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Direito ·
Direito Penal
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A desproporcionalidade da lei de drogas Os custos humanos e econômicos da atual política do Brasil Luciana Boiteux e João Pedro Pádua Luciana Boiteux Professora Adjunta de Direito Penal e Coordenadora do Grupo de Pesquisas em Política de Drogas e Direitos Humanos da Universidade Federal do Rio e Janeiro João Pedro Pádua Professor da Universidade Federal Fluminense Diretor Jurídico da ONG Psicotropicus Colaboraram com esse trabalho como assistentes de pesquisa Camila Soares Lippi Bolsista Cnpq e bacharel em Direito pela UFRJ Gabriel Duque Estrada Bacharel em Direito pela UFRJ Nathalya Valério Bolsista Cnpq e bacharelanda em Direito pela UFRJ Jeferson Queiroz dos Santos Bacharel pela UFRJ Maudyr de Vaz Ribeiro Bacharelando pela UFRJ Natalia Santanna de Figueiredo Bolsista UFRJ Vinicius Pinheiro Silveira Rosa Bolsista PIBICUFRJ Por Sobre o CEDD O Coletivo de Estudos Drogas e Direito CEDD reúne investigadores de 7 países latino americanos com o objetivo de analisar o impacto da legislação penal e a prática jurídica em matéria de drogas ilícitas O CEDD busca fomentar o debate sobre a efetividade das políticas de drogas atuais e recomenda políticas alternativas mais justas e efetivas O CEDD foi criado no contexto da crescente evidência de que as políticas internacionais de controle de drogas não diminuíram o consumo de drogas nem reduziram o cultivo de plantas destinadas aos mercados ilegais ou reduziram o tráfico de drogas As leis sobre drogas recaem de maneira desproporcional sobre populações mais vulneráveis e desprotegidas além de gerarem a indesejada consequência de superlotar os sistemas de administração de Justiça Penal A criação do coletivo foi impulsionada pelo Washington Office for Latin America WOLA e pelo Transnational Institute TNI por meio da publicação de um estudo em 2010 acerca do impacto das leis de drogas sobre os sistemas carcerários de oito países latino americanos A nova série de estudos da qual o artigo sobre a situação brasileira faz parte revisa criticamente sobre a aplicação do principio de proporcionalidade na relação entre crimes de drogas e punições Os estudos concluíram que as penas por delitos de drogas e o tratamento de seus autores são desproporcionados o que acarreta em muitas ocasiões danos maiores do que os benefícios pretendidos Membros do CEDD O coletivo inclui membros da Argentina Brasil Bolívia Colômbia Equador Estados Unidos México Países Baixos e Peru Argentina Alejandro Corda Intercambios Asociación Civil Brasil Luciana Boiteux UFRJ e Joao Pedro Padua UFF Bolívia Rose Achá Justicia Penal Juvenil en Defensa de Niñas y Niños DNI Colômbia Diana Guzmán e Rodrigo Uprimny DeJusticia Equador Jorge Paladines Universidad Andina Estados Unidos ColettaYoungers Washington Office for Latin America WOLA México Catalina Pérez Correa Centro de Investigación y Docencia Económicas CIDE Países Baixos Pien Metaal Transnational Institute TNI Peru Jérôme Mangelinckx e Ricardo Soberón Centro de Investigación Drogas y Derechos Humanos CIDDH ISBN 9788564052000 Brazilian Drug Policy Association wwwdrogasyderechoorg Este trabalho é parte da produção do CEDD Coletivo de Estudos Drogas e Direito e foi realizado com o apoio da Psicotrópicos e do Grupo de Pesquisas Drogas e Direitos Humanos do Laboratório de Direitos Humanos da UFRJ 7 Apresentação A presente publicação divulga os resultados da parte brasileira de uma pesquisa latinoamericana estruturada por meio do CEDD Coletivo de Estudos Drogas e Direito sobre a proporcionalidade das normas jurídicas que proíbem e punem criminalmente as condutas relacionadas a algumas drogas definidas como ilícitas por listas internacionais incorporadas ao direito interno Uma primeira versão deste trabalho em espanhol fez parte do livro Justiça Desmedida Proporcionalidad y Delictos de Droga en América Latina organizado por Catalina Pérez Correa e publicado pela Editorial Fontamara em 2012 O presente artigo agora publicado em português mantém a mesma versão mas incorpora dados penitenciários brasileiros mais recentes de forma a não perder a atualidade do texto sendo mantidas as conclusões A pergunta básica dessa pesquisa pode ser resumida na seguinte frase as normas penais que punem condutas relacionadas a algumas drogas são proporcionais em relação aos bens jurídicos e sociais que pretendem proteger e aos custos humanos e financeiros que essas próprias normas impõem à sociedade Para responder a essas perguntas a pesquisa inicialmente submeteu as normas penais sobre algumas drogas a um teste normativo à luz do princípio jurídicoconstitucional da proporcionalidade adaptado às normas penais Em 9 8 O presente trabalho pretende discutir a desproporcionalidade da reação social punitiva a delitos envolvendo drogas ilícitas tanto na perspectiva abstrata aumento e fixação irracional das penas do crime de tráfico se comparado com outros como na concreta desproporcional representatividade dos condenados por tal delito no sistema penitenciário combinada com os custos concretos decorrentes dessa opção política tanto econômicos quanto humanos Será analisada portanto a racionalidade da resposta penal e as consequências da atuação do sistema penal punitivo na realidade social dos processados e condenados pelos crimes relacionados às drogas tidas arbitrariamente por ilícitas Tal política punitiva ao priorizar a prisão e deixar em segundo plano a prevenção e o tratamento é apontada como responsável pelo aumento da superpopulação carcerária em quase todo o mundo sendo o foco deste estudo a situação específica do Brasil que não foge à regra do fenômeno observado em outros países A relevância dessa análise está no fato de que este país de dimensões continentais possui a quarta maior população penitenciária do mundo ao mesmo tempo em que pouco investe em infraestrutura prisional tendo sofrido grande impacto das políticas criminais de drogas seguida o trabalho submeteu essas mesmas normas a um teste concretoempírico apontando efeitos dessas normas em termos de custos humanos e financeiros Como se pode ver da leitura do trabalho os resultados são claros e chocantes Criadas para proteger o bem jurídico saúde pública as normas penais sobre algumas drogas na realidade geram encarceramento em massa prisões de cidadãos cumpridores das leis como traficantes e uma verdadeira tragédia humana quando se trata de mulheres Além disso as normas penais sobre algumas drogas são as que mais sofreram alterações desde a primeira lei penal brasileira sempre aumentando o escopo punitivo e a quantidade de pena prevista Como resultado as normas penais sobre algumas drogas geram penas médias mais graves que as de estupro roubo e são muito próximas das penas de homicídio Conforme também demonstrado pela pesquisa essas penas são as principais responsáveis pelo aumento massivo da população carcerária desde 2006 quando a atual Lei de Drogas Lei n 113432006 entrou em vigor E ainda há projetos no Congresso Nacional para aumentar essas penas como o PLC 372013 atualmente em tramitação no Senado Federal Os vários gráficos tabelas análises normativas e narrativas fáticas presentes no trabalho falam por si sós mas o acúmulo desses dados alguns deles já bem conhecidos dos estudiosos da área penal e a sua relação com as exigências de coerência e racionalidade do princípio da proporcionalidade apontam todos para uma só conclusão as normas penais que punem condutas relacionadas a algumas drogas no Brasil são normativamente desproporcionais não atendem aos seus fins jurídicos e empíricos e ao contrário geram efeitos nefastos para a sociedade e para a ordem jurídica Por isso essas leis precisam ser mudadas o quanto antes Os autores agradecem os comentários e críticas à primeira versão do texto que permitiram o aprimoramento desse trabalho feitas por Maurides Ribeiro Christiano Fragoso Pien Metaal e Alejandro Corda cujas críticas e considerações foram incorporadas ao texto final Esperase com a presente publicação trazer dados e reflexões à tona ampliando o debate de ideias sobre as políticas sobre substâncias psicoativas no Brasil e assim poder contribuir para uma necessária mudança de rumos das leis de drogas em nosso país Rio de Janeiro Agosto de 2013 Introdução 11 10 Pretendese assim preencher uma lacuna existente nos estudos sobre o tema tendo em vista que ao contrário dos Estados Unidos no Brasil e no restante da América Latina os dados sobre o sistema penal são escassos e pouco divulgados Este artigo iniciase com a exposição da metodologia de trabalho e do conceito de proporcionalidade das leis em matéria penal para após no II capítulo ser analisada a pena do delito de tráfico de drogas como desproporcional em relação a outros crimes previstos no Código Penal na perspectiva abstrata em relação às penas cominadas na lei para cada delito No III capítulo se estudará a desproporcionalidade em concreto ou seja como a operacionalidade seletiva e discriminatória do sistema penal em relação aos delitos relacionados às drogas ilícitas seguida da análise dos custos decorrentes desta opção de política criminal punitiva tanto em relação aos gastos penitenciárias como também aos sensíveis custos humanos por meio de estudos de casos de pessoas que foram selecionadas pelo