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Psicologia Social

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Ana M L C de Feijoo 30 Revista da Abordagem Gestáltica XVII1 3036 janjun 2011 A r t i g o a clínica daseinsanalítica considerações Preliminares The Daseinsanalitical Clinic Preliminary Considerations La Clínica Daseinsanalítica Consideraciones Preliminares ana maria loPez CalVo de FeiJoo Resumo Neste artigo serão apresentados dois pilares da história da daseinsanálise para então discutirmos elementos inscritos em uma daseinsanálise atual O primeiro pilar consiste na proposta de Ludwig Binswanger que vai tomar como referência as noções de projeto e cuidado considerando a questão da existência humana como seraí em seu caráter de indeterminação fi nitude e poderser O segundo pilar são as tonalidades afetivas da angústia e do tédio este considerado por Boss como a tonali dade afetiva que abarca o homem em um mundo onde o que predomina é o horizonte da técnica Estas questões foram tratadas ontologicamente por Martin Heidegger e consideradas em uma aproximação com a psiquiatria primeiramente por Binswanger e tendo continuidade com Boss Por fim serão apresentados alguns elementos imprescindíveis a uma elaboração mais recente da daseinsanálise Palavraschave Daseinsanálise Projeto Cuidado Angústia Tédio Abstract This article presents two pillars essential for a daseinsanalyse perspective which current elements are focused on this study The first pillar the Binswangers daseinsanalyse takes its references from the notions of project and care Sorge considering the question of being as a Dasein in its character of indetermination finitude and could be The second pillar re fers to angst and tedium the latter considered by Boss as the affectivite tone wich embraces the man into a world where the thecnology horizon is a must All these issues were ontologically examined by Martin Heidegger and considered in a psychi atric perspective first by Binswanger and than by M Boss Finally some important elements for the recent daseinsanalyse elaboration will be submitted Keywords Daseinsanalyse Project Care Angst Tedium Resumen En este artículo se presentarán dos pilares en una perspectiva de daseinsanalítica La primera es la propuesta de la daseinsanálisis de Binswanger para referirse a los conceptos de proyecto y cuidado considerando la cuestión de la exis tencia humana como Dasein en su carácter de indeterminación finitud y poder ser Y el segundo pilar son el aburrimien to y el malestar afectivo de matices esto considerado por Medard Boss como el tono afectivo que afecta al ser humano en un mundo donde lo que predomina es el horizonte de la técnica Estas cuestiones han sido así tratadas ontológicamente por Martin Heidegger y considerado en primer lugar en psiquiatría y psicoterapia por Ludwing Binswanger y tuvo continuidad con Medard Boss Finalmente serán presentados algunos elementos imprescindibles para una elaboración más recientes en daseinsanálise Palabrasclave Daseinsanálisis Proyecto Cuidado Angustia Aburrimiento introdução A clínica psicológica de que trataremos aqui recebeu em 1941 a designação de Daseinsanálise em um congres so de psicoterapia realizado em Paris Foi Binswanger quem assim denominou esta modalidade clínica inspi rado nas noções de projeto e cuidado que se encontram discutidas em Ser e Tempo Heidegger 19271989 A de nominação de Daseinsanálise foi mantida por Medard Boss que no desenvolvimento de sua clínica enfatizou as noções de tonalidades afetivas principalmente o tédio Tanto Binswanger quanto Boss buscaram em Heidegger elementos para a elaboração de suas daseinsanálises O filósofo da daseinsanálise Heidegger sustenta em sua filosofia a possibilidade de elaboração de uma clínica Primeiramente é o próprio filósofo que se refere à ana lítica do Dasein como a análise ontológica das estrutu ras da existência humana e em um segundo momento em seus Seminários de Zollikon Heidegger 19872001 aponta para a possibilidade de uma clínica psicológica com bases na fenomenologia hermenêutica Os psiquiatras Ludwig Binswanger e Medard Boss inspirados no filósofo vão denominar de daseinsanálise o