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Direito Penal

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MINISTÉRIO PÚBLICO DIREITO E JUSTIÇA Estudos em homenagem a Gilberto Giacoia Organização Eduardo Cambi Alencar Frederico Margraf DIREITO E JUSTIÇA Estudos em homenagem a Gilberto Giacoia Accácio Cambi Adolfo Mamoru Nishiyama Alencar Frederico Margraf Cláudio Smirne Diniz Clayton Maranhão Eduardo Cambi Eduardo Diniz Neto Eliezer Gomes da Silva Emerson Garcia Emili Cristina de Freitas de Arruda Eroulths Cortiano Junior Fábio André Guaragní Fernando de Brito Alves Fernando Martins Maria Sobrinho Fredie Didier Jr Guilherme Freire de Barros Teixeira Jacinto Nelson de Miranda Coutinho João Eder Furlan Ferreira de Souza José Laurindo de Souza Netto Lenio Luiz Streck Luiz Edson Fachin Luiz Guilherme Marinoni Manoel Caetano Ferreira Filho Marcelo Paulo Maggio Mário Luiz Ramidoff Mateus Bertoncini Maurício Cirino dos Santos Mauro Sérgio Rocha Murillo José Digiácomo Odoné Serrano Júnior Olympio de Sá Sotto Maior Neto Oswaldo Giacoia Junior Paula Sarno Braga Paulo César Busato Paulo Sergio Markowicz de Lima Priscila Sutil de Oliveira Rafael de Lazari Rodrigo Régnier Chemim Guimarães Romeu Felipe Bacellar Filho Ronaldo Antonio Botelho Junior Samia Saad Gallotti Bonavides Soraya Saad Lopes Thadeu Augimeri de Goes Lima Valter Foleto Santin Organizadores Eduardo Cambi Alencar Frederico Margraf Impressão Editora Mona LtdaME 2016 Ficha catalográfica Direito e justiça estudos em homenagem a Gilberto Giacoia Eduardo Augusto Salomão Cambi Alencar Frederico Margraf orgs Hélio Lewin prefácio Curitiba Ministério Público 2016 716 p Vários autores 1 Direito coletânea Brasil 2 Direitos e garantias individuais Brasil 3 Estado democrático de direito Brasil 4 Processo civil Brasil I Cambi Eduardo Augusto Salomão II Margraf Alencar Frederico III Título CDU 3481 Bibliotecária responsável Jussara de Mello Toledo Ramos CRB292 A legitimidade recursal de decisões absolutórias pelo Ministério Público no Processo Penal brasileiro Rodrigo Régnier Chemim GUIMARÃES 1 Introdução Nas décadas de 70 e 80 do século passado a discussão doutrinária relacionada à legitimidade recursal do Ministério Público no processo penal estava orientada a demonstrar a possibilidade de ele interpor recurso em favor do acusadocondenado Afrânio Silva Jardim chegou a escrever importante artigo discutindo essa questão publicado em 1985 na Revista Justitia1 Hoje o tema é pacificado e ninguém discute mais a legitimidade recursal do Ministério Público em favor do acusado condenado em primeiro grau O mesmo se diga da possibilidade do Ministério Público interpor Habeas Corpus em favor de quem é cerceado ou ameaçado ilegalmente em seu direito de ir e vir A novidade agora no Brasil inverte a discussão e pretende construir a ideia de que o Ministério Público não teria legitimidade para recorrer contra o réu absolvido em primeiro grau Esta tem sido a tese que desde 2014 começa a aparecer com relativa frequência nas contrarrazões da Defensoria Pública em face de recursos interpostos pelo Ministério Público nos processos criminais Pelo que se lê dos argumentos lançados pela Defensoria Pública do Paraná a tese parece ter se originado na Defensoria Pública Paulista e de lá deve ter sido difundida entre as demais unidades das Defensorias estaduais pois é evidente a argumentação padronizada das contrarrazões a ponto de a Defensoria paranaense não se dar ao trabalho de ajustar a redação dos argumentos à Justiça local e assim continua se referindo no texto das contrarrazões apresentadas em recursos no Paraná como se estivesse se dirigindo à essa E Corte paulista Nestas contrarrazões os argumentos são construídos com base nas seguintes premissas 1 a garantia do duplo grau de jurisdição seria 1 JARDIM Afrânio Silva O Ministério Público e o Interesse em Recorrer no Processo Penal In Revista Justitia São Paulo Ministério Público do Estado de São Paulo 47 131 1985 pp 405412 A aplicação do direito ordinário conforme a Constituição no Brasil não é algo que se faça com facilidade e nesta hipótese as dificuldades redobram porque sempre virá o argumento olha se o Ministério Público não puder recorrer da sentença absolutória mais uma vez estará imperando a impunidade neste país e etc É evidente que o Ministério Público norteamericano não recorre das decisões de mérito de natureza penal pois está proibido de recorrer das sentenças absolutórias e lá há dois milhões de presos e cinco milhões de condenados Basicamente não consta que haja reclamação por impunidade nos Estados Unidos da América Tudo é uma questão de garantir os direitos constitucionais e de preparar os operadores jurídicos para atuarem conforme a Constituição e a lei de sorte a efetivamente alcançarem o resultado que almejam A análise feita pelos renomados autores no entanto não é com a devida vênia condizente seja com o que se produz legislativa e jurisprudencialmente nos Estados Unidos seja com a razão de ser dos recursos da coisa julgada e da adequada forma de compreender a proteção dos direitos fundamentais através da Constituição da República brasileira e do Pacto de San José da Costa Rica como se passa a demonstrar 2 Seguir o modelo norteamericano pode ser um tiro no pé a equivocada inspiração na doutrina da proibição de risco duplo Como visto acima um dos argumentos lançados para defender a tese de que o Ministério Público não poderia recorrer de sentença de absolvição em primeiro grau busca inspiração no direito norteamericano No entanto o cuidado que se deve ter ao analisar o direito comparado exige algumas importantes ponderações que deixaram de ser avaliadas pelos autores nessa comparação Vejamos então se o modelo norteamericano é de fato um modelo garantista e que mereceria servir de norte para o Brasil neste tema Ainda que se possa retomar a ideia de coisa julgada como originalmente presente em regramentos romanos antigos e no direito canônico ou ainda na forma trabalhada na disputa do século XII entre o Rei Henrique II e Thomas Becket é com o renomado jurista inglês do século XVIII Sir William Blackstone em seus famosos Commentaries on the Laws of England que o princípio de não submissão a duplo risco de julgamento se estruturou na Common Law Já de início no entanto é relevante considerar a crítica de George C Thomas ao destacar que a construção teórica de Blackstone encontra problemas de adaptação à realidade norteamericana contemporânea pois quando foi pensada no século XVIII havia poucos comportamentos definidos como delitos algo em torno de seis ou sete tipos penais ao passo que hoje nos Estados Unidos as condutas selecionadas como tipos penais ultrapassam a casa dos 7000 sete mil A complexidade é aumentada porque na Inglaterra do século XVIII Blackstone não tinha que lidar com múltiplas soberanias operando simultaneamente como ocorre nos Estados Unidos com a disputa jurisdicional entre Estadosmembros e a União Assim nos Estados Unidos há uma enorme dificuldade de interpretação do alcance da cláusula inserida na 5ª Emenda à Constituição daquele país conhecida como double jeopardy e externada nos seguintes termos ninguém será sujeito pelo mesmo crime a ter sua vida ou saúde colocada em risco uma segunda vez Num primeiro momento os norteamericanos tomam essa regra como um modelo de julgamento perante um órgão colegiado leigo e soberano como é o Tribunal do Júri Para o Júri interpretamna como um misto de garantia do juiz natural e da coisa julgada Os norteamericanos compreendem assim que a proibição de double jeopardy decorre do direito ao first jury right direito ao primeiro júri isto é uma garantia de que o acusado será julgado apenas pelo colegiado previamente constituído evitandose que se possa dissolver o Júri e convocar outro ou que se possa tentar uma nova condenação com um novo Conselho de Sentença Se o Júri é soberano para decidir decorre daí a proibição de recurso do Ministério Público em caso de absolvição do acusado evitar um novo Júri uma nova composição novas pessoas novos juízos de valor novo risco de ser condenado Mas como dito a complexidade da realidade