sistema Pretendese ao final responder a partir dos dados e fatos analisados a respeito da conveniêncianecessidade adequação isto é da proporcionalidade de criminalização desses delitos nos moldes da política atual adotada I A questão da proporcionalidade das leis em matéria penal Este trabalho adota como metodologia a avaliação da parte penal da Lei n 113432006 com base nos parâmetros normativos dados pelo princípio da proporcionalidade Especificamente isso quer dizer que o trabalho se propõe a aferir de que forma tanto a criminalização de condutas pela lei em abstrato quanto sua aplicação e execução concreta se relacionam com a proporcionalidade que deve ser exigida em todo sistema jurídico e ainda mais das leis penais que mais gravemente atingem os direitos fundamentais do cidadão Neste sentido tratase de uma investigação que trabalha a interface entre normas jurídicas e fatos concretos A adaptação do princípio da proporcionalidade para questões especificamente penais vem chamando a atenção dos juristas já há muitos anos Neumann1 faz ampla citação da literatura jurídica na Alemanha bem como de julgados do Tribunal Constitucional Federal Alemão que tratam da questão Em Língua Portuguesa Jorge de Figueiredo Dias2 também faz ampla discussão e uso do princípio para fins de tratar da legitimidade políticocriminal dos fatos puníveis criminais e também para propor novos esquemas analíticos para conceitos da Teoria do Crime e da Teoria da Pena 13 12 De maneira geral o aspecto central na utilização do princípio da proporcionalidade em matéria de Direito Penal será a de averiguar qual resposta deve ser dada às duas questões centrais do Direito Penal a questão sobre se se deve punir e questão de como e em que medida punir tendo em vista de um lado a questão da relação entre as leis penais em si e de outro os efeitos sociais concretos que tais leis penais geram Neste sentido Neumann3 propõe que o princípio da proporcionalidade atue como um limite horizontal para a questão do se punir e também como um limite vertical para a questão do como punir ao Direito Penal Portanto no aspecto penal o princípio da proporcionalidade cria um teste normativo para as normas penais Esse teste tem dois aspectos um aspecto mais fáticoempírico e um aspecto mais normativo4 Em relação ao primeiro aspecto a questão principal que uma norma penal tem de responder é se a incriminação de uma determinada conduta é necessária e conveniente em relação ao objetivo final que é o de proteger as pessoas e as comunidades de condutas sociais especialmente danosas Em outras palavras dado que se quer evitar determinadas condutas o jeito mais conveniente de evitá las seria através da criminalização Em relação ao segundo aspecto a questão principal é se a incriminação de uma conduta por uma norma penal realmente protege as pessoas e as comunidades de um dano causado pela conduta criminalizada e em que medida a quantidade de pena para essa conduta está em consonância com a sua capacidade danosa Em outras palavras dado que se vai criminalizar uma conduta ela realmente causa perigo de dano relevante às pessoas e à sociedade E a quantidade de pena tem coerência com a capacidade dessa conduta para gerar esse perigo de dano As duas fases do teste da proporcionalidade estão intimamente imbricadas Para responder à pergunta sobre a conveniêncianecessidade de uma criminalização é preciso responder se há um dano social a ser evitado através dessa incriminação Por outro lado para responder à pergunta sobre a capacidade de perigo de dano de uma conduta e sobre a sua gravidade é preciso responder acerca dos efeitos sociais e da conveniência de incriminar tal conduta A distinção portanto serve mais a propósitos analíticos mas como será visto se mostra elucidativa no caso da Lei 113432006 já que neste caso todas a respostas para ambas as perguntas é não Em relação à primeira fase a questão principal que uma norma penal tem de responder é se a incriminação de uma determinada conduta mediante uma determinada escala sancionatória é necessária e conveniente em relação ao objetivo final que é proteger as pessoas e as comunidades sociais de vulnerações aos seus bens sociais tornados bens jurídicos por força da previsão de proteção jurídica Em outras palavras dado que se quer evitar determinadas condutas o jeito mais conveniente de evitálas é através da criminalização Em relação à segunda fase a questão principal é se a incriminação de uma conduta por uma norma penal realmente protege um bem social tornado jurídico de um dano causado pela conduta incriminada e em que medida a quantidade de pena a escala sancionatória cominada para essa conduta está em consonância com a capacidade danosa da mesma conduta ao bem jurídico protegido a primeira dimensão pode ser chamada de qualitativa e a segunda de quantitativa5 Em outras palavras dado que se vai criminalizar uma conduta ela realmente causa perigo de dano relevante aos indivíduos e à sociedade E a quantidade de pena tem coerência com a capacidade dessa conduta para gerar esse perigo de dano As duas fases do teste da proporcionalidade estão intimamente imbricadas Para responder à pergunta sobre a conveniêncianecessidade de uma criminalização é preciso responder se há um dano social a ser evitado no nível normativohipotético através dessa incriminação Por outro lado para responder à pergunta sobre a capacidade de perigo de dano de uma conduta e sobre a sua gravidade é preciso conjeturar acerca dos efeitos sociais e da conveniência de incriminar tal conduta A distinção portanto serve mais a propósitos analíticos mas como será visto se mostra elucidativa no caso da Lei 113432006 já que neste caso todas as respostas às perguntas são não 1 NEUMANN U O principio da proporcionalidade como princípio limitador da pena Revista do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais São Paulo n 71 marabr 2008 p 223 2 FIGUEIREDO DIAS J O comportamento criminal e a sua definição O conceito material de crime In Questões fundamentais de direito penal revisitadas São Paulo RT 1999 p 5185 Cf no Brasil por todos GOMES Mariangela Gomes Magalhães Princípio da proporcionalidade no direito penal São Paulo RT 2003 3 Op Cit p 213 4 BOITEUX Luciana WIECKO Ela Coord et alli Tráfico de drogas e Constituição Série Pensando o Direito Brasília Secretaria de Assuntos Legislativos Ministério da Justiça n 1 2009 p 3134 5 Destacase que está em andamento no Congresso Nacional Brasileiro uma discussão sobre a Reforma do Código Penal tendo sido criadas duas Comissões para estudar as leis atuais e propor alterações inclusive de crimes e penas na Parte Especial do CP Notas 15 14 II A Desproporcionalidade da Lei n 113432006 em Abstrato Falta de Sistematicidade das Incriminações e Violação à Adequação da Pena Cominada6 A coerência interna do sistema de normas penais incriminadoras é exigência de legitimidade imposta pelo princípio da proporcionalidade no seu aspecto de adequação Embora a criminalização de determinada conduta seja uma escolha legislativa tal escolha para ser justificada não pode ser aleatória Ela deve obedecer a parâmetros de racionalidade tanto na escolha da conduta incriminada quanto na escolha dos parâmetros de sanção isto é mínimo e máximo de pena e tipo de pena Uma maneira de medir essa coerência normativa interna do sistema penal é colocar lado a lado algumas normais penais incriminadoraschaves para o fim de considerar se tanto as incriminações quanto as quantidades de pena obedecem a alguma sistematicidade subjacente identificável Esse tipo de medição fica ainda mais significativo quando se adiciona uma perspectiva histórica de modo a demonstrar as variações na criminalização de condutas e na quantidade de pena associada a cada uma delas ao longo do tempo ou seja em perspectiva diacrônica Na redação original do fato criminoso que deu origem ao que hoje se denomina de tráfico de drogas no direito brasileiro prevista no primeiro Código Penal da República de 1890 ainda não havia distinção entre substâncias lícitas e ilícitas7 e a única pena prevista era a de multa De lá para cá foram nada menos que nove alterações legislativas dez leis no total8 em um forte movimento de aumento da quantidade de penas e adição de novas condutas à incriminação O gráfico a seguir expressa esse desenvolvimento histórico Tabela I Evolução Histórica do Crime de Tráfico de Drogas É notável observar a grande variação na pena para tal delito notadamente o aumento da pena máxima na Lei de 1976 justamente quando o discurso de guerra às drogas começa a ganhar força internacionalmente tendo sido alterada a anterior escala penal que era de um a cinco anos de pena de prisão para um parâmetro de três a quinze anos9 havendo um aumento de trezentos por cento ou de três vezes tanto para a pena mínima quanto para a máxima Destacase ainda que a mais recente alteração sofrida pelo crime de tráfico de drogas com a vigente Lei n 113432006 aumentou ainda a pena mínima de três para cinco anos embora tenha mantido a pena máxima em quinze anos No delito de tráfico de drogas há historicamente uma grande variação legislativa todas elas no sentido de aumentar ou manter os parâmetros de pena anteriores10 Por outro lado se o compararmos com outros crimes temse numa perspectiva histórica maior estabilidade na resposta penal em outros delitos como pode ser visto