa a tais separações em caso de brigas os parentes gentílicos de ambos os lados interferem como mediadores e só quando isso não leva a nenhum resultado é que ocorre a separação permanecendo os filhosfilhas com a mulher e dali em diante cada parte está liberada para casar novamente se quiser A família de um par demasiado fraca e inconstante para tornar necessária ou até mesmo apenas desejável uma economia doméstica própria de modo algum elimina a economia doméstica comunista tradicional do período anterior Mas a economia doméstica comunista significa o domínio das mulheres na casa do mesmo modo que o reconhecimento exclusivo da mãe natural com a concomitante impossibilidade de se saber ao certo quem é o pai natural representa alta consideração pelas mulheres isto é pelas mães Uma das concepções mais absurdas advindas do Iluminismo do século XVIII é a de que no início da sociedade a mulher teria sido escrava do homem Entre todos os selvagens e todos os bárbaros do estágio inferior e intermediário e em parte também no estágio superior a mulher gozou não só de liberdade mas também de alta consideração O que ainda acontece no casamento do par do que é testemunha Arthur Wright por muitos anos missionário entre os iroqueses senecas Quanto a suas famílias na época em que ainda residiam nas velhas casas compridas economias domésticas comunistas de várias famílias ali sempre um clã uma gens tinha a supremacia de modo que as mulheres tomavam seus homens de outros clãs gentes Habitualmente a parte feminina mandava na casa as provisões eram comuns mas ai do marido ou amante infeliz que fosse muito preguiçoso ou desajeitado para contribuir com sua parte para as provisões Não importava quantos filhos ou o tamanho das posses que ele tinha dentro da casa a qualquer instante podia esperar a ordem de arrumar sua trouxa e escafederse E ele nem podia tentar resistir porque sua permanência se tornava inviável e a única saída que lhe restava era retornar ao seu próprio clã gens ou então o que geralmente acontecia procurar um novo casamento em outro clã As mulheres detinham o maior poder nos clãs nas gentes e também em toda parte Eventualmente elas não se importavam de destituir um chefe e rebaixálo à condição de simples guerreiro u A economia doméstica comunista na qual a maioria das mulheres ou todas elas pertencem à mesma gens mas os homens se distribuem por diferentes gentes constitui a base objetiva da supremacia das mulheres disseminada de modo geral nos tempos primevos têla descoberto é o terceiro mérito de Bachofen Acrescento ainda a observação de que os relatos de viajantes e missionários a respeito da sobrecarga de trabalho das mulheres entre os selvagens e bárbaros de nenhum modo contradizem o que foi dito A divisão do trabalho entre os dois sexos é condicionada por motivos muito diferentes do da posição da mulher na sociedade Os povos nos quais as mulheres têm de trabalhar bem mais do que deveriam segundo a nossa concepção demonstram muitas vezes maior respeito pelas mulheres do que os nossos europeus A dama da civilização cercada de pseudorreverências e estranhada de todo trabalho real ocupa uma posição social infinitamente mais baixa do que a mulher que trabalhava pesado no estágio da barbárie que em seu povo era tida como uma verdadeira dama lady frowa Frau senhora também por seu caráter Se atualmente o casamento do par já substitui inteiramente o casamento grupal v na América é uma questão a ser respondida pelas investigações sobre os povos da América que ainda se encontram no estágio superior do estado selvagem ou seja os do Noroeste e principalmente os do Sul A respeito destes últimos narramse tantos exemplos de licenciosidade sexual que nesse caso dificilmente se poderá contar com uma superação completa do antigo casamento grupal w Em todo caso ainda não desapareceram todos os vestígios dele Em pelo menos quarenta tribos americanas o homem que se casa com uma irmã mais velha tem o direito de desposar igualmente todas as irmãs desta assim que atingem a idade mínima exigida resquício da comunhão de homens por toda uma série de irmãs E a respeito dos habitantes da península californiana estágio superior do estado selvagem Bancroft relata que eles têm certas festividades em que várias tribos se reú nem com o propósito de praticar a relação sexual indiscriminada x Tratase evidentemente de gentes que nessas festas preservam a memória obscura de uma época em que as mulheres de uma gens tinham todos os homens da outra gens como esposos comuns e vice versa y O mesmo costume ainda vige na Austrália Entre alguns povos ocorre que os homens mais velhos os chefes guerreiros e os sacerdotes feiticeiros exploram a seu favor a comunhão de mulheres e monopolizam a maioria delas em compensação por ocasião de certas festas e grandes assembleias populares eles devem voltar a realizar a antiga comunhão e permitir que as mulheres se deliciem com os homens jovens Westermarck Edvard Westermarck The History of Human Marriage cit p 2829 traz uma série de exemplos dessas saturnálias periódicas em que a antiga relação sexual livre volta a vigorar por um breve tempo entre os hos os santalis os pandchas e os cotaros na Índia entre alguns povos africanos etc Curiosamente Westermarck tira a conclusão de que isso seria um resquício não do casamento grupal cuja existência ele nega mas do período de cio que o ser humano primitivo teria em comum com os demais animais Chegamos agora à quarta grande descoberta de Bachofen a descoberta da forma de transição amplamente difundida do casamento grupal para o de um par O que Bachofen expõe como penalidade pela violação dos antigos mandamentos dos deuses a penalidade com que a mulher adquire o direito à castidade é de fato apenas uma expressão mística da penalidade com que a mulher resgata a si mesma da antiga comunhão dos homens e adquire o direito de entregarse a apenas um homem Essa penalidade consiste em uma entrega restrita as mulheres babilônicas tinham de entregarse uma vez por ano no templo da deusa Milita outros povos do Oriente Próximo mandavam as moças passarem alguns anos no templo da deusa Anaitis onde deviam cultivar o amor livre com favoritos de sua escolha antes de terem permissão para se casar usos similares com disfarce religioso são comuns a quase todos os povos asiáticos situados entre o mar Mediterrâneo e o rio Ganges A expiação pelo resgate vai se tornando cada vez mais leve com o passar do tempo como já observa Bachofen A oferta repetida anualmente dá lugar à realização única o heterismo das matronas é substituído pelo das moças o exercício durante o casamento dá lugar ao exercício antes dele à entrega indiscriminada a todos seguese a entrega a certas pessoas Johann Jakob Bachofen Das Mutterrecht cit p xix Em outros povos falta o disfarce religioso entre alguns trácios celtas etc na Antiguidade muitos aborígines da Índia povos malaios habitantes das ilhas dos mares do Sul e muitos índios americanos ainda hoje até o casamento as moças gozam da maior liberdade sexual possível Principalmente em quase toda a América do Sul o que pode ser atestado por qualquer um que tenha adentrado mais para o interior É o que Luís Agassiz e Elizabeth Cary Agassiz A Journey in Brazil BostonNova York 1868 p 266 z relata a respeito de uma família rica de linhagem indígena quando foi apresentado à filha ele perguntou pelo pai dela pensando que seria o esposo da mãe que servia como oficial na guerra contra o Paraguai mas a mãe respondeu com um sorriso Não tem pai é filha da fortuna É dessa maneira que as mulheres índias ou mestiças falam sempre sem pudor ou censura dos filhos nascidos fora do casamento e isso está muito longe de ser incomum antes o contrário parece ser a exceção As crianças muitas vezes conhecem apenas sua mãe pois sobre esta recai todo o cuidado e toda a responsabilidade a respeito do pai elas nada sabem e à mulher nem parece ocorrer a ideia de que ela ou suas crianças teriam algum direito a ele O que parece estranho ao civilizado simplesmente é a regra conforme o direito materno e o casamento grupal Há ainda outros povos em que os amigos e os parentes do noivo ou os convidados da festa de casamento fazem valer durante as próprias núpcias o tradicional direito à noiva e o noivo é o último a ter vez foi assim nas ilhas Baleares e entre os augilas africanos na Antiguidade e ainda é assim entre os bareas na Abissínia Há outros ainda em que uma pessoa ocupando um cargo oficial o chefe da tribo ou da gens chefe guerreiro xamã sacerdote príncipe ou como quer que se chame exerce em nome da comunidade o direito à primeira noite com a noiva Apesar de todas as tentativas neorromânticas de tornálo apresentável esse jus primae noctis direito da primeira noite subsiste como resquício do casamento grupal entre a maioria dos habitantes da região do Alasca Hubert Howe Bancroft Native Races cit v I p 81 entre os taús no norte do México ibidem p 584 e entre outros povos e existiu em toda a Idade Média pelo menos em países originalmente celtas onde foi transmitido diretamente do casamento grupal como na Aragônia Ao passo que no reino de Castela o camponês nunca esteve submetido à servidão na Aragônia reinou a mais infame servidão até a sentença arbitral de Fernando o Católico em 1486 aa Nesse documento oficial consta o seguinte Julgamos e decidimos que os referidos senhores senyors barões também não poderão quando o camponês desposar uma mulher passar a primeira noite com ela nem poderão em sinal de domínio durante a noite de núpcias depois que a mulher tiver se recolhido à cama ir para cima da cama e da referida mulher tampouco poderão os referidos senhores servirse da filha ou do filho do camponês com ou sem pagamento contra a vontade deles O original em catalão é citado por Samuel Sugenheim Leibeigenschaft Petersburgo 1861 p 35 Além disso Bachofen tem toda a razão quando afirma de modo coerente que a transição do que ele chama de heterismo ou procriação pantanosa Sumpfzeugung para o casamento monogâmico se teria dado essencialmente por obra das mulheres À medida que as condições econômicas de vida se desenvolviam e portanto minavam o antigo comunismo e à medida que aumentava a densidade populacional as relações sexuais tradicionais iam perdendo seu caráter inocente de primitividade selvagem e na mesma proporção iamse tornando mais humilhantes e opressivas para as mulheres tornandose mais premente para elas o desejo da instituição do direito à castidade e ao casamento temporário ou permanente com um só homem como libertação A iniciativa para esse avanço jamais poderia partir dos homens já que até hoje em momento algum lhes ocorreu a ideia de renunciar às facilidades do casamento grupal real Somente depois que as mulheres tinham feito a transição para o casamento do par os homens puderam introduzir a monogamia estrita todavia só para as mulheres A família de um par surgiu na fronteira entre o estado selvagem e a barbárie geralmente já no estágio superior do estado selvagem e aqui e ali só no estágio inferior da barbárie Ela é a forma característica de família no período da barbárie a exemplo do casamento grupal para o período do estado selvagem e a monogamia para o da civilização Para continuar a desenvolvêla como monogamia consolidada foram necessários outros motivos além daqueles que encontramos em ação até agora Com a formação do par o grupo já havia se reduzido à sua última unidade à sua molécula de dois átomos um homem e uma mulher A seleção natural havia chegado ao seu termo mediante a exclusão contínua e coerente da comunhão conjugal nessa direção não havia mais nada que ela pudesse fazer Portanto se não entrassem em ação novas forças motrizes de cunho social não haveria razão para que a formação do par desse origem a uma nova forma de família Porém essas forças motrizes entraram em ação Deixemos agora a América solo clássico da família de um par Nenhum indício permite concluir que se desenvolveu ali uma forma mais elevada de família que ali antes do descobrimento e da conquista tenha havido alguma vez e em algum lugar uma monogamia consolidada Foi diferente no Velho Mundo Ali a domesticação de animais e a criação de rebanhos desenvolveram uma fonte de riqueza sem precedentes e criaram relações sociais totalmente novas Até o estágio inferior da barbárie a riqueza permanente se limitava praticamente à casa a roupas a joias brutas e a ferramentas para a obtenção e preparação da comida barco armas utensílios domésticos de tipo muito simples A alimentação tinha de ser obtida dia a dia Mas então com a formação dos rebanhos de cavalos camelos jumentos bovinos ovinos caprinos e suínos os povos pastoris em formação os arianos da Terra dos Cinco Rios e da região do rio Ganges na Índia bem como das estepes dos rios Oxo e Jaxartes naquela época ainda ricas em água os semitas do Eufrates e do Tigre adquiriram uma propriedade que necessitava apenas de vigilância e cuidados básicos para se reproduzir em número cada vez maior e fornecer alimentação abundante composta de leite e carne Todos os meios anteriores de obtenção de alimentos passaram para o segundo plano a caça anteriormente uma necessidade passou a ser um artigo de luxo Porém a quem pertencia essa nova riqueza Originalmente sem dúvida à gens Mas em pouco tempo deve terse desenvolvido também a propriedade privada dos rebanhos É difícil dizer se para o autor do chamado livro primeiro de Moisés Gênesis o patriarca Abraão era o possuidor de seus rebanhos em virtude de um direito próprio como chefe de uma comunidade de famílias ou em virtude de sua qualidade de líder hereditário efetivo de uma gens Podemos estar certos de que ele não deve ser imaginado como proprietário no sentido moderno do termo Além disso temos certeza de que no limiar da história acreditada por documentos os rebanhos já aparecem em toda parte como propriedade específica ab de chefes de famílias a exemplo das produções artísticas da barbárie os utensílios de metal os artigos de luxo e por fim o gado humano os escravos Pois na mesma linha também já havia sido inventada a escravidão Para o bárbaro do estágio inferior o escravo não tinha valor Essa é a razão pela qual os índios americanos procediam com os inimigos vencidos de modo totalmente diferente do que acontecia em um estágio mais elevado Os homens eram mortos ou então recebidos na tribo dos vencedores como irmãos as mulheres eram dadas em casamento ou igualmente adotadas com suas crianças sobreviventes Nesse estágio a mão de obra humana ainda não fornece um excedente digno de nota sobre os custos para sustentála Com a introdução da criação de gado do processamento do metal da tecelagem e por fim da atividade agrícola isso mudou O que aconteceu com as esposas que antes eram fáceis de conseguir e passaram a ter valor de troca ac e a serem compradas aconteceu também com a mão de obra especialmente depois que os rebanhos passaram definitivamente a ser posse das famílias ad A família não se multiplicava tão rapidamente quanto o gado Mais pessoas eram necessárias para vigiálo na condição de prisioneiro de guerra o inimigo podia ser usado para esse fim e além disso podia perfeitamente ser criado e reproduzido como o próprio gado Assim que passaram a ser posse privada das famílias ae e foram rapidamente multiplicadas essas riquezas representaram um duro golpe para a sociedade fundada sobre o casamento do par e a gens de direito materno O casamento do par introduzira um elemento novo na família Ao lado da mãe natural colocara o pai natural acreditado que provavelmente gozava de mais crédito do que muitos pais de hoje em dia De acordo com a divisão do trabalho na família naquele tempo cabia ao homem a obtenção dos alimentos e dos instrumentos de trabalho necessários para isso e portanto também a propriedade destes últimos em caso de separação ele os levava consigo assim como a mulher ficava com os utensílios domésticos Portanto segundo o costume da sociedade daquele tempo o homem também era proprietário das novas fontes de alimentos do gado e mais tarde do novo instrumento de trabalho os escravos Porém de acordo com o costume da mesma sociedade seus descendentes não podiam herdar dele pois nesse tocante a situação era como se segue Conforme o direito materno ou seja enquanto a linhagem foi considerada apenas pela linha feminina e de acordo com o uso hereditário primitivo praticado na gens os parentes gentílicos herdavam inicialmente dos membros gentílicos falecidos O patrimônio deveria permanecer na gens Diante de sua insignificância pode ser que na prática esses bens tenham passado desde sempre para os parentes gentílicos mais próximos ou seja para os parentes consanguíneos do lado materno Porém filhosfilhas do homem falecido não pertenciam à sua gens mas à de sua mãe no começo eles herdaram dos demais parentes consanguíneos da mãe e mais tarde talvez em primeira linha desta não podendo porém herdar de seu pai porque não pertenciam à sua gens na qual o patrimônio deste deveria permanecer Por ocasião da morte do proprietário dos rebanhos estes teriam passado portanto primeiro para os irmãos e irmãs dele e para os filhos e filhas das irmãs dele ou para os descendentes das irmãs de sua mãe Mas seus filhos e filhas ficavam sem herança Portanto à medida que se multiplicavam as riquezas por um lado proporcionavam ao homem uma posição mais importante do que a da mulher na família e por outro geravam o impulso para valerse dessa posição fortalecida a fim de derrubar a sucessão hereditária em favor de seus filhosfilhas Mas isso não foi possível enquanto vigorou a linhagem segundo o direito materno Era esta portanto que tinha de ser derrubada e ela o foi Isso nem foi tão difícil como parece hoje Pois essa revolução uma das mais incisivas que a humanidade vivenciou não precisou tocar em nem sequer um dos membros vivos de uma gens Todos os integrantes da gens permaneceram exatamente como estavam Bastou tomar a simples resolução de que dali por diante os descendentes dos membros masculinos permaneceriam na gens mas os dos membros femininos deveriam ser excluídos passando para a gens do pai Desse modo o estabelecimento da linhagem pela linha feminina e o direito hereditário materno foram derrubados e a linhagem masculina e o direito hereditário masculino foram instituídos Nada sabemos sobre como e quando essa revolução se deu entre os povos civilizados Ela ocorreu inteiramente na época préhistórica Mas o fato de que ocorreu está mais do que comprovado pelos vestígios abundantes de direito materno reunidos principalmente por Bachofen a facilidade com que foi levada a cabo pode ser constatada em uma série de tribos indígenas nas quais ela ocorreu recentemente e ainda está ocorrendo em parte em razão do crescimento das riquezas e dos novos modos de vida mudança das florestas para as pradarias em parte por influência moral da civilização e dos missionários De oito tribos missouris seis têm linhagem e sucessão hereditária masculinas mas duas ainda têm as femininas Entre shawnees miamies e delawares adotouse o costume de implantar filhosfilhas na gens do pai dandolhes um nome gentílico pertencente a esta para que pudessem herdar do pai Casuística inata do ser humano a de mudar as coisas mudandolhes o nome E encontrar maneiras escusas de romper a tradição a partir da tradição quando suficientemente motivado por um interesse direto Marx Isso deu origem a uma confusão insanável que só poderia ser remediada e em parte foi pela transição para o direito paterno Essa parece ter sido em geral a transição mais natural Marx A respeito do que os juristas comparativos sabem nos dizer sobre o modo como essa transição se deu entre os povos civilizados do Velho Mundo todavia quase só hipóteses confira Maxim Kovalevski Tableau des origines et de lévolution de la famille et de la propriété Estocolmo 1890 af A derrubada do direito materno representou a derrota do sexo feminino no plano da história mundial O homem assumiu o comando também em casa a mulher foi degradada escravizada tornouse escrava do desejo do homem e mero instrumento de procriação Essa posição humilhante da mulher que aflora principalmente entre os gregos do período heroico e mais ainda do período clássico foi gradativamente floreada e dissimulada e em parte revestida de formas atenuadas mas de modo algum foi eliminada O primeiro efeito da recémfundada autocracia dos homens manifesta se na forma intermediária da família patriarcal que então emerge Sua principal característica não é a poligamia da qual falaremos mais adiante mas a organização de um certo número de pessoas livres e não livres em uma família sob o poder paterno do chefe da família Na forma semítica esse chefe de família vive em poligamia os não livres têm mulher e filhosfilhas e a finalidade de toda a organização é a manutenção de rebanhos em uma região delimitada ag O essencial é a incorporação de não livres e do poder paterno em consequência o tipo consumado dessa forma de família é a família romana Originalmente a palavra familia não significava o ideal do filisteu de nossa época composto de sentimentalismo e discórdia doméstica entre os romanos nem mesmo se fazia referência ao casal e a seus filhos e filhas mas unicamente aos escravos Famulus designa o escravo doméstico e familia é o conjunto de escravos que pertencem a um homem Ainda na época de Gaio a familia id est patrimonium família isto é a herança era legada por testamento A expressão foi inventada pelos romanos para designar um novo organismo social cujo chefe submetia mulher filhos e filhas e certo número de escravos ao seu poder paterno romano com direito de vida e morte sobre todos eles Portanto a palavra não é mais antiga que o sistema familiar encouraçado das tribos latinas que despontou após a introdução da atividade rural e da escravidão legal e após a separação entre os ítaloarianos e os gregos ah Marx acrescenta A família moderna contém em seu cerne não só a escravidão servitus mas também a servidão feudal já que desde o início tem relação com os serviços agrícolas Ela contém em miniatura todos os antagonismos que mais tarde se desenvolveriam na sociedade e em seu Estado Essa forma de família evidencia a transição do casamento do par para a monogamia A fim de assegurar a fidelidade da mulher e portanto a paternidade dos filhosfilhas a mulher é submetida incondicionalmente ao poder do homem quando ele a mata está apenas exercendo seu direito ai Com a família patriarcal pisamos no território da história escrita e desse modo no campo em que a ciência jurídica comparativa pode nos prestar um auxílio significativo E de fato nesse ponto ela nos propiciou um progresso essencial Devemos a Maxim Kovalevski Tableau etc des origines et de lévolution de la famille et de la propriété Estocolmo 1890 p 60100 a demonstração de que a cooperativa doméstica patriarcal na forma como ainda a encontramos hoje entre sérvios e búlgaros com o nome de zádruga a ser traduzido por laço de amizade ou bratswo fraternidade e sob uma forma modificada entre os povos orientais constituiu o estágio de transição entre a família de direito materno originária do casamento grupal e a família individual do mundo moderno Pelo menos para os povos civilizados do Velho Mundo para arianos e semitas isso parece estar demonstrado A zádruga dos eslavos meridionais oferece o melhor exemplo ainda vivo dessa comunidade familiar Ela abrange várias gerações de descendentes de um mesmo pai os quais vivem juntos com suas esposas em torno de um mesmo pátio cultivam juntos os seus campos alimentam se e vestemse com os recursos de um fundo comum e possuem juntos o excedente da colheita A comunidade está sujeita ao poder supremo do dono da casa domačin que a representa diante do mundo exterior pode vender objetos menores controla o dinheiro e é responsável por ele assim como pelo andamento regular dos negócios Ele é eleito e não precisa ser o mais velho As mulheres e seus trabalhos estão sob a direção da dona da casa domačica que costuma ser a esposa do domačin Ela também tem voz importante e com frequência decisiva na escolha do esposo das moças Porém quem detém o poder supremo é o conselho da família a assembleia de todos os cooperados adultos tanto mulheres quanto homens O dono da casa presta contas à assembleia e ela formula as resoluções decisivas exerce a jurisdição sobre os membros toma decisões sobre compras e vendas de alguma importância principalmente relativas à posse terras etc Há apenas dez anos se comprovou que essas grandes cooperativas familiares existem também na Rússia aj reconhecese de modo geral que elas têm raízes profundas no costume popular russo tanto quanto a obschina ou comunidade rural Elas figuram no código legal mais antigo da Rússia no Pravda de Iaroslav ak com a mesma designação vervi com que aparecem nas leis dalmáticas al podendo ser comprovadas também nas fontes históricas polonesas e tchecas Também entre os germanos segundo Heusler Institutionen des deutschen Rechts am originalmente a unidade econômica não era a família individual no sentido moderno mas a cooperativa doméstica Hausgenossenschaft composta de várias gerações ou então famílias individuais muitas vezes incluindo indivíduos não livres A família romana também é derivada desse tipo e por isso o poder absoluto do pai da família bem como a ausência de direitos dos demais membros da família em relação a ele tem sido muito questionado em tempos recentes Supõese que entre os celtas da Irlanda tenham existido cooperativas familiares semelhantes na França elas sobreviveram no Nivernais até a Revolução Francesa com o nome de parçonneries e até hoje na FrancheComté elas não se extinguiriam totalmente Na região de Louhans SaôneetLoire veemse casarões de camponeses com um salão central que chega até o telhado e em volta dele dormitórios aos quais se chega por escadas de seis a oito degraus e nos quais habitam várias gerações de uma mesma família Na Índia a cooperativa doméstica com cultivo conjunto da terra é mencionada já por Nearco an na época de Alexandre Magno e subsiste ainda hoje na mesma região no Panjabe e em todo o Noroeste do país No Cáucaso Kovalevski pôde comprovar sua existência pessoalmente Na Argélia ainda subsiste entre os cabilas Supõese que até na América ela tenha existido pretendendose descobrila nas calpullis descritas por Zurita no México antigo ao em contraposição Cunow Ausland 1890 n 424 ap provou muito claramente que no Peru havia na época da conquista uma espécie de constituição da marca de fronteira que curiosamente também se chamava Mark marca com divisão periódica da terra cultivada ou seja ali vigorava o cultivo individual Em todo caso essa cooperativa doméstica patriarcal com posse comum da terra e cultivo comunitário ganha um significado bem diferente do que tinha até agora Não podemos mais duvidar do papel importante de transição que ela desempenhou entre os povos civilizados e alguns outros povos do Velho Mundo a saber a transição entre a família de direito materno e a família individual Mais adiante retomaremos a conclusão a que Kovalevski chegou além dessa isto é que ela representou igualmente o estágio de transição a partir do qual se desenvolveu a comunidade rural ou da marca com cultivo individual e subdivisão primeiro periódica e depois definitiva da terra de cultivo e de pastagem No que se refere à vida familiar no âmbito dessas cooperativas domésticas devese observar que pelo menos na Rússia o dono da casa era famoso por abusar de sua posição em relação às mulheres mais jovens da cooperativa especialmente em relação às noras muitas vezes constituindo um harém com elas quanto a isso as canções populares russas são bastante eloquentes Antes de passarmos para a monogamia que se desenvolveu rapidamente após a derrocada do direito materno ainda diremos alguma coisa sobre a poligamia e a poliandria Essas duas formas de casamento só podem ser exceções produtos históricos de luxo por assim dizer a não ser que ocorram simultaneamente em todo um país e reconhecidamente não é o caso Portanto visto que os homens excluídos da poligamia não teriam como se consolar com as mulheres que sobraram da poliandria e que a quantidade de homens e mulheres sem levar em consideração as instituições sociais tem sido bastante homogênea até agora está automaticamente excluída a possibilidade de se elevar uma dessas duas formas de casamento à condição de forma globalmente vigente De fato a poligamia de um homem evidentemente era produto da escravidão e limitavase a casos individuais excepcionais Na família patriarcal semítica só o patriarca e no máximo alguns de seus filhos vivem em poligamia enquanto os demais precisam se contentar com uma mulher É assim até hoje em todo o Oriente a poligamia é um privilégio dos ricos e nobres e as mulheres são recrutadas principalmente por meio da compra de escravas a massa do povo vive em monogamia Uma exceção do mesmo tipo é a poliandria na Índia e no Tibete cuja origem certamente interessante no casamento grupal aq ainda deve ser mais bem examinada Aliás em sua práxis ela parece ter bem menos atritos do que o harém dos maometanos movido pelo ciúme Pelo menos entre os naires na Índia três quatro ou mais homens têm uma mulher comum mas cada um também pode ter uma segunda mulher em comum com outros três ou mais homens e assim também uma terceira quarta etc É um milagre que MacLennan não tenha descoberto nesses clubes conjugais que ele próprio descreveu em que é possível ser membro de mais de um ao mesmo tempo a nova classe do casamento de clube Aliás essa atividade dos clubes conjugais não é de modo algum poliandria de fato pelo contrário como já observou Giraud Teulon é uma forma especializada de casamento grupal os homens vivem em poligamia as mulheres em poliandria ar 4 Família monogâmica Ela surge da família de um par como foi mostrado na fronteira entre os estágios intermediário e superior da barbárie sua vitória definitiva é uma das marcas distintivas da civilização incipiente Ela se funda no domínio do homem com a finalidade expressa de gerar filhos com paternidade inquestionável e essa paternidade é exigida porque um dia os filhos deverão assumir como herdeiros naturais o patrimônio paterno Ela se diferencia do casamento do par pela solidez do laço matrimonial que já não pode mais ser dissolvido quando aprouver a qualquer das partes Via de regra só o homem ainda pode dissolvêlo e repudiar a esposa O direito à infidelidade conjugal também lhe permanece assegurado pelo menos pelo costume o Code Napoléon o concede expressamente ao homem desde que não traga a amante para dentro da casa matrimonial as e com o desenvolvimento social crescente ele é exercido cada vez mais se a mulher traz à memória a antiga práxis social e quer renovála ela é castigada com uma severidade sem precedentes Encontramos essa nova forma de família com toda a sua dureza entre os gregos Enquanto a posição das deusas na mitologia como observa Marx nos confronta com um período mais antigo em que as mulheres ainda gozavam de mais liberdade e respeito no período heroico encontramos a mulher at já rebaixada pela supremacia do homem e pela concorrência das escravas Leiase na Odisseia como Telêmaco manda sua mãe se retirar aos seus aposentos Em Homero as jovens capturadas são alvo da volúpia dos vencedores os comandantes escolhem as mais bonitas de acordo com uma ordem estabelecida pela hierarquia como se sabe toda a Ilíada gira em torno da briga entre Aquiles e Agamenon por causa de uma dessas escravas Para cada herói homérico de importância mencionase a prisioneira de guerra com a qual ele compartilha sua tenda e sua cama Essas moças também eram levadas para a pátria e para a casa matrimonial dos heróis como Agamenon faz com Cassandra em Ésquilo os filhos gerados com essas escravas recebem uma pequena parte da herança paterna e são considerados plenamente livres Teucro é um desses filhos extramatrimoniais de Télamon e tem permissão para usar o nome do pai Da esposa esperase que aceite tudo mas ela própria deve manter castidade rigorosa e fidelidade ao cônjuge De fato a mulher grega da época heroica é mais respeitada do que a do período civilizado mas no fim das contas ela é para o homem apenas a mãe de seus herdeiros matrimoniais a suprema gestora da casa e a líder das escravas que ele pode tomar a seu belprazer e de fato toma como concubinas É a existência da escravidão ao lado da monogamia a presença de escravas jovens e belas que pertencem por inteiro ao homem que imprime desde o início à monogamia o seu caráter específico ser monogamia apenas para a mulher mas não para o homem E esse caráter ela mantém até hoje No tocante aos gregos de épocas posteriores temos de diferenciar entre dórios e jônios Os primeiros cujo exemplo clássico é Esparta sob alguns aspectos ainda têm relações matrimoniais de cunho até mais antigo do que o exposto por Homero Em Esparta vigora o casamento do par modificado pelo Estado de acordo com as concepções ali vigentes esse casamento ainda evoca algumas reminiscências do casamento grupal Os casamentos sem filhos são desfeitos o rei Anaxândrides em torno de 560 antes da nossa era tomou além de sua esposa sem filhos uma segunda esposa e manteve duas casas na mesma época o rei Aríston tomou além das duas esposas estéreis uma terceira mas em compensação mandou embora uma das primeiras Em contrapartida vários irmãos podiam ter uma mulher em comum o amigo que se agradou mais da esposa do amigo podia partilhála com ele e era considerado decente pôr a esposa à disposição de um garanhão viril como diria Otto von Bismarck mesmo que este não fosse um cidadão De uma passagem de Plutarco na qual uma espartana manda o amante que a perseguia com propostas falar com seu marido podese deduzir segundo Schoemann até mesmo uma liberalidade ainda maior dos costumes au Por isso o adultério de fato a infidelidade da mulher às escondidas do homem era algo inaudito Em contrapartida a escravidão doméstica não era conhecida em Esparta pelo menos em seu apogeu os servos hilotas viviam isolados nas fazendas esse fato reduziu a tentação dos espartanos de cobiçar as mulheres deles Por todas essas circunstâncias nem podia ser diferente que as mulheres de Esparta tivessem uma posição bem mais respeitada do que entre os demais gregos As espartanas e a elite das heteras atenienses são as únicas mulheres gregas das quais os antigos falam com respeito e as quais julgaram dignas de ter suas declarações registradas Bem diferente é a situação entre os jônios dos quais Atenas é o exemplo característico As meninas aprendiam apenas a fiar a tecer e a costurar quando muito a ler e a escrever alguma coisa Elas viviam praticamente trancafiadas e andavam em público somente em companhia de outras mulheres Habitavam um cômodo isolado da casa situado no andar superior ou nos fundos cujo acesso não era fácil para os homens principalmente os estranhos ali elas se recolhiam quando havia visita masculina As mulheres não saíam a não ser em companhia de uma escrava em casa eram mantidas sob vigilância rigorosa Aristófanes fala de cães molossos para intimidar os adúlteros e para vigiar as mulheres pelo menos nas cidades asiáticas havia eunucos que desde a época de Heródoto eram produzidos em Quios para o comércio e de acordo com Wachsmuth av não serviam apenas aos bárbaros Em Eurípides a mulher é chamada de oikurema coisa destinada a prover a casa o gênero da palavra é neutro e excetuando a atividade de procriação para os atenienses ela não passava da principal serva doméstica O homem tinha seus exercícios de ginástica seus negócios públicos dos quais a mulher estava excluída além disso muitas vezes tinha ainda escravas à disposição e nos tempos áureos de Atenas uma prostituição ampla e no mínimo favorecida pelo Estado Foi exatamente com base nessa prostituição que se desenvolveram os únicos caracteres femininos gregos que por seu espírito e bom gosto artístico se destacaram tanto em relação ao nível geral da feminilidade antiga quanto as espartanas se destacavam por seu caráter Porém o fato de que primeiro elas tinham de se tornar heteras para vir a ser mulheres constitui a condenação mais severa da família ateniense No decorrer do tempo essa família ateniense se tornou o modelo a partir do qual não só todos os jônios como também cada vez mais os gregos da metrópole e das colônias constituíram suas relações domésticas Porém apesar de toda clausura e vigilância as mulheres gregas tinham ocasiões de sobra para enganar seus esposos Estes que se teriam envergonhado de dar qualquer demonstração de amor pelas esposas divertiamse com todo tipo de folguedos amorosos com heteras mas o aviltamento das mulheres se voltou contra os próprios homens aviltandoos também a ponto de se afundarem na atividade repulsiva da pederastia e da mesma forma aviltando seus deuses por meio do mito de Ganimedes Essa foi a origem da monogamia na medida em que conseguimos acompanhála no povo mais civilizado e mais desenvolvido da Antiguidade De modo algum foi fruto do amor sexual individual com o qual não teve absolutamente nada a ver já que os casamentos do começo ao fim continuaram a ser atos de conveniência A monogamia foi a primeira forma de família que não se fundou em condições naturais mas em condições econômicas aw a saber sobre a vitória da propriedade privada sobre a propriedade comum primitiva de origem natural Soberania do homem na família e geração de filhos que só podiam ser dele próprio e estavam destinados a ser herdeiros de suas riquezas estes eram os fins exclusivos do casamento monogâmico declarados abertamente como tais pelos gregos De resto o casamento monogâmico era um fardo para eles um dever para com os deuses o Estado e seus antepassados que por isso mesmo tinha de ser cumprido Em Atenas a lei obrigava o homem não só a se casar mas também a cumprir minimamente os chamados deveres conjugais ax Assim o casamento monogâmico de modo algum entra na história como a reconciliação entre homem e mulher muito menos como sua forma suprema Pelo contrário Ele entra em cena como a subjugação de um sexo pelo outro como proclamação de um conflito entre os sexos desconhecido em toda a história pregressa Em um antigo manuscrito inédito elaborado por Marx e por mim em 1846 encontro o seguinte A primeira divisão do trabalho foi a que ocorreu entre homem e mulher visando à geração de filhos ay E hoje posso acrescentar o primeiro antagonismo de classes que apareceu na história coincide com o desenvolvimento do antagonismo entre homem e mulher no casamento monogâmico e a primeira opressão de classe coincide com a do sexo feminino pelo sexo masculino O casamento monogâmico foi um grande progresso histórico mas ao mesmo tempo inaugura ao lado da escravidão e da riqueza privada a época que perdura até hoje em que cada progresso constitui simultaneamente um retrocesso relativo em que o bemestar e o desenvolvimento de uns se impõem pela dor e pela opressão de outros É a forma celular da sociedade civilizada na qual já podemos estudar a natureza dos antagonismos e das contradições que nela se desdobrarão plenamente A antiga liberdade relativa da relação sexual não desapareceu com a vitória do casamento do par ou mesmo do casamento monogâmico O velho sistema de casamento reduzido a limites mais estreitos pela extinção gradativa dos grupos punaluanos continuou acompanhando a família em desenvolvimento e se manteve com ela até o despontar da civilização Ele acabou desaparecendo na nova forma do heterismo que acompanha os seres humanos até na civilização como uma sombra escura projetada sobre a família az Morgan entende por heterismo a relação sexual que acontece paralelamente ao casamento monogâmico e é praticada pelos homens com mulheres solteiras que como se sabe floresce durante todo o período da civilização sob as mais diferentes formas e se converte cada vez mais em franca prostituição ba Esse heterismo deriva diretamente do casamento grupal do sacrifício de entrega das mulheres com o qual elas compraram para si o direito à castidade A entrega por dinheiro foi primeiramente um ato religioso que tinha lugar no templo da deusa do amor e o dinheiro era destinado originalmente ao tesouro do templo As hierodulas da deusa Anaitis na Armênia e da deusa Afrodite em Corinto assim como as jovens dançarinas religiosas ligadas aos templos na Índia as chamadas baiaderas corruptela da palavra portuguesa bailadeira dançarina foram as primeiras prostitutas A entrega sexual originalmente dever de toda mulher foi mais tarde exercida exclusivamente por essas sacerdotisas representando todas as demais Em outros povos o heterismo é derivado da liberdade sexual permitida às moças antes do casamento e portanto igualmente um resquício do casamento grupal só que transmitido a nós por outra via Com o despontar da disparidade de propriedade portanto no estágio superior da barbárie aparece o trabalho assalariado esporadicamente ao lado do trabalho escravo e ao mesmo tempo como seu correlato necessário a prostituição profissional de mulheres livres ao lado da entrega sexual forçada da escrava Desse modo a herança que o casamento grupal legou à civilização tem dois lados assim como tudo que a civilização produz tem dois lados é equívoco ambíguo antagônico de um lado a monogamia de outro o heterismo com sua forma extrema a prostituição Pois o heterismo é uma instituição social como qualquer outra ele dá continuidade à antiga liberdade sexual a favor dos homens Na realidade ele é condenado da boca para fora pois não só é tolerado como conta com participação entusiástica principalmente das classes dominantes Essa condenação na realidade de nenhum modo atinge os homens mas tão somente as mulheres elas são proscritas e expulsas e com isso visase proclamar uma vez mais a dominação incondicional dos homens sobre o sexo feminino como lei fundamental da sociedade Desse modo no entanto desenvolvese um segundo antagonismo dentro da própria monogamia Ao lado do esposo que embeleza sua existência com o heterismo encontrase a esposa negligenciada bb E não se pode ter um dos lados do antagonismo sem o outro do mesmo modo que não se pode ter uma maçã inteira na mão depois de se ter comido metade dela Apesar disso essa parece ter sido a opinião dos homens até que as mulheres lhes deram uma lição Com o casamento monogâmico entram em cena dois personagens sociais constantes que antes eram desconhecidos o sempre presente amante da mulher e o marido traído Os homens haviam obtido a vitória sobre as mulheres mas a coroação foi generosamente assumida pelas derrotadas Ao lado do casamento monogâmico e do heterismo o adultério se tornou uma instituição social inevitável desaprovado duramente punido mas impossível de reprimir A paternidade inequívoca das crianças se baseava quando muito na convicção moral e para solucionar a contradição sem solução o Code Napoléon decretou em seu artigo 312 Lenfant conçu pendant le mariage a pour père le mari A criança concebida durante o casamento terá por pai o marido Esse é o resultado de três mil anos de casamento monogâmico Assim nos casos que permanecem fiéis à gênese histórica da família individual e que evidenciam o conflito entre homem e mulher expresso pelo domínio exclusivo do homem temos uma imagem em miniatura dos mesmos antagonismos e das mesmas contradições em que se move a sociedade dividida em classes desde o início da civilização sem ser capaz de resolvê los nem de superálos Falo aqui naturalmente só dos casamentos monogâmicos nos quais a vida conjugal transcorre segundo a prescrição do caráter original da instituição como um todo e nos quais a mulher se rebela contra o domínio do homem Mas nem todos os casamentos transcorrem desse modo quem sabe disso melhor do que ninguém é o filisteu alemão que não é capaz de proteger seu domínio nem em casa nem no Estado e por conseguinte sua mulher com toda razão veste as calças das quais ele não é digno Em compensação ele se acha muito superior ao seu colega de infortúnio francês que passa por coisas piores com frequência bem maior do que ele Aliás a família individual não aparece em todo lugar e em todas as épocas sob a forma grosseira clássica que tinha entre os gregos Entre os romanos que como futuros conquistadores do mundo possuíam um olhar mais amplo ainda que fosse menos refinado do que o dos gregos a mulher era mais livre e mais respeitada O romano acreditava que a fidelidade conjugal estava suficientemente assegurada por seu poder de vida e morte sobre a mulher No caso dos romanos se quisesse a mulher podia dissolver o casamento tanto quanto o homem Mas o maior avanço no desenvolvimento do casamento monogâmico ocorreu decididamente com o ingresso dos germanos na história mais exatamente porque entre eles naquela época decerto por causa de sua pobreza a monogamia pelo visto ainda não evoluíra plenamente do casamento do par Deduzimos isso de três circunstâncias mencionadas por Tácito primeiro não obstante o casamento ser considerado sumamente sagrado eles se contentam com uma só mulher e as mulheres vivem protegidas pela castidade bc a poligamia ainda vigorava para nobres e chefes tribais ou seja tratavase de um estado similar ao dos americanos entre os quais vigorava o casamento do par Em segundo lugar a transição do direito materno para o direito paterno só pode ter acontecido pouco tempo antes pois o irmão da mãe o parente gentílico masculino mais próximo segundo o direito materno ainda era considerado um parente quase mais chegado do que o próprio pai igualmente em consonância com o ponto de vista dos índios americanos entre os quais Marx encontrou como disse muitas vezes a chave para a compreensão do nosso próprio tempo primitivo E em terceiro lugar entre os germanos as mulheres gozavam da mais alta consideração e eram influentes também nos negócios públicos o que está em contradição direta com a dominação monogâmica pelos homens Em quase todos esses pontos os germanos coincidem com os espartanos entre os quais como vimos o casamento do par também não havia sido completamente superado bd Com os germanos portanto um elemento totalmente novo chegou ao domínio mundial nesse tocante A nova monogamia que se desenvolveu sobre os escombros do mundo romano a partir da mistura de povos revestiu a dominação masculina de formas mais atenuadas e concedeu às mulheres uma posição que pelos menos exteriormente era mais respeitada e mais livre do que jamais tivera sido na Antiguidade clássica Só a partir daí estava dada a possibilidade de desenvolverse a partir da monogamia dentro ao lado e contra ela dependendo das circunstâncias o maior avanço moral que devemos a ela o amor sexual individual moderno desconhecido do mundo pregresso Esse avanço porém seguramente se originou da circunstância de os germanos ainda viverem sob o regime da família de um par e terem levado para a monogamia tanto quanto possível a posição da mulher correspondente a esse tipo de família tal avanço de modo algum proveio de uma fabulosa disposição natural dos germanos à pureza de costumes a qual se limitou ao fato de o casamento do par não ser movido pelos gritantes antagonismos morais próprios da monogamia Pelo contrário em suas expedições migratórias especialmente rumo ao Sudeste até as estepes do mar Negro povoadas por nômades os germanos haviam passado por um forte processo de degeneração e adotaram desses povos além das técnicas de equitação alguns graves vícios antinaturais o que Amiano atesta expressamente a respeito dos taifalos e Procópio a respeito dos hérulos Porém o fato de a monogamia ser a única de todas as formas conhecidas de família em que podia medrar o amor sexual moderno não significa que ela tenha se desenvolvido exclusiva ou mesmo preponderantemente a partir dele isto é como amor dos cônjuges um pelo outro A natureza do casamento monogâmico fixo sob dominação masculina excluía isso Em todas as classes historicamente ativas isto é em todas as classes dominantes a união conjugal permaneceu o que sempre fora desde o casamento do par a saber coisa arranjada pelo pai e pela mãe segundo suas conveniências E a primeira forma histórica do amor sexual como paixão mais precisamente como paixão que compete a todo e qualquer ser humano pelo menos das classes dominantes como forma suprema da pulsão sexual o que justamente perfaz seu caráter específico essa sua primeira forma o amor cavalheiresco da Idade Média não foi de modo algum um amor conjugal Pelo contrário Em sua figura clássica entre os provençais ela navega de velas enfunadas na direção do adultério e seus poetas o celebram A flor da poesia amorosa provençal são as albas Tagelieder em alemão Elas descrevem com cores candentes o cavaleiro deitado na cama ao lado de sua bela a esposa de alguém o vigia postado do lado de fora do quarto para avisálo assim que surgisse o primeiro sinal do alvorecer alba para que ele pudesse se safar sem ser notado a cena da separação constitui o ponto alto Os habitantes do Norte da França e os bravos germanos também acolheram esse tipo de poesia com a peculiaridade do amor cavalheiresco que lhes correspondia e o nosso velho Wolfram von Eschenbach nos legou sobre esse mesmo tema sugestivo três maravilhosas albas que aprecio bem mais do que suas três longas epopeias A atual união conjugal burguesa é de dois tipos Nos países católicos em toda linha o pai e a mãe ainda providenciam para o jovem filho burguês uma esposa adequada e naturalmente a consequência disso é a plena explicitação da contradição contida na monogamia heterismo abundante por parte do homem e adultério abundante por parte da mulher A Igreja católica certamente só aboliu o divórcio porque se convenceu de que não existe remédio para o adultério assim como não existe para a morte Nos países protestantes em contraposição tornouse regra conceder ao filho do burguês maior ou menor liberdade para escolher uma esposa de sua classe por isso algum sentimento de amor pode estar na base da consumação do casamento e inclusive por conveniência sempre é pressuposto como corresponde à hipocrisia protestante Nesse caso o heterismo já não é mais tão praticado pelo homem e o adultério já não é mais a regra para a mulher Porém dado que em todo tipo de casamento as pessoas continuam sendo o que eram antes do casamento e dado que os burgueses dos países protestantes geralmente são filisteus essa monogamia protestante traz para a comunhão conjugal na média dos melhores casos uma monotonia pesada que recebe o nome de felicidade familiar O melhor espelho desses dois métodos de casamento é o romance o do tipo católico é o romance francês o do protestante é o romance alemão be Em cada um dos dois ele a ganha no alemão o jovem ganha a moça no francês o marido ganha a galhada Nem sempre se consegue dizer ao certo qual dos dois fica em piores condições Essa é a razão pela qual a monotonia do romance alemão causa no burguês francês os mesmos arrepios que a imoralidade do romance francês causa no filisteu alemão Ainda que em tempos recentes em que Berlim está se tornando uma cosmópole o romance alemão comece a incursionar um pouco menos timidamente no heterismo e no adultério praticados ali de longa data Nos dois casos porém o casamento é condicionado pela condição de classe dos envolvidos e por isso é sempre um matrimônio de conveniência bf Nos dois casos muitas vezes esse matrimônio de conveniência descamba para a mais crassa prostituição às vezes das duas partes mas mais comumente da mulher que só se diferencia das cortesãs habituais por não alugar seu corpo por empreitada como a trabalhadora assalariada mas por vendêlo de uma vez por todas como escrava E para todos os matrimônios de conveniência vale a seguinte palavra de Fourier Como na gramática duas negações perfazem uma afirmação na moral conjugal duas prostituições equivalem a uma virtude bg Na relação com uma mulher o amor sexual só se torna e só pode se tornar regra de fato entre as classes oprimidas ou seja nos dias de hoje no proletariado quer essa relação seja oficialmente autorizada ou não Nesse caso porém também foram eliminados todos os fundamentos da monogamia clássica Está ausente a propriedade para cuja preservação e transmissão por herança foram criadas a monogamia e a dominação masculina e em consequência está ausente também toda a motivação para impor a dominação masculina E não só faltam também os meios o direito burguês que protege essa dominação existe somente para quem tem posses e para sua interação com os proletários isso custa dinheiro e em virtude da pobreza não se aplica à relação entre o trabalhador e sua mulher Nesse caso outras relações sociais e pessoais são decisivas E desde que a grande indústria tirou a mulher de casa e a transferiu para o mercado de trabalho e para a fábrica convertendoa muitas vezes em provedora da família o último resquício da dominação masculina na casa proletária perdeu de vez o chão talvez se mantendo ainda um pouco da brutalidade que se abateu sobre as mulheres desde a introdução da monogamia Assim a família do proletário não é mais a família monogâmica em sentido estrito mesmo que haja da parte de ambos o amor mais apaixonado e a fidelidade mais firme e apesar de eventuais bênçãos espirituais e seculares Por conseguinte as eternas sequelas da monogamia o heterismo e o adultério praticamente não têm mais importância aqui a mulher conseguiu reaver seu direito à separação e quando os dois não se suportam mais é preferível separarse Em suma o matrimônio proletário é monogâmico no sentido etimológico do termo mas de modo nenhum em seu sentido histórico bh Nossos juristas acham no entanto que o avanço da legislação retira cada vez mais das mulheres qualquer motivo de queixa Os sistemas legais da civilização moderna reconhecem cada vez mais que em primeiro lugar para ter validade legal o casamento precisa ser um contrato firmado voluntariamente por ambas as partes e em segundo lugar que durante o casamento as duas partes devem ter os mesmos direitos e deveres Portanto sendo essas duas exigências cumpridas de modo coerente as mulheres já teriam tudo o que poderiam exigir Essa argumentação autenticamente jurídica é exatamente a mesma que o burguês republicano radical usa para rejeitar o proletário e mandálo ficar quieto O contrato de trabalho deve ser firmado voluntariamente pelas duas partes Mas ele é reconhecido como firmado voluntariamente a partir do momento em que a lei estabelece no papel a igualdade das duas partes O poder que a diferença de classe confere a uma das partes e a pressão que ela exerce sobre a outra parte a situação econômica real de ambas não interessam à lei E enquanto durar o contrato de trabalho de novo as duas partes devem gozar de direitos iguais desde que uma ou outra não tenha renunciado expressamente a eles Mas de novo a lei nada tem a ver com o fato de que a situação econômica força o trabalhador a renunciar a qualquer aparência de igualdade de direitos Com relação ao casamento até a lei mais progressista é plenamente satisfeita no momento em que os envolvidos protocolam formalmente sua voluntariedade O que acontece atrás dos bastidores jurídicos onde se desenrola a vida real como se produz essa voluntariedade são questões com as quais a lei e o jurista não podem se ocupar E no entanto o procedimento mais simples do direito comparativo deveria mostrar ao jurista o que acontece com essa voluntariedade Nos países em que é assegurada por lei uma parcela obrigatória do patrimônio paterno aos filhos e onde eles portanto não podem ser deserdados na Alemanha nos países em que vigora o direito francês etc os filhos dependem da concordância do pai e da mãe para contrair matrimônio Nos países em que vigora o direito inglês onde a concordância paterna não é uma exigência legal para o matrimônio o pai e a mãe têm toda a liberdade testamental sobre o seu patrimônio podendo deserdar filhos e filhas a seu belprazer Mas é evidente que de fato nas classes em que há algo para herdar apesar disso e justamente por isso a liberdade de contrair matrimônio não é nem um milímetro maior na Inglaterra e na América do que na França e na Alemanha A situação não é melhor com a equiparação jurídica de homem e mulher no casamento A desigualdade de ambos perante o direito que nos foi legada por condições sociais anteriores não é a causa mas o efeito da opressão econômica da mulher Na antiga economia doméstica comunista que abrangia muitos casais e seus filhosfilhas a condução da casa a cargo das mulheres era uma indústria pública tão socialmente necessária quanto a obtenção do alimento pelos homens A família patriarcal e sobretudo a família monogâmica individual mudaram isso A condução da casa perdeu seu caráter público Deixou de concernir à sociedade Tornouse um serviço privado a mulher se tornou a serviçal número um alijada da participação na produção social Foi a grande indústria do nosso tempo que voltou a franquear à mulher mas só à mulher proletária o caminho para a produção social Mas isso de tal modo que quando cumpre seus deveres no serviço privado à família ela é excluída da produção pública e não pode adquirir nada e quando quer participar da indústria pública e adquirir autonomamente não tem condições de cumprir os deveres para com a família E o mesmo que sucede na fábrica sucede à mulher em todos os ramos de negócios inclusive na medicina e na advocacia A família individual moderna foi fundada sobre a escravização doméstica aberta ou dissimulada da mulher e a sociedade moderna é uma massa cujas moléculas são as famílias individuais Hoje em dia na grande maioria dos casos o homem precisa ser aquele que ganha o sustento da família o provedor pelo menos nas classes possuidoras e isso lhe confere uma posição de dominação que não necessita de nenhum privilégio jurídico adicional Na família ele é o burguês e a mulher representa o proletariado No mundo industrial porém o caráter específico da opressão econômica que pesa sobre o proletariado só aparece com toda a nitidez depois que se eliminam todos os privilégios legais da classe dos capitalistas e se estabelece a igualdade jurídica de direitos das duas classes A república democrática não abole o antagonismo das duas classes pelo contrário é a primeira a propiciar o terreno em que ele é resolvido E do mesmo modo o caráter peculiar da dominação do homem sobre a mulher na família moderna assim como a necessidade e o modo de estabelecimento de uma equiparação social real entre os dois só aparecerá sob uma luz intensa quando ambos tiverem total igualdade de direitos em termos jurídicos Ficará evidente então que a libertação da mulher tem como primeira precondição a reintrodução de todo o gênero feminino na indústria pública e que isso por sua vez exige a eliminação da família individual em sua condição de unidade econômica da sociedade Temos de acordo com isso três formas principais de casamento que em grandes traços correspondem aos três estágios principais do desenvolvimento humano Ao estado selvagem corresponde o casamento grupal à barbárie o casamento do par à civilização a monogamia complementada pelo adultério e pela prostituição Entre o casamento do par e a monogamia se intercalam no estágio superior da barbárie o poder dos homens sobre as escravas e a poligamia Como toda a nossa exposição demonstrou o progresso que se evidencia nessa sequência está vinculado à peculiaridade de que pouco a pouco foi retirada das mulheres mas não dos homens a liberdade sexual do casamento grupal E de fato o casamento grupal persiste até hoje para os homens O que no caso da mulher é crime e tem graves consequências legais e sociais no caso do homem é tido como honroso ou na pior das hipóteses como mácula moral leve da qual se trata com humor Porém quanto mais o heterismo tradicional se modifica em nossa época pela produção capitalista de mercadorias e se adapta ela quanto mais ele se transforma em prostituição escancarada mais desmoralizante é o seu efeito E precisamente ele desmoraliza bem mais os homens do que as mulheres A prostituição degrada entre as mulheres apenas as infelizes que sucumbem a ela e mesmo estas em um grau bem menor do que se imagina Em contraposição ela rebaixa o caráter de todo o mundo masculino Assim em nove dentre dez casos o noivado prolongado constitui uma escola preparatória completa para a infidelidade conjugal Hoje caminhamos para uma revolução social em que desaparecerão os fundamentos econômicos da monogamia existentes até aqui bem como os de seu complemento a prostituição A monogamia surgiu da concentração de grandes quantidades de riqueza em uma só mão mais precisamente na de um homem e da necessidade de legar essa riqueza aos filhos desse homem e de nenhum outro Para isso era requerida a monogamia da mulher não do homem de tal maneira que essa monogamia da mulher não impediu a poligamia aberta ou dissimulada do homem Porém a iminente revolução social reduzirá ao mínimo toda essa preocupação com a herança ao transformar ao menos a parte imensamente maior da riqueza duradoura e hereditária os meios de produção em propriedade social Ora dado que a monogamia surgiu por causas econômicas será que ela desaparecerá quando essas causas desaparecerem Com uma boa dose de razão podemos responder ela não só não desaparecerá como só então se realizará plenamente Pois com a transformação dos meios de produção em propriedade social desaparecerá também o trabalho assalariado o proletariado e portanto a necessidade de que certa quantidade estatisticamente calculável de mulheres se entregue por dinheiro A prostituição desaparecerá e a monogamia em vez de sucumbir finalmente se tornará realidade também para os homens A situação dos homens em todo caso mudará bastante Mas também a das mulheres a de todas as mulheres experimentará uma mudança significativa Com a conversão dos meios de produção em propriedade comum a família individual deixará de ser a unidade econômica da sociedade A economia doméstica privada se transformará em indústria social A criação e a educação das crianças serão assunto público a sociedade cuidará de todas as crianças igualmente sejam elas nascidas no matrimônio ou fora dele Desse modo acabará o temor das consequências que hoje é o fator social mais importante tanto moral como econômico que impede uma moça de se entregar sem ressalvas ao homem que ama Não seria isso motivo suficiente para o surgimento gradativo de uma relação sexual mais desinibida e desse modo também de uma opinião pública menos severa a respeito da honra virginal e da desonra da mulher E por fim não vimos que no mundo moderno monogamia e prostituição são de fato opostos mas opostos inseparáveis polos da mesma condição social A prostituição poderá desaparecer sem arrastar a monogamia para o abismo Nesse ponto entra em ação um novo fator que na época em que surgiu a monogamia existia quando muito embrionariamente o amor sexual individual Antes da Idade Média não se pode falar de amor sexual individual É óbvio que a beleza pessoal a intimidade as afinidades etc despertavam em pessoas de sexos diferentes o desejo da relação sexual e não era totalmente irrelevante nem para os homens nem para as mulheres com quem teriam essa que é a mais íntima das relações Mas daí até o nosso amor sexual ainda há uma distância imensa Na Antiguidade os casamentos são contratados pelo pai e pela mãe e os envolvidos se adaptam tranquilamente O pouquinho de amor conjugal que a Antiguidade conhece não é inclinação subjetiva mas dever objetivo não é base mas correlato do casamento Na Antiguidade as relações amorosas no sentido moderno do termo ocorrem fora da sociedade oficial Os pastores cujas alegrias e sofrimentos amorosos são declamados por Teócrito e Mosco ou por Longo em seu Dáfnis e Cloé não passam de escravos sem nenhuma participação no Estado na esfera vital dos cidadãos livres Além desses amores entre escravos encontramos envolvimentos amorosos apenas como produto da dissolução do mundo antigo em declínio mais precisamente com mulheres que também se encontram à margem da sociedade oficial com heteras e portanto com estrangeiras e libertas em Atenas às vésperas de sua ruína e em Roma no período imperial Se realmente aconteceram envolvimentos amorosos entre cidadãos e cidadãs livres isso se deu unicamente por meio do adultério E o amor sexual tal como o entendemos era tão irrelevante para o velho Anacreonte o poeta clássico do amor na Antiguidade que ele não dava a mínima nem mesmo para o sexo do ser amado Nosso amor sexual se diferencia essencialmente do simples desejo sexual do eros dos antigos Em primeiro lugar pressupõe que o amor seja correspondido pelo ser amado nesse aspecto a mulher está em pé de igualdade com o homem ao passo que no caso do eros antigo nem sempre ela é consultada Em segundo lugar o amor sexual possui uma intensidade e uma duração tais que a falta da posse sexual e a separação são encaradas pelas duas partes como um grande infortúnio quando não o maior de todos para se possuírem mutuamente eles jogam alto apostam até a vida o que na Antiguidade acontecia quando muito no caso do adultério E por último surge um novo parâmetro moral para avaliar a relação sexual já não se pergunta apenas se ela aconteceu dentro ou fora do matrimônio mas se teve origem no amor correspondido ou não É compreensível que na práxis feudal ou burguesa esse novo parâmetro não tenha tido melhor sorte do que os demais parâmetros da moral ele é ignorado Mas tampouco teve pior sorte Ele é reconhecido com os demais na teoria no papel E por enquanto mais do que isso ele não pode pedir A Idade Média parte do ponto em que a Antiguidade interrompeu suas experiências com o amor sexual o adultério Já descrevemos o amor cavalheiresco que deu origem às albas Tagelieder Desse amor que visa romper o casamento ao amor que visa fundálo há um longo caminho que a cavalaria não chegou a trilhar até o fim Mesmo quando passamos dos frívolos povos romanos para os virtuosos germanos encontramos na Canção dos nibelungos que Kriemhild apesar de tão apaixonada por Siegfried quanto ele por ela ao ouvir o anúncio de Günther de que a prometera a um cavaleiro que ele próprio não conhecia responde simplesmente Não é necessário que me peçais nada sempre procederei como me ordenardes casarei de bom grado meu senhor com aquele que me concederdes por esposo Nem sequer lhe ocorre que seu amor possa ser levado em consideração Günther pede Brünhild em casamento e Etzel pede Kriemhild sem nunca as terem visto da mesma forma no Gutrun bi Siegebant da Irlanda pede a mão da norueguesa Ute Hetel de Hegelingen a de Hilde da Irlanda e por fim Siegfried de Morland Hartmut da Ormânia e Herwig de Seeland pedem a mão de Gutrun e aqui pela primeira vez ocorre que esta se decide espontaneamente pelo último Via de regra a noiva do jovem príncipe é escolhida pelos pais dele caso ainda estejam vivos do contrário por ele próprio mediante aconselhamento dos grandes feudatários cuja opinião em todos os casos tem grande peso Nem pode ser diferente Tanto para o cavaleiro ou barão quanto para o próprio príncipe territorial o casamento constitui um ato político uma oportunidade de aumentar seu poder por meio de novas alianças o interesse da casa deve decidir não o arbítrio do indivíduo Nesse caso como o amor poderia ter a última palavra sobre a consumação do matrimônio Não foi diferente com o mestre de corporação nas cidades medievais Justamente os privilégios que o protegiam os estatutos corporativos eivados de cláusulas as fronteiras artificiais que o separavam legalmente ora de outras corporações ora de seus próprios colegas de corporação ora de seus companheiros e aprendizes já desenhavam um círculo estreito no qual ele podia procurar uma esposa adequada E nesse complexo sistema decidir qual seria mais adequada não competia em absoluto à sua preferência pessoal mas ao interesse da família Assim portanto na esmagadora maioria dos casos a consumação do casamento permaneceu até o fim da Idade Média o que foi desde o princípio isto é um assunto que não era decidido pelos envolvidos No início as pessoas vinham ao mundo já casadas casadas com todo um grupo do outro sexo Nas formas posteriores do casamento grupal houve provavelmente uma relação parecida só que mediante um constante estreitamento do grupo No casamento do par a regra é as mães combinarem o casamento de seus filhos e filhas também nesse caso consideraramse os novos laços de parentesco que proporcionarão ao jovem par uma posição mais influente na gens e na tribo Com a preponderância da propriedade privada sobre a propriedade comum e o interesse na transmissão da propriedade por meio de herança o direito paterno e a monogamia passaram a reinar foi então que o casamento se tornou inteiramente dependente das considerações econômicas A forma do casamento mediante compra desaparece o negócio é feito de modo cada vez mais intenso de modo que não só a mulher mas também o homem passa a ter um preço não por suas qualidades pessoais mas por suas posses Desde o início na práxis das classes dominantes era algo insólito que a afeição recíproca fosse a razão preponderante do casamento isso aconteceu no máximo no romantismo ou entre as classes oprimidas que não contavam Essa era a situação que a produção capitalista encontrou quando a partir da era dos descobrimentos geográficos se preparou para dominar o mundo por meio do comércio mundial e da manufatura Podese imaginar que esse modo de consumação do casamento tenha sido excepcionalmente adequado a ela e de fato foi E no entanto a ironia da história mundial é insondável foi ela que abriu a brecha decisiva nesse modo de matrimônio Ao transformar todas as coisas em mercadoria ela dissolveu todas as relações tradicionais advindas de tempos antigos substituindo o costume herdado e o direito histórico pela compra e venda pelo contrato livre Foi nessa linha que o jurista inglês H S Maine bj acreditou ter feito uma descoberta extraordinária ao dizer que todo o nosso progresso em relação às épocas passadas foi que passamos from status to contract das condições transmitidas por herança para as condições voluntariamente contratadas o que todavia já constava no Manifesto Comunista bk na medida em que está correto Porém o ato de firmar um contrato requer pessoas capazes de dispor livremente de si mesmas de suas ações e posses e que se defrontem em igualdade de direitos Criar essas pessoas livres e iguais foi justamente uma das obras principais da produção capitalista No início isso se fazia de modo semiconsciente e ainda por cima mascarado pela religião mas a partir das Reformas luterana e calvinista consolidouse o princípio de que o ser humano só é plenamente responsável por seus atos se os realizar em plena liberdade de sua vontade e de que era dever moral oferecer resistência a toda e qualquer coerção à prática de um ato imoral Porém como isso se coadunava com a práxis de consumação do casamento vigente até ali Segundo a concepção burguesa o casamento era um contrato uma transação legal na verdade a mais importante de todas pois dispunha sobre o corpo e o espírito de dois seres humanos por toda a vida Naquela época ele de fato era consumado de modo formalmente voluntário sem o sim dos envolvidos não havia jeito Porém todos sabiam muito bem como se chegava a esse sim e quem eram os casamenteiros propriamente ditos Mas se para os demais contratos se exigia liberdade real de decisão por que não também para este Por acaso os dois jovens que deviam formar um par não tinham também o direito de dispor livremente de si mesmos de seu corpo e de seus órgãos O amor sexual não virara moda graças à cavalaria e em contraste com o amor adúltero da cavalaria o amor conjugal não era a sua forma burguesa correta Mas se era dever dos cônjuges amar um ao outro não era igualmente dever dos que se amam casar um com o outro e não com outra pessoa Esse direito dos que se amam não estava acima do direito do pai da mãe dos parentes e dos tradicionais casamenteiros e corretores de casamentos Se o direito de livre exame pessoal irrompia sem cerimônia na Igreja e na religião como deterse diante da insuportável exigência da geração mais velha de dispor do corpo da alma do patrimônio da felicidade e da infelicidade da geração mais nova Essas perguntas tinham de ser levantadas em uma época em que se afrouxavam todos os laços antigos da sociedade e se sacudiam todas as concepções herdadas De um só golpe o mundo se tornara quase dez vezes maior em vez de um quadrante de um hemisfério todo o globo terrestre se descortinava diante dos olhos dos europeus ocidentais que se apressaram em tomar posse dos outros sete quadrantes E com as antigas e estreitas barreiras pátrias caíram também as barreiras milenares do modo de pensar prescrito pela Idade Média Tanto diante do olho interior quanto do olho exterior do ser humano abriuse um horizonte de amplitude infinita De que valiam para o homem jovem atraído pelas riquezas das Índias pelas minas de ouro e de prata do México e de Potosí a honradez bemintencionada o honroso privilégio corpo rativo legado por gerações Era a época da cavalaria andante da burguesia porque também ela teve o seu romantismo e o seu arrebatamento amoroso mas sobre uma base burguesa e com metas em última instância burguesas Assim aconteceu que a burguesia ascendente principalmente a dos paí ses protestantes nos quais mais se sacudiu o vigente reconheceu cada vez mais a liberdade de contratação também para o casamento e a praticou da maneira como a descrevemos anteriormente O casamento continuou sendo classista mas dentro da classe foi concedido aos envolvidos certo grau de liberdade de escolha E no papel tanto para a teoria moral como para a descrição poética nada era mais inabalável do que a convicção de que era imoral todo casamento que não se baseasse no amor sexual recíproco e no consentimento realmente livre dos cônjuges Em suma o casamento por amor foi proclamado direito humano e mais precisamente não só como droit de lhomme direito do homem mas também excepcionalmente como droit de la femme direito da mulher Porém esse direito humano se distinguia em um ponto dos demais assim chamados direitos humanos Enquanto na prática estes permaneceram restritos à classe dominante à burguesia e eram direta ou indiretamente cerceados no que dizia respeito à classe oprimida ao proletariado no ponto em questão comprovase uma vez mais a ironia da história A classe dominante permanece dominada pelas influências econômicas que conhecemos e por conseguinte exibe apenas excepcionalmente casamentos consumados de modo realmente livre ao passo que na classe dominada como vimos eles são a regra Portanto a liberdade completa de consumação do casamento só será universal quando a eliminação da produção capitalista e das relações de propriedade criadas por ela tiverem afastado todas as considerações econômicas colaterais que no momento ainda exercem uma influência muito poderosa sobre a escolha dos cônjuges Quando isso acontecer não restará mais nenhuma outra motivação além da afeição mútua Ora dado que o amor sexual é exclusivo por natureza embora hoje em dia essa exclusividade só se realize plenamente na mulher o casamento fundado no amor sexual é por natureza monogâmico Vimos que Bachofen tinha toda a razão ao considerar que a evolução do casamento grupal para o casamento monogâmico é preponderantemente obra das mulheres somente a passagem do casamento do par para a monogamia pode ser atribuída aos homens e basicamente ela consistiu em termos históricos no rebaixamento da posição das mulheres e na facilitação da infidelidade dos homens Ora se ainda forem suprimidas as considerações econômicas em virtude das quais as mulheres aceitam a costumeira infidelidade dos homens por preocupação com sua existência e sobretudo com o futuro dos descendentes a igualdade alcançada pela mulher terá como mostram todas as experiências realizadas até agora um efeito infinitamente maior no sentido de tornar os homens real mente monogâmicos do que no sentido de tornar as mulheres poliândricas Porém o que decididamente será excluído da monogamia são as características que lhe foram impressas pela gênese a partir das relações de propriedade que são em primeiro lugar a supremacia do homem e em segundo lugar a indissolubilidade A supremacia do homem no casamento é simples decorrência de sua supremacia econômica e cairá automaticamente com ela A indissolubilidade do casamento é em parte decorrência da situação econômica na qual surgiu a monogamia e em parte tradição oriunda da época em que a conexão entre essa situação econômica e a monogamia ainda não tinha sido bem compreendida e foi sublimada em termos religiosos Hoje ela já foi rompida milhares de vezes Se apenas o casamento fundado no amor for moral então também será apenas nele que persistirá o amor Contudo a duração dos arroubos do amor sexual individual é muito diferenciada de indivíduo para indivíduo principalmente no caso dos homens e o desaparecimento de fato da afeição ou sua supressão por força de uma nova paixão faz da separação um benefício tanto para as duas partes quanto para a sociedade Só que as pessoas deverão ser poupadas da obrigação de atravessar a sujeira inútil de um processo de divórcio Portanto o que podemos supor hoje sobre a ordem das relações sexuais depois que a produção capitalista for varrida do mapa possui um caráter preponderantemente negativo limitandose ao que será subtraído Mas o que será acrescentado Isso se decidirá quando uma nova geração tiver crescido uma geração de homens que nunca na vida estiveram na situação de comprar a entrega de uma mulher por dinheiro ou outros recursos sociais de poder e uma geração de mulheres que nunca estiveram na situação de entregarse a um homem por considerações outras que não o verdadeiro amor ou de negar a entrega ao amado por medo das consequências econômicas Quando essas pessoas existirem mandarão ao diabo as ideias que hoje se tem a respeito do que elas deveriam fazer elas mesmas constituirão sua práxis e em consonância com ela a opinião pública que julgará a práxis de cada indivíduo Ponto final Retornemos entretanto a Morgan do qual nos afastamos consideravelmente A investigação histórica das instituições sociais que se desenvolveram durante o período da civilização extrapola o escopo de seu livro Por conseguinte as vicissitudes da monogamia durante esse período ocupamno apenas muito brevemente Ele também vê o aprimoramento da família monogâmica como um avanço uma aproximação da plena igualdade de direitos dos sexos não considerando contudo que essa meta tenha sido alcançada Porém diz ele quando se reconhece o fato de que a família assumiu quatro formas subsequentes e agora se encontra na quinta surge a pergunta se essa forma poderá ser duradoura no futuro A única resposta possível é que ela tem de evoluir do mesmo modo que a sociedade evolui transformar se na mesma proporção que a sociedade se transforma exatamente como aconteceu até agora Ela é criação do sistema social e refletirá seu estado de formação Dado que a família monogâmica melhorou desde o início da civilização e de modo bem perceptível na Era Moderna podese ao menos supor que ela é passível de aperfeiçoamento até que se atinja a igualdade dos dois sexos Se no futuro distante a família monogâmica não for capaz de satisfazer as demandas da sociedade é impossível prever quais serão as características de sua sucessora bl a No original de Morgan pairing family N T b Engels usou em seu trabalho as seguintes obras de John Ferguson McLennan Primitive Marriage an Inquiry into the Origin of the Form of Capture in Marriage Ceremonies Edimburgo 1865 Studies in Ancient History Comprising a Reprint of Primitive Marriage an Inquiry into the Origin of the Form of Capture in Marriage Ceremonies Londres 1876 Durante a preparação da quarta edição de A origem da família 1892 ele estudou a nova edição do último livro mencionado publicada no ano de 1886 em Londres e Nova York N E A c Lewis H Morgan Ancient Society cit p 435 N E A d O texto que vai até o subtítulo 1 Família consanguínea p 44 deste volume é parte da versão ampliada por Engels em 1892 Em 1884 tinha o seguinte teor A descoberta desse estado originário é o primeiro grande mérito de Bachofen Desse estado originário provavelmente se desenvolveu bem cedo a N E A e Ver Johann Jakob Bachofen Das Mutterrecht eine Untersuchung über die Gynaikokratie der alten Welt nach ihrer religiösen und rechtlichen Natur Stuttgart 1861 p 19 N E A 3 Bachofen prova que não entendeu bem o que descobrira ou antes adivinhara ao designar esse estado originário de heterismo Para os gregos quando introduziram o termo heterismo caracterizava a relação entre homens solteiros ou vivendo em casamento monogâmico e mulheres solteiras pressupondo sempre uma determinada forma de casamento fora do qual essa relação tem lugar e inclui a prostituição ao menos como possibilidade Em outro sentido essa palavra nunca foi usada e é nesse sentido que a uso acompanhando Morgan As descobertas sumamente importantes de Bachofen são inacreditavelmente mistificadas em toda parte porque ele imagina que as relações historicamente surgidas entre homem e mulher teriam sua fonte nas respectivas concepções religiosas das pessoas e não em suas reais relações vitais f GiraudTeulon cita esse enunciado de Saussure em seu livro Les Origines du mariage et de la famille Genebra e Paris A Cherbuliez 1884 p xv N E A g Charles Letourneau LÉvolution du mariage et de la famille Paris 1888 p 41 N E A h Engels cita Espinas segundo o livro de GiraudTelon Les Origines du mariage et de la famille cit p 518 cujo apêndice contém um excerto desse trabalho N E A i Edvard Westermarck The History of Human Marriage Londres e Nova York 1891 p 701 N E A 4 Em uma carta do começo de 1882 essa carta que é mencionada por Engels também em uma carta de 11 de abril de 1884 a Kautsky não se conservou N E A Marx emprega expressões o mais fortes possível ao se manifestar a respeito da falsificação total da era primordial que reina no texto dos Nibelungos de Wagner Alguma vez já se ouviu que o irmão tenha abraçado a irmã como se fosse sua noiva Engels se refere à ópera O anel dos nibelungos de Richard Wagner que o próprio compositor escreveu baseado na epopeia escandinava Edda e na Canção dos nibelungos N E A Aos deuses da lascívia wagnerianos que bem no sentido moderno dão aos seus folguedos amorosos um toque mais picante por meio do incesto Marx responde Na era primordial a irmã era a esposa e isso era moral Na edição de 1884 a nota termina aqui Na quarta edição prossegue Um amigo francês e admirador de Wagner não concorda com esta nota e observa que já na Edda mais antiga na qual Wagner se baseia na Ögisdrecka Loki censura Freyja Diante dos deuses abraçaste teu próprio irmão O casamento entre irmãos teria sido desaprovado já naquela época A Ögisdrecka é expressão de uma época em que a fé nos velhos mitos havia ruído completamente ela é pura sátira luciânica aos deuses Quando Loki no papel de Mefisto censura Freyja dessa maneira isso depõe antes contra Wagner Loki também diz alguns versos adiante para Niördhr Com a tua irmã geraste tal filho vidh systur thinni gaztu slikan mög Niördhr não é um aesir mas um vanir e diz a saga Ynglinga que casamentos entre irmãos são corriqueiros na terra dos vanires o que entre os aesires não era o caso Isso seria um indício de que os vanires são deuses mais antigos do que os aesires Em todo caso Niördhr vive entre os aesires como se fosse um deles e assim a Ögisdrecka é antes uma prova de que na época do surgimento das sagas norueguesas a respeito dos deuses o casamento entre irmãos pelo menos entre os deuses ainda não provocava aversão Caso se queira desculpar Wagner em vez de recorrer à Edda talvez fosse melhor apelar para Goethe que na balada Der Gott und die Bajadere O deus e a bailadeira comete erro semelhante em relação à entrega religiosa das mulheres aproximandoas demais da prostituição moderna j Na edição de 1884 falta provavelmente N E A k Lewis H Morgan Ancient Society cit p 425 N E A l Na edição de 1884 falta ou uma forma muito parecida com ela N E A 5 Os traços da relação sexual indiscriminada que Bachofen Das Mutterrecht Stuttgart 1861 XXIII p 385 e seg N E A pensa ter encontrado sua assim chamada procriação pantanosa remontam ao casamento grupal o que agora não pode mais ser posto em dúvida Se Bachofen pensa que esses casamentos punaluanos são sem lei um homem daquele período consideraria a maioria dos atuais casamentos entre primos próximos e distantes do lado paterno ou materno tão incestuosos quanto os casamentos entre irmãos e irmãs consanguíneos Marx m César De bello gallico livro V cap 14 N E A n Na edição de 1884 consta família punaluana em vez de casamento grupal N E A o Na edição de 1884 consta forma de família em vez de forma de casamento grupal ou outra semelhante N E A p Na edição de 1884 consta sua organização no entanto é muito esparsa para que a levemos em consideração em vez de o que eles têm é uma forma mais rudimentar do casamento grupal N E A q Na edição de 1884 faltam os parágrafos seguintes até 3 Família de um par p 51 N E A r Lewis H Morgan Systems of Consanguinity and Affinity of the Human Family Washington 1781 N E A s Na edição de 1884 consta família punaluana em vez de casamento grupal N E A t Lewis H Morgan Ancient Society cit p 459 N E A u Engels cita a carta de Arthur Wright segundo o livro de Morgan Ancient Society cit p 455 O texto completo da carta datada de 19 de maio de 1874 foi publicado na revista American Anthropologist New Series Menasha Wisconsin n 1 1933 p 13840 N E A v Na edição de 1884 consta família punaluana em vez de casamento grupal N E A w Na edição de 1884 falta a última frase N E A x Hubert Howe Bancroft The Native Races of the Pacific States of North America Leipzig 1875 v I p 3523 N E A y O texto seguinte até o parágrafo iniciado com A família de um par surgiu na fronteira entre o estado selvagem e a barbárie p 57 é a versão ampliada por Engels em 1892 Em 1884 o teor era este Resquícios semelhantes do mundo antigo são suficientemente conhecidos como a entrega de meninas fenícias no templo durante as festividades de Astarte até o direito medieval à primeira noite que apesar das depurações do neorromantismo alemão teve uma existência bem concreta é uma porção de família punaluana supostamente legada pela gens pelo clã celta N E A z Ed bras Viagem ao Brasil Brasília Senado Federal 2000 N E B aa Tratase da chamada Sentença de Guadalupe de 21 de abril de 1486 a terceira sentença arbitral do rei espanhol Ferdinando V o Católico O levante dos camponeses na Catalunha forçou o rei a fazer concessões aos camponeses e ele atuou como mediador entre os camponeses revoltados e os senhores feudais A sentença arbitral ordenou a abolição da servidão e dos usos perversos entre outros o direito à primeira noite e tributos do futuro noivo ou da noiva mediante pagamento de resgate N E A ab Na edição de 1884 consta propriedade privada em vez de propriedade específica N E A ac Na edição de 1884 consta numerosas esposas agora têm valor em vez de as esposas que antes eram fáceis de conseguir e passaram a ter valor de troca N E A ad Na edição de 1884 consta posse privada em vez de posse das famílias N E A ae Na edição de 1884 falta das famílias N E A af Na edição de 1884 falta a última frase N E A ag Lewis H Morgan Ancient Society cit p 4656 N E A ah Ibidem p 470 N E A ai Na edição de 1884 falta o texto seguinte até o parágrafo iniciado com Antes de passarmos para a monogamia p 64 N E A aj Ver Maxim Kovalevski Pervobietnoie Prava Wiepusk I Rod Moscou 1886 Nesse trabalho Kovalevski se apoia em publicações de Orchanski 1875 e Jefimenko 1878 sobre questões das cooperativas de famílias na Rússia N E A ak Pravda de Iaroslav é o nome da primeira parte da versão mais antiga da Russkaia Pravda coletânea de leis da antiga Rus que surgiu nos séculos XI e XII e tinha como base o direito consuetudinário daquele tempo ela refletia as relações socioeconômicas da sociedade da época N E A al Coletânea de leis vigentes do século XV ao XVII em Poliica região da Dalmácia conhecidas como Estatuto de Poliica N E A am Andreas Heusler Institutionen des Deutschen Privatrechts Leipzig 1886 v 2 p 271 N E A an Ver Strabo Geografia livro XV cap 1 N E A ao Cooperativas domésticas entre os índios do México na época da conquista espanhola Cada cooperativa doméstica cujos membros tinham todos a mesma ascendência possuía em comum uma parcela de terra que não podia ser vendida nem repartida em herança Alonso de Zarita descreve os calpullis em seu trabalho Rapport sur les différentes classes de chefs de la NouvelleEspagne sur les lois les moeurs des habitants sur les impôts établis avant et depuis la conquête etc etc publicado pela primeira vez no livro Voyages relations et mémoires originaux pour servir à lhistoire de la découverte de lAmérique publiés pour la première fois en français par H TernauxCompans Paris 1840 t II p 5064 N E A ap Heinrich Cunow Die altperuanischen Dorf und Markgenossenschaften Das Ausland 20 e 27 out e 3 nov 1890 N E A aq Na edição de 1884 consta família punaluana em vez de casamento grupal N E A ar Na edição de 1884 falta a última frase N E A as Engels se refere aqui ao artigo 230 do Code civil des Français introduzido sob Napoleão I em 1804 N E A at O texto seguinte até as palavras Porém apesar de toda clausura e vigilância p 67 é a versão ampliada por Engels em 1891 Em 1884 seu teor era o seguinte em reclusão semiprisional para garantir a paternidade correta das crianças O homem em contraposição divertese com escravas prisioneiras de guerra suas companheiras de tenda na guerra Praticamente não melhora no período clássico Podemos ler extensamente no Charikles de Becker como os gregos tratavam suas mulheres Mesmo que não as tenham exatamente trancafiado mas sim as tenham isolado do mundo elas se tornaram as servas domésticas principais dos seus maridos restritas ao relacionamento principalmente com as demais servas domésticas As moças eram trancafiadas diretamente as mulheres só saíam acompanhadas pelas escravas Quando chegava visita masculina a mulher se recolhia ao seu aposento N E A au Georg Friedrich Schoemann Griechische Altertümer Berlim 1855 v I p 268 N E A av Wilhelm Wachsmuth Hellenistische Alterthumskunde aus dem Gesichtspunkte des Staates Halle 1830 parte II seção II p 77 N E A aw Na edição de 1884 consta sociais em vez de econômicas e a frase termina aqui N E A ax Na edição de 1884 falta a última frase N E A ay Ver a ideia em outros termos em Karl Marx e Friedrich Engels A ideologia alemã São Paulo Boitempo 2007 p 35 N T az Lewis H Morgan Ancient Society cit p 504 N E A ba Na edição de 1884 falta o texto seguinte até Pois o heterismo é uma instituição social N E A bb Na edição de 1884 faltam as duas últimas frases N E A bc Tácito Germânia cap 189 N E A bd Na edição de 1884 falta a última frase N E A be Na edição de 1884 segue e sueco N E A bf Na edição de 1884 falta o texto seguinte até Na relação com uma mulher p 73 N E A bg Citação conforme o sentido de Charles Fourier Œuvres complètes Théorie de lunité universelle Paris 1841 v 3 t 4 p 120 N E A bh Na edição de 1884 falta o texto seguinte até Retornemos entretanto a Morgan p 82 N E A bi Poesia época do médio altoalemão do século XIII N E A bj Henri James Sumner Maine Ancient Law its Connection with the Early History of Society and its Relation to Modern Ideas Londres 1866 p 170 A primeira edição dessa obra saiu em 1861 em Londres N E A bk Ed bras Karl Marx e Friedrich Engels Manifesto Comunista São Paulo Boitempo 1998 cap I N E B bl Lewis H Morgan Ancient Society cit p 4912 N E A III A GENS IROQUESA Chegamos agora a outra descoberta de Morgan no mínimo tão importante quanto a reconstrução da forma da família primitiva a partir dos sistemas de parentesco A demonstração de que as associações gentílicas designadas por nomes de animais em uma tribo de índios americanos são basicamente idênticas às geneá dos gregos e às gentes dos romanos de que a forma americana é a original e a grecoromana a posterior derivada de que toda a organização social dos gregos e dos romanos da era primeva subdividida em gens fratria e tribo tem um paralelo exato na organização social dos índios americanos de que a gens é uma instituição comum a todos os bárbaros até o seu ingresso na civilização e mesmo depois disso até onde chegaram nossas fontes essa demonstração aclarou de vez as partes mais difíceis da história grega e romana e ao mesmo tempo nos proporcionou esclarecimentos não imaginados sobre os traços básicos da constituição da sociedade da era primeva anterior à introdução dos Estados Por mais que o assunto pareça simples quando se passa a ter ciência dele Morgan só o descobriu nos últimos tempos em seu escrito anterior publicado em 1871 ele ainda não havia desvendado esse enigma cuja revelação deixou sem palavras por algum tempo a os sempre tão confiantes historiadores ingleses da PréHistória A palavra latina gens que Morgan emprega de modo geral para essa associação gentílica provém a exemplo da palavra grega génos de mesmo significado da raiz ariana comum gan kan em alemão no qual em regra o k substitui o g ariano que significa gerar Gens génos dschanas em sânscrito kuni em gótico segundo a regra anterior kyn na língua nórdica antiga e na anglosaxônica kin na língua inglesa e künne no médio altoalemão significam igualmente geração linhagem Porém gens em latim e génos em grego são termos usados especificamente para a associação gentílica que se vangloria de uma linhagem comum nesse caso de um ancestral comum e se une numa comunidade específica por meio de certas instituições religiosas e sociais cuja gênese e natureza não obstante até agora permaneceram obscuras para todos os nossos historiadores Ao tratar da família punaluana vimos como é a composição de uma gens em sua forma original Ela é composta de todas as pessoas que por intermédio do casamento punaluano e segundo as concepções nela necessariamente reinantes constituem a descendência reconhecida de uma mãe ancestral individual a fundadora da gens Dado que nessa forma de família a paternidade é incerta o que vale é a linha feminina Como irmãos não podem casar com suas irmãs apenas com mulheres de outra linhagem as crianças geradas com essas mulheres estranhas ficam fora da gens por direito materno Permanecem portanto apenas os descendentes das filhas de cada geração dentro da associação gentílica os dos filhos passam para as gentes de suas mães Ora o que acontece com esse grupo consanguíneo no momento em que se constitui como grupo específico ao lado de grupos similares em uma tribo Morgan assume como forma clássica dessa gens original a dos iroqueses especificamente a da tribo dos senecas Nessa há oito gentes com nomes de animais 1 lobo 2 urso 3 tartaruga 4 castor 5 cervo 6 narceja 7 garça 8 falcão Em cada gens são observados os seguintes costumes 1 Ela elege seu sachem chefe da paz e seu chefe guerreiro líder da guerra O sachem tinha de ser eleito dentro da própria gens e seu cargo era hereditário já que ao ficar vago tinha de ser preenchido de imediato o líder da guerra podia ser eleito também fora da gens e de tempos em tempos faltar completamente Nunca era eleito como sachem o filho do anterior dado que entre os iroqueses vigorava o direito materno e portanto o filho pertencia a outra gens mas podia ser e muitas vezes era eleito o irmão ou o filho da irmã Todos tanto homens quanto mulheres faziam a escolha Porém a eleição tinha de ser confirmada pelas outras sete gentes e só depois disso o eleito era solenemente empossado o que era feito por um conselho comum de toda a confederação dos iroqueses A importância disso se mostrará mais adiante O poder do sachem dentro da gens era de natureza paterna puramente moral ele não dispunha de meios coercitivos Em virtude do cargo era adicionalmente membro do conselho da tribo dos senecas bem como do conselho da confederação de iroqueses O chefe guerreiro só dava ordens em expedições de guerra 2 A gens destitui o sachem e o chefe guerreiro quando quer Isso uma vez mais é feito por homens e mulheres reunidos Os destituídos passam a ser simples guerreiros como os demais pessoas particulares Aliás o conselho da tribo também pode destituir o sachem inclusive contra a vontade da gens 3 Nenhum membro da gens pode casar dentro dela Essa é a regra básica da gens o laço que a mantém unida é a expressão negativa da consanguinidade positiva em virtude da qual os indivíduos abrangidos por ela se tornam uma gens Pela descoberta desse fato simples Morgan desvendou pela primeira vez a natureza da gens Que até agora a gens foi malentendida é comprovado pelos relatos mais antigos sobre selvagens e bárbaros nos quais os diferentes organismos que compõem a ordem gentílica sem ser compreendidos nem diferenciados eram misturados com o nome de tribo clã thum etc e por vezes se dizia que o casamento era proibido dentro de tal organismo Isso acabou gerando uma confusão irremediável na qual o senhor McLennan pôde entrar em cena como Napoleão e pôr ordem no caos decretando o seguinte todas as tribos se subdividem naquelas dentro das quais o casamento é proibido exogâmicas e naquelas dentro das quais ele é permitido endogâmicas E assim depois de ter bagunçado tudo de vez ele se entregou às mais profundas investigações sobre qual dessas suas duas insossas classes seria a mais antiga a exogamia ou a endogamia Esse absurdo cessou automaticamente com a descoberta da gens fundada na consanguinidade e da impossibilidade daí resultante do casamento entre seus membros É óbvio que no estágio em que encontramos os iroqueses a proibição do casamento dentro da gens era observada de modo inviolável 4 As posses dos falecidos passavam a pertencer aos demais membros da gens e deviam permanecer dentro da gens A insignificância de objetos que um iroquês podia legar era repartida como herança entre os parentes gentílicos mais próximos se falecia um homem herdavam os irmãos e as irmãs naturais e o irmão da mãe se falecia uma mulher quem herdava eram seus filhosfilhas e irmãs naturais mas não seus irmãos Justamente por isso marido e mulher não podiam ser herdeiros um do outro nem os filhosfilhas do pai 5 Os membros da gens tinham o dever de ajudarse e protegerse mutua mente e em especial apoiarse na vingança por ferimentos infligidos por estranhos Quanto a sua segurança o indivíduo confiava na proteção da gens e podia fazer isso quem o ferisse feria a gens inteira Disso dos laços de sangue da gens originouse a obrigação da vingança de morte que era reconhecida de modo absoluto pelos iroqueses Se um estranho à gens assassinasse um membro da gens toda a gens do assassinado tinha o dever de vingar sua morte Primeiro se buscava a mediação a gens do assassino se reunia em conselho e apresentava propostas de resolução do problema ao conselho da gens do assassinado geralmente oferecendo manifestações de pesar e presentes consideráveis Se fossem aceitos a questão estava resolvida Caso contrário a gens ofendida nomeava um ou mais vingadores que tinham o dever de perseguir o assassino e matálo Se isso acontecesse a gens do assassino morto não tinha o direito de levantar queixa pois o caso havia sido acertado 6 A gens tinha certos nomes ou séries de nomes que somente ela podia usar em toda tribo de modo que o nome do indivíduo já denotava a gens à qual ele pertencia Um nome gentílico implicava de antemão direitos gentílicos 7 A gens pode adotar estrangeiros e por essa via admitilos na tribo como um todo Os prisioneiros de guerra que não eram mortos tornavamse mediante a adoção por uma gens membros da tribo dos senecas e com isso obtinham todos os direitos gentílicos e tribais A adoção ocorria por solicitação de membros individuais da gens ou seja de homens que assumiam a pessoa estrangeira como irmão ou irmã de mulheres que a aceitavam como filho ou filha o acolhimento solene na gens era necessário para confirmar o fato Com frequência gentes individuais excepcionalmente minguadas eram fortalecidas mediante a adoção em massa de membros de outra gens com o consentimento desta Entre os iroqueses o acolhimento solene na gens ocorria em sessão pública do conselho da tribo o que o tornava de fato uma cerimônia religiosa 8 Dificilmente se pode comprovar entre as gentes índias a existência de solenidades religiosas específicas mas as cerimônias religiosas dos índios estão ligadas às gentes em maior ou menor grau Nas seis festas religiosas anuais dos iroqueses os sachems e chefes guerreiros das gentes individuais eram incluídos entre os guardiões da fé e possuíam funções sacerdotais 9 A gens tem um local comum para sepultamento No caso dos iroqueses do Estado de Nova York comprimidos entre os brancos esse local desapareceu mas existiu em tempos passados No caso de outros índios ele ainda existe por exemplo entre os tuscaroras aparentados dos iroqueses que embora sejam cristãos têm uma fileira destinada a cada gens no cemitério de modo que a mãe é sepultada na mesma fileira de seus filhos e filhas mas não o pai E também entre os iroqueses a gens inteira de um falecido comparece ao sepultamento providencia o túmulo os discursos fúnebres etc 10 A gens tem um conselho uma assembleia democrática de todos os seus membros adultos homens e mulheres todos com o mesmo direito de voto Esse conselho elege os sachems e os chefes guerreiros e os destitui fazendo o mesmo com os demais guardiões da fé decide sobre a penitência reparação Wergeld ou sobre a vingança de morte pelo membro assassinado da gens adota estranhos na gens Em suma ele representava o poder soberano na gens Essas são as atribuições de uma típica gens índia Todos os seus membros são pessoas livres que têm o dever de proteger a liberdade umas das outras são iguais em termos de direitos pessoais nem os sachems nem o líder guerreiro reivindicam qualquer prerrogativa formam uma irmandade unida por laços de sangue Liberdade igualdade fraternidade embora nunca tenham sido assim formuladas constituíam os princípios básicos da gens sendo esta por sua vez a unidade de todo um sistema social a base da sociedade índia organizada Isso explica o senso inflexível de independência e a dignidade pessoal da atitude que todos reconhecem nos índios b Na época do descobrimento os índios de toda a América do Norte estavam organizados em gentes segundo o direito materno Apenas em algumas tribos como a dos dacotas as gentes haviam desaparecido e em outras como as dos ojíbuas omahas elas estavam organizadas segundo o direito paterno Em um grande número de tribos indígenas com mais de cinco ou seis gentes encontramos três quatro ou mais gentes unidas em um grupo especial que Morgan chama de fratria irmandade traduzindo fielmente a designação indígena para o seu equivalente grego Assim os senecas têm duas fratrias a primeira abrange as gentes 14 a segunda as gentes 58 Um exame mais preciso mostra que essas fratrias geralmente representam gentes originais nas quais a tribo se dividiu inicialmente porque dada a proibição de casamento dentro da gens cada tribo tinha de abranger necessariamente pelo menos duas gentes para ter vida autônoma À medida que a tribo se multiplicava cada gens voltava a dividirse em duas ou mais e cada qual passava então a ser uma gens específica enquanto a gens original que abrangia todas as gentes que surgiram a partir dela continuava a existir como fratria Entre os senecas e para a maioria dos índios as gentes de uma fratria são gentes irmãs ao passo que as da outra fratria são gentes primas designações que como vimos possuem um sentido muito real e expressivo no sistema de parentesco americano Originalmente um seneca não podia casar dentro de sua fratria mas isso há muito caiu em desuso e ficou limitado à gens Era tradição dos senecas que o urso e o cervo fossem as duas gentes originais das quais se ramificaram as demais Depois que essa nova instituição se arraigou ela foi modificada segundo a necessidade se as gentes de uma fratria se extinguiam às vezes para compensar gentes inteiras de outras fratrias eram transferidas para ela É por isso que encontramos nas diferentes tribos gentes de mesmo nome agrupadas de modo distinto dentro das fratrias As funções da fratria entre os iroqueses são em parte sociais em parte religiosas 1 O jogo de bola consiste numa competição entre as fratrias cada uma escala seus melhores jogadores e os demais assistem cada fratria em um lugar específico e apostam umas contra as outras pela vitória dos seus 2 No conselho da tribo reúnemse os sachems e chefes de guerra de cada fratria os dois grupos se colocam um defronte do outro cada orador fala para os representantes de cada fratria como para um organismo especial 3 Tendo havido um homicídio na tribo no qual quem matou e quem foi morto não pertençam à mesma fratria a gens ofendida muitas vezes apela para suas gentes irmãs estas reúnem o conselho da fratria e se dirigem como um todo à outra fratria para que esta reúna o conselho a fim de resolver a questão Nesse caso portanto a fratria volta a atuar como gens original com maior perspectiva de êxito do que sua filha a gens individual mais fraca 4 Em caso de morte de pessoas de destaque a outra fratria toma as providências para o sepultamento e as solenidades funerais enquanto a fratria do falecido acompanha na condição de enlutada Caso morra um sachem a outra fratria comunica a vacância do cargo ao conselho da confederação dos iroqueses 5 Na eleição de um sachem o conselho da fratria também entra em cena A confirmação pelas gentes irmãs é esperada como quase natural mas as gentes da outra fratria podem se opor Nesse caso o conselho dessa fratria se reúne se ele mantém a oposição a eleição perde o efeito 6 Anteriormente os iroqueses tinham mistérios religiosos especiais chamados de medicine lodges tendas de remédios pelos brancos Esses mistérios eram celebrados pelos senecas por meio de duas associações religiosas com a devida iniciação de novos membros havia uma dessas associações para cada uma das duas fratrias 7 Se o que é quase certo as quatro linages linhagens que habitavam os quatro quartos da Tlaxcala na época da conquista c eram quatro fratrias comprovase que as fratrias como ocorria entre os gregos e em associações gentílicas semelhantes entre os germanos também valiam como unidades militares essas quatro linages saíam para a batalha cada qual como um agrupamento individual com uniformes e estandartes próprios e seguindo um líder próprio Do mesmo modo que várias gentes formavam uma fratria na forma clássica várias fratrias formavam uma tribo em alguns casos de tribos muito debilitadas falta o elo intermediário a fratria Ora o que caracteriza uma tribo indígena na América 1 Um território próprio e um nome próprio Além do local de seu assentamento fixo cada tribo possuía uma área considerável de caça e pesca Para além dela havia uma faixa de terra neutra mais ampla que se estendia até o território da tribo vizinha e era menor entre tribos de línguas aparentadas maior entre tribos de línguas não aparentadas Essa faixa de terra tem a mesma função da floresta que faz a fronteira entre os germanos do deserto que os suevos de César criaram em torno de seu território do îsarnholt jarnved em dinamarquês limes Danicus entre dinamarqueses e germanos da floresta da Saxônia e do branibor floresta de proteção na língua eslava de onde vem o nome Brandenburg entre germanos e eslavos Essa área isolada por limites imprecisos era a terra comum da tribo reconhecida como tal pelas tribos vizinhas e defendida por ela contra ataques A imprecisão das fronteiras só era desvantajosa na prática quando havia um grande crescimento da população Os nomes das tribos de modo geral parecem ter surgido mais ao acaso do que por escolha intencional com o passar do tempo ocorria com frequência que uma tribo fosse chamada pelas tribos vizinhas por um nome diferente daquele que era usado por ela mais ou menos como aconteceu com os alemães cujo primeiro nome histórico coletivo germanos lhes foi atribuído pelos celtas 2 Um dialeto específico peculiar apenas a essa tribo De fato tribo e dialeto coincidem em termos objetivos formações novas de tribos e dialetos por meio de divisão sucediam até tempos recentes na América e não devem ter cessado inteiramente até hoje No caso de duas tribos debilitadas que se fundiram em uma só ocorreu excepcionalmente que na mesma tribo fossem falados dois dialetos aparentados A densidade populacional média das tribos americanas é de menos de 2000 pessoas entretanto no caso dos cheroquis é de 26000 pessoas o maior número de índios nos Estados Unidos que falam o mesmo dialeto 3 O direito de instalar solenemente no cargo os sachems e líderes guerreiros eleitos pelas gentes e 4 o direito de destituílos do cargo mesmo contra a vontade de sua gens Dado que esses sachems e líderes guerreiros são membros do conselho da tribo os direitos da tribo em relação a eles são autoexplicativos Onde se constituía uma confederação de tribos e a totalidade das tribos estava representada no conselho da confederação os referidos direitos passavam para o conselho 5 A existência de concepções religiosas mitologia e ritos comuns A seu modo bárbaro os índios eram um povo religioso d Sua mitologia ainda não foi examinada criticamente eles já concebiam a corporificação de suas concepções religiosas espíritos de todo tipo em forma humana mas no estágio inferior da barbárie no qual se encontravam ainda não se tem notícia de representações figuradas dos chamados ídolos Tratase de um culto à natureza e aos elementos que tende ao politeísmo As diferentes tribos tinham festas regulares com determinadas formas de culto principalmente dança e jogos especialmente a dança era um componente essencial de todas as solenidades religiosas cada tribo realizava as suas separadamente 6 Um conselho da tribo para assuntos comuns Era composto do conjunto dos sachems e líderes guerreiros de cada uma das gentes de seus representantes reais sempre sujeitos à destituição deliberava publicamente rodeado pelos demais membros da tribo que tinham o direito de intervir e dar sua opinião a decisão era do conselho Via de regra todos os presentes eram ouvidos por solicitação inclusive as mulheres podiam dar sua opinião por meio de um orador de sua escolha Entre os iroqueses a decisão final tinha de ser por unanimidade como era o caso também em várias resoluções tomadas pelas comunidades das marcas alemãs A atribuição principal do conselho da tribo era regulamentar a relação com as tribos estranhas ele recebia e enviava embaixadas declarava guerra e firmava a paz Caso houvesse guerra esta geralmente era feita por voluntários Em princípio a tribo inteira se encontrava em estado de guerra contra