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1 CURSO DE DIREITO BIANCA BRANDALISE ZANETTI A VIABILIDADE DA USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO A EFETIVIDADE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE AQUISIÇÃO DE PROPRIEDADE RondonópolisMT 2025 2 CURSO DE DIREITO BIANCA BRANDALISE ZANETTI A VIABILIDADE DA USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO A EFETIVIDADE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE AQUISIÇÃO DE PROPRIEDADE Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Banca Avaliadora do Departamento de Direito da Faculdade Fasipe Rondonópolis como requisito para a obtenção do título de Bacharel em Direito Orientadora Claire Ines Gai Martielo RondonópolisMT 2025 3 BIANCA BRANDALISE ZANETTI A VIABILIDADE DA USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO A EFETIVIDADE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE AQUISIÇÃO DE PROPRIEDADE Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Banca Avaliadora do Curso de Direito da Faculdade Fasipe Rondonópolis como requisito para a obtenção do título de Bacharel em Direito Aprovado em Professora Orientadora Departamento de Direito FASIPE Professora Avaliadora Departamento de Direito FASIPE Professora Avaliadora Departamento de Direito FASIPE RondonópolisMT 2025 Dedico este trabalho 4 AGRADECIMENTOS 5 EPÍGRAFE É justo que muito custe o que muito vale Santa Teresa DÁvila ZANETTI Bianca Brandalise A viabilidade da usucapião extrajudicial no ordenamento jurídico brasileiro A efetividade do procedimento administrativo de aquisição de propriedade 2025 páginas Trabalho de Conclusão de Curso Graduação em Direito Faculdade Fasipe Rondonópolis Rondonópolis Mato Grosso 2025 6 RESUMO O presente Trabalho de Conclusão de Curso tem como tema A viabilidade da usucapião extrajudicial no ordenamento jurídico brasileiro a efetividade do procedimento administrativo de aquisição de propriedade em que analisa o art 216A da Lei nº 60151973 introduzido pelo CPC2015 e regulamentado pelo Provimento nº 652017 do CNJ abordando aspectos procedimentais probatórios e técnicos enfatizando o papel dos notários e registradores na qualificação documental notificações e mediação prévia além dos desafios como padronização capacitação e integração tecnológica A pergunta norteadora é Com o impacto da Lei nº 131052015 e do Provimento nº 652017 do CNJ qual o papel dos notários e registradores no sucesso do procedimento extrajudicial e como eles podem otimizar esse processo evitando sobrecarregar o Judiciário Para responder a essa questão será empreendida uma pesquisa bibliográfica e documental com análise de doutrina especializada artigos científicos legislações correlatas provimentos normativos das corregedorias Serão observados ainda aspectos procedimentais aplicáveis pelos cartórios de notas e de registro de imóveis conforme diretrizes legais e administrativas A expectativa é que o estudo contribua para a compreensão aprofundada do papel da usucapião extrajudicial no cenário jurídico atual demonstrando sua importância como mecanismo moderno de efetivação de direitos redução de litígios e fortalecimento da função social da propriedade além de evidenciar a necessidade de constante capacitação dos operadores do direito e padronização dos procedimentos cartorários para garantir segurança jurídica e eficiência na aplicação dessa modalidade de aquisição originária de propriedade imóvel Palavraschave Usucapião Posse Propriedade Aquisição Desjudicializaçao ZANETTI Bianca Brandalise A viabilidade da usucapião extrajudicial no ordenamento jurídico brasileiro A efetividade do procedimento administrativo de aquisição de propriedade 2025 páginas Trabalho de Conclusão de Curso Graduação em Direito Faculdade Fasipe Rondonópolis Rondonópolis Mato Grosso 2025 7 ABSTRACT This Final Course Project is themed The viability of extrajudicial adverse possession in the Brazilian legal system the effectiveness of the administrative procedure for acquiring property in which it analyzes article 216A of Law No 60151973 introduced by the CPC2015 and regulated by CNJ Provision No 652017 addressing procedural evidentiary and technical aspects emphasizing the role of notaries and registrars in document qualification notifications and prior mediation in addition to challenges such as standardization training and technological integration The guiding question is With the impact of Law No 131052015 and CNJ Provision No 652017 what is the role of notaries and registrars in the success of extrajudicial proceedings and how can they optimize this process while avoiding overburdening the Judiciary To answer this question a bibliographic and documentary research will be undertaken with analysis of specialized doctrine scientific articles related legislation and normative provisions of the corregedorias judicial oversight bodies The study will also examine procedural aspects applicable to notary offices and land registry offices in accordance with legal and administrative guidelines It is expected that this study will contribute to a deeper understanding of the role of extrajudicial adverse possession in the current legal landscape demonstrating its importance as a modern mechanism for enforcing rights reducing litigation and strengthening the social function of property Furthermore it will highlight the need for continuous training of legal professionals and standardization of notary procedures to ensure legal certainty and efficiency in the application of this method of original acquisition of real estate property Keywords Adverse possession Possession Property Acquisition Dejudicialization 8 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS Art Artigo CC Código Civil CF Constituição Federal CNJ Conselho Nacional de Justiça CPC Código de Processo Civil 9SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 11 2 DIREITO DAS COISAS DA POSSE E PROPRIEDADE 12 21DA POSSE14 22DA PROPRIEDADE14 23A FUNÇAO SOCIAL DA PROPRIEDADE15 3 DA USUCAPIÃO17 31DAS ESPÉCIES18 311 EXTRAODINÁRIA18 312 ORDINÁRIA19 313 ESPECIAL URBANA 20 314 ESPECIAL RURAL20 315 FAMILIAR21 316 COLETIVA21 32EFEITOS DA USUCAPIÃO22 4 USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL23 41REQUISITOS E OS PROCEDIMENTOS DA USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL25 5 DESJUDICIALIZAÇÃO26 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 28 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS30 14 1 INTRODUÇÃO O direito de propriedade consagrado como direito fundamental pela Constituição Federal de 1988 em seu art 5º inciso XXII constitui um dos pilares do ordenamento jurídico brasileiro Contudo este mesmo diploma constitucional condiciona seu exercício ao atendimento de sua função social revelando a superação da concepção absolutista e individualista do domínio em favor de uma perspectiva comprometida com o interesse coletivo e com a promoção da justiça social Nesse contexto o instituto da usucapião assume papel central na efetivação desse princípio ao transformar situações possessórias consolidadas em titularidades jurídicas legítimas promovendo a segurança das relações patrimoniais e a pacificação de conflitos fundiários Tradicionalmente a usucapião é reconhecida como modo originário de aquisição da propriedade previsto nos artigos 1238 a 1244 do Código Civil de 2002 fundado na posse prolongada mansa pacífica e contínua exercida com animus domini Sua natureza originária rompe o vínculo jurídico com o antigo titular consolidando uma nova relação de domínio pautada na função social do uso e na valorização do trabalho Tratase portanto de um instrumento que não apenas regulariza situações fáticas mas concretiza valores constitucionais como a dignidade da pessoa humana o direito à moradia e a justiça social A usucapião extrajudicial introduzida no ordenamento jurídico brasileiro pelo art 1071 do Código de Processo Civil de 2015 que inseriu o artigo 216A na Lei de Registros Públicos representa um marco no processo de desjudicialização das relações civis A partir desse dispositivo tornouse possível reconhecer a aquisição da propriedade por meio de procedimento administrativo realizado diretamente perante o Registro de Imóveis competente desde que observados os requisitos legais e não haja litígio entre as partes Tal inovação foi posteriormente regulamentada pelo Provimento nº 652017 do Conselho Nacional de Justiça CNJ que estabeleceu diretrizes uniformes para a atuação de notários e registradores reforçando a segurança e a celeridade do procedimento O movimento de desjudicialização ao transferir determinadas atividades antes reservadas ao Poder Judiciário para órgãos administrativos dotados de fé pública como os cartórios de registro de imóveis visa reduzir a sobrecarga do sistema judicial e assegurar maior efetividade na tutela dos direitos No caso da usucapião essa transformação busca conferir agilidade à regularização fundiária e ampliar o acesso à propriedade formal especialmente em um país marcado pela concentração fundiária e pela informalidade das ocupações urbanas e rurais Entretanto apesar dos avanços normativos e dos inegáveis benefícios da via extrajudicial como a celeridade a economia processual e a proximidade entre o cidadão e 15 a concretização de seus direitos persistem desafios que comprometem sua plena efetividade Entre eles destacamse a resistência de alguns registradores em face da responsabilidade civil decorrente da qualificação da posse as divergências interpretativas entre corregedorias estaduais os custos técnicos associados à elaboração de plantas e memoriais descritivos e a recorrente remessa dos procedimentos ao Poder Judiciário diante de impugnações formais Assim o presente trabalho tem por objetivo analisar a viabilidade e a efetividade da usucapião extrajudicial no ordenamento jurídico brasileiro examinando sua base constitucional seus requisitos materiais e formais a função social que desempenha no contexto da desjudicialização e os entraves práticos à sua consolidação Buscase demonstrar que embora a usucapião extrajudicial se apresente como importante instrumento de democratização do acesso à propriedade e de racionalização da atividade jurisdicional sua concretização plena depende da uniformização procedimental do fortalecimento das serventias extrajudiciais e da ampliação do acesso dos cidadãos a meios eficazes de regularização dominial 2 DIREITO DAS COISAS DA POSSE E PROPRIEDADE O estudo da usucapião inserida no âmbito do Direito das Coisas que versa entre outros temas da posse e da propriedade exige inicialmente uma breve conceituação desses institutos considerando que são interdependentes e dialogam entre si Segundo Clóvis Bevilácqua citado por Gonçalves 2020 p 20 o Direito das Coisas é o conjunto de normas que regula as relações jurídicas referentes às coisas suscetíveis de apropriação pelo ser humano geralmente pertencentes ao mundo físico pois sobre elas é possível exercer o poder de domínio Com a Constituição Federal de 1988 o direito de propriedade foi elevado à condição de direito fundamental nos termos do art 5º inciso XXII que assegura o direito de propriedade mas imediatamente condicionado pelo inciso XXIII que estabelece que a propriedade atenderá a sua função social Essa combinação demonstra que a propriedade não é um fim em si mesma mas um instrumento de promoção do bem comum e de concretização da dignidade da pessoa humana A função social da propriedade pode ser compreendida como o conjunto de deveres e limitações que o ordenamento impõe ao proprietário de modo que o exercício do direito de domínio atenda às finalidades econômicas sociais e ambientais previstas em lei Essa concepção rompe com a ideia de propriedade como poder ilimitado e reconhece que o interesse coletivo deve prevalecer sobre o interesse puramente individual quando em 16 conflito O Código Civil de 2002 incorporou expressamente esse princípio ao dispor em seu art 1228 1º que o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados de conformidade com o estabelecido em lei especial a flora a fauna as belezas naturais o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico bem como evitada a poluição do ar e das águas Assim o exercício do domínio encontrase condicionado ao respeito às normas de proteção ambiental e ao interesse coletivo No âmbito rural a Constituição Federal em seu art 186 define de forma objetiva os requisitos para que a propriedade rural cumpra sua função social sendo o aproveitamento racional e adequado a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente a observância das disposições que regulam as relações de trabalho e exploração que favoreça o bemestar dos proprietários e dos trabalhadores Já no contexto urbano o art 182 2º da Constituição determina que a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor Assim tanto nas áreas rurais quanto nas urbanas a propriedade deve servir à coletividade e contribuir para o desenvolvimento sustentável e equilibrado A usucapião é uma das formas mais emblemáticas de concretização da função social da propriedade Prevista nos arts 1238 a 1244 do Código Civil a usucapião consiste em modo originário de aquisição da propriedade pela posse prolongada mansa pacífica e ininterrupta exercida com animus domini intenção de dono desde que observados os prazos e condições legais A usucapião portanto valoriza o trabalho e o uso produtivo da terra punindo o proprietário que não dá destinação social ao bem Como ensina Maria Helena Diniz 2021 a usucapião constitui sanção ao proprietário negligente e prêmio ao possuidor que dá à coisa uma destinação conforme sua função econômica e social Essa perspectiva reforça o caráter ético do instituto que busca harmonizar o direito individual com o interesse coletivo Ao reconhecer a posse prolongada como título legítimo de aquisição o Estado premia o uso produtivo e socialmente adequado do bem ao mesmo tempo em que desestimula o abandono e a ociosidade da propriedade Assim a usucapião cumpre papel fundamental na regularização fundiária na pacificação de conflitos possessórios e na redução das desigualdades sociais sobretudo em áreas urbanas e rurais marcadas pela concentração fundiária Desse modo a usucapião é expressão prática da função social da propriedade que 17 constituem mecanismos de concretização dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana da justiça social e do direito à moradia que orientam todo o sistema jurídico brasileiro 21 DA POSSE No âmbito do Direito Civil brasileiro a posse constitui um dos institutos fundamentais do Direito das Coisas servindo como pressuposto para a aquisição da propriedade por meio de modos originários como a usucapião e como base para a proteção possessória contra turbações ou esbulhos O Código Civil de 2002 artigos 1196 a 1222 disciplina a posse de forma sistemática adotando uma abordagem objetiva que prioriza o exercício fático de poderes sobre o bem independentemente da intenção subjetiva de se tornar proprietário A posse não se confunde com a propriedade sendo a última um direito real absoluto e perpétuo art 1225 CC enquanto a primeira é uma situação fática transitória que pode evoluir para a propriedade mediante requisitos específicos Como destacado por Silvio de Salvo Venosa em sua obra Direito Civil Direitos Reais Atlas 2020 a posse é um fato jurídico que gera efeitos jurídicos alinhandose à função social da propriedade preconizada no art 5º XXIII da Constituição Federal de 1988 O possuidor é definido como todo aquele que tem de fato o exercício pleno ou não de algum dos poderes inerentes à propriedade consoante art 1196 do Código Civil Essa definição reflete a adoção da teoria objetiva de Rudolf von Ihering que enfatiza o corpus possessionis exercício fático em detrimento do animus domini intenção de dono contrastando com a teoria subjetiva de Friedrich Carl von Savigny prevalente no Código Civil de 1916 A transição para a teoria iheringiana no CC2002 foi influenciada pela necessidade de maior proteção ao detentor fático especialmente em contextos de regularização fundiária e função social A posse como instituto dinâmico do Direito Civil equilibra a proteção fática com a segurança jurídica da propriedade Sua regulação no CC2002 inspirada na teoria objetiva facilita a resolução de litígios e a aquisição originária de bens contribuindo para a efetivação da função social Em suma a posse não é mero fato mas pilar do ordenamento demandando aplicação criteriosa para justiça equânime 22 DA PROPRIEDADE A propriedade é considerada o mais completo dos direitos subjetivos sendo o direito 18 central entre os direitos reais e o núcleo essencial do Direito das Coisas Conforme ensina Washington de Barros Monteiro MONTEIRO Curso de Direito Civil v 3 p 83 apud GONÇALVES 2020 p 210 o direito de propriedade é o mais importante e sólido de todos os direitos subjetivos o direito real por excelência e o eixo em torno do qual gravita o Direito das Coisas No âmbito do Direito Civil brasileiro os poderes conferidos ao proprietário estão previstos no artigo 1228 do Código Civil que estabelece ser facultado ao titular usar gozar e dispor da coisa e o direito de reavêla do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha Assim o proprietário detém um conjunto de prerrogativas jurídicas que lhe permitem exercer domínio pleno sobre o bem dentro dos limites fixados pela lei Segundo Melo 2019 p 91 a propriedade é um direito subjetivo absoluto elástico perpétuo complexo e limitado por meio do qual uma pessoa submete determinado bem ao seu poder e interesse É considerada um direito subjetivo porque deriva de um fato jurídico que impõe a todos a obrigação de não interferir no exercício do direito do proprietário É absoluta pois pode ser oposta contra todos garantindo eficácia erga omnes É elástica uma vez que permite ao titular ampliar ou restringir o exercício de seus poderes sobre o bem conforme sua vontade É perpétua porque não se extingue pelo simples desuso É complexa ao reunir diversas faculdades que compõem o domínio e é limitada pois o exercício dessas faculdades usar gozar dispor e reaver deve respeitar as restrições legais e observar a função social e os princípios que regem o ordenamento jurídico 23 DA FUNÇAO SOCIAL DA PROPRIEDADE Para compreender o instituto da usucapião é indispensável abordar o princípio constitucional da função social da propriedade pois é esse princípio que assegura que o imóvel cumpra adequadamente sua finalidade social e econômica No ordenamento jurídico brasileiro como supramencionado a função social da propriedade é uma garantia constitucional prevista no artigo 5º inciso XXIII da Constituição Federal que estabelece que a propriedade deve atender à sua função social Além disso esse princípio orienta toda a atividade econômica conforme dispõe o artigo 170 inciso III da mesma Carta impondo limites à liberdade de exploração econômica para assegurar o interesse coletivo O Código Civil em seu artigo 1228 1º reforça essa diretriz ao determinar que o direito de propriedade deve ser exercido de acordo com suas finalidades econômicas e sociais respeitando a flora a fauna as belezas naturais o equilíbrio ecológico o patrimônio histórico e artístico bem como evitando a poluição do ar e das águas 19 De acordo com Melo 2019 a função social da propriedade tornouse uma exigência indispensável à convivência em sociedade pois embora seja fundamental garantir os direitos individuais do proprietário também é essencial que ele observe as potencialidades econômicas e sociais do bem de forma que essas sejam revertidas em benefício coletivo A função social da usucapião é dupla jurídica e social Do ponto de vista jurídico ela consolida uma situação de fato qual seja a posse legítima e prolongada em uma situação de direito conferindo segurança jurídica e estabilidade às relações patrimoniais Do ponto de vista social a usucapião atua como instrumento de justiça distributiva pois transforma a posse útil e produtiva em propriedade regularizando ocupações e garantindo o direito à moradia e ao trabalho em consonância com os valores constitucionais A função social da propriedade e a usucapião são institutos que se complementam na busca pela justiça social e pela efetividade dos direitos fundamentais Ambos demonstram que o ordenamento jurídico brasileiro contemporâneo não reconhece a propriedade como direito absoluto mas como instrumento de promoção do bem comum Enquanto a função social da propriedade impõe ao titular um dever de utilização responsável e socialmente útil do bem a usucapião atua como meio de corrigir distorções sociais conferindo titularidade àquele que pela posse prolongada e produtiva demonstra dar ao bem a destinação que a lei e a Constituição exigem No tocante à regularização fundiária e à aplicação prática do princípio da função social da propriedade Vinícius de Melo Lima e Marcelo Cacinotti Costa 2018 destacam que a grande quantidade de imóveis em situação informal prejudica tanto o Estado quanto as pessoas que vivem à margem da legalidade pois essa informalidade compromete o direito fundamental à dignidade materializado pelo acesso à propriedade formal Segundo os autores a efetiva regularização dos imóveis não se limita à garantia de direitos individuais mas representa um meio de integrar o cidadão ao sistema jurídico e econômico formal previsto pela Constituição Dessa forma concluise que a propriedade não pode ser dissociada de sua função social que lhe confere legitimidade jurídica e moral O exercício do domínio deve sempre estar subordinado ao cumprimento dessa função que transforma o direito de propriedade em um instrumento de justiça social e de equilíbrio entre o interesse individual e o coletivo 3 DA USUCAPIÃO A palavra usucapião tem origem no latim resultando da junção de usus uso e do verbo capio tomar adquirir significando portanto tomar pelo uso Tratase de um modo 20 de aquisição da propriedade e de outros direitos reais que decorre do exercício prolongado e público da posse desde que preenchidos os requisitos previstos em lei Conforme explica Francisco José Barbosa Nobre 2018 p 27 com o passar do tempo uma situação de fato a posse acaba se transformando em uma situação de direito a propriedade mediante o instituto da usucapião O surgimento da usucapião remonta ao Direito Romano quando foi concebida como forma de aquisição da propriedade principalmente para amparar aqueles que embora houvessem adquirido um bem não eram considerados proprietários devido a irregularidades formais no processo de transmissão Segundo Melo 2019 p 118 a primeira positivação da usucapião ocorreu na Lei das XII Tábuas Na usucapião há um confronto entre a pretensão do proprietário formal e o interesse do possuidor sendo este último representado pelo uso efetivo e produtivo do bem em consonância com a função social da propriedade Nobre 2018 p 28 explica que a usucapião ao transferir a propriedade ao possuidor retira o direito daquele que embora titular deixou de exercer domínio sobre o bem demonstrando desinteresse prolongado Assim o instituto é justo pois recompensa o possuidor ativo que dá ao imóvel uma finalidade econômica e social e pune o proprietário omisso Melo 2019 p 119 reforça essa ideia ao afirmar que o usucapiente é premiado por seu uso produtivo e responsável do bem enquanto o proprietário desidioso é sancionado por sua inércia Segundo o autor é justo que aquele que agrega valor à coisa por meio do trabalho produção ou moradia receba o reconhecimento jurídico e social de sua condição de proprietário Embora exista discussão sobre a natureza da usucapião que questiona se o presente instituto se trata de uma forma originária ou derivada de aquisição da propriedade prevalece o entendimento de que se trata de uma aquisição originária uma vez que não há transferência do direito de propriedade de um titular anterior mas sim o surgimento de uma nova titularidade Com o reconhecimento da usucapião extinguese o direito do proprietário anterior e nasce uma nova relação jurídica Para que a usucapião seja configurada é indispensável o exercício da posse ininterrupta sem oposição e com intenção de dono animus domini durante o período legalmente estabelecido A posse ininterrupta exige continuidade sem interrupções voluntárias ou forçadas A legislação brasileira contudo admite a soma de posses isto é o possuidor atual pode somar o tempo de posse de seus antecessores desde que esta tenha sido mansa e pacífica consoante art 1243 do Código Civil A posse mansa e pacífica por sua vez requer que o possuidor não enfrente contestação ou oposição do proprietário Caso o titular do direito manifeste resistência ou 21 busque judicialmente a retomada do bem a posse deixa de ser apta à usucapião O animus domini ou intenção de dono representa o elemento subjetivo da posse Significa o comportamento do possuidor que age como verdadeiro proprietário sem reconhecer em outra pessoa um direito superior ao seu sobre o bem Por fim é essencial que o objeto da usucapião seja bem suscetível de ser adquirido por esse meio O ordenamento jurídico brasileiro proíbe expressamente a usucapião de bens públicos conforme estabelecem os artigos 183 3º e 191 parágrafo único da Constituição Federal Assim nenhum dos bens públicos incluindo os bens dominicais e as terras devolutas pode ser adquirido por usucapião Como destacam Miranda Mello Lago e Bottega 2020 p 18 o sistema jurídico brasileiro atual busca por meio da usucapião ao mesmo tempo premiar o possuidor diligente e punir o proprietário negligente reconhecendo o direito de quem exerce a posse com ânimo de dono e confere função social ao bem Dessa forma a usucapião constitui um importante instrumento jurídico que transforma a posse prolongada exercida de maneira contínua e com intenção de domínio em propriedade legítima Ela reafirma o princípio da função social da propriedade e reforça a justiça social ao valorizar o uso efetivo e responsável do bem em detrimento da mera titularidade formal 31 DAS ESPÉCIES A usucapião como modo originário de aquisição da propriedade abrange diversas espécies adaptadas a contextos específicos com requisitos diferenciados quanto a prazos posse qualificada e função social No Código Civil de 2002 as modalidades de usucapião são delineadas com requisitos específicos que variam conforme o tipo de imóvel o prazo de posse a existência de justo título ou boafé e a condição socioeconômica do possuidor Vejamos 311 EXTRAORDINÁRIA A usucapião extraordinária disciplinada pelo artigo 1238 do Código Civil é a modalidade mais ampla do instituto pois dispensa a exigência de justo título e boafé focando exclusivamente na posse prolongada como fundamento para a aquisição da propriedade Para sua configuração exigese que o possuidor exerça posse mansa pacífica e ininterrupta por 15 anos A posse mansa implica ausência de violência no acesso 22 ao bem enquanto a posse pacífica requer que não haja oposição por terceiros e a continuidade impede interrupções no exercício da posse Essa modalidade reflete o princípio de que a posse prolongada quando exercida de forma pública e sem contestação deve ser reconhecida como direito de propriedade promovendo a estabilização das relações jurídicas e a segurança fundiária O parágrafo único do mencionado artigo prevê a possibilidade de redução do prazo para 10 anos desde que o possuidor tenha estabelecido no imóvel sua moradia habitual ou realizado obras ou serviços de caráter produtivo como benfeitorias que incrementem o valor econômico ou social do bem Essa redução evidencia a valorização do uso efetivo do imóvel alinhandose à função social da propriedade A usucapião extraordinária é frequentemente aplicada em situações de ocupações informais especialmente em áreas urbanas e rurais onde a ausência de titulação formal é comum sendo um instrumento crucial para a regularização fundiária em contextos de posse histórica 312 ORDINÁRIA A usucapião ordinária prevista no artigo 1242 do Código Civil caracterizase por requisitos mais rigorosos que a extraordinária mas com prazos reduzidos refletindo a presença de elementos formais que aproximam a posse de uma titularidade jurídica Para sua configuração é necessário que o possuidor exerça posse mansa pacífica e ininterrupta por 10 anos com justo título e boafé O justo título é um documento que em tese conferiria o direito à propriedade como um contrato de compra e venda ou uma promessa de compra e venda ainda que não registrado ou inválido para a transferência formal A boafé por sua vez exige que o possuidor acredite de forma legítima que não há impedimentos legais para a aquisição do imóvel ou seja que desconheça qualquer vício que torne sua posse ilegítima O parágrafo único do artigo 1242 estabelece a possibilidade de redução do prazo para 5 anos em duas hipóteses quando o imóvel foi adquirido onerosamente com base em um registro posteriormente cancelado desde que o possuidor tenha estabelecido moradia ou realizado investimentos ou quando o possuidor tenha fixado moradia habitual ou promovido investimentos de interesse social e econômico como obras que beneficiem a comunidade ou incrementem a produtividade do imóvel Essa modalidade é amplamente utilizada em casos de transações imobiliárias informais nas quais o possuidor detém um 23 título precário mas exerce a posse de forma legítima contribuindo para a regularização da propriedade e a segurança jurídica 313 ESPECIAL URBANA A usucapião especial urbana prevista no artigo 1240 do Código Civil e reforçada pelo artigo 