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13 Educação e Pesquisa São Paulo v 38 n 1 p 1328 2012 O dualismo perverso da escola pública brasileira escola do conhecimento para os ricos escola do acolhimento social para os pobres José Carlos Libâneo Universidade Federal de Goiás Resumo O texto aborda o agravamento da dualidade da escola pública brasileira atual caracterizada como uma escola do conhecimento para os ricos e como uma escola do acolhimento social para os pobres Esse dualismo perverso por reproduzir e manter desigualdades sociais tem vínculos evidentes com as reformas educativas iniciadas na Inglaterra nos anos 1980 no contexto das políticas neoliberais mais especificamente ele está em consonância com os acordos internacionais em torno do movimento Educação para Todos cujo marco é a Conferência Mundial sobre Educação para Todos realizada em Jomtien na Tailândia em 1990 sob os auspícios do Banco Mundial do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PNUD do Fundo das Nações Unidas para a Infância UNICEF e da Organização das Nações Unidas para a Educação e Cultura UNESCO Com base em pesquisa bibliográfica este estudo argumenta que a associação entre as políticas educacionais do Banco Mundial para os países em desenvolvimento e os traços da escola dualista representa substantivas explicações para o incessante declínio da escola pública brasileira nos últimos trinta anos Ao final do texto retomase a discussão sobre a necessidade de uma pauta comum dos educadores em torno dos objetivos e das funções da escola pública Palavraschave Políticas para a escola pública Declínio da escola pública Conferência Mundial sobre Educação para Todos de Jomtien Educação e pobreza Escola dualista Correspondência José Carlos Libâneo libaneojcuolcombr 14 Educação e Pesquisa São Paulo v 38 n 1 p 1328 2012 The perverse dualism of the Brazilian public school school of knowledge for the rich school of social care for the poor José Carlos Libâneo Federal University of Goiás Abstract This paper addresses the aggravation of the duality of current Brazilian public schools characterized as a school of knowledge for the rich and a school of social care for the poor Such dualism which is perverse because it reproduces and maintains social inequalities has obvious links not only with the educational reforms initiated in England in the 1980s in the context of the neoliberal policies but also and especially with the international agreements on the Education for All movement whose mark was the World Conference on Education for All held in Jomtien Thailand in 1990 under the auspices of the World Bank the United Nations Development Program UNDP the United Nations Childrens Fund UNICEF and the United Nations Educational and Cultural Organization UNESCO Based on bibliographic research the text argues that the association between the educational policies of the World Bank for developing countries and the features of the dualistic school offers substantive explanations for the unremitting decline in the Brazilian public school system over the past 30 years At the end the text discusses again the objectives and functions of public schools Keywords Policies for public school Public school decline World Conference on Education for All in Jomtien Education and poverty Dualistic school Contact José Carlos Libâneo libaneojcuolcombr 15 Educação e Pesquisa São Paulo v 38 n 1 p 1328 2012 A luta pela escola pública obrigatória e gratuita para toda a população tem sido ban deira constante entre os educadores brasileiros sobressaindose temas sobre funções sociais e pedagógicas como a universalização do acesso e da permanência o ensino e a educação de qualidade o atendimento às diferenças sociais e culturais e a formação para a cidadania crí tica Entretanto têmse observado nas últi mas décadas contradições mal resolvidas entre quantidade e qualidade em relação ao direito à escola entre aspectos pedagógicos e aspectos socioculturais e entre uma visão de escola as sentada no conhecimento e outra em suas mis sões sociais Ressaltase também a circulação de significados muito difusos para a expressão qualidade de ensino seja por razões ideológi cas seja pelo próprio significado que o senso comum atribui ao termo dependendo do foco de análise pretendido econômico social po lítico pedagógico etc O próprio campo educa cional nos âmbitos institucional intelectual e associativo está longe de obter um consenso mínimo sobre os objetivos e as funções da es cola pública na sociedade atual As interrogações e os embates sobre os objetivos da escola básica suas formas de funcionamento e a natureza de suas práticas pedagógicas têm alentado a produção cientí fica em diferentes posições e enfoques teóri cos em que geralmente predominam análises de cunho político e sociológico Neste texto propõese uma análise predominantemente pedagógica dos percalços da escola pública ainda que amparada em análises sociopolí ticas A discussão visa destacar o impacto negativo nos objetivos e nas formas de fun cionamento interno das escolas das políticas educacionais de organismos internacionais as quais se transformaram em cartilhas no Brasil para a elaboração de planos de educa ção do governo federal e de governos estadu ais e municipais afetando tanto as políticas de financiamento quanto outras como as de currículo formação de professores organiza ção da escola práticas de avaliação etc O objetivo do texto é assim buscar liga ções entre as proposições originariamente ema nadas na Conferência Mundial sobre Educação para Todos realizada em 1990 em Jomtien Tailândia e as políticas públicas para a educa ção básica praticadas nestes vinte anos pelos governos brasileiros A Conferência que pro duziu um documento histórico denominado Declaração Mundial da Conferência de Jomtien foi a primeira dentre outras conferências reali zadas nos anos seguintes em Salamanca1 Nova Delhi Dakar etc convocadas organizadas e patrocinadas pelo Banco Mundial No Brasil o primeiro documento oficial resultante da refe rida Declaração e das demais conferências foi o Plano Decenal de Educação para Todos 1993 2003 elaborado no Governo Itamar Franco Em seguida seu conteúdo esteve presente nas po líticas e diretrizes para a educação do Governo FHC 19951998 19992002 e do Governo Lula 20032006 20072010 tais como universali zação do acesso escolar financiamento e repas se de recursos financeiros descentralização da gestão Parâmetros Curriculares Nacionais en sino a distância sistema nacional de avaliação políticas do livro didático Lei de Diretrizes e Bases Lei no 939496 entre outras A hipótese básica a ser desenvolvida aqui