outra tribo inteira com a qual não tivesse celebrado expressamente a paz Expedições guerreiras contra tais inimigos geralmente eram organizadas por guerreiros individuais que sobressaíam eles faziam uma dança da guerra e quem se juntava à dança declarava sua participação na expedição A coluna era formada imediatamente e posta em movimento Do mesmo modo a defesa do território da tribo sob ataque geralmente era feita por contingentes voluntários A saída e o retorno dessas colunas sempre eram motivo de comemorações públicas A permissão do conselho da tribo para tais expedições não era exigida não era solicitada nem dada Era algo muito semelhante às expedições guerreiras privadas das companhias germânicas como descritas por Tácito embora entre os germanos as companhias já tivessem um caráter permanente e formassem um núcleo sólido organizado já em tempos de paz e em torno do qual se agrupavam os voluntários em caso de guerra Raramente essas colunas de guerra eram numerosas as expedições mais significativas dos índios mesmo a grandes distâncias eram levadas a cabo por forças de combate insignificantes Quando várias dessas companhias se uniam para um empreendimento maior cada uma obedecia apenas ao seu líder a unidade do plano da expedição era mal ou bem assegurada por um conselho de líderes Era assim que faziam guerra os alamanos no século IV no Alto Reno segundo a descrição que encontramos em Amiano Marcelino 7 Em algumas tribos encontramos um chefe supremo cujas competências no entanto são muito limitadas Ele é um dos sachems que deve tomar medidas provisórias em casos de ação rápida até que o conselho possa se reunir e tomar decisões definitivas É o tênue ponto de partida para a criação de um funcionário com poder executivo que no desenvolvimento posterior geralmente não deu em nada como se há de mostrar na maioria dos casos embora não em toda parte esse funcionário se desenvolveu a partir do comandante máximo das tropas A grande maioria dos índios americanos não foi além da união em tribos Com tribos pouco numerosas separadas por vastas zonas fronteiriças e debilitadas por guerras intermináveis eles ocupavam uma imensa região com poucas pessoas Alianças entre tribos aparentadas eram firmadas aqui e ali por necessidades momentâneas e se desfaziam com elas Porém em algumas regiões tribos aparentadas deixaram a fragmentação de lado e voltaram a fazer alianças duradouras dando o primeiro passo para a formação das nações A forma mais desenvolvida de uma aliança desse tipo que encontramos nos Estados Unidos é a dos iroqueses Deixando seus assentamentos a oeste do Mississippi onde provavelmente constituíam um ramo da grande família dos dacotas estabeleceramse após longo período de migração no atual Estado de Nova York distribuindose em cinco tribos os senecas os caiugas os onondagas os oneidas e os mohawks Eles viviam de peixe caça e hortaliças cruas moravam em aldeias geralmente protegidas por uma paliçada Nunca passavam de 20000 pessoas e tinham algumas gentes comuns em todas as cinco tribos falavam dialetos muito próximos da mesma língua e ocupavam um território contínuo distribuído entre as cinco tribos Dado que esse território fora recémconquistado a união habitual dessas tribos contra os povos expulsos era natural e evoluiu no mais tardar no início do século XV para uma aliança perpétua formal uma confederação que de imediato sentindo que adquirira uma nova força assumiu também um caráter agressivo e no auge de seu poder por volta de 1675 já tinha conquistado vastas áreas vizinhas em parte expulsando os habitantes dessas terras em parte tornandoos tributários A confederação dos iroqueses protagoniza a organização social mais progressista da qual os índios foram capazes na medida em que não chegaram além do estágio inferior da barbárie com exceção dos mexicanos neomexicanos e peruanos As determinações fundamentais da confederação eram as seguintes 1 Aliança perpétua entre as cinco tribos consanguíneas com base na igualdade plena e na autonomia quanto às questões internas de cada tribo Essa consanguinidade constitui a verdadeira base da confederação Três das cinco tribos eram tribos mães e irmãs entre si as outras duas eram chamadas de tribos filhas e eram igualmente tribos irmãs Três gentes as mais antigas ainda possuíam representantes vivos em todas as cinco tribos enquanto outras três tinham representantes em somente três tribos todos os membros de cada uma dessas gentes tinham irmãos em todas as cinco tribos A língua comum com meras variações dialetais era expressão e prova da linhagem comum 2 O órgão da confederação era um conselho confederativo composto de cinquenta sachems todos eles iguais em hierarquia e renome esse conselho tomava as decisões de última instância sobre os assuntos atinentes à confederação 3 Por ocasião da fundação da confederação esses cinquenta sachems foram distribuídos pelas tribos e gentes como detentores de novos cargos instituídos expressamente para os fins da confederação Eles voltavam a ser eleitos pelas respectivas gentes em cada vacância e podiam ser destituídos por elas a qualquer tempo mas o direito de empossálos em seu cargo era do conselho confederativo 4 Os sachems da confederação também eram sachems em suas respectivas tribos e tinham assento e voz no conselho da tribo 5 Todas as decisões do conselho confederativo tinham de ser tomadas por unanimidade 6 A votação era feita por tribos de modo que para haver uma decisão válida cada tribo tinha de estar de acordo e em cada tribo todos os membros do conselho também tinham de estar de acordo 7 Cada um dos cinco conselhos tribais podia convocar o conselho confederativo mas este não podia convocar a si próprio 8 As sessões eram realizadas diante do povo reunido cada iroquês podia fazer uso da palavra a decisão cabia exclusivamente ao conselho 9 A confederação não tinha uma pessoa na liderança nenhum chefe do poder executivo 10 Em contrapartida tinha dois líderes guerreiros supremos ambos com as mesmas competências e os mesmos poderes os dois reis dos espartanos os dois cônsules em Roma Essa é toda a constituição pública sob a qual viveram e ainda vivem os iroqueses há quatrocentos anos Eu a descrevi pormenorizadamente de acordo com Morgan porque temos aqui a oportunidade de estudar a organização de uma sociedade que ainda não possui um Estado Pois o Estado pressupõe um poder público especial separado da totalidade de seus participantes E segundo Maurer que identifica com instinto preciso a constituição da marca alemã como uma instituição puramente social essencialmente distinta do Estado mesmo que mais tarde lhe tenha servido em grande parte de base por conseguinte Maurer investiga todas as etapas da formação gradativa do poder público tanto a partir das constituições originais das marcas das aldeias dos feudos e das cidades como paralelamente a elas Vemos no caso dos índios norteamericanos como uma tribo originalmente unitária se espalhou gradativamente por todo um imenso continente como dividindose as tribos se convertem em povos grupos inteiros de tribos como as línguas se modificam até que não só se tornam incompreensíveis entre si como também desaparecem todos os vestígios da unidade original vemos como ao mesmo tempo cada uma das gentes individuais das tribos se divide em várias as antigas gentes mães se mantêm como fratrias e os nomes dessas gentes antiquíssimas permanecem idênticos em tribos distantes e há muito separadas o lobo e o urso ainda são nomes gentílicos na maioria das tribos indígenas E a constituição descrita acima se aplica em grandes traços a todas elas com a ressalva de que muitas não chegaram a formar uma confederação de tribos aparentadas Porém dada a gens como unidade social vemos também como toda a constituição de gentes fratrias e tribos evolui dessa unidade quase forçosamente porque o faz com naturalidade Todos os três grupos constituem diferentes gradações de consanguinidade cada qual fechada em si mesma e regulando seus próprios assuntos mas cada qual também complementando as demais E o âmbito dos assuntos que lhes cabe abrange a totalidade dos assuntos públicos dos bárbaros do estágio inferior Portanto onde encontramos a gens como unidade social de um povo também podemos procurar uma organização da tribo similar à descrita aqui e onde houver um número suficiente de fontes como no caso dos gregos e romanos não só a encontraremos como também nos convenceremos de que onde as fontes nos abandonam a comparação com a constituição social americana nos auxilia a responder às dúvidas e desvendar os enigmas mais difíceis Essa constituição gentílica é admirável com toda a sua ingenuidade e simplicidade Sem soldados gendarmes e policiais sem nobreza reis procuradores prefeitos ou juízes sem prisões sem processos tudo funciona de modo ordenado Todas as desavenças e disputas são resolvidas pela totalidade dos implicados pela gens ou pela tribo ou entre as gentes a vingança de sangue paira como medida extrema raramente aplicada da qual nossa pena de morte é apenas a forma civilizada afetada por todas as vantagens e desvantagens da civilização Embora houvesse muito mais assuntos comuns do que agora a manutenção da casa era comum a uma série de famílias e comunista o solo era posse da tribo só as pequenas hortas eram entregues provisoriamente às unidades domésticas não se usava nem mesmo um vestígio do nosso extenso e complexo aparato administrativo Os envolvidos decidem e na maioria dos casos o uso secular já regulava tudo Não pode haver pobres e necessitados a economia doméstica comunista e a gens sabem de suas obrigações para com velhos enfermos e inválidos de guerra Todos são iguais e livres inclusive as mulheres Ainda não há lugar para escravos e via de regra tampouco para a subjugação de tribos estrangeiras Depois que derrotaram os eries e a nação neutra e em torno de 1651 os iroqueses lhes ofereceram a oportunidade de ingressar na confederação em igualdade de direitos só quando os derrotados recusaram a oferta é que foram expulsos de seu território E o tipo de homens e mulheres gerado por tal sociedade é atestado pela admiração de todos os brancos que tiveram contato com índios não degenerados diante da dignidade pessoal da integridade da força de caráter e da valentia desses bárbaros Tivemos exemplos bem recentes de valentia na África Há alguns anos os cafres do povo zulu e há alguns meses os núbios em ambas as tribos as instituições gentílicas ainda não estão extintas fizeram o que nenhum exército europeu é capaz de fazer f Armados apenas de lanças e dardos sem armas de fogo eles avançaram debaixo da saraivada de balas dos fuzis da infantaria inglesa reconhecidamente a melhor do mundo no combate em formação cerrada até o alcance da baioneta desorganizandoa e derrubandoa mais de uma vez apesar da colossal desigualdade de armas e embora não tivessem tido tempo de serviço militar e não soubessem o que é se exercitar O que eles são capazes de aguentar e realizar é atestado pela queixa dos ingleses de que em 24 horas um cafre consegue chegar mais longe e correr mais rápido do que um cavalo um pintor inglês diz que o menor dos seus músculos se destaca duro e enrijecido como a fibra de um chicote Assim eram as pessoas e a sociedade humana antes de haver a divisão em classes E quando comparamos sua condição com a da imensa maioria dos atuais humanos civilizados há uma distância enorme entre o proletário ou pequeno agricultor atuais e o antigo membro de uma gens Esse é um dos aspectos Não esqueçamos porém que essa organização estava fadada a desaparecer Ela não ia além da tribo a confederação das tribos já indica o começo de seu esfacelamento como se mostrará e como já se mostrou nas tentativas de subjugação dos iroqueses O que havia fora da tribo estava excluído do direito Onde não havia um acordo de paz expresso reinava a guerra entre uma tribo e outra e a guerra era travada com a crueldade que distingue o ser humano do restante dos animais e que só mais tarde viria a ser atenuada pelo interesse O auge da constituição gentílica como a vimos na América pressupunha uma produção extremamente subdesenvolvida e portanto uma densidade populacional extremamente rala em um vasto território ou seja uma condição em que o ser humano era quase totalmente dominado pela natureza exterior com a qual se defrontava como algo estranho e incompreendido condição que se reflete em concepções religiosas infantis A tribo permaneceu o limite do ser humano tanto em relação ao estranho à tribo quanto em relação a si próprio a tribo a gens e suas instituições eram sagradas e intocáveis eram um poder maior dado pela natureza ao qual o indivíduo permanecia absolutamente submetido no que sentia pensava e fazia Na mesma proporção com que as pessoas dessa época nos parecem imponentes elas também deixam de se diferenciar umas das outras pois como diz Marx ainda estão ligadas ao cordão umbilical da sociedade natural O poder dessa sociedade natural tinha de ser quebrado e foi quebrado Mas foi quebrado por influências que de antemão nos parecem uma degradação uma queda no pecado das alturas morais singelas da antiga sociedade gentílica São os interesses mais vis a reles ganância a busca brutal do prazer a sórdida avareza o roubo da posse comunitária em proveito próprio que inauguram a nova sociedade de classes civilizada são os meios mais vergonhosos roubo violação astúcia traição que solapam e fazem ruir a antiga sociedade gentílica sem classes E a nova sociedade mesmo durante todos os três quartos de milênio de sua existência jamais deixou de ser o desenvolvimento da reduzida minoria à custa da grande maioria espoliada e oprimida e mais de que nunca ela é isso a Na edição de 1884 falta por algum tempo N E A b Lewis H Morgan Ancient Society cit p 856 N E A c Engels se refere à conquista do México pela Espanha em 15191521 N E A d Lewis H Morgan Ancient Society cit p 115 N E A e No século XVII foi chamada nação neutra a aliança guerreira entre tribos aparentadas de iroqueses que viviam na margem norte do lago Erie Essa designação foi dada pelos colonizadores franceses porque a nação permaneceu neutra nas guerras entre os iroqueses e os hurões N E A f Engels se refere à luta de libertação nacional dos zulus e núbios contra os colonizadores ingleses Os zulus que foram atacados pelos ingleses em 1879 ofereceram renhida resistência durante meio ano sob a liderança de Cetevaio Os ingleses venceram após algumas batalhas graças ao armamento superior Eles só conseguiram subjugar definitivamente os zulus em 1887 depois de usar a seu favor as desavenças que eles mesmos provocaram entre as tribos A luta pela libertação nacional dos núbios dos árabes e de outras tribos do Sudão sob a liderança do profeta islâmico Maomé Ahmed que se autodenominava Mahdi ou seja Salvador começou em 1881 A luta chegou ao ápice em 18831884 quando quase todo o território do Sudão foi libertado dos colonizadores ingleses No decorrer da batalha constituise um Estado autônomo e centralizado do Mahdi Os ingleses só conseguiram reconquistar o Sudão em 1899 aproveitandose das desavenças internas e de seu poderio militar superior N E A IV A GENS GREGA Os gregos os pelasgos e outros povos aparentados a eles já se organizavam desde tempos préhistóricos em uma série orgânica igual à dos povos americanos gens fratria tribo confederação de tribos Podia não haver fratria como no caso dos dórios e a confederação de tribos podia não estar completa em todo lugar mas em todos os casos a gens constituía a unidade Na época em que ingressam na história os gregos se encontram no limiar da civilização entre eles e as tribos americanas de que falamos anteriormente há quase dois períodos inteiros de desenvolvimento que os gregos da época dos heróis têm de vantagem sobre os iroqueses Por conseguinte a gens dos gregos já não é nem de perto a gens arcaica dos iroqueses o carimbo do casamento grupal a começa a apagarse significativamente O direito materno deu lugar ao direito paterno desse modo a riqueza privada que se encontrava em formação abriu a primeira brecha na constituição gentílica A segunda brecha foi consequência natural da primeira dado que após a introdução do direito paterno os bens de uma herdeira rica passariam para o marido e portanto para outra gens em virtude do casamento rompeuse o fundamento do direito gentílico e não só se permitiu como também se tornou obrigatório nesse caso que a moça se casasse dentro da gens para que esta preservasse os bens Segundo a história grega de Grote b a gens ateniense especificamente consolidouse graças a 1 Solenidades religiosas comuns e direito exclusivo do sacerdócio em honra de determinado deus suposto patriarca da gens que nessa qualidade era designado por um cognome especial 2 Lugar de sepultamento comum ver Demóstenes Eubúlides c 3 Direito de herança recíproco 4 Obrigação recíproca de ajuda proteção e apoio em caso de violação 5 Direito e obrigação recíprocos de casamento na gens especialmente nos casos de filhas órfãs ou herdeiras 6 Posse pelo menos em alguns casos de propriedade comum com árchon preposto e tesoureiro Em seguida a união em fratrias reuniu várias gentes sendo os laços entre elas menos estreitos mas nela também encontramos direitos e deveres mú tuos de natureza semelhante especialmente práticas religiosas em comum e o direito de perseguição quando um membro da fratria era morto O conjunto de fratrias de uma tribo por sua vez tinha cerimônias sagradas comuns que eram realizadas regularmente e conduzidas por um fylobasiléus chefe de tribo eleito entre os nobres eupátridas Grote vai até aqui E Marx acrescenta Porém por trás da gens grega ainda se vislumbra inequivocamente o selvagem por exemplo o iroquês Ele aparecerá mais inequivocamente assim que investigarmos um pouco mais Pois à gens grega compete ademais 7 A ascendência segundo o direito paterno 8 A proibição do casamento na gens exceto no caso de herdeiras Essa exceção e sua formulação como mandamento provam a vigência da regra antiga Esta decorre igualmente do princípio universalmente válido segundo o qual mediante o casamento a mulher renunciava aos ritos religiosos de sua gens e adotava os do marido em cuja fratria ela também era inscrita Nessa linha e de acordo com uma famosa passagem da regra de Dicearco d que Becker aceita tal e qual em Charikles ninguém podia casar dentro de sua própria gens e 9 O direito de adoção pela gens decorrente da adoção pela família mas com formalidades públicas e apenas em casos excepcionais 10 O direito de escolher e depor líderes Sabemos que toda gens tinha seu árchon mas em nenhum lugar se diz que o cargo era hereditário em determinadas famílias Até o período final da barbárie a suposição é contrária à hereditariedade estrita f que é totalmente incompatível com as condições de direitos iguais entre ricos e pobres dentro da gens Até agora não só Grote mas também Niebuhr Mommsen e todos os historiadores da Antiguidade clássica falharam diante da gens Por mais correta que seja a maneira como expuseram muitas de suas características eles sempre a consideraram um grupo de famílias e desse modo inviabilizaram a possibilidade de entenderem a natureza e a origem da gens Sob a constituição gentílica a família jamais foi uma unidade organizacional nem podia sêlo porque esposo e esposa necessariamente pertenciam a gentes diferentes A gens se dissolvia totalmente na fratria a fratria na tribo a família se dissolvia metade na gens do esposo e metade na da esposa O Estado também não reconhece a família no direito público até hoje ela só existe para o direito privado E no entanto até o momento toda a nossa historiografia parte do pressuposto absurdo que principalmente no século XVIII se tornou inabalável de que a família individual monogâmica dificilmente mais antiga que a civilização é o núcleo cristalino em torno do qual se teriam sedimentado gradativamente a sociedade e o Estado Marx intercala É preciso observar em relação ao senhor Grote que embora os gregos derivem suas gentes da mitologia aquelas gentes são mais antigas do que a mitologia criada por elas mesmas com seus deuses e semideuses Grote é citado com predileção por Morgan por ser uma testemunha renomada e ainda assim totalmente insuspeita Ele continua seu relato dizendo que toda gens ateniense tinha um nome derivado de seu suposto patriarca tribal que na ausência de testamento os membros da gens os gennêtes do falecido herdavam seu patrimônio o que valia de modo geral antes de Sólon e continuou valendo depois de Sólon e que em caso de assassinato em primeiro lugar os parentes depois os companheiros de gens e por fim os membros da fratria tinham o dever de perseguir o criminoso diante dos tribunais Tudo o que ouvimos das leis atenienses mais antigas é fundado na subdivisão em gentes e fratrias g A descendência das gentes de ancestrais comuns causou fortes dores de cabeça aos filisteus escolados Marx Dado que naturalmente consideram os ancestrais comuns como puramente míticos eles simplesmente não conseguem explicar o surgimento de uma gens a partir de famílias colaterais originalmente sem nenhum parentesco entre si mas precisam fazer isso para explicar a existência das gentes Para tanto oferecem uma torrente de palavras que gira em círculos e não consegue ir além da sentença a genealogia é uma fábula mas a gens é realidade e por fim consta em Grote com intercalações de Marx o seguinte Só raramente ouvimos falar dessa genealogia porque é trazida a público apenas em ocasiões muito específicas particularmente solenes Porém as gentes mais humildes tinham suas práticas religiosas comuns isso é estranho sr Grote patriarca e genealogia sobrehumanos comuns exatamente do mesmo modo que as mais famosas como é estranho isso senhor Grote no caso de gentes mais humildes o plano básico e o fundamento ideal prezado senhor não ideal e sim carnal fleischlich em alemão eram os mesmos em todos h Marx resume da seguinte maneira a resposta de Morgan O sistema de consanguinidade correspondente à gens em sua forma originária e os gregos a tiveram outrora tanto quanto os outros mortais preservou o conhecimento do parentesco de todos os membros das gentes entre si Essa coisa que para eles tinha importância decisiva eles aprendiam na prática desde a infância Com a família monogâmica ela caiu no esquecimento O nome gentílico criou uma genealogia ao lado da qual a da família individual pareceu insignificante Dali por diante era esse nome que tinha de preservar a ascendência comum dos que o usavam porém a genealogia da gens recuava tanto no tempo que os membros não podiam mais comprovar o parentesco real que tinham entre si a não ser em um número restrito de casos em que os ancestrais comuns eram mais recentes O próprio nome era prova da ascendência comum e era prova cabal exceto em casos de adoção Em contraposição a negação factual de todo parentesco entre companheiros de gens à moda de Grote e Niebuhr que transformaram a gens em criação puramente fictícia e imaginada é digna dos escribas ideais isto é dos que ficam recolhidos em seus aposentos Pelo fato de o encadeamento das gerações principalmente depois do despontar da monogamia deslocarse para um ponto distante no tempo e a realidade passada aparecer refletida em um quadro fantástico de cunho mitológico os bons burgueses filisteus deduziram e deduzem que a genealogia fantástica produziu gentes reais Como ocorreu entre os americanos a fratria era uma gens mãe que se dividiu em várias gentes filhas unificadas por ela e que com frequência derivava todas elas de um patriarca comum Assim de acordo com Grote todos os membros contemporâneos da fratria de Hecateu têm um só e o mesmo deus como patriarca em décimo sexto grau i todas as gentes dessa fratria eram portanto literalmente gentes irmãs Em Homero a fratria ainda aparece como unidade militar na famosa passagem em que Nestor aconselha Agamenon organiza os homens por tribos e por fratrias de modo que a fratria apoie a fratria e a tribo apoie a tribo j De resto cabiam a ela o direito e o dever de vingar o crime de sangue cometido contra um de seus integrantes e portanto em períodos anteriores também a obrigação de buscar a vingança de sangue Além disso tinha santuários e festas comuns visto que a formação de toda a mitologia grega foi essencialmente condicionada pelas gentes e pelas fratrias a partir do culto à natureza de tradição ariana antiga realizado no âmbito das próprias gentes e fratrias Ademais ela tinha um líder fratriarchos fratriarca e de acordo com De Coulanges tinha também assembleias e resoluções com força de lei uma jurisdição e uma administração Mais tarde até mesmo o Estado que ignorou a gens concedeu à fratria certos atos oficiais públicos Várias fratrias aparentadas compõem uma tribo Na Ática havia quatro tribos cada uma com três fratrias cada qual com trinta gentes Tal circunscrição dos grupos pressupõe intervenção consciente e planejada na ordem que se originou naturalmente Como quando e por que isso aconteceu a história grega não diz e os próprios gregos conservam memória somente até a era dos heróis A variação dialetal era menos desenvolvida entre os gregos que se aglomeravam em um território relativamente pequeno do que entre os americanos que habitavam extensas florestas mas até nesse caso encontramos reunidas em um todo maior apenas tribos com o mesmo dialeto principal e inclusive na pequena Ática deparamonos com um dialeto específico que mais tarde se tornaria a língua universal da prosa Nos poemas homéricos geralmente já encontramos as tribos gregas unidas formando pequenos povos no interior dos quais as gentes as fratrias e as tribos ainda preservavam inteiramente sua autonomia Já habitavam cidades amuralhadas a densidade populacional aumentou com o crescimento dos rebanhos da agricultura e dos primórdios da manufatura isso levou ao aumento da disparidade de riquezas e com esta do elemento aristocrático dentro da antiga democracia que surgira de forma natural Os pequenos povos individuais travavam guerras incessantes pela posse das melhores terras e decerto também pelo butim a escravização dos prisioneiros de guerra já era uma instituição reconhecida A constituição dessas tribos e pequenos povos era a seguinte 1 A autoridade vigente era o conselho bulé que com certeza era composto originalmente dos líderes das gentes e mais tarde quando cresceu demais em número de uma seleção o que ofereceu o ensejo para a formação e a consolidação do elemento aristocrático pois é exatamente dessa forma que Dionísio diz que se compunha o conselho da era dos heróis a saber pelos nobres krátistoi k O conselho tomava a resolução final em assuntos importantes assim em Ésquilo o de Tebas tomou a resolução decisiva de dar um sepultamento digno a Etéocles mas jogar o cadáver de Polinice na rua para servir de pasto aos cães Com o estabelecimento do Estado esse conselho se converteu no posterior senado 2 A assembleia do povo ágora Entre os iroqueses encontramos o povo homens e mulheres postado em torno do conselho reunido interferindo de modo ordenado e assim influenciando suas resoluções Entre os gregos de Homero esse Umstand estar postado em torno circunstantes para usar uma antiga expressão jurídica alemã já evoluíra para uma verdadeira assembleia popular como também foi o caso entre os germanos primitivos Ela era convocada pelo conselho para tomar decisões acerca de assuntos importantes todo homem podia ter a palavra A decisão era tomada mediante o gesto de levantar a mão Ésquilo em As suplicantes ou por aclamação Ela era soberana como última instância pois diz Schoemann Griechische Alterthümer tratase de uma causa cuja execução exige a cooperação do povo e Homero não nos segreda nenhum meio pelo qual o povo pudesse ser forçado a isso contra a vontade l Nessa época em que cada membro masculino adulto da tribo era um guerreiro ainda não havia um poder público distinto do povo que lhe pudesse ser contraposto A democracia que surgira naturalmente ainda estava em pleno florescimento e esse deve continuar a ser o ponto de partida para se avaliarem o poder e a posição tanto do conselho quanto do basiléus 3 O comandante de tropas basiléus Sobre isso Marx observa Os letrados europeus geralmente serviçais natos dos príncipes convertem o basiléus em um monarca no sentido moderno Contra isso se previne o republicano ianque Morgan Ele diz em termos bastante irônicos mas verdadeiros do untuoso Gladstone e de seu Juventus Mundi O senhor Gladstone nos apresenta os chefes gregos da era dos heróis como reis e príncipes e de quebra diz que também seriam gentlemen porém ele próprio é obrigado a admitir no conjunto parece que já encontramos o costume ou a lei da primogenitura suficientemente determinada mas sem muito rigor m Decerto parecerá ao próprio senhor Gladstone que uma primogenitura provida de tantas cláusulas suficiente mas sem muita nitidez vale tanto quanto nenhuma Vimos qual era a situação da hereditariedade das chefias entre os iroqueses e outros índios Todos os cargos eram eletivos geralmente dentro de uma gens e nessa esfera hereditários Em caso de vacância o parente gentílico mais próximo o irmão ou o filho da irmã foram sendo gradativamente preferidos caso não houvesse razões para preterilos Portanto se entre os gregos sob a vigência do direito paterno o cargo de basiléus via de regra passava para o filho ou um dos filhos isso apenas prova que nesse caso os filhos tinham a seu favor a probabilidade da sucessão por voto popular mas de nenhum modo constitui prova da sucessão hereditária por direito sem votação popular Temos aqui no caso dos iroqueses e dos gregos o projeto inicial de famílias nobres no âmbito das gentes e no caso dos gregos ademais o projeto inicial de uma futura liderança hereditária ou monarquia Portanto é verossímil que no caso dos gregos o basiléus tivesse de ser eleito pelo povo ou confirmado por seus órgãos reconhecidos o conselho ou a ágora como vigorava para o rei rex romano Na Ilíada o chefe de tropas Agamenon aparece não como rei supremo dos gregos mas como comandante máximo de um exército coligado diante de uma cidade sitiada É para essa qualidade que aponta Ulisses quando irrompe uma discórdia entre os gregos na famosa passagem não é bom que muitos comandem um deve ser o comandante etc o tão apreciado verso com o cetro é um acréscimo posterior n Aqui Ulisses não faz uma preleção sobre a forma de governo mas pede obediência ao comandante máximo na guerra Os gregos que comparecem diante de Troia apenas como exército procedem de modo suficientemente democrático na ágora Quando Aquiles fala de presentes isto é da repartição do butim sempre coloca como repartidor não Agamenon ou qualquer outro dos basiléus mas os filhos dos aqueus isto é o povo Os predicados gerado por Zeus e alimentado por Zeus nada provam visto que cada gens descende de um deus mas a do chefe da tribo descende de um deus mais nobre nesse caso Zeus Até os pessoalmente não livres como o pastor de porcos Eumeus e outros são divinos dioí e theîoi e isso na Odisseia ou seja em uma época bem posterior à da Ilíada na mesma Odisseia o nome Heros ainda é dado ao arauto Múlio bem como ao cantor cego Demódoco Em suma a palavra basileia que os escritores gregos usam para designar o acima chamado reinado homérico por ser o comando das tropas sua característica principal ladeado pelo conselho e pela assembleia popular significa apenas democracia militar Marx Além das competências militares o basiléus ainda tinha competências sacerdotais e judiciais estas não são determinadas de maneira mais precisa aquelas ele tinha em sua qualidade de representante supremo da tribo ou da confederação das tribos Nunca se fala de competências civis administrativas mas por força do cargo ele parece ter sido membro do conselho Portanto traduzir basiléus por König rei em alemão é muito correto etimologicamente dado que König Kuning é derivado de Kuni Künne e significa chefe de uma gens Mas o basiléus dos gregos antigos não corresponde de modo algum ao significado atual da palavra König Tucídides chama expressamente a basileia antiga de patriké isto é derivada de gentes e diz que ela possuía competências bem definidas e portanto restritas o E Aristóteles diz que a basileia da era dos heróis era uma liderança de homens livres e o basiléus era um comandante de tropas juiz e sumo sacerdote p portanto ele não tinha o poder governamental no sentido posterior do termo 6 Na constituição grega da era dos heróis observamos portanto a antiga organização gentílica ainda cheia de viço mas também já detectamos o início de seu solapamento o direito paterno que deixa o patrimônio como herança aos descendentes favorece o acúmulo de riquezas na família e faz com que esta se torne um poder diante da gens em troca a disparidade de riquezas influencia a constituição criando os primeiros rudimentos de uma nobreza e um reinado hereditários a escravidão limitada num primeiro momento aos prisioneiros de guerra já começa a se abrir para a escravização de companheiros da própria tribo e até da gens a velha guerra de tribo contra tribo degenera em rapinagem sistemática por terra e por mar visando conquistar gado escravos e tesouros e constituindose como verdadeira fonte de renda em suma a riqueza é exaltada e considerada como um bem supremo e as antigas ordens gentílicas são usadas para justificar o roubo violento de riquezas Só faltava uma coisa uma instituição que assegurasse as riquezas recémadquiridas pelo indivíduo contra as tradições comunistas da ordem gentílica uma instituição que não só santificasse a propriedade privada antes tão menosprezada e declarasse essa santificação a finalidade suprema de toda comunidade humana como também imprimisse o selo de reconhecimento social universal às novas formas de aquisição de propriedade que se desenvolveram uma após a outra e portanto à multiplicação em constante aceleração da riqueza uma instituição que eternizasse não só a divisão da sociedade em classes em surgimento mas também o direito da classe possuidora à espoliação da classe não possuidora e à dominação sobre ela E essa instituição surgiu O Estado foi inventado a Na edição de 1884 da família punaluana N E A b George Grote A History of Greece Londres 1869 v 3 p 545 N E A c Engels se refere ao discurso de Demóstenes contra Eubúlides diante do tribunal quando se fala do antigo uso de sepultar somente parentes consanguíneos no local comum de sepultamento N E A d Engels se refere aqui a uma passagem de uma obra não conservada do filósofo grego Dicearco citada em Wilhelm Wachsmuth Hellenische Alterthumskunde aus dem Gesichtspunkte des Staates Halle 1826 parte I seção I p 312 N E A e Wilhelm Adolf Becker Charikles Bilder altgriechischer Sitte zur genaueren Kenntnis des griechischen Privatlebens Leipzig 1840 parte II p 447 N E A f Na edição de 1884 falta estrita N E A g George Grote A History of Greece cit v 3 p 66 N E A h Ibidem p 60 N E A i Ibidem p 589 N E A j Homero Ilíada canto II N E A k Dionísio de Halicarnasso Das antiguidades romanas livro II cap 12 N E A l Georg Friedrich Schoemann Griechische Altertümer cit v I p 27 N E A m Lewis H Morgan Ancient Society cit p 248 N E A n Homero Ilíada canto II N E A o Tucídides História da Guerra do Peloponeso livro I cap 13 N E A p Aristóteles Política livro III cap 10 N E A 6 A exemplo do que ocorreu com o basiléus grego o comandante do exército asteca foi tratado como se fosse um príncipe moderno Morgan é o primeiro a submeter à crítica histórica os relatos dos espanhóis num primeiro momento equivocados e exagerados e mais tarde claramente mentirosos demonstrando que os mexicanos se encontravam no estágio intermediário da barbárie mais avançados contudo do que os índios pueblo do Novo México e que sua constituição até onde os relatos deturpados permitem saber correspondia ao seguinte uma confederação de três tribos que tornara tributário um certo número de outras tribos e era governada por um conselho federativo e um comandante militar da confederação o qual os espanhóis transformaram em imperador V SURGIMENTO DO ESTADO ATENIENSE O modo como o Estado se desenvolveu processo em que os órgãos da constituição gentílica foram em parte reconfigurados em parte deslocados para o segundo plano pela inclusão de novos órgãos e por fim substituídos completamente por instâncias reais do Estado ao passo que o povo em armas real que protegia a si mesmo em suas gentes fratrias e tribos foi substituído por um poder público armado que estava a serviço dessas instâncias do Estado e portanto também podia ser usado contra o povo não há lugar melhor do que a antiga Atenas para acompanhar a primeira parte desse desenvolvimento As mudanças formais foram expostas em sua essência por Morgan enquanto o conteúdo econômico que as produziu terá de ser acrescentado em grande parte por mim Na era dos heróis as quatro tribos dos atenienses ainda ocupavam regiões distintas da Ática até mesmo as doze fratrias que as compunham ao que parece tinham sedes separadas que eram as doze cidades de Cécrops A constituição era a da era dos heróis assembleia do povo conselho do povo basiléus Até onde alcança a história escrita o solo já havia sido repartido e transformado em propriedade privada como condiz com a produção de mercadorias e o comércio de mercadorias que lhe corresponde relativamente desenvolvidos já no final do estágio superior da barbárie Ao lado do cereal produziamse vinho e óleo os fenícios foram gradativamente privados do comércio marítimo no mar Egeu e boa parte dele passou a ser controlada pelos áticos Pela compra e venda da propriedade fundiária pela progressiva divisão do trabalho entre cultivo do solo e manufatura comércio e navegação os integrantes das gentes fratrias e tribos logo se misturaram o distrito da fratria e da tribo receberia habitantes que embora fossem compatriotas não pertenciam a esses organismos e portanto eram estranhos em seu local de moradia Pois em tempos mais tranquilos cada fratria e cada tribo geriam seus assuntos sem consultar o conselho ou o basiléus em Atenas Porém naturalmente quem morasse no território da fratria ou da tribo sem pertencer a ela não podia participar dessa gestão Isso desorganizou de tal maneira o funcionamento regular dos órgãos da constituição gentílica que já na era dos heróis foi preciso encontrar uma saída A constituição atribuída a Teseu foi instituída A mudança consistiu sobretudo na instalação de uma administração central em Atenas isto é uma parte dos assuntos até ali geridos autonomamente pelas tribos foi declarada de interesse comum e transferida para o conselho comum com sede em Atenas Com isso os atenienses foram mais longe do que qualquer um dos povos nativos da América jamais foi a simples confederação de tribos morando umas ao lado das outras foi substituída pela fusão em um só povo Disso se originou um direito universal do povo ateniense que se sobrepunha à prática jurídica das tribos e gentes o cidadão ateniense obtinha enquanto tal certos direitos e nova proteção jurídica mesmo no território de uma tribo que não era sua de origem Desse modo deuse o primeiro passo para subverter a constituição gentílica pois foi o primeiro passo para a posterior admissão de cidadãos que não eram originários de nenhuma das tribos da Ática que se encontravam e permaneciam totalmente fora da constituição gentílica ateniense Uma segunda instituição atribuída a Teseu foi a subdivisão de todo o povo sem considerar gens fratria ou tribo em três classes a dos eupátridas ou nobres a dos geômoros ou agricultores e a dos demiurgos ou artesãos concedendo aos nobres o direito exclusivo de ocupar cargos públicos Com exceção da ocupação dos cargos pela nobreza essa divisão ficou sem efeito dado que de resto não fundamentou nenhuma diferença de direitos entre as classes a Mas ela é importante porque apresenta os novos elementos sociais que haviam se desenvolvido na surdina Mostra que o preenchimento costumeiro dos cargos gentílicos por certas famílias já havia evoluído para um direito pouco questionado dessas famílias aos cargos que essas famílias de qualquer modo poderosas em virtude de sua riqueza começaram a se juntar fora de suas gentes em uma classe privilegiada própria e que o Estado que estava surgindo santificou essa pretensão Mostra ademais que a divisão do trabalho entre camponeses e artesãos já havia se consolidado a ponto de competir em termos de importância social com a antiga classificação por gentes e tribos Por fim proclama o antagonismo incompatível entre sociedade gentílica e Estado a primeira tentativa de formação do Estado consiste em estraçalhar as gentes dividindo os membros de cada uma em privilegiados e preteridos e estes por sua vez em duas classes de acordo com seu trabalho contrapondoas assim uma à outra A história política subsequente de Atenas com exceção de Sólon é pouco conhecida O cargo do basiléus decaiu e o Estado passou a ser dirigido por arcontes eleitos entre a nobreza O domínio da nobreza cresceu cada vez mais até que por volta do ano 600 antes da nossa era se tornou insuportável E os principais meios de opressão da liberdade comum foram mais precisamente o dinheiro e a usura A sede principal da nobreza era Atenas e seu entorno onde o comércio marítimo associado à pirataria ocasional a enriquecia e concentrava a riqueza monetária em suas mãos A partir daí a economia monetária em desenvolvimento penetrou como um ácido corrosivo no modo tradicional de existência das comunidades rurais baseadas na economia natural A constituição gentílica é absolutamente incompatível com a economia monetária a ruína dos camponeses parceleiros da Ática coincidiu com o afrouxamento dos antigos laços gentílicos que os protegiam A nota promissória e o penhor de bens pois a hipoteca também já havia sido inventada pelos atenienses não respeitavam nem gens nem fratria A antiga constituição gentílica não conhecia nem dinheiro nem empréstimo nem dívida monetária Por conseguinte o domínio monetário da nobreza que se disseminava de modo cada vez mais exuberante elaborou para si um novo direito consuetudinário que visava garantir o credor contra o devedor consagrar a espoliação do pequeno agricultor pelo possuidor de dinheiro Todos os campos de cultivo da Ática estavam eivados de colunas em que se lia que o solo onde estavam fixadas estava hipotecado a este e aquele por tanto dinheiro As lavouras que não estavam assinaladas dessa maneira já haviam sido em grande parte vendidas por hipoteca ou juros vencidos e haviam sido incorporadas à propriedade do usurário nobre o camponês podia se dar por satisfeito quando lhe era permitido permanecer na terra como arrendatário e viver com um sexto da produção de seu trabalho tendo de pagar cinco sextos ao novo senhor pelo arrendamento Isso não era tudo Se o valor obtido pela venda do terreno não fosse suficiente para cobrir a dívida ou se essa dívida não tivesse garantia hipotecária o devedor tinha de vender seus filhosfilhas como escravosescravas a estrangeiros para satisfazer o credor A venda de filhosfilhas pelo pai esse foi o primeiro fruto do direito paterno e da monogamia E se o sanguessuga não se desse por satisfeito podia vender o próprio devedor como escravo Essa foi a aprazível aurora da civilização entre o povo ateniense Anteriormente quando a condição de vida do povo ainda correspondia à constituição gentílica uma revolução como essa era impossível e aqui ela tinha acontecido só não se sabia como Voltemos um momento aos nossos iroqueses Ali era impensável uma situação como a que se impusera aos atenienses por assim dizer sem sua colaboração e decerto contra a sua vontade Ali a maneira de produzir o sustento que ano após ano permanecia a mesma jamais seria capaz de gerar tais conflitos como que impostos de fora ou um antagonismo entre rico e pobre espoliadores e espoliados Os iroqueses ainda estavam muito longe de dominar a natureza mas dentro dos limites naturais impostos a eles dominavam sua produção Afora as colheitas ruins em suas pequenas hortas o esgotamento da reserva de peixes em seus lagos e rios e da caça em suas florestas eles sabiam o que resultaria de sua forma de conseguir o sustento O que deveria resultar era o sustento da vida fosse mais parco ou mais abundante porém o que jamais poderia resultar eram as revoluções sociais não pretendidas o rompimento dos laços gentílicos a divisão dos membros da gens e da tribo em classes antagônicas A produção se movia dentro dos limites mais estreitos possíveis mas os produtores controlavam seu produto Essa foi a enorme vantagem da produção bárbara que se perdeu com o início da civilização e cuja reconquista agora com base no tremendo domínio sobre a natureza já conquistado pelo ser humano e na agora possível livre associação será tarefa das próximas gerações Não foi assim entre os gregos O surgimento da propriedade privada de rebanhos e artigos de luxo levou à troca entre os indivíduos à transformação dos produtos em mercadorias E nesse ponto reside o embrião de toda a revolução seguinte No momento em que os produtores passaram a não mais consumir diretamente seu produto mas a entregálo para ser trocado perderam o domínio sobre ele Deixaram de saber o que era feito dele e assim se deu a possibilidade de que o produto viesse a ser usado contra o produtor para espoliálo e oprimilo É por isso que nenhuma sociedade poderá manter a longo prazo o domínio sobre a própria produção e o controle sobre os efeitos sociais de seu processo de produção se não abolir a troca entre indivíduos Porém os atenienses logo perceberiam com que rapidez o produto faz valer seu domínio sobre o produtor após o surgimento da troca entre os indivíduos e a transformação dos produtos em mercadorias A produção de mercadorias trouxe consigo o cultivo do solo por indivíduos para proveito próprio o que levou logo em seguida à propriedade fundiária individual Além disso apareceu o dinheiro a mercadoria universal que podia ser trocada por todas as outras mas ao inventarem o dinheiro os homens não imaginavam que estavam criando um novo poder social o poder universal único diante do qual toda a sociedade deveria curvarse E esse poder novo que brotou repentinamente sem que seus próprios autores o soubessem e quisessem fez com que os atenienses sentissem seu domínio com toda a brutalidade de seu viço juvenil O que fazer A antiga constituição gentílica não só havia se mostrado impotente contra o avanço triunfal do dinheiro mas também foi absolutamente incapaz de encontrar espaço dentro do seu âmbito para coisas como dinheiro credores e devedores cobrança compulsória de dívidas Porém lá estava o novo poder social e os desejos piedosos e a saudade dos bons e velhos tempos não lograriam tirar o dinheiro e a usura do mundo E ainda por cima uma série de outras brechas de importância secundária abriuse na constituição gentílica A mescla entre membros das gentes e das fratrias em todo o território ático principalmente na cidade de Atenas havia se intensificado de geração para geração embora um ateniense mesmo podendo vender lotes de terra para fora de sua gens ainda não pudesse fazer o mesmo com sua moradia A divisão do trabalho entre os diversos ramos de produção a agricultura a manufatura e seus inúmeros subtipos o comércio a navegação etc havia se aprimorado com os progressos da indústria e do transporte a população passou a se subdividir em grupos bem definidos de acordo com a sua ocupação cada um deles com uma série de novos interesses em comum para os quais não havia lugar na gens ou fratria e que portanto para serem atendidos exigiam a criação de novos cargos A quantidade de escravos havia se multiplicado consideravelmente e já naquela época deve ter ultrapassado em muito a dos atenienses livres originalmente a constituição gentílica não conhecia nenhum tipo de escravidão e portanto não tinha meio de manter sob controle essa massa de indivíduos não livres E por fim o comércio havia levado para Atenas uma multidão de estrangeiros que ali se estabeleceram em vista do ganho fácil e que segundo a constituição antiga não tinham direitos nem proteção apesar da tradicional tolerância eles continuaram sendo um elemento estranho e incômodo em meio ao povo Em suma a constituição gentílica chegou ao fim Diariamente a sociedade a extrapolava ela não conseguia inibir tampouco eliminar nem sequer os piores males que surgiram diante de seus olhos Mas entrementes o Estado havia se desenvolvido sem chamar a atenção Os novos grupos criados pela divisão do trabalho primeiro entre cidade e campo depois entre os diferentes ramos de trabalho da cidade haviam criado novos órgãos para representar seus interesses cargos de todo tipo haviam sido instituídos E em seguida o jovem Estado necessitava sobretudo de uma força armada própria que no caso de navegadores como os atenienses só poderia ser em primeiro lugar uma força naval destinada a travar pequenas guerras isoladas e a proteger os navios mercantes Em algum momento desconhecido antes de Sólon foram instituídas as naucrarias pequenas circunscrições territoriais doze em cada tribo cada naucraria devia construir equipar e tripular um navio de guerra e além disso fornecer dois cavaleiros Essa instituição atentou contra a constituição gentílica de duas formas Em primeiro lugar ao criar um poder público que já não coincidia com a totalidade do povo armado e em segundo lugar ao subdividir o povo pela primeira vez em função de finalidades públicas não de acordo com grupos aparentados mas de acordo com o local de coabitação Logo se mostrará a importância disso Como a constituição gentílica não proporcionava ajuda ao povo espoliado só restava o Estado em formação E este a proporcionou na forma da constituição de Sólon fortalecendose enfim ao mesmo tempo à custa da antiga constituição Sólon não nos interessa aqui como foi imposta sua reforma realizada no ano de 594 antes da nossa era Sólon inaugurou a série das chamadas revoluções políticas e fez isso mediante uma intervenção na propriedade Até hoje todas as revoluções foram feitas para proteger um tipo de propriedade contra outro tipo de propriedade Elas não conseguem proteger uma sem violar a outra Na grande Revolução Francesa a propriedade feudal foi sacrificada para salvar a propriedade burguesa na de Sólon a propriedade dos credores teve de ser sacrificada em benefício da propriedade dos devedores As dívidas simplesmente foram declaradas sem validade Não conhecemos exatamente os detalhes mas Sólon se vangloria em seus poemas de ter varrido das terras endividadas as colunas hipotecárias e ter repatriado os que haviam sido vendidos para o estrangeiro ou estavam foragidos por causa de dívidas Isso só foi possível por uma flagrante violação da propriedade E de fato da primeira à última das chamadas revoluções políticas todas visavam proteger a propriedade isto é um de seus tipos e foram levadas a cabo por meio do confisco também chamado roubo da propriedade do outro tipo Isso é tanto mais verdadeiro que há dois mil e quinhentos anos a propriedade privada só pôde se manter por meio da violação da propriedade Porém o que importava então era impedir o retorno da escravização de atenienses livres Isso aconteceu primeiramente por meio de disposições gerais por exemplo a proibição de contratos de dívida em que a pessoa do devedor era dada como garantia Além disso foi estipulado o tamanho máximo da propriedade fundiária que podia estar sob posse de um indivíduo para pelo menos interpor algumas barreiras à avidez da nobreza pela terra do camponês Em seguida porém vieram as alterações da constituição as mais importantes para nós são estas O conselho aumentou para quatrocentos membros cem de cada tribo nesse caso portanto a base continuou sendo a tribo Mas esse também foi o único aspecto em que a constituição antiga foi incorporada ao novo organismo estatal Pois de resto Sólon subdividiu os cidadãos em quatro classes de acordo com a extensão de terra que possuíam e sua produção 500 300 e 150 medimnos de cereal 1 medimno cerca de 41 litros era a produção mínima para as primeiras três classes quem tinha menos ou nenhuma propriedade fundiária era incluído na quarta classe Os cargos só podiam ser ocupados pelas três classes superiores e os cargos mais altos só pela primeira classe a quarta classe só tinha o direito de falar e votar na assembleia popular mas nesta eram eleitos todos os funcionários públicos a esta eles tinham de prestar contas nesta eram feitas todas as leis e nesta a quarta classe constituía a maioria As prerrogativas aristocráticas foram em parte renovadas na forma de prerrogativas da riqueza mas o povo manteve o poder de decisão Além disso as quatro classes serviram de base para uma nova organização do exército As duas primeiras classes providenciaram a cavalaria a terceira classe servia como infantaria pesada a quarta como infantaria leve sem armadura ou na frota e nesse caso provavelmente recebia soldo Aqui portanto um elemento inteiramente novo foi introduzido na constituição a posse privada Os direitos e deveres dos cidadãos do Estado passaram a ser estipulados de acordo com o tamanho de sua propriedade fundiária e os antigos organismos de consanguinidade foram sendo deixados de lado na mesma proporção em que as classes abastadas ganhavam influência a constituição gentílica sofreu uma nova derrota No entanto a estipulação dos direitos políticos segundo as posses não figurava entre os dispositivos sem os quais o Estado não poderia existir Por maior que tenha sido seu papel na história da constituição dos Estados um grande número de Estados e justamente os mais plenamente desenvolvidos não precisou dela Em Atenas ela teve um papel apenas passageiro desde Aristides todo cidadão tinha acesso a todos os cargos Nos oitenta anos subsequentes a sociedade ateniense tomou o rumo em que se desenvolveria pelos séculos seguintes Um freio fora posto na prática abusiva da usura em relação à terra bem como na concentração desmedida da propriedade fundiária que caracterizaram a época anterior a Sólon O comércio e a manufatura praticada cada vez mais com trabalho escravo bem como o artesanato tornaramse os principais ramos de atividade de subsistência As pessoas ficaram mais esclarecidas Em vez de espoliar os próprios concidadãos daquela maneira brutal do início passaram a explorar preponderantemente os escravos e a clientela estrangeira A posse móvel a riqueza monetária e a riqueza em escravos e navios cresceram constantemente mas já não eram simples meios de adquirir terras como nos primeiros tempos de tacanhice elas se tornaram um fim em si Desse modo por um lado o velho poder da nobreza ganhou um concorrente vitorioso na nova classe dos ricos da indústria e do comércio mas por outro esta privou de seu último reduto os restos da antiga constituição gentílica As gentes fratrias e tribos cujos membros se espalhavam por toda a Ática e estavam totalmente misturados tornaramse por causa disso inteiramente ineptas como corporações políticas uma porção de cidadãos atenienses não pertencia a nenhuma gens eram imigrantes que haviam obtido o direito de cidadania mas não foram aceitos nas antigas associações consanguíneas ao lado deles ainda havia um número cada vez maior de imigrantes estrangeiros na condição de clientes Enquanto isso as lutas partidárias prosseguiam a nobreza procurava reconquistar suas prerrogativas e por um instante voltou à supremacia até que a revolução de Clístenes 509 antes da nossa era a derrubou definitivamente e com ela o último resquício da constituição gentílica Na sua nova constituição Clístenes ignorou as quatro antigas tribos baseadas em gentes e fratrias Elas foram substituídas por uma organização totalmente nova baseada na subdivisão dos cidadãos em naucrarias ou seja apenas segundo o seu local de residência O fator decisivo passou a ser o domicílio e não mais o pertencimento a associações consanguíneas não foi o povo que foi subdividido mas o território politicamente os habitantes se tornaram mero acessório do território Toda a Ática foi dividida em cem distritos comunitários os dêmoi cada qual com administração própria Os cidadãos domiciliados em cada dêmos os demótai elegiam seus presidentes démarchoi e tesoureiros bem como trinta juízes com jurisdição sobre litígios menores Receberam igualmente um templo próprio com um deus ou herói protetor servido por sacerdotes que eles mesmos escolhiam O poder máximo no dêmos consistia na assembleia dos demótai Como Morgan observa corretamente tratase do protótipo da comunidade citadina autogovernada da América do Norte b O Estado em surgimento em Atenas começa com a mesma unidade com que começa o Estado moderno em sua formação suprema Dez unidades desse tipo dez dêmoi formavam uma tribo que no entanto diferentemente da antiga tribo de tal linhagem é chamada agora tribo de tal lugar A tribo do lugar era não só uma corporação política autogerida mas também uma corporação militar Ela elegia o fýlarchos ou chefe da tribo que comandava a cavalaria o taxíarchos que comandava a infantaria e o strategós que comandava todas as tropas recrutadas no território da tribo Além disso armava cinco navios de guerra com tripulação e comandante e recebia como santo protetor um herói ático com cujo nome ela se designava Por fim elegia cinquenta conselheiros para o conselho de Atenas O coroamento era o Estado ateniense governado pelo conselho constituído pelos quinhentos representantes eleitos pelas dez tribos e em última instância pela assembleia do povo à qual todo cidadão ateniense tinha acesso e na qual tinha direito a voto Além disso arcontes e outros funcionários respondiam pelos diferentes setores da administração e pelas questões judiciais Não havia em Atenas um funcionário supremo do poder executivo Essa nova constituição e a admissão de um grande número de clientes em parte imigrantes e em parte escravos libertos alijaram dos assuntos públicos os órgãos da constituição gentílica eles foram reduzidos a clubes privados e cooperativas religiosas Mas a influência moral as concepções e ideias tradicionais da antiga época gentílica foram transmitidas ainda por muito tempo e só aos poucos se extinguiram Isso se evidenciou em outra instituição estatal Vimos que uma das características essenciais do Estado consiste em ser um poder público distinto da massa do povo Nessa época Atenas possuía apenas um exército popular e uma frota fornecida diretamente pelo povo ambos protegiam Atenas contra os inimigos de fora e mantinham sob controle os escravos que já naquela época constituíam a maioria da população De início para os cidadãos esse poder público consistia somente na polícia que é tão antiga quanto o Estado razão pela qual os ingênuos franceses do século XVIII não falavam de nações civilizadas mas de nações policiadas nations policées Portanto simultaneamente ao Estado os atenienses instituíram uma polícia uma verdadeira gendarmaria formada por arqueiros a pé e a cavalo Landjäger guarda rural como se diz no sul da Alemanha e na Suíça No entanto essa gendarmaria era formada por escravos O ateniense livre considerava o serviço de algoz tão aviltante que preferia ser detido por um escravo armado a prestarse pessoalmente a um ato tão infame Essa ainda era a velha mentalidade gentílica O Estado não podia existir sem a polícia mas ainda era jovem e não tinha respeito moral suficiente para tornar honroso um ofício que para os antigos membros da gens parecia necessariamente infame O desenvolvimento acelerado da riqueza do comércio e da indústria evidenciou quanto o Estado cujos traços principais já estavam consolidados era adequado à nova condição social dos atenienses O antagonismo de classes que passou a servir de base para as instituições sociais e políticas já não era mais entre os nobres e o povo comum mas sim entre pessoas escravizadas e livres entre clientes e cidadãos No auge de seu florescimento a população de Atenas era composta de aproximadamente 90000 cidadãos livres incluindo mulheres e crianças que conviviam com 365000 escravos de ambos os sexos e 45000 clientes imigrantes e libertos Portanto para cada cidadão adulto do sexo masculino havia no mínimo 18 escravos e mais de dois clientes O grande número de escravos advinha do fato de muitos trabalharem juntos em manufaturas espaços amplos sob supervisão Porém o desenvolvimento do comércio e da indústria foi acompanhado de acumulação e concentração de riqueza nas mãos de poucos empobrecimento da massa dos cidadãos livres aos quais só restou competir com o trabalho escravo por meio do próprio trabalho manufatureiro o que era considerado vergonhoso e vil e tinha pouca perspectiva de êxito ou empobrecer Naquelas circunstâncias escolhiam necessariamente empobrecer e visto que formavam a massa arruinaram todo o Estado ateniense Não foi a democracia que levou Atenas à ruína como afirmam os mestresescolas europeus que abanam o rabo para os príncipes mas a escravidão que proscreveu o trabalho do cidadão livre A gênese do Estado entre os atenienses constitui um modelo especialmente típico da formação do Estado em geral porque por um lado ela transcorre de modo inteiramente puro sem interferência externa nem violação interna a usurpação de Pisístrato não deixou vestígios de sua curta duração e por outro lado fez surgir um Estado altamente desenvolvido a república democrática diretamente da sociedade gentílica e por fim porque temos conhecimento suficiente de todos os pormenores essenciais a Na edição de 1884 consta dado que as outras duas classes não receberam nenhum direito específico em vez de dado que de resto não fundamentou nenhuma diferença de direitos entre as classes N E A b Lewis H Morgan Ancient Society cit p 271 N E A VI GENS E ESTADO EM ROMA Da lenda da fundação de Roma depreendese que o primeiro assentamento foi obra de certo número de gentes latinas cem de acordo com a lenda unidas em uma tribo às quais logo se teria aliado uma tribo sabeliana constituída igualmente de cem gentes e por último uma terceira tribo composta de diversos elementos também de cem gentes Toda a narrativa mostra à primeira vista que ali pouca coisa havia de naturalmente formado a não ser a gens e mesmo esta em muitos casos era apenas uma muda transplantada de uma gens mãe que continuava a existir em sua antiga terra natal As tribos levam marcado na testa o carimbo da composição artificial mas são formadas em geral por elementos aparentados e seguem o modelo da tribo antiga que se desenvolve naturalmente não sendo criada artificialmente porém não se pode excluir a possibilidade de que o núcleo de cada uma das três tribos tenha sido uma tribo antiga real O elo intermediário a fratria constituíase de dez gentes e se chamava cúria havia portanto trinta cúrias É aceito de modo geral que a gens romana e a grega eram a mesma instituição se a gens grega constituiu uma evolução da unidade social cuja forma originária nos é apresentada pelos pelesvermelhas americanos isso vale tal e qual para a gens romana Podemos portanto ser mais sucintos aqui A gens romana tinha pelo menos na época mais antiga da cidade a seguinte constituição 1 Direito de herança recíproco entre os integrantes da gens os bens permaneciam na gens Visto que tanto na gens romana quanto na gens grega já vigorava o direito paterno os descendentes da linha feminina eram excluídos Segundo a Lei das Doze Tábuas a mais antiga versão escrita do direito romano que conhecemos os primeiros a herdar eram os filhos e filhas como herdeiros naturais Não havendo filhos herdavam os agnatos parentes pela linha masculina na falta destes os demais integrantes da gens Em qualquer desses casos os bens ficavam na gens Aqui observamos a penetração gradual de novas disposições legais no costume gentílico criadas pelo aumento da riqueza e pela monogamia O direito hereditário que originalmente era igual para todos os integrantes da gens foi primeiramente delimitado aos agnatos o que aconteceu já muito cedo como foi anteriormente mencionado depois aos filhos e filhas e respectivos descendentes pela linha masculina Na Lei das Doze Tábuas essa ordem naturalmente aparece invertida 2 Posse de um local comum para sepultar os mortos Ao emigrar de Régilo para Roma a gens patrícia Cláudia recebeu além de um pedaço de terra um local na cidade para sepultar seus mortos Ainda na época de Augusto Varo que morrera na floresta de Teutoburgo e cuja cabeça fora levada para Roma foi enterrado num gentilitius tumulus túmulo gentílico portanto a gens Quinctilia ainda possuía um jazigo particular a 3 Celebrações religiosas comuns Estas as sacra gentilitia são bem conhecidas 4 Obrigação de não casar na gens Parece que em Roma isso jamais foi convertido em lei escrita mas o costume permaneceu Da enormidade de casais romanos cujos nomes nos foram preservados não há nenhum em que homem e mulher tenham o mesmo nome gentílico O direito de herança também comprova essa regra Pelo casamento a mulher perde seus direitos agnatícios sai de sua gens nem ela nem seus filhos e filhas podem herdar de seu pai ou dos irmãos deste porque do contrário a gens paterna perderia a parte da herança Isso só faz sentido quando se pressupõe que a mulher não pode casar com nenhum integrante de sua gens 5 Uma posse fundiária comum Esta sempre existiu em tempos primitivos desde que a terra da tribo começou a ser repartida Entre as tribos latinas o solo era posse em parte da tribo em parte da gens em parte das economias domésticas que naquela época dificilmente b consistiam em famílias individuais Rômulo teria feito as primeiras repartições de terra entre indivíduos mais ou menos um hectare duas iugera para cada um No entanto mais tarde ainda encontramos posse fundiária nas mãos das gentes para não falar da terra do Estado em torno da qual gira toda a história interna da república 6 Dever dos integrantes da gens de se protegerem e se apoiarem mutua mente A história escrita mostra apenas resquícios disso o Estado romano entrou em cena desde o início com tal supremacia que o direito de proteção contra as injustiças passou para ele Quando Ápio Cláudio foi preso toda a sua gens pôs luto inclusive aqueles que eram seus inimigos pessoais Na época da Segunda Guerra Púnica as gentes se aliaram para pagar o resgate de seus integrantes que haviam sido feitos prisioneiros de guerra o senado proibiuas de fazer isso 7 O direito de usar o nome gentílico Permaneceu até o período imperial aos libertos era permitido que assumissem o nome gentílico de seus exsenhores mas sem os direitos gentílicos 8 Direito de adotar estranhos na gens Isso se dava por meio da adoção por uma família como entre os índios que tinha como consequência a aceitação na gens 9 O direito de eleger e depor o líder não é mencionado em lugar nenhum Como porém nos primórdios de Roma todos os cargos eram ocupados por eleição ou nomeação do rei para baixo e até os sacerdotes das cúrias eram eleitos por elas podemos presumir a mesma coisa para os líderes principes das gentes embora já se tivesse tornado regra na gens que fossem sempre da mesma família Essas eram as competências de uma gens romana Com exceção da transição já consumada para o direito paterno elas constituem o retrato fiel dos direitos e deveres de uma gens iroquesa também aqui se vislumbra inconfundivelmente o iroquês c Quanto à confusão que reina até hoje a respeito da ordem gentílica romana inclusive entre nossos historiadores mais renomados que seja dado apenas um exemplo No tratado de Mommsen sobre os nomes próprios romanos do período da República e de Augusto Römische Forschungen Berlim 1864 v I consta o seguinte O nome gentílico competia também às mulheres além de a todos os integrantes masculinos da gens naturalmente excetuando os escravos mas incluindo os adotivos e os clientes A tribo é assim que Mommsen traduz gens aqui é uma sociedade oriunda de uma linhagem comum real suposta ou mesmo fictícia comunidade constituída como cooperativa de celebração sepultura e herança da qual podiam e deveriam se considerar participantes todos os indivíduos livres portanto também as mulheres Porém a determinação do nome gentílico causava dificuldade às mulheres casadas Essa dificuldade estava excluída na medida em que a mulher tinha permissão de contrair matrimônio somente com um membro de sua gens e comprovadamente por muito tempo as mulheres tiveram mais dificuldade para casar fora de sua gens do que dentro dela visto que aquele direito a gentis enuptio casamento fora da gens era concedido ainda no século VI como privilégio pessoal a título de recompensa Porém quando aconteceram esses casamentos fora da gens a mulher deve ter nos tempos mais antigos passado para a tribo do esposo Nada é mais certo do que isto no antigo casamento religioso a mulher entrava totalmente na comunidade jurídica e sacral do esposo e saía da sua Quem não sabe que a mulher casada perde ativa e passivamente o direito de herança em relação aos membros de sua gens e em contrapartida entra em união hereditária com seu esposo seus filhos e os integrantes da gens deles E quando ela é assumida pelo esposo como filha e integrada a sua família como poderia ela permanecer longe da gens dele p 811 Mommsen afirma portanto que as mulheres romanas de uma gens podiam casar originalmente apenas dentro de sua gens e que por conseguinte a gens romana era endogâmica e não exogâmica Essa opinião que contradiz toda a experiência entre outros povos baseiase principalmente se não exclusivamente em uma única passagem muito controvertida de Tito Lívio Ab urbe condita livro XXXIX cap 19 segundo a qual o senado decidiu no ano 568 da cidade e 186 da nossa era uti Feceniae Hispalae datio deminutio gentis enuptio tutoris optio item esset quasi ei vir testamento dedisset utique ei ingenuo nubere liceret neu quid ei qui eam duxisset ob id fraudi ignominiaeve esset que Fecênia Híspala terá o direito de dispor de seus bens diminuílos casar fora da gens e escolher um tutor para si como se seu esposo falecido d lhe tivesse conferido esse direito por testamento que ela possa casar com um homem livre e que não seja considerado malfeito ou vergonha para quem a tomar por esposa Aqui portanto é indubitavelmente conferido a Fecênia uma liberta o direito de casar fora da gens E de modo igualmente indubitável de acordo com isso o esposo tinha o direito de conferir por testamento a sua esposa o direito de após sua morte casar fora da gens Mas fora de qual gens Se a mulher era obrigada a casar dentro de sua gens como pressupõe Mommsen ela ficava nessa gens também após o casamento Em primeiro lugar porém essa endogamia afirmada da gens é justamente o que precisa ser provado E em segundo lugar se a mulher era obrigada a casar dentro da gens o homem naturalmente também era pois do contrário ele não conseguiria esposa Chegamos então ao ponto em que o homem podia conferir por testamento a sua esposa um direito que nem ele próprio tinha para si desembocamos em um contrassenso jurídico Mommsen também sente isso e por conseguinte lança a seguinte suposição Para o casamento fora da gens certamente se necessitava juridicamente do consentimento não só do detentor do poder mas também de todos os integrantes da gens p 10 nota Em primeiro lugar tratase de uma suposição bastante ousada e em segundo lugar ela contradiz o teor claro da passagem o senado confere à mulher esse direito no lugar do homem ele lhe dá expressamente nada mais nada menos do que o esposo poderia terlhe dado mas o que ele lhe dá é um direito absoluto sem nenhuma outra restrição de modo que se ela fizer uso dele seu novo esposo não será prejudicado o senado encarrega até mesmo os cônsules e os pretores atuais e futuros de cuidar para que daí não lhe advenha nenhum tipo de injustiça A suposição de Mommsen parece portanto absolutamente inadmissível Ou então a mulher casaria com um homem de outra gens mas permaneceria na gens em que nasceu Nesse caso segundo a passagem acima seu esposo tinha o direito de permitir que a esposa casasse fora de sua gens Isto é ele tinha o direito de tomar providências em assuntos de uma gens à qual ele nem mesmo pertencia Tratase de um contrassenso tão grande que não devemos gastar mais nenhuma palavra com ele Resta portanto a hipótese de que no primeiro matrimônio a mulher tenha casado com um homem de outra gens e mediante essa união tenha passado sem mais para a gens do esposo o que Mommsen de fato também admite para tais casos Então todo o nexo se explica de imediato A mulher desarraigada de sua antiga gens pelo casamento e acolhida na nova associação gentílica do esposo tem nesta uma posição bastante peculiar Ela é integrante da gens mas não é consanguínea o modo como foi acolhida a exclui desde o começo de qualquer proibição de casamento dentro da gens na qual ingressou justamente pelo casamento além disso ela foi aceita na associação matrimonial da gens herda por ocasião da morte de seu esposo parte do patrimônio deste que portanto é patrimônio de um integrante da gens O que é mais natural do que exigir que esse patrimônio permaneça na gens e que ela portanto seja obrigada a casar com um integrante da gens de seu primeiro esposo e com nenhum outro E caso se queira abrir uma exceção quem teria maior competência para autorizála a fazer isso do que aquele que lhe legou o patrimônio em questão ou seja seu primeiro esposo No momento em que ele lhe legou uma parte de seu patrimônio e simultaneamente lhe permitiu transferir mediante casamento essa parte do patrimônio a uma gens estranha esse patrimônio ainda lhe pertence e portanto ele dispõe literalmente apenas de sua propriedade No que se refere à mulher e à relação desta com a gens de seu esposo foi ele que a introduziu nessa gens mediante um ato livre de sua vontade o casamento parece portanto igualmente natural que ele seja a pessoa competente para autorizála a sair dessa gens mediante um segundo casamento Em suma a coisa parece simples e óbvia assim que deixamos de lado a concepção mirabolante da gens romana endogâmica e acompanhando Morgan a concebemos como originalmente exogâmica Ainda resta uma última suposição que pelo visto ganhou o maior número de adeptos a passagem diria apenas que servas libertas libertae não poderiam sem aprovação específica e gente enubere casar fora da gens ou efetuar qualquer outro ato que associado à capitis deminutio minima perda dos direitos da família resultasse no egresso da liberta da associação gentílica Ludwig Lange Römische Alterthümer Berlim 1856 v I p 195 onde se faz referência a Huschke no que diz respeito à passagem de Lívio e Se essa suposição estiver correta a passagem não prova absolutamente nada sobre as relações das romanas livres e não pode se referir a uma obrigação de elas casarem dentro da gens A expressão enuptio gentis ocorre apenas nessa passagem e não aparece mais em toda a literatura romana a palavra enubere casar fora ocorre apenas três vezes igualmente em Lívio e nelas não tem relação com a gens A fantasia de que as mulheres romanas só podiam se casar dentro da gens deve sua existência a essa passagem Mas ela não se sustenta Pois ou a passagem se refere a restrições específicas para libertas e nesse caso nada prova com referência às mulheres livres ingenuae ou então vale também para as mulheres livres e nesse caso prova que via de regra a mulher casava fora de sua gens mas com o casamento passava para a gens do esposo portanto contra Mommsen e a favor de Morgan Trezentos anos depois da fundação de Roma os laços gentílicos ainda eram tão firmes que uma gens patrícia a dos fábios ainda pôde empreender por conta própria e com o beneplácito do senado uma expedição guerreira contra a cidade vizinha de Veios Trezentos e seis fábios teriam saído a campo e todos teriam sido emboscados e mortos um único rapaz que ficara pelo caminho teria propagado a gens Como foi dito dez gentes compunham uma fratria que nesse caso denominavase cúria e detinha competências públicas mais importantes do que a fratria grega Cada cúria tinha suas próprias práticas religiosas seus próprios santuários e sacerdotes a totalidade destes formava um colégio romano de sacerdotes Dez cúrias compunham uma tribo que provavelmente a exemplo das demais tribos latinas tinha em sua origem um líder eleito comandante de tropas e sumo sacerdote A totalidade das três tribos formava o povo romano o populus romanus Portanto só podia pertencer ao povo romano quem fosse membro de uma gens e por meio desta de uma cúria e de uma tribo A primeira constituição desse povo foi a seguinte Os assuntos públicos eram resolvidos primeiro pelo senado que como Niebuhr viu corretamente pela primeira vez era composto dos líderes das trezentas gentes justamente por serem os mais velhos das gentes eram chamados de patres pais e seu conjunto era denominado senado conselho dos mais velhos de senex velho A eleição habitual de uma mesma família de cada gens deu origem também nesse caso à primeira nobreza tribal essas famílias se chamavam patrícias e reivindicavam o direito exclusivo de ingressar no senado e ocupar os demais cargos O fato de o povo ter aceitado essa reivindicação com o passar do tempo e de ela ter se convertido em direito efetivo é expresso pela lenda da concessão do patriciado e de suas prerrogativas por Rômulo aos primeiros senadores e a seus descendentes O senado a exemplo da bulé ateniense tomava decisões em muitos assuntos deliberava previamente sobre leis importantes principalmente sobre leis novas Estas eram decididas pela assembleia popular denominada comitia curiata assembleia das cúrias O povo se dividia em cúrias e em cada cúria provavelmente em gentes na tomada de decisão cada uma das trinta cúrias tinha um voto A assembleia das cúrias acolhia ou rejeitava todas as leis elegia todos os funcionários dos escalões mais altos inclusive o rex o assim chamado rei declarava guerra mas era o senado que firmava a paz e decidia na qualidade de corte suprema por convocação dos envolvidos todos os casos que implicavam pena de morte contra um cidadão romano Por fim paralelamente ao senado e à assembleia popular encontravase o rex que correspondia exatamente ao basiléus grego e não era de modo algum o rei quase absoluto descrito por Mommsen f 7 Ele também era comandante de tropas sumo sacerdote e presidente de certos tribunais Mas não tinha nenhuma competência civil ou poder sobre a vida a liberdade e a propriedade dos cidadãos a não ser que decorressem da disciplina do comandante de tropas ou do poder judicante do presidente do tribunal O cargo de rex não era hereditário pelo contrário ele era eleito pela assembleia das cúrias provavelmente por proposição do predecessor no cargo e empossado solenemente por uma segunda assembleia O rex também podia ser deposto o que fica comprovado pelo destino de Tarquínio o Soberbo Portanto como os gregos da era dos heróis os romanos da era dos assim chamados reis também viviam em uma democracia militar fundada em gentes fratrias e tribos e desenvolvida a partir delas As cúrias e tribos podem em parte ter sido formações artificiais mas foram moldadas segundo os modelos genuínos e naturais da sociedade da qual se originaram e que ainda os rodeava por todos os lados A nobreza patrícia que surgiu naturalmente podia já ter logrado algum avanço os reges podiam tentar ampliar gradativamente suas competências isso não altera o caráter básico original da constituição e é só isso o que importa Entrementes a população da cidade de Roma e do território romano ampliado mediante conquistas se multiplicou em parte graças à imigração em parte devido aos habitantes das regiões conquistadas em sua maioria latinos Todos esses novos integrantes do Estado deixemos de lado aqui a questão referente aos clientes encontravamse fora das antigas gentes cúrias e tribos e portanto não faziam parte do populus romanus do povo romano propriamente dito Tinham liberdade pessoal podiam possuir terras e estavam obrigados a pagar impostos e prestar serviço militar Contudo não podiam ocupar cargos participar da assembleia das cúrias ou se beneficiar da repartição das terras conquistadas pelo Estado Compunham a plebs excluída de todos os direitos públicos Por seu número cada vez maior formação militar e armamento converteramse em um poder que ameaçava o antigo populus hermeticamente fechado a qualquer elemento vindo de fora A isso se soma que a posse fundiária aparentemente estava repartida de modo bastante equilibrado entre populus e plebs ao passo que a riqueza comercial e industrial que não estava ainda muito desenvolvida se encontrava decerto preponderantemente em poder da plebs Em virtude da densa escuridão em que a préhistória inteiramente lendária de Roma está envolvida uma escuridão que aumenta consideravelmente com as tentativas de interpretação e os relatos pragmáticoracionalistas mais recentes de autores com formação jurídica que nos servem de fonte é impossível dizer algo de concreto sobre a época o decurso e as circunstâncias da revolução que pôs fim à antiga constituição gentílica A única coisa que se sabe ao certo é que suas causas estão relacionadas às lutas entre plebs e populus A nova constituição atribuída ao rex Sérvio Túlio e baseada no modelo grego sobretudo em Sólon criou uma nova assembleia popular que incluía e excluía igualmente integrantes do populus e da plebs segundo tivessem prestado serviços na guerra ou não O conjunto da população masculina obrigada a prestar serviço militar foi dividido em seis classes de acordo com suas posses A posse mínima em cada uma das cinco classes era I 100000 asses II 75000 III 50000 IV 25000 V 11000 asses segundo Dureau de la Malle isso equivalia a cerca de 14000 10500 7000 3600 e 1570 marcos alemães A sexta classe a dos proletários era composta daqueles que possuíam menos bens e eram isentos do serviço militar e do pagamento de impostos Na nova assembleia popular das centúrias comitia centuriata os cidadãos compareciam em formação militar por companhias as centúrias compostas de cem homens e cada centúria tinha um voto Ocorre porém que a primeira classe tinha 80 centúrias a segunda 22 a terceira 20 a quarta 22 a quinta 30 a sexta para constar também tinha uma A essas se somavam as unidades de cavalarianos formadas pelos mais ricos com 18 centúrias ao todo 193 maioria de votos 97 Ora só os cavalarianos e a primeira classe já detinham juntos 98 votos ou seja a maioria se concordavam entre si os demais nem eram consultados a resolução válida já estava tomada Para essa nova assembleia das centúrias foram transferidos todos os direitos políticos da anterior a assembleia das cúrias exceto alguns direitos nominais por essa via as cúrias e as gentes que as compunham foram como em Atenas rebaixadas a meras associações privadas e religiosas e como tais ainda vegetaram por muito tempo enquanto a assembleia das cúrias não demorou a se extinguir completamente Para excluir também do Estado as três tribos mais antigas foram criadas quatro tribos territoriais cada uma das quais residindo em um quarto da cidade e com uma série de direitos políticos Desse modo também em Roma antes da abolição do chamado reinado a antiga ordem social baseada em laços consanguíneos já se rompera e fora substituída por uma constituição estatal real baseada na divisão territorial e na diferença de posses Nesse caso o poder público consistia no conjunto de cidadãos obrigados ao serviço militar e se contrapunha não só aos escravos mas também aos assim chamados proletários excluídos do serviço militar e da posse de armas No âmbito dessa nova constituição que só foi aprimorada após a expulsão do último rex Tarquínio o Soberbo que usurpou de fato o poder real e a substituição do cargo de rex por dois comandantes de tropas cônsules com igual poder oficial como entre os iroqueses no âmbito dessa constituição desenrolase a história completa da República romana com todas as lutas entre patrícios e plebeus pelo acesso aos cargos públicos e pela participação nas terras do Estado e com a dissolução final da nobreza patrícia na nova classe dos grandes possuidores de terras e dinheiro que pouco a pouco absorveram todos os bens fundiários dos camponeses arruinados pelo serviço militar usaram escravos para cultivar os enormes latifúndios daí resultantes despovoaram a Itália e desse modo escancararam a porta não só para o império mas também para seus sucessores os bárbaros germânicos a Na edição de 1884 a última frase diz o seguinte Ainda no reinado de Augusto Varo que morrera na floresta de Teutoburgo e cuja cabeça fora levada para Roma foi sepultado no jazigo da gens Quinctilia gentilitius tumulus túmulo gentílico N E A b Variante textual da edição de 1884 não necessariamente em vez de naquela época dificilmente N E A c Na edição de 1884 falta todo o trecho até Trezentos anos depois da fundação de Roma p 118 N E A d Acréscimo de Engels N T e Em seu livro Lange se refere à dissertação de Philipp Eduard Huschke De privilegiis Feceniae Hispalae senatusconsulto concessis Liv XXXIX 19 Göttingen 1822 N E A f Theodor Mommsen Römische Geschichte Leipzig 1851 v I livro I cap 6 N E A 7 O rex latino corresponde ao celtoirlandês righ chefe tribal e ao gótico reiks esse termo significava o mesmo que originalmente a nossa palavra Fürst isto é o primeiro como no inglês first e no dinamarquês forste isto é o líder da gens ou tribo o que se depreende do fato de que no século IV os godos já tinham uma palavra especial para o posterior rei o comandante de tropas de todo o povo thiudans Na tradução da Bíblia feita por Úlfilas Artaxerxes e Herodes nunca são chamados de reiks mas de thiudans e o reino do imperador Tibério nunca é chamado de reiki mas de thiudinassus As duas denominações se fundem no nome do thiudans gótico ou como traduzimos equivocadamente do rei Thiudareiks Teodorico isto é Dietrich em alemão VII A GENS ENTRE OS CELTAS E OS GERMANOS O espaço disponível nos proíbe de abordar as instituições gentílicas que existem ainda hoje em formas mais puras ou mais turvas nos mais diferentes povos selvagens e bárbaros ou seus vestígios na história mais antiga dos povos civilizados asiáticos a Aquelas e estes se encontram em toda parte Apenas alguns exemplos antes que a gens fosse identificada McLennan o homem que mais se esforçou por entendêla equivocadamente comprovou sua existência e em termos gerais a descreveu corretamente entre os calmucos circassianos samoiedos e três povos indianos os waralis os magares e os manipuris Recentemente M Kovalevski a descobriu e descreveu entre os pshavos chevsuros suanetos e outras tribos caucasianas A seguir apenas algumas breves notas sobre a ocorrência da gens entre celtas e germanos As leis celtas mais antigas que ainda se conservam mostram a gens em plena vitalidade na Irlanda ela ainda vive na consciência popular ao menos instintivamente depois que os ingleses a eliminaram à força na Escócia florescia plenamente ainda em meados do século passado mas também nesse caso sucumbiu às armas à legislação e aos tribunais ingleses As antigas leis galesas que foram registradas por escrito vários séculos antes da conquista inglesa no mais tardar no século XI ainda revelam a agricultura comunitária praticada por povoados inteiros mesmo que só como resquício excepcional de um costume geral mais antigo cada família tinha cinco acres para cultivo próprio ao lado destes uma parte era cultivada comunitariamente e a colheita era repartida Vista a semelhança entre Irlanda e Escócia não há por que duvidar que essas comunidades aldeãs representem gentes ou subdivisões de gentes mesmo que uma nova verificação das leis galesas para a qual me falta tempo meus excertos são de 1869 b não prove isso diretamente Porém o que as fontes galesas e com elas as irlandesas provam diretamente é que entre os celtas do século XI o casamento do par não havia sido substituído pela monogamia No País de Gales o casamento só se tornava indissolúvel ou melhor irrescindível após sete anos Faltando apenas três noites para se completarem os sete anos os cônjuges ainda podiam se separar Nesse caso era feita a repartição a mulher repartia o homem escolhia sua parte Os móveis eram divididos segundo certas regras muito divertidas Se o homem dissolvesse o casamento ele tinha de devolver à mulher o dote e algumas outras coisas se fosse a mulher ela recebia menos O homem ficava com duas das crianças a mulher com uma mais exatamente a do meio Se após a separação a mulher tomava outro homem e o primeiro a quisesse de volta ela tinha de ir com ele mesmo que já tivesse um pé no novo leito matrimonial Porém se os dois passassem sete anos juntos eles eram marido e esposa mesmo que não tivessem tido um casamento formal A virgindade das meninas antes do casamento não era observada nem rigorosamente exigida as prescrições referentes a esse ponto são de natureza extremamente frívola e de modo algum conformes com a moral burguesa Se uma mulher cometesse adultério o homem podia espancála um dos três casos em que isso lhe era permitido do contrário ele ficava sujeito a punição mas depois não podia exigir mais nenhuma satisfação pois pela mesma transgressão deve haver expiação ou vingança mas não ambas ao mesmo tempo c As razões pelas quais a mulher podia pedir a separação sem abdicar de suas reivindicações no conflito eram de natureza muito abrangente o mau hálito do homem já era suficiente O resgate pago ao chefe da tribo ou ao rei pelo direito da primeira noite gobr merch do qual vem o termo medieval marcheta ou marquette em francês tem grande importância no código legal As mulheres tinham direito de voto nas assembleias populares Acrescentemos que na Irlanda são atestadas condições semelhantes ali os casamentos temporários também eram usuais e por ocasião da separação estavam assegurados benefícios bem definidos à mulher e até indenização por seus serviços domésticos ali aparece uma primeira esposa ao lado de outras esposas e na repartição da herança não se fazia nenhuma diferença entre crianças concebidas no casamento e crianças concebidas fora do casamento temos assim um quadro de casamento do par em comparação com o qual a forma de casamento em vigor na América do Norte parece severa mas que não poderia causar admiração no século XI em um povo que praticava o casamento grupal ainda na época de César A gens irlandesa sept a tribo se chama clainne clã é confirmada não só pelos antigos códigos legais mas também pelos juristas ingleses do século XVII que foram enviados para lá a fim de transformar a terra do clã em domínios do rei inglês Até esse último período o solo era propriedade comum do clã ou da gens quando ainda não havia sido transformado pelos chefes em seu domínio privado Quando um integrante da gens falecia e portanto um domicílio desaparecia o líder os juristas ingleses o chamaram de caput cognationis fazia uma nova divisão de todo o território entre os domicílios restantes Esta devia ocorrer em grandes traços segundo as regras em vigor na Alemanha Ainda hoje se encontram nos povoados alguns campos que há quarenta ou cinquenta anos eram numerosos no chamado sistema rundale d Os camponeses arrendatários individuais da terra que fora roubada pelo conquistador inglês e antes era posse comum da gens pagavam individualmente o arrendamento de seu lote mas juntavam as terras de cultivo e pastagem de todos os lotes e as dividiam segundo sua localização e qualidade em Gewanne como se dizia às margens do Mosela dando a cada qual sua parte em cada Gewann as terras pantanosas e os pastos eram usados em comum Há cinquenta anos ainda se faziam repartições periódicas da terra às vezes anualmente O mapa dos campos de uma dessas aldeias em rundale se parece exatamente com o de uma Gehöferschaft herdade alemã às margens do Mosela ou em Hochwald A gens também continua viva nas factions facções Os camponeses irlandeses se dividiam muitas vezes em facções que se baseavam em diferenças aparentemente absurdas ou sem nexo incompreensíveis para os ingleses e que pareciam não ter nenhum propósito além das pancadarias solenes e muito apreciadas de uma facção contra a outra Tratase de revivescências artificiais compensação fora de época das gentes dispersas que exibem a seu modo a persistência do instinto herdado da gens Em algumas regiões aliás os integrantes da gens ainda se encontram em grande parte em seus antigos territórios assim ainda na década de 1830 a grande maioria dos habitantes do condado de Monaghan tinha somente quatro nomes de família isto é descendiam de quatro gentes ou clãs 8 Na Escócia o declínio da ordem gentílica data do esmagamento da revolta de 1745 Ainda está por ser investigado que elemento dessa ordem é representado especificamente pelo clã escocês mas não há dúvida de que ele foi um desses elementos Nos romances de Walter Scott vemos esse clã altoescocês vividamente diante de nós Morgan diz Ele é um modelo excelente da gens em termos de organização e espírito um exemplo concludente de como a vida dos integrantes da gens é regida pelo modo de vida gentílico Em suas contendas e vinganças de sangue na repartição do território entre os clãs no cultivo comunitário do solo na fidelidade dos membros do clã ao chefe e entre si encontramos traços da sociedade gentílica que reaparecem em todo lugar A linhagem era regida pelo direito paterno de modo que os filhos dos homens permaneciam nos clãs enquanto os das mulheres passavam para os clãs de seu pai e Em tempos mais antigos porém vigorava o direito materno na Escócia o que é provado pelo fato de que na família real dos pictos segundo Beda f valia a linha hereditária feminina E até mesmo um resquício da família punaluana se conservou até a Idade Média tanto entre os galeses quanto entre os escotos no direito à primeira noite que o chefe do clã ou o rei podia exercer sobre toda noiva como último representante dos antigos esposos comuns caso esse direito não fosse resgatado g É inquestionável que os germanos estavam organizados em gentes até a migração dos povos Eles só podem ter ocupado poucos séculos antes da nossa era a região entre os rios Danúbio Reno Vístula e os mares do Norte os cimbros e teutões ainda estavam em plena migração e os suevos só se fixaram na época de César Sobre eles César diz expressamente que se estabeleceram por gentes e parentesco gentibus cognationibusque h e na boca de um romano da gens Júlia a palavra gentibus possui um significado bem definido que não pode ser negado por nenhuma demonstração Isso valia para todos os germanos até o assentamento nas províncias romanas conquistadas i parece ter sido empreendido segundo as gentes O direito consuetudinário alamano confirma que o povo se assentou no solo conquistado ao sul do Danúbio segundo as linhagens genealogiae j o termo genealogia é usado exatamente no mesmo sentido que o foram mais tarde as expressões cooperativa da marca ou da aldeia Kovalevski sugeriu recentemente que essas genealogiae seriam as grandes cooperativas domésticas entre as quais a terra teria sido repartida e a partir das quais só mais tarde se desenvolveu a cooperativa aldeã O mesmo deve se aplicar então à fara expressão com a qual se designa entre os burgúndios e langobardos portanto em uma tribo de godos e em uma tribo de hermiões ou altoalemães mais ou menos se não exatamente o mesmo que se designa com o termo genealogia no código legal alamano Se o que temos aqui diante de nós é na realidade uma gens ou uma cooperativa doméstica isso ainda precisa ser investigado mais a fundo Os documentos linguísticos nos deixam em dúvida sobre entre todos os germanos haver uma expressão comum para gens e qual era ela Etimologicamente ao grego génos e ao latim gens corresponde o gótico kuni o médio altoalemão künne que também é usado com o mesmo sentido Remete aos tempos do direito materno o fato de o substantivo relativo a esposa derivar da mesma raiz gyné em grego žena em eslavo qvino em gótico konakuna na língua nórdica antiga Entre langobardos e burgúndios encontramos como foi dito fara que Grimm deriva de uma raiz hipotética fisan gerar Prefiro derivála da raiz mais palpável faran fahren marchar migrar como designação de um grupo fixo de migrantes naturalmente formado por parentes uma designação que no decorrer de migrações de várias centenas de anos primeiro para o Oriente e depois para o Ocidente gradativamente passou a ser aplicada à cooperativa consanguínea Além disso há o termo gótico sibja o anglosaxônico sib o antigo altoalemão sippia sippa para clã Sippe Na língua nórdica antiga ocorre apenas a forma plural sifjar os parentes o singular só como nome de uma deusa Sif E por fim ainda ocorre uma outra expressão na Canção de Hildebrando k na passagem em que Hildebrando pergunta a Hadubrando quem seria teu pai entre os homens do povo ou de que linhagem tu és eddo huêlîhhes cnuosles du sîs Se houve mesmo uma designação alemã comum para a gens certamente foi a palavra gótica kuni o que fala a seu favor é não só a identidade com a expressão correspondente em línguas afins mas também o fato de que dela se deriva a palavra kuning König rei que originalmente designa um líder de gens ou tribo Sibja Sippe parece não entrar em cogitação e pelo menos na língua nórdica antiga sifjar significa não só parentes consanguíneos mas também parentes pelo casamento abrangendo portanto integrantes de no mínimo duas gentes portanto sif não poderia ter sido o termo para designar a gens Entre os germanos assim como era praxe entre mexicanos e gregos a ordem de batalha tanto do esquadrão de cavalaria quanto da coluna em forma de cunha da infantaria era feita segundo as corporações gentílicas quando Tácito diz segundo famílias e parentes l essa expressão ambígua se explica pelo fato de que em sua época a gens deixara havia muito de ser uma associação vigente em Roma Decisiva é uma passagem em Tácito que diz o irmão da mãe considera seu sobrinho como um filho e há até os que consideram o laço de sangue entre tios e sobrinhos maternos mais sagrado e estreito do que o laço entre pai e filho de modo que quando se exigem reféns o filho da irmã é visto como uma garantia muito maior do que o próprio filho daquele que se quer atingir Temos aqui um exemplo vivo da gens organizada segundo o direito materno e portanto da gens original ademais como algo que distingue especialmente os germanos 9 Se um integrante de uma gens desse tipo colocava o próprio filho como penhor de uma promessa e o filho era vítima da quebra de promessa do pai este só tinha de prestar contas a si mesmo Porém se a vítima fosse o filho da irmã ocorria a violação do mais sagrado dos direitos gentílicos quem tinha provocado sua morte era o seu parente gentílico mais próximo que tinha acima de tudo a obrigação de proteger o menino ou o rapaz ou não o penhorasse ou cumprisse o contrato Se não dispuséssemos de nenhum outro vestígio da constituição gentílica entre os germanos essa única passagem bastaria m Ainda mais decisiva por se tratar de um texto de aproximadamente 800 anos mais tarde é uma passagem da canção nórdica antiga que trata do crepúsculo dos deuses e do fim do mundo a Völuspá n Nessa Visão da vidente na qual como agora foi provado por Bang e Bugge também estão entremeados elementos cristãos dizse o seguinte quando é descrita a época de degeneração e corrupção geral que iniciará a grande catástrofe Broedhr munu berjask ok at bönum verdask munu systrungar sifjum spilla Irmãos se digladiarão e assassinarão um ao outro os filhos da irmã violarão o clã Systrungr é como se denomina o filho da irmã materna e o fato de esses filhos negarem sua consanguinidade é para o poeta um agravamento do crime de fratricídio O agravamento está contido no termo systrungar que enfatiza o parentesco pelo lado materno se em seu lugar constasse syskinabörn filhos e filhas de irmãos e irmãs ou syskinasynir filhos de irmãos e irmãs a segunda linha não representaria um agravamento mas uma suavização Portanto na época dos vikings na qual surgiu a Völuspá a memória do direito materno ainda não havia se apagado na Escandinávia De resto na época de Tácito o direito materno já havia sido substituído pelo direito paterno ao menos o entre os germanos que ele conheceu mais de perto p os filhos herdavam do pai na ausência de filhos os irmãos e os tios paternos e maternos A admissão do irmão da mãe como herdeiro tem a ver com a preservação do costume mencionado acima e prova igualmente que o direito paterno ainda era muito recente entre os germanos Em plena Idade Média ainda se encontram vestígios do direito materno Ainda naquela época parece que não se tinha muita confiança na paternidade principalmente no caso dos servos portanto quando um senhor feudal exigia de alguma cidade como Augsburgo Basileia e Kaiserslautern a devolução de um servo fugido a condição servil do acusado tinha de ser atestada sob juramento por seis de seus parentes consanguíneos mais próximos e estes tinham de ser exclusivamente pelo lado materno Georg Ludwig von Maurer Städteverfassung v I p 381 Outro resquício do direito materno em via de extinção era o respeito quase incompreensível para os romanos que os germanos demonstravam pelo sexo feminino As virgens das famílias nobres eram consideradas as reféns mais seguras nos acordos com os germanos A ideia de que suas mulheres e filhas pudessem ir para o cativeiro ou ser escravizadas era realmente terrível para eles e mais do que qualquer outra coisa incitava sua coragem na batalha eles enxergavam na mulher algo sagrado e profético e ouviam seus conselhos até em relação aos assuntos mais importantes como aconteceu por exemplo quando Veleda a sacerdotisa brúctera das margens do rio Lippe se tornou a alma da revolta batava na qual Civilis liderando germanos e belgas abalou toda a dominação romana na Gália q Em casa a autoridade da mulher parece indiscutível todavia ela os velhos e as crianças tinham de fazer todo o trabalho enquanto o homem caçava bebia ou não fazia nada É o que diz Tácito mas como ele não diz quem lavrava a terra e declara expressamente que os escravos apenas pagavam tributo mas não realizavam trabalhos forçados decerto a massa dos homens adultos tinha de realizar o pouco trabalho exigido pelo cultivo da terra Como dissemos há pouco sua forma de casamento era o casamento do par que aos poucos se aproximava da monogamia Ainda não era uma monogamia estrita pois a poligamia era permitida aos nobres Em geral davase muita importância à castidade das jovens ao contrário do que se passava entre os celtas e Tácito fala também em um tom especialmente simpático acerca da indissolubilidade do laço conjugal entre os germanos Cita o adultério cometido pela mulher como a única razão para o divórcio Mas nesse ponto seu relato tem muitas lacunas e de qualquer modo escancara demais a intenção de mostrar aos devassos romanos o espelho das virtudes Uma coisa é certa se metidos em suas florestas os germanos foram esse modelo excepcional de virtude bastou um breve contato com o mundo exterior para rebaixálos ao nível medíocre do restante dos europeus no mundo romano o último vestígio do rigor dos costumes desapareceu com uma rapidez muito maior do que a língua germânica É só ler Gregório de Tours É óbvio que nas matas virgens germânicas não podia imperar a opulência refinada do prazer sensual que se cultivava em Roma e assim também nesse tocante os germanos tinham vantagem suficiente sobre o mundo romano sem que precisemos inventar para eles alguma abstinência em relação às coisas carnais que jamais vigorou para a totalidade de nenhum povo Da constituição da gens proveio a obrigação de herdar as inimizades do pai ou dos parentes tanto quanto as amizades da mesma forma que o dinheiro de reparação Wergeld de penitência por homicídio ou ferimentos causados que substituiu a vingança de sangue Esse dinheiro de reparação que uma geração antes era considerado ainda uma instituição especificamente germânica hoje está comprovado em centenas de povos como forma de atenuação da vingança de sangue oriunda da ordem gentílica Nós a encontramos associada à obrigação de hospitalidade entre os índios americanos e outros a descrição segundo Tácito Germânia cap 21 da maneira como se praticava a hospitalidade é idêntica até quase nos detalhes com a que Morgan faz de seus índios Hoje pertence ao passado a acalorada e interminável discussão sobre os germanos de Tácito terem ou não repartido definitivamente a terra de cultivo e sobre o modo como deveriam ser interpretadas as passagens referentes a esse assunto Desde que se demonstrou que em quase todos os povos existiu o cultivo da terra em comum pela gens e mais tarde pelas comunidades familiares comunistas o que César ainda constata entre os suevos r assim como a posterior destinação da terra a famílias individuais com nova repartição periódica e desde que se comprovou que essa nova repartição periódica da terra de cultivo se manteve em certos lugares da própria Alemanha até nossos dias não vale a pena desperdiçar mais palavras com isso Se nos 150 anos que decorreram de César a Tácito os germanos passaram do cultivo comunitário da terra que o primeiro atribui expressamente aos suevos ele diz que não há entre eles terras privadas nem repartidas para o cultivo individual com nova repartição anual do solo isso já representa um grande progresso a transição daquele estágio para a propriedade privada plena naquele breve intervalo de tempo sem qualquer interferência externa é algo simplesmente impossível Leio portanto em Tácito apenas aquilo que ele diz com escassas palavras eles trocam ou repartem de novo a terra cultivada a cada ano e nesse processo resta bastante terra comunitária s É a fase da agricultura e da apropriação do solo que corresponde exatamente à constituição gentílica germânica daquela época t Deixo inalterado esse último parágrafo na forma em que aparece nas edições anteriores Entrementes a questão tomou um rumo diferente Depois que Kovalevski ver p 61 comprovou a ocorrência muito difundida quando não universal da cooperativa doméstica patriarcal como etapa intermediária entre a família comunista matriarcal e a família isolada moderna não se discute mais como ainda se fez de Maurer até Waitz sobre a propriedade comum ou a propriedade privada do solo mas sobre a forma da propriedade comum Não há dúvida de que na época de César existiu entre os suevos não só a propriedade comum mas também o cultivo comum para proveito comum Ainda se há de discutir muito se a unidade econômica era a gens a cooperativa doméstica ou um grupo comunista de parentesco situado entre as duas ou se dependendo das condições do solo ocorriam todos os três grupos Porém o que Kovalevski afirma agora é que a situação descrita por Tácito não teria como pressuposto a cooperativa da marca ou da aldeia mas a cooperativa doméstica a partir desta é que bem mais tarde se teria desenvolvido em consequência do crescimento da população a cooperativa da aldeia De acordo com isso os assentamentos dos germanos na região que eles ocupavam na época dos romanos bem como na região que mais tarde eles tomaram dos romanos eram constituídos não por aldeias mas por grandes cooperativas de famílias que compreendiam várias gerações cultivavam uma faixa correspondente de terra e com os vizinhos aproveitavam a terra baldia do entorno como marca comum Nesse caso a passagem de Tácito a respeito da troca de terras cultivadas deve ser entendida no sentido agronômico todo ano a cooperativa lavrava uma nova faixa de terra e a terra cultivada no ano anterior ficava em repouso ou era invadida pelo mato Dada a pouca densidade populacional sempre restava terra baldia suficiente para tornar desnecessário qualquer conflito em torno de sua posse As cooperativas de famílias teriam se dissolvido somente depois de séculos quando o número de integrantes da casa cresceu a ponto de tornar inviável o cultivo comunitário sob as condições de produção da época anterior as roças e os campos que até aquele momento eram comuns foram repartidos da maneira que se conhece entre as economias domésticas individuais que estavam se formando no começo por tempo determinado mais tarde em definitivo enquanto a floresta as pastagens e as águas permaneceram comuns Em relação à Rússia essa evolução parece estar histórica e inteiramente comprovada No que se refere à Alemanha e aos demais países germânicos não se pode negar que em muitos aspectos essa suposição explica melhor as fontes e soluciona mais facilmente as dificuldades do que a anterior que faz a comunidade aldeã recuar até Tácito Os documentos mais antigos como por exemplo o Codex Laureshamensis u podem ser mais bem explicados em seu conjunto com o auxílio da cooperativa doméstica do que da cooperativa da marca ou aldeia Em contrapartida surgem novas dificuldades e novas questões que ainda precisam ser resolvidas Nesse ponto somente novas investigações permitirão uma decisão contudo não posso negar que a etapa intermediária da cooperativa doméstica tenha grande probabilidade de se aplicar também à Alemanha à Escandinávia e à Inglaterra Enquanto na época de César os germanos em parte haviam acabado de se fixar e em parte ainda buscavam fazêlo na época de Tácito eles já haviam passado por todo um século de sedentarismo de modo correspondente o progresso na produção da subsistência é evidente Eles moravam em casas de madeira o vestuário ainda indicava sua origem silvícola casacos de lã grosseiros peles de animais roupas de baixo de linho para mulheres e nobres A alimentação era composta de leite carne frutas silvestres e como acrescenta Plínio mingau de aveia v ainda hoje um prato nacional celta na Irlanda e na Escócia A riqueza era constituída de gado que no entanto era de raça ruim os bovinos eram pequenos pouco vistosos sem cornos os cavalos eram pôneis e não de corrida O dinheiro era raro e pouco usado exclusivamente romano Eles não processavam ouro nem prata e não lhes davam importância o ferro era raro e pelo menos nas tribos que habitavam as margens dos rios Reno e Danúbio era quase exclusivamente importado não oriundo de extração própria A escrita rúnica imitação de letras gregas e latinas era um código secreto e só era usada para a magia religiosa Sacrifícios humanos ainda estavam em uso Em suma temos diante de nós um povo que acabara de se alçar do estágio intermediário da barbárie para o estágio superior Porém enquanto as tribos vizinhas dos romanos foram tolhidas no que diz respeito ao desenvolvimento de uma indústria metalúrgica e têxtil autônoma pela facilidade de importação de produtos romanos sem dúvida nenhuma a mesma indústria tomou forma no nordeste e às margens do mar Báltico As peças de armamento encontradas nos pântanos de Schleswig espada longa de ferro cota de malha elmo de prata etc com moedas romanas do fim do século II e os objetos de metal disseminados pela migração dos povos