na tabela ao lado Optouse no gráfico pela utilização das médias aritméticas entre as penas mínimas e máximas previstas de modo a se ter uma visão mais geral11 17 16 Tabela II Evolução Histórica Comparativa das Médias Aritméticas entre as penas mínimas e máximas Como visto na tabela é marcante a desproporcionalidade normativa do crime de tráfico de drogas em relação aos demais crimes do Direito Brasileiro além da grande variação legislativa Nessa análise comparada dos tipos penais iniciase pelo delito de homicídio11 considerado o crime básico para a medição de índices de violência um dos mais severamente apenados no ordenamento jurídico brasileiro só sendo inferior ao delito de latrocínio roubo seguido de morte12 Ao compararmos o tipo penal de homicídio com o tráfico de drogas nota se que aquele não sofreu grandes alterações pontuais no período diferentemente do outro No tipo de homicídio possivelmente por estar incluído no Código Penal seus parâmetros penais pouco se alteraram um total de três leis contra nove no crime de tráfico No entanto na linha histórica a pena média cominada para o homicídio foi reduzida a partir do Código Penal de 1940 enquanto que a pena média do crime de tráfico foi a que mais aumentou entre os delitos estudados Nesse sentido enquanto a pena mínima do homicídio se manteve constante em seis anos sua pena máxima diminuiu da Consolidação das Leis Penais de 1932 para o Código Penal de 1940 de 24 para 20 anos Além disso ao se comparar a pena cominada ao tráfico de drogas com a do delito de estupro12 o qual se destaca pela violação sexual de uma pessoa mediante violência ou grave ameaça originalmente o segundo mais severamente apenado pelo direito brasileiro percebese que na avaliação da dinâmica histórica a pena máxima para o estupro jamais passou de dez anos um aumento de menos de cem por cento em relação à sanção máxima inicialmente prevista enquanto que sua pena mínima aumentou significativamente13 Ainda assim o resultado final é uma pena mínima apenas um ano maior do que a mínima prevista para o tráfico de drogas e uma pena máxima um terço menor dez contra quinze anos devendo ser destacado que na linha histórica a pena média para o crime de tráfico de drogas supera a prevista para o estupro Igualmente instrutiva é a comparação entre o delito de tráfico de drogas que não envolve necessariamente violência14 e o crime de corrupção passiva de notável importância atual que também apresenta um acentuado e consistente aumento dos parâmetros sancionatórios Enquanto o crime de tráfico passou por uma mudança mais radical na sua escala penal transformandose de um crime sancionado apenas com multa para um delito cuja escala vai de cinco a quinze anos de prisão o delito de corrupção passiva no Brasil15 em contraste passou de uma pena que já era de prisão de seis meses a um ano para uma pena de prisão maior de dois a doze anos embora ainda bem menor que a pena para o tráfico de drogas de cinco a quinze anos16 Merece ser acrescentado ainda um outro dado recente a Lei de Drogas de 2006 criou um novo delito no artigo 36 denominado de financiamento do tráfico17 cuja pena mínima 8 anos é superior à pena mínima do homicídio simples 6 anos sendo idêntica a pena máxima para este crime 20 anos o que configura um exemplo do radicalismo da resposta penal nos crimes de drogas o que pode até vir a ser considerado inconstitucional pela quebra da racionalidade e da proporcionalidade Tal elemento se soma na constatação da repressiva visão 19 18 do legislador brasileiro em relação aos delitos que envolvem drogas ilícitas Em termos de ofensividade a mensagem passada pelo legislador brasileiro se levarmos em conta os parâmetros dados pela escala penal dos delitos é no sentido de que a saúde pública enquanto bem jurídico tutelado na Lei de Drogas é mais valorado do que o regular funcionamento e probidade da Administração Pública bem tutelado no crime de corrupção Contudo são os desvios de verba e a venalidade dos funcionários públicos ao reduzirem a verba total do orçamento do Estado que vão dificultar justamente a universalização da saúde pública e o investimento em políticas de saúde e tratamento Mas essa lógica estrutural não é incorporada nas discussões sobre a temática Como se verá a seguir além de desproporcional a reação estatal na forma de altas penas privativas de liberdades aplicada aos vendedores de drogas ilícitas ainda implica em altos custos de encarceramento de pessoas que também irão impactar o orçamento Com essa afirmação questionase a coerência na resposta estatal aos crimes de drogas para os quais a privação da liberdade é considerada prioritária em detrimento de outras políticas que poderiam ser muito mais eficazes na prevenção de sua ocorrência Por fim em relação ao delito de posse de drogas para uso pessoal18 crime hoje considerado no Brasil como de pequeno potencial ofensivo eis que não mais admite pena privativa de liberdade notase uma volatilidade marcante ou seja uma grande variação para cima e para baixo na linha do tempo da pena média prevista em lei Diferentemente do delito de tráfico a evolução histórica no Brasil reflete uma política atual menos repressiva eis que se operou a despenalização19 da conduta a partir de 2006 o que vem sendo considerado como bastante positivo20 Nesse caso a dificuldade verificada como será demonstrado mais adiante é a referente aos limites fluídos e incontroláveis entre as condutas de tráfico e de posse de drogas para consumo pessoal A análise conjunta dos dados destes gráficos portanto indica que os crimes relacionados a drogas exemplificados por tráfico e posse para consumo pessoal ganharam mais atenção do legislador do que quaisquer outros crimes no mesmo período pelo maior número de leis editadas sobre o tema Além do mais no delito de tráfico de drogas o aumento das penas ocorreu de forma mais consistente no tempo e mais acentuado do que em todos os demais crimes analisados incluindo alguns mais associados à violência geral e à sensação de insegurança na sociedade como homicídio e estupro O delito de tráfico de drogas também teve maior aumento de pena do que o crime de corrupção passiva normalmente associado a uma preocupação crescente da sociedade com maior moralidade transparência e controle dos agentes públicos além de ser potencialmente mais danoso para a sociedade visto que pode ter resultados desastrosos e de longo prazo nas políticas públicas em geral e na atividade fiscalizadora do Estado Todos estes dados derivados de uma análise comparativa sincrônica e diacrônica de tipos de crimeschave no Direito Penal Brasileiro demonstram que o crime de tráfico de drogas em que pese enumere condutas sem violência nem dano direto a vítimas concretas teve maior aumento de penas do que outros crimes considerados mais graves eis que intimamente ligados à violência homicídio estupro e do que delitos associados ao funcionamento básico do estado e da sociedade como um todo corrupção21 Essa constatação se relaciona com o teste de adequação imposto às normas penais pelo princípio da proporcionalidade A análise comparativa das normas demonstra que não há um critério ou parâmetro subjacente identificável nas edições de normais penais incriminadoras para condutas relacionadas a drogas vis à vis outros crimes O excesso de importância normativa dada ao crime de tráfico de drogas e em certo sentido também ao crime de posse contrasta com a pouca relevância normativa vislumbrada com relação aos demais crimes os quais muito mais diretamente geram danos sociais concretos com vítimas diretas duramente atacadas nos seus direitos e bens jurídicos como no homicídio e no estupro ou com vítimas muito mais numerosas e diversificadas no tempo e no espaço como na corrupção A essa inadequação normativa dos crimes previstos na Lei 113432006 especialmente do tráfico de drogas isto é desproporcionalidade em um aspecto abstrato se liga a análise da desproporcionalidade em um aspecto mais concreto que será visto a seguir com foco nos custos financeiros e humanos criados pela aplicação daquela lei 6 O Código Penal de 1890 no seu art 159 falava em substâncias venenosas Para um apanhado da evolução histórica do crime de tráfico cf BOITEUX Luciana O controle penal sobre as drogas ilícitas o impacto do proibicionismo sobre o sistema penal e a sociedade Tese de Doutorado Faculdade de Direito da USP 2006 10 Não foi inserida nesse histórico a Lei 104092002 Embora ela tenha revogado grande parte da Lei 63681976 a parte mais especificamente penal dela o foco desta parte do trabalho acabou nunca entrando em vigor de modo que se considera desnecessária sua inclusão na série histórica das penas expostas na Tabela I 7 Na verdade a Lei n 57261976 tinha aumentado a pena máxima para seis anos mas esse aumento pode ser desconsiderado para efeito de fixação da tendência 8 Em que pese a Lei n 1134306 tenha estabelecido uma novidade a possibilidade de redução de pena de 16 a 23 no caso de réus primários de bons antecedentes não dedicados às atividades criminosas e não vinculados ao crime organizado no parágrafo 4o do art 33 Para verificar como a aplicação concreta desse causa de redução de pena foi bastante reduzida na prática vide BOITEUX Luciana Trafico y Constitución un estudio jurídico social sobre el artículo 33 de la Ley de Drogas brasileña y su aplicación por