183 da Constituição Federal tem como objetivo principal a promoção do direito à moradia especialmente para populações de baixa renda em áreas urbanas Para sua configuração exigese que o possuidor exerça posse mansa pacífica e ininterrupta por 5 anos sobre um imóvel urbano com área de até 250 m² utilizado para sua moradia própria ou de sua família Um requisito fundamental é que o possuidor não seja proprietário de outro imóvel seja urbano ou rural o que reforça o caráter social dessa modalidade Diferentemente da usucapião ordinária não se exige justo título ou boafé o que facilita sua aplicação em ocupações informais como loteamentos irregulares ou áreas periféricas urbanas Essa modalidade está alinhada ao princípio da função social da propriedade previsto no artigo 5º inciso XXIII da Constituição Federal e ao direito à moradia consagrado no artigo 6º da mesma Constituição Complementada pelo artigo 9º do Estatuto da Cidade a usucapião especial urbana é um instrumento essencial para a regularização fundiária permitindo que famílias em situação de vulnerabilidade obtenham a propriedade de imóveis ocupados promovendo inclusão social e acesso à cidadania Sua aplicação é comum em processos de urbanização de favelas e ocupações urbanas contribuindo para a redução da informalidade fundiária 314 ESPECIAL RURAL A usucapião especial rural regulada pelos art 1239 do Código Civil e art 191 da CF88 é voltada para a regularização de pequenas propriedades rurais ocupadas para fins produtivos especialmente por pequenos agricultores Para sua configuração exigese que o possuidor exerça posse mansa pacífica e ininterrupta por 5 anos sobre um imóvel rural com área de até 50 hectares O imóvel deve ser tornado produtivo pelo trabalho do possuidor ou de sua família com a fixação de moradia no local evidenciando o vínculo do ocupante com a terra Assim como na usucapião especial urbana o possuidor não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural e não há exigência de justo título ou boafé Essa modalidade 24 reflete a política agrária brasileira que busca democratizar o acesso à terra e promover a função social da propriedade rural conforme previsto no art 186 da Constituição Federal A usucapião especial rural é um instrumento crucial para a regularização de ocupações históricas em áreas rurais especialmente em regiões onde pequenos agricultores ocupam terras sem titulação formal contribuindo para a segurança jurídica e o desenvolvimento sustentável do campo 315 FAMILIAR A usucapião familiar introduzida pela Lei nº 124242011 e prevista no artigo 1240 A do Código Civil é uma modalidade específica destinada a proteger o cônjuge ou companheiro abandonado garantindo o direito à moradia em situações de vulnerabilidade decorrentes da dissolução de união estável ou casamento Para sua configuração exigese que o possuidor exerça posse mansa pacífica e ininterrupta por apenas 2 anos sobre um imóvel urbano com área de até 250 m² utilizado para sua moradia própria ou de sua família O imóvel deve ser parte do patrimônio comum do casal e o possuidor deve ser o cônjuge ou companheiro que permaneceu no imóvel após o abandono sem culpa do outro cônjuge ou companheiro Além disso o possuidor não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural Essa modalidade tem um caráter marcadamente social buscando proteger o cônjuge ou companheiro em situação de vulnerabilidade frequentemente em contextos de violência doméstica ou abandono familiar O prazo reduzido de 2 anos reflete a urgência de regularizar a situação possessória garantindo a continuidade da moradia e a estabilidade familiar A usucapião familiar é um avanço legislativo que combina os princípios da função social da propriedade e do direito à moradia com aplicação prática em casos de separação litigiosa ou abandono 316 COLETIVA A usucapião coletiva embora não prevista diretamente no Código Civil é regulamentada pelo art 10 do Estatuto da Cidade Lei nº 102572001 e aplicada no âmbito do direito civil com o objetivo de promover a regularização fundiária de comunidades de baixa renda em áreas urbanas Para sua configuração exigese que uma população de baixa renda exerça posse mansa pacífica e ininterrupta por 5 anos sobre uma área urbana superior a 250 m² utilizada para fins de moradia Um requisito distintivo é a impossibilidade de identificar a área ocupada por cada possuidor individualmente 25 caracterizando a ocupação como coletiva Os possuidores não podem ser proprietários de outros imóveis urbanos ou rurais e não se exige justo título ou boafé A propriedade é adquirida em regime de condomínio com cotas ideais atribuídas aos ocupantes o que permite a regularização de comunidades inteiras como favelas loteamentos irregulares ou ocupações urbanas consolidadas Essa modalidade está alinhada ao art 183 da Carta Magna e ao princípio da função social da propriedade sendo um instrumento essencial para a inclusão social e a redução da informalidade fundiária em centros urbanos Sua aplicação é comum em projetos de urbanização e regularização fundiária promovendo o acesso à cidadania e à infraestrutura urbana para populações vulneráveis 32 EFEITOS DA USUCAPIÃO Os efeitos da usucapião são multifacetados abrangendo aspectos declaratórios constitutivos e extintivos com repercussões no âmbito civil registral e social Com o reconhecimento da usucapião e o consequente preenchimento dos requisitos legais a sua consumação pode ser declarada por meio de sentença judicial ou por decisão administrativa resultando na aquisição do direito real sobre o qual foi exercida a posse O efeito primordial é a aquisição originária da propriedade independente de transmissão derivada extinguindo qualquer vínculo com o antigo titular Como ensina Silvio de Salvo Venosa em Direito Civil Direitos Reais Atlas 2020 a usucapião corta o cordão umbilical com o proprietário anterior conferindo ao usucapiente um domínio puro e livre de ônus preexistentes salvo exceções legais Esse efeito materializase com a sentença judicial declaratória art 1241 CC ou na via extrajudicial com o registro cartorial art 216A da Lei nº 60151973 introduzido pelo art 1071 do CPC2015 Carlos Roberto Gonçalves em Direito Civil Brasileiro Direitos das Coisas Saraiva 2021 explica que a sentença é meramente declaratória reconhecendo um direito preexistente desde o início do prazo prescricional Assim o usucapiente é considerado proprietário ab initio o que implica na nulidade de atos jurídicos intermediários do antigo dono como alienações ou constituição de direitos reais Contudo essa retroatividade não afeta terceiros de boafé que adquiriram direitos antes da sentença preservando a segurança do tráfico jurídico princípio da aparência Sob o aspecto subjetivo a usucapião implica a renúncia presumida do titular inerte justificando a perda da propriedade por inatividade prolongada O registro da sentença ou da ata notarial usucapião extrajudicial produz efeito erga omnes conferindo publicidade e oponibilidade art 1245 CC 26 Alinhada à função social a usucapião fomenta a regularização fundiária combatendo a especulação imobiliária e promovendo o direito à moradia art 6º CF Na modalidade coletiva introduzida pela Lei nº 134652017 beneficia comunidades urbanas extinguindo condomínios involuntários Os efeitos da usucapião consolidam a posse qualificada em propriedade originária com retroatividade extinção de direitos e promoção social alinhados ao ordenamento civil constitucional 4 USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL É inegável que o Poder Judiciário brasileiro enfrenta um cenário de sobrecarga institucional com acúmulo expressivo de demandas e consequente morosidade na prestação jurisdicional A incapacidade estrutural do sistema de absorver com celeridade e eficiência o volume de ações distribuídas anualmente consolida um quadro de crise funcional comprometendo o princípio constitucional da razoável duração do processo e a efetividade do direito de acesso à justiça Nesse contexto a desjudicialização emerge como tendência jurídicoadministrativa fundamental para a modernização do sistema de justiça viabilizando a transferência de determinadas matérias para o âmbito extrajudicial sem prejuízo das garantias fundamentais e sob estrita fiscalização institucional Entre os instrumentos mais emblemáticos desse movimento destacase a usucapião extrajudicial introduzida pelo art 1071 do Código de Processo Civil de 2015 que acresceu o art 216A à Lei nº 60151973 Lei de Registros Públicos Tal previsão normativa permitiu que a usucapião tradicionalmente submetida ao crivo judicial passasse a ser também reconhecida por via administrativa desde que atendidos os requisitos materiais previstos nos arts 1238 a 1244 do Código Civil e ausente controvérsia apta a demandar apreciação jurisdicional Tratase de marco legislativo que consagra o esforço estatal em conferir maior racionalidade celeridade e eficiência à regularização fundiária e ao reconhecimento formal de direitos possessórios consolidados A positivação sintética do instituto todavia gerou certa insegurança inicial quanto à sua operacionalização exigindo a atuação normativa do Conselho Nacional de Justiça que editou o Provimento nº 652017 Esse provimento estabeleceu diretrizes claras sobre documentação necessária etapas procedimentais competências dos delegatários prazos e hipóteses de remessa ao Judiciário promovendo padronização nacional segurança jurídica e previsibilidade ao procedimento A regulamentação consolidou a compreensão de que a usucapião extrajudicial não altera a substância do direito material mas institui rito administrativo alternativo à via judicial mantendo o caráter declaratório de aquisição da propriedade e garantindo o controle público dos atos praticados 27 O procedimento extrajudicial de natureza facultativa iniciase por requerimento assinado pelo usucapiente e por seu cônjuge ou companheiro acompanhado de advogado ou defensor público A representação técnica é indispensável uma vez que embora deslocado do Judiciário o procedimento conserva elevado grau de complexidade normativa e técnica exigindo atuação profissional habilitada para assegurar a higidez dos atos e a defesa adequada dos direitos envolvidos Não se trata de desjudicialização carente de rigor mas de redistribuição de competência sob lastro jurídico com manutenção da garantia de acesso à jurisdição sempre que necessário ou provocado Nesse cenário ganha relevo a função desempenhada pelos notários e registradores de imóveis que deixam de ser meros registradores de títulos para assumirem papel proativo na consolidação do direito de propriedade atuando como agentes de pacificação técnicos especializados e guardiões da fé pública registral Competelhes qualificar a documentação apresentada e promover notificações aos titulares de direitos reais e aos entes federativos garantindo o contraditório e a publicidade do procedimento O silêncio dos notificados qualificase como anuência tácita preservando a segurança jurídica e evitando litigiosidade artificial Importante destacar que no desempenho dessa função os registradores assumem responsabilidade técnica de elevada relevância uma vez que sua atuação é revestida de fé pública e sujeita a controle disciplinar administrativo e judicial Esse aspecto explica eventual resistência inicial de parte da classe motivada pelo receio de responsabilização civil ou disciplinar por eventual reconhecimento indevido Todavia a consolidação do provimento nacional a expansão de programas de formação continuada e o desenvolvimento de sistemas de notificação e georreferenciamento eletrônicos bem como o fortalecimento de ferramentas digitais vêm aprimorando a técnica reduzindo riscos e padronizando práticas Cabe salientar que a usucapião extrajudicial embora mais célere não prescinde de robustez probatória A ata notarial por exemplo constitui instrumento essencial por meio do qual o tabelião verifica a situação possessória podendo realizar diligências entrevistas e verificações locais constituindo documento dotado de presunção de veracidade relativa Assim o procedimento não se limita a formalidade documental mas incorpora análise técnica substancial Outro aspecto relevante do instituto referese à sua dimensão social e econômica A usucapião extrajudicial representa significativo avanço na regularização fundiária essencial para o desenvolvimento urbano e rural para o ordenamento territorial e para a efetivação do direito à moradia e ao patrimônio Ao transformar posses consolidadas em propriedade formal o instituto promove inclusão jurídica segurança patrimonial e estímulo à função 28 social do imóvel em estrita consonância com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana da justiça social e da eficiência administrativa Todavia não se ignoram os desafios persistentes tais como divergências interpretativas entre corregedorias estaduais existência de cartórios sem estrutura técnica adequada dificuldades na localização de confrontantes custos relacionados à elaboração de documentos técnicos e eventual remessa judicial diante de impugnação fundamentada Ainda assim tais obstáculos não descaracterizam o instituto mas reforçam a necessidade de contínuo aperfeiçoamento normativo tecnológico e operacional Em síntese a usucapião extrajudicial configura instrumento de profunda relevância para o Direito das Coisas contemporâneo constituindo mecanismo eficaz de desjudicialização regularização imobiliária e concretização da função social da propriedade Ao conferir efetividade aos direitos reais mediante procedimento célere técnico e seguro o instituto representa passo decisivo na modernização do sistema jurídicoregistral brasileiro reafirmando a centralidade da atuação notarial e registral no Estado Democrático de Direito e reforçando a transição do modelo puramente judicial para um paradigma de justiça multiportas mais eficiente acessível e socialmente comprometido 41 REQUISITOS E PROCEDIMENTOS DA USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL Os requisitos materiais da usucapião extrajudicial coincidem integralmente com os da usucapião judicial nos termos dos arts 1238 a 1244 do Código Civil Exigemse assim I posse qualificada caracterizada pelo exercício contínuo manso pacífico e ininterrupto dos poderes inerentes à propriedade com animus domini e ausência de vícios como violência clandestinidade ou precariedade II decurso do lapso temporal específico conforme a modalidade invocada III aptidão do sujeito especialmente a não propriedade de outro imóvel urbano ou rural nas modalidades especiais e IV coisa hábil vedada a usucapião de bens públicos de qualquer natureza nos termos do art 183 3º e do art 191 parágrafo único da Constituição Federal O requerente deve indicar expressamente a modalidade aplicável ao caso concreto sob pena de indeferimento por ausência de fundamentação No plano formal o procedimento iniciase por requerimento dirigido ao Oficial de Registro de imóveis da situação do bem obrigatoriamente subscrito por advogado ou pela Defensoria Pública instruído com a documentação taxativamente prevista no caput do art 216A da Lei nº 60151973 I ata notarial lavrada por tabelião de notas atestando o tempo de posse do requerente e de seus antecessores a forma de exercício da posse e a 29 inexistência de ações possessórias ou reivindicatórias em curso nos moldes do art 384 do CPC II planta e memorial descritivo do imóvel assinados por profissional legalmente habilitado com anotação de responsabilidade técnica ART ou RRT e quando possível pelos titulares de direitos registrados e pelos confrontantes III certidões negativas dos distribuidores da comarca do imóvel e do domicílio do requerente relativas a ações reais e pessoais reipersecutórias e IV documentos comprobatórios da origem continuidade natureza e tempo da posse tais como comprovantes de pagamento de IPTU contas de serviços públicos ou correspondências Na ausência ou insuficiência destes últimos admitese a realização de justificação administrativa na própria serventia O rito procedimental de natureza administrativa e sumaríssima observa as seguintes etapas conforme o art 216A da Lei de Registros Públicos e o Provimento CNJ nº 652017 1 protocolização do requerimento com prenotação prorrogada até a decisão final 2 qualificação registral preliminar podendo o oficial determinar diligências complementação documental ou vistoria in loco 3 notificação pessoal ou por carta com aviso de recebimento dos titulares de direitos registrados dos confrontantes e das Fazendas Públicas União Estado Distrito Federal e Município com prazo de quinze dias para manifestação importando o silêncio em concordância tácita 2º e 3º 4 publicação de edital em jornal de grande circulação ou por meio eletrônico por quinze dias para ciência de terceiros interessados 4º com redação da Lei nº 143822022 5 intervenção obrigatória do Ministério Público para emissão de parecer 7º 6 análise de eventuais impugnações se fundamentadas o procedimento é suspenso e remetido ao juízo competente 10 7 decorrido o prazo sem oposição válida ou sanadas as irregularidades procedese ao registro da aquisição por usucapião com abertura de matrícula se inexistente produzindo efeitos erga omnes art 1245 CC A Lei nº 134652017 introduziu significativas simplificações como a dispensa de assinatura dos confrontantes na planta quando regularmente notificados e silentes a possibilidade de edital eletrônico e a integração com a Regularização Fundiária Urbana REURB A Lei nº 143822022 por sua vez ampliou o uso de notificações eletrônicas reforçando a celeridade A rejeição administrativa não impede o acesso à via judicial 9º preservandose o princípio da inafastabilidade da jurisdição art 5º XXXV CF1988 Entre os óbices práticos destacamse a impossibilidade de usucapião de bens públicos a exigência de prova robusta especialmente pela ata notarial que não possui caráter absoluto e o risco de remessa ao Judiciário em caso de controvérsia Tais limitações contudo não comprometem a eficácia do instituto quando observados os pressupostos legais A usucapião extrajudicial consolidase portanto como instrumento eficiente de 30 concretização da função social da propriedade art 5º XXIII CF1988 promovendo a pacificação social e a segurança registral Seu sucesso depende da rigorosa observância dos requisitos materiais de posse qualificada da inteireza documental e do fiel cumprimento do procedimento administrativo cabendo ao oficial de registro de imóveis atuação diligente e imparcial sob supervisão correcional e com complementaridade jurisdicional sempre que necessário 5 DESJUDICIALIZAÇAO A desjudicialização como diretriz normativa e política pública de racionalização do sistema de justiça representa um marco relevante na evolução da prestação jurisdicional no Brasil ao deslocar determinadas atividades tradicionalmente concentradas no Poder Judiciário para a esfera administrativa Esse movimento não visa esvaziar o papel jurisdicional do Estado mas ao contrário busca otimizar sua atuação reservando a apreciação judicial para conflitos efetivos e controvertidos enquanto questões de natureza consensual ou documental podem ser solucionadas por vias extrajudiciais com igual segurança jurídica Nesse cenário a usucapião extrajudicial constitui um dos exemplos mais emblemáticos da modernização do Direito das Coisas brasileiro evidenciando a reconfiguração do papel estatal na garantia do direito de propriedade à luz dos princípios constitucionais da eficiência da razoável duração do processo e da função social da propriedade A introdução do art 216A na Lei nº 60151973 pelo Código de Processo Civil de 2015 consolidou a possibilidade de reconhecimento da usucapião pela via administrativa ampliando significativamente o leque de instrumentos aptos à regularização fundiária e ao reconhecimento de situações possessórias consolidadas Ao permitir a aquisição originária da propriedade imóvel mediante procedimento extrajudicial o legislador visou proporcionar maior agilidade economicidade e simplicidade sem sacrificar o rigor jurídico uma vez que os requisitos materiais previstos nos arts 1238 a 1244 do Código Civil permanecem íntegros e devem ser demonstrados de forma robusta sob fiscalização dos órgãos notariais e registrais A publicação do Provimento nº 652017 pelo Conselho Nacional de Justiça representou um divisor de águas na consolidação do instituto ao estabelecer parâmetros uniformes de atuação para os serviços extrajudiciais minimizar 31 divergências procedimentais e assegurar segurança jurídica nacional Essa normatização detalhou entre outros aspectos a documentação necessária as etapas notificatórias a atuação dos profissionais envolvidos especialmente advogados tabeliães e registradores e as hipóteses de suspensão e remessa dos autos ao Poder Judiciário quando litigiosidade ou vícios relevantes forem identificados O início do procedimento depende de requerimento subscrito pelo usucapiente e se for o caso por seu cônjuge ou companheiro obrigatoriamente assistidos por advogado ou defensor público reforçando o caráter jurídico e técnico da via extrajudicial A exigência de representação profissional assegura que o procedimento seja adequadamente instruído evitando nulidades indeferimentos e retrabalhos além de preservar o devido processo legal e a integridade do ato Ademais a faculdade do interessado de optar pela via judicial permanece resguardada de modo que a desjudicialização não afasta o controle jurisdicional apenas o racionaliza O papel preventivo dos delegatários extrajudiciais muitas vezes ignorado por análises superficiais revelase essencial Afinal a função pacificadora do Direito não se restringe ao âmbito jurisdicional tradicional Ao promover notificações e quando necessário conduzir reuniões e tentativas de conciliação notários e registradores atuam como mediadores naturais prevenindo conflitos e evitando o acionamento desnecessário do Judiciário Essa lógica dialoga diretamente com a concepção contemporânea de justiça multiportas incentivada pelo Conselho Nacional de Justiça que busca diversificar as vias de solução de controvérsias e tornar o sistema mais acessível e eficiente É relevante destacar que a usucapião extrajudicial não se limita a garantir maior celeridade procedimental Ela materializa valores fundamentais da ordem constitucional sobretudo a concretização do direito à moradia a promoção da dignidade da pessoa humana e o cumprimento da função social da propriedade Ao possibilitar a regularização dominial de posses muitas vezes antigas e economicamente relevantes o instituto fortalece a segurança jurídica reduz externalidades negativas decorrentes da informalidade imobiliária e promove inclusão patrimonial O fenômeno da desjudicialização ao permitir que atos dotados de alta carga 32 documental e baixa litigiosidade sejam conduzidos fora da arena judicial cumpre objetivos essenciais garantir a razoável duração do procedimento reduzir a sobrecarga do Judiciário e ampliar o acesso material à ordem jurídica justa Nessa lógica a atuação dos serviços extrajudiciais não constitui exceção ao princípio da inafastabilidade da jurisdição mas sua efetivação prática oferecendo ao cidadão vias múltiplas e adequadas à tutela de seu direito Não obstante seus méritos a implementação plena do instituto enfrenta desafios relevantes Entre eles destacamse a disparidade interpretativa entre corregedorias estaduais a resistência inicial de alguns delegatários os custos técnicos de regularização topográfica e documental e dificuldades práticas na notificação de confrontantes e titulares de direitos reais A evolução legislativa posterior como a Lei nº 134652017 e a Lei nº 143822022 contribuiu para o aprimoramento do procedimento especialmente ao facilitar notificações eletrônicas e reforçar a integração sistêmica entre os serviços registrais Contudo a consolidação definitiva do modelo exige contínuo investimento na capacitação dos profissionais envolvidos no aperfeiçoamento tecnológico das serventias e na ampliação de mecanismos de acesso para hipossuficientes Assim a usucapião extrajudicial não deve ser compreendida como mera alternativa procedimental ao processo judicial tradicional mas sim como instrumento de transformação estrutural do Direito das Coisas inserido no processo evolutivo de modernização da administração pública e da atividade notarial e registral Tratase de ferramenta que promove eficiência institucional segurança jurídica efetividade de direitos fundamentais e consolidação do paradigma constitucional da função social da propriedade Em síntese a experiência brasileira com a usucapião extrajudicial demonstra que quando há vontade normativa infraestrutura adequada e atuação comprometida dos operadores do Direito é possível construir mecanismos ágeis e seguros de reconhecimento jurídico sem sacrificar garantias constitucionais e com evidente ganho social e institucional O aperfeiçoamento contínuo do sistema aliado à uniformização interpretativa e à expansão de práticas tecnológicas tende a consolidar ainda mais o instituto como um dos pilares do futuro da regularização imobiliária no 33 país conferindolhe papel de destaque no processo de democratização do acesso à propriedade e de racionalização do sistema de justiça 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise desenvolvida ao longo deste estudo permitiu constatar que a usucapião extrajudicial representa um dos mais relevantes avanços contemporâneos no âmbito do Direito das Coisas e do processo de desjudicialização das relações jurídicas no Brasil O instituto consolidou uma nova via administrativa para o reconhecimento da aquisição originária da propriedade sem a necessidade de intervenção jurisdicional desde que ausente litígio e observados os requisitos legais da posse qualificada A partir do exame doutrinário e normativo verificouse que o procedimento extrajudicial não altera os pressupostos materiais da usucapião previstos no Código Civil mas apenas transfere a competência para o âmbito notarial e registral conferindolhe maior celeridade e efetividade Tal inovação traduzse em importante mecanismo de concretização dos princípios constitucionais da função social da propriedade da eficiência administrativa e da celeridade processual No plano prático a usucapião extrajudicial tem se mostrado instrumento apto a contribuir significativamente para a regularização fundiária tanto em áreas urbanas quanto rurais promovendo a segurança jurídica e a pacificação social O procedimento administrativo permite que situações possessórias consolidadas sejam convertidas em titularidades legítimas com menor custo e em prazo reduzido desafogando o Poder Judiciário e aproximando o cidadão do reconhecimento de seus direitos Além disso reforça o papel das serventias extrajudiciais como agentes de efetivação da justiça e de concretização dos direitos fundamentais Não obstante os avanços o estudo evidenciou que ainda persistem entraves relevantes à plena eficácia do instituto A resistência de alguns registradores o excesso de formalismo em determinados atos a falta de uniformidade nas orientações das corregedorias estaduais as dificuldades de notificação de confrontantes e a imposição de custos técnicos elevados configuram obstáculos que por vezes comprometem o propósito desjudicializador Ademais a obrigatoriedade de representação por advogado pode limitar o acesso de possuidores economicamente vulneráveis ao procedimento contrariando em certa medida a finalidade social que o inspirou A doutrina majoritária representada por autores como Silvio de Salvo Venosa Carlos Roberto Gonçalves e Flávio Tartuce converge no entendimento de que a usucapião extrajudicial é um instrumento de efetivação da função social da propriedade e de 34 racionalização do sistema jurídico desde que aplicada com observância estrita aos requisitos legais e sob fiscalização correcional rigorosa O Provimento nº 652017 do CNJ ao uniformizar os procedimentos e as legislações posteriores reforçaram a segurança e a acessibilidade do instituto integrandoo ao processo de modernização do sistema registral brasileiro Dessa forma concluise que a viabilidade da usucapião extrajudicial no ordenamento jurídico brasileiro é plenamente reconhecida e sua efetividade embora sujeita a aperfeiçoamentos é inegável O instituto cumpre relevante papel na construção de um Direito Civil constitucionalizado voltado à concretização dos valores da dignidade da pessoa humana da justiça social e da democratização do acesso à propriedade Para que sua aplicação alcance todo o potencial de inclusão e eficiência que lhe é inerente fazse necessária a continuidade do processo de uniformização normativa a capacitação permanente dos agentes delegatários e a ampliação de mecanismos de assistência jurídica gratuita aos possuidores de baixa renda Somente assim será possível consolidar a usucapião extrajudicial como verdadeiro instrumento de cidadania segurança jurídica e desenvolvimento social em perfeita harmonia com os princípios que estruturam o ordenamento civil e constitucional contemporâneo 7REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIAS GONÇALVES Carlos Roberto Direito civil brasileiro volume 5 direito das coisas Carlos Roberto Gonçalves 12 ed São Paulo Saraiva 2017 VENOSA Silvio de Salvo Direito Civil Direitos Reaisvolume 4 Silvio de Salvo Venosa Sao Paulo Atlas 2020 35 MONTEIRO Washington de Barros Curso de Direito Civil volume 3 Washington de Barros Monteiro Sao Paulo