exercício desta analítica em uma perspectiva ôntica ou seja na relação com problemas existenciais O primei ro vai dialogar mais atentamente com a noção de tempo tal como desenvolvida por Heidegger Já o segundo toma para sua clínica a noção de espaço como atmosfera do horizonte histórico que dá o tom afetos da convivência com o qual nos afinamos A Clínica Daseinsanalítica Considerações Preliminares 31 Revista da Abordagem Gestáltica XVII1 3036 janjun 2011 A r t i g o 1 o Percurso de Binswanger na daseinsanálise Binswanger 19471971 escreve um capítulo que ver sa sobre psicoterapia iniciandoo com uma pergunta que ele mesmo dirigiu aos participantes de um congresso que acontecia na Suíça O que vocês esperam em primeiro lugar de uma conferência sobre psicoterapia Os jo vens estudantes responderam sem hesitação Que você nos explique como a psicoterapia pode agir p119 Em 2010 ao apresentar a clínica psicológica em uma pers pectiva daseinsanalítica em uma grande platéia composta por estudantes de psicologia professores universitários e psicólogos a mesma questão foi incessantemente en caminhada de modo que se tornava claro que os partici pantes tal qual a platéia de Binswanger queriam saber do como fazer para obter resultados e eficácia no proce dimento clínico É compreensível que no horizonte histórico onde pre domina a técnica os profissionais pensem a partir das orientações da técnica e perguntem qual é o remédio qual é a palavra como agir para encontrar este ou aquele resultado Binswanger 19471971 p 119 responde a sua platéia da seguinte forma mas somente pelo discurso humano pelas palavras e por todos os outros meios pe los quais o homem pode entrar em contato com o homem e agir sobre si mesmo Com isto Binswanger quis dizer que a clínica psicológica não deve ser regida por pressu postos teóricos com orientações de como fazer a partir do controle e precisão na aplicação do método Este trecho traz algumas questões que merecem um esclarecimento mais detalhado Cabe a pergunta Quem foi Binswanger uma vez que por diferentes motivos ele e suas obras fi caram quase que em anonimato Suas obras em alemão com raríssimas exceções foram traduzidas para outro idioma E ainda por ter se afastado da daseinsanálise esta modalidade clínica ficou muito mais vinculada a outro psiquiatra também suíço Medard Boss do que ao seu próprio criador Cabem ainda outras perguntas Qual foi o projeto de clínica psicológica elaborado por Binswanger e É possível uma atuação clínica que não tenha um método que conduza a resultados Sobre a pergunta de quem foi Binswanger cabe então aterse ao seu percurso na análise existencial Ludwig Binswanger estudou com Heidegger Aprofundandose no detalhamento de Ser e Tempo encontrou duas refe rências que vão fundamentar a sua clínica a noção de projeto e de cuidado Binswanger também estudioso das obras fenomenológicas de Husserl toma para a psiquia tria a ideia de ir às coisas mesmas e se interessa pela es trutura da intencionalidade Passa a orientar sua inves tigação psiquiátrica por via da compreensão e busca nas determinações existenciais no próprio ato de existir as condições de possibilidades do ser enfermo Passa en tão a descrever diversos casos clínicos principalmen te com diagnóstico de esquizofrenia como o conhecido caso Ellen West Com seus estudos em Heidegger e Husserl concluiu que a psiquiatria médica encontravase muito preocu pada com a estatística e suas referências de normati vidade E com estas referências a psicopatologia ela borava as categorias de diagnóstico com ênfase nos determinantes biológicos das enfermidades psíquicas Desta forma a ciência médica solidificava seus dogmas Binswanger inquietavase com a insuficiência destes es tudos Ele considerava que a psiquiatria esqueciase da existência propriamente dita uma vez que sua visada dirigiase aos critérios endógenos ao existir No dia 22 de setembro de 1950 esse psiquiatra apresentou no pri meiro congresso internacional de psiquiatria em Paris uma conferência intitulada A Daseinsanalyse que na tradução francesa recebeu a denominação de Analyse de la présence Em uma versão portuguesa temse ado tado a mesma terminologia alemã Daseinsanalyse ou