norteamericana promoveu inúmeras disputas de interpretação a respeito do alcance dessa regra muitas delas ainda não solucionadas e a postura da Suprema Corte daquele país segue sendo objeto de severas críticas de parte da doutrina estadunidense Aliás se for ser analisada essa garantia em termos práticos e efetivos é possível dizer que a interpretação consolidada na Suprema Corte norteamericana a respeito da cláusula de double jeopardy neutraliza a regra de proibição de duplo julgamento pois é interpretada à luz da teoria da dupla soberania dual sovereignty doctrine segundo a qual é possível submeter o acusado a um julgamento pelas leis estaduais e outro julgamento pelas leis federais A Suprema Corte norteamericana compreende que as leis de dois diferentes governos estadual e federal não podem por definição descrever o mesmo delito same offence Segundo Akhil Reed Amar a teoria começou a ser construída ainda no século XIX no julgamento do caso Barron v Baltimore 32 US 7 Pet 243 1833 Seguiu sendo aplicada ao longo do século XX e foi mais bem elaborada no julgamento do caso United States v Lanza 260 US 377 1922 repetida no caso Heath v Alabama 474 US 82 93 1985 e nos casos Grady v Corbin 495 US 508 1990 e United States v Dixon 113 S Ct 2849 1993 Com efeito essa interpretação dada pela Suprema Corte norteamericana permite uma burla à regra de proibição de recurso contra absolvição pois admite a possibilidade de múltiplos julgamentos do mesmo caso em diferentes esferas tanto no âmbito estadual quanto federal Portanto neste ponto é possível dizer que o modelo norteamericano é ainda pior do que o brasileiro que permite o recurso do Ministério Público Aliás retomando a complexidade do tema naquele país a proibição de recurso do Ministério Público da decisão absolutória acabou sendo fortemente questionada após o famoso julgamento do caso Rodney King em 1992 resultando em reforço à manutenção da teoria da dupla soberania Como se sabe em 03 de março de 1991 Rodney King um cidadão negro acabou sendo brutalmente espancado em Los Angeles por policiais brancos por ocasião de uma abordagem policial Rodney era taxista e foi abordado sob a acusação de dirigir em alta velocidade Em 29 de abril de 1992 quatro policiais foram julgados e absolvidos por um Júri composto majoritariamente por pessoas brancas O resultado gerou ampla revolta da população pois a prova de culpa dos policiais era patente já que a ação deles havia sido filmada e levada ao ar nas televisões do mundo inteiro Nesta filmagem é visível que mesmo com Rodney já dominado e no chão os policiais seguiram espancandoo violentamente com cassetetes e diante de inúmeras outras testemunhas O resultado da evidente impunidade promovida pela absolvição dos policiais acusados perante o Júri gerou uma série de amplas revoltas populares naquele país conhecidas como LA Riots Revoltas de Los Angeles e resultou na morte de 55 cinquenta e cinco pessoas outras 2300 duas mil e trezentas pessoas feridas mais de 1100 mil e cem prédios depredados tendo sido acionados 13000 treze mil policiais para conter os distúrbios resultando em 10000 dez mil pessoas presas a maioria negros e latinos como recorda João Gualberto Garcez Ramos O caso Rodney King não foi nem o primeiro nem o último caso de revolta da população contra absolvições irrecorríveis em júris O mais recente ocorreu em 09 de agosto de 2014 em Ferguson Missouri com a morte do jovem Michael Brown em razão de ter recebido seis tiros disparados pelo policial Darren Wilson Em 24 de novembro do mesmo ano ocorreram vários distúrbios de rua com o incêndio de doze prédios e a prisão de 29 pessoas em razão do resultado de absolvição do policial pelo Júri O certo é que o caso de Rodney King reforçou a interpretação que a Suprema Corte dos Estados Unidos já vinha dando a respeito do alcance limitado da cláusula de double jeopardy consolidando a referida doutrina da dupla soberania Com base nesta doutrina os policiais do caso Rodney acabaram submetidos a um segundo júri em 17 de abril de 1993 no qual foram condenados dois policiais e absolvidos outros dois Assim ainda que não tenha havido um recurso contra a absolvição houve na prática algo pior do que isso ou seja um novo processo desde o começo Uma nova chance de acordo de plea bargaining ou uma nova chance condenação desde o começo O modelo norteamericano portanto não é exatamente um grande norte a ser seguido Aliás só pelo fato de ser um modelo orientado para julgamentos pelo Tribunal do Júri já revela a diferença de essência entre a construção da regra no modelo anglosaxão do modelo brasileiro de julgamento por juiz singular e togado de matriz europeiacontinental A chance de doze pessoas errarem juntas ou serem todas corrompidas juntas ou resolverem abusar do poder em conjunto é significativamente menor que a chance de uma única pessoa errar ser corrompida ou querer abusar do poder sozinha Então já de largada não é possível simplesmente copiar um modelo de limitação recursal cuja fórmula de julgamento em nada se assemelha à brasileira Mas há dados adicionais que devem igualmente servir de norte nessa apreciação de direito comparado Como se sabe nos Estados Unidos 95 noventa e cinco por cento dos casos criminais não são julgados pois resolvemse por acordo do suspeito com o Promotor com a assunção de culpa negociada com imputação de crime com pena mais branda na fórmula de plea bargaining E não é de hoje que esse modelo se impõe como a regra de solução dos casos penais nos Estados Unidos Michel Finkelstein apresenta quadro estatístico de solução de casos via plea bargaining indicando que em 1908 era em torno de 50 dos casos chegando a 72 em 1916 e a 90 em 1925 Essa situação se consolidou ainda mais depois que o sistema norteamericano passou a usar critérios norteadores para a fixação das penas Com a Sentencing Reform Act de 1984 instituiuse a United States Sentencing Comission que em 1987 elaborou pela primeira vez critérios norteadores de fixação das penas chamados de Federal Sentencing Guidelines os quais foram incorporados pelos Promotores norteamericanos Prosecutors como critérios também para o plea bargain Na prática se afastou ainda mais o controle jurisdicional sobre fatos em tese delituosos e para os padrões da doutrina de origem europeia continental temse aqui uma violação ao princípio da necessidade inafastabilidade da jurisdição penal A concentração de poder nas mãos do Chefe do Executivo nos EUA os Prosecutors são cargos políticos e sequer têm a independência em relação ao Poder Executivo foi tão exageradamente ampla que mesmo havendo recomendações para evitar o plea bargaining como se deu com o Thornburgh Memorandum de 1989 a partir dos anos 2000 em 95 dos casos os Prosecutors norteamericanos afastam a discussão judicial por acordos com os suspeitos E como destaca Richard Vogler nos países de common law o guilty plea é o método principal na gestão e disposição de um caso Ou seja o modelo de plea bargaining norteamericano que se pode considerar pela disponibilidade do processo como inerente ao denominado sistema acusatório acaba paradoxalmente ajustandose 12 FINKELSTEIN Michel A Statistical Analysis of Guilty Plea Practices in the Federal Courts In Harvard Law Review Harvard Law Review Association volume 89 nº 2 1975 pp 293315 13 Sobre o tema vide dentre outros SECUNDA Paul M Cleaning up the Chicken Coop of Sentencing Uniformity Guiding the Discretion of Federal Prosecutors Through the Use of the Model Rules of Professional Conduct In American Criminal Law Review Georgetown vol 34 nº 3 pp 12671292 1997 disponível em fileCUsersrrcheminDownloadsSSRNid855508pdf acesso em 13 de abril de 2014 ROBINSON JR David The Decline and Potential Collapse of Federal Guideline Sentencing In Washington University Law Review St Louis vol74 nº 4 pp 881912 1996 disponível em httpdigitalcommonslawwustleducgiviewcontentcgiarticle1627contextlawreview acesso em 13 de abril de 2014 LYNCH Gerard Panel Discussion The expanding prosecutorial role from trial counsel to investigator and administrator In Fordham Urban Law Journal New York vol 66 nº 3 pp 679704 1998 disponível em