Saraiva 2007 GONÇALVES Carlos Roberto Direito Civil Brasileiro Direitos das Coisas Carlos Roberto Gonçalves São Paulo Saraiva 2021 CURSO DE DIREITO BIANCA BRANDALISE ZANETTI A VIABILIDADE DA USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO A EFETIVIDADE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE AQUISIÇÃO DE PROPRIEDADE RONDONÓPOLISMT 2025 CURSO DE DIREITO BIANCA BRANDALISE ZANETTI A VIABILIDADE DA USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO A EFETIVIDADE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE AQUISIÇÃO DE PROPRIEDADE Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Banca Avaliadora do Departamento de Direito da Faculdade Fasipe Rondonópolis como requisito para a obtenção do título de Bacharel em Direito Orientadora Claire Ines Gai Martielo RONDONÓPOLISMT 2025 BIANCA BRANDALISE ZANETTI A VIABILIDADE DA USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO A EFETIVIDADE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE AQUISIÇÃO DE PROPRIEDADE Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Banca Avaliadora do Curso de Direito da Faculdade Fasipe Rondonópolis como requisito para a obtenção do título de Bacharel em Direito Aprovado em Professora Orientadora Departamento de Direito FASIPE Professora Avaliadora Departamento de Direito FASIPE Professora Avaliadora Departamento de Direito FASIPE RONDONÓPOLISMT 2025 Dedico esse trabalho AGRADECIMENTOS É justo que muito custe o que muito vale Santa Teresa DÁvila ZANETTI Bianca Brandalise A viabilidade da usucapião extrajudicial no ordenamento jurídico brasileiro A efetividade do procedimento administrativo de aquisição de propriedade 2025 páginas Trabalho de Conclusão de Curso Graduação em Direito Faculdade Fasipe Rondonópolis Rondonópolis Mato Grosso 2025 RESUMO O presente Trabalho de Conclusão de Curso tem como tema A viabilidade da usucapião extrajudicial no ordenamento jurídico brasileiro a efetividade do procedimento administrativo de aquisição de propriedade em que analisa o art 216A da Lei nº 60151973 introduzido pelo CPC2015 e regulamentado pelo Provimento nº 652017 do CNJ abordando aspectos procedimentais probatórios e técnicos enfatizando o papel dos notários e registradores na qualificação documental notificações e mediação prévia além dos desafios como padronização capacitação e integração tecnológica A pergunta norteadora é Com o impacto da Lei nº 131052015 e do Provimento nº 652017 do CNJ qual o papel dos notários e registradores no sucesso do procedimento extrajudicial e como eles podem otimizar esse processo evitando sobrecarregar o Judiciário Para responder a essa questão será empreendida uma pesquisa bibliográfica e documental com análise de doutrina especializada artigos científicos legislações correlatas provimentos normativos das corregedorias Serão observados ainda aspectos procedimentais aplicáveis pelos cartórios de notas e de registro de imóveis conforme diretrizes legais e administrativas A expectativa é que o estudo contribua para a compreensão aprofundada do papel da usucapião extrajudicial no cenário jurídico atual demonstrando sua importância como mecanismo moderno de efetivação de direitos redução de litígios e fortalecimento da função social da propriedade além de evidenciar a necessidade de constante capacitação dos operadores do direito e padronização dos procedimentos cartorários para garantir segurança jurídica e eficiência na aplicação dessa modalidade de aquisição originária de propriedade imóvel Palavraschave Usucapião Posse Propriedade Aquisição Desjudicializaçao ZANETTI Bianca Brandalise A viabilidade da usucapião extrajudicial no ordenamento jurídico brasileiro A efetividade do procedimento administrativo de aquisição de propriedade 2025 páginas Trabalho de Conclusão de Curso Graduação em Direito Faculdade Fasipe Rondonópolis Rondonópolis Mato Grosso 2025 ABSTRACT This Final Course Project is themed The viability of extrajudicial adverse possession in the Brazilian legal system the effectiveness of the administrative procedure for acquiring property in which it analyzes article 216A of Law No 60151973 introduced by the CPC2015 and regulated by CNJ Provision No 652017 addressing procedural evidentiary and technical aspects emphasizing the role of notaries and registrars in document qualification notifications and prior mediation in addition to challenges such as standardization training and technological integration The guiding question is With the impact of Law No 131052015 and CNJ Provision No 652017 what is the role of notaries and registrars in the success of extrajudicial proceedings and how can they optimize this process while avoiding overburdening the Judiciary To answer this question a bibliographic and documentary research will be undertaken with analysis of specialized doctrine scientific articles related legislation and normative provisions of the corregedorias judicial oversight bodies The study will also examine procedural aspects applicable to notary offices and land registry offices in accordance with legal and administrative guidelines It is expected that this study will contribute to a deeper understanding of the role of extrajudicial adverse possession in the current legal landscape demonstrating its importance as a modern mechanism for enforcing rights reducing litigation and strengthening the social function of property Furthermore it will highlight the need for continuous training of legal professionals and standardization of notary procedures to ensure legal certainty and efficiency in the application of this method of original acquisition of real estate property Keywords Adverse possession Possession Property Acquisition Dejudicialization LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS Art Artigo CC Código Civil CF Constituição Federal CNJ Conselho Nacional de Justiça CPC Código de Processo Civil REURB Regularização Fundiária Urbana SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO11 2 DIREITO DAS COISAS DA POSSE E PROPRIEDADE12 21 Da Posse14 22 Da Propriedade15 23 Da Função Social Da Propriedade16 3 DA USUCAPIÃO17 31 Das Espécies19 311 Extraordinária19 312 Ordinária20 313 Especial Urbana21 314 Especial Rural21 315 Familiar22 316 Coletiva22 32 Efeitos Da Usucapião23 4 USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL24 41 Requisitos E Procedimentos Da Usucapião Extrajudicial27 5 DESJUDICIALIZAÇAO29 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS31 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIAS34 11 1 INTRODUÇÃO O direito de propriedade consagrado como direito fundamental pela Constituição Federal de 1988 em seu art 5º inciso XXII constitui um dos pilares do ordenamento jurídico brasileiro Contudo este mesmo diploma constitucional condiciona seu exercício ao atendimento de sua função social revelando a superação da concepção absolutista e individualista do domínio em favor de uma perspectiva comprometida com o interesse coletivo e com a promoção da justiça social Nesse contexto o instituto da usucapião assume papel central na efetivação desse princípio ao transformar situações possessórias consolidadas em titularidades jurídicas legítimas promovendo a segurança das relações patrimoniais e a pacificação de conflitos fundiários Tradicionalmente a usucapião é reconhecida como modo originário de aquisição da propriedade previsto nos artigos 1238 a 1244 do Código Civil de 2002 fundado na posse prolongada mansa pacífica e contínua exercida com animus domini Sua natureza originária rompe o vínculo jurídico com o antigo titular consolidando uma nova relação de domínio pautada na função social do uso e na valorização do trabalho Tratase portanto de um instrumento que não apenas regulariza situações fáticas mas concretiza valores constitucionais como a dignidade da pessoa humana o direito à moradia e a justiça social A usucapião extrajudicial introduzida no ordenamento jurídico brasileiro pelo art 1071 do Código de Processo Civil de 2015 que inseriu o artigo 216A na Lei de Registros Públicos representa um marco no processo de desjudicialização das relações civis A partir desse dispositivo tornouse possível reconhecer a aquisição da propriedade por meio de procedimento administrativo realizado diretamente perante o Registro de Imóveis competente desde que observados os requisitos legais e não haja litígio entre as partes Tal inovação foi posteriormente regulamentada pelo Provimento nº 652017 do Conselho Nacional de Justiça CNJ que estabeleceu diretrizes uniformes para a atuação de notários e registradores reforçando a segurança e a celeridade do procedimento O movimento de desjudicialização ao transferir determinadas atividades antes reservadas ao Poder Judiciário para órgãos administrativos dotados de fé pública como os cartórios de registro de imóveis visa reduzir a sobrecarga do sistema judicial e assegurar maior efetividade na tutela dos direitos No caso da 12 usucapião essa transformação busca conferir agilidade à regularização fundiária e ampliar o acesso à propriedade formal especialmente em um país marcado pela concentração fundiária e pela informalidade das ocupações urbanas e rurais Entretanto apesar dos avanços normativos e dos inegáveis benefícios da via extrajudicial como a celeridade a economia processual e a proximidade entre o cidadão e a concretização de seus direitos persistem desafios que comprometem sua plena efetividade Entre eles destacamse a resistência de alguns registradores em face da responsabilidade civil decorrente da qualificação da posse as divergências interpretativas entre corregedorias estaduais os custos técnicos associados à elaboração de plantas e memoriais descritivos e a recorrente remessa dos procedimentos ao Poder Judiciário diante de impugnações formais Assim o presente trabalho tem por objetivo analisar a viabilidade e a efetividade da usucapião extrajudicial no ordenamento jurídico brasileiro examinando sua base constitucional seus requisitos materiais e formais a função social que desempenha no contexto da desjudicialização e os entraves práticos à sua consolidação Buscase demonstrar que embora a usucapião extrajudicial se apresente como importante instrumento de democratização do acesso à propriedade e de racionalização da atividade jurisdicional sua concretização plena depende da uniformização procedimental do fortalecimento das serventias extrajudiciais e da ampliação do acesso dos cidadãos a meios eficazes de regularização dominial 2 DIREITO DAS COISAS DA POSSE E PROPRIEDADE O estudo da usucapião inserida no âmbito do Direito das Coisas que versa entre outros temas da posse e da propriedade exige inicialmente uma breve conceituação desses institutos considerando que são interdependentes e dialogam entre si Segundo Clóvis Bevilácqua citado por Gonçalves 2020 p 20 o Direito das Coisas é o conjunto de normas que regula as relações jurídicas referentes às coisas suscetíveis de apropriação pelo ser humano geralmente pertencentes ao mundo físico pois sobre elas é possível exercer o poder de domínio Com a Constituição Federal de 1988 o direito de propriedade foi elevado à condição de direito fundamental nos termos do art 5º inciso XXII que assegura o direito de propriedade mas imediatamente condicionado pelo inciso XXIII que estabelece que a propriedade atenderá a sua função social Essa combinação 13 demonstra que a propriedade não é um fim em si mesma mas um instrumento de promoção do bem comum e de concretização da dignidade da pessoa humana A função social da propriedade pode ser compreendida como o conjunto de deveres e limitações que o ordenamento impõe ao proprietário de modo que o exercício do direito de domínio atenda às finalidades econômicas sociais e ambientais previstas em lei Essa concepção rompe com a ideia de propriedade como poder ilimitado e reconhece que o interesse coletivo deve prevalecer sobre o interesse puramente individual quando em conflito O Código Civil de 2002 incorporou expressamente esse princípio ao dispor em seu art 1228 1º que O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados de conformidade com o estabelecido em lei especial a flora a fauna as belezas naturais o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico bem como evitada a poluição do ar e das águas Assim o exercício do domínio encontrase condicionado ao respeito às normas de proteção ambiental e ao interesse coletivo No âmbito rural a Constituição Federal em seu art 186 define de forma objetiva os requisitos para que a propriedade rural cumpra sua função social sendo o aproveitamento racional e adequado a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente a observância das disposições que regulam as relações de trabalho e exploração que favoreça o bemestar dos proprietários e dos trabalhadores Já no contexto urbano o art 182 2º da Constituição determina que a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor Assim tanto nas áreas rurais quanto nas urbanas a propriedade deve servir à coletividade e contribuir para o desenvolvimento sustentável e equilibrado A usucapião é uma das formas mais emblemáticas de concretização da função social da propriedade Prevista nos arts 1238 a 1244 do Código Civil a usucapião consiste em modo originário de aquisição da propriedade pela posse prolongada mansa pacífica e ininterrupta exercida com animus domini intenção de dono desde que observados os prazos e condições legais 14 A usucapião portanto valoriza o trabalho e o uso produtivo da terra punindo o proprietário que não dá destinação social ao bem Como ensina Maria Helena Diniz 2021 a usucapião constitui sanção ao proprietário negligente e prêmio ao possuidor que dá à coisa uma destinação conforme sua função econômica e social Essa perspectiva reforça o caráter ético do instituto que busca harmonizar o direito individual com o interesse coletivo Ao reconhecer a posse prolongada como título legítimo de aquisição o Estado premia o uso produtivo e socialmente adequado do bem ao mesmo tempo em que desestimula o abandono e a ociosidade da propriedade Assim a usucapião cumpre papel fundamental na regularização fundiária na pacificação de conflitos possessórios e na redução das desigualdades sociais sobretudo em áreas urbanas e rurais marcadas pela concentração fundiária Desse modo a usucapião é expressão prática da função social da propriedade que constituem mecanismos de concretização dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana da justiça social e do direito à moradia que orientam todo o sistema jurídico brasileiro 21 Da Posse No âmbito do Direito Civil brasileiro a posse constitui um dos institutos fundamentais do Direito das Coisas servindo como pressuposto para a aquisição da propriedade por meio de modos originários como a usucapião e como base para a proteção possessória contra turbações ou esbulhos O Código Civil de 2002 artigos 1196 a 1222 disciplina a posse de forma sistemática adotando uma abordagem objetiva que prioriza o exercício fático de poderes sobre o bem independentemente da intenção subjetiva de se tornar proprietário A posse não se confunde com a propriedade sendo a última um direito real absoluto e perpétuo art 1225 CC enquanto a primeira é uma situação fática transitória que pode evoluir para a propriedade mediante requisitos específicos Como destacado por Silvio de Salvo Venosa em sua obra Direito Civil Direitos Reais Atlas 2020 a posse é um fato jurídico que gera efeitos jurídicos alinhandose à função social da propriedade preconizada no art 5º XXIII da Constituição Federal de 1988 O possuidor é definido como todo aquele que tem de fato o exercício pleno ou não de algum dos poderes inerentes à propriedade consoante art 1196 do 15 Código Civil Essa definição reflete a adoção da teoria objetiva de Rudolf von Ihering que enfatiza o corpus possessionis exercício fático em detrimento do animus domini intenção de dono contrastando com a teoria subjetiva de Friedrich Carl von Savigny prevalente no Código Civil de 1916 A transição para a teoria iheringiana no CC2002 foi influenciada pela necessidade de maior proteção ao detentor fático especialmente em contextos de regularização fundiária e função social A posse como instituto dinâmico do Direito Civil equilibra a proteção fática com a segurança jurídica da propriedade Sua regulação no CC2002 inspirada na teoria objetiva facilita a resolução de litígios e a aquisição originária de bens contribuindo para a efetivação da função social Em suma a posse não é mero fato mas pilar do ordenamento demandando aplicação criteriosa para justiça equânime 22 Da Propriedade A propriedade é considerada o mais completo dos direitos subjetivos sendo o direito central entre os direitos reais e o núcleo essencial do Direito das Coisas Conforme ensina Washington de Barros Monteiro Monteiro 2020 p 210 o direito de propriedade é o mais importante e sólido de todos os direitos subjetivos o direito real por excelência e o eixo em torno do qual gravita o Direito das Coisas No âmbito do Direito Civil brasileiro os poderes conferidos ao proprietário estão previstos no artigo 1228 do Código Civil que estabelece ser facultado ao titular usar gozar e dispor da coisa e o direito de reavêla do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha Assim o proprietário detém um conjunto de prerrogativas jurídicas que lhe permitem exercer domínio pleno sobre o bem dentro dos limites fixados pela lei Segundo Melo 2019 p 91 a propriedade é um direito subjetivo absoluto elástico perpétuo complexo e limitado por meio do qual uma pessoa submete determinado bem ao seu poder e interesse É considerada um direito subjetivo porque deriva de um fato jurídico que impõe a todos a obrigação de não interferir no exercício do direito do proprietário É absoluta pois pode ser oposta contra todos garantindo eficácia erga omnes É elástica uma vez que permite ao titular ampliar ou restringir o exercício de seus poderes sobre o bem conforme sua vontade É perpétua porque não se extingue pelo simples desuso É complexa ao reunir diversas faculdades que compõem o domínio e é limitada pois o exercício dessas 16 faculdades usar gozar dispor e reaver deve respeitar as restrições legais e observar a função social e os princípios que regem o ordenamento jurídico 23 Da Função Social Da Propriedade Para compreender o instituto da usucapião é indispensável abordar o princípio constitucional da função social da propriedade pois é esse princípio que assegura que o imóvel cumpra adequadamente sua finalidade social e econômica No ordenamento jurídico brasileiro como supramencionado a função social da propriedade é uma garantia constitucional prevista no artigo 5º inciso XXIII da Constituição Federal que estabelece que a propriedade deve atender à sua função social Além disso esse princípio orienta toda a atividade econômica conforme dispõe o artigo 170 inciso III da mesma Carta impondo limites à liberdade de exploração econômica para assegurar o interesse coletivo O Código Civil em seu artigo 1228 1º reforça essa diretriz ao determinar que o direito de propriedade deve ser exercido de acordo com suas finalidades econômicas e sociais respeitando a flora a fauna as belezas naturais o equilíbrio ecológico o patrimônio histórico e artístico bem como evitando a poluição do ar e das águas De acordo com Melo 2019 a função social da propriedade tornouse uma exigência indispensável à convivência em sociedade pois embora seja fundamental garantir os direitos individuais do proprietário também é essencial que ele observe as potencialidades econômicas e sociais do bem de forma que essas sejam revertidas em benefício coletivo A função social da usucapião é dupla jurídica e social Do ponto de vista jurídico ela consolida uma situação de fato qual seja a posse legítima e prolongada em uma situação de direito conferindo segurança jurídica e estabilidade às relações patrimoniais Do ponto de vista social a usucapião atua como instrumento de justiça distributiva pois transforma a posse útil e produtiva em propriedade regularizando ocupações e garantindo o direito à moradia e ao trabalho em consonância com os valores constitucionais A função social da propriedade e a usucapião são institutos que se complementam na busca pela justiça social e pela efetividade dos direitos fundamentais Ambos demonstram que o ordenamento jurídico brasileiro contemporâneo não reconhece a propriedade como direito absoluto mas como instrumento de promoção do bem comum 17 Enquanto a função social da propriedade impõe ao titular um dever de utilização responsável e socialmente útil do bem a usucapião atua como meio de corrigir distorções sociais conferindo titularidade àquele que pela posse prolongada e produtiva demonstra dar ao bem a destinação que a lei e a Constituição exigem No tocante à regularização fundiária e à aplicação prática do princípio da função social da propriedade Vinícius de Melo Lima e Marcelo Cacinotti Costa 2018 destacam que a grande quantidade de imóveis em situação informal prejudica tanto o Estado quanto as pessoas que vivem à margem da legalidade pois essa informalidade compromete o direito fundamental à dignidade materializado pelo acesso à propriedade formal Segundo os autores a efetiva regularização dos imóveis não se limita à garantia de direitos individuais mas representa um meio de integrar o cidadão ao sistema jurídico e econômico formal previsto pela Constituição Dessa forma concluise que a propriedade não pode ser dissociada de sua função social que lhe confere legitimidade jurídica e moral O exercício do domínio deve sempre estar subordinado ao cumprimento dessa função que transforma o direito de propriedade em um instrumento de justiça social e de equilíbrio entre o interesse individual e o coletivo 3 DA USUCAPIÃO A palavra usucapião tem origem no latim resultando da junção de usus uso e do verbo capio tomar adquirir significando portanto tomar pelo uso Tratase de um modo de aquisição da propriedade e de outros direitos reais que decorre do exercício prolongado e público da posse desde que preenchidos os requisitos previstos em lei Conforme explica Francisco José Barbosa Nobre 2018 p 27 com o passar do tempo uma situação de fato a posse acaba se transformando em uma situação de direito a propriedade mediante o instituto da usucapião O surgimento da usucapião remonta ao Direito Romano quando foi concebida como forma de aquisição da propriedade principalmente para amparar aqueles que embora houvessem adquirido um bem não eram considerados proprietários devido a irregularidades formais no processo de transmissão Segundo Melo 2019 p 118 a primeira positivação da usucapião ocorreu na Lei das XII Tábuas 18 Na usucapião há um confronto entre a pretensão do proprietário formal e o interesse do possuidor sendo este último representado pelo uso efetivo e produtivo do bem em consonância com a função social da propriedade Nobre 2018 p 28 explica que a usucapião ao transferir a propriedade ao possuidor retira o direito daquele que embora titular deixou de exercer domínio sobre o bem demonstrando desinteresse prolongado Assim o instituto é justo pois recompensa o possuidor ativo que dá ao imóvel uma finalidade econômica e social e pune o proprietário omisso Melo 2019 p 119 reforça essa ideia ao afirmar que o usucapiente é premiado por seu uso produtivo e responsável do bem enquanto o proprietário desidioso é sancionado por sua inércia Segundo o autor é justo que aquele que agrega valor à coisa por meio do trabalho produção ou moradia receba o reconhecimento jurídico e social de sua condição de proprietário Embora exista discussão sobre a natureza da usucapião que questiona se o presente instituto se trata de uma forma originária ou derivada de aquisição da propriedade prevalece o entendimento de que se trata de uma aquisição originária uma vez que não há transferência do direito de propriedade de um titular anterior mas sim o surgimento de uma nova titularidade Com o reconhecimento da usucapião extinguese o direito do proprietário anterior e nasce uma nova relação jurídica Para que a usucapião seja configurada é indispensável o exercício da posse ininterrupta sem oposição e com intenção de dono animus domini durante o período legalmente estabelecido A posse ininterrupta exige continuidade sem interrupções voluntárias ou forçadas A legislação brasileira contudo admite a soma de posses isto é o possuidor atual pode somar o tempo de posse de seus antecessores desde que esta tenha sido mansa e pacífica consoante art 1243 do Código Civil A posse mansa e pacífica por sua vez requer que o possuidor não enfrente contestação ou oposição do proprietário Caso o titular do direito manifeste resistência ou busque judicialmente a retomada do bem a posse deixa de ser apta à usucapião O animus domini ou intenção de dono representa o elemento subjetivo da posse Significa o comportamento do possuidor que age como verdadeiro 19 proprietário sem reconhecer em outra pessoa um direito superior ao seu sobre o bem Por fim é essencial que o objeto da usucapião seja bem suscetível de ser adquirido por esse meio O ordenamento jurídico brasileiro proíbe expressamente a usucapião de bens públicos conforme estabelecem os artigos 183 3º e 191 parágrafo único da Constituição Federal Assim nenhum dos bens públicos incluindo os bens dominicais e as terras devolutas pode ser adquirido por usucapião Como destacam Miranda Mello Lago e Bottega 2020 p 18 o sistema jurídico brasileiro atual busca por meio da usucapião ao mesmo tempo premiar o possuidor diligente e punir o proprietário negligente reconhecendo o direito de quem exerce a posse com ânimo de dono e confere função social ao bem Dessa forma a usucapião constitui um importante instrumento jurídico que transforma a posse prolongada exercida de maneira contínua e com intenção de domínio em propriedade legítima Ela reafirma o princípio da função social da propriedade e reforça a justiça social ao valorizar o uso efetivo e responsável do bem em detrimento da mera titularidade formal 31 Das Espécies A usucapião como modo originário de aquisição da propriedade abrange diversas espécies adaptadas a contextos específicos com requisitos diferenciados quanto a prazos posse qualificada e função social No Código Civil de 2002 as modalidades de usucapião são delineadas com requisitos específicos que variam conforme o tipo de imóvel o prazo de posse a existência de justo título ou boafé e a condição socioeconômica do possuidor Vejamos 311 Extraordinária A usucapião extraordinária disciplinada pelo artigo 1238 do Código Civil é a modalidade mais ampla do instituto pois dispensa a exigência de justo título e boa fé focando exclusivamente na posse prolongada como fundamento para a aquisição da propriedade Para sua configuração exigese que o possuidor exerça posse mansa pacífica e ininterrupta por 15 anos A posse mansa implica ausência de violência no acesso ao bem enquanto a posse pacífica requer que não haja oposição por terceiros e a continuidade impede interrupções no exercício da posse 20 Essa modalidade reflete o princípio de que a posse prolongada quando exercida de forma pública e sem contestação deve ser reconhecida como direito de propriedade promovendo a estabilização das relações jurídicas e a segurança fundiária O parágrafo único do mencionado artigo prevê a possibilidade de redução do prazo para 10 anos desde que o possuidor tenha estabelecido no imóvel sua moradia habitual ou realizado obras ou serviços de caráter produtivo como benfeitorias que incrementem o valor econômico ou social do bem Essa redução evidencia a valorização do uso efetivo do imóvel alinhandose à função social da propriedade A usucapião extraordinária é frequentemente aplicada em situações de ocupações informais especialmente em áreas urbanas e rurais onde a ausência de titulação formal é comum sendo um instrumento crucial para a regularização fundiária em contextos de posse histórica 312 Ordinária A usucapião ordinária prevista no artigo 1242 do Código Civil caracterizase por requisitos mais rigorosos que a extraordinária mas com prazos reduzidos refletindo a presença de elementos formais que aproximam a posse de uma titularidade jurídica Para sua configuração é necessário que o possuidor exerça posse mansa pacífica e ininterrupta por 10 anos com justo título e boafé O justo título é um documento que em tese conferiria o direito à propriedade como um contrato de compra e venda ou uma promessa de compra e venda ainda que não registrado ou inválido para a transferência formal A boafé por sua vez exige que o possuidor acredite de forma legítima que não há impedimentos legais para a aquisição do imóvel ou seja que desconheça qualquer vício que torne sua posse ilegítima O parágrafo único do artigo 1242 estabelece a possibilidade de redução do prazo para 5 anos em duas hipóteses quando o imóvel foi adquirido onerosamente com base em um registro posteriormente cancelado desde que o possuidor tenha estabelecido moradia ou realizado investimentos ou quando o possuidor tenha fixado moradia habitual ou promovido investimentos de interesse social e econômico como obras que beneficiem a comunidade ou incrementem a produtividade do imóvel Essa modalidade é amplamente utilizada em casos de transações imobiliárias informais nas quais o possuidor detém um título precário 21 mas exerce a posse de forma legítima contribuindo para a regularização da propriedade e a segurança jurídica 313 Especial Urbana A usucapião especial urbana prevista no artigo 1240 do Código Civil e