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133 O plágio a cópia e a intertextualidade na produção acadêmica Ivy Judensnaider Resumo A ocorrência cada vez mais frequente do plágio nos trabalhos discentes enseja a discussão sobre a sua prática em especial quando resultante da falta de compreensão sobre o real significado do caráter intertextual da produção acadêmica Na investigação sobre os possíveis diálogos entre as várias camadas do texto cientifico esse artigo procura estabelecer distância entre eles e a prática do plágio ou da cópia assim o fazendo por meio da análise da construção de sentido a partir da leitura e da escrita como exercício da leitura de mundo e do processo dialógico entre discursos e sujeitos Palavraschave plágio intertextualidade produção acadêmica Plagirism copying and intertextuality in academic production Abstract The increasing occurrence of plagiarism in student works gives us the opportunity to discuss about its practice especially when it is the result of the lack of understanding about the real meaning of the intertextual nature of academic production Investigating the possible dialogue between the many layers of scientific text this article intends to establish the distance between them and the practice of plagiarism or copying by the analysis of the construction of meaning from the reading and writing as an exercise of the reading of world and the dialogic process between the speeches and subjects Key words plagiarism intertextuality academic production IVY JUDENSNAIDER é economista e mestra em História da Ciência Professora nos cursos de Administração de Empresas e Ciências Econômicas coordena o curso de Ciências Econômicas da UNIPCampus Marquês 134 Considerações iniciais a prática do plágio e da cópia e a responsabilidade diante do conhecimento gerado por outros O plágio nos trabalhos acadêmicos nos chega sob diversas formas mas em geral é resultado ou da cópia pura e simples de texto de autoria alheia sem a devida referência ou da troca de palavras para escamotear a fonte original de um texto criando falsas paráfrases A penalidade para a sua prática é a recusa do trabalho em geral quando o plágio é detectado por algum software1 e evidentemente esse é um resultado que não resolve o problema A questão que se coloca acima de qualquer outra é como ensinar2 aos alunos a importância da produção acadêmica sem a recorrência ao plágio ou à cópia Essa tarefa passa necessariamente pela discussão do próprio conceito de autoria cuja noção hodierna pressupõe em qualquer texto a existência de um ou mais autores o discurso nunca é constituído de uma única voz é polifônico gerado por muitas vozes muitos textos que se cruzam e se entrecruzam no espaço e no tempo resultado que flui para dentro do 1 Com a mesma intensidade com que facilitou a prática do plágio o desenvolvimento tecnológico também nos minuciou de instrumentos para identificálo No entanto é importante um alerta geralmente os softwares iluminam trechos que são coincidentes a outros já publicados cabe ao docente nesse caso identificar as citações e as paráfrases que quando corretamente realizadas não configuram prática de plágio 2 Este trabalho privilegia a hipótese de o plágio ocorrer por incompreensão do seu significado portanto estaremos nos referindo ao longo do texto ao plágio e à cópia não intencionais leitor passando a fazer parte da sua fala de seus textos SILVA 2008 p 360 Nenhum texto é construído por apenas um autor porque ele é resultado de camadas e camadas de outros textos anteriores que com ele conversam e dialogam Não há para o texto qualquer possibilidade que não seja a de ser intertextual já que ele sempre nos remete a outros Todo o texto é um intertexto outros textos estão presentes nele em diversos níveis sob formas mais ou menos reconhecíveis BARTHES 1974 apud CHAGAS 2009 p 134 O texto é resultado da soma entre o elemento verbalmente exposto e os elementos contextuais advindos das relações sociais e históricas dos sujeitos na comunicação FERREIRA 2008 p 7 Isso significa evidentemente que quanto mais se lê mais sentido se pode atribuir aos textos lidos significa que quanto maior o repertório do sujeitoleitor maior a possibilidade de diálogo