httpirlawnetfordhameducgiviewcontentcgiarticle1744contextuj acesso em 13 de abril de 2014 LYNCH Gerard E Our Administrative System of Criminal Justice In Fordham Law Review New York v 66 nº 6 pp 21172151 1998 disponível em http irlawnetfordhameducgiviewcontentcgiarticle3485contextflr acesso em 13 de abril de 2014 e GALIN Ross Above The Law The Prosecutors Duty to Seek Justice and The Performance of Substantial Assistance Agreements In Fordham Law Review New York vol 68 nº 4 p 12451284 2000 disponível em httpirlawnetfordhameducgiviewcontentcgiarticle3627contextflr acesso em 13 de abril de 2014 14 O Thornburgh Memorandum de 1989 foi uma iniciativa do então Attorney General Richard Thornburgh de fazer com que os Prosecutors somente se valessem do plea bargaining como ultima ratio Sobre o tema vide dentre outros VINEGRAD Alan Justice Departments New Charging Plea Bargaining and Sentencing Policy In New York Law Journal Vol 243 nº 110 junho de 2010 disponível em httpwwwcovcomfilesPublication9989edae7ef142a5a57afb3019d76b4b PresentationPublicationAttachment4f97a03d65a84e4a8c91949bb3f8a3e0Justice20 Departments20New20Charging20Plea20Bargaining20and20Sentencing20Policypdf acesso em 14 de abril de 2014 15 WATSON Duncan The Attorney Generals Guidelines on Plea Bargaining in Serious Fraud Obtaining Guilty Pleas Fairly In The Journal of Criminal Law Vol 74 Edição 1 p 7790 fevereiro de 2010 p 78 Vide também a crítica de BARKOW Rachel E Separation of Powers and the Criminal Law In Stanford Law Review Stanford v 58 n 4 p 9891054 fev 2006 p 1033 disponível em httppapersssrncom sol3paperscfmabstractid805984 acesso em 12 de abril de 2014 Também é relevante a análise estatística progressiva apresentada por STITH Kate The Art of Pendulum Judges Prosecutors and the Exercise of Discretion In Yale Law School Legal Scholarship Repository New Haven nº 117 p 14201497 2008 pp 14531454 disponível em httpdigitalcommonslawyaleeducgiviewcontent cgiarticle22264contextfsspapers acesso em 12 de abril de 2014 verbis As Guidelines es a concomitantemente imposição de sentenças mínimas teve outros efeitos significantes Um dos mais notados foi a redução na frequência dos julgamentos federais Antes das Guidelines mais de 12 dos accuseds por crimes federais eram condenados mediante julgamento até 1996 esta percentagem chegou a 8 e desde 2000 tem sido inferior a 5 De fato durante o período compulsório das Guidelines declarações de culpa acabaram substituindo os julgamentos no sistema federal Aqueles que estudaram esse fenômeno com razão dizem que isso decorre da adoção de novas leis a respeito de sentenças que acabaram aumentando a influência do plea bargaining em proveito dos prosecutors Tradução nossa No original em inglês The Guidelines and the concomitant enactment of mandatory minimum sentences had other significant effects One that has been widely noted is the reduction in the frequency of federal criminal trials Before the Guidelines more than 12 of federal offenders were convicted by trial by 1996 the percentage was just over 8 and since 2000 it has been less than 5 Indeed throughout the period of mandatory Guidelines guilty pleas steadily displaces trials in the federal system Those who have studied this phenomenon quite reasonably attribute it to the adoption of new sentencing laws that have greatly enhanced the pleabargaining leverage enjoyed by prosecutors 16 VOGLER Richard Justiça Consensual e Processo Penal In Processo Penal e Estado de Direito Coordenadores CHOUKR Fauzi Hassan e AMBOS Kai Tradução de Fauzi Hassan Choukr Campinas Edicamp 2002 p 283 17 Nesse sentido de forma expressa dentre outros LYNCH Gerard Ob cit p 2121 verbis Nesse sentido o plea bargaining decorre da noção adversarial em que as partes se encontram como litigantes iguais e autônomos perante a Côrte Assim como as partes durante o julgamento controlam a maneira como as provas são apresentadas cada um informando somente fatos que julgam relevantes para o caso seja antes do julgamento seja fora da presença da Côrte as partes são livres para se compromissarem ou resolver suas controvérsias da melhor maneira que entenderem Mas se o plea bargaining emana de uma ideologia adversarial a sua prática extremadamente difundida resultou no desenvolvimento de um sistema de justiça que em verdade aparente para a maioria dos acusados muito mais com aquilo que os Advogados americanos chamariam de sistema inquisitório do que aquele modelo de justiça adversarial idealizada nos livros de doutrina Tradução nossa No original em inglês Plea bargaining in this sense grows directly out of the adversarial notion that parties stand as equal autonomous disputants before the court Lust as at trial parties will control the way in which evidence is presented each putting forth only such information as it thinks relevant to the case it wants to make so in advance of the trial or outside the presence of the court the parties are free to compromise or settle their dispute in any way they see fit But if plea bargaining grows out of an adversarial ideology its widespread practice has resulted in the development of a system of justice that actually looks to most defendants far more like what American lawyers would call an inquisitorial system than like the idealized model of adversary justice described in the textbooks 568 569 muito mais ao rótulo de inquisitório notadamente quando se leva em conta o critério de junção das funções de acusar e julgar numa única pessoa a tal ponto de Pietro Costa considerálo como equivalente a um new medievalism processual penal18 Portanto quando se fala em proibir o Promotor norteamericano de recorrer de sentenças absolutórias devese contextualizar essa fala Se apenas 05 cinco por cento dos casos penais vão a Júri a percentagem de absolvições naquele país é muito próxima do zero oscilando entre 1 um por cento quando atua um defensor público e 16 um vírgula seis por cento quando atua um defensor contratado pelo acusado19 Ainda mais se for levado em conta que julgamentos populares são orientados por sensos comuns e se revestem não raras vezes de modelos que premiam o ultrapassado discurso do direito penal de autor Julgase mais o histórico de vida do réu do que propriamente o fato a ele imputado Acrescentese aqui uma mídia fortemente engajada e o resultado será uma população inclinada para permanecer revoltada diante das notícias e clamando por condenação como já destacado acima Júri é povo e do povo revoltado não é fácil escapar ileso E quando a absolvição vem ainda há a possibilidade de bisar o julgamento noutra esfera de Estado como visto no caso Rodney King Não é de graça que os Estados Unidos tem a maior população carcerária do mundo Assim antes de pensar em importar modelos estrangeiros é preciso compreender o todo do processo do país inspirador para reformas do processo brasileiro Copiar uma parte sem levar em conta o todo pode servir mais para atrapalhar um modelo processual ideal para o Brasil abrindo porteiras para outras áreas que possam provocar ao final indesejados modelos autoritários 18 COSTA Pietro Il Modello Accusatorio in Italia fra attuazione della costituzione e mutamenti di paradigma In Diritti Individuali e Processo Penale nellItalia Repubblicana materiali dallincontro di studio Ferrara 1213 novembre 2010 Per la storia del pensiero giuridico moderno nº 93 Milano Giuffrè 2011 pp 151160 p 159 Em sentido similar traçando paralelos entre o sistema judicial de tortura da Europa medieval e o plea bargaining vide LANGBEIN John H Torture and Plea Bargaining In The University of Chicago Law Review vol 46 nº 01 1978 pp 322 disponível em httpwwwjudicialstudiesunreduIJSSummer09JSPWeek4JS710Wk4LangbeinTorandPleaBargtxtpdf acesso em 21 de abril de 2014 19 Estatística do ano de 2000 US Department of Justice Office of Justice Programs Bureau of Justice Statistics Special Report Disponível em httpwwwbjsgovcontentpubasciidccctxt acesso em 06 de novembro de 2015 570 571 o controle do indivíduo para o coletivo identificando também a existência de uma ampla interferência regulatória da vida das pessoas seja pelo Estado seja pelos aparatos de