los jueces de Río de Janeiro y Brasília Notas 21 20 In II Conferência Latino Americana e I Conferência Brasileira sobre Política de Drogas 2010 Rio de Janeiro America Latina Debate sobre Drogas I y II Conferencias Latinoamericanas sobre Políticas de Drogas Buenos Aires Intercambios Sociedad CivilFacultad de Ciencias Sociales de la UBA 2010 v 1 p 239247 9 Em outro texto atualmente em fase de elaboração se pretende aprofundar mais a questão da comparação entre as penas incluindose a análise das penas mínimas e máximas Para os objetivos desse texto no momento se considera suficiente a comparação das penas médias que permitem uma análise mais geral 10 Aqui considerase apenas o homicídio simples art 121 caput do Código Penal tendo em vista que a escala penal do homicídio qualificado no direito brasileiro vai de 12 a 20 anos art 121 parágrafo 2o do Código Penal 11 Art 157 parágrafo 3o do Código Penal Brasileiro apenado com pena de 20 a 30 anos no caso de roubo seguido de morte da vítima 12 Art 213 do Código Penal com redação modificada pela Lei n 1201509 Constranger alguém mediante violência ou grave ameaça a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso Pena reclusão de 6 seis a 10 dez anos 13 Especialmente no Código Penal de 1940 de um para três anos e na Lei n 80721990 de quatro para seis anos pena esta mantida pela última lei alteradora Lei n 120152009 14 E que também é considerado na classificação da literatura do Direito Penal um crime de perigo abstrato quanto à estrutura do delito e de mera atividade quanto à exigência de resultado empírico Como este não é propriamente um trabalho dogmático de Direito Penal não cabem aqui digressões quanto a estas classificações e categorias Para definições vide SANTOS Juarez Cirino dos Direito Penal Parte Geral Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 p 109110 15 Art 317 do Código Penal Solicitar ou receber para si ou para outrem direta ou indiretamente ainda que fora da função ou antes de assumila mas em razão dela vantagem indevida ou aceitar promessa de tal vantagem Pena reclusão de 2 dois a 12 doze anos e multa 16 A mesma situação é observada quanto a outros crimes de funcionários públicos contra a Administração Pública que também se inserem numa definição ampla extrajurídica de corrupção mas não tem esse nome na lei penal Um exemplo é o crime de peculato definido no art 312 do Código Penal vigente de 1940 que também tem parâmetro sancionatório de dois a 12 anos de prisão 17 Art 36 Financiar ou custear a prática de qualquer dos crimes previstos nos arts 33 caput e 1o e 34 desta Lei Pena reclusão de 8 oito a 20 vinte anos e pagamento de 1500 mil e quinhentos a 4000 quatro mil diasmulta 18 Art 28 da Lei n 1134306 Quem adquirir guardar tiver em depósito transportar ou trouxer consigo para consumo pessoal drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas I advertência sobre os efeitos das drogas II prestação de serviços à comunidade III medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo 1o Às mesmas medidas submetese quem para seu consumo pessoal semeia cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica 19 Entendese por despenalização a manutenção da conduta no rol dos crimes sem previsão legal de pena privativa de liberdade como ocorreu no artigo 28 da Lei n 1134306 que previu apenas medidas alternativas à prisão 20 Para mais detalhes sobre a despenalização da posse de drogas para uso pessoal no Brasil vide BOITEUX Luciana Breves considerações sobre a política de drogas brasileira atual e as possibilidades de descriminalização Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais IBCCRIM v 217 p 1617 2010 21 Em termos da dogmática do Direito Penal poderseia dizer que o bem jurídico saúde pública supostamente protegido pela criminalização de condutas relacionadas a drogas ilícitas é menos afetado por tais condutas do que os bens jurídicos protegidos pelos demais crimes considerados p ex bem jurídico vida protegido pela criminalização do homicídio Após termos visto como o aumento das penas em abstrato do delito de tráfico de drogas foi historicamente superior a outros delitos de maior gravidade mesmo aqueles praticados mediante violência e como consequentemente o delito de tráfico de drogas se mostra mais gravemente apenado que graves crimes como estupro e corrupção é essencial verificar como essa política impacta o sistema penitenciário brasileiro ou seja se a aplicação na prática das penas cominadas é ou não proporcional concretamente Para tanto deve ser verificado em primeiro lugar o impacto das condenações por tráfico na realidade das instituições carcerárias brasileiras 31 Lei de Drogas e Encarceramento no Brasil Trabalhos anteriores já trataram do tema do encarceramento pelo crime de tráfico de drogas ilícitas nos Estados Unidos22 e na América Latina23 Percebese na prática uma confluência de políticas internacionais que seguem a lógica do encarceramento em massa como pretensa solução para lidar com a criminalidade relacionada à droga numa realidade carcerária já impactada Nesse sentido verificouse como causa do aumento do número geral de presos na ampla maioria dos países justamente o aumento das condenações pelo delito de tráfico como as conclusões para a América Latina verificados no estudo coordenado por Metaal e Youngers 2010 III A Desproporcionalidade da Lei n 113432006 em Concreto 23 22 Ano Total de Presos Presos por 100milhab 1992 114337 74 1995 148760 92 1997 170602 102 2001 233859 133 2004 336358 183 2007 422590 220 2010 496251 25917 2011 514582 26979 2012 548003 28731 Tabela III Brasil Número de Presos Total por 100 mil habitantes27 Assim nas estatísticas gerais que contabilizam o crescimento da população carcerária foi visto que este decorre tanto do aumento de presos por tráfico de drogas ilícitas como também de usuários dessas substâncias o que vem ocorrendo em diversos países24 Tal linha punitiva segue os ditames da política internacional de drogas preconizada nas três convenções internacionais sobre o tema que prioriza e impõe aos países a utilização de sanções privativas da liberdade como resposta à violação da norma penal sob a inspiração da war on drugs Além disso na prática da aplicação das penas a forma de operacionalização do sistema penal acarreta a maior representatividade de minorias étnicas e mulheres dentre os condenados conforme já comprovado em estudos anteriores25 Especificamente quanto ao Brasil em pesquisa anterior comprovouse o vertiginoso crescimento dos níveis de encarceramento de pessoas por tráfico de drogas De forma progressiva mas especialmente a partir de 2006 com a Lei de Drogas brasileira que como já visto aumentou a pena mínima de tal delito art 33 foi identificado um endurecimento marcante e intencional da resposta penal ao comércio de drogas o que foi considerado um dos principais fatores para o aumento da população carcerária no país nos últimos anos26 Como se percebe da tabela atualizada ao lado o Brasil tem mantido um constante e progressivo aumento de sua população carcerária A partir dessa realidade comparada mostrase importante refletir sobre as características desse crescimento exponencial do número de presos no Brasil país que possui a maior população carcerária da América Latina tanto em números absolutos quanto no número de presos por cem mil habitantes É bastante representativo verificarmos que o grande crescimento da população carcerária no Brasil superior até em termos percentuais àquela verificada no mesmo período nos Estados Unidos considerado o país com a maior população encarcerada do mundo que teve um aumento entre 1992 e 2007 de cerca de 513 por cento da sua taxa de encarceramento por cem mil habitantes28 Caso se considere o crescimento do número de presos no Brasil entre 1992 e 2011 o número relativo de presos mais do que triplicou Em termos de superpopulação carcerária a estadunidense é menos expressiva 1101 especialmente se comparada com Bolívia 1851 Peru 1796 e Brasil 165729 25 24 Na América Latina entre 19922008 segundo Japiassu30 muitos países duplicaram ou quase suas taxas de encarceramento Argentina Colômbia Costa Rica Chile El Salvador México Panamá Peru e Uruguai enquanto que outros estiveram próximos de fazêlo como Equador e Nicarágua É interessante notar que as únicas exceções a esse quadro na região são a Venezuela que reduziu o número de presos e o Brasil que mais que triplicou o número de encarcerados Por ser marcante entendese que caso do Brasil merece ser objeto de análise mais aprofundada constatado que o ritmo de crescimento da população carcerária nos últimos vinte anos não encontra paralelo assim como cresce o déficit de vagas ou seja se está encarcerando mais do que se tem condições de aprisionar No quadro geral de incremento da população penitenciária determinados tipos penais geraram um aumento ainda maior como é o caso do tráfico de drogas que teve um crescimento constante desde 2005 quando alcançou o primeiro registro superior a todos os demais delitos Nesse sentido ao comparar esses anos se verifica que o número de presos por tráfico mais do que triplicou no Brasil onde se verificou um aumento registrado de 32031 do número de presos por tráfico entre 2005 e 2012 conforme indicado na tabela seguinte Aprofundando essa análise na comparação entre os crimes mais representativos no sistema penitenciário