é de que estes vinte anos de políticas educacionais no Brasil elaboradas a partir da Declaração de Jomtien selaram o destino da escola pública brasileira e seu declínio A pesquisadora equatoriana Rosa Maria Torres 1996 avaliza essa afirmação quando se refere ao pacote do Banco Mundial Sustentamos que o referido pacote e o modelo educativo subjacente à chamada melhoria da qualidade da educação do modo como foi apresentado e vem se desenvolvendo ao invés de contribuir para a mudança no sentido proposto melhorar a qualidade e a eficiência da educação e 1 A Declaração de Salamanca trata da questão da educação inclusiva de pessoas com necessidades especiais seu titulo completo é Declaração de Salamanca sobre princípios política e práticas na área das necessidades educativas especiais 1994 16 16 José Carlos LibânEo o dualismo perverso da escola pública brasileira escola do conhecimento de maneira específica os aprendizados escolares na escola pública e entre os setores menos favorecidos está em boa medida reforçando as tendências predominantes no sistema escolar e na ideologia que o sustente ou seja as condições objetivas e subjetivas que contribuem para produzir ineficiência má qualidade e desigualdade no sistema escolar p 127 As análises apresentadas a seguir iniciamse com a constatação da diversidade e dos antagonismos de posições sobre os objetivos e as funções da escola no Brasil na atualidade para em seguida desvendar nas políticas oficiais um pensamento quase hegemônico sobre as funções da escola assentado nas políticas educativas do Banco Mundial Na segunda parte após uma caracterização das propostas de escola ressaltando seu dualismo são apontadas possíveis saídas visando a um consenso mínimo da sociedade sobre os objetivos e as funções da escola pública Dos desacordos sobre os objetivos e as funções da escola aos atrativos da Declaração Mundial de Jomtien Tem sido constante nos meios intelectual e institucional do campo da educação a constatação de um quadro sombrio da escola pública No âmbito das análises externas dados estatísticos e pesquisas apontam sua deterioração e ineficácia em relação a seus objetivos e formas de funcionamento São reiteradas as demandas pela ampliação dos recursos financeiros para todos os níveis e modalidades de ensino Há um volume considerável de investigações sobre a situação dos salários e das condições de trabalho e formação dos professores No âmbito das análises internas presumese uma crise do papel socializador da escola já que ela concorre com outras instâncias de socialização como as mídias o mercado cultural o consumo e os grupos de referência Outros estudos têm mostrado a crescente inquietude dos professores sobre como conseguir a motivação dos alunos ou como conter atos de indisciplina Com bastante frequência seja devido aos desacordos entre educadores legisladores e pesquisadores em relação aos objetivos e às funções da escola seja pela atração exercida pelas orientações dos organismos internacionais muitas das medidas adotadas pelas políticas oficiais para a educação e o ensino têm o aspecto de soluções evasivas para os problemas educacionais Tais soluções estariam baseadas na ideia de que para melhorar a educação bastaria prover insumos que atuando em conjunto incidiriam positivamente na aprendizagem dos alunos por exemplo os ciclos de escolarização a escola de tempo integral a progressão continuada a gratificação financeira a professores a progressão continuada e recentemente a implantação do Exame Nacional de Ingresso na Carreira Docente deixando de considerar fatores intraescolares que mais diretamente estariam afetando a qualidade da aprendizagem escolar LIBÂNEO 2006 Em face desses problemas circula no meio educacional uma variedade de propostas sobre as funções da escola propostas estas frequentemente antagônicas indo desde as que pedem o retorno da escola tradicional até as que preferem que ela cumpra missões sociais e assistenciais Ambas as posições explicitariam tendências polarizadas indicando o dualismo da escola brasileira em que num extremo estaria a escola assentada no conhecimento na aprendizagem e nas tecnologias voltada aos filhos dos ricos e em outro a escola do acolhimento social da integração social voltada aos pobres e dedicada primordialmente a missões sociais de assistência e apoio às crianças António Nóvoa 2009 pontua com clareza esses dois tipos de escola Um dos grandes perigos dos tempos atuais é uma escola a duas velocidades por um lado uma escola concebida essencialmente como um centro de acolhimento social 17 Educação e Pesquisa São Paulo v 38 n 1 p 1328 2012 para os pobres com uma forte retórica da cidadania e da participação Por outro lado uma escola claramente centrada na aprendizagem e nas tecnologias destinada a formar os filhos dos ricos p 64 Nas considerações a seguir buscase demonstrar que a escola para o acolhimento social tem sua origem na Declaração Mundial sobre Educação para Todos de 1990 e em outros documentos produzidos sob o patrocínio do Banco Mundial nos quais é recorrente o diagnóstico de que a escola tradicional está restrita a espaços e tempos precisos sendo incapaz de adaptarse a novos contextos e a diferentes momentos e de oferecer um conhecimento para toda a vida operacional e prático Além disso o insucesso da escola tradicional decorreria de seu modo de funcionar pois ela está organizada com base em conteúdos livrescos exames e provas reprovações e relações autoritárias Buscase então outro tipo de escola abrindo espaços e tempos que venham atender às necessidades básicas de aprendizagem reduzidas como veremos adiante a necessidades mínimas tomadas como eixo do desenvolvimento humano Nessa perspectiva a escola se caracterizará como lugar de ações socioeducativas mais amplas visando ao atendimento das diferenças individuais e sociais e à integração social Com apoio em premissas pedagógicas humanitárias concebeu se uma escola que primasse antes de tudo pela consideração das diferenças psicológicas de ritmo de aprendizagem e das diferenças sociais e culturais pela flexibilização das práticas de avaliação escolar e pelo clima de convivência tudo em nome da intitulada educação inclusiva Marília Gouvea de Miranda 2005 assinala a principal mudança na educação de massas em decorrência das reformas educativas neoliberais iniciadas por volta de 1980 Segundo ela a escola constituída sob o princípio do conhecimento estaria dando lugar a uma escola orientada pelo princípio da socialidade O termo socialidade está sendo adotado aqui para ressaltar que a escola organizada em ciclos se situa como um tempoespaço destinado à convivência dos