poder não estatais Ou seja ao lado do poder do Estado existe um poder normalizador exercitado no cotidiano das pessoas muitas vezes inclusive e paradoxalmente pelas próprias pessoas físicas e jurídicas privadas criando aparatos de vigilância e regras internas de controle onde não há ameaça de sanção estatal mas há constante ameaça aos direitos fundamentais Seguindo essa trilha para o doutrinador português João Baptista Machado o Estado de Direito não exige apenas a garantia da defesa de direitos e liberdades contra o Estado mas exige também a defesa dos mesmos contra quaisquer poderes sociais de fato Nesse contexto na complexa sociedade pósmoderna das últimas décadas o Estado não é o único a exercer poder e a merecer ter esse poder limitado contido pelo direito Existem hoje inúmeras instituições privadas formais e informais que exercem os chamados poderes sociais de fato a que se refere João Baptista Machado Em determinados setores de criminalidade notadamente aquela organizada eou elitizada vale compreender o que possa significar em sede de processo penal a constatação de Zygmunt Baumann no sentido de que no atual modelo de sociedade pautado fortemente pelo consumo há um evidente deslocamento do exercício de poder do Estado para as megacorporações e para instituições financeiras globais as quais portanto chegam a deter muito mais poder do que o próprio Estado Se o cidadão é tratado hoje como consumidordevedor também nessa perspectiva ele pode ser uma vítima a merecer diferenciada proteção estatal E aqui a dimensão de dignidade da pessoa humana como ideia fundante do Estado Democrático de Direito ganha uma dimensão mais forte no sentido de proteção também das vítimas dos delitos Ao lado das megacorporações e dos bancos temse a instituição de outros poderes de fato os poderes paralelos da criminalidade organizada e mesmo aquelas estruturas de intimidação coletiva que costumam agir preferencialmente mas não exclusivamente nos espaços territoriais de abandono estatal Estes exercícios paralelos de poder estes poderes sociais de fato de que fala João Baptista merecem igual atenção do Estado que deve agir para proteger o cidadão Ainda que se tenha consciência que nem o Direito Penal nem tampouco o Processo Penal provocarão mudanças desse quadro social de abandono pois como se sabe isso só se reverte com efetivas políticas públicas básicas não há como desconsiderar a realidade em que se vive Enquanto o Estado não reverte o quadro que parece pelo histórico tendente a ser perene é preciso dar guarida constitucional de proteção aos direitos fundamentais das pessoas que vivem nestas comunidades tanto quanto a segurança privada dá à classe alta Desse modo seguindo ainda com o pensador português é possível afirmar que a ideia de Estado de Direito demitese da sua função quando se abstém de recorrer aos meios preventivos e repressivos que se mostrem indispensáveis à tutela da segurança dos direitos e liberdades dos cidadãos E essa preocupação vem expressada nas garantias constitucionais de inviolabilidade do direito à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade conforme disposto no caput do art 5º cc art 144 ambos da Constituição sem olvidar da gama de direitos e garantias processuais dos incisos do mesmo artigo 5º e da titularidade da ação penal pública prevista no inciso I do art 129 da mesma Constituição O que surge de dúvida na exegese dessa regra é como compatibilizar as garantias de inviolabilidade do direito à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade A colisão de interesse pode ser marcante se for levado em conta cada uma das inviolabilidades em seu sentido plenipetenciário Mesmo a garantia à vida pode ceder frente a situações que legitimam sua eliminação legítima defesa da vida de outrem ou até mesmo a legítima defesa da propriedade por exemplo Porém como alerta Agostinho Ramalho falar de liberdade é sempre e necessariamente falar de limites Assim o próprio Freud alerta para os 23 MACHADO João Baptista Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador Coimbra Almedina 2013 24 BAUMAN Zygmunt Vida Para Consumo A Transformação das Pessoas em Mercadoria Tradução de Carlos Alberto Medeiros Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 2008 3 A desconsideração da dupla face dos direitos fundamentais proibição de excesso e proibição de proteção insuficiente Feitas as observações de direito comparado para início de análise da realidade brasileira é preciso dizer que a tese reproduz uma visão por demais reducionista da razão de ser do processo penal da Constituição da República brasileira e dos Pactos internacionais de direitos fundamentais Segue aliás uma visão própria da ideologia burguesa liberal do século XIX que enxergava o direito apenas como uma forma de freio perante o Estado Com efeito a tese defendida pela Defensoria Pública nacional e pelos referidos doutrinadores desconsidera que o processo penal constitucional deve ser lido à luz do princípio da dignidade da pessoa humana e da cidadania princípios fundantes do Estado Democrático de Direito em toda sua dimensão e não apenas numa vertente liberal Nesse plano de se garantir num Estado Democrático de Direito a cidadania e a dignidade da pessoa humana não se pode ignorar que existe uma série de outros poderes de fato e de direito para além do poder estatal que igualmente ameaçam a efetividade destes fundamentos do Estado brasileiro e condicionam a liberdade dos sujeitos É como diz Lenio Streck é ilusório pensar que a função do Direito e portanto do Estado nesta quadra da história esteja restrita à proteção contra abusos estatais Konrad Hesse também adverte que a liberdade humana é posta em perigo não só pelo Estado mas também por poderes nãoestatais que na atualidade podem ficar mais ameaçadores do que as ameaças pelo Estado Por sua vez Michel Foucault bem identificou essa construção de uma sociedade normalizada existente já no final do século XIX onde a norma já não era apenas aquela estatal mas também cotidiana e disciplinadora do corpo das pessoas O mesmo Foucault seguido pelas estruturas complementares de seus mais importantes seguidores Agambem Negri e Esposito também compreendeu que essa dinâmica de controle passou a ser muito maior com a biopolítica transferindo 20 STRECK Lênio Luiz O dever de proteção do Estado Schutzpflicht O lado esquecido dos direitos fundamentais ou qual a semelhança entre os crimes de furto privilegiado e o tráfico de entorpecentes In Jus Navigandi 2008 disponível em httpjuscombrartigos11493odeverde protecaodoestadoschutzpflicht acesso em 17 de abril de 2014 21 HESSE Konrad Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha Tradução de Luís Afonso Heck Porto Alegre Sérgio Antonio Fabris Editor 1998 p 278 22 FOUCAULT Michel Vigiar e Punir história da violência nas prisões 26ª ed tradução de Raquel Ramalhete Petrópolis Vozes 2002 p 179 572 573 Como se vê o texto diz aos litigantes e aos acusados são assegurados o contraditório e ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes Há nesta regra uma clara dupla chave dos princípios da ampla defesa e do contraditório A tese da Defensoria Pública limitase a ler o dispositivo constitucional apenas na segunda vertente em relação aos acusados esquecendose de que os princípios são assegurados também aos litigantes em processo judicial Ou seja os princípios operam em relação a ambas as partes notadamente quando lidos em relação aos litigantes Neste ponto ainda que hoje se saiba que a lide não pode mais ser lida como a razão de ser da jurisdição no processo penal fundante de uma Teoria Geral Unitária do Processo como o próprio Carnelutti redirecionou sua compreensão após as críticas que recebeu não é demais dizer que o constituinte brasileiro de 1988 não chegou ao precisismo de diferenciar a lide civil da lide penal no texto da Constituição até porque essa discussão ainda não havia chegado com força ao Brasil e o constituinte não tinha sequer acesso à proposta de denominar o conteúdo do processo como sendo o caso penal para emprestar a importante contribuição construída por Jacinto Coutinho em sua tese publicada em 