brasileiro o que se verifica é que o crescimento do número de presos por tráfico continua superando de longe o percentual de crescimento em relação a todos os outros delitos como se vê na tabela abaixo O número de presos por tráfico no Brasil quase dobrou em três anos o que é bastante significativo A razão para esse crescimento dos presos por tal delito nos últimos anos é atribuída à política repressiva prevista na Lei de Drogas de 2006 como já dito ao aumentar a pena mínima prevista para tal delito ao mesmo tempo em que despenalizou a posse de drogas para uso pessoal Esse fator explica o grande aumento no contingente carcerário pois as pessoas condenadas por tráfico passaram a ficar mais tempo presas além da hipótese de que muitos usuários possam estar sendo condenados por tráfico pela nova lei diante da falta de critérios claros de diferenciação entre tais condutas como dados empíricos já indicaram34 A população carcerária brasileira total é composta por 64 por cento de presas mulheres35 Não obstante foi constatado nos números oficiais que o crescimento dos presos por tráfico de drogas é ainda maior quando se destaca o caso de mulheres presas por tal delito cujo percentual de aumento foi de 7712 entre 2007 e 2012 como se vê na tabela VI Tabela IV População Carcerária Brasileira total de presos e percentual de condenados por tráfico 20052012 Fonte InfopenMinistério da Justiça Ano Presos Total Presos Tráico presos tráico 2005 361402 32880 910 2006 383480 47472 1238 2007 422373 65494 1550 2008 451219 77371 1750 2009 473626 91037 1922 2010 496251 106491 2146 2011 514582 125744 2443 2012 548003 138198 2521 27 26 Tabela V Crescimento de Presos por crimes no Brasil comparação entre 2007 e 2012 Dez2007 Dez2012 Variação Tráico de drogas 65494 138198 11100 Furto31 57442 77873 3557 Estupro 9754 12954 3280 Homicídio32 48761 63066 2933 Roubo33 120079 148067 2330 Latrocínio 13258 15415 1627 Fonte InfopenMinistério da Justiça 2007 2012 Variação Masculino 57610 8796 117404 8937 10379 Feminino 7884 1203 13964 1063 7712 Total 65494 131368 10058 Tabela VI Crescimento dos presos por tráfico de drogas por sexo 2007 2012 Tabela VII Indiciados pela Polícia Federal por tráfico de drogas por gênero 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Masculino 832 817 798 769 755 764 76 Feminino 139 168 17 196 214 20 195 Ignorado 29 15 32 35 31 36 45 Fonte InfopenMinistério da Justiça Fonte Secretaria Nacional de Segurança Pública Departamento de Polícia Federal Relatório Brasileiro sobre drogas SENAD 2009 29 28 Em termos do percentual de crescimento deve ser registrado que embora em termos absolutos haja mais homens presos por tráfico de drogas em termos relativos as mulheres estão superrepresentadas dentre os condenados por esse crime A análise da questão do gênero no tráfico de drogas é um tema bastante sensível sendo relevante destacar que o aumento desproporcional do encarceramento feminino por crimes ligados a drogas é observado em vários países inclusive nos EUA onde foram realizados estudos específicos sobre o tema36 Além disso o crime de tráfico de drogas ilícitas é o que mais encarcera mulheres sendo o maior percentual das condenadas por tal crime 1063 seguido pelo dos crimes contra a fé pública nos quais 511 apenas são de condenadas do sexo feminino como se verifica da próxima tabela Tabela VIII Percentual de presos por crime e por sexo 2012 Homens Mulheres Total Tráico de drogas 117404 8937 13964 1063 131368 Crimes contra a Fé Pública 4468 9488 241 511 4709 Crimes contra a Paz Pública 9331 9611 377 388 9708 Crimes contra a pessoa 63071 9742 1665 257 64736 Crimes contra o Patrimônio 261780 9768 6195 231 267975 Crimes contra os costumes 21290 9904 214 099 21504 Fonte InfopenMinistério da Justiça Cumpre destacar que geralmente as mulheres no tráfico de drogas estão numa posição inferior não se encontrando na cadeia de comando mas sim ligadas a essa atividade em função de ligações familiares ou afetivas O tráfico de drogas como em qualquer mercado apresenta uma divisão sexual do trabalho com risco de discriminação da mulher Muitas delas são apenas mulas e transportam uma mercadoria ou levam drogas ilícitas para seus parceiros nas penitenciárias A maioria delas não oferece qualquer risco à sociedade mas estas são apenadas com penas privativas de liberdade e excluídas da sociedade e separadas de seus filhos As mulas não podem ser comparadas nem mesmo aos aviões do tráfico carioca eis que não intentam em momento algum vender a droga mas tão somente transportálas Além disso essas mulheres adicionam a vulnerabilidade de gênero à vulnerabilidade geral observada em relação à maioria dos presos por tráfico de drogas São mulheres pobres do continente mais pobre do mundo trabalhavam em bicos mal remunerados e trabalhos degradantes eou perigosos É esse o perfil e a cara da maioria das mulheres que o sistema penal alcança ao condenálas pelo crime de tráfico de drogas37 Assim no Brasil o grande aumento de sua população carcerária registrado nos últimos anos vem trazendo graves consequências tanto econômicas em relação ao aumento de gastos penitenciários como humanas já que um maior número de pessoas são submetidas a péssimas condições de vida carcerária A partir dessa realidade será analisada em seguida a desproporcionalidade da lei de drogas em seus custos humanos e econômicos 32 Os custos econômicos da aplicação concreta da Lei de Drogas no Brasil Diante das limitações desse estudo38 no levantamento dos custos econômicos da aplicação da Lei de Drogas no Brasil serão considerados aqui apenas os gastos com a execução da pena privativa de liberdade para os crimes de tráfico de drogas ilícitas tendo em vista que o delito de posse de droga para uso pessoal pela lei brasileira não autoriza a privação da liberdade39 Para tanto a partir do número oficial de encarcerados será feito um cálculo do gasto público a partir de uma estimativa média oficial do custo individual do preso no sistema penitenciário brasileiro40 Objetivamente portanto o Estado Brasileiro gasta anualmente com seus 548003 presos o valor aproximado de R 6785 bilhões dos quais R 1626 bilhões somente com os presos por tráfico de drogas considerando o valor mensal 31 30 aproximado por preso estabelecido como parâmetro pelo Congresso Nacional Tratase de um custo muito alto arcado pelo Estado Brasileiro41 que tradicionalmente não consegue melhorar as condições de suas prisões o que já levou inclusive a uma denúncia perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos com relação às terríveis condições da Penitenciária conhecida como Urso Branco no Acre região norte do Brasil onde mais de 100 presos foram assassinados no interior do presídio sob a tutela do Estado entre os anos de 2000 e 2008 A descrição oficial das condições gerais do sistema penitenciário nacional é a seguinte Em que pese o alto gasto oficial brasileiro este não é suficiente para alterar a situação de superlotação violência e tortura nos estabelecimentos penitenciários brasileiros além das graves deficiências de assistência médica social jurídica e educacional na alimentação e no vestuário e dos relatos de descontrole por parte do Estado e de domínio de organizações criminosas no interior de alguns presídios Uma boa parte dos presos não deveriam estar nas penitenciárias sendo esse atraso decorrente de ausência ou insuficiência de assistência jurídica o que faz com que muitos fiquem presos mais tempo do que suas penas previam A opção pela pena privativa de liberdade ao invés de medidas alternativas também impacta este quadro Em relação ao crime de tráfico que como visto é um fator preponderante da superlotação carcerária a redação original do parágrafo 4o do art 33 da Lei de Drogas reforçava a opção pela pena de prisão Ao mesmo tempo em que permitia uma redução de pena de até dois terços se o acusado for primário de bons antecedentes e não tiver envolvimento com o crime organizado vedava a substituição da pena privativa de liberdade unicamente para este crime mesmo se a pena fosse inferior a quatro anos Apenas recentemente por decisão do Supremo Tribunal Federal que considerou inconstitucional tal vedação passouse a admitir essa substituição43 Diante das condições insalubres da maioria das prisões e o fato de que a grande maioria dos detentos são pessoas pertencentes aos extratos mais A quase totalidade dos presos é pobre originários da periferia com baixa escolaridade e sem ou com pouca renda No ato da prisão o aparelho policial age sempre com prepotência abuso de poder sonegação de direitos e não raro com violência A CPI ouviu muitas denúncias de flagrantes forjados em especial no que se refere às drogas bem como de maustratos praticados pelos agentes policiais42 desfavorecidos da sociedade e também a estimativa que a maioria dos presos por tráfico sejam de pequenos traficantes sem nenhuma importância na cadeia comercial de venda das substâncias ilícitas temse que uma grande quantidade de dinheiro que poderia estar sendo utilizada como investimentos em saúde educação e infraestrutura esteja sendo desperdiçada para conter pessoas que vão sair dali em piores condições do que chegaram conforme apontam diversos estudos sobre o sistema prisional no Brasil e internacionalmente44 Se formos comparar esse gasto com o investimento público em educação no Brasil o contraste