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Direito Penal

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72 I CRIMINOLOGIA técnica obedece a uma ideia de conseguir dois grupos assemelhados referentes a uma série de variáveis sexo idade nível cultural etc exceto em relação a uma variável específica que se quer estudar A obra de Sheldon e Eleanor Glueck Unravelingjuvenile delinquertcy 1950 cotejou dois grupos de quinhentos jo vens por mais de cinco anos para tentar demonstrar as consequências que um tratamento institucional produz àqueles que são submetidos a uma instituição fechada em cotejo cont aqueles que não são submetidos à intemação 9 Outros métodos são utilizados para que se possa aquilatar a grandeza da delinquência oculta a chamada cifra negra da criminalidade Três são os nor malmente lembrados O primeiro deles é o da autoconfissão que consiste em fazer pesquisas anônimas para conhecer quantas pessoas cometeram certos fatos em determinado período de tempo O segundo meio de õbtenção de dados da cifra negra é o método da vitimação São realizadas pesquisas sobre uma mostra representativa da população a fim de determinar quantas pessoas foram vítimas de certos delitos em certo período de tempo Por fim há o método de análise das maneiras detprosseguir ou abandonar que têm os tribunais e a policia São feitos esquemas gráficos das entradas e saídas de delitos e delinquentes no sistema de controle formal em cada uma das etapas da detenção e do processo 96 Nem é necessário dizer que todos esses métodos investigatórios apresentam certos pro blemas razão pela qual só serão obtidos dados mais seguros com a combinação desses mecanismos evitandose falhas nos resultados das pesquisas 95 Tal técnica tem clara inspiração nos métodos das ciências biológicas especialmente quando se fazem testes com remédios dandose a um grupo o remédio a ser testado e a outro placebo para posterior verificação dos resultados estatísticos Sobre a técnica de grupo de controle vejase DIASjorge de Figueiredo Op cit p 122123 e MANNHEIM Hennann Op cit vol I p 144145 96 ANtYAR DE 0sTRolola Criminologia cit p 7072 i 2 NASCIMENTO DA CRIMINOLOGIA SuMARIO 21 Aportes iniciais22 Estudodosprecursores23 O Iluminismo e as primeiras escolas sociológicas 24 Considerações críticas quanto aos marcos científicos da criminologia 25 Notas conclusivas 21 Aportes iniciais Os diversos autores que estudam a criminologia não são unânimes ao conclu írem em qual momento histórico teria iniciado o estudo científico da criminologia Os critérios são muitos e os pontos de referência são distintos Se essa data fosse certa seguramente terseia uma indicação mais precisa em uma obra ou em um pensamento determinado No entanto muitos são os autores que de alguma forma tangenciaram a questão sem se dar conta de que faziam de seu objeto de estudo aquilo que hoje convencionamos chamar criminologia Lombroso por exemplo uma das mais lembradas referências para se indicar o termo inicial do estudo criminológico intitulavase da Escola Antropológica italiana e não se dizia criminólogo Outros por sua vez usaram a palavra criminologia sem adotar um método que pudesse ser identificado com tal ciência Assim vários autores ou mesmo obras que trabalharam com a criminologia poderiam marcar os para digmas que identificariam o ponto inicial de seu estudo históricocientífico No entanto se é verdade que enquanto ciência a criminologia tem uma curta história não é menos verdade que tenha um longo passado ou préhistória ou ainda uma larga etapa précientífica Eugenio Raúl Zaffaroni não sem razão pondera que entre o final do Im pério Romano e o início da Idade Média a Criminologia existia de uma forma inorgânica Não havia um corpo doutrinário ou de teoria Com Santo Agostinho no século IV procedese a uma síntese maniqueísta mesclando tais concepções com os conceitos da época Nessa perspectiva não havia lugares neutros Ou se estava com Deus ou com o diabo satã em hebraico significava inimigo razão pela qual já na época nasce a dualidade entre amigoinimigo tão em voga nos I I f t l li i j f CRIMINOLOGIA tempos que correm Para ele o primeiro modelo integrado de criminologia se dá com o Malleus maleficarum ou o martelo das feiticeiras obra de 1487 e escrita por jacob Sprenger e Heinrich Kramer Referida obra com diversas edições ao longo dos séculos estabelecia parâmetros estruturados para a maximizaçâo da ameaça criminal com uma linguagem disursiva bélica com a identificação de um estudo emergencial de combate ao crime e com a identificação daquele as que eram o as piores inimigo as criminais todos a os as que negavam ou deslegitimavam o crimecomo as bruxas O livro com características misóginas identificava nas mulheres um ser inferior e que pois tinha menos fé suscetível da tentação diabólica 2 Para gizar esse momento précientífico é necessário identificar o ponto em que a criminologia passa a ser conhecida com certa autonomia científica Para a maioria dos autores Cesare Lombroso foi o fundador da criminologia moderna com a edição do Homem delinquente em 1876 Em sentido estrito a criminologia é uma disciplina científica de base empírica que surge quando a denominada Escola Pcsitiva italiana scuola positiva é dizer o positivismo criminológico cujos representante mais conhecidos foram Lombroso Garofalo e Ferrí generalizou o método de investigação empíricoindutivo3 Outros autores em oposição a essa convicção afirmam que Lombroso embora tenha sido o responsável por um importante impulso nos estudos científicos do crime do criminoso do controle social do delito e da própria vítima não foi o primeiro a fazer tal estudo de forma sistemática Destacam por exemplo escolas e autores que já estudavam o fenô meno como o antropólogo Topinard que em 1879 pela primeira vez empregou a palavra criminologia e o próprio Garofalo seguidor de Lombroso que em 1885 utilizou o termo como título de uma obra científica Dentro desse contexto diminui em parte o protagonismo precursor de Lombroso4 Há autores ainda que não deixam de destacar a existência de uma criminologia da Escola Clássica em grande parte devida a Carrara e seus seguidores o que faria retroceder ao marco inicial dessa linha de pensamento com a edição do Programa de direito cri minal em 1859 Por outro lado não se pode deixar de lembrar que o pensamento dogmático da Escola Clássica só se configuraria no início da segunda metade do século XIX porquanto precedido pelo pensamento filosófico precursor de Cesare l La palabra de los muertos p 2526 2 Op cit p 3033 No mesmo sentido o pensamento deVera MalagutiBatista associando o nascimento criminológico a discurso da Inquisição Introdução critica ã criminologia brasileira p 32 3 GARCIAPABLOS DE MOLINA Antonio GOMES Luiz Flávio Op cit p 131 4 Nesse sentido vide a obra de Israel Drapkin Senderey Manual de criminologia p 9 NASCIMENTO DA CRIMINOLOGIA I 75 Bonesana Marquês de Beccaria ao publicar seu Dos delitos e das penas em 1764 Sendo assim e considerando que muitas das concepções do Direito Penal liberal já haviam sido lançadas por Beccaria não se poderia deixar de reconhecer nele 0 primeiro pensador da chamada criminologia5 não obstante haja quem possa ver em Quetelet principal autor da Escola Cartográfica que em 1835 publica seu Ensaio de física social o verdadeiro marco da criminologia dentro de uma perspectiva não biológica Deixando de lado a anedótica em grande medida discussão que poderia advir da briga para se ter um pai da ciência criminológica poderseia dizer em duas grandes linhas de pensamento que a criminologia nasce com o positivismo seja sociológico ou biológico ou ainda que a criminologia nasce com a Escola Clássica 6 Sabemos que a Ilustração foi um fabuloso movimento cultural do século XVIII com epicentro na França que produziu mudanças políticas sociais e culturais Talvez no entanto uma das mais radicais modificações tenha se dado no plano das ideias pelo culto à razão As acentuadas modificações surgidas nesse período que contaram com grandes movimentos de massas e com a revo lução industríal requisitaram um certo movimento interpretativo e explicativo que pudesse dar respostas mais precisas às indagações daquele momento Tais respostas só foram possíveis com o aparecimento do pensamento racional que pretendia fazer encadear logicamente modelos explicativos para as questões sociais Daí o surgimento da ideia de ciências sociais com esteio analógico nos mesmos paradigmas das ciências naturais Se os modelos teóricos da investigação experimental eram suficientes para as ciências naturais não haveriam de sêlo também para as ciências sociais Ou ainda sob outra perspectiva o culto à razão modelador do pensamento biológico científico não poderia ser suficiente para explicações filosóficas e sociais dos fenômenos decorrentes daquelas profundas transformações Para as duas perguntas surgiram duas respostas distintas a positivista e a clássica Ambas no entanto têm algo em comum São respostas que ancoram seu pensamento na grande transformação iluminista 7 A Escola Clássica enraíza suas ideias exclusivamente na razão iluminista e a Escola Positivista na exacerbação da razão confirmada por meio da experimentação Clássicos focaram seus olhares no fenômeno e encontraram o crime positivistas 5 Nesse sentido DIAs Jorge de Figueiredo ANDRADE Manuel da Costa Op cit p 510 6 ZAFFARONI Eugenio Raúl Criminologia cit p 100 7 ELBERT Carlos Alberto Manual cit p 2829 8 Para os clássicos o criminoso constituise em um individuo idêntico aos outros ou seja tratase de alguém provido das mesmas capacidades psicológicas orgânicas bem como t 1 tI t I I l llir 76 I CRIMINOLOGIA fincaram suas reflexões nos autores desse fenômeno encontrando o criminoso Clássicos e positivistas na realidade são distintas faces da moeda iluminista tese e antítese que não podem superar essa relação dialética de oposição senão quando produzem a síntese e esta é muito diferente dos fatores que lhe deram origem A rigor a busca de um método criminológico ou as discussões acerca deste de suas finalidades e funções é que fez dos estudos que envolviam a criminalidade nascer a criminologia Esta não é obra de um livro não é produto de uma escola nem tampouco resultado de um pensamento É em verdade a síntese de um século que fez acentuar o fenômeno da criminalidade e permitiu a criação de diferentes modelos explicativos dela Se for verdade que Lombroso e seguidores tiveram decisiva importância no surgimento da criminologia me diante o estudo do homem criminoso também não é menos verdade que Carrara e os pensadores que convergiam com seu pensamento embora não agissem como uma escola tiveram relevância nos estudos dogmáticos que permitiram surgir uma ciência criminal Ambas as categorias embora tenham na origem um condicionamento comum e portanto possam ser estudadas como uma mesma disciplina hoje atingem diversidades que as identificam enquanto individualidades É possível até que os dois termos da dicotomia de um lado crime e criminoso de outro lado clássicos e positivistas se condicionem re ciprocamente no sentido de se reclamarem continuamente um ao outro por contraste mas adquiriram autonomia em suas construções categóricas o que nos permite individualizálos para distinguilos Hoje como já o fizemos em capítulo anterior claramente identificamos o direito penal e a criminologia Em seu tempo no entanto tal distinção não era tão clara 22 Estudo dos precursores A Antiguidade tem alguns poucos exemplos de questões que suscitaram discussões sobre os crimes criminosos e suas correspondentes penas O Código de Hammurbi por exemplo disptnha que pobres e ricos fossem julgados de modos distintos correspondendo aos últimos a maior severidade em razão das maiores oportunidades que tiveram de aceder a melhores bens materiais e cul turais No entanto é na Idade Média e no início da Idade Moderna que vamos encontrar as mais diferentes e curiosas manifestações acerca da criminalidadejá compartilhando os mesmos sentimentos que os não criminosos Vide nesse sentido Damásio Robson Lins As oposições entre a escola clássica e a escola positivista crimi nológica do direito penal Cadernos de Citncias Criminais p 30 NASCIMENTO DA CRIMINOLOGIA I 77 00 Código das Sete Partidas há uma descrição interessante dos tipos de assassinos 9 tipos esses que mereceriam classificações e estudos posteriores da parte de vá rios autores Alguns desenvolveram a discussão da chamada criminogênese o exame dos fatores que podiam influenciar a conduta delinquencial as forças fisicas e cósmicas foram estudadas muitas vezes apresentando uma formulação aparentemente científica Assim Kropotkin baseandose em dados climáticos chegou a criar um cálculo numérico para os homicídios H T x 7 V x 2 H é o número de homicídios T é a temperatura média e Ué a unidade média Muitas ciências ocultas ou pseudociências surgiram nesse período A oftalmoscopia por exemplo pretendia estudar o caráter do homem pela observação dos olhos assim como a metoposcopia o fazia por meio da observação das rugas da fronte e a quiromancia pretendia prever o futuro com base no passado pela análise das linhas das mãos Todavia a mais importante de todas essas pseudociências é a fisionomia Provavelmente sua origem é bastante remota podendo encontrar resquícios no próprio Hipócrates Referido autor tido como o pai da medicina inovou ao rela cionar a aparência dos enfermos com as doenças que se pretendia diagnosticar Ou em suas próprias palavras Os indivíduos que têm a cabeça grande os olhos pequenos e que gaguejam são arrebatados Ter mais dentes é sinal de longevidade Os indivíduos gagos os que falam depressa os melancólicos os biliosos os que têm o olhar fixo são coléricos Os indivíduos que têm a cabeça grande os olhos negros e grandes o nariz grosso e achatado são bons 10 Percebese pois que os fisionomistas preocupavamse com o estudo da aparência externa do indivíduo ressaltando a relação existente entre o corpo e o psíquico Para eles dos dados fisionômicos de uma pessoa poderseiam de duzir seus caracteres psíquicos relacionandose desse modo os aspectos físico e moral do ser humanou Um dos mais importantes fisionomistas é Giovanni Battista Della Porta Vico Equense mais conhecido como Della Porta Nascido em Nápoles em 1535 falecido na mesma cidade em 1615 foi estudioso de filosofia alquimia e magia natural Foi perseguido pela Inquisição exatamente por criar uma sociedade denominadaAccademia dei Segreti dedicada aos estudos da natu reza humana Em 1586 publicou em sua cidade natal De humana physiognomia 9 SENDEREY Israel Drapkin Op cit p 12 lO Hipócrates Conhecer cuidar amar o juramento e outros textos p 101 no mesmo sen tido HoPE R A et ali i Oxford handbook of clinicai medicine p 24 ll Dt TuLuo Benigno Trattato de antopologia críminale studio clinico e medico legale ad uso dei mediei dei giuristi e dcgli studenti p 43 f I f v t I I I CRIMINOLOGIA obra em que sustentava a perfeita correspondência entre os aspectos interiores e a forma externa da natureza humana 12 Ao lado dele podemos também destacar johan Caspar Lavater teólogo suíço nascido em 1741 e falecido em 1801 que publicou em Leipzig em 1776 rart detudier la physionomie Lava ter estudava com profundidade a craniometria13 e defendia o julgamento pelas aparências Acreditava que o caráter e o temperamento do homem poderiam ser lidos pelos contornos da face humana defendeu que se atentasse para a riqueza facial me diante suas artísticas reRresentações Para tanto coletou centenas de ilustrações humanas com as quais exemplificava suas ideias 1 Para ele tanto a beleza quanto a feiura eram reflexos da bondade ou da maldade da pessoa Homem delinquente tem maldade natural tem o nariz oblíquo tem barba não pontiaguda a palavra negligente olhos grandes e ferozes sempre iracundos brilhantes as pálpebras abertas círculos de um vermelho sombrio a rodear a pupila uma lágrima colocada nos ângulos inferiores etc 15 Polemista defendeu o cientificismo da fisionomia Dizia ele por que pôr em dúvida a existência da fisionomia quando todos os dias se veem pessoas cujo rosto traz a mlrca das paixões que as agitam Faces cavadas fronte enrugada lábios pálidos e cerrados que o sorriso jamais aviva olhos voltados para o solo podem enfim todos esses traços caracterizar a alegria Não serão antes indi cadores da sombria melancolia Percorram os antros do crime entrem nas prisões onde o celerado acorrentado sofre16 o castigo de suas perversidades encontrarão ai fisionomias que parecem pertencer exclusivamente ao vício a expressão de um movimento virtuoso pareceria estranha em tais rostos porque seus múscu los contraídos não sabem traduzir senão os mais vis sentimentos da alma ou os ímpetos do ódio e do desespero Outro fisionomista importante foi o holandês Petrus Camper 17221789 Camper mostrava a escala de perfeição dos seres partindo dos macacos no pé da escala até chegara Apolo no topo da escala passando pelos homens comuns e as diferenças orgânicas dos seres humanos 17 Tais autores autorizaram o surgimento de consequências na esfera jurídica de medidas evidentemente discriminadoras Um juiz napolitano conhecido como Marquês de Moscardi decidia em última 12 Disponível em wwwgalileoirnssfirenzeit Acesso em 01022002 13 Estudo externo das aparências cranianas 14 Disponível em wwwnewcastleeduau Acesso em 31012002 15 GARCIAPABLOS DE MouNA Antonio GoMES Luiz Flávio Op cit p 137 16 HocQUART Edouard O lavater das senhoras p 16 17 Disponível em wwwpagesbritishlibrarynet Acesso em 01022002 NASCIMENTO DA CRIMINOLOGIA 79 inStância os processos que até ele chegavam Criou o conhecido Edito de Valério que afirmava quando se tem dúvida entre dois presumidos culpados condenase sempre o mais feio A pena que sempre aplicava era a de morte ou a perpétua terminando sempre suas sentenças com o bordão ouvidas acusação e defesa e examinadas a cabeça e a face do acusado condenoo 18 Também Lavater defendia que o magistrado esclarecido tinha um olhar escrutinador que parecia interrogar os mais secretos pensamentos do acusado ele pressentia o culpado antes de o ter interrogado ou compreendia a linguagem muda da inocência tudo pelas fisionomias 19 A fisionomia deu origem à cranioscopia desenvolvida por Franzjoseph Gall 17581828 por volta de 1800 Tal método permitia mediante medições externas da cabeça adivinhar a personalidade e o desenvolvimento das faculdades men tais e morais com base na forma externa do crânio Posteriormente tais estudos evoluíram para uma análise do interior da mente o que deu origem à frenologia phrenos mente precursora da moderna neurofisiologia e da neuropsiquiatria A frenologia regiase pelas seguintes proposições i toda faculdade men tal tem um território ii a forma do crânio é a impressão fiel da composição cerebral e iii existem ligações entre o cérebro e as faculdades psíquicas pelo que qualquer alteração da constituição orgânica corresponde a uma alteração da função psíquicatal sendo detectado pela análise da morfologia craniana 20 Desenvolvidos precipuamente pelo citado médico alemão esses métodos per mitiram localizar cada um dos instintos e inclinações humanas em uma parte determinada do cérebro cujo desenvolvimento poderia ser apreciado segundo a forma do crânio Cada instinto perverso deveria ter sua própria origem que o provocava e o identificava Gall ofendeu lideres religiosos e cientistas A Igreja considerou sua teoria contrária à religião era um anátema afirmar que a mente criada por Deus tinha um local físico Os cientistas por seu turno acusaramno de não fornecer provas concretas sobre sua teoria afirmando haver uma espécie de charlatanismo Gall deixou Viena local em que ensinava indo sucessivamente para a França e a Inglaterra onde em definitivo se estabeleceu suas ideias ali passaram a ser mais bem aceitas É que as teorias de Gall permitiram aos gover nantes justificar a inferioridade de servos coloniais incluindo os irlandeses Em sua obra o crime é visto como resultado de um desenvolvimento parcial e 18 SENDEREY Israel Drapkin Op cit p13 GARCIAPABLOS DE MouN Antonio GoMES Luiz Flavio Op cit p 136 19 HocQUART Edouard O lavater das senhoras p 1617 20 AGRA Cândido direção A criminologia um arquipélago interdisciplinar p 48 i t t i I I I uLa 80 CRIMINOLOGIA não compensado do cérebro que ocasiona uma hiperfunção de determinado sen timento Assim agressividade instinto homicida sentido patrimonial e sentido moral estavam localizados em áreas cerebrais o que permitiria sua identificação externa Sua principal obra intitulada Sur les Jonctions du cervau foi publicada entre os anos de 1823 e 1825 em seis volumes 21 Outro importante frenologista foi o também alemão johann Caspa r