então daseinsanálise Ao apresentar a Daseinsanalyse aos participantes do Congresso ocorrido em Paris o psiquiatra comunicou um novo método de investigação em psiquiatria e psicotera pia O termo foi adotado finalmente por Binswanger em 1941 para substituir a denominação Análise Existencial Esta última expressão foi utilizada na época pela maioria dos psicólogos e psiquiatras que se opunham ao deter minismo e ao instrumentalismo das teorias científico naturais A utilização do termo em tamanha amplitude acabou por demarcar muito mais um espaço de oposi ção às psicologias científicas ou psicodinâmicas do que propriamente por caracterizar uma identidade positiva Com Binswanger a daseinsanálise passa a designar uma abordagem em psicologia e psiquiatria que mantém um diálogo rigoroso com as descobertas alcançadas em Ser e tempo A partir desta aliança passamos então a com preender o homem não mais como resultado de um de terminismo nem mesmo como forças e complexos psí quicos que agem de modo oculto nas expressões aparen tes do homem Binswanger constrói o seu projeto de daseinsanálise com duas referências ampla e profundamente discutidas por Heidegger em Ser e tempo São elas a noção de pro jeto e de cuidado Com a noção de projeto Binswanger encontra a saída para a insuficiência do modelo natu ral estatístico normativo determinístico que transcen dem toda e qualquer existência A noção de projeto em Heidegger aponta para que as estruturas ontológicas dos modos de ser do homem sejam investigadas em sua tem poralidade já que a cotidianidade desentranhase como modo de temporalidade Diz Heidegger 19271989 p 14 o projeto de um sentido de ser em geral só pode se reali zar no horizonte do tempo Projeto diz respeito ao sentido temporal da projeção da existência A vida é um projeto já que se parte de um estar lançado projetando a exis tência para algumas possibilidades e excluindo outras porém sempre desvelando possibilidades Se a tempo ralidade constituise no sentido ontológico originário do Ana M L C de Feijoo 32 Revista da Abordagem Gestáltica XVII1 3036 janjun 2011 A r t i g o seraí então cuidado deve precisar de tempo e assim contar com o tempo A outra noção heideggeriana de extrema importância na construção clínica de Binswanger vai ser o cuidado ou cura Sorge Heidegger em Ser e Tempo traz a fábula de Higino sobre o cuidado para poder em uma comuni cação indireta deixar o impacto do sentido desta estru tura fundamental do Dasein Certa vez atravessando um rio Cura viu um peda ço de terra argilosa cogitando tomou um pedaço e começou a lhe dar forma Enquanto refletia sobre o que criara interveio Júpiter Cura pediulhe que desse espírito à forma da argila o que ele fez de bom grado Como Cura quis então dar seu nome ao que tinha dado forma Júpiter a proibiu e exigiu que fosse dado o seu nome Enquanto Cura e Júpiter disputavam o nome surgiu também a terra tellus querendo dar o seu nome uma vez que havia fornecido um pedaço de seu corpo Os disputantes tomaram Saturno como arbítrio Saturno pronunciou a seguinte decisão aparentemente equitativa Tu Júpiter por teres dado o espírito deves receber na morte o espírito e tu Terra por teres dado o corpo deves receber o corpo Como porém foi a Cura quem primeiro o formou ele deve pertencer à Cura enquanto viver Como no entanto sobre o nome há disputa ele deve se chamar homo pois foi feito de húmus terra 19271989 p 263264 O cuidado não se refere a um determinado modo de relação e sim à condição de ser aberto às possibilidades de relação nas suas diferentes modalidades Heidegger vai proceder à análise das estruturas do seraí tomando o cuidado sorge em um lugar central e determinado na estrutura ontológica constituindose em uma confirma ção préontológica da analítica existencial O homem em uma relação cooriginária com o mundo é cuidado com os entes disponíveis com os outros e consigo mesmo O ser do seraí como cuidado fala da unidade do todo existencial do seraí que se põe diante de si mesmo e se abre para si em seu estar lançado portanto não se fecha a sua constituição é abertura O ser do estaraí é o cuidado que traz um duplo sen tido O cuidado que entrega o estaraí às possibilidades mais próprias