alunos à experiência da socialidade distinguindose dos conceitos de socialização e de desenvolvimento da sociabilidade tratados pela sociologia e psicologia p 641 Assim não se trata mais de manter aquela velha escola assentada no conhecimento isto é no domínio dos conteúdos mas de conceber uma escola que valorizará formas de organização das relações humanas nas quais prevaleçam a integração social a convivência entre diferentes o compartilhamento de culturas o encontro e a solidariedade entre as pessoas Em texto de 2004 José Carlos Libâneo associava o sistema de ciclos a uma escola identificada mais como lugar de encontro e compartilhamento entre as pessoas em que sejam acolhidos seus ritmos suas diferenças p 19 do que como espaço propiciador de condições para o desenvolvimento cognitivo afetivo e moral dos alunos A concepção de uma escola para a in tegração social segundo nos parece tem sua origem na mencionada Declaração Mundial sobre Educação para Todos de 1990 Lido sem intenção crítica e sem a necessária contextua lização esse documento apresenta um conte údo muito atraente chegando a surpreender o leitor por suas intenções humanistas e de mocratizantes Considerese por exemplo o artigo 1º Satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem Cada pessoa criança jovem ou adulto deve estar em condições de aproveitar as oportunidades educativas voltadas para satisfazer suas necessidades básicas de aprendizagem Essas necessidades com preendem tanto os instrumentos essen ciais para a aprendizagem como a leitura e a escrita a expressão oral o cálculo a 18 18 José Carlos LibânEo o dualismo perverso da escola pública brasileira escola do conhecimento solução de problemas quanto os conteú dos básicos da aprendizagem como conhe cimentos habilidades valores e atitudes necessários para que os seres humanos possam sobreviver desenvolver plenamen te suas potencialidades viver e trabalhar com dignidade participar plenamente do desenvolvimento melhorar a qualidade de vida tomar decisões fundamentadas e continuar aprendendo WCEFA 1990 Nos tópicos seguintes da Declaração são definidas estratégias bastante aceitáveis na direção de uma educação para todos a satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem para todos b universalizar o acesso à educação básica2 como base para a aprendizagem e o desenvolvimento humano permanentes b concentrar a atenção na aprendizagem necessária à sobrevivência c ampliar os meios e o raio de ação da educação básica d propiciar um ambiente adequado à aprendizagem e fortalecer alianças autoridades públicas professores órgãos educacionais e demais órgãos de governo organizações governamentais e não governamentais setor privado comunidades locais grupos religiosos famílias Tão boas intenções parecem à primeira vista compatíveis com uma desejada visão democrática da escola para todos e até com uma visão renovada das políticas educativas No entanto esses conceitos necessitam ser examinados com base nas políticas globais definidas pelos organismos internacionais para os países pobres BIRD PNUD BID UNESCO UNICEF de modo a obter o significado contextualizado de tais termos São muitos os estudos relacionados a esse tema entre outros TORRES 1996 2001 DE TOMMASI WARDE HADDAD 1996 MACHADO 2000 GADOTTI 2000 ALTMANN 2002 FRIGOTTO CIAVATTA 2003 MARTINEZ BOOM 2004 LAVAL 2004 ANTUNES 2004 FALLEIROS 2005 ALGEBAILE 2009 NÓVOA 2009 No entanto a análise 2 o termo educação básica deve ser lido como educação fundamental ensino fundamental ou seja o nível mais elementar de ensino a seguir recorrerá mais frequentemente a três autores Rosa Maria Torres José Luis Corraggio e Alberto Martínez Boom Torres 2001 esclarece em seu texto que ao longo das avaliações e revisões da Declaração em conferências e reuniões subsequentes entre os organismos internacionais e os países envolvidos a proposta original foi encolhida e foi essa versão que acabou prevalecendo com variações em cada país na formulação das políticas educacionais Tal encolhimento deuse para adequarse à visão economicista do Banco Mundial o patrocinador das conferências mundiais Desse modo a visão ampliada de educação converteuse em uma visão encolhida ou seja a de educação para todos para educação dos mais pobres b de necessidades básicas para necessidades mínimas c da atenção à aprendizagem para a melhoria e a avaliação dos resultados do rendimento escolar d da melhoria das condições de aprendizagem para a melhoria das condições internas da instituição escolar organização escolar p 29 Numa análise pedagógica dessas estratégias verificase tal como alerta Torres 2001 que as necessidades básicas de aprendizagem transformaramse num pacote restrito e elementar de destrezas úteis para a sobrevivência e para as necessidades imediatas e mais elementares das pessoas p 40 bem próximas da ideia de que o papel da escola é prover conhecimentos ligados à realidade imediata do aluno utilizáveis na vida prática como acreditam também algumas concepções mais simplistas da ligação do ensino à vida cotidiana Em síntese a aprendizagem transformase numa mera necessidade natural numa visão instrumental desprovida de seu caráter cognitivo desvinculada do acesso a formas superiores de pensamento Coraggio 1996 mostra que as políticas sociais do Banco Mundial visam ao investimento no desenvolvimento das pessoas garantindo que todos tenham acesso a um mínimo de educação saúde alimentação saneamento p 77 de modo a assegurar políticas de ajuste 19 Educação e Pesquisa São Paulo v 38 n 1 p 1328 2012 estrutural que vão liberar as forças do mercado e acabar com a cultura de direitos universais a bens e serviços básicos garantidos pelo Estado Ou seja as políticas sociais são elaboradas para instrumentalizar a política econômica em contradição com os objetivos declarados p 79 Escreve o autor O modo economicista com que se usa essa teoria da análise econômica para derivar recomendações contribui para introjetar e institucionalizar os valores do mercado capitalista na esfera da cultura o que vai muito além de um simples cálculo econômico para comparar custos e benefícios das diversas alternativas geradas do ponto de vista social ou político p 95 As análises de Torres e de Coraggio explicam a versão encolhida da Declaração de Jomtien adotada por boa parte dos países em vias de desenvolvimento Têmse assim traços básicos das políticas para a educação do Banco Mundial a reducionismo economicista ou seja definição de políticas e estratégias baseadas na análise econômica b o desenvolvimento socioeconômico necessita da redução da pobreza no mundo por meio da prestação de serviços básicos aos pobres saúde