198941 O constituinte portanto no artigo 5º tratou genericamente dos litigantes como quem alude às partes de um processo administrativo ou judicial Assim nessa primeira vertente o princípio da ampla defesa se assume como ampla defesa da tese da parte no correspondente processo E só na segunda vertente é que a ampla defesa se analisa pelo duplo sentido de garantirse autodefesa e defesa técnica A ampla defesa portanto na primeira vertente do princípio constitucional somado ao complemento dado no texto constitucional pelos recursos a ela inerentes dá ampla margem de garantia a quem defende a vítima e a sociedade o Ministério Público de recorrer contra a decisão absolutória E até aqui percebese que nem foi preciso ingressar na análise da dupla face do papel do Ministério Público no processo penal com a parte e como fiscal da lei E também nem foi preciso ingressar na análise das regras infraconstitucionais que como já destacado dizem expressamente da possibilidade recursal do Ministério Público vg art 577 do CPP 41 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda A Lide e o Conteúdo do Processo Penal Curitiba Juruá 1989 Enfim no próprio princípio da ampla defesa está inserida a norma permissiva Não bastasse o argumento usado pela tese da Defensoria também se afasta da noção básica da teoria geral dos recursos assentada na ideia da falibilidade humana e na tendência ao abuso por parte de quem detém poder Com efeito o juiz de primeiro grau pode se equivocar ao prolatar o édito absolutório Pior pode querer abusar por capricho amizade relações políticas ou até mesmo ser corrompido Dada a natureza humana não há como desconsiderar essas possibilidades Neste contexto impedir que o Ministério Público ou o querelante ou a vítima subsidiariamente possam se utilizar do duplo grau de jurisdição para questionar tal desfecho no âmbito de um juízo colegiado não reflete a melhor interpretação do texto constitucional e afronta o alicerce da teoria geral dos recursos Não se pode olvidar que exercer poder exige controle Se o juiz souber que no exercício de seu poder jurisdicional ninguém poderá questionálo quando sua decisão for absolutória não raras vezes o abuso deste poder poderá imporse no julgamento É da natureza humana uma tendência ao arbítrio ao abuso notadamente quando ausentes mecanismos de controle Aliás esta é uma das razões pelas quais o recurso foi pensado desde a criação do Conselho dos 25 Barões ingleses com poder revisional das decisões do Rei na famosa Magna Charta Libertatum em 1215 na Inglaterra Somamse portanto os fatores legitimadores da própria existência do recurso diminuir discricionariedade minimizar abusos corrigir erros de interpretação e minimizar a possibilidade de corrupção Aliás quanto a este último aspecto é demais preocupante a prevalência da tese que possa vedar recursos contra sentenças de absolvição num país como o Brasil de formação estamental como refere Raimundo Faoro42 somado a uma moral cronicamente esgarçada com ampla margem corruptiva nos setores públicos e privados e que historicamente privilegia mecanismos de proteção mútua aos detentores do poder Os mais favorecidos neste plano serão novamente os detentores do capital e do poderio político Absolvições altamente questionáveis num corpo de magistrados ainda amplamente influenciado e formado sob o paradigma da Filosofia da Consciência portanto moldados pela máxima positivista 42 FAORO Raymundo Os Donos do Poder Formação do Patronato Político Brasileiro 4 ed São Paulo Globo 2008 de vitimização secundária ou ainda de sobrevitimização33 ao longo do curso do processo não apenas pelo aparato estatal mas notadamente pelos aparatos de poder privados Enfim o que se deve ter num processo penal constitucional de dupla face dos direitos e garantias é um processo garantista para o outroacusado como premissa básica de interpretação porém moderado com instrumentos que garantam também ao outrovitima não passar por constrangimentos de revitimização que possam ser debitados paradoxalmente ao próprio sistema de garantias do réu no processo Nesse contexto como refere Tzvetan Todorov o princípio democrático recomenda que todos os poderes sejam limitados não só os dos Estados mas também os dos indivíduos inclusive quando vestem os ouropéis da liberdade34 E mais adiante sintetiza nada nos obriga a limitarnos á escolha entre o Estado é tudo e o indivíduo é tudo precisamos defender os dois Estado e indivíduo cada um limitando os abusos do outro35 Ou seja os direitos fundamentais do cidadão também devem produzir seus efeitos perante terceiros como também destacam dentre outros Konrad Hesse36 e Canotilho37 Nesta quadra excepcionalmente mas sempre em sede de interpretação restritiva a dignidade da pessoa humana pode ser igualmente pensada em termos de condutas positivas do Estado tendentes a efetivar e proteger a dignidade do indivíduo no sentido dado por Ingo Sarlet38 o qual ainda destaca que é preciso pensar na dimensão comunitária ou social da dignidade da pessoa humana na medida em que todos são iguais em dignidade e como tais convivem em determinada comunidade ou grupo39 Vem daí que no mesmo artigo 5º da Constituição Federal existem determinadas normas constitucionais incriminadoras ou mandamentos 33 RODRIGUES Roger de Melo A Tutela da Vítima no Processo Penal Brasileiro Curitiba Juruá 2014 p 58 34 TODOROV Tzvetan Os Inimigos Íntimos da Democracia Tradução de Joana Angélica dÁvila Melo São Paulo Companhia das Letras 2012 p 149 35 Idem p 149 36 HESSE Konrad Ob cit p 281 37 CANOTILHO JJ Gomes Direito Constitucional e Teoria da Constituição 7t ed Coimbra Almedina 2003 p 409 38 SARLET Ingo Wolfgang A Eficácia dos Direitos Fundamentais uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional 11 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2012 p 106 39 Idem p 102 constitucionais de intervenção do legislador penal40 que podem ser usadas nesse sentido Para além das regras de tipificação material também é preciso considerar as de cunho processual penal a exemplo da prisão preventiva art 5º LXVI e no caso vertente da ampla defesa da tese acusatória e do duplo grau de jurisdição como consequência desta todos vistos como hipóteses igualmente legitimadas na proteção de direitos e garantias do cidadãovítima Fica clara aqui a necessidade de equilibrarse a compreensão da dupla face dos direitos fundamentais 4 A equivocada pretensão de embasar a tese na Constituição da República Brasileira A tese procura encontrar respaldo também em leitura parcial da Constituição da República brasileira De início vale recordar o que acima se pontuou vedar a possibilidade de o Ministério Público interpor recurso da decisão que absolveu o acusado ao argumento de que o processo penal seria tão somente instrumento de proteção do acusado frente ao Estado é ignorar toda a dupla função do processo penal e das mecânicas de proteção dos direitos fundamentais de atuar como proibição de excesso do Estado e simultaneamente não admitir proteção insuficiente da vítima por parte do mesmo Estado A tese da Defensoria sustenta retoricamente que não existiria na Constituição da República um direito à ampla acusação Essa análise procura usar de eufemismo excludente do princípio constitucional da ampla defesa em relação ao Ministério Público ignorando que ele também é composto constitucionalmente em dupla vertente É preciso ler a Constituição em toda sua dimensão e para tanto se transcreve aqui o inciso LV do art 5º da Constituição da República LV aos litigantes em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes 40 Conforme dentre outros FELDENS Luciano A Constituição Penal a dupla face da proporcionalidade no controle de normas penais Porto Alegre Livraria do Advogado 2005 normativista do decido conforme a minha consciência não são exatamente uma novidade A corrupção no Poder Judiciário como aliás em qualquer órgão instituição ou setor público ou privado não pode ser desconsiderada Esta preocupação com a probabilidade de corrupção dos magistrados já estava presente entre os norteamericanos desde pelo menos o texto de Alexander Hamilton publicado em 1788 e