Spurzheim 17761832 Discípulo de Gall deixou sua terra natal indo para Viena onde se transformou em seu colaborador nas pesquisas neuroanatôsnicas Em 1815já vivendo na Inglaterra publicou seu The physiognomical system no qual modificou um pouco as ideias de seu mestre chegando a fazer uma carta cranioscópica imitando as geográficas em que cada um dos órgãos cerebrais tinha seus limites precisos Seus opositores chegaram a ironizálo afirmando que tais precisas fronteiras eram tão seguras quanto a de alguns países 22 Como destaca Vera Malaguti Batista Spurzheim vai para os Estados Unidos prestar seus serviços para a construção do apartheid estaduni dense abrindo espaço para novos trabalhos como os de Samuel Morton Crania Americana 1839 e Breves Comentários sobre as diferenças das raças humanas em 1842 ou osdejosiah Clark Nolt que em seu Das lições de História Natural sobre as raças negras e caucásicas legitimava a ambiência racista que o escravismo e o pósescravismo necessitavam na América do Norte 23 Coube ao espanhol Ma riano Cubí y Soler 180 11875 autor de Manual de frenologia e Sistema completo defrenologia 1844 o mérito de ser um dos primeiros a afirmar e expor a teoria do criminoso nato caracterizandoo como um subtipo humano Para ele há criaturas humanas que nascem com um desmedido desenvolvimento da destru tividade acometividade ou combatividade aquisitividade cuja organização constitui relação naturalmente ao ladrão ao violador ao assassino ao fraudador e a outros tipos criminais 24 No âmbito da psiquiatria muitos autores poderiam ser citados pela impor tância de seus trabalhos BénedictAugutin Morei 18091873 por exemplo escreve um Traité des dégénérescences physiques intellectuelles et mor ales de lespece humaine et des causes qui produisent ces variétés maladives 1856 associando a criminalidade à degeneração tema que seria muito caro a Lombroso e seus seguidores Antes mesmo dele o termo degeneração era de uso corrente Morei 21 lANGON CuNARRO Miguel Criminologia historia y doctrinas p 19 disponível em www epuborgbr wwwartsciwustledu acesso em 01022001 22 lANGON C u NARRO Miguel Criminologia cit p 20 disponível em wwwusydeduau acesso em 01022002 23 Introdução crttica à criminologia brasileira p 43 24 SALDANA Quintiliano Los ortgems de la criminologta p 346 I NASCIMENTO DA CRIMINOLOGIA I 81 relaciona a degeneração à alteração do tipo antropológico ou do biotipo humano com a patologia particularmente com a mental Era para ele um desvio doentio do tipo normal da humanidade hereditariamente transmissível com evolução progressiva no sentido de decadência Em princípio as doenças mentais prove nientes da degeneração do sistema nervoso eram consideradas incuráveis e tinham como causa o paludismo o álcool o ópio as intoxicações alimentares as doenças infecciosas ou congênitas a miséria a imoralidade dos costumes e influências hereditárias 2 Philippe Pinel 17451826 importante psiquiatra francês reali zou os primeiros diagnósticos clínicos separando os delinquentes dos enfermos mentais Teve a atenção despertada para o problema mental quando um amigo seu ficou louco e morreu da enfermidade A partir daí desenvolve ideias humanitárias de tratamento das doenças mentais Antes dele o louco considerado possuído pelo diabo era acorrentado foi pois o primeiro a conseguir elevar o deficiente mental da situação de pá ria à categoria de doente Seu Traitémédicophilosophique sur laliénation mentale 1801 marca o coroamento do saber psiquiátrico de seu tempo 26 Jean Etienne Dominique Esquirol psiquiatra francês nascido em 1772 e morto em 1840 discípulo de Pinel foi um dos pioneiros na diferenciação entre deficiência mental e insanidade Para ele a idiotia não era uma doença mas sim uma condição das faculdades mentais Esqui rol contribuiu com a psicologia por meio do trabalho com internos e loucos em manicômios chegando a desenca dear a criação de uma comissão de investigação na França para verificação do tratamento dado aos internos No plano criminológico afirmou em sua principal obra Des Maladies Mentales de 1838 que o ato criminal só poderia ser realizado sob estado delirante em que o autor age por um impulso maquinal irresistível o que logicamente não autorizaria uma puniçãojá que o autor seria irresponsável 27 Muitos outros autores poderiam ser lembrados como Próspero Despine que em 1869 em Paris com sua obra Psychologie naturelle sob a rubrica de loucura moral define a insensibilidade moral permanente de certos delinquentes antecipandose a Lombroso nos estudos de taras degenerativas de criminosos A ideia de loucura moral permitia a definição daqueles que com bom nível de inteligência tinham graves defeitos constitutivos de seus princípios morais Muito ligados à psiquiatria e à frenologia nesse período da história estavam os antropólogos aos quais se devem algumas importantes ideias utilizadas por 25 CARRARA Sérgio Crime e loucura o aparecimento do manicômio judiciário na passagem do século p 8286 26 Disponível em wwwwhonameditcom Acesso em 01022002 27 Disponível em wwwindianaedu wwwdrwebsacomar Acesso em O 1022002 t li il f fi ti c I l I I i I 82 I CRIMINOLOGIA Lombroso Lucas 18051885 em seu Traité philosophique et physiologique de lhérédité naturelle em 184 7 enuncia o conceito de atavismo como o reapareci mento em um descendente de um caráter não presente em seus ascendentes imediatos mas sim em remotos Lucas faz referência a uma tendência criminal transmissível pela via hereditária e presente já desde o momento do nascimento do indivíduo 18 Já Gaspar Virgílio 18361907 que em 1874 dois anos antes de Lombroso escreveu Sulla natura morbosa del delito referiuse às características anormais dos delinquents e estabeleceu como causa importante do delito a anormalidade do seu autor usando na Itália o conceito de criminoso nato algo que já havia sido mencionado na Espanha por Cubí y Soler Nunca é demais notar que em grande medida tais ideias receberam as decisivas contribuições de Lamarck e Charles Darwin O primeiro afirmava que os caracteres adquiridos em função da necessidade do meio são transmitidos aos descendentes criando assim a base para o pensamento evolucionista utilizado por Lombroso em sentido inverso O crime podia ser causado por uma regressão espécie de invJlução já que os seres evoluíam e eram selecionados pelo meio É no entanto Charles Darwin 18091882 em sua obra The origin of species de 1859 quem proporciona uma revolução paradigmática Seu livro põe de cabeça para baixo tudo o que a ciência biológica havia escrito até então É com ele que fica demonstrada a evolução das espécies desde as formas viventes mais elementares até chegarmos aos hominídeos Sua teoria implicava afirmar que a humanidade não resultou de um processo criador repentino mas foi decorrência de uma len ta evolução natural Para Darwin os membros que se denominavam gêneros idênticos o homem por exemplo são descendentes lineares de alguma outra espécie sendo a seleção natural o meio de modificação mais importante ainda que não o único Tais ideias no plano das ciências biológicas foram trazidas para o pensamento social por Herbert Spencer 18201903 quando fez uma analogia entre o funcionamento de um fígado e o da cidade inglesa de Manches ter Em seu ultraliberalismo Spencer chega a afirmar que os pobres imprudentes incapazes débeis enfim fracos em geral seriam superados pelos mais aptos Para ele as raças inferiores tinham um grau inferior de sensibilidade e por isso não era conveniente instruílas mais do que em trabalhos manuais enfim o suficiente para sua sobrevivência dada a sua inaptidão para o crescimento intelectuaJ29 28 GARCIAPABLOS DE MoLINA Antonio GoMEs Luiz Flávio Op cit p 141 29 lAFFARONI Eugenio Raúl Criminologia cit p 139 ELBERT Carlos Alberto Manual cit p 4344 I NASCIMENTO DA CRIMINOLOGIA I 83 A adoção das diferenciações raciais dentro do gênero humano foi extre mamente útil para as potências europeias da época A divisão das pessoas em superiores e inferiores ao mesmo tempo que deslegitimava a escravidão afinal de contas todos eram seres humanos dava o fundamento de legitimidade que o colonialismo europeu necessitava para fincar o pé do domínio territorial em novos continentes Levar a civilização dos superiores aos inferiores era a principal demanda do momento e não podia ser descartado tal pensamento pelas potencias europeias especialmente Inglaterra É também deste período o discurso disciplinário inglês devido a Howard 17261790 e Bentham 17481832 Tais autores diferente da maioria dos ci tados anteriormente influenciaram a chamada criminologia clássica Em 1777 depois de visitar diversas prisões europeiasohn Howard publica seu The state of prisons O livro embora denunciasse o estado miserável dos condenados dentro dos presídios trazia um discurso puritano que propugnava à semelhança do que ocorreu com a prisão dos Quackers a superação do pecado por meio da meditação da introspecção e do trabalho Esta ideia disciplinária foi levada adiante anos mais tarde por eremy Bentham O militarismo de Bentham nada mais era do que uma ideologia positivista com um cálculo de rentabilidade muito ao gosto dos nossos economistas de hoje Sua máxima era trazer a maior felicidade ao maior número possível de pessoas30 A criação maior de Bentham foi o panóptico 1791 Panopticum or The Inspection House Era um sistema de construção prisional que permitia com o mínimo de esforço e com o máximo de economia obter o máximo de controle dos condenados Da torre central de um presídio circular todos os corredores radiais seriam observados bastando para tanto movimentar a cabeça nas diferentes direções para se ter o controle pleno de todo o edifício 30 A convergncia dos pensamentos positivista e utilitarista pode ser observada na própria bandeira brasileira Adotada pelo Governo Provisório da República foi desenhada por Teixeira Mendes chefe do Apostolado Positivista no Brasil quatro dias depois da pro clamação da República É urna síntese do pensamento de Com te que tinha o amor por princípio a ordem por base e o progresso por fim Rui Barbosa um dos defensores da frase Ordem e Progresso assim expressou suas ide ias O povo brasileiro co rno todos os povos ocidentais achase vivamente solicitado por duas necessidades ambas imperiosas que se resumem nas palaras Ordem e Progresso Todos senlem por um lado que é impres cindível manter as bases da sociedade mas todos percebem também que as instituições humanas são suscetíveis de aperfeiçoamento Ora acontece que o tipo da Ordem só foi até hoje fornecido pelo regime teológico e guerreiro do passado e que o Progresso tem exigido a eliminação por vezes violenta de certas instituições sendo por isto o espírito público empiricarnente levado a supor que sào irreconciliáveis as duas necessidades Daí a formação de dois partidos opostos tornando um para lema a Ordem e o outro o Progresso In LYRA Roberto ARAúJO Rjoão Marcelo de Criminologia p 35 i i I I l rn 84 I CRIMINOLOGIA sem que os presos pudessem saber que estavam sendo vigiados Enfim assegu ravamse ordem e progresso das atividades diuturnas de trabalho sem qualquer contrapartida Cuidavase da disciplina de uma forma bastante positiva Era este o princípio da ideologia utilitarista Foi Bentham o primeiro autor a referirse a certas medidas preventivas do delito às quais Ferri posteriormente denominou de substitutivos penais Foucault demonstra em Vigiar e punir como o nasci mento da prisão estava fincado na ideia da disciplina a punição é uma técnica de coerção dos indivíduos ela utiliza processos de treinamento do corpo não sinais com os traços que deixa sob a íorma de hábitos no comportamento ela supõe a implanttção de um poder específico de gestão da pena 31 De outra parte como bem ressalta Massimo Pavarini as instituições fechadas como o cárcere surgem destinadas à ideia de disciplinar a força de trabalho assalariado mediante a educação 32 Não é por outra razão que as primeiras prisões não se destinaram aos presos violentos ou àqueles que cometeram crimes mais graves mas sim aos vagabundos e mendigos Tal fato bem demonstra o pensamento utilitário inglês como proveitoso para a ideologia do contrato social Havia a necessidade de justificar a pefla como uma retribuição proporcional à quebra desse contrato pelo criminoso que tinha liberdade de querer e de fazer33 Já se disse alhures que as fábricas pareciam cárceres ao contrário os cárceres é que foram construídos sob o modelo das fábricas34 Um dos pensamentos precursores da sociologia moderna e da criminologia de cariz sociológico resulta dos estudos da chamada Escola Cartográfica Seu mais proeminente autor foi Adolphe Quetelet 17961874 Nascido na Bélgica ganhou fama como matemático e estatístico Trabalhando como estatístico para as pesquisas censitárias de seu país desenvolveu as ideias de homem médio que foi apresentado como um tipo ideal e abstrato que poderia ser visto como um padrão para análises sociológicas 35 Isto levava a uma certa regularidade dos 31 FouCAULT Michel Vigiar cit p lló 32 PWARINI Massimo Los confiucs de la cárccl p 13 33 É interessante observar que no Brasil no período de vigtncia do Código de 40 e da Lei das Contravenções Penais a porta de entrada do criminoso para o sistema punitivo era a Lei das Contravenções Penais principalmente mediante os tipos de vadiagem e mendi cância utilizados para repressão dos identificados corno marginais que ainda não tinham passagens criminais anteriores A lógica perversa do capitalismo com o desemprego fechou essa porta e dificilmente encontrarseá qualquer punição com base naqueles dispositivos nos últimos decênios 34 ZAFFARONI Eugenio Raúl Criminologia cit p 107 35 Disponível em www tdleduau Acesso em 01022002 NASCIMENTO DA CRIMINOLOGIA I 85 fenômenos criminais Representa para muitos a ponte entre a criminologia clássica e a positivista Seus estudos numéricos do crime estimularam a discus são sobre o livrearbítrio e o determinismo discussão central na chamada briga das escolas Como estatístico Quetelet afirmava existir uma lei dos grandes números e estudava o delito não tanto como um fenômeno de massas mas afirmando que os delinquentes se limitavam a executar os fatos preparados pela sociedade concluindo assim que a criminalidade é uma função representável matematicamente em decorrência dos estados econômicos e sociais do momento A liberdade individual em última análise é um problema psicológico e pesso al sem transcendência estatística Além disso o crime tem uma regularidade constante Tratase do postulado das relações constantes entre a criminalidade real aparente e legal existe uma relação invariável entre os delitos conhecidos e julgados e os delitos desconhecidos que são cometidos Surgia aqui a ideia das chamadas cifras negras que seria desenvolvida no século posterior Com base nesse pensamento Quetelet conclui que o único método adequado para a inves tigação do crime como fenômeno macrossocial é o método estatístico Devese à estatística a lei da saturação criminal segundo a qual o ambiente físico e social associado às tendências individuais hereditárias e adquiridas e aos impulsos ocasionais determina necessariamente relativo contingente de crimes36 Tais assertivas de Quetelet além de granjearem seguidores europeus como Guerry 18021866 também permitiram antecipar os métodos utilizados anos mais tarde pela Escola de Chicago Mesmo hoje poucos são os criminólogos que não se valem de métodos estatísticos para analisar os dados da criminalidade com os quais fazem o diagnóstico do problema e os prognósticos da devida intervenção preventiva ou repressiva Contemporâneos de Lombroso porém com visões distintas estão os fran ceses da Escola de Lyon Alexandre Lacassagne e Gabriel Tarde dentre outros Lacassagne 18431924 foi um importante professor de medicina legal em Lyon Responsável por estudos científicos específicos na área com aplicação de novas técnicas na identificação de cadáveres necropsia e também em balística que permitiram associar as balas às estrias da arma de onde provinha o tiro37 notabi lizouse por ser o mais ferrenho opositor das teorias italianas da Escola Antropo lógica liderada por Lombroso Segundo Lacassagne que se opõs pessoalmente a Lombroso no I Congresso Internacional de Antropologia Criminal Romal885 e também no li realizado quatro anos depois em Paris há dois fatores que influem 36 LYRA Roberto Introdução ao estudo do direito criminal p 31 37 Disponível em wwwpersowanadoofr wwwrndpdcorn Acesso em 01022002 I y I I f f l f 86 I CRIMINOLOGIA para o ato delituoso os predisponentes por exemplo os de caráter somático e os determinantes os sociais decisivos para o delito ser praticado A sociedade era uma espécie de meio de cultivo que abriga em seu seio uma série de micróbios que são os delinquentes os quais não se desenvolverão se o meio não lhes for propício Daí a ide ia segundo a qual maior desorganização social significaria maior criminalidade à menor desorganização corresponderia menor criminalidade sintetizada na frase cada sociedade tem o criminoso que merece Tal opinião é importante pois indica sr o meio social um caldo de cultura da criminalidade ao contrário do que afirmavam os seguidores da Escola Antropológica italiana As condições econômicas portanto jogam um papel definitivo é a miséria que produz o maior número de criminosos38 Contemporâneo de Lacassagne Gabriel Tarde 18431904 foi outro importante autor a permitir o desenvolvimento da perspectiva sociológicocriminal Agudo crítico da perspectiva lombrosiana jurista renomado e diretor de Estatística Criminal do Ministério da Justiça da França com atividade pioneira neste aspecto em toda a Europa teve participação ativa nas polêmicas contra a Escola italiana Também discordava das ideias de Emile Durkhei por entender não ser a criminalidade um fenômeno que pudesse ser classificado como normal 39 Polemista mordaz refuta com veemência as assertivas segundo as quais o criminoso possuía uma regressão atávica Afirma que isto o remeteria para um ser envolvido portanto com menor peso e estatura Segundo ele não é o que ocorre Anatomicamente o criminoso é em geral grande e pesado Não digo forte porque ao contrário é fraco de músculos Pela sua estatura e seu peso médio sobrepõese à média das pessoas honestas Seja como for sua capacidade média é bem superior à dos selvagens aos quais nosso autor como bom darwiniano se compraz em assimilálos 40 Quanto a Garofalo não deixa de refutar a ideia segundo a qual haveria mais homicídios no Sul da Itália e mais roubos no Norte Para ele não existia qualquer lei térmica da criminalidade razão pela qual são causas sociais e não físicas que poderiam explicar tais diferenças em termos estatísticos 41 Tarde afirmava que a escola do crime era a praça a rua onde crescem as crianças tal concepção veio influenciar poderosamente Sutherland principal autor da teoria da associação diferencial nos Estados Unidos Segundo ele há três leis chamadas Leis da Imitação A primeira 38 LANGON CuNARRO Miguel Criminologia cit p 3233 LYRA Roberto ARAúJO R oão Marcelo de Op cit p 4546 SENDEREY Israel Drapkin Op cit p 657 39 Disponível em wwwdroitpcaciteglobecom wwwmultimanicom Acesso em 01022002 40 TARDE Gabriel A criminalidade comparada p 1920 41 Op cit p 201 NASCIMENTO DA CRIMINOLOGIA I 87 delas permite dizer que o indivíduo em contato próximo com outros imitaos na proporção direta do contato que mantêm entre si Tarde diferenciava os contatos diferentes e rápidos que ele denomina de moda característicos da grande cidade e os contatos mais lentos e menores que ele denomina costume característicos do campo Por força dessa ideia ele acreditava ter a imprensa um papel central nos meios de comunicação e interação entre as pessoas propagando e potencializando essas imitações Sua segunda lei de imitação projetava a direção do processo o inferior imita o superior os jovens imitam os mais velhos os pobres imitam os ricos os camponeses imitam a realeza e assim por diante Isto permite às pessoas seguirem o modelo de maior status na esperança de que suas condutas possam garantirlhes uma recompensa associada àquele patamarsupelior social A terceira lei é a da inserção Se duas modas diferentes se superpõem a mais nova substitui a mais antiga Por exemplo o assassinato a facadas é substituído pelo executado com armas de fogo as drogas substituem o papel estimulador desempenhado no passado pelo álcool 42 Dentro dessa linha de pensamento sempre que existir um contato social deletério haverá criminalidade potencializada Todos esses autores tiveram grande importância na história da criminolo gia No entanto nenhuma escola ou pensamento como a Escola Antropológica italiana assim chamada na