reforçada pelo artigo 183 da Constituição Federal tem como objetivo principal a promoção do direito à moradia especialmente para populações de baixa renda em áreas urbanas Para sua configuração exigese que o possuidor exerça posse mansa pacífica e ininterrupta por 5 anos sobre um imóvel urbano com área de até 250 m² utilizado para sua moradia própria ou de sua família Um requisito fundamental é que o possuidor não seja proprietário de outro imóvel seja urbano ou rural o que reforça o caráter social dessa modalidade Diferentemente da usucapião ordinária não se exige justo título ou boafé o que facilita sua aplicação em ocupações informais como loteamentos irregulares ou áreas periféricas urbanas Essa modalidade está alinhada ao princípio da função social da propriedade previsto no artigo 5º inciso XXIII da Constituição Federal e ao direito à moradia consagrado no artigo 6º da mesma Constituição Complementada pelo artigo 9º do Estatuto da Cidade a usucapião especial urbana é um instrumento essencial para a regularização fundiária permitindo que famílias em situação de vulnerabilidade obtenham a propriedade de imóveis ocupados promovendo inclusão social e acesso à cidadania Sua aplicação é comum em processos de urbanização de favelas e ocupações urbanas contribuindo para a redução da informalidade fundiária 314 Especial Rural A usucapião especial rural regulada pelos art 1239 do Código Civil e art 191 da CF88 é voltada para a regularização de pequenas propriedades rurais ocupadas para fins produtivos especialmente por pequenos agricultores Para sua configuração exigese que o possuidor exerça posse mansa pacífica e ininterrupta por 5 anos sobre um imóvel rural com área de até 50 hectares O imóvel deve ser tornado produtivo pelo trabalho do possuidor ou de sua família com a fixação de moradia no local evidenciando o vínculo do ocupante com a terra Assim como na usucapião especial urbana o possuidor não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural e não há exigência de justo título ou 22 boafé Essa modalidade reflete a política agrária brasileira que busca democratizar o acesso à terra e promover a função social da propriedade rural conforme previsto no art 186 da Constituição Federal A usucapião especial rural é um instrumento crucial para a regularização de ocupações históricas em áreas rurais especialmente em regiões onde pequenos agricultores ocupam terras sem titulação formal contribuindo para a segurança jurídica e o desenvolvimento sustentável do campo 315 Familiar A usucapião familiar introduzida pela Lei nº 124242011 e prevista no artigo 1240A do Código Civil é uma modalidade específica destinada a proteger o cônjuge ou companheiro abandonado garantindo o direito à moradia em situações de vulnerabilidade decorrentes da dissolução de união estável ou casamento Para sua configuração exigese que o possuidor exerça posse mansa pacífica e ininterrupta por apenas 2 anos sobre um imóvel urbano com área de até 250 m² utilizado para sua moradia própria ou de sua família O imóvel deve ser parte do patrimônio comum do casal e o possuidor deve ser o cônjuge ou companheiro que permaneceu no imóvel após o abandono sem culpa do outro cônjuge ou companheiro Além disso o possuidor não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural Essa modalidade tem um caráter marcadamente social buscando proteger o cônjuge ou companheiro em situação de vulnerabilidade frequentemente em contextos de violência doméstica ou abandono familiar O prazo reduzido de 2 anos reflete a urgência de regularizar a situação possessória garantindo a continuidade da moradia e a estabilidade familiar A usucapião familiar é um avanço legislativo que combina os princípios da função social da propriedade e do direito à moradia com aplicação prática em casos de separação litigiosa ou abandono 316 Coletiva A usucapião coletiva embora não prevista diretamente no Código Civil é regulamentada pelo art 10 do Estatuto da Cidade Lei nº 102572001 e aplicada no âmbito do direito civil com o objetivo de promover a regularização fundiária de comunidades de baixa renda em áreas urbanas Para sua configuração exigese que uma população de baixa renda exerça posse mansa pacífica e ininterrupta por 5 anos sobre uma área urbana superior a 250 m² utilizada para fins de moradia Um 23 requisito distintivo é a impossibilidade de identificar a área ocupada por cada possuidor individualmente caracterizando a ocupação como coletiva Os possuidores não podem ser proprietários de outros imóveis urbanos ou rurais e não se exige justo título ou boafé A propriedade é adquirida em regime de condomínio com cotas ideais atribuídas aos ocupantes o que permite a regularização de comunidades inteiras como favelas loteamentos irregulares ou ocupações urbanas consolidadas Essa modalidade está alinhada ao art 183 da Carta Magna e ao princípio da função social da propriedade sendo um instrumento essencial para a inclusão social e a redução da informalidade fundiária em centros urbanos Sua aplicação é comum em projetos de urbanização e regularização fundiária promovendo o acesso à cidadania e à infraestrutura urbana para populações vulneráveis 32 Efeitos Da Usucapião Os efeitos da usucapião são multifacetados abrangendo aspectos declaratórios constitutivos e extintivos com repercussões no âmbito civil registral e social Com o reconhecimento da usucapião e o consequente preenchimento dos requisitos legais a sua consumação pode ser declarada por meio de sentença judicial ou por decisão administrativa resultando na aquisição do direito real sobre o qual foi exercida a posse O efeito primordial é a aquisição originária da propriedade independente de transmissão derivada extinguindo qualquer vínculo com o antigo titular Como ensina Silvio de Salvo Venosa em Direito Civil Direitos Reais Atlas 2020 a usucapião corta o cordão umbilical com o proprietário anterior conferindo ao usucapiente um domínio puro e livre de ônus preexistentes salvo exceções legais Esse efeito materializase com a sentença judicial declaratória art 1241 CC ou na via extrajudicial com o registro cartorial art 216A da Lei nº 60151973 introduzido pelo art 1071 do CPC2015 Carlos Roberto Gonçalves em Direito Civil Brasileiro Direitos das Coisas Saraiva 2021 explica que a sentença é meramente declaratória reconhecendo um direito preexistente desde o início do prazo prescricional Assim o usucapiente é considerado proprietário ab initio o que implica na nulidade de atos jurídicos intermediários do antigo dono como alienações ou constituição de direitos reais 24 Contudo essa retroatividade não afeta terceiros de boafé que adquiriram direitos antes da sentença preservando a segurança do tráfico jurídico princípio da aparência Sob o aspecto subjetivo a usucapião implica a renúncia presumida do titular inerte justificando a perda da propriedade por inatividade prolongada O registro da sentença ou da ata notarial usucapião extrajudicial produz efeito erga omnes conferindo publicidade e oponibilidade art 1245 CC Alinhada à função social a usucapião fomenta a regularização fundiária combatendo a especulação imobiliária e promovendo o direito à moradia art 6º CF Na modalidade coletiva introduzida pela Lei nº 134652017 beneficia comunidades urbanas extinguindo condomínios involuntários Os efeitos da usucapião consolidam a posse qualificada em propriedade originária com retroatividade extinção de direitos e promoção social alinhados ao ordenamento civilconstitucional 4 USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL É inegável que o Poder Judiciário brasileiro enfrenta um cenário de sobrecarga institucional com acúmulo expressivo de demandas e consequente morosidade na prestação jurisdicional A incapacidade estrutural do sistema de absorver com celeridade e eficiência o volume de ações distribuídas anualmente consolida um quadro de crise funcional comprometendo o princípio constitucional da razoável duração do processo e a efetividade do direito de acesso à justiça Nesse contexto a desjudicialização emerge como tendência jurídicoadministrativa fundamental para a modernização do sistema de justiça viabilizando a transferência de determinadas matérias para o âmbito extrajudicial sem prejuízo das garantias fundamentais e sob estrita fiscalização institucional Entre os instrumentos mais emblemáticos desse movimento destacase a usucapião extrajudicial introduzida pelo art 1071 do Código de Processo Civil de 2015 que acresceu o art 216A à Lei nº 60151973 Lei de Registros Públicos Tal previsão normativa permitiu que a usucapião tradicionalmente submetida ao crivo judicial passasse a ser também reconhecida por via administrativa desde que atendidos os requisitos materiais previstos nos arts 1238 a 1244 do Código Civil e ausente controvérsia apta a demandar apreciação jurisdicional Tratase de marco 25 legislativo que consagra o esforço estatal em conferir maior racionalidade celeridade e eficiência à regularização fundiária e ao reconhecimento formal de direitos possessórios consolidados A positivação sintética do instituto todavia gerou certa insegurança inicial quanto à sua operacionalização exigindo a atuação normativa do Conselho Nacional de Justiça que editou o Provimento nº 652017 Esse provimento estabeleceu diretrizes claras sobre documentação necessária etapas procedimentais competências dos delegatários prazos e hipóteses de remessa ao Judiciário promovendo padronização nacional segurança jurídica e previsibilidade ao procedimento A regulamentação consolidou a compreensão de que a usucapião extrajudicial não altera a substância do direito material mas institui rito administrativo alternativo à via judicial mantendo o caráter declaratório de aquisição da propriedade e garantindo o controle público dos atos praticados O procedimento extrajudicial de natureza facultativa iniciase por requerimento assinado pelo usucapiente e por seu cônjuge ou companheiro acompanhado de advogado ou defensor público A representação técnica é indispensável uma vez que embora deslocado do Judiciário o procedimento conserva elevado grau de complexidade normativa e técnica exigindo atuação profissional habilitada para assegurar a higidez dos atos e a defesa adequada dos direitos envolvidos Não se trata de desjudicialização carente de rigor mas de redistribuição de competência sob lastro jurídico com manutenção da garantia de acesso à jurisdição sempre que necessário ou provocado Nesse cenário ganha relevo a função desempenhada pelos notários e registradores de imóveis que deixam de ser meros registradores de títulos para assumirem papel proativo na consolidação do direito de propriedade atuando como agentes de pacificação técnicos especializados e guardiões da fé pública registral Competelhes qualificar a documentação apresentada e promover notificações aos titulares de direitos reais e aos entes federativos garantindo o contraditório e a publicidade do procedimento O silêncio dos notificados qualificase como anuência tácita preservando a segurança jurídica e evitando litigiosidade artificial Importante destacar que no desempenho dessa função os registradores assumem responsabilidade técnica de elevada relevância uma vez que sua atuação é revestida de fé pública e sujeita a controle disciplinar administrativo e judicial Esse aspecto explica eventual resistência inicial de parte da classe motivada pelo 26 receio de responsabilização civil ou disciplinar por eventual reconhecimento indevido Todavia a consolidação do provimento nacional a expansão de programas de formação continuada e o desenvolvimento de sistemas de notificação e georreferenciamento eletrônicos bem como o fortalecimento de ferramentas digitais vêm aprimorando a técnica reduzindo riscos e padronizando práticas Cabe salientar que a usucapião extrajudicial embora mais célere não prescinde de robustez probatória A ata notarial por exemplo constitui instrumento essencial por meio do qual o tabelião verifica a situação possessória podendo realizar diligências entrevistas e verificações locais constituindo documento dotado de presunção de veracidade relativa Assim o procedimento não se limita a formalidade documental mas incorpora análise técnica substancial Outro aspecto relevante do instituto referese à sua dimensão social e econômica A usucapião extrajudicial representa significativo avanço na regularização fundiária essencial para o desenvolvimento urbano e rural para o ordenamento territorial e para a efetivação do direito à moradia e ao patrimônio Ao transformar posses consolidadas em propriedade formal o instituto promove inclusão jurídica segurança patrimonial e estímulo à função social do imóvel em estrita consonância com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana da justiça social e da eficiência administrativa Todavia não se ignoram os desafios persistentes tais como divergências interpretativas entre corregedorias estaduais existência de cartórios sem estrutura técnica adequada dificuldades na localização de confrontantes custos relacionados à elaboração de documentos técnicos e eventual remessa judicial diante de impugnação fundamentada Ainda assim tais obstáculos não descaracterizam o instituto mas reforçam a necessidade de contínuo aperfeiçoamento normativo tecnológico e operacional Em síntese a usucapião extrajudicial configura instrumento de profunda relevância para o Direito das Coisas contemporâneo constituindo mecanismo eficaz de desjudicialização regularização imobiliária e concretização da função social da propriedade Ao conferir efetividade aos direitos reais mediante procedimento célere técnico e seguro o instituto representa passo decisivo na modernização do sistema jurídicoregistral brasileiro reafirmando a centralidade da atuação notarial e registral no Estado Democrático de Direito e reforçando a transição do modelo puramente 27 judicial para um paradigma de justiça multiportas mais eficiente acessível e socialmente comprometido 41 Requisitos E Procedimentos Da Usucapião Extrajudicial Os requisitos materiais da usucapião extrajudicial coincidem integralmente com os da usucapião judicial nos termos dos arts 1238 a 1244 do Código Civil Exigemse assim I posse qualificada caracterizada pelo exercício contínuo manso pacífico e ininterrupto dos poderes inerentes à propriedade com animus domini e ausência de vícios como violência clandestinidade ou precariedade II decurso do lapso temporal específico conforme a modalidade invocada III aptidão do sujeito especialmente a não propriedade de outro imóvel urbano ou rural nas modalidades especiais e IV coisa hábil vedada a usucapião de bens públicos de qualquer natureza nos termos do art 183 3º e do art 191 parágrafo único da Constituição Federal O requerente deve indicar expressamente a modalidade aplicável ao caso concreto sob pena de indeferimento por ausência de fundamentação No plano formal o procedimento iniciase por requerimento dirigido ao Oficial de Registro de imóveis da situação do bem obrigatoriamente subscrito por advogado ou pela Defensoria Pública instruído com a documentação taxativamente prevista no caput do art 216A da Lei nº 60151973 I ata notarial lavrada por tabelião de notas atestando o tempo de posse do requerente e de seus antecessores a forma de exercício da posse e a inexistência de ações possessórias ou reivindicatórias em curso nos moldes do art 384 do CPC II planta e memorial descritivo do imóvel assinados por profissional legalmente habilitado com anotação de responsabilidade técnica ART ou RRT e quando possível pelos titulares de direitos registrados e pelos confrontantes III certidões negativas dos distribuidores da comarca do imóvel e do domicílio do requerente relativas a ações reais e pessoais reipersecutórias e IV documentos comprobatórios da origem continuidade natureza e tempo da posse tais como comprovantes de pagamento de IPTU contas de serviços públicos ou correspondências Na ausência ou insuficiência destes últimos admitese a realização de justificação administrativa na própria serventia O rito procedimental de natureza administrativa e sumaríssima observa as seguintes etapas conforme o art 216A da Lei de Registros Públicos e o Provimento 28 CNJ nº 652017 1 protocolização do requerimento com prenotação prorrogada até a decisão final 2 qualificação registral preliminar podendo o oficial determinar diligências complementação documental ou vistoria in loco 3 notificação pessoal ou por carta com aviso de recebimento dos titulares de direitos registrados dos confrontantes e das Fazendas Públicas União Estado Distrito Federal e Município com prazo de quinze dias para manifestação importando o silêncio em concordância tácita 2º e 3º 4 publicação de edital em jornal de grande circulação ou por meio eletrônico por quinze dias para ciência de terceiros interessados 4º com redação da Lei nº 143822022 5 intervenção obrigatória do Ministério Público para emissão de parecer 7º 6 análise de eventuais impugnações se fundamentadas o procedimento é suspenso e remetido ao juízo competente 10 7 decorrido o prazo sem oposição válida ou sanadas as irregularidades procedese ao registro da aquisição por usucapião com abertura de matrícula se inexistente produzindo efeitos erga omnes art 1245 CC A Lei nº 134652017 introduziu significativas simplificações como a dispensa de assinatura dos confrontantes na planta quando regularmente notificados e silentes a possibilidade de edital eletrônico e a integração com a Regularização Fundiária Urbana REURB A Lei nº 143822022 por sua vez ampliou o uso de notificações eletrônicas reforçando a celeridade A rejeição administrativa não impede o acesso à via judicial 9º preservandose o princípio da inafastabilidade da jurisdição art 5º XXXV CF1988 Entre os óbices práticos destacamse a impossibilidade de usucapião de bens públicos a exigência de prova robusta especialmente pela ata notarial que não possui caráter absoluto e o risco de remessa ao Judiciário em caso de controvérsia Tais limitações contudo não comprometem a eficácia do instituto quando observados os pressupostos legais A usucapião extrajudicial consolidase portanto como instrumento eficiente de concretização da função social da propriedade art 5º XXIII CF1988 promovendo a pacificação social e a segurança registral Seu sucesso depende da rigorosa observância dos requisitos materiais de posse qualificada da inteireza documental e do fiel cumprimento do procedimento administrativo cabendo ao oficial de registro de imóveis atuação diligente e imparcial sob supervisão correcional e com complementaridade jurisdicional sempre que necessário 29 5 DESJUDICIALIZAÇAO A desjudicialização como diretriz normativa e política pública de racionalização do sistema de justiça representa um marco relevante na evolução da prestação jurisdicional no Brasil ao deslocar determinadas atividades tradicionalmente concentradas no Poder Judiciário para a esfera administrativa Esse movimento não visa esvaziar o papel jurisdicional do Estado mas ao contrário busca otimizar sua atuação reservando a apreciação judicial para conflitos efetivos e controvertidos enquanto questões de natureza consensual ou documental podem ser solucionadas por vias extrajudiciais com igual segurança jurídica Nesse cenário a usucapião extrajudicial constitui um dos exemplos mais emblemáticos da modernização do Direito das Coisas brasileiro evidenciando a reconfiguração do papel estatal na garantia do direito de propriedade à luz dos princípios constitucionais da eficiência da razoável duração do processo e da função social da propriedade A introdução do art 216A na Lei nº 60151973 pelo Código de Processo Civil de 2015 consolidou a possibilidade de reconhecimento da usucapião pela via administrativa ampliando significativamente o leque de instrumentos aptos à regularização fundiária e ao reconhecimento de situações possessórias consolidadas Ao permitir a aquisição originária da propriedade imóvel mediante procedimento extrajudicial o legislador visou proporcionar maior agilidade economicidade e simplicidade sem sacrificar o rigor jurídico uma vez que os requisitos materiais previstos nos arts 1238 a 1244 do Código Civil permanecem íntegros e devem ser demonstrados de forma robusta sob fiscalização dos órgãos notariais e registrais A publicação do Provimento nº 652017 pelo Conselho Nacional de Justiça representou um divisor de águas na consolidação do instituto ao estabelecer parâmetros uniformes de atuação para os serviços extrajudiciais minimizar divergências procedimentais e assegurar segurança jurídica nacional Essa normatização detalhou entre outros aspectos a documentação necessária as etapas notificatórias a atuação dos profissionais envolvidos especialmente advogados tabeliães e registradores e as hipóteses de suspensão e remessa dos autos ao Poder Judiciário quando litigiosidade ou vícios relevantes forem identificados 30 O início do procedimento depende de requerimento subscrito pelo usucapiente e se for o caso por seu cônjuge ou companheiro obrigatoriamente assistidos por advogado ou defensor público reforçando o caráter jurídico e técnico da via extrajudicial A exigência de representação profissional assegura que o procedimento seja adequadamente instruído evitando nulidades indeferimentos e retrabalhos além de preservar o devido processo legal e a integridade do ato Ademais a faculdade do interessado de optar pela via judicial permanece resguardada de modo que a desjudicialização não afasta o controle jurisdicional apenas o racionaliza O papel preventivo dos delegatários extrajudiciais muitas vezes ignorado por análises superficiais revelase essencial Afinal a função pacificadora do Direito não se restringe ao âmbito jurisdicional tradicional Ao promover notificações e quando necessário conduzir reuniões e tentativas de conciliação notários e registradores atuam como mediadores naturais prevenindo conflitos e evitando o acionamento desnecessário do Judiciário Essa lógica dialoga diretamente com a concepção contemporânea de justiça multiportas incentivada pelo Conselho Nacional de Justiça que busca diversificar as vias de solução de controvérsias e tornar o sistema mais acessível e eficiente É relevante destacar que a usucapião extrajudicial não se limita a garantir maior celeridade procedimental Ela materializa valores fundamentais da ordem constitucional sobretudo a concretização do direito à moradia a promoção da dignidade da pessoa humana e o cumprimento da função social da propriedade Ao possibilitar a regularização dominial de posses muitas vezes antigas e economicamente relevantes o instituto fortalece a segurança jurídica reduz externalidades negativas decorrentes da informalidade imobiliária e promove inclusão patrimonial O fenômeno da desjudicialização ao permitir que atos dotados de alta carga documental e baixa litigiosidade sejam conduzidos fora da arena judicial cumpre objetivos essenciais garantir a razoável duração do procedimento reduzir a sobrecarga do Judiciário e ampliar o acesso material à ordem jurídica justa Nessa lógica a atuação dos serviços extrajudiciais não constitui exceção ao princípio da inafastabilidade da jurisdição mas sua efetivação prática oferecendo ao cidadão vias múltiplas e adequadas à tutela de seu direito 31 Não obstante seus méritos a implementação plena do instituto enfrenta desafios relevantes Entre eles destacamse a disparidade interpretativa entre corregedorias estaduais a resistência inicial de alguns delegatários os custos técnicos de regularização topográfica e documental e dificuldades práticas na notificação de confrontantes e titulares de direitos reais A evolução legislativa posterior como a Lei nº 134652017 e a Lei nº 143822022 contribuiu para o aprimoramento do procedimento especialmente ao facilitar notificações eletrônicas e reforçar a integração sistêmica entre os serviços registrais Contudo a consolidação definitiva do modelo exige contínuo investimento na capacitação dos profissionais envolvidos no aperfeiçoamento tecnológico das serventias e na ampliação de mecanismos de acesso para hipossuficientes Assim a usucapião extrajudicial não deve ser compreendida como mera alternativa procedimental ao processo judicial tradicional mas sim como instrumento de transformação estrutural do Direito das Coisas inserido no processo evolutivo de modernização da administração pública e da atividade notarial e registral Tratase de ferramenta que promove eficiência institucional segurança jurídica efetividade de direitos fundamentais e consolidação do paradigma constitucional da função social da propriedade Em síntese a experiência brasileira com a usucapião extrajudicial demonstra que quando há vontade normativa infraestrutura adequada e atuação comprometida dos operadores do Direito é possível construir mecanismos ágeis e seguros de reconhecimento jurídico sem sacrificar garantias constitucionais e com evidente ganho social e institucional O aperfeiçoamento contínuo do sistema aliado à uniformização interpretativa e à expansão de práticas tecnológicas tende a consolidar ainda mais o instituto como um dos pilares do futuro da regularização imobiliária no país conferindolhe papel de destaque no processo de democratização do acesso à propriedade e de racionalização do sistema de justiça 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise desenvolvida ao longo deste estudo permitiu constatar que a usucapião extrajudicial representa um dos mais relevantes avanços contemporâneos no âmbito do Direito das Coisas e do processo de desjudicialização das relações jurídicas no Brasil O instituto consolidou uma nova via administrativa para o 32 reconhecimento da aquisição originária da propriedade sem a necessidade de intervenção jurisdicional desde que ausente litígio e observados os requisitos legais da posse qualificada A partir do exame doutrinário e normativo verificouse que o procedimento extrajudicial não altera os pressupostos materiais da usucapião previstos no Código Civil mas apenas transfere a competência para o âmbito notarial e registral conferindolhe maior celeridade e efetividade Tal inovação traduzse em importante mecanismo de concretização dos princípios constitucionais da função social da propriedade da eficiência administrativa e da celeridade processual No plano prático a usucapião extrajudicial tem se mostrado instrumento apto a contribuir significativamente para a regularização fundiária tanto em áreas urbanas quanto rurais promovendo a segurança jurídica e a pacificação social O procedimento administrativo permite que situações possessórias consolidadas sejam convertidas em titularidades legítimas com menor custo e em prazo reduzido desafogando o Poder Judiciário e aproximando o cidadão do reconhecimento de seus direitos Além disso reforça o papel das serventias extrajudiciais como agentes de efetivação da justiça e de concretização dos direitos fundamentais Não obstante os avanços o estudo evidenciou que ainda persistem entraves relevantes à plena eficácia do instituto A resistência de alguns registradores o excesso de formalismo em determinados atos a falta de uniformidade nas orientações das corregedorias estaduais as dificuldades de notificação de confrontantes e a imposição de custos técnicos elevados configuram obstáculos que por vezes comprometem o propósito desjudicializador Ademais a obrigatoriedade de representação por advogado pode limitar o acesso de possuidores economicamente vulneráveis ao procedimento contrariando em certa medida a finalidade social que o inspirou A doutrina majoritária representada por autores como Silvio de Salvo Venosa Carlos Roberto Gonçalves e Flávio Tartuce converge no entendimento de que a usucapião extrajudicial é um instrumento de efetivação da função social da propriedade e de racionalização do sistema jurídico desde que aplicada com observância estrita aos requisitos legais e sob fiscalização correcional rigorosa O Provimento nº 652017 do CNJ ao uniformizar os procedimentos e as legislações posteriores reforçaram a segurança e a acessibilidade do instituto integrandoo ao processo de modernização do sistema registral brasileiro 33 Dessa forma concluise que a viabilidade da usucapião extrajudicial no ordenamento jurídico brasileiro é plenamente reconhecida e sua efetividade embora sujeita a aperfeiçoamentos é inegável O instituto cumpre relevante papel na construção de um Direito Civil constitucionalizado voltado à concretização dos valores da dignidade da pessoa humana da justiça social e da democratização do acesso à propriedade Para que sua aplicação alcance todo o potencial de inclusão e eficiência que lhe é inerente fazse necessária a continuidade do processo de uniformização normativa a capacitação permanente dos agentes delegatários e a ampliação de mecanismos de assistência jurídica gratuita aos possuidores de baixa renda Somente assim será possível consolidar a usucapião extrajudicial como verdadeiro instrumento de cidadania segurança jurídica e desenvolvimento social em perfeita harmonia com os princípios que estruturam o ordenamento civil e constitucional contemporâneo 34 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIAS GONÇALVES Carlos Roberto Direito civil brasileiro volume 5 12 ed São Paulo Saraiva 2017 VENOSA Silvio de Salvo Direito Civil Direitos Reais volume 4 São Paulo Atlas 2020 MONTEIRO Washington de Barros Curso de Direito Civil volume 3 São Paulo Saraiva 2007 GONÇALVES Carlos Roberto Direito Civil Brasileiro Direitos das Coisas São Paulo Saraiva 2021