educação segurança etc como condição para tornálos mais aptos a participarem desse desenvolvimento c a educação escolar reduzse a objetivos de aprendizagem observáveis mediante formulação de padrões de rendimento expressos em competências como critérios da avaliação em escala d flexibilização no planejamento e na execução para os sistemas de ensino mas centralização das formas de aplicação das avaliações cujos resultados acabam por transformaremse em mecanismos de controle do trabalho das escolas e dos professores Também Martínez Boom 2004 apresenta uma interpretação dos conceitos de necessidades básicas de aprendizagem e de desenvolvimento humano Segundo ele na orientação dos ideólogos do Banco Mundial a satisfação das necessidades básicas de aprendizagem conduz ao desenvolvimento humano cujos índices são aferidos pelo Índice de Desenvolvimento Humano IDH Na Declaração de Jomtien o conceito de aprendizagem referese à aquisição de capacidades atitudes e comportamentos necessários à vida nos quais se incluem leitura escrita cálculo técnicas valores a atitudes que necessitam os seres humanos para sobreviver p 222 Além disso o autor afirma que a educação básica deve centrar se nas aquisições e nos resultados efetivos da aprendizagem p 222 antecipando a ideia de avaliação em escala com base em competências mínimas estabelecidas pelo sistema de ensino e num processo permanente de avaliação As necessidades básicas de aprendizagem seriam a chave para concretizar a visão ampliada de educação instituindo um novo objetivo para a educação mundial distinto das formulações convencionais e inadequadas da pedagogia e da didática em que o ensino se restringe a ações de apoio reduzindo drasticamente o papel do professor na formação cognitiva dos alunos O conceito de desenvolvimento humano convertese assim numa categoria essencial para as formulações das agências internacionais Ainda segundo Martínez Boom 2004 A idéia do Desenvolvimento Humano é mais exeqüível aos indivíduos e não ex clusivamente à sociedade e neste senti do já não se trata da ênfase no desen volvimento econômico em geral mas no desenvolvimento dos indivíduos em que cada um se reconhece como portador de um desenvolvimento como propriedade intrínseca do individuo O foco das políticas sociais deve ser o ser humano como recurso mais importante pois se trata de sujeito que deseja e consome portanto suscetível de ingressar no mer cado p 220 20 20 José Carlos LibânEo o dualismo perverso da escola pública brasileira escola do conhecimento Eis então que o conceito de aprendiza gem como necessidade natural como incorpora ção de competências mínimas para sobrevivência social tornase prérequisito para o desenvolvi mento humano e social Afirma o autor Este novo paradigma se sustenta em uma visão realista ou melhor economicista da educação apresentada como necessida de natural que responde a leis definidas a partir da biologia e que deve em con seqüência ser satisfeita como a fome e o abrigo Em outras palavras ao apresentar a educação como necessidade fica reduzi da a uma simples pulsão natural perdendo seu caráter de acontecimento cultural em que intervém o pensamento a linguagem a inteligência os saberes A educação deixa de ser assim um assunto da cultura para ser um serviço desprovido de política e de história reduzindo seu papel à aquisição de competências de aprendizagem p 227 Tal análise mostra que foi precisamente a ideia do protagonismo da aprendizagem e a desvalorização do ensino que tomaram conta das concepções de escola de muitos educado res não apenas os dirigentes de órgãos públi cos mas também vários segmentos da intelec tualidade do campo da educação Dessa forma a política do Banco Mundial para as escolas de países pobres assume duas características pedagógicas atendimento a necessidades mí nimas de aprendizagem e espaço de convivên cia e acolhimento social Com isso produzse nos sistemas de ensino o que Nóvoa 2009 chamou de transbordamento de objetivos em que os objetivos assistenciais se sobrepõem aos objetivos de aprendizagem Concluise as sim que a escola passa a assumir as seguintes características a conteúdos de aprendizagem entendidos como competências e habilidades mínimas para a sobrevivência e o trabalho como um kit de habilidades para a vida b avaliação do rendimento escolar por meio de indicadores de caráter quantitativo ou seja independentemente de processos de aprendi zagem e formas de aprender c aprendizagem de valores e atitudes requeridos pela nova cidadania ênfase na sociabilidade pela vi vência de ideais de solidariedade e participa ção no cotidiano escolar Destacase nesse terceiro item o papel socializador da escola mediante a promoção da equidade social o respeito às diferenças e a solidariedade com o próximo Mas Ialê Falleiros 2005 mostra a verdadeira tarefa da escola na visão das agências financeiras internacionais ensinar as futuras gerações a exercer uma cidadania de qualidade nova a partir da qual o espírito de competitividade seja de senvolvido em paralelo ao espírito de so lidariedade Assim ocorre uma renúncia uma negação da expectativa de divisão de classes e há um ajustamento para uma ati tude cidadã que diminua as diferenças e a miséria incutindo uma noção de solida riedade e amenização das lutas de classes e diferenças raciais sociais culturais entre tantas outras p 211 O novo paradigma supõe também um novo papel do professor ou seja da mesma forma que para os alunos oferecese um kit de habilidades para sobrevivência oferece se ao professor um kit de sobrevivência docente treinamento em métodos e técnicas uso de livro didático formação pela EaD A posição do Banco Mundial é pela formação aligeirada de um professor tarefeiro visando baixar os custos do pacote formação capacitaçãosalário O que as políticas educacionais pós Jomtien promovidas e mantidas pelo Banco Mundial escondem portanto é o que diver sos pesquisadores chamaram de educação para a reestruturação capitalista ou educa ção para a sociabilidade capitalista As aná lises mais críticas dessas reformas educacio nais são unânimes em afirmar que o pacote de reformas imposto aos países pobres gerou 21 Educação e Pesquisa São Paulo v 38 n 1 p 1328 2012 um verdadeiro pensamento único no campo das políticas educacionais incluindo gover nos populares como o brasileiro conforme se verá a seguir Brasil vinte anos de políticas educativas do Banco Mundial o pensamento hegemônico oficial sobre as funções da escola Os problemas da escola pública brasileira não são novos mas há décadas desafiam órgãos públicos pesquisadores nas áreas das ciências humanas e sociais movimentos sociais ligados à educação