com outros textos e outras ideias Em relação às práticas de plágio ou de cópia é fundamental portanto o reconhecimento da necessidade de construir e dialogar com o conhecimento gerado por outros não nos eximindo da responsabilidade de reconhecer os méritos intelectuais dos outros e tampouco nossa responsabilidade diante de nossas próprias ideias GRECO 2007 p 120 135 A intertextualidade e o reconhecimento das inúmeras camadas que compõem um texto Observe o quadro Monalisa3 pintado pelo italiano Da Vinci nos primeiros anos do século XVI Há muita controvérsia a respeito do quadro especialmente em relação ao nome da mulher que teria servido de modelo para Da Vinci inclusive alguns afirmam ser a obra um autorretrato de Leonardo já que alguns traços aos dele se assemelhariam Agora observe a peça publicitária de um fabricante de produto de limpeza4 o texto que acompanha a imagem do garotopropaganda vestido como Monalisa diz Mon Bijou deixa sua roupa uma verdadeira obra prima Seria possível entender o conteúdo da peça publicitária sem que se conhecesse a famosa pintura de Da Vinci Talvez sim No entanto o sentido maior do conteúdo estaria perdido tratandose de uma referência a uma obra prima não ficaria clara a relação entre o sabão o personagem vestido de Mona Lisa e o texto que acompanha a imagem Preste atenção em outro quadro de Da Vinci O Homem Vitruviano5 pintado na década final do século XV Essa obra igualmente discutida e debatida por cientistas das mais variadas áreas do conhecimento pretendia discutir as dimensões ideais do corpo humano do ponto de vista matemático No desenho podese perceber a preocupação do pintor com razões matemáticas entre partes do corpo e o corpo visto como 3 Disponível em httpwwwbrasilescolacomimagensartesmon alisa1000jpg Acesso em 25072011 4 Disponível em httpwwwfilologiaorgbrviiicnlfanaiscadern o09022gif Acesso em 25072011 5 Disponível em httpuploadwikimediaorgwikipediacommon scc5Anatomiahomemleonardojpg Acesso em 25072011 um todo e entre as diferentes perspectivas de movimento possíveis de serem identificadas Preste atenção agora na releitura da obra de Da Vinci o homem vitruviano não é mais o homem perfeito e matematicamente proporcional mas Homer Simpson6 personagem de um desenho animado Seria possível apreciar a figura de Simpson disposto como o Homem Vitruviano sem a referência da obra de Da Vinci Talvez mas exatamente como no exemplo anterior perderseia a maior parte do significado da releitura Afinal Homer Simpson é o protótipo do fracasso péssimo pai trabalhador preguiçoso e incompetente marido desinteressado amigo egoísta e ausente Apresentado como símbolo de perfeição e correta proporcionalidade o Homer Vitruviano adquire outros significados Não à toa nas mãos e pés de Simpson encontramos os signos que o tornam tão moderno tão caótico e tão simbólico do mundo em que vivemos a cerveja o cachorroquente o controle remoto da televisão e o doce Essa é a matemática proporção moderna que o autor do desenho de Simpson nos propõe e essa atribuição de significado seria impossível sem a referência da obra na qual o desenho se inspirou Analisemos mais um exemplo de intertextualidade dessa vez entre uma obra de arte e o cinema Partiremos de A Criação de Adão7 obra de Michelangelo de 1511 que embeleza a Capela Sistina Muitos são os pesquisadores que descobriram 6 Disponível em httpthewhimsiadcawp contentuploads200912lgsb0015davincis vitruvianmanhomersimpsonthesimpsons artprintjpg Acesso em 25072011 7 Disponível em httpwwwwgahuartmmichelan3sistina1ge nesis6adam063ce6jpg Acesso em 25072011 136 desenhos anatômicos escondidos em detalhes da obra especialmente rabiscos do que seriam partes do cérebro humano Michelangelo era um profundo estudioso de anatomia e poderia ter tentado dentro dos limites impostos pelo seu tempo que entendiam como sacrílego o trabalho de dissecação esconder suas descobertas no desenho da Criação Outro aspecto chama a atenção não há no texto bíblico qualquer referência à cena criada por Michelangelo Afinal o Homem teria sido feito de barro e posteriormente recebido de Deus o sopro da vida Em qual momento os dedos de ambos se tocam Vejamos agora uma das fotos da campanha publicitária do filme ET O Extraterrestre8 