projeto ao mesmo tempo em que entrega o homem ao mundo estarlançado A noção de projeto abre o campo existencial que é o nosso às possibilida des Só nos é possível o que o campo existencial torna possível Binswanger considerou que à estrutura ontológica constitutiva do Dasein cuidado sorge deveria se acres centar a noção de amor não deixando dúvida quanto ao fato de ter entendido o cuidado como uma estrutura ôn tica Assim ele manteve em última instância a ideia de uma subjetividade fechada em si mesma dotada da possi bilidade de se relacionar eticamente com os outros a par tir da empatia Com isso Heidegger acusa Binswanger de manter uma ênfase em psicologia que se aproximava mais da posição da filosofia da subjetividade Boss Condrau 1976 O psiquiatra reconhecendo que mantinha o pres suposto da subjetividade passa então a nomear a sua abordagem de Fenomenologia Antropológica e a retomar uma proximidade maior com relação a Husserl Em conclusão Binswanger busca a ontologia de Heidegger por não estar de acordo com o determinismo e a causalidade bem como com as suposições de forças ocultas determinantes do comportamento Parte para uma análise do Dasein considerando as estruturas exis tenciais de espacialidade temporalidade corporalidade sercom humor e o serparaamorte Nestes aspectos se apropria das reflexões de Heidegger Por outro lado continuou ligado à psicanálise nas suas interpretações psicodinâmicas E ao tratar do amor como um originá rio mais fundante que o cuidado recai em uma pers pectiva ôntica como afirma Heidegger 19872001 em correspondência a Medard Boss datada de 30 de novem bro de 1965 A Daseinsanálise de Binswanger de acordo com seu caráter fundamental é uma interpretação ônti ca isto é uma interpretação existencial do respectivo Dasein factual 2 o Projeto de daseinsanálise de medard Boss A daseinsanálise voltou a ser discutida nos encon tros regulares de Medard Boss com Heidegger e outros médicos e psicoterapeutas publicados com o título de Seminários de Zollikon Heidegger 19872001 Nesses seminários que aconteceram de 1959 a 1969 abriram se outras possibilidades de discussão da possibilidade de uma clínica psicológica a partir da fenomenologia hermenêutica de Heidegger Medard Boss 1988 no prefácio de Angústia culpa e libertação reconhece que deve a Heidegger toda a sua formação filosófica Confessa que como médico jamais poderia reconstruir a sua prática terapêutica Neste li vro demonstra a sua fundamentação daseinsanalítica por meio de três trabalhos que foram elaborados durante dez anos e nesta publicação compilados angústia vital sentimento de culpa e libertação psicoterápica Destaca algumas questões que considera imprescindíveis para se pensar a clínica a partir dos pressupostos heidegge rianos a inseparabilidade do orgânico e do psíquico a angústia e a culpa como fatores de suma importância no âmbito dos psiquicamente doentes e por fim o caminho para a libertação Além destas Boss pensou muitas ou tras questões em psicologia tais como o serdoente os distúrbios psíquicos e a psicossomática Para o exercício clínico trouxe como contribuição a interpretação dos so nhos a partir de uma tematização de sentido que aquele que sonha atribui ao sonhado A Clínica Daseinsanalítica Considerações Preliminares 33 Revista da Abordagem Gestáltica XVII1 3036 janjun 2011 A r t i g o A daseinsanálise de Boss toma como questões funda mentais as tonalidades afetivas que foram mais detida mente desenvolvidas por Heidegger a partir de 1930 o de nominado Heidegger tardio Para Heidegger 1929 2006 as tonalidades afetivas são determinantes do modo como experimentamos o mundo e portanto para o modo que nos encontramos em um espaço compartilhado Enfim são afinações da convivência que não só acompanham nossos atos como também determinam à temporalidade que acompanha as nossas ações A angústia anúncio da negatividade da existência é uma tonalidade afetiva fundamental que ao descerrar mundo rompe com as sedimentações do mundo fático lança o horizonte de sentido mundo em uma insignifi cância radical Deste modo tudo cai em uma total indi ferença e em um radical esvaziamento E é nesta situação limite com o romper das prescrições