germânicos mostram características bem próprias e já bastante evoluídas mesmo nos casos em que originalmente se apoiaram em modelos romanos A imigração para o civilizado Império Romano acabou com toda essa indústria autóctone menos na Inglaterra Os broches de bronze por exemplo mostram como foi homogêneo o surgimento e o aprimoramento dessa indústria os que foram encontrados na Borgonha na Romênia e junto ao mar de Azov poderiam ser oriundos da mesma oficina que produzia os broches ingleses e suecos e inquestionavelmente são de origem germânica A constituição também corresponde ao estágio superior da barbárie Segundo Tácito existia o conselho dos líderes principes que decidia assuntos menores mas preparava os mais importantes para serem decididos pela assembleia do povo esta existe no estágio inferior da barbárie ao menos onde temos conhecimento dela ou seja entre os americanos só para a gens e não ainda para a tribo ou para confederação das tribos Os líderes principes ainda se distinguem nitidamente dos líderes guerreiros duces exatamente como entre os iroqueses Os primeiros já vivem em parte de rendas pagas em forma de gado cereal etc pelos integrantes da tribo como na América eles são eleitos mas em geral são sempre da mesma família a transição para o direito paterno favorece como na Grécia e em Roma a transformação gradativa da eleição em hereditariedade e desse modo a formação de uma família nobre em cada gens Na maioria dos casos a chamada nobreza tribal mais antiga desapareceu durante a migração dos povos ou então logo depois dela Os comandantes de tropas eram eleitos sem se considerar sua ascendência unicamente pela competência Eles tinham pouco poder e exerciam influência pelo exemplo o poder disciplinador propriamente dito sobre as tropas é atribuído por Tácito expressamente aos sacerdotes O poder real era da assembleia do povo O rei ou líder tribal preside o povo decide murmúrio significa não aclamação e barulho de armas significa sim A assembleia é ao mesmo tempo tribunal de justiça nela são apresentadas e julgadas as queixas nela são pronunciadas as sentenças de morte mais precisamente a pena de morte se aplica apenas à covardia à traição contra o povo e à volúpia não natural Nas gentes e em outras subdivisões quem julga é o coletivo sob a presidência do líder o qual como em todo tribunal germano original só pode conduzir e inquirir entre os germanos desde sempre e em todo lugar a sentença era dada pelo coletivo Confederações de tribos se formaram desde a época de César algumas já tinham reis como entre gregos e romanos o comandante supremo de tropas já aspirava à tirania e às vezes a alcançava Esses usurpadores bem sucedidos no entanto não eram monarcas absolutos ainda assim já começavam a se livrar das amarras da constituição gentílica Enquanto os escravos libertos em geral ocupavam uma posição de subordinação por não poderem pertencer a nenhuma gens eles muitas vezes conseguiam altos cargos riquezas e honrarias na condição de favorecidos pelos novos reis O mesmo aconteceu após a conquista do Império Romano quando comandantes de tropas se tornaram reis de grandes extensões de terra Entre os francos escravos e libertos dos reis desempenharam um papel importante primeiro na corte e depois no Estado uma grande parcela da nova nobreza descende deles Uma instituição favoreceu o despontar da realeza as comitivas Vimos que já entre os pelesvermelhas americanos ocorre a formação paralelamente à constituição gentílica de sociedades privadas visando fazer guerra por conta própria Essas sociedades privadas já haviam se tornado clubes permanentes entre os germanos Líderes guerreiros com algum renome reuniam em torno de si um bando de jovens ávidos de butim que juravam lealdade entre si O líder lhes dava comida e presentes e os organizava hierarquicamente havia uma guarda pessoal e uma tropa de prontidão para expedições menores e um corpo de oficiais preparado para expedições maiores Embora essas comitivas fossem fracas e se tenham mostrado como tais mais tarde por exemplo no caso de Odoacro na Itália elas constituíram o embrião da ruína da antiga liberdade do povo e como tal se revelaram durante a migração dos povos e depois dela Pois em primeiro lugar favoreceram o surgimento do poder da realeza Em segundo lugar porém como já observa Tácito só podiam ser mantidas coesas com constantes guerras e expedições de rapinagem A rapinagem se tornou finalidade Se o senhor da comitiva nada tinha a fazer nas cercanias ele marchava com seus homens para outros povos entre os quais havia guerra e perspectiva de saque as tropas auxiliares alemãs que lutaram em grande número sob a bandeira romana até contra os próprios alemães foram em parte recrutadas por essas comitivas O esquema dos lansquenetes Landknechte vergonha e maldição dos germanos já estava potencialmente presente aqui Após a conquista do Império Romano essas comitivas dos reis constituíram ao lado dos cortesãos não libertos e romanos o segundo principal contingente da nobreza posterior Em grandes traços portanto entre as tribos germanas que se aliaram para formar povos vigorou a mesma constituição que se havia desenvolvido entre os gregos da era dos heróis e entre os romanos da chamada era dos reis a assembleia do povo o conselho dos líderes da gens e o comandante de tropas que já aspira a um efetivo poder de rei Essa foi a constituição mais avançada que a ordem gentílica pôde desenvolver foi a constituição típica do estágio superior da barbárie Se a sociedade ultrapassasse os limites dentro dos quais essa constituição bastava seria o fim da ordem gentílica esta foi rompida e seu lugar foi ocupado pelo Estado a Na edição de 1884 falta o trecho até A seguir apenas algumas breves notas nesta página N E A b Engels trabalhou nos anos 18691870 em uma grande obra dedicada à história da Irlanda obra que permaneceu inacabada Em conexão com o estudo da história dos celtas também estudou as leis galesas antigas N E A c Ver Ancient laws and institutes of Wales sl 1841 v I p 93 N E A d O sistema rundale era uma forma de ocupação fundiária na Irlanda em que a terra era dividida em lotes descontínuos e cultivada em conjunto por certo número de camponeses N T 8 Alguns dias passados na Irlanda Engels viajou pela Irlanda e pela Escócia em setembro de 1891 N E A me recordaram quanto o povo dali vive ainda nas concepções da época gentílica O proprietário de terras do qual o camponês é arrendatário ainda é considerado por este uma espécie de chefe do clã que deve administrar o solo no interesse de todos e a quem ele paga tributo na forma de arrendamento mas do qual também espera receber apoio em caso de necessidade E do mesmo modo considerase que o mais abastado tem a obrigação de ajudar seu vizinho mais pobre quando este passa necessidade Essa ajuda não é esmola é o que o integrante mais pobre do clã pode exigir de direito do integrante mais rico ou chefe do clã É fácil entender a queixa dos economistas políticos e dos juristas quanto à impossibilidade de fazer o camponês irlandês entender o conceito da moderna propriedade burguesa uma propriedade que só tem direitos mas não tem obrigações simplesmente não entra na cabeça de um irlandês Porém entendese também por que os irlandeses que de repente vão parar nas grandes cidades inglesas ou norteamericanas imbuídos dessas ingênuas concepções gentílicas no meio de uma população com visões morais e jurídicas muito diferentes das suas necessária e facilmente se desorientam por completo em termos de moral e direito perdem toda a base de apoio e muitas vezes se desmoralizam em massa Nota de Engels à quarta edição e Lewis H Morgan Ancient Society cit p 3578 N E A f Beda Venerabilis Historiae ecclesiasticae gentis Anglorum livro I cap I N E A g Na edição de 1884 seguese o seguinte texto O mesmo direito na América do Norte ele ocorre com frequência no extremo Noroeste vigorava também na Rússia onde a grãprincesa Olga o aboliu no século X N E A Os domicílios comunistas de famílias em estado de servidão que na França especialmente em Nivernais e na FrancheComté existiram até a revolução à semelhança das comunidades de famílias eslavas nas regiões da Sérvia e da Croácia são igualmente restos da organização gentílica mais antiga Eles não se extinguiram completamente pois ainda é possível ver por exemplo perto de Louhans SaôneetLoire um bom número de casarões de camponeses construídos de modo bem peculiar com um salão central comum e quartos de dormir em toda a volta habitados por várias gerações da mesma família N E A h César De bello gallico livro VI cap 22 N E A i O texto seguinte até o parágrafo que começa com Entre os germanos assim como era praxe entre mexicanos e gregos p 128 é a versão ampliada por Engels em 1891 Em 1884 essa parte dizia o seguinte ainda aconteceu segundo as gentes No direito consuetudinário alamano do século VIII o termo genealogia é usado diretamente como sinônimo de cooperativa da marca de modo que vemos aqui um povo germânico mais precisamente os suevos assentado segundo linhagens gentes a cada uma das quais era atribuído um distrito determinado Entre os burgúndios e langobardos a gens se chamava fara e a designação para os integrantes da gens faramanni é usada no direito consuetudinário burgúndio diretamente como sinônimo de burgúndio em contraposição aos habitantes românicos que naturalmente não eram abrangidos pelas gentes burgúndias Portanto também na Borgonha a divisão da terra foi feita segundo as gentes Assim se resolve a questão dos faramanni sobre a qual os juristas germânicos quebram a cabeça em vão há cem anos A designação fara para gens dificilmente foi usada de modo geral entre os germanos embora a encontremos aqui tanto em um povo de ascendência gótica quanto em um povo de ascendência hermiã altoalemã As raízes linguísticas de parentesco no alemão são muito numerosas e são usadas igualmente para expressões nas quais se pode pressupor uma relação com a gens N E A j O Direito consuetudinário alamano era um registro do direito consuetudinário da tribo germânica dos alemanos ou alamanos datado do fim do século VI ou início do século VII e do século VIII Engels se refere aqui à Lei LXXXI LXXXIV do Direito consuetudinário alamano N E A k Poesia heroica do século VIII em altoalemão antigo da qual se conservaram apenas fragmentos o mais antigo texto conservado de uma lenda alemã N E A l Tácito Germânia cap 7 N E A 9 A natureza especialmente íntima do laço entre tios e sobrinhos maternos que provém da época do direito materno e ocorre em muitos povos é conhecida dos gregos somente pela mitologia da era dos heróis Segundo Diodoro IV 34 Meleagro mata os filhos de Téstio irmão de sua mãe Alteia Esta vê esse ato como um sacrilégio tão irredimível que amaldiçoa o assassino que é seu próprio filho e lhe deseja a morte Como se conta os deuses ouviram suas preces e puseram fim à vida de Meleagro Segundo o mesmo Diodoro IV 44 os argonautas sob o comando de Hércules aportam na Trácia e descobrem que Fineu instigado por sua nova esposa maltratava de maneira infame os dois filhos que tivera com sua primeira esposa repudiada a boréade Cleópatra Porém entre os argonautas também havia boréades irmãos de Cleópatra e portanto tios maternos dos maltratados Eles imediatamente se encarregaram dos sobrinhos libertandoos e matando os guardas Diodoro Sículo Bibliothecae historicae quae supersunt v 4 cap 34 p 434 N E A m Na edição de 1884 falta o texto a seguir até De resto na época de Tácito o direito materno p 130 N E A n Uma das canções da Edda N E A o Na edição de 1884 falta ao menos N E A p Na edição de 1884 falta que ele conheceu mais de perto N E A q O levante das tribos gálicas e germânicas sob o comando de Claudius Civilis contra a dominação romana em 6970 foi causado por aumentos de impostos recrutamento maciço e abusos de funcionários romanos Alastrouse por uma parte considerável da Gália e das regiões germânicas sob dominação romana Após sucessos iniciais os rebeldes sofreram algumas derrotas e tiveram de firmar a paz com Roma N E A r César De bello gallico livro IV cap 1 N E A s Tácito Germânia cap 26 N E A t Na edição de 1884 falta o texto a seguir até o parágrafo iniciado com Enquanto na época de César os germanos p 133 N E A u O Codex Laureshamensis é o cartulário do mosteiro de Lorsch no qual estão reunidas cópias de documentos de doações privilégios etc O mosteiro de Lorsch fundado na segunda metade do século VIII no reino Franco perto de Worms dispunha de uma grande posse feudal no sudoeste da Alemanha O cartulário produzido no século XII é uma das fontes mais importantes da história da posse fundiária camponesa e feudal nos séculos VIII e IX N E A v Plínio História natural livro XVIII cap 17 N E A VIII A FORMAÇÃO DO ESTADO PELOS GERMANOS Segundo Tácito os germanos eram um povo muito numeroso Uma noção aproximada da força dos povos germânicos é dada por César ele estima o número de usípios e tencteros em 180000 indivíduos incluindo mulheres e crianças Ou seja algo em torno de 100000 para cada povo 10 consideravelmente mais do que por exemplo o total de iroqueses em sua época áurea quando com menos de 20000 indivíduos eles se tornaram o terror de toda a região desde os Grandes Lagos até Ohio e o rio Potomac Um povo desse tipo quando tentamos agrupar os mais bem conhecidos por intermédio de relatos isto é os das cercanias do Reno ocupa no mapa em média o espaço de um distrito governamental prussiano ou seja cerca de 10000 quilômetros quadrados ou 182 milhas geográficas quadradas Mas a Germânia Magna dos romanos até o rio Vístula abrange em números redondos 500000 quilômetros quadrados Contando uma população média de 100000 pessoas para cada povo o número total na Germânia Magna chegaria a cinco milhões um número considerável para um grupo populacional bárbaro extremamente reduzido para os nossos parâmetros 10 indivíduos por quilômetro quadrado ou 550 por milha geográfica quadrada Isso porém de nenhum modo esgota o número de germanos existentes naquela época Sabemos que o território ao longo dos Cárpatos até a foz do Danúbio era habitado por povos germanos de linhagem gótica por bastarnas peucinos e outros tão numerosos que Plínio compõe com eles a quinta tribo principal dos germanos a e já no ano 180 antes da nossa era aparecem recebendo soldo do rei macedônio Perseu e ainda nos primeiros anos de Augusto avançaram até a região de Adrianópolis Se estimarmos o seu número em apenas um milhão teremos um número provável de germanos no início da nossa era de pelo menos seis milhões Após fixarse na Germânia a população deve ter se multiplicado em ritmo crescente os progressos industriais acima mencionados por si sós já provam isso Os restos encontrados no pântano de Schleswig a julgar pelas moedas que os acompanham são do século III Nessa época portanto já predominavam nas margens do mar Báltico uma indústria metalúrgica e têxtil bem desenvolvida um comércio movimentado com o Império Romano e certo luxo entre os mais ricos vestígios de uma população mais densa Mas por volta dessa época começa também a guerra generalizada dos germanos em toda a extensão do Reno na fronteira fortificada romana e no rio Danúbio do mar do Norte até o mar Negro prova direta da tendência de expansão da densidade populacional A luta durou trezentos anos durante os quais a tribo principal dos povos góticos com exceção dos godos escandinavos e dos burgúndios se deslocou para o sudeste formando a ala esquerda da extensa linha de ataque no centro da qual os altosalemães hermiões avançaram ao longo do alto Danúbio e os istevões que passaram a se chamar francos avançaram pela ala direita ao longo do Reno os ingevões ficaram encarregados de conquistar a Britânia No final do século V um Império Romano debilitado anêmico e impotente estava franqueado à invasão dos germanos Antes estávamos no berço da civilização grecoromana antiga Agora estamos diante de seu sarcófago A plaina do Império Romano mundial passou sobre todos os países da bacia do Mediterrâneo durante séculos Onde o elemento grego não ofereceu resistência as línguas nacionais tiveram de dar lugar a um latim degenerado não havia mais diferenças nacionais não havia mais gálios iberos ligúrios nóricos pois todos tinham se tornado romanos A administração romana e o direito romano dissolveram em toda parte as antigas associações gentílicas e com elas o último resquício de autonomia local e nacional O romanismo recémsaído do forno não era um substituto à altura não expressava a nacionalidade mas apenas a falta de nacionalidade Elementos das novas nações existiam em toda parte os dialetos latinos das diversas províncias se distanciavam cada vez mais as fronteiras naturais que antigamente haviam convertido a Itália a Gália a Espanha e a África em regiões autônomas ainda existiam e ainda se faziam sentir Porém em nenhum lugar havia uma força capaz de conjugar esses elementos em novas nações em nenhum lugar restavam vestígios da capacidade de desenvolvimento da força de resistência para não falar da capacidade criadora A gigantesca massa humana do gigantesco território tinha apenas um laço que a mantinha coesa o Estado romano e este com o passar do tempo se tornara seu pior inimigo e opressor As províncias aniquilaram Roma a própria Roma se tornara uma cidade provincial como as demais com prerrogativas é verdade mas não mais dominante não mais o centro do império mundial e nem mesmo a sede do imperador ou dos governadores que residiam em Constantinopla Trier Milão O Estado romano se transformara em um mecanismo gigantesco e complexo cujo objetivo exclusivo era espoliar seus súditos Impostos serviços obrigatórios ao Estado e todo tipo de fornecimento de produtos afundavam cada vez mais a massa da população na pobreza a extorsão praticada por procuradores cobradores de impostos e soldados aumentou a pressão até que esta se tornou insuportável A esse ponto chegou o Estado romano com seu império mundial ele fundou seu direito de existência na manutenção da ordem interna e na defesa externa contra os bárbaros Porém sua ordem era pior do que a mais grave desordem e os bárbaros contra os quais ele dizia proteger os cidadãos eram ansiados por estes como salvadores A situação da sociedade não era menos desesperadora Já nos últimos tempos de República a dominação romana visava à espoliação inescrupulosa das províncias conquistadas o Império não aboliu essa espoliação mas ao contrário regulamentoua Quanto mais decaía o Império tanto mais aumentavam os impostos e os tributos tanto mais descaradamente os funcionários rapinavam e extorquiam O comércio e a indústria nunca interessaram aos romanos dominadores de povos só na questão da usura eles superaram tudo o que houve antes e depois deles O que houve e se manteve em termos de comércio sucumbiu à extorsão praticada pelos funcionários o que ainda conseguiu se salvar pertencia à parte oriental grega do Império que se situa fora de nossa análise Empobrecimento geral retrocesso do comércio da manufatura da arte redução da população decadência das cidades recuo da agricultura para um estágio mais baixo esse foi o resultado final do Império Romano mundial A agricultura que em todo o mundo antigo foi o ramo decisivo da produção mais do que nunca voltou a sêlo Na Itália os enormes complexos agrícolas que ocupavam quase todo o território latifúndios foram aproveitados de duas maneiras ou como pastagem para o gado e nesse caso a população foi substituída por ovelhas e bois cuja manutenção exigia somente um pequeno número de escravos ou como villas onde massas de escravos se dedicavam à horticultura em grande escala em parte para suprir o luxo do proprietário em parte para a venda nos mercados citadinos As extensas pastagens para os animais foram mantidas e decerto aumentaram ainda mais as villas e sua horticultura ficaram arruinadas com o empobrecimento dos proprietários e a decadência das cidades A economia latifundiária baseada no trabalho escravo não era mais rentável naquela época porém era a única forma possível de agricultura em grande escala O cultivo em pequena escala voltou a ser a única forma rentável Uma após a outra as villas foram divididas em pequenas parcelas e entregues a arrendatários hereditários que pagavam um determinado valor ou a partiarii mais administradores do que arrendatários que recebiam a sexta ou até apenas a nona parte do produto anual de seu trabalho Porém essas pequenas parcelas de terra eram entregues de preferência a colonos que pagavam um valor fixo anual por elas ficavam presos ao seu torrão e podiam ser vendidos com ele não eram escravos mas também não eram livres não podiam se casar com pessoas livres e os casamentos entre eles não eram vistos como plenamente válidos mas como simples coabitação contubernium como o dos escravos Eles foram os precursores dos servos medievais A escravidão antiga estava superada Nem no campo na agricultura em grande escala nem nas manufaturas citadinas ela produzia um resultado que valesse a pena o mercado para seus produtos se esgotara No entanto a pequena agricultura e a pequena manufatura às quais ficara reduzida a colossal produção da época áurea do Império não tinha espaço para uma grande quantidade de escravos Somente escravos domésticos e de luxo ainda encontravam lugar na sociedade Mas a escravidão em processo de extinção ainda era suficiente para fazer com que o trabalho produtivo parecesse atividade de escravo indigno de um romano livre e naquela época todos já o eram Em consequência de um lado um número crescente de alforrias aos escravos que tinham se tornado um fardo e de outro um aumento no número de colonos bem como de cidadãos livres na miséria como os poor whites brancos pobres dos antigos estados escravagistas dos Estados Unidos da América O cristianismo é completamente inocente no que se refere à extinção gradativa da escravidão Ele compactuou com a escravidão no Império Romano durante séculos e mais tarde não impediu o comércio de escravos pelos cristãos nem o dos alemães no norte nem o dos venezianos no Mediterrâneo nem o posterior tráfico de negros 11 A escravidão não compensava mais por isso se extinguiu Mas a escravidão moribunda deixou para trás seu ferrão venenoso na forma da proscrição do trabalho produtivo para os homens livres Esse era o beco sem saída em que se encontrava o mundo romano a escravidão era economicamente inviável o trabalho dos cidadãos livres estava moralmente proscrito A primeira não podia mais ser a forma básica da produção social a segunda ainda não podia sêlo A única coisa que podia ajudar aqui era uma revolução completa Nas províncias a situação não era melhor A maior parte das informações que temos provém da Gália Ao lado dos colonos ainda havia ali pequenos agricultores livres Para protegerse dos abusos cometidos por funcionários públicos juízes e usurários eles frequentemente se colocavam sob a proteção sob o patronato de um poderoso mais precisamente faziam isso não só os indivíduos mas também comunidades inteiras tanto que no século IV os imperadores decretaram de muitas formas a proibição dessa prática Mas de que adiantava para os que buscavam proteção O patrono os obrigava a transferir a propriedade de suas terras para ele e como contrapartida lhes assegurava o seu usufruto vitalício um expediente que a Santa Igreja guardou na memória e nos séculos IX e X imitou largamente para multiplicar o reino de Deus e os seus bens fundiários Naquela época por volta do ano 475 o bispo Salviano de Marselha ainda protestava indignado contra tal roubalheira e contava que a pressão dos funcionários romanos e dos grandes proprietários de terras se tornara tão violenta que muitos romanos fugiram para as regiões ocupadas pelos bárbaros e o maior temor dos cidadãos romanos ali assentados era voltar a se submeter à dominação romana b Naquela época pai e mãe frequentemente vendiam filhos e filhas como escravos o que é provado por uma lei promulgada para coibir essa prática Como compensação por libertálos de seu próprio Estado os bárbaros germânicos tomaram dos romanos dois terços de sua terra e os repartiram entre si A repartição era feita segundo a constituição gentílica dada a quantidade relativamente pequena de conquistadores grandes faixas de terra permaneceram indivisas em parte como bem de todo o povo em parte como bem das tribos e gentes Em cada gens a terra de cultivo e as pastagens foram sorteadas em partes iguais entre os domicílios individuais não sabemos se nessa época ocorreram repartições repetidas em todo caso elas logo se perderam nas províncias romanas e as parcelas individuais se converteram em propriedade privada expropriável allod A mata e o campo não foram divididos e eram destinados ao uso comum o uso que seria dado a eles bem como o tipo de cultivo que se faria na terra repartida foram regulamentados de acordo com o costume antigo e a decisão da coletividade Quanto mais tempo a gens ficava estabelecida em sua aldeia e quanto mais se amalgamavam germanos e romanos tanto mais o caráter de parentesco do laço que a unia dava lugar ao caráter territorial a gens desapareceu na cooperativa da marca na qual todavia ainda eram visíveis muitas vezes os vestígios do parentesco de seus integrantes Assim a constituição gentílica ao menos nos países em que a comunidade da marca se conservou norte da França Inglaterra Alemanha e Escandinávia passou imperceptivelmente a ser uma constituição local e desse modo tornouse passível de adaptação ao Estado Não obstante porém ela manteve seu caráter naturalmente democrático que distingue toda a constituição gentílica preservando desse modo em meio à degeneração que mais tarde lhe foi imposta um pouco da constituição gentílica e uma arma nas mãos dos oprimidos que permaneceu viva até os tempos mais recentes Assim se o laço consanguíneo da gens logo desapareceu foi porque seus órgãos degeneraram após a conquista tanto na tribo como no povo Sabemos que a dominação de subjugados é incompatível com a constituição gentílica Aqui vemos isso em grande escala Os povos germânicos senhores das províncias dos romanos tiveram de organizar essa conquista Porém não podiam integrar as massas de romanos aos organismos gentílicos nem dominálos por meio deles À frente dos organismos locais da administração romana que em grande parte continuaram existindo num primeiro momento era preciso colocar um substituto do Estado romano e este só podia ser outro Estado Assim os órgãos da constituição gentílica tinham de ser transformados em órgãos estatais e isto sob pressão das circunstâncias muito rapidamente Porém o representante mais próximo do povo conquistador era o comandante de tropas A segurança interna e externa do território conquistado exigia o fortalecimento de seu poder Era o momento de transformar o comando do campo de batalha em reinado e o fato se consumou Vejamos o reino dos francos Neste ao povo vitorioso dos sálios couberam como propriedade plena não só os vastos domínios do Estado romano mas também todas as extensas faixas de terra que não haviam sido repartidas entre as cooperativas maiores e menores dos vales e das marcas sobretudo os conjuntos maiores de florestas A primeira coisa que fez o rei dos francos que havia recémpassado de simples comandante supremo das tropas a um verdadeiro príncipe territorial foi transformar essa propriedade do povo em bem da realeza roubála do povo e dála de presente ou arrendála ao seu séquito Esse séquito formado originalmente por sua comitiva pessoal de guerra e pelos demais subcomandantes do exército logo foi reforçado não só por romanos isto é gálios romanizados que por sua arte da escrita sua formação seu conhecimento das línguas nacionais românicas e da língua escrita latina bem como do direito nacional rapidamente se tornaram imprescindíveis mas também por escravos servos e libertos que compunham sua corte e entre os quais ele elegia seus favoritos Todos eles foram presenteados num primeiro momento com parcelas de terra do povo mais tarde outorgadas como benefícios que no início costumavam valer durante a vida do rei c e assim foram lançados os fundamentos de uma nova nobreza à custa do povo Mas isso não foi o bastante Não era possível governar toda a vastidão do Império com os meios da antiga constituição gentílica o conselho dos líderes onde ainda não deixara de existir havia muito tempo não tinha como se reunir e logo foi substituído pelo entorno permanente do rei a antiga assembleia do povo continuou apenas em aparência pois era cada vez mais uma simples assembleia de subcomandantes e da nobreza em formação Os camponeses livres proprietários de terra que constituíam a massa do povo franco foram arruinados e depauperados pelas intermináveis guerras internas e de conquista estas últimas principalmente sob Carlos Magno tanto quanto o foram em tempos mais antigos os camponeses romanos dos últimos anos da República Eles que originalmente compunham o exército e após a conquista da França formavam seu núcleo eram tão pobres no início do século IX que apenas um em cada cinco tinha condições de sair em campanha O estandarte dos camponeses livres recrutados diretamente pelo rei foi substituído por um exército composto dos serviçais dos novos nobres entre os quais camponeses servos descendentes daqueles que não haviam conhecido outro senhor além do rei e ainda antes disso não haviam conhecido nenhum senhor nem mesmo um rei Sob os sucessores do rei Carlos as guerras internas a debilidade do poder real as investidas dos nobres aos quais ainda se somaram os condes distritais Gaugrafen instituídos por Carlos que aspiravam à hereditariedade do cargo e por fim as incursões dos normandos consumaram a ruína do estamento camponês franco Cinquenta anos depois de morte de Carlos Magno o reino dos francos estava tão inane aos pés dos normandos quanto quatrocentos anos antes o Império Romano estivera aos pés dos francos Mas não foi só a impotência externa aconteceu quase o mesmo com a ordem ou melhor a desordem social interna Os camponeses francos livres se viram em uma situação parecida com a de seus predecessores os colonos romanos Arruinados por guerras e saques tiveram de buscar a proteção dos novos nobres ou da Igreja pois o poder real era muito fraco para protegê los porém tiveram de pagar caro pela proteção Como outrora os camponeses gálicos eles também transferiam a propriedade de sua gleba ao patrono e a recebiam de volta em arrendamento sob formas diversas e variáveis mas sempre em troca de prestação de serviços e tributos depois que caíam nessa forma de dependência perdiam aos poucos sua liberdade pessoal passadas poucas gerações geralmente já eram servos da gleba A rapidez com que se consumou a ruína do estamento camponês livre é evidenciada pelo cadastro de propriedades de Irminon d para a abadia de SaintGermaindesPrés que naquela época era perto da cidade de Paris e hoje é dentro dela Na vasta propriedade da abadia que se estendia pelas cercanias havia na época de Carlos Magno 2788 domicílios habitados quase sem exceção por francos de nome germânico Entre eles 2080 colonos 35 lites e 220 escravos e somente 8 arrendatários livres A prática do patrono de fazer o camponês lhe transferir a propriedade da gleba e devolvêla vitaliciamente para o cultivo prática que foi declarada impia por Salviano era amplamente usada pela Igreja contra os camponeses Os trabalhos forçados que eram cada vez mais usados tiveram como modelo tanto as angárias romanas que eram serviços obrigatórios prestados ao Estado quanto os serviços prestados pelos moradores da marca alemã para construção de pontes estradas e outras finalidades comuns Aparentemente portanto transcorridos quatrocentos anos a massa da população voltara à estaca zero Isso porém provou apenas duas coisas a primeira foi que a estruturação social e a divisão da propriedade no Império Romano em declínio correspondiam inteiramente ao nível de produção da agricultura e da indústria daquele tempo e portanto eram inevitáveis e a segunda foi que durante os quatrocentos anos seguintes esse nível de produção não baixara essencialmente nem se elevara essencialmente e portanto com a mesma inevitabilidade voltara a gerar a mesma repartição da propriedade e as mesmas classes da população Nos últimos séculos do Império Romano a cidade perdera seu antigo domínio sobre o campo e nos primeiros séculos do domínio germano ainda não o recuperara Isso pressupõe um nível mais baixo de desenvolvimento tanto na agricultura quanto na indústria Essa situação global necessariamente produz grandes proprietários de terra dominantes e pequenos agricultores dependentes Não era possível enxertar em tal sociedade nem a economia romana dos latifúndios com uso de escravos nem o mais recente cultivo em grande escala com uso de trabalho forçado disso dão prova suficiente os colossais experimentos de Carlos Magno com as famosas villas imperiais que desapareceram quase sem deixar rastros Eles continuaram apenas nos mosteiros e somente para estes foram proveitosos porém os mosteiros eram organismos anormais da sociedade fundados no celibato podiam fazer coisas excepcionais mas justamente por isso tinham de permanecer exceções E no entanto houve avanços nesses quatrocentos anos Mesmo que no fim encontremos quase as mesmas classes principais que havia no início as pessoas que compunham essas classes eram outras A antiga escravidão desapareceu assim como os indivíduos livres pobres e andrajosos que desprezavam o trabalho como coisa de escravo Entre o colono romano e o novo servo havia o camponês franco livre A lembrança inútil e luta inglória f do romanismo decadente estavam mortas e enterradas As classes sociais do século IX não se formaram no terreno pantanoso de uma civilização em declínio mas nas dores de parto de uma nova civilização A nova linhagem tanto de senhores quanto de servos era uma linhagem de homens se comparada com seus predecessores romanos A relação entre poderosos proprietários de terra e camponeses servis que para estes fora a forma inescapável do ocaso do mundo antigo era para aqueles o ponto de partida para um novo desenvolvimento E ademais por mais que pareçam improdutivos esses quatrocentos anos deixaram um grande produto as nacionalidades modernas a reconfiguração e estruturação da humanidade europeia ocidental para a história por vir Os germanos de fato revitalizaram a Europa e por essa razão a dissolução dos Estados no período germânico não terminou em subjugação pelos normandos e sarracenos mas no aperfeiçoamento dos benefícios e do patronato Kommendation g rumo ao feudalismo h e num aumento populacional tão forte que duzentos anos depois as fortes sangrias infligidas pelas cruzadas foram suportadas sem danos Mas qual foi a misteriosa poção mágica pela qual os germanos injetaram nova vitalidade na Europa agonizante Foi algum poder miraculoso inato à tribo germânica como querem fazer crer nossos historiadores chauvinistas De modo algum Os germanos especialmente os daquele período constituíam uma tribo ariana altamente talentosa e estavam em pleno desenvolvimento Mas o que rejuvenesceu a Europa não foram suas qualidades nacionais específicas senão simplesmente sua barbárie sua constituição gentílica Sua competência e valentia pessoais seu senso de liberdade e instinto democrático que via em todos os assuntos públicos seus próprios assuntos em suma todas as qualidades que o romano havia perdido e as únicas capazes de erguer novos Estados e fazer crescer novas nacionalidades da lama do mundo romano o que eram essas qualidades senão os traços de caráter do bárbaro do estágio superior fruto de sua constituição gentílica Quando conferiram nova forma à monogamia antiga suavizaram a dominação masculina sobre a família e deram à mulher uma posição mais elevada do que o mundo clássico jamais havia conhecido o que os capacitou para isso senão sua barbárie seus hábitos gentílicos suas heranças ainda vivas da época do direito materno Quando pelo menos nos três territórios mais importantes Alemanha norte da França e Inglaterra eles resgataram parte da autêntica constituição gentílica na forma de cooperativas da marca e a transplantaram no Estado feudal proporcionando desse modo à classe oprimida aos camponeses mesmo sob a mais dura servidão feudal um ponto de coesão local e um meio de resistência que não tiveram nem os escravos antigos nem os proletários modernos a que se deve isso senão à sua barbárie ao seu modo exclusi vamente bárbaro de assentamento por linhagens E por fim quando foram capazes de constituir e tornar exclusiva uma forma mais suave de servidão que já vinham praticando em sua pátria e à qual se converteu aos poucos a escravidão no Império Romano uma forma que como Fourier foi o primeiro a enfatizar i proporciona ao servo os meios para sua libertação gradativa como classe fournit aux cultivateurs des moyens daffranchissement collectif et progressif fornece aos agricultores os meios para sua libertação coletiva e progressiva uma forma que por esse aspecto assume uma posição muito superior à da escravidão na qual é possível apenas a libertação individual imediata sem estado intermediário na Antiguidade não se tem notícia de abolição da escravidão por meio de rebelião vitoriosa ao passo que de fato os servos da Idade Média aos poucos foram impondo sua libertação como classe a que devemos agradecer senão a sua barbárie em virtude da qual eles ainda não haviam chegado à escravidão completa nem à escravidão do trabalho da Antiguidade nem à escravidão doméstica do Oriente Tudo o que os germanos implantaram de vital e revitalizador no mundo romano foi próprio da barbárie De fato só bárbaros são capazes de rejuvenescer um mundo que padece de uma civilização moribunda E o estágio superior da barbárie para o qual e no qual os germanos haviam evoluído antes da migração dos povos foi justamente o mais favorável para esse processo Isso explica tudo 10 O número estimado aqui é confirmado por uma passagem de Diodoro sobre os celtas gálicos Na Gália moram muitos povos de diferentes tamanhos Os maiores são constituídos por cerca de 200000 pessoas os menores por 50000 Diodoro Sículo V 25 Ou seja 125000 em média deve se supor que os povos gálicos por seu nível mais elevado de desenvolvimento foram mais numerosos que os germânicos a Plínio História natural livro IV cap 14 N E A 11 Segundo o bispo Liutprand de Cremona em Verdum ou seja no Sacro Império Germânico o principal ramo industrial no século X era a fabricação de eunucos que eram exportados com grande lucro para a Espanha para suprir os haréns mouros Liutprand de Cremona Antapodosis livro VI cap 6 N E A b Salviano de Marselha De gubernatione dei livro V cap 8 N E A c O benefício beneficium boa ação era uma forma de concessão de terras muito difundida na primeira metade do século VIII no reino dos francos A terra concedida como benefício era transferida para o beneficiário pelo tempo de sua vida incluindo o camponês que vivia nela sob a condição de prestar alguns serviços estes eram em geral de ordem militar Sobre o papel do sistema de benefícios na história do desenvolvimento do feudalismo ver Friedrich Engels Fränkische Zeit N E A d O cadastro de Irminon Polyptichon é um registro de terras e servos ali assentados bem como das receitas do mosteiro de SaintGermaindesPrés elaborado pelo abade Irminon no século IX Engels cita os dados segundo Paul Roth Geschichte des Beneficialwesens von den ältesten Zeiten bis ins zehnte Jahrhundert Erlangen 1850 p 378 N E A e Lites eram camponeses em semiliberdade obrigados a prestar serviços e pagar tributos que ao lado dos colonos e dos escravos compunham um dos grupos principais de camponeses dependentes na época dos merovíngios e carolíngios N E A f Verso do poema de Goethe Amerika du hast es besser América melhor para ti em Johann Wolfgang von Goethe Sämtliche Werke Jubiläumsausgabe v 4 Gedichte ed E V d Hellen StuttgartBerlim J G Cottasche Buchhandlung 1912 parte 4 p 127 N T g Na Europa dos séculos VIII e IX a commendatio era um acordo muito difundido pelo qual um indivíduo mais fraco se coloca sob a proteção de um indivíduo mais forte sob certas condições prestação de serviços militares e outros transferência da propriedade fundiária para recebêla em arrendamento A commendatio significava para o camponês que muitas vezes era forçado a isso a perda de sua liberdade pessoal e para os pequenos proprietários de terra a dependência dos grandes senhores feudais ela contribuiu para a escravização das massas camponesas e para a consolidação da hierarquia feudal N E A h Na edição de 1884 este parágrafo termina aqui N E A i Charles Fourier Théorie des quatre mouvements e des destinées générales em Œuvres complètes Paris 1846 t I p 220 N E A IX BARBÁRIE E CIVILIZAÇÃO Acompanhamos até aqui a dissolução da constituição gentílica com base em três exemplos individuais o dos gregos o dos romanos e o dos germanos Investiguemos por fim as condições econômicas gerais que solaparam a organização gentílica da sociedade no estágio superior da barbárie e a eliminaram por completo no início da civilização Nesse ponto O capital de Marx nos será tão necessário quanto o livro de Morgan Surgida no estágio intermediário e aperfeiçoada no estágio superior do estado selvagem a gens atinge seu período áureo segundo nos permitem julgar nossas fontes no estágio inferior da barbárie Comecemos portanto com esse estágio do desenvolvimento Nele para o qual temos de recorrer ao exemplo dos pelesvermelhas americanos encontramos o modelo mais completo da constituição gentílica Uma tribo se ramifica em várias gentes geralmente duas a com o crescimento da população essas gentes originais se subdividem em várias gentes filhas em relação às quais a gens mãe aparece como fratria a própria tribo se divi de em várias tribos em cada uma das quais reencontramos em grande parte as antigas gentes pelo menos em certos casos uma confederação une as tribos aparentadas Essa organização simples satisfaz inteiramente as condições sociais das quais ela se originou Ela nada mais é que um agrupamento próprio nascido naturalmente e capaz de resolver todos os conflitos que podem surgir dentro da sociedade organizada dessa maneira Externamente a guerra resolve ela pode levar à aniquilação da tribo mas nunca à sua subjugação Este é o aspecto grandioso da constituição gentílica mas também sua limitação nela não há lugar para dominação e escravização Internamente não há diferença entre direitos e deveres para os índios não existe a pergunta se a participação nos assuntos públicos a vingança de sangue ou sua expiação são um direito ou um dever ela lhe pareceria tão absurda quanto perguntar se comer dormir e caçar são direitos ou deveres Também não pode haver uma divisão da tribo e da gens em classes diferentes E isso nos leva à investigação da base econômica dessa condição A população é extremamente dispersa tornase mais densa somente no local de residência da tribo em torno do qual se situa o amplo círculo de caça seguido do território neutro de floresta que o separa e protege de outras tribos A divisão do trabalho é puramente natural ela existe somente entre os dois sexos O homem trava a guerra sai para caçar e pescar arranja a matériaprima para a alimentação e as ferramentas necessárias para isso A mulher cuida da casa prepara a alimentação e o vestuário cozinha tece e costura Cada qual comanda sua área o homem no mato a mulher na casa Cada qual é proprietário das ferramentas que confecciona e usa o homem das armas dos instrumentos de caça e pesca a mulher dos utensílios domésticos A economia doméstica é comunista e inclui várias e com frequência muitas famílias 12 O que é feito e usado em conjunto é de propriedade comum a casa a horta a canoa Aqui portanto e só aqui ainda se aplica a propriedade pessoalmente processada inventada por juristas e economistas da sociedade civilizada o último pretexto jurídico mentiroso que ainda serve de base para a propriedade capitalista atual Porém não foi em todo lugar que as pessoas permaneceram nesse estágio Na Ásia elas encontraram animais que podiam ser domesticados e criados A búfala selvagem tinha de ser caçada e depois de domesticada fornecia anualmente um terneiro e além disso leite Um certo número de tribos mais avançadas os arianos os semitas e talvez também já os turânios fizeram da domesticação e mais tarde da criação e manutenção do gado seu principal ramo de trabalho Tribos de pastores se destacaram da massa restante dos bárbaros primeira grande divisão social do trabalho As tribos pastoris não só produziram mais como também produziram meios de subsistência diferentes dos produzidos pelos demais bárbaros Em relação a estes elas tinham a vantagem de ter não só leite derivados de leite e carne em grandes quantidades mas também couro lã pelo de cabra fios e tecidos que se multiplicavam com a massa da matériaprima Desse modo pela primeira vez foi possível uma troca regular Nos estágios anteriores podiam acontecer apenas trocas ocasionais habilidade especial na confecção de armas e ferramentas podia levar à divisão temporária do trabalho Assim foram encontrados em muitos lugares restos inquestionáveis de oficinas de ferramentas de pedra datadas da Idade da Pedra tardia os artífices que nelas aperfeiçoaram sua habilidade provavelmente trabalhavam para a coletividade como ainda é o caso dos artesãos permanentes das comunidades gentílicas da Índia Em todo caso nesse estágio não podia haver uma troca que fosse além dos limites da tribo e mesmo essa troca era um evento excepcional Em contraposição após a separação das tribos pastoris encontramos todas as condições necessárias para a troca entre os membros das diferentes tribos para sua formação e consolidação como instituição regular Originalmente a troca ocorria entre uma tribo e outra por intermédio dos líderes de cada gens porém quando os rebanhos passaram a ser propriedade especial b a troca individual se tornou cada vez mais predominante e acabou se tornando a única forma Mas o principal artigo que as tribos pastoris davam em troca para seus vizinhos era o gado o gado se tornou a mercadoria pela qual era estimado o valor de todas as outras mercadorias e que em todo lugar era bemaceita na troca por outras em suma o gado passou a ter função de dinheiro e servia de dinheiro já nesse estágio Foi com essa obrigatoriedade e rapidez que se desenvolveu já no início da troca de mercadorias a necessidade de uma mercadoriadinheiro A horticultura provavelmente estranha aos bárbaros asiáticos do estágio inferior despontou entre eles no mais tardar no estágio intermediário como precursora do cultivo do campo O clima do planalto turaniano não permite vida pastoril se não houver forragem para o longo e rigoroso inverno nesse caso portanto o cultivo das campinas e a produção de cereais eram uma precondição O mesmo vale para as estepes ao norte do mar Negro Porém se no início o cereal foi obtido para o gado logo ele se tornaria também alimentação humana A terra cultivada ainda era propriedade da tribo inicialmente da gens mais tarde transferida para o uso das cooperativas domésticas e por fim c dos indivíduos estes podiam ter certos direitos de posse sobre as terras mas não mais que isso Das conquistas industriais nesse estágio duas são especialmente importantes A primeira foi o tear a segunda a fusão de minérios de metal e o processamento de metais Os mais importantes foram de longe o cobre e o zinco bem como o bronze composto dos dois primeiros o bronze forneceu ferramentas e armas úteis mas não conseguiu eliminar as ferramentas de pedra isso só foi possibilitado pelo ferro e ainda não se sabia como obter ferro O ouro e a prata começaram a ser usados como joias e adornos e já deviam ter um valor bem mais alto do que o cobre e o bronze O aumento da produção em todos os ramos pecuária agricultura manufatura doméstica conferiu à força de trabalho humana a capacidade de gerar uma produção maior do que o exigido para o seu sustento Ao mesmo tempo ela aumentou a quantidade diária de trabalho que cabia a cada membro da gens da comunidade doméstica ou da família individual A inclusão de novas forças de trabalho se tornou desejável A guerra as forneceu os prisioneiros de guerra eram convertidos em escravos A primeira grande divisão social do trabalho que ocorreu com o aumento da produtividade do trabalho e portanto da riqueza e com a ampliação do campo de produção levou obrigatoriamente à escravidão nas condições históricas globais dadas Da primeira grande divisão social do trabalho originouse a primeira grande divisão da sociedade em duas classes senhores e escravos espoliadores e espoliados Até agora não sabemos como e quando os rebanhos passaram de bem comum da tribo ou da gens para propriedade dos chefes de família individuais Mas isso deve ter acontecido essencialmente nesse estágio Ora com os rebanhos e as outras novas riquezas houve uma revolução na família A subsistência sempre fora assunto do homem os meios para a subsistência eram produzidos por ele e eram sua propriedade Os rebanhos eram os novos meios de subsistência a domesticação inicial e a manutenção posterior eram obra sua Por conseguinte a ele pertencia o gado e a ele pertenciam as mercadorias e os escravos trocados por gado Todo o excedente que a atividade de subsistência passara a fornecer era do homem a mulher usufruía disso com ele mas não tinha parte na propriedade Dentro de casa o guerreiro e caçador selvagem se dava por satisfeito de ocupar a segunda posição depois da mulher o pastor mais manso estribandose em sua riqueza tomou o primeiro lugar e relegou a mulher ao segundo E ela não pôde se queixar A divisão de trabalho na família regulou a repartição da propriedade entre homem e mulher a divisão permaneceu a mesma não obstante ela inverteu a relação doméstica até ali vigente apenas porque a divisão de trabalho fora da família tinha mudado A mesma razão que assegurara à mulher o predomínio dentro de casa isto é sua limitação ao trabalho doméstico assegurava agora a dominação do homem dentro de casa o trabalho doméstico da mulher perdeu importância diante do trabalho de subsistência do homem este passou a ser tudo aquele um complemento insignificante Aqui já se mostra que a libertação da mulher sua equiparação com o homem é e continuará impossível enquanto a mulher for excluída do trabalho social produtivo e permanecer restrita ao trabalho doméstico privado A libertação da mulher só se torna possível no momento em que ela pode participar da produção em grande escala ou seja em escala social e o trabalho doméstico lhe toma apenas um tempo insignificante E isso só se tornou possível graças à grande indústria moderna que não só admite o trabalho feminino em grande escala mas de fato também o exige e ademais aspira a dissolver cada vez mais o trabalho doméstico privado em uma indústria pública Com a dominação de fato do homem dentro de casa caiu a última barreira imposta a sua autocracia Essa autocracia foi confirmada e perenizada pela derrubada do direito materno pela introdução do direito paterno pela transição gradativa do casamento do par para a monogamia Isso porém causou uma fissura na antiga ordem gentílica a família individual se converteu em potência e se levantou ameaçadoramente diante da gens A etapa seguinte nos leva até o estágio superior da barbárie o período em que todos os povos civilizados atravessam sua era heroica o período da espada de ferro mas também do arado e do machado de ferro O homem conseguira colocar o ferro a seu serviço a última e mais importante de todas as matériasprimas a desempenhar um papel historicamente revolucionário a última excetuando a batatainglesa O ferro possibilitou o cultivo de extensas superfícies de campo a derrubada de grandes faixas de mato pôs na mão do artífice ferramentas de dureza e corte a que nenhuma pedra e nenhum outro metal eram capazes de resistir Tudo isso foi acontecendo gradualmente o primeiro ferro ainda era mais macio do que o bronze Assim muito lentamente desapareceu a arma de pedra não só na Canção de Hildebrando mas também em Hastings no ano de 1066 ainda eram usados machados de pedra nas batalhas Porém o progresso era incessante mais célere e quase ininterrupto A cidade que com seus muros torres e ameias de pedra encerrava casas de tijolos tornouse a sede central da tribo ou da confederação de tribos foi um enorme progresso da arquitetura mas também um sinal de perigo multiplicado e necessidade de proteção A riqueza aumentou rapidamente mas foi a riqueza dos indivíduos a tecelagem o processamento de metais e as demais manufaturas que se destacavam cada vez mais desenvolviam uma crescente multiplicidade e destreza na produção o cultivo da terra além de grãos legumes e frutas passou a fornecer também azeite e vinho cuja preparação fora aprendida Atividades tão variadas não podiam mais ser exercidas pelo mesmo indivíduo ocorreu a segunda grande divisão do trabalho a manufatura se separou da agricultura O aumento constante da produção e com ela da produtividade do trabalho valorizou a força de trabalho humana a escravidão que no estágio anterior ainda era incipiente e esporádica tornase parte integrante do sistema social os escravos deixam de ser simples auxiliares e são tangidos às dúzias para o trabalho no campo e na oficina Com a divisão da produção nos dois grandes ramos principais agricultura e manufatura surge a produção destinada diretamente à troca a produção de mercadorias e com esta surge o comércio não só internamente e nas fronteiras das tribos mas também por mar Tudo isso porém ainda era muito incipiente os metais nobres começavam a tornarse de modo preponderante e generalizado mercadoriasdinheiro mas ainda sem cunho e eram trocados apenas por seu peso bruto A diferenciação entre ricos e pobres somase à de livres e escravos com a nova divisão do trabalho ocorre uma nova cisão da sociedade em classes As diferenças de posse entre os chefes de família individuais implodem a antiga comunidade doméstica comunista onde quer que esta tivesse se mantido e com ela o cultivo comunitário do solo para custeio dessa comunidade A terra de cultivo é transferida para ser aproveitada pelas famílias individuais primeiro temporariamente e depois de uma vez por todas a transição para a condição de propriedade privada plena se consuma gradativa e paralelamente à transição do casamento do par para a monogamia A família individual começa a tornarse a unidade econômica na sociedade A maior densidade populacional força uma coesão mais estreita tanto interna quanto externamente A confederação de tribos aparentadas se torna uma necessidade em toda parte e logo depois também a sua fusão e com esta a fusão dos territórios tribais num único território global do povo O comandante de tropas do povo rex basiléus thiudans tornase um funcionário permanente e imprescindível Nasce a assembleia do povo onde ainda não havia uma Comandante de tropas conselho e assembleia do povo constituem os órgãos da sociedade gentílica que evolui para uma democracia militar Militar porque a guerra e a organização para a guerra se tornaram funções regulares da vida do povo As riquezas dos vizinhos atiçam a cobiça dos povos para os quais a aquisição de riquezas já é uma das finalidades prioritárias da vida Eles são bárbaros consideram rapinar mais fácil e mais honroso do que produzir com trabalho A guerra que antes era feita apenas para vingarse de ataques ou para ampliar o território que se tornara insuficiente passa a ser feita simplesmente em razão da rapina tornase ramo fixo de subsistência Não é sem motivo que os muros ameaçadores vigiam o entorno das novas cidades fortificadas os fossos representam o túmulo que engole a constituição gentílica e as torres já adentram a civilização E o mesmo sucede dentro delas As guerras de rapina aumentam o poder tanto do supremo comandante de tropas quanto dos subcomandantes principalmente desde a introdução do direito paterno o costume de eleger sucessores oriundos das mesmas famílias assume gradativamente a forma de hereditariedade primeiro tolerada depois reivindicada e por fim usurpada o fundamento da realeza hereditária e da nobreza hereditária foi lançado Assim os órgãos da constituição gentílica gradativamente se desarraigam do povo da gens fratria tribo e toda a constituição gentílica se converte em seu oposto de uma organização de tribos que visa à livre regulação de seus assuntos internos em uma organização que visa à pilhagem e à opressão de povos vizinhos de modo correspondente seus órgãos se convertem de instrumentos da vontade do povo em órgãos autônomos de dominação e opressão de seu próprio povo Isso porém jamais teria sido possível se a avidez por riqueza não tivesse dividido os integrantes da gens em ricos e pobres se a diferença de propriedade dentro da mesma gens não tivesse transformado a unidade dos interesses em antagonismo dos integrantes da gens Marx e a expansão da escravidão já não tivesse começado a fazer com que o trabalho para o sustento da vida passasse a ser considerado uma atividade digna de escravos e mais infame do que a rapina Desse modo chegamos ao limiar da civilização Esta é inaugurada por meio de um novo avanço da divisão do trabalho No estágio mais baixo os homens só produziam diretamente para consumo próprio os atos de troca que eventualmente ocorriam eram isolados diziam respeito somente ao supérfluo que por acaso houvesse No estágio intermediário da barbárie já encontramos entre os povos pastoris uma posse na forma de gado e quando o rebanho atinge determinado tamanho ele fornece regularmente certo excedente além da demanda própria levando a uma divisão do trabalho entre povos pastoris e tribos atrasadas sem rebanhos e desse modo a dois estágios de produção diferentes subsistindo lado a lado e às condições para uma troca regular O estágio superior da barbárie propicia a continuidade da divisão do trabalho entre agricultura e manufatura e desse modo a produção de uma parte cada vez maior de produtos do trabalho destinada diretamente à troca e desse modo a elevação da troca entre produtores individuais à condição de necessidade vital da sociedade A civilização consolida e intensifica todas essas divisões do trabalho principalmente pela exacerbação do antagonismo entre cidade e campo em que a cidade pode vir a dominar economicamente o campo como na Antiguidade ou o campo a cidade como na Idade Média e acrescenta uma terceira divisão do trabalho bem própria dela de importância decisiva ela gera uma classe que não se ocupa mais da produção mas só da troca dos produtos os comerciantes Todas as iniciativas anteriores de formação de classes ainda estavam relacionadas exclusivamente com a produção elas dividiram as pessoas que participavam da produção em líderes e executoras ou então em produtores em grande escala e produtores em pequena escala Surge então pela primeira vez uma classe que sem ter qualquer participação na produção conquista a liderança da produção como um todo e em grande escala e submete economicamente os produtores que faz de si mesma a mediadora incontornável entre dois produtores e espolia a ambos Pretextando aliviar o produtor do esforço e do risco da troca expandir a venda de seus produtos para mercados distantes e desse modo tornarse a classe mais útil da população toma forma uma classe de parasitas sociais autênticos animais vivendo à custa de outros que como recompensa por trabalhos de fato pouco expressivos ficam com o filé da produção nacional e estrangeira acumulando rapidamente enormes riquezas e a correspondente influência social e justamente por isso durante o período da civilização recebendo honrarias sempre renovadas e dominando cada vez mais a produção até que ela mesma por fim traz à tona seu próprio produto as crises comerciais periódicas Todavia no estágio de desenvolvimento em questão a jovem classe comerciante ainda nem intui as grandes façanhas que a aguardam Mas ela toma forma e se torna indispensável e isso basta Com ela porém toma forma o dinheiro de metal a moeda cunhada e com o dinheiro de metal um novo meio pelo qual o não produtor pode dominar o produtor e sua produção A mercadoria das mercadorias que contém em latência todas as outras mercadorias foi descoberta a poção mágica capaz de converterse a seu belprazer em toda e qualquer coisa desejável e desejada Quem a tivesse dominava o mundo da produção e quem a tinha mais que todos O comerciante Na sua mão o culto ao dinheiro estava assegurado Ele tomou medidas para mostrar que todas as mercadorias e em consequência todos os produtores de mercadorias tinham de lançarse ao pó em adoração ao dinheiro Provou na prática que todas as outras formas de riqueza se convertem em mera aparência de riqueza diante dessa corporificação da riqueza como tal Nunca mais o poder do dinheiro entrou em cena com tanta crueza e violência primitivas quanto no período de sua juventude Depois da venda das mercadorias por dinheiro veio o adiantamento em dinheiro acompanhado do juro e da usura E nenhuma legislação de épocas posteriores joga o devedor tão impiedosa e perdidamente aos pés do credor usurário quanto a antiga lei ateniense e a antiga lei romana e ambas surgiram espontaneamente como direitos consuetudinários tendo como único meio de pressão o econômico Ao lado da riqueza em mercadorias e escravos ao lado da riqueza em dinheiro passou a existir também a riqueza em bens fundiários O direito de posse dos indivíduos sobre parcelas de solo que lhes foram entregues originalmente pela gens ou pela tribo consolidouse de tal forma que essas parcelas passaram a pertencerlhes por herança Nos últimos tempos a aspiração dos indivíduos era libertarse do direito que a cooperativa gentílica tinha à parcela esse direito havia se tornado uma amarra para eles Eles ficaram livres dessa amarra mas logo também da nova propriedade fundiária A propriedade plena e livre do solo significava a possibilidade não só de possuir o solo completa e irrestritamente mas também de vendê lo Enquanto o solo era propriedade da gens não existia essa possibilidade Porém quando o novo proprietário do solo se desvencilhou definitivamente da amarra da suma propriedade da gens e da tribo ele rompeu também o laço que o vinculava indissoluvelmente ao solo O que isso significou foi lhe esclarecido por meio do dinheiro inventado simultaneamente com a propriedade privada O solo podia tornarse mercadoria que se compra e penhora Mal foi introduzida a propriedade do solo já se inventou também a hipoteca ver Atenas Do mesmo modo que o heterismo e a prostituição se aferraram aos calcanhares da monogamia dali por diante a hipoteca se aferrou aos calcanhares da propriedade privada Vós quisestes a propriedade fundiária plena livre e venal pois bem aí a tendes tu las voulu George Dandin Tu a quiseste George Dandin d Assim com a expansão do comércio do dinheiro e da usura da propriedade fundiária e da hipoteca avançaram rapidamente a concentração e a centralização da riqueza nas mãos de uma classe pouco numerosa e paralelamente o empobrecimento crescente das massas e a massa crescente dos pobres Na medida em que não coincidia desde o começo com a velha nobreza tribal a nova aristocracia da riqueza a relegou a segundo plano em Atenas em Roma entre os germanos Essa separação dos livres em classes segundo a sua riqueza foi acompanhada especialmente na Grécia de uma imensa multiplicação do número de escravos 13 cujo trabalho forçado lança o fundamento sobre o qual se ergueu a superestrutura de toda a sociedade Procuremos saber agora o que aconteceu com a constituição gentílica em consequência dessa revolução social Diante dos novos elementos que surgiram sem a sua contribuição ela se mostrou impotente Seu pressuposto era que os membros de uma gens ou pelo menos de uma tribo ocupassem juntos e unidos um mesmo território e o habitassem com exclusividade Havia muito tempo isso já não era mais assim Em toda parte gentes e tribos haviam se misturado em todo lugar residiam escravos clientes e estrangeiros entre cidadãos O sedentarismo atingido só no fim do estágio intermediário da barbárie foi reiteradamente rompido pela mobilidade e pela mutabilidade da residência em função do comércio das mudanças de atividade de subsistência e da mudança da posse da terra Os integrantes do organismo gentílico não puderam mais se reunir em assembleia para tratar de assuntos comuns apenas coisas sem relevância como celebrações religiosas ainda foram mantidas a duras penas Ao lado das necessidades e dos interesses de cuja preservação o organismo gentílico fora encarregado e capacitado surgiram novas necessidades e novos interesses decorrentes da revolução das relações de subsistência e da mudança de estrutura social daí decorrente essas necessidades e esses interesses não só eram estranhos à antiga ordem gentílica como também a obstaculizavam de todas as maneiras Os interesses dos grupos manufatureiros resultantes da divisão do trabalho as necessidades específicas da cidade em oposição ao campo exigiam novos órgãos cada um desses grupos porém era composto de pessoas das mais diferentes gentes fratrias e tribos até mesmo estrangeiros portanto esses órgãos tiveram de ser compostos fora da constituição gentílica ao lado dela e desse modo contra ela Por seu turno em cada organismo gentílico se fez notar esse conflito de interesses que atingiu seu auge na unificação de ricos e pobres usurários e devedores na mesma gens e na mesma tribo A isso se somou a massa da nova população estranha às cooperativas gentílicas que como aconteceu em Roma podia tornarse uma potência na terra sendo como tal muito numerosa para ser absorvida gradativamente pelas gens e pelas tribos As cooperativas gentílicas se defrontavam com essas massas na condição de corporações fechadas e privilegiadas a democracia original que surgira naturalmente converteuse em uma aristocracia odiosa Por fim a constituição gentílica brotara de uma sociedade que não conhecia antagonismos internos e fora adaptada apenas a essa sociedade Ela não tinha meios coercitivos a não ser a opinião pública Porém surgiu uma sociedade que em virtude de suas condições econômicas globais de vida teve de cindirse em homens livres e escravos ricos espoliadores e pobres espoliados uma sociedade que não só era incapaz de conciliar esses antagonismos como era forçada a exacerbálos cada vez mais Uma sociedade como essa só podia subsistir na luta aberta e permanente entre essas classes ou então sob o domínio de uma terceira força que aparentemente situada acima das classes em conflito abafava o conflito aberto entre elas e permitia que a luta de classes fosse travada no máximo na esfera econômica sob a chamada forma legal A constituição gentílica caducou Rompeuse pela divisão do trabalho e pelo resultado desta a cisão da sociedade em classes Ela foi substituída pelo Estado Analisamos acima detalhadamente as três formas principais como o Estado foi erguido sobre as ruínas da constituição gentílica Atenas apresenta a forma mais pura clássica aqui o Estado se origina direta e preponderantemente dos antagonismos de classe que se desenvolveram na própria sociedade gentílica Em Roma a sociedade gentílica se converteu em uma aristocracia fechada em meio a uma plebs numerosa excluída privada de direitos mas cônscia de suas obrigações a vitória da plebs rompeu a antiga constituição da gens e sobre suas ruínas se ergueu o Estado no qual a aristocracia gentílica e a plebs logo se dissolveriam por completo Por fim entre os germanos que derrotaram o Império Romano o Estado se originou diretamente da conquista de grandes territórios estrangeiros para cuja dominação a constituição gentílica não oferecia meios Porém a essa conquista não estava associada nem uma batalha séria contra a antiga população nem uma divisão de trabalho mais avançada e o estágio de desenvolvimento econômico dos conquistados e dos conquistadores era quase o mesmo a base econômica da sociedade portanto permaneceu a mesma por tudo isso a constituição gentílica conseguiu conservarse por muitos séculos sob uma forma modificada territorial da constituição da marca e remoçar por certo tempo sob uma forma atenuada nas linhagens da nobreza e dos patrícios e até mesmo nas linhagens camponesas como em Dithmarschen 14 O Estado portanto de modo algum é um poder imposto de fora à sociedade tampouco é a efetividade da ideia ética a imagem e a efetividade da razão como afirma Hegel e É muito pelo contrário um produto da sociedade em determinado estágio de desenvolvimento é a admissão de que essa sociedade se enredou em uma contradição insolúvel consigo mesma cindiuse em antagonismos irreconciliáveis e é incapaz de resolvêlos Porém para que esses antagonismos essas classes com interesses econômicos conflitantes não consumam a sociedade e a si mesmos em uma luta infrutífera tornouse necessário um poder que aparentemente está acima da sociedade e visa abafar o conflito mantêlo dentro dos limites da ordem e esse poder que é oriundo da sociedade mas colocouse acima dela e tornouse cada vez mais estranho a ela é o Estado Em comparação com a antiga organização gentílica o Estado se caracteriza em primeiro lugar pela subdivisão dos cidadãos segundo o território Como vimos as antigas cooperativas gentílicas formadas e mantidas por laços de sangue tornaramse insuficientes em grande parte porque pressupunham um vínculo dos integrantes com determinado território e esse vínculo havia muito deixara de existir O território permaneceu mas as pessoas se moveram Portanto tomouse como ponto de partida a subdivisão territorial e os cidadãos podiam obter seus direitos e cumprir seus deveres públicos onde quer que fixassem residência desconsiderando gens e tribo Essa organização dos integrantes do Estado segundo o pertencimento local é comum a todos os Estados Por isso nos parece natural no entanto vimos quantas batalhas duras e longas foram necessárias até que ela conseguisse tomar o lugar da antiga organização por linhagens em Atenas e Roma A segunda característica é a instalação de um poder público que não coincide mais com a população que se organiza como poder armado O poder especial e público é necessário porque a organização armada e autônoma da população se tornara impossível desde a sua cisão em classes Os escravos também pertenciam à população os 90000 cidadãos atenienses são apenas uma classe privilegiada diante dos 365000 escravos O exército popular da democracia ateniense era um poder público aristocrático diante dos escravos que os mantinha sob controle mas para manter os cidadãos sob controle foi necessária uma gendarmaria como relatado acima Esse poder público existe em todos os Estados consiste não só em homens armados mas também em penduricalhos próprios prisões e instituições coercitivas de todo tipo dos quais a sociedade gentílica nada sabia Pode ser bem insignificante quase imperceptível em sociedades com antagonismos de classes ainda não desenvolvidos e em regiões remotas como em certas épocas e certos locais dos Estados Unidos da América Mas ele se reforça à medida que se aguçam os antagonismos de classe dentro do Estado e à medida que os Estados limítrofes se tornam maiores e mais populosos basta considerar nossa Europa atual na qual a luta de classes e a concorrência conquistadora elevaram o poder público a um nível que ameaça engolir toda a sociedade e até mesmo o Estado Para manter de pé esse poder público é necessária a contribuição dos cidadãos os impostos Estes eram completamente desconhecidos da sociedade gentílica Nós porém temos muita coisa a dizer a respeito deles Com o avançar da civilização eles não são mais suficientes o Estado emite letras de câmbio futuras faz empréstimos dívidas públicas Também a respeito disso a velha Europa tem algo a dizer De posse do poder público e do direito de cobrar impostos encontram se então os funcionários como órgãos da sociedade acima da sociedade O respeito livre e voluntário aos órgãos da constituição gentílica não lhes basta mesmo que pudessem têlo detentores de um poder estranhado da sociedade eles precisam impor respeito por meio de uma lei de exceção por força da qual gozam de santidade e imunidade especiais O mais degenerado servidor policial do Estado civilizado tem mais autoridade do que todos os órgãos da sociedade gentílica juntos mas o príncipe mais poderoso o maior estadista ou general da civilização pode invejar o líder gentílico pela reverência não forçada e inquestionável que lhe é prestada Este está no meio da sociedade aquele é obrigado a representar algo fora dela e acima dela Dado que o Estado surgiu da necessidade de manter os antagonismos de classe sob controle mas dado que surgiu ao mesmo tempo em meio ao conflito dessas classes ele é via de regra Estado da classe mais poderosa economicamente dominante que se torna também por intermédio dele a classe politicamente dominante e assim adquire novos meios para subjugar e espoliar a classe oprimida Assim o Estado antigo foi sobretudo o Estado dos donos de escravos para manter os escravos sob controle como o Estado feudal foi o órgão da nobreza para manter sob controle os camponeses servis e o Estado representativo moderno é o instrumento de espoliação do trabalho assalariado pelo capital Excepcionalmente porém há períodos em que as classes em luta mantêm um equilíbrio tão justo que o poder do Estado na condição de aparente mediador momentaneamente adquire certa autonomia em relação às duas classes Por exemplo a monarquia absoluta dos séculos XVII e XVIII que conseguiu estabelecer um equilíbrio entre nobreza e burguesia por exemplo o bonapartismo do primeiro e principalmente do Segundo Império francês que jogava o proletariado contra a burguesia e a burguesia contra o proletariado O caso mais recente no qual dominadores e dominados parecem igualmente cômicos é o novo Império alemão da nação bismarckiana nele capitalistas e trabalhadores são contrabalançados e igualmente logrados para proveito dos nobres prussianos degenerados Krautjunker Na maioria dos Estados do período histórico os direitos concedidos aos cidadãos do Estado são escalonados de acordo com suas posses e desse modo declarase abertamente que o Estado é uma organização destinada a proteger a classe possuidora da não possuidora Ele já era assim com as classes possuidoras atenienses e romanas E foi assim também o Estado feudalista da Idade Média no qual o poder político se estruturava conforme a posse fundiária E é assim também no censo eleitoral dos Estados representativos modernos Esse reconhecimento político da diferença de posses no entanto não é de modo nenhum essencial Pelo contrário ele caracteriza um estágio baixo do desenvolvimento estatal A forma superior de Estado a república democrática que em nossas condições sociais modernas mais e mais se torna necessidade inevitável e constitui a única forma de Estado em que poderá ser travada a última batalha decisiva entre proletariado e burguesia essa república democrática oficialmente não reconhece mais diferenças de posse Nela a riqueza exerce seu poder de modo indireto mas tanto mais seguro Por um lado na forma da corrupção direta dos funcionários da qual a América é o modelo clássico por outro na aliança entre governo e Bolsa de Valores que se concretiza tanto mais facilmente quanto mais aumentam as dívidas do Estado e quanto mais sociedades por ações concentrarem em suas mãos não só o transporte mas também a própria produção e por seu turno tiverem seu centro na Bolsa de Valores Exemplo contundente é além da América a mais nova República francesa e a pacata Suíça também já deu sua contribuição nesse campo Mas nenhuma república democrática é necessária para efetivar esse pacto fraterno entre governo e Bolsa de Valores prova disso é além da Inglaterra o novo Império alemão onde não há como dizer quem foi alçado mais alto pelo sufrágio universal se foi Bismarck ou Bleichröder Por último a classe possuidora governa diretamente por meio do sufrágio universal Enquanto a classe oprimida e portanto no nosso caso o proletariado não estiver madura para sua autolibertação ela verá por maioria a ordem social vigente como a única possível e politicamente será caudatária da classe capitalista será sua ala de extrema esquerda Porém na mesma proporção em que amadurece para sua autoemancipação ela se constitui como partido próprio elege seus próprios representantes não os dos capitalistas Assim o sufrágio universal é o termômetro da maturidade da classe trabalhadora Mais do que isso ele não pode ser nem jamais será no Estado atual mas isso já é suficiente No dia em que o termômetro do sufrágio universal mostrar o ponto de ebulição do lado dos trabalhadores tanto eles quanto os capitalistas saberão em que situação se encontram O Estado portanto não existe desde a eternidade Houve sociedades que passaram muito bem sem ele que não tinham noção alguma de Estado e poder estatal Em determinado estágio do desenvolvimento econômico necessariamente ligado à cisão da sociedade em classes essa mesma cisão fez do Estado uma necessidade Hoje estamos nos aproximando a passos largos de um estágio do desenvolvimento da produção em que a existência dessas classes não só deixou de ser uma necessidade como já se tornou um estorvo concreto à produção Elas cairão tão inevitavelmente quanto surgiram Com elas cairá inevitavelmente o Estado A sociedade que organizará a produção de uma forma nova com base na associação livre e igualitária dos produtores mandará a máquina estatal para o lugar que lhe é devido o museu das antiguidades ao lado da roda de fiar e do machado de bronze Pelo que foi exposto a civilização é portanto o estágio de desenvolvimento da sociedade em que a divisão do trabalho a troca entre indivíduos dela decorrente e a produção de mercadorias que abrange as duas chegam a seu pleno desenvolvimento e revolucionam toda a sociedade mais antiga A produção de todos os estágios da sociedade mais antiga foi essencialmente comunitária já que também o consumo se dava por distribuição direta dos produtos no interior de comunidades comunistas maiores ou menores Essa produção de caráter comum tinha lugar dentro de limites bem estreitos mas implicava que os produtores fossem donos do processo e do produto Eles sabiam o que era feito de seu produto eles o consumiam ele não saía de suas mãos e enquanto a produção é feita dessa forma ela não tem como se elevar acima dos produtores não tem como gerar poderes estranhos e fantasmagóricos como acontece regular e inevitavelmente na civilização Porém nesse processo de produção imiscuiuse lentamente a divisão do trabalho Ela solapa o caráter comunitário da produção e da apropriação alçando a apropriação pelos indivíduos à condição de regra preponderante e desse modo gera a troca entre os indivíduos examinamos acima como isso ocorreu Gradativamente a produção de mercadorias se tornou a forma dominante Com a produção de mercadorias a produção não só para consumo próprio mas para troca os produtos necessariamente trocam de mãos O produtor entrega seu produto na troca e não sabe mais o que é feito dele Assim que o dinheiro e com o dinheiro o comerciante entra como mediador entre os produtores o processo de troca fica ainda mais intrincado e o destino final dos produtos ainda mais incerto Os comerciantes são muitos e nenhum deles sabe o que outro está fazendo As mercadorias então já passam não só de mão em mão mas também de mercado em mercado os produtores perderam o domínio sobre a produção global em seu círculo de vida mas ele não foi repassado para os comerciantes Produtos e produção ficaram à mercê do acaso Porém o acaso é apenas um dos polos de um contexto cujo polo oposto se chama necessidade Na natureza onde também parece reinar o acaso há muito já provamos em cada campo individual que a necessidade e a regularidade internas se impõem por meio desse acaso Porém o que vale para a natureza vale também para a sociedade Na medida em que uma atividade social uma série de processos sociais tornase poderosa demais para ser submetida ao controle humano consciente ou na medida em que se eleva acima dele quanto mais ela parece entregue ao puro acaso tanto mais se impõem por meio desse acaso por necessidade natural as leis peculiares que lhe são inerentes Essas leis também governam as casualidades da produção de mercadorias e da troca de mercadorias o produtor e o comerciante individual se deparam com elas como potências estranhas e no início até desconhecidas cuja natureza precisa ser penosamente investigada e sondada Essas leis econômicas da produção de mercadorias vão se modificando com os diferentes estágios de desenvolvimento dessa forma de produção de modo geral porém todo o período da civilização se encontra sob seu domínio E ainda hoje o produto domina o produtor ainda hoje a produção global da sociedade é regulada não por um plano pensado em conjunto mas por leis cegas que se impõem pela força elementar em último caso nas tempestades das crises comerciais periódicas Vimos acima que em um estágio bem inicial de desenvolvimento da produção a mão de obra humana se tornou capaz de fornecer produtos em quantidade consideravelmente maior do que o exigido para o sustento dos produtores e que esse estágio de desenvolvimento é essencialmente o mesmo no qual despontaram a divisão do trabalho e a troca entre indivíduos Não demorou muito para que se descobrisse a grande verdade de que o ser humano pode também ser uma mercadoria a força humana f pode ser trocada e aproveitada mediante a transformação do ser humano em escravo Os seres humanos mal tinham começado a praticar a troca quando eles mesmos passaram a ser trocados O ativo se converteu em passivo querendo os seres humanos ou não Com a escravidão que sob a civilização atingiu o auge de seu desenvolvimento ocorreu a primeira grande cisão da sociedade em uma classe espoliadora e uma classe espoliada Essa cisão perdurou durante todo o período civilizado A escravidão peculiar ao mundo antigo é a primeira forma da espoliação a ela se segue a servidão na Idade Média o trabalho assalariado na época mais recente Essas são as três formas de escravização características das três grandes eras da civilização a escravidão aberta e mais recentemente a escravidão dissimulada sempre as acompanham O estágio da produção de mercadorias com o qual tem início a civilização é caracterizado economicamente pela introdução 1 do dinheiro de metal e desse modo do capital monetário do juro e da usura 2 dos comerciantes como classe intermediadora entre os produtores 3 da propriedade fundiária privada e da hipoteca e 4 do trabalho escravo como forma dominante de produção A forma de família que corresponde à civilização e que com ela chega definitivamente ao poder é a monogamia a dominação do homem sobre a mulher e a família individual como unidade econômica da sociedade A síntese da sociedade civilizada é o Estado que em todos os períodos tomados como exemplo é sem exceção o Estado da classe dominante e em todos os casos é essencialmente um mecanismo de repressão da classe oprimida e espoliada Além disso uma característica da civilização é esta por um lado a fixação do antagonismo entre cidade e campo como fundamento de toda a divisão social do trabalho por outro a introdução dos testamentos mediante os quais o proprietário pode dispor de sua propriedade até mesmo depois de sua morte Essa instituição que equivale a um tapa na cara da antiga constituição gentílica era desconhecida em Atenas até o tempo de Sólon em Roma foi introduzida bem cedo mas não sabemos quando 15 entre os germanos foi introduzida pelos padrecos para que o pacato germano pudesse legar sem impedimento sua parte de herança à Igreja Com essa constituição básica a civilização realizou coisas das quais nem remotamente a antiga sociedade gentílica daria conta Porém realizou as liberando os instintos e as paixões mais vis dos seres humanos e desenvolvendoas à custa das demais inclinações humanas A cobiça pura e simples foi a alma que impulsionou a civilização desde seus primeiros dias até hoje riqueza riqueza e mais riqueza não da sociedade mas desse indivíduo miserável sua única meta decisiva Se nesse processo o crescente desenvolvimento da ciência e em períodos recorrentes da história a suprema florescência da arte praticamente lhe caíram do céu isso só aconteceu porque sem essas coisas não teria sido possível conquistar plenamente as riquezas do nosso tempo Dado que a base da civilização é a espoliação de uma classe por outra todo o seu desenvolvimento transcorre em permanente contradição Todo progresso da produção representa simultaneamente um retrocesso na situa ção da classe oprimida isto é da grande maioria Todo benefício para uns é necessariamente um malefício para os outros cada nova libertação de uma classe leva necessariamente a uma nova opressão da outra A prova mais contundente é fornecida pela introdução da maquinaria cujos efeitos são conhecidos hoje em todo o mundo E ao passo que entre os bárbaros como vimos praticamente ainda não se podia estabelecer uma diferença entre direitos e deveres a civilização deixa claros a diferença e o antagonismo entre ambos até para o mais idiota atribuindo a uma classe quase todos os direitos e à outra em contrapartida quase todos os deveres Mas isso não pode ser assim O que é bom para a classe dominante deve ser bom para toda a sociedade com que a classe dominante se identifica Portanto quanto mais a civilização avança tanto mais é forçada a cobrir com o manto da caridade os estados precários que são necessariamente causados por ela embelezálos e negálos em suma introduzir uma hipocrisia convencional de que não se tinha notícia nem nas formas mais antigas da sociedade nem nos primeiros estágios da civilização e que em última análise culmina na seguinte afirmação a espoliação da classe oprimida seria levada a cabo pela classe espoliadora única e exclusivamente no interesse da própria classe espoliada e se ela não reconhece isso e até se rebela é sinal da mais torpe ingratidão contra seus benfeitores os espoliadores 16 E agora para terminar o juízo que Morgan profere sobre a civilização Desde o advento da civilização o crescimento da riqueza se tornou tão imenso suas formas tão diversificadas seus usos tão extensos e sua administração tão inteligente no interesse de seus proprietários que essa riqueza se tornou um poder ingovernável pelo povo O espírito humano se encontra perplexo e fascinado diante de sua própria criação Não obstante chegará o tempo em que a razão humana se erguerá para dominar a riqueza e definir as relações entre o Estado e a propriedade que ele protege tanto quanto os limites dos direitos de seus proprietários Os interesses da sociedade são absolutamente prioritários em relação aos interesses individuais e ambos devem ser postos em uma relação justa e harmônica A mera corrida pela riqueza não será o destino final da humanidade caso o progresso venha a ser a lei do futuro como foi a do passado O tempo que passou desde o início da civilização é apenas uma pequena fração da duração transcorrida da existência humana e apenas uma pequena fração das eras ainda por vir A dissolução da sociedade ameaça ser o fim de uma corrida que tem como único fim e objetivo a riqueza pois essa corrida contém os elementos de sua própria destruição Democracia no governo fraternidade na sociedade igualdade de direitos educação universal inaugurarão o próximo nível mais elevado para o qual a experiência a inteligência e a ciência tendem sem cessar Ele será um reavivamento só que em forma superior da liberdade da igualdade e da fraternidade das antigas gentes Lewis H Morgan Ancient Society cit p 552 a Na edição de 1884 falta a expressão geralmente duas N E A 12 Especialmente na costa noroeste da América ver Bancroft Entre os haidas das Ilhas da Rainha Carlota havia economias domésticas de até setecentas pessoas sob o mesmo teto Entre os nootkas tribos inteiras viviam sob o mesmo teto b Na edição de 1884 consta propriedade privada N E A c Na edição de 1884 falta das cooperativas domésticas e por fim N E A d Molière George Dandin ou le mari confondu Ato I cena 9 N E A 13 Ver a quantidade para Atenas na p 111 Na época áurea de Corinto era de 460000 e em Egina 470000 sendo que nos dois casos esse número era dez vezes maior do que a população de cidadãos livres 14 O primeiro historiador que teve uma noção pelo menos aproximada da essência da gens foi Niebuhr e isso se deve ao fato de ele conhecer pessoalmente as linhagens de Dithmarschen mas a isso se devem também os equívocos que ele transmitiu sem mais nem menos e G W F Hegel Grundlinien der Philosophie des Rechts Berlim 1821 257 e 360 N E A ed bras Linhas fundamentais da filosofia do direito São Leopoldo EdUnisinos 2010 p 229 e 313 N T f Na edição de 1884 mão de obra em vez de força humana N E A 15 A segunda parte de O sistema dos direitos adquiridos de Lassalle gira principalmente em torno da afirmação de que o testamento romano seria tão antigo quanto a própria Roma que jamais houve na história romana um período sem testamento e ao contrário o testamento teria surgido na época préromana oriundo do culto aos falecidos Lassalle como velho hegeliano crédulo não deriva as determinações legais romanas das relações sociais dos romanos mas do conceito especulativo da vontade e ao fazer isso chega a essa afirmação totalmente ahistórica Não é de se admirar em um livro que com base no mesmo conceito especulativo chega ao resultado de que na questão da herança romana a transferência de posses teria sido algo puramente secundário Lassalle não só acredita nas ilusões dos juristas romanos especialmente da época antiga como ainda as sobrepuja 16 Minha intenção inicial era apresentar a brilhante crítica da civilização que se encontra dispersa nas obras de Charles Fourier ao lado da de Morgan e da minha Infelizmente faltame o tempo para isso Comento apenas que já em Fourier monogamia e propriedade privada são tidas como as características principais da civilização e que ele a denomina guerra do rico contra o pobre Também já se encontra nele a noção profunda de que em todas as sociedades deficientes cindidas em antagonismos as famílias individuais les familles incohérentes constituem as unidades econômicas POSFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA Entre marxismo feminismo e antropologia Há um imenso legado marxista no feminismo e o pensamento feminista tem uma grande dívida com o marxismo Em certo sentido o marxismo permitiu que as pessoas levantassem toda uma série de questões a que o próprio marxismo não podia responder satisfatoriamente 1 No filme de Raoul Peck O jovem Marx 2017 um diálogo entre Jenny Marx e Mary Burns companheira de Friedrich Engels passa quase despercebido ao espectador desavisado Jenny é uma aristocrata alemã Mary uma proletária irlandesa Jenny pergunta a Mary se ela não quer ter filhos com Friedrich A irlandesa responde que não jamais pois prefere a sua liberdade Jenny se espanta e pergunta novamente incrédula Então nunca nunca mesmo terá filhos com ele Mary faz uma longa e reflexiva pausa Em seguida encontra uma solução relativamente simples se ele quiser poderá ter filhos com Lizzie sua irmã mais nova que está determinada a ser mãe Jenny olha com curiosidade para a amiga que indaga Ué por que está me olhando Eu disse algo errado A cena que ocorre durante um passeio à praia já ao final do filme um pouco antes de Marx se lançar ao estudo e à escrita de seu trabalho teórico ele diz já estou velho para escrever panfletos referindose ao Manifesto Comunista é uma referência sutil às experiências de vida de Engels que teriam embasado o estudo e a escrita do texto que a leitora ou o leitor tem agora nas mãos O presente texto de Engels data de 1884 21 anos após a morte de Burns A cena também se refere a um momento da biografia de Engels uma vez que horas antes do falecimento de Mary ele teria se casado com a irmã mais nova dela Lydia Lizzie possivelmente uma decisão comum entre os três sobre a qual infelizmente não há extenso registro Considerando as críticas de Engels ao casamento e à monogamia enquanto instituições burguesas feitas não apenas nesta obra como ao longo de sua vida boa parte dela ao lado de Burns podemos especular que o seu casamento foi mais uma decisão prática por exemplo para garantir a segurança financeira e material da família Burns ou de sua caçula do que uma mudança de visão sobre o casamento enquanto instituição burguesa Especulações biográficas à parte chama a atenção o pioneirismo de A origem da família da propriedade privada e do Estado O contraste mostrado no filme entre a reação de espanto da aristocrata Jenny e a naturalidade com que a proletária Mary expõe um arranjo de parentesco que rompe com a moral e a ideia burguesas e aristocráticas de família ligadas fortemente ao casamento monogâmico é também uma retomada das análises tecidas por Engels na presente obra e de seu pioneirismo segundo o autor uma vez que as famílias proletárias não possuem posses e portanto não possuem herança haveria uma certa flexibilidade nas formas socialmente aceitas de contratos sexuais e maritais 2 Mais recentemente nos anos 1980 e 1990 a antropologia brasileira empreendeu esforços bastante significativos rumo a um questionamento científico da narrativa predominante na história da família e nos estudos clássicos brasileiros como Casagrande senzala de Gilberto Freyre Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda e outros como o ensaio The Brazilian Family de Antonio Candido A ideia era questionar o modelo da família patriarcal brasileira e sua suposta hegemonia em nossa sociedade tanto no período colonial como na Primeira República e seus ecos na contemporaneidade Na obra Colcha de retalhos 3 diversos estudos compõem uma análise crítica de tal narrativa Em um artigo anterior a essa obra para a qual contribuiu com um capítulo que apresenta semelhante argumento a antropóloga Mariza Corrêa escreve Ambos os autores Gilberto Freyre e Antonio Candido parecem compartilhar com muitos outros estudiosos a ilusão de que o estudo da forma de organização familiar do grupo dominante ou de um grupo dominante numa determinada época e lugar possa substituirse à história das formas de organização familiar da sociedade brasileira Nos dois textos ocorre assim uma homogeneização histórica Ao modelar a história da sociedade brasileira sobre a forma familiar vigente nas camadas senhoriais recuperando teoricamente as práticas sociais que analisam a dominação masculina e a subordinação da mulher o casamento entre parentes etc utilizam essa análise para demonstrar a importância daquela família seu suposto na sociedade assim construída à sua imagem 4 Não é coincidência que Corrêa além de antropóloga seja uma das pioneiras dos estudos de gênero e estudos feministas no Brasil a relação entre marxismo e feminismo também foi uma chave que permitiu indagar de maneira classista como faz a autora os estudos antropológicos e históricos sobre a família no país Num primeiro momento os estudos sobre as mulheres encontravam espaço nas ciências sociais e humanidades quando se abordava justamente a família Ao mesmo tempo que o diálogo do feminismo com o marxismo catalisou a expansão desse limite sobretudo em direção ao universo do trabalho ele também permitiu reviravoltas epistemológicas nos próprios estudos da família Em sua análise a autora se aproxima de certa maneira dos questionamentos elaborados por Engels em A origem da família da propriedade privada e do Estado ao observar a família patriarcal monogâmica como um dispositivo de reprodução de classe e de uma classe específica a burguesia entendendo tal dispositivo como peçachave também em sua dominação sobre o proletariado o autor apresenta uma nova perspectiva epistemológica na compreensão dos modelos familiares e arranjos maritais e sexuais da modernidade e da contemporaneidade Se por um lado a literatura da época que discutia os sistemas de parentesco essa espécie de protoantropologia já havia identificado uma enorme variação nas formas de organizar socialmente a sexualidade os clãs as categorias de consanguinidade etc apontando que a monogamia seria apenas um princípio central possível em alguns sistemas de parentesco mas não em todos e nem o único o trabalho de Engels por outro lado foi pioneiro ao apresentar uma posição política em relação a esse fato ao associálo às bases materiais das sociedades de classe e estabelecer relações baseadas em evidências históricas entre os princípios econômicos e políticos das sociedades capitalistas e o seu sistema de parentesco Ao fazêlo o autor parece adiantar de certa maneira um movimento de inversão que só seria mais bem acolhido na antropologia algumas décadas depois a virada epistemológica que tornou possível utilizar as ferramentas da antropologia e os dados produzidos antropologicamente anteriormente sobre os outros como forma de observar analisar e produzir dados também sobre as sociedades capitalistas ocidentaisocidentalizadas urbanas A posição limítrofe do texto de Engels entre a economia política uma protossociologia a história e uma protoantropologia também colabora para a sua relevância histórica e atual Escrito num período em que as ciências sociais e humanidades não tinham os contornos que têm hoje nem em termos de objetos nem em termos de métodos A origem da família goza de fluência na comunicação e no entrelaçamento de dados e objetos que se carece de epistemologias um tanto mais modernas o persistente evolucionismo social do texto baseado na ideia de linearidade da história e do desenvolvimento das culturas é um de seus aspectos bastante datados também parece pavimentar caminhos possíveis para as ciências sociais e humanidades do século XX pelo tom crítico e pelo esforço bastante evidente e compensador para manter o rigor analítico tanto quanto permitiam as ferramentas e as informações da época Os efeitos desta obra nos 135 anos seguintes à sua primeira publicação foram diversos e tomaram variadas proporções tanto no que diz respeito à produção de conhecimento nas ciências humanas e sociais quanto no que diz respeito ao campo político Alguns prefácios a edições mais antigas da obra assinados pelo próprio Engels também apresentam informações interessantes sobre sua recepção em diferentes países e por distintos intelectuais em várias épocas Em especial tratase de um dos textos marxistas que se tornaram cânone no debate feminista tanto na União Soviética reivindicado desde a Revolução de 1917 por autoras e articuladoras políticas feministas 5 como Aleksandra Kollontai quanto nos países capitalistas cito em especial França Estados Unidos e Brasil países cuja história intelectual de seus feminismos conheço melhor em que teve papel fundante no desenvolvimento por mãos não exatamente marxistas de um dos principais e mais poderosos conceitos elaborados pelas feministas nas ciências sociais e humanidades disciplinares 6 o conceito de gênero Sobre o momento em que o conceito de gênero foi forjado teoricamente como um conceito das ciências sociais e humanidades que afastava radicalmente qualquer interpretação baseada em explicações biológicas de fenômenos dessa esfera da vida social que hoje comumente chamamos gênero a também antropóloga Gayle Rubin comenta em entrevista concedida à filósofa Judith Butler no início dos anos 2000 Havia muita gente estudando A origem da família da propriedade privada e do Estado de Engels Engels fazia parte do cânone marxista e ele falava sobre mulheres por isso seu trabalho gozava de especial prestígio Mesmo os melhores trabalhos marxistas da época tendiam a focalizar assuntos mais próximos das preocupações centrais do marxismo como classe trabalho relações de produção Surgiu então uma literatura maravilhosa muito interessante sobre o trabalho doméstico por exemplo Fizeramse bons estudos sobre a divisão sexual do trabalho sobre o lugar da mulher no mercado de trabalho sobre o papel das mulheres na reprodução do trabalho Parte dessa literatura era muito interessante e muito útil mas não conseguia chegar a certos temas cruciais que interessam às feministas diferença de gênero opressão de gênero e sexualidade 7 No texto de 1975 O tráfico de mulheres notas sobre a economia política do sexo 8 em que inaugura uma das primeiras elaborações teóricas do conceito de gênero chamado então de sistema sexogênero Rubin analisa minuciosamente três textos canônicos de três espaços disciplinares de produção de conhecimento em ciências sociais e humanidades os Escritos de Lacan 9 da psicanálise As estruturas elementares do parentesco de LéviStrauss 10 da antropologia e A origem da família da propriedade privada e do Estado de Engels do cânone marxista Segundo a autora os três textos eram fervorosamente estudados e discutidos em diferentes círculos feministas No final dos anos 1960 a disseminação de ideias de esquerda em movimentos de juventude movimentos a favor dos direitos civis nos Estados Unidos a influência do Maio de 1968 e eventos semelhantes em universidades de outros países da Europa 11 o fracasso estadunidense na guerra do Vietnã e a vitrine internacional do desenvolvimento soviético por meio da corrida espacial vieram acompanhados também de um crescimento do interesse dos estudantes como a própria Gayle Rubin à época pela new left nova esquerda nos Estados Unidos As feministas não eram exceção em especial aquelas ligadas ao movimento negro como Angela Davis Na mesma época na França e nas ditaduras sulamericanas do Brasil da Argentina e do Chile o movimento feminista também se aproximava do marxismo A tese de doutorado da marxista Heleieth Saffioti A mulher na sociedade de classes foi publicada em meados da década de 1970 12 Diversas militantes feministas participavam também de partidos e grupos de esquerda e muitas delas viveram o exílio na França entre o final dos anos 1960 e início dos anos 1980 Ao mesmo tempo que bebia diretamente das fontes do marxismo o feminismo francês assim como o estadunidense quando próximo politicamente da militância socialista ou comunista procurava encontrar os buracos teóricos e políticos dos grupos marxistas no que dizia respeito às questões de gênero e sexualidade O mesmo pode ser dito sobre o feminismo brasileiro próximo da esquerda em especial a partir do período de abrandamento das perseguições da ditadura militar no início dos anos 1980 13 A tensão dialética entre marxismo e feminismo foi pelo menos desde o início do século XIX motor de grandes avanços tanto no espaço político como no de produção de conhecimento Contudo diversos fatores históricos sobretudo a partir dos anos 1980 parecem ter distanciado o pensamento marxista da produção feminista em geral ainda que esta não tenha jamais abandonado o diálogo com o marxismo em seus métodos e conteúdos Essa espécie de isolamento parece ter impedido o avanço da teoria marxista em diversos pontos cegos como a questão das trabalhadoras sexuais a questão LGBT e até mesmo as formas mais contemporâneas e científicas de análise feminista sobre o sistema de gênero que ironicamente só foram percebidos graças a elaborações marxistas anteriores A necessidade de novas sínteses releituras e reinterpretações marxistas vem sendo pauta de diversos movimentos sociais coletivos e partidos nesta década de 2010 Por um lado os movimentos sociais assim como disciplinas das ciências sociais e humanidades por exemplo a psicanálise e a antropologia sobretudo após 2013 no Brasil e outras crises contemporâneas no mundo parecem estar retornando ao marxismo com nova bagagem e um tanto de ar fresco Por outro lado é como se o próprio espaço de produção de conhecimento marxista se abrisse cada vez mais para a necessidade e a possibilidade dessas novas sínteses buscando fomentar esse tipo de avanço rumo a novas revoluções para este novo século Nesse contexto além do feminismo ou ainda talvez por causa dele outro movimento político que merece atenção ainda que breve em sua relação histórica e historicamente apagada com o marxismo e que deve diretamente a Engels boa parte de suas possibilidades de questionamento hoje é o movimento organizado de grupos que praticam e reivindicam relações nãomonogâmicas Popularmente conhecidos como poliamor ou amor livre no Brasil esses grupos apresentam uma enorme variedade de formas de conceber e pensar a Monogamia enquanto estrutura em maiúscula e a nãomonogamia enquanto prática de resistência em minúscula algumas declaradamente mais politizadas do que outras Grupos que se reivindicam anarquistas relacionais ou relações livres por exemplo concebem que se trata antes de relações sociais e não de um sentimento o amor por isso essa crítica é indissociável de uma crítica estrutural anticapitalista anarquista comunista ou socialista Pensase a reestruturação revolucionária das famílias ou sua extinção enquanto instituição do sistema de parentesco das relações afetivas e sexuais e até mesmo dos esquemas de sentimentos como parte fundamental da reestruturação também revolucionária econômica e política de nossa sociedade Nos moldes do que já havia sido escrito e reivindicado por Aleksandra Kollontai ao descrever o amorcamarada esses grupos se opõem politicamente no campo da nãomonogamia àqueles que preferem manter a estrutura intacta e acreditar que se trata apenas de escolhas individuais feitas com base em sentimentos espontâneos ainda que com contornos culturais Diante dessas novas e necessárias sínteses podemos afirmar que se trata de uma luta tanto no caso do feminismo quanto no caso da nãomonogamia e do movimento LGBT que tensiona e transforma relações sociais rumo a uma construção revolucionária Ao comentar as mudanças estruturais na família após a Revolução de 1917 Goldman 14 analisa a forma como embora apoiadas institucionalmente muitas mudanças implementadas na nova União Soviética rapidamente foram abandonadas Parte importante da razão desse abandono era justamente a distância entre o estado corrente das relações sociais pertinentes ao casamento ao sexosexualidade e ao gênero na Rússia da época e o que se idealizavapreconizava como modelo revolucionário de afetividade sexualidade contratos maritais família gênero etc Nesse sentido o tensionamento presente do modelo atualmente estabelecido associado a uma crítica política e estrutural desse modelo enquanto dispositivo da manutenção do capitalismo parece absolutamente necessário para não cometermos o mesmo erro duas vezes Afinal se desejamos construir uma nova sociedade inteiramente baseada em novos princípios por que isso não se aplicaria a absolutamente todas as relações sociais inclusive o gênero a sexualidade e o parentesco Por fim com o olhar atento a leituras anacrônicas e procurando compreender e localizar a obra de Engels em seu contexto e época as leitoras e os leitores têm nesta edição o acesso a grandes chaves para a análise do século XXI e de suas complexas formas ideológicas econômicas e sociais que afetam ainda que desejemos de outra maneira nossos afetos nosso tesão nossa sexualidade nossa formação subjetiva e psíquica Se como afirmam Marx e Engels a história de todas as sociedades até hoje existentes é a história das lutas de classes 15 ou como escreveu o antropólogo Clastres para além disso a história dos povos que têm uma história é dizse a história da luta de classes A história dos povos sem história é dirseá com ao menos tanta verdade a história da sua luta contra o Estado 16 talvez possamos acrescentar com base nos últimos 120 anos de teoria feminista que a história de todas as sociedades com ou sem história é também a história de sua economia política do sexo do gênero e do corpo Marília Moschkovich Berlim 2018 1 Gayle S Rubin entrevistada por Judith Butler Tráfico sexual entrevista Cadernos Pagu n 21 2003 p 1589 disponível em httpwwwscielobrpdfcpan21n21a08pdf acesso em jan 2019 2 Posteriormente diversos outros estudos sobre contratos maritais e sexuais em diferentes estratos de classe indicariam de maneira semelhante alguma flexibilidade nas camadas mais pobres da população europeia ainda que com forte presença religiosa Alguns trabalhos que auxiliam a compor a história das formas familiares europeias fora das classes dominantes entre os séculos XVI e XIX além do próprio texto de Engels são Wally Seccombe A Millennium of Family Change Feudalism to Capitalism in Northwestern Europe Londres Verso 1992 p 343 e seg Philippe Ariès História social da criança e da família trad Dora Flaskman 2 ed reimp Rio de Janeiro LTC 2014 Göran Therborn Sexo e poder a família no mundo 19002000 trad Elisabete Dória Bilac São Paulo Contexto 2011 Thomas Walter Laqueur e Vera Whately Inventando o sexo corpo e gênero dos gregos a Freud Rio de Janeiro RelumeDumará 2001 Natalie Zemon Davis Nas margens três mulheres do século XVI trad Hildegard Feist São Paulo Companhia das Letras 1997 3 Suely Kofes e al Colcha de retalhos estudos sobre a família no Brasil São Paulo Brasiliense 1982 4 Mariza Corrêa Repensando a família patriarcal brasileira Cadernos de Pesquisa Revista de Estudos e Pesquisa em Educação maio 1981 p 7 disponível em httppublicacoesfccorgbrojsindexphpcparticleview1590 acesso em 8 ago 2018 5 Embora seja discutível a qualificação de feminista para as soviéticas uma vez que pode soar como uma atribuição bastante anacrônica a leitura que se faz atualmente a partir dos estudos de gênero e feministas é a de que suas reivindicações e atuação política compõem a história do feminismo entre o final do século XIX e o início do século XX Mais informações sobre as variações nominais e disputas de entendimento entre feminismo e movimento de mulheres no Brasil e no exterior podem ser encontradas em Cynthia Andersen Sarti O feminismo brasileiro desde os anos 1970 revisitando uma trajetória Revista Estudos Feministas v 12 n 2 2004 p 3550 e Elisabeta Zelinka What did the Enlightenment Lead to Womens Activism Womens Movement or Feminism A CaseStudy of France and the USA Gender Studies v 11 Supplement 2012 6 Uma vez que as condições materiais de produção de conhecimento em ciências sociais e humanidades foram drasticamente transformadas entre o final do século XIX e o século XX em especial ao longo do XX tornase importante sociologicamente demarcar essa nova fase em que houve uma série de mudanças estruturais nas universidades nas formas de fazer pesquisa nas ferramentas disponíveis e também na proposição política que relaciona o conhecimento produzido e a vida em sociedade passam a ser publicamente tema de debate questões como a quem serve esse conhecimento a quem deve servir Heilbron utiliza a novidade da disciplinaridade contemporânea a divisão em disciplinas que disputam objetos e métodos dentro de uma estrutura também