depois compilado na famosa obra O Federalista quando mesmo não sendo um grande defensor do julgamento pelo Júri admitiu que As vantagens do julgamento pelo júri em causas cíveis fundamse em circunstâncias estranhas à causa da liberdade A maior de todas consiste nos obstáculos que daqui resultam contra a corrupção Como sempre há mais tempo e ocasiões favoráveis para ganhar um corpo permanente de juízes do que um júri convocado extemporaneamente supõese que os meios de corrupção podem mais facilmente influir no primeiro do que no último forçoso é confessar que o julgamento pelos jurados deve ser sempre um grande obstáculo à corrupção No estado em que as coisas se acham atualmente seria preciso corromper o júri e os juízes porque no caso em que o júri tiver evidentemente mal julgado deve conceder o tribunal um novo juízo a não estar corrompido do mesmo modo que o júri Daqui resulta dobrada força de segurança e essa ação complicada tende a conservar a pureza das duas instituições tirando por meio de novos obstáculos a esperança de resultado àqueles que pretenderem corromper os jurados ou os juízes E até esses mesmos não serão tão fáceis de corromper quando souberem que não podem consumar a sua iniquidade sem participação de um júri como quando a decisão depender deles somente43 Enfim quanto menos controle houver no exercício do poder jurisdicional mais se premiará a possibilidade da corrupção ampliarse no Poder Judiciário Daí também se revela a importância de se manter a possibilidade de recurso das decisões absolutórias monocráticas direcionado a um órgão julgador colegiado como autoriza a adequada leitura da Constituição brasileira 43 HAMILTON Alexander MADISON James JAY John O Federalista Tradução de Hiltomar Martins Oliveira Belo Horizonte ed Líder 2003 Capítulo nº 83 p 490 Humanos chegou a construir a doutrina da obrigação de investigar como materialização do dever de garantia de proteção judicial Sobre o tema vale referir ao quanto ilustrado por Juana María Ibañez Rivas a respeito do artigo 25 do Pacto ao analisar a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no julgamento do Caso Velásquez Rodriguez vs Honduras Sentença de 26 de novembro de 2008 O cumprimento da obrigação de investigar as violações dos direitos humanos é uma das medidas positivas que devem adotar os Estados para garantir os direitos reconhecidos na Convenção Dita obrigação estatal não se encontra expressamente estabelecida na Convenção Americana Mesmo assim desde a primeira sentença de fundo do Tribunal no Caso Velásquez Rodriguez vs Honduras a Corte assinalou que como consequência da obrigação de garantir contida no artigo 11 da Convenção os Estados devem prevenir investigar e sancionar toda violação dos direitos reconhecidos por dito tratado e procurar ademais o restabelecimento se é possível do direito violado e neste caso a reparação dos danos produzidos pela violação dos direitos humanos Portanto a obrigação de investigar os fatos que constituem violações de direitos humanos faz parte das obrigações derivadas do dever de garantia dos direitos consagrados na Convenção 47 Entendimento similar foi adotado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso García Prieto y outro vs El Salvador Sentença de 20 de novembro de 2007 como comenta Ibañez Rivas Ademais conforme precisou a Corte dita obrigação não somente se depreende das normas convencionais de Direito Internacional Imperativas para os Estados Parte mas também deriva da legislação interna dos Estados que faz referência ao dever de investigar de ofício certas condutas ilícitas e às normas que permitem que as vítimas ou seus familiares denunciem ou apresentem queixas provas ou petições ou qualquer outra diligência com a finalidade de participar processualmente na investigação penal com a pretensão de estabelecer a verdade dos fatos48 E retomando o Caso Velásquez Rodriguez vs Honduras bem como referindo ao Caso Bulacio vs Argentina prossegue dizendo Desta maneira sle o aparato de Estado atua de modo que uma violação fique impune e não se restabeleça enquanto seja possível a vítima na plenitude de seus direitos ou se tolere que os particulares ou grupos deles atuem livre ou impunemente em menoscabo dos direitos humanos reconhecidos pela Convenção pode afirmarse que descumpriu o dever de garantir o livre e pleno exercício às pessoas sujeitas à sua jurisdição Assim já que dita obrigação está diretamente vinculada ao direito de acesso à justiça esta deve assegurar em tempo razoável o direito das presumidas vítimas ou seus familiares que se faça tudo o que for necessário para conhecer a verdade do que ocorreu e investigar julgar e neste caso sancionar os eventuais responsáveis49 Ademais como destaca a autora no Caso Nadege Dorzema y otros vs República Dominicana e no Caso Castillo González y otros vs Venezuela a Corte Interamericana de Direitos Humanos já decidiu que as vítimas devem contar com amplas possibilidades de atuação nos processos criminais com a Convenção Americana de Direitos Humanos impondo o dever para o Estado de garantir a participação da vítima em todas as etapas do processo As vítimas das violações de direitos humanos ou seus familiares devem contar com amplas possibilidades de serem ouvidas e atuar nos respectivos processos tanto na procura de esclarecimento dos fatos e do castigo dos responsáveis quanto em busca de uma devida reparação Para tanto os Estados têm a obrigação de garantir o direito das vítimas ou seus familiares de participar de todas as etapas dos respectivos processos de maneira que possam fazer abordagens receber informações aportar provas formular alegações e em síntese fazer valer seus direitos50 Repitase o texto do julgado da Corte Interamericana os Estados têm a obrigação de garantir o direito das vítimas e seus familiares de participar de todas as etapas dos respectivos processos Aliás não é 47 IBAÑEZ RIVA Juana María Convención Americana sobre Derechos Humanos Comentario STEINER Christian URIBE Patricia Editores Bogotá Colombia Fundación Konrad Adenauer 2014 p 628 Tradução nossa 48 Idem p 628 49 IBAÑEZ RIVA Juana María Convención Americana sobre Derechos Humanos Comentario Ob cit pp 628629 50 Idem p 631 demais recordar que a esse respeito até mesmo o Brasil já foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Garibaldi vs Brasil Sentença de 23 de setembro de 2009 justamente por violar a regra do artigo 25 2 b do Pacto de San José da Costa Rica e não atuar com eficiência na repressão aos delitos que violavam direitos das vítimas Sétimo Garibaldi foi um trabalhador rural integrante do MST Movimento dos Trabalhadores Sem Terra morto no Município de Querência do Norte no Estado do Paraná por ocasião da desocupação de área privada O Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos pela inoperância na investigação e pela não responsabilização criminal dos autores do homicídio com o dever de reabrir a investigação e de indenizar os familiares da vítima em U7000000 setenta mil dólares Consta da decisão da Corte sua forma de interpretar a inércia estatal em relação à proteção de vítimas de crime e sua preocupação com a impunidade A Corte não pode deixar de expressar sua preocupação pelas graves falhas e demoras no inquérito do presente caso que afetaram vítimas que pertencem a um grupo considerado vulnerável Como já foi manifestado reiteradamente por este tribunal a impunidade propicia a repetição crônica das violações de direitos humanos51 A Comissão entendeu que enquanto não seja realizada uma investigação imparcial e efetiva dos fatos existe uma violação do direito de acesso à justiça Agregou que conforme a jurisprudência da Corte uma reparação integral exige que o Estado investigue com a devida diligência os fatos com o fim de julgar e sancionar os responsáveis pela morte do senhor Garibaldi As vítimas deverão ter pleno acesso e capacidade de atuar em todas as etapas e instâncias dessas investigações nos termos da lei interna e da Convenção e o Estado deverá assegurar o cumprimento efetivo das decisões que adotem os tribunais internos Reconheceu os esforços estatais para o desarquivamento do Inquérito