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Texto de pré-visualização
1 CURSO DE DIREITO BIANCA BRANDALISE ZANETTI A VIABILIDADE DA USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO A EFETIVIDADE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE AQUISIÇÃO DE PROPRIEDADE RondonópolisMT 2025 2 CURSO DE DIREITO BIANCA BRANDALISE ZANETTI A VIABILIDADE DA USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO A EFETIVIDADE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE AQUISIÇÃO DE PROPRIEDADE Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Banca Avaliadora do Departamento de Direito da Faculdade Fasipe Rondonópolis como requisito para a obtenção do título de Bacharel em Direito Orientadora Claire Ines Gai Martielo RondonópolisMT 2025 3 BIANCA BRANDALISE ZANETTI A VIABILIDADE DA USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO A EFETIVIDADE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE AQUISIÇÃO DE PROPRIEDADE Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Banca Avaliadora do Curso de Direito da Faculdade Fasipe Rondonópolis como requisito para a obtenção do título de Bacharel em Direito Aprovado em Professora Orientadora Departamento de Direito FASIPE Professora Avaliadora Departamento de Direito FASIPE Professora Avaliadora Departamento de Direito FASIPE RondonópolisMT 2025 Dedico este trabalho 4 AGRADECIMENTOS 5 EPÍGRAFE É justo que muito custe o que muito vale Santa Teresa DÁvila ZANETTI Bianca Brandalise A viabilidade da usucapião extrajudicial no ordenamento jurídico brasileiro A efetividade do procedimento administrativo de aquisição de propriedade 2025 páginas Trabalho de Conclusão de Curso Graduação em Direito Faculdade Fasipe Rondonópolis Rondonópolis Mato Grosso 2025 6 RESUMO O presente Trabalho de Conclusão de Curso tem como tema A viabilidade da usucapião extrajudicial no ordenamento jurídico brasileiro a efetividade do procedimento administrativo de aquisição de propriedade em que analisa o art 216A da Lei nº 60151973 introduzido pelo CPC2015 e regulamentado pelo Provimento nº 652017 do CNJ abordando aspectos procedimentais probatórios e técnicos enfatizando o papel dos notários e registradores na qualificação documental notificações e mediação prévia além dos desafios como padronização capacitação e integração tecnológica A pergunta norteadora é Com o impacto da Lei nº 131052015 e do Provimento nº 652017 do CNJ qual o papel dos notários e registradores no sucesso do procedimento extrajudicial e como eles podem otimizar esse processo evitando sobrecarregar o Judiciário Para responder a essa questão será empreendida uma pesquisa bibliográfica e documental com análise de doutrina especializada artigos científicos legislações correlatas provimentos normativos das corregedorias Serão observados ainda aspectos procedimentais aplicáveis pelos cartórios de notas e de registro de imóveis conforme diretrizes legais e administrativas A expectativa é que o estudo contribua para a compreensão aprofundada do papel da usucapião extrajudicial no cenário jurídico atual demonstrando sua importância como mecanismo moderno de efetivação de direitos redução de litígios e fortalecimento da função social da propriedade além de evidenciar a necessidade de constante capacitação dos operadores do direito e padronização dos procedimentos cartorários para garantir segurança jurídica e eficiência na aplicação dessa modalidade de aquisição originária de propriedade imóvel Palavraschave Usucapião Posse Propriedade Aquisição Desjudicializaçao ZANETTI Bianca Brandalise A viabilidade da usucapião extrajudicial no ordenamento jurídico brasileiro A efetividade do procedimento administrativo de aquisição de propriedade 2025 páginas Trabalho de Conclusão de Curso Graduação em Direito Faculdade Fasipe Rondonópolis Rondonópolis Mato Grosso 2025 7 ABSTRACT This Final Course Project is themed The viability of extrajudicial adverse possession in the Brazilian legal system the effectiveness of the administrative procedure for acquiring property in which it analyzes article 216A of Law No 60151973 introduced by the CPC2015 and regulated by CNJ Provision No 652017 addressing procedural evidentiary and technical aspects emphasizing the role of notaries and registrars in document qualification notifications and prior mediation in addition to challenges such as standardization training and technological integration The guiding question is With the impact of Law No 131052015 and CNJ Provision No 652017 what is the role of notaries and registrars in the success of extrajudicial proceedings and how can they optimize this process while avoiding overburdening the Judiciary To answer this question a bibliographic and documentary research will be undertaken with analysis of specialized doctrine scientific articles related legislation and normative provisions of the corregedorias judicial oversight bodies The study will also examine procedural aspects applicable to notary offices and land registry offices in accordance with legal and administrative guidelines It is expected that this study will contribute to a deeper understanding of the role of extrajudicial adverse possession in the current legal landscape demonstrating its importance as a modern mechanism for enforcing rights reducing litigation and strengthening the social function of property Furthermore it will highlight the need for continuous training of legal professionals and standardization of notary procedures to ensure legal certainty and efficiency in the application of this method of original acquisition of real estate property Keywords Adverse possession Possession Property Acquisition Dejudicialization 8 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS Art Artigo CC Código Civil CF Constituição Federal CNJ Conselho Nacional de Justiça CPC Código de Processo Civil 9SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 11 2 DIREITO DAS COISAS DA POSSE E PROPRIEDADE 12 21DA POSSE14 22DA PROPRIEDADE14 23A FUNÇAO SOCIAL DA PROPRIEDADE15 3 DA USUCAPIÃO17 31DAS ESPÉCIES18 311 EXTRAODINÁRIA18 312 ORDINÁRIA19 313 ESPECIAL URBANA 20 314 ESPECIAL RURAL20 315 FAMILIAR21 316 COLETIVA21 32EFEITOS DA USUCAPIÃO22 4 USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL23 41REQUISITOS E OS PROCEDIMENTOS DA USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL25 5 DESJUDICIALIZAÇÃO26 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 28 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS30 14 1 INTRODUÇÃO O direito de propriedade consagrado como direito fundamental pela Constituição Federal de 1988 em seu art 5º inciso XXII constitui um dos pilares do ordenamento jurídico brasileiro Contudo este mesmo diploma constitucional condiciona seu exercício ao atendimento de sua função social revelando a superação da concepção absolutista e individualista do domínio em favor de uma perspectiva comprometida com o interesse coletivo e com a promoção da justiça social Nesse contexto o instituto da usucapião assume papel central na efetivação desse princípio ao transformar situações possessórias consolidadas em titularidades jurídicas legítimas promovendo a segurança das relações patrimoniais e a pacificação de conflitos fundiários Tradicionalmente a usucapião é reconhecida como modo originário de aquisição da propriedade previsto nos artigos 1238 a 1244 do Código Civil de 2002 fundado na posse prolongada mansa pacífica e contínua exercida com animus domini Sua natureza originária rompe o vínculo jurídico com o antigo titular consolidando uma nova relação de domínio pautada na função social do uso e na valorização do trabalho Tratase portanto de um instrumento que não apenas regulariza situações fáticas mas concretiza valores constitucionais como a dignidade da pessoa humana o direito à moradia e a justiça social A usucapião extrajudicial introduzida no ordenamento jurídico brasileiro pelo art 1071 do Código de Processo Civil de 2015 que inseriu o artigo 216A na Lei de Registros Públicos representa um marco no processo de desjudicialização das relações civis A partir desse dispositivo tornouse possível reconhecer a aquisição da propriedade por meio de procedimento administrativo realizado diretamente perante o Registro de Imóveis competente desde que observados os requisitos legais e não haja litígio entre as partes Tal inovação foi posteriormente regulamentada pelo Provimento nº 652017 do Conselho Nacional de Justiça CNJ que estabeleceu diretrizes uniformes para a atuação de notários e registradores reforçando a segurança e a celeridade do procedimento O movimento de desjudicialização ao transferir determinadas atividades antes reservadas ao Poder Judiciário para órgãos administrativos dotados de fé pública como os cartórios de registro de imóveis visa reduzir a sobrecarga do sistema judicial e assegurar maior efetividade na tutela dos direitos No caso da usucapião essa transformação busca conferir agilidade à regularização fundiária e ampliar o acesso à propriedade formal especialmente em um país marcado pela concentração fundiária e pela informalidade das ocupações urbanas e rurais Entretanto apesar dos avanços normativos e dos inegáveis benefícios da via extrajudicial como a celeridade a economia processual e a proximidade entre o cidadão e 15 a concretização de seus direitos persistem desafios que comprometem sua plena efetividade Entre eles destacamse a resistência de alguns registradores em face da responsabilidade civil decorrente da qualificação da posse as divergências interpretativas entre corregedorias estaduais os custos técnicos associados à elaboração de plantas e memoriais descritivos e a recorrente remessa dos procedimentos ao Poder Judiciário diante de impugnações formais Assim o presente trabalho tem por objetivo analisar a viabilidade e a efetividade da usucapião extrajudicial no ordenamento jurídico brasileiro examinando sua base constitucional seus requisitos materiais e formais a função social que desempenha no contexto da desjudicialização e os entraves práticos à sua consolidação Buscase demonstrar que embora a usucapião extrajudicial se apresente como importante instrumento de democratização do acesso à propriedade e de racionalização da atividade jurisdicional sua concretização plena depende da uniformização procedimental do fortalecimento das serventias extrajudiciais e da ampliação do acesso dos cidadãos a meios eficazes de regularização dominial 2 DIREITO DAS COISAS DA POSSE E PROPRIEDADE O estudo da usucapião inserida no âmbito do Direito das Coisas que versa entre outros temas da posse e da propriedade exige inicialmente uma breve conceituação desses institutos considerando que são interdependentes e dialogam entre si Segundo Clóvis Bevilácqua citado por Gonçalves 2020 p 20 o Direito das Coisas é o conjunto de normas que regula as relações jurídicas referentes às coisas suscetíveis de apropriação pelo ser humano geralmente pertencentes ao mundo físico pois sobre elas é possível exercer o poder de domínio Com a Constituição Federal de 1988 o direito de propriedade foi elevado à condição de direito fundamental nos termos do art 5º inciso XXII que assegura o direito de propriedade mas imediatamente condicionado pelo inciso XXIII que estabelece que a propriedade atenderá a sua função social Essa combinação demonstra que a propriedade não é um fim em si mesma mas um instrumento de promoção do bem comum e de concretização da dignidade da pessoa humana A função social da propriedade pode ser compreendida como o conjunto de deveres e limitações que o ordenamento impõe ao proprietário de modo que o exercício do direito de domínio atenda às finalidades econômicas sociais e ambientais previstas em lei Essa concepção rompe com a ideia de propriedade como poder ilimitado e reconhece que o interesse coletivo deve prevalecer sobre o interesse puramente individual quando em 16 conflito O Código Civil de 2002 incorporou expressamente esse princípio ao dispor em seu art 1228 1º que o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados de conformidade com o estabelecido em lei especial a flora a fauna as belezas naturais o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico bem como evitada a poluição do ar e das águas Assim o exercício do domínio encontrase condicionado ao respeito às normas de proteção ambiental e ao interesse coletivo No âmbito rural a Constituição Federal em seu art 186 define de forma objetiva os requisitos para que a propriedade rural cumpra sua função social sendo o aproveitamento racional e adequado a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente a observância das disposições que regulam as relações de trabalho e exploração que favoreça o bemestar dos proprietários e dos trabalhadores Já no contexto urbano o art 182 2º da Constituição determina que a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor Assim tanto nas áreas rurais quanto nas urbanas a propriedade deve servir à coletividade e contribuir para o desenvolvimento sustentável e equilibrado A usucapião é uma das formas mais emblemáticas de concretização da função social da propriedade Prevista nos arts 1238 a 1244 do Código Civil a usucapião consiste em modo originário de aquisição da propriedade pela posse prolongada mansa pacífica e ininterrupta exercida com animus domini intenção de dono desde que observados os prazos e condições legais A usucapião portanto valoriza o trabalho e o uso produtivo da terra punindo o proprietário que não dá destinação social ao bem Como ensina Maria Helena Diniz 2021 a usucapião constitui sanção ao proprietário negligente e prêmio ao possuidor que dá à coisa uma destinação conforme sua função econômica e social Essa perspectiva reforça o caráter ético do instituto que busca harmonizar o direito individual com o interesse coletivo Ao reconhecer a posse prolongada como título legítimo de aquisição o Estado premia o uso produtivo e socialmente adequado do bem ao mesmo tempo em que desestimula o abandono e a ociosidade da propriedade Assim a usucapião cumpre papel fundamental na regularização fundiária na pacificação de conflitos possessórios e na redução das desigualdades sociais sobretudo em áreas urbanas e rurais marcadas pela concentração fundiária Desse modo a usucapião é expressão prática da função social da propriedade que 17 constituem mecanismos de concretização dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana da justiça social e do direito à moradia que orientam todo o sistema jurídico brasileiro 21 DA POSSE No âmbito do Direito Civil brasileiro a posse constitui um dos institutos fundamentais do Direito das Coisas servindo como pressuposto para a aquisição da propriedade por meio de modos originários como a usucapião e como base para a proteção possessória contra turbações ou esbulhos O Código Civil de 2002 artigos 1196 a 1222 disciplina a posse de forma sistemática adotando uma abordagem objetiva que prioriza o exercício fático de poderes sobre o bem independentemente da intenção subjetiva de se tornar proprietário A posse não se confunde com a propriedade sendo a última um direito real absoluto e perpétuo art 1225 CC enquanto a primeira é uma situação fática transitória que pode evoluir para a propriedade mediante requisitos específicos Como destacado por Silvio de Salvo Venosa em sua obra Direito Civil Direitos Reais Atlas 2020 a posse é um fato jurídico que gera efeitos jurídicos alinhandose à função social da propriedade preconizada no art 5º XXIII da Constituição Federal de 1988 O possuidor é definido como todo aquele que tem de fato o exercício pleno ou não de algum dos poderes inerentes à propriedade consoante art 1196 do Código Civil Essa definição reflete a adoção da teoria objetiva de Rudolf von Ihering que enfatiza o corpus possessionis exercício fático em detrimento do animus domini intenção de dono contrastando com a teoria subjetiva de Friedrich Carl von Savigny prevalente no Código Civil de 1916 A transição para a teoria iheringiana no CC2002 foi influenciada pela necessidade de maior proteção ao detentor fático especialmente em contextos de regularização fundiária e função social A posse como instituto dinâmico do Direito Civil equilibra a proteção fática com a segurança jurídica da propriedade Sua regulação no CC2002 inspirada na teoria objetiva facilita a resolução de litígios e a aquisição originária de bens contribuindo para a efetivação da função social Em suma a posse não é mero fato mas pilar do ordenamento demandando aplicação criteriosa para justiça equânime 22 DA PROPRIEDADE A propriedade é considerada o mais completo dos direitos subjetivos sendo o direito 18 central entre os direitos reais e o núcleo essencial do Direito das Coisas Conforme ensina Washington de Barros Monteiro MONTEIRO Curso de Direito Civil v 3 p 83 apud GONÇALVES 2020 p 210 o direito de propriedade é o mais importante e sólido de todos os direitos subjetivos o direito real por excelência e o eixo em torno do qual gravita o Direito das Coisas No âmbito do Direito Civil brasileiro os poderes conferidos ao proprietário estão previstos no artigo 1228 do Código Civil que estabelece ser facultado ao titular usar gozar e dispor da coisa e o direito de reavêla do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha Assim o proprietário detém um conjunto de prerrogativas jurídicas que lhe permitem exercer domínio pleno sobre o bem dentro dos limites fixados pela lei Segundo Melo 2019 p 91 a propriedade é um direito subjetivo absoluto elástico perpétuo complexo e limitado por meio do qual uma pessoa submete determinado bem ao seu poder e interesse É considerada um direito subjetivo porque deriva de um fato jurídico que impõe a todos a obrigação de não interferir no exercício do direito do proprietário É absoluta pois pode ser oposta contra todos garantindo eficácia erga omnes É elástica uma vez que permite ao titular ampliar ou restringir o exercício de seus poderes sobre o bem conforme sua vontade É perpétua porque não se extingue pelo simples desuso É complexa ao reunir diversas faculdades que compõem o domínio e é limitada pois o exercício dessas faculdades usar gozar dispor e reaver deve respeitar as restrições legais e observar a função social e os princípios que regem o ordenamento jurídico 23 DA FUNÇAO SOCIAL DA PROPRIEDADE Para compreender o instituto da usucapião é indispensável abordar o princípio constitucional da função social da propriedade pois é esse princípio que assegura que o imóvel cumpra adequadamente sua finalidade social e econômica No ordenamento jurídico brasileiro como supramencionado a função social da propriedade é uma garantia constitucional prevista no artigo 5º inciso XXIII da Constituição Federal que estabelece que a propriedade deve atender à sua função social Além disso esse princípio orienta toda a atividade econômica conforme dispõe o artigo 170 inciso III da mesma Carta impondo limites à liberdade de exploração econômica para assegurar o interesse coletivo O Código Civil em seu artigo 1228 1º reforça essa diretriz ao determinar que o direito de propriedade deve ser exercido de acordo com suas finalidades econômicas e sociais respeitando a flora a fauna as belezas naturais o equilíbrio ecológico o patrimônio histórico e artístico bem como evitando a poluição do ar e das águas 19 De acordo com Melo 2019 a função social da propriedade tornouse uma exigência indispensável à convivência em sociedade pois embora seja fundamental garantir os direitos individuais do proprietário também é essencial que ele observe as potencialidades econômicas e sociais do bem de forma que essas sejam revertidas em benefício coletivo A função social da usucapião é dupla jurídica e social Do ponto de vista jurídico ela consolida uma situação de fato qual seja a posse legítima e prolongada em uma situação de direito conferindo segurança jurídica e estabilidade às relações patrimoniais Do ponto de vista social a usucapião atua como instrumento de justiça distributiva pois transforma a posse útil e produtiva em propriedade regularizando ocupações e garantindo o direito à moradia e ao trabalho em consonância com os valores constitucionais A função social da propriedade e a usucapião são institutos que se complementam na busca pela justiça social e pela efetividade dos direitos fundamentais Ambos demonstram que o ordenamento jurídico brasileiro contemporâneo não reconhece a propriedade como direito absoluto mas como instrumento de promoção do bem comum Enquanto a função social da propriedade impõe ao titular um dever de utilização responsável e socialmente útil do bem a usucapião atua como meio de corrigir distorções sociais conferindo titularidade àquele que pela posse prolongada e produtiva demonstra dar ao bem a destinação que a lei e a Constituição exigem No tocante à regularização fundiária e à aplicação prática do princípio da função social da propriedade Vinícius de Melo Lima e Marcelo Cacinotti Costa 2018 destacam que a grande quantidade de imóveis em situação informal prejudica tanto o Estado quanto as pessoas que vivem à margem da legalidade pois essa informalidade compromete o direito fundamental à dignidade materializado pelo acesso à propriedade formal Segundo os autores a efetiva regularização dos imóveis não se limita à garantia de direitos individuais mas representa um meio de integrar o cidadão ao sistema jurídico e econômico formal previsto pela Constituição Dessa forma concluise que a propriedade não pode ser dissociada de sua função social que lhe confere legitimidade jurídica e moral O exercício do domínio deve sempre estar subordinado ao cumprimento dessa função que transforma o direito de propriedade em um instrumento de justiça social e de equilíbrio entre o interesse individual e o coletivo 3 DA USUCAPIÃO A palavra usucapião tem origem no latim resultando da junção de usus uso e do verbo capio tomar adquirir significando portanto tomar pelo uso Tratase de um modo 20 de aquisição da propriedade e de outros direitos reais que decorre do exercício prolongado e público da posse desde que preenchidos os requisitos previstos em lei Conforme explica Francisco José Barbosa Nobre 2018 p 27 com o passar do tempo uma situação de fato a posse acaba se transformando em uma situação de direito a propriedade mediante o instituto da usucapião O surgimento da usucapião remonta ao Direito Romano quando foi concebida como forma de aquisição da propriedade principalmente para amparar aqueles que embora houvessem adquirido um bem não eram considerados proprietários devido a irregularidades formais no processo de transmissão Segundo Melo 2019 p 118 a primeira positivação da usucapião ocorreu na Lei das XII Tábuas Na usucapião há um confronto entre a pretensão do proprietário formal e o interesse do possuidor sendo este último representado pelo uso efetivo e produtivo do bem em consonância com a função social da propriedade Nobre 2018 p 28 explica que a usucapião ao transferir a propriedade ao possuidor retira o direito daquele que embora titular deixou de exercer domínio sobre o bem demonstrando desinteresse prolongado Assim o instituto é justo pois recompensa o possuidor ativo que dá ao imóvel uma finalidade econômica e social e pune o proprietário omisso Melo 2019 p 119 reforça essa ideia ao afirmar que o usucapiente é premiado por seu uso produtivo e responsável do bem enquanto o proprietário desidioso é sancionado por sua inércia Segundo o autor é justo que aquele que agrega valor à coisa por meio do trabalho produção ou moradia receba o reconhecimento jurídico e social de sua condição de proprietário Embora exista discussão sobre a natureza da usucapião que questiona se o presente instituto se trata de uma forma originária ou derivada de aquisição da propriedade prevalece o entendimento de que se trata de uma aquisição originária uma vez que não há transferência do direito de propriedade de um titular anterior mas sim o surgimento de uma nova titularidade Com o reconhecimento da usucapião extinguese o direito do proprietário anterior e nasce uma nova relação jurídica Para que a usucapião seja configurada é indispensável o exercício da posse ininterrupta sem oposição e com intenção de dono animus domini durante o período legalmente estabelecido A posse ininterrupta exige continuidade sem interrupções voluntárias ou forçadas A legislação brasileira contudo admite a soma de posses isto é o possuidor atual pode somar o tempo de posse de seus antecessores desde que esta tenha sido mansa e pacífica consoante art 1243 do Código Civil A posse mansa e pacífica por sua vez requer que o possuidor não enfrente contestação ou oposição do proprietário Caso o titular do direito manifeste resistência ou 21 busque judicialmente a retomada do bem a posse deixa de ser apta à usucapião O animus domini ou intenção de dono representa o elemento subjetivo da posse Significa o comportamento do possuidor que age como verdadeiro proprietário sem reconhecer em outra pessoa um direito superior ao seu sobre o bem Por fim é essencial que o objeto da usucapião seja bem suscetível de ser adquirido por esse meio O ordenamento jurídico brasileiro proíbe expressamente a usucapião de bens públicos conforme estabelecem os artigos 183 3º e 191 parágrafo único da Constituição Federal Assim nenhum dos bens públicos incluindo os bens dominicais e as terras devolutas pode ser adquirido por usucapião Como destacam Miranda Mello Lago e Bottega 2020 p 18 o sistema jurídico brasileiro atual busca por meio da usucapião ao mesmo tempo premiar o possuidor diligente e punir o proprietário negligente reconhecendo o direito de quem exerce a posse com ânimo de dono e confere função social ao bem Dessa forma a usucapião constitui um importante instrumento jurídico que transforma a posse prolongada exercida de maneira contínua e com intenção de domínio em propriedade legítima Ela reafirma o princípio da função social da propriedade e reforça a justiça social ao valorizar o uso efetivo e responsável do bem em detrimento da mera titularidade formal 31 DAS ESPÉCIES A usucapião como modo originário de aquisição da propriedade abrange diversas espécies adaptadas a contextos específicos com requisitos diferenciados quanto a prazos posse qualificada e função social No Código Civil de 2002 as modalidades de usucapião são delineadas com requisitos específicos que variam conforme o tipo de imóvel o prazo de posse a existência de justo título ou boafé e a condição socioeconômica do possuidor Vejamos 311 EXTRAORDINÁRIA A usucapião extraordinária disciplinada pelo artigo 1238 do Código Civil é a modalidade mais ampla do instituto pois dispensa a exigência de justo título e boafé focando exclusivamente na posse prolongada como fundamento para a aquisição da propriedade Para sua configuração exigese que o possuidor exerça posse mansa pacífica e ininterrupta por 15 anos A posse mansa implica ausência de violência no acesso 22 ao bem enquanto a posse pacífica requer que não haja oposição por terceiros e a continuidade impede interrupções no exercício da posse Essa modalidade reflete o princípio de que a posse prolongada quando exercida de forma pública e sem contestação deve ser reconhecida como direito de propriedade promovendo a estabilização das relações jurídicas e a segurança fundiária O parágrafo único do mencionado artigo prevê a possibilidade de redução do prazo para 10 anos desde que o possuidor tenha estabelecido no imóvel sua moradia habitual ou realizado obras ou serviços de caráter produtivo como benfeitorias que incrementem o valor econômico ou social do bem Essa redução evidencia a valorização do uso efetivo do imóvel alinhandose à função social da propriedade A usucapião extraordinária é frequentemente aplicada em situações de ocupações informais especialmente em áreas urbanas e rurais onde a ausência de titulação formal é comum sendo um instrumento crucial para a regularização fundiária em contextos de posse histórica 312 ORDINÁRIA A usucapião ordinária prevista no artigo 1242 do Código Civil caracterizase por requisitos mais rigorosos que a extraordinária mas com prazos reduzidos refletindo a presença de elementos formais que aproximam a posse de uma titularidade jurídica Para sua configuração é necessário que o possuidor exerça posse mansa pacífica e ininterrupta por 10 anos com justo título e boafé O justo título é um documento que em tese conferiria o direito à propriedade como um contrato de compra e venda ou uma promessa de compra e venda ainda que não registrado ou inválido para a transferência formal A boafé por sua vez exige que o possuidor acredite de forma legítima que não há impedimentos legais para a aquisição do imóvel ou seja que desconheça qualquer vício que torne sua posse ilegítima O parágrafo único do artigo 1242 estabelece a possibilidade de redução do prazo para 5 anos em duas hipóteses quando o imóvel foi adquirido onerosamente com base em um registro posteriormente cancelado desde que o possuidor tenha estabelecido moradia ou realizado investimentos ou quando o possuidor tenha fixado moradia habitual ou promovido investimentos de interesse social e econômico como obras que beneficiem a comunidade ou incrementem a produtividade do imóvel Essa modalidade é amplamente utilizada em casos de transações imobiliárias informais nas quais o possuidor detém um 23 título precário mas exerce a posse de forma legítima contribuindo para a regularização da propriedade e a segurança jurídica 313 ESPECIAL URBANA A usucapião especial urbana prevista no artigo 1240 do Código Civil e reforçada