disciplinarizada de estudos e financiamento de pesquisa como marcador para distinguir modos de produzir conhecimento em ciências sociais e humanidades que pertencem a diferentes momentos históricos Ver Johan Heilbron The Rise of Social Theory Cambridge Polity 1995 7 Gayle S Rubin Tráfico sexual entrevista cit p 15860 8 O uso do termo economia política pela autora não é mera coincidência Sua escolha é uma aproximação deliberada com o debate marxista Em inglês idioma original do texto o termo political economy é usado para referirse ao debate teórico da economia que hoje é considerado heterodoxo e inclui o pensamento de Marx Engels e outros teóricos Já o termo economics diz respeito à economia contemporânea matematizada em geral dissociada de qualquer análise materialista e de relações sociais e por vezes bastante fetichizada Tratase para Rubin de analisar a economia política do sexo em diferentes sociedades e na nossa para compreender as relações sociais que determinam a reprodução biológica dos corpos atrelada à manutenção e à reprodução de uma estrutura social Ver Gayle S Rubin O tráfico de mulheres notas sobre a economia política do sexo trad Christine Rufino Dabat Edileusa Oliveira da Rocha e Sonia Corrêa Recife SOS Corpo 1993 disponível em httpsrepositorioufscbrhandle1234567891919 acesso em jan 2019 9 Jacques Lacan Escritos trad Inês OsckiDepré 4 ed São Paulo Perspectiva 2011 10 Claude LéviStrauss As estruturas elementares do parentesco trad Mariano Ferreira 3 ed Rio de Janeiro Vozes 2003 11 Sobre a influência e impacto dos eventos de Maio de 68 na França ver Philippe Beneton e Jean Touchard Les interprétations de la crise de maijuin 1968 Revue Française de Science Politique v 20 n 3 1970 p 50344 Louis LévyGarboua Les demandes de létudiant ou les contradictions de luniversité de masse Revue Française de Sociologie v 17 n 1 1976 p 53 12 Heleieth Iara Bongiovani Saffioti A mulher na sociedade de classes mito e realidade 2 ed Petrópolis Vozes 1976 13 As relações entre o feminismo e o campo político em especial a esquerda e parte da história recente do feminismo brasileiro estão mais bem sistematizadas em minha tese de doutorado Feminist Gender Wars The Reception of the Concept of Gender in Brazil and the Production and Circulation of Knowledge in a Global System defendida em junho de 2018 na Unicamp 14 Wendy Z Goldman Mulher Estado e revolução política familiar e vida social soviéticas 1917 1936 São Paulo Boitempo Iskra 2014 15 Karl Marx e Friedrich Engels Manifesto Comunista trad Álvaro Pina e Ivana Jinkings 1 ed rev São Paulo Boitempo 2010 p 40 16 Pierre Clastres A sociedade contra o Estado pesquisas de antropologia política trad Theo Santiago São Paulo Cosac Naify 2013 p 234 CRONOLOGIA RESUMIDA DE MARX E ENGELS Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1818 Em Trier capital da província alemã do Reno nasce Karl Marx 5 de maio o segundo de oito filhos de Heinrich Marx e Enriqueta Pressburg Trier na época era influenciada pelo liberalismo revolucionário francês e pela reação ao Antigo Regime vinda da Prússia Simón Bolívar declara a Venezuela independente da Espanha 1820 Nasce Friedrich Engels 28 de novembro primeiro dos oito filhos de Friedrich Engels e Elizabeth Franziska Mauritia van Haar em Barmen Alemanha Cresce no seio de uma família de industriais religiosa e conservadora George IV se torna rei da Inglaterra pondo fim à Regência Insurreição constitucionalista em Portugal Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1824 O pai de Marx nascido Hirschel advogado e conselheiro de Justiça é obrigado a abandonar o judaísmo por motivos profissionais e políticos os judeus estavam proibidos de ocupar cargos públicos na Renânia Marx entra para o Ginásio de Trier outubro Simón Bolívar se torna chefe do Executivo do Peru 1830 Inicia seus estudos no Liceu Friedrich Wilhelm em Trier Estouram revoluções em diversos países europeus A população de Paris insurgese contra a promulgação de leis que dissolvem a Câmara e suprimem a liberdade de imprensa Luís Filipe assume o poder 1831 Em 14 de novembro morre Hegel 1834 Engels ingressa em outubro no Ginásio de Elberfeld A escravidão é abolida no Império Britânico Insurreição operária em Lyon Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1835 Escreve Reflexões de um jovem perante a escolha de sua profissão Presta exame final de bacharelado em Trier 24 de setembro Inscrevese na Universidade de Bonn Revolução Farroupilha no Brasil O Congresso alemão faz moção contra o movimento de escritores Jovem Alemanha 1836 Estuda Direito na Universidade de Bonn Participa do Clube de Poetas e de associações estudantis No verão fica noivo em segredo de Jenny von Westphalen sua vizinha em Trier Em razão da oposição entre as famílias casarseiam apenas sete anos depois Matriculase na Universidade de Berlim Na juventude fica impressionado com a miséria em que vivem os trabalhadores das fábricas de sua família Escreve Poema Fracassa o golpe de Luís Napoleão em Estrasburgo Criação da Liga dos Justos 1837 Transferese para a Universidade de Berlim e estuda com mestres como Gans e Savigny Escreve Canções selvagens e Transformações Em carta ao pai descreve sua relação contraditória com o hegelianismo doutrina predominante na época Por insistência do pai Engels deixa o ginásio e começa a trabalhar nos negócios da família Escreve História de um pirata A rainha Vitória assume o trono na Inglaterra 1838 Entra para o Clube dos Doutores encabeçado por Bruno Bauer Perde o interesse pelo Direito e entregase com paixão ao estudo da Filosofia o que lhe compromete a saúde Morre seu pai Estuda comércio em Bremen Começa a escrever ensaios literários e sociopolíticos poemas e panfletos filosóficos em periódicos como o Hamburg Journal e o Telegraph für Deutschland entre eles o poema O beduíno setembro sobre o espírito da liberdade Richard Cobden funda a Anti CornLaw League na Inglaterra Proclamação da Carta do Povo que originou o cartismo Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1839 Escreve o primeiro trabalho de envergadura Briefe aus dem Wupperthal Cartas de Wupperthal sobre a vida operária em Barmen e na vizinha Elberfeld Telegraph für Deutschland primavera Outros viriam como Literatura popular alemã Karl Beck e Memorabilia de Immermann Estuda a filosofia de Hegel Feuerbach publica Zur Kritik der Hegelschen Philosophie Crítica da filosofia hegeliana Primeira proibição do trabalho de menores na Prússia Auguste Blanqui lidera o frustrado levante de maio na França 1840 K F Koeppen dedica a Marx seu estudo Friedrich der Grosse und seine Widersacher Frederico o Grande e seus adversários Engels publica Réquiem para o Aldeszeitung alemão abril Vida literária moderna no Mitternachtzeitung março maio e Cidade natal de Siegfried dezembro Proudhon publica O que é a propriedade Questce que la propriété Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1841 Com uma tese sobre as diferenças entre as filosofias de Demócrito e Epicuro Marx recebe em Iena o título de doutor em Filosofia 15 de abril Volta a Trier Bruno Bauer acusado de ateísmo é expulso da cátedra de Teologia da Universidade de Bonn e com isso Marx perde a oportunidade de atuar como docente nessa universidade Publica Ernst Moritz Arndt Seu pai o obriga a deixar a escola de comércio para dirigir os negócios da família Engels prosseguiria sozinho seus estudos de filosofia religião literatura e política Presta o serviço militar em Berlim por um ano Frequenta a Universidade de Berlim como ouvinte e conhece os jovens hegelianos Critica intensamente o conservadorismo na figura de Schelling com os escritos Schelling em Hegel Schelling e a revelação e Schelling filósofo em Cristo Feuerbach traz a público A essência do cristianismo Das Wesen des Christentums Primeira lei trabalhista na França 1842 Elabora seus primeiros trabalhos como publicista Começa a colaborar com o jornal Rheinische Zeitung Gazeta Renana publicação da burguesia em Colônia do qual mais tarde seria redator Conhece Engels que na ocasião visitava o jornal Em Manchester assume a fiação do pai a Ermen Engels Conhece Mary Burns jovem trabalhadora irlandesa que viveria com ele até a morte dela Mary e a irmã Lizzie mostram a Engels as dificuldades da vida operária e ele inicia estudos sobre os efeitos do capitalismo no operariado inglês Publica artigos no Rheinische Zeitung entre eles Crítica às leis de imprensa prussianas e Centralização e liberdade Eugène Sue publica Os mistérios de Paris Feuerbach publica Vorläufige Thesen zur Reform der Philosophie Teses provisórias para uma reforma da filosofia O Ashleys Act proíbe o trabalho de menores e mulheres em minas na Inglaterra Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1843 Sob o regime prussiano é fechado o Rheinische Zeitung Marx casase com Jenny von Westphalen Recusa convite do governo prussiano para ser redator no diário oficial Passa a lua de mel em Kreuznach onde se dedica ao estudo de diversos autores com destaque para Hegel Redige os manuscritos que viriam a ser conhecidos como Crítica da filosofia do direito de Hegel Zur Kritik der Hegelschen Rechtsphilosophie Em outubro vai a Paris onde Moses Hess e George Herwegh o apresentam às sociedades secretas socialistas e comunistas e às associações operárias alemãs Conclui Sobre a questão judaica Zur Judenfrage Substitui Arnold Ruge na direção dos DeutschFranzösische Jahrbücher Anais FrancoAlemães Em dezembro inicia grande amizade com Heinrich Heine e conclui sua Crítica da filosofia do direito de Hegel Introdução Zur Kritik der Hegelschen Rechtsphilosophie Einleitung Engels escreve com Edgar Bauer o poema satírico Como a Bíblia escapa milagrosamente a um atentado impudente ou o triunfo da fé contra o obscurantismo religioso O jornal Schweuzerisher Republicaner publica suas Cartas de Londres Em Bradford conhece o poeta G Weerth Começa a escrever para a imprensa cartista Mantém contato com a Liga dos Justos Ao longo desse período suas cartas à irmã favorita Marie revelam seu amor pela natureza e por música livros pintura viagens esporte vinho cerveja e tabaco Feuerbach publica Grundsätze der Philosophie der Zukunft Princípios da filosofia do futuro Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1844 Em colaboração com Arnold Ruge elabora e publica o primeiro e único volume dos DeutschFranzösische Jahrbücher no qual participa com dois artigos A questão judaica e Introdução a uma crítica da filosofia do direito de Hegel Escreve os Manuscritos econômicofilosóficos Ökonomischphilosophische Manuskripte Colabora com o Vorwärts Avante órgão de imprensa dos operários alemães na emigração Conhece a Liga dos Justos fundada por Weitling Amigo de Heine Leroux Blanqui Proudhon e Bakunin inicia em Paris estreita amizade com Engels Nasce Jenny primeira filha de Marx Rompe com Ruge e desligase dos Deutsch Französische Jahrbücher O governo decreta a prisão de Marx Ruge Heine e Bernays pela colaboração nos DeutschFranzösische Jahrbücher Encontra Engels em Paris e em dez dias planejam seu primeiro trabalho juntos A sagrada família Die heilige Familie Marx publica no Vorwärts artigo sobre a greve na Silésia Em fevereiro Engels publica Esboço para uma crítica da economia política Umrisse zu einer Kritik der Nationalökonomie texto que influenciou profundamente Marx Segue à frente dos negócios do pai escreve para os DeutschFranzösische Jahrbücher e colabora com o jornal Vorwärts Deixa Manchester Em Paris tornase amigo de Marx com quem desenvolve atividades militantes o que os leva a criar laços cada vez mais profundos com as organizações de trabalhadores de Paris e Bruxelas Vai para Barmen O Grahams Factory Act regula o horário de trabalho para menores e mulheres na Inglaterra Fundado o primeiro sindicato operário na Alemanha Insurreição de operários têxteis na Silésia e na Boêmia Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1845 Por causa do artigo sobre a greve na Silésia a pedido do governo prussiano Marx é expulso da França juntamente com Bakunin Bürgers e Bornstedt Mudase para Bruxelas e em colaboração com Engels escreve e publica em Frankfurt A sagrada família Ambos começam a escrever A ideologia alemã Die deutsche Ideologie e Marx elabora As teses sobre Feuerbach Thesen über Feuerbach Em setembro nasce Laura segunda filha de Marx e Jenny Em dezembro ele renuncia à nacionalidade prussiana As observações de Engels sobre a classe trabalhadora de Manchester feitas anos antes formam a base de uma de suas obras principais A situação da classe trabalhadora na Inglaterra Die Lage der arbeitenden Klasse in England publicada primeiramente em alemão a edição seria traduzida para o inglês 40 anos mais tarde Em Barmen organiza debates sobre as ideias comunistas com Hess e profere os Discursos de Elberfeld Em abril sai de Barmen e encontra Marx em Bruxelas Juntos estudam economia e fazem uma breve visita a Manchester julho e agosto onde percorrem alguns jornais locais como o Manchester Guardian e o Volunteer Journal for Lancashire and Cheshire É lançada A situação da classe trabalhadora na Inglaterra em Leipzig Começa sua vida em comum com Mary Burns Criada a organização internacionalista Democratas Fraternais em Londres Richard M Hoe registra a patente da primeira prensa rotativa moderna Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1846 Marx e Engels organizam em Bruxelas o primeiro Comitê de Correspondência da Liga dos Justos uma rede de correspondentes comunistas em diversos países a qual Proudhon se nega a integrar Em carta a Annenkov Marx critica o recémpublicado Sistema das contradições econômicas ou Filosofia da miséria Système des contradictions économiques ou Philosophie de la misère de Proudhon Redige com Engels a Zirkular gegen Kriege Circular contra Kriege crítica a um alemão emigrado dono de um periódico socialista em Nova York Por falta de editor Marx e Engels desistem de publicar A ideologia alemã a obra só seria publicada em 1932 na União Soviética Em dezembro nasce Edgar o terceiro filho de Marx Seguindo instruções do Comitê de Bruxelas Engels estabelece estreitos contatos com socialistas e comunistas franceses No outono ele se desloca para Paris com a incumbência de estabelecer novos comitês de correspondência Participa de um encontro de trabalhadores alemães em Paris propagando ideias comunistas e discorrendo sobre a utopia de Proudhon e o socialismo real de Karl Grün Os Estados Unidos declaram guerra ao México Rebelião polonesa em Cracóvia Crise alimentar na Europa Abolidas na Inglaterra as leis dos cereais 1847 Filiase à Liga dos Justos em seguida nomeada Liga dos Comunistas Realizase o primeiro congresso da associação em Londres junho ocasião em que se encomenda a Marx e Engels um manifesto dos comunistas Eles participam do congresso de trabalhadores alemães em Bruxelas e juntos fundam a Associação Operária Alemã de Bruxelas Marx é eleito vice presidente da Associação Democrática Conclui e publica a edição francesa de Miséria da filosofia Misère de la philosophie Bruxelas julho Engels viaja a Londres e participa com Marx do I Congresso da Liga dos Justos Publica Princípios do comunismo Grundsätze des Kommunismus uma versão preliminar do Manifesto Comunista Manifest der Kommunistischen Partei Em Bruxelas com Marx participa da reunião da Associação Democrática voltando em seguida a Paris para mais uma série de encontros Depois de atividades em Londres volta a Bruxelas e escreve com Marx o Manifesto Comunista A Polônia torna se província russa Guerra civil na Suíça Realizase em Londres o II Congresso da Liga dos Comunistas novembro Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1848 Marx discursa sobre o livrecambismo numa das reuniões da Associação Democrática Com Engels publica em Londres fevereiro o Manifesto Comunista O governo revolucionário francês por meio de Ferdinand Flocon convida Marx a morar em Paris após o governo belga expulsálo de Bruxelas Redige com Engels Reivindicações do Partido Comunista da Alemanha Forderungen der Kommunistischen Partei in Deutschland e organiza o regresso dos membros alemães da Liga dos Comunistas à pátria Com sua família e com Engels mudase em fins de maio para Colônia onde ambos fundam o jornal Neue Rheinische Zeitung Nova Gazeta Renana cuja primeira edição é publicada em 1º de junho com o subtítulo Organ der Demokratie Marx começa a dirigir a Associação Operária de Colônia e acusa a burguesia alemã de traição Proclama o terrorismo revolucionário como único meio de amenizar as dores de parto da nova sociedade Conclama ao boicote fiscal e à resistência armada Expulso da França por suas atividades políticas chega a Bruxelas no fim de janeiro Juntamente com Marx toma parte na insurreição alemã de cuja derrota falaria quatro anos depois em Revolução e contrarrevolução na Alemanha Revolution und Konterevolution in Deutschland Engels exerce o cargo de editor do Neue Rheinische Zeitung recém criado por ele e Marx Participa em setembro do Comitê de Segurança Pública criado para rechaçar a contrarrevolução durante grande ato popular promovido pelo Neue Rheinische Zeitung O periódico sofre suspensões mas prossegue ativo Procurado pela polícia tenta se exilar na Bélgica onde é preso e depois expulso Mudase para a Suíça Definida na Inglaterra a jornada de dez horas para menores e mulheres na indústria têxtil Criada a Associação Operária em Berlim Fim da escravidão na Áustria Abolição da escravidão nas colônias francesas Barricadas em Paris eclode a revolução o rei Luís Filipe abdica e a República é proclamada A revolução se alastra pela Europa Em junho Blanqui lidera novas insurreições operárias em Paris brutalmente reprimidas pelo general Cavaignac Decretado estado de sítio em Colônia em Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos reação a protestos populares O movimento revolucionário reflui 1849 Marx e Engels são absolvidos em processo por participação nos distúrbios de Colônia ataques a autoridades publicados no Neue Rheinische Zeitung Ambos defendem a liberdade de imprensa na Alemanha Marx é convidado a deixar o país mas ainda publicaria Trabalho assalariado e capital Lohnarbeit und Kapital O periódico em difícil situação é extinto maio Marx em condição financeira precária vende os próprios móveis para pagar as dívidas tenta voltar a Paris mas impedido de ficar é obrigado a deixar a cidade em 24 horas Graças a uma campanha de arrecadação de fundos promovida por Ferdinand Lassalle na Alemanha Marx se estabelece com a família em Londres onde nasce Guido seu quarto filho novembro Em janeiro Engels retorna a Colônia Em maio toma parte militarmente na resistência à reação À frente de um batalhão de operários entra em Elberfeld motivo pelo qual sofre sanções legais por parte das autoridades prussianas enquanto Marx é convidado a deixar o país É publicado o último número do Neue Rheinische Zeitung Marx e Engels vão para o sudoeste da Alemanha onde Engels envolvese no levante de BadenPalatinado antes de seguir para Londres Proudhon publica Les confessions dun révolutionnaire As confissões de um revolucionário A Hungria proclama sua independência da Áustria Após período de refluxo reorganiza se no fim do ano em Londres o Comitê Central da Liga dos Comunistas com a participação de Marx e Engels Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1850 Ainda em dificuldades financeiras organiza a ajuda aos emigrados alemães A Liga dos Comunistas reorganiza as sessões locais e é fundada a Sociedade Universal dos Comunistas Revolucionários cuja liderança logo se fraciona Edita em Londres a Neue Rheinische Zeitung Nova Gazeta Renana revista de economia política bem como Lutas de classe na França Die Klassenkämpfe in Frankreich Morre o filho Guido Publica A guerra dos camponeses na Alemanha Der deutsche Bauernkrieg Em novembro retorna a Manchester onde viverá por vinte anos e às suas atividades na Ermen Engels o êxito nos negócios possibilita ajudas financeiras a Marx Abolição do sufrágio universal na França 1851 Continua em dificuldades mas graças ao êxito dos negócios de Engels em Manchester conta com ajuda financeira Dedicase intensamente aos estudos de economia na biblioteca do Museu Britânico Aceita o convite de trabalho do New York Daily Tribune mas é Engels quem envia os primeiros textos intitulados Contrarrevolução na Alemanha publicados sob a assinatura de Marx Hermann Becker publica em Colônia o primeiro e único tomo dos Ensaios escolhidos de Marx Nasce Francisca 28 de março a quinta de seus filhos Engels ao lado de Marx começa a colaborar com o Movimento Cartista Chartist Movement Estuda língua história e literatura eslava e russa Na França golpe de Estado de Luís Bonaparte Realização da primeira Exposição Universal em Londres Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1852 Envia ao periódico Die Revolution de Nova York uma série de artigos sobre O 18 de brumário de Luís Bonaparte Der achtzehnte Brumaire des Louis Bonaparte Sua proposta de dissolução da Liga dos Comunistas é acolhida A difícil situação financeira é amenizada com o trabalho para o New York Daily Tribune Morre a filha Francisca nascida um ano antes Publica Revolução e contrarrevolução na Alemanha Revolution und Konterevolution in Deutschland Com Marx elabora o panfleto O grande homem do exílio Die grossen Männer des Exils e uma obra hoje desaparecida chamada Os grandes homens oficiais da Emigração nela atacam os dirigentes burgueses da emigração em Londres e defendem os revolucionários de 18481849 Expõem em cartas e artigos conjuntos os planos do governo da polícia e do judiciário prussianos textos que teriam grande repercussão Luís Bonaparte é proclamado imperador da França com o título de Napoleão Bonaparte III 1853 Marx escreve tanto para o New York Daily Tribune quanto para o Peoples Paper inúmeros artigos sobre temas da época Sua precária saúde o impede de voltar aos estudos eco nômicos interrompidos no ano anterior o que faria somente em 1857 Retoma a correspondência com Lassalle Escreve artigos para o New York Daily Tribune Estuda persa e a história dos países orientais Publica com Marx artigos sobre a Guerra da Crimeia A Prússia proíbe o trabalho para menores de 12 anos 1854 Continua colaborando com o New York Daily Tribune dessa vez com artigos sobre a revolução espanhola 1855 Começa a escrever para o Neue Oder Zeitung de Breslau e segue como colaborador do New York Daily Tribune Em 16 de janeiro nasce Eleanor sua sexta filha e em 6 de abril morre Edgar o terceiro Escreve uma série de artigos para o periódico Putman Morte de Nicolau I na Rússia e ascensão do czar Alexandre II Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1856 Ganha a vida redigindo artigos para jornais Discursa sobre o progresso técnico e a revolução proletária em uma festa do Peoples Paper Estuda a história e a civilização dos povos eslavos A esposa Jenny recebe uma herança da mãe o que permite que a família se mude para um apartamento mais confortável Acompanhado da mulher Mary Burns Engels visita a terra natal dela a Irlanda Morrem Max Stirner e Heinrich Heine Guerra franco inglesa contra a China 1857 Retoma os estudos sobre economia política por considerar iminente uma nova crise econômica europeia Fica no Museu Britânico das nove da manhã às sete da noite e trabalha madrugada adentro Só descansa quando adoece e aos domingos nos passeios com a família em Hampstead O médico o proíbe de trabalhar à noite Começa a redigir os manuscritos que viriam a ser conhecidos como Grundrisse der Kritik der Politischen Ökonomie Esboços de uma crítica da economia política e que servirão de base à obra Para a crítica da economia política Zur Kritik der Politischen Ökonomie Escreve a célebre Introdução de 1857 Continua a colaborar no New York Daily Tribune Escreve artigos sobre JeanBaptiste Bernadotte Simón Bolívar Gebhard Blücher e outros na New American Encyclopaedia Nova Enciclopédia Americana Atravessa um novo período de dificuldades financeiras e tem um novo filho natimorto Adoece gravemente em maio Analisa a situação no Oriente Médio estuda a questão eslava e aprofunda suas reflexões sobre temas militares Sua contribuição para a New American Encyclopaedia Nova Enciclopédia Americana versando sobre as guerras faz de Engels um continuador de Von Clausewitz e um precursor de Lenin e Mao TséTung Continua trocando cartas com Marx discorrendo sobre a crise na Europa e nos Estados Unidos O divórcio sem necessidade de aprovação parlamentar se torna legal na Inglaterra Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1858 O New York Daily Tribune deixa de publicar alguns de seus artigos Marx dedicase à leitura de Ciência da lógica Wissenschaft der Logik de Hegel Agravamse os problemas de saúde e a penúria Engels dedicase ao estudo das ciências naturais Morre Robert Owen 1859 Publica em Berlim Para a crítica da economia política A obra só não fora publicada antes porque não havia dinheiro para postar o original Marx comentaria Seguramente é a primeira vez que alguém escreve sobre o dinheiro com tanta falta dele O livro muito esperado foi um fracasso Nem seus companheiros mais entusiastas como Liebknecht e Lassalle o compreenderam Escreve mais artigos no New York Daily Tribune Começa a colaborar com o periódico londrino Das Volk contra o grupo de Edgar Bauer Marx polemiza com Karl Vogt a quem acusa de ser subsidiado pelo bonapartismo Blind e Freiligrath Faz uma análise com Marx da teoria revolucionária e suas táticas publicada em coluna do Das Volk Escreve o artigo Po und Rhein Pó e Reno em que analisa o bonapartismo e as lutas liberais na Alemanha e na Itália Enquanto isso estuda gótico e inglês arcaico Em dezembro lê o recém publicado A origem das espécies The Origin of Species de Darwin A França declara guerra à Áustria 1860 Vogt começa uma série de calúnias contra Marx e as querelas chegam aos tribunais de Berlim e Londres Marx escreve Herr Vogt Senhor Vogt Engels vai a Barmen para o sepultamento de seu pai 20 de março Publica a brochura Savoia Nice e o Reno Savoyen Nizza und der Rhein polemizando com Lassalle Continua escrevendo para vários periódicos entre eles o Allgemeine Militar Zeitung Contribui com artigos sobre o conflito de secessão nos Estados Unidos no New York Daily Tribune e no jornal liberal Die Presse Giuseppe Garibaldi toma Palermo e Nápoles Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1861 Enfermo e depauperado Marx vai à Holanda onde o tio Lion Philiph concorda em adiantarlhe uma quantia por conta da herança de sua mãe Volta a Berlim e projeta com Lassalle um novo periódico Reencontra velhos amigos e visita a mãe em Trier Não consegue recuperar a nacionalidade prussiana Regressa a Londres e participa de uma ação em favor da libertação de Blanqui Retoma seus trabalhos científicos e a colaboração com o New York Daily Tribune e o Die Presse de Viena Guerra civil norteamericana Abolição da servidão na Rússia 1862 Trabalha o ano inteiro em sua obra científica e encontrase várias vezes com Lassalle para discutirem seus projetos Em suas cartas a Engels desenvolve uma crítica à teoria ricardiana sobre a renda da terra O New York Daily Tribune justificando se com a situação econômica interna norteamericana dispensa os serviços de Marx o que reduz ainda mais seus rendimentos Viaja à Holanda e a Trier e novas solicitações ao tio e à mãe são negadas De volta a Londres tenta um cargo de escrevente da ferrovia mas é reprovado por causa da caligrafia Nos Estados Unidos Lincoln decreta a abolição da escravatura O escritor Victor Hugo publica Les misérables Os miseráveis 1863 Marx continua seus estudos no Museu Britânico e se dedica também à matemática Começa a redação definitiva de O capital Das Kapital e participa de ações pela independência da Polônia Morre sua mãe novembro deixandolhe algum dinheiro como herança Morre em Manchester Mary Burns companheira de Engels 6 de janeiro Ele permaneceria morando com a cunhada Lizzie Esboça mas não conclui um texto sobre rebeliões camponesas Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1864 Malgrado a saúde continua a trabalhar em sua obra científica É convidado a substituir Lassalle morto em duelo na Associação Geral dos Operários Alemães O cargo entretanto é ocupado por Becker Apresenta o projeto e o estatuto de uma Associação Internacional dos Trabalhadores durante encontro internacional no Saint Martins Hall de Londres Marx elabora o Manifesto de Inauguração da Associação Internacional dos Trabalhadores Engels participa da fundação da Associação Internacional dos Trabalhadores depois conhecida como a Primeira Internacional Tornase coproprietário da Ermen Engels No segundo semestre contribui com Marx para o SozialDemokrat periódico da socialdemocracia alemã que populariza as ideias da Internacional na Alemanha Dühring traz a público seu Kapital und Arbeit Capital e trabalho Fundação na Inglaterra da Associação Internacional dos Trabalhadores É reconhecido o direito a férias na França Morre Wilhelm Wolff amigo íntimo de Marx a quem é dedicado O capital 1865 Conclui a primeira redação de O capital e participa do Conselho Central da Internacional setembro em Londres Marx escreve Salário preço e lucro Lohn Preis und Profit Publica no SozialDemokrat uma biografia de Proudhon morto recentemente Conhece o socialista francês Paul Lafargue seu futuro genro Recebe Marx em Manchester Ambos rompem com Schweitzer diretor do Sozial Demokrat por sua orientação lassalliana Suas conversas sobre o movimento da classe trabalhadora na Alemanha resultam em um artigo para a imprensa Engels publica A questão militar na Prússia e o Partido Operário Alemão Die preussische Militärfrage und die deutsche Arbeiterpartei Assassinato de Lincoln Proudhon publica De la capacité politique des classes ouvrières A capacidade política das classes operárias Morre Proudhon Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1866 Apesar dos intermináveis problemas financeiros e de saúde Marx conclui a redação do Livro I de O capital Prepara a pauta do primeiro Congresso da Internacional e as teses do Conselho Central Pronuncia discurso sobre a situação na Polônia Escreve a Marx sobre os trabalhadores emigrados da Alemanha e pede a intervenção do Conselho Geral da Internacional Na Bélgica é reconhecido o direito de associação e a férias Fome na Rússia 1867 O editor Otto Meissner publica em Hamburgo o primeiro volume de O capital Os problemas de Marx o impedem de prosseguir no projeto Redige instruções para Wilhelm Liebknecht recémingressado na Dieta prussiana como representante social democrata Engels estreita relações com os revolucionários alemães especialmente Liebknecht e Bebel Envia carta de congratulações a Marx pela publicação do Livro I de O capital Estuda as novas descobertas da química e escreve artigos e matérias sobre O capital com fins de divulgação 1868 Piora o estado de saúde de Marx e Engels continua ajudandoo financeiramente Marx elabora estudos sobre as formas primitivas de propriedade comunal em especial sobre o mir russo Correspondese com o russo Danielson e lê Dühring Bakunin se declara discípulo de Marx e funda a Aliança Internacional da SocialDemocracia Casamento da filha Laura com Lafargue Engels elabora uma sinopse do Livro I de O capital Em Bruxelas acontece o Congresso da Associação Internacional dos Trabalhadores setembro Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1869 Liebknecht e Bebel fundam o Partido Operário SocialDemocrata alemão de linha marxista Marx fugindo das polícias da Europa continental passa a viver em Londres com a família na mais absoluta miséria Continua os trabalhos para o segundo livro de O capital Vai a Paris sob nome falso onde permanece algum tempo na casa de Laura e Lafargue Mais tarde acompanhado da filha Jenny visita Kugelmann em Hannover Estuda russo e a história da Irlanda Correspondese com De Paepe sobre o proudhonismo e concede uma entrevista ao sindicalista Haman sobre a importância da organização dos trabalhadores Em Manchester dissolve a empresa Ermen Engels que havia assumido após a morte do pai Com um soldo anual de 350 libras auxilia Marx e sua família Mantém intensa correspondência com Marx Começa a contribuir com o Volksstaat o órgão de imprensa do Partido Social Democrata alemão Escreve uma pequena biografia de Marx publicada no Die Zukunft julho É lançada a primeira edição russa do Manifesto Comunista Em setembro acompanhado de Lizzie Marx e Eleanor visita a Irlanda Fundação do Partido Social Democrata alemão Congresso da Primeira Internacional na Basileia Suíça Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1870 Continua interessado na situação russa e em seu movimento revolucionário Em Genebra instalase uma seção russa da Internacional na qual se acentua a oposição entre Bakunin e Marx que redige e distribui uma circular confidencial sobre as atividades dos bakunistas e sua aliança Redige o primeiro comunicado da Internacional sobre a guerra francoprussiana e exerce a partir do Conselho Central uma grande atividade em favor da República francesa Por meio de Serrailler envia instruções para os membros da Internacional presos em Paris A filha Jenny colabora com Marx em artigos para A Marselhesa sobre a repressão dos irlandeses por policiais britânicos Engels escreve História da Irlanda Die Geschichte Irlands Começa a colaborar com o periódico inglês Pall Mall Gazette discorrendo sobre a guerra franco prussiana Deixa Manchester em setembro acompanhado de Lizzie e instalase em Londres para promover a causa comunista Lá continua escrevendo para o Pall Mall Gazette dessa vez sobre o desenvolvimento das oposições É eleito por unanimidade para o Conselho Geral da Primeira Internacional O contato com o mundo do trabalho permitiu a Engels analisar em profundidade as formas de desenvolvimento do modo de produção capitalista Suas conclusões seriam utilizadas por Marx em O capital Na França são presos membros da Internacional Comunista Em 22 de abril nasce Vladimir Lenin 1871 Atua na Internacional em prol da Comuna de Paris Instrui Frankel e Varlin e redige o folheto Der Bürgerkrieg in Frankreich A guerra civil na França É violentamente atacado pela imprensa conservadora Em setembro durante a Internacional em Londres é reeleito secretário da seção russa Revisa o Livro I de O capital para a segunda edição alemã Prossegue suas atividades no Conselho Geral e atua junto à Comuna de Paris que instaura um governo operário na capital francesa entre 26 de março e 28 de maio Participa com Marx da Conferência de Londres da Internacional A Comuna de Paris instaurada após a revolução vitoriosa do proletariado é brutalmente reprimida pelo governo francês Legalização das trade unions na Inglaterra Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1872 Acerta a primeira edição francesa de O capital e recebe exemplares da primeira edição russa lançada em 27 de março Participa dos preparativos do V Congresso da Internacional em Haia quando se decide a transferência do Conselho Geral da organização para Nova York Jenny a filha mais velha casase com o socialista Charles Longuet Redige com Marx uma circular confidencial sobre supostos conflitos internos da Internacional envolvendo bakunistas na Suíça intitulado As pretensas cisões na Internacional Die angeblichen Spaltungen in der Internationale Ambos intervêm contra o lassalianismo na socialdemocracia alemã e escrevem um prefácio para a nova edição alemã do Manifesto Comunista Engels participa do Congresso da Associação Internacional dos Trabalhadores Morrem Ludwig Feuerbach e Bruno Bauer Bakunin é expulso da Internacional no Congresso de Haia 1873 Impressa a segunda edição de O capital em Hamburgo Marx envia exemplares a Darwin e Spencer Por ordens de seu médico é proibido de realizar qualquer tipo de trabalho Com Marx escreve para periódicos italianos uma série de artigos sobre as teorias anarquistas e o movimento das classes trabalhadoras Morre Napoleão III As tropas alemãs se retiram da França 1874 É negada a Marx a cidadania inglesa por não ter sido fiel ao rei Com a filha Eleanor viaja a Karlsbad para tratar da saúde numa estação de águas Prepara a terceira edição de A guerra dos camponeses alemães Na França são nomeados inspetores de fábricas e é proibido o trabalho em minas para mulheres e menores 1875 Continua seus estudos sobre a Rússia Redige observações ao Programa de Gotha da socialdemocracia alemã Por iniciativa de Engels é publicada Crítica do Programa de Gotha Kritik des Gothaer Programms de Marx Morre Moses Hess Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1876 Continua o estudo sobre as formas primitivas de propriedade na Rússia Volta com Eleanor a Karlsbad para tratamento Elabora escritos contra Dühring discorrendo sobre a teoria marxista publicados inicialmente no Vorwärts e transformados em livro posteriormente É fundado o Partido Socialista do Povo na Rússia Crise na Primeira Internacional Morre Bakunin 1877 Marx participa de campanha na imprensa contra a política de Gladstone em relação à Rússia e trabalha no Livro II de O capital Acometido novamente de insônias e transtornos nervosos viaja com a esposa e a filha Eleanor para descansar em Neuenahr e na Floresta Negra Conta com a colaboração de Marx na redação final do Anti Dühring Herrn Eugen Dührings Umwälzung der Wissenschaft O amigo colabora com o capítulo 10 da parte 2 Da história crítica discorrendo sobre a economia política A Rússia declara guerra à Turquia 1878 Paralelamente ao Livro II de O capital Marx trabalha na investigação sobre a comuna rural russa complementada com estudos de geologia Dedicase também à Questão do Oriente e participa de campanha contra Bismarck e Lothar Bücher Publica o AntiDühring e atendendo ao pedido de Wolhelm Bracke feito um ano antes publica pequena biografia de Marx intitulada Karl Marx Morre Lizzie Otto von Bismarck proíbe o funcionamento do Partido Socialista na Prússia Primeira grande onda de greves operárias na Rússia 1879 Marx trabalha nos Livros II e III de O capital Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1880 Elabora um projeto de pesquisa a ser executado pelo Partido Operário francês Tornase amigo de Hyndman Ataca o oportunismo do periódico SozialDemokrat alemão dirigido por Liebknecht Escreve as Randglossen zu Adolph Wagners Lehrbuch der politischen Ökonomie Glosas marginais ao tratado de economia política de Adolph Wagner Bebel Bernstein e Singer visitam Marx em Londres Engels lança uma edição especial de três capítulos do AntiDühring sob o título Socialismo utópico e científico Die Entwicklung des Socialismus Von der Utopie zur Wissenschaft Marx escreve o prefácio do livro Engels estabelece relações com Kautsky e conhece Bernstein Morre Arnold Ruge 1881 Prossegue os contatos com os grupos revolucionários russos e mantém correspondência com Zasulitch Danielson e Nieuwenhuis Recebe a visita de Kautsky Jenny sua esposa adoece O casal vai a Argenteuil visitar a filha Jenny e Longuet Morre Jenny Marx Enquanto prossegue em suas atividades políticas estuda a história da Alemanha e prepara Labor Standard um diário dos sindicatos ingleses Escreve um obituário pela morte de Jenny Marx 8 de dezembro Fundação da Federation of Labor Unions nos Estados Unidos Assassinato do czar Alexandre II 1882 Continua as leituras sobre os problemas agrários da Rússia Acometido de pleurisia visita a filha Jenny em Argenteuil Por prescrição médica viaja pelo Mediterrâneo e pela Suíça Lê sobre física e matemática Redige com Marx um novo prefácio para a edição russa do Manifesto Comunista Os ingleses bombardeiam Alexandria e ocupam o Egito e o Sudão Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1883 A filha Jenny morre em Paris janeiro Deprimido e muito enfermo com problemas respiratórios Marx morre em Londres em 14 de março É sepultado no Cemitério de Highgate Começa a esboçar A dialética da natureza Dialektik der Natur publicada postumamente em 1927 Escreve outro obituário dessa vez para a filha de Marx Jenny No sepultamento de Marx profere o que ficaria conhecido como Discurso diante da sepultura de Marx Das Begräbnis von Karl Marx Após a morte do amigo publica uma edição inglesa do Livro I de O capital imediatamente depois prefacia a terceira edição alemã da obra e já começa a preparar o Livro II Implantação dos seguros sociais na Alemanha Fundação de um partido marxista na Rússia e da Sociedade Fabiana que mais tarde daria origem ao Partido Trabalhista na Inglaterra Crise econômica na França forte queda na Bolsa 1884 Publica A origem da família da propriedade privada e do Estado Der Ursprung der Familie des Privateigentum und des Staates Fundação da Sociedade Fabiana de Londres 1885 Editado por Engels é publicado o Livro II de O capital 1887 Karl Kautsky conclui o artigo O socialismo jurídico resposta de Engels a um livro do jurista Anton Menger e o publica sem assinatura na Neue Zeit 1889 Fundase em Paris a II Internacional Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1894 Também editado por Engels é publicado o Livro III de O capital O mundo acadêmico ignorou a obra por muito tempo embora os principais grupos políticos logo tenham começado a estudála Engels publica os textos Contribuição à história do cristianismo primitivo Zur Geschischte des Urchristentums e A questão camponesa na França e na Alemanha Die Bauernfrage in Frankreich und Deutschland O oficial francês de origem judaica Alfred Dreyfus acusado de traição é preso Protestos antissemitas multiplicamse nas principais cidades francesas 1895 Redige uma nova introdução para As lutas de classes na França Após longo tratamento médico Engels morre em Londres 5 de agosto Suas cinzas são lançadas ao mar em Eastbourne Dedicouse até o fim da vida a completar e traduzir a obra de Marx ofuscando a si próprio e a sua obra em favor do que ele considerava a causa mais importante Os sindicatos franceses fundam a Confederação Geral do Trabalho Os irmãos Lumière fazem a primeira projeção pública do cinematógrafo COLEÇÃO MARXENGELS O 18 de brumário de Luís Bonaparte Karl Marx AntiDühring a revolução da ciência segundo o senhor Eugen Dühring Friedrich Engels O capital crítica da economia política Livro I O processo de produção do capital Karl Marx O capital crítica da economia política Livro II O processo de circulação do capital Karl Marx Edição de Friedrich Engels O capital crítica da economia política Livro III O processo global da produção capitalista Karl Marx Edição de Friedrich Engels Crítica da filosofia do direito de Hegel Karl Marx Crítica do Programa de Gotha Karl Marx Os despossuídos debates sobre a lei referente ao fundo de madeira Karl Marx A diferença entre a filosofia da natureza de Demócrito e a de Epicuro Karl Marx Escritos ficcionais Escorpião e Félix Oulanem Karl Marx Grundrisse manuscritos econômicos de 18571858 Esboços da crítica da economia política Karl Marx A guerra civil na França Karl Marx A ideologia alemã Karl Marx e Friedrich Engels Lutas de classes na Alemanha Karl Marx e Friedrich Engels As lutas de classes na França de 1848 a 1850 Karl Marx Lutas de classes na Rússia Karl Marx e Friedrich Engels Manifesto Comunista Karl Marx e Friedrich Engels Manuscritos econômicofilosóficos Karl Marx Miséria da filosofia Karl Marx A sagrada família Karl Marx e Friedrich Engels A situação da classe trabalhadora na Inglaterra Friedrich Engels Sobre a questão da moradia Friedrich Engels Sobre a questão judaica Karl Marx Sobre o suicídio Karl Marx O socialismo jurídico Friedrich Engels e Karl Kautsky Tamara Soliz Homenagem feita em 2018 a Marielle Franco em Colônia na Alemanha cidade em que Engels e Marx se conheceram Engels viajava à Inglaterra e de passagem pela cidade alemã decidiu visitar os escritórios da Gazeta Renana na época editada por Marx Este livro foi publicado pela Boitempo em março de 2019 exatamente um ano após o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco e de seu motorista Anderson Pedro Gomes um crime político para o qual o Brasil ainda espera uma resposta Boitempo 2019 Traduzido do original em alemão Der Ursprung der Familie des Privateigentums und des Staats em Karl MarxFriedrich Engels Werke MEW 5 ed Berlim Dietz 1975 v 21 p 25173 Direção editorial Ivana Jinkings Edição Bibiana Leme Coordenação de produção Livia Campos Assistência editorial Andréa Bruno Tradução Nélio Schneider Preparação Mariana Echalar Revisão Thaís Nicoleti Diagramação Antonio Kehl ilustração da p 2 Friedrich Engels por Nikolai N Zhukov Capa Heleni Andrade sobre ilustração de Cássio Loredano Equipe de apoio Ana Carolina Meira Ana Yumi Kajiki André Albert Artur Renzo Carolina Mercês Clarissa Bongiovanni Eduardo Marques Elaine Ramos Frederico Indiani Isabella Marcatti Ivam Oliveira Kim Doria Luciana Capelli Marlene Baptista Maurício Barbosa Raí Alves Talita Lima Tulio Candiotto Versão eletrônica Produção Livia Campos Diagramação Schäffer Editorial CIPBRASIL CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS RJ E48o Engels Friedrich 18201895 A origem da família da propriedade privada e do estado recurso eletrônico em conexão com as pesquisas de Lewis H Morgan Friedrich Engels tradução Nélio Schneider 1 ed São Paulo Boitempo 2019 recurso digital MarxEngels Tradução de Der ursprung der familie des privateigentums und des staats im anschluß an Lewis H Morgans forschungen Formato epub Requisitos do sistema adobe digital edition Modo de acesso world wide web ISBN 9788575596937 recurso eletrônico 1 Morgan Lewis Henry 18181881 Ancient society 2 Sociedades primitivas 3 Família História 4 Propriedade História 5 Estado 6 Livros eletrônicos I Schneider Nélio II Título III Série 1956094 CDD 3211 CDU 32111 Vanessa Mafra Xavier Salgado Bibliotecária CRB76644 É vedada a reprodução de qualquer parte deste livro sem a expressa autorização da editora 1ª edição março de 2019 BOITEMPO EDITORIAL Jinkings Editores Associados Ltda Rua Pereira Leite 373 05442000 São Paulo SP Tel 11 38757250 38757285 editorboitempoeditorialcombr wwwboitempoeditorialcombr wwwblogdaboitempocombr wwwfacebookcomboitempo wwwtwittercomeditoraboitempo wwwyoutubecomtvboitempo EBOOKS DA BOITEMPO EDITORIAL Bovarismo brasileiro Maria Rita Kehl Brasil uma biografia não autorizada Francisco de Oliveira Che Guevara e o debate econômico em Cuba Luiz Bernardo Pericás Crise e golpe Allyson Leandro Mascaro Diferença entre a filosofia da natureza de Demócrito e a de Epicuro Karl Marx Dominação e resistência Luis Felipe Miguel Escritos ficcionais Escorpião e Félix Oulanem Karl Marx Esquerdas do mundo univos Boaventura de souza Santos A estrela da manhã Michael Löwy O fogo e o relato Giorgio Agamben Gênero e desigualdades limites da democracia no Brasil Flávia Biroli Karl Marx e o nascimento da sociedade moderna Michael Heinrich A liberdade é uma luta constante Angela Davis A loucura da razão econômica David Harvey O marxismo ocidental Domenico Losurdo A nova segregação racismo e encarceramento em massa Michelle Alexander O ódio como política Esther Solano Gallego org O privilégio da servidão Ricardo Antunes A revolta dos intelectuais na Hungria István Mészáros Tempo comprado Wolfgang Streeck O velho Marx Marcello Musto A verdade vencerá Luís Inácio Lula da Silva Siga a Boitempo BOITEMPOEDITORIAL COMBR blogdaboitempocombr boitempo editoraboitempo tvboitempo boitempo Estação Perdido Miéville China 9788575594902 610 páginas Compre agora e leia Com seu novo romance o colossal intricado e visceral Estação Perdido Miéville se desloca sem esforço entre aqueles que usam as ferramentas e armas do fantástico para definir e criar a ficção do século que está por vir Neil Gaiman Não se pode falar sobre Miéville sem usar a palavra brilhante Ursula K Le Guin O aclamado romance que consagrou o escritor inglês China Miéville como um dos maiores nomes da fantasia e da ficção científica contemporânea Miéville escreve fantasia mas suas histórias passam longe de contos de fadas Em Estação Perdido primeiro livro de uma trilogia que lhe rendeu prêmios como o British Fantasy 2000 e o Arthur C Clarke 2001 o leitor é levado para Nova Crobuzon no planeta BasLag uma cidade imaginária cuja semelhança com o real provoca uma assustadora intuição a de que a verdadeira distopia seja o mundo em que vivemos Com pitadas de David Cronenberg e Charles Dickens BasLag é um mundo habitado por diferentes espécies racionais dotadas de habilidades físicas e mágicas mas ao mesmo tempo preso a uma estrutura hierárquica bastante rígida e onde os donos do poder têm a última palavra Nesse ambiente Estação Perdido conta a saga de Isaac Dan der Grimnebulin excêntrico cientista que divide seu tempo entre uma pesquisa acadêmica pouco ortodoxa e a paixão interespécies por uma artista boêmia a impetuosa Lin com quem se relaciona em segredo Sua rotina será afetada pela inesperada visita de um garuda chamado Yagharek um ser meio humano e meio pássaro que lhe pede ajuda para voltar a voar após ter as asas cortadas em um julgamento que culminou em seu exílio Instigado pelo desafio Isaac se lança em experimentos energéticos que logo sairão do controle colocando em perigo a vida de todos na tumultuada e corrupta Nova Crobuzon Compre agora e leia Cabo de guerra Benedetti Ivone 9788575594919 306 páginas Compre agora e leia Finalista do Prêmio São Paulo de Literatura de 2010 Ivone Benedetti lança pela Boitempo seu segundo romance o arrebatador Cabo de guerra que invoca fantasmas do passado militar brasileiro pela perspectiva incômoda de um homem sem convicções transformado em agente infiltrado No final da década de 1960 um rapaz deixa o aconchego da casa materna na Bahia para tentar a sorte em São Paulo Em meio à efervescência política da época que não fazia parte de seus planos ele flerta com a militância de esquerda vai parar nos porões da ditadura e muda radicalmente de rumo selando não apenas seu destino mas o de muitos de seus excompanheiros Quarenta anos depois ainda é difícil o balanço como decidir entre dois lados dois polos duas pontas do cabo de guerra que lhe ofertaram E entre as visões fantasmagóricas que o assaltam desde criança e a realidade que ele acredita enxergar esse protagonista com vocação para coadjuvante se entrega durante três dias a um estranho acerto de contas com a própria existência Assistido por uma irmã devota e rodeado por uma série de personagens emersos de páginas infelizes ele chafurda numa ferida eternamente aberta na história do país Narradora talentosa Ivone Benedetti tem pleno domínio da construção do romance Num texto em que nenhum elemento aparece por acaso e no qual a cada leitura uma nova referência se revela o leitor se vê completamente envolvido pela história de um protagonista desprovido de paixões dono de uma biografia banal e indiferente à polarização política que tanto marcou a década de 1970 no Brasil Essa figura anônima será nessa ficção histórica peça fundamental no desfecho de um trágico enredo Neste Cabo de guerra são inúmeras e incômodas as pontes lançadas entre passado e presente entre realidade e invenção Para mencionar apenas uma a abordagem do ato de delação política não poderia ser mais instigante para a reflexão sobre o Brasil contemporâneo Compre agora e leia Tempos difíceis Dickens Charles 9788575594209 336 páginas Compre agora e leia Neste clássico da literatura Charles Dickens trata da sociedade inglesa durante a Revolução Industrial usando como pano de fundo a fictícia e cinzenta cidade de Coketown e a história de seus habitantes Em seu décimo romance o autor faz uma crítica profunda às condições de vida dos trabalhadores ingleses em fins do século XIX destacando a discrepância entre a pobreza extrema em que viviam e o conforto proporcionado aos mais ricos da Inglaterra vitoriana Simultaneamente lança seu olhar sagaz e bem humorado sobre como a dominação social é assegurada por meio da educação das crianças com uma compreensão aguda de como se moldam espíritos desacostumados à contestação e prontos a obedecer à inescapável massificação de seu corpo e seu espírito Acompanhando a trajetória de Thomas Gradgrind um homem de fatos e cálculos e sua família o livro satiriza os movimentos iluminista e positivista e triunfa ao descrever quase que de forma caricatural a sociedade industrial transformando a própria estrutura do romance numa argumentação antiliberal Por meio de diversas alegorias como a escola da cidade a fábrica e suas chaminés a trupe circense do Sr Sleary e a oposição entre a casa do burguês Josiah Bounderby e a de seu funcionário Stephen Blackpool o resultado é uma crítica à mentalidade capitalista e à exploração da força de trabalho imposições que Dickens alertava estarem destruindo a criatividade humana e a alegria Compre agora e leia O homem que amava os cachorros Padura Leonardo 9788575593622 592 páginas Compre agora e leia Esta premiadíssima e audaciosa obra do cubano Leonardo Padura traduzida para vários países como Espanha Cuba Argentina Portugal França Inglaterra e Alemanha é e não é uma ficção A história é narrada no ano de 2004 pelo personagem Iván um aspirante a escritor que atua como veterinário em Havana e a partir de um encontro enigmático com um homem que passeava com seus cães retoma os últimos anos da vida do revolucionário russo Leon Trotski seu assassinato e a história de seu algoz o catalão Ramón Mercader voluntário das Brigadas Internacionais da Guerra Civil Espanhola e encarregado de executálo Esse ser obscuro que Iván passa a denominar o homem que amava os cachorros confia a ele histórias sobre Mercader um amigo bastante próximo de quem conhece detalhes íntimos Diante das descobertas o narrador reconstrói a trajetória de Liev Davidovitch Bronstein mais conhecido como Trotski teórico russo e comandante do Exército Vermelho durante a Revolução de Outubro exilado por Joseph Stalin após este assumir o controle do Partido Comunista e da URSS e a de Ramón Mercader o homem que empunhou a picareta que o matou um personagem sem voz na história e que recebeu como militante comunista uma única tarefa eliminar Trotski São descritas sua adesão ao Partido Comunista espanhol o treinamento em Moscou a mudança de identidade e os artifícios para ser aceito na intimidade do líder soviético numa série de revelações que preenchem uma história pouco conhecida e coberta ao longo dos anos por inúmeras mistificações Compre agora e leia Pssica Proença Edyr Augusto 9788575594506 96 páginas Compre agora e leia Após grande sucesso na França onde teve três livros traduzidos o paraense Edyr Augusto lança um novo romance noir de tirar o fôlego Em Pssica que na gíria regional quer dizer azar maldição a narrativa se desdobra em torno do tráfico de mulheres Uma adolescente é raptada no centro de Belém do Pará e vendida como escrava branca para casas de show e prostituição em Caiena Um imigrante angolano vai parar em Curralinho no Marajó onde monta uma pequena mercearia que é atacada por ratos dágua ladrões que roubam mercadorias das embarcações os piratas da Amazônia e em seguida entra em uma busca frenética para vingar a esposa assassinada Entre os assaltantes está um garoto que logo assumirá a chefia do grupo Esses três personagens se encontram em Breves outra cidade do Marajó e depois voltam a estar próximos em Caiena capital da Guiana Francesa em uma vertiginosa jornada de sexo roubo garimpo drogas e assassinatos Compre agora e leia
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FRIEDRICH ENGELS a origem da família da propriedade privada e do Estado Sobre A origem da família da propriedade privada e do Estado Clara Araújo Obras clássicas transcendem seu tempo A origem da família da propriedade privada e do Estado escrito por Friedrich Engels em 1884 com base nas pesquisas do antropólogo Lewis H Morgan sobre a família e em anotações feitas por Karl Marx é um desses clássicos São diversas as contribuições analíticas para uma teoria sobre a gênese de instituições sociais básicas e as conexões entre estas e a opressão e a exploração Marco nos estudos sobre a família este livro forneceu insumos consistentes para desvendar a natureza material e histórica das interações humanas e dos modos de organização da vida social em especial nas relações entre os sexos A análise de Engels retirou o gênero da camisa de força da biologia e situou as razões das desigualdades entre homens e mulheres fora dos destinos inscritos nos corpos Revelou também os elos entre a estrutura de classes a opressão de gênero e o papel do casamento e da autoridade masculina na tessitura dessa teia de subordinação controle da reprodução biológica dos bens econômicos e da propriedade privada Engels não foi o único a tratar dos vínculos entre economia família e subordinação das mulheres no século XIX mas sua obra foi pioneira ao formular uma teoria materialista das bases da desigualdade e ao tentar explicar com base nos conceitos de produção e de reprodução os vínculos entre a subordinação das mulheres e a família como unidade de reprodução econômica Além de pioneira a obra segue útil Família casamento vínculos amorosos e de parentesco trabalho assalariado exercício da autoridade masculina e autonomia feminina são temas atuais teóricos e empíricos em diversos campos de conhecimento na política e na vida cotidiana Algumas dessas questões ainda são tratadas no século XXI com vieses moralizadores desprovidos de registros e evidências empíricas há muito existentes e calcados em narrativas religiosas que apagam sua compreensão histórica sociológica e antropológica A leitura deste livro é portanto mais que uma visita a um empreendimento teórico pioneiro para a época em que foi escrito É necessária útil e esclarecedora nestes tempos marcados por superficialidades interpretativas desapreço pelo conhecimento e fundamentalismos obscurantistas Há limitações e imprecisões históricas revistas ou criticadas por estudos contemporâneos Há críticas feministas importantes de serem mencionadas A tese do matriarcado como sistema hegemônico não encontra base empírica atualmente mas a existência e diversidade de famílias matrilineares sim A participação da mulher no trabalho agrícola foi subestimada e estudos posteriores revelaram sua presença de forma ampla assim como nas atividades econômicas em geral Engels associou a dominação masculina ao surgimento da propriedade privada subestimando a cultura e vinculando de modo excessivamente otimista a superação da opressão de sexo à superação da opressão de classe Nada disso contudo retira a densidade de sua análise e a atualidade de muitas de suas conclusões para nos ajudar a refletir com novos olhares sobre o passado e compreender o presente Sobre A origem da família da propriedade privada e do Estado Alysson Leandro Mascaro Em A origem da família da propriedade privada e do Estado Engels investe radicalmente contra a forma patriarcal da família reiteradamente tida por sagrada e basilar da civilização Em que pesem as discussões posteriores da antropologia e da ciência da história acerca do matriarcado e de seu arraigamento nesse tempo histórico quiçá sendo a matrilinearidade e a matrilocalidade fenômenos históricos mais próprios Engels desponta com arrojo na valorização de um feminismo como base do comunismo originário Esta obra tem no Estado o desaguadouro de sua análise histórica e em torno do problema estatal muito de seu vigor e das críticas que recaem sobre seus apontamentos Tal como fez com a família ao dessacralizála Engels rechaça uma leitura idealista do Estado Temos aqui uma arma de combate contra os que insistem em afirmar supostas moralidades dos costumes ou apregoar a submissão à ordem capitalista e ao domínio estatal tidos como auge da civilização É a crítica da história da exploração contra os que até hoje teimam em louvar tradição família e propriedade Marília Moschkovich Escrito num período em que as ciências sociais e humanidades não tinham os contornos que têm hoje em termos de objetos e de métodos A origem da família da propriedade privada e do Estado goza de fluência na comunicação e no entrelaçamento de dados e objetos que se carece de epistemologias um tanto mais modernas também parece pavimentar caminhos possíveis para o século XX pelo tom crítico e pelo esforço bastante evidente e compensador para manter o rigor analítico tanto quanto permitiam as ferramentas e as informações da época Friedrich Engels A ORIGEM DA FAMÍLIA DA PROPRIEDADE PRIVADA E DO ESTADO EM CONEXÃO COM AS PESQUISAS DE LEWIS H MORGAN Tradução Nélio Schneider Prefácio Alysson Leandro Mascaro Posfácio Marília Moschkovich SUMÁRIO Nota da editora e do tradutor Prefácio à edição brasileira Alysson Leandro Mascaro Prefácio à primeira edição 1884 Prefácio à quarta edição 1891 I Estágios culturais préhistóricos II A família III A gens iroquesa IV A gens grega V Surgimento do Estado ateniense VI Gens e Estado em Roma VII A gens entre os celtas e os germanos VIII A formação do Estado pelos germanos IX Barbárie e civilização Posfácio à edição brasileira Entre marxismo feminismo e antropologia Marília Moschkovich Cronologia resumida de Marx e Engels NOTA DA EDITORA E DO TRADUTOR Neste 26º volume da coleção MarxEngels a Boitempo publica uma obra de grande importância para a compreensão da gênese da sociedade capitalista Escrita por Friedrich Engels em dois meses entre o final de março e 26 de maio de 1884 A origem da família da propriedade privada e do Estado teve sua primeira edição já nesse mesmo ano de 1884 HottingenZurique Verlag der Schweizerischen Volksbuchhandlung e outras três edições posteriores durante a vida do autor a última delas ou seja a quarta edição revisada e ampliada foi publicada no ano de 1892 Stuttgart J W Dietz e serviu de base para esta tradução Todas as alterações essenciais em relação à primeira edição estão indicadas em notas de rodapé Engels teve a ideia de escrever este livro ao encontrar entre os manuscritos de Karl Marx um resumo detalhado da obra de Lewis Henry Morgan Ancient Society or Researches in the Lines of Human Progress from Savagery through Barbarism to Civilization Sociedade antiga ou Pesquisas nas linhas do progresso humano do estado selvagem até a civilização passando pela barbárie datado de 18801881 com um grande número de apontamentos críticos opiniões próprias e complementos retirados de outras fontes Engels utilizou essas observações além de conclusões e dados concretos do livro de Morgan e de numerosos e variados dados suplementares extraídos de suas investigações sobre problemas da história da Grécia de Roma da antiga Irlanda dos antigos germanos etc O texto apresenta uma análise sociocrítica da evolução da estrutura familiar social e estatal moderna a partir do declínio de uma estrutura familiar primitiva organizada como grupos de interesses comuns vivendo em propriedade comuns a todos que não visava ao comércio nem ao acúmulo de riquezas A tradução e as notas sinalizadas com asterisco e N T são de autoria de Nélio Schneider As notas explicativas da edição alemã são acompanhadas da sigla N E A e as notas da edição brasileira de N E B ambas sempre precedidas de asteriscos As notas do próprio Engels são numeradas Quanto aos demais critérios da edição a grafia dos numerais e os destaques mantêmse fiéis ao original Os colchetes são inclusões desta edição para apresentar a tradução para o português de trechos grafados originalmente em outro idioma que não o alemão Páginas indicadas entre parênteses no próprio texto são referências das edições consultadas por Engels O uso de aspas e itálicos segue as normas internas da editora A Boitempo agradece ao tradutor Nélio Schneider e aos autores dos textos complementares à edição brasileira Alysson Leandro Mascaro Clara Araújo e Marília Moschkovich Agradece também aos profissionais responsáveis pela revisão e diagramação bem como ao autor da ilustração de capa Cássio Loredano e à equipe interna da editora PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA No entorno das descobertas promovidas por Marx e Engels acerca da história da sociabilidade e especificamente do capitalismo coube a Engels uma interface mais próxima com as ciências naturais embora o próprio Marx se entusiasmasse com os avanços desse grande campo como aqueles advindos das proposições de Darwin Se em livros como o AntiDühring restará patente uma problematização da própria filosofia da natureza e das ciências neste A origem da família da propriedade privada e do Estado Engels reflete diretamente sobre temas que hoje seriam chamados de antropológicos dentre outras questões a relação estrutural entre gêneros sexo família comunidade povo Estado É costume considerar A origem da família da propriedade privada e do Estado e AntiDühring bem como os textos nomeados Dialética da natureza como obras do velho Engels da última fase de sua produção De há muito empreendemse debates em torno da relação de continuidade ou distinção dessa derradeira etapa engelsiana com seus escritos anteriores Nesse conjunto de livros dáse uma ampliação temática do pensamento de Engels a partir de Marx mas para além dele abarcando uma vasta reflexão sobre natureza história e devires sociais Aqui residem muitos dos problemas engelsianos mas também muito de sua riqueza de paralelos e cruzamentos inesperados e mesmo de seu esforço político de divulgação e sensibilização de interesses para além daqueles que são os tradicionalmente conhecidos como marxistas economia e política sendo seus núcleos mais óbvios As variadas mensurações e apropriações do pensamento de Engels são um índice das disputas intelectuais de seu legado e das alternativas políticas marxistas desde então até hoje No campo dos embates teóricos isso se dá com uma tentativa de subsumir Engels a Marx desrespeitando sua diferença específica e sua condição insigne de intelectual de tal sorte que a grande similitude de horizonte de mundo entre ambos passa por alinhamento sumário desconhecendo o valor de um encontro autônomo e enriquecedor de dois pensadores e líderes políticos de alta envergadura No campo político a produção do último Engels revelase de objetos mais ampliados e sendo de uma didática comparativa do marxismo com outros campos do conhecimento foi também tomada como mais confortável para sua utilização por um marxismo vulgar como no caso do sovietismo teórico no tempo do stalinismo A origem da família bem como o AntiDühring foram obras de divulgação oficial soviética diluindo então chaves conceituais centrais de Marx em O capital de tal sorte que estas se fizessem ignoradas em face de esquemas teóricos mais didáticos e mais próximos a um dado senso comum Leis da dialética no caso do Anti Dühring ou etapas da evolução da sociabilidade da família ao Estado no caso de A origem da família passaram a ser métricas oficiais de explicação do método e da história Nesse último livro fazse na questão do Estado uma apropriação em favor de uma leitura de mundo stalinista o Estado é tomado de modo ampliado e inespecífico abrindo um possível paralelo de um passado estatal précapitalista portanto com o caso soviético de um autodeclarado Estado socialista O uso enviesado de tal obra em face das ideias seminais de Marx e mesmo de outras do próprio Engels ficará mais patente É preciso avançar tanto para além da diluição de Engels em Marx quanto para além de seu uso dogmático oficialista a serviço de uma leitura didática confortável a uma dada linearidade histórica que desembocaria no socialismo Repor Engels em seus termos é fundamental para compreender cientificamente suas insuficiências suas contradições e também suas riquezas originalidades e instigações A origem da família da propriedade privada e do Estado apresenta contribuições e revela problemas que até o presente implicam diretamente questões centrais para a luta política e social Alcançálos objetivamente é necessário O livro foi escrito e publicado em 1884 e depois revisado e ampliado pelo próprio autor até a quarta edição em 1892 texto derradeiro este a servir de base à presente tradução para o português tendo Engels se valido de notas de Marx acerca da obra do estadunidense Lewis Henry Morgan que se dedicou com relevante atenção e mesmo com larga convivência pessoal à história e à situação dos iroqueses povos originários que viveram em torno da região dos Grandes Lagos hoje situados entre os Estados Unidos e o Canadá Reconhecendo em Morgan importância e paralelos com suas ideias e as de Marx Engels se põe a esquadrinhar em especial tomando por base a obra Ancient Society or Researches in the Lines of Human Progress from Savagery through Barbarism to Civilization Sociedade antiga ou Pesquisas nas linhas do progresso humano do estado selvagem até a civilização passando pela barbárie as origens e as etapas da evolução histórica humana A tese central de Morgan é a de que o desenvolvimento das sociedades humanas se dá numa sequência de três fases o estado selvagem a barbárie e a civilização Fugindo de esquemas meramente evolucionistas o próprio Morgan não opõe simplesmente um passado atrasado a um presente civilizado Sua convivência direta com os iroqueses lhe revelou valorosas peculiaridades que turvavam a linearidade ideal propagada pelos entusiastas da civilização do homem branco ocidental Entusiasticamente Engels ressalta tais estudos de Morgan para apontar no estado originário de selvageria formas de produção e sociabilidade comunistas perdidas depois pela civilização caracterizada pela exploração e dominação Destacase nesse comunismo primitivo louvado por Engels o caráter matriarcal de suas sociedades Trazendo à tona também os conhecidos estudos de J J Bachofen acerca do direito materno Engels investe radicalmente contra a forma patriarcal da família reiteradamente tida por sagrada e basilar da civilização Em que pesem as discussões posteriores da antropologia e da ciência da história acerca do matriarcado e de seu pretenso arraigamento nesse tempo histórico quiçá sendo a matrilinearidade e a matrilocalidade fenômenos históricos efetivamente mais próprios Engels desponta com arrojo na valorização de um feminismo como base do comunismo originário No mesmo sentido A origem da família deixa patente seu rechaço à prevalência do masculino na sexualidade que se deu desde a barbárie até a civilização Engels ao desnaturalizar e dessacralizar instituições sociais muito fulcrais como a família idealmente projetada a partir do louvor da monogamia burguesa e tomada como modelo universal quiçá por alguns eterno adentra um campo de disputa central e refinado revelando uma estratégia política que importa até a atualidade Em momentos como o presente de flagrante recurso ao moralismo no que tange à família contra trabalhadores comunistas e pessoas de esquerda em que valores ditos religiosos são opostos ao progressismo social tudo isso num maquinário de exacerbação da exploração capitalista pósfordista que se erige com a crise sob seus pés a obra de Engels revela e o faz desde o século XIX o campo moral como um dos objetos incontornáveis de luta política da classe trabalhadora Mas o próprio Engels arrojandose nessa luta é de alguma maneira um homem de seu tempo portando suas contradições e seus limites sua larga e generosa recepção de outras culturas e povos é feita pelo olhar europeu sua defesa das mulheres é feita mediante o olhar do homem ainda em passagens laterais de A origem da família expõe juízos sumários e depreciativos a respeito da homossexualidade Podese também fazer objeções a Engels no que tange à factualidade e às informações com as quais trabalha no presente livro Mas a narrativa engelsiana acerca do fluxo histórico das sociedades em A origem da família representa não simplesmente um desfile factual aleatório ou voluntariosamente narrado mas uma aplicação metodológica do materialismo histórico e do materialismo dialético razão pela qual a negação de muitos desses mesmos fatos pelos estudos científicos posteriores não abala o dado nuclear das proposições de Engels a historicidade dos seres humanos está lastreada na produção Há determinação social E não se trata de uma simples determinação pelo econômico Também neste livro Engels é exemplar ao demonstrar que muitas causas concorrem na formação da sociabilidade a dominação sexual como um desses elementos patentes Há íntima relação entre família e produção a divisão do trabalho aí ressalta do mesmo modo que há entre estas e a apropriação privada e a política Ideologia costumes valores coerções morais e religiosas tudo se soma num complexo que é uma totalidade estruturada com determinação na produção Nos termos de um marxismo contemporâneo como o de Althusser podese ler neste livro de Engels a riqueza de cruzamentos entre determinação e sobredeterminação Quando trata da passagem do escravismo ao feudalismo Engels até mesmo rompe com a expectativa de leitura de quem tenderia a considerar a sucessão dos modos de produção uma linearidade lógica No capítulo sobre a formação do Estado pelos germanos enfatiza que a extinção da escravidão não adveio de uma contribuição cristã da moral da civilização da razão dos valores Pelo contrário o cristianismo conviveu muito tempo com a escravidão e muitas vezes a legitimou Engels considera que a sociedade escravista romana moribunda e decadente passou de seu modo de produção a outro feudal por conta da chegada do atraso germano que a partir de sua barbárie dissolveu com energia o que lentamente definhava e então de modo peculiar ensejou novo sistema produtivo Os modos de produção assim são lidos por Engels não como teleologia nem como racionalidade inexorável ou superação a partir de sociabilidades mais avançadas mas como frutos de determinações a partir de situações e derivações factuais de alguma maneira a transição de modos de produção revela o materialismo do encontro A obra A origem da família da propriedade privada e do Estado tem no Estado o desaguadouro de sua análise histórica e em torno do problema estatal muito de seu vigor e das críticas que recaem sobre seus apontamentos Tal como fez com a família ao dessacralizála Engels também rechaça uma leitura idealista do Estado Não se trata da efetividade da ideia ética de Hegel tampouco do bem comum mas sim de um modelo de articulação política para dar conta de sociedades cujos antagonismos entre classes e interesses conflitantes são inconciliáveis Combatendo a noção de unidade do povo ou da coesão do povo em face da dominação política que se lhe incide Engels funda sua análise do Estado na exploração de classes cuja divisão remonta já ao domínio do masculino sobre o feminino O percurso das sociedades que saem de seus arranjos gentílicos para o Estado é o percurso complexo da divisão do trabalho e do domínio do produto sobre o produtor Nesse trajeto a apropriação das riquezas e dos meios de produção vai atrelada aos aparatos e arranjos políticos necessários para dar conta de sustentar nas mãos dos espoliadores o produzido pelos espoliados Podese vislumbrar ainda em A origem da família um mote compartilhado também com outra obra de Engels escrita com Karl Kautsky O socialismo jurídico publicada poucos anos depois Em ambas há a afirmação de que sendo o socialismo a mudança no padrão de produção com a retomada dos meios de produção pelos produtores o que acarreta o fim da propriedade privada isso será também o fim do direito que sustenta a subjetividade portadora dos bens e exploradora do mesmo modo o socialismo será o fim do Estado não outro Estado Ao lado da fundamental contribuição engelsiana à crítica do Estado restam patentes as dificuldades de A origem da família no que tange à sua inespecificidade histórica quanto à propriedade privada e ao Estado Se é verdade que escravismo e feudalismo tal qual capitalismo são modos de produção que se fundam na apropriação dos meios de produção e dos bens por parte de alguns há algo em específico que distingue o capitalismo de ambos a propriedade como direito garantida inclusive pelo Estado Assim do mesmo modo como há mercadoria antes do capitalismo mas só há formamercadoria quando o trabalho do trabalhador assalariado se torna abstrato com sua subsunção real ao capitalista de tal sorte que tudo efetivamente se torna uma imensa coleção de mercadorias assim também há apropriação antes do capitalismo do estado selvagem à barbárie e à civilização veemse as etapas dessas apropriações do comum por alguns mas só há propriedade privada como forma social quando derivada da formamercadoria e da forma de subjetividade jurídica Uma trajetória de pensadores marxistas que vai de Evguiéni Pachukanis a Márcio Bilharinho Naves passando por Gianfranco La Grassa é decisiva para uma leitura mais refinada e científica que dá especificidade às formas do capitalismo sem diluílas numa confusão do capitalismo com outros modos de produção escorada em uma genérica exploração e divisão social que houve efetivamente em todos eles O capitalismo guarda uma singularidade em suas formas sociais O mesmo se dá com o Estado As dificuldades engelsianas em identificar o Estado como fenômeno político capitalista fazem com que sua leitura seja inespecífica remontando a figuras políticas como as romanas e fazendo crer que eram estatais quando eram no máximo de um domínio direto e mais complexificado por parte dos senhores de escravos Somente haverá forma política estatal como terceira em face dos agentes da produção sustentandose por um aparato materialmente próprio e reunindo em suas mãos a violência social oficial quando os resquícios senhoriais feudais forem rompidos Isso se dá com a Revolução Industrial e com as revoluções burguesas Então a igualdade e a liberdade permitirão a equivalência e a relativa autonomia estatal em face de velhos privilégios e domínios Fazer retroagir o Estado ao escravismo não permite alcançar a especificidade social da política no capitalismo Insisto nessa condição insigne da forma política estatal em meu livro Estado e forma política 1 Debates recentes como o da derivação a partir de Joachim Hirsch são fundamentais para compreender o Estado como fenômeno somente capitalista Mesmo o debate sobre a transição entre feudalismo e capitalismo sintetizado por Perry Anderson considera o surgimento das formas do capitalismo no final da Idade Moderna e não em seu início desvinculando então o Absolutismo daquilo que se poderia chamar Estado enquanto forma social terceira aos agentes da produção Se é verdade que tais problemas da historicização larga fazem perder a especificidade dos fenômenos da propriedade privada e do Estado A origem da família da propriedade privada e do Estado tem no entanto o mérito de ser uma importante arma de combate em face dos que insistem em afirmar supostas moralidades inexoráveis dos costumes ou apregoar a submissão à ordem capitalista posta e ao domínio estatal tidos como auge da civilização Esta obra é a crítica da história da exploração contra os que até hoje teimam em louvar tradição família e propriedade Alysson Leandro Mascaro São Paulo 2018 1 São Paulo Boitempo 2013 A ORIGEM DA FAMÍLIA DA PROPRIEDADE PRIVADA E DO ESTADO PREFÁCIO À PRIMEIRA EDIÇÃO 1884 Os capítulos a seguir constituem de certo modo a execução de um testamento Ninguém menos que Karl Marx havia reservado para si a tarefa de expor os resultados das pesquisas de Morgan em conexão com os resultados de sua e em certa medida posso dizer nossa investigação materialista da história e desse modo evidenciar toda a sua importância Pois foi Morgan quem redescobriu na América do Norte a concepção materialista de história descoberta por Marx quarenta anos antes e ao comparar barbárie com civilização foi levado por ela no que diz respeito aos seus pontos principais aos mesmos resultados obtidos por Marx A Ancient Society 1 de Morgan foi tratada pelos portavozes da ciência pré histórica na Inglaterra do mesmo modo que O capital foi tratado por muitos anos pelos economistas de ofício na Alemanha ou seja ambos foram tão diligentemente copiados quanto obstinadamente silenciados Meu trabalho não pode ser senão uma pobre compensação para aquilo que meu falecido amigo não pôde oferecer No entanto nos extensos excertos que ele fez do trabalho de Morgan há observações críticas que reproduzirei aqui na medida do possível Segundo a concepção materialista o fator que em última análise determina a história é este a produção e a reprodução da vida imediata Ele próprio porém é de natureza dupla Por um lado a geração dos meios de subsistência dos objetos destinados a alimentação vestuário habitação e das ferramentas requeridas para isso por outro a geração dos próprios seres humanos a procriação do gênero As instituições sociais em que os seres humanos de determinada época histórica e de determinado país vivem são condicionadas por duas espécies de produção pelo estágio de desenvolvimento do trabalho de um lado e pelo da família de outro Quanto menos desenvolvido o trabalho quanto mais limitada a quantidade de seus produtos e portanto de riqueza da sociedade tanto mais a ordem social se mostrará dominada por laços consanguíneos Entretanto é sob essa estruturação social baseada em laços consanguíneos que se desenvolve gradativamente a produtividade do trabalho e com ela a propriedade privada e a troca a diferenciação da riqueza o aproveitamento da força de trabalho alheia e desse modo a base dos antagonismos de classe novos elementos sociais que no decurso das gerações se esfalfam para adequar a antiga constituição social às novas condições até que por fim a incompatibilidade das duas acarreta uma revolução total A velha sociedade baseada em uniões consanguíneas explode ao chocarse com as classes sociais recémdesenvolvidas seu lugar é tomado por uma nova sociedade sintetizada no Estado cujas subdivisões são formadas não mais por uniões consanguíneas mas por uniões locais uma sociedade em que a ordem da família é inteiramente dominada pela ordem da propriedade e na qual passam a desdobrarse livremente os antagonismos de classe e as lutas de classe que constituem o conteúdo de toda a história escrita até agora O grande mérito de Morgan é ter descoberto os traços principais dessa base préhistórica de nossa história escrita e têla recuperado ao encontrar nas uniões consanguíneas dos índios norteamericanos a chave que nos permite resolver os enigmas mais importantes até agora insolúveis da história grega romana e alemã mais antiga No entanto seu escrito não é obra de um dia Ele se debateu com seu material por cerca de quarenta anos até dominálo por completo É por isso que seu livro é uma das poucas obras de nosso tempo que marcaram época Na exposição a seguir o leitor conseguirá facilmente discernir em termos gerais o que provém de Morgan daquilo que acrescentei Nas seções históricas sobre a Grécia e Roma não me limitei às provas documentais de Morgan mas adicionei o que estava ao meu alcance As seções sobre os celtas e os alemães são essencialmente de minha autoria nesse ponto Morgan dispunha quase só de fontes de segunda mão e no que se refere às condições alemãs além de Tácito apenas das falsificações liberais de má qualidade do senhor Free man As explanações de cunho econômico de Morgan suficientes para seus propósitos mas muito insuficientes para os meus foram todas reelaboradas por mim E por fim obviamente sou responsável por todas as conclusões em que Morgan não é expressamente citado 1 Lewis H Morgan Ancient Society or Researches in the Lines of Human Progress from Savagery through Barbarism to Civilization Londres Macmillan and Co 1877 O livro foi impresso na América do Norte e por estranho que pareça é difícil encontrálo em Londres O autor faleceu há alguns anos PREFÁCIO À QUARTA EDIÇÃO 1891 As edições anteriores de grande tiragem deste escrito estão esgotadas há quase meio ano e já faz algum tempo que o editor J H W Dietz solicitou que eu providenciasse uma nova edição Trabalhos mais urgentes me impediram de fazer isso até agora Sete anos se passaram desde a publicação da primeira edição durante os quais houve significativos avanços no conhecimento a respeito das formas originais da família Foi preciso portanto esmerarme nas melhorias e complementações visto que a intenção de imprimir o presente texto em estereotipia a impossibilitará que eu faça mudanças por um bom tempo b Assim submeti o texto inteiro a uma revisão cuidadosa e introduzi uma série de complementos nos quais espero que o estado atual da ciência tenha sido devidamente considerado Além disso na sequência deste prefácio ofereço uma breve visão panorâmica do desenvolvimento da história da família desde Johann Jakob Bachofen até Morgan isso principalmente porque a escola préhistórica inglesa de inspiração chauvinista continua a fazer o que pode para cobrir com a mortalha do silêncio a revolução das concepções protohistóricas levada a cabo pelas descobertas de Morgan mas não se constrange nem um pouco em se apropriar de seus resultados Também em outros lugares esse exemplo inglês é em parte seguido à risca Meu trabalho foi traduzido para várias línguas estrangeiras Em primeiro lugar para o italiano Lorigine della famiglia della proprietà privata e dello stato trad de Pasquale Martignetti segundo a edição revista pelo autor Benevento 1885 Depois para o romeno Originea familiei proprietăţii private şi a statului trad de Joan Ndejde para a revista Contemporanul Iasi setembro de 1885 a maio de 1886 E para o dinamarquês Familjens Privatejendommens og Statens Oprindelse trad de Gerson Trier segundo a edição revista pelo autor Copenhague 1888 Uma tradução francesa de Henri Ravé baseada na presente edição alemã está no prelo Até o início da década de 1860 não se pode falar de uma história da família Até esse momento a ciência histórica ainda se encontrava totalmente sob a influência dos cinco livros de Moisés A forma patriarcal da família que ali é descrita mais extensamente do que em qualquer outro lugar não só foi aceita sem mais nem menos como sendo a mais antiga mas também foi identificada abstraída a poliginia com a atual família burguesa de modo que a família não teria passado propriamente por nenhum desenvolvimento histórico no máximo admitiase que nos tempos primevos pudesse ter havido um período de promiscuidade sexual No entanto além do casamento monogâmico conheciamse também a poliginia oriental e a poliandria indotibetana mas não se conseguia ordenar essas três formas em uma sequência histórica e elas figuravam lado a lado sem conexão entre si Alguns povos da história antiga bem como certos povos selvagens ainda existentes não consideravam a descendência a partir do pai mas sim a partir da mãe ou seja a linha materna era tida como a única válida muitos povos atuais proí bem o casamento dentro de determinados grupos maiores que antes não haviam sido investigados mais de perto e esse costume se encontra em todas as partes do mundo todos esses fatos eram conhecidos e exemplos deles foram reunidos em quantidade cada vez maior Porém não se sabia o que fazer com eles e nas Researches into the Early History of Mankind etc etc Pesquisas sobre a história antiga da humanidade etc etc de E B Tylor 1865 eles ainda figuram como meros usos peculiares ao lado da proibição de tocar madeira em chamas com ferramentas de ferro em vigor entre alguns povos selvagens e esquisitices religiosas semelhantes A história da família data de 1861 a saber da publicação do livro Das Mutterrecht O direito materno de Bachofen Nele o autor faz as seguintes afirmações 1 nos primórdios os seres humanos teriam cultivado relações sexuais irrestritas forma que ele designa como heterismo recorrendo a um termo inadequado 2 esse tipo de relação excluía toda certeza sobre a paternidade e por conseguinte a descendência só podia ser considerada pela linha materna pelo direito materno e esse teria sido originalmente o caso entre todos os povos da Antiguidade 3 em decorrência disso as mulheres na condição de mães e únicos progenitores seguramente conhecidos da geração mais jovem foram contempladas com um grau maior de respeito e consideração o que segundo a concepção de Bachofen se ampliou para um domínio completo das mulheres ginecocracia 4 a transição para o casamento monogâmico no qual a mulher pertencia exclusivamente a um só homem implicou a violação de um mandamento religioso antiquíssimo isto é a violação do direito tradicional dos demais homens àquela mulher violação essa que deveria ser expiada ou cuja tolerância tinha de ser comprada mediante a entrega da mulher aos demais homens por tempo limitado As provas que fundamentam essas afirmações são encontradas por Bachofen em numerosas passagens da literatura clássica antiga coligidas com extrema diligência O desenvolvimento do heterismo até a monogamia e do direito materno até o direito paterno ocorre segundo ele principalmente entre os gregos em consequência de uma evolução das concepções religiosas da introdução de novas divindades que representavam o novo modo de ver as coisas no grupo das divindades tradicionais que representavam a concepção antiga de tal forma que estas últimas foram gradativamente postas em segundo plano pelas primeiras Portanto segundo Bachofen o que provocou as mudanças históricas na posição social ocupada pelo homem e pela mulher na relação mútua foi não o desenvolvimento das condições reais de vida das pessoas mas o reflexo religioso dessas condições de vida na mente dessas mesmas pessoas Nessa linha Bachofen expõe a Oresteia de Ésquilo como a descrição dramática da luta entre o direito materno em declínio e o direito paterno que despontou na era dos heróis e acabou vitorioso Por seu amante Egisto Clitemnestra matou seu marido Agamemnon que acabara de retornar da guerra contra os troianos mas Orestes filho de Clitemnestra e Agamemnon vingou a morte do pai matando a mãe Em consequência ele passa a ser perseguido pelas Erínias as protetoras espirituais do direito materno segundo o qual o assassinato da mãe é o mais grave e inexpiável dos crimes Porém Apolo que com seu oráculo exortara Orestes a cometêlo e Atena que fora convocada para ser juíza as duas divindades que aqui representam a nova ordem patriarcal o protegem Atena ouve as duas partes Toda a disputa se resume no debate que acontece em seguida entre Orestes e as Erínias Orestes alega que Clitemnestra cometeu um duplo sacrilégio matando o marido ela matou também seu pai Por que as Erínias perseguem a ele e não a ela que é muito mais culpada A resposta é contundente Ela não era consanguínea do homem que matou O assassinato de um homem não consanguíneo mesmo que seja o esposo da assassina pode ser expiado e não interessa às Erínias sua competência se restringe a perseguir o assassinato entre parentes consanguíneos e nesse caso de acordo com o direito materno o crime mais grave e inexpiável é o matricídio Então Apolo assume a defesa de Orestes Atena determina que os areopagitas os jurados atenienses votem ocorre empate nos votos a favor da absolvição e da condenação então Atena na condição de presidente do tribunal vota a favor de Orestes absolvendoo O direito paterno saiu vitorioso sobre o direito materno os deuses da linhagem recente como são designados pelas próprias Erínias derrotamnas e as Erínias acabam sendo persuadidas a assumir outro ofício a serviço da nova ordem Essa interpretação nova mas decididamente correta da Oresteia constitui uma das melhores e mais belas passagens de todo o livro mas ao mesmo tempo é a prova de que Bachofen acredita nas Erínias em Apolo e Atena no mínimo tanto quanto a seu tempo Ésquilo o fizera pois acredita que na era heroica grega eles realizaram o milagre de derrubar o direito materno em favor do direito paterno É evidente que uma concepção como essa em que a religião é tida como a alavanca decisiva da história mundial necessariamente desembocará no misticismo puro Por conseguinte é trabalho árduo e nem sempre compensador estudar com atenção o calhamaço de Bachofen Mas nada disso diminui o mérito de seu pioneirismo primeiro ele substituiu a hipótese de um estado primitivo desconhecido de promiscuidade sexual pela demonstração mediante numerosos indícios presentes na literatura clássica antiga de que antes do casamento monogâmico de fato existiu entre os gregos e entre os asiáticos um estado em que um homem podia se relacionar sexualmente com muitas mulheres assim como uma mulher com muitos homens sem ofender os costumes de que esse costume não desapareceu sem deixar vestígios na forma da entrega das mulheres aos demais homens por tempo limitado como meio de conquistar o direito ao casamento monogâmico de que por conseguinte originalmente a descendência podia ser considerada apenas pela linha feminina de mãe para mãe de que essa validade exclusiva da linha materna ainda se manteve por muito tempo depois que foi adotado o casamento monogâmico em que a paternidade passou a ser assegurada ou então reconhecida e de que essa posição original das mães como únicas ascendentes asseguradas das crianças garantiu a elas e desse modo às mulheres em geral uma posição social mais elevada do que jamais voltariam a ter Bachofen não formulou essas sentenças com tal clareza sua concepção mística o impediu Mas ele as provou e em 1861 isso representou uma revolução completa O calhamaço de Bachofen foi escrito em alemão isto é na língua do país que à época era o menos interessado na história prévia da família atual Por isso permaneceu desconhecido Seu sucessor mais próximo no mesmo campo apareceu em 1865 sem jamais ter ouvido falar de Bachofen Esse sucessor foi J F McLennan o exato oposto de seu predecessor Em vez do místico genial temos aqui o jurista enfadonho em vez da fantasia poética exuberante as combinações plausíveis do advogado litigante McLennan encontra entre muitos povos selvagens bárbaros e mesmo civilizados de tempos antigos e novos uma forma de casamento em que o noivo sozinho ou em companhia de amigos deve simular um ato de violência e raptar de seus parentes a noiva Esse costume certamente é um resquício de um costume mais antigo em que homens de uma tribo de fato raptavam mulheres de fora de outras tribos mediante o uso da força Ora como surgiu esse casamento mediante rapto Enquanto os homens dispuseram de mulheres em quantidade suficiente na sua tribo não havia motivo para adotarem tal medida Constatamos porém com a mesma frequência que entre povos não desenvolvidos existiam certos grupos que por volta de 1865 ainda eram identificados com as próprias tribos que proibiam o casamento entre seus membros de modo que os homens eram forçados a buscar suas mulheres e as mulheres seus homens fora do grupo enquanto em outros grupos vigorava o costume de que os homens só podiam casar com mulheres do próprio grupo McLennan chama aqueles de exógamos estes de endógamos e sem mais nem menos formula uma contraposição rígida entre tribos exogâmicas e tribos endogâmicas E embora sua investigação da exogamia esfregue em seu nariz o fato de que em muitos casos se não na maioria ou até em todos essa contraposição só existe em sua imaginação ele a põe na base de toda a sua teoria De acordo com esta tribos exogâmicas só podiam tomar mulheres de outras tribos e dado o estado de guerra permanente entre tribos que corresponde à condição selvagem o rapto teria sido o único meio de fazer isso McLennan prossegue perguntando de onde vem esse costume da exogamia As concepções da consanguinidade e do incesto não teriam nada a ver com ele porque essas coisas só se teriam desenvolvido bem mais tarde Mas havia sim o costume muito difundido entre os selvagens de matar crianças do sexo feminino logo após o nascimento Isso teria dado origem a um excedente de homens em cada tribo cuja consequência imediata teria sido a existência de vários homens com uma só mulher em comum a poliandria A consequência disso por sua vez teria sido esta sabiase quem era a mãe mas não o pai de uma criança e portanto o parentesco era considerado apenas pela linha materna excluindo a linha paterna ou seja tratavase de direito materno E a segunda consequência da falta de mulheres na tribo carência atenuada mas não resolvida pela poliandria foi justamente o rapto sistemático e violento de mulheres de outras tribos Dado que exogamia e poliandria se originam da mesma causa da ausência de paridade numérica entre os dois sexos devemos encarar todas as raças exogâmicas como originalmente dadas à poliandria E por essa razão temos de considerar irrefutável que entre as raças exogâmicas o primeiro sistema de parentesco foi o que tomava conhecimento dos laços de sangue apenas pelo lado materno John Ferguson McLennan Primitive Marriage Casamento primitivo em Studies in Ancient History Estudos de história antiga 1886 p 124 O mérito de McLennan é ter apontado a disseminação geral e a grande importância do que ele chama de exogamia Mas de modo nenhum ele descobriu e muito menos entendeu a existência dos grupos exogâmicos Desconsiderando notas mais antigas e isoladas oriundas de vários observadores justamente as fontes usadas por McLennan foi Latham Descriptive Ethnology Etnologia descritiva 1859 que descreveu de modo preciso e correto essa instituição entre os magares da Índia dizendo que estaria disseminada e ocorreria em todas as partes do mundo em uma passagem que o próprio McLennan cita E também o nosso Morgan havia demonstrado e descrito corretamente já em 1847 em suas cartas sobre os iroqueses na American Review e em 1851 em The League of the Iroquois A liga dos iroqueses a existência da referida instituição nessa tribo ao passo que como veremos a mentalidade de advogado de McLennan provocou uma confusão muito maior do que a fantasia mística de Bachofen na esfera do direito materno Outro mérito de McLennan é ter identificado a ordem matrilinear de descendência como a original embora mais tarde reconheça que Bachofen o havia precedido nesse ponto Mas também quanto a isso ele não tem clareza fala o tempo todo de parentesco apenas pela linha feminina kinship through females only e aplica essa expressão correta para estágios mais antigos continuamente também a etapas posteriores de desenvolvimento em que a ascendência e a herança ainda são de fato consideradas exclusivamente pela linha feminina mas o parentesco também é reconhecido e declarado pelo lado masculino Tratase da mentalidade estreita do jurista que fixa para si mesmo um termo jurídico e continua a aplicálo sem modificações a condições às quais ele não mais se aplica Mas pelo visto apesar de toda a sua plausibilidade a teoria de McLennan não pareceu bem fundamentada nem mesmo aos olhos de seu autor Ao menos ele próprio se dá conta do fato notável de que a forma do aparente rapto de mulheres assume contornos mais nítidos e expressivos justamente entre os povos em que predomina o parentesco masculino ou seja a ascendência pela linha masculina p 140 E igualmente Fato inusitado é que pelo que sabemos o infanticídio não é praticado sistematicamente em nenhum lugar onde a exogamia e a forma mais antiga de parentesco vigoram lado a lado p 146 São dois fatos que afrontam diretamente sua explicação e aos quais ele só consegue contrapor hipóteses novas e ainda mais confusas Apesar disso sua teoria foi muito aplaudida e teve grande repercussão na Inglaterra ali McLennan foi tido de modo geral como fundador da história da família e como autoridade principal nesse campo Por mais que se constatassem exceções e modificações isoladas o antagonismo entre tribos exogâmicas e endogâmicas por ele formulado permaneceu a base aceita da visão dominante e se converteu nos antolhos que impossibilitaram todo e qualquer olhar amplo e livre sobre o campo de investigação e em consequência todo e qualquer progresso decisivo Ao valor exagerado atribuído a McLennan atitude que se tornou costumeira na Inglaterra e também em outros lugares que seguiram o exemplo inglês devese contrapor o fato de que o estrago causado por ele com sua contraposição inteiramente enganosa de tribos exogâmicas e endogâmicas foi maior do que o proveito trazido por suas pesquisas Entretanto logo vieram à tona mais e mais fatos que não se enquadravam em sua elegante moldura McLennan tinha conhecimento de apenas três formas de casamento poligamia poliandria e monogamia Porém depois que a atenção foi direcionada para esse ponto foram encontradas provas cada vez mais numerosas de que entre povos não desenvolvidos existiram formas de casamento em que uma série de homens tinha uma série de mulheres em comum e Lubbock The Origin of Civilisation A origem da civilização 1870 reconheceu esse casamento grupal communal marriage como fato histórico Logo em seguida no ano de 1871 Morgan veio a público com material novo e decisivo em muitos aspectos Ele se convencera de que o peculiar sistema de parentesco vigente entre os iroqueses era comum a todos os aborígines dos Estados Unidos e portanto estava disseminado por todo um continente embora se encontre em contradição direta com os graus de parentesco que de fato resultam do sistema de casamento ali vigente Então persuadiu o governo norteamericano a colher informações sobre os sistemas de parentesco dos demais povos com base em um questionário e em tabelas compostos por ele próprio das respostas obtidas descobriu 1 que o sistema de parentesco dos indígenas americanos também vigorava entre numerosos povos da Ásia e sob uma forma um tanto modificada da África e da Austrália 2 que era possível explicálo integralmente a partir de uma forma de casamento grupal em via de extinção no Havaí e em outras ilhas australianas e 3 que porém ao lado dessa forma de casamento vigorava nessas mesmas ilhas um sistema de parentesco que só poderia ser explicado a partir de uma forma de casamento grupal ainda mais primitiva e já extinta Ele publicou as informações coletadas e as conclusões que tirou delas em seu livro Systems of Consanguinity and Affinity Sistemas de consanguinidade e afinidade de 1871 e ao fazer isso levou o debate para um campo infinitamente mais abrangente Ao partir dos sistemas de parentesco e com base neles reconstruir as formas da família que lhes correspondiam ele inaugurou um novo caminho para a pesquisa e um olhar retrospectivo de maior alcance para a PréHistória da humanidade Se esse método entrasse em vigor a graciosa formulação de McLennan se teria desfeito no ar McLennan defendeu sua teoria na nova edição de Primitive Marriage Casamento primitivo Studies in Ancient History Estudos de história antiga 1875 Ele próprio compõe uma história da família de modo extremamente artificial não dispondo de nada além de hipóteses mas ao mesmo tempo exige de Lubbock e Morgan provas não só de cada uma de suas afirmações como também da concludência irrefutável as únicas que são admitidas em um tribunal escocês Quem faz isso é o mesmo homem que da estreita relação do irmão da mãe com o filho da irmã entre os germanos Tácito Germânia cap 20 do relato de César de que cada bretão tem dez ou doze de suas mulheres em comum e de todos os relatos dos escritores antigos sobre a comunhão de mulheres entre os bárbaros tira sem pestanejar a conclusão de que em todos esses povos imperava a poliandria Temse a impressão de ouvir um promotor que toma todas as liberdades ao preparar seu caso mas que exige do advogado a prova juridicamente válida que sustente cada uma de suas palavras com toda a formalidade O casamento grupal é pura fantasia afirma ele e retrocede a um período bem anterior ao de Bachofen Os sistemas de parentesco apresentados por Morgan seriam meras regras de cortesia social comprovadas pelo fato de que os índios também costumam chamar um estranho um branco de irmão ou de pai É o mesmo que afirmar que as designações pai mãe irmão e irmã seriam simples formas de se dirigir a alguém porque sacerdotes e abadessas católicos também são chamados de pai e mãe os monges e as monjas e até mesmo os maçons e os membros de corporações profissionais na Inglaterra se chamam de irmão e irmã em sessões solenes Em resumo a defesa de McLennan foi extremamente fraca Mas restou um ponto em que ele ainda não tinha sido pego A contraposição de tribos exogâmicas e endogâmicas na qual se baseava todo o seu sistema não só não tinha sido abalada como continuava a ser reconhecida de modo geral como o eixo que sustentava toda a história da família Admitiase que a tentativa de McLennan de explicar essa contraposição era insuficiente e contradizia os fatos enumerados por ele próprio Mas a contraposição em si a existência de dois tipos autônomos e independentes de tribos que se excluíam mutuamente dos quais um tomava suas mulheres dentro da tribo enquanto ao outro isso era absolutamente proibido essa contraposição era tida como um evangelho inquestionável Confirase por exemplo Origines de la famille Origens da família 1874 de Alexis GiraudTeulon ou até mesmo Origin of Civilisation Origem da civilização 4 ed 1882 de John Lubbock É desse ponto que parte a obra principal de Morgan intitulada Ancient Society Sociedade antiga 1877 que está na base deste trabalho O que Morgan apenas intuiu obscuramente em 1871 é desenvolvido de modo plenamente consciente nessa obra Endogamia e exogamia não estão em contraposição a existência de tribos exogâmicas ainda não foi comprovada Mas na época em que vigorava o casamento grupal e é muito provável que alguma vez ele tenha vigorado em toda parte a tribo se subdividia em certa quantidade de grupos consanguíneos pelo lado materno as gentes c no interior dos quais o casamento entre membros era estritamente proibido de modo que os homens de uma gens podiam buscar mulheres dentro da tribo e via de regra faziam isso mas tinham de buscá las fora de sua gens Assim sendo a gens rigorosamente exogâmica a tribo que abrangia o conjunto das gentes era endogâmica na mesma proporção Com isso foi definitivamente descartado o que sobrara do floreio verbal de McLennan Morgan porém não se contentou com isso A gens dos índios norte americanos ajudouo ademais a alcançar o segundo progresso decisivo no campo por ele investigado Nessa gens organizada com base no direito materno ele descobriu a forma originária da qual evoluíra a posterior gens organizada com base no direito paterno ou seja a gens que encontramos nos antigos povos civilizados A gens grega e romana que constituiu um enigma para todos os historiadores do passado foi explicada a partir da gens indiana e desse modo foi encontrada uma nova base para toda a história primitiva A redescoberta da gens matrilinear original como préestágio da gens patrilinear dos povos civilizados tem para a história primitiva a mesma importância que a teoria da evolução de Darwin para a biologia e a teoria do maisvalor de Marx para a economia política Ela capacitou Morgan a esboçar pela primeira vez uma história da família em que se constatam provisoriamente e em grandes traços os estágios clássicos do desenvolvimento na medida do que permite o material conhecido até agora É evidente para todos que com isso tem início uma nova era do tratamento da história primitiva A gens matrilinear se tornou o eixo em torno do qual gira toda essa ciência desde a sua descoberta sabese bem que rumo tomar o que investigar e como agrupar o que foi investigado E de modo correspondente os avanços que acontecem nesse campo são bem mais rápidos do que antes do livro de Morgan Agora as descobertas de Morgan gozam de reconhecimento geral ou melhor até os estudiosos da PréHistória ingleses se apropriaram delas Mas quase nenhum deles admite abertamente que é a Morgan que devemos essa revolução nas concepções Na Inglaterra silenciaram sobre seu livro tanto quanto possível e ele próprio foi despachado com um elogio condescendente por causa de suas realizações anteriores remexem ciosamente nos detalhes de sua exposição mas calamse obstinadamente a respeito de suas descobertas realmente grandes A edição original de Ancient Society está esgotada na América do Norte não existe mercado vantajoso para algo desse tipo na Inglaterra ao que parece o livro foi sistematicamente reprimido e a única edição que marcou época e ainda se encontra em circulação no mercado de livros é a tradução alemã De onde procede essa cautela em que é difícil não ver uma conspiração para abafar o fato especialmente quando se levam em conta as numerosas citações feitas apenas por cortesia e outras demonstrações de camaradagem que pululam nos escritos de nossos renomados estudiosos da PréHistória Seria pelo fato de Morgan ser americano e de ser muito duro para os estudiosos da PréHistória ingleses apesar de sua diligência na coleta de material ser digna do maior reconhecimento ter de depender de dois estrangeiros geniais a saber Bachofen e Morgan no que se refere aos pontos de vista gerais válidos para a classificação e o agrupamento desse material em suma no que se refere às suas ideias O alemão ainda seria aceitável mas o americano Na presença do americano todo inglês se torna um patriota Presenciei alguns exemplos bastante divertidos disso nos Estados Unidos Mas a isso se somam também os fatos de que McLennan era o fundador e por assim dizer o líder oficialmente nomeado da escola préhistórica inglesa de que de certo modo fazia parte do bomtom pré histórico limitarse a falar com a mais profunda reverência de sua construção histórica artificiosa que vai do infanticídio até a família matrilinear passando pela poliandria e pelo casamento mediante rapto de que a mais leve manifestação de dúvida a respeito da existência de tribos exogâmicas e endogâmicas absolutamente excludentes era tida como heresia blasfema e de que Morgan portanto ao dissolver no ar todos esses dogmas santificados cometera uma espécie de sacrilégio E ainda por cima ele os dissolveu de uma maneira que precisava apenas ser verbalizada para convencer de imediato de modo que os veneradores de McLennan que até aquele momento cambaleavam perplexos entre exogamia e endogamia praticamente tinham de levar as mãos à cabeça e exclamar Como pudemos ser tão idiotas que não atinamos com isso nós mesmos E como se esses crimes não tivessem sido suficientes para proibir a escola oficial de qualquer tratamento que não fosse o de colocálo friamente de lado Morgan ainda passou dos limites não só ao criticar a civilização a sociedade produtora de mercadorias a forma básica da sociedade atual em termos que lembram Fourier mas também ao falar de uma futura reorganização dessa sociedade com palavras que poderiam ter sido ditas por Karl Marx Portanto foi merecida a acusação indignada de McLennan de que ele nutre total antipatia pelo método histórico acusação corroborada pelo senhor professor GiraudTeulon em Genebra ainda em 1884 Mas é fato que em 1874 Origines de la famille esse mesmo senhor Giraud Teulon ainda vagava perdido no labirinto da exogamia de McLennan do qual Morgan teve de libertálo Não preciso tratar aqui dos demais avanços que a história primitiva deve a Morgan no curso do meu trabalho encontrase o necessário sobre eles Os quarenta anos decorridos