época ou o positivismo italiano nome hoje mais encontradiço liderado por Lombroso Ferri e Garofalo tiveram maior repercus são para a criminologia seja pelas polêmicas causadas seja pelo marco histórico representado É o que analisaremos a seguir não sem antes pincelarmos alguns pontos da criminologia clássica 23 O Iluminismo e as primeiras escolas sociológicas Os tempos modernos viram nascer essas correntes do pensamento filosófico jurídico em matéria penal e em criminologia a Escola Clássica e a Positivista Embora tenham se formado e distinguido uma da outra a ambas é subjacente o caldo de cultura iluminista A Escola Clássica caracterizase por ter pTOjetado sobre o problema do crime os ideais filosóficos e o ethos político do humanismo racionalista Pressuposta a racionalidade do homem haveria de se indagar apenas quanto à racionalidade da lei 42 WLLIAMS Gwens Gabriel Tarde and the imitation of deviance Disponível em www criminologyfsuedu Acesso em 01022002 j r ll f I T b I i JÍLA 88 CRIMINOLOGIA Embora o pensamento clássico de uma forma acabada possa ser identificado com o século XIX é com Cesare Bonesana Marquês de Beccaria que se fincam os pilares que permitiriam construir o arcabouço teórico do classicismo A investigação criminológica começa como tudo em ciência em uma busca do conhecimento racional e fundamentado É difícil afirmar que umz disciplina nasça do dia para a noite ou que seja obra de algum pensador iluminado ou ainda produto de uma publicação específica Podese afirmar que a busca do cpnhecimento científico sobre o fenômeno criminal é gestada por meio da concorrência de três circunstâncias que habitualmente acompanham o processo de investigação a colocação em dúvida das ideias antes dominantes a crítica da situação dos sistemas processuais a recessidãde crescente de comprovação do surgimento do novo paradigma da ciência a racionalidade O livro que abre as portas desse período vem a lume em 1764 Dei delitti e delle pene À exigência política de querer limitar o arbítrio e a opressão de um poder centralizado e autoritário somamse as exigências filosóficas do jusnaturalismo de Grócio e do contratualismo de Rousseau A necessidade de reafirmar a existência de um direito estranho e superior às forças históricas resultante da pópria natureza do homem imutável na essência ou ainda que fosse o produto de um livre acordo de vontades entre os seres racionais é que vai orientar tal pensamentoY Beccaria transportou essas aspirações e esses princípios filosóficos ao campo do direito penal e veio marcar o pensamento científico específico dessa ciência mas também da criminologia A rigor o que explica sua importância para o direito penal moderno não é a originalidade nem tampouco o conteúdo específico de sua obra Ele produziu uma síntese das ideias penais iluministas então em curso algumas das quais bastante antigas A concepção filosóficopenal de Beccaria foi a maior expressão da hegemonia aa burguesia no plano das ideias penais motivada pelas necessidades de transformações políticas e econômicas H Beccaria defendeu a existência de leis simples conhecidas pelo povo e obedecidas por todos os cidadãos Se a arbitrária interpretação das leis constitui um mal a sua obscuridade o é igualmente visto cnmo precisam ser interpretadas Tal inconveniente ainda acresce quando as leis não são escritas em língua comum 4 Para ele só as leis poderiam fixar as penas não sendo permitido ao juiz aplicar sanções arbitrariamente Defendeu o fim do confisco e das penas infamantes que recaem sobre a família do condenado como ainda o fim das penas cruéis e da capitaL O 43 BRUNO AníbaL Direito penal p 94 44 FREITAS Ricardo dz Brito A P Razão e sensibilidade fundamentos do direito penal mo demo p 145 45 BoNESAA Cesare Dos delitos e das penas p 19 I NASCIMENTO DA CRIMINOLOGIA i 89 rigor do castigo faz menor efeito sobre o espírito do homem do que a duração da pena pois a nossa sensibilidade é mais fácil e com mais constância atingida por uma impressão ligeira porém frequente do que por abalo violento porém passageiro 46 Para ele não era tão importante o rigor da lei mas a efetividade de seu cumprimento Foi dos primeiros a criticar de maneira acerba o sistema de provas que não admitia o testemunho da mulher e não dava atenção à palavra do condenado Lutou contra a tortura o testemunho secreto e os juízos de Deus pois tais métodos não permitiam a obtenção da verdade Nilo Batista com muita propriedade descreve a tortura no período medieval Se o suspeito não confessou nem contra ele se produziu prova plena como nas insuficientes combinações de boato mais uma só testemunha ou de indícios mais boato etc ou ainda se vacila em suas respostas um despacho raivoso para que não ofendas mais os ouvidos de teus juízes o encaminhará à tortura 47 Dos delitos e das penas inicialmente publicado sob pseudônimo teve acolhida surpreendentemente grande Nos anos seguintes Beccaria viaja à França para fazer uma série de conferências e acaba por disseminar suas ideias por toda a Europa Dos delitos e das penas é a pedra fundamental do direito penal liberal e da própria criminologia clássica razão por que também foi a maior fonte de críticas dos pensadores positivistas especialmente pelo radical mecanismo de racionalidade a que deveriam estar sujeitos os condenados e que já naquela época estava sendo submetido à prova Para p pensamento utilitarista a pena era uma forma de curar uma enfermi dade moral disciplinando o instinto dos pobres com prêmios e castigos em uma espécie de talião disciplinador Para a Escola Criminológica Clássica fundada no contratualismo de uma burguesia em ascensão a pena era a reparação do dano causado pela violação de um contrato o contrato social de Rousseau No di reito civil quando uma parte viola o contrato surge a reparação como resultado inevitável daquele descumprimento No direito penal de uma sociedade baseada metaforicamente nesse mesmo contrato não há como evitar a necessária reparação do dano por meio da pena Daí é que surgem penas certas e determinadas como decorrência dessa matemática reparatória fixa Essas medidas é que levarão os códigos iluministas como o Napoleônico e o Código do Império brasileiro de 1830 a impor as penas fixas48 O pensamento clássico tem representantes na Alemanha Feuerbach por exemplo em Portugal Mello Freire e em outros países europeus Rossi chegou 46 Op cit p 46 4 7 BATISTA Nilo Matrizes ibéricas do sistema penal brasileiroI p 265 48 ZAFFARONI Eugenio RaúL Criminologia cit p 114 u f t r 90 I CRIMINOLOGIA a naturalizarse francês É no entanto a Itália que tem os mais convictos adeptos dessa perspectiva penal São nomes de proa desse pensamento Filangieri 1752 1788 Pellegrino Rossi 17681847 Carmignani 17681847 Romagnosi 17611835 e Carrara 18051888 dentre outros Na realidade tais autores não agiam enquanto escola tendo somente alg11mas ideias em comum que poderiam assim ser sintetizadas especialmente a partir da obra do mais importante desses autores que foi Francescg Carrara o crime não é um ente de fato é um ente jurí dico não é uma ação é uma infração É um ente jurídico porque sua essência deve consistir necessariamente na violação de um direito Com tal pensamento queria se dizer que o crime é a violação do direito como exigência racional e não como norma de direito positivo em uma clara alusão ao pensamento contratualista Se o crime é uma exigência racional ele só pode emanar da liberdade de querer como um axioma fundamental para o sistema punitivo Advém daí o chamado livre arbítrio base da atribuição de uma pena proporcional e grande fonte de críticas por parte dos positivistas Para os clássicos a pena é uma retribuição jurídica que tem como objerivo o restabelecimento da ordem externa violada A pena como negação da negação do direito segundo Hegel ou o justiçamento do último assassino que se achasse na prisão caso a sociedade fosse se dissolver segundo Kant são exemplos de como a pena tinha como objetivo o restabelecimento da ordem externa leiase jurídica violada Evidentemente que o método de estudo subjacente a essa forma de pensar não poderia ser experimental mas sim o método lógicoabstrato ou o dedutivo O alheamento natural dos clássicos em função de suas ideias criou uma certa incapacidade explicativa de alguns fenômenos da época A começar pelo postulado da racionalidade pura capaz de supor uma homogeneidade absoluta de todos os homens no que toca aos processos pessoais biopsicológicos de mo tivação do ato delituoso Em contrapartida o suposto efeito dissuasório da pena não se mostrou efetivo não obstante os contraestímulos penais serem concretos Da mesma forma a aplicação rigorosamente igual da lei é impossível de ser alcan çada Há uma pluralidade de instâncias que se interpõem entre a abstração da lei I na concepção do legislador e sua aplicação concreta Na realidade a ideologia da burguesia em ascensão quando submetida às falências das expectativas otimistas I depositadas nas mudanças de paradigmas do capitalismo que não só não dimi nuíram a dimensão da criminalidade como ainda foram incapazes de entender o grave momento histórico e criminal decorrente da Revolução Industrial fez com que surgisse uma aguda considerável e irrespondível crítica em relação ao pensamento denominado clássico Foi exatamente nesse clima que surgiu a crítica positivista Independentemente de suas hipóteses explicativas serem ou nãc NASCIMENTO DA CRIMINOLOGIA I 91 adequadas também não se pode deixar de considerar a existência de um amplo flanco aberto às críticas deixado pelos clássicos Em 1876 mais de um século depo da publicação da obra de Beccaria Dos delitos e das penas o livro de Cesare Lombroso 18351909 L uamo delinquente é publicado inaugurandose com ele um novo período da criminologia denominado científico O trabalho com cerca de 200 páginas compreendia um exame sistemático somático sensorial anatômico de um grande número de criminosos ademais contemplava um estudo da alma costumes e paixões A comparação com os loucos e anormais e a conclusão de que os criminosos são uma espécie de loucos que reproduzem características próprias dos nossos avós até chegar aos animais são decorrências de centenas de comparações das feições dos criminosos49 Podese dizer que Lombroso foi produto de seu tempo Assim como Beccaria não foi um inovador enfeixando em sua obra o pensamento dominante da filosofia iluminista aplicada ao direito penal também Lombroso não foi um criador de uma novíssima teoria foi sim alguém que teve a capacidade de recolher o pensamento esparso que vicejava à sua volta para articulá lo de forma inteligente e convincente Se para o olhar dos nossos dias seu pensamento pode ser considerado um tanto quanto bizarrc suas ideias eram muito aceitas entre seus contemporâneos Lombroso emprestou algumas ideias dos fisionomistas para fazer seu próprio retrato do delinquente Examinava profundamente as características fisionômicas com dados estatísticos que verificava desde a estrutura do tórax até o tamanho das mãos e das pernas A quantidade de cabelo estatura peso incidência maior ou menor de barba enfim tudo era circunstanciadamente analisado Alguns detalhes eram verdadeiramente precisos Rugas frontais É verdadeiramente típico o modo de se apresentar a característica destas rugas em alguns criminosos ainda jovens São tão profundas que a fronte se apresenta em tais caos reiteradamente pregada ou com uma incisão como uma ferida proveniente de um corte 50 Adotou dezenas de parâmetros frenológicos para examinar as cabeças pesandoas medindoas e conferindo grande sentido científico nos estudos do criminoso nato Suas pesquisas envolviam tópicos como capacidade craniana capacidade cerebral circunferência formato diâmetro feição índices nasais detalhes da mandíbula fossa occipital diferente nos criminosos natos dados esses que eram distribuídos conforme a região da Itália Assim havia estudos de crânios estenocéfalos e sua relação geográfica com a Sicília e a Sardenha enquanto os oligocéfalos eram mais frequentes em outras 49 LOMBRoso Gina VidadeLombrosop l37138 50 LOMBROSO Cesare Luomo delinquente p 245 1 li I i I li f J f i 1 92 I CRIMINOLOGIA regiões 51 Dos antropólogos que lhe precederam Lombroso extraiu o conceito de atavismo e de espécie não evolucionada além de utilizar o conceito de criminoso nato Quanto ao atavismo por exemploseus estudos compreendiam até mesmo um cotejo das tatuagens existentes nos criminosos com os desenhos encontrados em cavernas préhistóricas do Egito Assíria Fenícia etc 52 Para Lombroso o criminoso era uma espécie de fóssil de um tempo passado o corpo estigmatizado remete para o horror do crime e para a suspensão na evolução que o conduziria à humanidade plenaY Pr derradeiro da psiquiatria emprestou a análise da degeneração dos loucos morais muito útil para construir seu pensamento e explicar a existência dos primeiros delinquentes É verdade que Lombroso também apresentou seu gênio criador O fator aglutinante do positivismo criminológico em torno de suas ideias decorreu em grande medida de ter sido ele o primeiro desses autores além de trazer seu pensamento como um todo articulado a fazer a defesa do método empíricoindutivo ou indutivoexperimental que era sustentado pelos seus representantes perante a análise filosóficometafísica eles que reprovavam na filosofia clássica O método indutivo ajustavase ao modelo causal explicativo que o positivismo propôs como paradigma de ciência Lombroso afirmava ser o crime um fenômeno biológico e não um ente jurídico como sustentavam os clássicos razão pela qual o método que deve ser utilizado para o seu estudo havia de ser o experimental indutivo Nunca é demais lembrar que suas pesquisas foram em grande parte feitas em hospitais manicômios e penitenciárias Lombroso afirmava ser o criminoso um ser atávico que representa a regressão do homem ao primitivismo É um selvagem que já nasce delinquente A causa da degeneração que conduz ao nascimento do criminoso é a epilepsia que ataca os centros nervosos dele Tais ideias surgem basicamente de duas experiências vivenciadas por Lombroso Ao autopsiar Villela assaltante calabrês verifica que este possuía uma fossa occipital igual à dos vertebrados superiores mas diferente do homo sapiens Aplica a teoria da degeneração de Benito Morei que o leva ao conceito de atavismo Mais tarde ao examinar os crimes de sangue praticados pelo soldado Misdea constata que o ataque epiléptico que causa convulsões podia ser substituído por impulsos violentos especialmente nas situações em que a pessoa fosse portadora da chamada epilepsia larvar Com isso passa a explicar os impulsos criminosos Assim lançamse as bases para a sua teoria básica atavismo degeneração pela doença e criminoso nato com certas 51 Op cit p 155 52 Op cit p 373 e ss 53 ARGRA Cândido direção A criminologia um arquipélago interdisciplinar p 49 I NASCIMENTO DA CRIMINOLOGIA I 93 características fronte fugidia assimetria craniana cara larga e chata grande desenvolvimento das maçãs do rosto lábios finos criminosos na maioria das vezes canhotos cabelos abundantes barba rala ladrões com olhar errante móvel e oblíquo assassinos com olhar duro vítreo injetado de sangue A mulher delinquente também tinha um capítulo especial em sua obra Desde os estudos comparados dos pesos dos crânios pelos diferentes continentes até suas diferentes medidas 54 Evidentemente que os resultados desses cotejos especialmente entre os sexos Illasculino e feminino enveredaram para temas pitorescos A principal inferioridade da inteligência feminina em relação à masculina diz respeito ao gênio criador Esta inferioridade se revela imediatamente nos graus mais altos da inteligência na falta do poder criador Se se considera a frequência do gênio dos dois sexos a superioridade do homem é notória em relação à mulher 55 O criminoso nato em ambos os sexos era considerado um espécime retardatário de formas que a humanidade já superara Existem tais formas em face da existência do atavismo em vista de certas anomalias anatômicas e psicológicas serem características desses criminosos Por ser o delinquente um subtipo humano seu estudo é prioritário estando a análise do criminoso acima do relevo que se possa atribuir ao estudo do crime abstratamente considerado Lombroso afirmava que o mundo circundante era motivo desencadeador de uma predisposição inata própria do sujeito em referência Ele não nega os fatores exógenos apenas afirma que estes só servem como desencadeadores dos fatores clínicos endógenos Para Lombroso o criminoso sempre nascia criminoso O positivismo lombrosiano é marcadamente de um determinismo biológico em que a liberdade humana o livrearbítrio é uma mera ficção Não é preciso falar muito dessa teoria para imaginar a quantidade torrencial de críticas a que foi submetida Censurase Lombroso por seu particular evolucionismo carente de toda base empírica Se for verdade que o criminoso era um selvagem involuído as tribos primitivas por ele denominadas de selvagens deveriam ter altos índices de criminalidade Não tinham Ademais encontrar alguns dos traços anatõmicos dos criminosos natos em pessoas tidas como normais era fato comum evidência que nem todos os delinquentes apresentam tais anomalias que pudessem amoldálos ao retrato do 54 55 Segundo Lombroso os crânios dos europeus possuíam em média uma capacidade de 136 7 gramas entre os homens e 1206 gramas para as mulheres na Oceania estes números eram de 1319 e 1219 respectivamente na América de 1308 e 1187 na Ásia de 1304 e 1194 na África de 1214 e 1111 Tais capacidades não eram diretamente proporcionais à estatura mas tinham explicação direta com a inteligência LoMBROSO C FERRERO G La donna delinquente la prostituta e la donna normale p 2122 Op cit p 114 li il tI I I r J 94 I CRIMINOLOGIA criminoso pintado pelos positivistas Também há de ser criticada a visão segundo a qual o criminoso é analisado exclusivamente por seus fatores biológicos Há centenas de milhares de epilépticos que jamais cometeram crimes mesmo sendo portadores de uma doença que ainda hoje só é controlada Portanto os fatores biológicos só poderiam ser admitidos se compatibilizados com os sociais Foi o que Ferri fez na defesa de seu mestre Como exemplo de utilização de um processo lombrosiano no Brasil po demos citar a obra de Boris Fausto intitulada de O crime do restaurante chinês carnaval futebol e justiça na São Paulo dos anos 30 Este livro retrata o caso de um quádruplo homicídio cuja responsabilidade foi atribuída a um exfuncionário de um restaurante chinês situado na Rua Wenceslau Brás centro de São Paulo nos idos de 1938 O acusado era um rapaz negro analfabeto e que migrara da cidade de Franca interior de São Paulo para tentar a vida na cidade grande À época São Paulo tinha um milhão e trezentos mil habitantes e já se desenhava o mosaico de culturas decorrente das várias correntes imigratórias Libaneses italianos espanhóis japoneses e tantos outros imigrantes já formavam colônias vivendo em grupos e morando em bairros distintos da capital paulista Na quarta feira de cinzas de 1938 os donos do restaurante chinês HoFung e Maria Akau foram encontrados mortos ao lado dos empregados o lituano José Kulikevicius e o brasileiro Severino Lindofo Rocha Foram eles agredidos violentamente provavelmente com algum instrumento contundente um pedaço de pau salvo Maria Akau que foi morta por asfixia A imprensa divulgou enfaticamente que o suposto assassino ou assassinos era pessoa de forte estrutura física por ser responsável por quatro mortes em série A polícia inicialmente não dispondo de elementos de convicção começou a investigação suspeitando de um membro da colônia chinesa que teria diferenças com os proprietários do restaurante No entanto por estar sendo criticada por sua ineficiência deu uma guinada no pro cesso investigativo passando a suspeitar de um exfuncionário negro de nome Árias Para tanto a autoridade policial chegou a ignorar um paletó de casimira de cor escura encontrado em um terreno baldio muito próximo ao local dos fatos bem como outras evidências 56 Árias era o suspeito perfeito Pessoa pobre com poucos recursos intelectuais migrante sem recursos para constituir defensor e principalmente negro O pensamento dominante da época baseavase na dou trina positivista Lombroso postulava que indivíduos com traços semelhantes aos do macaco tinham por atavismo inclinação à prática de crimes e para dar 56 FAUSTO Boris O crime do restaurante chinês carnaval haebol e justiça na São Paulo dos anos 30 São Paulo Companhia das letras 2009 p 47 I NASCIMENTO DA CRIMINOLOGIA I 95 coerência à teoria tratou de demonstrar o inato comportamento criminoso dos animais num dos capítulos