do mundo que ocor re um despertar para o espaço de realização do seraí ou seja abrese o seu poderser A angústia ao apontar para a negatividade originária da existência coloca em jogo a compreensão da finitude que abre o caráter de nada da existência do ente ontologicamente incompleto e inde terminado desvelando o poder do mundo sobre nós A angústia mobiliza duas situações um despertar para um sentido e ao mesmo tempo a tentativa de não deixar que desperte A angústia conclama o seraí a apropriarse da sua existência mais própria Ela emerge como um mobi lizador existencial que imediatamente abre duas possi bilidades na tentativa de livrarse da angústia o seraí ou bem retoma a tutela do mundo e volta àquilo que lhe é familiar ou bem se concretiza no poder ser singulari zase o que consiste na perda nem que seja por um ins tante da tutela do mundo O tédio também tonalidade afetiva fundamental e portanto descerradora de mundo desperta em nós uma total suspensão do horizonte do existir esvaziamento ra dical do tempo que ao acontecer todas as possibilidades desaparecem Cai sobre a existência uma radical indife rença um verdadeiro tanto faz como tão bem descrita por Herman Merwille 2008 em Bartleby com a sua repetição incessante de prefiro não fazer Expressão que revela a total indiferença e desinteresse pelo mundo O tédio profundo tonalidade afetiva que nasce do fato de tornarmonos desinteressantes para nós mesmos não é algo externo mas ficamos entediados tudo nos diz mui to pouco ou nada A rotina a repetição traz a ausência de sentido e ao sentir que nada tem sentido o tédio aler ta para o insuportável do cotidiano do familiar do ser obrigado a viver Porém tudo é igual tudo é o mesmo igual a nada tratase da absoluta indiferença Tonalidade afetiva que denuncia a totalidade inabarcável que nos as salta e nos afunda E nesse horizonte dessa lenta demo ra nada tem sentido E é desse nada que é tudo que se desiste Para Heidegger o tédio profundo mobiliza duas situações um despertar para um sentido e ao mesmo tem po a tentativa de não deixar que desperte Na tonalidade afetiva fundamental do tédio transparece o mais próprio do seraí serparaamorte Na disposição do tédio acede sempre a transparência da situação do homem que em última estância é finita e transitória Uma questão proposta por Heidegger em Os concei tos fundamentais da metafísica 19292006 merece ser pensada no interior de uma perspectiva daseinsanalíti ca o que fazer frente à mobilização incitada pelo tédio como à angústia frente à antecipação do serparaamorte Heidegger aposta na não resistência através da distração ou do exacerbamento de ocupações mas pelo contrário deixálo ecoar Diz o filósofo Mas como devemos abrir espaço para este tédio inicialmente inessencial e inapreensível Somente através do fato de não estarmos contra ele mas de nos aproximarmos dele e de deixarmos que ele nos diga o que quer afinal o que passa com ele afinal Heidegger 19292006 p 99 Tratase justamente da postura que o analista em um diálogo clínico deve tomar frente à inquietação daquele que na angústia e no tédio o procura Medard Boss apresenta a Daseinsanálise como pro posta psicoterapêutica em que os fenômenos do existir possam mostrarse a partir de si mesmos afastandose de um psicologismo Considera em sua proposta a atmos fera do tédio em nosso horizonte histórico apontando que se na época de Freud as questões psíquicas se atre lavam à sexualidade em nossa época a neurose do tédio é a situação que abarca a nossa existência O tédio como expressão de um mundo onde os sentidos encontramse sedimentados nas determinações técnicas ocorre o total esvaziamento e desenraizamento do homem com o seu sentido mais originário a existência Boss ainda mantém em seus textos uma discussão sobre a diferença entre os pensamentos de Freud e de Heidegger e na sua prática psicoterapêutica mantém al guns ensinamentos psicanalíticos Admite o divã as asso ciações livres e também a transferência May 1974 Ao mesmo tempo em que faz uma crítica severa aos concei tos psicanalíticos redefineos em uma perspectiva exis tencial Assim o faz por exemplo com relação à trans ferência Em Freud o neurótico transfere a relação