e sindicatos No entanto nos últimos anos também no Brasil os discursos sobre as funções da escola vêm manifestando um raciocínio reiterativo a saber o insucesso da escola pública devese ao fato de ela ser tradicional estar baseada no conteúdo ser autoritária e com isso constituirse como uma escola que reprova exclui os malsucedidos discrimina os pobres leva ao abandono da escola e à resistência violenta dos alunos etc Tal como aparece nos documentos dos organismos internacionais é preciso um novo modelo de escola novas práticas de funcionamento Os anos 1990 demarcam a chegada efetiva do neoliberalismo no Brasil coincidindo com os primeiros ensaios da reforma educativa brasileira surgidos já no Governo Itamar Franco quando foi elaborado o Plano Decenal de Educação para Todos 19932003 que é praticamente uma reprodução da Declaração de Jomtien Eis o que registra o Plano Decenal em relação aos objetivos da educação básica A Objetivos gerais de desenvolvimento da Educação Básica 1 Satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem das crianças jovens e adul tos provendolhes as competências funda mentais requeridas para plena participação na vida econômica social política e cultu ral do País especialmente as necessidades do mundo do trabalho a definindo padrões de aprendizagem a serem alcançados nos vários ciclos etapas eou séries da educação básica e garantin do oportunidades a todos de aquisição de conteúdos c competências básicas no domínio cognitivo incluindo habili dades de comunicação e expressão oral e escrita de cálculo e raciocínio lógico esti mulando a criatividade a capacidade deci sória habilidade na identificação e solução de problemas e em especial de saber como aprender no domínio da sociabilidade pelo desen volvimento de atitudes responsáveis de autodeterminação de senso de respeito ao próximo e de domínio ético nas relações interpessoais e grupais BRASIL 1993 Observese a consonância com os prin cípios e estratégias inscritos na Declaração de Jomtien É notória a assunção do papel da escola como atendimento de necessida des mínimas de aprendizagem e de espaço de convivência e acolhimento social A propos ta economicista e tecnicista do Plano Decenal ganhou mais concretude durante o Governo FHC quando foi implantada a maior parte das medidas vinculadas à reforma educacional do período em questão inclusive os Parâmetros Curriculares Nacionais Além das novas orientações curri culares outras medidas foram implantadas desde 1990 estando de alguma forma rela cionadas às orientações do Banco Mundial alguns exemplos são o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental Fundef depois Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação Fundeb a avaliação em escala do sistema de ensino os ciclos de escolarização a política do livro didático a inclusão de pessoas com deficiências em escolas regulares e a escola fundamental de nove anos LIBÂNEO 2006 É verdade que parte dessas medidas ligadas à reor ganização das estruturas de funcionamento das 22 22 José Carlos LibânEo o dualismo perverso da escola pública brasileira escola do conhecimento escolas não se originou diretamente das reco mendações do Banco Mundial Diversos estudos realizados entre nós sobre os ciclos de escolari zação por exemplo mostram que temas como progressão continuada e promoção automática eram discutidos no Brasil desde os anos 1950 e que entre os anos 1960 e 1970 vários Estados brasileiros introduziram inovações associadas ao regime de ciclos escolares até chegarem à organização dos ciclos propriamente ditos no início dos anos 1990 BARRETTO MITRULIS 2001 DALBEN 2000 ARROYO 1999 FREITAS 2003 MAINARDES 2006 entre outros No entanto há razões para ligar a introdução do sistema de ciclos às políticas educacionais de atendimento à pobreza Elba Siqueira de Sá Barretto e Eleny Mitrulis 2001 mencionam que as iniciativas de adoção dos ciclos escolares por volta dos anos 1980 inspiradas no sistema de avanços progressivos adotado nas escolas bási cas dos Estados Unidos e da Inglaterra tinham propósitos explícitos de promoção social de to dos os indivíduos Nesses países a progressão escolar nos gru pos de idade homogênea foi historicamente considerada antes de tudo como uma pro gressão social a que todos os indivíduos indiscriminadamente tinham direito me diante a freqüência às aulas independen temente das diferenças de aproveitamen to que apresentassem Nessa concepção a função social da escola sobreleva a sua função escolar propriamente dita p 30 As autoras observam que por ocasião da reforma educativa na Inglaterra nos anos 1990 a alunos com dificuldades escolares geralmente de origem popular eram ofere cidas tarefas escolares menos desafiadoras subestimandose sua capacidade de progredir intelectualmente Desse modo o aluno pode ser relegado pelo próprio aparato institucional a um ensino mais pobre que lhe cerceia posteriormente o acesso a uma trajetória escolar de maior prestígio escolar e social p 35 Analisando uma proposta brasileira de 1994 de implantação de ciclos de formação em que se privilegia a função social da escola a socialização e o desenvolvimento pleno do educando Barretto e Mitulis 2001 escrevem À dimensão cognitiva agregaramse a so cial a afetiva a atitudinal A lógica dos conteúdos cedeu lugar a uma lógica de formação do aluno a partir de experi ências educativas em que se articulavam conhecimentos já adquiridos por vivências pessoais conhecimentos provenientes dos diferentes campos do saber e temas de re levância social em um processo de con textualização e integração que visava ao desenvolvimento de individualidades ca pazes de pensamento crítico e autonomia intelectual p 35 Há razões assim para crer que a Declaração Mundial sobre Educação para Todos confirmou tendências anteriores ao enfatizar como função social específica da escola a so cialização e a convivência social colocando em segundo plano a aprendizagem dos con teúdos As ações organizacionais e curricula res nessa direção desde 1990 foram absorvi das quase que integralmente nos oito anos do Governo Lula incluindose ainda outras for muladas nesse mesmo governo como o Plano de Desenvolvimento da Educação PDE a con solidação da formação de professores a dis tância o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação o aprimoramento das avalia ções em escala do ensino fundamental e supe rior Sistema de Avaliação da Educação Básica SAEB Provinha Brasil Exame Nacional de Desempenho de Estudantes ENAD e re centemente o Exame Nacional de Ingresso na Carreira Docente ENICD As pesquisas que analisam criticamente tais políticas adotam em geral uma perspectiva 23 Educação