desde a publicação de sua obra principal enriqueceram muito o material que temos sobre a história das sociedades humanas originárias aos antropólogos viajantes e estudiosos profissionais da PréHistória somaramse os juristas do direito comparado que contribuíram em parte com material novo em parte com novos pontos de vista Isso abalou ou até fez caducar algumas hipóteses isoladas de Morgan Mas em momento algum o material novo coletado levou à substituição de seus principais pontos de vista A ordem que ele introduziu na história primitiva vale até hoje em traços gerais Podemos dizer até mesmo que ela goza de um reconhecimento cada vez mais generalizado na mesma proporção em que se dissimula a autoria desse grande avanço 2 Londres 16 de junho de 1891 Friedrich Engels a Método de impressão que consiste na gravação da composição tipográfica em uma única chapa de metal N E B b Na revista Neue Zeit a última parte da frase tem o seguinte teor sobretudo porque a nova edição deverá ter a grande tiragem que é habitual na literatura socialista alemã um tamanho que continua a ser raro em outras áreas do mercado livreiro alemão N E A c Quando em itálico tratase do nominativo plural da palavra latina gens N T 2 Na viagem de retorno de Nova York em setembro de 1888 encontrei um excongressista representante do distrito de Rochester que conhecera Lewis Morgan Infelizmente ele não tinha muita coisa a contar Morgan teria vivido privadamente em Rochester ocupandose tão somente de seus estudos Seu irmão tinha sido coronel e ocupava um cargo no Ministério da Guerra em Washington graças à intermediação desse irmão ele conseguiu fazer com que o governo se interessasse por suas pesquisas e publicar várias de suas obras à custa do erário o próprio narrador se teria empenhado várias vezes por ele durante o exercício de seu mandato no Congresso I ESTÁGIOS CULTURAIS PRÉHISTÓRICOS Morgan é o primeiro a tentar estabelecer com conhecimento de causa uma certa ordem na PréHistória da humanidade enquanto uma ampliação do material disponível não obrigar a modificações a estruturação estabelecida por ele permanecerá em vigor Das três épocas principais a saber estado selvagem barbárie e civilização ele obviamente se ocupa só das duas primeiras e da transição para a terceira E subdivide cada uma das duas em três estágios o inferior o intermediário e o superior de acordo com os progressos ocorridos em cada um na produção dos meios de subsistência pois diz ele A habilidade nessa produção é decisiva para o grau de superioridade humana e domínio sobre a natureza de todos os seres vivos apenas o ser humano chegou a um domínio quase incondicional da geração de alimentos Todas as grandes épocas do progresso humano coincidem de modo mais ou menos direto com as épocas de ampliação das fontes de sustento a O desenvolvimento da família acompanha esse processo mas não oferece características tão contundentes para uma subdivisão dos períodos 1 O estado selvagem 1 Estágio inferior A infância do gênero humano vivida ao menos em parte nas árvores única explicação para o fato de ter sobrevivido aos grandes predadores e durante a qual ele ainda se manteve em seu habitat original as florestas tropicais ou subtropicais Frutas nozes e raízes lhe serviam de alimento a criação de uma linguagem articulada é o principal resultado desse tempo De todos os povos conhecidos nesse período histórico nenhum se encontrava nesse estado primitivo Mesmo que ele tenha durado milênios não podemos demonstrar sua existência por meio de testemunhos diretos porém uma vez admitido que o ser humano descende do reino animal a suposição dessa transição é incontornável 2 Estágio intermediário Começa com o aproveitamento de peixes nos quais incluímos também caranguejos conchas e outros animais aquáticos como alimento e com o uso do fogo As duas coisas andam juntas dado que o alimento à base de peixe só é plenamente aproveitável mediante o uso do fogo Porém com essa nova alimentação os seres humanos se tornaram independentes do clima e da localidade acompanhando os rios e as costas marítimas puderam se espalhar pela maior parte da terra mesmo em estado selvagem As ferramentas de pedra bruta não polida da fase inicial da Idade da Pedra as chamadas ferramentas paleolíticas que pertencem em sua totalidade ou em sua maior parte a esse período constituem evidências dessas migrações em razão de sua difusão em todos os continentes A ocupação de novas áreas e o ímpeto descobridor associado ao domínio do fogo por fricção fizeram aparecer novos gêneros alimentícios como raízes e tubérculos ricos em amido assados sobre cinzas quentes ou em covas fornos de terra e a caça que com a invenção das primeiras armas a clava e a lança ocasionalmente suplementou o cardápio Nunca existiram povos exclusivamente caçadores do tipo que figura nos livros isto é que viviam unicamente da caça a incerteza quanto ao resultado da caça não permitia isso Nesse estágio a insegurança permanente a respeito das fontes de alimento parece ter suscitado o canibalismo que se manteria por muito tempo Os australianos e muitos polinésios ainda hoje se encontram nesse estágio intermediário do estado selvagem 3 Estágio superior Tem início com a invenção do arco e flecha quando a caça se tornou um alimento regular e a atividade de caça um dos ramos normais de trabalho Arco corda e flecha compõem um instrumento bastante complexo cuja invenção pressupõe um longo tempo de experiência acumulada faculdades mentais aguçadas e portanto o conhecimento simultâneo de um conjunto de outras invenções Se compararmos os povos que conhecem o arco e flecha mas ainda não dominam a olaria a partir da qual Morgan data a transição para a barbárie de fato já encontramos os primórdios do assentamento em aldeias certo domínio da produção dos meios de subsistência de recipientes e utensílios de madeira tecidos feitos à mão sem tear com fibras de entrecasca cestos trançados com entrecasca e vime ferramentas de pedra polida neolíticas De modo geral o fogo e o machado de pedra já possibilitavam os barcos feitos de tronco e em algumas partes vigas e tábuas para a construção de casas Encontramos todos esses progressos por exemplo entre os índios do noroeste da América do Norte que dispõem de arco e flecha mas não conhecem a olaria Para o estado selvagem o arco e flecha representou o mesmo que a espada de metal representou para a barbárie e a arma de fogo para a civilização a arma decisiva 2 A barbárie 1 Estágio inferior Datado da invenção da olaria Comprovadamente em muitos casos e provavelmente em toda parte a olaria surgiu do hábito de cobrir recipientes de vime ou madeira com barro para tornálos resistentes ao fogo nesse processo logo se descobriu que o barro modelado fazia o mesmo serviço sem o recipiente por dentro Até então pudemos considerar o curso do desenvolvimento de modo geral válido para um determinado período de todos os povos sem levar em conta sua localização Com o início da barbárie porém atingimos um estágio em que os diferentes recursos naturais dos dois grandes continentes da Terra exerceram sua influência O fator característico do período da barbárie é a domesticação de animais e o cultivo de plantas Ora o continente oriental o chamado Velho Mundo possuía quase todos os animais úteis à domesticação e todas as espécies de cereais passíveis de cultivo com exceção de uma o continente ocidental a América possuía um único mamífero domesticável a lhama e esta apenas em uma região do Sul e de todos os cereais cultiváveis apenas um que no entanto era o melhor de todos o milho Essas condições naturais distintas tiveram como efeito que dali por diante a população de cada hemisfério andasse em seu próprio ritmo e os marcos nas fronteiras de cada um dos estágios passassem a ser diferentes para cada caso 2 Estágio intermediário Iniciase no Oriente com a domesticação de animais no Ocidente com o cultivo de plantas alimentícias mediante a rega e o uso de adobes tijolos secos ao sol e pedras nas construções Começamos com o Ocidente dado que nessa região tal estágio não chegou a ser superado em lugar nenhum até a conquista europeia Entre os índios do estágio inferior da barbárie no qual se incluem todos os que se encontravam a leste do rio Mississippi já havia na época em que foram descobertos alguma cultura de milho e talvez também de abóbora melão e outras plantas de horta que supria uma parcela essencial de sua alimentação eles moravam em casas de madeira em aldeias cercadas de paliçadas As tribos do Noroeste especialmente na região do rio Colúmbia ainda se encontravam no estágio superior do estado selvagem e não conheciam a olaria nem qualquer cultivo de plantas Em contraposição na época da conquista os índios dos chamados pueblos do Novo México os mexicanos os da América Central e os peruanos encontravamse no estágio intermediário da barbárie moravam em casas em forma de fortaleza construídas com adobe ou pedra conforme a localização e o clima cultivavam em hortas irrigadas artificialmente milho e outras plantas alimentícias que representavam sua principal fonte de alimentos e até já tinham domesticado alguns animais o peru e outras aves entre os mexicanos a lhama entre os peruanos Além disso dominavam o processamento de metais com exceção do ferro razão pela qual não puderam dispensar o uso das armas e ferramentas de pedra A conquista espanhola interrompeu todo e qualquer desenvolvimento autônomo No Oriente o estágio intermediário da barbárie começou com a domesticação de animais fornecedores de leite e carne enquanto o cultivo de plantas parece ter permanecido desconhecido até uma fase avançada desse período A domesticação e criação de gado e a formação de rebanhos maiores parecem ter servido de ensejo para a separação dos arianos e semitas dentre a massa dos bárbaros Os arianos europeus e asiáticos ainda têm em comum os nomes dos animais mas quase nenhum nome das plantas cultivadas A formação de rebanhos levou à vida pastoril nos lugares apropriados entre os semitas nas planícies dos rios Tigre e Eufrates entre os arianos nas campinas da Índia dos rios Oxo Amu Dária e Jaxartes Sir Dária Don e Dniepre A domesticação do gado deve ter ocorrido pela primeira vez nas fronteiras dessas terras de pastagens Assim para as gerações posteriores os povos pastoris pareceram provir de regiões que muito longe de serem o berço do gênero humano eram quase inabitáveis para seus antepassados selvagens e mesmo para a gente do estágio inferior da barbárie Ao contrário assim que esses bárbaros do estágio intermediário se habituaram à vida pastoril jamais lhes teria ocorrido sair voluntariamente das planícies produtoras de pastagens dos rios e retornar para as áreas de florestas em que seus antepassados se sentiam em casa Até mesmo quando foram forçados a rumar para o Norte e o Ocidente foi impossível para os semitas e arianos mudarse para as áreas cobertas de florestas da Ásia ocidental e da Europa antes de terem condições de mediante o cultivo de cereais alimentar seu gado e especialmente passar o inverno nesse solo menos favorável É mais que provável que o cultivo de cereais nessa região tenha se originado da carência de pasto para o gado e só mais tarde tenha se tornado importante para a alimentação humana À alimentação rica em carne e leite dos arianos e semitas e especificamente ao seu efeito favorável sobre o desenvolvimento das crianças talvez deva ser atribuída a evolução superior dessas duas raças Os índios que moravam nos pueblos do Novo México reduzidos a uma dieta quase exclusivamente vegetariana de fato têm um cérebro menor do que o dos índios do estágio inferior da barbárie que se alimentam mais de carne e peixes Em todo caso é nesse estágio que desaparece gradativamente o canibalismo que se mantém apenas como ato religioso ou o que nesse caso é praticamente idêntico como poção mágica 3 Estágio superior Começa com a fusão do minério de ferro e faz a transição para a civilização por meio da invenção da escrita alfabética e de seu uso para produzir registros literários Esse estágio que como foi dito foi levado a termo de modo autônomo somente no hemisfério oriental é mais rico em avanços da produção do que todos os outros juntos Pertencem a ele os gregos da era heroica as tribos itálicas pouco antes da fundação de Roma os germanos de Tácito os normandos da época dos vikings b Deparamonos aqui em primeiro lugar com o arado de ferro puxado por animais o qual possibilita a agricultura em grandes áreas o cultivo do campo e desse modo uma multiplicação dos meios de subsistência praticamente ilimitada para as condições daquele tempo e assim também com a derrubada do mato e sua transformação em roça e pastagem que por sua vez seria impossível em grande escala sem o machado e a pá de ferro Porém isso levou à rápida multiplicação da população e à densidade populacional numa área pequena Antes do cultivo dos campos só na ocorrência de condições muito excepcionais teria sido possível reunir meio milhão de pessoas sob uma única direção central provavelmente isso nunca acontecera O florescimento máximo alcançado no estágio superior da barbárie comparece diante de nós nos poemas homéricos principalmente na Ilíada Ferramentas de ferro avançadas o fole de ferreiro o moinho manual a roda de oleiro a preparação de azeite e vinho o processamento avançado do metal passando à condição de obra de arte a carroça e o carro de guerra a construção naval com vigas e pranchões os primórdios da arquitetura como arte cidades rodeadas de muralhas com torres e ameias a epopeia homérica e toda a mitologia esses são os principais legados que os gregos trouxeram da barbárie para a civilização Se compararmos essa descrição com a de César ou até de Tácito a respeito dos germanos que se encontravam no início do estágio cultural do qual os gregos homéricos estavam prestes a sair para um estágio mais elevado vemos a riqueza do desenvolvimento da produção contido no estágio superior da barbárie O quadro que esbocei aqui com base em Morgan do desenvolvimento da humanidade até os primórdios da civilização passando pelo estado selvagem e pela barbárie já é suficientemente rico em traços novos e o que é mais importante irrefutáveis porque foram extraídos diretamente da produção Ainda assim parecerá fraco e mirrado em comparação com o quadro que se descortinará ao final de nossa peregrinação somente então será possível trazer adequadamente à luz a transição da barbárie para a civilização e a contraposição concludente de ambas Provisoriamente podemos generalizar a subdivisão de Morgan da seguinte maneira estado selvagem época em que preponderou a apropriação de produtos naturais prontos os produtos artificiais do ser humano são em sua maior parte ferramentas auxiliares dessa apropriação Barbárie época em que se consolidaram a pecuária e a agricultura o aprendizado de métodos de produção intensificada de produtos naturais mediante a atividade humana Civilização época de aprendizado do processamento ulterior de produtos naturais da indústria propriamente dita e da arte a Lewis H Morgan Ancient Society cit p 19 N E A b Na edição de 1884 consta e os germanos de César ou como preferiríamos dizer de Tácito em vez de os germanos de Tácito os normandos da época dos vikings N E A II A FAMÍLIA Morgan que passou grande parte de sua vida entre os iroqueses que ainda hoje habitam o Estado de Nova York e foi adotado por uma de suas tribos a dos senecas encontrou entre eles um sistema de parentesco que estava em contradição com suas relações familiares reais Vigorava entre eles um tipo de casamento monogâmico que podia ser facilmente dissolvido por ambas as partes designado por Morgan como família de um par a A descendência desse casal era manifesta e reconhecida por todo o mundo não havia dúvida nenhuma quanto a quem se devia chamar de pai mãe filho filha irmão irmã Mas o uso efetivo dessas expressões contradizia isso O iroquês chama de filhos e filhas não só os seus mas também os de seus irmãos e eles o chamam de pai Em contraposição ele chama os filhos e filhas de sua irmã de sobrinhos e sobrinhas e estes o chamam de tio Inversamente a mulher iroquesa chama de filhos e filhas além dos seus próprios também os de suas irmãs e estes a chamam de mãe Os filhos e filhas de seus irmãos em contraposição ela chama de sobrinhos e sobrinhas e ela é chamada de tia deles Do mesmo modo os filhos e filhas dos irmãos chamamse entre si irmãos e irmãs o mesmo ocorrendo com os filhos e filhas das irmãs Em contraposição os filhos e filhas de uma mulher e os de seu irmão chamamse entre si primos e primas E não se trata de meras designações vazias mas de expressões de noções realmente válidas de proximidade e distância igualdade e desigualdade de consanguinidade e essas visões servem de base para um sistema de parentesco elaborado do início ao fim que é capaz de expressar várias centenas de relações diferentes de parentesco de um mesmo indivíduo Mas não só Esse sistema não apenas se encontra em pleno vigor entre todos os índios norte americanos até agora nenhuma exceção foi encontrada mas vigora quase sem modificações entre os aborígines da Índia entre as tribos dravídicas do Decão e as tribos dos gauras do Industão As expressões de parentesco dos tâmeis do sul da Índia e dos iroqueses da tribo dos senecas do Estado de Nova York ainda hoje são coincidentes para mais de duzentas diferentes relações de parentesco E também em todas essas tribos indianas como entre todos os índios americanos as relações de parentesco decorrentes da forma familiar vigente se encontram em contradição com o sistema de parentesco Ora como se explica isso Tendo em vista o papel decisivo do parentesco para a ordem social de todos os povos selvagens e bárbaros não se pode descartar a importância desse sistema tão difundido com o auxílio de ditos espirituosos Um sistema em vigor em toda a América do Norte que subsiste igualmente na Ásia entre povos de raça bem diferente e que se encontra em grandes quantidades sob formas modificadas em maior ou menor grau em toda a África e Austrália um sistema como esse precisa ser explicado historicamente e não eliminado discursivamente como por exemplo McLennan tentou b As designações pai criança irmão irmã não são simples títulos honoríficos mas acarretam obrigações recíprocas bem determinadas muito sérias que em seu conjunto perfazem uma parte essencial da constituição da sociedade daqueles povos E a explicação foi encontrada Nas ilhas Sandwich no Havaí ainda persistia na primeira metade deste século uma forma de família que fornecia exatamente o mesmo tipo de pais e mães irmãos e irmãs filhos e filhas tios e tias sobrinhos e sobrinhas exigido pelo sistema de parentesco americano e indiano antigo Mas coisa curiosa o sistema de parentesco em vigor no Havaí uma vez mais não se coadunava com a forma da família de fato vigente ali É que ali todas as crianças geradas por irmãos e irmãs são sem exceção irmãos e irmãs e esses nomes valem para as crianças em comum não só de sua mãe e suas irmãs ou de seu pai e seus irmãos mas para todos os irmãos e irmãs de seu pai e de sua mãe sem distinção Portanto se o sistema de parentesco norteamericano pressupõe uma forma de família mais primitiva que já não existe na América e que realmente ainda podemos encontrar no Havaí o sistema de parentesco havaiano nos remete a uma forma de família ainda mais primitiva cuja existência atual de fato não conseguimos mais demonstrar mas que deve ter existido senão o sistema de parentesco correspondente a ela não teria podido surgir Morgan diz o seguinte A família é o elemento ativo ela nunca é estacionária mas avança de uma forma inferior para uma forma superior à proporção que a sociedade evolui de um estágio mais baixo para um estágio mais elevado Em contraposição os sistemas de parentesco são passivos somente depois de longos períodos eles registram os progressos que a família fez no decorrer do tempo e só experimentam mudanças radicais depois que a família mudou radicalmente c E Marx acrescenta o mesmo acontece com os sistemas políticos jurídicos religiosos e filosóficos em geral Enquanto a família continua vivendo o sistema de parentesco se ossifica e enquanto este continua existindo por costume a família cresce para além dele Porém com a mesma segurança com que Cuvier foi capaz de deduzir dos ossos de um esqueleto de animal encontrado perto de Paris que eles haviam pertencido a um marsupial e que ali outrora viveram marsupiais agora extintos com a mesma segurança podemos deduzir do sistema de parentesco historicamente transmitido a nós que existiu uma forma de família que lhe corresponde agora extinta Os sistemas de parentesco e as formas de família recémmencionados diferenciamse dos sistemas ora vigentes pelo fato de cada criança ter vários pais e várias mães No sistema de parentesco americano ao qual corresponde a família havaiana irmão e irmã não podem ser pai e mãe da mesma criança mas o sistema de parentesco havaiano pressupõe uma família em que isso em contraposição é a regra Somos transpostos aqui para uma série de formas de família que contradizem diretamente a forma que até agora se costumava admitir como a única válida A concepção tradicional tem conhecimento apenas do casamento monogâmico e ao lado deste da poligamia de um só homem e ainda no máximo da poliandria de uma só mulher mas silencia como condiz ao filisteu moralizante a respeito de a práxis ignorar tácita mas desinibidamente essa barreira interposta pela sociedade oficial O estudo da PréHistória em contraposição confronta nos com situações em que homens vivem em poligamia e suas mulheres vivem simultaneamente em poliandria e em consequência as crianças comuns são tidas como comuns a todos essas situações por sua vez passaram por toda uma série de mudanças até sua dissolução final no casamento monogâmico Essas mudanças estreitaram cada vez mais o círculo que envolve o laço matrimonial comum e que originalmente era muito vasto até que por fim restou somente o par individual hoje predominante Assim ao reconstruir de modo retrospectivo a história da família Morgan chega em consonância com a maioria de seus colegas a um estado originário no qual reinava a relação sexual irrestrita no âmbito de uma tribo de tal modo que cada mulher pertencia igualmente a cada homem e cada homem igualmente a cada mulher d De um estado originário desse tipo já se vem falando desde o século passado mas só com expressões generalizadas o primeiro a leválo a sério foi Bachofen sendo esse um de seus grandes méritos ele procurou por vestígios desse estado nas tradições históricas e religiosas e Sabemos hoje que os vestígios encontrados por ele não levam de nenhum modo a um estágio social de relação sexual indiscriminada mas sim a uma forma bem posterior a saber a do casamento grupal Se aquele estágio primitivo da sociedade existiu mesmo pertence a uma época tão remota que dificilmente podemos esperar que sejam encontradas entre fósseis sociais entre selvagens parados no tempo provas diretas de sua existência remota O mérito de Bachofen consiste justamente em ter trazido essa questão para o primeiro plano da investigação 3 Recentemente virou moda negar esse estágio inicial da vida sexual humana Pretendese poupar a humanidade dessa vergonha Recorrese além da falta de toda e qualquer prova direta especialmente ao exemplo do restante do mundo animal a partir deste Charles Letourneau LÉvolution du mariage et de la famille 1888 compilou numerosos fatos segundo os quais também ali uma relação sexual totalmente indiscriminada pertenceria a um estágio mais baixo A partir de todos esses fatos só consigo tirar a conclusão de que eles não provam absolutamente nada para o ser humano e suas condições de vida primitivas O acasalamento por tempo mais longo entre os vertebrados se explica suficientemente por razões fisiológicas como no caso dos pássaros pelo desamparo em que se encontra a fêmea durante o período de choco os exemplos de monogamia fiel que ocorrem entre aves nada provam em relação aos seres humanos dado que estes não descendem das aves E se a monogamia estrita for o auge de toda virtude quem leva a palma é a tênia que em cada uma das 50200 proglótides ou segmentos de seu corpo possui um aparelho sexual feminino e um masculino completos e passa a vida copulando consigo mesma em todos esses segmentos Limitandonos porém aos mamíferos encontramos entre eles todas as formas possíveis de vida sexual desregramento reminiscências do casamento grupal poligamia monogamia só falta a poliandria que apenas os seres humanos conseguiram produzir Até nossos parentes mais próximos os quadrúpedes nos oferecem todo tipo de diversidade no agrupamento de machos e fêmeas e se traçarmos limites ainda mais estreitos e considerarmos apenas os quatro macacos antropoides a única coisa que Letourneau consegue nos dizer é que eles são ora monogâmicos ora poligâmicos enquanto Henri de Saussure afirma segundo GiraudTeulon que eles seriam monogâmicos f As afirmações novas aduzidas por Edvard Westermarck The History of Human Marriage Londres 1891 sobre a monogamia dos macacos antropoides nem de longe constituem provas Em suma as notícias são de tal natureza que Letourneau para ser honesto admite Aliás entre os mamíferos não existe nenhuma proporção entre o grau de desenvolvimento intelectual e a forma de relação sexual g E Alfred Espinas Des Sociétés animales 1877 chega a dizer A horda é o grupo social supremo que podemos observar entre os animais Ela assim parece é composta de famílias mas já desde o início a família e a horda se encontram em conflito pois se desenvolvem em proporção inversa h Como já mostra o que foi dito acima não temos certeza sobre praticamente nada a respeito dos grupos familiares e outros grupos conviviais dos macacos antropoides as informações se contradizem frontalmente O que não deve causar admiração As informações que temos sobre as tribos humanas no estágio selvagem já são contraditórias carentes de exame crítico e verificação mas as sociedades dos macacos são muito mais difíceis de observar do que as humanas Por enquanto temos de rejeitar toda e qualquer inferência a partir de tais relatos absolutamente inconfiáveis Em contraposição a sentença de Espinas nos oferece um ponto de partida melhor Nos animais superiores horda e família não se complementam reciprocamente mas são antagônicas Espinas descreve muito bem como o ciúme dos machos durante o cio afrouxa ou até dissolve temporariamente qualquer horda sociável Onde a família está estreitamente unida só com raras exceções se formam hordas Em contraposição onde predomina a relação sexual livre ou a poligamia a horda surge quase automaticamente Para que surja uma horda os vínculos familiares precisam ter se afrouxado e o indivíduo recuperado sua liberdade É por isso que é raro encontrar hordas organizadas entre as aves Em contraposição entre os mamíferos encontramos sociedades com certo grau de organização justamente porque nesse caso o indivíduo não se dissolve na família Portanto a gênese do senso de união da horda não pode ter inimigo maior do que o senso de união da família Não deixemos de dizêlo com todas as letras o fato de ter se desenvolvido uma forma social mais elevada do que a família só pode ter ocorrido porque ela acolheu famílias que haviam passado por uma mudança radical o que não exclui que justamente desse modo essas famílias mais tarde tiveram a possibilidade de se constituir de maneira nova em circunstâncias infinitamente mais favoráveis Alfred Espinas Des Sociétés animales Paris 1877 citado em Alexis GiraudTeulon Origines du mariage et de la famille cit p 51820 Aqui se mostra que as sociedades animais de fato possuem um certo valor para a inferência das sociedades humanas mas apenas um valor negativo Pelo que sabemos o vertebrado superior só conhece duas formas de família a poligamia ou o acasalamento individual em ambos se permite só um macho adulto só um esposo O ciúme do macho ao mesmo tempo vínculo e limite da família contrapõe a família animal à horda a horda que é a forma social mais elevada ora é inviabilizada ora é diluída ou dissolvida durante o cio na melhor das hipóteses tolhida em sua evolução pelo ciúme dos machos Só isso já é prova suficiente de que família animal e sociedade primitiva humana são coisas incompatíveis e de que os humanos primitivos que se empenhavam por alçarse acima da animalidade ou não conheciam nenhuma família ou conheciam quando muito uma que não ocorre entre os animais Um animal tão desarmado quanto o ser humano em formação também poderia sobreviver em pequeno número em isolamento cuja forma suprema de convívio é o casal individual como atribuído por Westermarck ao gorila e ao chimpanzé com base em relatos de caçadores Mas para que acontecesse a evolução para além da animalidade para que se efetivasse o maior dos progressos já exibido pela natureza faziase necessário um elemento adicional a substituição da capacidade de defesa de que carecia o indivíduo pela força unida e pela cooperação da horda A transição para a humanidade seria simplesmente inexplicável a partir de relações como as que vivem hoje os macacos antropoides esses macacos dão antes a impressão de ramos colaterais extraviados que caminham para sua gradativa extinção e em todo caso encontramse em declínio Só isso já basta para rejeitar qualquer conclusão tirada do paralelismo entre as formas de família dos macacos e as do humano primitivo Tolerância recíproca dos machos adultos ausência de ciúme foi a primeira condição para a formação desses grupos maiores e mais duradouros sendo esse o único meio em que se poderia efetivar a humanização do animal E de fato qual é a forma mais antiga e mais original da família que encontramos e que podemos provar inegavelmente na história e ainda hoje estudar aqui e ali O casamento grupal a forma em que grupos inteiros de homens e grupos inteiros de mulheres se possuem mutuamente e que deixa pouco espaço para o ciúme Além disso encontramos em estágios posteriores do desenvolvimento a forma excepcional da poliandria que representa uma afronta direta a todos os sentimentos de ciúme e por conseguinte é desconhecida dos animais Porém visto que as formas de casamento grupal que conhecemos são acompanhadas de condições tão curiosamente complexas que elas necessariamente apontam para formas anteriores mais simples de relação sexual e desse modo em última instância para um período de relação indiscriminada correspondente à transição da animalidade para a humanidade essas referências aos casamentos animais nos levam justamente até o ponto do qual elas deveriam nos afastar de uma vez por todas Pois o que significa relação sexual indiscriminada Significa que não vigoravam as regras proibitivas atualmente vigentes ou vigentes em um período anterior ao atual Já vimos cair a barreira do ciúme Se alguma coisa estiver definida então é esta o ciúme é um sentimento que se desenvolveu em uma época relativamente tardia O mesmo vale para a concepção do incesto Não só irmão e irmã foram originalmente marido e mulher mas também a relação sexual entre paimãe e seus filhosfilhas é permitida ainda hoje em muitos povos Hubert Howe Bancroft The Native Races of the Pacific States of North America 1875 v I atesta isso para os índios caviatos do estreito de Behring para os cadiacos do Alasca para os tineses do interior da América do Norte britânica Letourneau compilou relatos do mesmo fato a respeito dos índios ojíbuas dos cucus do Chile dos caraíbas e dos carenes do Sudeste Asiático para não falar das narrativas dos gregos e romanos antigos a respeito dos partos persas citas hunos etc Antes de o incesto ser inventado e ele é uma invenção por sinal extremamente valiosa a relação sexual entre paimãe e seus filhosfilhas não era algo mais temível do que entre outras pessoas que pertenciam a gerações diferentes e isso acontece hoje inclusive nos países mais dados ao filistinismo sem provocar grande espanto até mesmo virgens de mais de sessenta anos se casam às vezes quando são suficientemente ricas com homens jovens de cerca de trinta anos Mas se excluirmos das formas mais originais de família que conhecemos as concepções de incesto vinculadas a elas concepções que são totalmente diferentes das nossas e com frequência as contradizem frontalmente chegaremos a uma forma de relação sexual que só pode ser descrita como indiscriminada Desregrada na medida em que ainda não existiam as restrições impostas mais tarde pelo costume Disso não resulta porém necessariamente uma práxis cotidiana totalmente multicolorida e caótica Acasalamentos individuais temporários não estão absolutamente excluídos do mesmo modo que até no casamento grupal eles agora constituem a maioria dos casos O mais recente negador desse estado originário Westermarck caracteriza como casamento toda condição em que os dois sexos permanecem como casal até o nascimento do rebento em relação a isso é preciso dizer que esse tipo de casamento podia muito bem ocorrer no estado da relação sexual indiscriminada sem contradizer o desregramento isto é a ausência de restrições à relação sexual impostas pelo costume Westermarck todavia parte da opinião de que o desregramento implica a supressão das propensões individuais de modo que a prostituição é sua forma mais autêntica i Pareceme no entanto que será impossível compreender as condições primitivas enquanto se olhar para elas da perspectiva do bordel Quando tratarmos do casamento grupal retomaremos esse ponto De acordo com Morgan esse estado originário da relação indiscriminada deu origem provavelmente bem cedo à 1 Família consanguínea que foi o primeiro estágio da família Neste os grupos que podem casarse são separados por gerações todos os avôs e todas as avós dentro dos limites da família são marido e mulher entre si assim como seus filhos e suas filhas ou seja os pais e as mães assim como os filhos e as filhas destes formarão por seu turno um terceiro círculo de cônjuges comuns e os filhos e as filhas destes que serão os bisnetos e as bisnetas dos primeiros constituirão o quarto círculo Nessa forma de família portanto somente ascendentes e descendentes paimãe e filhosfilhas estão excluídos tanto dos direitos quanto dos deveres como diríamos do casamento entre si Irmãos e irmãs primos e primas de primeiro grau de segundo grau e de graus mais afastados são todos irmãos e irmãs entre si e justamente por isso são todos marido e mulher uns dos outros Nesse estágio a relação entre irmão e irmã implica por si só o exercício da relação sexual recíproca 4 A configuração típica dessa família consistiria na descendência de um casal na qual por sua vez os descendentes de cada grau são irmãos e irmãs e justamente por isso maridos e mulheres entre si A família consanguínea está extinta Nem mesmo os povos mais rudimentares de que fala a história fornecem qualquer exemplo comprovável dela Mas ela deve ter existido o que nos força a pressupor isso é o sistema de parentesco havaiano que vigora até hoje em toda a Polinésia e expressa graus de consanguinidade que só podem ter surgido nessa forma de família o que nos força a pressupor isso ademais é todo o desenvolvimento posterior da família que condiciona aquela forma como préestágio necessário 2 Família punaluana Se o primeiro avanço da organização consistiu em excluir paimãe e filhosfilhas da relação sexual recíproca o segundo consistiu na exclusão de irmã e irmão Por causa da maior igualdade etária dos implicados esse avanço foi infinitamente mais importante mas também muito mais difícil do que o primeiro Ele se consumou aos poucos começando provavelmente j com a exclusão dos irmãos biológicos isto é os do lado materno da relação sexual primeiro em casos isolados e gradativamente tornandose a regra no Havaí houve exceções ainda neste século terminando com a proibição do casamento até entre irmãos colaterais isto é de acordo com a nossa nomenclatura filhos e filhas de irmãos e irmãs netosnetas e bisnetosbisnetas de irmãos e irmãs segundo Morgan esse avanço constitui uma excelente ilustração de como atua o princípio da seleção natural k Não há dúvida de que as tribos em que a endogamia foi coibida por esse avanço necessariamente se desenvolveram de forma mais rápida e plena do que aquelas em que o casamento entre irmãos permaneceu a regra e a lei E o efeito desse progresso se fez sentir de maneira poderosa prova disso é a instituição que foi muito além do que a princípio se pretendia da gens que constitui a base da ordem social da maioria dos povos bárbaros da Terra se não de todos eles e a partir da qual passamos diretamente para a civilização na Grécia e em Roma Toda família primitiva tinha de se dividir no mais tardar após algumas gerações A economia doméstica originalmente comunista que reinou sem exceção até uma fase avançada do período intermediário da barbárie condicionava o tamanho máximo da comunidade familiar que variava de acordo com as condições mas era bem determinado em cada localidade Assim que surgiu a ideia da impropriedade da relação sexual entre filhos e filhas da mesma mãe manifestouse necessária e concretamente nas divisões das antigas comunidades domésticas e na fundação de novas comunidades desse tipo que entretanto não coincidiam necessariamente com o grupo familiar Uma ou várias séries de irmãs se tornaram o núcleo de uma dessas comunidades e seus irmãos uterinos se tornaram o núcleo da outra Desse modo ou de modo similar surgiu da família consanguínea a família que Morgan denominou punaluana Segundo o costume havaiano certa quantidade de irmãs uterinas ou mais afastadas isto é primas de primeiro e segundo graus ou até de graus mais afastados tornavamse esposas em comum de esposos em comum dos quais porém seus irmãos eram excluídos esses homens não se chamavam mais entre si de irmãos o que eles também não precisavam mais ser mas de punalua isto é companheiro íntimo algo como associé associado Da mesma forma uma série de irmãos uterinos ou mais afastados tinha certa quantidade de mulheres que não eram suas irmãs em casamento comum e essas mulheres se chamavam entre si de punalua Essa é a formação clássica de família que mais tarde permitiu uma série de variações e cujo traço característico básico era o seguinte comunhão recíproca de homens e mulheres dentro de um determinado círculo familiar da qual no entanto estavam excluídos os irmãos das mulheres primeiro os uterinos mais tarde também os mais afastados e inversamente estavam excluídas portanto também as irmãs dos esposos Essa forma de família nos indica pois com a maior precisão possível os graus de parentesco expressos pelo sistema americano Os filhosfilhas das irmãs da minha mãe continuam sendo filhosfilhas dela do mesmo modo que os filhosfilhas dos irmãos do meu pai são filhosfilhas dele e todos são meus irmãosirmãs mas os filhosfilhas dos irmãos da minha mãe passam a ser sobrinhossobrinhas dela os filhosfilhas das irmãs do meu pai passam a ser sobrinhossobrinhas dele e todos são meus primosprimas Pois enquanto os esposos das irmãs da minha mãe continuam sendo esposos dela e da mesma forma as mulheres dos irmãos do meu pai ainda são esposas dele de direito embora nem sempre de fato a proscrição social da relação sexual entre irmãos e irmãs dividiu em duas classes os filhos dos irmãos e das irmãs que até então eram tratados indistintamente como irmãos e irmãs uns continuam sendo irmãos e irmãs mais afastados entre si os outros os filhosfilhas do irmão de um lado e os da irmã de outro não podem mais ser irmãos e irmãs entre si pois não podem ter mais pai e mãe em comum nem o pai nem a mãe nem ambos e por essa razão fazse necessário criar aqui pela primeira vez a classe dos sobrinhos e das sobrinhas dos primos e das primas que não teria sentido na ordem familiar anterior O sistema americano de parentesco que aparece como puro contrassenso na forma familiar baseada em qualquer tipo de casamento monogâmico é explicado racionalmente e fundamentado naturalmente até nos mínimos detalhes pela família punaluana A família punaluana ou uma forma muito parecida com ela l deve ter existido pelo menos na mesma proporção da difusão desse sistema de parentesco Essa forma de família que comprovadamente existiu no Havaí provavelmente se teria difundido em toda a Polinésia se os piedosos missionários como em seu tempo os monges espanhóis na América tivessem conseguido vislumbrar em tais relações anticristãs mais do que uma simples abominação 5 César relata a respeito dos bretões que naquela época se encontravam na fase intermediária da barbárie que cada dez ou doze deles tinham esposas em comum sendo as uniões em sua maioria de irmãos com irmãos e de pais com filhos m a melhor explicação para isso é o casamento grupal n As mães bárbaras não têm dez a doze filhos com idade suficiente para manter mulheres em comum mas o sistema de parentesco americano que corresponde ao da família punaluana fornece muitos irmãos porque todos os primos próximos e distantes de um homem são seus irmãos A expressão pais com filhos pode denotar uma compreensão equivocada de César nesse sistema não está excluída em absoluto a possibilidade de pai e filho ou mãe e filha se encontrarem no mesmo grupo conjugal mas sim pai e filha ou mãe e filho Do mesmo modo essa forma de casamento grupal ou outra semelhante o fornece a explicação mais simples para os relatos de Heródoto e outros autores antigos a respeito da comunhão de mulheres entre os povos selvagens e bárbaros Isso também vale para o que John Forbes Watson e John William Kaye The People of India contam dos ticuros em Aúde ao norte do rio Ganges Eles convivem quer dizer sexualmente quase indiscriminadamente em grandes comunidades e quando duas pessoas são tidas como casadas o laço é apenas nominal A instituição da gens parece terse originado na vasta maioria dos casos diretamente da família punaluana É verdade que o sistema de classes australiano também oferece um ponto de partida para ela os australianos têm gentes mas ainda não dispõem da família punaluana o que eles têm é uma forma mais rudimentar do casamento grupal p Em todas as formas de família grupal não se sabe ao certo quem é o pai de uma criança mas sabese bem quem é a mãe Mesmo que esta considere suas todas as crianças da família e tenha obrigações de mãe para com todas elas ela distingue das demais as crianças que ela própria gerou Está claro portanto que enquanto existe casamento grupal é possível comprovar a linhagem apenas pelo lado materno e portanto somente a linha materna é reconhecida Esse de fato é o caso entre todos os selvagens e povos que pertencem ao estágio inferior da barbárie e o grande mérito de Bachofen foi ter sido o primeiro a descobrir isso Ele denomina direito materno Mutterrecht esse reconhecimento exclusivo da linhagem pelo lado da mãe e das relações de herança dele resultantes mantenho essa designação em função da concisão Porém ela é equivocada porque nesse estágio social ainda não se pode falar de direito no sentido jurídico Ora se tomarmos um dos dois grupos típicos da família punaluana a saber o da série de irmãs uterinas e mais afastadas isto é de irmãs que descendem de irmãs uterinas em primeiro e segundo graus ou mesmo em graus mais afastados com seus filhosfilhas e irmãos uterinos ou mais afastados pelo lado materno que segundo nosso pressuposto não são seus maridos temos exatamente o círculo de pessoas que mais tarde aparecem como membros de uma gens na forma originária dessa instituição Em virtude da linhagem todos têm uma mãe ancestral comum da qual as descendentes femininas são irmãs de geração em geração Porém os maridos dessas irmãs não podem mais ser seus irmãos e portanto não podem descender dessa mãe ancestral ou seja não pertencem ao grupo aparentado por consanguinidade a posterior gens mas seus filhosfilhas pertencem a esse grupo visto que a descendência pelo lado materno é a única decisiva porque é a única da qual se tem certeza Uma vez estabelecida a proibição da relação sexual entre irmãos e irmãs inclusive parentes colaterais mais distantes pelo lado materno o grupo acima também se transformou em uma gens isto é também se constituiu em um círculo consistente de parentes consanguíneos pela linha feminina que não podem casarse entre si e que a partir daquele momento vai consolidandose cada vez mais por meio de outras instituições comuns sociais e religiosas e diferenciandose das demais gentes da mesma tribo Detalharemos isso mais adiante Porém quando descobrimos que a gens se desenvolve não apenas necessariamente mas até naturalmente a partir da família punaluana só falta um passo para presumirmos como quase certa a existência pregressa dessa forma de família em todos os povos para os quais é possível comprovar instituições gentílicas isto é para praticamente todos os bárbaros e povos civilizados q Quando Morgan escreveu seu livro nosso conhecimento acerca do casamento grupal ainda era bastante limitado Ainda não se sabia tanto sobre os casamentos grupais dos australianos organizados em classes e paralelamente Morgan já havia publicado em 1871 as informações que lhe vinham chegando sobre a família punaluana do Havaí r Por um lado a família punaluana forneceu a explicação completa para o sistema de parentesco vigente entre os índios americanos que fora o ponto de partida de todas as investigações de Morgan por outro constituiu o ponto de partida perfeito de onde se podia derivar a gens de direito materno por fim representou um estágio de desenvolvimento muito superior ao das classes australianas Em vista disso é compreensível que Morgan a concebesse como um estágio de desenvolvimento que necessariamente precedeu o do casamento do par e lhe atribuísse uma disseminação geral em tempos mais antigos Desde então tomamos conhecimento de uma série de outras formas de casamento grupal e sabemos que Morgan foi longe demais nesse ponto Porém de qualquer modo ele teve a sorte de depararse no caso de sua família punaluana com a forma suprema a forma clássica do casamento grupal a forma a partir da qual se explica mais facilmente a transição para uma forma superior O conhecimento que temos do casamento grupal ganhou um incremento fundamental graças ao missionário inglês Lorimer Fison que por muitos anos estudou essa forma da família em seu solo clássico a Austrália Ele encontrou o estágio de desenvolvimento mais baixo entre os negros australianos do Monte Gambier no sul da Austrália Ali toda a tribo é dividida em duas grandes classes os croquis e os cumites A relação sexual no interior de cada uma dessas classes é severamente malvista em contraposição todo homem de uma das classes é esposo nato de toda mulher da outra classe e esta é sua esposa nata Não os indivíduos mas os grupos inteiros são casados uns com os outros uma classe é casada com a outra classe E notese bem nesse ponto não se faz qualquer ressalva à diferença de idade ou à consanguinidade específica a não ser que isso seja condicionado pela divisão em duas classes exogâmicas Um croqui tem direito de tomar como esposa uma mulher cumite porém visto que sua própria filha por ser filha de uma mulher cumite é igualmente cumite pelo direito materno ela é esposa nata de todo croqui e portanto também de seu pai Pelo menos a organização em classes que temos diante de nós não impede isso Portanto ou essa organização surgiu em uma época em que a despeito do impulso obscuro de limitar a endogamia ainda não se via nada de especialmente hediondo na relação sexual entre paimãe e seus filhosfilhas nesse caso o sistema de classes teria surgido diretamente de um estado de relacionamento sexual indiscriminado Ou então a relação entre paimãe e seus filhosfilhas já era malvista pelo costume quando surgiram as classes nesse caso o estado atual remonta à família consanguínea e constitui o primeiro passo para fora dela O último caso é o mais provável Pelo que sei não se mencionam exemplos de relação conjugal entre paimãe e seus filhosfilhas na Austrália e também a forma posterior da exogamia a gens de direito materno via de regra pressupõe tacitamente a proibição dessa relação como algo que já se encontra dado em sua fundação O sistema de duas classes é bastante difundido além de existir na região do Monte Gambier no sul da Austrália encontrase também mais a leste na região do rio Darling e no nordeste em Queensland Só exclui os casamentos entre irmãos e irmãs entre os filhosfilhas dos irmãos e entre os filhosfilhas das irmãs pela linha materna por pertencerem à mesma classe em contrapartida os filhosfilhas da irmã e do irmão podem casarse Encontramos um avanço no impedimento da endogamia entre os camilarois na região do rio Darling em Nova Gales do Sul onde as duas classes originais foram divididas em quatro e cada uma dessas quatro classes é casada em bloco com outra classe bem determinada As primeiras duas classes são esposas natas umas das outras conforme a mãe pertença à primeira ou à segunda os filhosfilhas passam para a terceira ou quarta os filhosfilhas dessas duas classes casados um com o outro voltam a pertencer à primeira e à segunda classes Desse modo uma geração sempre pertence à primeira e segunda classes a geração seguinte à terceira e quarta a próxima de novo à primeira e segunda classes Assim filhosfilhas de irmãos e irmãs pelo lado materno não podem tornarse esposo e esposa mas netos e netas de irmãos e irmãs podem sêlo Essa ordem peculiarmente complexa torna se ainda mais intrincada quando em todo caso posteriormente são enxertadas nela as gentes de direito materno mas não podemos tratar disso aqui Percebese bem que o impulso para impedir a endogamia reiteradamente se manifesta com força mas de modo bem natural e experimental sem consciência clara do ponto aonde se quer chegar O casamento grupal que na Austrália ainda é casamento entre classes casamento em massa de uma classe inteira de homens muitas vezes disseminada por toda a amplidão do continente com uma classe de mulheres igualmente disseminada esse casamento grupal visto de perto não parece tão horrendo como imagina a fantasia filisteia habituada às atividades dos bordéis Pelo contrário demorou muitos anos até que se percebesse sua existência e até em tempos mais recentes essa existência voltou a ser questionada Ao observador superficial apresentase como um casamento monogâmico mais solto e em alguns momentos como uma poligamia acompanhada de infidelidade ocasional É preciso passar anos estudando como fizeram Lorimer Fison e Alfred William Howitt para descobrir a lei reguladora dessas situações matrimoniais cuja práxis parece antes familiar ao europeu comum a lei segundo a qual um negro australiano na condição de forasteiro milhares de quilômetros distante de sua terra natal entre pessoas cuja língua lhe é incompreensível ainda assim encontra de aldeia em aldeia de tribo em tribo mulheres que se entregam a ele sem oferecer resistência nem reclamar e segundo a qual aquele que tem várias mulheres cede uma delas ao hóspede para o pernoite Onde o europeu só vê imoralidade e ilegalidade na verdade vige uma lei rigorosa As mulheres pertencem à classe conjugal do forasteiro e por conseguinte são suas esposas natas a mesma lei consuetudinária que instrui o contato entre os dois proíbe sob pena de banimento qualquer relação fora das classes conjugais que se correspondem Mesmo quando mulheres são raptadas como acontece com frequência e em algumas regiões é a regra a lei das classes é rigorosamente observada Aliás no caso do rapto de mulheres já se percebe um vestígio da transição para o casamento monogâmico pelo menos na forma do casamento do par depois que o jovem rapta ou sequestra a menina com a ajuda de amigos todos eles um após o outro servemse sexualmente dela mas depois disso ela é considerada a esposa do jovem que organizou o rapto Em contrapartida se a mulher raptada consegue fugir do esposo e é pega por outro ela se torna esposa deste e o primeiro perde sua prerrogativa Ao lado e no interior do casamento grupal que subsiste em toda parte vãose compondo portanto relações de exclusividade vãose formando pares por períodos mais longos ou mais curtos paralelamente à poligamia de modo que o casamento grupal está em processo de extinção também ali só restando saber quem desaparecerá primeiro sob a influência europeia o casamento grupal ou os negros australianos que o praticam Em todo caso o casamento de classes inteiras como o vigente na Austrália é uma forma muito inferior e primitiva do casamento grupal ao passo que a família punaluana pelo que sabemos constitui seu estágio supremo de desenvolvimento A primeira forma é a que parece corresponder à condição social dos selvagens errantes enquanto a segunda já pressupõe assentamentos relativamente consolidados de comunidades comunistas e leva diretamente ao estágio seguinte de desenvolvimento Certamente ainda encontraremos outros estágios intermediários entre os dois temos diante de nós um campo de investigação que acabou de ser aberto mas ainda nem foi pisado 3 Família de um par Certa formação de pares por um prazo mais curto ou mais longo já acontecia no casamento grupal ou ainda antes o homem tinha uma esposa principal ainda não se poderia dizer esposa favorita entre as suas muitas mulheres e ele era para ela o principal esposo entre os demais Essa circunstância contribuiu consideravelmente para confundir a cabeça dos missionários que viam no casamento grupal s ora uma comunhão indiscriminada de mulheres ora um adultério arbitrário Porém essa formação de pares por costume tinha de se consolidar cada vez mais à medida que a gens ganhava forma definitiva e à proporção que aumentava a quantidade de classes de irmãos e irmãs entre os quais o casamento era impossível O impulso para o impedimento do casamento entre parentes consanguíneos dado por meio da gens levou ainda mais longe Assim descobrimos que entre os iroqueses e a maioria dos outros índios que se encontram no estágio mais baixo da barbárie é proibido o casamento entre os parentes enumerados pelo seu sistema que são várias centenas de tipos Nessa complexidade crescente de proibições do casamento os casamentos grupais foram sendo gradativamente impossibilitados eles foram substituídos pela família de um par Nesse estágio um homem mora com uma mulher mas de tal maneira que a poligamia e a infidelidade ocasional são mantidas como direitos dos homens mesmo que a primeira raramente ocorra por razões econômicas ao passo que das mulheres geralmente se exige a mais rigorosa fidelidade pelo tempo que durar a convivência e o adultério cometido por elas é cruelmente castigado Porém o laço matrimonial pode ser facilmente cortado por uma ou outra parte e os filhosfilhas continuam pertencendo exclusivamente à mãe Nessa exclusão cada vez mais exacerbada dos parentes consanguíneos do laço matrimonial também continua a atuar a seleção natural Nas palavras de Morgan Os casamentos entre gentes não consanguíneas geraram uma raça mais robusta em termos tanto físicos quanto espirituais duas tribos progressistas se mesclaram e os novos crânios e cérebros se dilataram naturalmente até abranger as capacidades de ambas t Desse modo as tribos de constituição gentílica necessariamente predominaram sobre as que ficaram para trás ou as arrastaram com o seu exemplo Consequentemente o desenvolvimento da família na PréHistória consiste no constante estreitamento do círculo dentro do qual vigora a comunhão conjugal entre os dois sexos e o qual originalmente abrangia toda a tribo Pela exclusão continuada primeiro dos parentes mais próximos depois dos cada vez mais afastados e por fim dos parentes meramente agregados pelo casamento todo tipo de casamento grupal acaba sendo inviabilizado na prática o que sobra no fim é o par unido ainda por um tempo por laços frouxos a molécula cuja dissolução faz com que o casamento como tal deixe de existir Já a partir disso fica evidente que o amor sexual individual no sentido atual do termo pouco teve a ver com o surgimento do casamento monogâmico Isso fica provado de modo ainda mais cabal pela práxis de todos os povos que se encontram nesse estágio Enquanto em formas anteriores de família os homens nunca estiveram mal supridos de mulheres tendoas pelo contrário em quantidade mais do que suficiente nesse novo estágio as mulheres se tornaram raras e requisitadas Por conseguinte a partir do casamento do par começa o rapto e a compra de mulheres sintomas muito difundidos mas nada além disso de uma mudança muito mais profunda já ocorrida entretanto esses sintomas meros métodos para arranjar mulheres foram reformulados pelo pedante escocês McLennan como casamento mediante rapto e casamento mediante compra em classes de famílias específicas Também de resto entre os índios americanos e em outras partes no mesmo estágio as tratativas para o casamento não são assunto dos envolvidos que muitas vezes nem são consultados mas de suas mães Com frequência duas pessoas totalmente desconhecidas são prometidas em casamento e inteiradas do negócio já fechado só quando se aproxima o momento de se casar Antes das núpcias o noivo dá presentes aos parentes gentílicos da noiva ou seja aos parentes por parte da mãe não ao pai e sua parentela e esses presentes são considerados o dote de compra pela moça cedida O casamento permanece dissolúvel pela vontade de qualquer dos dois cônjuges no entanto em muitas tribos como na dos iroqueses formouse uma opinião pública adversa a tais separações em caso de brigas os parentes gentílicos de ambos os lados interferem como mediadores e só quando isso não leva a nenhum resultado é que ocorre a separação permanecendo os filhosfilhas com a mulher e dali em diante cada parte está liberada para casar novamente se quiser A família de um par demasiado fraca e inconstante para tornar necessária ou até mesmo apenas desejável uma economia doméstica própria de modo algum elimina a economia doméstica comunista tradicional do período anterior Mas a economia doméstica comunista significa o domínio das mulheres na casa do mesmo modo que o reconhecimento exclusivo da mãe natural com a concomitante impossibilidade de se saber ao certo quem é o pai natural representa alta consideração pelas mulheres isto é pelas mães Uma das concepções mais absurdas advindas do Iluminismo do século XVIII é a de que no início da sociedade a mulher teria sido escrava do homem Entre todos os selvagens e todos os bárbaros do estágio inferior e intermediário e em parte também no estágio superior a mulher gozou não só de liberdade mas também de alta consideração O que ainda acontece no casamento do par do que é testemunha Arthur Wright por muitos anos missionário entre os iroqueses senecas Quanto a suas famílias na época em que ainda residiam nas velhas casas compridas economias domésticas comunistas de várias famílias ali sempre um clã uma gens tinha a supremacia de modo que as mulheres tomavam seus homens de outros clãs gentes Habitualmente a parte feminina mandava na casa as provisões eram comuns mas ai do marido ou amante infeliz que fosse muito preguiçoso ou desajeitado para contribuir com sua parte para as provisões Não importava quantos filhos ou o tamanho das posses que ele tinha dentro da casa a qualquer instante podia esperar a ordem de arrumar sua trouxa e escafederse E ele nem podia tentar resistir porque sua permanência se tornava inviável e a única saída que lhe restava era retornar ao seu próprio clã gens ou então o que geralmente acontecia procurar um novo casamento em outro clã As mulheres detinham o maior poder nos clãs nas gentes e também em toda parte Eventualmente elas não se importavam de destituir um chefe e rebaixálo à condição de simples guerreiro u A economia doméstica comunista na qual a maioria das mulheres ou todas elas pertencem à mesma gens mas os homens se distribuem por diferentes gentes constitui a base objetiva da supremacia das mulheres disseminada de modo geral nos tempos primevos têla descoberto é o terceiro mérito de Bachofen Acrescento ainda a observação de que os relatos de viajantes e missionários a respeito da sobrecarga de trabalho das mulheres entre os selvagens e bárbaros de nenhum modo contradizem o que foi dito A divisão do trabalho entre os dois sexos é condicionada por motivos muito diferentes do da posição da mulher na sociedade Os povos nos quais as mulheres têm de trabalhar bem mais do que deveriam segundo a nossa concepção demonstram muitas vezes maior respeito pelas mulheres do que os nossos europeus A dama da civilização cercada de pseudorreverências e estranhada de todo trabalho real ocupa uma posição social infinitamente mais baixa do que a mulher que trabalhava pesado no estágio da barbárie que em seu povo era tida como uma verdadeira dama lady frowa Frau senhora também por seu caráter Se atualmente o casamento do par já substitui inteiramente o casamento grupal v na América é uma questão a ser respondida pelas investigações sobre os povos da América que ainda se encontram no estágio superior do estado selvagem ou seja os do Noroeste e principalmente os do Sul A respeito destes últimos narramse tantos exemplos de licenciosidade sexual que nesse caso dificilmente se poderá contar com uma superação completa do antigo casamento grupal w Em todo caso ainda não desapareceram todos os vestígios dele Em pelo menos quarenta tribos americanas o homem que se casa com uma irmã mais velha tem o direito de desposar igualmente todas as irmãs desta assim que atingem a idade mínima exigida resquício da comunhão de homens por toda uma série de irmãs E a respeito dos habitantes da península californiana estágio superior do estado selvagem Bancroft relata que eles têm certas festividades em que várias tribos se reú nem com o propósito de praticar a relação sexual indiscriminada x Tratase evidentemente de gentes que nessas festas preservam a memória obscura de uma época em que as mulheres de uma gens tinham todos os homens da outra gens como esposos comuns e vice versa y O mesmo costume ainda vige na Austrália Entre alguns povos ocorre que os homens mais velhos os chefes guerreiros e os sacerdotes feiticeiros exploram a seu favor a comunhão de mulheres e monopolizam a maioria delas em compensação por ocasião de certas festas e grandes assembleias populares eles devem voltar a realizar a antiga comunhão e permitir que as mulheres se deliciem com os homens jovens Westermarck Edvard Westermarck The History of Human Marriage cit p 2829 traz uma série de exemplos dessas saturnálias periódicas em que a antiga relação sexual livre volta a vigorar por um breve tempo entre os hos os santalis os pandchas e os cotaros na Índia entre alguns povos africanos etc Curiosamente Westermarck tira a conclusão de que isso seria um resquício não do casamento grupal cuja existência ele nega mas do período de cio que o ser humano primitivo teria em comum com os demais animais Chegamos agora à quarta grande descoberta de Bachofen a descoberta da forma de transição amplamente difundida do casamento grupal para o de um par O que Bachofen expõe como penalidade pela violação dos antigos mandamentos dos deuses a penalidade com que a mulher adquire o direito à castidade é de fato apenas uma expressão mística da penalidade com que a mulher resgata a si mesma da antiga comunhão dos homens e adquire o direito de entregarse a apenas um homem Essa penalidade consiste em uma entrega restrita as mulheres babilônicas tinham de entregarse uma vez por ano no templo da deusa Milita outros povos do Oriente Próximo mandavam as moças passarem alguns anos no templo da deusa Anaitis onde deviam cultivar o amor livre com favoritos de sua escolha antes de terem permissão para se casar usos similares com disfarce religioso são comuns a quase todos os povos asiáticos situados entre o mar Mediterrâneo e o rio Ganges A expiação pelo resgate vai se tornando cada vez mais leve com o passar do tempo como já observa Bachofen A oferta repetida anualmente dá lugar à realização única o heterismo das matronas é substituído pelo das moças o exercício durante o casamento dá lugar ao exercício antes dele à entrega indiscriminada a todos seguese a entrega a certas pessoas Johann Jakob Bachofen Das Mutterrecht cit p xix Em outros povos falta o disfarce religioso entre alguns trácios celtas etc na Antiguidade muitos aborígines da Índia povos malaios habitantes das ilhas dos mares do Sul e muitos índios americanos ainda hoje até o casamento as moças gozam da maior liberdade sexual possível Principalmente em quase toda a América do Sul o que pode ser atestado por qualquer um que tenha adentrado mais para o interior É o que Luís Agassiz e Elizabeth Cary Agassiz A Journey in Brazil BostonNova York 1868 p 266 z relata a respeito de uma família rica de linhagem indígena quando foi apresentado à filha ele perguntou pelo pai dela pensando que seria o esposo da mãe que servia como oficial na guerra contra o Paraguai mas a mãe respondeu com um sorriso Não tem pai é filha da fortuna É dessa maneira que as mulheres índias ou mestiças falam sempre sem pudor ou censura dos filhos nascidos fora do casamento e isso está muito longe de ser incomum antes o contrário parece ser a exceção As crianças muitas vezes conhecem apenas sua mãe pois sobre esta recai todo o cuidado e toda a responsabilidade a respeito do pai elas nada sabem e à mulher nem parece ocorrer a ideia de que ela ou suas crianças teriam algum direito a ele O que parece estranho ao civilizado simplesmente é a regra conforme o direito materno e o casamento grupal Há ainda outros povos em que os amigos e os parentes do noivo ou os convidados da festa de casamento fazem valer durante as próprias núpcias o tradicional direito à noiva e o noivo é o último a ter vez foi assim nas ilhas Baleares e entre os augilas africanos na Antiguidade e ainda é assim entre os bareas na Abissínia Há outros ainda em que uma pessoa ocupando um cargo oficial o chefe da tribo ou da gens chefe guerreiro xamã sacerdote príncipe ou como quer que se chame exerce em nome da comunidade o direito à primeira noite com a noiva Apesar de todas as tentativas neorromânticas de tornálo apresentável esse jus primae noctis direito da primeira noite subsiste como resquício do casamento grupal entre a maioria dos habitantes da região do Alasca Hubert Howe Bancroft Native Races cit v I p 81 entre os taús no norte do México ibidem p 584 e entre outros povos e existiu em toda a Idade Média pelo menos em países originalmente celtas onde foi transmitido diretamente do casamento grupal como na Aragônia Ao passo que no reino de Castela o camponês nunca esteve submetido à servidão na Aragônia reinou a mais infame servidão até a sentença arbitral de Fernando o Católico em 1486 aa Nesse documento oficial consta o seguinte Julgamos e decidimos que os referidos senhores senyors barões também não poderão quando o camponês desposar uma mulher passar a primeira noite com ela nem poderão em sinal de domínio durante a noite de núpcias depois que a mulher tiver se recolhido à cama ir para cima da cama e da referida mulher tampouco poderão os referidos senhores servirse da filha ou do filho do camponês com ou sem pagamento contra a vontade deles O original em catalão é citado por Samuel Sugenheim Leibeigenschaft Petersburgo 1861 p 35 Além disso Bachofen tem toda a razão quando afirma de modo coerente que a transição do que ele chama de heterismo ou procriação pantanosa Sumpfzeugung para o casamento monogâmico se teria dado essencialmente por obra das mulheres À medida que as condições econômicas de vida se desenvolviam e portanto minavam o antigo comunismo e à medida que aumentava a densidade populacional as relações sexuais tradicionais iam perdendo seu caráter inocente de primitividade selvagem e na mesma proporção iamse tornando mais humilhantes e opressivas para as mulheres tornandose mais premente para elas o desejo da instituição do direito à castidade e ao casamento temporário ou permanente com um só homem como libertação A iniciativa para esse avanço jamais poderia partir dos homens já que até hoje em momento algum lhes ocorreu a ideia de renunciar às facilidades do casamento grupal real Somente depois que as mulheres tinham feito a transição para o casamento do par os homens puderam introduzir a monogamia estrita todavia só para as mulheres A família de um par surgiu na fronteira entre o estado selvagem e a barbárie geralmente já no estágio superior do estado selvagem e aqui e ali só no estágio inferior da barbárie Ela é a forma característica de família no período da barbárie a exemplo do casamento grupal para o período do estado selvagem e a monogamia para o da civilização Para continuar a desenvolvêla como monogamia consolidada foram necessários outros motivos além daqueles que encontramos em ação até agora Com a formação do par o grupo já havia se reduzido à sua última unidade à sua molécula de dois átomos um homem e uma mulher A seleção natural havia chegado ao seu termo mediante a exclusão contínua e coerente da comunhão conjugal nessa direção não havia mais nada que ela pudesse fazer Portanto se não entrassem em ação novas forças motrizes de cunho social não haveria razão para que a formação do par desse origem a uma nova forma de família Porém essas forças motrizes entraram em ação Deixemos agora a América solo clássico da família de um par Nenhum indício permite concluir que se desenvolveu ali uma forma mais elevada de família que ali antes do descobrimento e da conquista tenha havido alguma vez e em algum lugar uma monogamia consolidada Foi diferente no Velho Mundo Ali a domesticação de animais e a criação de rebanhos desenvolveram uma fonte de riqueza sem precedentes e criaram relações sociais totalmente novas Até o estágio inferior da barbárie a riqueza permanente se limitava praticamente à casa a roupas a joias brutas e a ferramentas para a obtenção e preparação da comida barco armas utensílios domésticos de tipo muito simples A alimentação tinha de ser obtida dia a dia Mas então com a formação dos rebanhos de cavalos camelos jumentos bovinos ovinos caprinos e suínos os povos pastoris em formação os arianos da Terra dos Cinco Rios e da região do rio Ganges na Índia bem como das estepes dos rios Oxo e Jaxartes naquela época ainda ricas em água os semitas do Eufrates e do Tigre adquiriram uma propriedade que necessitava apenas de vigilância e cuidados básicos para se reproduzir em número cada vez maior e fornecer alimentação abundante composta de leite e carne Todos os meios anteriores de obtenção de alimentos passaram para o segundo plano a caça anteriormente uma necessidade passou a ser um artigo de luxo Porém a quem pertencia essa nova riqueza Originalmente sem dúvida à gens Mas em pouco tempo deve terse desenvolvido também a propriedade privada dos rebanhos É difícil dizer se para o autor do chamado livro primeiro de Moisés Gênesis o patriarca Abraão era o possuidor de seus rebanhos em virtude de um direito próprio como chefe de uma comunidade de famílias ou em virtude de sua qualidade de líder hereditário efetivo de uma gens Podemos estar certos de que ele não deve ser imaginado como proprietário no sentido moderno do termo Além disso temos certeza de que no limiar da história acreditada por documentos os rebanhos já aparecem em toda parte como propriedade específica ab de chefes de famílias a exemplo das produções artísticas da barbárie os utensílios de metal os artigos de luxo e por fim o gado humano os escravos Pois na mesma linha também já havia sido inventada a escravidão Para o bárbaro do estágio inferior o escravo não tinha valor Essa é a razão pela qual os índios americanos procediam com os inimigos vencidos de modo totalmente diferente do que acontecia em um estágio mais elevado Os homens eram mortos ou então recebidos na tribo dos vencedores como irmãos as mulheres eram dadas em casamento ou igualmente adotadas com suas crianças sobreviventes Nesse estágio a mão de obra humana ainda não fornece um excedente digno de nota sobre os custos para sustentála Com a introdução da criação de gado do processamento do metal da tecelagem e por fim da atividade agrícola isso mudou O que aconteceu com as esposas que antes eram fáceis de conseguir e passaram a ter valor de troca ac e a serem compradas aconteceu também com a mão de obra especialmente depois que os rebanhos passaram definitivamente a ser posse das famílias ad A família não se multiplicava tão rapidamente quanto o gado Mais pessoas eram necessárias para vigiálo na condição de prisioneiro de guerra o inimigo podia ser usado para esse fim e além disso podia perfeitamente ser criado e reproduzido como o próprio gado Assim que passaram a ser posse privada das famílias ae e foram rapidamente multiplicadas essas riquezas representaram um duro golpe para a sociedade fundada sobre o casamento do par e a gens de direito materno O casamento do par introduzira um elemento novo na família Ao lado da mãe natural colocara o pai natural acreditado que provavelmente gozava de mais crédito do que muitos pais de hoje em dia De acordo com a divisão do trabalho na família naquele tempo cabia ao homem a obtenção dos alimentos e dos instrumentos de trabalho necessários para isso e portanto também a propriedade destes últimos em caso de separação ele os levava consigo assim como a mulher ficava com os utensílios domésticos Portanto segundo o costume da sociedade daquele tempo o homem também era proprietário das novas fontes de alimentos do gado e mais tarde do novo instrumento de trabalho os escravos Porém de acordo com o costume da mesma sociedade seus descendentes não podiam herdar dele pois nesse tocante a situação era como se segue Conforme o direito materno ou seja enquanto a linhagem foi considerada apenas pela linha feminina e de acordo com o uso hereditário primitivo praticado na gens os parentes gentílicos herdavam inicialmente dos membros gentílicos falecidos O patrimônio deveria permanecer na gens Diante de sua insignificância pode ser que na prática esses bens tenham passado desde sempre para os parentes gentílicos mais próximos ou seja para os parentes consanguíneos do lado materno Porém filhosfilhas do homem falecido não pertenciam à sua gens mas à de sua mãe no começo eles herdaram dos demais parentes consanguíneos da mãe e mais tarde talvez em primeira linha desta não podendo porém herdar de seu pai porque não pertenciam à sua gens na qual o patrimônio deste deveria permanecer Por ocasião da morte do proprietário dos rebanhos estes teriam passado portanto primeiro para os irmãos e irmãs dele e para os filhos e filhas das irmãs dele ou para os descendentes das irmãs de sua mãe Mas seus filhos e filhas ficavam sem herança Portanto à medida que se multiplicavam as riquezas por um lado proporcionavam ao homem uma posição mais importante do que a da mulher na família e por outro geravam o impulso para valerse dessa posição fortalecida a fim de derrubar a sucessão hereditária em favor de seus filhosfilhas Mas isso não foi possível enquanto vigorou a linhagem segundo o direito materno Era esta portanto que tinha de ser derrubada e ela o foi Isso nem foi tão difícil como parece hoje Pois essa revolução uma das mais incisivas que a humanidade vivenciou não precisou tocar em nem sequer um dos membros vivos de uma gens Todos os integrantes da gens permaneceram exatamente como estavam Bastou tomar a simples resolução de que dali por diante os descendentes dos membros masculinos permaneceriam na gens mas os dos membros femininos deveriam ser excluídos passando para a gens do pai Desse modo o estabelecimento da linhagem pela linha feminina e o direito hereditário materno foram derrubados e a linhagem masculina e o direito hereditário masculino foram instituídos Nada sabemos sobre como e quando essa revolução se deu entre os povos civilizados Ela ocorreu inteiramente na época préhistórica Mas o fato de que ocorreu está mais do que comprovado pelos vestígios abundantes de direito materno reunidos principalmente por Bachofen a facilidade com que foi levada a cabo pode ser constatada em uma série de tribos indígenas nas quais ela ocorreu recentemente e ainda está ocorrendo em parte em razão do crescimento das riquezas e dos novos modos de vida mudança das florestas para as pradarias em parte por influência moral da civilização e dos missionários De oito tribos missouris seis têm linhagem e sucessão hereditária masculinas mas duas ainda têm as femininas Entre shawnees miamies e delawares adotouse o costume de implantar filhosfilhas na gens do pai dandolhes um nome gentílico pertencente a esta para que pudessem herdar do pai Casuística inata do ser humano a de mudar as coisas mudandolhes o nome E encontrar maneiras escusas de romper a tradição a partir da tradição quando suficientemente motivado por um interesse direto Marx Isso deu origem a uma confusão insanável que só poderia ser remediada e em parte foi pela transição para o direito paterno Essa parece ter sido em geral a transição mais natural Marx A respeito do que os juristas comparativos sabem nos dizer sobre o modo como essa transição se deu entre os povos civilizados do Velho Mundo todavia quase só hipóteses confira Maxim Kovalevski Tableau des origines et de lévolution de la famille et de la propriété Estocolmo 1890 af A derrubada do direito materno representou a derrota do sexo feminino no plano da história mundial O homem assumiu o comando também em casa a mulher foi degradada escravizada tornouse escrava do desejo do homem e mero instrumento de procriação Essa posição humilhante da mulher que aflora principalmente entre os gregos do período heroico e mais ainda do período clássico foi gradativamente floreada e dissimulada e em parte revestida de formas atenuadas mas de modo algum foi eliminada O primeiro efeito da recémfundada autocracia dos homens manifesta se na forma intermediária da família patriarcal que então emerge Sua principal característica não é a poligamia da qual falaremos mais adiante mas a organização de um certo número de pessoas livres e não livres em uma família sob o poder paterno do chefe da família Na forma semítica esse chefe de família vive em poligamia os não livres têm mulher e filhosfilhas e a finalidade de toda a organização é a manutenção de rebanhos em uma região delimitada ag O essencial é a incorporação de não livres e do poder paterno em consequência o tipo consumado dessa forma de família é a família romana Originalmente a palavra familia não significava o ideal do filisteu de nossa época composto de sentimentalismo e discórdia doméstica entre os romanos nem mesmo se fazia referência ao casal e a seus filhos e filhas mas unicamente aos escravos Famulus designa o escravo doméstico e familia é o conjunto de escravos que pertencem a um homem Ainda na época de Gaio a familia id est patrimonium família isto é a herança era legada por testamento A expressão foi inventada pelos romanos para designar um novo organismo social cujo chefe submetia mulher filhos e filhas e certo número de escravos ao seu poder paterno romano com direito de vida e morte sobre todos eles Portanto a palavra não é mais antiga que o sistema familiar encouraçado das tribos latinas que despontou após a introdução da atividade rural e da escravidão legal e após a separação entre os ítaloarianos e os gregos ah Marx acrescenta A família moderna contém em seu cerne não só a escravidão servitus mas também a servidão feudal já que desde o início tem relação com os serviços agrícolas Ela contém em miniatura todos os antagonismos que mais tarde se desenvolveriam na sociedade e em seu Estado Essa forma de família evidencia a transição do casamento do par para a monogamia A fim de assegurar a fidelidade da mulher e portanto a paternidade dos filhosfilhas a mulher é submetida incondicionalmente ao poder do homem quando ele a mata está apenas exercendo seu direito ai Com a família patriarcal pisamos no território da história escrita e desse modo no campo em que a ciência jurídica comparativa pode nos prestar um auxílio significativo E de fato nesse ponto ela nos propiciou um progresso essencial Devemos a Maxim Kovalevski Tableau etc des origines et de lévolution de la famille et de la propriété Estocolmo 1890 p 60100 a demonstração de que a cooperativa doméstica patriarcal na forma como ainda a encontramos hoje entre sérvios e búlgaros com o nome de zádruga a ser traduzido por laço de amizade ou bratswo fraternidade e sob uma forma modificada entre os povos orientais constituiu o estágio de transição entre a família de direito materno originária do casamento grupal e a família individual do mundo moderno Pelo menos para os povos civilizados do Velho Mundo para arianos e semitas isso parece estar demonstrado A zádruga dos eslavos meridionais oferece o melhor exemplo ainda vivo dessa comunidade familiar Ela abrange várias gerações de descendentes de um mesmo pai os quais vivem juntos com suas esposas em torno de um mesmo pátio cultivam juntos os seus campos alimentam se e vestemse com os recursos de um fundo comum e possuem juntos o excedente da colheita A comunidade está sujeita ao poder supremo do dono da casa domačin que a representa diante do mundo exterior pode vender objetos menores controla o dinheiro e é responsável por ele assim como pelo andamento regular dos negócios Ele é eleito e não precisa ser o mais velho As mulheres e seus trabalhos estão sob a direção da dona da casa domačica que costuma ser a esposa do domačin Ela também tem voz importante e com frequência decisiva na escolha do esposo das moças Porém quem detém o poder supremo é o conselho da família a assembleia de todos os cooperados adultos tanto mulheres quanto homens O dono da casa presta contas à assembleia e ela formula as resoluções decisivas exerce a jurisdição sobre os membros toma decisões sobre compras e vendas de alguma importância principalmente relativas à posse terras etc Há apenas dez anos se comprovou que essas grandes cooperativas familiares existem também na Rússia aj reconhecese de modo geral que elas têm raízes profundas no costume popular russo tanto quanto a obschina ou comunidade rural Elas figuram no código legal mais antigo da Rússia no Pravda de Iaroslav ak com a mesma designação vervi com que aparecem nas leis dalmáticas al podendo ser comprovadas também nas fontes históricas polonesas e tchecas Também entre os germanos segundo Heusler Institutionen des deutschen Rechts am originalmente a unidade econômica não era a família individual no sentido moderno mas a cooperativa doméstica Hausgenossenschaft composta de várias gerações ou então famílias individuais muitas vezes incluindo indivíduos não livres A família romana também é derivada desse tipo e por isso o poder absoluto do pai da família bem como a ausência de direitos dos demais membros da família em relação a ele tem sido muito questionado em tempos recentes Supõese que entre os celtas da Irlanda tenham existido cooperativas familiares semelhantes na França elas sobreviveram no Nivernais até a Revolução Francesa com o nome de parçonneries e até hoje na FrancheComté elas não se extinguiriam totalmente Na região de Louhans SaôneetLoire veemse casarões de camponeses com um salão central que chega até o telhado e em volta dele dormitórios aos quais se chega por escadas de seis a oito degraus e nos quais habitam várias gerações de uma mesma família Na Índia a cooperativa doméstica com cultivo conjunto da terra é mencionada já por Nearco an na época de Alexandre Magno e subsiste ainda hoje na mesma região no Panjabe e em todo o Noroeste do país No Cáucaso Kovalevski pôde comprovar sua existência pessoalmente Na Argélia ainda subsiste entre os cabilas Supõese que até na América ela tenha existido pretendendose descobrila nas calpullis descritas por Zurita no México antigo ao em contraposição Cunow Ausland 1890 n 424 ap provou muito claramente que no Peru havia na época da conquista uma espécie de constituição da marca de fronteira que curiosamente também se chamava Mark marca com divisão periódica da terra cultivada ou seja ali vigorava o cultivo individual Em todo caso essa cooperativa doméstica patriarcal com posse comum da terra e cultivo comunitário ganha um significado bem diferente do que tinha até agora Não podemos mais duvidar do papel importante de transição que ela desempenhou entre os povos civilizados e alguns outros povos do Velho Mundo a saber a transição entre a família de direito materno e a família individual Mais adiante retomaremos a conclusão a que Kovalevski chegou além dessa isto é que ela representou igualmente o estágio de transição a partir do qual se desenvolveu a comunidade rural ou da marca com cultivo individual e subdivisão primeiro periódica e depois definitiva da terra de cultivo e de pastagem No que se refere à vida familiar no âmbito dessas cooperativas domésticas devese observar que pelo menos na Rússia o dono da casa era famoso por abusar de sua posição em relação às mulheres mais jovens da cooperativa especialmente em relação às noras muitas vezes constituindo um harém com elas quanto a isso as canções populares russas são bastante eloquentes Antes de passarmos para a monogamia que se desenvolveu rapidamente após a derrocada do direito materno ainda diremos alguma coisa sobre a poligamia e a poliandria Essas duas formas de casamento só podem ser exceções produtos históricos de luxo por assim dizer a não ser que ocorram simultaneamente em todo um país e reconhecidamente não é o caso Portanto visto que os homens excluídos da poligamia não teriam como se consolar com as mulheres que sobraram da poliandria e que a quantidade de homens e mulheres sem levar em consideração as instituições sociais tem sido bastante homogênea até agora está automaticamente excluída a possibilidade de se elevar uma dessas duas formas de casamento à condição de forma globalmente vigente De fato a poligamia de um homem evidentemente era produto da escravidão e limitavase a casos individuais excepcionais Na família patriarcal semítica só o patriarca e no máximo alguns de seus filhos vivem em poligamia enquanto os demais precisam se contentar com uma mulher É assim até hoje em todo o Oriente a poligamia é um privilégio dos ricos e nobres e as mulheres são recrutadas principalmente por meio da compra de escravas a massa do povo vive em monogamia Uma exceção do mesmo tipo é a poliandria na Índia e no Tibete cuja origem certamente interessante no casamento grupal aq ainda deve ser mais bem examinada Aliás em sua práxis ela parece ter bem menos atritos do que o harém dos maometanos movido pelo ciúme Pelo menos entre os naires na Índia três quatro ou mais homens têm uma mulher comum mas cada um também pode ter uma segunda mulher em comum com outros três ou mais homens e assim também uma terceira quarta etc É um milagre que MacLennan não tenha descoberto nesses clubes conjugais que ele próprio descreveu em que é possível ser membro de mais de um ao mesmo tempo a nova classe do casamento de clube Aliás essa atividade dos clubes conjugais não é de modo algum poliandria de fato pelo contrário como já observou Giraud Teulon é uma forma especializada de casamento grupal os homens vivem em poligamia as mulheres em poliandria ar 4 Família monogâmica Ela surge da família de um par como foi mostrado na fronteira entre os estágios intermediário e superior da barbárie sua vitória definitiva é uma das marcas distintivas da civilização incipiente Ela se funda no domínio do homem com a finalidade expressa de gerar filhos com paternidade inquestionável e essa paternidade é exigida porque um dia os filhos deverão assumir como herdeiros naturais o patrimônio paterno Ela se diferencia do casamento do par pela solidez do laço matrimonial que já não pode mais ser dissolvido quando aprouver a qualquer das partes Via de regra só o homem ainda pode dissolvêlo e repudiar a esposa O direito à infidelidade conjugal também lhe permanece assegurado pelo menos pelo costume o Code Napoléon o concede expressamente ao homem desde que não traga a amante para dentro da casa matrimonial as e com o desenvolvimento social crescente ele é exercido cada vez mais se a mulher traz à memória a antiga práxis social e quer renovála ela é castigada com uma severidade sem precedentes Encontramos essa nova forma de família com toda a sua dureza entre os gregos Enquanto a posição das deusas na mitologia como observa Marx nos confronta com um período mais antigo em que as mulheres ainda gozavam de mais liberdade e respeito no período heroico encontramos a mulher at já rebaixada pela supremacia do homem e pela concorrência das escravas Leiase na Odisseia como Telêmaco manda sua mãe se retirar aos seus aposentos Em Homero as jovens capturadas são alvo da volúpia dos vencedores os comandantes escolhem as mais bonitas de acordo com uma ordem estabelecida pela hierarquia como se sabe toda a Ilíada gira em torno da briga entre Aquiles e Agamenon por causa de uma dessas escravas Para cada herói homérico de importância mencionase a prisioneira de guerra com a qual ele compartilha sua tenda e sua cama Essas moças também eram levadas para a pátria e para a casa matrimonial dos heróis como Agamenon faz com Cassandra em Ésquilo os filhos gerados com essas escravas recebem uma pequena parte da herança paterna e são considerados plenamente livres Teucro é um desses filhos extramatrimoniais de Télamon e tem permissão para usar o nome do pai Da esposa esperase que aceite tudo mas ela própria deve manter castidade rigorosa e fidelidade ao cônjuge De fato a mulher grega da época heroica é mais respeitada do que a do período civilizado mas no fim das contas ela é para o homem apenas a mãe de seus herdeiros matrimoniais a suprema gestora da casa e a líder das escravas que ele pode tomar a seu belprazer e de fato toma como concubinas É a existência da escravidão ao lado da monogamia a presença de escravas jovens e belas que pertencem por inteiro ao homem que imprime desde o início à monogamia o seu caráter específico ser monogamia apenas para a mulher mas não para o homem E esse caráter ela mantém até hoje No tocante aos gregos de épocas posteriores temos de diferenciar entre dórios e jônios Os primeiros cujo exemplo clássico é Esparta sob alguns aspectos ainda têm relações matrimoniais de cunho até mais antigo do que o exposto por Homero Em Esparta vigora o casamento do par modificado pelo Estado de acordo com as concepções ali vigentes esse casamento ainda evoca algumas reminiscências do casamento grupal Os casamentos sem filhos são desfeitos o rei Anaxândrides em torno de 560 antes da nossa era tomou além de sua esposa sem filhos uma segunda esposa e manteve duas casas na mesma época o rei Aríston tomou além das duas esposas estéreis uma terceira mas em compensação mandou embora uma das primeiras Em contrapartida vários irmãos podiam ter uma mulher em comum o amigo que se agradou mais da esposa do amigo podia partilhála com ele e era considerado decente pôr a esposa à disposição de um garanhão viril como diria Otto von Bismarck mesmo que este não fosse um cidadão De uma passagem de Plutarco na qual uma espartana manda o amante que a perseguia com propostas falar com seu marido podese deduzir segundo Schoemann até mesmo uma liberalidade ainda maior dos costumes au Por isso o adultério de fato a infidelidade da mulher às escondidas do homem era algo inaudito Em contrapartida a escravidão doméstica não era conhecida em Esparta pelo menos em seu apogeu os servos hilotas viviam isolados nas fazendas esse fato reduziu a tentação dos espartanos de cobiçar as mulheres deles Por todas essas circunstâncias nem podia ser diferente que as mulheres de Esparta tivessem uma posição bem mais respeitada do que entre os demais gregos As espartanas e a elite das heteras atenienses são as únicas mulheres gregas das quais os antigos falam com respeito e as quais julgaram dignas de ter suas declarações registradas Bem diferente é a situação entre os jônios dos quais Atenas é o exemplo característico As meninas aprendiam apenas a fiar a tecer e a costurar quando muito a ler e a escrever alguma coisa Elas viviam praticamente trancafiadas e andavam em público somente em companhia de outras mulheres Habitavam um cômodo isolado da casa situado no andar superior ou nos fundos cujo acesso não era fácil para os homens principalmente os estranhos ali elas se recolhiam quando havia visita masculina As mulheres não saíam a não ser em companhia de uma escrava em casa eram mantidas sob vigilância rigorosa Aristófanes fala de cães molossos para intimidar os adúlteros e para vigiar as mulheres pelo menos nas cidades asiáticas havia eunucos que desde a época de Heródoto eram produzidos em Quios para o comércio e de acordo com Wachsmuth av não serviam apenas aos bárbaros Em Eurípides a mulher é chamada de oikurema coisa destinada a prover a casa o gênero da palavra é neutro e excetuando a atividade de procriação para os atenienses ela não passava da principal serva doméstica O homem tinha seus exercícios de ginástica seus negócios públicos dos quais a mulher estava excluída além disso muitas vezes tinha ainda escravas à disposição e nos tempos áureos de Atenas uma prostituição ampla e no mínimo favorecida pelo Estado Foi exatamente com base nessa prostituição que se desenvolveram os únicos caracteres femininos gregos que por seu espírito e bom gosto artístico se destacaram tanto em relação ao nível geral da feminilidade antiga quanto as espartanas se destacavam por seu caráter Porém o fato de que primeiro elas tinham de se tornar heteras para vir a ser mulheres constitui a condenação mais severa da família ateniense No decorrer do tempo essa família ateniense se tornou o modelo a partir do qual não só todos os jônios como também cada vez mais os gregos da metrópole e das colônias constituíram suas relações domésticas Porém apesar de toda clausura e vigilância as mulheres gregas tinham ocasiões de sobra para enganar seus esposos Estes que se teriam envergonhado de dar qualquer demonstração de amor pelas esposas divertiamse com todo tipo de folguedos amorosos com heteras mas o aviltamento das mulheres se voltou contra os próprios homens aviltandoos também a ponto de se afundarem na atividade repulsiva da pederastia e da mesma forma aviltando seus deuses por meio do mito de Ganimedes Essa foi a origem da monogamia na medida em que conseguimos acompanhála no povo mais civilizado e mais desenvolvido da Antiguidade De modo algum foi fruto do amor sexual individual com o qual não teve absolutamente nada a ver já que os casamentos do começo ao fim continuaram a ser atos de conveniência A monogamia foi a primeira forma de família que não se fundou em condições naturais mas em condições econômicas aw a saber sobre a vitória da propriedade privada sobre a propriedade comum primitiva de origem natural Soberania do homem na família e geração de filhos que só podiam ser dele próprio e estavam destinados a ser herdeiros de suas riquezas estes eram os fins exclusivos do casamento monogâmico declarados abertamente como tais pelos gregos De resto o casamento monogâmico era um fardo para eles um dever para com os deuses o Estado e seus antepassados que por isso mesmo tinha de ser cumprido Em Atenas a lei obrigava o homem não só a se casar mas também a cumprir minimamente os chamados deveres conjugais ax Assim o casamento monogâmico de modo algum entra na história como a reconciliação entre homem e mulher muito menos como sua forma suprema Pelo contrário Ele entra em cena como a subjugação de um sexo pelo outro como proclamação de um conflito entre os sexos desconhecido em toda a história pregressa Em um antigo manuscrito inédito elaborado por Marx e por mim em 1846 encontro o seguinte A primeira divisão do trabalho foi a que ocorreu entre homem e mulher visando à geração de filhos ay E hoje posso acrescentar o primeiro antagonismo de classes que apareceu na história coincide com o desenvolvimento do antagonismo entre homem e mulher no casamento monogâmico e a primeira opressão de classe coincide com a do sexo feminino pelo sexo masculino O casamento monogâmico foi um grande progresso histórico mas ao mesmo tempo inaugura ao lado da escravidão e da riqueza privada a época que perdura até hoje em que cada progresso constitui simultaneamente um retrocesso relativo em que o bemestar e o desenvolvimento de uns se impõem pela dor e pela opressão de outros É a forma celular da sociedade civilizada na qual já podemos estudar a natureza dos antagonismos e das contradições que nela se desdobrarão plenamente A antiga liberdade relativa da relação sexual não desapareceu com a vitória do casamento do par ou mesmo do casamento monogâmico O velho sistema de casamento reduzido a limites mais estreitos pela extinção gradativa dos grupos punaluanos continuou acompanhando a família em desenvolvimento e se manteve com ela até o despontar da civilização Ele acabou desaparecendo na nova forma do heterismo que acompanha os seres humanos até na civilização como uma sombra escura projetada sobre a família az Morgan entende por heterismo a relação sexual que acontece paralelamente ao casamento monogâmico e é praticada pelos homens com mulheres solteiras que como se sabe floresce durante todo o período da civilização sob as mais diferentes formas e se converte cada vez mais em franca prostituição ba Esse heterismo deriva diretamente do casamento grupal do sacrifício de entrega das mulheres com o qual elas compraram para si o direito à castidade A entrega por dinheiro foi primeiramente um ato religioso que tinha lugar no templo da deusa do amor e o dinheiro era destinado originalmente ao tesouro do templo As hierodulas da deusa Anaitis na Armênia e da deusa Afrodite em Corinto assim como as jovens dançarinas religiosas ligadas aos templos na Índia as chamadas baiaderas corruptela da palavra portuguesa bailadeira dançarina foram as primeiras prostitutas A entrega sexual originalmente dever de toda mulher foi mais tarde exercida exclusivamente por essas sacerdotisas representando todas as demais Em outros povos o heterismo é derivado da liberdade sexual permitida às moças antes do casamento e portanto igualmente um resquício do casamento grupal só que transmitido a nós por outra via Com o despontar da disparidade de propriedade portanto no estágio superior da barbárie aparece o trabalho assalariado esporadicamente ao lado do trabalho escravo e ao mesmo tempo como seu correlato necessário a prostituição profissional de mulheres livres ao lado da entrega sexual forçada da escrava Desse modo a herança que o casamento grupal legou à civilização tem dois lados assim como tudo que a civilização produz tem dois lados é equívoco ambíguo antagônico de um lado a monogamia de outro o heterismo com sua forma extrema a prostituição Pois o heterismo é uma instituição social como qualquer outra ele dá continuidade à antiga liberdade sexual a favor dos homens Na realidade ele é condenado da boca para fora pois não só é tolerado como conta com participação entusiástica principalmente das classes dominantes Essa condenação na realidade de nenhum modo atinge os homens mas tão somente as mulheres elas são proscritas e expulsas e com isso visase proclamar uma vez mais a dominação incondicional dos homens sobre o sexo feminino como lei fundamental da sociedade Desse modo no entanto desenvolvese um segundo antagonismo dentro da própria monogamia Ao lado do esposo que embeleza sua existência com o heterismo encontrase a esposa negligenciada bb E não se pode ter um dos lados do antagonismo sem o outro do mesmo modo que não se pode ter uma maçã inteira na mão depois de se ter comido metade dela Apesar disso essa parece ter sido a opinião dos homens até que as mulheres lhes deram uma lição Com o casamento monogâmico entram em cena dois personagens sociais constantes que antes eram desconhecidos o sempre presente amante da mulher e o marido traído Os homens haviam obtido a vitória sobre as mulheres mas a coroação foi generosamente assumida pelas derrotadas Ao lado do casamento monogâmico e do heterismo o adultério se tornou uma instituição social inevitável desaprovado duramente punido mas impossível de reprimir A paternidade inequívoca das crianças se baseava quando muito na convicção moral e para solucionar a contradição sem solução o Code Napoléon decretou em seu artigo 312 Lenfant conçu pendant le mariage a pour père le mari A criança concebida durante o casamento terá por pai o marido Esse é o resultado de três mil anos de casamento monogâmico Assim nos casos que permanecem fiéis à gênese histórica da família individual e que evidenciam o conflito entre homem e mulher expresso pelo domínio exclusivo do homem temos uma imagem em miniatura dos mesmos antagonismos e das mesmas contradições em que se move a sociedade dividida em classes desde o início da civilização sem ser capaz de resolvê los nem de superálos Falo aqui naturalmente só dos casamentos monogâmicos nos quais a vida conjugal transcorre segundo a prescrição do caráter original da instituição como um todo e nos quais a mulher se rebela contra o domínio do homem Mas nem todos os casamentos transcorrem desse modo quem sabe disso melhor do que ninguém é o filisteu alemão que não é capaz de proteger seu domínio nem em casa nem no Estado e por conseguinte sua mulher com toda razão veste as calças das quais ele não é digno Em compensação ele se acha muito superior ao seu colega de infortúnio francês que passa por coisas piores com frequência bem maior do que ele Aliás a família individual não aparece em todo lugar e em todas as épocas sob a forma grosseira clássica que tinha entre os gregos Entre os romanos que como futuros conquistadores do mundo possuíam um olhar mais amplo ainda que fosse menos refinado do que o dos gregos a mulher era mais livre e mais respeitada O romano acreditava que a fidelidade conjugal estava suficientemente assegurada por seu poder de vida e morte sobre a mulher No caso dos romanos se quisesse a mulher podia dissolver o casamento tanto quanto o homem Mas o maior avanço no desenvolvimento do casamento monogâmico ocorreu decididamente com o ingresso dos germanos na história mais exatamente porque entre eles naquela época decerto por causa de sua pobreza a monogamia pelo visto ainda não evoluíra plenamente do casamento do par Deduzimos isso de três circunstâncias mencionadas por Tácito primeiro não obstante o casamento ser considerado sumamente sagrado eles se contentam com uma só mulher e as mulheres vivem protegidas pela castidade bc a poligamia ainda vigorava para nobres e chefes tribais ou seja tratavase de um estado similar ao dos americanos entre os quais vigorava o casamento do par Em segundo lugar a transição do direito materno para o direito paterno só pode ter acontecido pouco tempo antes pois o irmão da mãe o parente gentílico masculino mais próximo segundo o direito materno ainda era considerado um parente quase mais chegado do que o próprio pai igualmente em consonância com o ponto de vista dos índios americanos entre os quais Marx encontrou como disse muitas vezes a chave para a compreensão do nosso próprio tempo primitivo E em terceiro lugar entre os germanos as mulheres gozavam da mais alta consideração e eram influentes também nos negócios públicos o que está em contradição direta com a dominação monogâmica pelos homens Em quase todos esses pontos os germanos coincidem com os espartanos entre os quais como vimos o casamento do par também não havia sido completamente superado bd Com os germanos portanto um elemento totalmente novo chegou ao domínio mundial nesse tocante A nova monogamia que se desenvolveu sobre os escombros do mundo romano a partir da mistura de povos revestiu a dominação masculina de formas mais atenuadas e concedeu às mulheres uma posição que pelos menos exteriormente era mais respeitada e mais livre do que jamais tivera sido na Antiguidade clássica Só a partir daí estava dada a possibilidade de desenvolverse a partir da monogamia dentro ao lado e contra ela dependendo das circunstâncias o maior avanço moral que devemos a ela o amor sexual individual moderno desconhecido do mundo pregresso Esse avanço porém seguramente se originou da circunstância de os germanos ainda viverem sob o regime da família de um par e terem levado para a monogamia tanto quanto possível a posição da mulher correspondente a esse tipo de família tal avanço de modo algum proveio de uma fabulosa disposição natural dos germanos à pureza de costumes a qual se limitou ao fato de o casamento do par não ser movido pelos gritantes antagonismos morais próprios da monogamia Pelo contrário em suas expedições migratórias especialmente rumo ao Sudeste até as estepes do mar Negro povoadas por nômades os germanos haviam passado por um forte processo de degeneração e adotaram desses povos além das técnicas de equitação alguns graves vícios antinaturais o que Amiano atesta expressamente a respeito dos taifalos e Procópio a respeito dos hérulos Porém o fato de a monogamia ser a única de todas as formas conhecidas de família em que podia medrar o amor sexual moderno não significa que ela tenha se desenvolvido exclusiva ou mesmo preponderantemente a partir dele isto é como amor dos cônjuges um pelo outro A natureza do casamento monogâmico fixo sob dominação masculina excluía isso Em todas as classes historicamente ativas isto é em todas as classes dominantes a união conjugal permaneceu o que sempre fora desde o casamento do par a saber coisa arranjada pelo pai e pela mãe segundo suas conveniências E a primeira forma histórica do amor sexual como paixão mais precisamente como paixão que compete a todo e qualquer ser humano pelo menos das classes dominantes como forma suprema da pulsão sexual o que justamente perfaz seu caráter específico essa sua primeira forma o amor cavalheiresco da Idade Média não foi de modo algum um amor conjugal Pelo contrário Em sua figura clássica entre os provençais ela navega de velas enfunadas na direção do adultério e seus poetas o celebram A flor da poesia amorosa provençal são as albas Tagelieder em alemão Elas descrevem com cores candentes o cavaleiro deitado na cama ao lado de sua bela a esposa de alguém o vigia postado do lado de fora do quarto para avisálo assim que surgisse o primeiro sinal do alvorecer alba para que ele pudesse se safar sem ser notado a cena da separação constitui o ponto alto Os habitantes do Norte da França e os bravos germanos também acolheram esse tipo de poesia com a peculiaridade do amor cavalheiresco que lhes correspondia e o nosso velho Wolfram von Eschenbach nos legou sobre esse mesmo tema sugestivo três maravilhosas albas que aprecio bem mais do que suas três longas epopeias A atual união conjugal burguesa é de dois tipos Nos países católicos em toda linha o pai e a mãe ainda providenciam para o jovem filho burguês uma esposa adequada e naturalmente a consequência disso é a plena explicitação da contradição contida na monogamia heterismo abundante por parte do homem e adultério abundante por parte da mulher A Igreja católica certamente só aboliu o divórcio porque se convenceu de que não existe remédio para o adultério assim como não existe para a morte Nos países protestantes em contraposição tornouse regra conceder ao filho do burguês maior ou menor liberdade para escolher uma esposa de sua classe por isso algum sentimento de amor pode estar na base da consumação do casamento e inclusive por conveniência sempre é pressuposto como corresponde à hipocrisia protestante Nesse caso o heterismo já não é mais tão praticado pelo homem e o adultério já não é mais a regra para a mulher Porém dado que em todo tipo de casamento as pessoas continuam sendo o que eram antes do casamento e dado que os burgueses dos países protestantes geralmente são filisteus essa monogamia protestante traz para a comunhão conjugal na média dos melhores casos uma monotonia pesada que recebe o nome de felicidade familiar O melhor espelho desses dois métodos de casamento é o romance o do tipo católico é o romance francês o do protestante é o romance alemão be Em cada um dos dois ele a ganha no alemão o jovem ganha a moça no francês o marido ganha a galhada Nem sempre se consegue dizer ao certo qual dos dois fica em piores condições Essa é a razão pela qual a monotonia do romance alemão causa no burguês francês os mesmos arrepios que a imoralidade do romance francês causa no filisteu alemão Ainda que em tempos recentes em que Berlim está se tornando uma cosmópole o romance alemão comece a incursionar um pouco menos timidamente no heterismo e no adultério praticados ali de longa data Nos dois casos porém o casamento é condicionado pela condição de classe dos envolvidos e por isso é sempre um matrimônio de conveniência bf Nos dois casos muitas vezes esse matrimônio de conveniência descamba para a mais crassa prostituição às vezes das duas partes mas mais comumente da mulher que só se diferencia das cortesãs habituais por não alugar seu corpo por empreitada como a trabalhadora assalariada mas por vendêlo de uma vez por todas como escrava E para todos os matrimônios de conveniência vale a seguinte palavra de Fourier Como na gramática duas negações perfazem uma afirmação na moral conjugal duas prostituições equivalem a uma virtude bg Na relação com uma mulher o amor sexual só se torna e só pode se tornar regra de fato entre as classes oprimidas ou seja nos dias de hoje no proletariado quer essa relação seja oficialmente autorizada ou não Nesse caso porém também foram eliminados todos os fundamentos da monogamia clássica Está ausente a propriedade para cuja preservação e transmissão por herança foram criadas a monogamia e a dominação masculina e em consequência está ausente também toda a motivação para impor a dominação masculina E não só faltam também os meios o direito burguês que protege essa dominação existe somente para quem tem posses e para sua interação com os proletários isso custa dinheiro e em virtude da pobreza não se aplica à relação entre o trabalhador e sua mulher Nesse caso outras relações sociais e pessoais são decisivas E desde que a grande indústria tirou a mulher de casa e a transferiu para o mercado de trabalho e para a fábrica convertendoa muitas vezes em provedora da família o último resquício da dominação masculina na casa proletária perdeu de vez o chão talvez se mantendo ainda um pouco da brutalidade que se abateu sobre as mulheres desde a introdução da monogamia Assim a família do proletário não é mais a família monogâmica em sentido estrito mesmo que haja da parte de ambos o amor mais apaixonado e a fidelidade mais firme e apesar de eventuais bênçãos espirituais e seculares Por conseguinte as eternas sequelas da monogamia o heterismo e o adultério praticamente não têm mais importância aqui a mulher conseguiu reaver seu