dir Steven Spielberg 115 minutos 1982 O enredo do filme é simples um alienígena é encontrado e protegido por um garoto e seus amigos A cena retratada na imagem mostra o momento em que os dois cada um buscando superar o próprio medo se tocam Embora seja possível admirar a imagem mesmo sem saber da referência que se faz à obra de Michelangelo é evidente que o desconhecimento da Criação de Adão impede uma leitura mais rica em significado Sem esse conhecimento prévio não haveria como se perguntar no encontro entre o Homem e o Extraterrestre quem sopra ao outro a vida e o conhecimento Quem é o Criador e quem é a Criatura A discussão acima nos remete à conclusão nenhum texto nasce só não existindo portanto pureza textual As várias formas em que a intertextualidade ocorre como citação 8 Disponível em http3bpblogspotcomSwh1Zrk rhcTQfwaDmL02IAAAAAAAAANAnxioN Km0Ms1600etoextraterrestre1jpg Acesso em 25072011 alusão ou estilização resultam em plurissignificação construindo a polissemia e a polifonia de todo texto Assim sendo construir um texto a partir do diálogo com outros textos não equivale à apropriação indevida da obra de outrem caracterizandose tão somente como dialogismo entre discursos e sujeitos A intertextualidade no texto científico as paráfrases as citações e os equívocos Enquanto no mundo das artes ou nas manifestações do cotidiano a intertextualidade não precisa ser explicitada tal não ocorre no ambiente acadêmico Ao se fazer ciência e ao se reproduzir conhecimento todas as referências precisam ser dadas o caminho percorrido por outros deve ser respeitado e referendado mesmo porque faz parte do fazer científico o recaminhar pelas trilhas anteriormente trilhadas Esse trajeto exige a sinalização e a identificação de todas as camadas de texto que o compõe sob o risco de acusação de plágio ou de outra qualquer forma de apropriação intelectual indevida se a ciência se constrói a partir de trabalhos anteriores esse processo deve ser inequivocamente visível É bem provável que da incompreensão dessa necessária transparência surja a maior parte dos problemas quando da construção do texto científico bem como a perplexidade dos alunos apanhados plagiando um texto ou um autor embora possa parecer incompreensível para muitos atualmente não são poucos os estudantes universitários que não entendem do que os acusa o professor quando indicado plágio em seu trabalho acadêmico GRECO 2007 p 119 Se o diálogo entre discursos e sujeitos está construído a partir de citações e 137 paráfrases as formas de intertextualidade mais comuns quando da produção científica9 por que então a acusação de plágio Tentemos esclarecer a questão um texto que apenas costura uma sequencia de citações não pode ser considerado fruto do trabalho de quem pretendeu construir um texto já que a seleção dos trechos a serem citados é obra de quem leu e compreendeu Ler é compreender e a compreensão requer a construção de significado Segundo Krás 2008 a leitura é um processo que envolve fatores linguísticos a contribuição do texto e extralinguísticos decorrentes do conhecimento prévio e das vivências do leitor e do autor idem p 2 Por meio da leitura o leitor selecionará o que é relevante formulará hipóteses explicativas estabelecerá conexões com o já lidovisto anteriormente preencherá lacunas Para que isso ocorra portanto não é suficiente que o leitor junte letras formando palavras ou junte palavras formando sentenças essa é uma atividade necessária mas não suficiente Da mesma forma não é suficiente juntar uma série de citações já que isso não caracteriza um processo de diálogo Se o texto resulta numa sequência de citações não há porque supor qualquer intervenção do sujeito do conhecimento Por seu turno parafrasear exige o exercício autoral oriundo da 9 A citação é uma dessas formas de diálogo intertextual na produção acadêmica trazemos para o nosso o texto de outro autor Geralmente isso ocorre porque identificamos aquele texto como fundamental para a compreensão do nosso porque de maneira única ele contém uma informação que necessitamos no trabalho A paráfrase é outra forma configurandose como uma interpretação de algo já escrito requerendo portanto além da menção à fonte o julgamento e a marca