e Pesquisa São Paulo v 38 n 1 p 1328 2012 sociopolítica em que se denuncia seu caráter economicista e pragmático estando ausentes análises do ponto de vista pedagógicodidático ou seja análises sobre como essas políticas induzem objetivos para a escola e concepções de ensino e aprendizagem com repercussões nas práticas de gestão pedagógica e curricular e nas formas de trabalho dos professores na sala de aula No entanto as consequências no funcionamento interno das escolas são visíveis como se verá a seguir A escola que sobrou para os pobres Constatase assim que com apoio em premissas pedagógicas humanistas por trás das quais estão critérios econômicos formulouse uma escola de respeito às diferenças sociais e culturais às diferenças psicológicas de ritmo de aprendizagem de flexibilização das práticas de avaliação escolar tudo em nome da educação inclusiva Não é que tais aspectos não devessem ser considerados o problema está na distorção dos objetivos da escola ou seja a função de socialização passa a ter apenas o sentido de convivência de compartilhamento cultural de práticas de valores sociais em detrimento do acesso à cultura e à ciência acumuladas pela humanidade Não por acaso o termo igualdade direitos iguais para todos é substituído por equidade direitos subordinados à diferença Bernard Charlot 2005 é incisivo ao rejeitar a educação pensada e organizada prioritariamente em uma lógica econômica e de preparação ao mercado de trabalho Segundo ele a visão de educação imposta por organismos internacionais produz o ocultamento da dimensão cultural e humana da educação à medida que se dissolve a relação entre o direito das crianças e jovens de serem diferentes culturalmente e ao mesmo tempo semelhantes em termos de dignidade e reconhecimento humano Ele conclui Desse modo a redução da educação ao estatuto de mercadoria resultante do neoliberalismo ameaça o homem em seu universalismo humano em sua diferença cultural e em sua construção como sujeito p 143 Com isso Charlot ressalta aumentam os índices de escolaridade mas se agravam as desigualdades sociais de acesso ao saber pois à escola pública é atribuída a função de incluir populações excluídas ou marginalizadas pela lógica neoliberal sem que os governos lhe disponibilizem investimentos suficientes bons professores e inovações pedagógicas Eis as consequências dessa política os jovens são cada vez mais escolarizados em instituições diferentes dependendo do status econômico de seus pais Constatase assim o estabelecimento de redes educacio nais cada vez mais diferenciadas e hierarqui zadas Nessas redes a escola pública deve acolher as populações mais frágeis Com isso à escolarização de base perseguida por muito tempo seguese um fracasso em massa dos alunos com iletrismo abandonos repetências etc p 144 Assim a escola que sobrou para os pobres caracterizada por suas missões assistencial e acolhedora incluídas na expressão educação inclusiva transformase em uma caricatura de inclusão social As políticas de universalização do acesso acabam em prejuízo da qualidade do ensino pois enquanto se apregoam índices de acesso à escola agravam se as desigualdades sociais do acesso ao saber inclusive dentro da escola devido ao impacto dos fatores intraescolares na aprendizagem Ocorre uma inversão das funções da escola o direito ao conhecimento e à aprendizagem é substituído pelas aprendizagens mínimas para a sobrevivência Isso pode explicar o descaso com os salários e com a formação de professores para uma escola que requer apenas necessidades mínimas de aprendizagem basta um professor que apreenda um kit de técnicas de sobrevivência docente agora acompanhado dos pacotes de livros didáticos dos chamados sistemas de ensino 24 24 José Carlos LibânEo o dualismo perverso da escola pública brasileira escola do conhecimento As reformas educativas jogaram todo o peso das supostas inovações escolares para a redução da pobreza em medidas externas como a organização curricular a gestão a avaliação em escala os sistemas de premiação de escolas e professores etc deixando de investir nas ações pedagógicas no interior da escola para um enfrentamento pedagógicodidático dos mecanismos de seletividade e exclusão É inevitável aqui constatar o fracasso dos cursos de formação de professores para os anos iniciais do ensino fundamental LIBÂNEO 2010b Eis que as vítimas dessas políticas aparentemente humanistas são os alunos os pobres as famílias marginalizadas os professores O que lhes foi oferecido foi uma escola sem conteúdo e com um arremedo de acolhimento social e socialização inclusive na escola de tempo integral O que se anunciou como novo padrão de qualidade transformou se num arremedo de qualidade pois esconde mecanismos internos de exclusão ao longo do processo de escolarização antecipadores da exclusão na vida social Uma aposta uma escola que articule a formação cultural e científica com as práticas socioculturais em que se manifestam diferenças valores e formas de conhecimento local e cotidiano A luta política e profissional pelas conquistas sociais entre elas o ensino público é um dever ético dos educadores Por isso uma visão assertiva sobre a escola e o ensino assentada nas necessidades humanas básicas e nos direitos humanos e sociais não pode contentarse apenas com a crítica São necessárias teorias sólidas acompanhadas de instrumentalidades a serem postas em prática Escreve Potyara Pereira 2000 Sem a existência de referências teórico conceituais alternativas coerentes e con sistentes dificilmente se consegue contra arrestar a retórica da intransigência do pensamento reacionário de que nos fala Hirschman que rotula de fútil ameaçadora ou defasada toda e qualquer intenção pro gressista de sobrepor às aspirações desme didas do mercado as necessidades huma nas Dificilmente também se desmontam os argumentos aparentemente corretos de neoliberais e neoconservadores de que é mais democrático e justo atender a deman das e preferências individuais através do mercado do que necessidades sociais por meio de instituições coletivas incluindo o Estado como garantia de direitos p 183 Em estudos recentes Libâneo 2006 2010a vem discutindo duas orientações peda gógicas no campo progressista da educação em relação a objetivos e formas de organização das práticas educativas escolares Uma delas atri bui prevalência à formação cultural e científica em que se valoriza o domínio pelos alunos dos saberes sistematizados como base para o desen volvimento cognitivo e a formação da persona lidade por meio da atividade de aprendizagem socialmente mediada As teorias da formação cultural e científica abrangem as pedagogias vol tadas