e os sentimentos que se dirigiam a seu pai ou sua mãe para seu marido ou sua mulher ou ainda para seu analista Aqui os sentimentos estão reprimidos inconscientemente Para Boss a pessoa se encontra limitada e restrita em suas possibilidades Portanto percebe o analista ou o cônjuge com a mesma limitação com que olhava seu pai ou sua mãe Não dispondo de novas possibilidades de relação mantém o mesmo padrão de sua infância O mesmo ocorre com o conceito de resistência que em Freud é definida como tudo o que nos atos e palavras do analisando se opõe ao acesso deste ao seu inconscien te Freud concebeu a repressão em função da moralidade Ana M L C de Feijoo 34 Revista da Abordagem Gestáltica XVII1 3036 janjun 2011 A r t i g o burguesa como a necessidade do cliente em manter uma imagem aceitável de si mesmo e por conseguinte repri mir os pensamentos desejos e outras formas de expressão inaceitáveis dentro de um código moral burguês Boss a partir da perspectiva psicanalítica diz que a resistência consiste na reação de ação ou repulsa do clien te frente às suas possibilidades Interessa investigar o que impede o cliente frente às suas possibilidades Para que ocorra a repressão primeiramente o indivíduo tem que aceitar ou rejeitar isto é dispor de liberdade para deci dir A repressão implica a perda da consciência da liber dade Sendo assim reprimir e não reprimir a liberdade são duas possibilidades A repressão é uma forma livre de utilizar as possibilidades É uma opção livre frente a alternativas Resistência constituise no excesso da ten dência do indivíduo a refugiarse no Mitwelt refugiar se na humanidade abstrata no anonimato renunciar às suas possibilidades peculiares únicas e originais cair no conformismo social Boss importase com a estrutura da existência huma na Freud importase com o inconsciente Ambos tentam tirar a psicologia do reino carismático e aleatório e aceitá la como campo de exploração e compreensão e assim constituíla em uma disciplina que até certo ponto pode ser ensinada Embora Heidegger tenha dado o seu aval à proposta da daseinsanálise de Boss esta ainda guarda no seu in terior alguns vestígios de uma psicodinâmica tal como pode ser observado ao se referir à angústia e à culpa como sendo os fundamentos básicos para livrar os pacientes com sintomas psiconeuróticos de seus aprisionamentos Boss 1988 p 42 Em outro trecho Boss afirma que a principal meta da psicoterapia é conduzir os pacientes para a capacidade de amar e confiar Boss 1988 p 43 Estes dentre outros trechos colocam em dúvida se a clí nica em Boss ainda tem ou não pretensões interventoras que pretendem levar o analisando para um objetivo com ênfase valorativa Seja pela divulgação restrita seja por ainda manter elementos da psicologia humanista e psicodinâmica a daseinsanálise não foi incluída no contexto da psicologia de forma ampla Mantendose apenas em grupos muito restritos não chegou a ser conhecida nem devidamente estudada no âmbito da psicologia Pouco ainda se tem feito em termos de divulgar ampliar e aprofundar os fundamentos de uma daseinsanálise clínica Há estu dos esparsos que apontam para algumas considerações da possibilidade de uma clínica psicológica daseinsana lítica mas que ainda carecem de um aprofundamento e detalhamento mais apurado Talvez estudos mais apro fundados e detalhados acerca da fenomenologiaherme nêutica oferecessem consistência e abrangência ao exer cício clínico podendo assim levar efetivamente o exer cício da clínica daseinsanalítica à formação acadêmica do psicólogo 3 estudos atuais em daseinsanálise Estudos atuais vêm se desenvolvendo em daseinsa nálise e aqui no Brasil pelo menos dois grupos vem estudando a esta perspectiva na clínica psicológica a Associação Brasileira de Daseinsanalyse em São Paulo e o Instituto de Psicologia FenomenológicoExistencial no Rio de Janeiro Esses estudos engendramse em uma saída epistêmica e ontológica indo até seus fundamen tos a fenomenologiahermenêutica de Heidegger Para prosseguirmos na discussão de uma clínica daseinsa nalítica é necessário que se esclareçam os elementos preliminares que muito contribuíram para a originali dade da obra heideggeriana e suas repercussões