pelo artigo 183 da Constituição Federal tem como objetivo principal a promoção do direito à moradia especialmente para populações de baixa renda em áreas urbanas Para sua configuração exigese que o possuidor exerça posse mansa pacífica e ininterrupta por 5 anos sobre um imóvel urbano com área de até 250 m² utilizado para sua moradia própria ou de sua família Um requisito fundamental é que o possuidor não seja proprietário de outro imóvel seja urbano ou rural o que reforça o caráter social dessa modalidade Diferentemente da usucapião ordinária não se exige justo título ou boafé o que facilita sua aplicação em ocupações informais como loteamentos irregulares ou áreas periféricas urbanas Essa modalidade está alinhada ao princípio da função social da propriedade previsto no artigo 5º inciso XXIII da Constituição Federal e ao direito à moradia consagrado no artigo 6º da mesma Constituição Complementada pelo artigo 9º do Estatuto da Cidade a usucapião especial urbana é um instrumento essencial para a regularização fundiária permitindo que famílias em situação de vulnerabilidade obtenham a propriedade de imóveis ocupados promovendo inclusão social e acesso à cidadania Sua aplicação é comum em processos de urbanização de favelas e ocupações urbanas contribuindo para a redução da informalidade fundiária 314 ESPECIAL RURAL A usucapião especial rural regulada pelos art 1239 do Código Civil e art 191 da CF88 é voltada para a regularização de pequenas propriedades rurais ocupadas para fins produtivos especialmente por pequenos agricultores Para sua configuração exigese que o possuidor exerça posse mansa pacífica e ininterrupta por 5 anos sobre um imóvel rural com área de até 50 hectares O imóvel deve ser tornado produtivo pelo trabalho do possuidor ou de sua família com a fixação de moradia no local evidenciando o vínculo do ocupante com a terra Assim como na usucapião especial urbana o possuidor não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural e não há exigência de justo título ou boafé Essa modalidade 24 reflete a política agrária brasileira que busca democratizar o acesso à terra e promover a função social da propriedade rural conforme previsto no art 186 da Constituição Federal A usucapião especial rural é um instrumento crucial para a regularização de ocupações históricas em áreas rurais especialmente em regiões onde pequenos agricultores ocupam terras sem titulação formal contribuindo para a segurança jurídica e o desenvolvimento sustentável do campo 315 FAMILIAR A usucapião familiar introduzida pela Lei nº 124242011 e prevista no artigo 1240 A do Código Civil é uma modalidade específica destinada a proteger o cônjuge ou companheiro abandonado garantindo o direito à moradia em situações de vulnerabilidade decorrentes da dissolução de união estável ou casamento Para sua configuração exigese que o possuidor exerça posse mansa pacífica e ininterrupta por apenas 2 anos sobre um imóvel urbano com área de até 250 m² utilizado para sua moradia própria ou de sua família O imóvel deve ser parte do patrimônio comum do casal e o possuidor deve ser o cônjuge ou companheiro que permaneceu no imóvel após o abandono sem culpa do outro cônjuge ou companheiro Além disso o possuidor não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural Essa modalidade tem um caráter marcadamente social buscando proteger o cônjuge ou companheiro em situação de vulnerabilidade frequentemente em contextos de violência doméstica ou abandono familiar O prazo reduzido de 2 anos reflete a urgência de regularizar a situação possessória garantindo a continuidade da moradia e a estabilidade familiar A usucapião familiar é um avanço legislativo que combina os princípios da função social da propriedade e do direito à moradia com aplicação prática em casos de separação litigiosa ou abandono 316 COLETIVA A usucapião coletiva embora não prevista diretamente no Código Civil é regulamentada pelo art 10 do Estatuto da Cidade Lei nº 102572001 e aplicada no âmbito do direito civil com o objetivo de promover a regularização fundiária de comunidades de baixa renda em áreas urbanas Para sua configuração exigese que uma população de baixa renda exerça posse mansa pacífica e ininterrupta por 5 anos sobre uma área urbana superior a 250 m² utilizada para fins de moradia Um requisito distintivo é a impossibilidade de identificar a área ocupada por cada possuidor individualmente 25 caracterizando a ocupação como coletiva Os possuidores não podem ser proprietários de outros imóveis urbanos ou rurais e não se exige justo título ou boafé A propriedade é adquirida em regime de condomínio com cotas ideais atribuídas aos ocupantes o que permite a regularização de comunidades inteiras como favelas loteamentos irregulares ou ocupações urbanas consolidadas Essa modalidade está alinhada ao art 183 da Carta Magna e ao princípio da função social da propriedade sendo um instrumento essencial para a inclusão social e a redução da informalidade fundiária em centros urbanos Sua aplicação é comum em projetos de urbanização e regularização fundiária promovendo o acesso à cidadania e à infraestrutura urbana para populações vulneráveis 32 EFEITOS DA USUCAPIÃO Os efeitos da usucapião são multifacetados abrangendo aspectos declaratórios constitutivos e extintivos com repercussões no âmbito civil registral e social Com o reconhecimento da usucapião e o consequente preenchimento dos requisitos legais a sua consumação pode ser declarada por meio de sentença judicial ou por decisão administrativa resultando na aquisição do direito real sobre o qual foi exercida a posse O efeito primordial é a aquisição originária da propriedade independente de transmissão derivada extinguindo qualquer vínculo com o antigo titular Como ensina Silvio de Salvo Venosa em Direito Civil Direitos Reais Atlas 2020 a usucapião corta o cordão umbilical com o proprietário anterior conferindo ao usucapiente um domínio puro e livre de ônus preexistentes salvo exceções legais Esse efeito materializase com a sentença judicial declaratória art 1241 CC ou na via extrajudicial com o registro cartorial art 216A da Lei nº 60151973 introduzido pelo art 1071 do CPC2015 Carlos Roberto Gonçalves em Direito Civil Brasileiro Direitos das Coisas Saraiva 2021 explica que a sentença é meramente declaratória reconhecendo um direito preexistente desde o início do prazo prescricional Assim o usucapiente é considerado proprietário ab initio o que implica na nulidade de atos jurídicos intermediários do antigo dono como alienações ou constituição de direitos reais Contudo essa retroatividade não afeta terceiros de boafé que adquiriram direitos antes da sentença preservando a segurança do tráfico jurídico princípio da aparência Sob o aspecto subjetivo a usucapião implica a renúncia presumida do titular inerte justificando a perda da propriedade por inatividade prolongada O registro da sentença ou da ata notarial usucapião extrajudicial produz efeito erga omnes conferindo publicidade e oponibilidade art 1245 CC 26 Alinhada à função social a usucapião fomenta a regularização fundiária combatendo a especulação imobiliária e promovendo o direito à moradia art 6º CF Na modalidade coletiva introduzida pela Lei nº 134652017 beneficia comunidades urbanas extinguindo condomínios involuntários Os efeitos da usucapião consolidam a posse qualificada em propriedade originária com retroatividade extinção de direitos e promoção social alinhados ao ordenamento civil constitucional 4 USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL É inegável que o Poder Judiciário brasileiro enfrenta um cenário de sobrecarga institucional com acúmulo expressivo de demandas e consequente morosidade na prestação jurisdicional A incapacidade estrutural do sistema de absorver com celeridade e eficiência o volume de ações distribuídas anualmente consolida um quadro de crise funcional comprometendo o princípio constitucional da razoável duração do processo e a efetividade do direito de acesso à justiça Nesse contexto a desjudicialização emerge como tendência jurídicoadministrativa fundamental para a modernização do sistema de justiça viabilizando a transferência de determinadas matérias para o âmbito extrajudicial sem prejuízo das garantias fundamentais e sob estrita fiscalização institucional Entre os instrumentos mais emblemáticos desse movimento destacase a usucapião extrajudicial introduzida pelo art 1071 do Código de Processo Civil de 2015 que acresceu o art 216A à Lei nº 60151973 Lei de Registros Públicos Tal previsão normativa permitiu que a usucapião tradicionalmente submetida ao crivo judicial passasse a ser também reconhecida por via administrativa desde que atendidos os requisitos materiais previstos nos arts 1238 a 1244 do Código Civil e ausente controvérsia apta a demandar apreciação jurisdicional Tratase de marco legislativo que consagra o esforço estatal em conferir maior racionalidade celeridade e eficiência à regularização fundiária e ao reconhecimento formal de direitos possessórios consolidados A positivação sintética do instituto todavia gerou certa insegurança inicial quanto à sua operacionalização exigindo a atuação normativa do Conselho Nacional de Justiça que editou o Provimento nº 652017 Esse provimento estabeleceu diretrizes claras sobre documentação necessária etapas procedimentais competências dos delegatários prazos e hipóteses de remessa ao Judiciário promovendo padronização nacional segurança jurídica e previsibilidade ao procedimento A regulamentação consolidou a compreensão de que a usucapião extrajudicial não altera a substância do direito material mas institui rito administrativo alternativo à via judicial mantendo o caráter declaratório de aquisição da propriedade e garantindo o controle público dos atos praticados 27 O procedimento extrajudicial de natureza facultativa iniciase por requerimento assinado pelo usucapiente e por seu cônjuge ou companheiro acompanhado de advogado ou defensor público A representação técnica é indispensável uma vez que embora deslocado do Judiciário o procedimento conserva elevado grau de complexidade normativa e técnica exigindo atuação profissional habilitada para assegurar a higidez dos atos e a defesa adequada dos direitos envolvidos Não se trata de desjudicialização carente de rigor mas de redistribuição de competência sob lastro jurídico com manutenção da garantia de acesso à jurisdição sempre que necessário ou provocado Nesse cenário ganha relevo a função desempenhada pelos notários e registradores de imóveis que deixam de ser meros registradores de títulos para assumirem papel proativo na consolidação do direito de propriedade atuando como agentes de pacificação técnicos especializados e guardiões da fé pública registral Competelhes qualificar a documentação apresentada e promover notificações aos titulares de direitos reais e aos entes federativos garantindo o contraditório e a publicidade do procedimento O silêncio dos notificados qualificase como anuência tácita preservando a segurança jurídica e evitando litigiosidade artificial Importante destacar que no desempenho dessa função os registradores assumem responsabilidade técnica de elevada relevância uma vez que sua atuação é revestida de fé pública e sujeita a controle disciplinar administrativo e judicial Esse aspecto explica eventual resistência inicial de parte da classe motivada pelo receio de responsabilização civil ou disciplinar por eventual reconhecimento indevido Todavia a consolidação do provimento nacional a expansão de programas de formação continuada e o desenvolvimento de sistemas de notificação e georreferenciamento eletrônicos bem como o fortalecimento de ferramentas digitais vêm aprimorando a técnica reduzindo riscos e padronizando práticas Cabe salientar que a usucapião extrajudicial embora mais célere não prescinde de robustez probatória A ata notarial por exemplo constitui instrumento essencial por meio do qual o tabelião verifica a situação possessória podendo realizar diligências entrevistas e verificações locais constituindo documento dotado de presunção de veracidade relativa Assim o procedimento não se limita a formalidade documental mas incorpora análise técnica substancial Outro aspecto relevante do instituto referese à sua dimensão social e econômica A usucapião extrajudicial representa significativo avanço na regularização fundiária essencial para o desenvolvimento urbano e rural para o ordenamento territorial e para a efetivação do direito à moradia e ao patrimônio Ao transformar posses consolidadas em propriedade formal o instituto promove inclusão jurídica segurança patrimonial e estímulo à função 28 social do imóvel em estrita consonância com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana da justiça social e da eficiência administrativa Todavia não se ignoram os desafios persistentes tais como divergências interpretativas entre corregedorias estaduais existência de cartórios sem estrutura técnica adequada dificuldades na localização de confrontantes custos relacionados à elaboração de documentos técnicos e eventual remessa judicial diante de impugnação fundamentada Ainda assim tais obstáculos não descaracterizam o instituto mas reforçam a necessidade de contínuo aperfeiçoamento normativo tecnológico e operacional Em síntese a usucapião extrajudicial configura instrumento de profunda relevância para o Direito das Coisas contemporâneo constituindo mecanismo eficaz de desjudicialização regularização imobiliária e concretização da função social da propriedade Ao conferir efetividade aos direitos reais mediante procedimento célere técnico e seguro o instituto representa passo decisivo na modernização do sistema jurídicoregistral brasileiro reafirmando a centralidade da atuação notarial e registral no Estado Democrático de Direito e reforçando a transição do modelo puramente judicial para um paradigma de justiça multiportas mais eficiente acessível e socialmente comprometido 41 REQUISITOS E PROCEDIMENTOS DA USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL Os requisitos materiais da usucapião extrajudicial coincidem integralmente com os da usucapião judicial nos termos dos arts 1238 a 1244 do Código Civil Exigemse assim I posse qualificada caracterizada pelo exercício contínuo manso pacífico e ininterrupto dos poderes inerentes à propriedade com animus domini e ausência de vícios como violência clandestinidade ou precariedade II decurso do lapso temporal específico conforme a modalidade invocada III aptidão do sujeito especialmente a não propriedade de outro imóvel urbano ou rural nas modalidades especiais e IV coisa hábil vedada a usucapião de bens públicos de qualquer natureza nos termos do art 183 3º e do art 191 parágrafo único da Constituição Federal O requerente deve indicar expressamente a modalidade aplicável ao caso concreto sob pena de indeferimento por ausência de fundamentação No plano formal o procedimento iniciase por requerimento dirigido ao Oficial de Registro de imóveis da situação do bem obrigatoriamente subscrito por advogado ou pela Defensoria Pública instruído com a documentação taxativamente prevista no caput do art 216A da Lei nº 60151973 I ata notarial lavrada por tabelião de notas atestando o tempo de posse do requerente e de seus antecessores a forma de exercício da posse e a 29 inexistência de ações possessórias ou reivindicatórias em curso nos moldes do art 384 do CPC II planta e memorial descritivo do imóvel assinados por profissional legalmente habilitado com anotação de responsabilidade técnica ART ou RRT e quando possível pelos titulares de direitos registrados e pelos confrontantes III certidões negativas dos distribuidores da comarca do imóvel e do domicílio do requerente relativas a ações reais e pessoais reipersecutórias e IV documentos comprobatórios da origem continuidade natureza e tempo da posse tais como comprovantes de pagamento de IPTU contas de serviços públicos ou correspondências Na ausência ou insuficiência destes últimos admitese a realização de justificação administrativa na própria serventia O rito procedimental de natureza administrativa e sumaríssima observa as seguintes etapas conforme o art 216A da Lei de Registros Públicos e o Provimento CNJ nº 652017 1 protocolização do requerimento com prenotação prorrogada até a decisão final 2 qualificação registral preliminar podendo o oficial determinar diligências complementação documental ou vistoria in loco 3 notificação pessoal ou por carta com aviso de recebimento dos titulares de direitos registrados dos confrontantes e das Fazendas Públicas União Estado Distrito Federal e Município com prazo de quinze dias para manifestação importando o silêncio em concordância tácita 2º e 3º 4 publicação de edital em jornal de grande circulação ou por meio eletrônico por quinze dias para ciência de terceiros interessados 4º com redação da Lei nº 143822022 5 intervenção obrigatória do Ministério Público para emissão de parecer 7º 6 análise de eventuais impugnações se fundamentadas o procedimento é suspenso e remetido ao juízo competente 10 7 decorrido o prazo sem oposição válida ou sanadas as irregularidades procedese ao registro da aquisição por usucapião com abertura de matrícula se inexistente produzindo efeitos erga omnes art 1245 CC A Lei nº 134652017 introduziu significativas simplificações como a dispensa de assinatura dos confrontantes na planta quando regularmente notificados e silentes a possibilidade de edital eletrônico e a integração com a Regularização Fundiária Urbana REURB A Lei nº 143822022 por sua vez ampliou o uso de notificações eletrônicas reforçando a celeridade A rejeição administrativa não impede o acesso à via judicial 9º preservandose o princípio da inafastabilidade da jurisdição art 5º XXXV CF1988 Entre os óbices práticos destacamse a impossibilidade de usucapião de bens públicos a exigência de prova robusta especialmente pela ata notarial que não possui caráter absoluto e o risco de remessa ao Judiciário em caso de controvérsia Tais limitações contudo não comprometem a eficácia do instituto quando observados os pressupostos legais A usucapião extrajudicial consolidase portanto como instrumento eficiente de 30 concretização da função social da propriedade art 5º XXIII CF1988 promovendo a pacificação social e a segurança registral Seu sucesso depende da rigorosa observância dos requisitos materiais de posse qualificada da inteireza documental e do fiel cumprimento do procedimento administrativo cabendo ao oficial de registro de imóveis atuação diligente e imparcial sob supervisão correcional e com complementaridade jurisdicional sempre que necessário 5 DESJUDICIALIZAÇAO A desjudicialização como diretriz normativa e política pública de racionalização do sistema de justiça representa um marco relevante na evolução da prestação jurisdicional no Brasil ao deslocar determinadas atividades tradicionalmente concentradas no Poder Judiciário para a esfera administrativa Esse movimento não visa esvaziar o papel jurisdicional do Estado mas ao contrário busca otimizar sua atuação reservando a apreciação judicial para conflitos efetivos e controvertidos enquanto questões de natureza consensual ou documental podem ser solucionadas por vias extrajudiciais com igual segurança jurídica Nesse cenário a usucapião extrajudicial constitui um dos exemplos mais emblemáticos da modernização do Direito das Coisas brasileiro evidenciando a reconfiguração do papel estatal na garantia do direito de propriedade à luz dos princípios constitucionais da eficiência da razoável duração do processo e da função social da propriedade A introdução do art 216A na Lei nº 60151973 pelo Código de Processo Civil de 2015 consolidou a possibilidade de reconhecimento da usucapião pela via administrativa ampliando significativamente o leque de instrumentos aptos à regularização fundiária e ao reconhecimento de situações possessórias consolidadas Ao permitir a aquisição originária da propriedade imóvel mediante procedimento extrajudicial o legislador visou proporcionar maior agilidade economicidade e simplicidade sem sacrificar o rigor jurídico uma vez que os requisitos materiais previstos nos arts 1238 a 1244 do Código Civil permanecem íntegros e devem ser demonstrados de forma robusta sob fiscalização dos órgãos notariais e registrais A publicação do Provimento nº 652017 pelo Conselho Nacional de Justiça representou um divisor de águas na consolidação do instituto ao estabelecer parâmetros uniformes de atuação para os serviços extrajudiciais minimizar 31 divergências procedimentais e assegurar segurança jurídica nacional Essa normatização detalhou entre outros aspectos a documentação necessária as etapas notificatórias a atuação dos profissionais envolvidos especialmente advogados tabeliães e registradores e as hipóteses de suspensão e remessa dos autos ao Poder Judiciário quando litigiosidade ou vícios relevantes forem identificados O início do procedimento depende de requerimento subscrito pelo usucapiente e se for o caso por seu cônjuge ou companheiro obrigatoriamente assistidos por advogado ou defensor público reforçando o caráter jurídico e técnico da via extrajudicial A exigência de representação profissional assegura que o procedimento seja adequadamente instruído evitando nulidades indeferimentos e retrabalhos além de preservar o devido processo legal e a integridade do ato Ademais a faculdade do interessado de optar pela via judicial permanece resguardada de modo que a desjudicialização não afasta o controle jurisdicional apenas o racionaliza O papel preventivo dos delegatários extrajudiciais muitas vezes ignorado por análises superficiais revelase essencial Afinal a função pacificadora do Direito não se restringe ao âmbito jurisdicional tradicional Ao promover notificações e quando necessário conduzir reuniões e tentativas de conciliação notários e registradores atuam como mediadores naturais prevenindo conflitos e evitando o acionamento desnecessário do Judiciário Essa lógica dialoga diretamente com a concepção contemporânea de justiça multiportas incentivada pelo Conselho Nacional de Justiça que busca diversificar as vias de solução de controvérsias e tornar o sistema mais acessível e eficiente É relevante destacar que a usucapião extrajudicial não se limita a garantir maior celeridade procedimental Ela materializa valores fundamentais da ordem constitucional sobretudo a concretização do direito à moradia a promoção da dignidade da pessoa humana e o cumprimento da função social da propriedade Ao possibilitar a regularização dominial de posses muitas vezes antigas e economicamente relevantes o instituto fortalece a segurança jurídica reduz externalidades negativas decorrentes da informalidade imobiliária e promove inclusão patrimonial O fenômeno da desjudicialização ao permitir que atos dotados de alta carga 32 documental e baixa litigiosidade sejam conduzidos fora da arena judicial cumpre objetivos essenciais garantir a razoável duração do procedimento reduzir a sobrecarga do Judiciário e ampliar o acesso material à ordem jurídica justa Nessa lógica a atuação dos serviços extrajudiciais não constitui exceção ao princípio da inafastabilidade da jurisdição mas sua efetivação prática oferecendo ao cidadão vias múltiplas e adequadas à tutela de seu direito Não obstante seus méritos a implementação plena do instituto enfrenta desafios relevantes Entre eles destacamse a disparidade interpretativa entre corregedorias estaduais a resistência inicial de alguns delegatários os custos técnicos de regularização topográfica e documental e dificuldades práticas na notificação de confrontantes e titulares de direitos reais A evolução legislativa posterior como a Lei nº 134652017 e a Lei nº 143822022 contribuiu para o aprimoramento do procedimento especialmente ao facilitar notificações eletrônicas e reforçar a integração sistêmica entre os serviços registrais Contudo a consolidação definitiva do modelo exige contínuo investimento na capacitação dos profissionais envolvidos no aperfeiçoamento tecnológico das serventias e na ampliação de mecanismos de acesso para hipossuficientes Assim a usucapião extrajudicial não deve ser compreendida como mera alternativa procedimental ao processo judicial tradicional mas sim como instrumento de transformação estrutural do Direito das Coisas inserido no processo evolutivo de modernização da administração pública e da atividade notarial e registral Tratase de ferramenta que promove eficiência institucional segurança jurídica efetividade de direitos fundamentais e consolidação do paradigma constitucional da função social da propriedade Em síntese a experiência brasileira com a usucapião extrajudicial demonstra que quando há vontade normativa infraestrutura adequada e atuação comprometida dos operadores do Direito é possível construir mecanismos ágeis e seguros de reconhecimento jurídico sem sacrificar garantias constitucionais e com evidente ganho social e institucional O aperfeiçoamento contínuo do sistema aliado à uniformização interpretativa e à expansão de práticas tecnológicas tende a consolidar ainda mais o instituto como um dos pilares do futuro da regularização imobiliária no 33 país conferindolhe papel de destaque no processo de democratização do acesso à propriedade e de racionalização do sistema de justiça 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise desenvolvida ao longo deste estudo permitiu constatar que a usucapião extrajudicial representa um dos mais relevantes avanços contemporâneos no âmbito do Direito das Coisas e do processo de desjudicialização das relações jurídicas no Brasil O instituto consolidou uma nova via administrativa para o reconhecimento da aquisição originária da propriedade sem a necessidade de intervenção jurisdicional desde que ausente litígio e observados os requisitos legais da posse qualificada A partir do exame doutrinário e normativo verificouse que o procedimento extrajudicial não altera os pressupostos materiais da usucapião previstos no Código Civil mas apenas transfere a competência para o âmbito notarial e registral conferindolhe maior celeridade e efetividade Tal inovação traduzse em importante mecanismo de concretização dos princípios constitucionais da função social da propriedade da eficiência administrativa e da celeridade processual No plano prático a usucapião extrajudicial tem se mostrado instrumento apto a contribuir significativamente para a regularização fundiária tanto em áreas urbanas quanto rurais promovendo a segurança jurídica e a pacificação social O procedimento administrativo permite que situações possessórias consolidadas sejam convertidas em titularidades legítimas com menor custo e em prazo reduzido desafogando o Poder Judiciário e aproximando o cidadão do reconhecimento de seus direitos Além disso reforça o papel das serventias extrajudiciais como agentes de efetivação da justiça e de concretização dos direitos fundamentais Não obstante os avanços o estudo evidenciou que ainda persistem entraves relevantes à plena eficácia do instituto A resistência de alguns registradores o excesso de formalismo em determinados atos a falta de uniformidade nas orientações das corregedorias estaduais as dificuldades de notificação de confrontantes e a imposição de custos técnicos elevados configuram obstáculos que por vezes comprometem o propósito desjudicializador Ademais a obrigatoriedade de representação por advogado pode limitar o acesso de possuidores economicamente vulneráveis ao procedimento contrariando em certa medida a finalidade social que o inspirou A doutrina majoritária representada por autores como Silvio de Salvo Venosa Carlos Roberto Gonçalves e Flávio Tartuce converge no entendimento de que a usucapião extrajudicial é um instrumento de efetivação da função social da propriedade e de 34 racionalização do sistema jurídico desde que aplicada com observância estrita aos requisitos legais e sob fiscalização correcional rigorosa O Provimento nº 652017 do CNJ ao uniformizar os procedimentos e as legislações posteriores reforçaram a segurança e a acessibilidade do instituto integrandoo ao processo de modernização do sistema registral brasileiro Dessa forma concluise que a viabilidade da usucapião extrajudicial no ordenamento jurídico brasileiro é plenamente reconhecida e sua efetividade embora sujeita a aperfeiçoamentos é inegável O instituto cumpre relevante papel na construção de um Direito Civil constitucionalizado voltado à concretização dos valores da dignidade da pessoa humana da justiça social e da democratização do acesso à propriedade Para que sua aplicação alcance todo o potencial de inclusão e eficiência que lhe é inerente fazse necessária a continuidade do processo de uniformização normativa a capacitação permanente dos agentes delegatários e a ampliação de mecanismos de assistência jurídica gratuita aos possuidores de baixa renda Somente assim será possível consolidar a usucapião extrajudicial como verdadeiro instrumento de cidadania segurança jurídica e desenvolvimento social em perfeita harmonia com os princípios que estruturam o ordenamento civil e constitucional contemporâneo 7REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIAS GONÇALVES Carlos Roberto Direito civil brasileiro volume 5 direito das coisas Carlos Roberto Gonçalves 12 ed São Paulo Saraiva 2017 VENOSA Silvio de Salvo Direito Civil Direitos Reaisvolume 4 Silvio de Salvo Venosa Sao Paulo Atlas 2020 35 MONTEIRO Washington de Barros Curso de Direito Civil volume 3 Washington de Barros Monteiro