para a formação do pensamento conceitual e para o desenvolvimento mental entre elas a pedagogia históricocultural formulada por Lev Vygotsky e seus seguidores A outra orientação valoriza experiências socioculturais vividas em situações educativas cultivo da diversidade práticas de compartilhamento sociocultural ên fase no cotidiano etc obviamente com objeti vos formativos Teorias ligadas a essa orientação incluem ao menos algumas orientações teóri cas do movimento mundial da educação nova o movimento Educação para Todos Declaração de Jomtien a pedagogia de Paulo Freire as te orias do cotidiano e das redes de conhecimento e a teoria curricular crítica As duas abordagens buscam objetivos formativos em torno de uma mesma questão o que se espera que a escola faça para formar cidadãos educados e críticos aptos a participar da vida em sociedade e como fazer isso Os projetos pedagógicos de ambas 25 Educação e Pesquisa São Paulo v 38 n 1 p 1328 2012 no entanto são distintos e disputam as prefe rências de intelectuais no campo investigativo e de dirigentes de sistemas educacionais no cam po institucional determinando diferentes esco lhas em relação às funções da escola e às suas formas de funcionamento pedagógicodidático e organizacional Será possível conciliar posições relativis tas em que os valores e práticas são produtos socioculturais e portanto decorrentes do modo de pensar e agir de grupos sociais particulares com a exigência social de prover a cultura geral acessível a todos independentemente de con textos particulares A aposta que se faz aqui é de que possíveis acordos em torno de propósitos educativos e meios de ação pedagógica impli cam admitir como princípio a universalidade da cultura escolar À escola caberia assegurar a todos em função da formação geral os saberes públicos que apresentam um valor independen temente de circunstâncias e interesses particu lares junto a isso caberia a ela considerar a coexistência das diferenças e a interação entre indivíduos de identidades culturais distintas in corporando nas práticas de ensino as práticas socioculturais Desse ponto de partida surgiria uma pauta comum de ação em torno da função nuclear da escola assegurar a qualidade e a efi cácia dos processos de ensino e aprendizagem na promoção dos melhores resultados de apren dizagem dos alunos Para isso os legisladores planejadores e gestores do sistema escolar bem como os pesquisadores do campo educacional precisariam prestar mais atenção também aos aspectos pedagógicodidáticos da qualidade de ensino isto é aos fatores intraescolares da aprendizagem escolar em que estão implicados os professores e pedagogos especialistas Considerações finais O texto teve o propósito de apanhar nos estudos consultados pistas de que as políticas educacionais brasileiras dos últimos vinte anos pautaramse no princípio da satisfação de ne cessidades mínimas de aprendizagem com vis tas à promoção do desenvolvimento humano em consonância com o conjunto das políticas sociais formuladas pelas agências interna cionais para a redução da pobreza Conforme anunciado o que se produziu foi uma análise pedagógica das políticas do Banco Mundial de forma a identificar os objetivos e as funções pretendidas para a escola em relação ao ensino e à aprendizagem Constatouse que o conceito de aprendizagem difundido nas reformas edu cativas neoliberais foi o de sua conotação ins trumental Com efeito os documentos revelam uma visão ao mesmo tempo restrita e ampliada de aprendizagem expressa nesta assertiva cada pessoa criança jovem ou adulto de verá aproveitar as oportunidades educativas destinadas a satisfazer suas necessidades bá sicas de aprendizagem WCEFA 1990 Uma visão restrita pois ao longo do documento a noção de aprendizagem vaise firmando em torno da ideia de aprendizagens mínimas como aquisição de competências bá sicas para a sobrevivência social visão amplia da no sentido de não se restringir à aprendiza gem escolar e cognitiva abrindose para outros espaços e tempos inclusive para vivências de acolhimento da diversidade e para uma apren dizagem ao longo da vida no sentido de uma educação permanente Por um lado a noção mais restrita confina a aprendizagem numa mera necessidade natural desprovida de seu caráter cultural e cognitivo por outro a noção ampliada dissolve o papel do ensino destituin do a possibilidade de desenvolvimento pleno dos indivíduos já que crianças e jovens acabam obrigados a aceitar escolas enfraquecidas um ensino reduzido às noções mínimas professo res mal preparados mal pagos humilhados e desiludidos Diferentemente dessa concepção de escola e de aprendizagem a teoria histórico cultural a partir das contribuições de Vygotsky e de seus seguidores postula que o papel da escola é prover aos alunos a apropriação da 26 26 José Carlos LibânEo o dualismo perverso da escola pública brasileira escola do conhecimento cultura e da ciência acumuladas historicamente como condição para seu desenvolvimento cognitivo afetivo e moral e tornálos aptos à reorganização crítica de tal cultura Nessa condição a escola é uma das mais importantes instâncias de democratização social e de promoção da inclusão social desde que atenda à sua tarefa básica a atividade de aprendizagem dos alunos Tal aprendizagem não é algo natural que funciona independentemente do ensino e da pedagogia As mudanças no modo de ser e de agir decorrentes de aprendizagem dependem de mediação do outro pela linguagem formando dispositivos internos orientadores da personalidade Tal como expressa Vygotsky tratase de uma reconstrução individual da cultura num processo de interação com outros indivíduos o que inicialmente são processos interpsíquicos convertese em processos intrapsíquicos Sendo assim a intervenção pedagógica por meio do ensino é imprescindível para o desenvolvimento cognitivo afetivo e moral Pelo ensino operase a mediação das relações do aluno com os objetos de conhecimento criando condições para a formação de capacidades cognitivas por meio do processo mental do conhecimento presente nos conteúdos escolares em associação com formas de interação social nos processos de aprendizagem lastreados no contexto sociocultural LIBÂNEO 2009 Essa posição tem correspondência com o lema cunhado por Gimeno Sacristán 2000 uma escolarização igual para sujeitos diferentes por meio de um currículo comum A conquista da igualdade social na escola consiste em proporcionar a todas as crianças e jovens em condições iguais o acesso aos conhecimentos da ciência da cultura e da arte bem como o desenvolvimento de suas capacidades intelectuais e a formação da cidadania No entanto falar de igualdade é considerar