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Direito ·

Direito Tributário

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191023 2045 ConJur Bruno Soeiro Vieira A reforma tributária verde httpsw w wconjurcombr2023jul18brunosoeirovieirareformatributariaverdeimprimir1 15 OPINIÃO A reforma tributária verde e a agenda urbano ambiental 18 de julho de 2023 6h07 Por Bruno Soeiro Vieira Se a proposta de reforma tributária que tramita no Congresso ainda não está dedicada seriamente a reduzir a desigualdade de renda no Brasil outras camadas de desigualdade podem ser impactadas pelas possíveis mudanças na Constituição É notório que o ambiente urbano dos municípios brasileiros é o locus da desigualdade socioespacial de modo que uma característica comum e marcante das cidades brasileiras é sua fragmentação ou seja uma urbe repartida a partir do flagrante desequilíbrio de renda entre seus habitantes Assim é devido à desigualdade econômica que a maior parcela dos brasileiros é obrigada a habitar em espaços com pouca ou nenhuma infraestrutura caracterizando a desigualdade socioespacial e a injustiça ambiental urbana Essa maioria de brasileiros é obrigada a habitar nas periferias porque o solo urbano é precificado e alvo de forte especulação imobiliária fazendo com quem os espaços da cidade dotados de infraestrutura sejam muito valorizados e portanto ocupados tão somente por aqueles que dispõem de renda suficiente expulsando os demais para a borda urbana ou seja para a cidade informal 1 Se existe uma característica genérica de configuração socioespacial das cidades devese a desigualdade econômica que por sua vez decorre também do atual sistema tributário regressivo em vigor e segundo Medeiros e Souza 2 é o próprio Estado brasileiro que contribui com grande parcela da desigualdade de renda familiar per capita no país 191023 2046 ConJur Bruno Soeiro Vieira A reforma tributária verde httpsw w wconjurcombr2023jul18brunosoeirovieirareformatributariaverdeimprimir1 25 Assim cabe ao próprio Estado buscar também pela via tributária mitigar ou como prescreve um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais Como dito acima infelizmente a proposta de emenda à Constituição nº 45A não foi concebida como instrumento de diminuição de desigualdade de renda porém a partir de uma leitura atenta dos seus dispositivos é possível vislumbrar trechos que são positivos ao meio ambiente em geral mas também à política de planejamento urbano e regional Desse modo de acordo com a proposta o 4º do artigo 43 da Constituição passaria a eleger a preservação do meio ambiente como um requisito para que a União sempre que possível conceda incentivos regionais Afinal se há uma histórica falta equidade no nível de desenvolvimento entre as regiões do país 3 IBGE 2022 é justo que a União utilize a extrafiscalidade por meio de concessão de incentivos visando diminuir o hiato de desenvolvimento entre as regiões Outra inovação positiva 3º do artigo 145 diz respeito à criação de novos princípios constitucionais tributários dentre os quais merecem atenção devido a sua relação com a temática da política de planejamento urbano a justiça tributária e a defesa do meio ambiente Assim se o citado dispositivo dispõe que o Sistema Tributário Nacional deve observar os princípios percebese que a construção e a exegese das normas tributárias deverão orientarse por tais postulados Neste sentido a justiça tributária merece destaque por reafirmar a potência principiológica da capacidade contributiva e da isonomia tributária Ademais a tutela do meio ambiente de maneira inovadora como já é percebida na tributação em muitos países do norte global foi inserida como diretriz principiológica a ser respeitada quando da criação e da interpretação de normas de natureza tributária Na sequência se a PEC 45A propõe a extinção do Imposto sobre produtos industrializados IPI por outro lado cria outro tributo neste caso o Imposto Seletivo que como a sua denominação já indica tratase de um tributo cuja seletividade será sua maior característica Logo o Imposto Seletivo deverá ser orientado a tributar de modo diferenciado a partir dos prejuízos que bens e serviços causarem à saúde ou ao meio ambiente Dessa maneira produtos e serviços que gerem malefícios à saúde individual ou coletiva ou ao meio ambiente inclusive o urbano estarão sujeitos à tributação de modo proporcional ao mal que tais bens ou serviços causarem evidenciando uma forte extrafiscalidade na concepção deste possível novo imposto de competência da União 191023 2046 ConJur Bruno Soeiro Vieira A reforma tributária verde httpsw w wconjurcombr2023jul18brunosoeirovieirareformatributariaverdeimprimir1 35 No âmbito da tributação dos estados e do Distrito Federal a PEC propõe que o Imposto sobre a propriedade de veículos automotores IPVA possa ter alíquotas diferentes em razão do impacto ambiental que tais veículos possam causar Desse modo percebese a incontestável extrafiscalidade na proposta conteúdo extremamente positivo sobretudo ao meio ambiente urbano das cidades brasileiras nas quais os veículos são majoritariamente movidos por meio de combustíveis fósseis e cientificamente muito poluentes Ademais em um país com abissal diferença de desenvolvimento entre as regiões é muito relevante ao planejamento regional e às metrópoles a proposta de instituir um Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional que com recursos transferidos pela União para os estados e o Distrito Federal sejam realizados estudos projetos e obras de infraestrutura tão necessárias nas cidades e metrópoles dos estados menos desenvolvidos Importante também destacar que os recursos do fundo serão priorizados aos projetos que objetivarem ações de preservação do meio ambiente A PEC ao dispor sobre o proposto Imposto sobre bens e serviços IBS de competência estadual e municipal o inclui no rol de tributos que deverão compor o regime fiscal favorecido para os biocombustíveis visando garantirlhes tributação inferior à incidente sobre os combustíveis fósseis em franca perspectiva