de O homem delinquente Entre os estigmas ancestrais do homem semelhante ao macaco figuravam apeie escura o tamanho do crânio a simplicidade das suturas cranianas a ausência de calvície e outros 57 Pronto estavam dadas as condições para a atribuição da responsabilidade do crime ao negro delinquente Bastava apenas obter a confissão A partir do encontro do suspeito a polícia passou a ouvir todas as testemunhas induzindoas a externar suspeitas sobre Árias Ele não tinha um bom álibi pois passara toda a noite brin cando o carnaval Demais disso foi preso para interrogatório permanecendo isolado de qualquer contato com pessoas ou com seu defensor durante dias Foi submetido a todos os exames científicos da época antes de qualquer prova cons tituída para identificar seus desvios de personalidade A patologização do ato antissocial permitia que os testes de Rorschach58 bem como o dejungBleuler 59 fossem utilizados para mostrar os traços delinquenciais do suspeito 60 Enfim o quadro probatório foi desenhado com proficiência artística pela polícia Aquele que nunca fora suspeito de nada passou a sêlo de um quádruplo homicídio Mesmo sem violência física a confissão e todas as provas testemunhais foram obtidas suavemente Árias foi submetido a julgamento duas vezes pelo júri Em ambas foi absolvido A despeito de todo o empenho do Ministério Público para condenálo com a interposição de todos os recursos possíveis o acusado foi reconhecido inocente em duas oportunidades Sua existência no entanto já havia sido marcada por mais de 04 anos de cárcere algo que lhe prejudicaria a vida para o resto de seus dias Para obtenção de um simples emprego especialmente para alguém que não dispunha de recursos materiais ou intelectuais a passagem pelo cárcere foi decisiva Enrico Ferri 18561929 sucessor e continuador do pensamento de seu sogro foi um dos mais importantes pensadores de seu tempo Teve a difícil in cumbência de ser o grande orientador da escola na árdua polêmica que travou 57 Op cit p 104 58 Tais testes são acolhidos pela psicologia porém jamais são praticados antes de qualquer sentença condenatória porquanto poderiam macular o principiu da presunção de ino cfncia 59 Tratase de um teste abandonado pela moderna psicologia Funcionava com a associação de ideias O aplicador dava uma palavra p ex homicídio e aquele que era submetido ao teste normalmente o suspeito do crime era obrigado a rtlacionar a palavra dada a algo que lhe dissesse respeito no menor prazo possível Esse teste foi abandonado por induzir as pessoas a ele submetidas a relacionarem suas atitudes pessoais aos fatos delituosos que eram apurados pelas autoridades policiais 60 Op cit p 48 I I f I t r I 96 I CRIMINOLOGIA referente à reação dos clássicos A ele devem a criminologia e o direito penal se mais não for por se o criador da chamada sociologia criminal Diferentemente de Lombroso sua perspectiva de análise voltavase para as ciências sociais com uma compreensão mais larga da crimmalidade evitandose o reducionismo an tropológico do iniciador àa Escola Positivista italiana Dizia ele que o fenômeno complexo da criminalidade decorria de fatores antropológicos físicos e sociais Dentro desse sistema de forças condicionantes é que criará uma nova classificação dos criminosos supera na o os pensamentos anteriores ainda que dentro da pers pectiva positivista em sua fúria classificatória No entanto em sua classificação preponderam os fatores sociais Para ele que em sua tese doutoral La negazione de libero arbítrio e la teoria della imputabilitá critica o livrearbítrio como fun damento da imputabilidade a responsabilidade moral deve ser substituída pela responsabilidade social já que o livrearbítrio é uma mera ficção A razão e o fundamento da reação punitiva é a defesa social que se promove mais eficazmente pela prevenção do que pela repressão aos fatos criminosos A evolução das ide ias tirou aos povos a crença no ananhé f atum destino que no antigo Oriente e na civilização gretoromana se dizia dominar homens e deuses Mas tem porém muito diminuída e reduzida a crença póssocrática e sobretudo medieval na livre vontade que por si sóacima e contra as circunstâncias individuais e de ambiente se decide pela virtude ou o vicio a honestidade ou o crime Tanto mais que para os crentes não é possível no terreno lógico enquanto o é no terreno sentimental e místico conciliar esta livre vontade com os dogmas da predestinação e da onisci ência e onipotência divinas 61 Em sua renovada classificação Ferri visualiza cinco principais categorias de delinquentes o nato o louco o habitual o ocasional e o passional Nato era o criminoso conforme a classificação original de Lombroso Caracterizavase por impulsividade insita que fazia com que o agente passasse à ação por motivos absolutamente desproporcionados à gravidade do delito Eram precoces e incorrigíveis com grande tendência à recidiva62 O louco é levado ao crime não somente pela enfermidade mental mas também pela atrofia do senso moral que é sempre a condição decisiva na gênese da delinquência63 O delin quente habitual preenche um perfil urbano É a descrição daquele que nascido e crescido num ambiente de miséria moral e material começa de rapaz com leves faltas mendicância furtos pequenos etc até uma escalada obstinada no crime Pessoa de grave periculosidade e fraca readaptabilidade preenche um perfil que se amolda em grande parte ao perfil dos criminosos mais perigosos64 O delin 61 FERRI Enrico Sociologia criminale p 223 224 62 Op cit p 254 63 Idem p 255 64 Idem p 257 I NASCIMENTO DA CRIMINOLOGIA I 97 quente ocasional está condicionado por uma forte influência de circunstâncias ambientais injusta provocação necessidades familiares ou pessoais facilidade de execução comoção pública etc sem tais circunstâncias não haveria atividade delituosa que impelisse o agente ao crime No delinquente ocasional é menor a periculosidade e maior a readaptabilidade social e porque ele na massa dos autores de verdadeiros e próprios crimes representa a grande maioria que se pode computar aproximadamente na metade do total dos criminosos 6 Por derradei ro encontramos o criminoso passional categoria que inclui os criminosos que praticam crimes impelidos por paixões pessoais como também políticas e sociais Rafaele Garofalo 18511934 foi o terceiro grande nome do positivismo italianojurista de renome afirma que o crime sempre está no indivíduo e que e a revelação de uma natureza degenerada quaisquer que sejam as causas dessa degeneração antigas ou recenteslntroduz o conceito de temibilidade que sustenta ser a perversidade constante e ativa do delinquente e a quantidade do mal previsto que se deve temer por parte do mesmo delinquente Tal conceito foi decisivo para as formulações posteriores concernentes à intervenção penal propostas pelos positivistas a medida de segurança A temibilidade implicava a perversidade constante do delinquente bem como a quantidade de mal previsto que se deveria recear por parte do indivíduo perigoso configurandose a medida de segurança seu instrumento de contenção nascia a relação temibilidademedida de segu rança Com a análise dos exames que constatavam a inadaptabilidade social do delinquente bem como seu perigo social escolhiase na medida de tratamento o fim profilático a proteger a sociedade A temibilidade era a justificativa para a imposição do tratamento Unificava os fins de proteção social e tratamento alcançando a eficácia com a obstrução de novos delitos 66 Sua grande contribui ção criminológica no entanto foi a tentativa de conceber um conceito de delito natural Sua proposta básica era saber se entre os delitos previstos pelas nossas leis atuais há alguns que em todos os tempos e lugares fossem considerados puníveis A resposta afirmativa parece imporse desde que pensamos em atro cidades como o parricídio o assassínio com o intuito de roubo o homicídio por mera brutalidade 67 Seu conceito de delito natural passa a ser apresentado como a violação daquela parte do sentido moral que consiste nos sentimentos altruístas fundamentais de piedade e probidade segundo o padrão médio em que se encon 65 Idem p 258 66 FERRAR Eduardo Reale Medidas de segurança e direito penal no Estado Democrático de Direito p 2223 67 GAROFALO Rafaele Op cit p 34 f I t J I r I I t li í I I i 98 I CRIMINOLOGIA tramas raças humanas superiores cuja medida é necessária para a adaptação do indivíduo à sociedade68 Tal conceito influenciou inúmeros autores nacionais Cãndido Motta por exemplo ao escrever sobre o tema em 1924 em dissertação para o cargo de professor substituto da Faculdade de Direito de São Paulo adota a posição determinista da Escola Positivista italiana asseverando que E de fato quer se considere o crime como uma mera perturbação da ordem jurídica pela violação daquilo que a leiconvencional e escrita proíbe de o fazer quer como um fenômeno natural e necessário pela violação dos sentimentos fundamentais de piedade e probidade cujo conjunto forma o senso moral vemos coma observação e experiência de todos os dias que não é o crime que devemos combater porque a despeito de todo o esforço possível e imaginável ele subsistirá com esse caráter de fatalidade que caracteriza principalmente o mundo físico 69 O trabalho de Garofalo cuja importância foi reconhecida pelos inúmeros autores que o adotaram como referência paradigmática está grandemente influenciado pelo pensamento de Herbert Spencer Por tal razão conduz sua proposta penal por um profundo rigor acabandc por fazer com que venha propugnar pela eliminação de alguns criminosos por meio da pena de morte Superadas as diferenças pontuais entre os principais autores do positivismo algumas importantes ideias comuns podem ser identificadas entre eles O crime passa a ser reconhecido como um fenômeno natural e social sujeito às influências do meio e de múltiplos fatores exigindo o estudo da criminalidade a adoção do método experimental A responsabilidade penal é responsabilidade social por viver o criminoso em sociedade tendo por base a periculosidade A pena será pois uma medida de defesa social visando à recuperação do criminoso Tal me dida ao contrário do que pensavam os clássicos defensores da pena por tempo determinado terá denominação de medida de segurança e será por tempo inde terminado até ser obtida a recuperação do condenado O criminoso será sempre psicologicamente um anormal temporária ou permanentemente 24 Considerações críticas quanto aos marcos científicos da criminologia No primeiro momento da criminologia a ideologia dominante havia ins trumentalizado o saber por meio do paradigma do contrato Tal período coin cide com a ascensão da burguesia enquanto classe dominante Derrotado o antigo regime feita a Revolução Industrial e dado o maior passo para o de 68 Idem passim 69 M onA Cândido Classificaçdo dos criminosos introdução ao estudo do direito penal p 2829 I NASCIMENTO DA CRIMINOLOGIA I 99 senvohimento tecnológico de que até então se tivera notícia na história da humanidade vários problemas começaram a surgir A criminalidade cresce diretamente proporcional ao aumento da miséria A migração de milhares de camponeses para as grandes urbes cria problemas até então não vivenciados por uma sociedade monolítica e conservadora A solução deses problemas passa a demandar um novo paradigma Nasce o paradigma científico A ciência nasce para ridicularizar a ideia de contrato da mesma forma que ridicularizava os ve lhos argumentos teocráticos fundados na religiosidade dominante no período medieval 70 Este pensamento gestado nos países centrais traz suas influências para os países periféricos de maneira muito pronunciada Traz não só para o direito a medicina mas também para as artes e em especial para a literatura Tal perspectiva de pensamento foi dominante na Europa e na América Latina mas não teve grande influência nos Estados Unidos Lá vicejou o pensamento da Escola de Chicago que será detalhadamente examinada no capítulo subsequente surgido no início do século XX que via por exemplo nos movimentos migratórios e nas diferenças raciais não fatores negativos atentatórios à pureza da raça ou da cultura ao contrário considerava a migração essencialmente positiva especial mente para a sociedade Segundo tal ideia as forças que se mostraram decisivas na história da sociedade são as que se uniram por intermédio da competição do conflito e da cooperação71 Tobias Barreto por exemplo examinou o homem delinquente no livro Menores e loucos em direito criminal cuja primeira edição é de 1884 Embora o mestre de Recife não tenha aderido às ideias de Lombroso não deixa de aplaudir o golpe que o professor de Turim dá nos criminalistas metafísicos como Carrara Embora tenha vaticinado o fim do positivismo italiano não deixa de considerar importante tal contribuição e mesmo adotar algumas de suas ideias apesar de sua concepção humanista Refuta no entanto o pensamento conservador cri minal dos clássicos assumindo posição bastante heterodoxa o direito de punir é um conceito científico isto é uma fórmula uma espécie de notação algébrica por meio da qual a ciência designa o fato geral e quase quotidiano da imposição de penas aos criminosos aos que perturbam e ofendem por seus atos a ordem social H Para Roberto Lyra Tobias Barreto criticou tantos os clássicos com sua metafísica geografia do absoluto quanto os positivistas e os ecléticos a 70 ZAFFARONI Eugenio Raúl Criminologfa cit p 132 71 MELOSSI Dario A imigração e a construção de uma democracia européia Discursos sediciosos Crime direito e sociedade n 11 p 105 72 BARRETO Tobias Estudos de direito p 164 I I ti li 1 I l 100 I CRIMINOLOGIA metaistória a metapolítica Também aí foi genuíno precursor atirando a barra adiante com os concEitos mais largos do que os deles Exortou o criminalista a não se deixar arrastar pelo carro triunfal das ciências naturais ou atálas às asas de uma filosofia romanesca 73 Se aqui ele adere ao cientificismo positivista também refuta ideias desses pensadores a teoria romãntica do crimedoença que quer fazer da cadeia um simples apêndice do hospital e reclama para o delinquente em vez de pna o remédio não pode criar raízes no terreno das soluções aceitáveis Porquanto admitindo mesmo que o crime seja sempre um fenômeno psicopá tico e o criminoso simplesmente um infeliz substituída a indignação contra o delito pela compaixão da doença o pode público não ficaria por isso tolhido em seu direito de fazer aplicação do salus populi suprema ex esto e segregar o doente do seio da comunhão 74 No que concerne à mulher por exemplo menciona a sua propalada subjetividade e fraqueza com uma linguagem bastante candente mas o pouco mas muito pouco mesmo que nos é dado conhecer das riquezas e maravilhas desse país encantado inexploráveL que se chama a vida espiritual a subjetividade feminina autorizanos a induzir que ali as flores abrem cantando as aves brilham como estrelas e as estrelas deixamse colher como flores O que no homem é passageiro e ocasional o predomínio da paixão na mulher é per manente constitui a sua própria essência A roupa de festa das grandes emoções dos sentimentos elevados ela não espera os momentos solenes e dramáticos para vestila vestea diariamente O homem quando ama ainda tem tempo de trabalhar ou de dar o seu passeio ou de fumar o seu cigarro não assim porém a mulher que nesse estado não tem tempo de pensar em outra coisa senão no seu amor75 Na realidade vigorava naquele tempo uma concepção bastante preconceituosa quanto à mulher O livro de Lombroso e Ferrero sobre a mulher delinquente é marcante ao associar a mulher criminosa à prostituição O perfil destacado pelos referidos autores traduz um histrionismo verdadeiramente hila riante As mulheres são instintiva e surdamente inimigas entre si é em relação aos fracos e às outras pessoas de seu sexo que se exerce de preferência sua cruel dade Frequentemente a crueldade feminina toma uma forma epidêmica como acontece nas revoluções em que o furor feminino não conhece mais limites A mentira geral na humanidade atinge na mulher como na criança um máximo de intensidade Nela a mentira é fisiológica e estimulada por uma infinidade de causas fraqueza menstruação atavismo sugestionabilidaàe desejo de tornarse 73 Direito cit p 43 74 Idem p 166 75 BARRETO Tobias Menores e loucos em direito criminal p 6768 NASCIMENTO DA CRIMINOLOGIA I 1 o 1 interessante Duas mulheres são amigas entre si quando têm uma inimizade comum por uma terceira O gênio deserta a mulher mas ela é dotada de um real talento de imitação Incapaz de guardar um segredo confessa seus crimes com uma extrema facilidade É a necessidade de tagarelar de tornarse interessante que faz de toda mulher criminosa uma imprudente nata 76 Lombroso sobre o gênio desertado da mulher e sobre os diferentes índices de cri mina idade polemizou com inúmeros autores Gabriel Tarde refutou a ideia segundo a qual a mulher apresenta uma maior analogia com o homem primitivo e portanto com o malfeitor mas sua criminalidade não é inferior à do homem quando a prostituição aí vem se juntar Segundo ele a criminalidade das mu lheres é inferior à dos homens não obstante a prostituição Se nos algarismos da delituosidade feminina pretendemos inserir as cortesãs perguntome por que não inseriríamos nos algarismos da delituosidade masculina não somente os rufiões mas ainda os dissolutos os jogadores os bêbados os preguiçosos e os desclassificados de nosso sexo 77 As ideias classificatórias de Lombroso repercutem muito rapidamente no Brasil No Estado do Rio Grande do Sul o respeitado médico Sebastião Leão propõe ao Chefe de Polícia Borges de Medeiros a criação de uma oficina de identificação que poderia fazer os primeiros estudos antropométricos com base no pensamentos de Berthillon e as classificações dos detentos com respaldo no pensamento de Lombroso No final de 1895 o Correio do Povo noticiava que a montagem da oficina de antropometria estava autorizada e que Sebastião Leão seria seu responsável assumindo o encargo gratuitamente78 Ao longo dos anos Sebastião Leão examinou testou e classificou sua matériaprima a partir dos avanços da ciência de seu tempo Estabeleceu procedimentos elaborou quadros e tabelas registrou e valeuse da estatística para classificar Pode levantar todos os dados necessários com o material humano que encontrara na Casa de Correção de Porto Alegre que fora criada em 1855 Ele próprio chegou a mencionar dois anos depois de iniciado seus trabalhos classificatórios em 1897 que debaixo do ponto de vista que dirigi às minhas investigações acredito ser este o primeiro tentãmen levado a efeito no Brasil que eu saiba nenhuma tentativa proveitosa foi levada 76 DARMON Pierre Médicos e assassinos na Belle Époque p 63 no original de Lombroso escrito com G Ferrcro encontrase uma ampla descrição dos fatores femininos que permitem não admitir a mulher em juízo como debilidade menstruação senso de pudor desejo de tornare interessante sugestionabilidade etc Op cit p 9599 77 TARDE Gabriel A criminalidade cit p 65 78 PESAVENTO Sandrajatahy Visões do carcere p 4546 i i j i f I i I I t JPlrl I 102 I CRIMINOLOGIA a efeito por aqueles patrícios que se dedicam a tais estudos79 Embora não tenha produzido obra científica de fôlego era um estudioso que tinha informações sobre os grandes cientistas dentre eles Nina Rodrigues mencionandoo no relatório feito ao governo estadual no ano de 1897 assim corno nos que se sucederarn80 Outro importante autor brasileiro com influência da Escola Positiva foi Raimundo Nina Rodrigues Sua principal obraAs raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil publicada em 1894 mereceu um longo artigo de Lornbroso e Bruni no Archivio di Psichíatria de 1895 vol 16 p 281 e seguintes Nele os autores mostram corno Nina Rodrigues adaptou as ideias então em vigor às raças e climas locais chegando a ser taxado corno o apóstolo da antropologia criminal no Novo Mundo 81 Nesse trabalho Nina Rodrigues critica o ecletismo de Tobias Barreto e em particular suas posições quanto ao livrearbítrio Para ele o postulado da vontade livre corno base da responsabilidade penal só se pode discutir sem flagrante absurdo quando for aplicável a uma agremiação social muito homogênea chegada a um mesmo grau de cultura mental média 82 algo que evidentemente a seu juízo npo ocorria no Brasil Assume adernais urna posição racial em que diferencia as raças formadoras da nossa pátria com assertivas segundo as quais o negro é rixoso violento nas suas impulsões sexuais muito dado à embriaguez e esse fundo de caráter imprime o seu cunho na crirninalidade colonial atual 83 Chegou com base em argumentos sociológicos a sustentar a necessidade de pelo menos quatro