ao mesmo tempo a diferença pois se a escola recebe sujeitos muito diferentes entre si ela precisa enfrentar a realidade da diversidade como condição para ser integradora de todos Dentro do mesmo espírito ou seja de acolhimento da diversidade cultural em uma escola para todos escreve Charlot 2005 A mundializaçãosolidariedade implica uma escola que faça funcionar ao mesmo tempo os dois princípios o da diferença cultural e o da identidade dos sujeitos en quanto seres humanos ou seja os princí pios do direito à diferença e do direito à semelhança A diferença só é um direi to se for afirmada com base na similitude na universalidade do ser humano p 136 Em síntese tratase por um lado de uma escola que visa à formação cultural e científica isto é ao domínio do saber sistematizado mediante o qual se promove o desenvolvimento de capacidades intelectuais como condição de assegurar o direito à semelhança à igualdade Por outro é preciso considerar que essa função primordial da escola a formação cultural e científica destinase a sujeitos diferentes já que a diferença não é uma excepcionalidade da pessoa humana mas condição concreta do ser humano e das situações educativas Compreendese pois que não há justiça social sem conhecimento não há cidadania se os alunos não aprenderem Todas as crianças e jovens necessitam de uma base comum de conhecimentos junto a ações que contenham o insucesso e o fracasso escolar É claro que a escola pode por um imperativo social e ético cumprir algumas missões sociais e assistenciais a escola convive com pobreza fome maus tratos consumo de drogas violência etc mas isso não pode ser visto como sua tarefa e sua função primordiais mesmo porque a sociedade também precisa fazer sua parte nessas missões sociais e assistenciais 27 Educação e Pesquisa São Paulo v 38 n 1 p 1328 2012 Referências ALGEbAiLE Eveline bertino Escola pública e pobreza no Brasil a ampliação para menos Rio de Janeiro FAPERJ Lamparina 2009 ALTMAnn Helena influências do banco Mundial no projeto educacional brasileiro Educação e Pesquisa São Paulo v 28 n 1 p 7789 janjun 2002 AnTUnES Ricardo Desertificação neoliberal no Brasil Collor FHC e Lula Campinas Autores Associados 2004 ARRoYo Miguel Ciclos de desenvolvimento humano e formação de educadores Educação e Sociedade Campinas ano XX n 68 p 143161 dez 1999 bARRETTo Elba S de Sá MiTRULiS Eleny Trajetória e desafios dos ciclos escolares no país Revista de Estudos Avançados São Paulo v 15 n 42 p 105142 2001 bRASiL Ministério da Educação Plano Decenal de Educação para Todos brasília DF MEC 1993 Parâmetros Curriculares Nacionais brasília DF MEC 1997 CHARLoT bernard Relação com o saber formação dos professores e globalização Porto Alegre Artmed 2005 CoRAGGio José Luis Desenvolvimento humano e educação São Paulo Cortez 1996 DALbEn ângela imaculada L de Freitas A prática pedagógica e os ciclos de formação na Escola Plural in org Singular ou plural Eis a questão belo Horizonte GAME FAE UFMG 2000 p 5366 DE ToMMASi Lívia WARDE Miriam Jorge HADDAD Sérgio orgs O Banco Mundial e as políticas educacionais São Paulo Cortez 1996 FALLEiRoS ialê Parâmetros Curriculares nacionais para a Educação básica e a construção da nova cidadania in nEVES Lúcia Maria Wanderley org A nova pedagogia da hegemonia estratégias do capital para educar o consenso São Paulo Xamã 2005 p 175235 FREiTAS Luis Carlos de Ciclos seriação e avaliação confronto de lógicas São Paulo Moderna 2003 FRiGoTTo Gaudêncio CiAVATTA Maria Educação básica no brasil na década de 1990 subordinação ativa e consentida à lógica de mercado Educação e Sociedade Campinas v 24 n 82 p 93130 abr 2003 GADoTTi Moacir Da palavra a ação in inEP Educação para todos a avaliação da década brasília DF MECinEP 2000 p 2731 LAVAL Christian A escola não é uma empresa Londrina Planta 2004 LibânEo José Carlos Entrevista com José Carlos Libâneo Revista Plurais Anápolis v1 n 1 p 935 2004 Sistema de ensino escola sala de aula onde se produz a qualidade das aprendizagens in LoPES Alice Casimiro MACEDo Elizabeth Políticas de currículo em múltiplos contextos São Paulo Cortez 2006 p 70125 Docência universitária formação do pensamento teóricocientífico e atuação nos motivos dos alunos in DÁViLA Cristina org Ser professor na contemporaneidade desafios ludicidade e protagonismo Curitiba Editora CRV 2009 p 6983 As teorias pedagógicas modernas revisitadas pelo debate contemporâneo na educação in LibânEo José Carlos SAnToS Akiko orgs Educação na era do conhecimento em rede e transdisciplinaridade 3 ed Campinas Atomoealinea 2010a p 1962 o ensino da Didática das metodologias específicas e dos conteúdos específicos do ensino fundamental nos currículos dos cursos de Pedagogia Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos brasília v 91 n 229 p 562583 setdez 2010b 28 28 José Carlos LibânEo o dualismo perverso da escola pública brasileira escola do conhecimento MACHADo Maria A de Medeiros o Plano Decenal e os Compromissos de Jomtien in inEP Educação para todos a avaliação da década brasília MECinEP 2000 MAinARDES Jefferson organização da escolaridade em ciclos no brasil revisão da literatura e perspectivas para a pesquisa Educação e Pesquisa São Paulo v 32 n 1 p 1130 janabr 2006 MARTinEZ booM Alberto De la escuela expansiva a la escuela competitiva dos modos de modernización en América Latina barcelona Anthropos Editorial bogotá Convenio Andrés bello 2004 MiRAnDA Marília Gouveia de Sobre tempos e espaços da escola do principio do conhecimento ao princípio da socialidade Educação e Sociedade Campinas v 26 n 91 p 639651 maiago 2005 nÓVoA António Professores imagens do futuro presente Lisboa Educa 2009 PEREiRA Potyara A Necessidades humanas subsídios à crítica dos mínimos sociais São Paulo Cortez 2000 SACRiSTÁn José Gimeno La educación obligatoria su sentido educativo y social Madrid Morata 2000 ToRRES Rosa Maria Educação para todos a tarefa por fazer Porto Alegre Artmed 2001 Melhorar a qualidade da educação básica As estratégias do banco Mundial in DE ToMMASi Lívia WARDE Miriam Jorge HADDAD S orgs O Banco Mundial e as políticas educacionais São Paulo Cortez Editora 1996 p 125193 WCEFA World Conference on Education for AllConferência Mundial de Educação para Todos Declaração mundial sobre educação para todos e plano de ação para satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem Jomtien Tailândia 1990 Recebido em 20122010 Aprovado em 18032011 José Carlos Libâneo é doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP e professor do Programa de PósGraduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Goiás PUCGO na linha de pesquisa Teorias da Educação e Processos Pedagógicos