de quem leu interpretação aquele que constrói o texto científico deve perceber que os textos em que se apoia podem apresentar falhas na sua lógica deve perceber que esses textos contêm vieses introduzidos pela posição ideológica de quem os escreveu deve reconhecer seus próprios vieses ideológicos na produção textual admitindo que linguagem e realidade se prendem dinamicamente A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto FREIRE 1989 p 9 Essa leitura da palavra da qual estamos falando não é apenas aquela precedida pela leitura do mundo mas a que inclui uma certa forma de escrevêlo ou de reescrevêlo quer dizer de transformálo através de nossa prática consciente idem p 13 Ler portanto não pode prescindir a consciência de si mesmo como agente capaz de ler e modificar o mundo Isso significa que a paráfrase não é a mera troca de palavras a substituição por sinonímia é uma das formas mais equivocadas de entendê la da mesma forma que a citação não é mera colagem de trechos quaisquer para a realização de ambas é pressuposta a construção do conhecimento a partir de um sujeito do conhecimento ativo capaz de ler interpretar e modificar o mundo Entender isso com clareza é o melhor mecanismo para evitar a produção textual maculada pelo plágio ou pela cópia Considerações finais o papel dos educadores O plágio ocorre quando aquele que está produzindo o texto não percebe que a autoria envolve posicionamento exigindo do sujeito se perceber capaz por meio da linguagem de se constituir como alguém que lê o mundo e o interpreta à sua própria maneira 138 A construção do conhecimento a partir de camadas textuais implica na comunicação intertextual com o já produzido e no caso do texto acadêmico essas camadas textuais devem ser explícitas A paráfrase mal feita e a colcha de retalhos são recursos dos que abdicam da condição de sujeito dos que assumem a própria incapacidade de ler criticar interpretar e produzir conhecimento Renunciando à competência de ler renunciase também à competência de escrever Na ausência do sujeitoleitor é menor a possibilidade de surgir o sujeitoautor Aos que não se percebem senão como agentes passivos não resta outra alternativa senão a cópia ou a colagem Copiando e colando limitam o seu repertório de conhecimento de mundo Limitado o conhecimento de mundo só lhes sobra continuar reproduzindo o que já está feito e dito Se nós docentes formos capazes de transmitir essa ideia aos alunos estaremos avançando no trabalho de ensinálos a produzir texto com autonomia sem a recorrência à cópia ou ao plágio A nós educadores cabe a tarefa de fazer com que eles se percebam agentes capazes de ler e transformar o mundo Referências CHAGAS Carmen Elena das A intertextualidade na formação do leitor crítico In ANAIS DO CNLF 13 2009 Rio de Janeiro Cadernos do CNLF volume 13 número 4 Rio de Janeiro Cifefil 2009 p132 138 Disponível em httpwwwfilologiaorgbrxiiicnlfXIIICNLF 04aintertextualidadenaformacaodeuml eitorcarmenelenapdf Acesso em 25072011 FERREIRA Hilma Ribeiro de Mendonça A intertextualidade e seus desdobramentos em alguns gêneros textuais Extraído de httpfilologiaorgbr Disponível em httpwwwfilologiaorgbriiijnlflptextoscom pletospdfA20intertextualidade20e20seus 20desdobramentos20em20alguns20g C3AAneros20textuais20 20HILMApdf Acesso em 25072011 FREIRE Paulo A importância do ato de ler em três artigos que se completam 23 ed São Paulo Autores Associados Cortez 1989 Coleção Polêmicas do Nosso Tempo Volume 4 GRECO Lourdes C Sifontes El plagio en el contexto de la honestidad académica problema académico o problema de Revista Informe de Investigaciones Educativas sl v n p117 123 2007 Disponível em httpbiblounaeduveojsindexphpIIEarticle view549530 Acesso em 25 de julho de 2011 KRÁS Cléa Silvia Biasi Processos de compreensão em leitura e escrita leitura e prática II Simpósio Internacional 2008 V Forum Nacional de Educação 2008 Disponível em httpforumulbratorrescombr2008minicurs otextoMCURSO2032020KRASpdf Acesso em 25 de julho de 2011 SILVA Obdália Santana Ferraz Entre o plágio e a autoria qual o papel da universidade Revista Brasileira de Educação sl v 13 n 38 p357414 Maioago 2008 Disponível em httpwwwscielobrpdfrbeduv13n3812pdf Acesso em 25 de julho de 2011