códigos penais no Brasil 8 por considerar um erro ter um só código que não atende as diversidades raciais e regionais Para ele índios e negros não podiam ser contidos mediante o temor ao castigo e receio da violência pois absolutamente não teriam consciência de que seus atos pudessem implicar a violação de um dever ou o exercício de um direito daquilo que até então era para eles direito e dever85 O resultado do pensamento de Nina Rodrigues foi talvez urna espécie de racismo condescendente e paternalista que serviu de base para justificar diferenças de tratamento e de estatuto social para os diversos grupos étnicos presentes na sociedade brasileira Somente anos mais tarde tal discurso é desconstruído Com a aparição de CasaGrande Senzala em 1933 estava dada a partida para urna grande mudança no modo corno a ciência e o pensamento 79 Idem p 70 80 Idem p 73 81 CASTIGLIONE Teodolindo Lombroso perante a criminologia contemporanea p 280281 82 NINA RoDRIGUES As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil p 71 83 Idem p 161 84 LYRA Roberto Direito cit p 109 85 Op cit p 109 I NASCIMENTO DA CRIMINOLOGIA I 103 social e político brasileiros encaravam os povos africanos e seus descendentes híbridos ou não Gilberto Freyre 1933 ao introduzir o conceito antropológico de cultura nos círculos eruditos nacionais e ao apreciar de modo muito positivo a contribuição dos povos africanos à civilização brasileira representou um marco no deslocamento e no desprestigio que daí em diante sofreram o antigo discurso racialista de Nina Rodrigues e principalmente o pensamento da escola de medicina legal italiana ainda influente nos meios médicos e jurídicos nacionais 86 Pensamentos racistas foram dominantes por um longo período entre nós Afrânio Peixoto por exemplo foi um moderado crítico de Lornbroso embora tenha adotado muitas de suas ideias Baiano de nascimento foi catedrático de Higiene e Medicina Legal na Faculdade de Medicina e na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de janeiro onde organizou dirigiu e professou 0 primeiro curso de criminologia em moldes de pósgraduação 1932 87 Ferri a ele se referiu afirmando que tinha adesões pelo menos relativas ao pensamento positivista88 Afrânio Peixoto afirmava que os criminosos natos constituíam o tipo mais frisante o âmago das ideias positivistas Tal qual Garofalo defensor das diferenças e influências das raças nas decisões que levam as pessoas aos atos criminais89 o que o levou a defender a pena de morte para os criminosos Afrânio Peixoto foi defensor da eugenia Para prover a isso a eugenia a boa geração a boa criação que reúne e propaga depois de investigar para resolver os problemas biológicos da gestação para que se produzam seres sadios c válidos dotados de todas as qualidades requeridas a um perfeito exemplar humano É um mundo novo entrevisto e esperançado Renato Kehl tem sido aqui o paladino da causa aos seus livros documentados envio os estudiosos 90 Renato Kehl e Miguel Couto no Congresso Brasileiro de Eugenia em 1929 chegaram a insistir em medidas 86 GuiMARAES Antonio Sérgio Alfredo Racismo e antiracismo no Brasil p 6061 87 LYRA Roberto Direito cit p 111 88 CASTGLIONE Teodolindo Op cit p 284 89 É conhecida a maior persistncia do homicídio em algumas regiões da Espanha que têm um acentuado caráter de raça como Aragão e Andaluzia sucede o mesmo na Sicília em Nápoles em Roma na Córsega Na Áustria observouse que o homicídio é raro nas regiões de raça alemã e naquelas em que predominam os eslavos do Norte sendo pelo contrário frequente onde predominam os eslavos meridionais Para os outros crimes de sangue dáse aproximadamente o mesmo de sorte que pode afirmarse que na Áustria a raça se manifesta como um fator de indubitável eficácia nos crimes violentos E ainda na Alemanha as províncias em que como na Prússia oriental e ocidental os alemães se misturam aos eslavos e raça germânica é menos pura são aquelas em que os homicídios se realizam em maior número GAROFALO Rafaele Op cit p 313 90 PEIXOTO Afrânio Criminologia p 323 li I ti I I r 100 I CRIMINOLOGIA metaistória a metapolítica Também aí foi genuíno precursor atirando a barra adiante com os conceitos mais largos do que os deles Exortou o criminalista a não se deixar arrastar pelo carro triunfal das ciências naturais ou atálas às asas de uma filosofia romanesca 73 Se aqui ele adere ao cientificismo positivista também refuta ideias desses pensadores a teoria romântica do crimedoença que quer fazer da cadeia um simples apêndice do hospital e reclama para o delinquente em vez de pena o remédio não pode criar raízes no terreno das soluções aceitáveis Porquanto admitindo mesmo que o crime seja sempre um fenõmeno psicopá tico e o criminoso simplesmente um infeliz substituída a indignação contra o delito pela compaixão da doença o poder público não ficaria por isso tolhido em seu direito de fazer aplicação do salus populi suprema lex esto e segregar o doente do seio da comunhão 74 No que concerne à mulher por exemplo menciona a sua propalada subjetividade e fraqueza com uma linguagem bastante candente mas o pouco mas muito pouco mesmo que nos é dado conhecer das riquezas e maravilhas desse país encantado inexplorável que se chama a vida espiritual a subjetividade feminina autorizanos a induzir que ali as flores abrem cantando as aves brilham como estrelas e as estrelas deixamse colher como flores O que no homem é passageiro e ocasional o predomínio da paixão na mulher é per manente constitui a sua própria essência A roupa de festa das grandes emoções dos sentimentos elevados ela não espera os momentos solenes e dramáticos para vestila vestea diariamente O homem quando ama ainda tem tempo de trabalhar ou de dar o seu passeio ou de fumar o seu cigarro não assim porém a mulher que nesse estado não tem tempo de pensar em outra coisa senão no seu amor75 Na realidade vigorava naquele tempo uma concepção bastante preconceituosa quanto à mulher O livro de Lombroso e Ferrero sobre a mulher delinquente é marcante ao associar a mulher criminosa à prostituição O perfil destacado pelos referidos autores traduz um histrionismo verdadeiramente hila riante As mulheres são instintiva e surdamente inimigas entre si é em relação aos fracos e às outras pessoas de seu sexo que se exerce de preferência sua cruel dade Frequentemente a crueldade feminina toma uma forma epidemica como acontece nas revoluções em que o furor feminino não conhece mais limites A mentira geral na humanidade atinge na mulher como na criança um máximo de intensidade Nela a mentira é fisiológica e estimulada por uma infinidade de causas fraqueza menstruação atavismo sugestionabihdade desejo de tornarse 73 Direito cit p 43 74 Idem p 166 75 BARRETO Tobias Menores e loucos em direito criminal p 6768 NASCIMENTO DA CRIMINOLOGIA 101 interessante Duas mulheres são amigas entre si quando têm uma inimizade comum por uma terceira O gênio deserta a mulher mas ela é dotada de um real talento de imitação Incapaz de guardar um segredo confessa seus crimes com uma extrema facilidade É a necessidade de tagarelar de tornarse interessante que faz de toda mulher criminosa uma imprudente nata 76 Lombroso sobre o gênio desertado da mulher e sobre os diferentes índices de criminahdade polemizou com inúmeros autores Gabriel Tarde refutou a ideia segundo a qual a mulher apresenta uma maior analogia com o homem primitivo e portanto com o malfeitor mas sua criminalidade não é inferior à do homem quando a prostituição aí vem se juntar Segundo ele a criminalidade das mu lheres é inferior à dos homens não obstante a prostituição Se nos algarismos da delituosidade feminina pretendemos inserir as cortesãs perguntome por que não inseriríamos nos algarismos da dehtuosidade masculina não somente os rufiões mas ainda os dissolutos os jogadores os bêbados os preguiçosos e os desclassificados de nosso sexo 77 As ideias classificatórias de Lombroso repercutem muito rapidamente no Brasil No Estado do Rio Grande do Sul o respeitado médico Sebastião Leão propõe ao Chefe de Policia Borges de Medeiros a criação de uma oficina de identificação que poderia fazer os primeiros estudos antropométricos com base no pensamentos de Berthillon e as classificações dos detentos com respaldo no pensamento de Lombroso No final de 1895 o Correio do Povo noticiava que a montagem da oficina de antropometria estava autorizada e que Sebastião Leão seria seu responsável assumindo o encargo gratuitamente 78 Ao longo dos anos Sebastião Leão examinou testou e classificou sua matériaprima a partir dos avanços da ciência de seu tempo Estabeleceu procedimentos elaborou quadros e tabelas registrou e valeuse da estatística para classificar Pode levantar todos os dados necessários com o material humano que encontrara na Casa de Correção de Porto Alegre que fora criada em 1855 Ele próprio chegou a mencionar dois anos depois de iniciado seus trabalhos classificatórios em 1897 que debaixo do ponto de vista que dirigi às minhas investigações acredito ser este o primeiro tentãmen levado a efeito no Brasil que eu saiba nenhuma tentativa proveitosa foi levada 76 DARMON Pierre Médicos e assassinos na Belle Époque p 63 no original de Lombroso escrito com G Ferrero encontrase uma ampla descrição dos fatores femininos que permitem não admitir a mulher em juízo como debilidade menstruação senso de pudor desejo de tomarse interessante sugestionabilidade etc Op cit p 9599 77 TARDE Gabriel A criminalidade cit p 65 78 PESAVENTO Sandrajatahy Visões do cárcere p 4546 J I j f I t i ll f 102 I CRIM INOLOG IA a efeito por aqueles patrícios que se dedicam a tais estudos 79 Embora não tenha produzido obra científica de fôlego era um estudioso que tinha informações sobre os grandes cientistas dentre eles Nina Rodrigues mencionandoo no relatório feito ao governo estadual no ano de 1897 assim como nos que se sucederam80 Outro importante autor brasileiro com influência da Escola Positiva foi Raimundo Nina Rodrigues Sua principal obraAs raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil publicada em 1894 mereceu um longo artigo de Lombroso e Bruni no Archivio di Psichiatria de 1895 vol 16 p 281 e seguintes Nele os autores mostram como Nina Rodrigues adaptou as ideias então em vigor às raças e climas locais chegando a ser taxado como o apóstolo da antropologia criminal no Novo Mundo 81 Nesse trabalho Nina Rodrigues critica o ecletismo de Tobias Barreto e em particular suas posições quanto ao livrearbítrio Para ele o postulado da vontade livre como base da responsabilidade penal só se pode discutir sem flagrante absurdo quando for aplicável a uma agremiação social muito homogênea chegada a um mesmo grau de cultura mental média 82 algo que evidentemente a seu juizo no ocorria no Brasil Assume ademais uma posição racial em que diferencia as raças formadoras da nossa pátria com assertivas segundo as quais o negro é rixoso violento nas suas impulsões sexuais muito dado à embriaguez e esse fundo de caráter imprime o seu cunho na criminalidade colonial atual 83 Chegou com base em argumentos sociológicos a sustentar a necessidade de pelo menos quatro códigos penais no Brasil por considerar um erro ter um só código que não atende as diversidades raciais e regionais Para ele índios e negros não podiam ser contidos mediante o temor ao castigo e receio da violência pois absolutamente não teriam consciência de que seus atos pudessem implicar a violação de um dever ou o exercício de um direito daquilo que até então era para eles direito e dever85 O resultado do pensamento de Nina Rodrigues foi talvez uma espécie de racismo condescendente e paternalista que serviu de base para justificar diferenças de tratamento e de estatuto social para os diversos grupos étnicos presentes na sociedade brasileira Somente anos mais tarde tal discurso é desconstruído Com a aparição de CasaGrande Senzala em 1933 estava dada a partida para uma grande mudança no modo como a ciência e o pensamento 79 Idem p 70 80 Idem p 73 81 CASTIGLIONE Teodolindo Lombroso perante a criminologia contemporanea p 280281 82 NINA RoDRIGUES As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil p 71 83 Idem p 161 84 L YRA Roberto Direito cil p 109 85 Op cil p 109 I NASCIMENTO DA CRIMINOLOGIA I 103 social e político brasileiros encaravam os povos africanos e seus descendentes híbridos ou não Gilberto Freyre 1933 ao introduzir o conceito tntropológico de cultura nos círculos eruditos nacionais e ao apreciar de modo muito positivo a contribuição dos povos africanos à civilização brasileira representou um marco no deslocamento e no desprestígio que daí em diante sofreram o antigo discurso racialista de Nina Rodrigues e principalmente o pensamento da escola de medicina legal italiana ainda influente nos meios médicos e jurídicos nacionais 86 Pensamentos racistas foram dominantes por um longo período entre nós Afrânio Peixoto por exemplo foi um moderado crítico de Lombroso embora tenha adotado muitas de suas ideias Baiano de nascimento foi catedrático de Higiene e Medicina Legal na Faculdade de Medicina e na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de janeiro onde organizou dirigiu e professou o primeiro curso de criminologia em moldes de pósgraduação 193287 Ferri a ele se referiu afirmando que tinha adesões pelo menos relativas ao pensamento positivista88 Afrânio Peixoto afirmava que os criminosos natos constituíam o tipo mais frisante o âmago das ideias positivistas Tal qual Garofalo defensor das diferenças e influências das raças nas decisões que levam as pessoas aos atos criminais89 o que o levou a defender a pena de morte para os criminosos Afrânio Peixoto foi defensor da eugenia Para prover a isso a eugenia a boa geração a boa criação que reúne e propaga depois de investigar para resolver os problemas biológicos da gestação para que se produzam seres sadios e válidos dotados de todas as qualidades requeridas a um perfeito exemplar 1tumano É um mundo novo entrevisto e esperançado Renato Kehl tem sido aqui o paladino da causa aos seus livros documentados envio os estudiosos 90 Renato Kehl e Miguel Couto no Congresso Brasileiro de Eugenia em 1929 chegaram a insistir em medidas 86 GuiMARAEs Antonio Sérgio Alfredo Racismo e antiracismo no Brasil p 6061 87 LYRA Roberto Direito cit p 111 88 CASTIGLIONE Teodolindo Op cit p 284 89 É conhecida a maior persistencia do homicídio em algumas regiões da Espanha que têm um acentuado caráter de raça corno Aragão e Andaluzia sucede o mesmo na Sicflia em Nápoles em Roma na Córsega Na Áustria observouse que o homicfdio é raro nas regiões de raça alemã e naquelas em que predominam os eslavos do Norte sendo pelo contrário frequente onde predominam os eslavos meridionais Para os outros ctimes de sangue dáse aproximadamente o mesmo de sorte que pode afirmarse que na Áustria a raça se manifesta corno um fator de indubitável eficácia nos crimes violentos E ainda na Alemanha as provfncias em que como na Prússia oriental e ocidental os alemães se misturam aos eslavos e raça germânica é menos pura slo aquelas em que os homicfdios se realizam em maior número GAROFALC Rafaele Op cit p 313 90 PEIXOTO Afrânio Criminologia p 323 d 1 f fi I I r 1 li li 104 I CRIMINOLOGIA restritivas à entrada de mão de obra asiática no Brasil tendo a firme oposição de RoquetePinto que entendia que a questão brasileira era uma questão de higiene e não raciaL 91 Na verdade o termo eugenia eu boa genus geração criado pelo cientista britânico Francis Galton em 1883 teve alguma repercussão na esfera penaL A tentativa de proibição de casamentos interraciais as restrições que incidiam sobre alcoólatras epilépticos e alienados visavam segundo a ótica da época a um aprimoramento das populações Dessas medidas eugênicas às medidas penais eugênicas bastav dar um passo Francis Galton primo de Darwin achava que os seres humanos eram cria turas surgidas diretamente da natureza produtos que caíram da esteira rolante de uma imensa fábrica darwiniana consequência intelectual e moral da natureza não da formação Ele adotou essa crença determinista e em 1901 começou uma cruzada grandiosa um movimento que era como uma sociedade missionária com seus missionários que procediam com um entusiasmo para melhorar a raça O plano de Galton passou a chamarse eugenia92 Proibindo uniões eugenistica mente defeitucsas e promovendo a união de parceiros bemnascidos acreditava que o que a natureza faz de maneira cega lenta e impiedosa o homem deve fazer de modo previdente rápido e bondoso 93 Os pensamentos de Galton repercutiram nos Estados Unidos mais do que em qualquer lugar do mundo Em 1905 ambas as casas da legislatura na Pensilvãnia promulgaram uma Lei para prevenção da Imbecilidade vetada pelo Governador Samuel Pennypacker Em fevereiro de 1906 no entanto o Senado de Indiana mar ca a história da medicina ao tornarse a primeira jurisdição do mundo a legislar sobre a coerção de pacientes deficientes mentais dos moradores de seus asilos de pobres e de seus prisioneiros Já em 1909 três Estados americanos haviam ratificado a esterilização eugenista iniciada em 1906 O Estado de Washington visava aos criminosos contumazes e estupradores ordenando a esterilização como um castigo para a prevenção da procriação A Califórnia permitia a castra ção ou a esterilização de presos e crianças deficientes mentais Iowa permitia a cirurgia em criminosos idiotas deficientes mentais imbecis ébrios drogados epilépticos além dos pervertidos morais e sexuais9 4 Estado a Estado nasciam 91 Sc HWARCZ Lilia Moritz O espetáculo das raças cientistas instituições e questão racial no Brasil18701930 p 96 92 WRANGHAM Richard PETERSON Dale O macho demoníaco as origens da agressividade humana p 123 93 BLACK Edwin A guerra contra os fracos a eugenia e a campanha norteamericana para criar uma raça slperior p 63 94 BLACK Edwin Op cit p 134135 NASCIMENTO DA CRIMINOLOGIA 105 legislações eugenistas estabelecendo critérios semelhantes ainda que distintos para as práticas racistas da eugenia Em 2 de maio de 1927 em julgamento na Suprema Corte americana em decisão da lavra no Juiz O li ver Wendel Homes J r autorizouse a esterilização de Carrie Buck nos seguintes termos O Julgamento acolhe os fatos que foram declarados formalmente e que Carrie Buck é a mãe provável e potencial de descendentes inadequados igualmente afligidos que ela pode ser sexualmente esterilizada sem detrimento de sua saúde geral e que seu bemestar e o da sociedade serão promovidos por sua esterilização É melhor para todos no mundo que em vez de esperar para executar descendentes degene rados por crimes ou deixar que morram de fome por causa de sua imbecilidade a sociedade possa impedir os que são claramente incapazes de continuar a espécie O princípio que sustenta a vacinação compulsória é amplo o bastan e para cobrir o corte das trompas de falópio Três gerações de imbecis são suficientes 95 Em 1940 não menos de 35878 homens mulheres e crianças loucos criminosos e vagabundos tinham sido esterilizados A prática americana foi copiada por vários países europeus Em 1928 a primeira lei suíça de esterilização foi ratificada no Cantão de Vaud A Noruega promulgou sua lei de esterilização em 1934 só a revogando em 1977 A Suécia também promulgou sua lei autorizando cirurgias no ano de 1934 Não é difícil concluir de onde Hitler tirou suas leis nazistas que produziram esterilizações em massa de seus opositores A primeira lei foi decretada em 14 de julho de 1933 o Estatuto do Reich Parte I n 86 a lei para a Prevenção da Progênie Defeituosa Era uma lei de esterilização em massa e compulsória Alcançava deficientes mentais esquizofrênicos epiléticos surdos cegos alcoólicos dentre outros Seguiram em 1935 as famosas leis de Nuremberg que implicavam a exclusão e a incapacitação dos judeus para realizar contratos contrair matrimônio ou inclusive ter relações sexuais com pessoas da raça ariana que constitu1am um delito de ultraje à raça Rassenschande castigado com graves penas Em 1939 começou a aplicarse o Decreto emanado diretamente de Hitler para o extermínio de enfermos mentais e terminais nos manicômios e centros hospitalares e já em plena Guerra Mundial o Direito Penal criado especialmente para a Polônia começou a elaboração do Projeto de Lei de tratamento dos estranhos à comunidade com o que se preten dia dar fim à chamada questão social através também de medidas de extermínio físico e da esterilização dos associais 96 O Projeto de Lei sobre o tratamento de 95 Idem p 214215 96 Murloz CoNDE Francisco Edmundo Mezger e o direito penal de seu tempo estudos sobre o direito penal no nacionalsocialismo p 172 E f I t 11 106 I CRIMINOLOGIA Estranhos à Comunidade em sua versão de 17031944 que seria