é marcante Considerando que as estimativas oficiais apontam que o gasto público oficial anual por aluno no Ensino Médio no Brasil no ano de 2008 foi R 212200 dois mil cento e vinte e dois reais45 enquanto que cada preso em condições insalubres custava anualmente nesse mesmo ano de 2008 R 1238304 ou seja quase seis vezes mais percebese logo quão irracional se mostra essa política de encarceramento ainda mais num país como o Brasil com tantas deficiências nas áreas de educação e saúde Se gasta cerca de seis vezes mais com um preso do que com um aluno na escola É claro que há um subinvestimento em educação no Brasil e se deveria investir muito mais porém essa verba vem sendo destinada a manter pessoas encarceradas Porém mesmo nos EUA essa comparação implica em dizer que segundo foi calculado em 1996 o custo de um preso naquele país por ano superava o gasto anual de um estudante em Harvard incluindo ensino moradia e os gastos diários com alimentação46 Destaquese que aqui se está apenas considerando o custo do encarceramento não levando em conta as demais fases do processo judicial o que elevaria ainda mais o custo desta política de drogas ainda mais No caso do crime de tráfico a situação é ainda mais gritante pois em que pese o alto índice de encarceramento o consumo a circulação e a venda de drogas não são reduzidas nem contidas ou seja apenas se enxuga gelo prendemse muitas pessoas ao mesmo tempo em que há muitas outras disponíveis para ocupar esse espaço Muitos usuários estão presos sem acesso a tratamento e continuando a fazer uso de substâncias ilícitas e o contribuinte é quem paga por isso Em termos comparativos com relação à área de saúde verificase que em 2011 o Brasil gastou no ano com programas de saúde mental um total de R 181277 milhões47 o que vem sendo considerado insuficiente significando que em termos totais gastase mais com prisão do que com saúde mental setor este que recebe muitas demandas de atenção social e tratamento contra a dependência de drogas em geral e outros transtornos mentais mas que o governo não vem sendo capaz de oferecer a todos 33 32 Nesse sentido entendese que os altos gastos com repressão e encarceramento especialmente daqueles pequenos traficantes poderiam estar sendo mais bem utilizados para a prevenção Contudo para além dos altos custos econômicos devem ser destacados os custos humanos ou seja as situações absurdas e injustas além de desproporcionais a que são submetidas pessoas que sofrendo na pele as contradições da Lei de drogas como se verá a seguir 33 Os Custos Humanos da Lei de Drogas no Brasil O Brasil é um país de contrastes onde a aplicação da lei penal se mostra seletiva e discriminatória Nesse momento serão realizados três breves estudos de casos Nestes casos se procura demonstrar finalmente que a inconveniência e a desnecessidade da criminalização das condutas relacionadas a drogas se relacionam com a disfunção social que essa criminalização gera a despeito do fim declaradamente perseguido de melhora ou proteção da saúde pública Do ponto de vista normativo essa disfunção se traduz na vulneração de bens jurídicos direitos fundamentais sem qualquer contrapartida de proteção de outros bens de equivalente relevância Os estudos de caso a seguir fornecerão evidências sobre essa interface entre falha empírica e falha normativa da criminalização de condutas relacionadas a drogas com um foco nos perigos especiais da criminalização de condutas relacionadas ao uso de drogas O usuário condenado por tráfico a uma pena de seis anos por portar 25g de maconha48 Mauricio49 que tinha 23 anos quando foi preso é um exemplo da desproporcionalidade e da irracionalidade da aplicação concreta da lei de drogas Usuário de cannabis estudou até a sexta Série e é pai de três filhos responde a um processo preso como traficante resultado das contradições de uma legislação penal de drogas falha do ponto de vista técnico e tendenciosa por fazer parte de uma política criminal repressora Os crimes de tráfico de drogas e posse para uso próprio compartilham diversas condutas típicas com ônus do réu em provar a intenção de cometer o crime mais leve Além disso devido à carência de critérios claros e objetivos na lei de drogas estabeleceuse na prática a figura do policial como determinante na diferenciação entre tráfico e uso próprio posto que a grande maioria das prisões envolvendo drogas ocorre em flagrante sem uma prévia investigação Desta forma é o policial o primeiro a entrar em contato com o réu e sua palavra tem grande peso diante do juiz Maurício trabalhava descarregando peixe na cidade portuária de Angra dos Reis sul do Estado do Rio de Janeiro recebendo R 4000 quarenta reais a cada oito toneladas descarregadas possuindo renda variável dependendo da maré que determinava a quantidade do pescado Sustentava sua família juntamente com seu padrasto que recebia aposentadoria pelo INSS As únicas drogas que consumia eram álcool e maconha Começou a fumar aos 15 anos por curiosidade e por incentivo de amigos Relata que passou a fumar maconha todos os dias De manhã depois que acordava eu fumava Às vezes antes de almoçar Aí à noite eu fumava uns dois ou três cigarros de maconha antes de dormir Sozinho ou com meus amigos Já fazia parte do meu costume Antes de ser preso por tráfico possuía um antecedente criminal por porte ilegal de arma pelo qual permaneceu preso durante 4 meses e teve de prestar serviços comunitários Afirma que assumiu a autoria do crime para livrar um amigo de ser reincidente Em setembro de 2009 por volta das 12h20 ele descia de uma comunidade acompanhado por sua companheira quando passou por uma viatura da polícia militar e foi abordado pelos policiais Estes procederam a uma revista mas antes que se realizasse ele confessou estar em posse de maconha e não esboçou qualquer reação de fuga O policial encontrou no bolso de sua calça doze sacolés de maconha no total de 2596g Em juízo o policial que encontrou a droga afirmou que já tinha ouvido falar do réu como sendo traficante A tese da defesa foi de que a droga destinavase a uso corroborada pelo depoimento da parceira do réu mas a sentença de primeiro grau condenouo por tráfico de drogas a uma pena de seis anos de reclusão inteiramente fundamentada nos depoimentos dos policiais Quanto à autoria apesar da negativa sustentada pelo acusado em seu interrogatório restou demonstrada pelos depoimentos dos policiais militares que efetuaram a sua prisão em flagrante que inclusive afirmaram em Juízo que tinham notícias que o acusado realizava a venda de substâncias entorpecentes no cais existente no Centro da cidade o que afasta a tese defensiva de que o material apreendido seria destinado ao próprio consumo do acusado não podendo no presente caso concreto ser realizada a pretendida desclassificação do delito Vale ressaltar que os relatos da testemunha Flávia não são suficientes a afastar a credibilidade dos depoimentos dos milicianos que prenderam o acusado haja vista que 35 34 a mesma é a companheira do réu pelo que tem interesse direto no desfecho da causa em seu favor Ademais como os policiais não conheciam o acusado e este não conhecia aqueles não há razão para que os milicianos pudessem inventar a estória de forma a incriminar uma pessoa que saberiam ser inocente Como se pode ver a juíza defendeu o depoimento dos policiais no sentido de serem sinceros porém abstevese de analisar a veracidade das informações Contentouse em terem sido apresentadas por policiais o que mostra a importância dada em juízo a eles A Defensoria Pública apelou da decisão e em acórdão o órgão da segunda instância Câmara Criminal manteve a condenação por maioria de votos cabendo ainda mais um recurso tendo em vista que um dos juízes de segundo grau desclassificava a conduta dele para posse de drogas e o colocava em liberdade Dois aspectos chamam mais atenção no caso de Mauricio O primeiro é o valor que é dado em juízo ao depoimento de policiais Nenhum dos dois policiais tinha conhecimento direto de Mauricio como sendo traficante Eles ouviram boatos e passaram estes boatos adiante em juízo Uma presunção de veracidade conferida a seus depoimentos foi utilizada para conferir status de certeza a boatos No voto vencido no julgamento de 2ª instância o desembargador50 ataca justamente a capacidade probatória dos depoimentos dos policiais Afirma que o conhecimento dos policiais de que Mauricio era traficante baseavamse em meros boatos sem identificação de origem ou de quem fosse o autor da divulgação e que portanto não possuem credibilidade nem força probatória Afirma em seu voto que A credibilidade do depoimento da testemunha depende de se demonstrar como o depoente obteve o conhecimento No acórdão porém houve uma fundamentação mais extensa onde a desembargadorarelatora afirmou que a condição de usuário não necessariamente afasta a autoria pois se pode tratar de um usuáriotraficante e que o réu não poderia ter condições de pagar pela droga R 5000 para uso próprio devido ao baixo salário como descarregador Com base nestes argumentos e nos depoimentos dos policiais a desembargadora entendeu que os 25g de maconha destinavamse ao tráfico Ou seja além de preso como traficante ainda teve essa condição justificada como base na sua pobreza O segundo aspecto que chama a atenção no caso é que Maurício na vez em que foi condenado por porte