Policial e entendeu nesse sentido que é fundamental que o Estado cumpra seu dever de evitar e combater a impunidade através da realização de uma investigação séria exaustiva imparcial e efetiva da morte de Sétimo Garibaldi52 51 CIDH Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso Garibaldi vs Brasil Sentença de 23 de setembro de 2009 Disponível em httpwwwcorteidhorcrdocscasosarticulosseriec203por pdf acesso em 06 de novembro de 2015 parágrafo 141 p 39 52 Idem p 44 A Corte valora positivamente o desarquivamento do Inquérito Todavia considera que embora tal medida resulte em um avanço inicial importante a reabertura do procedimento investigativo deverá ser seguida pela realização efetiva das diligências necessárias para a elucidação dos fatos e o estabelecimento das responsabilidades correspondentes conforme exposto nesta Sentença supra pars 122 a 12753 Considerando o anterior assim como a jurisprudência deste Tribunal a Corte dispõe que o Estado deve conduzir eficazmente e dentro de um prazo razoável o Inquérito e qualquer processo que chegar a abrir como consequência deste para identificar julgar e eventualmente sancionar os autores da morte do senhor Garibaldi Do mesmo modo o Estado deve investigar e se for o caso sancionar as eventuais faltas funcionais nas quais poderiam ter incorrido os funcionários públicos a cargo do Inquérito Adicionalmente tal e como tem sido indicado pela Corte as vítimas ou seus representantes deverão ter acesso e capacidade de atuar em todas as etapas e instâncias dos processos internos instaurados no presente caso de acordo com a lei interna e a Convenção Americana54 Como se viu dos trechos acima destacados a posição da Corte Interamericana é muito clara ao deixar registrada a necessidade de persecução criminal e de participação das vítimas em todas as etapas e instâncias dos processos internos instaurados no presente caso Noutro giro há que se compreender que o fato de a redação do art 8º 2 letra h da Convenção Americana de Direitos Humanos referir apenas ao direito do acusado interpor recurso não implica dizer que o Ministério Público não possa igualmente recorrer da sentença absolutória De fato se a regra da Convenção Americana de Direitos Humanos não traz expressamente prevista a possibilidade recursal do Ministério Público isso decorre do fato de que não há necessidade de se reger num Pacto de Direitos do Cidadão quais são os direitos processuais penais do EstadoMinistério Público Isso é tão evidente que caso prevaleça a leitura pretendida tanto pela Defensoria quanto pelos ilustres doutrinadores referidos de se considerar o 53 Idem Parágrafo 166 p 45 54 Idem Parágrafo 169 p 45 Frisese a Corte não considerou errado o recurso do Ministério Público contra a sentença de absolvição criticando apenas a sistemática recursal extraordinária limitada na Argentina O problema então como destacado é de ampliação da possibilidade de recursos de defesa mas não de cerceamento da possibilidade recursal do Ministério Público No Caso Mohamed vs Argentina a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou a Argentina a adotar as medidas necessárias para garantir ao senhor Oscar Alberto Mohamed o direito de recorrer da condenação emitida pela Sala Primera de La Cámara Nacional de Apelaciones59 Assim a tese de que haveria cerceamento de defesa no recurso interposto pelo Ministério Público é desprovida de razão O reexame da prova embora não seja possível nos Tribunais Superiores é realizado nos Tribunais de segundo grau ocasião em que a defesa tem a oportunidade seja em contrarrazões seja em sede de sustentação oral e demais recursos sucessivos de discutir a prova e requerer a manutenção da decisão absolutória De resto devese reformular a legislação brasileira para adaptála ao quanto já decidiu a Corte Interamericana de Direitos Humanos no referido Caso Mohamed vs Argentina considerando que a situação recursal brasileira é praticamente idêntica àquela da Argentina Portanto em caso de condenações operadas apenas em grau de apelação junto ao Tribunal estadual ou Regional Federal é preciso prever sistemática revisional do julgado que permita à defesa atacar também a matéria fática e probatória O mesmo deve ocorrer em qualquer outro recurso ou tribunal que provoque pela primeira vez a condenação do acusado em processo criminal 7 Conclusões De tudo quanto acima foi ponderado podemos extrair as seguintes conclusões 59 CIDH Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso Mohamed vs Argentina Sentença de 23 de novembro de 2012 Disponível em httpwwwcsjngovardatacmcidhpdf acesso em 06 de novembro de 2015 p 54 Tradução nossa No original em espanhol adoptar las medidas necesarias para garantizar al señor Oscar Alberto Mohamed el derecho de recurrir del fallo condenatorio emitido por la Sala Primera de la Cámara Nacional de Apelaciones en lo Criminal y Correccional el 22 de febrero de 1995 de conformidad con los parámetros convencionales establecidos en el artículo 82h de la Convención Americana en los términos señalados en los párrafos 90 a 117 y 152 de la presente Sentencia discussão da matéria probatória e fática e aí é importante rever a sistemática recursal brasileira Mas vejase o problema não se resolve limitando o recurso do Ministério Público como já destacado mas ampliando a possibilidade recursal da defesa para permitir que ou o recurso de embargos infringentes seja cabível também nesta hipótese ou o recurso especial direcionado ao STJ também permita nesses casos o enfrentamento da matéria fática e probatória Assim toda vez que a condenação do acusado acontecer de forma primitiva no julgamento de um recurso do Ministério Público a decisão deverá admitir recurso pleno para órgão revisional jurisdicional Aliás sobre este ponto a Corte Interamericana de Direitos Humanos já se pronunciou no Caso Mohamed vs Argentina Sentença de 23 de novembro de 2012 analisando justamente um processo no qual o acusado foi absolvido em primeiro grau houve recurso do Ministério Público argentino e a condenação sobreveio no Tribunal Superior de Justicia de la Ciudad Autónoma de Buenos Aires Desta decisão cabia apenas recurso extraordinário para a Corte Suprema de Justicia de la Nación com matéria restrita e ausente a possibilidade de revaloração fática e probatória similar ao que ocorre na legislação brasileira A Corte Interamericana de Direitos Humanos criticou essa limitação recursal A Corte faz notar que este caso apresenta a particularidade de que o imputado foi submetido a um processo penal de duas instâncias e foi condenado em segunda instância por um tribunal que revogou a decisão absolutória do julgado de primeira instância Para determinar se o senhor Mohamed teria o direito de recorrer da condenação perante o juiz ou tribunal superior corresponde determinar se a proteção consagrada no artigo 82h da Convenção Americana permite uma exceção tal como alega Argentina quando o imputado tenha sido declarado condenado por um tribunal que julgue um recurso contra sua absolvição55 55 CIDH Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso Mohamed vs Argentina Sentença de 23 de novembro de 2012 Disponível em httpwwwcsjngovardatacmcidhpdf acesso em 06 de novembro de 2015 parágrafo 90 p 30 Tradução nossa No original em espanhol La Corte hace notar que este caso presenta la particularidad de que al imputado se le siguió un proceso penal de dos instancias y fue condenado en segunda instancia por un tribunal que revocó la decisión absolutoria del juzgado de primera instancia Para determinar si al señor Mohamed le asistía el derecho de recurrir del fallo ante juez o tribunal superior corresponde determinar si la protección consagrada en el artículo 82h de la Convención Americana permite una excepción tal como alega Argentina cuando el imputado haya sido declarado condenado por un tribunal que resuelva un recurso contra su absolución Tendo em conta que as garantias judiciais buscam que aquele que esteja incurso num processo não seja submetido a decisões arbitrárias a Corte interpreta que o direito de recorrer da condenação não poderia ser efetivo se não fosse garantido a