aplicado em todo o Reich e que teve a participação de Edmund Mezger em sua elaboração definia o estranho a comunidade como quem por sua personalidade ou forma de condução de vida especialmente por seus extraordinários defeitos de compre ensão ou de caráter é incapaz de cumprir com suas próprias forças as exigências mínimas da comunidade do povo E mais ainda quem por uma atitude de re chaço ao trabalho ou disoluta leva uma vida inútil dilapidadora ou desordenada e com isso molesta a outros ou à comunidade ou por tendência ou inclinação à mendicância ou vagabundagem ao trabalho ocasional Ou por derradeiro aquele que por sua personalidade ou forma de condução de vida revela que sua mente está dirigida à comissão de delitos graves 97 No século XIX não havia dúvidas de que as raças eram subdivisões da espé cie humana grosso modo identificadas com as populações nativas dos diferentes continentes caracterizadas por particularidades morfológicas tais como cor da pele formato do nariz grossura dos lábios e forma do crânio Na verdade a existência do racismo acompanha o homem O sentimento humano sempre foi o de tentar mostrar sua superioridade sobre os outros animais bem como de diferenciarse de outros homens tidos como inferiores Na Índia no Código de Manu o estrangeiro e o pária não tinham equivalência legal Em hindu casta é baru palavra que significa cor o que demonstra possivelmente alguns sen timentos racistas98 De outra parte o Talmud do povo hebraico transborda sua milenar sabedoria ao advertir o homem sobre a virtude da humildade O homem não deve se sentir orgulhoso ou enaltecido sobre as demais coisas pois se ele foi criado por Deus no sexto dia do processo de criação o mosquito foi criado antes dele A Bíblia nos ensina que Moisés libertador dos hebreus teve contra si murmúrios de repreensão e desaprovação de Aarão e Maria por causa da mulher etíope com quem casara Num 12 1 A compensáção divina foi a de restaurar a justiça até de forma irõnica pois Maria foi ferida por uma lepra branca como a neve Num 12 10 No entanto como acontece com a maioria dos fenômenos humanos somente I a partir da verdadeira fúria racional iluminista é que o homem autopromovido ao centro das relações humanas passa a querer racionalizar todas as coisas utilizandose de um método que o conduz à ciência para que possa explicar os fenômenos humanos que vivenciara por séculos e que somente a intuição fora 97 Idem p 118 98 GARCiA ANDRADEjosé Antonio La xenofobia y el crimen Cuadernos de Política Criminal n 54 NASCIME NTO DA CRIMINO LOGIA I 107 capaz de fazer aflorar em períodos anteriores Como doutrina o racismo surge no mundo com Gobineau em 1856 com o trabalho Sobre a desigualdade das raças humanas oportunidade em que se exalta a raça branca e se prenuncia por causa da mestiçagem a decadência da civilização99 Para Gobineau o resultado da mistura é sempre um danojá que os caracteres fixos existentes nas diferentes raças determinam a necessidade de perpetuação dos tipos puros 100 na realidade Gobineau não teve tanto impacto no contexto europeu de finais do século XIX vindo a ser recuperado nos anos 30 do século XX exatamente no momento an terior à Segunda Grande Guerra Não é por outra razão que os positivistas mais radicais adotando posições claramente racistas propuseram a extinção ou no mínimo a neutralização da subraça criminal encarnada pela figura lombrosiana do criminoso nato Parece difícil não concordar com Françoisjacob prêmio Nobel de Biologia quando afirma que o conceito de raça é para nossa espécie não operacional o que significa dizer que não existe raça branca ou negra no entanto convivemos muito tempo com o racismo apesar de não existirem meios científicos que consigam demonstrar a presença de diferentes raças no seio da espécie humana Tais estudos eugênicos repercutiram no Brasil produzindo uma cultura racista aqui não dissimulada em que negros e brancos passam a ser declarados distintos por sua condição de raça O importante estudioso do direito penal e da criminologia autor que influenciou um semnúmero de seguidores no Brasil Raimundo Nina Rodrigues com grande naturalidade afirmava que o crité rio científico da inferioridade da raça negra nada tem de comum com a revoltante exploração que dela fizeram os interesses escravistas dos norteamericanos Para a ciência não é essa inferioridade mais do que um fenômeno de ordem perfeita mente natural produto na marcha desigual do desenvolvimento filogenético da humanidade nas suas diversas divisões ou seções E mais adiante arrematava o estudo das raças inferiores tem fornecido à ciência exemplos bem observados dessa incapacidade orgânica cerebral 101 Ponderese que a existência de manifestações de cunho racista correu o mundo e o racismo foi dominante por um largo período Renê Resten membro da Sociedade Internacional de Criminologia e professor da Universidade de Poitiers citando o professor americano Earnest A Hooton destacava que inúmeros pes quisadores haviam demonstrado que o fator determinante raça era preponderante 99 CARVALHO Pedro Armando Egydio de Racismo Revista Brasileira de Citncias Criminais 11 21 p 413 100 ScHWARCZ Lilia Moritz Op cit p 64 101 NINA RoDRIGUES Raimundo Op cit p 5 e 51 respectivamente 4 lf i f t 1 J I I I 108 I CRIMINOLOGIA para o cometimento do crime Os mediterrâneos praticam mais homicídios os nórdicos são falsários e autores de furto sem violência os moradores dos Alpes praticam furto com escalada moradores do báltico atentam contra os costumes com ou sem violência Sob o ponto de vista da estética constitucional e da diferenciação tipológica tais criminosos eram inferiores a seus congêneres não delinquentes 102 O pensamento determinista da época sugeria três distintas teses respaldadas nos ensinamentos de uma antropologia de modelo biológico A primeira tese afir mava a realidade das raças dizendo existir uma distância entre os homens assim como existia entre o cavalo e o asno criticandose pois o cruzamento racial A segunda máxima instituía uma continuidade entre caracteres físicos e morais de tal fom1a que a divisão racial corresponderia a uma divisão reproduzida cultural mente O terceiro aspecto aponta para a preponderância do grupo étnico no com portamento do sujeito conformandose com uma doutrina de psicologia coletiva ou biologicamente determinada hostil à ideia do livrearbítrio do individuo 103 A impodãncia do racismo para o direito penal e evidentemente para a própria criminologia pode ser verificada pelo simples fato de que nos anos 40 vinte e sete dos quarenta e oito Estados norteamericanos autorizavam ou impu nham medidas de castração ou de esterilização de loucos e delinquentes sendo a primeira dessas leis do Estado de Michigan Na democrática Suíça em 1928 estabeleceuse a esterilização de oligofrênicos e psicóticos determinação que no ano seguinte foi estendida aos morfinômanos Na Alemanha desde os idos de 19331934 havia normas autorizadoras de castração de delinquentes sexuais e degenerados Iguais disposições existiram nos países nórdicos Finlândia e nos países bálticos 104 O regime franquista permitiu florescer na Espanha uma psiquiatrização dos oposicionistas republicanos Antonio Vallejo Nágera 1889 1960 defendeu a associação do fanatismo marxista à doença mental De suas pesquisas sobre a disposição constitucional ao marxismo concluía que havia íntimas relações entre o marxismo e a inferioridade mental e sobretudo que a segregação desses sujeitos desde a infância poderia liberar a sociedade dessa praga terrível 105 Na Argentina por exemplo Francisco de Veyga recomendava de maneira asséptica uma medida de caráter higiênico destinada a evitar a procriação de seres indesejáveis e a prevenir de forma definitiva a concepção 102 RESTEN René Caracteriologta de criminal p 17 103 SCHWARCZ Lilia Moritz Op cit p 60 104 lAFFARON1 Eugenio Raúl Criminologia cit p 156 105 ZAFFARON1 Eugenio Raúl La palabra de los muertos pl3l I NASCIMENTO DA CRIMINOLOGIA I 109 de indivíduos delinquentes idiotas amorais que podem por seus defeitos físicos dar lugar a uma prole enferma e influir nocivamente sobre o porvir da raça 106 Mesmo Ingenieros não pôde escapar ao clima intelectual e político de sua época o que explica sua adesão a alguns aspectos da criminologia positivista e concretamente à concepção do criminoso como um indivíduo caracterizado por limitações degenerativas por defeitos psicológicos107 Também de uma ma neira indireta o grande autor da Criminologia argentina do período defendia medidas bem ao gosto de radicais positivistas impõese evitar que certos gru pos sociais encaminhem a outros sua população criminosa é indiscutível que cada Estado deve preocuparse com o saneamento do seu ambiente mediante uma defesa social bem organizada e não remetendo para outros os seus baixos fundos degenerativos e antissociais 108 Tal pensamento racista fundado em raízes biológicas ainda contempo raneamente tem muitos defensores A busca da base genética da criminalidade nunca arrefeceu A geneticista escocesa Patríciajacobs no ano de 1965 cons tatou que um número significativo de criminosos era portador de uma anomalia genética ligada à existência de um cromossomo supranumerário o cromossomo Y Estes indivíduos do sexo masculino em vez de serem portadores da fórmu la XY tinham um cariótipo XYY o que levava o portador da anomalia a uma condição de supermacho com atitudes indicativas de mais violência do que as praticadas por pessoas normais Estava ressuscitada a discussão pela desco berta do cromossomo assassino Tais estudos foram realizados em internos de manicômios judiciais escoceses Essa conclusão baseouse na ideia de que o cromossomo Y caracteriza o homem e se for duplicado a sua masculinidade também seria duplicada prevalecendo portanto os comportamentos mais agres sivos Posteriormente essa pesquisa não obteve mais efeito visto que a preva lência de homens portadores dessa formação cromossômica nas instituições penais não era maior do que nos homens pesquisados na população em geral 109 Somente em 1972 em um colóquio organizado pelo Instituto de Criminologia da Universidade de Cambridge vários participantes do evento demonstraram que os indivíduos XYY só têm em comum a altura a miopia e a calvície precoce 106 Idem p 156 107 DEL ÜLMO Rosa Criminologia argentina apuntes para su reconstrucción histórica p 36 108 lNGEN1EROSosé Criminologia p 190191 109 Z1MMERMANN Egberto Criminologia e natureza humana possíveis contribuições da psicolo gia evolucionista para o estudo da criminalidade Dissertação apresentada ao programa de PósGraduação da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de janeiro corno requisito para a obtenção do titulo de Mestre em Direito Penal Rio de janeiro 2010 p 86 1 I il i l j I rr t 110 I CRIMINOLOGIA Todas as pesquisas abordavam a falta de importância do cariótipo para efeitos de produção de criminalidade 110 É de se observar que a despeito de sucessivas incursões americanas na área ainda não se logrou êxito em conseguir demonstrar uma causa de criminalidade por determinismos biológicos Segundo alguns tratase de um campo emergente a moderna neurociência social que congrega a neurologia psicologia social biologia genética e psiquiatria com objetivo de analisar as mudanças do indi víduo na sociedade No entanto tais estudos ainda não foram bem articulados a ponto de poderem concluir qualquer relação de causa e efeito entre características genéticas e criminalidade 111 Ainda dentro de uma perspectiva biologicista do crimee especialmente em relação aos crimes de massa homicídio em massa praticados por agentes estatais como grandes massacres realizados a mando de dirigentes de países com limpeza étnica motivação religiosa etc Zaffaroni também afirma que não há prova de que a violência seja um fatalismo biológico Para ele não podería mos pensar qtte a persistência desse fenômeno corresponde a razões biológicas ou seja devese a uma falha genética que leva à violência e a autodestruição Finaliza com a tese de que a perspectiva atual do homicídio em massa inclui a possibilidade de extinção da vida do planeta pois no passado esse homicídio atingia um número considerável de pessoas hoje é possível que atinja a todos 112 mas sempe destacando que a ocorrência desse crime não tem como causa um fator biológico mas sim fatores sociais tecnológicos culturais e econômicos de cada sociedade Outro tipo de estudo biológico referente ao caráter genético do criminoso é o realizado em serial hillers A definição para esse tipo de criminoso segundo Ilana Casoy são indivíduos que cometem uma série de homicídios durante algum período de tempo com pelo menos alguns dias de intervalo entre esses homicídios O intervalo entre um crime e outro os diferencia dos assassinos de massa indivíduos que matam várias pessoas em questão de horas 113 A questão suscitada pela autora é a seguinte serial hillers são loucos ou cruéis A questão da insanidade é relacionada à capacidade do criminoso em saber ou não se a sua ação foi correta ou errada Segundo a pesquisa feita pela autora 110 DARMON Pierre Op cit p 283 111 RAFTER Nicole The criminal brain understandig biological theories of crime p 224 112 ZAFFARONl Eugenio Raúl Crtmrnes de masa CiudadAutónoma de Buenos Aires Ediciones Madres de Plaza de Mayo 2010 p 5758 113 CASOY Ilana Serial Killer louco ou cruel 8 ed São Paulo Ediouro 2008 p 18 NASCIMENTO DA CRIMINOLOGIA lll somente 5 dos serial hillers estavam mentalmente doentes no momento de seus crimes 114 Em relação aos fatores genéticos existem serial hillers que têm um cro mossomo feminino extra YXX os que têm um cromossomo Y a mais XYY e os que não têm nenhuma anomalia genética No entanto para os que têm um cromossomo extra X ou Y não restou comprovado que essa anomalia genética transformaria o indivíduo em um criminoso Embora muitos cien tistas tenham estudos sobre o crime e a biologia não existe quaisquer provas sobre a existência de um gene criminoso 115 Nesse sentido Rafter também aponta inúmeros estudos relacionados entre a genética e o crime No entanto esses estudos não comprova ram cientificamente a relação entre as características comuns apresentadas pelos individuas que possuíam um cromossomo extra e a violência apresentada por esses individuos116 Será que tal prática corriqueira no passado entronizada no pensamento científico foi banida do nosso cotidiano Contemporaneamente o racismo tem sido identificado por inúme ros estudos de diferentes fontes São os cruzamentos de dados que envol vem analfabetismo média de salário percebida por brancos e negros nú mero de negros que têm acesso à Universidade disparidade dos índices de mortalidade infantil diversidade dos dados no que concerne a quantos são mortos em confronto com as polícias estaduais questões políticas 117 114 CASOY Ilana Op cit p 35 115 Idem p 3536 I 16 RAFTER Nicole The criminal brain understandig biological theories o f crime New York New York University Press 2008 p 22 7 117 Logo após a eleição de Dilma Roussef a discussão sobre a distribuição geográfica dos votos veio à tona devido a uma possível manifestação de racismo fita por uma estu dante de direito Mayara Petruso em uma página do facebook na qual supostamente convocava os paulistas a afogarem os nordestinos O tema foi objeto de discussão em um artigo da Folha de São Paulo intituiado Em defesa da estudante Mayara por Janaina Conceição Paschoal Nesse artigoJanaina reconhece e frase infeliz feita pela estudante de direito No entanto defende a ideia de que a estudante não devetia ser crucificada como paulista racista pois o cerne da campanha eleitoral teria sido a oposição entre as duas regiões O artigo foi publicado no dia 12112010 e encontrase disponível no site da Folha de São Paulo link www lfolhauolcombrfspopiniaofz 1211201007 htm acessado em 07122010 Não há que se concordar com a opinião da articulista posto que a Presidenta Dilma teve maioria de votos no Sucleste região mais populosa do país o que prova que o argumento não se sustenta nem mesmo geograficamente Também por outros argumentos sociológicos parece não poder se acompanhar a opinião da defensora daquela jovem mas esta discussão refugüia aos limites deste trabalho J I fi ti j l 112 I CRIMINOLOGIA etcus Mas parece que mesmo hoje os operadores do direito não se convenceram disso Lilia Schwarcz tem curiosa observação sobre o tema Diz que quando pes quisas são feitas junto à população em geral chegase à seguinte perplexidade pergunta a Você é preconceituoso 99 das pessoas responderam não b Você conhece alguém preconceituoso 98 das pessoas responderam sim Pode parecer que tais práticas não produzam consequências no âmbito do judiciário Ledo engan O próprio IBCCrim já fez uma pesquisa constatando tal fato 119 Na realidade mesmo em finais do século XIX em uma visão desapaixonada do problema já seriam perfeitamente demonstráveis as situações estranhas vi vendadas pelos cientistas lombrosianos e as diferentes correntes que discutiam o problema sob a perspectiva da craniometria e da frenologia No início do mês de julho de 1889 os parisienses participavam junto com dezenas de delegações estrangeiras de um encontro comemorativo do centenário da Revolução Francesa Todas assumidades europeias em matéria de medicina legal antropologia criminal bem como muttos alienistas estavam presentes Alexandre Lacassagne da Escola de Lyon o antropólogo Topinard o vienense Benedikt o sociólogo e jurista Ferri assim como o principal nome do encontro Cesare Lombroso A delegação de sábios visitava o pavilhão das ciências antropológicas quando o mestre de Turim estanca diante do crânio de Charlotte Corday Lombroso toma o crânio do anjo do crime e passa a dissetar sobre suas característkas anatômicas este crânio é muito rico em anomalias Ele é platicéfalo característica mais rara nas mulheres que nos homens Tem uma apófise jugular muíto proeminente uma capacidade média de 1360 gramas em lugar de 133 7 gramas que é a média uma saliência temporal muito acentuada uma cavidade orbital enorme e maior à direita que à esquerda Tem enfim este crânio anormal uma fosseta occipital Tratase de anomalias patológicas e não de anomalias individuais Eu não penso assim obje tou o antropólogo Topinard tratase de um belo crânio Ele é regular harmônico tendo todas as delicadezas e as curvas um pouco fracas mas corretas dos crânios 118 Alguns desses dados podem ser verificados em SHECAIRA Sérgio Salomão CoRREAjR Alceu Teoria da pena São Paulo RT 200 2 p 410 e ss 119 Os resultados da pesquisa são incontestáveis em apontar a maior punibilidade para negros tanto se considerarmos a sua progressiva C3ptação e manutenção pelo sistema mais condenados do que indiciados como se levarmos em conta a categoria prisão no processo além de serem mais prtsos em flagrante do que indiciados por portaria como a mioria branca seus processos correm num prazo menor o que é indicativo de maior incidência de prisão processual LllIA Renato Sérgio de et ai Raça e gênero no funcionamento da justiça criminal p 4 I NASCIMENTO DA CRIMINOLOGIA I 113 femininos É pequeno com uma boa capacidade média e um belo ângulo facial O vienense Benedikt interveio como mediador É verdade que esse crânio apresenta maxilar de tamanho exagerado e muitas outras anomalias Mas essas anomalias podem transmitirse por hereditariedade tendo perdido sua significação de outrora 120 A discussão entre os cientistas ganhou corpo após o colóquio Topinard escreve um artigo intitulado Ensaios de craniometria a propósito do crânio de Charlotte Corday publicado em 1890 Três meses mais tarde Benedikt responde ao artigo do antropólogo francês com seu Estudo do crânio de Charlotte Corday Em 1892 Lombroso redarguiu aos polemistas com um novo estudo do tema em seu livro As novas aplicações de antropologia criminal A polêmica esquentara O que ninguém sabia é que cerca de cinco anos depois se descobrira que por um grave engano tal peça anatõmica que havia suscitado tantos argumentos e na qual Lombroso pego na armadilha de suas próprias ideias vira o arquétipo do crânio criminalóide não era o crânio da chamada virgem normanda O crânio havia sido trocado A polêmica criada com base na falsa relíquia por si só já ilustrava a ambiguidade do pensamento positivista 121 Também curiosas eram as classificações cerebrais conforme seu peso A ideia dominante era relacionar a inteligência ao peso do encéfalo As grandes inteligências da época tinham supostamente cérebro mais pesado que aqueles seres involuídos dentre os quais estavam os delinquentes e as mulheres O Pro f Mathiega de Praga chegou a estabelecer uma interessante escala desses pesos relacionandoos à categoria socioprofissional o cérebro de um