Sao Paulo Saraiva 2007 GONÇALVES Carlos Roberto Direito Civil Brasileiro Direitos das Coisas Carlos Roberto Gonçalves São Paulo Saraiva 2021 CURSO DE DIREITO BIANCA BRANDALISE ZANETTI A VIABILIDADE DA USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO A EFETIVIDADE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE AQUISIÇÃO DE PROPRIEDADE RONDONÓPOLISMT 2025 CURSO DE DIREITO BIANCA BRANDALISE ZANETTI A VIABILIDADE DA USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO A EFETIVIDADE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE AQUISIÇÃO DE PROPRIEDADE Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Banca Avaliadora do Departamento de Direito da Faculdade Fasipe Rondonópolis como requisito para a obtenção do título de Bacharel em Direito Orientadora Claire Ines Gai Martielo RONDONÓPOLISMT 2025 BIANCA BRANDALISE ZANETTI A VIABILIDADE DA USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO A EFETIVIDADE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE AQUISIÇÃO DE PROPRIEDADE Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Banca Avaliadora do Curso de Direito da Faculdade Fasipe Rondonópolis como requisito para a obtenção do título de Bacharel em Direito Aprovado em Professora Orientadora Departamento de Direito FASIPE Professora Avaliadora Departamento de Direito FASIPE Professora Avaliadora Departamento de Direito FASIPE RONDONÓPOLISMT 2025 Dedico esse trabalho AGRADECIMENTOS É justo que muito custe o que muito vale Santa Teresa DÁvila ZANETTI Bianca Brandalise A viabilidade da usucapião extrajudicial no ordenamento jurídico brasileiro A efetividade do procedimento administrativo de aquisição de propriedade 2025 páginas Trabalho de Conclusão de Curso Graduação em Direito Faculdade Fasipe Rondonópolis Rondonópolis Mato Grosso 2025 RESUMO O presente Trabalho de Conclusão de Curso tem como tema A viabilidade da usucapião extrajudicial no ordenamento jurídico brasileiro a efetividade do procedimento administrativo de aquisição de propriedade em que analisa o art 216A da Lei nº 60151973 introduzido pelo CPC2015 e regulamentado pelo Provimento nº 652017 do CNJ abordando aspectos procedimentais probatórios e técnicos enfatizando o papel dos notários e registradores na qualificação documental notificações e mediação prévia além dos desafios como padronização capacitação e integração tecnológica A pergunta norteadora é Com o impacto da Lei nº 131052015 e do Provimento nº 652017 do CNJ qual o papel dos notários e registradores no sucesso do procedimento extrajudicial e como eles podem otimizar esse processo evitando sobrecarregar o Judiciário Para responder a essa questão será empreendida uma pesquisa bibliográfica e documental com análise de doutrina especializada artigos científicos legislações correlatas provimentos normativos das corregedorias Serão observados ainda aspectos procedimentais aplicáveis pelos cartórios de notas e de registro de imóveis conforme diretrizes legais e administrativas A expectativa é que o estudo contribua para a compreensão aprofundada do papel da usucapião extrajudicial no cenário jurídico atual demonstrando sua importância como mecanismo moderno de efetivação de direitos redução de litígios e fortalecimento da função social da propriedade além de evidenciar a necessidade de constante capacitação dos operadores do direito e padronização dos procedimentos cartorários para garantir segurança jurídica e eficiência na aplicação dessa modalidade de aquisição originária de propriedade imóvel Palavraschave Usucapião Posse Propriedade Aquisição Desjudicializaçao ZANETTI Bianca Brandalise A viabilidade da usucapião extrajudicial no ordenamento jurídico brasileiro A efetividade do procedimento administrativo de aquisição de propriedade 2025 páginas Trabalho de Conclusão de Curso Graduação em Direito Faculdade Fasipe Rondonópolis Rondonópolis Mato Grosso 2025 ABSTRACT This Final Course Project is themed The viability of extrajudicial adverse possession in the Brazilian legal system the effectiveness of the administrative procedure for acquiring property in which it analyzes article 216A of Law No 60151973 introduced by the CPC2015 and regulated by CNJ Provision No 652017 addressing procedural evidentiary and technical aspects emphasizing the role of notaries and registrars in document qualification notifications and prior mediation in addition to challenges such as standardization training and technological integration The guiding question is With the impact of Law No 131052015 and CNJ Provision No 652017 what is the role of notaries and registrars in the success of extrajudicial proceedings and how can they optimize this process while avoiding overburdening the Judiciary To answer this question a bibliographic and documentary research will be undertaken with analysis of specialized doctrine scientific articles related legislation and normative provisions of the corregedorias judicial oversight bodies The study will also examine procedural aspects applicable to notary offices and land registry offices in accordance with legal and administrative guidelines It is expected that this study will contribute to a deeper understanding of the role of extrajudicial adverse possession in the current legal landscape demonstrating its importance as a modern mechanism for enforcing rights reducing litigation and strengthening the social function of property Furthermore it will highlight the need for continuous training of legal professionals and standardization of notary procedures to ensure legal certainty and efficiency in the application of this method of original acquisition of real estate property Keywords Adverse possession Possession Property Acquisition Dejudicialization LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS Art Artigo CC Código Civil CF Constituição Federal CNJ Conselho Nacional de Justiça CPC Código de Processo Civil REURB Regularização Fundiária Urbana SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO11 2 DIREITO DAS COISAS DA POSSE E PROPRIEDADE12 21 Da Posse14 22 Da Propriedade15 23 Da Função Social Da Propriedade16 3 DA USUCAPIÃO17 31 Das Espécies19 311 Extraordinária19 312 Ordinária20 313 Especial Urbana21 314 Especial Rural21 315 Familiar22 316 Coletiva22 32 Efeitos Da Usucapião23 4 USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL24 41 Requisitos E Procedimentos Da Usucapião Extrajudicial27 5 DESJUDICIALIZAÇAO29 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS31 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIAS34 11 1 INTRODUÇÃO O direito de propriedade consagrado como direito fundamental pela Constituição Federal de 1988 em seu art 5º inciso XXII constitui um dos pilares do ordenamento jurídico brasileiro Contudo este mesmo diploma constitucional condiciona seu exercício ao atendimento de sua função social revelando a superação da concepção absolutista e individualista do domínio em favor de uma perspectiva comprometida com o interesse coletivo e com a promoção da justiça social Nesse contexto o instituto da usucapião assume papel central na efetivação desse princípio ao transformar situações possessórias consolidadas em titularidades jurídicas legítimas promovendo a segurança das relações patrimoniais e a pacificação de conflitos fundiários Tradicionalmente a usucapião é reconhecida como modo originário de aquisição da propriedade previsto nos artigos 1238 a 1244 do Código Civil de 2002 fundado na posse prolongada mansa pacífica e contínua exercida com animus domini Sua natureza originária rompe o vínculo jurídico com o antigo titular consolidando uma nova relação de domínio pautada na função social do uso e na valorização do trabalho Tratase portanto de um instrumento que não apenas regulariza situações fáticas mas concretiza valores constitucionais como a dignidade da pessoa humana o direito à moradia e a justiça social A usucapião extrajudicial introduzida no ordenamento jurídico brasileiro pelo art 1071 do Código de Processo Civil de 2015 que inseriu o artigo 216A na Lei de Registros Públicos representa um marco no processo de desjudicialização das relações civis A partir desse dispositivo tornouse possível reconhecer a aquisição da propriedade por meio de procedimento administrativo realizado diretamente perante o Registro de Imóveis competente desde que observados os requisitos legais e não haja litígio entre as partes Tal inovação foi posteriormente regulamentada pelo Provimento nº 652017 do Conselho Nacional de Justiça CNJ que estabeleceu diretrizes uniformes para a atuação de notários e registradores reforçando a segurança e a celeridade do procedimento O movimento de desjudicialização ao transferir determinadas atividades antes reservadas ao Poder Judiciário para órgãos administrativos dotados de fé pública como os cartórios de registro de imóveis visa reduzir a sobrecarga do sistema judicial e assegurar maior efetividade na tutela dos direitos No caso da 12 usucapião essa transformação busca conferir agilidade à regularização fundiária e ampliar o acesso à propriedade formal especialmente em um país marcado pela concentração fundiária e pela informalidade das ocupações urbanas e rurais Entretanto apesar dos avanços normativos e dos inegáveis benefícios da via extrajudicial como a celeridade a economia processual e a proximidade entre o cidadão e a concretização de seus direitos persistem desafios que comprometem sua plena efetividade Entre eles destacamse a resistência de alguns registradores em face da responsabilidade civil decorrente da qualificação da posse as divergências interpretativas entre corregedorias estaduais os custos técnicos associados à elaboração de plantas e memoriais descritivos e a recorrente remessa dos procedimentos ao Poder Judiciário diante de impugnações formais Assim o presente trabalho tem por objetivo analisar a viabilidade e a efetividade da usucapião extrajudicial no ordenamento jurídico brasileiro examinando sua base constitucional seus requisitos materiais e formais a função social que desempenha no contexto da desjudicialização e os entraves práticos à sua consolidação Buscase demonstrar que embora a usucapião extrajudicial se apresente como importante instrumento de democratização do acesso à propriedade e de racionalização da atividade jurisdicional sua concretização plena depende da uniformização procedimental do fortalecimento das serventias extrajudiciais e da ampliação do acesso dos cidadãos a meios eficazes de regularização dominial 2 DIREITO DAS COISAS DA POSSE E PROPRIEDADE O estudo da usucapião inserida no âmbito do Direito das Coisas que versa entre outros temas da posse e da propriedade exige inicialmente uma breve conceituação desses institutos considerando que são interdependentes e dialogam entre si Segundo Clóvis Bevilácqua citado por Gonçalves 2020 p 20 o Direito das Coisas é o conjunto de normas que regula as relações jurídicas referentes às coisas suscetíveis de apropriação pelo ser humano geralmente pertencentes ao mundo físico pois sobre elas é possível exercer o poder de domínio Com a Constituição Federal de 1988 o direito de propriedade foi elevado à condição de direito fundamental nos termos do art 5º inciso XXII que assegura o direito de propriedade mas imediatamente condicionado pelo inciso XXIII que estabelece que a propriedade atenderá a sua função social Essa combinação 13 demonstra que a propriedade não é um fim em si mesma mas um instrumento de promoção do bem comum e de concretização da dignidade da pessoa humana A função social da propriedade pode ser compreendida como o conjunto de deveres e limitações que o ordenamento impõe ao proprietário de modo que o exercício do direito de domínio atenda às finalidades econômicas sociais e ambientais previstas em lei Essa concepção rompe com a ideia de propriedade como poder ilimitado e reconhece que o interesse coletivo deve prevalecer sobre o interesse puramente individual quando em conflito O Código Civil de 2002 incorporou expressamente esse princípio ao dispor em seu art 1228 1º que O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados de conformidade com o estabelecido em lei especial a flora a fauna as belezas naturais o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico bem como evitada a poluição do ar e das águas Assim o exercício do domínio encontrase condicionado ao respeito às normas de proteção ambiental e ao interesse coletivo No âmbito rural a Constituição Federal em seu art 186 define de forma objetiva os requisitos para que a propriedade rural cumpra sua função social sendo o aproveitamento racional e adequado a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente a observância das disposições que regulam as relações de trabalho e exploração que favoreça o bemestar dos proprietários e dos trabalhadores Já no contexto urbano o art 182 2º da Constituição determina que a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor Assim tanto nas áreas rurais quanto nas urbanas a propriedade deve servir à coletividade e contribuir para o desenvolvimento sustentável e equilibrado A usucapião é uma das formas mais emblemáticas de concretização da função social da propriedade Prevista nos arts 1238 a 1244 do Código Civil a usucapião consiste em modo originário de aquisição da propriedade pela posse prolongada mansa pacífica e ininterrupta exercida com animus domini intenção de dono desde que observados os prazos e condições legais 14 A usucapião portanto valoriza o trabalho e o uso produtivo da terra punindo o proprietário que não dá destinação social ao bem Como ensina Maria Helena Diniz 2021 a usucapião constitui sanção ao proprietário negligente e prêmio ao possuidor que dá à coisa uma destinação conforme sua função econômica e social Essa perspectiva reforça o caráter ético do instituto que busca harmonizar o direito individual com o interesse coletivo Ao reconhecer a posse prolongada como título legítimo de aquisição o Estado premia o uso produtivo e socialmente adequado do bem ao mesmo tempo em que desestimula o abandono e a ociosidade da propriedade Assim a usucapião cumpre papel fundamental na regularização fundiária na pacificação de conflitos possessórios e na redução das desigualdades sociais sobretudo em áreas urbanas e rurais marcadas pela concentração fundiária Desse modo a usucapião é expressão prática da função social da propriedade que constituem mecanismos de concretização dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana da justiça social e do direito à moradia que orientam todo o sistema jurídico brasileiro 21 Da Posse No âmbito do Direito Civil brasileiro a posse constitui um dos institutos fundamentais do Direito das Coisas servindo como pressuposto para a aquisição da propriedade por meio de modos originários como a usucapião e como base para a proteção possessória contra turbações ou esbulhos O Código Civil de 2002 artigos 1196 a 1222 disciplina a posse de forma sistemática adotando uma abordagem objetiva que prioriza o exercício fático de poderes sobre o bem independentemente da intenção subjetiva de se tornar proprietário A posse não se confunde com a propriedade sendo a última um direito real absoluto e perpétuo art 1225 CC enquanto a primeira é uma situação fática transitória que pode evoluir para a propriedade mediante requisitos específicos Como destacado por Silvio de Salvo Venosa em sua obra Direito Civil Direitos Reais Atlas 2020 a posse é um fato jurídico que gera efeitos jurídicos alinhandose à função social da propriedade preconizada no art 5º XXIII da Constituição Federal de 1988 O possuidor é definido como todo aquele que tem de fato o exercício pleno ou não de algum dos poderes inerentes à propriedade consoante art 1196 do 15 Código Civil Essa definição reflete a adoção da teoria objetiva de Rudolf von Ihering que enfatiza o corpus possessionis exercício fático em detrimento do animus domini intenção de dono contrastando com a teoria subjetiva de Friedrich Carl von Savigny prevalente no Código Civil de 1916 A transição para a teoria iheringiana no CC2002 foi influenciada pela necessidade de maior proteção ao detentor fático especialmente em contextos de regularização fundiária e função social A posse como instituto dinâmico do Direito Civil equilibra a proteção fática com a segurança jurídica da propriedade Sua regulação no CC2002 inspirada na teoria objetiva facilita a resolução de litígios e a aquisição originária de bens contribuindo para a efetivação da função social Em suma a posse não é mero fato mas pilar do ordenamento demandando aplicação criteriosa para justiça equânime 22 Da Propriedade A propriedade é considerada o mais completo dos direitos subjetivos sendo o direito central entre os direitos reais e o núcleo essencial do Direito das Coisas Conforme ensina Washington de Barros Monteiro Monteiro 2020 p 210 o direito de propriedade é o mais importante e sólido de todos os direitos subjetivos o direito real por excelência e o eixo em torno do qual gravita o Direito das Coisas No âmbito do Direito Civil brasileiro os poderes conferidos ao proprietário estão previstos no artigo 1228 do Código Civil que estabelece ser facultado ao titular usar gozar e dispor da coisa e o direito de reavêla do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha Assim o proprietário detém um conjunto de prerrogativas jurídicas que lhe permitem exercer domínio pleno sobre o bem dentro dos limites fixados pela lei Segundo Melo 2019 p 91 a propriedade é um direito subjetivo absoluto elástico perpétuo complexo e limitado por meio do qual uma pessoa submete determinado bem ao seu poder e interesse É considerada um direito subjetivo porque deriva de um fato jurídico que impõe a todos a obrigação de não interferir no exercício do direito do proprietário É absoluta pois pode ser oposta contra todos garantindo eficácia erga omnes É elástica uma vez que permite ao titular ampliar ou restringir o exercício de seus poderes sobre o bem conforme sua vontade É perpétua porque não se extingue pelo simples desuso É complexa ao reunir diversas faculdades que compõem o domínio e é limitada pois o exercício dessas 16 faculdades usar gozar dispor e reaver deve respeitar as restrições legais e observar a função social e os princípios que regem o ordenamento jurídico 23 Da Função Social Da Propriedade Para compreender o instituto da usucapião é indispensável abordar o princípio constitucional da função social da propriedade pois é esse princípio que assegura que o imóvel cumpra adequadamente sua finalidade social e econômica No ordenamento jurídico brasileiro como supramencionado a função social da propriedade é uma garantia constitucional prevista no artigo 5º inciso XXIII da Constituição Federal que estabelece que a propriedade deve atender à sua função social Além disso esse princípio orienta toda a atividade econômica conforme dispõe o artigo 170 inciso III da mesma Carta impondo limites à liberdade de exploração econômica para assegurar o interesse coletivo O Código Civil em seu artigo 1228 1º reforça essa diretriz ao determinar que o direito de propriedade deve ser exercido de acordo com suas finalidades econômicas e sociais respeitando a flora a fauna as belezas naturais o equilíbrio ecológico o patrimônio histórico e artístico bem como evitando a poluição do ar e das águas De acordo com Melo 2019 a função social da propriedade tornouse uma exigência indispensável à convivência em sociedade pois embora seja fundamental garantir os direitos individuais do proprietário também é essencial que ele observe as potencialidades econômicas e sociais do bem de forma que essas sejam revertidas em benefício coletivo A função social da usucapião é dupla jurídica e social Do ponto de vista jurídico ela consolida uma situação de fato qual seja a posse legítima e prolongada em uma situação de direito conferindo segurança jurídica e estabilidade às relações patrimoniais Do ponto de vista social a usucapião atua como instrumento de justiça distributiva pois transforma a posse útil e produtiva em propriedade regularizando ocupações e garantindo o direito à moradia e ao trabalho em consonância com os valores constitucionais A função social da propriedade e a usucapião são institutos que se complementam na busca pela justiça social e pela efetividade dos direitos fundamentais Ambos demonstram que o ordenamento jurídico brasileiro contemporâneo não reconhece a propriedade como direito absoluto mas como instrumento de promoção do bem comum 17 Enquanto a função social da propriedade impõe ao titular um dever de utilização responsável e socialmente útil do bem a usucapião atua como meio de corrigir distorções sociais conferindo titularidade àquele que pela posse prolongada e produtiva demonstra dar ao bem a destinação que a lei e a Constituição exigem No tocante à regularização fundiária e à aplicação prática do princípio da função social da propriedade Vinícius de Melo Lima e Marcelo Cacinotti Costa 2018 destacam que a grande quantidade de imóveis em situação informal prejudica tanto o Estado quanto as pessoas que vivem à margem da legalidade pois essa informalidade compromete o direito fundamental à dignidade materializado pelo acesso à propriedade formal Segundo os autores a efetiva regularização dos imóveis não se limita à garantia de direitos individuais mas representa um meio de integrar o cidadão ao sistema jurídico e econômico formal previsto pela Constituição Dessa forma concluise que a propriedade não pode ser dissociada de sua função social que lhe confere legitimidade jurídica e moral O exercício do domínio deve sempre estar subordinado ao cumprimento dessa função que transforma o direito de propriedade em um instrumento de justiça social e de equilíbrio entre o interesse individual e o coletivo 3 DA USUCAPIÃO A palavra usucapião tem origem no latim resultando da junção de usus uso e do verbo capio tomar adquirir significando portanto tomar pelo uso Tratase de um modo de aquisição da propriedade e de outros direitos reais que decorre do exercício prolongado e público da posse desde que preenchidos os requisitos previstos em lei Conforme explica Francisco José Barbosa Nobre 2018 p 27 com o passar do tempo uma situação de fato a posse acaba se transformando em uma situação de direito a propriedade mediante o instituto da usucapião O surgimento da usucapião remonta ao Direito Romano quando foi concebida como forma de aquisição da propriedade principalmente para amparar aqueles que embora houvessem adquirido um bem não eram considerados proprietários devido a irregularidades formais no processo de transmissão Segundo Melo 2019 p 118 a primeira positivação da usucapião ocorreu na Lei das XII Tábuas 18 Na usucapião há um confronto entre a pretensão do proprietário formal e o interesse do possuidor sendo este último representado pelo uso efetivo e produtivo do bem em consonância com a função social da propriedade Nobre 2018 p 28 explica que a usucapião ao transferir a propriedade ao possuidor retira o direito daquele que embora titular deixou de exercer domínio sobre o bem demonstrando desinteresse prolongado Assim o instituto é justo pois recompensa o possuidor ativo que dá ao imóvel uma finalidade econômica e social e pune o proprietário omisso Melo 2019 p 119 reforça essa ideia ao afirmar que o usucapiente é premiado por seu uso produtivo e responsável do bem enquanto o proprietário desidioso é sancionado por sua inércia Segundo o autor é justo que aquele que agrega valor à coisa por meio do trabalho produção ou moradia receba o reconhecimento jurídico e social de sua condição de proprietário Embora exista discussão sobre a natureza da usucapião que questiona se o presente instituto se trata de uma forma originária ou derivada de aquisição da propriedade prevalece o entendimento de que se trata de uma aquisição originária uma vez que não há transferência do direito de propriedade de um titular anterior mas sim o surgimento de uma nova titularidade Com o reconhecimento da usucapião extinguese o direito do proprietário anterior e nasce uma nova relação jurídica Para que a usucapião seja configurada é indispensável o exercício da posse ininterrupta sem oposição e com intenção de dono animus domini durante o período legalmente estabelecido A posse ininterrupta exige continuidade sem interrupções voluntárias ou forçadas A legislação brasileira contudo admite a soma de posses isto é o possuidor atual pode somar o tempo de posse de seus antecessores desde que esta tenha sido mansa e pacífica consoante art 1243 do Código Civil A posse mansa e pacífica por sua vez requer que o possuidor não enfrente contestação ou oposição do proprietário Caso o titular do direito manifeste resistência ou busque judicialmente a retomada do bem a posse deixa de ser apta à usucapião O animus domini ou intenção de dono representa o elemento subjetivo da posse Significa o comportamento do possuidor que age como verdadeiro 19 proprietário sem reconhecer em outra pessoa um direito superior ao seu sobre o bem Por fim é essencial que o objeto da usucapião seja bem suscetível de ser adquirido por esse meio O ordenamento jurídico brasileiro proíbe expressamente a usucapião de bens públicos conforme estabelecem os artigos 183 3º e 191 parágrafo único da Constituição Federal Assim nenhum dos bens públicos incluindo os bens dominicais e as terras devolutas pode ser adquirido por usucapião Como destacam Miranda Mello Lago e Bottega 2020 p 18 o sistema jurídico brasileiro atual busca por meio da usucapião ao mesmo tempo premiar o possuidor diligente e punir o proprietário negligente reconhecendo o direito de quem exerce a posse com ânimo de dono e confere função social ao bem Dessa forma a usucapião constitui um importante instrumento jurídico que transforma a posse prolongada exercida de maneira contínua e com intenção de domínio em propriedade legítima Ela reafirma o princípio da função social da propriedade e reforça a justiça social ao valorizar o uso efetivo e responsável do bem em detrimento da mera titularidade formal 31 Das Espécies A usucapião como modo originário de aquisição da propriedade abrange diversas espécies adaptadas a contextos específicos com requisitos diferenciados quanto a prazos posse qualificada e função social No Código Civil de 2002 as modalidades de usucapião são delineadas com requisitos específicos que variam conforme o tipo de imóvel o prazo de posse a existência de justo título ou boafé e a condição socioeconômica do possuidor Vejamos 311 Extraordinária A usucapião extraordinária disciplinada pelo artigo 1238 do Código Civil é a modalidade mais ampla do instituto pois dispensa a exigência de justo título e boa fé focando exclusivamente na posse prolongada como fundamento para a aquisição da propriedade Para sua configuração exigese que o possuidor exerça posse mansa pacífica e ininterrupta por 15 anos A posse mansa implica ausência de violência no acesso ao bem enquanto a posse pacífica requer que não haja oposição por terceiros e a continuidade impede interrupções no exercício da posse 20 Essa modalidade reflete o princípio de que a posse prolongada quando exercida de forma pública e sem contestação deve ser reconhecida como direito de propriedade promovendo a estabilização das relações jurídicas e a segurança fundiária O parágrafo único do mencionado artigo prevê a possibilidade de redução do prazo para 10 anos desde que o possuidor tenha estabelecido no imóvel sua moradia habitual ou realizado obras ou serviços de caráter produtivo como benfeitorias que incrementem o valor econômico ou social do bem Essa redução evidencia a valorização do uso efetivo do imóvel alinhandose à função social da propriedade A usucapião extraordinária é frequentemente aplicada em situações de ocupações informais especialmente em áreas urbanas e rurais onde a ausência de titulação formal é comum sendo um instrumento crucial para a regularização fundiária em contextos de posse histórica 312 Ordinária A usucapião ordinária prevista no artigo 1242 do Código Civil caracterizase por requisitos mais rigorosos que a extraordinária mas com prazos reduzidos refletindo a presença de elementos formais que aproximam a posse de uma titularidade jurídica Para sua configuração é necessário que o possuidor exerça posse mansa pacífica e ininterrupta por 10 anos com justo título e boafé O justo título é um documento que em tese conferiria o direito à propriedade como um contrato de compra e venda ou uma promessa de compra e venda ainda que não registrado ou inválido para a transferência formal A boafé por sua vez exige que o possuidor acredite de forma legítima que não há impedimentos legais para a aquisição do imóvel ou seja que desconheça qualquer vício que torne sua posse ilegítima O parágrafo único do artigo 1242 estabelece a possibilidade de redução do prazo para 5 anos em duas hipóteses quando o imóvel foi adquirido onerosamente com base em um registro posteriormente cancelado desde que o possuidor tenha estabelecido moradia ou realizado investimentos ou quando o possuidor tenha fixado moradia habitual ou promovido investimentos de interesse social e econômico como obras que beneficiem a comunidade ou incrementem a produtividade do imóvel Essa modalidade é amplamente utilizada em casos de transações imobiliárias informais nas quais o possuidor detém um título precário 21 mas exerce a posse de forma legítima contribuindo para a regularização da propriedade e a segurança jurídica 313 Especial Urbana A usucapião especial urbana prevista no artigo 1240 do Código