extrafiscal Portanto por um lado renunciase receita ao viabilizar um diferencial competitivo de preço dos biocombustíveis em relação àqueles mais degradadores ao meio ambiente por outro estimulase a adoção dos combustíveis menos poluentes como conduta positiva de mitigação do aquecimento global Outra proposição diretamente relacionada ao meio ambiente urbano diz respeito à isenção ou a redução das alíquotas em até 100 dos tributos sobre o consumo propostos na PEC IBS e a CBS para as atividades de reabilitação urbana de zonas históricas e de áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística Desse modo se as cidades brasileiras apresentam um quadro típico de insustentabilidade com degradação contínua dos acervos imobiliários de relevante valor históricocultural a extrafiscalidade urbanoambiental seja pela isenção ou redução de alíquotas poderá fomentar que obras e serviços em espaço de memória identitária sejam realizados em maior quantidade e dimensão permitindo que o legado históricocultural seja preservado para as futuras gerações respeitandose a lógica intergeracional expressa no caput do artigo 225 da Constituição Como consequência se o citado mecanismo de benefício tributário de cunho extrafiscal for aprovado será extremamente benéfico tanto ao meio ambiente artificial espaço alterado pelo ser humano as edificações as ruas as praças etc quanto ao meio ambiente cultural 191023 2046 ConJur Bruno Soeiro Vieira A reforma tributária verde httpsw w wconjurcombr2023jul18brunosoeirovieirareformatributariaverdeimprimir1 45 espaço de valor diferenciado que serve de referência à memória e a identidade de um povo de um país ou da humanidade Outro aspecto relevante à sustentabilidade urbana e metropolitana contido na PEC diz respeito à possibilidade de concessão de crédito ao contribuinte que adquirir de pessoa física cooperativa ou outra forma de organização popular resíduos e demais materiais destinados à reciclagem reutilização ou logística reversa Outrossim percebese nas entrelinhas do dispositivo a preocupação com o meio ambiente e a intenção de estimular que empresas e pessoas físicas priorizem a aquisição de resíduos que tenham sido coletados por pessoas ou entidades gerando emprego e renda às famílias daqueles que coletam os resíduos sólidos no ambiente urbano Merece menção também a proposição de ampliar o escopo da Cosip artigo 149A permitindo que municípios e o DF além de darem manutenção possam expandir e melhorar o serviço de iluminação pública aspecto importante ao quesito segurança pública nas cidades sobretudo em relação às mulheres periféricas que estão mais sujeitas à violência urbana em decorrência dos ambientes onde habitam serem servidos de pouca ou nenhuma iluminação pública A PEC também propõe a criação de regra de imunidade tributária do ITCMD sobre as transmissões e doações para as instituições sem fins lucrativos às organizações assistenciais e beneficentes de entidades religiosas e institutos científicos e tecnológicos Dessa maneira em cidades nas quais a problemática da regularização é grave tal proposição poderá facilitar os processos de regularização fundiária em especial nos centros históricos de modo que os imóveis regularizados possam ter como função social a prestação de assistência social aos mais vulneráveis e o desenvolvimento científico por exemplo Contudo a proposta que talvez seja mais importante em relação à sustentabilidade dos municípios inclusive a financeira diz respeito a possibilidade de os municípios atualizarem a base de cálculo do IPTU por ato do Poder Executivo a partir do que dispuser lei tributária municipal Em um contexto de federalismo fiscal assimétrico no qual os municípios não dispõem de receitas suficientes para o volume de encargos que lhe cabem e considerando que a extinção do ISSQN também poderá impactar negativamente as finanças municipais a urgente atualização das bases de cálculo do IPTU problema crônico na esfera municipal por meio de norma infralegal será um grande avanço na justiça fiscal e na possibilidade de incremento da receita municipal 191023 2046 ConJur Bruno Soeiro Vieira A reforma tributária verde httpsw w wconjurcombr2023jul18brunosoeirovieirareformatributariaverdeimprimir1 55 Ao analisar esta proposição não se pode olvidar que a política urbana necessita de grande volume de recursos e que tal mudança normativa poderá gerar o aumento de receita tributária IPTU viabilizando que o planejamento do desenvolvimento urbano artigo 225 da CF possa ser efetivamente realizado e não fique restrito a planos e políticas setoriais idealizadas em normas jurídicas tais como as leis de plano diretor desprovidas de concretude na realidade fática das cidades brasileiras Por fim se a PEC em questão não é a ideal pois a diminuição da desigualdade de renda é apenas uma promessa entendese que as proposições acima mencionadas conspiram em favor de uma agenda urbanoambiental capaz de contribuir na mitigação e na adaptação aos efeitos da crise climática que o mundo enfrenta especialmente em relação ao meio ambiente das cidades espaço no qual segundo dados do Censo 2022 cerca de 85 da população brasileira habita 1 MARICATO Ermínia Informalidade urbana no Brasil a lógica da cidade fraturada Posfácio WANDERLEY Luiz Eduardo RAICHELIS Raquel orgs A cidade de São Paulo relações internacionais e gestão pública São Paulo EDUC 2009 2 MEDEIROS Marcelo SOUZA Pedro H G F State Transfers Taxes and Income Inequality in Brazil Brazilian Political Science Review 9 2 Aug 2015 httpsdoiorg101590198138212014000200009 3 BRASIL IBGE Síntese de indicadores sociais uma análise das condições de vida da população brasileira 2022 IBGE Coordenação de População e Indicadores Sociais Rio de Janeiro IBGE 2022 Bruno Soeiro Vieira é doutor em Direito PUCSão Paulo doutor em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido NaeaUFPA pesquisador CNPQ Grupo de Pesquisa Tributação e Desenvolvimento nas cidades da Amazônia e professor adjunto da Universidade Federal do Pará UFPA Revista Consultor Jurídico 18 de julho de 2023 6h07