trabalhador agrí cola pesava em média 1400 gramas o de um operário artífice 1433 o de um zelador de prédio 1436 o de um mecânico 1450 de um homem de negócios de um funcionário público e de um fotógrafo 1468 de um médico 1472 e por fim de um professor 1500 122 Tal classificação não foi por ninguém contestada Sabiase que isso era uma verdade tão absoluta quanto a deficiência intelectual feminina decorrer do menor peso de seu encéfalo 1275 gramas contra os 1400 gramas dos crânios masculinos Morto Lombroso em 18101909 criouse uma certa ansiedade quanto ao peso cerebral daquele que concebera as mais criativas teorias científicas que deram ensejo ao positivismo Seu cérebro após a ne cropsia constatouse ter um peso bastante medíocre 1308 gramas muito mais próximo de cérebro feminino do que masculino 123 120 DARMON Pierre Op cit p 1314 121 Idem p 1516 122 Idem p 31 123 DARMON Pierre Op cit p 39 J i f l t i j IF r L 114 I CRIMINOLOGIA A recepção das teorias científicas deterministas produziu transformações em várias esferas do conhecimento não só no direito e mais especificamente no direito penal não podendo deixar de ser mencionada a esfera da literatura 12 Nas obras literárias floresceram muitos exemplos das transformações trazidas pelo pensamento determinista representado na criminologia pela Escola Positivista italiana Tal qual os positivistas nutriam ódio víscera pelos clássicos o literatos da vertente realista e sua visão mais extremada os naturalistas nutriam antipatia feroz contra o romantismo A sociedade idealizada pelos clássicos coincide com o pensamento sublimado dos românticos Da mesma forma a crítica científica dos positivistas refletese também na visão darwinianamente superior dos de terministas realistas e naturalistas 125 Nunca é demais ressaltar que algumas das tendências mais vivas da estética moderna estão empenhadas em estudar corno a obra de arte plasma o meio cria o seu público e as suas vias de penetração Ou no dizer de Antonio Candido Para o sociólogo moderno ambas as tendências tiveram a virtude de mostrar que a arte é social nos dois sentidos depende da ação de fatores do meio que se exprimem na obra em graus diversos de sublima ção e produz sobre os indivíduos um efeito prático modificando a sua conduta e concepção do mundo ou reforçando neles o sentimento dos valores sociais Isto decorre da própria natureza da obra e independe do grau de consciência que possam ter a respeito os artistas e os receptores de arte 126 A concepção vigente antes da Escola Positiva italiana representada pelo pensamento da Escola Clássica coincide com o papel desempenhado pelo romantismo em nossa formação histó rica em oposição ao pensamento realistanaturalista O pensamento nacionalista de nossa formação culturalliterária foi associado à existência de uma literatura indígena autenticamente nossa que a não ter sido sufocada pelo colonizador teria desempenhado o papel formador que coube à portuguesa Não se pode deixar de lembrar que uma das fases do romantismo brasileiro foi a da corrente indianita seguramente influenciada pelo mito do bom selvagem de Rousseau Daí a concepção passou à crítica naturalista e dela aos nossos dias levando a conceber a literatura como processo retilíneo de abrasileiramento por descoberta 1 da realidade da terra ou recuperação de uma posição idealmente préportuguesa 124 Não se pode deixar de mencionar a assertiva dejules Michelet quando ressaltava Ai daquele que tenta isolar um ramo do saber de outro Toda citncia é una linguagem literatura e história física matemática e filosofia assuntos que parecem os mais distantes um do outro são na realidade interligados ou melhor todos formam um único sistema WILSON Edmund Rumo d estação Finlãndia p 11 125 ScHWARcz Lilia Moritz Op cit p 151 126 CANDIDO Antonio Literatura e sociedade p 19 NASCIMENTO DA CRIMINOLOGIA 115 quando não antiportuguesa Resultaria uma espécie de espectro grama em que a mesma cor fosse passando de tonalidades esmaecidas para as mais densamente carregadas até o nacionalismo triunfal dos indianistas românticos 127 Vejam se a propósito alguns destaques literários de interesse para a abordagem penal A temática criminal aparece idealizada no romantismo indianista A descrição quejosé de Alencar faz de Iracema ao atingir Martim é paradigmática Iracema a virgem dos lábios de mel tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e o sorriso mais doce que o favo da jati Ao avistar um guerreiro estranho ela o ataca Foi rápido como o olhar o gesto de Iracema A flecha embebida no arco partiu Gotas de sangue borbulham na face do desconhecido De primeiro ímpeto a mão esta caiu sobre a cruz da espada mas logo sorriu O moço guerreiro aprendeu na religião de sua mãe onde a mulher é símbolo de ternura e amor Sofreu mais dalma que da ferida O sentimento que ele pôs nos olhos e no rosto não sei eu Porém a virgem lançou de si o arco e a uiraçaba e correu para o guerreiro sentida de mágoa que causara A mão que rápida ferira estancou mais rápida e compassiva o sangue que gotejava Depois Iracema quebrou a flecha homicida 128 Do pequeno trecho citado extraise com clareza a maneira mais elevada do fato O conjunto dos fatores morais estéticos éticos e políticos é destacado conforme a aspiração do ato O ato livre de atacar foi estancado com o sangue que gotejava Martim por sua vez teve o instinto de atacar ao deixar a mão esta cair sobre a espada mas imediatamente dominou seu instinto pela vontade cerne do livrearbítrio Fêlo com um simples manifestar de um sorriso Aqui o homem tem o comando de seus atos Mesmo os selvagens são bons Não há diferença atávica entre as gerações Assim como é o livrearbítrio que detém o comando das ações humanas Machado de Assis um dos maiores nomes da literatura nacional não deixa de tocar em muitos de seus livros a questão da criminalidade Em um capítulo de poucas palavras intitulado Provérbio errado em uma das muitas aparentes digressões que faz no curso da estória assim ele discorre em seu Esaú eacó livro que relata as semelhanças e dessernelhanças entre gêmeos idênticos Pessoa a quem li confidencialmente o capítulo passado escreveme dizendo que a causa de tudo foi a cabocla do Castelo Sem as suas predições grandiosas a esmola de Natividade seria mínima ou nenhuma e o gesto do corredor não se daria por fal ta de nota A ocasião faz o ladrão conclui o meu correspondente Não conclui mal Há todavia alguma injustiça ou esquecimento porque as razões do gesto do corredor foram todas pias Além disso o provérbio pode estar errado Uma das 127 Idem p 83 128 Iracema p 5455 f l fi tI l t 116 I CRIMINOLOGIA afirmações de Aires que também gozava de estudar adágios é que esse não estava certo Não é a ocasião que faz o ladrão dizia ele a alguém o provérbio está errado A forma exata deve ser esta A ocasião faz o furto o ladrão nasce feito 129 Aqui encontrase a polêmica central da luta das escolas entre clássicos e positivistas o ato delituoso é algo que decorre do livrearbítrio pensamento fundado no racio nalismo burguês ou é ele determinado por circunstâncias que escapam aos seus ditames racionais Nós somos nós e nossas circunstâncias para lembrar Ortega Y Gasset ou são as circunstâncias que fazem de nós o que somos O ladrão de Machado de Assis é um criminoso nato ou será feito conforme a ocasião Notese que quando o adágio é citado pela primeira vez afirmase que a conclusão não é má ainda que haja alguma injustiça ou esquecimento A temática realista já introduz a polêmica influenciada pelo pensamento darwiniano e que repercutiu na Escola Positivista No entanto o faz como uma espécie de possibilidade e não de forma acabada definitiva algo que só ocorrerá com a introdução radical do pensamento literário naturalista130 As influênoias deterministas na corrente literária naturalista são inconfun díveis Aluísio Azevedo com uma linguagem candente em sua obra O cortiço mostrava as tansformações de um personagem português pela influência do meio social e o seu abrasileiramento Passaramse semanas jerônimo tomava agora todas as manhãs uma xícara de café bem grosso à moda da Ritinha e tragava dois dedos de para ti pra cortar a friagem Uma transformação lenta e profunda operavase nele dia a dia hora a hora reviscerandolhe o corpo e alandolhe os sentidos num trabalho misterioso e surdo de crisálida A sua energia afrouxava lentamente faziase contemplativo e amoroso A vida americana a natureza do Brasil patenteavamlhe agora aspectos imprevistos e sedutores que o comoviam esqueciase dos seus primitivos sonhos de ambição para idealizar felicidades novas picantes e violentas tornavase liberal imprevidente e franco mais amigo de gastar que de guardar adquiria desejos tomava gosto aos prazeres e volviase preguiçoso resignandose vencido às imposições do sol e do calor muralha de fogo com que o espírito eternamente revoltado do último tambor entrincheirou a pátria contra os conquistadores aventureiros 131 Páginas adiante na mesma linguagem direta os valores raciais exógenos afloram de maneira clara Amarao a princípio por afinidade de temperamento pela irresistível conexão do instinto 129 Esaú ejac6 p l49 130 Vcltarseá a Machado de Assis para a menção à patologização das responsabilidades pessoais em O alienista 131 Ocortiço p ll3ll4 NASCIMENTO DA CRIMINOLOGIA I 117 luxurioso e canalha que predominava em ambos depois continuou a estar com ele por hábito por uma espécie de vício que amaldiçoamos sem poder largálo mas desde que jerônimo propendeu para ela fascinandoa com a sua tranquila seriedade de animal bom e forte o sangue da mestiça reclamou os seus direitos de apuração e Rita preferiu no europeu o macho de raça superior O Cavouqueiro pelo seu lado cedendo às imposições mesológicas enfarava a esposa sua con gênere e queria a mulata porque a mulata era o prazer era a volúpia era o fruto dourado e acre destes sertões americanos onde a alma dej erônimo aprendeu las cívias de macaco e onde seu corpo porejou o cheiro sensual dos bodes 132 Os tons carregados de Aluísio Azevedo mostram bem os aspectos exógenos e endógenos da transformação do português De um lado a vida americana e a natureza do Brasil e de outro o sangue da mestiça daquela que prefere o macho de raça superior a fazer com que o branco aprenda as lascívias de macaco em verda deira regressão atávica até as origens Do mito do bom selvagem à constatação de que nada há de bom no primitivo Do livrearbítrio ao determinismo biológico e social Tudo não passa de uma constatação segundo a qual o ser humano era visto de maneira bastante diversa pelas distintas abordagens científicas tanto quanto literárias Em O alienista Machado de Assis narra com aguda ironia a medicalização dos fenômenos jurídicos por meio do personagem do renomado cientista Simão Bacamarte Ele inicia mandando à sua Casa Verde nome dado ao hospício toda a população da cidade No final ele próprio acaba por se recolher à instituição que criou Ao cabo de cinco meses estavam alojadas umas dezoito pessoas na Casa Verde mas Simão Bacamarte não afrouxava ia de rua em rua de casa em casa espreitando interrogando estudando e quando colhia um enfermo levavao com a mesma alegria com que outrora os arrebanhava às dúzias Essa mesma despro porção confirmava a teoria nova acharase enfim a verdadeira patologia cerebral Um dia conseguiu meter na Casa Verde o juiz de fora mas procedia com tanto escrúpulo que o não fez senão depois de estudar minuciosamente todos os seus atos e interrogar os principais da vila Mais de uma vez esteve prestes a recolher pessoas perfeitamente desequilibradas foi o que se deu com um advogado em que reconheceu um tal conjunto de qualidades morais e mentais que era perigo so deixálo na rua Mandou prendêlo 133 Era decisivo Simão Bacamarte curvou a cabeça juntamente alegre e triste e ainda mais alegre do que triste Ato contínuo recolheuse à Casa Verde Em vão a mulher e os amigos lhe disseram que 132 Idem p 204 133 O alienista p 30 l il li I f 1 j t l I i f li I 11 11 1 J 118 I CRIMINOLOGIA ficasse que estava perfeitamente são e equilibrado nem rogos nem sugestões nem lágrimas o detiveram um só instanteA questão é científicadizia ele tratase de uma doutrina nova cujo primeiro exemplo sou eu Reúno em mim mesmo a teoria e a prática Fechada a porta da Casa Verde entregouse ao estudo e à cura de si mesmo 134 Nesta obra Machado de Assis mostrou com perspicácia a concorrência sofrida pelos bacharéis em direito sejam eles advogados ou juízes de fora pelo alienista mais lúcido representante das ciências biológicas Sua importância era tal que podia determinar a internação do próprio juiz de um advogado com tantas qualidades morais e mentais que era perigoso deixálo na rua e por fim determinar a própria internação que ninguém o contestaria A ciência chegava ao ápice com os positivistas O alienista foi escrito no ano de 1882 Estávamos sob a égide do Código do Império Já com o Código Republicano de 1890 o estatuto repressivo passou a dizer que tais delinquentes penalmente irresponsáveis deveriam ser entregues às suas famílias ou internados nos hospícios públicos se assim exigisse a segurança dos cidadãos d arbítrio em cada caso era uma atribuição do juiz ouvido o perito médico Em 1903 um decreto Dec 1132 de 22121903 tenta orgarizar a as sistência médicolegal a alienados no Distrito Federal o qual se pretendia modelo para a organização desses serviços nos diversos Estados da União Segundo tal decreto cada Estado alocaria recursos para a construção dos manicômios judi ciários e enquanto tais estabelecimentos não fossem construídos deveriam ser utilizados anexos especiais nos asilos públicos No Rio de janeiro então Capital Federal foi criada a chamada Seção Lornbroso do Hospício NacionaL Somente em 1920 é que foi lançada a pedra fundamental da nova instituição oficialmente inaugurada em 1921 Dec14831de 25051921 Abriaseoprirneiromanicõmio judiciário do Brasil e da América Latina sob direção de Heitor Pereira Castilho que já há alguns anos chefiava a Seção Lombroso do Hospício Nacional m A influência da Escola Positivista foi marcante no Código de 40 ainda que ele tivesse ideias muito caras aos clássicos A própria Exposição de Motivos explicava que o Código era o resultado das ideias mais importantes dos auto res da época Na Exposição está Ao invés de adotar uma política extremada em matéria penal inclinase para urna política de transação ou de conciliação Nele os postulados clássicos fazem causa comum com os princípios da Escola Positiva A responsabilidade penal continua a ter por fundamento a responsa bilidade moral que pressupõe no autor do crime contemporaneamente à ação 134 Idem p 35 135 CARRARA Sérgio Op cit p 49 NASCIMENTO DA CRIMI NOLOGIA 119 ou omissão a capacidade de entendimento e a liberdade de vontade embora nem sempre a responsabilidade penal fique adstrita à condição de plenitude do estado de imputabilidade psíquica e até mesmo prescinda de sua coexistência com a ação ou omissão desde que esta possa ser considerada libera in causa ou ad libertatem relata A autonomia da vontade humana é um postulado de ordem prática ao qual é indiferente a interminável e insolúvel controvérsia metafísica entre o determinismo e o livrearbítrio O sistema do duplo binário adotado pelo legislador da época permitia a aplicação da pena adotada com base no ideário clássico e da medida de segurança fincada nas ideias positivistas Mais do que isso ele presumia a periculosidade em inúmeros dispositivos tanto do Código Penal como da Lei das Contravenções Penais O art 14 deste último estatuto prevê a presunção de periculosidade dentre outras hipóteses para o condenado por contravenção cometida em estado de embriaguez pelo álcool ou substância de efeitos análogos quando habitual a embriaguez art 14 I Também permi tia a presunção para os condenados por vadiagem ou mendicância art 14 li Também pode ser considerado um resquício do positivismo a punição por posse não justificada de instrumento de emprego usual na prática de furto art 25 do mesmo diploma normativo Ter alguém em seu poder depois de condenado por crime de furto ou roubo ou enquanto sujeito à liberdade vigiada ou quando conhecido corno vadio ou mendigo gazuas chaves falsas ou alteradas ou irstru mentos empregados usualmente na prática de crime de furto desde que não prove destinação legítima É evidente que tal artigo se insere na lógica da existência de presunção de periculosidade leiase presunção de culpa daquele que por ter cometido fato delituoso anterior supõese que dada certa circunstância voltará a praticar ilícito Também no Código Penal tais dispositivos se faziam presentes O art 77 estabelecia que quando a periculosidade não é presumida por lei deve ser reconhecido perigoso o indivíduo se a sua personalidade e antecedentes bem como os motivos e circunstâncias do crime autorizem a suposição de que venha ou tome a delinquir É interessante notar que a periculosidade era presu mida se a prática do fato revela torpeza malvadez cupidez ou insensibilidade moral art 77 li conceitos bastante porosos e de diffetl definição Também eram presumidos perigosos os reincidentes em crime doloso e os envolvidos em quadrilha ou bando art 78 IV e V Ainda hoje não obstante a Reforma Penal de 84 que baniu o sistema de duplo binário muitos aspectos do positivismo permaneceram seja da interpretação doutrinária seja de julgados dos nossos tribunais O atual Código Penal com a Refcrma de 84 manteve a orientação do Código anterior que adotava no que conceme à unificação de penas art 71 do CP a teoria puramente objetiva Tópico 59 da Exposição de Motivos da Lei 720984 No entanto a doutrina que disserta sobre o assunto continuou a fazer I f I I t t if I I 120 I CRIMINOLOGIA coro com parte da jurisprudência ao reafirmar os pensamentos positivistas fun dantes do sistema de duplo binário ignorando que ou se tem culpa atributo da imputabilidade ou se tem periculosidade atributo da inimputabilidade Vejase ainda que por curiosidade o pensamento exposto por Valdir Sznick que destoa da própria essêncü de um direito penal da culpa e que faz menção à classificação elaborada por Ferri que contempla o criminoso habitual Réu habitual apresenta uma figura intermédia enre o réu ocasional e por tendência E salienta citando Grispigni que o réu habitual não comete delitos por efeito de situações externas ambiente mas especialmente por causa da psique tornada diversa da original quase um delinquente endógeno levando alguns a confundiremno com o delinquente constitucional de Di Tullio ou com o Zustandsverbrechers de Ex ner A habitualidade tem como genus proximum a periculosidade ou seja a probabilidade de que o delito venha a ocorrer Como diferença específica a periculosidade deflui de apenas um delito a habitualidade requer repetição A habitualidade é uma inclinação ao delito A reincidência está no direito retributivo ao passo que a 11abitualidade tem mais função preventiva A periculosidade está baseada na probabilidade Provável é o que dentro da possibilidade está em vias de traduzirse em ato 136 Tais categorias criminoso habitualcrime continuado periculosidade são recorrentes na doutrina Fundamentandose no critério da menor periculosidade da benignidade ou da utilidade prática a razão de ser do instituto do crime continuado não se coaduna com a aplicação do benefício da exasperação da pena para aquele agente mais perigoso que faz do crime profissão e vive deliberadamente à margem da lei A habitualidade é portanto diferente da continuação A culpabilidade na habitualidade é mais intensa do que na continuação não podendo portanto ter tratamento idêntico137 De tudo o qe aqui se disse pode se notar que o conceito de periculosidade que tecnicamente empregado só poderia no sistema vicariante ser aplicável ao cometimento de fato típico por agente inimputável acaba por ser utilizado como o leigo emprega a frase perigoso é o imputável que pratica muitos crimes ou crimes muito gra ves A melhor doutrina sobre o tema em um dos mais profundos estudos sobre o assunto não deixou de reconhecer tal aspecto O fato do agente haver cometido um grande número de outros delitos por si apenas não afasta a possibilidade de alguns deles terem sido continuados e portanto reclamarem pena unificada Assim é gravemente inexato dizer que a continuidade delitiva não se conforma à habitualidade ou ao profissionalismo criminoso porque não estamos diante 136 SzNICK Valdir Delito habitual p 3637 137 BzE Patrícia Mothé Glioche Concurso Jonnal e crime continuado p 155 NASCIMENTO DA CRIMINOLOGIA I 121 de um benefício uma graça jurisdicional Crimes repetidos naquela acepção que se preserva são crimes que se reproduziram por si próprios não porque