Civil e reforçada pelo artigo 183 da Constituição Federal tem como objetivo principal a promoção do direito à moradia especialmente para populações de baixa renda em áreas urbanas Para sua configuração exigese que o possuidor exerça posse mansa pacífica e ininterrupta por 5 anos sobre um imóvel urbano com área de até 250 m² utilizado para sua moradia própria ou de sua família Um requisito fundamental é que o possuidor não seja proprietário de outro imóvel seja urbano ou rural o que reforça o caráter social dessa modalidade Diferentemente da usucapião ordinária não se exige justo título ou boafé o que facilita sua aplicação em ocupações informais como loteamentos irregulares ou áreas periféricas urbanas Essa modalidade está alinhada ao princípio da função social da propriedade previsto no artigo 5º inciso XXIII da Constituição Federal e ao direito à moradia consagrado no artigo 6º da mesma Constituição Complementada pelo artigo 9º do Estatuto da Cidade a usucapião especial urbana é um instrumento essencial para a regularização fundiária permitindo que famílias em situação de vulnerabilidade obtenham a propriedade de imóveis ocupados promovendo inclusão social e acesso à cidadania Sua aplicação é comum em processos de urbanização de favelas e ocupações urbanas contribuindo para a redução da informalidade fundiária 314 Especial Rural A usucapião especial rural regulada pelos art 1239 do Código Civil e art 191 da CF88 é voltada para a regularização de pequenas propriedades rurais ocupadas para fins produtivos especialmente por pequenos agricultores Para sua configuração exigese que o possuidor exerça posse mansa pacífica e ininterrupta por 5 anos sobre um imóvel rural com área de até 50 hectares O imóvel deve ser tornado produtivo pelo trabalho do possuidor ou de sua família com a fixação de moradia no local evidenciando o vínculo do ocupante com a terra Assim como na usucapião especial urbana o possuidor não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural e não há exigência de justo título ou 22 boafé Essa modalidade reflete a política agrária brasileira que busca democratizar o acesso à terra e promover a função social da propriedade rural conforme previsto no art 186 da Constituição Federal A usucapião especial rural é um instrumento crucial para a regularização de ocupações históricas em áreas rurais especialmente em regiões onde pequenos agricultores ocupam terras sem titulação formal contribuindo para a segurança jurídica e o desenvolvimento sustentável do campo 315 Familiar A usucapião familiar introduzida pela Lei nº 124242011 e prevista no artigo 1240A do Código Civil é uma modalidade específica destinada a proteger o cônjuge ou companheiro abandonado garantindo o direito à moradia em situações de vulnerabilidade decorrentes da dissolução de união estável ou casamento Para sua configuração exigese que o possuidor exerça posse mansa pacífica e ininterrupta por apenas 2 anos sobre um imóvel urbano com área de até 250 m² utilizado para sua moradia própria ou de sua família O imóvel deve ser parte do patrimônio comum do casal e o possuidor deve ser o cônjuge ou companheiro que permaneceu no imóvel após o abandono sem culpa do outro cônjuge ou companheiro Além disso o possuidor não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural Essa modalidade tem um caráter marcadamente social buscando proteger o cônjuge ou companheiro em situação de vulnerabilidade frequentemente em contextos de violência doméstica ou abandono familiar O prazo reduzido de 2 anos reflete a urgência de regularizar a situação possessória garantindo a continuidade da moradia e a estabilidade familiar A usucapião familiar é um avanço legislativo que combina os princípios da função social da propriedade e do direito à moradia com aplicação prática em casos de separação litigiosa ou abandono 316 Coletiva A usucapião coletiva embora não prevista diretamente no Código Civil é regulamentada pelo art 10 do Estatuto da Cidade Lei nº 102572001 e aplicada no âmbito do direito civil com o objetivo de promover a regularização fundiária de comunidades de baixa renda em áreas urbanas Para sua configuração exigese que uma população de baixa renda exerça posse mansa pacífica e ininterrupta por 5 anos sobre uma área urbana superior a 250 m² utilizada para fins de moradia Um 23 requisito distintivo é a impossibilidade de identificar a área ocupada por cada possuidor individualmente caracterizando a ocupação como coletiva Os possuidores não podem ser proprietários de outros imóveis urbanos ou rurais e não se exige justo título ou boafé A propriedade é adquirida em regime de condomínio com cotas ideais atribuídas aos ocupantes o que permite a regularização de comunidades inteiras como favelas loteamentos irregulares ou ocupações urbanas consolidadas Essa modalidade está alinhada ao art 183 da Carta Magna e ao princípio da função social da propriedade sendo um instrumento essencial para a inclusão social e a redução da informalidade fundiária em centros urbanos Sua aplicação é comum em projetos de urbanização e regularização fundiária promovendo o acesso à cidadania e à infraestrutura urbana para populações vulneráveis 32 Efeitos Da Usucapião Os efeitos da usucapião são multifacetados abrangendo aspectos declaratórios constitutivos e extintivos com repercussões no âmbito civil registral e social Com o reconhecimento da usucapião e o consequente preenchimento dos requisitos legais a sua consumação pode ser declarada por meio de sentença judicial ou por decisão administrativa resultando na aquisição do direito real sobre o qual foi exercida a posse O efeito primordial é a aquisição originária da propriedade independente de transmissão derivada extinguindo qualquer vínculo com o antigo titular Como ensina Silvio de Salvo Venosa em Direito Civil Direitos Reais Atlas 2020 a usucapião corta o cordão umbilical com o proprietário anterior conferindo ao usucapiente um domínio puro e livre de ônus preexistentes salvo exceções legais Esse efeito materializase com a sentença judicial declaratória art 1241 CC ou na via extrajudicial com o registro cartorial art 216A da Lei nº 60151973 introduzido pelo art 1071 do CPC2015 Carlos Roberto Gonçalves em Direito Civil Brasileiro Direitos das Coisas Saraiva 2021 explica que a sentença é meramente declaratória reconhecendo um direito preexistente desde o início do prazo prescricional Assim o usucapiente é considerado proprietário ab initio o que implica na nulidade de atos jurídicos intermediários do antigo dono como alienações ou constituição de direitos reais 24 Contudo essa retroatividade não afeta terceiros de boafé que adquiriram direitos antes da sentença preservando a segurança do tráfico jurídico princípio da aparência Sob o aspecto subjetivo a usucapião implica a renúncia presumida do titular inerte justificando a perda da propriedade por inatividade prolongada O registro da sentença ou da ata notarial usucapião extrajudicial produz efeito erga omnes conferindo publicidade e oponibilidade art 1245 CC Alinhada à função social a usucapião fomenta a regularização fundiária combatendo a especulação imobiliária e promovendo o direito à moradia art 6º CF Na modalidade coletiva introduzida pela Lei nº 134652017 beneficia comunidades urbanas extinguindo condomínios involuntários Os efeitos da usucapião consolidam a posse qualificada em propriedade originária com retroatividade extinção de direitos e promoção social alinhados ao ordenamento civilconstitucional 4 USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL É inegável que o Poder Judiciário brasileiro enfrenta um cenário de sobrecarga institucional com acúmulo expressivo de demandas e consequente morosidade na prestação jurisdicional A incapacidade estrutural do sistema de absorver com celeridade e eficiência o volume de ações distribuídas anualmente consolida um quadro de crise funcional comprometendo o princípio constitucional da razoável duração do processo e a efetividade do direito de acesso à justiça Nesse contexto a desjudicialização emerge como tendência jurídicoadministrativa fundamental para a modernização do sistema de justiça viabilizando a transferência de determinadas matérias para o âmbito extrajudicial sem prejuízo das garantias fundamentais e sob estrita fiscalização institucional Entre os instrumentos mais emblemáticos desse movimento destacase a usucapião extrajudicial introduzida pelo art 1071 do Código de Processo Civil de 2015 que acresceu o art 216A à Lei nº 60151973 Lei de Registros Públicos Tal previsão normativa permitiu que a usucapião tradicionalmente submetida ao crivo judicial passasse a ser também reconhecida por via administrativa desde que atendidos os requisitos materiais previstos nos arts 1238 a 1244 do Código Civil e ausente controvérsia apta a demandar apreciação jurisdicional Tratase de marco 25 legislativo que consagra o esforço estatal em conferir maior racionalidade celeridade e eficiência à regularização fundiária e ao reconhecimento formal de direitos possessórios consolidados A positivação sintética do instituto todavia gerou certa insegurança inicial quanto à sua operacionalização exigindo a atuação normativa do Conselho Nacional de Justiça que editou o Provimento nº 652017 Esse provimento estabeleceu diretrizes claras sobre documentação necessária etapas procedimentais competências dos delegatários prazos e hipóteses de remessa ao Judiciário promovendo padronização nacional segurança jurídica e previsibilidade ao procedimento A regulamentação consolidou a compreensão de que a usucapião extrajudicial não altera a substância do direito material mas institui rito administrativo alternativo à via judicial mantendo o caráter declaratório de aquisição da propriedade e garantindo o controle público dos atos praticados O procedimento extrajudicial de natureza facultativa iniciase por requerimento assinado pelo usucapiente e por seu cônjuge ou companheiro acompanhado de advogado ou defensor público A representação técnica é indispensável uma vez que embora deslocado do Judiciário o procedimento conserva elevado grau de complexidade normativa e técnica exigindo atuação profissional habilitada para assegurar a higidez dos atos e a defesa adequada dos direitos envolvidos Não se trata de desjudicialização carente de rigor mas de redistribuição de competência sob lastro jurídico com manutenção da garantia de acesso à jurisdição sempre que necessário ou provocado Nesse cenário ganha relevo a função desempenhada pelos notários e registradores de imóveis que deixam de ser meros registradores de títulos para assumirem papel proativo na consolidação do direito de propriedade atuando como agentes de pacificação técnicos especializados e guardiões da fé pública registral Competelhes qualificar a documentação apresentada e promover notificações aos titulares de direitos reais e aos entes federativos garantindo o contraditório e a publicidade do procedimento O silêncio dos notificados qualificase como anuência tácita preservando a segurança jurídica e evitando litigiosidade artificial Importante destacar que no desempenho dessa função os registradores assumem responsabilidade técnica de elevada relevância uma vez que sua atuação é revestida de fé pública e sujeita a controle disciplinar administrativo e judicial Esse aspecto explica eventual resistência inicial de parte da classe motivada pelo 26 receio de responsabilização civil ou disciplinar por eventual reconhecimento indevido Todavia a consolidação do provimento nacional a expansão de programas de formação continuada e o desenvolvimento de sistemas de notificação e georreferenciamento eletrônicos bem como o fortalecimento de ferramentas digitais vêm aprimorando a técnica reduzindo riscos e padronizando práticas Cabe salientar que a usucapião extrajudicial embora mais célere não prescinde de robustez probatória A ata notarial por exemplo constitui instrumento essencial por meio do qual o tabelião verifica a situação possessória podendo realizar diligências entrevistas e verificações locais constituindo documento dotado de presunção de veracidade relativa Assim o procedimento não se limita a formalidade documental mas incorpora análise técnica substancial Outro aspecto relevante do instituto referese à sua dimensão social e econômica A usucapião extrajudicial representa significativo avanço na regularização fundiária essencial para o desenvolvimento urbano e rural para o ordenamento territorial e para a efetivação do direito à moradia e ao patrimônio Ao transformar posses consolidadas em propriedade formal o instituto promove inclusão jurídica segurança patrimonial e estímulo à função social do imóvel em estrita consonância com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana da justiça social e da eficiência administrativa Todavia não se ignoram os desafios persistentes tais como divergências interpretativas entre corregedorias estaduais existência de cartórios sem estrutura técnica adequada dificuldades na localização de confrontantes custos relacionados à elaboração de documentos técnicos e eventual remessa judicial diante de impugnação fundamentada Ainda assim tais obstáculos não descaracterizam o instituto mas reforçam a necessidade de contínuo aperfeiçoamento normativo tecnológico e operacional Em síntese a usucapião extrajudicial configura instrumento de profunda relevância para o Direito das Coisas contemporâneo constituindo mecanismo eficaz de desjudicialização regularização imobiliária e concretização da função social da propriedade Ao conferir efetividade aos direitos reais mediante procedimento célere técnico e seguro o instituto representa passo decisivo na modernização do sistema jurídicoregistral brasileiro reafirmando a centralidade da atuação notarial e registral no Estado Democrático de Direito e reforçando a transição do modelo puramente 27 judicial para um paradigma de justiça multiportas mais eficiente acessível e socialmente comprometido 41 Requisitos E Procedimentos Da Usucapião Extrajudicial Os requisitos materiais da usucapião extrajudicial coincidem integralmente com os da usucapião judicial nos termos dos arts 1238 a 1244 do Código Civil Exigemse assim I posse qualificada caracterizada pelo exercício contínuo manso pacífico e ininterrupto dos poderes inerentes à propriedade com animus domini e ausência de vícios como violência clandestinidade ou precariedade II decurso do lapso temporal específico conforme a modalidade invocada III aptidão do sujeito especialmente a não propriedade de outro imóvel urbano ou rural nas modalidades especiais e IV coisa hábil vedada a usucapião de bens públicos de qualquer natureza nos termos do art 183 3º e do art 191 parágrafo único da Constituição Federal O requerente deve indicar expressamente a modalidade aplicável ao caso concreto sob pena de indeferimento por ausência de fundamentação No plano formal o procedimento iniciase por requerimento dirigido ao Oficial de Registro de imóveis da situação do bem obrigatoriamente subscrito por advogado ou pela Defensoria Pública instruído com a documentação taxativamente prevista no caput do art 216A da Lei nº 60151973 I ata notarial lavrada por tabelião de notas atestando o tempo de posse do requerente e de seus antecessores a forma de exercício da posse e a inexistência de ações possessórias ou reivindicatórias em curso nos moldes do art 384 do CPC II planta e memorial descritivo do imóvel assinados por profissional legalmente habilitado com anotação de responsabilidade técnica ART ou RRT e quando possível pelos titulares de direitos registrados e pelos confrontantes III certidões negativas dos distribuidores da comarca do imóvel e do domicílio do requerente relativas a ações reais e pessoais reipersecutórias e IV documentos comprobatórios da origem continuidade natureza e tempo da posse tais como comprovantes de pagamento de IPTU contas de serviços públicos ou correspondências Na ausência ou insuficiência destes últimos admitese a realização de justificação administrativa na própria serventia O rito procedimental de natureza administrativa e sumaríssima observa as seguintes etapas conforme o art 216A da Lei de Registros Públicos e o Provimento 28 CNJ nº 652017 1 protocolização do requerimento com prenotação prorrogada até a decisão final 2 qualificação registral preliminar podendo o oficial determinar diligências complementação documental ou vistoria in loco 3 notificação pessoal ou por carta com aviso de recebimento dos titulares de direitos registrados dos confrontantes e das Fazendas Públicas União Estado Distrito Federal e Município com prazo de quinze dias para manifestação importando o silêncio em concordância tácita 2º e 3º 4 publicação de edital em jornal de grande circulação ou por meio eletrônico por quinze dias para ciência de terceiros interessados 4º com redação da Lei nº 143822022 5 intervenção obrigatória do Ministério Público para emissão de parecer 7º 6 análise de eventuais impugnações se fundamentadas o procedimento é suspenso e remetido ao juízo competente 10 7 decorrido o prazo sem oposição válida ou sanadas as irregularidades procedese ao registro da aquisição por usucapião com abertura de matrícula se inexistente produzindo efeitos erga omnes art 1245 CC A Lei nº 134652017 introduziu significativas simplificações como a dispensa de assinatura dos confrontantes na planta quando regularmente notificados e silentes a possibilidade de edital eletrônico e a integração com a Regularização Fundiária Urbana REURB A Lei nº 143822022 por sua vez ampliou o uso de notificações eletrônicas reforçando a celeridade A rejeição administrativa não impede o acesso à via judicial 9º preservandose o princípio da inafastabilidade da jurisdição art 5º XXXV CF1988 Entre os óbices práticos destacamse a impossibilidade de usucapião de bens públicos a exigência de prova robusta especialmente pela ata notarial que não possui caráter absoluto e o risco de remessa ao Judiciário em caso de controvérsia Tais limitações contudo não comprometem a eficácia do instituto quando observados os pressupostos legais A usucapião extrajudicial consolidase portanto como instrumento eficiente de concretização da função social da propriedade art 5º XXIII CF1988 promovendo a pacificação social e a segurança registral Seu sucesso depende da rigorosa observância dos requisitos materiais de posse qualificada da inteireza documental e do fiel cumprimento do procedimento administrativo cabendo ao oficial de registro de imóveis atuação diligente e imparcial sob supervisão correcional e com complementaridade jurisdicional sempre que necessário 29 5 DESJUDICIALIZAÇAO A desjudicialização como diretriz normativa e política pública de racionalização do sistema de justiça representa um marco relevante na evolução da prestação jurisdicional no Brasil ao deslocar determinadas atividades tradicionalmente concentradas no Poder Judiciário para a esfera administrativa Esse movimento não visa esvaziar o papel jurisdicional do Estado mas ao contrário busca otimizar sua atuação reservando a apreciação judicial para conflitos efetivos e controvertidos enquanto questões de natureza consensual ou documental podem ser solucionadas por vias extrajudiciais com igual segurança jurídica Nesse cenário a usucapião extrajudicial constitui um dos exemplos mais emblemáticos da modernização do Direito das Coisas brasileiro evidenciando a reconfiguração do papel estatal na garantia do direito de propriedade à luz dos princípios constitucionais da eficiência da razoável duração do processo e da função social da propriedade A introdução do art 216A na Lei nº 60151973 pelo Código de Processo Civil de 2015 consolidou a possibilidade de reconhecimento da usucapião pela via administrativa ampliando significativamente o leque de instrumentos aptos à regularização fundiária e ao reconhecimento de situações possessórias consolidadas Ao permitir a aquisição originária da propriedade imóvel mediante procedimento extrajudicial o legislador visou proporcionar maior agilidade economicidade e simplicidade sem sacrificar o rigor jurídico uma vez que os requisitos materiais previstos nos arts 1238 a 1244 do Código Civil permanecem íntegros e devem ser demonstrados de forma robusta sob fiscalização dos órgãos notariais e registrais A publicação do Provimento nº 652017 pelo Conselho Nacional de Justiça representou um divisor de águas na consolidação do instituto ao estabelecer parâmetros uniformes de atuação para os serviços extrajudiciais minimizar divergências procedimentais e assegurar segurança jurídica nacional Essa normatização detalhou entre outros aspectos a documentação necessária as etapas notificatórias a atuação dos profissionais envolvidos especialmente advogados tabeliães e registradores e as hipóteses de suspensão e remessa dos autos ao Poder Judiciário quando litigiosidade ou vícios relevantes forem identificados 30 O início do procedimento depende de requerimento subscrito pelo usucapiente e se for o caso por seu cônjuge ou companheiro obrigatoriamente assistidos por advogado ou defensor público reforçando o caráter jurídico e técnico da via extrajudicial A exigência de representação profissional assegura que o procedimento seja adequadamente instruído evitando nulidades indeferimentos e retrabalhos além de preservar o devido processo legal e a integridade do ato Ademais a faculdade do interessado de optar pela via judicial permanece resguardada de modo que a desjudicialização não afasta o controle jurisdicional apenas o racionaliza O papel preventivo dos delegatários extrajudiciais muitas vezes ignorado por análises superficiais revelase essencial Afinal a função pacificadora do Direito não se restringe ao âmbito jurisdicional tradicional Ao promover notificações e quando necessário conduzir reuniões e tentativas de conciliação notários e registradores atuam como mediadores naturais prevenindo conflitos e evitando o acionamento desnecessário do Judiciário Essa lógica dialoga diretamente com a concepção contemporânea de justiça multiportas incentivada pelo Conselho Nacional de Justiça que busca diversificar as vias de solução de controvérsias e tornar o sistema mais acessível e eficiente É relevante destacar que a usucapião extrajudicial não se limita a garantir maior celeridade procedimental Ela materializa valores fundamentais da ordem constitucional sobretudo a concretização do direito à moradia a promoção da dignidade da pessoa humana e o cumprimento da função social da propriedade Ao possibilitar a regularização dominial de posses muitas vezes antigas e economicamente relevantes o instituto fortalece a segurança jurídica reduz externalidades negativas decorrentes da informalidade imobiliária e promove inclusão patrimonial O fenômeno da desjudicialização ao permitir que atos dotados de alta carga documental e baixa litigiosidade sejam conduzidos fora da arena judicial cumpre objetivos essenciais garantir a razoável duração do procedimento reduzir a sobrecarga do Judiciário e ampliar o acesso material à ordem jurídica justa Nessa lógica a atuação dos serviços extrajudiciais não constitui exceção ao princípio da inafastabilidade da jurisdição mas sua efetivação prática oferecendo ao cidadão vias múltiplas e adequadas à tutela de seu direito 31 Não obstante seus méritos a implementação plena do instituto enfrenta desafios relevantes Entre eles destacamse a disparidade interpretativa entre corregedorias estaduais a resistência inicial de alguns delegatários os custos técnicos de regularização topográfica e documental e dificuldades práticas na notificação de confrontantes e titulares de direitos reais A evolução legislativa posterior como a Lei nº 134652017 e a Lei nº 143822022 contribuiu para o aprimoramento do procedimento especialmente ao facilitar notificações eletrônicas e reforçar a integração sistêmica entre os serviços registrais Contudo a consolidação definitiva do modelo exige contínuo investimento na capacitação dos profissionais envolvidos no aperfeiçoamento tecnológico das serventias e na ampliação de mecanismos de acesso para hipossuficientes Assim a usucapião extrajudicial não deve ser compreendida como mera alternativa procedimental ao processo judicial tradicional mas sim como instrumento de transformação estrutural do Direito das Coisas inserido no processo evolutivo de modernização da administração pública e da atividade notarial e registral Tratase de ferramenta que promove eficiência institucional segurança jurídica efetividade de direitos fundamentais e consolidação do paradigma constitucional da função social da propriedade Em síntese a experiência brasileira com a usucapião extrajudicial demonstra que quando há vontade normativa infraestrutura adequada e atuação comprometida dos operadores do Direito é possível construir mecanismos ágeis e seguros de reconhecimento jurídico sem sacrificar garantias constitucionais e com evidente ganho social e institucional O aperfeiçoamento contínuo do sistema aliado à uniformização interpretativa e à expansão de práticas tecnológicas tende a consolidar ainda mais o instituto como um dos pilares do futuro da regularização imobiliária no país conferindolhe papel de destaque no processo de democratização do acesso à propriedade e de racionalização do sistema de justiça 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise desenvolvida ao longo deste estudo permitiu constatar que a usucapião extrajudicial representa um dos mais relevantes avanços contemporâneos no âmbito do Direito das Coisas e do processo de desjudicialização das relações jurídicas no Brasil O instituto consolidou uma nova via administrativa para o 32 reconhecimento da aquisição originária da propriedade sem a necessidade de intervenção jurisdicional desde que ausente litígio e observados os requisitos legais da posse qualificada A partir do exame doutrinário e normativo verificouse que o procedimento extrajudicial não altera os pressupostos materiais da usucapião previstos no Código Civil mas apenas transfere a competência para o âmbito notarial e registral conferindolhe maior celeridade e efetividade Tal inovação traduzse em importante mecanismo de concretização dos princípios constitucionais da função social da propriedade da eficiência administrativa e da celeridade processual No plano prático a usucapião extrajudicial tem se mostrado instrumento apto a contribuir significativamente para a regularização fundiária tanto em áreas urbanas quanto rurais promovendo a segurança jurídica e a pacificação social O procedimento administrativo permite que situações possessórias consolidadas sejam convertidas em titularidades legítimas com menor custo e em prazo reduzido desafogando o Poder Judiciário e aproximando o cidadão do reconhecimento de seus direitos Além disso reforça o papel das serventias extrajudiciais como agentes de efetivação da justiça e de concretização dos direitos fundamentais Não obstante os avanços o estudo evidenciou que ainda persistem entraves relevantes à plena eficácia do instituto A resistência de alguns registradores o excesso de formalismo em determinados atos a falta de uniformidade nas orientações das corregedorias estaduais as dificuldades de notificação de confrontantes e a imposição de custos técnicos elevados configuram obstáculos que por vezes comprometem o propósito desjudicializador Ademais a obrigatoriedade de representação por advogado pode limitar o acesso de possuidores economicamente vulneráveis ao procedimento contrariando em certa medida a finalidade social que o inspirou A doutrina majoritária representada por autores como Silvio de Salvo Venosa Carlos Roberto Gonçalves e Flávio Tartuce converge no entendimento de que a usucapião extrajudicial é um instrumento de efetivação da função social da propriedade e de racionalização do sistema jurídico desde que aplicada com observância estrita aos requisitos legais e sob fiscalização correcional rigorosa O Provimento nº 652017 do CNJ ao uniformizar os procedimentos e as legislações posteriores reforçaram a segurança e a acessibilidade do instituto integrandoo ao processo de modernização do sistema registral brasileiro 33 Dessa forma concluise que a viabilidade da usucapião extrajudicial no ordenamento jurídico brasileiro é plenamente reconhecida e sua efetividade embora sujeita a aperfeiçoamentos é inegável O instituto cumpre relevante papel na construção de um Direito Civil constitucionalizado voltado à concretização dos valores da dignidade da pessoa humana da justiça social e da democratização do acesso à propriedade Para que sua aplicação alcance todo o potencial de inclusão e eficiência que lhe é inerente fazse necessária a continuidade do processo de uniformização normativa a capacitação permanente dos agentes delegatários e a ampliação de mecanismos de assistência jurídica gratuita aos possuidores de baixa renda Somente assim será possível consolidar a usucapião extrajudicial como verdadeiro instrumento de cidadania segurança jurídica e desenvolvimento social em perfeita harmonia com os princípios que estruturam o ordenamento civil e constitucional contemporâneo 34 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIAS GONÇALVES Carlos Roberto Direito civil brasileiro volume 5 12 ed São Paulo Saraiva 2017 VENOSA Silvio de Salvo Direito Civil Direitos Reais volume 4 São Paulo Atlas 2020 MONTEIRO Washington de Barros Curso de Direito Civil volume 3 São Paulo Saraiva 2007 GONÇALVES Carlos Roberto Direito Civil Brasileiro Direitos das Coisas São Paulo Saraiva 2021