na clí nica Podemos encontrar na proposta fenomenológica inaugurada por Husserl e levada adiante por Heidegger o eu não mais dicotomizado do mundo mas pensado an tes como um fluxo de vivências intencionais fundadas na imanência de uma consciência já sempre projetada para além de si Husserl ou como um campo existen cial de sentido e significados compartilhados assenta do na temporalidade do seraí Heidegger Vejamos me lhor o que isso importa para a possibilidade mesma da daseinsanálise Sem dúvida a clínica daseinsanalítica tomará a analítica do Dasein tal como elaborada por Heidegger para então proceder a uma daseinsanálise que consista no exercício ôntico da analítica Ao se tomar o eu como abertura ausência dinâmica em jogo com o mundo e ao se assumir a fenomenologia hermenêutica como atitude interpretativa frente ao fenômeno passase a estabelecer uma outra articulação para a psicologia a partir da feno menologia e da hermenêutica Inaugurase então uma outra atuação clínica ou seja um novo comportamento clínico que inspirado em Heidegger recebe a denomi nação de daseinsanálise Para se proceder a uma clínica fenomenológica par tese do pressuposto de que toda e qualquer teoria acer ca da existência humana deve ser suspensa para que assim seja possível se aproximar do fenômeno no caso a questão trazida pelo paciente atendose a todo o deta lhamento de como se dá o acontecimento em questão Em uma postura hermenêutica consideramos os horizontes hermenêuticos que estarão sempre presentes na situação clínica e o que de fato se interpreta são os encontros de horizontes que consistem precisamente no que se fala e se escuta Este choque de horizontes é o horizonte mes mo de apreciação do que acontece no encontro clínico ou seja da aparição da questão fenômeno A tarefa de uma clínica daseinsanalítica consiste pri meiramente no fato de que o analisando deve ser o mais preciso possível em suas descrições e o analista deve in cessantemente atentar para as interpretações do paciente tentando assim alcançar uma compreensão daquilo que está em jogo na descrição do analisando Em continuida de a esta tarefa precisamos também quebrar ou destruir A Clínica Daseinsanalítica Considerações Preliminares 35 Revista da Abordagem Gestáltica XVII1 3036 janjun 2011 A r t i g o os comportamentos ontológicos presentes nas descrições do analisando Esta clínica consiste em abrir um espaço para que o outro se conquiste em sua alteridade Abrir espaço sem conduzir traduzir sem mapear um caminho que leve a algo como uma conscientização Em uma visada hermenêuticofenomenológica o problema consiste no aprisionamento em nossas histó rias nos modos como vamos sufocando não o proble ma que temos mas o problema que nós somos A tare fa de uma clínica fenomenológica consiste em quebrar o aglomerado de vivências que se dão na mistura de campos intencionais e que provocam a quebra do fluxo do tempo do eu E assim possibilitar que o instante e lugar do acontecimento se deem Abrimos espaço para que o analisando possa aperceberse das suas vivên cias próprias e a colocarse diante do campo intencio nal em que o fenômeno se constituiu Enfim em uma narrativa fenomenológica importa o modo como uma hermenêuticafenomenológica vai se dando em um ho rizonte fundido abrindo espaço para que o analisando apareça para si mesmo O analista em uma atitude fenomenológica antinatu ral não diagnostica nem interfere mas posiciona de modo que aquele que está dizendo alguma coisa ganhe voz em si mesmo No interior da interpretação clínica o analista coloca em suspensão seus pressupostos e assim deixa que as interpretações de sentido surjam por aquele que se reconhece estranho a si mesmo apenas articulando quais são os pressupostos que irá combater bem como o modo cuidadoso com que vai fazer o combate O analista atendose a todo o detalhamento de como se dá o acontecimento em questão dará prosseguimento ao desvelamento da estrutura de sentido em jogo nesta situação E assim solicita e incita a descrição do que vem acontecen do com o analisando Age desta forma para que a questão apareça no final das contas para o próprio que a coloca Tratase de fazer emergir o horizonte mais originário da