todo aquele que é condenado já que a condenação é a manifestação do exercicio do poder punitivo do Estado Resulta contrário ao propósito desse direito específico que não seja garantido frente a quem é condenado mediante uma sentença que revoga uma decisão absolutória Interpretar o contrário implicaria em deixar o condenado desprovido de um recurso contra a condenação Tratase de uma garantia do individuo frente ao Estado e não somente um guia que orienta o desenho dos sistemas de impugnação nos ordenamentos jurídicos dos Estadoas Partes da Convenção56 Pelas razões expostas a Corte conclui que o sistema processual penal argentino que foi aplicado ao senhor Mohamed não garantiu normativamente um recurso ordinário acessível e eficaz que permitria um exame da sentença condenatória contra o senhor Mohamed nos termos do artigo 82h da Convenção Americana e também constavou que o recurso extraordinário federal e o recurso de queixa57 ainda que tenha sido salvaguardado o acesso ao primeiro não constituíram no caso concreto recursos eficazes para garantir dito direito58 56 CIDH Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso Mohamed vs Argentina Sentença de 23 de novembro de 2012 Disponível em httpwwwcsjngovardatacmcidhpdf acesso em 06 de novembro de 2015 parágrafo 92 p 30 Tradução nossa No original em espanhol Teniendo en cuenta que las garantias judiciales buscan que quien esté incurso en un proceso no sea sometido a decisions arbitrarias la Corte interpreto que el derecho a recurrir del fallo no podría ser efectivo si no se garantizo respecto de todo aquél que es condenado ya que la condena es la manifestación del ejercicio del poder punitivo del Estado Resulta contrario al propósito de ese derecho específico que no sea garantizado frente a quien es condenado mediante una sentencia que revoca una decisión absolutoria Interpretar lo contrario implicaria dejar al condenado desprovisto de un recurso contra la condena Se trata de una garantía del individuo frente al Estado y no solamente un guia que orienta el diseño de los sistemas de impugnación en los ordenamientos jurídicos de los Estados Partes de la Convención 57 Equivalente no direito brasileiro ao Agravo de Instrumento para forçar a subida do Recurso Extraordinário denegado na instância de origem 58 CIDH Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso Mohamed vs Argentina Sentença de 23 de novembro de 2012 Disponível em httpwwwcsjngovardatacmcidhpdf acesso em 06 de novembro de 2015 parágrafo 112 p 35 Tradução nossa No original em espanhol Por las razones expuestas la Corte concluye que el sistema procesal penal argentino que fue aplicado al señor Mohamed no garantizó normativamente un recurso ordinario accesible y eficaz que permitiera un examen de la sentencía condenatoria contra el señor Mohamed en los términos del articulo 82h de la Convención Americana y también ha constatado que el recurso extraordinário federal y el recurso de queja en tanto salvaguarda de acceso al primero no costituyeron en el caso concreto recursos eficaces para garantizar dicho derecho LYNCH Gerard Panel Discussion The expanding prosecutorial role from trial counsel to investigator and administrator In Fordham Urban Law Journal New York vol 66 nº 3 pp 679704 1998 disponível em httpirlawnetfordhameducgiviewcontentcgiarticle1744contextulj acesso em 13 de abril de 2014 Our Administrative System of Criminal Justice In Fordham Law Review New York v 66 nº 6 pp 21172151 1998 disponível em http irlawnetfordhameducgiviewcontentcgiarticle3485contextflr acesso em 13 de abril de 2014 MACHADO João Baptista Introdução ao Direito e ao Discurso Legit mador Coimbra Almedina 2013 MAIER Julio BJ Derecho Procesal Penal Tomo I Fundamentos 2ª ed 3ª Reimpressão Buenos Aires Editores Del Puerto 2004 MARQUES NETO Agostinho Ramalho Sobre a impossibilidade de uma ética neoliberal In Democracia Direito e Política Estudos Internacionais em Homenagem a Friedrich Müller Martonio MontAlverne Barreto Lima Paulo Antonio Menezes Albuquerque Organizadores 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Ministério Público a absolvição não transita em julgado Assim essa regra espelha apenas a possibilidade de interposição de exceção de coisa julgada depois do trânsito em julgado e levando em conta o regramento recursal interno de cada país No caso do Brasil como se sabe o Código de Processo Penal autoriza a possibilidade recursal do Ministério Público vg art 577 do CPP o recurso poderá ser interposto pelo Ministério Público ou pelo querelante ou pelo réu seu procurador ou seu defensor 7 A Constituição da República brasileira em seu artigo 5º LV tratou do tema da ampla defesa em dupla dimensão Primeiro considerou genericamente a ampla defesa em favor dos litigantes como quem alude às partes do processo Assim nessa primeira vertente o princípio da ampla defesa se assume como ampla defesa da tese da parte Depois referiuse aos acusados e aqui em sua segunda vertente a ampla defesa se analisa pelo duplo sentido de garantirse autodefesa e defesa técnica A ampla defesa portanto na primeira vertente do princípio constitucional somado ao complemento dado no texto constitucional pelos recursos a ela inerentes dá ampla margem de garantia a quem defende a vítima e a sociedade o Ministério Público de recorrer contra a decisão absolutória 8 Ademais ao considerar este tema não se pode olvidar dos fatores legitimadores da existência do recurso diminuir discricionariedade minimizar abusos corrigir erros de interpretação e minimizar a possibilidade de corrupção Quanto a este último aspecto é demais preocupante a prevalência da tese que possa vedar recursos contra sentenças de absolvição num país como o Brasil de formação estamental como refere Raimundo Faoro somado a uma moral cronicamente esgarçada com ampla margem corruptiva nos setores público e privado e que historicamente privilegia mecanismos de proteção mútua aos detentores do poder Os mais favorecidos neste plano serão novamente os detentores do capital e do poderio político Absolvições juridicamente absurdas de pessoas com elevado poderio econômico e político já são passíveis de serem verificadas em determinados casos Dada a natureza humana dos magistrados e a formação moral do povo brasileiro poderão tornarse ampla maioria caso prevaleça a tese de impossibilidade recursal do Ministério Público Quanto menos controle houver no exercício do poder jurisdicional mais se premiará a possibilidade da corrupção ampliarse no Poder Judiciário 9 Se o Pacto de San José da Costa Rica prevê a garantia de recurso contra sentença condenatória e esta vier apenas em grau de apelação de decisão absolutória em primeiro grau há que se ampliar a possibilidade recursal da defesa seja alargando o cabimento dos embargos infringentes no próprio Tribunal de origem seja admitindo o Recurso Especial para o Superior Tribunal de Justiça também para discutir fato e prova Neste sentido já decidiu a Corte Interamericana de Direitos Humanos em Sentença prolatada em 23 de novembro de 2012 condenando a Argentina a promover mudanças em seu plano recursal interno que era similar ao brasileiro no Caso Mohamed vs Argentina O Brasil deve se antecipar à nova análise e decisão da Corte que possa vir contra si e adotar a mesma providência legislativa com urgência 10 Portanto a solução para assegurar as garantias do Pacto de San José da Costa Rica não passa pela diminuição da possibilidade recursal do Ministério Público mas sim pela necessidade de ampliação da possibilidade recursal da defesa 8 Referências AMAR Akhil Reed The Bill of Rights Creation and Reconstruction New Hav en London Yale University Press 1998 Double Jeopardy Law After Rodney King In Columbia Law Review Vol 95 nº 01 january 1995 pp 0159 BARKOW Rachel E Separation of Powers and the Criminal Law In Stanford Law Review Stanford v 58 n 4 p 9891054 fev 2006 p 1033 disponível em httppapersssrncomsol3paperscfmabstractid805984 acesso em 12 de abril de 2014 AZEVEDO BARBOSA Oriana Piske de SILVA Cristiano Alves da Silva Op cit p 101 BAUMAN Zygmunt Vida Para Consumo A 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