direito à separação e quando os dois não se suportam mais é preferível separarse Em suma o matrimônio proletário é monogâmico no sentido etimológico do termo mas de modo nenhum em seu sentido histórico bh Nossos juristas acham no entanto que o avanço da legislação retira cada vez mais das mulheres qualquer motivo de queixa Os sistemas legais da civilização moderna reconhecem cada vez mais que em primeiro lugar para ter validade legal o casamento precisa ser um contrato firmado voluntariamente por ambas as partes e em segundo lugar que durante o casamento as duas partes devem ter os mesmos direitos e deveres Portanto sendo essas duas exigências cumpridas de modo coerente as mulheres já teriam tudo o que poderiam exigir Essa argumentação autenticamente jurídica é exatamente a mesma que o burguês republicano radical usa para rejeitar o proletário e mandálo ficar quieto O contrato de trabalho deve ser firmado voluntariamente pelas duas partes Mas ele é reconhecido como firmado voluntariamente a partir do momento em que a lei estabelece no papel a igualdade das duas partes O poder que a diferença de classe confere a uma das partes e a pressão que ela exerce sobre a outra parte a situação econômica real de ambas não interessam à lei E enquanto durar o contrato de trabalho de novo as duas partes devem gozar de direitos iguais desde que uma ou outra não tenha renunciado expressamente a eles Mas de novo a lei nada tem a ver com o fato de que a situação econômica força o trabalhador a renunciar a qualquer aparência de igualdade de direitos Com relação ao casamento até a lei mais progressista é plenamente satisfeita no momento em que os envolvidos protocolam formalmente sua voluntariedade O que acontece atrás dos bastidores jurídicos onde se desenrola a vida real como se produz essa voluntariedade são questões com as quais a lei e o jurista não podem se ocupar E no entanto o procedimento mais simples do direito comparativo deveria mostrar ao jurista o que acontece com essa voluntariedade Nos países em que é assegurada por lei uma parcela obrigatória do patrimônio paterno aos filhos e onde eles portanto não podem ser deserdados na Alemanha nos países em que vigora o direito francês etc os filhos dependem da concordância do pai e da mãe para contrair matrimônio Nos países em que vigora o direito inglês onde a concordância paterna não é uma exigência legal para o matrimônio o pai e a mãe têm toda a liberdade testamental sobre o seu patrimônio podendo deserdar filhos e filhas a seu belprazer Mas é evidente que de fato nas classes em que há algo para herdar apesar disso e justamente por isso a liberdade de contrair matrimônio não é nem um milímetro maior na Inglaterra e na América do que na França e na Alemanha A situação não é melhor com a equiparação jurídica de homem e mulher no casamento A desigualdade de ambos perante o direito que nos foi legada por condições sociais anteriores não é a causa mas o efeito da opressão econômica da mulher Na antiga economia doméstica comunista que abrangia muitos casais e seus filhosfilhas a condução da casa a cargo das mulheres era uma indústria pública tão socialmente necessária quanto a obtenção do alimento pelos homens A família patriarcal e sobretudo a família monogâmica individual mudaram isso A condução da casa perdeu seu caráter público Deixou de concernir à sociedade Tornouse um serviço privado a mulher se tornou a serviçal número um alijada da participação na produção social Foi a grande indústria do nosso tempo que voltou a franquear à mulher mas só à mulher proletária o caminho para a produção social Mas isso de tal modo que quando cumpre seus deveres no serviço privado à família ela é excluída da produção pública e não pode adquirir nada e quando quer participar da indústria pública e adquirir autonomamente não tem condições de cumprir os deveres para com a família E o mesmo que sucede na fábrica sucede à mulher em todos os ramos de negócios inclusive na medicina e na advocacia A família individual moderna foi fundada sobre a escravização doméstica aberta ou dissimulada da mulher e a sociedade moderna é uma massa cujas moléculas são as famílias individuais Hoje em dia na grande maioria dos casos o homem precisa ser aquele que ganha o sustento da família o provedor pelo menos nas classes possuidoras e isso lhe confere uma posição de dominação que não necessita de nenhum privilégio jurídico adicional Na família ele é o burguês e a mulher representa o proletariado No mundo industrial porém o caráter específico da opressão econômica que pesa sobre o proletariado só aparece com toda a nitidez depois que se eliminam todos os privilégios legais da classe dos capitalistas e se estabelece a igualdade jurídica de direitos das duas classes A república democrática não abole o antagonismo das duas classes pelo contrário é a primeira a propiciar o terreno em que ele é resolvido E do mesmo modo o caráter peculiar da dominação do homem sobre a mulher na família moderna assim como a necessidade e o modo de estabelecimento de uma equiparação social real entre os dois só aparecerá sob uma luz intensa quando ambos tiverem total igualdade de direitos em termos jurídicos Ficará evidente então que a libertação da mulher tem como primeira precondição a reintrodução de todo o gênero feminino na indústria pública e que isso por sua vez exige a eliminação da família individual em sua condição de unidade econômica da sociedade Temos de acordo com isso três formas principais de casamento que em grandes traços correspondem aos três estágios principais do desenvolvimento humano Ao estado selvagem corresponde o casamento grupal à barbárie o casamento do par à civilização a monogamia complementada pelo adultério e pela prostituição Entre o casamento do par e a monogamia se intercalam no estágio superior da barbárie o poder dos homens sobre as escravas e a poligamia Como toda a nossa exposição demonstrou o progresso que se evidencia nessa sequência está vinculado à peculiaridade de que pouco a pouco foi retirada das mulheres mas não dos homens a liberdade sexual do casamento grupal E de fato o casamento grupal persiste até hoje para os homens O que no caso da mulher é crime e tem graves consequências legais e sociais no caso do homem é tido como honroso ou na pior das hipóteses como mácula moral leve da qual se trata com humor Porém quanto mais o heterismo tradicional se modifica em nossa época pela produção capitalista de mercadorias e se adapta ela quanto mais ele se transforma em prostituição escancarada mais desmoralizante é o seu efeito E precisamente ele desmoraliza bem mais os homens do que as mulheres A prostituição degrada entre as mulheres apenas as infelizes que sucumbem a ela e mesmo estas em um grau bem menor do que se imagina Em contraposição ela rebaixa o caráter de todo o mundo masculino Assim em nove dentre dez casos o noivado prolongado constitui uma escola preparatória completa para a infidelidade conjugal Hoje caminhamos para uma revolução social em que desaparecerão os fundamentos econômicos da monogamia existentes até aqui bem como os de seu complemento a prostituição A monogamia surgiu da concentração de grandes quantidades de riqueza em uma só mão mais precisamente na de um homem e da necessidade de legar essa riqueza aos filhos desse homem e de nenhum outro Para isso era requerida a monogamia da mulher não do homem de tal maneira que essa monogamia da mulher não impediu a poligamia aberta ou dissimulada do homem Porém a iminente revolução social reduzirá ao mínimo toda essa preocupação com a herança ao transformar ao menos a parte imensamente maior da riqueza duradoura e hereditária os meios de produção em propriedade social Ora dado que a monogamia surgiu por causas econômicas será que ela desaparecerá quando essas causas desaparecerem Com uma boa dose de razão podemos responder ela não só não desaparecerá como só então se realizará plenamente Pois com a transformação dos meios de produção em propriedade social desaparecerá também o trabalho assalariado o proletariado e portanto a necessidade de que certa quantidade estatisticamente calculável de mulheres se entregue por dinheiro A prostituição desaparecerá e a monogamia em vez de sucumbir finalmente se tornará realidade também para os homens A situação dos homens em todo caso mudará bastante Mas também a das mulheres a de todas as mulheres experimentará uma mudança significativa Com a conversão dos meios de produção em propriedade comum a família individual deixará de ser a unidade econômica da sociedade A economia doméstica privada se transformará em indústria social A criação e a educação das crianças serão assunto público a sociedade cuidará de todas as crianças igualmente sejam elas nascidas no matrimônio ou fora dele Desse modo acabará o temor das consequências que hoje é o fator social mais importante tanto moral como econômico que impede uma moça de se entregar sem ressalvas ao homem que ama Não seria isso motivo suficiente para o surgimento gradativo de uma relação sexual mais desinibida e desse modo também de uma opinião pública menos severa a respeito da honra virginal e da desonra da mulher E por fim não vimos que no mundo moderno monogamia e prostituição são de fato opostos mas opostos inseparáveis polos da mesma condição social A prostituição poderá desaparecer sem arrastar a monogamia para o abismo Nesse ponto entra em ação um novo fator que na época em que surgiu a monogamia existia quando muito embrionariamente o amor sexual individual Antes da Idade Média não se pode falar de amor sexual individual É óbvio que a beleza pessoal a intimidade as afinidades etc despertavam em pessoas de sexos diferentes o desejo da relação sexual e não era totalmente irrelevante nem para os homens nem para as mulheres com quem teriam essa que é a mais íntima das relações Mas daí até o nosso amor sexual ainda há uma distância imensa Na Antiguidade os casamentos são contratados pelo pai e pela mãe e os envolvidos se adaptam tranquilamente O pouquinho de amor conjugal que a Antiguidade conhece não é inclinação subjetiva mas dever objetivo não é base mas correlato do casamento Na Antiguidade as relações amorosas no sentido moderno do termo ocorrem fora da sociedade oficial Os pastores cujas alegrias e sofrimentos amorosos são declamados por Teócrito e Mosco ou por Longo em seu Dáfnis e Cloé não passam de escravos sem nenhuma participação no Estado na esfera vital dos cidadãos livres Além desses amores entre escravos encontramos envolvimentos amorosos apenas como produto da dissolução do mundo antigo em declínio mais precisamente com mulheres que também se encontram à margem da sociedade oficial com heteras e portanto com estrangeiras e libertas em Atenas às vésperas de sua ruína e em Roma no período imperial Se realmente aconteceram envolvimentos amorosos entre cidadãos e cidadãs livres isso se deu unicamente por meio do adultério E o amor sexual tal como o entendemos era tão irrelevante para o velho Anacreonte o poeta clássico do amor na Antiguidade que ele não dava a mínima nem mesmo para o sexo do ser amado Nosso amor sexual se diferencia essencialmente do simples desejo sexual do eros dos antigos Em primeiro lugar pressupõe que o amor seja correspondido pelo ser amado nesse aspecto a mulher está em pé de igualdade com o homem ao passo que no caso do eros antigo nem sempre ela é consultada Em segundo lugar o amor sexual possui uma intensidade e uma duração tais que a falta da posse sexual e a separação são encaradas pelas duas partes como um grande infortúnio quando não o maior de todos para se possuírem mutuamente eles jogam alto apostam até a vida o que na Antiguidade acontecia quando muito no caso do adultério E por último surge um novo parâmetro moral para avaliar a relação sexual já não se pergunta apenas se ela aconteceu dentro ou fora do matrimônio mas se teve origem no amor correspondido ou não É compreensível que na práxis feudal ou burguesa esse novo parâmetro não tenha tido melhor sorte do que os demais parâmetros da moral ele é ignorado Mas tampouco teve pior sorte Ele é reconhecido com os demais na teoria no papel E por enquanto mais do que isso ele não pode pedir A Idade Média parte do ponto em que a Antiguidade interrompeu suas experiências com o amor sexual o adultério Já descrevemos o amor cavalheiresco que deu origem às albas Tagelieder Desse amor que visa romper o casamento ao amor que visa fundálo há um longo caminho que a cavalaria não chegou a trilhar até o fim Mesmo quando passamos dos frívolos povos romanos para os virtuosos germanos encontramos na Canção dos nibelungos que Kriemhild apesar de tão apaixonada por Siegfried quanto ele por ela ao ouvir o anúncio de Günther de que a prometera a um cavaleiro que ele próprio não conhecia responde simplesmente Não é necessário que me peçais nada sempre procederei como me ordenardes casarei de bom grado meu senhor com aquele que me concederdes por esposo Nem sequer lhe ocorre que seu amor possa ser levado em consideração Günther pede Brünhild em casamento e Etzel pede Kriemhild sem nunca as terem visto da mesma forma no Gutrun bi Siegebant da Irlanda pede a mão da norueguesa Ute Hetel de Hegelingen a de Hilde da Irlanda e por fim Siegfried de Morland Hartmut da Ormânia e Herwig de Seeland pedem a mão de Gutrun e aqui pela primeira vez ocorre que esta se decide espontaneamente pelo último Via de regra a noiva do jovem príncipe é escolhida pelos pais dele caso ainda estejam vivos do contrário por ele próprio mediante aconselhamento dos grandes feudatários cuja opinião em todos os casos tem grande peso Nem pode ser diferente Tanto para o cavaleiro ou barão quanto para o próprio príncipe territorial o casamento constitui um ato político uma oportunidade de aumentar seu poder por meio de novas alianças o interesse da casa deve decidir não o arbítrio do indivíduo Nesse caso como o amor poderia ter a última palavra sobre a consumação do matrimônio Não foi diferente com o mestre de corporação nas cidades medievais Justamente os privilégios que o protegiam os estatutos corporativos eivados de cláusulas as fronteiras artificiais que o separavam legalmente ora de outras corporações ora de seus próprios colegas de corporação ora de seus companheiros e aprendizes já desenhavam um círculo estreito no qual ele podia procurar uma esposa adequada E nesse complexo sistema decidir qual seria mais adequada não competia em absoluto à sua preferência pessoal mas ao interesse da família Assim portanto na esmagadora maioria dos casos a consumação do casamento permaneceu até o fim da Idade Média o que foi desde o princípio isto é um assunto que não era decidido pelos envolvidos No início as pessoas vinham ao mundo já casadas casadas com todo um grupo do outro sexo Nas formas posteriores do casamento grupal houve provavelmente uma relação parecida só que mediante um constante estreitamento do grupo No casamento do par a regra é as mães combinarem o casamento de seus filhos e filhas também nesse caso consideraramse os novos laços de parentesco que proporcionarão ao jovem par uma posição mais influente na gens e na tribo Com a preponderância da propriedade privada sobre a propriedade comum e o interesse na transmissão da propriedade por meio de herança o direito paterno e a monogamia passaram a reinar foi então que o casamento se tornou inteiramente dependente das considerações econômicas A forma do casamento mediante compra desaparece o negócio é feito de modo cada vez mais intenso de modo que não só a mulher mas também o homem passa a ter um preço não por suas qualidades pessoais mas por suas posses Desde o início na práxis das classes dominantes era algo insólito que a afeição recíproca fosse a razão preponderante do casamento isso aconteceu no máximo no romantismo ou entre as classes oprimidas que não contavam Essa era a situação que a produção capitalista encontrou quando a partir da era dos descobrimentos geográficos se preparou para dominar o mundo por meio do comércio mundial e da manufatura Podese imaginar que esse modo de consumação do casamento tenha sido excepcionalmente adequado a ela e de fato foi E no entanto a ironia da história mundial é insondável foi ela que abriu a brecha decisiva nesse modo de matrimônio Ao transformar todas as coisas em mercadoria ela dissolveu todas as relações tradicionais advindas de tempos antigos substituindo o costume herdado e o direito histórico pela compra e venda pelo contrato livre Foi nessa linha que o jurista inglês H S Maine bj acreditou ter feito uma descoberta extraordinária ao dizer que todo o nosso progresso em relação às épocas passadas foi que passamos from status to contract das condições transmitidas por herança para as condições voluntariamente contratadas o que todavia já constava no Manifesto Comunista bk na medida em que está correto Porém o ato de firmar um contrato requer pessoas capazes de dispor livremente de si mesmas de suas ações e posses e que se defrontem em igualdade de direitos Criar essas pessoas livres e iguais foi justamente uma das obras principais da produção capitalista No início isso se fazia de modo semiconsciente e ainda por cima mascarado pela religião mas a partir das Reformas luterana e calvinista consolidouse o princípio de que o ser humano só é plenamente responsável por seus atos se os realizar em plena liberdade de sua vontade e de que era dever moral oferecer resistência a toda e qualquer coerção à prática de um ato imoral Porém como isso se coadunava com a práxis de consumação do casamento vigente até ali Segundo a concepção burguesa o casamento era um contrato uma transação legal na verdade a mais importante de todas pois dispunha sobre o corpo e o espírito de dois seres humanos por toda a vida Naquela época ele de fato era consumado de modo formalmente voluntário sem o sim dos envolvidos não havia jeito Porém todos sabiam muito bem como se chegava a esse sim e quem eram os casamenteiros propriamente ditos Mas se para os demais contratos se exigia liberdade real de decisão por que não também para este Por acaso os dois jovens que deviam formar um par não tinham também o direito de dispor livremente de si mesmos de seu corpo e de seus órgãos O amor sexual não virara moda graças à cavalaria e em contraste com o amor adúltero da cavalaria o amor conjugal não era a sua forma burguesa correta Mas se era dever dos cônjuges amar um ao outro não era igualmente dever dos que se amam casar um com o outro e não com outra pessoa Esse direito dos que se amam não estava acima do direito do pai da mãe dos parentes e dos tradicionais casamenteiros e corretores de casamentos Se o direito de livre exame pessoal irrompia sem cerimônia na Igreja e na religião como deterse diante da insuportável exigência da geração mais velha de dispor do corpo da alma do patrimônio da felicidade e da infelicidade da geração mais nova Essas perguntas tinham de ser levantadas em uma época em que se afrouxavam todos os laços antigos da sociedade e se sacudiam todas as concepções herdadas De um só golpe o mundo se tornara quase dez vezes maior em vez de um quadrante de um hemisfério todo o globo terrestre se descortinava diante dos olhos dos europeus ocidentais que se apressaram em tomar posse dos outros sete quadrantes E com as antigas e estreitas barreiras pátrias caíram também as barreiras milenares do modo de pensar prescrito pela Idade Média Tanto diante do olho interior quanto do olho exterior do ser humano abriuse um horizonte de amplitude infinita De que valiam para o homem jovem atraído pelas riquezas das Índias pelas minas de ouro e de prata do México e de Potosí a honradez bemintencionada o honroso privilégio corpo rativo legado por gerações Era a época da cavalaria andante da burguesia porque também ela teve o seu romantismo e o seu arrebatamento amoroso mas sobre uma base burguesa e com metas em última instância burguesas Assim aconteceu que a burguesia ascendente principalmente a dos paí ses protestantes nos quais mais se sacudiu o vigente reconheceu cada vez mais a liberdade de contratação também para o casamento e a praticou da maneira como a descrevemos anteriormente O casamento continuou sendo classista mas dentro da classe foi concedido aos envolvidos certo grau de liberdade de escolha E no papel tanto para a teoria moral como para a descrição poética nada era mais inabalável do que a convicção de que era imoral todo casamento que não se baseasse no amor sexual recíproco e no consentimento realmente livre dos cônjuges Em suma o casamento por amor foi proclamado direito humano e mais precisamente não só como droit de lhomme direito do homem mas também excepcionalmente como droit de la femme direito da mulher Porém esse direito humano se distinguia em um ponto dos demais assim chamados direitos humanos Enquanto na prática estes permaneceram restritos à classe dominante à burguesia e eram direta ou indiretamente cerceados no que dizia respeito à classe oprimida ao proletariado no ponto em questão comprovase uma vez mais a ironia da história A classe dominante permanece dominada pelas influências econômicas que conhecemos e por conseguinte exibe apenas excepcionalmente casamentos consumados de modo realmente livre ao passo que na classe dominada como vimos eles são a regra Portanto a liberdade completa de consumação do casamento só será universal quando a eliminação da produção capitalista e das relações de propriedade criadas por ela tiverem afastado todas as considerações econômicas colaterais que no momento ainda exercem uma influência muito poderosa sobre a escolha dos cônjuges Quando isso acontecer não restará mais nenhuma outra motivação além da afeição mútua Ora dado que o amor sexual é exclusivo por natureza embora hoje em dia essa exclusividade só se realize plenamente na mulher o casamento fundado no amor sexual é por natureza monogâmico Vimos que Bachofen tinha toda a razão ao considerar que a evolução do casamento grupal para o casamento monogâmico é preponderantemente obra das mulheres somente a passagem do casamento do par para a monogamia pode ser atribuída aos homens e basicamente ela consistiu em termos históricos no rebaixamento da posição das mulheres e na facilitação da infidelidade dos homens Ora se ainda forem suprimidas as considerações econômicas em virtude das quais as mulheres aceitam a costumeira infidelidade dos homens por preocupação com sua existência e sobretudo com o futuro dos descendentes a igualdade alcançada pela mulher terá como mostram todas as experiências realizadas até agora um efeito infinitamente maior no sentido de tornar os homens real mente monogâmicos do que no sentido de tornar as mulheres poliândricas Porém o que decididamente será excluído da monogamia são as características que lhe foram impressas pela gênese a partir das relações de propriedade que são em primeiro lugar a supremacia do homem e em segundo lugar a indissolubilidade A supremacia do homem no casamento é simples decorrência de sua supremacia econômica e cairá automaticamente com ela A indissolubilidade do casamento é em parte decorrência da situação econômica na qual surgiu a monogamia e em parte tradição oriunda da época em que a conexão entre essa situação econômica e a monogamia ainda não tinha sido bem compreendida e foi sublimada em termos religiosos Hoje ela já foi rompida milhares de vezes Se apenas o casamento fundado no amor for moral então também será apenas nele que persistirá o amor Contudo a duração dos arroubos do amor sexual individual é muito diferenciada de indivíduo para indivíduo principalmente no caso dos homens e o desaparecimento de fato da afeição ou sua supressão por força de uma nova paixão faz da separação um benefício tanto para as duas partes quanto para a sociedade Só que as pessoas deverão ser poupadas da obrigação de atravessar a sujeira inútil de um processo de divórcio Portanto o que podemos supor hoje sobre a ordem das relações sexuais depois que a produção capitalista for varrida do mapa possui um caráter preponderantemente negativo limitandose ao que será subtraído Mas o que será acrescentado Isso se decidirá quando uma nova geração tiver crescido uma geração de homens que nunca na vida estiveram na situação de comprar a entrega de uma mulher por dinheiro ou outros recursos sociais de poder e uma geração de mulheres que nunca estiveram na situação de entregarse a um homem por considerações outras que não o verdadeiro amor ou de negar a entrega ao amado por medo das consequências econômicas Quando essas pessoas existirem mandarão ao diabo as ideias que hoje se tem a respeito do que elas deveriam fazer elas mesmas constituirão sua práxis e em consonância com ela a opinião pública que julgará a práxis de cada indivíduo Ponto final Retornemos entretanto a Morgan do qual nos afastamos consideravelmente A investigação histórica das instituições sociais que se desenvolveram durante o período da civilização extrapola o escopo de seu livro Por conseguinte as vicissitudes da monogamia durante esse período ocupamno apenas muito brevemente Ele também vê o aprimoramento da família monogâmica como um avanço uma aproximação da plena igualdade de direitos dos sexos não considerando contudo que essa meta tenha sido alcançada Porém diz ele quando se reconhece o fato de que a família assumiu quatro formas subsequentes e agora se encontra na quinta surge a pergunta se essa forma poderá ser duradoura no futuro A única resposta possível é que ela tem de evoluir do mesmo modo que a sociedade evolui transformar se na mesma proporção que a sociedade se transforma exatamente como aconteceu até agora Ela é criação do sistema social e refletirá seu estado de formação Dado que a família monogâmica melhorou desde o início da civilização e de modo bem perceptível na Era Moderna podese ao menos supor que ela é passível de aperfeiçoamento até que se atinja a igualdade dos dois sexos Se no futuro distante a família monogâmica não for capaz de satisfazer as demandas da sociedade é impossível prever quais serão as características de sua sucessora bl a No original de Morgan pairing family N T b Engels usou em seu trabalho as seguintes obras de John Ferguson McLennan Primitive Marriage an Inquiry into the Origin of the Form of Capture in Marriage Ceremonies Edimburgo 1865 Studies in Ancient History Comprising a Reprint of Primitive Marriage an Inquiry into the Origin of the Form of Capture in Marriage Ceremonies Londres 1876 Durante a preparação da quarta edição de A origem da família 1892 ele estudou a nova edição do último livro mencionado publicada no ano de 1886 em Londres e Nova York N E A c Lewis H Morgan Ancient Society cit p 435 N E A d O texto que vai até o subtítulo 1 Família consanguínea p 44 deste volume é parte da versão ampliada por Engels em 1892 Em 1884 tinha o seguinte teor A descoberta desse estado originário é o primeiro grande mérito de Bachofen Desse estado originário provavelmente se desenvolveu bem cedo a N E A e Ver Johann Jakob Bachofen Das Mutterrecht eine Untersuchung über die Gynaikokratie der alten Welt nach ihrer religiösen und rechtlichen Natur Stuttgart 1861 p 19 N E A 3 Bachofen prova que não entendeu bem o que descobrira ou antes adivinhara ao designar esse estado originário de heterismo Para os gregos quando introduziram o termo heterismo caracterizava a relação entre homens solteiros ou vivendo em casamento monogâmico e mulheres solteiras pressupondo sempre uma determinada forma de casamento fora do qual essa relação tem lugar e inclui a prostituição ao menos como possibilidade Em outro sentido essa palavra nunca foi usada e é nesse sentido que a uso acompanhando Morgan As descobertas sumamente importantes de Bachofen são inacreditavelmente mistificadas em toda parte porque ele imagina que as relações historicamente surgidas entre homem e mulher teriam sua fonte nas respectivas concepções religiosas das pessoas e não em suas reais relações vitais f GiraudTeulon cita esse enunciado de Saussure em seu livro Les Origines du mariage et de la famille Genebra e Paris A Cherbuliez 1884 p xv N E A g Charles Letourneau LÉvolution du mariage et de la famille Paris 1888 p 41 N E A h Engels cita Espinas segundo o livro de GiraudTelon Les Origines du mariage et de la famille cit p 518 cujo apêndice contém um excerto desse trabalho N E A i Edvard Westermarck The History of Human Marriage Londres e Nova York 1891 p 701 N E A 4 Em uma carta do começo de 1882 essa carta que é mencionada por Engels também em uma carta de 11 de abril de 1884 a Kautsky não se conservou N E A Marx emprega expressões o mais fortes possível ao se manifestar a respeito da falsificação total da era primordial que reina no texto dos Nibelungos de Wagner Alguma vez já se ouviu que o irmão tenha abraçado a irmã como se fosse sua noiva Engels se refere à ópera O anel dos nibelungos de Richard Wagner que o próprio compositor escreveu baseado na epopeia escandinava Edda e na Canção dos nibelungos N E A Aos deuses da lascívia wagnerianos que bem no sentido moderno dão aos seus folguedos amorosos um toque mais picante por meio do incesto Marx responde Na era primordial a irmã era a esposa e isso era moral Na edição de 1884 a nota termina aqui Na quarta edição prossegue Um amigo francês e admirador de Wagner não concorda com esta nota e observa que já na Edda mais antiga na qual Wagner se baseia na Ögisdrecka Loki censura Freyja Diante dos deuses abraçaste teu próprio irmão O casamento entre irmãos teria sido desaprovado já naquela época A Ögisdrecka é expressão de uma época em que a fé nos velhos mitos havia ruído completamente ela é pura sátira luciânica aos deuses Quando Loki no papel de Mefisto censura Freyja dessa maneira isso depõe antes contra Wagner Loki também diz alguns versos adiante para Niördhr Com a tua irmã geraste tal filho vidh systur thinni gaztu slikan mög Niördhr não é um aesir mas um vanir e diz a saga Ynglinga que casamentos entre irmãos são corriqueiros na terra dos vanires o que entre os aesires não era o caso Isso seria um indício de que os vanires são deuses mais antigos do que os aesires Em todo caso Niördhr vive entre os aesires como se fosse um deles e assim a Ögisdrecka é antes uma prova de que na época do surgimento das sagas norueguesas a respeito dos deuses o casamento entre irmãos pelo menos entre os deuses ainda não provocava aversão Caso se queira desculpar Wagner em vez de recorrer à Edda talvez fosse melhor apelar para Goethe que na balada Der Gott und die Bajadere O deus e a bailadeira comete erro semelhante em relação à entrega religiosa das mulheres aproximandoas demais da prostituição moderna j Na edição de 1884 falta provavelmente N E A k Lewis H Morgan Ancient Society cit p 425 N E A l Na edição de 1884 falta ou uma forma muito parecida com ela N E A 5 Os traços da relação sexual indiscriminada que Bachofen Das Mutterrecht Stuttgart 1861 XXIII p 385 e seg N E A pensa ter encontrado sua assim chamada procriação pantanosa remontam ao casamento grupal o que agora não pode mais ser posto em dúvida Se Bachofen pensa que esses casamentos punaluanos são sem lei um homem daquele período consideraria a maioria dos atuais casamentos entre primos próximos e distantes do lado paterno ou materno tão incestuosos quanto os casamentos entre irmãos e irmãs consanguíneos Marx m César De bello gallico livro V cap 14 N E A n Na edição de 1884 consta família punaluana em vez de casamento grupal N E A o Na edição de 1884 consta forma de família em vez de forma de casamento grupal ou outra semelhante N E A p Na edição de 1884 consta sua organização no entanto é muito esparsa para que a levemos em consideração em vez de o que eles têm é uma forma mais rudimentar do casamento grupal N E A q Na edição de 1884 faltam os parágrafos seguintes até 3 Família de um par p 51 N E A r Lewis H Morgan Systems of Consanguinity and Affinity of the Human Family Washington 1781 N E A s Na edição de 1884 consta família punaluana em vez de casamento grupal N E A t Lewis H Morgan Ancient Society cit p 459 N E A u Engels cita a carta de Arthur Wright segundo o livro de Morgan Ancient Society cit p 455 O texto completo da carta datada de 19 de maio de 1874 foi publicado na revista American Anthropologist New Series Menasha Wisconsin n 1 1933 p 13840 N E A v Na edição de 1884 consta família punaluana em vez de casamento grupal N E A w Na edição de 1884 falta a última frase N E A x Hubert Howe Bancroft The Native Races of the Pacific States of North America Leipzig 1875 v I p 3523 N E A y O texto seguinte até o parágrafo iniciado com A família de um par surgiu na fronteira entre o estado selvagem e a barbárie p 57 é a versão ampliada por Engels em 1892 Em 1884 o teor era este Resquícios semelhantes do mundo antigo são suficientemente conhecidos como a entrega de meninas fenícias no templo durante as festividades de Astarte até o direito medieval à primeira noite que apesar das depurações do neorromantismo alemão teve uma existência bem concreta é uma porção de família punaluana supostamente legada pela gens pelo clã celta N E A z Ed bras Viagem ao Brasil Brasília Senado Federal 2000 N E B aa Tratase da chamada Sentença de Guadalupe de 21 de abril de 1486 a terceira sentença arbitral do rei espanhol Ferdinando V o Católico O levante dos camponeses na Catalunha forçou o rei a fazer concessões aos camponeses e ele atuou como mediador entre os camponeses revoltados e os senhores feudais A sentença arbitral ordenou a abolição da servidão e dos usos perversos entre outros o direito à primeira noite e tributos do futuro noivo ou da noiva mediante pagamento de resgate N E A ab Na edição de 1884 consta propriedade privada em vez de propriedade específica N E A ac Na edição de 1884 consta numerosas esposas agora têm valor em vez de as esposas que antes eram fáceis de conseguir e passaram a ter valor de troca N E A ad Na edição de 1884 consta posse privada em vez de posse das famílias N E A ae Na edição de 1884 falta das famílias N E A af Na edição de 1884 falta a última frase N E A ag Lewis H Morgan Ancient Society cit p 4656 N E A ah Ibidem p 470 N E A ai Na edição de 1884 falta o texto seguinte até o parágrafo iniciado com Antes de passarmos para a monogamia p 64 N E A aj Ver Maxim Kovalevski Pervobietnoie Prava Wiepusk I Rod Moscou 1886 Nesse trabalho Kovalevski se apoia em publicações de Orchanski 1875 e Jefimenko 1878 sobre questões das cooperativas de famílias na Rússia N E A ak Pravda de Iaroslav é o nome da primeira parte da versão mais antiga da Russkaia Pravda coletânea de leis da antiga Rus que surgiu nos séculos XI e XII e tinha como base o direito consuetudinário daquele tempo ela refletia as relações socioeconômicas da sociedade da época N E A al Coletânea de leis vigentes do século XV ao XVII em Poliica região da Dalmácia conhecidas como Estatuto de Poliica N E A am Andreas Heusler Institutionen des Deutschen Privatrechts Leipzig 1886 v 2 p 271 N E A an Ver Strabo Geografia livro XV cap 1 N E A ao Cooperativas domésticas entre os índios do México na época da conquista espanhola Cada cooperativa doméstica cujos membros tinham todos a mesma ascendência possuía em comum uma parcela de terra que não podia ser vendida nem repartida em herança Alonso de Zarita descreve os calpullis em seu trabalho Rapport sur les différentes classes de chefs de la NouvelleEspagne sur les lois les moeurs des habitants sur les impôts établis avant et depuis la conquête etc etc publicado pela primeira vez no livro Voyages relations et mémoires originaux pour servir à lhistoire de la découverte de lAmérique publiés pour la première fois en français par H TernauxCompans Paris 1840 t II p 5064 N E A ap Heinrich Cunow Die altperuanischen Dorf und Markgenossenschaften Das Ausland 20 e 27 out e 3 nov 1890 N E A aq Na edição de 1884 consta família punaluana em vez de casamento grupal N E A ar Na edição de 1884 falta a última frase N E A as Engels se refere aqui ao artigo 230 do Code civil des Français introduzido sob Napoleão I em 1804 N E A at O texto seguinte até as palavras Porém apesar de toda clausura e vigilância p 67 é a versão ampliada por Engels em 1891 Em 1884 seu teor era o seguinte em reclusão semiprisional para garantir a paternidade correta das crianças O homem em contraposição divertese com escravas prisioneiras de guerra suas companheiras de tenda na guerra Praticamente não melhora no período clássico Podemos ler extensamente no Charikles de Becker como os gregos tratavam suas mulheres Mesmo que não as tenham exatamente trancafiado mas sim as tenham isolado do mundo elas se tornaram as servas domésticas principais dos seus maridos restritas ao relacionamento principalmente com as demais servas domésticas As moças eram trancafiadas diretamente as mulheres só saíam acompanhadas pelas escravas Quando chegava visita masculina a mulher se recolhia ao seu aposento N E A au Georg Friedrich Schoemann Griechische Altertümer Berlim 1855 v I p 268 N E A av Wilhelm Wachsmuth Hellenistische Alterthumskunde aus dem Gesichtspunkte des Staates Halle 1830 parte II seção II p 77 N E A aw Na edição de 1884 consta sociais em vez de econômicas e a frase termina aqui N E A ax Na edição de 1884 falta a última frase N E A ay Ver a ideia em outros termos em Karl Marx e Friedrich Engels A ideologia alemã São Paulo Boitempo 2007 p 35 N T az Lewis H Morgan Ancient Society cit p 504 N E A ba Na edição de 1884 falta o texto seguinte até Pois o heterismo é uma instituição social N E A bb Na edição de 1884 faltam as duas últimas frases N E A bc Tácito Germânia cap 189 N E A bd Na edição de 1884 falta a última frase N E A be Na edição de 1884 segue e sueco N E A bf Na edição de 1884 falta o texto seguinte até Na relação com uma mulher p 73 N E A bg Citação conforme o sentido de Charles Fourier Œuvres complètes Théorie de lunité universelle Paris 1841 v 3 t 4 p 120 N E A bh Na edição de 1884 falta o texto seguinte até Retornemos entretanto a Morgan p 82 N E A bi Poesia época do médio altoalemão do século XIII N E A bj Henri James Sumner Maine Ancient Law its Connection with the Early History of Society and its Relation to Modern Ideas Londres 1866 p 170 A primeira edição dessa obra saiu em 1861 em Londres N E A bk Ed bras Karl Marx e Friedrich Engels Manifesto Comunista São Paulo Boitempo 1998 cap I N E B bl Lewis H Morgan Ancient Society cit p 4912 N E A III A GENS IROQUESA Chegamos agora a outra descoberta de Morgan no mínimo tão importante quanto a reconstrução da forma da família primitiva a partir dos sistemas de parentesco A demonstração de que as associações gentílicas designadas por nomes de animais em uma tribo de índios americanos são basicamente idênticas às geneá dos gregos e às gentes dos romanos de que a forma americana é a original e a grecoromana a posterior derivada de que toda a organização social dos gregos e dos romanos da era primeva subdividida em gens fratria e tribo tem um paralelo exato na organização social dos índios americanos de que a gens é uma instituição comum a todos os bárbaros até o seu ingresso na civilização e mesmo depois disso até onde chegaram nossas fontes essa demonstração aclarou de vez as partes mais difíceis da história grega e romana e ao mesmo tempo nos proporcionou esclarecimentos não imaginados sobre os traços básicos da constituição da sociedade da era primeva anterior à introdução dos Estados Por mais que o assunto pareça simples quando se passa a ter ciência dele Morgan só o descobriu nos últimos tempos em seu escrito anterior publicado em 1871 ele ainda não havia desvendado esse enigma cuja revelação deixou sem palavras por algum tempo a os sempre tão confiantes historiadores ingleses da PréHistória A palavra latina gens que Morgan emprega de modo geral para essa associação gentílica provém a exemplo da palavra grega génos de mesmo significado da raiz ariana comum gan kan em alemão no qual em regra o k substitui o g ariano que significa gerar Gens génos dschanas em sânscrito kuni em gótico segundo a regra anterior kyn na língua nórdica antiga e na anglosaxônica kin na língua inglesa e künne no médio altoalemão significam igualmente geração linhagem Porém gens em latim e génos em grego são termos usados especificamente para a associação gentílica que se vangloria de uma linhagem comum nesse caso de um ancestral comum e se une numa comunidade específica por meio de certas instituições religiosas e sociais cuja gênese e natureza não obstante até agora permaneceram obscuras para todos os nossos historiadores Ao tratar da família punaluana vimos como é a composição de uma gens em sua forma original Ela é composta de todas as pessoas que por intermédio do casamento punaluano e segundo as concepções nela necessariamente reinantes constituem a descendência reconhecida de uma mãe ancestral individual a fundadora da gens Dado que nessa forma de família a paternidade é incerta o que vale é a linha feminina Como irmãos não podem casar com suas irmãs apenas com mulheres de outra linhagem as crianças geradas com essas mulheres estranhas ficam fora da gens por direito materno Permanecem portanto apenas os descendentes das filhas de cada geração dentro da associação gentílica os dos filhos passam para as gentes de suas mães Ora o que acontece com esse grupo consanguíneo no momento em que se constitui como grupo específico ao lado de grupos similares em uma tribo Morgan assume como forma clássica dessa gens original a dos iroqueses especificamente a da tribo dos senecas Nessa há oito gentes com nomes de animais 1 lobo 2 urso 3 tartaruga 4 castor 5 cervo 6 narceja 7 garça 8 falcão Em cada gens são observados os seguintes costumes 1 Ela elege seu sachem chefe da paz e seu chefe guerreiro líder da guerra O sachem tinha de ser eleito dentro da própria gens e seu cargo era hereditário já que ao ficar vago tinha de ser preenchido de imediato o líder da guerra podia ser eleito também fora da gens e de tempos em tempos faltar completamente Nunca era eleito como sachem o filho do anterior dado que entre os iroqueses vigorava o direito materno e portanto o filho pertencia a outra gens mas podia ser e muitas vezes era eleito o irmão ou o filho da irmã Todos tanto homens quanto mulheres faziam a escolha Porém a eleição tinha de ser confirmada pelas outras sete gentes e só depois disso o eleito era solenemente empossado o que era feito por um conselho comum de toda a confederação dos iroqueses A importância disso se mostrará mais adiante O poder do sachem dentro da gens era de natureza paterna puramente moral ele não dispunha de meios coercitivos Em virtude do cargo era adicionalmente membro do conselho da tribo dos senecas bem como do conselho da confederação de iroqueses O chefe guerreiro só dava ordens em expedições de guerra 2 A gens destitui o sachem e o chefe guerreiro quando quer Isso uma vez mais é feito por homens e mulheres reunidos Os destituídos passam a ser simples guerreiros como os demais pessoas particulares Aliás o conselho da tribo também pode destituir o sachem inclusive contra a vontade da gens 3 Nenhum membro da gens pode casar dentro dela Essa é a regra básica da gens o laço que a mantém unida é a expressão negativa da consanguinidade positiva em virtude da qual os indivíduos abrangidos por ela se tornam uma gens Pela descoberta desse fato simples Morgan desvendou pela primeira vez a natureza da gens Que até agora a gens foi malentendida é comprovado pelos relatos mais antigos sobre selvagens e bárbaros nos quais os diferentes organismos que compõem a ordem gentílica sem ser compreendidos nem diferenciados eram misturados com o nome de tribo clã thum etc e por vezes se dizia que o casamento era proibido dentro de tal organismo Isso acabou gerando uma confusão irremediável na qual o senhor McLennan pôde entrar em cena como Napoleão e pôr ordem no caos decretando o seguinte todas as tribos se subdividem naquelas dentro das quais o casamento é proibido exogâmicas e naquelas dentro das quais ele é permitido endogâmicas E assim depois de ter bagunçado tudo de vez ele se entregou às mais profundas investigações sobre qual dessas suas duas insossas classes seria a mais antiga a exogamia ou a endogamia Esse absurdo cessou automaticamente com a descoberta da gens fundada na consanguinidade e da impossibilidade daí resultante do casamento entre seus membros É óbvio que no estágio em que encontramos os iroqueses a proibição do casamento dentro da gens era observada de modo inviolável 4 As posses dos falecidos passavam a pertencer aos demais membros da gens e deviam permanecer dentro da gens A insignificância de objetos que um iroquês podia legar era repartida como herança entre os parentes gentílicos mais próximos se falecia um homem herdavam os irmãos e as irmãs naturais e o irmão da mãe se falecia uma mulher quem herdava eram seus filhosfilhas e irmãs naturais mas não seus irmãos Justamente por isso marido e mulher não podiam ser herdeiros um do outro nem os filhosfilhas do pai 5 Os membros da gens tinham o dever de ajudarse e protegerse mutua mente e em especial apoiarse na vingança por ferimentos infligidos por estranhos Quanto a sua segurança o indivíduo confiava na proteção da gens e podia fazer isso quem o ferisse feria a gens inteira Disso dos laços de sangue da gens originouse a obrigação da vingança de morte que era reconhecida de modo absoluto pelos iroqueses Se um estranho à gens assassinasse um membro da gens toda a gens do assassinado tinha o dever de vingar sua morte Primeiro se buscava a mediação a gens do assassino se reunia em conselho e apresentava propostas de resolução do problema ao conselho da gens do assassinado geralmente oferecendo manifestações de pesar e presentes consideráveis Se fossem aceitos a questão estava resolvida Caso contrário a gens ofendida nomeava um ou mais vingadores que tinham o dever de perseguir o assassino e matálo Se isso acontecesse a gens do assassino morto não tinha o direito de levantar queixa pois o caso havia sido acertado 6 A gens tinha certos nomes ou séries de nomes que somente ela podia usar em toda tribo de modo que o nome do indivíduo já denotava a gens à qual ele pertencia Um nome gentílico implicava de antemão direitos gentílicos 7 A gens pode adotar estrangeiros e por essa via admitilos na tribo como um todo Os prisioneiros de guerra que não eram mortos tornavamse mediante a adoção por uma gens membros da tribo dos senecas e com isso obtinham todos os direitos gentílicos e tribais A adoção ocorria por solicitação de membros individuais da gens ou seja de homens que assumiam a pessoa estrangeira como irmão ou irmã de mulheres que a aceitavam como filho ou filha o acolhimento solene na gens era necessário para confirmar o fato Com frequência gentes individuais excepcionalmente minguadas eram fortalecidas mediante a adoção em massa de membros de outra gens com o consentimento desta Entre os iroqueses o acolhimento solene na gens ocorria em sessão pública do conselho da tribo o que o tornava de fato uma cerimônia religiosa 8 Dificilmente se pode comprovar entre as gentes índias a existência de solenidades religiosas específicas mas as cerimônias religiosas dos índios estão ligadas às gentes em maior ou menor grau Nas seis festas religiosas anuais dos iroqueses os sachems e chefes guerreiros das gentes individuais eram incluídos entre os guardiões da fé e possuíam funções sacerdotais 9 A gens tem um local comum para sepultamento No caso dos iroqueses do Estado de Nova York comprimidos entre os brancos esse local desapareceu mas existiu em tempos passados No caso de outros índios ele ainda existe por exemplo entre os tuscaroras aparentados dos iroqueses que embora sejam cristãos têm uma fileira destinada a cada gens no cemitério de modo que a mãe é sepultada na mesma fileira de seus filhos e filhas mas não o pai E também entre os iroqueses a gens inteira de um falecido comparece ao sepultamento providencia o túmulo os discursos fúnebres etc 10 A gens tem um conselho uma assembleia democrática de todos os seus membros adultos homens e mulheres todos com o mesmo direito de voto Esse conselho elege os sachems e os chefes guerreiros e os destitui fazendo o mesmo com os demais guardiões da fé decide sobre a penitência reparação Wergeld ou sobre a vingança de morte pelo membro assassinado da gens adota estranhos na gens Em suma ele representava o poder soberano na gens Essas são as atribuições de uma típica gens índia Todos os seus membros são pessoas livres que têm o dever de proteger a liberdade umas das outras são iguais em termos de direitos pessoais nem os sachems nem o líder guerreiro reivindicam qualquer prerrogativa formam uma irmandade unida por laços de sangue Liberdade igualdade fraternidade embora nunca tenham sido assim formuladas constituíam os princípios básicos da gens sendo esta por sua vez a unidade de todo um sistema social a base da sociedade índia organizada Isso explica o senso inflexível de independência e a dignidade pessoal da atitude que todos reconhecem nos índios b Na época do descobrimento os índios de toda a América do Norte estavam organizados em gentes segundo o direito materno Apenas em algumas tribos como a dos dacotas as gentes haviam desaparecido e em outras como as dos ojíbuas omahas elas estavam organizadas segundo o direito paterno Em um grande número de tribos indígenas com mais de cinco ou seis gentes encontramos três quatro ou mais gentes unidas em um grupo especial que Morgan chama de fratria irmandade traduzindo fielmente a designação indígena para o seu equivalente grego Assim os senecas têm duas fratrias a primeira abrange as gentes 14 a segunda as gentes 58 Um exame mais preciso mostra que essas fratrias geralmente representam gentes originais nas quais a tribo se dividiu inicialmente porque dada a proibição de casamento dentro da gens cada tribo tinha de abranger necessariamente pelo menos duas gentes para ter vida autônoma À medida que a tribo se multiplicava cada gens voltava a dividirse em duas ou mais e cada qual passava então a ser uma gens específica enquanto a gens original que abrangia todas as gentes que surgiram a partir dela continuava a existir como fratria Entre os senecas e para a maioria dos índios as gentes de uma fratria são gentes irmãs ao passo que as da outra fratria são gentes primas designações que como vimos possuem um sentido muito real e expressivo no sistema de parentesco americano Originalmente um seneca não podia casar dentro de sua fratria mas isso há muito caiu em desuso e ficou limitado à gens Era tradição dos senecas que o urso e o cervo fossem as duas gentes originais das quais se ramificaram as demais Depois que essa nova instituição se arraigou ela foi modificada segundo a necessidade se as gentes de uma fratria se extinguiam às vezes para compensar gentes inteiras de outras fratrias eram transferidas para ela É por isso que encontramos nas diferentes tribos gentes de mesmo nome agrupadas de modo distinto dentro das fratrias As funções da fratria entre os iroqueses são em parte sociais em parte religiosas 1 O jogo de bola consiste numa competição entre as fratrias cada uma escala seus melhores jogadores e os demais assistem cada fratria em um lugar específico e apostam umas contra as outras pela vitória dos seus 2 No conselho da tribo reúnemse os sachems e chefes de guerra de cada fratria os dois grupos se colocam um defronte do outro cada orador fala para os representantes de cada fratria como para um organismo especial 3 Tendo havido um homicídio na tribo no qual quem matou e quem foi morto não pertençam à mesma fratria a gens ofendida muitas vezes apela para suas gentes irmãs estas reúnem o conselho da fratria e se dirigem como um todo à outra fratria para que esta reúna o conselho a fim de resolver a questão Nesse caso portanto a fratria volta a atuar como gens original com maior perspectiva de êxito do que sua filha a gens individual mais fraca 4 Em caso de morte de pessoas de destaque a outra fratria toma as providências para o sepultamento e as solenidades funerais enquanto a fratria do falecido acompanha na condição de enlutada Caso morra um sachem a outra fratria comunica a vacância do cargo ao conselho da confederação dos iroqueses 5 Na eleição de um sachem o conselho da fratria também entra em cena A confirmação pelas gentes irmãs é esperada como quase natural mas as gentes da outra fratria podem se opor Nesse caso o conselho dessa fratria se reúne se ele mantém a oposição a eleição perde o efeito 6 Anteriormente os iroqueses tinham mistérios religiosos especiais chamados de medicine lodges tendas de remédios pelos brancos Esses mistérios eram celebrados pelos senecas por meio de duas associações religiosas com a devida iniciação de novos membros havia uma dessas associações para cada uma das duas fratrias 7 Se o que é quase certo as quatro linages linhagens que habitavam os quatro quartos da Tlaxcala na época da conquista c eram quatro fratrias comprovase que as fratrias como ocorria entre os gregos e em associações gentílicas semelhantes entre os germanos também valiam como unidades militares essas quatro linages saíam para a batalha cada qual como um agrupamento individual com uniformes e estandartes próprios e seguindo um líder próprio Do mesmo modo que várias gentes formavam uma fratria na forma clássica várias fratrias formavam uma tribo em alguns casos de tribos muito debilitadas falta o elo intermediário a fratria Ora o que caracteriza uma tribo indígena na América 1 Um território próprio e um nome próprio Além do local de seu assentamento fixo cada tribo possuía uma área considerável de caça e pesca Para além dela havia uma faixa de terra neutra mais ampla que se estendia até o território da tribo vizinha e era menor entre tribos de línguas aparentadas maior entre tribos de línguas não aparentadas Essa faixa de terra tem a mesma função da floresta que faz a fronteira entre os germanos do deserto que os suevos de César criaram em torno de seu território do îsarnholt jarnved em dinamarquês limes Danicus entre dinamarqueses e germanos da floresta da Saxônia e do branibor floresta de proteção na língua eslava de onde vem o nome Brandenburg entre germanos e eslavos Essa área isolada por limites imprecisos era a terra comum da tribo reconhecida como tal pelas tribos vizinhas e defendida por ela contra ataques A imprecisão das fronteiras só era desvantajosa na prática quando havia um grande crescimento da população Os nomes das tribos de modo geral parecem ter surgido mais ao acaso do que por escolha intencional com o passar do tempo ocorria com frequência que uma tribo fosse chamada pelas tribos vizinhas por um nome diferente daquele que era usado por ela mais ou menos como aconteceu com os alemães cujo primeiro nome histórico coletivo germanos lhes foi atribuído pelos celtas 2 Um dialeto específico peculiar apenas a essa tribo De fato tribo e dialeto coincidem em termos objetivos formações novas de tribos e dialetos por meio de divisão sucediam até tempos recentes na América e não devem ter cessado inteiramente até hoje No caso de duas tribos debilitadas que se fundiram em uma só ocorreu excepcionalmente que na mesma tribo fossem falados dois dialetos aparentados A densidade populacional média das tribos americanas é de menos de 2000 pessoas entretanto no caso dos cheroquis é de 26000 pessoas o maior número de índios nos Estados Unidos que falam o mesmo dialeto 3 O direito de instalar solenemente no cargo os sachems e líderes guerreiros eleitos pelas gentes e 4 o direito de destituílos do cargo mesmo contra a vontade de sua gens Dado que esses sachems e líderes guerreiros são membros do conselho da tribo os direitos da tribo em relação a eles são autoexplicativos Onde se constituía uma confederação de tribos e a totalidade das tribos estava representada no conselho da confederação os referidos direitos passavam para o conselho 5 A existência de concepções religiosas mitologia e ritos comuns A seu modo bárbaro os índios eram um povo religioso d Sua mitologia ainda não foi examinada criticamente eles já concebiam a corporificação de suas concepções religiosas espíritos de todo tipo em forma humana mas no estágio inferior da barbárie no qual se encontravam ainda não se tem notícia de representações figuradas dos chamados ídolos Tratase de um culto à natureza e aos elementos que tende ao politeísmo As diferentes tribos tinham festas regulares com determinadas formas de culto principalmente dança e jogos especialmente a dança era um componente essencial de todas as solenidades religiosas cada tribo realizava as suas separadamente 6 Um conselho da tribo para assuntos comuns Era composto do conjunto dos sachems e líderes guerreiros de cada uma das gentes de seus representantes reais sempre sujeitos à destituição deliberava publicamente rodeado pelos demais membros da tribo que tinham o direito de intervir e dar sua opinião a decisão era do conselho Via de regra todos os presentes eram ouvidos por solicitação inclusive as mulheres podiam dar sua opinião por meio de um orador de sua escolha Entre os iroqueses a decisão final tinha de ser por unanimidade como era o caso também em várias resoluções tomadas pelas comunidades das marcas alemãs A atribuição principal do conselho da tribo era regulamentar a relação com as tribos estranhas ele recebia e enviava embaixadas declarava guerra e firmava a paz Caso houvesse guerra esta geralmente era feita por voluntários Em princípio a tribo inteira se encontrava em estado de guerra contra outra tribo inteira com a qual não tivesse celebrado expressamente a paz Expedições guerreiras contra tais inimigos geralmente eram organizadas por guerreiros individuais que sobressaíam eles faziam uma dança da guerra e quem se juntava à dança declarava sua participação na expedição A coluna era formada imediatamente e posta em movimento Do mesmo modo a defesa do território da tribo sob ataque geralmente era feita por contingentes voluntários A saída e o retorno dessas colunas sempre eram motivo de comemorações públicas A permissão do conselho da tribo para tais expedições não era exigida não era solicitada nem dada Era algo muito semelhante às expedições guerreiras privadas das companhias germânicas como descritas por Tácito embora entre os germanos as companhias já tivessem um caráter permanente e formassem um núcleo sólido organizado já em tempos de paz e em torno do qual se agrupavam os voluntários em caso de guerra Raramente essas colunas de guerra eram numerosas as expedições mais significativas dos índios mesmo a grandes distâncias eram levadas a cabo por forças de combate insignificantes Quando várias dessas companhias se uniam para um empreendimento maior cada uma obedecia apenas ao seu líder a unidade do plano da expedição era mal ou bem assegurada por um conselho de líderes Era assim que faziam guerra os alamanos no século IV no Alto Reno segundo a descrição que encontramos em Amiano Marcelino 7 Em algumas tribos encontramos um chefe supremo cujas competências no entanto são muito limitadas Ele é um dos sachems que deve tomar medidas provisórias em casos de ação rápida até que o conselho possa se reunir e tomar decisões definitivas É o tênue ponto de partida para a criação de um funcionário com poder executivo que no desenvolvimento posterior geralmente não deu em nada como se há de mostrar na maioria dos casos embora não em toda parte esse funcionário se desenvolveu a partir do comandante máximo das tropas A grande maioria dos índios americanos não foi além da união em tribos Com tribos pouco numerosas separadas por vastas zonas fronteiriças e debilitadas por guerras intermináveis eles ocupavam uma imensa região com poucas pessoas Alianças entre tribos aparentadas eram firmadas aqui e ali por necessidades momentâneas e se desfaziam com elas Porém em algumas regiões tribos aparentadas deixaram a fragmentação de lado e voltaram a fazer alianças duradouras dando o primeiro passo para a formação das nações A forma mais desenvolvida de uma aliança desse tipo que encontramos nos Estados Unidos é a dos iroqueses Deixando seus assentamentos a oeste do Mississippi onde provavelmente constituíam um ramo da grande família dos dacotas estabeleceramse após longo período de migração no atual Estado de Nova York distribuindose em cinco tribos os senecas os caiugas os onondagas os oneidas e os mohawks Eles viviam de peixe caça e hortaliças cruas moravam em aldeias geralmente protegidas por uma paliçada Nunca passavam de 20000 pessoas e tinham algumas gentes comuns em todas as cinco tribos falavam dialetos muito próximos da mesma língua e ocupavam um território contínuo distribuído entre as cinco tribos Dado que esse território fora recémconquistado a união habitual dessas tribos contra os povos expulsos era natural e evoluiu no mais tardar no início do século XV para uma aliança perpétua formal uma confederação que de imediato sentindo que adquirira uma nova força assumiu também um caráter agressivo e no auge de seu poder por volta de 1675 já tinha conquistado vastas áreas vizinhas em parte expulsando os habitantes dessas terras em parte tornandoos tributários A confederação dos iroqueses protagoniza a organização social mais progressista da qual os índios foram capazes na medida em que não chegaram além do estágio inferior da barbárie com exceção dos mexicanos neomexicanos e peruanos As determinações fundamentais da confederação eram as seguintes 1 Aliança perpétua entre as cinco tribos consanguíneas com base na igualdade plena e na autonomia quanto às questões internas de cada tribo Essa consanguinidade constitui a verdadeira base da confederação Três das cinco tribos eram tribos mães e irmãs entre si as outras duas eram chamadas de tribos filhas e eram igualmente tribos irmãs Três gentes as mais antigas ainda possuíam representantes vivos em todas as cinco tribos enquanto outras três tinham representantes em somente três tribos todos os membros de cada uma dessas gentes tinham irmãos em todas as cinco tribos A língua comum com meras variações dialetais era expressão e prova da linhagem comum 2 O órgão da confederação era um conselho confederativo composto de cinquenta sachems todos eles iguais em hierarquia e renome esse conselho tomava as decisões de última instância sobre os assuntos atinentes à confederação 3 Por ocasião da fundação da confederação esses cinquenta sachems foram distribuídos pelas tribos e gentes como detentores de novos cargos instituídos expressamente para os fins da confederação Eles voltavam a ser eleitos pelas respectivas gentes em cada vacância e podiam ser destituídos por elas a qualquer tempo mas o direito de empossálos em seu cargo era do conselho confederativo 4 Os sachems da confederação também eram sachems em suas respectivas tribos e tinham assento e voz no conselho da tribo 5 Todas as decisões do conselho confederativo tinham de ser tomadas por unanimidade 6 A votação era feita por tribos de modo que para haver uma decisão válida cada tribo tinha de estar de acordo e em cada tribo todos os membros do conselho também tinham de estar de acordo 7 Cada um dos cinco conselhos tribais podia convocar o conselho confederativo mas este não podia convocar a si próprio 8 As sessões eram realizadas diante do povo reunido cada iroquês podia fazer uso da palavra a decisão cabia exclusivamente ao conselho 9 A confederação não tinha uma pessoa na liderança nenhum chefe do poder executivo 10 Em contrapartida tinha dois líderes guerreiros supremos ambos com as mesmas competências e os mesmos poderes os dois reis dos espartanos os dois cônsules em Roma Essa é toda a constituição pública sob a qual viveram e ainda vivem os iroqueses há quatrocentos anos Eu a descrevi pormenorizadamente de acordo com Morgan porque temos aqui a oportunidade de estudar a organização de uma sociedade que ainda não possui um Estado Pois o Estado pressupõe um poder público especial separado da totalidade de seus participantes E segundo Maurer que identifica com instinto preciso a constituição da marca alemã como uma instituição puramente social essencialmente distinta do Estado mesmo que mais tarde lhe tenha servido em grande parte de base por conseguinte Maurer investiga todas as etapas da formação gradativa do poder público tanto a partir das constituições originais das marcas das aldeias dos feudos e das cidades como paralelamente a elas Vemos no caso dos índios norteamericanos como uma tribo originalmente unitária se espalhou gradativamente por todo um imenso continente como dividindose as tribos se convertem em povos grupos inteiros de tribos como as línguas se modificam até que não só se tornam incompreensíveis entre si como também desaparecem todos os vestígios da unidade original vemos como ao mesmo tempo cada uma das gentes individuais das tribos se divide em várias as antigas gentes mães se mantêm como fratrias e os nomes dessas gentes antiquíssimas permanecem idênticos em tribos distantes e há muito separadas o lobo e o urso ainda são nomes gentílicos na maioria das tribos indígenas E a constituição descrita acima se aplica em grandes traços a todas elas com a ressalva de que muitas não chegaram a formar uma confederação de tribos aparentadas Porém dada a gens como unidade social vemos também como toda a constituição de gentes fratrias e tribos evolui dessa unidade quase forçosamente porque o faz com naturalidade Todos os três grupos constituem diferentes gradações de consanguinidade cada qual fechada em si mesma e regulando seus próprios assuntos mas cada qual também complementando as demais E o âmbito dos assuntos que lhes cabe abrange a totalidade dos assuntos públicos dos bárbaros do estágio inferior Portanto onde encontramos a gens como unidade social de um povo também podemos procurar uma organização da tribo similar à descrita aqui e onde houver um número suficiente de fontes como no caso dos gregos e romanos não só a encontraremos como também nos convenceremos de que onde as fontes nos abandonam a comparação com a constituição social americana nos auxilia a responder às dúvidas e desvendar os enigmas mais difíceis Essa constituição gentílica é admirável com toda a sua ingenuidade e simplicidade Sem soldados gendarmes e policiais sem nobreza reis procuradores prefeitos ou juízes sem prisões sem processos tudo funciona de modo ordenado Todas as desavenças e disputas são resolvidas pela totalidade dos implicados pela gens ou pela tribo ou entre as gentes a vingança de sangue paira como medida extrema raramente aplicada da qual nossa pena de morte é apenas a forma civilizada afetada por todas as vantagens e desvantagens da civilização Embora houvesse muito mais assuntos comuns do que agora a manutenção da casa era comum a uma série de famílias e comunista o solo era posse da tribo só as pequenas hortas eram entregues provisoriamente às unidades domésticas não se usava nem mesmo um vestígio do nosso extenso e complexo aparato administrativo Os envolvidos decidem e na maioria dos casos o uso secular já regulava tudo Não pode haver pobres e necessitados a economia doméstica comunista e a gens sabem de suas obrigações para com velhos enfermos e inválidos de guerra Todos são iguais e livres inclusive as mulheres Ainda não há lugar para escravos e via de regra tampouco para a subjugação de tribos estrangeiras Depois que derrotaram os eries e a nação neutra e em torno de 1651 os iroqueses lhes ofereceram a oportunidade de ingressar na confederação em igualdade de direitos só quando os derrotados recusaram a oferta é que foram expulsos de seu território E o tipo de homens e mulheres gerado por tal sociedade é atestado pela admiração de todos os brancos que tiveram contato com índios não degenerados diante da dignidade pessoal da integridade da força de caráter e da valentia desses bárbaros Tivemos exemplos bem recentes de valentia na África Há alguns anos os cafres do povo zulu e há alguns meses os núbios em ambas as tribos as instituições gentílicas ainda não estão extintas fizeram o que nenhum exército europeu é capaz de fazer f Armados apenas de lanças e dardos sem armas de fogo eles avançaram debaixo da saraivada de balas dos fuzis da infantaria inglesa reconhecidamente a melhor do mundo no combate em formação cerrada até o alcance da baioneta desorganizandoa e derrubandoa mais de uma vez apesar da colossal desigualdade de armas e embora não tivessem tido tempo de serviço militar e não soubessem o que é se exercitar O que eles são capazes de aguentar e realizar é atestado pela queixa dos ingleses de que em 24 horas um cafre consegue chegar mais longe e correr mais rápido do que um cavalo um pintor inglês diz que o menor dos seus músculos se destaca duro e enrijecido como a fibra de um chicote Assim eram as pessoas e a sociedade humana antes de haver a divisão em classes E quando comparamos sua condição com a da imensa maioria dos atuais humanos civilizados há uma distância enorme entre o proletário ou pequeno agricultor atuais e o antigo membro de uma gens Esse é um dos aspectos Não esqueçamos porém que essa organização estava fadada a desaparecer Ela não ia além da tribo a confederação das tribos já indica o começo de seu esfacelamento como se mostrará e como já se mostrou nas tentativas de subjugação dos iroqueses O que havia fora da tribo estava excluído do direito Onde não havia um acordo de paz expresso reinava a guerra entre uma tribo e outra e a guerra era travada com a crueldade que distingue o ser humano do restante dos animais e que só mais tarde viria a ser atenuada pelo interesse O auge da constituição gentílica como a vimos na América pressupunha uma produção extremamente subdesenvolvida e portanto uma densidade populacional extremamente rala em um vasto território ou seja uma condição em que o ser humano era quase totalmente dominado pela natureza exterior com a qual se defrontava como algo estranho e incompreendido condição que se reflete em concepções religiosas infantis A tribo permaneceu o limite do ser humano tanto em relação ao estranho à tribo quanto em relação a si próprio a tribo a gens e suas instituições eram sagradas e intocáveis eram um poder maior dado pela natureza ao qual o indivíduo permanecia absolutamente submetido no que sentia pensava e fazia Na mesma proporção com que as pessoas dessa época nos parecem imponentes elas também deixam de se diferenciar umas das outras pois como diz Marx ainda estão ligadas ao cordão umbilical da sociedade natural O poder dessa sociedade natural tinha de ser quebrado e foi quebrado Mas foi quebrado por influências que de antemão nos parecem uma degradação uma queda no pecado das alturas morais singelas da antiga sociedade gentílica São os interesses mais vis a reles ganância a busca brutal do prazer a sórdida avareza o roubo da posse comunitária em proveito próprio que inauguram a nova sociedade de classes civilizada são os meios mais vergonhosos roubo violação astúcia traição que solapam e fazem ruir a antiga sociedade gentílica sem classes E a nova sociedade mesmo durante todos os três quartos de milênio de sua existência jamais deixou de ser o desenvolvimento da reduzida minoria à custa da grande maioria espoliada e oprimida e mais de que nunca ela é isso a Na edição de 1884 falta por algum tempo N E A b Lewis H Morgan Ancient Society cit p 856 N E A c Engels se refere à conquista do México pela Espanha em 15191521 N E A d Lewis H Morgan Ancient Society cit p 115 N E A e No século XVII foi chamada nação neutra a aliança guerreira entre tribos aparentadas de iroqueses que viviam na margem norte do lago Erie Essa designação foi dada pelos colonizadores franceses porque a nação permaneceu neutra nas guerras entre os iroqueses e os hurões N E A f Engels se refere à luta de libertação nacional dos zulus e núbios contra os colonizadores ingleses Os zulus que foram atacados pelos ingleses em 1879 ofereceram renhida resistência durante meio ano sob a liderança de Cetevaio Os ingleses venceram após algumas batalhas graças ao armamento superior Eles só conseguiram subjugar definitivamente os zulus em 1887 depois de usar a seu favor as desavenças que eles mesmos provocaram entre as tribos A luta pela libertação nacional dos núbios dos árabes e de outras tribos do Sudão sob a liderança do profeta islâmico Maomé Ahmed que se autodenominava Mahdi ou seja Salvador começou em 1881 A luta chegou ao ápice em 18831884 quando quase todo o território do Sudão foi libertado dos colonizadores ingleses No decorrer da batalha constituise um Estado autônomo e centralizado do Mahdi Os ingleses só conseguiram reconquistar o Sudão em 1899 aproveitandose das desavenças internas e de seu poderio militar superior N E A IV A GENS GREGA Os gregos os pelasgos e outros povos aparentados a eles já se organizavam desde tempos préhistóricos em uma série orgânica igual à dos povos americanos gens fratria tribo confederação de tribos Podia não haver fratria como no caso dos dórios e a confederação de tribos podia não estar completa em todo lugar mas em todos os casos a gens constituía a unidade Na época em que ingressam na história os gregos se encontram no limiar da civilização entre eles e as tribos americanas de que falamos anteriormente há quase dois períodos inteiros de desenvolvimento que os gregos da época dos heróis têm de vantagem sobre os iroqueses Por conseguinte a gens dos gregos já não é nem de perto a gens arcaica dos iroqueses o carimbo do casamento grupal a começa a apagarse significativamente O direito materno deu lugar ao direito paterno desse modo a riqueza privada que se encontrava em formação abriu a primeira brecha na constituição gentílica A segunda brecha foi consequência natural da primeira dado que após a introdução do direito paterno os bens de uma herdeira rica passariam para o marido e portanto para outra gens em virtude do casamento rompeuse o fundamento do direito gentílico e não só se permitiu como também se tornou obrigatório nesse caso que a moça se casasse dentro da gens para que esta preservasse os bens Segundo a história grega de Grote b a gens ateniense especificamente consolidouse graças a 1 Solenidades religiosas comuns e direito exclusivo do sacerdócio em honra de determinado deus suposto patriarca da gens que nessa qualidade era designado por um cognome especial 2 Lugar de sepultamento comum ver Demóstenes Eubúlides c 3 Direito de herança recíproco 4 Obrigação recíproca de ajuda proteção e apoio em caso de violação 5 Direito e obrigação recíprocos de casamento na gens especialmente nos casos de filhas órfãs ou herdeiras 6 Posse pelo menos em alguns casos de propriedade comum com árchon preposto e tesoureiro Em seguida a união em fratrias reuniu várias gentes sendo os laços entre elas menos estreitos mas nela também encontramos direitos e deveres mú tuos de natureza semelhante especialmente práticas religiosas em comum e o direito de perseguição quando um membro da fratria era morto O conjunto de fratrias de uma tribo por sua vez tinha cerimônias sagradas comuns que eram realizadas regularmente e conduzidas por um fylobasiléus chefe de tribo eleito entre os nobres eupátridas Grote vai até aqui E Marx acrescenta Porém por trás da gens grega ainda se vislumbra inequivocamente o selvagem por exemplo o iroquês Ele aparecerá mais inequivocamente assim que investigarmos um pouco mais Pois à gens grega compete ademais 7 A ascendência segundo o direito paterno 8 A proibição do casamento na gens exceto no caso de herdeiras Essa exceção e sua formulação como mandamento provam a vigência da regra antiga Esta decorre igualmente do princípio universalmente válido segundo o qual mediante o casamento a mulher renunciava aos ritos religiosos de sua gens e adotava os do marido em cuja fratria ela também era inscrita Nessa linha e de acordo com uma famosa passagem da regra de Dicearco d que Becker aceita tal e qual em Charikles ninguém podia casar dentro de sua própria gens e 9 O direito de adoção pela gens decorrente da adoção pela família mas com formalidades públicas e apenas em casos excepcionais 10 O direito de escolher e depor líderes Sabemos que toda gens tinha seu árchon mas em nenhum lugar se diz que o cargo era hereditário em determinadas famílias Até o período final da barbárie a suposição é contrária à hereditariedade estrita f que é totalmente incompatível com as condições de direitos iguais entre ricos e pobres dentro da gens Até agora não só Grote mas também Niebuhr Mommsen e todos os historiadores da Antiguidade clássica falharam diante da gens Por mais correta que seja a maneira como expuseram muitas de suas características eles sempre a consideraram um grupo de famílias e desse modo inviabilizaram a possibilidade de entenderem a natureza e a origem da gens Sob a constituição gentílica a família jamais foi uma unidade organizacional nem podia sêlo porque esposo e esposa necessariamente pertenciam a gentes diferentes A gens se dissolvia totalmente na fratria a fratria na tribo a família se dissolvia metade na gens do esposo e metade na da esposa O Estado também não reconhece a família no direito público até hoje ela só existe para o direito privado E no entanto até o momento toda a nossa historiografia parte do pressuposto absurdo que principalmente no século XVIII se tornou inabalável de que a família individual monogâmica dificilmente mais antiga que a civilização é o núcleo cristalino em torno do qual se teriam sedimentado gradativamente a sociedade e o Estado Marx intercala É preciso observar em relação ao senhor Grote que embora os gregos derivem suas gentes da mitologia aquelas gentes são mais antigas do que a mitologia criada por elas mesmas com seus deuses e semideuses Grote é citado com predileção por Morgan por ser uma testemunha renomada e ainda assim totalmente insuspeita Ele continua seu relato dizendo que toda gens ateniense tinha um nome derivado de seu suposto patriarca tribal que na ausência de testamento os membros da gens os gennêtes do falecido herdavam seu patrimônio o que valia de modo geral antes de Sólon e continuou valendo depois de Sólon e que em caso de assassinato em primeiro lugar os parentes depois os companheiros de gens e por fim os membros da fratria tinham o dever de perseguir o criminoso diante dos tribunais Tudo o que ouvimos das leis atenienses mais antigas é fundado na subdivisão em gentes e fratrias g A descendência das gentes de ancestrais comuns causou fortes dores de cabeça aos filisteus escolados Marx Dado que naturalmente consideram os ancestrais comuns como puramente míticos eles simplesmente não conseguem explicar o surgimento de uma gens a partir de famílias colaterais originalmente sem nenhum parentesco entre si mas precisam fazer isso para explicar a existência das gentes Para tanto oferecem uma torrente de palavras que gira em círculos e não consegue ir além da sentença a genealogia é uma fábula mas a gens é realidade e por fim consta em Grote com intercalações de Marx o seguinte Só raramente ouvimos falar dessa genealogia porque é trazida a público apenas em ocasiões muito específicas particularmente solenes Porém as gentes mais humildes tinham suas práticas religiosas comuns isso é estranho sr Grote patriarca e genealogia sobrehumanos comuns exatamente do mesmo modo que as mais famosas como é estranho isso senhor Grote no caso de gentes mais humildes o plano básico e o fundamento ideal prezado senhor não ideal e sim carnal fleischlich em alemão eram os mesmos em todos h Marx resume da seguinte maneira a resposta de Morgan O sistema de consanguinidade correspondente à gens em sua forma originária e os gregos a tiveram outrora tanto quanto os outros mortais preservou o conhecimento do parentesco de todos os membros das gentes entre si Essa coisa que para eles tinha importância decisiva eles aprendiam na prática desde a infância Com a família monogâmica ela caiu no esquecimento O nome gentílico criou uma genealogia ao lado da qual a da família individual pareceu insignificante Dali por diante era esse nome que tinha de preservar a ascendência comum dos que o usavam porém a genealogia da gens recuava tanto no tempo que os membros não podiam mais comprovar o parentesco real que tinham entre si a não ser em um número restrito de casos em que os ancestrais comuns eram mais recentes O próprio nome era prova da ascendência comum e era prova cabal exceto em casos de adoção Em contraposição a negação factual de todo parentesco entre companheiros de gens à moda de Grote e Niebuhr que transformaram a gens em criação puramente fictícia e imaginada é digna dos escribas ideais isto é dos que ficam recolhidos em seus aposentos Pelo fato de o encadeamento das gerações principalmente depois do despontar da monogamia deslocarse para um ponto distante no tempo e a realidade passada aparecer refletida em um quadro fantástico de cunho mitológico os bons burgueses filisteus deduziram e deduzem que a genealogia fantástica produziu gentes reais Como ocorreu entre os americanos a fratria era uma gens mãe que se dividiu em várias gentes filhas unificadas por ela e que com frequência derivava todas elas de um patriarca comum Assim de acordo com Grote todos os membros contemporâneos da fratria de Hecateu têm um só e o mesmo deus como patriarca em décimo sexto grau i todas as gentes dessa fratria eram portanto literalmente gentes irmãs Em Homero a fratria ainda aparece como unidade militar na famosa passagem em que Nestor aconselha Agamenon organiza os homens por tribos e por fratrias de modo que a fratria apoie a fratria e a tribo apoie a tribo j De resto cabiam a ela o direito e o dever de vingar o crime de sangue cometido contra um de seus integrantes e portanto em períodos anteriores também a obrigação de buscar a vingança de sangue Além disso tinha santuários e festas comuns visto que a formação de toda a mitologia grega foi essencialmente condicionada pelas gentes e pelas fratrias a partir do culto à natureza de tradição ariana antiga realizado no âmbito das próprias gentes e fratrias Ademais ela tinha um líder fratriarchos fratriarca e de acordo com De Coulanges tinha também assembleias e resoluções com força de lei uma jurisdição e uma administração Mais tarde até mesmo o Estado que ignorou a gens concedeu à fratria certos atos oficiais públicos Várias fratrias aparentadas compõem uma tribo Na Ática havia quatro tribos cada uma com três fratrias cada qual com trinta gentes Tal circunscrição dos grupos pressupõe intervenção consciente e planejada na ordem que se originou naturalmente Como quando e por que isso aconteceu a história grega não diz e os próprios gregos conservam memória somente até a era dos heróis A variação dialetal era menos desenvolvida entre os gregos que se aglomeravam em um território relativamente pequeno do que entre os americanos que habitavam extensas florestas mas até nesse caso encontramos reunidas em um todo maior apenas tribos com o mesmo dialeto principal e inclusive na pequena Ática deparamonos com um dialeto específico que mais tarde se tornaria a língua universal da prosa Nos poemas homéricos geralmente já encontramos as tribos gregas unidas formando pequenos povos no interior dos quais as gentes as fratrias e as tribos ainda preservavam inteiramente sua autonomia Já habitavam cidades amuralhadas a densidade populacional aumentou com o crescimento dos rebanhos da agricultura e dos primórdios da manufatura isso levou ao aumento da disparidade de riquezas e com esta do elemento aristocrático dentro da antiga democracia que surgira de forma natural Os pequenos povos individuais travavam guerras incessantes pela posse das melhores terras e decerto também pelo butim a escravização dos prisioneiros de guerra já era uma instituição reconhecida A constituição dessas tribos e pequenos povos era a seguinte 1 A autoridade vigente era o conselho bulé que com certeza era composto originalmente dos líderes das gentes e mais tarde quando cresceu demais em número de uma seleção o que ofereceu o ensejo para a formação e a consolidação do elemento aristocrático pois é exatamente dessa forma que Dionísio diz que se compunha o conselho da era dos heróis a saber pelos nobres krátistoi k O conselho tomava a resolução final em assuntos importantes assim em Ésquilo o de Tebas tomou a resolução decisiva de dar um sepultamento digno a Etéocles mas jogar o cadáver de Polinice na rua para servir de pasto aos cães Com o estabelecimento do Estado esse conselho se converteu no posterior senado 2 A assembleia do povo ágora Entre os iroqueses encontramos o povo homens e mulheres postado em torno do conselho reunido interferindo de modo ordenado e assim influenciando suas resoluções Entre os gregos de Homero esse Umstand estar postado em torno circunstantes para usar uma antiga expressão jurídica alemã já evoluíra para uma verdadeira assembleia popular como também foi o caso entre os germanos primitivos Ela era convocada pelo conselho para tomar decisões acerca de assuntos importantes todo homem podia ter a palavra A decisão era tomada mediante o gesto de levantar a mão Ésquilo em As suplicantes ou por aclamação Ela era soberana como última instância pois diz Schoemann Griechische Alterthümer tratase de uma causa cuja execução exige a cooperação do povo e Homero não nos segreda nenhum meio pelo qual o povo pudesse ser forçado a isso contra a vontade l Nessa época em que cada membro masculino adulto da tribo era um guerreiro ainda não havia um poder público distinto do povo que lhe pudesse ser contraposto A democracia que surgira naturalmente ainda estava em pleno florescimento e esse deve continuar a ser o ponto de partida para se avaliarem o poder e a posição tanto do conselho quanto do basiléus 3 O comandante de tropas basiléus Sobre isso Marx observa Os letrados europeus geralmente serviçais natos dos príncipes convertem o basiléus em um monarca no sentido moderno Contra isso se previne o republicano ianque Morgan Ele diz em termos bastante irônicos mas verdadeiros do untuoso Gladstone e de seu Juventus Mundi O senhor Gladstone nos apresenta os chefes gregos da era dos heróis como reis e príncipes e de quebra diz que também seriam gentlemen porém ele próprio é obrigado a admitir no conjunto parece que já encontramos o costume ou a lei da primogenitura suficientemente determinada mas sem muito rigor m Decerto parecerá ao próprio senhor Gladstone que uma primogenitura provida de tantas cláusulas suficiente mas sem muita nitidez vale tanto quanto nenhuma Vimos qual era a situação da hereditariedade das chefias entre os iroqueses e outros índios Todos os cargos eram eletivos geralmente dentro de uma gens e nessa esfera hereditários Em caso de vacância o parente gentílico mais próximo o irmão ou o filho da irmã foram sendo gradativamente preferidos caso não houvesse razões para preterilos Portanto se entre os gregos sob a vigência do direito paterno o cargo de basiléus via de regra passava para o filho ou um dos filhos isso apenas prova que nesse caso os filhos tinham a seu favor a probabilidade da sucessão por voto popular mas de nenhum modo constitui prova da sucessão hereditária por direito sem votação popular Temos aqui no caso dos iroqueses e dos gregos o projeto inicial de famílias nobres no âmbito das gentes e no caso dos gregos ademais o projeto inicial de uma futura liderança hereditária ou monarquia Portanto é verossímil que no caso dos gregos o basiléus tivesse de ser eleito pelo povo ou confirmado por seus órgãos reconhecidos o conselho ou a ágora como vigorava para o rei rex romano Na Ilíada o chefe de tropas Agamenon aparece não como rei supremo dos gregos mas como comandante máximo de um exército coligado diante de uma cidade sitiada É para essa qualidade que aponta Ulisses quando irrompe uma discórdia entre os gregos na famosa passagem não é bom que muitos comandem um deve ser o comandante etc o tão apreciado verso com o cetro é um acréscimo posterior n Aqui Ulisses não faz uma preleção sobre a forma de governo mas pede obediência ao comandante máximo na guerra Os gregos que comparecem diante de Troia apenas como exército procedem de modo suficientemente democrático na ágora Quando Aquiles fala de presentes isto é da repartição do butim sempre coloca como repartidor não Agamenon ou qualquer outro dos basiléus mas os filhos dos aqueus isto é o povo Os predicados gerado por Zeus e alimentado por Zeus nada provam visto que cada gens descende de um deus mas a do chefe da tribo descende de um deus mais nobre nesse caso Zeus Até os pessoalmente não livres como o pastor de porcos Eumeus e outros são divinos dioí e theîoi e isso na Odisseia ou seja em uma época bem posterior à da Ilíada na mesma Odisseia o nome Heros ainda é dado ao arauto Múlio bem como ao cantor cego Demódoco Em suma a palavra basileia que os escritores gregos usam para designar o acima chamado reinado homérico por ser o comando das tropas sua característica principal ladeado pelo conselho e pela assembleia popular significa apenas democracia militar Marx Além das competências militares o basiléus ainda tinha competências sacerdotais e judiciais estas não são determinadas de maneira mais precisa aquelas ele tinha em sua qualidade de representante supremo da tribo ou da confederação das tribos Nunca se fala de competências civis administrativas mas por força do cargo ele parece ter sido membro do conselho Portanto traduzir basiléus por König rei em alemão é muito correto etimologicamente dado que König Kuning é derivado de Kuni Künne e significa chefe de uma gens Mas o basiléus dos gregos antigos não corresponde de modo algum ao significado atual da palavra König Tucídides chama expressamente a basileia antiga de patriké isto é derivada de gentes e diz que ela possuía competências bem definidas e portanto restritas o E Aristóteles diz que a basileia da era dos heróis era uma liderança de homens livres e o basiléus era um comandante de tropas juiz e sumo sacerdote p portanto ele não tinha o poder governamental no sentido posterior do termo 6 Na constituição grega da era dos heróis observamos portanto a antiga organização gentílica ainda cheia de viço mas também já detectamos o início de seu solapamento o direito paterno que deixa o patrimônio como herança aos descendentes favorece o acúmulo de riquezas na família e faz com que esta se torne um poder diante da gens em troca a disparidade de riquezas influencia a constituição criando os primeiros rudimentos de uma nobreza e um reinado hereditários a escravidão limitada num primeiro momento aos prisioneiros de guerra já começa a se abrir para a escravização de companheiros da própria tribo e até da gens a velha guerra de tribo contra tribo degenera em rapinagem sistemática por terra e por mar visando conquistar gado escravos e tesouros e constituindose como verdadeira fonte de renda em suma a riqueza é exaltada e considerada como um bem supremo e as antigas ordens gentílicas são usadas para justificar o roubo violento de riquezas Só faltava uma coisa uma instituição que assegurasse as riquezas recémadquiridas pelo indivíduo contra as tradições comunistas da ordem gentílica uma instituição que não só santificasse a propriedade privada antes tão menosprezada e declarasse essa santificação a finalidade suprema de toda comunidade humana como também imprimisse o selo de reconhecimento social universal às novas formas de aquisição de propriedade que se desenvolveram uma após a outra e portanto à multiplicação em constante aceleração da riqueza uma instituição que eternizasse não só a divisão da sociedade em classes em surgimento mas também o direito da classe possuidora à espoliação da classe não possuidora e à dominação sobre ela E essa instituição surgiu O Estado foi inventado a Na edição de 1884 da família punaluana N E A b George Grote A History of Greece Londres 1869 v 3 p 545 N E A c Engels se refere ao discurso de Demóstenes contra Eubúlides diante do tribunal quando se fala do antigo uso de sepultar somente parentes consanguíneos no local comum de sepultamento N E A d Engels se refere aqui a uma passagem de uma obra não conservada do filósofo grego Dicearco citada em Wilhelm Wachsmuth Hellenische Alterthumskunde aus dem Gesichtspunkte des Staates Halle 1826 parte I seção I p 312 N E A e Wilhelm Adolf Becker Charikles Bilder altgriechischer Sitte zur genaueren Kenntnis des griechischen Privatlebens Leipzig 1840 parte II p 447 N E A f Na edição de 1884 falta estrita N E A g George Grote A History of Greece cit v 3 p 66 N E A h Ibidem p 60 N E A i Ibidem p 589 N E A j Homero Ilíada canto II N E A k Dionísio de Halicarnasso Das antiguidades romanas livro II cap 12 N E A l Georg Friedrich Schoemann Griechische Altertümer cit v I p 27 N E A m Lewis H Morgan Ancient Society cit p 248 N E A n Homero Ilíada canto II N E A o Tucídides História da Guerra do Peloponeso livro I cap 13 N E A p Aristóteles Política livro III cap 10 N E A 6 A exemplo do que ocorreu com o basiléus grego o comandante do exército asteca foi tratado como se fosse um príncipe moderno Morgan é o primeiro a submeter à crítica histórica os relatos dos espanhóis num primeiro momento equivocados e exagerados e mais tarde claramente mentirosos demonstrando que os mexicanos se encontravam no estágio intermediário da barbárie mais avançados contudo do que os índios pueblo do Novo México e que sua constituição até onde os relatos deturpados permitem saber correspondia ao seguinte uma confederação de três tribos que tornara tributário um certo número de outras tribos e era governada por um conselho federativo e um comandante militar da confederação o qual os espanhóis transformaram em imperador V SURGIMENTO DO ESTADO ATENIENSE O modo como o Estado se desenvolveu processo em que os órgãos da constituição gentílica foram em parte reconfigurados em parte deslocados para o segundo plano pela inclusão de novos órgãos e por fim substituídos completamente por instâncias reais do Estado ao passo que o povo em armas real que protegia a si mesmo em suas gentes fratrias e tribos foi substituído por um poder público armado que estava a serviço dessas instâncias do Estado e portanto também podia ser usado contra o povo não há lugar melhor do que a antiga Atenas para acompanhar a primeira parte desse desenvolvimento As mudanças formais foram expostas em sua essência por Morgan enquanto o conteúdo econômico que as produziu terá de ser acrescentado em grande parte por mim Na era dos heróis as quatro tribos dos atenienses ainda ocupavam regiões distintas da Ática até mesmo as doze fratrias que as compunham ao que parece tinham sedes separadas que eram as doze cidades de Cécrops A constituição era a da era dos heróis assembleia do povo conselho do povo basiléus Até onde alcança a história escrita o solo já havia sido repartido e transformado em propriedade privada como condiz com a produção de mercadorias e o comércio de mercadorias que lhe corresponde relativamente desenvolvidos já no final do estágio superior da barbárie Ao lado do cereal produziamse vinho e óleo os fenícios foram gradativamente privados do comércio marítimo no mar Egeu e boa parte dele passou a ser controlada pelos áticos Pela compra e venda da propriedade fundiária pela progressiva divisão do trabalho entre cultivo do solo e manufatura comércio e navegação os integrantes das gentes fratrias e tribos logo se misturaram o distrito da fratria e da tribo receberia habitantes que embora fossem compatriotas não pertenciam a esses organismos e portanto eram estranhos em seu local de moradia Pois em tempos mais tranquilos cada fratria e cada tribo geriam seus assuntos sem consultar o conselho ou o basiléus em Atenas Porém naturalmente quem morasse no território da fratria ou da tribo sem pertencer a ela não podia participar dessa gestão Isso desorganizou de tal maneira o funcionamento regular dos órgãos da constituição gentílica que já na era dos heróis foi preciso encontrar uma saída A constituição atribuída a Teseu foi instituída A mudança consistiu sobretudo na instalação de uma administração central em Atenas isto é uma parte dos assuntos até ali geridos autonomamente pelas tribos foi declarada de interesse comum e transferida para o conselho comum com sede em Atenas Com isso os atenienses foram mais longe do que qualquer um dos povos nativos da América jamais foi a simples confederação de tribos morando umas ao lado das outras foi substituída pela fusão em um só povo Disso se originou um direito universal do povo ateniense que se sobrepunha à prática jurídica das tribos e gentes o cidadão ateniense obtinha enquanto tal certos direitos e nova proteção jurídica mesmo no território de uma tribo que não era sua de origem Desse modo deuse o primeiro passo para subverter a constituição gentílica pois foi o primeiro passo para a posterior admissão de cidadãos que não eram originários de nenhuma das tribos da Ática que se encontravam e permaneciam totalmente fora da constituição gentílica ateniense Uma segunda instituição atribuída a Teseu foi a subdivisão de todo o povo sem considerar gens fratria ou tribo em três classes a dos eupátridas ou nobres a dos geômoros ou agricultores e a dos demiurgos ou artesãos concedendo aos nobres o direito exclusivo de ocupar cargos públicos Com exceção da ocupação dos cargos pela nobreza essa divisão ficou sem efeito dado que de resto não fundamentou nenhuma diferença de direitos entre as classes a Mas ela é importante porque apresenta os novos elementos sociais que haviam se desenvolvido na surdina Mostra que o preenchimento costumeiro dos cargos gentílicos por certas famílias já havia evoluído para um direito pouco questionado dessas famílias aos cargos que essas famílias de qualquer modo poderosas em virtude de sua riqueza começaram a se juntar fora de suas gentes em uma classe privilegiada própria e que o Estado que estava surgindo santificou essa pretensão Mostra ademais que a divisão do trabalho entre camponeses e artesãos já havia se consolidado a ponto de competir em termos de importância social com a antiga classificação por gentes e tribos Por fim proclama o antagonismo incompatível entre sociedade gentílica e Estado a primeira tentativa de formação do Estado consiste em estraçalhar as gentes dividindo os membros de cada uma em privilegiados e preteridos e estes por sua vez em duas classes de acordo com seu trabalho contrapondoas assim uma à outra A história política subsequente de Atenas com exceção de Sólon é pouco conhecida O cargo do basiléus decaiu e o Estado passou a ser dirigido por arcontes eleitos entre a nobreza O domínio da nobreza cresceu cada vez mais até que por volta do ano 600 antes da nossa era se tornou insuportável E os principais meios de opressão da liberdade comum foram mais precisamente o dinheiro e a usura A sede principal da nobreza era Atenas e seu entorno onde o comércio marítimo associado à pirataria ocasional a enriquecia e concentrava a riqueza monetária em suas mãos A partir daí a economia monetária em desenvolvimento penetrou como um ácido corrosivo no modo tradicional de existência das comunidades rurais baseadas na economia natural A constituição gentílica é absolutamente incompatível com a economia monetária a ruína dos camponeses parceleiros da Ática coincidiu com o afrouxamento dos antigos laços gentílicos que os protegiam A nota promissória e o penhor de bens pois a hipoteca também já havia sido inventada pelos atenienses não respeitavam nem gens nem fratria A antiga constituição gentílica não conhecia nem dinheiro nem empréstimo nem dívida monetária Por conseguinte o domínio monetário da nobreza que se disseminava de modo cada vez mais exuberante elaborou para si um novo direito consuetudinário que visava garantir o credor contra o devedor consagrar a espoliação do pequeno agricultor pelo possuidor de dinheiro Todos os campos de cultivo da Ática estavam eivados de colunas em que se lia que o solo onde estavam fixadas estava hipotecado a este e aquele por tanto dinheiro As lavouras que não estavam assinaladas dessa maneira já haviam sido em grande parte vendidas por hipoteca ou juros vencidos e haviam sido incorporadas à propriedade do usurário nobre o camponês podia se dar por satisfeito quando lhe era permitido permanecer na terra como arrendatário e viver com um sexto da produção de seu trabalho tendo de pagar cinco sextos ao novo senhor pelo arrendamento Isso não era tudo Se o valor obtido pela venda do terreno não fosse suficiente para cobrir a dívida ou se essa dívida não tivesse garantia hipotecária o devedor tinha de vender seus filhosfilhas como escravosescravas a estrangeiros para satisfazer o credor A venda de filhosfilhas pelo pai esse foi o primeiro fruto do direito paterno e da monogamia E se o sanguessuga não se desse por satisfeito podia vender o próprio devedor como escravo Essa foi a aprazível aurora da civilização entre o povo ateniense Anteriormente quando a condição de vida do povo ainda correspondia à constituição gentílica uma revolução como essa era impossível e aqui ela tinha acontecido só não se sabia como Voltemos um momento aos nossos iroqueses Ali era impensável uma situação como a que se impusera aos atenienses por assim dizer sem sua colaboração e decerto contra a sua vontade Ali a maneira de produzir o sustento que ano após ano permanecia a mesma jamais seria capaz de gerar tais conflitos como que impostos de fora ou um antagonismo entre rico e pobre espoliadores e espoliados Os iroqueses ainda estavam muito longe de dominar a natureza mas dentro dos limites naturais impostos a eles dominavam sua produção Afora as colheitas ruins em suas pequenas hortas o esgotamento da reserva de peixes em seus lagos e rios e da caça em suas florestas eles sabiam o que resultaria de sua forma de conseguir o sustento O que deveria resultar era o sustento da vida fosse mais parco ou mais abundante porém o que jamais poderia resultar eram as revoluções sociais não pretendidas o rompimento dos laços gentílicos a divisão dos membros da gens e da tribo em classes antagônicas A produção se movia dentro dos limites mais estreitos possíveis mas os produtores controlavam seu produto Essa foi a enorme vantagem da produção bárbara que se perdeu com o início da civilização e cuja reconquista agora com base no tremendo domínio sobre a natureza já conquistado pelo ser humano e na agora possível livre associação será tarefa das próximas gerações Não foi assim entre os gregos O surgimento da propriedade privada de rebanhos e artigos de luxo levou à troca entre os indivíduos à transformação dos produtos em mercadorias E nesse ponto reside o embrião de toda a revolução seguinte No momento em que os produtores passaram a não mais consumir diretamente seu produto mas a entregálo para ser trocado perderam o domínio sobre ele Deixaram de saber o que era feito dele e assim se deu a possibilidade de que o produto viesse a ser usado contra o produtor para espoliálo e oprimilo É por isso que nenhuma sociedade poderá manter a longo prazo o domínio sobre a própria produção e o controle sobre os efeitos sociais de seu processo de produção se não abolir a troca entre indivíduos Porém os atenienses logo perceberiam com que rapidez o produto faz valer seu domínio sobre o produtor após o surgimento da troca entre os indivíduos e a transformação dos produtos em mercadorias A produção de mercadorias trouxe consigo o cultivo do solo por indivíduos para proveito próprio o que levou logo em seguida à propriedade fundiária individual Além disso apareceu o dinheiro a mercadoria universal que podia ser trocada por todas as outras mas ao inventarem o dinheiro os homens não imaginavam que estavam criando um novo poder social o poder universal único diante do qual toda a sociedade deveria curvarse E esse poder novo que brotou repentinamente sem que seus próprios autores o soubessem e quisessem fez com que os atenienses sentissem seu domínio com toda a brutalidade de seu viço juvenil O que fazer A antiga constituição gentílica não só havia se mostrado impotente contra o avanço triunfal do dinheiro mas também foi absolutamente incapaz de encontrar espaço dentro do seu âmbito para coisas como dinheiro credores e devedores cobrança compulsória de dívidas Porém lá estava o novo poder social e os desejos piedosos e a saudade dos bons e velhos tempos não lograriam tirar o dinheiro e a usura do mundo E ainda por cima uma série de outras brechas de importância secundária abriuse na constituição gentílica A mescla entre membros das gentes e das fratrias em todo o território ático principalmente na cidade de Atenas havia se intensificado de geração para geração embora um ateniense mesmo podendo vender lotes de terra para fora de sua gens ainda não pudesse fazer o mesmo com sua moradia A divisão do trabalho entre os diversos ramos de produção a agricultura a manufatura e seus inúmeros subtipos o comércio a navegação etc havia se aprimorado com os progressos da indústria e do transporte a população passou a se subdividir em grupos bem definidos de acordo com a sua ocupação cada um deles com uma série de novos interesses em comum para os quais não havia lugar na gens ou fratria e que portanto para serem atendidos exigiam a criação de novos cargos A quantidade de escravos havia se multiplicado consideravelmente e já naquela época deve ter ultrapassado em muito a dos atenienses livres originalmente a constituição gentílica não conhecia nenhum tipo de escravidão e portanto não tinha meio de manter sob controle essa massa de indivíduos não livres E por fim o comércio havia levado para Atenas uma multidão de estrangeiros que ali se estabeleceram em vista do ganho fácil e que segundo a constituição antiga não tinham direitos nem proteção apesar da tradicional tolerância eles continuaram sendo um elemento estranho e incômodo em meio ao povo Em suma a constituição gentílica chegou ao fim Diariamente a sociedade a extrapolava ela não conseguia inibir tampouco eliminar nem sequer os piores males que surgiram diante de seus olhos Mas entrementes o Estado havia se desenvolvido sem chamar a atenção Os novos grupos criados pela divisão do trabalho primeiro entre cidade e campo depois entre os diferentes ramos de trabalho da cidade haviam criado novos órgãos para representar seus interesses cargos de todo tipo haviam sido instituídos E em seguida o jovem Estado necessitava sobretudo de uma força armada própria que no caso de navegadores como os atenienses só poderia ser em primeiro lugar uma força naval destinada a travar pequenas guerras isoladas e a proteger os navios mercantes Em algum momento desconhecido antes de Sólon foram instituídas as naucrarias pequenas circunscrições territoriais doze em cada tribo cada naucraria devia construir equipar e tripular um navio de guerra e além disso fornecer dois cavaleiros Essa instituição atentou contra a constituição gentílica de duas formas Em primeiro lugar ao criar um poder público que já não coincidia com a totalidade do povo armado e em segundo lugar ao subdividir o povo pela primeira vez em função de finalidades públicas não de acordo com grupos aparentados mas de acordo com o local de coabitação Logo se mostrará a importância disso Como a constituição gentílica não proporcionava ajuda ao povo espoliado só restava o Estado em formação E este a proporcionou na forma da constituição de Sólon fortalecendose enfim ao mesmo tempo à custa da antiga constituição Sólon não nos interessa aqui como foi imposta sua reforma realizada no ano de 594 antes da nossa era Sólon inaugurou a série das chamadas revoluções políticas e fez isso mediante uma intervenção na propriedade Até hoje todas as revoluções foram feitas para proteger um tipo de propriedade contra outro tipo de propriedade Elas não conseguem proteger uma sem violar a outra Na grande Revolução Francesa a propriedade feudal foi sacrificada para salvar a propriedade burguesa na de Sólon a propriedade dos credores teve de ser sacrificada em benefício da propriedade dos devedores As dívidas simplesmente foram declaradas sem validade Não conhecemos exatamente os detalhes mas Sólon se vangloria em seus poemas de ter varrido das terras endividadas as colunas hipotecárias e ter repatriado os que haviam sido vendidos para o estrangeiro ou estavam foragidos por causa de dívidas Isso só foi possível por uma flagrante violação da propriedade E de fato da primeira à última das chamadas revoluções políticas todas visavam proteger a propriedade isto é um de seus tipos e foram levadas a cabo por meio do confisco também chamado roubo da propriedade do outro tipo Isso é tanto mais verdadeiro que há dois mil e quinhentos anos a propriedade privada só pôde se manter por meio da violação da propriedade Porém o que importava então era impedir o retorno da escravização de atenienses livres Isso aconteceu primeiramente por meio de disposições gerais por exemplo a proibição de contratos de dívida em que a pessoa do devedor era dada como garantia Além disso foi estipulado o tamanho máximo da propriedade fundiária que podia estar sob posse de um indivíduo para pelo menos interpor algumas barreiras à avidez da nobreza pela terra do camponês Em seguida porém vieram as alterações da constituição as mais importantes para nós são estas O conselho aumentou para quatrocentos membros cem de cada tribo nesse caso portanto a base continuou sendo a tribo Mas esse também foi o único aspecto em que a constituição antiga foi incorporada ao novo organismo estatal Pois de resto Sólon subdividiu os cidadãos em quatro classes de acordo com a extensão de terra que possuíam e sua produção 500 300 e 150 medimnos de cereal 1 medimno cerca de 41 litros era a produção mínima para as primeiras três classes quem tinha menos ou nenhuma propriedade fundiária era incluído na quarta classe Os cargos só podiam ser ocupados pelas três classes superiores e os cargos mais altos só pela primeira classe a quarta classe só tinha o direito de falar e votar na assembleia popular mas nesta eram eleitos todos os funcionários públicos a esta eles tinham de prestar contas nesta eram feitas todas as leis e nesta a quarta classe constituía a maioria As prerrogativas aristocráticas foram em parte renovadas na forma de prerrogativas da riqueza mas o povo manteve o poder de decisão Além disso as quatro classes serviram de base para uma nova organização do exército As duas primeiras classes providenciaram a cavalaria a terceira classe servia como infantaria pesada a quarta como infantaria leve sem armadura ou na frota e nesse caso provavelmente recebia soldo Aqui portanto um elemento inteiramente novo foi introduzido na constituição a posse privada Os direitos e deveres dos cidadãos do Estado passaram a ser estipulados de acordo com o tamanho de sua propriedade fundiária e os antigos organismos de consanguinidade foram sendo deixados de lado na mesma proporção em que as classes abastadas ganhavam influência a constituição gentílica sofreu uma nova