elencados por um nexo específico mas porque o agente os reproduziu sem nexo algum Portanto crimes repetidos podem ser apenas dois ou muitos o que é indiferente para a construção da teoria de nada importando a habitualidade ou o profissionalismo tão invocados pela jurisprudência 138 Anotese a propósito que o recorte exterior ao terna visualizado pelo número de delitos praticados supostamente indicativos da habitualidade criminosa não nos permite alcançar a verdadeira essência das coisas Pode haver a hipótese que não é incomum de um autor que praticou uma centena de delitos sendo condenado no entanto em apenas dois Uma leitura exterior ao fato indicará não ter ele habitualidade criminosa enquanto alguém condenado em três processos os únicos efetiva mente por ele cometidos poderá ser qualificado como um criminoso habitual em classificação devida a Ferri Há julgados dos Tribunais que ainda hoje após a Reforma Penal de 84 que instituiu o sistema vicariante insistem explicitamente nessa classificação utilizando a temibilidade de Garofalo e os criminosos habituais de Ferri e não são poucos 139 25 Notas conclusivas Da polêmica entre clássicos e positivistas muitas lições podem ser tira das Na Europa a exacerbação da discussão acabou por causar uma espécie de autofagia jurídica Todos os autores viam no adotar uma das posturas uma necessidade imperiosa de sobrevivência intelectual Ou se era clássico ou posi tivista O máximo que se permitia era ter uma opinião distinta das ditas escolas 138 MARTINS Sérgio Mazina Unificação de penas pela continuidade delitiva Revista Brasileira de Citncias Criminais vol 18 p 259 139 A habitualidade criminosa somente tem influncia em tema de unificação de penas quando se observa pela temibilidade do delinquente pela extensão total das penas que se considerou separadamente adequada que a reprimenda unificada seria inútil à reprovação e prevenção dos crimes rei Ralph o WaldoJUTACrim 8614 7 no mesmo sentido o aresto do STF As características reveladas pelo modo de ação do paciente na perpetração dos seis crimes de roubo qualificado revelam que houve mera reiteração no crime e não continuidade delitiva convergindo para a condução de que o paciente adotou o crime como meio de vida Firmouse jurisprudncia do STF no sentido da descaracterização do crime continuado quando independentemente da homogeneidade das circunstâncias objetivas a natureza dos fatos e os antecedentes do agente identificam niteraçãocriminosa indicativa e delinquncia habitual ou profissional HC 71989 rel IlmarGalvãoDjU03051996pl3899 Op citp 260264 Há ainda noSTJ decisões no mesmo sentido REsp 548349 rel Luiz Vicente Cernicchiaro dentre outras 1 i f l t i í I 122 I CRIMINOLOGIA criando uma terceira cujo pensamento não deixava de ser o resultado da tomada de postura ora coincidente com uma delas ora com outra As tentativas não eram de superação daquelas perspectivas mas sim de posicionamento em face daqueles pensamentos Para a criminologia sem qualquer dúvida não obstante as considerações de natureza penal dos clássicos terem sido importantes são os positivistas que trazem as principais contribuições Primeiro porque construíram seu pensamento em um momento de eclosão de várias ciências em que se afirmaram dentre outras a antropologia a sociologia a fisiologia a psiquiatria criminal O trânsito para essas diferentes formas de conhecimento permitiu a criação da criminologia como uma ciência multidisciplinar que congrega diversas formas de conhecimento Tal perspectiva fez superar o pensamento anterior jurídicocentrado que concebia como de resto alguns ainda hoje o fazem o direito como o grande planeta com seus pequenos satélites a gravitarem em seu redor Hoje e a partir do pensamento positivista e em especial do livro Criminologia de Garofalo que marcou a reunião desses conhecimentos prévios temse uma espécie de equilíbrio integrador entre t aqueles conhecimentos Nesta polidisciplinaridade sobre o fenômeno criminal está o germe da complexa e sempre atual natureza interdisciplinar da crimino logia140 Sem qualquer dúvida a contribuição metodológica foi pois o grande avanço trazido por essa perspectiva de pensamento para esta nova ciência uma vez que autorizou intelectualmente a superação da visão exclusivamente deduti va de raciocínio lógicoabstrato para a adoção de um posicionamento indutivo empírico de constatação da realidade para a obtenção de sua efetiva explicação Assim temse aquilo que Roberto Lyra ejoão Marcelo de Araújojr com bastante propriedade denominavam de unidade de método com pluralidade de meios141 Ademais foi o positivismo italiano principalmente que mudou o foco do delito para o estudo mais aprofundado do delinquente o que por si só já constituiria uma relevante contribuição para a ciência No entanto se boas contribuições foram trazidas pelos autores positivistas também não se pode deixar de reconhecer neles visões distorcidas da sociedade e da criminalidade que trouxeram consequências deletérias significativas A patologização do fenômeno delituoso traduzida pela assertiva segundo a qual todo criminoso tinha um viés patológico e não podia ser curado demonstrouse um cabal engano Outro erro grave especialmente de Lombroso foi subvalorizar o entorno social como mero fator desencadeante da criminalidade Os fatores 140 ELBERT Carlos Alberto Manual cit p 47 141 Criminologia cit p 66 e ss NASCIMENTO lJA CRIMINOLOGIA I 123 circundantes não se constituíam sequer em vetores criminais Mesmo com as contribuições posteriores de Ferri e Garofalo tal pensamento não foi de todo superado Lombroso foi incompleto nas suas investigações apaixonado e até inescrupuloso o que constituiu o melhor trunfo para os seus detratores suas conclusões foram prematuras baseadas em simples premissas que não foram suficientemente estudadas Partiase de uma investigação incompleta e chegava a conclusões prematuras a sua doutrina não podia ser boa É certo que há delinquentes que apontam os traços lombrosianos mas também encontramos esses traços em homens inteligentes em débeis mentais não deinquentes etc como também há criminosos que não apresentam tais traços 142 Não é difícil encontrar em qualquer indivíduo alguns desses traços sem que isso tenha uma explicação atávica e ancestral nem muito menos cnminógena Pelo contrário é uma evidência que nem todos os delinquentes apresentam tas anomalias e de outro lado nem os não delinquentes estão livres delas Não existe pois o tipo delinquente como de resto não há criminosos habituais ou loucos na acepção lombrosiana do termo ou por tendência etc Por outro lado a ideologia do tratamento proposta pelos positivistas que produziu uma inversão do pensamento clássico em vez do recuo do poder sancionatório na socieda de significou em nome da defesa da comunidade uma expansão do sistema punitivo algo que chegou a ser considerado uma ideia natural em face da ine xistência de alternativas curativas para certos delinquentes Este entendimento deu fundamento às doutrinas da prevenção especial nas suas mais extremas manifestações Deste mito científico da possibilidade do alcance explicativo dos fatores desencadeantes da criminalidade é que nasce a crise de paradigmas a que aludem alguns autores por não visualizarem perspectivas de prevenção para grande parte do fenômeno criminal especialmente quanto àquela parte do fenômeno criminal que se traduz na crítica do feio do mau do anormal do louco do primitivo do selvagem ainda hoje voz corrente no pensamento jurídico nacional em muitas questões do direito criminal Um último erro me todológico dos positivistas é preciso destacar Os sujeitos que eram observados clinicamente para formação da teoria das causas da criminalidade tratavase de indivíduos caídos na engrenagem judiciária da justiça penal sobretudo os clientes dos cárceres e manicômios judiciários indivíduos já selecionados pelo complexo sistema de filtros sucessivos que é o sistema penal 143 Asim os mecanismos seletivos já tinham atuado exercendo seu papel de seleção da 142 SENDEREY Israel Drapkin Op cit p 3738 14 3 BARAITA Alessandro Criminologia Lrltica e critica do direito penal introdução à sociologia do direito penal p 40 i r 1 1 li f r li r l 124 I CRIMINOLOGIA clientela que viria a ser identificada com algumas características pessoais quan do estas já foram determinantes para a sdeção pelo sistema punitivo Mas pior do que isto é acreditar ainda hoje que tais parâmetros criminológicos podem ser referência dogmática para atuação perante os tribunais ou mesmo para o desenvolvimento das ideias doutrinárias mais recentes É essa a superação que ainda está a se exigir dos operadores do direito I IJt PARTE SEGUNDA As EscoLAs SociOLÓGICAS DO CRIME f ft t i I f f lf r I 3 CRIMINOlOGIA DO CONSENSO E DO CONFliTO As teorias criminológicas sobre as quais se discorrerá encartamse dentro da perspectiva macrocriminológica O que se pretende fazer é examinar as di ferentes visões justificadoras do delito explicativas ou críticas não tendo por escopo examinar a interação entre indivíduos e pequenos grupos mas sim fazer uma abordagem da sociedade como um todo do seu complexo istema de fun cionamento de seus conflitos e crises de modo a obter mediante o estudo do fenômeno delituoso as diferentes respostas explicativas da criminalidade Uma advertência desde logo fazse necessária Qualquer classificação não escapa a determinadas simplificações Não raro autores identificados com uma teoria apresentam contribuições sólidas que asfaltam o caminho de teorias que lhe suce dem De outra parte toda classificação por mais rigor científico que contemple não deixa de ter alguma discricionariedade Autores de diferentes perspectivas convivem e se influenciam mul1lamente Uma ideia nunca é resultado de um gê nio criador mas sempre é um produto do seu tempo As condições de existência de um pensamento decorrem das múltiplas relações humanas condicionantes daquele momento Não é por outra razão que como ondas sucessivas alguns temas serão tocados por alguns autores e posteriormente serão revisitados por outros que lhes sucedem Muitas vezes as teorias têm uma concepção provisória para só adquirirem seu quadrante definitivo depois da crítica que recebem Dai por que esta advertência prévia fazse necessária a classificação a seguir exposta obedece a dois critérios ao cientifico e ao pedagógico Em nosso entender não há ciência humana sem clareza conceitual Também não há clareza conceitual sem objetividade científica Ademais a clareza conceitual e a objetividade científica neste caso visam a assegurar o acesso a este pensamento por parte do operador do direito razão pela qual se terá sempre como pano cle fundo a ideia de este trabalho não ser escrito para o profissional da sociologia mas para aquele que a partir da visão sociológica possa compreender suas consequências jurídicas Podemos agmpar duas visões principais da macrossociologia que influen ciaram o pensamento criminológico À primeira visão de corte funcionalista I il I f I i t r 128 I CRIMINOLOGIA mas também denominada de teorias da integração daremos o nome mais amplo de teorias do consenso A segunda visão argumentativa podese intitular ge nericamente de teorias do conflito A escola de Chicago a teoria da associação diferencial a teoria da anomia e a teoria da subcultura delinquente podem ser consideradas teorias do consenso Já as teorias do labelling interacionista e crítica partem de visões conflitivas da realidade Para a perspectiva das teorias consensuais a finalidade da sociedade é atin gida quando há um perfeito funcionamento das suas instituições de forma que os indivíduos compartilham os objetivos comuns a todos os cidadãos aceitando as regras vigentes e compartilhando as regras sociais dominantes Para a teoria do conflito no entanto a coesão e a ordem na sociedade são fundadas na força e na coerção na dominação por alguns e sujeição de outros ignorase a existência de acordos em tomo de vaiores de que depende o próprio estabelecimento da força A visão do consenso na realidade não postula que a ordem é baseada em um consenso geral em tomo de valores mas sim que ela pode ser concebida em termos de um taconsenso e que se ela for concebida nestes termos são possíveis certas proposições que resistem ao teste de observações específicas De maneira análoga para os defensores da visão conflitiva da sociedade o pressuposto da natureza coercitiva da ordem social é um princípio heurístico e não um juízo factual 1 Do ponto de vista da teoria consensual as unidades de análise social os chamados sistemas sociais são essencialmente associações voluntárias de pessoas que partilham certos valores e criam instituições com vistas a assegurar que a cooperação funcione regularmente Do ponto de vista da teoria do con flito por outro lado tais unidades de análise social configuram uma situação bastante diferente Para ela não é a cooperação voluntária ou o consenso geral mas a coerção imposta que faz com que as organizações sociais tenham coesão Um dos principais autores na defesa da ideia segundo a qual a sociedade está fundada no conflito foi Marx Em suas famosas palavras Até hoje a história de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a história das lutas de classes Homem livre e escravo patrício e plebeu barão e servo mestre de corporação e companheiro numa palavra opessores e oprimidos em constan te oposição têm vivido nurra guerra ininterrupta ora franca ora disfarçada uma guerra que terminou sempre ou por uma transformação revolucionária da sociedade inteira ou pela destruição das suas classes em luta 2 A despeito de encontrarmos em Marx o inaugurador da perspectiva do conflito coube ao 1 OAiiRENDORF Ralf As classes e seus conflitos na sociedade industrial p 146 2 MARX Karl Manifesto do Partido Comunista Obras escolhidas p 22 CRIMINOLOGIA DO CONSENSO E DO CONFLITO I 129 Holandês Willen Adrian Bonger 18761940 a primazia de trazêla para o âm bito da criminologia Desde o início do século XX com sua obra Criminalité et conditions économiques de 1905já havia rechaçado a teoria de matriz positivista que negava ou ao menos subestimava os fatores sociais do delito retrucando diretamente o pensamento de Garófalo As teorias do consenso têm como base um certo número de premissas toda sociedade é uma estrutura de elementos relativamente persistente e estável toda sociedade é uma estrutura de elementos bem integrada todo elemento em uma sociedade tem uma função isto é contribui para sua manutenção como sistema toda estrutura social em funcionamento é baseada em um consenso entre seus membros sobre valores Sob várias formas os mesmos elementos de estabilidade integração coordenação funcional e consenso reaparecem em todos enfoques funcionalistaestruturalistas do estudo da estrutura social Estes elementos são naturalmente em geral acompanhados de afirmações no sentido de que a estabilidade integração coordenação funcional e consenso são apenas relativamente generalizados 3 Na mesma linha de argumentação Dahrendorf elenca as premissas das chamadas teorias do conflito toda a sociedade está a cada momento sujeita a processos de mudança a mudança social é ubíqua toda sociedade exibe a cada momento dissensão e conflito e o conflito social é ubíquo todo elemento em uma sociedade contribui de certa forma para sua desintegração e mudança toda sociedade é baseada na coerção de alguns de seus membros por outros 4 Lewis Coserdestaca os aspectos positivos do conflito mencionando que o dissenso assegura a mudança contribui com a integração e a conservação do grupo O conflito dentro de um grupo frequentemente ajuda a revitalizar as normas existentes ou contribui para a emergência de novas normas Nesse sen tido o conflito social é um mecanismo de ajustamento de normas e adequação a novas condições Uma sociedade flexível se beneficia dos conflitos porque seu comportamento ajudando a criar e modificar normas assegura sua continuidade sob novas condições Tal mecanismo de reajuste de normas dificilmente está dis ponível em sistemas rígidos pela supressão de um conflito maximizase o perigo de uma ruptura catastrófica5 Também é interessante notar que dentro das teorias do conflito Marx não atribuiu grande importância ao estudo do direito e menos ainda ao exame do 3 DAHRENDORF Ralf As classes cit p 148 4 Idem p 149 5 COSER Lewis A Thefunctions os social conjlict p 154 t f I i l tj j 1 I I 1 130 I CRIMI NOLOGIA direito penal Isto se justificava dentro de sua visão pois sua percepção era que a transformação da sociedade passava pela necessária discussão dos aspectos estruturais e não superestruturais em que está o direito já que seu principal objetivo era a transformação social6 Sociólogos contemporãneos alguns dos quais com uma visão liberal identificaram que as lutas de classes tradicionais não mais representavam a expressão dominante da sociabilidade insaciável do homem Pelo contrário o que se verifica do estudo da sociedade moderna são manifestações mais individuais e ocasionais de agressão social dentre as quais destacamse as violações da lei e da ordem pública por indivíduos bandos e multidões 7 Ainda que se identifiquem sobras do velho conflito surgem novas linhas de divisão e antagonismos em função da maior segmentação da sociedade Nos países mais adiantados onde os direitos de cidadania são quase gerais as disparidades nos domínios de vida assumem o lugar de exigências generalizadas por direitos sociais políticos ou civis As pessoas lutam pelo reconhecimento de valor comparável para a mulher ou contra a poluição ou pelo desarmamento ou pela descriminalização das drogas levCi mas o fazem a partir de uma base comum de cidadania Nesse sentido os movimentos sociais vão se formar estritamente dentro das fronteiras da sociedade civil Mesmo a desobediência civil só faz sentido se uma firme es trutura de direitos civis e a obrigação de obedecer a lei pode ser presumida8 Assim seja na visão da teoria do consenso em que as funções sociais são atividades das estruturas sociais dentro do processo de manutenção do sistema perspectiva em que as disfunções são atividades que se opõem ao funcionamento do sistema social e em que toda mudança social é uma disfunção uma falha no sistema que não consegue mais integrar as pessoas em suas finalidades e valores seja na visão da teoria do conflito que admite existir dentro da própria sociedade uma pennanente luta pelo poder que só se mantém pela coerção não se tem dú vida do papel desempenhado pelo crime dentro desse processo A partir de seu cometimento podese entender ser ele uma manifestação natural porém atípica de uma sociedade sadia ou mesmo podese fazer uma crítica mais generalizada de toda a sociedade Há evidentemente várias formas de crítica Alguns criticam 6 Nos termos da 11 tese sobre Feuerbach os filósolos não fizeram mais que interpretar o mundo de forma diferente tratase porém de modificálo MARX Karl Teses sobre Feuerbach Obras escolhidas p 210 7 D AHRENDORF Ralf A lei e a ordem p 12 8 D AHRENDORF Ralf O conflito social moderno um ensaio sobre a política da liberdade p 167168 9 SABADELL Ana Lucia Manual de sociologiajurdica introdução a uma leitura externa do direito p 68 CRIMINOLOGIA DO CONSENSO E DO CONFLITO I 131 somente o aparato do poder punitivo radicais se permitem criticar a propriedade dos bens de produção pósmodernos fazem a crítica a partir da perspectiva da linguagem as feministas desconstroem o androcentrismo Enfim a visão crítica também não escapa à crítica O fato é que as teorias do consenso estão quase sempre associadas a um conservadorismo enquanto as teorias do conflito nos remetem a uma ideia de mudança social Isso não é absoluto O movimento nazista assim como outras perspectivas totalitárias ao contrário de ditaduras autoritárias e não menos obscurantistas baseavase em uma postura conflitiva de luta de raças e nesse contexto defensores do positivismo jurídico acabaram por exercer uma postura defensista de valores humanos consagrados No contexto em que vivemos de su pressão de garantias e de fúria punitiva o garantismo penal de Ferrajoli a despeito de ser a mais bem acabada forma de positivismo jurídico no dizer de Norberto Bobbio tem um papel progressista Também é oportuno destacar a assertiva de Vera Malaguti Batista no sentido que o positivismo no Brasil representou uma vanguarda laicizante de um liberalismo radical na contramão das oligarquias associadas ao poder da Igreja Catóiica 10 Qualquer que seja a visão adotada para a análise criminológica a sociedade é como a cabeça deanus e suas duas faces são aspectos equivalentes da mesma realidade É pois necessário explorála lO Introdução critica à criminologia brasileira p 41 I 11 y r I J