transformação Para Heidegger é por meio das tonalidades afetivas fundamentais que aparece a crise do projeto impessoal da qual nasce a singularização Um analista no entanto não deve desprezar os hori zontes hermenêuticos que estarão sempre presentes na situação clínica E o que de fato se interpreta são os encon tros de horizontes que consistem precisamente no que se fala e se escuta a partir de uma relação intencional Este choque de horizontes é o horizonte mesmo de aparição do que acontece no encontro clínico ou seja da aparição da coisa Quando o fundir dos horizontes se dá de ma neira integral essa fusão abre o espaço para que o outro apareça para ele mesmo O que o analisando diz vai ser escutado a partir do horizonte compreensivo do analista porém o analisando é a orientação a medida Esta clínica se estabelece muito mais em uma negati vidade do que propriamente a partir de uma identidade positiva O seraí que marcado pela nadidade e pela fra gilidade ontológica busca a estabilidade do mundo que se constitui em um apoio suporte e tutela Mas é exata mente esta busca que o coloca na cadência do mundo es quecendose do seu próprio ritmo acaba obscurecendo o seu caráter de poder ser São as situações limites que ao entrarem na articulação do seraí e mundo rompem com os sentidos sedimentados e o vazio aparece e no nada pa dece A angústia emerge como um mobilizador existencial que imediatamente abre duas possibilidades na tentativa de livrarse da angústia o seraí ou bem retoma a tutela do mundo e volta àquilo que lhe é familiar ou bem concreti zase no poder ser singularizase o que consiste na perda nem que seja por um instante da tutela do mundo Acreditamos que a discussão aqui apresentada preste os esclarecimentos oportunos acerca da real possibilida de de se articular uma clínica psicológica a partir da fe nomenologia hermenêutica de Heidegger Ela esclarece também que a substancialização do psiquismo não con siste de modo nenhum em uma condição necessária para que a clínica psicológica aconteça já que não importa a interioridade mas sim a articulação seraímundo E é esse corresponder que se encontra perturbado quando a desarticulação acontece Vale ressaltar que toda transformação que se dá seja o processo clínico bem como o da existência em geral não acontece pela vontade do analista ou do próprio anali sando Há algo que desencadeia a atmosfera há algo que realmente mobiliza a transformação que se encontra em um horizonte mais originário que para Heidegger con siste nas tonalidades afetivas fundamentais dentre ou tras a angústia e o tédio Com toda a discussão aqui apresentada pudemos constatar que a clínica psicológica pode acontecer pres cindindo de teorias e pressupostos E também que é pos sível uma atuação clínica por meio de uma atitude feno menológica postura antinatural que acontece apenas na manutenção de espaços de abertura para que novas possibilidades apareçam referências Binswanger L 1971 Introduction à lanalyse existentel le Paris Les Editions de Minuit Original publicado em 1947 Boss M 1988 Angústia culpa e libertação São Paulo Livraria Duas Cidades Boss M Condrau J 1976 Análise existencial dasein sanalyse como a daseinsanalyse entrou na psiquiatria Revista Daseinsanalyse 2 523 Heidegger M 1989 Ser y tiempo Madrid Editorial Gredos Original publicado em 1927 Ana M L C de Feijoo 36 Revista da Abordagem Gestáltica XVII1 3036 janjun 2011 A r t i g o Heidegger M 2006 Os conceitos fundamentais da metafí sica mundo finitude e solidão Rio de Janeiro Forense Universitária Original publicado em 1929 Heidegger M 2001 Seminários de Zollikon Petrópolis RJ Vozes Original publicado em 1987 May R 1974 Psicologia existencial Porto Alegre Globo Merwille H 2008 Bartleby o escriturário Porto Alegre LM Ana Maria lopez Calvo de Feijo Doutora em Psicologia Professor Adjunto da Graduação e do Programa de PósGraduação em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Endereço Institucional Universidade do Estado do Rio de Janeiro Departamento de Psicologia Clínica Instituto de Psicologia Rua São Francisco Xavier nº 524 Maracanã CEP 20550013 Rio de JaneiroRJ Email anamariafeijoogmailcombr Recebido em 310111 Aceito em 150511