derrota No entanto a estipulação dos direitos políticos segundo as posses não figurava entre os dispositivos sem os quais o Estado não poderia existir Por maior que tenha sido seu papel na história da constituição dos Estados um grande número de Estados e justamente os mais plenamente desenvolvidos não precisou dela Em Atenas ela teve um papel apenas passageiro desde Aristides todo cidadão tinha acesso a todos os cargos Nos oitenta anos subsequentes a sociedade ateniense tomou o rumo em que se desenvolveria pelos séculos seguintes Um freio fora posto na prática abusiva da usura em relação à terra bem como na concentração desmedida da propriedade fundiária que caracterizaram a época anterior a Sólon O comércio e a manufatura praticada cada vez mais com trabalho escravo bem como o artesanato tornaramse os principais ramos de atividade de subsistência As pessoas ficaram mais esclarecidas Em vez de espoliar os próprios concidadãos daquela maneira brutal do início passaram a explorar preponderantemente os escravos e a clientela estrangeira A posse móvel a riqueza monetária e a riqueza em escravos e navios cresceram constantemente mas já não eram simples meios de adquirir terras como nos primeiros tempos de tacanhice elas se tornaram um fim em si Desse modo por um lado o velho poder da nobreza ganhou um concorrente vitorioso na nova classe dos ricos da indústria e do comércio mas por outro esta privou de seu último reduto os restos da antiga constituição gentílica As gentes fratrias e tribos cujos membros se espalhavam por toda a Ática e estavam totalmente misturados tornaramse por causa disso inteiramente ineptas como corporações políticas uma porção de cidadãos atenienses não pertencia a nenhuma gens eram imigrantes que haviam obtido o direito de cidadania mas não foram aceitos nas antigas associações consanguíneas ao lado deles ainda havia um número cada vez maior de imigrantes estrangeiros na condição de clientes Enquanto isso as lutas partidárias prosseguiam a nobreza procurava reconquistar suas prerrogativas e por um instante voltou à supremacia até que a revolução de Clístenes 509 antes da nossa era a derrubou definitivamente e com ela o último resquício da constituição gentílica Na sua nova constituição Clístenes ignorou as quatro antigas tribos baseadas em gentes e fratrias Elas foram substituídas por uma organização totalmente nova baseada na subdivisão dos cidadãos em naucrarias ou seja apenas segundo o seu local de residência O fator decisivo passou a ser o domicílio e não mais o pertencimento a associações consanguíneas não foi o povo que foi subdividido mas o território politicamente os habitantes se tornaram mero acessório do território Toda a Ática foi dividida em cem distritos comunitários os dêmoi cada qual com administração própria Os cidadãos domiciliados em cada dêmos os demótai elegiam seus presidentes démarchoi e tesoureiros bem como trinta juízes com jurisdição sobre litígios menores Receberam igualmente um templo próprio com um deus ou herói protetor servido por sacerdotes que eles mesmos escolhiam O poder máximo no dêmos consistia na assembleia dos demótai Como Morgan observa corretamente tratase do protótipo da comunidade citadina autogovernada da América do Norte b O Estado em surgimento em Atenas começa com a mesma unidade com que começa o Estado moderno em sua formação suprema Dez unidades desse tipo dez dêmoi formavam uma tribo que no entanto diferentemente da antiga tribo de tal linhagem é chamada agora tribo de tal lugar A tribo do lugar era não só uma corporação política autogerida mas também uma corporação militar Ela elegia o fýlarchos ou chefe da tribo que comandava a cavalaria o taxíarchos que comandava a infantaria e o strategós que comandava todas as tropas recrutadas no território da tribo Além disso armava cinco navios de guerra com tripulação e comandante e recebia como santo protetor um herói ático com cujo nome ela se designava Por fim elegia cinquenta conselheiros para o conselho de Atenas O coroamento era o Estado ateniense governado pelo conselho constituído pelos quinhentos representantes eleitos pelas dez tribos e em última instância pela assembleia do povo à qual todo cidadão ateniense tinha acesso e na qual tinha direito a voto Além disso arcontes e outros funcionários respondiam pelos diferentes setores da administração e pelas questões judiciais Não havia em Atenas um funcionário supremo do poder executivo Essa nova constituição e a admissão de um grande número de clientes em parte imigrantes e em parte escravos libertos alijaram dos assuntos públicos os órgãos da constituição gentílica eles foram reduzidos a clubes privados e cooperativas religiosas Mas a influência moral as concepções e ideias tradicionais da antiga época gentílica foram transmitidas ainda por muito tempo e só aos poucos se extinguiram Isso se evidenciou em outra instituição estatal Vimos que uma das características essenciais do Estado consiste em ser um poder público distinto da massa do povo Nessa época Atenas possuía apenas um exército popular e uma frota fornecida diretamente pelo povo ambos protegiam Atenas contra os inimigos de fora e mantinham sob controle os escravos que já naquela época constituíam a maioria da população De início para os cidadãos esse poder público consistia somente na polícia que é tão antiga quanto o Estado razão pela qual os ingênuos franceses do século XVIII não falavam de nações civilizadas mas de nações policiadas nations policées Portanto simultaneamente ao Estado os atenienses instituíram uma polícia uma verdadeira gendarmaria formada por arqueiros a pé e a cavalo Landjäger guarda rural como se diz no sul da Alemanha e na Suíça No entanto essa gendarmaria era formada por escravos O ateniense livre considerava o serviço de algoz tão aviltante que preferia ser detido por um escravo armado a prestarse pessoalmente a um ato tão infame Essa ainda era a velha mentalidade gentílica O Estado não podia existir sem a polícia mas ainda era jovem e não tinha respeito moral suficiente para tornar honroso um ofício que para os antigos membros da gens parecia necessariamente infame O desenvolvimento acelerado da riqueza do comércio e da indústria evidenciou quanto o Estado cujos traços principais já estavam consolidados era adequado à nova condição social dos atenienses O antagonismo de classes que passou a servir de base para as instituições sociais e políticas já não era mais entre os nobres e o povo comum mas sim entre pessoas escravizadas e livres entre clientes e cidadãos No auge de seu florescimento a população de Atenas era composta de aproximadamente 90000 cidadãos livres incluindo mulheres e crianças que conviviam com 365000 escravos de ambos os sexos e 45000 clientes imigrantes e libertos Portanto para cada cidadão adulto do sexo masculino havia no mínimo 18 escravos e mais de dois clientes O grande número de escravos advinha do fato de muitos trabalharem juntos em manufaturas espaços amplos sob supervisão Porém o desenvolvimento do comércio e da indústria foi acompanhado de acumulação e concentração de riqueza nas mãos de poucos empobrecimento da massa dos cidadãos livres aos quais só restou competir com o trabalho escravo por meio do próprio trabalho manufatureiro o que era considerado vergonhoso e vil e tinha pouca perspectiva de êxito ou empobrecer Naquelas circunstâncias escolhiam necessariamente empobrecer e visto que formavam a massa arruinaram todo o Estado ateniense Não foi a democracia que levou Atenas à ruína como afirmam os mestresescolas europeus que abanam o rabo para os príncipes mas a escravidão que proscreveu o trabalho do cidadão livre A gênese do Estado entre os atenienses constitui um modelo especialmente típico da formação do Estado em geral porque por um lado ela transcorre de modo inteiramente puro sem interferência externa nem violação interna a usurpação de Pisístrato não deixou vestígios de sua curta duração e por outro lado fez surgir um Estado altamente desenvolvido a república democrática diretamente da sociedade gentílica e por fim porque temos conhecimento suficiente de todos os pormenores essenciais a Na edição de 1884 consta dado que as outras duas classes não receberam nenhum direito específico em vez de dado que de resto não fundamentou nenhuma diferença de direitos entre as classes N E A b Lewis H Morgan Ancient Society cit p 271 N E A VI GENS E ESTADO EM ROMA Da lenda da fundação de Roma depreendese que o primeiro assentamento foi obra de certo número de gentes latinas cem de acordo com a lenda unidas em uma tribo às quais logo se teria aliado uma tribo sabeliana constituída igualmente de cem gentes e por último uma terceira tribo composta de diversos elementos também de cem gentes Toda a narrativa mostra à primeira vista que ali pouca coisa havia de naturalmente formado a não ser a gens e mesmo esta em muitos casos era apenas uma muda transplantada de uma gens mãe que continuava a existir em sua antiga terra natal As tribos levam marcado na testa o carimbo da composição artificial mas são formadas em geral por elementos aparentados e seguem o modelo da tribo antiga que se desenvolve naturalmente não sendo criada artificialmente porém não se pode excluir a possibilidade de que o núcleo de cada uma das três tribos tenha sido uma tribo antiga real O elo intermediário a fratria constituíase de dez gentes e se chamava cúria havia portanto trinta cúrias É aceito de modo geral que a gens romana e a grega eram a mesma instituição se a gens grega constituiu uma evolução da unidade social cuja forma originária nos é apresentada pelos pelesvermelhas americanos isso vale tal e qual para a gens romana Podemos portanto ser mais sucintos aqui A gens romana tinha pelo menos na época mais antiga da cidade a seguinte constituição 1 Direito de herança recíproco entre os integrantes da gens os bens permaneciam na gens Visto que tanto na gens romana quanto na gens grega já vigorava o direito paterno os descendentes da linha feminina eram excluídos Segundo a Lei das Doze Tábuas a mais antiga versão escrita do direito romano que conhecemos os primeiros a herdar eram os filhos e filhas como herdeiros naturais Não havendo filhos herdavam os agnatos parentes pela linha masculina na falta destes os demais integrantes da gens Em qualquer desses casos os bens ficavam na gens Aqui observamos a penetração gradual de novas disposições legais no costume gentílico criadas pelo aumento da riqueza e pela monogamia O direito hereditário que originalmente era igual para todos os integrantes da gens foi primeiramente delimitado aos agnatos o que aconteceu já muito cedo como foi anteriormente mencionado depois aos filhos e filhas e respectivos descendentes pela linha masculina Na Lei das Doze Tábuas essa ordem naturalmente aparece invertida 2 Posse de um local comum para sepultar os mortos Ao emigrar de Régilo para Roma a gens patrícia Cláudia recebeu além de um pedaço de terra um local na cidade para sepultar seus mortos Ainda na época de Augusto Varo que morrera na floresta de Teutoburgo e cuja cabeça fora levada para Roma foi enterrado num gentilitius tumulus túmulo gentílico portanto a gens Quinctilia ainda possuía um jazigo particular a 3 Celebrações religiosas comuns Estas as sacra gentilitia são bem conhecidas 4 Obrigação de não casar na gens Parece que em Roma isso jamais foi convertido em lei escrita mas o costume permaneceu Da enormidade de casais romanos cujos nomes nos foram preservados não há nenhum em que homem e mulher tenham o mesmo nome gentílico O direito de herança também comprova essa regra Pelo casamento a mulher perde seus direitos agnatícios sai de sua gens nem ela nem seus filhos e filhas podem herdar de seu pai ou dos irmãos deste porque do contrário a gens paterna perderia a parte da herança Isso só faz sentido quando se pressupõe que a mulher não pode casar com nenhum integrante de sua gens 5 Uma posse fundiária comum Esta sempre existiu em tempos primitivos desde que a terra da tribo começou a ser repartida Entre as tribos latinas o solo era posse em parte da tribo em parte da gens em parte das economias domésticas que naquela época dificilmente b consistiam em famílias individuais Rômulo teria feito as primeiras repartições de terra entre indivíduos mais ou menos um hectare duas iugera para cada um No entanto mais tarde ainda encontramos posse fundiária nas mãos das gentes para não falar da terra do Estado em torno da qual gira toda a história interna da república 6 Dever dos integrantes da gens de se protegerem e se apoiarem mutua mente A história escrita mostra apenas resquícios disso o Estado romano entrou em cena desde o início com tal supremacia que o direito de proteção contra as injustiças passou para ele Quando Ápio Cláudio foi preso toda a sua gens pôs luto inclusive aqueles que eram seus inimigos pessoais Na época da Segunda Guerra Púnica as gentes se aliaram para pagar o resgate de seus integrantes que haviam sido feitos prisioneiros de guerra o senado proibiuas de fazer isso 7 O direito de usar o nome gentílico Permaneceu até o período imperial aos libertos era permitido que assumissem o nome gentílico de seus exsenhores mas sem os direitos gentílicos 8 Direito de adotar estranhos na gens Isso se dava por meio da adoção por uma família como entre os índios que tinha como consequência a aceitação na gens 9 O direito de eleger e depor o líder não é mencionado em lugar nenhum Como porém nos primórdios de Roma todos os cargos eram ocupados por eleição ou nomeação do rei para baixo e até os sacerdotes das cúrias eram eleitos por elas podemos presumir a mesma coisa para os líderes principes das gentes embora já se tivesse tornado regra na gens que fossem sempre da mesma família Essas eram as competências de uma gens romana Com exceção da transição já consumada para o direito paterno elas constituem o retrato fiel dos direitos e deveres de uma gens iroquesa também aqui se vislumbra inconfundivelmente o iroquês c Quanto à confusão que reina até hoje a respeito da ordem gentílica romana inclusive entre nossos historiadores mais renomados que seja dado apenas um exemplo No tratado de Mommsen sobre os nomes próprios romanos do período da República e de Augusto Römische Forschungen Berlim 1864 v I consta o seguinte O nome gentílico competia também às mulheres além de a todos os integrantes masculinos da gens naturalmente excetuando os escravos mas incluindo os adotivos e os clientes A tribo é assim que Mommsen traduz gens aqui é uma sociedade oriunda de uma linhagem comum real suposta ou mesmo fictícia comunidade constituída como cooperativa de celebração sepultura e herança da qual podiam e deveriam se considerar participantes todos os indivíduos livres portanto também as mulheres Porém a determinação do nome gentílico causava dificuldade às mulheres casadas Essa dificuldade estava excluída na medida em que a mulher tinha permissão de contrair matrimônio somente com um membro de sua gens e comprovadamente por muito tempo as mulheres tiveram mais dificuldade para casar fora de sua gens do que dentro dela visto que aquele direito a gentis enuptio casamento fora da gens era concedido ainda no século VI como privilégio pessoal a título de recompensa Porém quando aconteceram esses casamentos fora da gens a mulher deve ter nos tempos mais antigos passado para a tribo do esposo Nada é mais certo do que isto no antigo casamento religioso a mulher entrava totalmente na comunidade jurídica e sacral do esposo e saía da sua Quem não sabe que a mulher casada perde ativa e passivamente o direito de herança em relação aos membros de sua gens e em contrapartida entra em união hereditária com seu esposo seus filhos e os integrantes da gens deles E quando ela é assumida pelo esposo como filha e integrada a sua família como poderia ela permanecer longe da gens dele p 811 Mommsen afirma portanto que as mulheres romanas de uma gens podiam casar originalmente apenas dentro de sua gens e que por conseguinte a gens romana era endogâmica e não exogâmica Essa opinião que contradiz toda a experiência entre outros povos baseiase principalmente se não exclusivamente em uma única passagem muito controvertida de Tito Lívio Ab urbe condita livro XXXIX cap 19 segundo a qual o senado decidiu no ano 568 da cidade e 186 da nossa era uti Feceniae Hispalae datio deminutio gentis enuptio tutoris optio item esset quasi ei vir testamento dedisset utique ei ingenuo nubere liceret neu quid ei qui eam duxisset ob id fraudi ignominiaeve esset que Fecênia Híspala terá o direito de dispor de seus bens diminuílos casar fora da gens e escolher um tutor para si como se seu esposo falecido d lhe tivesse conferido esse direito por testamento que ela possa casar com um homem livre e que não seja considerado malfeito ou vergonha para quem a tomar por esposa Aqui portanto é indubitavelmente conferido a Fecênia uma liberta o direito de casar fora da gens E de modo igualmente indubitável de acordo com isso o esposo tinha o direito de conferir por testamento a sua esposa o direito de após sua morte casar fora da gens Mas fora de qual gens Se a mulher era obrigada a casar dentro de sua gens como pressupõe Mommsen ela ficava nessa gens também após o casamento Em primeiro lugar porém essa endogamia afirmada da gens é justamente o que precisa ser provado E em segundo lugar se a mulher era obrigada a casar dentro da gens o homem naturalmente também era pois do contrário ele não conseguiria esposa Chegamos então ao ponto em que o homem podia conferir por testamento a sua esposa um direito que nem ele próprio tinha para si desembocamos em um contrassenso jurídico Mommsen também sente isso e por conseguinte lança a seguinte suposição Para o casamento fora da gens certamente se necessitava juridicamente do consentimento não só do detentor do poder mas também de todos os integrantes da gens p 10 nota Em primeiro lugar tratase de uma suposição bastante ousada e em segundo lugar ela contradiz o teor claro da passagem o senado confere à mulher esse direito no lugar do homem ele lhe dá expressamente nada mais nada menos do que o esposo poderia terlhe dado mas o que ele lhe dá é um direito absoluto sem nenhuma outra restrição de modo que se ela fizer uso dele seu novo esposo não será prejudicado o senado encarrega até mesmo os cônsules e os pretores atuais e futuros de cuidar para que daí não lhe advenha nenhum tipo de injustiça A suposição de Mommsen parece portanto absolutamente inadmissível Ou então a mulher casaria com um homem de outra gens mas permaneceria na gens em que nasceu Nesse caso segundo a passagem acima seu esposo tinha o direito de permitir que a esposa casasse fora de sua gens Isto é ele tinha o direito de tomar providências em assuntos de uma gens à qual ele nem mesmo pertencia Tratase de um contrassenso tão grande que não devemos gastar mais nenhuma palavra com ele Resta portanto a hipótese de que no primeiro matrimônio a mulher tenha casado com um homem de outra gens e mediante essa união tenha passado sem mais para a gens do esposo o que Mommsen de fato também admite para tais casos Então todo o nexo se explica de imediato A mulher desarraigada de sua antiga gens pelo casamento e acolhida na nova associação gentílica do esposo tem nesta uma posição bastante peculiar Ela é integrante da gens mas não é consanguínea o modo como foi acolhida a exclui desde o começo de qualquer proibição de casamento dentro da gens na qual ingressou justamente pelo casamento além disso ela foi aceita na associação matrimonial da gens herda por ocasião da morte de seu esposo parte do patrimônio deste que portanto é patrimônio de um integrante da gens O que é mais natural do que exigir que esse patrimônio permaneça na gens e que ela portanto seja obrigada a casar com um integrante da gens de seu primeiro esposo e com nenhum outro E caso se queira abrir uma exceção quem teria maior competência para autorizála a fazer isso do que aquele que lhe legou o patrimônio em questão ou seja seu primeiro esposo No momento em que ele lhe legou uma parte de seu patrimônio e simultaneamente lhe permitiu transferir mediante casamento essa parte do patrimônio a uma gens estranha esse patrimônio ainda lhe pertence e portanto ele dispõe literalmente apenas de sua propriedade No que se refere à mulher e à relação desta com a gens de seu esposo foi ele que a introduziu nessa gens mediante um ato livre de sua vontade o casamento parece portanto igualmente natural que ele seja a pessoa competente para autorizála a sair dessa gens mediante um segundo casamento Em suma a coisa parece simples e óbvia assim que deixamos de lado a concepção mirabolante da gens romana endogâmica e acompanhando Morgan a concebemos como originalmente exogâmica Ainda resta uma última suposição que pelo visto ganhou o maior número de adeptos a passagem diria apenas que servas libertas libertae não poderiam sem aprovação específica e gente enubere casar fora da gens ou efetuar qualquer outro ato que associado à capitis deminutio minima perda dos direitos da família resultasse no egresso da liberta da associação gentílica Ludwig Lange Römische Alterthümer Berlim 1856 v I p 195 onde se faz referência a Huschke no que diz respeito à passagem de Lívio e Se essa suposição estiver correta a passagem não prova absolutamente nada sobre as relações das romanas livres e não pode se referir a uma obrigação de elas casarem dentro da gens A expressão enuptio gentis ocorre apenas nessa passagem e não aparece mais em toda a literatura romana a palavra enubere casar fora ocorre apenas três vezes igualmente em Lívio e nelas não tem relação com a gens A fantasia de que as mulheres romanas só podiam se casar dentro da gens deve sua existência a essa passagem Mas ela não se sustenta Pois ou a passagem se refere a restrições específicas para libertas e nesse caso nada prova com referência às mulheres livres ingenuae ou então vale também para as mulheres livres e nesse caso prova que via de regra a mulher casava fora de sua gens mas com o casamento passava para a gens do esposo portanto contra Mommsen e a favor de Morgan Trezentos anos depois da fundação de Roma os laços gentílicos ainda eram tão firmes que uma gens patrícia a dos fábios ainda pôde empreender por conta própria e com o beneplácito do senado uma expedição guerreira contra a cidade vizinha de Veios Trezentos e seis fábios teriam saído a campo e todos teriam sido emboscados e mortos um único rapaz que ficara pelo caminho teria propagado a gens Como foi dito dez gentes compunham uma fratria que nesse caso denominavase cúria e detinha competências públicas mais importantes do que a fratria grega Cada cúria tinha suas próprias práticas religiosas seus próprios santuários e sacerdotes a totalidade destes formava um colégio romano de sacerdotes Dez cúrias compunham uma tribo que provavelmente a exemplo das demais tribos latinas tinha em sua origem um líder eleito comandante de tropas e sumo sacerdote A totalidade das três tribos formava o povo romano o populus romanus Portanto só podia pertencer ao povo romano quem fosse membro de uma gens e por meio desta de uma cúria e de uma tribo A primeira constituição desse povo foi a seguinte Os assuntos públicos eram resolvidos primeiro pelo senado que como Niebuhr viu corretamente pela primeira vez era composto dos líderes das trezentas gentes justamente por serem os mais velhos das gentes eram chamados de patres pais e seu conjunto era denominado senado conselho dos mais velhos de senex velho A eleição habitual de uma mesma família de cada gens deu origem também nesse caso à primeira nobreza tribal essas famílias se chamavam patrícias e reivindicavam o direito exclusivo de ingressar no senado e ocupar os demais cargos O fato de o povo ter aceitado essa reivindicação com o passar do tempo e de ela ter se convertido em direito efetivo é expresso pela lenda da concessão do patriciado e de suas prerrogativas por Rômulo aos primeiros senadores e a seus descendentes O senado a exemplo da bulé ateniense tomava decisões em muitos assuntos deliberava previamente sobre leis importantes principalmente sobre leis novas Estas eram decididas pela assembleia popular denominada comitia curiata assembleia das cúrias O povo se dividia em cúrias e em cada cúria provavelmente em gentes na tomada de decisão cada uma das trinta cúrias tinha um voto A assembleia das cúrias acolhia ou rejeitava todas as leis elegia todos os funcionários dos escalões mais altos inclusive o rex o assim chamado rei declarava guerra mas era o senado que firmava a paz e decidia na qualidade de corte suprema por convocação dos envolvidos todos os casos que implicavam pena de morte contra um cidadão romano Por fim paralelamente ao senado e à assembleia popular encontravase o rex que correspondia exatamente ao basiléus grego e não era de modo algum o rei quase absoluto descrito por Mommsen f 7 Ele também era comandante de tropas sumo sacerdote e presidente de certos tribunais Mas não tinha nenhuma competência civil ou poder sobre a vida a liberdade e a propriedade dos cidadãos a não ser que decorressem da disciplina do comandante de tropas ou do poder judicante do presidente do tribunal O cargo de rex não era hereditário pelo contrário ele era eleito pela assembleia das cúrias provavelmente por proposição do predecessor no cargo e empossado solenemente por uma segunda assembleia O rex também podia ser deposto o que fica comprovado pelo destino de Tarquínio o Soberbo Portanto como os gregos da era dos heróis os romanos da era dos assim chamados reis também viviam em uma democracia militar fundada em gentes fratrias e tribos e desenvolvida a partir delas As cúrias e tribos podem em parte ter sido formações artificiais mas foram moldadas segundo os modelos genuínos e naturais da sociedade da qual se originaram e que ainda os rodeava por todos os lados A nobreza patrícia que surgiu naturalmente podia já ter logrado algum avanço os reges podiam tentar ampliar gradativamente suas competências isso não altera o caráter básico original da constituição e é só isso o que importa Entrementes a população da cidade de Roma e do território romano ampliado mediante conquistas se multiplicou em parte graças à imigração em parte devido aos habitantes das regiões conquistadas em sua maioria latinos Todos esses novos integrantes do Estado deixemos de lado aqui a questão referente aos clientes encontravamse fora das antigas gentes cúrias e tribos e portanto não faziam parte do populus romanus do povo romano propriamente dito Tinham liberdade pessoal podiam possuir terras e estavam obrigados a pagar impostos e prestar serviço militar Contudo não podiam ocupar cargos participar da assembleia das cúrias ou se beneficiar da repartição das terras conquistadas pelo Estado Compunham a plebs excluída de todos os direitos públicos Por seu número cada vez maior formação militar e armamento converteramse em um poder que ameaçava o antigo populus hermeticamente fechado a qualquer elemento vindo de fora A isso se soma que a posse fundiária aparentemente estava repartida de modo bastante equilibrado entre populus e plebs ao passo que a riqueza comercial e industrial que não estava ainda muito desenvolvida se encontrava decerto preponderantemente em poder da plebs Em virtude da densa escuridão em que a préhistória inteiramente lendária de Roma está envolvida uma escuridão que aumenta consideravelmente com as tentativas de interpretação e os relatos pragmáticoracionalistas mais recentes de autores com formação jurídica que nos servem de fonte é impossível dizer algo de concreto sobre a época o decurso e as circunstâncias da revolução que pôs fim à antiga constituição gentílica A única coisa que se sabe ao certo é que suas causas estão relacionadas às lutas entre plebs e populus A nova constituição atribuída ao rex Sérvio Túlio e baseada no modelo grego sobretudo em Sólon criou uma nova assembleia popular que incluía e excluía igualmente integrantes do populus e da plebs segundo tivessem prestado serviços na guerra ou não O conjunto da população masculina obrigada a prestar serviço militar foi dividido em seis classes de acordo com suas posses A posse mínima em cada uma das cinco classes era I 100000 asses II 75000 III 50000 IV 25000 V 11000 asses segundo Dureau de la Malle isso equivalia a cerca de 14000 10500 7000 3600 e 1570 marcos alemães A sexta classe a dos proletários era composta daqueles que possuíam menos bens e eram isentos do serviço militar e do pagamento de impostos Na nova assembleia popular das centúrias comitia centuriata os cidadãos compareciam em formação militar por companhias as centúrias compostas de cem homens e cada centúria tinha um voto Ocorre porém que a primeira classe tinha 80 centúrias a segunda 22 a terceira 20 a quarta 22 a quinta 30 a sexta para constar também tinha uma A essas se somavam as unidades de cavalarianos formadas pelos mais ricos com 18 centúrias ao todo 193 maioria de votos 97 Ora só os cavalarianos e a primeira classe já detinham juntos 98 votos ou seja a maioria se concordavam entre si os demais nem eram consultados a resolução válida já estava tomada Para essa nova assembleia das centúrias foram transferidos todos os direitos políticos da anterior a assembleia das cúrias exceto alguns direitos nominais por essa via as cúrias e as gentes que as compunham foram como em Atenas rebaixadas a meras associações privadas e religiosas e como tais ainda vegetaram por muito tempo enquanto a assembleia das cúrias não demorou a se extinguir completamente Para excluir também do Estado as três tribos mais antigas foram criadas quatro tribos territoriais cada uma das quais residindo em um quarto da cidade e com uma série de direitos políticos Desse modo também em Roma antes da abolição do chamado reinado a antiga ordem social baseada em laços consanguíneos já se rompera e fora substituída por uma constituição estatal real baseada na divisão territorial e na diferença de posses Nesse caso o poder público consistia no conjunto de cidadãos obrigados ao serviço militar e se contrapunha não só aos escravos mas também aos assim chamados proletários excluídos do serviço militar e da posse de armas No âmbito dessa nova constituição que só foi aprimorada após a expulsão do último rex Tarquínio o Soberbo que usurpou de fato o poder real e a substituição do cargo de rex por dois comandantes de tropas cônsules com igual poder oficial como entre os iroqueses no âmbito dessa constituição desenrolase a história completa da República romana com todas as lutas entre patrícios e plebeus pelo acesso aos cargos públicos e pela participação nas terras do Estado e com a dissolução final da nobreza patrícia na nova classe dos grandes possuidores de terras e dinheiro que pouco a pouco absorveram todos os bens fundiários dos camponeses arruinados pelo serviço militar usaram escravos para cultivar os enormes latifúndios daí resultantes despovoaram a Itália e desse modo escancararam a porta não só para o império mas também para seus sucessores os bárbaros germânicos a Na edição de 1884 a última frase diz o seguinte Ainda no reinado de Augusto Varo que morrera na floresta de Teutoburgo e cuja cabeça fora levada para Roma foi sepultado no jazigo da gens Quinctilia gentilitius tumulus túmulo gentílico N E A b Variante textual da edição de 1884 não necessariamente em vez de naquela época dificilmente N E A c Na edição de 1884 falta todo o trecho até Trezentos anos depois da fundação de Roma p 118 N E A d Acréscimo de Engels N T e Em seu livro Lange se refere à dissertação de Philipp Eduard Huschke De privilegiis Feceniae Hispalae senatusconsulto concessis Liv XXXIX 19 Göttingen 1822 N E A f Theodor Mommsen Römische Geschichte Leipzig 1851 v I livro I cap 6 N E A 7 O rex latino corresponde ao celtoirlandês righ chefe tribal e ao gótico reiks esse termo significava o mesmo que originalmente a nossa palavra Fürst isto é o primeiro como no inglês first e no dinamarquês forste isto é o líder da gens ou tribo o que se depreende do fato de que no século IV os godos já tinham uma palavra especial para o posterior rei o comandante de tropas de todo o povo thiudans Na tradução da Bíblia feita por Úlfilas Artaxerxes e Herodes nunca são chamados de reiks mas de thiudans e o reino do imperador Tibério nunca é chamado de reiki mas de thiudinassus As duas denominações se fundem no nome do thiudans gótico ou como traduzimos equivocadamente do rei Thiudareiks Teodorico isto é Dietrich em alemão VII A GENS ENTRE OS CELTAS E OS GERMANOS O espaço disponível nos proíbe de abordar as instituições gentílicas que existem ainda hoje em formas mais puras ou mais turvas nos mais diferentes povos selvagens e bárbaros ou seus vestígios na história mais antiga dos povos civilizados asiáticos a Aquelas e estes se encontram em toda parte Apenas alguns exemplos antes que a gens fosse identificada McLennan o homem que mais se esforçou por entendêla equivocadamente comprovou sua existência e em termos gerais a descreveu corretamente entre os calmucos circassianos samoiedos e três povos indianos os waralis os magares e os manipuris Recentemente M Kovalevski a descobriu e descreveu entre os pshavos chevsuros suanetos e outras tribos caucasianas A seguir apenas algumas breves notas sobre a ocorrência da gens entre celtas e germanos As leis celtas mais antigas que ainda se conservam mostram a gens em plena vitalidade na Irlanda ela ainda vive na consciência popular ao menos instintivamente depois que os ingleses a eliminaram à força na Escócia florescia plenamente ainda em meados do século passado mas também nesse caso sucumbiu às armas à legislação e aos tribunais ingleses As antigas leis galesas que foram registradas por escrito vários séculos antes da conquista inglesa no mais tardar no século XI ainda revelam a agricultura comunitária praticada por povoados inteiros mesmo que só como resquício excepcional de um costume geral mais antigo cada família tinha cinco acres para cultivo próprio ao lado destes uma parte era cultivada comunitariamente e a colheita era repartida Vista a semelhança entre Irlanda e Escócia não há por que duvidar que essas comunidades aldeãs representem gentes ou subdivisões de gentes mesmo que uma nova verificação das leis galesas para a qual me falta tempo meus excertos são de 1869 b não prove isso diretamente Porém o que as fontes galesas e com elas as irlandesas provam diretamente é que entre os celtas do século XI o casamento do par não havia sido substituído pela monogamia No País de Gales o casamento só se tornava indissolúvel ou melhor irrescindível após sete anos Faltando apenas três noites para se completarem os sete anos os cônjuges ainda podiam se separar Nesse caso era feita a repartição a mulher repartia o homem escolhia sua parte Os móveis eram divididos segundo certas regras muito divertidas Se o homem dissolvesse o casamento ele tinha de devolver à mulher o dote e algumas outras coisas se fosse a mulher ela recebia menos O homem ficava com duas das crianças a mulher com uma mais exatamente a do meio Se após a separação a mulher tomava outro homem e o primeiro a quisesse de volta ela tinha de ir com ele mesmo que já tivesse um pé no novo leito matrimonial Porém se os dois passassem sete anos juntos eles eram marido e esposa mesmo que não tivessem tido um casamento formal A virgindade das meninas antes do casamento não era observada nem rigorosamente exigida as prescrições referentes a esse ponto são de natureza extremamente frívola e de modo algum conformes com a moral burguesa Se uma mulher cometesse adultério o homem podia espancála um dos três casos em que isso lhe era permitido do contrário ele ficava sujeito a punição mas depois não podia exigir mais nenhuma satisfação pois pela mesma transgressão deve haver expiação ou vingança mas não ambas ao mesmo tempo c As razões pelas quais a mulher podia pedir a separação sem abdicar de suas reivindicações no conflito eram de natureza muito abrangente o mau hálito do homem já era suficiente O resgate pago ao chefe da tribo ou ao rei pelo direito da primeira noite gobr merch do qual vem o termo medieval marcheta ou marquette em francês tem grande importância no código legal As mulheres tinham direito de voto nas assembleias populares Acrescentemos que na Irlanda são atestadas condições semelhantes ali os casamentos temporários também eram usuais e por ocasião da separação estavam assegurados benefícios bem definidos à mulher e até indenização por seus serviços domésticos ali aparece uma primeira esposa ao lado de outras esposas e na repartição da herança não se fazia nenhuma diferença entre crianças concebidas no casamento e crianças concebidas fora do casamento temos assim um quadro de casamento do par em comparação com o qual a forma de casamento em vigor na América do Norte parece severa mas que não poderia causar admiração no século XI em um povo que praticava o casamento grupal ainda na época de César A gens irlandesa sept a tribo se chama clainne clã é confirmada não só pelos antigos códigos legais mas também pelos juristas ingleses do século XVII que foram enviados para lá a fim de transformar a terra do clã em domínios do rei inglês Até esse último período o solo era propriedade comum do clã ou da gens quando ainda não havia sido transformado pelos chefes em seu domínio privado Quando um integrante da gens falecia e portanto um domicílio desaparecia o líder os juristas ingleses o chamaram de caput cognationis fazia uma nova divisão de todo o território entre os domicílios restantes Esta devia ocorrer em grandes traços segundo as regras em vigor na Alemanha Ainda hoje se encontram nos povoados alguns campos que há quarenta ou cinquenta anos eram numerosos no chamado sistema rundale d Os camponeses arrendatários individuais da terra que fora roubada pelo conquistador inglês e antes era posse comum da gens pagavam individualmente o arrendamento de seu lote mas juntavam as terras de cultivo e pastagem de todos os lotes e as dividiam segundo sua localização e qualidade em Gewanne como se dizia às margens do Mosela dando a cada qual sua parte em cada Gewann as terras pantanosas e os pastos eram usados em comum Há cinquenta anos ainda se faziam repartições periódicas da terra às vezes anualmente O mapa dos campos de uma dessas aldeias em rundale se parece exatamente com o de uma Gehöferschaft herdade alemã às margens do Mosela ou em Hochwald A gens também continua viva nas factions facções Os camponeses irlandeses se dividiam muitas vezes em facções que se baseavam em diferenças aparentemente absurdas ou sem nexo incompreensíveis para os ingleses e que pareciam não ter nenhum propósito além das pancadarias solenes e muito apreciadas de uma facção contra a outra Tratase de revivescências artificiais compensação fora de época das gentes dispersas que exibem a seu modo a persistência do instinto herdado da gens Em algumas regiões aliás os integrantes da gens ainda se encontram em grande parte em seus antigos territórios assim ainda na década de 1830 a grande maioria dos habitantes do condado de Monaghan tinha somente quatro nomes de família isto é descendiam de quatro gentes ou clãs 8 Na Escócia o declínio da ordem gentílica data do esmagamento da revolta de 1745 Ainda está por ser investigado que elemento dessa ordem é representado especificamente pelo clã escocês mas não há dúvida de que ele foi um desses elementos Nos romances de Walter Scott vemos esse clã altoescocês vividamente diante de nós Morgan diz Ele é um modelo excelente da gens em termos de organização e espírito um exemplo concludente de como a vida dos integrantes da gens é regida pelo modo de vida gentílico Em suas contendas e vinganças de sangue na repartição do território entre os clãs no cultivo comunitário do solo na fidelidade dos membros do clã ao chefe e entre si encontramos traços da sociedade gentílica que reaparecem em todo lugar A linhagem era regida pelo direito paterno de modo que os filhos dos homens permaneciam nos clãs enquanto os das mulheres passavam para os clãs de seu pai e Em tempos mais antigos porém vigorava o direito materno na Escócia o que é provado pelo fato de que na família real dos pictos segundo Beda f valia a linha hereditária feminina E até mesmo um resquício da família punaluana se conservou até a Idade Média tanto entre os galeses quanto entre os escotos no direito à primeira noite que o chefe do clã ou o rei podia exercer sobre toda noiva como último representante dos antigos esposos comuns caso esse direito não fosse resgatado g É inquestionável que os germanos estavam organizados em gentes até a migração dos povos Eles só podem ter ocupado poucos séculos antes da nossa era a região entre os rios Danúbio Reno Vístula e os mares do Norte os cimbros e teutões ainda estavam em plena migração e os suevos só se fixaram na época de César Sobre eles César diz expressamente que se estabeleceram por gentes e parentesco gentibus cognationibusque h e na boca de um romano da gens Júlia a palavra gentibus possui um significado bem definido que não pode ser negado por nenhuma demonstração Isso valia para todos os germanos até o assentamento nas províncias romanas conquistadas i parece ter sido empreendido segundo as gentes O direito consuetudinário alamano confirma que o povo se assentou no solo conquistado ao sul do Danúbio segundo as linhagens genealogiae j o termo genealogia é usado exatamente no mesmo sentido que o foram mais tarde as expressões cooperativa da marca ou da aldeia Kovalevski sugeriu recentemente que essas genealogiae seriam as grandes cooperativas domésticas entre as quais a terra teria sido repartida e a partir das quais só mais tarde se desenvolveu a cooperativa aldeã O mesmo deve se aplicar então à fara expressão com a qual se designa entre os burgúndios e langobardos portanto em uma tribo de godos e em uma tribo de hermiões ou altoalemães mais ou menos se não exatamente o mesmo que se designa com o termo genealogia no código legal alamano Se o que temos aqui diante de nós é na realidade uma gens ou uma cooperativa doméstica isso ainda precisa ser investigado mais a fundo Os documentos linguísticos nos deixam em dúvida sobre entre todos os germanos haver uma expressão comum para gens e qual era ela Etimologicamente ao grego génos e ao latim gens corresponde o gótico kuni o médio altoalemão künne que também é usado com o mesmo sentido Remete aos tempos do direito materno o fato de o substantivo relativo a esposa derivar da mesma raiz gyné em grego žena em eslavo qvino em gótico konakuna na língua nórdica antiga Entre langobardos e burgúndios encontramos como foi dito fara que Grimm deriva de uma raiz hipotética fisan gerar Prefiro derivála da raiz mais palpável faran fahren marchar migrar como designação de um grupo fixo de migrantes naturalmente formado por parentes uma designação que no decorrer de migrações de várias centenas de anos primeiro para o Oriente e depois para o Ocidente gradativamente passou a ser aplicada à cooperativa consanguínea Além disso há o termo gótico sibja o anglosaxônico sib o antigo altoalemão sippia sippa para clã Sippe Na língua nórdica antiga ocorre apenas a forma plural sifjar os parentes o singular só como nome de uma deusa Sif E por fim ainda ocorre uma outra expressão na Canção de Hildebrando k na passagem em que Hildebrando pergunta a Hadubrando quem seria teu pai entre os homens do povo ou de que linhagem tu és eddo huêlîhhes cnuosles du sîs Se houve mesmo uma designação alemã comum para a gens certamente foi a palavra gótica kuni o que fala a seu favor é não só a identidade com a expressão correspondente em línguas afins mas também o fato de que dela se deriva a palavra kuning König rei que originalmente designa um líder de gens ou tribo Sibja Sippe parece não entrar em cogitação e pelo menos na língua nórdica antiga sifjar significa não só parentes consanguíneos mas também parentes pelo casamento abrangendo portanto integrantes de no mínimo duas gentes portanto sif não poderia ter sido o termo para designar a gens Entre os germanos assim como era praxe entre mexicanos e gregos a ordem de batalha tanto do esquadrão de cavalaria quanto da coluna em forma de cunha da infantaria era feita segundo as corporações gentílicas quando Tácito diz segundo famílias e parentes l essa expressão ambígua se explica pelo fato de que em sua época a gens deixara havia muito de ser uma associação vigente em Roma Decisiva é uma passagem em Tácito que diz o irmão da mãe considera seu sobrinho como um filho e há até os que consideram o laço de sangue entre tios e sobrinhos maternos mais sagrado e estreito do que o laço entre pai e filho de modo que quando se exigem reféns o filho da irmã é visto como uma garantia muito maior do que o próprio filho daquele que se quer atingir Temos aqui um exemplo vivo da gens organizada segundo o direito materno e portanto da gens original ademais como algo que distingue especialmente os germanos 9 Se um integrante de uma gens desse tipo colocava o próprio filho como penhor de uma promessa e o filho era vítima da quebra de promessa do pai este só tinha de prestar contas a si mesmo Porém se a vítima fosse o filho da irmã ocorria a violação do mais sagrado dos direitos gentílicos quem tinha provocado sua morte era o seu parente gentílico mais próximo que tinha acima de tudo a obrigação de proteger o menino ou o rapaz ou não o penhorasse ou cumprisse o contrato Se não dispuséssemos de nenhum outro vestígio da constituição gentílica entre os germanos essa única passagem bastaria m Ainda mais decisiva por se tratar de um texto de aproximadamente 800 anos mais tarde é uma passagem da canção nórdica antiga que trata do crepúsculo dos deuses e do fim do mundo a Völuspá n Nessa Visão da vidente na qual como agora foi provado por Bang e Bugge também estão entremeados elementos cristãos dizse o seguinte quando é descrita a época de degeneração e corrupção geral que iniciará a grande catástrofe Broedhr munu berjask ok at bönum verdask munu systrungar sifjum spilla Irmãos se digladiarão e assassinarão um ao outro os filhos da irmã violarão o clã Systrungr é como se denomina o filho da irmã materna e o fato de esses filhos negarem sua consanguinidade é para o poeta um agravamento do crime de fratricídio O agravamento está contido no termo systrungar que enfatiza o parentesco pelo lado materno se em seu lugar constasse syskinabörn filhos e filhas de irmãos e irmãs ou syskinasynir filhos de irmãos e irmãs a segunda linha não representaria um agravamento mas uma suavização Portanto na época dos vikings na qual surgiu a Völuspá a memória do direito materno ainda não havia se apagado na Escandinávia De resto na época de Tácito o direito materno já havia sido substituído pelo direito paterno ao menos o entre os germanos que ele conheceu mais de perto p os filhos herdavam do pai na ausência de filhos os irmãos e os tios paternos e maternos A admissão do irmão da mãe como herdeiro tem a ver com a preservação do costume mencionado acima e prova igualmente que o direito paterno ainda era muito recente entre os germanos Em plena Idade Média ainda se encontram vestígios do direito materno Ainda naquela época parece que não se tinha muita confiança na paternidade principalmente no caso dos servos portanto quando um senhor feudal exigia de alguma cidade como Augsburgo Basileia e Kaiserslautern a devolução de um servo fugido a condição servil do acusado tinha de ser atestada sob juramento por seis de seus parentes consanguíneos mais próximos e estes tinham de ser exclusivamente pelo lado materno Georg Ludwig von Maurer Städteverfassung v I p 381 Outro resquício do direito materno em via de extinção era o respeito quase incompreensível para os romanos que os germanos demonstravam pelo sexo feminino As virgens das famílias nobres eram consideradas as reféns mais seguras nos acordos com os germanos A ideia de que suas mulheres e filhas pudessem ir para o cativeiro ou ser escravizadas era realmente terrível para eles e mais do que qualquer outra coisa incitava sua coragem na batalha eles enxergavam na mulher algo sagrado e profético e ouviam seus conselhos até em relação aos assuntos mais importantes como aconteceu por exemplo quando Veleda a sacerdotisa brúctera das margens do rio Lippe se tornou a alma da revolta batava na qual Civilis liderando germanos e belgas abalou toda a dominação romana na Gália q Em casa a autoridade da mulher parece indiscutível todavia ela os velhos e as crianças tinham de fazer todo o trabalho enquanto o homem caçava bebia ou não fazia nada É o que diz Tácito mas como ele não diz quem lavrava a terra e declara expressamente que os escravos apenas pagavam tributo mas não realizavam trabalhos forçados decerto a massa dos homens adultos tinha de realizar o pouco trabalho exigido pelo cultivo da terra Como dissemos há pouco sua forma de casamento era o casamento do par que aos poucos se aproximava da monogamia Ainda não era uma monogamia estrita pois a poligamia era permitida aos nobres Em geral davase muita importância à castidade das jovens ao contrário do que se passava entre os celtas e Tácito fala também em um tom especialmente simpático acerca da indissolubilidade do laço conjugal entre os germanos Cita o adultério cometido pela mulher como a única razão para o divórcio Mas nesse ponto seu relato tem muitas lacunas e de qualquer modo escancara demais a intenção de mostrar aos devassos romanos o espelho das virtudes Uma coisa é certa se metidos em suas florestas os germanos foram esse modelo excepcional de virtude bastou um breve contato com o mundo exterior para rebaixálos ao nível medíocre do restante dos europeus no mundo romano o último vestígio do rigor dos costumes desapareceu com uma rapidez muito maior do que a língua germânica É só ler Gregório de Tours É óbvio que nas matas virgens germânicas não podia imperar a opulência refinada do prazer sensual que se cultivava em Roma e assim também nesse tocante os germanos tinham vantagem suficiente sobre o mundo romano sem que precisemos inventar para eles alguma abstinência em relação às coisas carnais que jamais vigorou para a totalidade de nenhum povo Da constituição da gens proveio a obrigação de herdar as inimizades do pai ou dos parentes tanto quanto as amizades da mesma forma que o dinheiro de reparação Wergeld de penitência por homicídio ou ferimentos causados que substituiu a vingança de sangue Esse dinheiro de reparação que uma geração antes era considerado ainda uma instituição especificamente germânica hoje está comprovado em centenas de povos como forma de atenuação da vingança de sangue oriunda da ordem gentílica Nós a encontramos associada à obrigação de hospitalidade entre os índios americanos e outros a descrição segundo Tácito Germânia cap 21 da maneira como se praticava a hospitalidade é idêntica até quase nos detalhes com a que Morgan faz de seus índios Hoje pertence ao passado a acalorada e interminável discussão sobre os germanos de Tácito terem ou não repartido definitivamente a terra de cultivo e sobre o modo como deveriam ser interpretadas as passagens referentes a esse assunto Desde que se demonstrou que em quase todos os povos existiu o cultivo da terra em comum pela gens e mais tarde pelas comunidades familiares comunistas o que César ainda constata entre os suevos r assim como a posterior destinação da terra a famílias individuais com nova repartição periódica e desde que se comprovou que essa nova repartição periódica da terra de cultivo se manteve em certos lugares da própria Alemanha até nossos dias não vale a pena desperdiçar mais palavras com isso Se nos 150 anos que decorreram de César a Tácito os germanos passaram do cultivo comunitário da terra que o primeiro atribui expressamente aos suevos ele diz que não há entre eles terras privadas nem repartidas para o cultivo individual com nova repartição anual do solo isso já representa um grande progresso a transição daquele estágio para a propriedade privada plena naquele breve intervalo de tempo sem qualquer interferência externa é algo simplesmente impossível Leio portanto em Tácito apenas aquilo que ele diz com escassas palavras eles trocam ou repartem de novo a terra cultivada a cada ano e nesse processo resta bastante terra comunitária s É a fase da agricultura e da apropriação do solo que corresponde exatamente à constituição gentílica germânica daquela época t Deixo inalterado esse último parágrafo na forma em que aparece nas edições anteriores Entrementes a questão tomou um rumo diferente Depois que Kovalevski ver p 61 comprovou a ocorrência muito difundida quando não universal da cooperativa doméstica patriarcal como etapa intermediária entre a família comunista matriarcal e a família isolada moderna não se discute mais como ainda se fez de Maurer até Waitz sobre a propriedade comum ou a propriedade privada do solo mas sobre a forma da propriedade comum Não há dúvida de que na época de César existiu entre os suevos não só a propriedade comum mas também o cultivo comum para proveito comum Ainda se há de discutir muito se a unidade econômica era a gens a cooperativa doméstica ou um grupo comunista de parentesco situado entre as duas ou se dependendo das condições do solo ocorriam todos os três grupos Porém o que Kovalevski afirma agora é que a situação descrita por Tácito não teria como pressuposto a cooperativa da marca ou da aldeia mas a cooperativa doméstica a partir desta é que bem mais tarde se teria desenvolvido em consequência do crescimento da população a cooperativa da aldeia De acordo com isso os assentamentos dos germanos na região que eles ocupavam na época dos romanos bem como na região que mais tarde eles tomaram dos romanos eram constituídos não por aldeias mas por grandes cooperativas de famílias que compreendiam várias gerações cultivavam uma faixa correspondente de terra e com os vizinhos aproveitavam a terra baldia do entorno como marca comum Nesse caso a passagem de Tácito a respeito da troca de terras cultivadas deve ser entendida no sentido agronômico todo ano a cooperativa lavrava uma nova faixa de terra e a terra cultivada no ano anterior ficava em repouso ou era invadida pelo mato Dada a pouca densidade populacional sempre restava terra baldia suficiente para tornar desnecessário qualquer conflito em torno de sua posse As cooperativas de famílias teriam se dissolvido somente depois de séculos quando o número de integrantes da casa cresceu a ponto de tornar inviável o cultivo comunitário sob as condições de produção da época anterior as roças e os campos que até aquele momento eram comuns foram repartidos da maneira que se conhece entre as economias domésticas individuais que estavam se formando no começo por tempo determinado mais tarde em definitivo enquanto a floresta as pastagens e as águas permaneceram comuns Em relação à Rússia essa evolução parece estar histórica e inteiramente comprovada No que se refere à Alemanha e aos demais países germânicos não se pode negar que em muitos aspectos essa suposição explica melhor as fontes e soluciona mais facilmente as dificuldades do que a anterior que faz a comunidade aldeã recuar até Tácito Os documentos mais antigos como por exemplo o Codex Laureshamensis u podem ser mais bem explicados em seu conjunto com o auxílio da cooperativa doméstica do que da cooperativa da marca ou aldeia Em contrapartida surgem novas dificuldades e novas questões que ainda precisam ser resolvidas Nesse ponto somente novas investigações permitirão uma decisão contudo não posso negar que a etapa intermediária da cooperativa doméstica tenha grande probabilidade de se aplicar também à Alemanha à Escandinávia e à Inglaterra Enquanto na época de César os germanos em parte haviam acabado de se fixar e em parte ainda buscavam fazêlo na época de Tácito eles já haviam passado por todo um século de sedentarismo de modo correspondente o progresso na produção da subsistência é evidente Eles moravam em casas de madeira o vestuário ainda indicava sua origem silvícola casacos de lã grosseiros peles de animais roupas de baixo de linho para mulheres e nobres A alimentação era composta de leite carne frutas silvestres e como acrescenta Plínio mingau de aveia v ainda hoje um prato nacional celta na Irlanda e na Escócia A riqueza era constituída de gado que no entanto era de raça ruim os bovinos eram pequenos pouco vistosos sem cornos os cavalos eram pôneis e não de corrida O dinheiro era raro e pouco usado exclusivamente romano Eles não processavam ouro nem prata e não lhes davam importância o ferro era raro e pelo menos nas tribos que habitavam as margens dos rios Reno e Danúbio era quase exclusivamente importado não oriundo de extração própria A escrita rúnica imitação de letras gregas e latinas era um código secreto e só era usada para a magia religiosa Sacrifícios humanos ainda estavam em uso Em suma temos diante de nós um povo que acabara de se alçar do estágio intermediário da barbárie para o estágio superior Porém enquanto as tribos vizinhas dos romanos foram tolhidas no que diz respeito ao desenvolvimento de uma indústria metalúrgica e têxtil autônoma pela facilidade de importação de produtos romanos sem dúvida nenhuma a mesma indústria tomou forma no nordeste e às margens do mar Báltico As peças de armamento encontradas nos pântanos de Schleswig espada longa de ferro cota de malha elmo de prata etc com moedas romanas do fim do século II e os objetos de metal disseminados pela migração dos povos germânicos mostram características bem próprias e já bastante evoluídas mesmo nos casos em que originalmente se apoiaram em modelos romanos A imigração para o civilizado Império Romano acabou com toda essa indústria autóctone menos na Inglaterra Os broches de bronze por exemplo mostram como foi homogêneo o surgimento e o aprimoramento dessa indústria os que foram encontrados na Borgonha na Romênia e junto ao mar de Azov poderiam ser oriundos da mesma oficina que produzia os broches ingleses e suecos e inquestionavelmente são de origem germânica A constituição também corresponde ao estágio superior da barbárie Segundo Tácito existia o conselho dos líderes principes que decidia assuntos menores mas preparava os mais importantes para serem decididos pela assembleia do povo esta existe no estágio inferior da barbárie ao menos onde temos conhecimento dela ou seja entre os americanos só para a gens e não ainda para a tribo ou para confederação das tribos Os líderes principes ainda se distinguem nitidamente dos líderes guerreiros duces exatamente como entre os iroqueses Os primeiros já vivem em parte de rendas pagas em forma de gado cereal etc pelos integrantes da tribo como na América eles são eleitos mas em geral são sempre da mesma família a transição para o direito paterno favorece como na Grécia e em Roma a transformação gradativa da eleição em hereditariedade e desse modo a formação de uma família nobre em cada gens Na maioria dos casos a chamada nobreza tribal mais antiga desapareceu durante a migração dos povos ou então logo depois dela Os comandantes de tropas eram eleitos sem se considerar sua ascendência unicamente pela competência Eles tinham pouco poder e exerciam influência pelo exemplo o poder disciplinador propriamente dito sobre as tropas é atribuído por Tácito expressamente aos sacerdotes O poder real era da assembleia do povo O rei ou líder tribal preside o povo decide murmúrio significa não aclamação e barulho de armas significa sim A assembleia é ao mesmo tempo tribunal de justiça nela são apresentadas e julgadas as queixas nela são pronunciadas as sentenças de morte mais precisamente a pena de morte se aplica apenas à covardia à traição contra o povo e à volúpia não natural Nas gentes e em outras subdivisões quem julga é o coletivo sob a presidência do líder o qual como em todo tribunal germano original só pode conduzir e inquirir entre os germanos desde sempre e em todo lugar a sentença era dada pelo coletivo Confederações de tribos se formaram desde a época de César algumas já tinham reis como entre gregos e romanos o comandante supremo de tropas já aspirava à tirania e às vezes a alcançava Esses usurpadores bem sucedidos no entanto não eram monarcas absolutos ainda assim já começavam a se livrar das amarras da constituição gentílica Enquanto os escravos libertos em geral ocupavam uma posição de subordinação por não poderem pertencer a nenhuma gens eles muitas vezes conseguiam altos cargos riquezas e honrarias na condição de favorecidos pelos novos reis O mesmo aconteceu após a conquista do Império Romano quando comandantes de tropas se tornaram reis de grandes extensões de terra Entre os francos escravos e libertos dos reis desempenharam um papel importante primeiro na corte e depois no Estado uma grande parcela da nova nobreza descende deles Uma instituição favoreceu o despontar da realeza as comitivas Vimos que já entre os pelesvermelhas americanos ocorre a formação paralelamente à constituição gentílica de sociedades privadas visando fazer guerra por conta própria Essas sociedades privadas já haviam se tornado clubes permanentes entre os germanos Líderes guerreiros com algum renome reuniam em torno de si um bando de jovens ávidos de butim que juravam lealdade entre si O líder lhes dava comida e presentes e os organizava hierarquicamente havia uma guarda pessoal e uma tropa de prontidão para expedições menores e um corpo de oficiais preparado para expedições maiores Embora essas comitivas fossem fracas e se tenham mostrado como tais mais tarde por exemplo no caso de Odoacro na Itália elas constituíram o embrião da ruína da antiga liberdade do povo e como tal se revelaram durante a migração dos povos e depois dela Pois em primeiro lugar favoreceram o surgimento do poder da realeza Em segundo lugar porém como já observa Tácito só podiam ser mantidas coesas com constantes guerras e expedições de rapinagem A rapinagem se tornou finalidade Se o senhor da comitiva nada tinha a fazer nas cercanias ele marchava com seus homens para outros povos entre os quais havia guerra e perspectiva de saque as tropas auxiliares alemãs que lutaram em grande número sob a bandeira romana até contra os próprios alemães foram em parte recrutadas por essas comitivas O esquema dos lansquenetes Landknechte vergonha e maldição dos germanos já estava potencialmente presente aqui Após a conquista do Império Romano essas comitivas dos reis constituíram ao lado dos cortesãos não libertos e romanos o segundo principal contingente da nobreza posterior Em grandes traços portanto entre as tribos germanas que se aliaram para formar povos vigorou a mesma constituição que se havia desenvolvido entre os gregos da era dos heróis e entre os romanos da chamada era dos reis a assembleia do povo o conselho dos líderes da gens e o comandante de tropas que já aspira a um efetivo poder de rei Essa foi a constituição mais avançada que a ordem gentílica pôde desenvolver foi a constituição típica do estágio superior da barbárie Se a sociedade ultrapassasse os limites dentro dos quais essa constituição bastava seria o fim da ordem gentílica esta foi rompida e seu lugar foi ocupado pelo Estado a Na edição de 1884 falta o trecho até A seguir apenas algumas breves notas nesta página N E A b Engels trabalhou nos anos 18691870 em uma grande obra dedicada à história da Irlanda obra que permaneceu inacabada Em conexão com o estudo da história dos celtas também estudou as leis galesas antigas N E A c Ver Ancient laws and institutes of Wales sl 1841 v I p 93 N E A d O sistema rundale era uma forma de ocupação fundiária na Irlanda em que a terra era dividida em lotes descontínuos e cultivada em conjunto por certo número de camponeses N T 8 Alguns dias passados na Irlanda Engels viajou pela Irlanda e pela Escócia em setembro de 1891 N E A me recordaram quanto o povo dali vive ainda nas concepções da época gentílica O proprietário de terras do qual o camponês é arrendatário ainda é considerado por este uma espécie de chefe do clã que deve administrar o solo no interesse de todos e a quem ele paga tributo na forma de arrendamento mas do qual também espera receber apoio em caso de necessidade E do mesmo modo considerase que o mais abastado tem a obrigação de ajudar seu vizinho mais pobre quando este passa necessidade Essa ajuda não é esmola é o que o integrante mais pobre do clã pode exigir de direito do integrante mais rico ou chefe do clã É fácil entender a queixa dos economistas políticos e dos juristas quanto à impossibilidade de fazer o camponês irlandês entender o conceito da moderna propriedade burguesa uma propriedade que só tem direitos mas não tem obrigações simplesmente não entra na cabeça de um irlandês Porém entendese também por que os irlandeses que de repente vão parar nas grandes cidades inglesas ou norteamericanas imbuídos dessas ingênuas concepções gentílicas no meio de uma população com visões morais e jurídicas muito diferentes das suas necessária e facilmente se desorientam por completo em termos de moral e direito perdem toda a base de apoio e muitas vezes se desmoralizam em massa Nota de Engels à quarta edição e Lewis H Morgan Ancient Society cit p 3578 N E A f Beda Venerabilis Historiae ecclesiasticae gentis Anglorum livro I cap I N E A g Na edição de 1884 seguese o seguinte texto O mesmo direito na América do Norte ele ocorre com frequência no extremo Noroeste vigorava também na Rússia onde a grãprincesa Olga o aboliu no século X N E A Os domicílios comunistas de famílias em estado de servidão que na França especialmente em Nivernais e na FrancheComté existiram até a revolução à semelhança das comunidades de famílias eslavas nas regiões da Sérvia e da Croácia são igualmente restos da organização gentílica mais antiga Eles não se extinguiram completamente pois ainda é possível ver por exemplo perto de Louhans SaôneetLoire um bom número de casarões de camponeses construídos de modo bem peculiar com um salão central comum e quartos de dormir em toda a volta habitados por várias gerações da mesma família N E A h César De bello gallico livro VI cap 22 N E A i O texto seguinte até o parágrafo que começa com Entre os germanos assim como era praxe entre mexicanos e gregos p 128 é a versão ampliada por Engels em 1891 Em 1884 essa parte dizia o seguinte ainda aconteceu segundo as gentes No direito consuetudinário alamano do século VIII o termo genealogia é usado diretamente como sinônimo de cooperativa da marca de modo que vemos aqui um povo germânico mais precisamente os suevos assentado segundo linhagens gentes a cada uma das quais era atribuído um distrito determinado Entre os burgúndios e langobardos a gens se chamava fara e a designação para os integrantes da gens faramanni é usada no direito consuetudinário burgúndio diretamente como sinônimo de burgúndio em contraposição aos habitantes românicos que naturalmente não eram abrangidos pelas gentes burgúndias Portanto também na Borgonha a divisão da terra foi feita segundo as gentes Assim se resolve a questão dos faramanni sobre a qual os juristas germânicos quebram a cabeça em vão há cem anos A designação fara para gens dificilmente foi usada de modo geral entre os germanos embora a encontremos aqui tanto em um povo de ascendência gótica quanto em um povo de ascendência hermiã altoalemã As raízes linguísticas de parentesco no alemão são muito numerosas e são usadas igualmente para expressões nas quais se pode pressupor uma relação com a gens N E A j O Direito consuetudinário alamano era um registro do direito consuetudinário da tribo germânica dos alemanos ou alamanos datado do fim do século VI ou início do século VII e do século VIII Engels se refere aqui à Lei LXXXI LXXXIV do Direito consuetudinário alamano N E A k Poesia heroica do século VIII em altoalemão antigo da qual se conservaram apenas fragmentos o mais antigo texto conservado de uma lenda alemã N E A l Tácito Germânia cap 7 N E A 9 A natureza especialmente íntima do laço entre tios e sobrinhos maternos que provém da época do direito materno e ocorre em muitos povos é conhecida dos gregos somente pela mitologia da era dos heróis Segundo Diodoro IV 34 Meleagro mata os filhos de Téstio irmão de sua mãe Alteia Esta vê esse ato como um sacrilégio tão irredimível que amaldiçoa o assassino que é seu próprio filho e lhe deseja a morte Como se conta os deuses ouviram suas preces e puseram fim à vida de Meleagro Segundo o mesmo Diodoro IV 44 os argonautas sob o comando de Hércules aportam na Trácia e descobrem que Fineu instigado por sua nova esposa maltratava de maneira infame os dois filhos que tivera com sua primeira esposa repudiada a boréade Cleópatra Porém entre os argonautas também havia boréades irmãos de Cleópatra e portanto tios maternos dos maltratados Eles imediatamente se encarregaram dos sobrinhos libertandoos e matando os guardas Diodoro Sículo Bibliothecae historicae quae supersunt v 4 cap 34 p 434 N E A m Na edição de 1884 falta o texto a seguir até De resto na época de Tácito o direito materno p 130 N E A n Uma das canções da Edda N E A o Na edição de 1884 falta ao menos N E A p Na edição de 1884 falta que ele conheceu mais de perto N E A q O levante das tribos gálicas e germânicas sob o comando de Claudius Civilis contra a dominação romana em 6970 foi causado por aumentos de impostos recrutamento maciço e abusos de funcionários romanos Alastrouse por uma parte considerável da Gália e das regiões germânicas sob dominação romana Após sucessos iniciais os rebeldes sofreram algumas derrotas e tiveram de firmar a paz com Roma N E A r César De bello gallico livro IV cap 1 N E A s Tácito Germânia cap 26 N E A t Na edição de 1884 falta o texto a seguir até o parágrafo iniciado com Enquanto na época de César os germanos p 133 N E A u O Codex Laureshamensis é o cartulário do mosteiro de Lorsch no qual estão reunidas cópias de documentos de doações privilégios etc O mosteiro de Lorsch fundado na segunda metade do século VIII no reino Franco perto de Worms dispunha de uma grande posse feudal no sudoeste da Alemanha O cartulário produzido no século XII é uma das fontes mais importantes da história da posse fundiária camponesa e feudal nos séculos VIII e IX N E A v Plínio História natural livro XVIII cap 17 N E A VIII A FORMAÇÃO DO ESTADO PELOS GERMANOS Segundo Tácito os germanos eram um povo muito numeroso Uma noção aproximada da força dos povos germânicos é dada por César ele estima o número de usípios e tencteros em 180000 indivíduos incluindo mulheres e crianças Ou seja algo em torno de 100000 para cada povo 10 consideravelmente mais do que por exemplo o total de iroqueses em sua época áurea quando com menos de 20000 indivíduos eles se tornaram o terror de toda a região desde os Grandes Lagos até Ohio e o rio Potomac Um povo desse tipo quando tentamos agrupar os mais bem conhecidos por intermédio de relatos isto é os das cercanias do Reno ocupa no mapa em média o espaço de um distrito governamental prussiano ou seja cerca de 10000 quilômetros quadrados ou 182 milhas geográficas quadradas Mas a Germânia Magna dos romanos até o rio Vístula abrange em números redondos 500000 quilômetros quadrados Contando uma população média de 100000 pessoas para cada povo o número total na Germânia Magna chegaria a cinco milhões um número considerável para um grupo populacional bárbaro extremamente reduzido para os nossos parâmetros 10 indivíduos por quilômetro quadrado ou 550 por milha geográfica quadrada Isso porém de nenhum modo esgota o número de germanos existentes naquela época Sabemos que o território ao longo dos Cárpatos até a foz do Danúbio era habitado por povos germanos de linhagem gótica por bastarnas peucinos e outros tão numerosos que Plínio compõe com eles a quinta tribo principal dos germanos a e já no ano 180 antes da nossa era aparecem recebendo soldo do rei macedônio Perseu e ainda nos primeiros anos de Augusto avançaram até a região de Adrianópolis Se estimarmos o seu número em apenas um milhão teremos um número provável de germanos no início da nossa era de pelo menos seis milhões Após fixarse na Germânia a população deve ter se multiplicado em ritmo crescente os progressos industriais acima mencionados por si sós já provam isso Os restos encontrados no pântano de Schleswig a julgar pelas moedas que os acompanham são do século III Nessa época portanto já predominavam nas margens do mar Báltico uma indústria metalúrgica e têxtil bem desenvolvida um comércio movimentado com o Império Romano e certo luxo entre os mais ricos vestígios de uma população mais densa Mas por volta dessa época começa também a guerra generalizada dos germanos em toda a extensão do Reno na fronteira fortificada romana e no rio Danúbio do mar do Norte até o mar Negro prova direta da tendência de expansão da densidade populacional A luta durou trezentos anos durante os quais a tribo principal dos povos góticos com exceção dos godos escandinavos e dos burgúndios se deslocou para o sudeste formando a ala esquerda da extensa linha de ataque no centro da qual os altosalemães hermiões avançaram ao longo do alto Danúbio e os istevões que passaram a se chamar francos avançaram pela ala direita ao longo do Reno os ingevões ficaram encarregados de conquistar a Britânia No final do século V um Império Romano debilitado anêmico e impotente estava franqueado à invasão dos germanos Antes estávamos no berço da civilização grecoromana antiga Agora estamos diante de seu sarcófago A plaina do Império Romano mundial passou sobre todos os países da bacia do Mediterrâneo durante séculos Onde o elemento grego não ofereceu resistência as línguas nacionais tiveram de dar lugar a um latim degenerado não havia mais diferenças nacionais não havia mais gálios iberos ligúrios nóricos pois todos tinham se tornado romanos A administração romana e o direito romano dissolveram em toda parte as antigas associações gentílicas e com elas o último resquício de autonomia local e nacional O romanismo recémsaído do forno não era um substituto à altura não expressava a nacionalidade mas apenas a falta de nacionalidade Elementos das novas nações existiam em toda parte os dialetos latinos das diversas províncias se distanciavam cada vez mais as fronteiras naturais que antigamente haviam convertido a Itália a Gália a Espanha e a África em regiões autônomas ainda existiam e ainda se faziam sentir Porém em nenhum lugar havia uma força capaz de conjugar esses elementos em novas nações em nenhum lugar restavam vestígios da capacidade de desenvolvimento da força de resistência para não falar da capacidade criadora A gigantesca massa humana do gigantesco território tinha apenas um laço que a mantinha coesa o Estado romano e este com o passar do tempo se tornara seu pior inimigo e opressor As províncias aniquilaram Roma a própria Roma se tornara uma cidade provincial como as demais com prerrogativas é verdade mas não mais dominante não mais o centro do império mundial e nem mesmo a sede do imperador ou dos governadores que residiam em Constantinopla Trier Milão O Estado romano se transformara em um mecanismo gigantesco e complexo cujo objetivo exclusivo era espoliar seus súditos Impostos serviços obrigatórios ao Estado e todo tipo de fornecimento de produtos afundavam cada vez mais a massa da população na pobreza a extorsão praticada por procuradores cobradores de impostos e soldados aumentou a pressão até que esta se tornou insuportável A esse ponto chegou o Estado romano com seu império mundial ele fundou seu direito de existência na manutenção da ordem interna e na defesa externa contra os bárbaros Porém sua ordem era pior do que a mais grave desordem e os bárbaros contra os quais ele dizia proteger os cidadãos eram ansiados por estes como salvadores A situação da sociedade não era menos desesperadora Já nos últimos tempos de República a dominação romana visava à espoliação inescrupulosa das províncias conquistadas o Império não aboliu essa espoliação mas ao contrário regulamentoua Quanto mais decaía o Império tanto mais aumentavam os impostos e os tributos tanto mais descaradamente os funcionários rapinavam e extorquiam O comércio e a indústria nunca interessaram aos romanos dominadores de povos só na questão da usura eles superaram tudo o que houve antes e depois deles O que houve e se manteve em termos de comércio sucumbiu à extorsão praticada pelos funcionários o que ainda conseguiu se salvar pertencia à parte oriental grega do Império que se situa fora de nossa análise Empobrecimento geral retrocesso do comércio da manufatura da arte redução da população decadência das cidades recuo da agricultura para um estágio mais baixo esse foi o resultado final do Império Romano mundial A agricultura que em todo o mundo antigo foi o ramo decisivo da produção mais do que nunca voltou a sêlo Na Itália os enormes complexos agrícolas que ocupavam quase todo o território latifúndios foram aproveitados de duas maneiras ou como pastagem para o gado e nesse caso a população foi substituída por ovelhas e bois cuja manutenção exigia somente um pequeno número de escravos ou como villas onde massas de escravos se dedicavam à horticultura em grande escala em parte para suprir o luxo do proprietário em parte para a venda nos mercados citadinos As extensas pastagens para os animais foram mantidas e decerto aumentaram ainda mais as villas e sua horticultura ficaram arruinadas com o empobrecimento dos proprietários e a decadência das cidades A economia latifundiária baseada no trabalho escravo não era mais rentável naquela época porém era a única forma possível de agricultura em grande escala O cultivo em pequena escala voltou a ser a única forma rentável Uma após a outra as villas foram divididas em pequenas parcelas e entregues a arrendatários hereditários que pagavam um determinado valor ou a partiarii mais administradores do que arrendatários que recebiam a sexta ou até apenas a nona parte do produto anual de seu trabalho Porém essas pequenas parcelas de terra eram entregues de preferência a colonos que pagavam um valor fixo anual por elas ficavam presos ao seu torrão e podiam ser vendidos com ele não eram escravos mas também não eram livres não podiam se casar com pessoas livres e os casamentos entre eles não eram vistos como plenamente válidos mas como simples coabitação contubernium como o dos escravos Eles foram os precursores dos servos medievais A escravidão antiga estava superada Nem no campo na agricultura em grande escala nem nas manufaturas citadinas ela produzia um resultado que valesse a pena o mercado para seus produtos se esgotara No entanto a pequena agricultura e a pequena manufatura às quais ficara reduzida a colossal produção da época áurea do Império não tinha espaço para uma grande quantidade de escravos Somente escravos domésticos e de luxo ainda encontravam lugar na sociedade Mas a escravidão em processo de extinção ainda era suficiente para fazer com que o trabalho produtivo parecesse atividade de escravo indigno de um romano livre e naquela época todos já o eram Em consequência de um lado um número crescente de alforrias aos escravos que tinham se tornado um fardo e de outro um aumento no número de colonos bem como de cidadãos livres na miséria como os poor whites brancos pobres dos antigos estados escravagistas dos Estados Unidos da América O cristianismo é completamente inocente no que se refere à extinção gradativa da escravidão Ele compactuou com a escravidão no Império Romano durante séculos e mais tarde não impediu o comércio de escravos pelos cristãos nem o dos alemães no norte nem o dos venezianos no Mediterrâneo nem o posterior tráfico de negros 11 A escravidão não compensava mais por isso se extinguiu Mas a escravidão moribunda deixou para trás seu ferrão venenoso na forma da proscrição do trabalho produtivo para os homens livres Esse era o beco sem saída em que se encontrava o mundo romano a escravidão era economicamente inviável o trabalho dos cidadãos livres estava moralmente proscrito A primeira não podia mais ser a forma básica da produção social a segunda ainda não podia sêlo A única coisa que podia ajudar aqui era uma revolução completa Nas províncias a situação não era melhor A maior parte das informações que temos provém da Gália Ao lado dos colonos ainda havia ali pequenos agricultores livres Para protegerse dos abusos cometidos por funcionários públicos juízes e usurários eles frequentemente se colocavam sob a proteção sob o patronato de um poderoso mais precisamente faziam isso não só os indivíduos mas também comunidades inteiras tanto que no século IV os imperadores decretaram de muitas formas a proibição dessa prática Mas de que adiantava para os que buscavam proteção O patrono os obrigava a transferir a propriedade de suas terras para ele e como contrapartida lhes assegurava o seu usufruto vitalício um expediente que a Santa Igreja guardou na memória e nos séculos IX e X imitou largamente para multiplicar o reino de Deus e os seus bens fundiários Naquela época por volta do ano 475 o bispo Salviano de Marselha ainda protestava indignado contra tal roubalheira e contava que a pressão dos funcionários romanos e dos grandes proprietários de terras se tornara tão violenta que muitos romanos fugiram para as regiões ocupadas pelos bárbaros e o maior temor dos cidadãos romanos ali assentados era voltar a se submeter à dominação romana b Naquela época pai e mãe frequentemente vendiam filhos e filhas como escravos o que é provado por uma lei promulgada para coibir essa prática Como compensação por libertálos de seu próprio Estado os bárbaros germânicos tomaram dos romanos dois terços de sua terra e os repartiram entre si A repartição era feita segundo a constituição gentílica dada a quantidade relativamente pequena de conquistadores grandes faixas de terra permaneceram indivisas em parte como bem de todo o povo em parte como bem das tribos e gentes Em cada gens a terra de cultivo e as pastagens foram sorteadas em partes iguais entre os domicílios individuais não sabemos se nessa época ocorreram repartições repetidas em todo caso elas logo se perderam nas províncias romanas e as parcelas individuais se converteram em propriedade privada expropriável allod A mata e o campo não foram divididos e eram destinados ao uso comum o uso que seria dado a eles bem como o tipo de cultivo que se faria na terra repartida foram regulamentados de acordo com o costume antigo e a decisão da coletividade Quanto mais tempo a gens ficava estabelecida em sua aldeia e quanto mais se amalgamavam germanos e romanos tanto mais o caráter de parentesco do laço que a unia dava lugar ao caráter territorial a gens desapareceu na cooperativa da marca na qual todavia ainda eram visíveis muitas vezes os vestígios do parentesco de seus integrantes Assim a constituição gentílica ao menos nos países em que a comunidade da marca se conservou norte da França Inglaterra Alemanha e Escandinávia passou imperceptivelmente a ser uma constituição local e desse modo tornouse passível de adaptação ao Estado Não obstante porém ela manteve seu caráter naturalmente democrático que distingue toda a constituição gentílica preservando desse modo em meio à degeneração que mais tarde lhe foi imposta um pouco da constituição gentílica e uma arma nas mãos dos oprimidos que permaneceu viva até os tempos mais recentes Assim se o laço consanguíneo da gens logo desapareceu foi porque seus órgãos degeneraram após a conquista tanto na tribo como no povo Sabemos que a dominação de subjugados é incompatível com a constituição gentílica Aqui vemos isso em grande escala Os povos germânicos senhores das províncias dos romanos tiveram de organizar essa conquista Porém não podiam integrar as massas de romanos aos organismos gentílicos nem dominálos por meio deles À frente dos organismos locais da administração romana que em grande parte continuaram existindo num primeiro momento era preciso colocar um substituto do Estado romano e este só podia ser outro Estado Assim os órgãos da constituição gentílica tinham de ser transformados em órgãos estatais e isto sob pressão das circunstâncias muito rapidamente Porém o representante mais próximo do povo conquistador era o comandante de tropas A segurança interna e externa do território conquistado exigia o fortalecimento de seu poder Era o momento de transformar o comando do campo de batalha em reinado e o fato se consumou Vejamos o reino dos francos Neste ao povo vitorioso dos sálios couberam como propriedade plena não só os vastos domínios do Estado romano mas também todas as extensas faixas de terra que não haviam sido repartidas entre as cooperativas maiores e menores dos vales e das marcas sobretudo os conjuntos maiores de florestas A primeira coisa que fez o rei dos francos que havia recémpassado de simples comandante supremo das tropas a um verdadeiro príncipe territorial foi transformar essa propriedade do povo em bem da realeza roubála do povo e dála de presente ou arrendála ao seu séquito Esse séquito formado originalmente por sua comitiva pessoal de guerra e pelos demais subcomandantes do exército logo foi reforçado não só por romanos isto é gálios romanizados que por sua arte da escrita sua formação seu conhecimento das línguas nacionais românicas e da língua escrita latina bem como do direito nacional rapidamente se tornaram imprescindíveis mas também por escravos servos e libertos que compunham sua corte e entre os quais ele elegia seus favoritos Todos eles foram presenteados num primeiro momento com parcelas de terra do povo mais tarde outorgadas como benefícios que no início costumavam valer durante a vida do rei c e assim foram lançados os fundamentos de uma nova nobreza à custa do povo Mas isso não foi o bastante Não era possível governar toda a vastidão do Império com os meios da antiga constituição gentílica o conselho dos líderes onde ainda não deixara de existir havia muito tempo não tinha como se reunir e logo foi substituído pelo entorno permanente do rei a antiga assembleia do povo continuou apenas em aparência pois era cada vez mais uma simples assembleia de subcomandantes e da nobreza em formação Os camponeses livres proprietários de terra que constituíam a massa do povo franco foram arruinados e depauperados pelas intermináveis guerras internas e de conquista estas últimas principalmente sob Carlos Magno tanto quanto o foram em tempos mais antigos os camponeses romanos dos últimos anos da República Eles que originalmente compunham o exército e após a conquista da França formavam seu núcleo eram tão pobres no início do século IX que apenas um em cada cinco tinha condições de sair em campanha O estandarte dos camponeses livres recrutados diretamente pelo rei foi substituído por um exército composto dos serviçais dos novos nobres entre os quais camponeses servos descendentes daqueles que não haviam conhecido outro senhor além do rei e ainda antes disso não haviam conhecido nenhum senhor nem mesmo um rei Sob os sucessores do rei Carlos as guerras internas a debilidade do poder real as investidas dos nobres aos quais ainda se somaram os condes distritais Gaugrafen instituídos por Carlos que aspiravam à hereditariedade do cargo e por fim as incursões dos normandos consumaram a ruína do estamento camponês franco Cinquenta anos depois de morte de Carlos Magno o reino dos francos estava tão inane aos pés dos normandos quanto quatrocentos anos antes o Império Romano estivera aos pés dos francos Mas não foi só a impotência externa aconteceu quase o mesmo com a ordem ou melhor a desordem social interna Os camponeses francos livres se viram em uma situação parecida com a de seus predecessores os colonos romanos Arruinados por guerras e saques tiveram de buscar a proteção dos novos nobres ou da Igreja pois o poder real era muito fraco para protegê los porém tiveram de pagar caro pela proteção Como outrora os camponeses gálicos eles também transferiam a propriedade de sua gleba ao patrono e a recebiam de volta em arrendamento sob formas diversas e variáveis mas sempre em troca de prestação de serviços e tributos depois que caíam nessa forma de dependência perdiam aos poucos sua liberdade pessoal passadas poucas gerações geralmente já eram servos da gleba A rapidez com que se consumou a ruína do estamento camponês livre é evidenciada pelo cadastro de propriedades de Irminon d para a abadia de SaintGermaindesPrés que naquela época era perto da cidade de Paris e hoje é dentro dela Na vasta propriedade da abadia que se estendia pelas cercanias havia na época de Carlos Magno 2788 domicílios habitados quase sem exceção por francos de nome germânico Entre eles 2080 colonos 35 lites e 220 escravos e somente 8 arrendatários livres A prática do patrono de fazer o camponês lhe transferir a propriedade da gleba e devolvêla vitaliciamente para o cultivo prática que foi declarada impia por Salviano era amplamente usada pela Igreja contra os camponeses Os trabalhos forçados que eram cada vez mais usados tiveram como modelo tanto as angárias romanas que eram serviços obrigatórios prestados ao Estado quanto os serviços prestados pelos moradores da marca alemã para construção de pontes estradas e outras finalidades comuns Aparentemente portanto transcorridos quatrocentos anos a massa da população voltara à estaca zero Isso porém provou apenas duas coisas a primeira foi que a estruturação social e a divisão da propriedade no Império Romano em declínio correspondiam inteiramente ao nível de produção da agricultura e da indústria daquele tempo e portanto eram inevitáveis e a segunda foi que durante os quatrocentos anos seguintes esse nível de produção não baixara essencialmente nem se elevara essencialmente e portanto com a mesma inevitabilidade voltara a gerar a mesma repartição da propriedade e as mesmas classes da população Nos últimos séculos do Império Romano a cidade perdera seu antigo domínio sobre o campo e nos primeiros séculos do domínio germano ainda não o recuperara Isso pressupõe um nível mais baixo de desenvolvimento tanto na agricultura quanto na indústria Essa situação global necessariamente produz grandes proprietários de terra dominantes e pequenos agricultores dependentes Não era possível enxertar em tal sociedade nem a economia romana dos latifúndios com uso de escravos nem o mais recente cultivo em grande escala com uso de trabalho forçado disso dão prova suficiente os colossais experimentos de Carlos Magno com as famosas villas imperiais que desapareceram quase sem deixar rastros Eles continuaram apenas nos mosteiros e somente para estes foram proveitosos porém os mosteiros eram organismos anormais da sociedade fundados no celibato podiam fazer coisas excepcionais mas justamente por isso tinham de permanecer exceções E no entanto houve avanços nesses quatrocentos anos Mesmo que no fim encontremos quase as mesmas classes principais que havia no início as pessoas que compunham essas classes eram outras A antiga escravidão desapareceu assim como os indivíduos livres pobres e andrajosos que desprezavam o trabalho como coisa de escravo Entre o colono romano e o novo servo havia o camponês franco livre A lembrança inútil e luta inglória f do romanismo decadente estavam mortas e enterradas As classes sociais do século IX não se formaram no terreno pantanoso de uma civilização em declínio mas nas dores de parto de uma nova civilização A nova linhagem tanto de senhores quanto de servos era uma linhagem de homens se comparada com seus predecessores romanos A relação entre poderosos proprietários de terra e camponeses servis que para estes fora a forma inescapável do ocaso do mundo antigo era para aqueles o ponto de partida para um novo desenvolvimento E ademais por mais que pareçam improdutivos esses quatrocentos anos deixaram um grande produto as nacionalidades modernas a reconfiguração e estruturação da humanidade europeia ocidental para a história por vir Os germanos de fato revitalizaram a Europa e por essa razão a dissolução dos Estados no período germânico não terminou em subjugação pelos normandos e sarracenos mas no aperfeiçoamento dos benefícios e do patronato Kommendation g rumo ao feudalismo h e num aumento populacional tão forte que duzentos anos depois as fortes sangrias infligidas pelas cruzadas foram suportadas sem danos Mas qual foi a misteriosa poção mágica pela qual os germanos injetaram nova vitalidade na Europa agonizante Foi algum poder miraculoso inato à tribo germânica como querem fazer crer nossos historiadores chauvinistas De modo algum Os germanos especialmente os daquele período constituíam uma tribo ariana altamente talentosa e estavam em pleno desenvolvimento Mas o que rejuvenesceu a Europa não foram suas qualidades nacionais específicas senão simplesmente sua barbárie sua constituição gentílica Sua competência e valentia pessoais seu senso de liberdade e instinto democrático que via em todos os assuntos públicos seus próprios assuntos em suma todas as qualidades que o romano havia perdido e as únicas capazes de erguer novos Estados e fazer crescer novas nacionalidades da lama do mundo romano o que eram essas qualidades senão os traços de caráter do bárbaro do estágio superior fruto de sua constituição gentílica Quando conferiram nova forma à monogamia antiga suavizaram a dominação masculina sobre a família e deram à mulher uma posição mais elevada do que o mundo clássico jamais havia conhecido o que os capacitou para isso senão sua barbárie seus hábitos gentílicos suas heranças ainda vivas da época do direito materno Quando pelo menos nos três territórios mais importantes Alemanha norte da França e Inglaterra eles resgataram parte da autêntica constituição gentílica na forma de cooperativas da marca e a transplantaram no Estado feudal proporcionando desse modo à classe oprimida aos camponeses mesmo sob a mais dura servidão feudal um ponto de coesão local e um meio de resistência que não tiveram nem os escravos antigos nem os proletários modernos a que se deve isso senão à sua barbárie ao seu modo exclusi vamente bárbaro de assentamento por linhagens E por fim quando foram capazes de constituir e tornar exclusiva uma forma mais suave de servidão que já vinham praticando em sua pátria e à qual se converteu aos poucos a escravidão no Império Romano uma forma que como Fourier foi o primeiro a enfatizar i proporciona ao servo os meios para sua libertação gradativa como classe fournit aux cultivateurs des moyens daffranchissement collectif et progressif fornece aos agricultores os meios para sua libertação coletiva e progressiva uma forma que por esse aspecto assume uma posição muito superior à da escravidão na qual é possível apenas a libertação individual imediata sem estado intermediário na Antiguidade não se tem notícia de abolição da escravidão por meio de rebelião vitoriosa ao passo que de fato os servos da Idade Média aos poucos foram impondo sua libertação como classe a que devemos agradecer senão a sua barbárie em virtude da qual eles ainda não haviam chegado à escravidão completa nem à escravidão do trabalho da Antiguidade nem à escravidão doméstica do Oriente Tudo o que os germanos implantaram de vital e revitalizador no mundo romano foi próprio da barbárie De fato só bárbaros são capazes de rejuvenescer um mundo que padece de uma civilização moribunda E o estágio superior da barbárie para o qual e no qual os germanos haviam evoluído antes da migração dos povos foi justamente o mais favorável para esse processo Isso explica tudo 10 O número estimado aqui é confirmado por uma passagem de Diodoro sobre os celtas gálicos Na Gália moram muitos povos de diferentes tamanhos Os maiores são constituídos por cerca de 200000 pessoas os menores por 50000 Diodoro Sículo V 25 Ou seja 125000 em média deve se supor que os povos gálicos por seu nível mais elevado de desenvolvimento foram mais numerosos que os germânicos a Plínio História natural livro IV cap 14 N E A 11 Segundo o bispo Liutprand de Cremona em Verdum ou seja no Sacro Império Germânico o principal ramo industrial no século X era a fabricação de eunucos que eram exportados com grande lucro para a Espanha para suprir os haréns mouros Liutprand de Cremona Antapodosis livro VI cap 6 N E A b Salviano de Marselha De gubernatione dei livro V cap 8 N E A c O benefício beneficium boa ação era uma forma de concessão de terras muito difundida na primeira metade do século VIII no reino dos francos A terra concedida como benefício era transferida para o beneficiário pelo tempo de sua vida incluindo o camponês que vivia nela sob a condição de prestar alguns serviços estes eram em geral de ordem militar Sobre o papel do sistema de benefícios na história do desenvolvimento do feudalismo ver Friedrich Engels Fränkische Zeit N E A d O cadastro de Irminon Polyptichon é um registro de terras e servos ali assentados bem como das receitas do mosteiro de SaintGermaindesPrés elaborado pelo abade Irminon no século IX Engels cita os dados segundo Paul Roth Geschichte des Beneficialwesens von den ältesten Zeiten bis ins zehnte Jahrhundert Erlangen 1850 p 378 N E A e Lites eram camponeses em semiliberdade obrigados a prestar serviços e pagar tributos que ao lado dos colonos e dos escravos compunham um dos grupos principais de camponeses dependentes na época dos merovíngios e carolíngios N E A f Verso do poema de Goethe Amerika du hast es besser América melhor para ti em Johann Wolfgang von Goethe Sämtliche Werke Jubiläumsausgabe v 4 Gedichte ed E V d Hellen StuttgartBerlim J G Cottasche Buchhandlung 1912 parte 4 p 127 N T g Na Europa dos séculos VIII e IX a commendatio era um acordo muito difundido pelo qual um indivíduo mais fraco se coloca sob a proteção de um indivíduo mais forte sob certas condições prestação de serviços militares e outros transferência da propriedade fundiária para recebêla em arrendamento A commendatio significava para o camponês que muitas vezes era forçado a isso a perda de sua liberdade pessoal e para os pequenos proprietários de terra a dependência dos grandes senhores feudais ela contribuiu para a escravização das massas camponesas e para a consolidação da hierarquia feudal N E A h Na edição de 1884 este parágrafo termina aqui N E A i Charles Fourier Théorie des quatre mouvements e des destinées générales em Œuvres complètes Paris 1846 t I p 220 N E A IX BARBÁRIE E CIVILIZAÇÃO Acompanhamos até aqui a dissolução da constituição gentílica com base em três exemplos individuais o dos gregos o dos romanos e o dos germanos Investiguemos por fim as condições econômicas gerais que solaparam a organização gentílica da sociedade no estágio superior da barbárie e a eliminaram por completo no início da civilização Nesse ponto O capital de Marx nos será tão necessário quanto o livro de Morgan Surgida no estágio intermediário e aperfeiçoada no estágio superior do estado selvagem a gens atinge seu período áureo segundo nos permitem julgar nossas fontes no estágio inferior da barbárie Comecemos portanto com esse estágio do desenvolvimento Nele para o qual temos de recorrer ao exemplo dos pelesvermelhas americanos encontramos o modelo mais completo da constituição gentílica Uma tribo se ramifica em várias gentes geralmente duas a com o crescimento da população essas gentes originais se subdividem em várias gentes filhas em relação às quais a gens mãe aparece como fratria a própria tribo se divi de em várias tribos em cada uma das quais reencontramos em grande parte as antigas gentes pelo menos em certos casos uma confederação une as tribos aparentadas Essa organização simples satisfaz inteiramente as condições sociais das quais ela se originou Ela nada mais é que um agrupamento próprio nascido naturalmente e capaz de resolver todos os conflitos que podem surgir dentro da sociedade organizada dessa maneira Externamente a guerra resolve ela pode levar à aniquilação da tribo mas nunca à sua subjugação Este é o aspecto grandioso da constituição gentílica mas também sua limitação nela não há lugar para dominação e escravização Internamente não há diferença entre direitos e deveres para os índios não existe a pergunta se a participação nos assuntos públicos a vingança de sangue ou sua expiação são um direito ou um dever ela lhe pareceria tão absurda quanto perguntar se comer dormir e caçar são direitos ou deveres Também não pode haver uma divisão da tribo e da gens em classes diferentes E isso nos leva à investigação da base econômica dessa condição A população é extremamente dispersa tornase mais densa somente no local de residência da tribo em torno do qual se situa o amplo círculo de caça seguido do território neutro de floresta que o separa e protege de outras tribos A divisão do trabalho é puramente natural ela existe somente entre os dois sexos O homem trava a guerra sai para caçar e pescar arranja a matériaprima para a alimentação e as ferramentas necessárias para isso A mulher cuida da casa prepara a alimentação e o vestuário cozinha tece e costura Cada qual comanda sua área o homem no mato a mulher na casa Cada qual é proprietário das ferramentas que confecciona e usa o homem das armas dos instrumentos de caça e pesca a mulher dos utensílios domésticos A economia doméstica é comunista e inclui várias e com frequência muitas famílias 12 O que é feito e usado em conjunto é de propriedade comum a casa a horta a canoa Aqui portanto e só aqui ainda se aplica a propriedade pessoalmente processada inventada por juristas e economistas da sociedade civilizada o último pretexto jurídico mentiroso que ainda serve de base para a propriedade capitalista atual Porém não foi em todo lugar que as pessoas permaneceram nesse estágio Na Ásia elas encontraram animais que podiam ser domesticados e criados A búfala selvagem tinha de ser caçada e depois de domesticada fornecia anualmente um terneiro e além disso leite Um certo número de tribos mais avançadas os arianos os semitas e talvez também já os turânios fizeram da domesticação e mais tarde da criação e manutenção do gado seu principal ramo de trabalho Tribos de pastores se destacaram da massa restante dos bárbaros primeira grande divisão social do trabalho As tribos pastoris não só produziram mais como também produziram meios de subsistência diferentes dos produzidos pelos demais bárbaros Em relação a estes elas tinham a vantagem de ter não só leite derivados de leite e carne em grandes quantidades mas também couro lã pelo de cabra fios e tecidos que se multiplicavam com a massa da matériaprima Desse modo pela primeira vez foi possível uma troca regular Nos estágios anteriores podiam acontecer apenas trocas ocasionais habilidade especial na confecção de armas e ferramentas podia levar à divisão temporária do trabalho Assim foram encontrados em muitos lugares restos inquestionáveis de oficinas de ferramentas de pedra datadas da Idade da Pedra tardia os artífices que nelas aperfeiçoaram sua habilidade provavelmente trabalhavam para a coletividade como ainda é o caso dos artesãos permanentes das comunidades gentílicas da Índia Em todo caso nesse estágio não podia haver uma troca que fosse além dos limites da tribo e mesmo essa troca era um evento excepcional Em contraposição após a separação das tribos pastoris encontramos todas as condições necessárias para a troca entre os membros das diferentes tribos para sua formação e consolidação como instituição regular Originalmente a troca ocorria entre uma tribo e outra por intermédio dos líderes de cada gens porém quando os rebanhos passaram a ser propriedade especial b a troca individual se tornou cada vez mais predominante e acabou se tornando a única forma Mas o principal artigo que as tribos pastoris davam em troca para seus vizinhos era o gado o gado se tornou a mercadoria pela qual era estimado o valor de todas as outras mercadorias e que em todo lugar era bemaceita na troca por outras em suma o gado passou a ter função de dinheiro e servia de dinheiro já nesse estágio Foi com essa obrigatoriedade e rapidez que se desenvolveu já no início da troca de mercadorias a necessidade de uma mercadoriadinheiro A horticultura provavelmente estranha aos bárbaros asiáticos do estágio inferior despontou entre eles no mais tardar no estágio intermediário como precursora do cultivo do campo O clima do planalto turaniano não permite vida pastoril se não houver forragem para o longo e rigoroso inverno nesse caso portanto o cultivo das campinas e a produção de cereais eram uma precondição O mesmo vale para as estepes ao norte do mar Negro Porém se no início o cereal foi obtido para o gado logo ele se tornaria também alimentação humana A terra cultivada ainda era propriedade da tribo inicialmente da gens mais tarde transferida para o uso das cooperativas domésticas e por fim c dos indivíduos estes podiam ter certos direitos de posse sobre as terras mas não mais que isso Das conquistas industriais nesse estágio duas são especialmente importantes A primeira foi o tear a segunda a fusão de minérios de metal e o processamento de metais Os mais importantes foram de longe o cobre e o zinco bem como o bronze composto dos dois primeiros o bronze forneceu ferramentas e armas úteis mas não conseguiu eliminar as ferramentas de pedra isso só foi possibilitado pelo ferro e ainda não se sabia como obter ferro O ouro e a prata começaram a ser usados como joias e adornos e já deviam ter um valor bem mais alto do que o cobre e o bronze O aumento da produção em todos os ramos pecuária agricultura manufatura doméstica conferiu à força de trabalho humana a capacidade de gerar uma produção maior do que o exigido para o seu sustento Ao mesmo tempo ela aumentou a quantidade diária de trabalho que cabia a cada membro da gens da comunidade doméstica ou da família individual A inclusão de novas forças de trabalho se tornou desejável A guerra as forneceu os prisioneiros de guerra eram convertidos em escravos A primeira grande divisão social do trabalho que ocorreu com o aumento da produtividade do trabalho e portanto da riqueza e com a ampliação do campo de produção levou obrigatoriamente à escravidão nas condições históricas globais dadas Da primeira grande divisão social do trabalho originouse a primeira grande divisão da sociedade em duas classes senhores e escravos espoliadores e espoliados Até agora não sabemos como e quando os rebanhos passaram de bem comum da tribo ou da gens para propriedade dos chefes de família individuais Mas isso deve ter acontecido essencialmente nesse estágio Ora com os rebanhos e as outras novas riquezas houve uma revolução na família A subsistência sempre fora assunto do homem os meios para a subsistência eram produzidos por ele e eram sua propriedade Os rebanhos eram os novos meios de subsistência a domesticação inicial e a manutenção posterior eram obra sua Por conseguinte a ele pertencia o gado e a ele pertenciam as mercadorias e os escravos trocados por gado Todo o excedente que a atividade de subsistência passara a fornecer era do homem a mulher usufruía disso com ele mas não tinha parte na propriedade Dentro de casa o guerreiro e caçador selvagem se dava por satisfeito de ocupar a segunda posição depois da mulher o pastor mais manso estribandose em sua riqueza tomou o primeiro lugar e relegou a mulher ao segundo E ela não pôde se queixar A divisão de trabalho na família regulou a repartição da propriedade entre homem e mulher a divisão permaneceu a mesma não obstante ela inverteu a relação doméstica até ali vigente apenas porque a divisão de trabalho fora da família tinha mudado A mesma razão que assegurara à mulher o predomínio dentro de casa isto é sua limitação ao trabalho doméstico assegurava agora a dominação do homem dentro de casa o trabalho doméstico da mulher perdeu importância diante do trabalho de subsistência do homem este passou a ser tudo aquele um complemento insignificante Aqui já se mostra que a libertação da mulher sua equiparação com o homem é e continuará impossível enquanto a mulher for excluída do trabalho social produtivo e permanecer restrita ao trabalho doméstico privado A libertação da mulher só se torna possível no momento em que ela pode participar da produção em grande escala ou seja em escala social e o trabalho doméstico lhe toma apenas um tempo insignificante E isso só se tornou possível graças à grande indústria moderna que não só admite o trabalho feminino em grande escala mas de fato também o exige e ademais aspira a dissolver cada vez mais o trabalho doméstico privado em uma indústria pública Com a dominação de fato do homem dentro de casa caiu a última barreira imposta a sua autocracia Essa autocracia foi confirmada e perenizada pela derrubada do direito materno pela introdução do direito paterno pela transição gradativa do casamento do par para a monogamia Isso porém causou uma fissura na antiga ordem gentílica a família individual se converteu em potência e se levantou ameaçadoramente diante da gens A etapa seguinte nos leva até o estágio superior da barbárie o período em que todos os povos civilizados atravessam sua era heroica o período da espada de ferro mas também do arado e do machado de ferro O homem conseguira colocar o ferro a seu serviço a última e mais importante de todas as matériasprimas a desempenhar um papel historicamente revolucionário a última excetuando a batatainglesa O ferro possibilitou o cultivo de extensas superfícies de campo a derrubada de grandes faixas de mato pôs na mão do artífice ferramentas de dureza e corte a que nenhuma pedra e nenhum outro metal eram capazes de resistir Tudo isso foi acontecendo gradualmente o primeiro ferro ainda era mais macio do que o bronze Assim muito lentamente desapareceu a arma de pedra não só na Canção de Hildebrando mas também em Hastings no ano de 1066 ainda eram usados machados de pedra nas batalhas Porém o progresso era incessante mais célere e quase ininterrupto A cidade que com seus muros torres e ameias de pedra encerrava casas de tijolos tornouse a sede central da tribo ou da confederação de tribos foi um enorme progresso da arquitetura mas também um sinal de perigo multiplicado e necessidade de proteção A riqueza aumentou rapidamente mas foi a riqueza dos indivíduos a tecelagem o processamento de metais e as demais manufaturas que se destacavam cada vez mais desenvolviam uma crescente multiplicidade e destreza na produção o cultivo da terra além de grãos legumes e frutas passou a fornecer também azeite e vinho cuja preparação fora aprendida Atividades tão variadas não podiam mais ser exercidas pelo mesmo indivíduo ocorreu a segunda grande divisão do trabalho a manufatura se separou da agricultura O aumento constante da produção e com ela da produtividade do trabalho valorizou a força de trabalho humana a escravidão que no estágio anterior ainda era incipiente e esporádica tornase parte integrante do sistema social os escravos deixam de ser simples auxiliares e são tangidos às dúzias para o trabalho no campo e na oficina Com a divisão da produção