de arma de fogo uma ação que pode colocar em risco a coletividade a consequência jurídica dessa condenação foi a de quatro meses de prisão e serviços comunitários No entanto quando condenado por crime relacionado a drogas sem qualquer risco a terceiros ele já está preso há quase três anos e pode ficar ainda muito mais tempo Tendo cumprido mais de um terço da pena a que restou condenado ainda aguarda o resultado do recurso preso longe de sua família que enfrenta dificuldades em visitálo devido à distância Sua mãe já tentou visitálo porém problemas no seu cadastramento a impediram Em fevereiro de 2010 seu padrasto faleceu e sua família que já não podia contar com sua ajuda financeira permaneceu totalmente sem renda até que sua mãe começou a receber pensão do INSS Ainda há possibilidades recursais e as fragilidades dos fundamentos condenatórios dão alguma chance de desclassificação para o crime de posse para uso próprio Só que mesmo neste cenário favorável o rapaz já terá passado diversos anos na cadeia funcionando contra ele a presunção de culpabilidade que é reflexo da prisão preventiva obrigatória A condenação de uma pessoa a seis anos de prisão por portar cerca de 25g de maconha é claramente desproporcional sendo esta a pena prevista no Código Penal Brasileiro para o crime de homicídio ainda mais quando se trata de usuário tratado como traficante por sua condição social Nesse sentido quanto irá custar ao erário público ao final de seis anos o encarceramento de Maurício em condições inadequadas numa penitenciária do Rio de Janeiro Utilizando a média nacional mensal por preso acima referida chegase a um valor total de R 11144736 cento e onze mil quatrocentos e quarenta e sete reais pela pena de seis anos a ele aplicada que poderia ser muito melhor utilizado para auxiliar Maurício e sua família em termos de assistência social e prevenção ao uso de drogas51 22 BEWLEYTAYLOR D TRACE M STEVENS A 2005 Incarceration of drug offenders costs and impacts The Beckley Foundation Drug Policy Programme Briefing paper Seven BEWLEYTAYLOR D HALLAM C ALLEN R 2009 The Incarceration of Drug Offenders An Overview The Beckley Foundation Drug Policy Programme Report Sixteen In httpwwwidpcnetphpbindocumentsBeckleyReport162FINALENpdf STEVENSON Bryan 2001 Drug Policy Criminal Justice and Mass Imprisonment Working Paper Global Comission Geneva Jan 2011 23 METAL Pien YOUNGERS Coletta Ed Sistemas Sobrecargados Leyes de drogas y cárceles en América Latina Amsterdam Washington TNIWOLA 2010 Notas 37 36 possível conjecturar que grande parte do aumento dos gastos com segurança pública deriva de uma maior utilização de recursos para este tipo de crime embora a comprovação dessa afirmativa demande uma investigação específica 39 Portanto intencionalmente por falta de fontes seguras se deixará de colacionar os gastos com as demais fases da persecução criminal quais sejam investigação preliminar realizada pela polícia e a etapa Fase Judicial processo que se refere aos custos do processamento e julgamento das ações penais sendo analisada apenas da última fase a da execução das penas privativas de liberdade 40 Equilibrando as diferenças regionais se indicará como fonte os valores informados pela Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Carcerário do Congresso Nacional que em julho de 2008 com base em dados oficiais indicou como média nacional o custo mensal por preso de R 103192 hum mil e trinta e um reais e noventa e dois centavos Fonte Relatório da CPI do Sistema Penitenciário Congresso Nacional Brasília 2008 p 367 Neste são apontadas divergências sendo determinado em relação ao Estado do Rio de Janeiro por exemplo o custo mensal por cada preso de R180000 hum mil e oitocentos reais sendo este o maior valor em relação a todas as demais unidades federativas Em São Paulo o estado que abriga quarenta por cento dos presos brasileiros apresenta custo médio mensal de R 77500 setecentos e setenta e cinco reais Foram encontradas também referências aos custos por mês de um preso em penitenciárias de segurança máxima de R 450000 quatro mil e quinhentos reais mas estes não foram levados em consideração nesse cálculo 41 Embora a metodologia utilizada não seja uniforme o que dificulta a comparação entre os estados consta desse relatório acima citado a indicação de que na época o custo mensal de um preso no Brasil seria o equivalente a U 67000 o que colocaria o país como um dos que mais gasta por preso na América Latina superando Costa Rica custo de US 29900 e Argentina US 28400 42 Relatório da CPI op Cit p 214 43 A partir da decisão do Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus 97256 traficantes considerados de pequeno porte agora fazem jus à substituição da pena privativa de liberdade por sanções restritivas de direito tendo o Senado Federal editado a Resolução nº 2 em 15 de fevereiro de 2012 para riscar da Lei n 11343 Lei de Drogas a expressão vedada a conversão em penas restritivas de direitos considerada inconstitucional A medida também poderá beneficiar sentenciados que se encontrem presos pelo princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica O artigo 44 do Código Penal prevê a conversão da pena privativa de liberdade em restritivas de direito quando aquela não supere 4 anos e o crime não seja cometido com violência ou grave ameaça à pessoa e essa regra genérica não era aplicada ao tráfico devido à vedação de substituição imposta pelo artigo 33 parágrafo 4º da Lei n 11343 44 Para uma ampla revisão de literatura vide CERVINI R Os processos de descriminalização 2ª ed São Paulo RT 2002 para estudos sobre a realidade brasileira CARVALHO Salo Coord Crítica à execução penal 2ª ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2007 45 Fonte INEP disponível em httpportalinepgovbrcjournalviewarticlecontentgroupId10157articl eId24543version10 consulta em 130713 46 Segundo o economista de Harvard Jeffrey Miron 2008 referente aos custos apurados no início dos anos 90 apud The Incarceration of Drug Offenders An Overview The Beckley Foundation Drug Policy Programme Report Sixteen p 12 47 Ref Recursos do SUS destinados a hospitais psiquiátricos e aos serviços extrahospitalares em 2011 Subsecretaria de Planejamento e OrçamentoSPOMS DATASUS Coordenação de Saúde Mental Álcool e Outras DrogasDAPESSASMS In Ministério da Saúde Secretaria de Atenção à Saúde Departamento de Ações Programáticas Estratégicas Coordenação Geral de Saúde Mental Álcool e Outras Drogas Saúde Mental em Dados 10 Ano VII nº 10 março de 2012 Disponível em httpportalsaudegovbrportalarquivospdf mentaldados10pdf 48 Os dados para a narrativa e a descrição do caso foram extraídos dos autos do processo a que responde o acusado e de entrevista semiestruturada de pesquisa feita em novembro de 2010 na penitenciária onde ele está preso até hoje Um extrato da pesquisa está disponível no site do TNI httpwwwdruglawreforminfoenpublicationsthehumanface 24 BEWLEYTAYLOR D HALLAM C ALLEN R 2009 The Incarceration of Drug Offenders An Overview 2009 25 HUMAN RIGHTS WATCH Punishment and Prejudice Racial Disparities in the War on Drugs New York 2000 26 BOITEUX Luciana Drogas y prisión la represión contra las drogas y el aumento de la población penitenciaria en Brasil In METAAL Pien YOUNGERS Coletta Eds Sistemas Sobrecargados op Cit p 3039 27 Fonte International Centre for Prison Studies considerando os dados mais recentes divulgados pelo Infopen e uma população nacional de 1998 milhões em dezembro de 2012 dados obtidos do CELADE Disponível em httpwwwprisonstudiesorginfoworldbriefwpbcountryphpcountry214 World Prison Brief supplied by the International Centre for Prison Studies maintained by Roy Walmsley 28 Os EUA passaram de 501 presos por cem mil habitantes em 1992 para 758 em 2007 segundo o ICPS 29 Fonte International Center for Prison Studies 30 JAPIASSU Carlos Eduardo Palestra intitulada Expansão do direito penal e Superencarceramento proferida no Seminário Internacional do IBCCRIM Instituto Brasileiro de Ciências Criminais São PauloSP em agosto de 2011 31 Foram considerados em 2012 tanto os furtos simples 38027 quanto os qualificados 39846 assim como em 2007 26673 e 30769 respectivamente Fonte Infopen Ministério da Justiça 32 Foram considerados em 2012 tanto os homicídios simples 27410 quanto os qualificados 35656 assim como em 2007 17310 e 31451 respectivamente Fonte Infopen Ministério da Justiça 33 Levouse em consideração nesse item tanto os roubos simples 48572 quanto os qualificados 84527 assim como em 2007 36523 e 83826 respectivamente Fonte Infopen Ministério da Justiça 34 Cf BOITEUX L et alli Tráfico de drogas e Constituição Série Pensando o Direito Brasília Secretaria de Assuntos Legislativos Ministério da Justiça 2009 35 Fonte Infopen dados mais recentes de Dezembro de 2012 36 BUSHBASKETTE S R The War on Drugs A War Against Women In Cook S Davies S Eds Harsh Punishment International Experiences of Womens Imprisonment Boston Northeastern University Press 1999 37 Sobre encarceramento de mulheres no Brasil vide ANDRADE Vera Regina Pereira de Sexo e gênero a mulher e o feminino na criminologia e no sistema de justiça criminal Boletim IBCCRIM São Paulo v11 n137 p 2 abr 2004 ESPINOZA Olga A mulher encarcerada em face do poder punitivo São Paulo IBCCRIM 2004 FRINHANI Fernanda de Magalhães Dias SOUZA Lídio de Mulheres encarceradas e espaço