nos dois grandes ramos principais agricultura e manufatura surge a produção destinada diretamente à troca a produção de mercadorias e com esta surge o comércio não só internamente e nas fronteiras das tribos mas também por mar Tudo isso porém ainda era muito incipiente os metais nobres começavam a tornarse de modo preponderante e generalizado mercadoriasdinheiro mas ainda sem cunho e eram trocados apenas por seu peso bruto A diferenciação entre ricos e pobres somase à de livres e escravos com a nova divisão do trabalho ocorre uma nova cisão da sociedade em classes As diferenças de posse entre os chefes de família individuais implodem a antiga comunidade doméstica comunista onde quer que esta tivesse se mantido e com ela o cultivo comunitário do solo para custeio dessa comunidade A terra de cultivo é transferida para ser aproveitada pelas famílias individuais primeiro temporariamente e depois de uma vez por todas a transição para a condição de propriedade privada plena se consuma gradativa e paralelamente à transição do casamento do par para a monogamia A família individual começa a tornarse a unidade econômica na sociedade A maior densidade populacional força uma coesão mais estreita tanto interna quanto externamente A confederação de tribos aparentadas se torna uma necessidade em toda parte e logo depois também a sua fusão e com esta a fusão dos territórios tribais num único território global do povo O comandante de tropas do povo rex basiléus thiudans tornase um funcionário permanente e imprescindível Nasce a assembleia do povo onde ainda não havia uma Comandante de tropas conselho e assembleia do povo constituem os órgãos da sociedade gentílica que evolui para uma democracia militar Militar porque a guerra e a organização para a guerra se tornaram funções regulares da vida do povo As riquezas dos vizinhos atiçam a cobiça dos povos para os quais a aquisição de riquezas já é uma das finalidades prioritárias da vida Eles são bárbaros consideram rapinar mais fácil e mais honroso do que produzir com trabalho A guerra que antes era feita apenas para vingarse de ataques ou para ampliar o território que se tornara insuficiente passa a ser feita simplesmente em razão da rapina tornase ramo fixo de subsistência Não é sem motivo que os muros ameaçadores vigiam o entorno das novas cidades fortificadas os fossos representam o túmulo que engole a constituição gentílica e as torres já adentram a civilização E o mesmo sucede dentro delas As guerras de rapina aumentam o poder tanto do supremo comandante de tropas quanto dos subcomandantes principalmente desde a introdução do direito paterno o costume de eleger sucessores oriundos das mesmas famílias assume gradativamente a forma de hereditariedade primeiro tolerada depois reivindicada e por fim usurpada o fundamento da realeza hereditária e da nobreza hereditária foi lançado Assim os órgãos da constituição gentílica gradativamente se desarraigam do povo da gens fratria tribo e toda a constituição gentílica se converte em seu oposto de uma organização de tribos que visa à livre regulação de seus assuntos internos em uma organização que visa à pilhagem e à opressão de povos vizinhos de modo correspondente seus órgãos se convertem de instrumentos da vontade do povo em órgãos autônomos de dominação e opressão de seu próprio povo Isso porém jamais teria sido possível se a avidez por riqueza não tivesse dividido os integrantes da gens em ricos e pobres se a diferença de propriedade dentro da mesma gens não tivesse transformado a unidade dos interesses em antagonismo dos integrantes da gens Marx e a expansão da escravidão já não tivesse começado a fazer com que o trabalho para o sustento da vida passasse a ser considerado uma atividade digna de escravos e mais infame do que a rapina Desse modo chegamos ao limiar da civilização Esta é inaugurada por meio de um novo avanço da divisão do trabalho No estágio mais baixo os homens só produziam diretamente para consumo próprio os atos de troca que eventualmente ocorriam eram isolados diziam respeito somente ao supérfluo que por acaso houvesse No estágio intermediário da barbárie já encontramos entre os povos pastoris uma posse na forma de gado e quando o rebanho atinge determinado tamanho ele fornece regularmente certo excedente além da demanda própria levando a uma divisão do trabalho entre povos pastoris e tribos atrasadas sem rebanhos e desse modo a dois estágios de produção diferentes subsistindo lado a lado e às condições para uma troca regular O estágio superior da barbárie propicia a continuidade da divisão do trabalho entre agricultura e manufatura e desse modo a produção de uma parte cada vez maior de produtos do trabalho destinada diretamente à troca e desse modo a elevação da troca entre produtores individuais à condição de necessidade vital da sociedade A civilização consolida e intensifica todas essas divisões do trabalho principalmente pela exacerbação do antagonismo entre cidade e campo em que a cidade pode vir a dominar economicamente o campo como na Antiguidade ou o campo a cidade como na Idade Média e acrescenta uma terceira divisão do trabalho bem própria dela de importância decisiva ela gera uma classe que não se ocupa mais da produção mas só da troca dos produtos os comerciantes Todas as iniciativas anteriores de formação de classes ainda estavam relacionadas exclusivamente com a produção elas dividiram as pessoas que participavam da produção em líderes e executoras ou então em produtores em grande escala e produtores em pequena escala Surge então pela primeira vez uma classe que sem ter qualquer participação na produção conquista a liderança da produção como um todo e em grande escala e submete economicamente os produtores que faz de si mesma a mediadora incontornável entre dois produtores e espolia a ambos Pretextando aliviar o produtor do esforço e do risco da troca expandir a venda de seus produtos para mercados distantes e desse modo tornarse a classe mais útil da população toma forma uma classe de parasitas sociais autênticos animais vivendo à custa de outros que como recompensa por trabalhos de fato pouco expressivos ficam com o filé da produção nacional e estrangeira acumulando rapidamente enormes riquezas e a correspondente influência social e justamente por isso durante o período da civilização recebendo honrarias sempre renovadas e dominando cada vez mais a produção até que ela mesma por fim traz à tona seu próprio produto as crises comerciais periódicas Todavia no estágio de desenvolvimento em questão a jovem classe comerciante ainda nem intui as grandes façanhas que a aguardam Mas ela toma forma e se torna indispensável e isso basta Com ela porém toma forma o dinheiro de metal a moeda cunhada e com o dinheiro de metal um novo meio pelo qual o não produtor pode dominar o produtor e sua produção A mercadoria das mercadorias que contém em latência todas as outras mercadorias foi descoberta a poção mágica capaz de converterse a seu belprazer em toda e qualquer coisa desejável e desejada Quem a tivesse dominava o mundo da produção e quem a tinha mais que todos O comerciante Na sua mão o culto ao dinheiro estava assegurado Ele tomou medidas para mostrar que todas as mercadorias e em consequência todos os produtores de mercadorias tinham de lançarse ao pó em adoração ao dinheiro Provou na prática que todas as outras formas de riqueza se convertem em mera aparência de riqueza diante dessa corporificação da riqueza como tal Nunca mais o poder do dinheiro entrou em cena com tanta crueza e violência primitivas quanto no período de sua juventude Depois da venda das mercadorias por dinheiro veio o adiantamento em dinheiro acompanhado do juro e da usura E nenhuma legislação de épocas posteriores joga o devedor tão impiedosa e perdidamente aos pés do credor usurário quanto a antiga lei ateniense e a antiga lei romana e ambas surgiram espontaneamente como direitos consuetudinários tendo como único meio de pressão o econômico Ao lado da riqueza em mercadorias e escravos ao lado da riqueza em dinheiro passou a existir também a riqueza em bens fundiários O direito de posse dos indivíduos sobre parcelas de solo que lhes foram entregues originalmente pela gens ou pela tribo consolidouse de tal forma que essas parcelas passaram a pertencerlhes por herança Nos últimos tempos a aspiração dos indivíduos era libertarse do direito que a cooperativa gentílica tinha à parcela esse direito havia se tornado uma amarra para eles Eles ficaram livres dessa amarra mas logo também da nova propriedade fundiária A propriedade plena e livre do solo significava a possibilidade não só de possuir o solo completa e irrestritamente mas também de vendê lo Enquanto o solo era propriedade da gens não existia essa possibilidade Porém quando o novo proprietário do solo se desvencilhou definitivamente da amarra da suma propriedade da gens e da tribo ele rompeu também o laço que o vinculava indissoluvelmente ao solo O que isso significou foi lhe esclarecido por meio do dinheiro inventado simultaneamente com a propriedade privada O solo podia tornarse mercadoria que se compra e penhora Mal foi introduzida a propriedade do solo já se inventou também a hipoteca ver Atenas Do mesmo modo que o heterismo e a prostituição se aferraram aos calcanhares da monogamia dali por diante a hipoteca se aferrou aos calcanhares da propriedade privada Vós quisestes a propriedade fundiária plena livre e venal pois bem aí a tendes tu las voulu George Dandin Tu a quiseste George Dandin d Assim com a expansão do comércio do dinheiro e da usura da propriedade fundiária e da hipoteca avançaram rapidamente a concentração e a centralização da riqueza nas mãos de uma classe pouco numerosa e paralelamente o empobrecimento crescente das massas e a massa crescente dos pobres Na medida em que não coincidia desde o começo com a velha nobreza tribal a nova aristocracia da riqueza a relegou a segundo plano em Atenas em Roma entre os germanos Essa separação dos livres em classes segundo a sua riqueza foi acompanhada especialmente na Grécia de uma imensa multiplicação do número de escravos 13 cujo trabalho forçado lança o fundamento sobre o qual se ergueu a superestrutura de toda a sociedade Procuremos saber agora o que aconteceu com a constituição gentílica em consequência dessa revolução social Diante dos novos elementos que surgiram sem a sua contribuição ela se mostrou impotente Seu pressuposto era que os membros de uma gens ou pelo menos de uma tribo ocupassem juntos e unidos um mesmo território e o habitassem com exclusividade Havia muito tempo isso já não era mais assim Em toda parte gentes e tribos haviam se misturado em todo lugar residiam escravos clientes e estrangeiros entre cidadãos O sedentarismo atingido só no fim do estágio intermediário da barbárie foi reiteradamente rompido pela mobilidade e pela mutabilidade da residência em função do comércio das mudanças de atividade de subsistência e da mudança da posse da terra Os integrantes do organismo gentílico não puderam mais se reunir em assembleia para tratar de assuntos comuns apenas coisas sem relevância como celebrações religiosas ainda foram mantidas a duras penas Ao lado das necessidades e dos interesses de cuja preservação o organismo gentílico fora encarregado e capacitado surgiram novas necessidades e novos interesses decorrentes da revolução das relações de subsistência e da mudança de estrutura social daí decorrente essas necessidades e esses interesses não só eram estranhos à antiga ordem gentílica como também a obstaculizavam de todas as maneiras Os interesses dos grupos manufatureiros resultantes da divisão do trabalho as necessidades específicas da cidade em oposição ao campo exigiam novos órgãos cada um desses grupos porém era composto de pessoas das mais diferentes gentes fratrias e tribos até mesmo estrangeiros portanto esses órgãos tiveram de ser compostos fora da constituição gentílica ao lado dela e desse modo contra ela Por seu turno em cada organismo gentílico se fez notar esse conflito de interesses que atingiu seu auge na unificação de ricos e pobres usurários e devedores na mesma gens e na mesma tribo A isso se somou a massa da nova população estranha às cooperativas gentílicas que como aconteceu em Roma podia tornarse uma potência na terra sendo como tal muito numerosa para ser absorvida gradativamente pelas gens e pelas tribos As cooperativas gentílicas se defrontavam com essas massas na condição de corporações fechadas e privilegiadas a democracia original que surgira naturalmente converteuse em uma aristocracia odiosa Por fim a constituição gentílica brotara de uma sociedade que não conhecia antagonismos internos e fora adaptada apenas a essa sociedade Ela não tinha meios coercitivos a não ser a opinião pública Porém surgiu uma sociedade que em virtude de suas condições econômicas globais de vida teve de cindirse em homens livres e escravos ricos espoliadores e pobres espoliados uma sociedade que não só era incapaz de conciliar esses antagonismos como era forçada a exacerbálos cada vez mais Uma sociedade como essa só podia subsistir na luta aberta e permanente entre essas classes ou então sob o domínio de uma terceira força que aparentemente situada acima das classes em conflito abafava o conflito aberto entre elas e permitia que a luta de classes fosse travada no máximo na esfera econômica sob a chamada forma legal A constituição gentílica caducou Rompeuse pela divisão do trabalho e pelo resultado desta a cisão da sociedade em classes Ela foi substituída pelo Estado Analisamos acima detalhadamente as três formas principais como o Estado foi erguido sobre as ruínas da constituição gentílica Atenas apresenta a forma mais pura clássica aqui o Estado se origina direta e preponderantemente dos antagonismos de classe que se desenvolveram na própria sociedade gentílica Em Roma a sociedade gentílica se converteu em uma aristocracia fechada em meio a uma plebs numerosa excluída privada de direitos mas cônscia de suas obrigações a vitória da plebs rompeu a antiga constituição da gens e sobre suas ruínas se ergueu o Estado no qual a aristocracia gentílica e a plebs logo se dissolveriam por completo Por fim entre os germanos que derrotaram o Império Romano o Estado se originou diretamente da conquista de grandes territórios estrangeiros para cuja dominação a constituição gentílica não oferecia meios Porém a essa conquista não estava associada nem uma batalha séria contra a antiga população nem uma divisão de trabalho mais avançada e o estágio de desenvolvimento econômico dos conquistados e dos conquistadores era quase o mesmo a base econômica da sociedade portanto permaneceu a mesma por tudo isso a constituição gentílica conseguiu conservarse por muitos séculos sob uma forma modificada territorial da constituição da marca e remoçar por certo tempo sob uma forma atenuada nas linhagens da nobreza e dos patrícios e até mesmo nas linhagens camponesas como em Dithmarschen 14 O Estado portanto de modo algum é um poder imposto de fora à sociedade tampouco é a efetividade da ideia ética a imagem e a efetividade da razão como afirma Hegel e É muito pelo contrário um produto da sociedade em determinado estágio de desenvolvimento é a admissão de que essa sociedade se enredou em uma contradição insolúvel consigo mesma cindiuse em antagonismos irreconciliáveis e é incapaz de resolvêlos Porém para que esses antagonismos essas classes com interesses econômicos conflitantes não consumam a sociedade e a si mesmos em uma luta infrutífera tornouse necessário um poder que aparentemente está acima da sociedade e visa abafar o conflito mantêlo dentro dos limites da ordem e esse poder que é oriundo da sociedade mas colocouse acima dela e tornouse cada vez mais estranho a ela é o Estado Em comparação com a antiga organização gentílica o Estado se caracteriza em primeiro lugar pela subdivisão dos cidadãos segundo o território Como vimos as antigas cooperativas gentílicas formadas e mantidas por laços de sangue tornaramse insuficientes em grande parte porque pressupunham um vínculo dos integrantes com determinado território e esse vínculo havia muito deixara de existir O território permaneceu mas as pessoas se moveram Portanto tomouse como ponto de partida a subdivisão territorial e os cidadãos podiam obter seus direitos e cumprir seus deveres públicos onde quer que fixassem residência desconsiderando gens e tribo Essa organização dos integrantes do Estado segundo o pertencimento local é comum a todos os Estados Por isso nos parece natural no entanto vimos quantas batalhas duras e longas foram necessárias até que ela conseguisse tomar o lugar da antiga organização por linhagens em Atenas e Roma A segunda característica é a instalação de um poder público que não coincide mais com a população que se organiza como poder armado O poder especial e público é necessário porque a organização armada e autônoma da população se tornara impossível desde a sua cisão em classes Os escravos também pertenciam à população os 90000 cidadãos atenienses são apenas uma classe privilegiada diante dos 365000 escravos O exército popular da democracia ateniense era um poder público aristocrático diante dos escravos que os mantinha sob controle mas para manter os cidadãos sob controle foi necessária uma gendarmaria como relatado acima Esse poder público existe em todos os Estados consiste não só em homens armados mas também em penduricalhos próprios prisões e instituições coercitivas de todo tipo dos quais a sociedade gentílica nada sabia Pode ser bem insignificante quase imperceptível em sociedades com antagonismos de classes ainda não desenvolvidos e em regiões remotas como em certas épocas e certos locais dos Estados Unidos da América Mas ele se reforça à medida que se aguçam os antagonismos de classe dentro do Estado e à medida que os Estados limítrofes se tornam maiores e mais populosos basta considerar nossa Europa atual na qual a luta de classes e a concorrência conquistadora elevaram o poder público a um nível que ameaça engolir toda a sociedade e até mesmo o Estado Para manter de pé esse poder público é necessária a contribuição dos cidadãos os impostos Estes eram completamente desconhecidos da sociedade gentílica Nós porém temos muita coisa a dizer a respeito deles Com o avançar da civilização eles não são mais suficientes o Estado emite letras de câmbio futuras faz empréstimos dívidas públicas Também a respeito disso a velha Europa tem algo a dizer De posse do poder público e do direito de cobrar impostos encontram se então os funcionários como órgãos da sociedade acima da sociedade O respeito livre e voluntário aos órgãos da constituição gentílica não lhes basta mesmo que pudessem têlo detentores de um poder estranhado da sociedade eles precisam impor respeito por meio de uma lei de exceção por força da qual gozam de santidade e imunidade especiais O mais degenerado servidor policial do Estado civilizado tem mais autoridade do que todos os órgãos da sociedade gentílica juntos mas o príncipe mais poderoso o maior estadista ou general da civilização pode invejar o líder gentílico pela reverência não forçada e inquestionável que lhe é prestada Este está no meio da sociedade aquele é obrigado a representar algo fora dela e acima dela Dado que o Estado surgiu da necessidade de manter os antagonismos de classe sob controle mas dado que surgiu ao mesmo tempo em meio ao conflito dessas classes ele é via de regra Estado da classe mais poderosa economicamente dominante que se torna também por intermédio dele a classe politicamente dominante e assim adquire novos meios para subjugar e espoliar a classe oprimida Assim o Estado antigo foi sobretudo o Estado dos donos de escravos para manter os escravos sob controle como o Estado feudal foi o órgão da nobreza para manter sob controle os camponeses servis e o Estado representativo moderno é o instrumento de espoliação do trabalho assalariado pelo capital Excepcionalmente porém há períodos em que as classes em luta mantêm um equilíbrio tão justo que o poder do Estado na condição de aparente mediador momentaneamente adquire certa autonomia em relação às duas classes Por exemplo a monarquia absoluta dos séculos XVII e XVIII que conseguiu estabelecer um equilíbrio entre nobreza e burguesia por exemplo o bonapartismo do primeiro e principalmente do Segundo Império francês que jogava o proletariado contra a burguesia e a burguesia contra o proletariado O caso mais recente no qual dominadores e dominados parecem igualmente cômicos é o novo Império alemão da nação bismarckiana nele capitalistas e trabalhadores são contrabalançados e igualmente logrados para proveito dos nobres prussianos degenerados Krautjunker Na maioria dos Estados do período histórico os direitos concedidos aos cidadãos do Estado são escalonados de acordo com suas posses e desse modo declarase abertamente que o Estado é uma organização destinada a proteger a classe possuidora da não possuidora Ele já era assim com as classes possuidoras atenienses e romanas E foi assim também o Estado feudalista da Idade Média no qual o poder político se estruturava conforme a posse fundiária E é assim também no censo eleitoral dos Estados representativos modernos Esse reconhecimento político da diferença de posses no entanto não é de modo nenhum essencial Pelo contrário ele caracteriza um estágio baixo do desenvolvimento estatal A forma superior de Estado a república democrática que em nossas condições sociais modernas mais e mais se torna necessidade inevitável e constitui a única forma de Estado em que poderá ser travada a última batalha decisiva entre proletariado e burguesia essa república democrática oficialmente não reconhece mais diferenças de posse Nela a riqueza exerce seu poder de modo indireto mas tanto mais seguro Por um lado na forma da corrupção direta dos funcionários da qual a América é o modelo clássico por outro na aliança entre governo e Bolsa de Valores que se concretiza tanto mais facilmente quanto mais aumentam as dívidas do Estado e quanto mais sociedades por ações concentrarem em suas mãos não só o transporte mas também a própria produção e por seu turno tiverem seu centro na Bolsa de Valores Exemplo contundente é além da América a mais nova República francesa e a pacata Suíça também já deu sua contribuição nesse campo Mas nenhuma república democrática é necessária para efetivar esse pacto fraterno entre governo e Bolsa de Valores prova disso é além da Inglaterra o novo Império alemão onde não há como dizer quem foi alçado mais alto pelo sufrágio universal se foi Bismarck ou Bleichröder Por último a classe possuidora governa diretamente por meio do sufrágio universal Enquanto a classe oprimida e portanto no nosso caso o proletariado não estiver madura para sua autolibertação ela verá por maioria a ordem social vigente como a única possível e politicamente será caudatária da classe capitalista será sua ala de extrema esquerda Porém na mesma proporção em que amadurece para sua autoemancipação ela se constitui como partido próprio elege seus próprios representantes não os dos capitalistas Assim o sufrágio universal é o termômetro da maturidade da classe trabalhadora Mais do que isso ele não pode ser nem jamais será no Estado atual mas isso já é suficiente No dia em que o termômetro do sufrágio universal mostrar o ponto de ebulição do lado dos trabalhadores tanto eles quanto os capitalistas saberão em que situação se encontram O Estado portanto não existe desde a eternidade Houve sociedades que passaram muito bem sem ele que não tinham noção alguma de Estado e poder estatal Em determinado estágio do desenvolvimento econômico necessariamente ligado à cisão da sociedade em classes essa mesma cisão fez do Estado uma necessidade Hoje estamos nos aproximando a passos largos de um estágio do desenvolvimento da produção em que a existência dessas classes não só deixou de ser uma necessidade como já se tornou um estorvo concreto à produção Elas cairão tão inevitavelmente quanto surgiram Com elas cairá inevitavelmente o Estado A sociedade que organizará a produção de uma forma nova com base na associação livre e igualitária dos produtores mandará a máquina estatal para o lugar que lhe é devido o museu das antiguidades ao lado da roda de fiar e do machado de bronze Pelo que foi exposto a civilização é portanto o estágio de desenvolvimento da sociedade em que a divisão do trabalho a troca entre indivíduos dela decorrente e a produção de mercadorias que abrange as duas chegam a seu pleno desenvolvimento e revolucionam toda a sociedade mais antiga A produção de todos os estágios da sociedade mais antiga foi essencialmente comunitária já que também o consumo se dava por distribuição direta dos produtos no interior de comunidades comunistas maiores ou menores Essa produção de caráter comum tinha lugar dentro de limites bem estreitos mas implicava que os produtores fossem donos do processo e do produto Eles sabiam o que era feito de seu produto eles o consumiam ele não saía de suas mãos e enquanto a produção é feita dessa forma ela não tem como se elevar acima dos produtores não tem como gerar poderes estranhos e fantasmagóricos como acontece regular e inevitavelmente na civilização Porém nesse processo de produção imiscuiuse lentamente a divisão do trabalho Ela solapa o caráter comunitário da produção e da apropriação alçando a apropriação pelos indivíduos à condição de regra preponderante e desse modo gera a troca entre os indivíduos examinamos acima como isso ocorreu Gradativamente a produção de mercadorias se tornou a forma dominante Com a produção de mercadorias a produção não só para consumo próprio mas para troca os produtos necessariamente trocam de mãos O produtor entrega seu produto na troca e não sabe mais o que é feito dele Assim que o dinheiro e com o dinheiro o comerciante entra como mediador entre os produtores o processo de troca fica ainda mais intrincado e o destino final dos produtos ainda mais incerto Os comerciantes são muitos e nenhum deles sabe o que outro está fazendo As mercadorias então já passam não só de mão em mão mas também de mercado em mercado os produtores perderam o domínio sobre a produção global em seu círculo de vida mas ele não foi repassado para os comerciantes Produtos e produção ficaram à mercê do acaso Porém o acaso é apenas um dos polos de um contexto cujo polo oposto se chama necessidade Na natureza onde também parece reinar o acaso há muito já provamos em cada campo individual que a necessidade e a regularidade internas se impõem por meio desse acaso Porém o que vale para a natureza vale também para a sociedade Na medida em que uma atividade social uma série de processos sociais tornase poderosa demais para ser submetida ao controle humano consciente ou na medida em que se eleva acima dele quanto mais ela parece entregue ao puro acaso tanto mais se impõem por meio desse acaso por necessidade natural as leis peculiares que lhe são inerentes Essas leis também governam as casualidades da produção de mercadorias e da troca de mercadorias o produtor e o comerciante individual se deparam com elas como potências estranhas e no início até desconhecidas cuja natureza precisa ser penosamente investigada e sondada Essas leis econômicas da produção de mercadorias vão se modificando com os diferentes estágios de desenvolvimento dessa forma de produção de modo geral porém todo o período da civilização se encontra sob seu domínio E ainda hoje o produto domina o produtor ainda hoje a produção global da sociedade é regulada não por um plano pensado em conjunto mas por leis cegas que se impõem pela força elementar em último caso nas tempestades das crises comerciais periódicas Vimos acima que em um estágio bem inicial de desenvolvimento da produção a mão de obra humana se tornou capaz de fornecer produtos em quantidade consideravelmente maior do que o exigido para o sustento dos produtores e que esse estágio de desenvolvimento é essencialmente o mesmo no qual despontaram a divisão do trabalho e a troca entre indivíduos Não demorou muito para que se descobrisse a grande verdade de que o ser humano pode também ser uma mercadoria a força humana f pode ser trocada e aproveitada mediante a transformação do ser humano em escravo Os seres humanos mal tinham começado a praticar a troca quando eles mesmos passaram a ser trocados O ativo se converteu em passivo querendo os seres humanos ou não Com a escravidão que sob a civilização atingiu o auge de seu desenvolvimento ocorreu a primeira grande cisão da sociedade em uma classe espoliadora e uma classe espoliada Essa cisão perdurou durante todo o período civilizado A escravidão peculiar ao mundo antigo é a primeira forma da espoliação a ela se segue a servidão na Idade Média o trabalho assalariado na época mais recente Essas são as três formas de escravização características das três grandes eras da civilização a escravidão aberta e mais recentemente a escravidão dissimulada sempre as acompanham O estágio da produção de mercadorias com o qual tem início a civilização é caracterizado economicamente pela introdução 1 do dinheiro de metal e desse modo do capital monetário do juro e da usura 2 dos comerciantes como classe intermediadora entre os produtores 3 da propriedade fundiária privada e da hipoteca e 4 do trabalho escravo como forma dominante de produção A forma de família que corresponde à civilização e que com ela chega definitivamente ao poder é a monogamia a dominação do homem sobre a mulher e a família individual como unidade econômica da sociedade A síntese da sociedade civilizada é o Estado que em todos os períodos tomados como exemplo é sem exceção o Estado da classe dominante e em todos os casos é essencialmente um mecanismo de repressão da classe oprimida e espoliada Além disso uma característica da civilização é esta por um lado a fixação do antagonismo entre cidade e campo como fundamento de toda a divisão social do trabalho por outro a introdução dos testamentos mediante os quais o proprietário pode dispor de sua propriedade até mesmo depois de sua morte Essa instituição que equivale a um tapa na cara da antiga constituição gentílica era desconhecida em Atenas até o tempo de Sólon em Roma foi introduzida bem cedo mas não sabemos quando 15 entre os germanos foi introduzida pelos padrecos para que o pacato germano pudesse legar sem impedimento sua parte de herança à Igreja Com essa constituição básica a civilização realizou coisas das quais nem remotamente a antiga sociedade gentílica daria conta Porém realizou as liberando os instintos e as paixões mais vis dos seres humanos e desenvolvendoas à custa das demais inclinações humanas A cobiça pura e simples foi a alma que impulsionou a civilização desde seus primeiros dias até hoje riqueza riqueza e mais riqueza não da sociedade mas desse indivíduo miserável sua única meta decisiva Se nesse processo o crescente desenvolvimento da ciência e em períodos recorrentes da história a suprema florescência da arte praticamente lhe caíram do céu isso só aconteceu porque sem essas coisas não teria sido possível conquistar plenamente as riquezas do nosso tempo Dado que a base da civilização é a espoliação de uma classe por outra todo o seu desenvolvimento transcorre em permanente contradição Todo progresso da produção representa simultaneamente um retrocesso na situa ção da classe oprimida isto é da grande maioria Todo benefício para uns é necessariamente um malefício para os outros cada nova libertação de uma classe leva necessariamente a uma nova opressão da outra A prova mais contundente é fornecida pela introdução da maquinaria cujos efeitos são conhecidos hoje em todo o mundo E ao passo que entre os bárbaros como vimos praticamente ainda não se podia estabelecer uma diferença entre direitos e deveres a civilização deixa claros a diferença e o antagonismo entre ambos até para o mais idiota atribuindo a uma classe quase todos os direitos e à outra em contrapartida quase todos os deveres Mas isso não pode ser assim O que é bom para a classe dominante deve ser bom para toda a sociedade com que a classe dominante se identifica Portanto quanto mais a civilização avança tanto mais é forçada a cobrir com o manto da caridade os estados precários que são necessariamente causados por ela embelezálos e negálos em suma introduzir uma hipocrisia convencional de que não se tinha notícia nem nas formas mais antigas da sociedade nem nos primeiros estágios da civilização e que em última análise culmina na seguinte afirmação a espoliação da classe oprimida seria levada a cabo pela classe espoliadora única e exclusivamente no interesse da própria classe espoliada e se ela não reconhece isso e até se rebela é sinal da mais torpe ingratidão contra seus benfeitores os espoliadores 16 E agora para terminar o juízo que Morgan profere sobre a civilização Desde o advento da civilização o crescimento da riqueza se tornou tão imenso suas formas tão diversificadas seus usos tão extensos e sua administração tão inteligente no interesse de seus proprietários que essa riqueza se tornou um poder ingovernável pelo povo O espírito humano se encontra perplexo e fascinado diante de sua própria criação Não obstante chegará o tempo em que a razão humana se erguerá para dominar a riqueza e definir as relações entre o Estado e a propriedade que ele protege tanto quanto os limites dos direitos de seus proprietários Os interesses da sociedade são absolutamente prioritários em relação aos interesses individuais e ambos devem ser postos em uma relação justa e harmônica A mera corrida pela riqueza não será o destino final da humanidade caso o progresso venha a ser a lei do futuro como foi a do passado O tempo que passou desde o início da civilização é apenas uma pequena fração da duração transcorrida da existência humana e apenas uma pequena fração das eras ainda por vir A dissolução da sociedade ameaça ser o fim de uma corrida que tem como único fim e objetivo a riqueza pois essa corrida contém os elementos de sua própria destruição Democracia no governo fraternidade na sociedade igualdade de direitos educação universal inaugurarão o próximo nível mais elevado para o qual a experiência a inteligência e a ciência tendem sem cessar Ele será um reavivamento só que em forma superior da liberdade da igualdade e da fraternidade das antigas gentes Lewis H Morgan Ancient Society cit p 552 a Na edição de 1884 falta a expressão geralmente duas N E A 12 Especialmente na costa noroeste da América ver Bancroft Entre os haidas das Ilhas da Rainha Carlota havia economias domésticas de até setecentas pessoas sob o mesmo teto Entre os nootkas tribos inteiras viviam sob o mesmo teto b Na edição de 1884 consta propriedade privada N E A c Na edição de 1884 falta das cooperativas domésticas e por fim N E A d Molière George Dandin ou le mari confondu Ato I cena 9 N E A 13 Ver a quantidade para Atenas na p 111 Na época áurea de Corinto era de 460000 e em Egina 470000 sendo que nos dois casos esse número era dez vezes maior do que a população de cidadãos livres 14 O primeiro historiador que teve uma noção pelo menos aproximada da essência da gens foi Niebuhr e isso se deve ao fato de ele conhecer pessoalmente as linhagens de Dithmarschen mas a isso se devem também os equívocos que ele transmitiu sem mais nem menos e G W F Hegel Grundlinien der Philosophie des Rechts Berlim 1821 257 e 360 N E A ed bras Linhas fundamentais da filosofia do direito São Leopoldo EdUnisinos 2010 p 229 e 313 N T f Na edição de 1884 mão de obra em vez de força humana N E A 15 A segunda parte de O sistema dos direitos adquiridos de Lassalle gira principalmente em torno da afirmação de que o testamento romano seria tão antigo quanto a própria Roma que jamais houve na história romana um período sem testamento e ao contrário o testamento teria surgido na época préromana oriundo do culto aos falecidos Lassalle como velho hegeliano crédulo não deriva as determinações legais romanas das relações sociais dos romanos mas do conceito especulativo da vontade e ao fazer isso chega a essa afirmação totalmente ahistórica Não é de se admirar em um livro que com base no mesmo conceito especulativo chega ao resultado de que na questão da herança romana a transferência de posses teria sido algo puramente secundário Lassalle não só acredita nas ilusões dos juristas romanos especialmente da época antiga como ainda as sobrepuja 16 Minha intenção inicial era apresentar a brilhante crítica da civilização que se encontra dispersa nas obras de Charles Fourier ao lado da de Morgan e da minha Infelizmente faltame o tempo para isso Comento apenas que já em Fourier monogamia e propriedade privada são tidas como as características principais da civilização e que ele a denomina guerra do rico contra o pobre Também já se encontra nele a noção profunda de que em todas as sociedades deficientes cindidas em antagonismos as famílias individuais les familles incohérentes constituem as unidades econômicas POSFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA Entre marxismo feminismo e antropologia Há um imenso legado marxista no feminismo e o pensamento feminista tem uma grande dívida com o marxismo Em certo sentido o marxismo permitiu que as pessoas levantassem toda uma série de questões a que o próprio marxismo não podia responder satisfatoriamente 1 No filme de Raoul Peck O jovem Marx 2017 um diálogo entre Jenny Marx e Mary Burns companheira de Friedrich Engels passa quase despercebido ao espectador desavisado Jenny é uma aristocrata alemã Mary uma proletária irlandesa Jenny pergunta a Mary se ela não quer ter filhos com Friedrich A irlandesa responde que não jamais pois prefere a sua liberdade Jenny se espanta e pergunta novamente incrédula Então nunca nunca mesmo terá filhos com ele Mary faz uma longa e reflexiva pausa Em seguida encontra uma solução relativamente simples se ele quiser poderá ter filhos com Lizzie sua irmã mais nova que está determinada a ser mãe Jenny olha com curiosidade para a amiga que indaga Ué por que está me olhando Eu disse algo errado A cena que ocorre durante um passeio à praia já ao final do filme um pouco antes de Marx se lançar ao estudo e à escrita de seu trabalho teórico ele diz já estou velho para escrever panfletos referindose ao Manifesto Comunista é uma referência sutil às experiências de vida de Engels que teriam embasado o estudo e a escrita do texto que a leitora ou o leitor tem agora nas mãos O presente texto de Engels data de 1884 21 anos após a morte de Burns A cena também se refere a um momento da biografia de Engels uma vez que horas antes do falecimento de Mary ele teria se casado com a irmã mais nova dela Lydia Lizzie possivelmente uma decisão comum entre os três sobre a qual infelizmente não há extenso registro Considerando as críticas de Engels ao casamento e à monogamia enquanto instituições burguesas feitas não apenas nesta obra como ao longo de sua vida boa parte dela ao lado de Burns podemos especular que o seu casamento foi mais uma decisão prática por exemplo para garantir a segurança financeira e material da família Burns ou de sua caçula do que uma mudança de visão sobre o casamento enquanto instituição burguesa Especulações biográficas à parte chama a atenção o pioneirismo de A origem da família da propriedade privada e do Estado O contraste mostrado no filme entre a reação de espanto da aristocrata Jenny e a naturalidade com que a proletária Mary expõe um arranjo de parentesco que rompe com a moral e a ideia burguesas e aristocráticas de família ligadas fortemente ao casamento monogâmico é também uma retomada das análises tecidas por Engels na presente obra e de seu pioneirismo segundo o autor uma vez que as famílias proletárias não possuem posses e portanto não possuem herança haveria uma certa flexibilidade nas formas socialmente aceitas de contratos sexuais e maritais 2 Mais recentemente nos anos 1980 e 1990 a antropologia brasileira empreendeu esforços bastante significativos rumo a um questionamento científico da narrativa predominante na história da família e nos estudos clássicos brasileiros como Casagrande senzala de Gilberto Freyre Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda e outros como o ensaio The Brazilian Family de Antonio Candido A ideia era questionar o modelo da família patriarcal brasileira e sua suposta hegemonia em nossa sociedade tanto no período colonial como na Primeira República e seus ecos na contemporaneidade Na obra Colcha de retalhos 3 diversos estudos compõem uma análise crítica de tal narrativa Em um artigo anterior a essa obra para a qual contribuiu com um capítulo que apresenta semelhante argumento a antropóloga Mariza Corrêa escreve Ambos os autores Gilberto Freyre e Antonio Candido parecem compartilhar com muitos outros estudiosos a ilusão de que o estudo da forma de organização familiar do grupo dominante ou de um grupo dominante numa determinada época e lugar possa substituirse à história das formas de organização familiar da sociedade brasileira Nos dois textos ocorre assim uma homogeneização histórica Ao modelar a história da sociedade brasileira sobre a forma familiar vigente nas camadas senhoriais recuperando teoricamente as práticas sociais que analisam a dominação masculina e a subordinação da mulher o casamento entre parentes etc utilizam essa análise para demonstrar a importância daquela família seu suposto na sociedade assim construída à sua imagem 4 Não é coincidência que Corrêa além de antropóloga seja uma das pioneiras dos estudos de gênero e estudos feministas no Brasil a relação entre marxismo e feminismo também foi uma chave que permitiu indagar de maneira classista como faz a autora os estudos antropológicos e históricos sobre a família no país Num primeiro momento os estudos sobre as mulheres encontravam espaço nas ciências sociais e humanidades quando se abordava justamente a família Ao mesmo tempo que o diálogo do feminismo com o marxismo catalisou a expansão desse limite sobretudo em direção ao universo do trabalho ele também permitiu reviravoltas epistemológicas nos próprios estudos da família Em sua análise a autora se aproxima de certa maneira dos questionamentos elaborados por Engels em A origem da família da propriedade privada e do Estado ao observar a família patriarcal monogâmica como um dispositivo de reprodução de classe e de uma classe específica a burguesia entendendo tal dispositivo como peçachave também em sua dominação sobre o proletariado o autor apresenta uma nova perspectiva epistemológica na compreensão dos modelos familiares e arranjos maritais e sexuais da modernidade e da contemporaneidade Se por um lado a literatura da época que discutia os sistemas de parentesco essa espécie de protoantropologia já havia identificado uma enorme variação nas formas de organizar socialmente a sexualidade os clãs as categorias de consanguinidade etc apontando que a monogamia seria apenas um princípio central possível em alguns sistemas de parentesco mas não em todos e nem o único o trabalho de Engels por outro lado foi pioneiro ao apresentar uma posição política em relação a esse fato ao associálo às bases materiais das sociedades de classe e estabelecer relações baseadas em evidências históricas entre os princípios econômicos e políticos das sociedades capitalistas e o seu sistema de parentesco Ao fazêlo o autor parece adiantar de certa maneira um movimento de inversão que só seria mais bem acolhido na antropologia algumas décadas depois a virada epistemológica que tornou possível utilizar as ferramentas da antropologia e os dados produzidos antropologicamente anteriormente sobre os outros como forma de observar analisar e produzir dados também sobre as sociedades capitalistas ocidentaisocidentalizadas urbanas A posição limítrofe do texto de Engels entre a economia política uma protossociologia a história e uma protoantropologia também colabora para a sua relevância histórica e atual Escrito num período em que as ciências sociais e humanidades não tinham os contornos que têm hoje nem em termos de objetos nem em termos de métodos A origem da família goza de fluência na comunicação e no entrelaçamento de dados e objetos que se carece de epistemologias um tanto mais modernas o persistente evolucionismo social do texto baseado na ideia de linearidade da história e do desenvolvimento das culturas é um de seus aspectos bastante datados também parece pavimentar caminhos possíveis para as ciências sociais e humanidades do século XX pelo tom crítico e pelo esforço bastante evidente e compensador para manter o rigor analítico tanto quanto permitiam as ferramentas e as informações da época Os efeitos desta obra nos 135 anos seguintes à sua primeira publicação foram diversos e tomaram variadas proporções tanto no que diz respeito à produção de conhecimento nas ciências humanas e sociais quanto no que diz respeito ao campo político Alguns prefácios a edições mais antigas da obra assinados pelo próprio Engels também apresentam informações interessantes sobre sua recepção em diferentes países e por distintos intelectuais em várias épocas Em especial tratase de um dos textos marxistas que se tornaram cânone no debate feminista tanto na União Soviética reivindicado desde a Revolução de 1917 por autoras e articuladoras políticas feministas 5 como Aleksandra Kollontai quanto nos países capitalistas cito em especial França Estados Unidos e Brasil países cuja história intelectual de seus feminismos conheço melhor em que teve papel fundante no desenvolvimento por mãos não exatamente marxistas de um dos principais e mais poderosos conceitos elaborados pelas feministas nas ciências sociais e humanidades disciplinares 6 o conceito de gênero Sobre o momento em que o conceito de gênero foi forjado teoricamente como um conceito das ciências sociais e humanidades que afastava radicalmente qualquer interpretação baseada em explicações biológicas de fenômenos dessa esfera da vida social que hoje comumente chamamos gênero a também antropóloga Gayle Rubin comenta em entrevista concedida à filósofa Judith Butler no início dos anos 2000 Havia muita gente estudando A origem da família da propriedade privada e do Estado de Engels Engels fazia parte do cânone marxista e ele falava sobre mulheres por isso seu trabalho gozava de especial prestígio Mesmo os melhores trabalhos marxistas da época tendiam a focalizar assuntos mais próximos das preocupações centrais do marxismo como classe trabalho relações de produção Surgiu então uma literatura maravilhosa muito interessante sobre o trabalho doméstico por exemplo Fizeramse bons estudos sobre a divisão sexual do trabalho sobre o lugar da mulher no mercado de trabalho sobre o papel das mulheres na reprodução do trabalho Parte dessa literatura era muito interessante e muito útil mas não conseguia chegar a certos temas cruciais que interessam às feministas diferença de gênero opressão de gênero e sexualidade 7 No texto de 1975 O tráfico de mulheres notas sobre a economia política do sexo 8 em que inaugura uma das primeiras elaborações teóricas do conceito de gênero chamado então de sistema sexogênero Rubin analisa minuciosamente três textos canônicos de três espaços disciplinares de produção de conhecimento em ciências sociais e humanidades os Escritos de Lacan 9 da psicanálise As estruturas elementares do parentesco de LéviStrauss 10 da antropologia e A origem da família da propriedade privada e do Estado de Engels do cânone marxista Segundo a autora os três textos eram fervorosamente estudados e discutidos em diferentes círculos feministas No final dos anos 1960 a disseminação de ideias de esquerda em movimentos de juventude movimentos a favor dos direitos civis nos Estados Unidos a influência do Maio de 1968 e eventos semelhantes em universidades de outros países da Europa 11 o fracasso estadunidense na guerra do Vietnã e a vitrine internacional do desenvolvimento soviético por meio da corrida espacial vieram acompanhados também de um crescimento do interesse dos estudantes como a própria Gayle Rubin à época pela new left nova esquerda nos Estados Unidos As feministas não eram exceção em especial aquelas ligadas ao movimento negro como Angela Davis Na mesma época na França e nas ditaduras sulamericanas do Brasil da Argentina e do Chile o movimento feminista também se aproximava do marxismo A tese de doutorado da marxista Heleieth Saffioti A mulher na sociedade de classes foi publicada em meados da década de 1970 12 Diversas militantes feministas participavam também de partidos e grupos de esquerda e muitas delas viveram o exílio na França entre o final dos anos 1960 e início dos anos 1980 Ao mesmo tempo que bebia diretamente das fontes do marxismo o feminismo francês assim como o estadunidense quando próximo politicamente da militância socialista ou comunista procurava encontrar os buracos teóricos e políticos dos grupos marxistas no que dizia respeito às questões de gênero e sexualidade O mesmo pode ser dito sobre o feminismo brasileiro próximo da esquerda em especial a partir do período de abrandamento das perseguições da ditadura militar no início dos anos 1980 13 A tensão dialética entre marxismo e feminismo foi pelo menos desde o início do século XIX motor de grandes avanços tanto no espaço político como no de produção de conhecimento Contudo diversos fatores históricos sobretudo a partir dos anos 1980 parecem ter distanciado o pensamento marxista da produção feminista em geral ainda que esta não tenha jamais abandonado o diálogo com o marxismo em seus métodos e conteúdos Essa espécie de isolamento parece ter impedido o avanço da teoria marxista em diversos pontos cegos como a questão das trabalhadoras sexuais a questão LGBT e até mesmo as formas mais contemporâneas e científicas de análise feminista sobre o sistema de gênero que ironicamente só foram percebidos graças a elaborações marxistas anteriores A necessidade de novas sínteses releituras e reinterpretações marxistas vem sendo pauta de diversos movimentos sociais coletivos e partidos nesta década de 2010 Por um lado os movimentos sociais assim como disciplinas das ciências sociais e humanidades por exemplo a psicanálise e a antropologia sobretudo após 2013 no Brasil e outras crises contemporâneas no mundo parecem estar retornando ao marxismo com nova bagagem e um tanto de ar fresco Por outro lado é como se o próprio espaço de produção de conhecimento marxista se abrisse cada vez mais para a necessidade e a possibilidade dessas novas sínteses buscando fomentar esse tipo de avanço rumo a novas revoluções para este novo século Nesse contexto além do feminismo ou ainda talvez por causa dele outro movimento político que merece atenção ainda que breve em sua relação histórica e historicamente apagada com o marxismo e que deve diretamente a Engels boa parte de suas possibilidades de questionamento hoje é o movimento organizado de grupos que praticam e reivindicam relações nãomonogâmicas Popularmente conhecidos como poliamor ou amor livre no Brasil esses grupos apresentam uma enorme variedade de formas de conceber e pensar a Monogamia enquanto estrutura em maiúscula e a nãomonogamia enquanto prática de resistência em minúscula algumas declaradamente mais politizadas do que outras Grupos que se reivindicam anarquistas relacionais ou relações livres por exemplo concebem que se trata antes de relações sociais e não de um sentimento o amor por isso essa crítica é indissociável de uma crítica estrutural anticapitalista anarquista comunista ou socialista Pensase a reestruturação revolucionária das famílias ou sua extinção enquanto instituição do sistema de parentesco das relações afetivas e sexuais e até mesmo dos esquemas de sentimentos como parte fundamental da reestruturação também revolucionária econômica e política de nossa sociedade Nos moldes do que já havia sido escrito e reivindicado por Aleksandra Kollontai ao descrever o amorcamarada esses grupos se opõem politicamente no campo da nãomonogamia àqueles que preferem manter a estrutura intacta e acreditar que se trata apenas de escolhas individuais feitas com base em sentimentos espontâneos ainda que com contornos culturais Diante dessas novas e necessárias sínteses podemos afirmar que se trata de uma luta tanto no caso do feminismo quanto no caso da nãomonogamia e do movimento LGBT que tensiona e transforma relações sociais rumo a uma construção revolucionária Ao comentar as mudanças estruturais na família após a Revolução de 1917 Goldman 14 analisa a forma como embora apoiadas institucionalmente muitas mudanças implementadas na nova União Soviética rapidamente foram abandonadas Parte importante da razão desse abandono era justamente a distância entre o estado corrente das relações sociais pertinentes ao casamento ao sexosexualidade e ao gênero na Rússia da época e o que se idealizavapreconizava como modelo revolucionário de afetividade sexualidade contratos maritais família gênero etc Nesse sentido o tensionamento presente do modelo atualmente estabelecido associado a uma crítica política e estrutural desse modelo enquanto dispositivo da manutenção do capitalismo parece absolutamente necessário para não cometermos o mesmo erro duas vezes Afinal se desejamos construir uma nova sociedade inteiramente baseada em novos princípios por que isso não se aplicaria a absolutamente todas as relações sociais inclusive o gênero a sexualidade e o parentesco Por fim com o olhar atento a leituras anacrônicas e procurando compreender e localizar a obra de Engels em seu contexto e época as leitoras e os leitores têm nesta edição o acesso a grandes chaves para a análise do século XXI e de suas complexas formas ideológicas econômicas e sociais que afetam ainda que desejemos de outra maneira nossos afetos nosso tesão nossa sexualidade nossa formação subjetiva e psíquica Se como afirmam Marx e Engels a história de todas as sociedades até hoje existentes é a história das lutas de classes 15 ou como escreveu o antropólogo Clastres para além disso a história dos povos que têm uma história é dizse a história da luta de classes A história dos povos sem história é dirseá com ao menos tanta verdade a história da sua luta contra o Estado 16 talvez possamos acrescentar com base nos últimos 120 anos de teoria feminista que a história de todas as sociedades com ou sem história é também a história de sua economia política do sexo do gênero e do corpo Marília Moschkovich Berlim 2018 1 Gayle S Rubin entrevistada por Judith Butler Tráfico sexual entrevista Cadernos Pagu n 21 2003 p 1589 disponível em httpwwwscielobrpdfcpan21n21a08pdf acesso em jan 2019 2 Posteriormente diversos outros estudos sobre contratos maritais e sexuais em diferentes estratos de classe indicariam de maneira semelhante alguma flexibilidade nas camadas mais pobres da população europeia ainda que com forte presença religiosa Alguns trabalhos que auxiliam a compor a história das formas familiares europeias fora das classes dominantes entre os séculos XVI e XIX além do próprio texto de Engels são Wally Seccombe A Millennium of Family Change Feudalism to Capitalism in Northwestern Europe Londres Verso 1992 p 343 e seg Philippe Ariès História social da criança e da família trad Dora Flaskman 2 ed reimp Rio de Janeiro LTC 2014 Göran Therborn Sexo e poder a família no mundo 19002000 trad Elisabete Dória Bilac São Paulo Contexto 2011 Thomas Walter Laqueur e Vera Whately Inventando o sexo corpo e gênero dos gregos a Freud Rio de Janeiro RelumeDumará 2001 Natalie Zemon Davis Nas margens três mulheres do século XVI trad Hildegard Feist São Paulo Companhia das Letras 1997 3 Suely Kofes e al Colcha de retalhos estudos sobre a família no Brasil São Paulo Brasiliense 1982 4 Mariza Corrêa Repensando a família patriarcal brasileira Cadernos de Pesquisa Revista de Estudos e Pesquisa em Educação maio 1981 p 7 disponível em httppublicacoesfccorgbrojsindexphpcparticleview1590 acesso em 8 ago 2018 5 Embora seja discutível a qualificação de feminista para as soviéticas uma vez que pode soar como uma atribuição bastante anacrônica a leitura que se faz atualmente a partir dos estudos de gênero e feministas é a de que suas reivindicações e atuação política compõem a história do feminismo entre o final do século XIX e o início do século XX Mais informações sobre as variações nominais e disputas de entendimento entre feminismo e movimento de mulheres no Brasil e no exterior podem ser encontradas em Cynthia Andersen Sarti O feminismo brasileiro desde os anos 1970 revisitando uma trajetória Revista Estudos Feministas v 12 n 2 2004 p 3550 e Elisabeta Zelinka What did the Enlightenment Lead to Womens Activism Womens Movement or Feminism A CaseStudy of France and the USA Gender Studies v 11 Supplement 2012 6 Uma vez que as condições materiais de produção de conhecimento em ciências sociais e humanidades foram drasticamente transformadas entre o final do século XIX e o século XX em especial ao longo do XX tornase importante sociologicamente demarcar essa nova fase em que houve uma série de mudanças estruturais nas universidades nas formas de fazer pesquisa nas ferramentas disponíveis e também na proposição política que relaciona o conhecimento produzido e a vida em sociedade passam a ser publicamente tema de debate questões como a quem serve esse conhecimento a quem deve servir Heilbron utiliza a novidade da disciplinaridade contemporânea a divisão em disciplinas que disputam objetos e métodos dentro de uma estrutura também disciplinarizada de estudos e financiamento de pesquisa como marcador para distinguir modos de produzir conhecimento em ciências sociais e humanidades que pertencem a diferentes momentos históricos Ver Johan Heilbron The Rise of Social Theory Cambridge Polity 1995 7 Gayle S Rubin Tráfico sexual entrevista cit p 15860 8 O uso do termo economia política pela autora não é mera coincidência Sua escolha é uma aproximação deliberada com o debate marxista Em inglês idioma original do texto o termo political economy é usado para referirse ao debate teórico da economia que hoje é considerado heterodoxo e inclui o pensamento de Marx Engels e outros teóricos Já o termo economics diz respeito à economia contemporânea matematizada em geral dissociada de qualquer análise materialista e de relações sociais e por vezes bastante fetichizada Tratase para Rubin de analisar a economia política do sexo em diferentes sociedades e na nossa para compreender as relações sociais que determinam a reprodução biológica dos corpos atrelada à manutenção e à reprodução de uma estrutura social Ver Gayle S Rubin O tráfico de mulheres notas sobre a economia política do sexo trad Christine Rufino Dabat Edileusa Oliveira da Rocha e Sonia Corrêa Recife SOS Corpo 1993 disponível em httpsrepositorioufscbrhandle1234567891919 acesso em jan 2019 9 Jacques Lacan Escritos trad Inês OsckiDepré 4 ed São Paulo Perspectiva 2011 10 Claude LéviStrauss As estruturas elementares do parentesco trad Mariano Ferreira 3 ed Rio de Janeiro Vozes 2003 11 Sobre a influência e impacto dos eventos de Maio de 68 na França ver Philippe Beneton e Jean Touchard Les interprétations de la crise de maijuin 1968 Revue Française de Science Politique v 20 n 3 1970 p 50344 Louis LévyGarboua Les demandes de létudiant ou les contradictions de luniversité de masse Revue Française de Sociologie v 17 n 1 1976 p 53 12 Heleieth Iara Bongiovani Saffioti A mulher na sociedade de classes mito e realidade 2 ed Petrópolis Vozes 1976 13 As relações entre o feminismo e o campo político em especial a esquerda e parte da história recente do feminismo brasileiro estão mais bem sistematizadas em minha tese de doutorado Feminist Gender Wars The Reception of the Concept of Gender in Brazil and the Production and Circulation of Knowledge in a Global System defendida em junho de 2018 na Unicamp 14 Wendy Z Goldman Mulher Estado e revolução política familiar e vida social soviéticas 1917 1936 São Paulo Boitempo Iskra 2014 15 Karl Marx e Friedrich Engels Manifesto Comunista trad Álvaro Pina e Ivana Jinkings 1 ed rev São Paulo Boitempo 2010 p 40 16 Pierre Clastres A sociedade contra o Estado pesquisas de antropologia política trad Theo Santiago São Paulo Cosac Naify 2013 p 234 CRONOLOGIA RESUMIDA DE MARX E ENGELS Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1818 Em Trier capital da província alemã do Reno nasce Karl Marx 5 de maio o segundo de oito filhos de Heinrich Marx e Enriqueta Pressburg Trier na época era influenciada pelo liberalismo revolucionário francês e pela reação ao Antigo Regime vinda da Prússia Simón Bolívar declara a Venezuela independente da Espanha 1820 Nasce Friedrich Engels 28 de novembro primeiro dos oito filhos de Friedrich Engels e Elizabeth Franziska Mauritia van Haar em Barmen Alemanha Cresce no seio de uma família de industriais religiosa e conservadora George IV se torna rei da Inglaterra pondo fim à Regência Insurreição constitucionalista em Portugal Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1824 O pai de Marx nascido Hirschel advogado e conselheiro de Justiça é obrigado a abandonar o judaísmo por motivos profissionais e políticos os judeus estavam proibidos de ocupar cargos públicos na Renânia Marx entra para o Ginásio de Trier outubro Simón Bolívar se torna chefe do Executivo do Peru 1830 Inicia seus estudos no Liceu Friedrich Wilhelm em Trier Estouram revoluções em diversos países europeus A população de Paris insurgese contra a promulgação de leis que dissolvem a Câmara e suprimem a liberdade de imprensa Luís Filipe assume o poder 1831 Em 14 de novembro morre Hegel 1834 Engels ingressa em outubro no Ginásio de Elberfeld A escravidão é abolida no Império Britânico Insurreição operária em Lyon Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1835 Escreve Reflexões de um jovem perante a escolha de sua profissão Presta exame final de bacharelado em Trier 24 de setembro Inscrevese na Universidade de Bonn Revolução Farroupilha no Brasil O Congresso alemão faz moção contra o movimento de escritores Jovem Alemanha 1836 Estuda Direito na Universidade de Bonn Participa do Clube de Poetas e de associações estudantis No verão fica noivo em segredo de Jenny von Westphalen sua vizinha em Trier Em razão da oposição entre as famílias casarseiam apenas sete anos depois Matriculase na Universidade de Berlim Na juventude fica impressionado com a miséria em que vivem os trabalhadores das fábricas de sua família Escreve Poema Fracassa o golpe de Luís Napoleão em Estrasburgo Criação da Liga dos Justos 1837 Transferese para a Universidade de Berlim e estuda com mestres como Gans e Savigny Escreve Canções selvagens e Transformações Em carta ao pai descreve sua relação contraditória com o hegelianismo doutrina predominante na época Por insistência do pai Engels deixa o ginásio e começa a trabalhar nos negócios da família Escreve História de um pirata A rainha Vitória assume o trono na Inglaterra 1838 Entra para o Clube dos Doutores encabeçado por Bruno Bauer Perde o interesse pelo Direito e entregase com paixão ao estudo da Filosofia o que lhe compromete a saúde Morre seu pai Estuda comércio em Bremen Começa a escrever ensaios literários e sociopolíticos poemas e panfletos filosóficos em periódicos como o Hamburg Journal e o Telegraph für Deutschland entre eles o poema O beduíno setembro sobre o espírito da liberdade Richard Cobden funda a Anti CornLaw League na Inglaterra Proclamação da Carta do Povo que originou o cartismo Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1839 Escreve o primeiro trabalho de envergadura Briefe aus dem Wupperthal Cartas de Wupperthal sobre a vida operária em Barmen e na vizinha Elberfeld Telegraph für Deutschland primavera Outros viriam como Literatura popular alemã Karl Beck e Memorabilia de Immermann Estuda a filosofia de Hegel Feuerbach publica Zur Kritik der Hegelschen Philosophie Crítica da filosofia hegeliana Primeira proibição do trabalho de menores na Prússia Auguste Blanqui lidera o frustrado levante de maio na França 1840 K F Koeppen dedica a Marx seu estudo Friedrich der Grosse und seine Widersacher Frederico o Grande e seus adversários Engels publica Réquiem para o Aldeszeitung alemão abril Vida literária moderna no Mitternachtzeitung março maio e Cidade natal de Siegfried dezembro Proudhon publica O que é a propriedade Questce que la propriété Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1841 Com uma tese sobre as diferenças entre as filosofias de Demócrito e Epicuro Marx recebe em Iena o título de doutor em Filosofia 15 de abril Volta a Trier Bruno Bauer acusado de ateísmo é expulso da cátedra de Teologia da Universidade de Bonn e com isso Marx perde a oportunidade de atuar como docente nessa universidade Publica Ernst Moritz Arndt Seu pai o obriga a deixar a escola de comércio para dirigir os negócios da família Engels prosseguiria sozinho seus estudos de filosofia religião literatura e política Presta o serviço militar em Berlim por um ano Frequenta a Universidade de Berlim como ouvinte e conhece os jovens hegelianos Critica intensamente o conservadorismo na figura de Schelling com os escritos Schelling em Hegel Schelling e a revelação e Schelling filósofo em Cristo Feuerbach traz a público A essência do cristianismo Das Wesen des Christentums Primeira lei trabalhista na França 1842 Elabora seus primeiros trabalhos como publicista Começa a colaborar com o jornal Rheinische Zeitung Gazeta Renana publicação da burguesia em Colônia do qual mais tarde seria redator Conhece Engels que na ocasião visitava o jornal Em Manchester assume a fiação do pai a Ermen Engels Conhece Mary Burns jovem trabalhadora irlandesa que viveria com ele até a morte dela Mary e a irmã Lizzie mostram a Engels as dificuldades da vida operária e ele inicia estudos sobre os efeitos do capitalismo no operariado inglês Publica artigos no Rheinische Zeitung entre eles Crítica às leis de imprensa prussianas e Centralização e liberdade Eugène Sue publica Os mistérios de Paris Feuerbach publica Vorläufige Thesen zur Reform der Philosophie Teses provisórias para uma reforma da filosofia O Ashleys Act proíbe o trabalho de menores e mulheres em minas na Inglaterra Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1843 Sob o regime prussiano é fechado o Rheinische Zeitung Marx casase com Jenny von Westphalen Recusa convite do governo prussiano para ser redator no diário oficial Passa a lua de mel em Kreuznach onde se dedica ao estudo de diversos autores com destaque para Hegel Redige os manuscritos que viriam a ser conhecidos como Crítica da filosofia do direito de Hegel Zur Kritik der Hegelschen Rechtsphilosophie Em outubro vai a Paris onde Moses Hess e George Herwegh o apresentam às sociedades secretas socialistas e comunistas e às associações operárias alemãs Conclui Sobre a questão judaica Zur Judenfrage Substitui Arnold Ruge na direção dos DeutschFranzösische Jahrbücher Anais FrancoAlemães Em dezembro inicia grande amizade com Heinrich Heine e conclui sua Crítica da filosofia do direito de Hegel Introdução Zur Kritik der Hegelschen Rechtsphilosophie Einleitung Engels escreve com Edgar Bauer o poema satírico Como a Bíblia escapa milagrosamente a um atentado impudente ou o triunfo da fé contra o obscurantismo religioso O jornal Schweuzerisher Republicaner publica suas Cartas de Londres Em Bradford conhece o poeta G Weerth Começa a escrever para a imprensa cartista Mantém contato com a Liga dos Justos Ao longo desse período suas cartas à irmã favorita Marie revelam seu amor pela natureza e por música livros pintura viagens esporte vinho cerveja e tabaco Feuerbach publica Grundsätze der Philosophie der Zukunft Princípios da filosofia do futuro Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1844 Em colaboração com Arnold Ruge elabora e publica o primeiro e único volume dos DeutschFranzösische Jahrbücher no qual participa com dois artigos A questão judaica e Introdução a uma crítica da filosofia do direito de Hegel Escreve os Manuscritos econômicofilosóficos Ökonomischphilosophische Manuskripte Colabora com o Vorwärts Avante órgão de imprensa dos operários alemães na emigração Conhece a Liga dos Justos fundada por Weitling Amigo de Heine Leroux Blanqui Proudhon e Bakunin inicia em Paris estreita amizade com Engels Nasce Jenny primeira filha de Marx Rompe com Ruge e desligase dos Deutsch Französische Jahrbücher O governo decreta a prisão de Marx Ruge Heine e Bernays pela colaboração nos DeutschFranzösische Jahrbücher Encontra Engels em Paris e em dez dias planejam seu primeiro trabalho juntos A sagrada família Die heilige Familie Marx publica no Vorwärts artigo sobre a greve na Silésia Em fevereiro Engels publica Esboço para uma crítica da economia política Umrisse zu einer Kritik der Nationalökonomie texto que influenciou profundamente Marx Segue à frente dos negócios do pai escreve para os DeutschFranzösische Jahrbücher e colabora com o jornal Vorwärts Deixa Manchester Em Paris tornase amigo de Marx com quem desenvolve atividades militantes o que os leva a criar laços cada vez mais profundos com as organizações de trabalhadores de Paris e Bruxelas Vai para Barmen O Grahams Factory Act regula o horário de trabalho para menores e mulheres na Inglaterra Fundado o primeiro sindicato operário na Alemanha Insurreição de operários têxteis na Silésia e na Boêmia Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1845 Por causa do artigo sobre a greve na Silésia a pedido do governo prussiano Marx é expulso da França juntamente com Bakunin Bürgers e Bornstedt Mudase para Bruxelas e em colaboração com Engels escreve e publica em Frankfurt A sagrada família Ambos começam a escrever A ideologia alemã Die deutsche Ideologie e Marx elabora As teses sobre Feuerbach Thesen über Feuerbach Em setembro nasce Laura segunda filha de Marx e Jenny Em dezembro ele renuncia à nacionalidade prussiana As observações de Engels sobre a classe trabalhadora de Manchester feitas anos antes formam a base de uma de suas obras principais A situação da classe trabalhadora na Inglaterra Die Lage der arbeitenden Klasse in England publicada primeiramente em alemão a edição seria traduzida para o inglês 40 anos mais tarde Em Barmen organiza debates sobre as ideias comunistas com Hess e profere os Discursos de Elberfeld Em abril sai de Barmen e encontra Marx em Bruxelas Juntos estudam economia e fazem uma breve visita a Manchester julho e agosto onde percorrem alguns jornais locais como o Manchester Guardian e o Volunteer Journal for Lancashire and Cheshire É lançada A situação da classe trabalhadora na Inglaterra em Leipzig Começa sua vida em comum com Mary Burns Criada a organização internacionalista Democratas Fraternais em Londres Richard M Hoe registra a patente da primeira prensa rotativa moderna Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1846 Marx e Engels organizam em Bruxelas o primeiro Comitê de Correspondência da Liga dos Justos uma rede de correspondentes comunistas em diversos países a qual Proudhon se nega a integrar Em carta a Annenkov Marx critica o recémpublicado Sistema das contradições econômicas ou Filosofia da miséria Système des contradictions économiques ou Philosophie de la misère de Proudhon Redige com Engels a Zirkular gegen Kriege Circular contra Kriege crítica a um alemão emigrado dono de um periódico socialista em Nova York Por falta de editor Marx e Engels desistem de publicar A ideologia alemã a obra só seria publicada em 1932 na União Soviética Em dezembro nasce Edgar o terceiro filho de Marx Seguindo instruções do Comitê de Bruxelas Engels estabelece estreitos contatos com socialistas e comunistas franceses No outono ele se desloca para Paris com a incumbência de estabelecer novos comitês de correspondência Participa de um encontro de trabalhadores alemães em Paris propagando ideias comunistas e discorrendo sobre a utopia de Proudhon e o socialismo real de Karl Grün Os Estados Unidos declaram guerra ao México Rebelião polonesa em Cracóvia Crise alimentar na Europa Abolidas na Inglaterra as leis dos cereais 1847 Filiase à Liga dos Justos em seguida nomeada Liga dos Comunistas Realizase o primeiro congresso da associação em Londres junho ocasião em que se encomenda a Marx e Engels um manifesto dos comunistas Eles participam do congresso de trabalhadores alemães em Bruxelas e juntos fundam a Associação Operária Alemã de Bruxelas Marx é eleito vice presidente da Associação Democrática Conclui e publica a edição francesa de Miséria da filosofia Misère de la philosophie Bruxelas julho Engels viaja a Londres e participa com Marx do I Congresso da Liga dos Justos Publica Princípios do comunismo Grundsätze des Kommunismus uma versão preliminar do Manifesto Comunista Manifest der Kommunistischen Partei Em Bruxelas com Marx participa da reunião da Associação Democrática voltando em seguida a Paris para mais uma série de encontros Depois de atividades em Londres volta a Bruxelas e escreve com Marx o Manifesto Comunista A Polônia torna se província russa Guerra civil na Suíça Realizase em Londres o II Congresso da Liga dos Comunistas novembro Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1848 Marx discursa sobre o livrecambismo numa das reuniões da Associação Democrática Com Engels publica em Londres fevereiro o Manifesto Comunista O governo revolucionário francês por meio de Ferdinand Flocon convida Marx a morar em Paris após o governo belga expulsálo de Bruxelas Redige com Engels Reivindicações do Partido Comunista da Alemanha Forderungen der Kommunistischen Partei in Deutschland e organiza o regresso dos membros alemães da Liga dos Comunistas à pátria Com sua família e com Engels mudase em fins de maio para Colônia onde ambos fundam o jornal Neue Rheinische Zeitung Nova Gazeta Renana cuja primeira edição é publicada em 1º de junho com o subtítulo Organ der Demokratie Marx começa a dirigir a Associação Operária de Colônia e acusa a burguesia alemã de traição Proclama o terrorismo revolucionário como único meio de amenizar as dores de parto da nova sociedade Conclama ao boicote fiscal e à resistência armada Expulso da França por suas atividades políticas chega a Bruxelas no fim de janeiro Juntamente com Marx toma parte na insurreição alemã de cuja derrota falaria quatro anos depois em Revolução e contrarrevolução na Alemanha Revolution und Konterevolution in Deutschland Engels exerce o cargo de editor do Neue Rheinische Zeitung recém criado por ele e Marx Participa em setembro do Comitê de Segurança Pública criado para rechaçar a contrarrevolução durante grande ato popular promovido pelo Neue Rheinische Zeitung O periódico sofre suspensões mas prossegue ativo Procurado pela polícia tenta se exilar na Bélgica onde é preso e depois expulso Mudase para a Suíça Definida na Inglaterra a jornada de dez horas para menores e mulheres na indústria têxtil Criada a Associação Operária em Berlim Fim da escravidão na Áustria Abolição da escravidão nas colônias francesas Barricadas em Paris eclode a revolução o rei Luís Filipe abdica e a República é proclamada A revolução se alastra pela Europa Em junho Blanqui lidera novas insurreições operárias em Paris brutalmente reprimidas pelo general Cavaignac Decretado estado de sítio em Colônia em Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos reação a protestos populares O movimento revolucionário reflui 1849 Marx e Engels são absolvidos em processo por participação nos distúrbios de Colônia ataques a autoridades publicados no Neue Rheinische Zeitung Ambos defendem a liberdade de imprensa na Alemanha Marx é convidado a deixar o país mas ainda publicaria Trabalho assalariado e capital Lohnarbeit und Kapital O periódico em difícil situação é extinto maio Marx em condição financeira precária vende os próprios móveis para pagar as dívidas tenta voltar a Paris mas impedido de ficar é obrigado a deixar a cidade em 24 horas Graças a uma campanha de arrecadação de fundos promovida por Ferdinand Lassalle na Alemanha Marx se estabelece com a família em Londres onde nasce Guido seu quarto filho novembro Em janeiro Engels retorna a Colônia Em maio toma parte militarmente na resistência à reação À frente de um batalhão de operários entra em Elberfeld motivo pelo qual sofre sanções legais por parte das autoridades prussianas enquanto Marx é convidado a deixar o país É publicado o último número do Neue Rheinische Zeitung Marx e Engels vão para o sudoeste da Alemanha onde Engels envolvese no levante de BadenPalatinado antes de seguir para Londres Proudhon publica Les confessions dun révolutionnaire As confissões de um revolucionário A Hungria proclama sua independência da Áustria Após período de refluxo reorganiza se no fim do ano em Londres o Comitê Central da Liga dos Comunistas com a participação de Marx e Engels Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1850 Ainda em dificuldades financeiras organiza a ajuda aos emigrados alemães A Liga dos Comunistas reorganiza as sessões locais e é fundada a Sociedade Universal dos Comunistas Revolucionários cuja liderança logo se fraciona Edita em Londres a Neue Rheinische Zeitung Nova Gazeta Renana revista de economia política bem como Lutas de classe na França Die Klassenkämpfe in Frankreich Morre o filho Guido Publica A guerra dos camponeses na Alemanha Der deutsche Bauernkrieg Em novembro retorna a Manchester onde viverá por vinte anos e às suas atividades na Ermen Engels o êxito nos negócios possibilita ajudas financeiras a Marx Abolição do sufrágio universal na França 1851 Continua em dificuldades mas graças ao êxito dos negócios de Engels em Manchester conta com ajuda financeira Dedicase intensamente aos estudos de economia na biblioteca do Museu Britânico Aceita o convite de trabalho do New York Daily Tribune mas é Engels quem envia os primeiros textos intitulados Contrarrevolução na Alemanha publicados sob a assinatura de Marx Hermann Becker publica em Colônia o primeiro e único tomo dos Ensaios escolhidos de Marx Nasce Francisca 28 de março a quinta de seus filhos Engels ao lado de Marx começa a colaborar com o Movimento Cartista Chartist Movement Estuda língua história e literatura eslava e russa Na França golpe de Estado de Luís Bonaparte Realização da primeira Exposição Universal em Londres Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1852 Envia ao periódico Die Revolution de Nova York uma série de artigos sobre O 18 de brumário de Luís Bonaparte Der achtzehnte Brumaire des Louis Bonaparte Sua proposta de dissolução da Liga dos Comunistas é acolhida A difícil situação financeira é amenizada com o trabalho para o New York Daily Tribune Morre a filha Francisca nascida um ano antes Publica Revolução e contrarrevolução na Alemanha Revolution und Konterevolution in Deutschland Com Marx elabora o panfleto O grande homem do exílio Die grossen Männer des Exils e uma obra hoje desaparecida chamada Os grandes homens oficiais da Emigração nela atacam os dirigentes burgueses da emigração em Londres e defendem os revolucionários de 18481849 Expõem em cartas e artigos conjuntos os planos do governo da polícia e do judiciário prussianos textos que teriam grande repercussão Luís Bonaparte é proclamado imperador da França com o título de Napoleão Bonaparte III 1853 Marx escreve tanto para o New York Daily Tribune quanto para o Peoples Paper inúmeros artigos sobre temas da época Sua precária saúde o impede de voltar aos estudos eco nômicos interrompidos no ano anterior o que faria somente em 1857 Retoma a correspondência com Lassalle Escreve artigos para o New York Daily Tribune Estuda persa e a história dos países orientais Publica com Marx artigos sobre a Guerra da Crimeia A Prússia proíbe o trabalho para menores de 12 anos 1854 Continua colaborando com o New York Daily Tribune dessa vez com artigos sobre a revolução espanhola 1855 Começa a escrever para o Neue Oder Zeitung de Breslau e segue como colaborador do New York Daily Tribune Em 16 de janeiro nasce Eleanor sua sexta filha e em 6 de abril morre Edgar o terceiro Escreve uma série de artigos para o periódico Putman Morte de Nicolau I na Rússia e ascensão do czar Alexandre II Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1856 Ganha a vida redigindo artigos para jornais Discursa sobre o progresso técnico e a revolução proletária em uma festa do Peoples Paper Estuda a história e a civilização dos povos eslavos A esposa Jenny recebe uma herança da mãe o que permite que a família se mude para um apartamento mais confortável Acompanhado da mulher Mary Burns Engels visita a terra natal dela a Irlanda Morrem Max Stirner e Heinrich Heine Guerra franco inglesa contra a China 1857 Retoma os estudos sobre economia política por considerar iminente uma nova crise econômica europeia Fica no Museu Britânico das nove da manhã às sete da noite e trabalha madrugada adentro Só descansa quando adoece e aos domingos nos passeios com a família em Hampstead O médico o proíbe de trabalhar à noite Começa a redigir os manuscritos que viriam a ser conhecidos como Grundrisse der Kritik der Politischen Ökonomie Esboços de uma crítica da economia política e que servirão de base à obra Para a crítica da economia política Zur Kritik der Politischen Ökonomie Escreve a célebre Introdução de 1857 Continua a colaborar no New York Daily Tribune Escreve artigos sobre JeanBaptiste Bernadotte Simón Bolívar Gebhard Blücher e outros na New American Encyclopaedia Nova Enciclopédia Americana Atravessa um novo período de dificuldades financeiras e tem um novo filho natimorto Adoece gravemente em maio Analisa a situação no Oriente Médio estuda a questão eslava e aprofunda suas reflexões sobre temas militares Sua contribuição para a New American Encyclopaedia Nova Enciclopédia Americana versando sobre as guerras faz de Engels um continuador de Von Clausewitz e um precursor de Lenin e Mao TséTung Continua trocando cartas com Marx discorrendo sobre a crise na Europa e nos Estados Unidos O divórcio sem necessidade de aprovação parlamentar se torna legal na Inglaterra Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1858 O New York Daily Tribune deixa de publicar alguns de seus artigos Marx dedicase à leitura de Ciência da lógica Wissenschaft der Logik de Hegel Agravamse os problemas de saúde e a penúria Engels dedicase ao estudo das ciências naturais Morre Robert Owen 1859 Publica em Berlim Para a crítica da economia política A obra só não fora publicada antes porque não havia dinheiro para postar o original Marx comentaria Seguramente é a primeira vez que alguém escreve sobre o dinheiro com tanta falta dele O livro muito esperado foi um fracasso Nem seus companheiros mais entusiastas como Liebknecht e Lassalle o compreenderam Escreve mais artigos no New York Daily Tribune Começa a colaborar com o periódico londrino Das Volk contra o grupo de Edgar Bauer Marx polemiza com Karl Vogt a quem acusa de ser subsidiado pelo bonapartismo Blind e Freiligrath Faz uma análise com Marx da teoria revolucionária e suas táticas publicada em coluna do Das Volk Escreve o artigo Po und Rhein Pó e Reno em que analisa o bonapartismo e as lutas liberais na Alemanha e na Itália Enquanto isso estuda gótico e inglês arcaico Em dezembro lê o recém publicado A origem das espécies The Origin of Species de Darwin A França declara guerra à Áustria 1860 Vogt começa uma série de calúnias contra Marx e as querelas chegam aos tribunais de Berlim e Londres Marx escreve Herr Vogt Senhor Vogt Engels vai a Barmen para o sepultamento de seu pai 20 de março Publica a brochura Savoia Nice e o Reno Savoyen Nizza und der Rhein polemizando com Lassalle Continua escrevendo para vários periódicos entre eles o Allgemeine Militar Zeitung Contribui com artigos sobre o conflito de secessão nos Estados Unidos no New York Daily Tribune e no jornal liberal Die Presse Giuseppe Garibaldi toma Palermo e Nápoles Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1861 Enfermo e depauperado Marx vai à Holanda onde o tio Lion Philiph concorda em adiantarlhe uma quantia por conta da herança de sua mãe Volta a Berlim e projeta com Lassalle um novo periódico Reencontra velhos amigos e visita a mãe em Trier Não consegue recuperar a nacionalidade prussiana Regressa a Londres e participa de uma ação em favor da libertação de Blanqui Retoma seus trabalhos científicos e a colaboração com o New York Daily Tribune e o Die Presse de Viena Guerra civil norteamericana Abolição da servidão na Rússia 1862 Trabalha o ano inteiro em sua obra científica e encontrase várias vezes com Lassalle para discutirem seus projetos Em suas cartas a Engels desenvolve uma crítica à teoria ricardiana sobre a renda da terra O New York Daily Tribune justificando se com a situação econômica interna norteamericana dispensa os serviços de Marx o que reduz ainda mais seus rendimentos Viaja à Holanda e a Trier e novas solicitações ao tio e à mãe são negadas De volta a Londres tenta um cargo de escrevente da ferrovia mas é reprovado por causa da caligrafia Nos Estados Unidos Lincoln decreta a abolição da escravatura O escritor Victor Hugo publica Les misérables Os miseráveis 1863 Marx continua seus estudos no Museu Britânico e se dedica também à matemática Começa a redação definitiva de O capital Das Kapital e participa de ações pela independência da Polônia Morre sua mãe novembro deixandolhe algum dinheiro como herança Morre em Manchester Mary Burns companheira de Engels 6 de janeiro Ele permaneceria morando com a cunhada Lizzie Esboça mas não conclui um texto sobre rebeliões camponesas Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1864 Malgrado a saúde continua a trabalhar em sua obra científica É convidado a substituir Lassalle morto em duelo na Associação Geral dos Operários Alemães O cargo entretanto é ocupado por Becker Apresenta o projeto e o estatuto de uma Associação Internacional dos Trabalhadores durante encontro internacional no Saint Martins Hall de Londres Marx elabora o Manifesto de Inauguração da Associação Internacional dos Trabalhadores Engels participa da fundação da Associação Internacional dos Trabalhadores depois conhecida como a Primeira Internacional Tornase coproprietário da Ermen Engels No segundo semestre contribui com Marx para o SozialDemokrat periódico da socialdemocracia alemã que populariza as ideias da Internacional na Alemanha Dühring traz a público seu Kapital und Arbeit Capital e trabalho Fundação na Inglaterra da Associação Internacional dos Trabalhadores É reconhecido o direito a férias na França Morre Wilhelm Wolff amigo íntimo de Marx a quem é dedicado O capital 1865 Conclui a primeira redação de O capital e participa do Conselho Central da Internacional setembro em Londres Marx escreve Salário preço e lucro Lohn Preis und Profit Publica no SozialDemokrat uma biografia de Proudhon morto recentemente Conhece o socialista francês Paul Lafargue seu futuro genro Recebe Marx em Manchester Ambos rompem com Schweitzer diretor do Sozial Demokrat por sua orientação lassalliana Suas conversas sobre o movimento da classe trabalhadora na Alemanha resultam em um artigo para a imprensa Engels publica A questão militar na Prússia e o Partido Operário Alemão Die preussische Militärfrage und die deutsche Arbeiterpartei Assassinato de Lincoln Proudhon publica De la capacité politique des classes ouvrières A capacidade política das classes operárias Morre Proudhon Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1866 Apesar dos intermináveis problemas financeiros e de saúde Marx conclui a redação do Livro I de O capital Prepara a pauta do primeiro Congresso da Internacional e as teses do Conselho Central Pronuncia discurso sobre a situação na Polônia Escreve a Marx sobre os trabalhadores emigrados da Alemanha e pede a intervenção do Conselho Geral da Internacional Na Bélgica é reconhecido o direito de associação e a férias Fome na Rússia 1867 O editor Otto Meissner publica em Hamburgo o primeiro volume de O capital Os problemas de Marx o impedem de prosseguir no projeto Redige instruções para Wilhelm Liebknecht recémingressado na Dieta prussiana como representante social democrata Engels estreita relações com os revolucionários alemães especialmente Liebknecht e Bebel Envia carta de congratulações a Marx pela publicação do Livro I de O capital Estuda as novas descobertas da química e escreve artigos e matérias sobre O capital com fins de divulgação 1868 Piora o estado de saúde de Marx e Engels continua ajudandoo financeiramente Marx elabora estudos sobre as formas primitivas de propriedade comunal em especial sobre o mir russo Correspondese com o russo Danielson e lê Dühring Bakunin se declara discípulo de Marx e funda a Aliança Internacional da SocialDemocracia Casamento da filha Laura com Lafargue Engels elabora uma sinopse do Livro I de O capital Em Bruxelas acontece o Congresso da Associação Internacional dos Trabalhadores setembro Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1869 Liebknecht e Bebel fundam o Partido Operário SocialDemocrata alemão de linha marxista Marx fugindo das polícias da Europa continental passa a viver em Londres com a família na mais absoluta miséria Continua os trabalhos para o segundo livro de O capital Vai a Paris sob nome falso onde permanece algum tempo na casa de Laura e Lafargue Mais tarde acompanhado da filha Jenny visita Kugelmann em Hannover Estuda russo e a história da Irlanda Correspondese com De Paepe sobre o proudhonismo e concede uma entrevista ao sindicalista Haman sobre a importância da organização dos trabalhadores Em Manchester dissolve a empresa Ermen Engels que havia assumido após a morte do pai Com um soldo anual de 350 libras auxilia Marx e sua família Mantém intensa correspondência com Marx Começa a contribuir com o Volksstaat o órgão de imprensa do Partido Social Democrata alemão Escreve uma pequena biografia de Marx publicada no Die Zukunft julho É lançada a primeira edição russa do Manifesto Comunista Em setembro acompanhado de Lizzie Marx e Eleanor visita a Irlanda Fundação do Partido Social Democrata alemão Congresso da Primeira Internacional na Basileia Suíça Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1870 Continua interessado na situação russa e em seu movimento revolucionário Em Genebra instalase uma seção russa da Internacional na qual se acentua a oposição entre Bakunin e Marx que redige e distribui uma circular confidencial sobre as atividades dos bakunistas e sua aliança Redige o primeiro comunicado da Internacional sobre a guerra francoprussiana e exerce a partir do Conselho Central uma grande atividade em favor da República francesa Por meio de Serrailler envia instruções para os membros da Internacional presos em Paris A filha Jenny colabora com Marx em artigos para A Marselhesa sobre a repressão dos irlandeses por policiais britânicos Engels escreve História da Irlanda Die Geschichte Irlands Começa a colaborar com o periódico inglês Pall Mall Gazette discorrendo sobre a guerra franco prussiana Deixa Manchester em setembro acompanhado de Lizzie e instalase em Londres para promover a causa comunista Lá continua escrevendo para o Pall Mall Gazette dessa vez sobre o desenvolvimento das oposições É eleito por unanimidade para o Conselho Geral da Primeira Internacional O contato com o mundo do trabalho permitiu a Engels analisar em profundidade as formas de desenvolvimento do modo de produção capitalista Suas conclusões seriam utilizadas por Marx em O capital Na França são presos membros da Internacional Comunista Em 22 de abril nasce Vladimir Lenin 1871 Atua na Internacional em prol da Comuna de Paris Instrui Frankel e Varlin e redige o folheto Der Bürgerkrieg in Frankreich A guerra civil na França É violentamente atacado pela imprensa conservadora Em setembro durante a Internacional em Londres é reeleito secretário da seção russa Revisa o Livro I de O capital para a segunda edição alemã Prossegue suas atividades no Conselho Geral e atua junto à Comuna de Paris que instaura um governo operário na capital francesa entre 26 de março e 28 de maio Participa com Marx da Conferência de Londres da Internacional A Comuna de Paris instaurada após a revolução vitoriosa do proletariado é brutalmente reprimida pelo governo francês Legalização das trade unions na Inglaterra Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1872 Acerta a primeira edição francesa de O capital e recebe exemplares da primeira edição russa lançada em 27 de março Participa dos preparativos do V Congresso da Internacional em Haia quando se decide a transferência do Conselho Geral da organização para Nova York Jenny a filha mais velha casase com o socialista Charles Longuet Redige com Marx uma circular confidencial sobre supostos conflitos internos da Internacional envolvendo bakunistas na Suíça intitulado As pretensas cisões na Internacional Die angeblichen Spaltungen in der Internationale Ambos intervêm contra o lassalianismo na socialdemocracia alemã e escrevem um prefácio para a nova edição alemã do Manifesto Comunista Engels participa do Congresso da Associação Internacional dos Trabalhadores Morrem Ludwig Feuerbach e Bruno Bauer Bakunin é expulso da Internacional no Congresso de Haia 1873 Impressa a segunda edição de O capital em Hamburgo Marx envia exemplares a Darwin e Spencer Por ordens de seu médico é proibido de realizar qualquer tipo de trabalho Com Marx escreve para periódicos italianos uma série de artigos sobre as teorias anarquistas e o movimento das classes trabalhadoras Morre Napoleão III As tropas alemãs se retiram da França 1874 É negada a Marx a cidadania inglesa por não ter sido fiel ao rei Com a filha Eleanor viaja a Karlsbad para tratar da saúde numa estação de águas Prepara a terceira edição de A guerra dos camponeses alemães Na França são nomeados inspetores de fábricas e é proibido o trabalho em minas para mulheres e menores 1875 Continua seus estudos sobre a Rússia Redige observações ao Programa de Gotha da socialdemocracia alemã Por iniciativa de Engels é publicada Crítica do Programa de Gotha Kritik des Gothaer Programms de Marx Morre Moses Hess Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1876 Continua o estudo sobre as formas primitivas de propriedade na Rússia Volta com Eleanor a Karlsbad para tratamento Elabora escritos contra Dühring discorrendo sobre a teoria marxista publicados inicialmente no Vorwärts e transformados em livro posteriormente É fundado o Partido Socialista do Povo na Rússia Crise na Primeira Internacional Morre Bakunin 1877 Marx participa de campanha na imprensa contra a política de Gladstone em relação à Rússia e trabalha no Livro II de O capital Acometido novamente de insônias e transtornos nervosos viaja com a esposa e a filha Eleanor para descansar em Neuenahr e na Floresta Negra Conta com a colaboração de Marx na redação final do Anti Dühring Herrn Eugen Dührings Umwälzung der Wissenschaft O amigo colabora com o capítulo 10 da parte 2 Da história crítica discorrendo sobre a economia política A Rússia declara guerra à Turquia 1878 Paralelamente ao Livro II de O capital Marx trabalha na investigação sobre a comuna rural russa complementada com estudos de geologia Dedicase também à Questão do Oriente e participa de campanha contra Bismarck e Lothar Bücher Publica o AntiDühring e atendendo ao pedido de Wolhelm Bracke feito um ano antes publica pequena biografia de Marx intitulada Karl Marx Morre Lizzie Otto von Bismarck proíbe o funcionamento do Partido Socialista na Prússia Primeira grande onda de greves operárias na Rússia 1879 Marx trabalha nos Livros II e III de O capital Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1880 Elabora um projeto de pesquisa a ser executado pelo Partido Operário francês Tornase amigo de Hyndman Ataca o oportunismo do periódico SozialDemokrat alemão dirigido por Liebknecht Escreve as Randglossen zu Adolph Wagners Lehrbuch der politischen Ökonomie Glosas marginais ao tratado de economia política de Adolph Wagner Bebel Bernstein e Singer visitam Marx em Londres Engels lança uma edição especial de três capítulos do AntiDühring sob o título Socialismo utópico e científico Die Entwicklung des Socialismus Von der Utopie zur Wissenschaft Marx escreve o prefácio do livro Engels estabelece relações com Kautsky e conhece Bernstein Morre Arnold Ruge 1881 Prossegue os contatos com os grupos revolucionários russos e mantém correspondência com Zasulitch Danielson e Nieuwenhuis Recebe a visita de Kautsky Jenny sua esposa adoece O casal vai a Argenteuil visitar a filha Jenny e Longuet Morre Jenny Marx Enquanto prossegue em suas atividades políticas estuda a história da Alemanha e prepara Labor Standard um diário dos sindicatos ingleses Escreve um obituário pela morte de Jenny Marx 8 de dezembro Fundação da Federation of Labor Unions nos Estados Unidos Assassinato do czar Alexandre II 1882 Continua as leituras sobre os problemas agrários da Rússia Acometido de pleurisia visita a filha Jenny em Argenteuil Por prescrição médica viaja pelo Mediterrâneo e pela Suíça Lê sobre física e matemática Redige com Marx um novo prefácio para a edição russa do Manifesto Comunista Os ingleses bombardeiam Alexandria e ocupam o Egito e o Sudão Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1883 A filha Jenny morre em Paris janeiro Deprimido e muito enfermo com problemas respiratórios Marx morre em Londres em 14 de março É sepultado no Cemitério de Highgate Começa a esboçar A dialética da natureza Dialektik der Natur publicada postumamente em 1927 Escreve outro obituário dessa vez para a filha de Marx Jenny No sepultamento de Marx profere o que ficaria conhecido como Discurso diante da sepultura de Marx Das Begräbnis von Karl Marx Após a morte do amigo publica uma edição inglesa do Livro I de O capital imediatamente depois prefacia a terceira edição alemã da obra e já começa a preparar o Livro II Implantação dos seguros sociais na Alemanha Fundação de um partido marxista na Rússia e da Sociedade Fabiana que mais tarde daria origem ao Partido Trabalhista na Inglaterra Crise econômica na França forte queda na Bolsa 1884 Publica A origem da família da propriedade privada e do Estado Der Ursprung der Familie des Privateigentum und des Staates Fundação da Sociedade Fabiana de Londres 1885 Editado por Engels é publicado o Livro II de O capital 1887 Karl Kautsky conclui o artigo O socialismo jurídico resposta de Engels a um livro do jurista Anton Menger e o publica sem assinatura na Neue Zeit 1889 Fundase em Paris a II Internacional Karl Marx Friedrich Engels Fatos históricos 1894 Também editado por Engels é publicado o Livro III de O capital O mundo acadêmico ignorou a obra por muito tempo embora os principais grupos políticos logo tenham começado a estudála Engels publica os textos Contribuição à história do cristianismo primitivo Zur Geschischte des Urchristentums e A questão camponesa na França e na Alemanha Die Bauernfrage in Frankreich und Deutschland O oficial francês de origem judaica Alfred Dreyfus acusado de traição é preso Protestos antissemitas multiplicamse nas principais cidades francesas 1895 Redige uma nova introdução para As lutas de classes na França Após longo tratamento médico Engels morre em Londres 5 de agosto Suas cinzas são lançadas ao mar em Eastbourne Dedicouse até o fim da vida a completar e traduzir a obra de Marx ofuscando a si próprio e a sua obra em favor do que ele considerava a causa mais importante Os sindicatos franceses fundam a Confederação Geral do Trabalho Os irmãos Lumière fazem a primeira projeção pública do cinematógrafo COLEÇÃO MARXENGELS O 18 de brumário de Luís Bonaparte Karl Marx AntiDühring a revolução da ciência segundo o senhor Eugen Dühring Friedrich Engels O capital crítica da economia política Livro I O processo de produção do capital Karl Marx O capital crítica da economia política Livro II O processo de circulação do capital Karl Marx Edição de Friedrich Engels O capital crítica da economia política Livro III O processo global da produção capitalista Karl Marx Edição de Friedrich Engels Crítica da filosofia do direito de Hegel Karl Marx Crítica do Programa de Gotha Karl Marx Os despossuídos debates sobre a lei referente ao fundo de madeira Karl Marx A diferença entre a filosofia da natureza de Demócrito e a de Epicuro Karl Marx Escritos ficcionais Escorpião e Félix Oulanem Karl Marx Grundrisse manuscritos econômicos de 18571858 Esboços da crítica da economia política Karl Marx A guerra civil na França Karl Marx A ideologia alemã Karl Marx e Friedrich Engels Lutas de classes na Alemanha Karl Marx e Friedrich Engels As lutas de classes na França de 1848 a 1850 Karl Marx Lutas de classes na Rússia Karl Marx e Friedrich Engels Manifesto Comunista Karl Marx e Friedrich Engels Manuscritos econômicofilosóficos Karl Marx Miséria da filosofia Karl Marx A sagrada família Karl Marx e Friedrich Engels A situação da classe trabalhadora na Inglaterra Friedrich Engels Sobre a questão da moradia Friedrich Engels Sobre a questão judaica Karl Marx Sobre o suicídio Karl Marx O socialismo jurídico Friedrich Engels e Karl Kautsky Tamara Soliz Homenagem feita em 2018 a Marielle Franco em Colônia na Alemanha cidade em que Engels e Marx se conheceram Engels viajava à Inglaterra e de passagem pela cidade alemã decidiu visitar os escritórios da Gazeta Renana na época editada por Marx Este livro foi publicado pela Boitempo em março de 2019 exatamente um ano após o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco e de seu motorista Anderson Pedro Gomes um crime político para o qual o Brasil ainda espera uma resposta Boitempo 2019 Traduzido do original em alemão Der Ursprung der Familie des Privateigentums und des Staats em Karl MarxFriedrich Engels Werke MEW 5 ed Berlim Dietz 1975 v 21 p 25173 Direção editorial Ivana Jinkings Edição Bibiana Leme Coordenação de produção Livia Campos Assistência editorial Andréa Bruno Tradução Nélio Schneider Preparação Mariana Echalar Revisão Thaís Nicoleti Diagramação Antonio Kehl ilustração da p 2 Friedrich Engels por Nikolai N Zhukov Capa Heleni Andrade sobre ilustração de Cássio Loredano Equipe de apoio Ana Carolina Meira Ana Yumi Kajiki André Albert Artur Renzo Carolina Mercês Clarissa Bongiovanni Eduardo Marques Elaine Ramos Frederico Indiani Isabella Marcatti Ivam Oliveira Kim Doria Luciana Capelli Marlene Baptista Maurício Barbosa Raí Alves Talita Lima Tulio Candiotto Versão eletrônica Produção Livia Campos Diagramação Schäffer Editorial CIPBRASIL CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS RJ E48o Engels Friedrich 18201895 A origem da família da propriedade privada e do estado recurso eletrônico em conexão com as pesquisas de Lewis H Morgan Friedrich Engels tradução Nélio Schneider 1 ed São Paulo Boitempo 2019 recurso digital MarxEngels Tradução de Der ursprung der familie des privateigentums und des staats im anschluß an Lewis H Morgans forschungen Formato epub Requisitos do sistema adobe digital edition Modo de acesso world wide web ISBN 9788575596937 recurso eletrônico 1 Morgan Lewis Henry 18181881 Ancient society 2 Sociedades primitivas 3 Família História 4 Propriedade História 5 Estado 6 Livros eletrônicos I Schneider Nélio II Título III Série 1956094 CDD 3211 CDU 32111 Vanessa Mafra Xavier Salgado Bibliotecária CRB76644 É vedada a reprodução de qualquer parte deste livro sem a expressa autorização da editora 1ª edição março de 2019 BOITEMPO EDITORIAL Jinkings Editores Associados Ltda Rua Pereira Leite 373 05442000 São Paulo SP Tel 11 38757250 38757285 editorboitempoeditorialcombr wwwboitempoeditorialcombr 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Fantasy 2000 e o Arthur C Clarke 2001 o leitor é levado para Nova Crobuzon no planeta BasLag uma cidade imaginária cuja semelhança com o real provoca uma assustadora intuição a de que a verdadeira distopia seja o mundo em que vivemos Com pitadas de David Cronenberg e Charles Dickens BasLag é um mundo habitado por diferentes espécies racionais dotadas de habilidades físicas e mágicas mas ao mesmo tempo preso a uma estrutura hierárquica bastante rígida e onde os donos do poder têm a última palavra Nesse ambiente Estação Perdido conta a saga de Isaac Dan der Grimnebulin excêntrico cientista que divide seu tempo entre uma pesquisa acadêmica pouco ortodoxa e a paixão interespécies por uma artista boêmia a impetuosa Lin com quem se relaciona em segredo Sua rotina será afetada pela inesperada visita de um garuda chamado Yagharek um ser meio humano e meio pássaro que lhe pede ajuda para voltar a voar após ter as asas cortadas em um julgamento que culminou em seu exílio Instigado pelo desafio Isaac se lança em experimentos energéticos que logo sairão do controle colocando em perigo a vida de todos na tumultuada e corrupta Nova Crobuzon Compre agora e leia Cabo de guerra Benedetti Ivone 9788575594919 306 páginas Compre agora e leia Finalista do Prêmio São Paulo de Literatura de 2010 Ivone Benedetti lança pela Boitempo seu segundo romance o arrebatador Cabo de guerra que invoca fantasmas do passado militar brasileiro pela perspectiva incômoda de um homem sem convicções transformado em agente infiltrado No final da década de 1960 um rapaz deixa o aconchego da casa materna na Bahia para tentar a sorte em São Paulo Em meio à efervescência política da época que não fazia parte de seus planos ele flerta com a militância de esquerda vai parar nos porões da ditadura e muda radicalmente de rumo selando não apenas seu destino mas o de muitos de seus excompanheiros Quarenta anos depois ainda é difícil o balanço como decidir entre dois lados dois polos duas pontas do cabo de guerra que lhe ofertaram E entre as visões fantasmagóricas que o assaltam desde criança e a realidade que ele acredita enxergar esse protagonista com vocação para coadjuvante se entrega durante três dias a um estranho acerto de contas com a própria existência Assistido por uma irmã devota e rodeado por uma série de personagens emersos de páginas infelizes ele chafurda numa ferida eternamente aberta na história do país Narradora talentosa Ivone Benedetti tem pleno domínio da construção do romance Num texto em que nenhum elemento aparece por acaso e no qual a cada leitura uma nova referência se revela o leitor se vê completamente envolvido pela história de um protagonista desprovido de paixões dono de uma biografia banal e indiferente à polarização política que tanto marcou a década de 1970 no Brasil Essa figura anônima será nessa ficção histórica peça fundamental no desfecho de um trágico enredo Neste Cabo de guerra são inúmeras e incômodas as pontes lançadas entre passado e presente entre realidade e invenção Para mencionar apenas uma a abordagem do ato de delação política não poderia ser mais instigante para a reflexão sobre o Brasil contemporâneo Compre agora e leia Tempos difíceis Dickens Charles 9788575594209 336 páginas Compre agora e leia Neste clássico da literatura Charles Dickens trata da sociedade inglesa durante a Revolução Industrial usando como pano de fundo a fictícia e cinzenta cidade de Coketown e a história de seus habitantes Em seu décimo romance o autor faz uma crítica profunda às condições de vida dos trabalhadores ingleses em fins do século XIX destacando a discrepância entre a pobreza extrema em que viviam e o conforto proporcionado aos mais ricos da Inglaterra vitoriana Simultaneamente lança seu olhar sagaz e bem humorado sobre como a dominação social é assegurada por meio da educação das crianças com uma compreensão aguda de como se moldam espíritos desacostumados à contestação e prontos a obedecer à inescapável massificação de seu corpo e seu espírito Acompanhando a trajetória de Thomas Gradgrind um homem de fatos e cálculos e sua família o livro satiriza os movimentos iluminista e positivista e triunfa ao descrever quase que de forma caricatural a sociedade industrial transformando a própria estrutura do romance numa argumentação antiliberal Por meio de diversas alegorias como a escola da cidade a fábrica e suas chaminés a trupe circense do Sr Sleary e a oposição entre a casa do burguês Josiah Bounderby e a de seu funcionário Stephen Blackpool o resultado é uma crítica à mentalidade capitalista e à exploração da força de trabalho imposições que Dickens alertava estarem destruindo a criatividade humana e a alegria Compre agora e leia O homem que amava os cachorros Padura Leonardo 9788575593622 592 páginas Compre agora e leia Esta premiadíssima e audaciosa obra do cubano Leonardo Padura traduzida para vários países como Espanha Cuba Argentina Portugal França Inglaterra e Alemanha é e não é uma ficção A história é narrada no ano de 2004 pelo personagem Iván um aspirante a escritor que atua como veterinário em Havana e a partir de um encontro enigmático com um homem que passeava com seus cães retoma os últimos anos da vida do revolucionário russo Leon Trotski seu assassinato e a história de seu algoz o catalão Ramón Mercader voluntário das Brigadas Internacionais da Guerra Civil Espanhola e encarregado de executálo Esse ser obscuro que Iván passa a denominar o homem que amava os cachorros confia a ele histórias sobre Mercader um amigo bastante próximo de quem conhece detalhes íntimos Diante das descobertas o narrador reconstrói a trajetória de Liev Davidovitch Bronstein mais conhecido como Trotski teórico russo e comandante do Exército Vermelho durante a Revolução de Outubro exilado por Joseph Stalin após este assumir o controle do Partido Comunista e da URSS e a de Ramón Mercader o homem que empunhou a picareta que o matou um personagem sem voz na história e que recebeu como militante comunista uma única tarefa eliminar Trotski São descritas sua adesão ao Partido Comunista espanhol o treinamento em Moscou a mudança de identidade e os artifícios para ser aceito na intimidade do líder soviético numa série de revelações que preenchem uma história pouco conhecida e coberta ao longo dos anos por inúmeras mistificações Compre agora e leia Pssica Proença Edyr Augusto 9788575594506 96 páginas Compre agora e leia Após grande sucesso na França onde teve três livros traduzidos o paraense Edyr Augusto lança um novo romance noir de tirar o fôlego Em Pssica que na gíria regional quer dizer azar maldição a narrativa se desdobra em torno do tráfico de mulheres Uma adolescente é raptada no centro de Belém do Pará e vendida como escrava branca para casas de show e prostituição em Caiena Um imigrante angolano vai parar em Curralinho no Marajó onde monta uma pequena mercearia que é atacada por ratos dágua ladrões que roubam mercadorias das embarcações os piratas da Amazônia e em seguida entra em uma busca frenética para vingar a esposa assassinada Entre os assaltantes está um garoto que logo assumirá a chefia do grupo Esses três personagens se encontram em Breves outra cidade do Marajó e depois voltam a estar próximos em Caiena capital da Guiana Francesa em uma vertiginosa jornada de sexo roubo garimpo drogas e assassinatos Compre agora e leia