prisional uma análise de representações sociais Psicologia Teoria e prática São Paulo v 7 n 1 jun 2005 LEMGRUBER Julita Cemitério dos vivos análise sociológica de uma prisão de mulheres 2ª edição Rio de Janeiro Forense 1999 SECRETARIA ESPECIAL DE POLITICAS PARA MULHERES Relatório do Grupo de Trabalho Interministerial sobre a Reorganização e Reformulação do Sistema Prisional Feminino Brasília 2008 SOARES Bárbara Musumeci SILVA Iara Ilgenfritz Prisioneiras vida e violência atrás das grades Rio de Janeiro Garamond 2002 38 O levantamento completo a respeito dos custos econômicos ou seja da quantidade de dinheiro dispendida pelos Governos estadual e federal na aplicação da Lei de drogas brasileira demandaria efetivamente que fossem considerados todos os gastos incluindo as despesas com pessoal Polícia e Justiça administrativa custos da máquina incluindo equipamentos viaturas e armamentos dentre outros além dos custos penitenciários e de saúde tratamento internações remédios serviço social etc Contudo tais informações não são disponibilizadas de forma destacada nos orçamentos públicos dos ministérios o que não permitiu ao estudo trazer essas informações para uma análise mais ampla Não obstante buscouse focar nos custos penitenciários estimados dos presos por crimes de drogas cujos dados estão disponíveis para se trazer à discussão Como o aumento da população carcerária relacionada ao crime de tráfico de drogas é o maior aumento relativo é 39 38 49 Nome fictício 50 Nome dado ao juiz de apelação ou de segunda instância 51 Registrese que algum tempo depois da publicação da versão original desse artigo em espanhol se teve notícia que esse personagem cuja estória foi aqui contada teve seu caso julgado em sede de embargos infringentes e depois de cumprir quase toda a pena a que restou condenado teve sua conduta desclassificada para posse de drogas art 28 pelo fato de não haver nenhuma de tráfico tendo os Desembargadores determinado sua imediata soltura Considerações Finais Este trabalho tinha por objetivo responder à pergunta principal é proporcional a criminalização de condutas relacionadas a algumas drogas arbitrariamente consideradas ilícitas Para responder esta questão deuse uma definição do princípio da proporcionalidade como um instrumento jurídico de teste de legitimidade das normas penais incriminadoras Em seguida mostrouse a prioridade legislativa dada às condutas relacionadas a drogas para efeito de criminalização bem como o resultado disso penas sistematicamente mais altas absoluta ou relativamente para o crime de tráfico de drogas do que para outros crimes bem mais danosos para a sociedade que inclusive podem culminar com a destruição da vida de uma pessoa inocente é perfeitamente possível e muitas vezes efetivo que um acusado por crime de homicídio receba pena menor do que um acusado por tráfico de drogas Depois desta parte mais abstrata o trabalho assumiu uma perspectiva concreta e demonstrou que i a maior parte do crescimento do encarceramento no Brasil de 2007 a 2011 que continua aumentando e já representa a quarta maior população carcerária do mundo se deve a um vertiginoso aumento da prisão de pessoas condenadas por tráfico de drogas situação ainda mais grave entre as mulheres ii por consequência o Brasil tem um custo crescente com 41 40 encarceramento em grande parte por causa do encarceramento por tráfico de drogas iii o governo brasileiro gasta seis vezes mais em média para manter um preso do que para manter um aluno no ensino médio ou seja se gasta mais para prender uma pessoa do que para investir em uma política pública que a tornaria menos vulnerável socialmente inclusive para o abuso e dependência de drogas ou para o emprego em atividades criminosas iv o perfil dos presos como traficantes envolvem na maioria das vezes pessoas que têm vidas difíceis vulneráveis sociais que adicionam às suas dificuldades de vida a sentença de morte social de terem sido condenadas por tráfico de drogas forçadas a abandonar as suas famílias e a deixálas sem sustento v quando eventualmente uma pessoa não tão vulnerável é presa por tráfico ela tem a sua vida totalmente revirada é retirada da sua casa do seu trabalho e da sua família demorando muito tempo para retomar pelo menos algumas das tarefas normais e cotidianas que ela fazia e trazendo memórias traumáticas para o resto da vida De todas as constatações deste trabalho está claro agora que as leis de drogas no Brasil e a Lei 113432006 em especial são completamente desproporcionais seja abstratamente seja concretamente A concepção jurídica da lei representa um desastre normativo e a sua aplicação um ainda maior desastre social Mais do que qualquer outra lei penal a Lei de Drogas é seletiva estigmatizante ambígua e autoritária Ela atinge especialmente pessoas já pobres e vulneráveis e aplica a estas pessoas penas mais graves do que aquelas aplicadas a estupradores corruptos e em alguns casos até homicidas Enquanto faz isso ela destrói famílias casas vidas e ainda gera uma sangria injustificável nos cofres públicos destinada a sustentar um aparato prisional que nada traz de bom para a vida dos condenados Esse dinheiro concentrado num investimento podre deixa de ser aplicado em investimentos claramente frutíferos para a sociedade tais como colocação e manutenção de crianças no ensino fundamental É hora de toda a sociedade se perguntar por que ainda se gasta tanto dinheiro com a encarceramento em geral em especial em relação ao delito de tráfico de drogas ilícitas sem que com isso tenha conseguido reduzir o consumo a venda de drogas ou a violência em torno deste mercado ilícito Referências bibliográficas ALEXY Robert Constitutional rights balancing and rationality Ratio Juris v 16 n 12 p 131140 jun 2003 On balancing and subsumption A structural comparison Ratio Juris v 16 n 4 p 43349 dec 2003 ÁVILA Humberto Teoria dos princípios Da definição à aplicação dos princípios jurídicos 4ª ed São Paulo Malheiros 2004 BEWLEYTAYLOR D TRACE M STEVENS A Incarceration of drug offenders costs and impacts The Beckley Foundation Drug Policy Programme Briefing paper Seven 2005 BEWLEYTAYLOR D HALLAM C ALLEN R The Incarceration of Drug Offenders An Overview The Beckley Foundation Drug Policy Programme Report Sixteen 2009 In httpwwwidpcnetphpbindocumentsBeckleyReport162FINAL ENpdf BOITEUX Luciana WIECKO Ela Coord et alli Tráfico de drogas e Constituição Série Pensando o Direito Brasília Secretaria de Assuntos Legislativos Ministério da Justiça n 1 2009 BOITEUX Luciana O controle penal sobre as drogas ilícitas o impacto do proibicionismo sobre o sistema penal e a sociedade Tese de Doutorado Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo 2006 Drogas y prisión la represión contra las drogas y el aumento de la población penitenciaria en Brasil In METAAL Pien YOUNGERS Coletta Eds Sistemas Sobrecargados Leyes de drogas y cárceles en América Latina Amsterdam Washington TNIWOLA 2010 p 3039 Trafico y Constitución un estudio jurídicosocial sobre el artículo 33 de la Ley de Drogas brasileña y su aplicación por los jueces de Río de Janeiro y Brasília In II Conferência Latino Americana e I Conferência Brasileira sobre Política de Drogas 43 42 2010 Rio de Janeiro America Latina Debate sobre Drogas I y II Conferencias Latinoamericanas sobre Políticas de Drogas Buenos Aires Intercambios Sociedad Civil Facultad de Ciencias Sociales de la UBA 2010 v 1 p 239247 Breves considerações sobre a política de drogas brasileira atual e as possibilidades de descriminalização Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais IBCCRIM v 217 p 1617 2010 BUSHBASKETTE S R The War on Drugs A War Against Women In Cook S Davies S Eds Harsh Punishment International Experiences of Womens Imprisonment Boston Northeastern University Press 1999 CARVALHO Salo de Coord Crítica à execução penal 2ª ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2007 CERVINI R Os processos de descriminalização 2ª ed São Paulo RT 2002 CHRISTIE Nils A indústria de controle do crime Rio de Janeiro Forense 1998 DIAS Jorge de Figueiredo Questões fundamentais de direito penal revisitadas São Paulo RT 1999 FORUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA Anuário brasileiro de segurança pública São Paulo ano 5 2011 GOMES Mariangela Gomes Magalhães Princípio da proporcionalidade no direito penal São Paulo RT 2003 HUMAN RIGHTS WATCH Punishment and Prejudice Racial Disparities in the War on Drugs New York 2000 MINISTÉRIO DA SAÚDE Secretaria de Atenção à Saúde Departamento de Ações Programáticas Estratégicas Coordenação Geral de Saúde Mental Álcool e Outras Drogas Saúde Mental em Dados 10 Ano VII nº 10 março de 2012 MENDES G F O princípio da proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal In Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade 2ª ed São Paulo Instituto Brasileiro de Direito Constitucional e Celso Bastos 1999 p 7187 METAAL Pien YOUNGERS Coletta Ed Sistemas Sobrecargados Leyes de drogas y cárceles en América Latina Amsterdam Washington TNIWOLA 2010 NEUMANN U O principio da proporcionalidade como princípio limitador da pena Revista do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais São Paulo n 71 p 205232 marabr 2008 RELATÓRIO DA CPI DO SISTEMA PENITENCIÁRIO Congresso Nacional Brasília 2008 SANTOS D L S O princípio da proporcionalidade In PEIXINHO M M GUERRA I F NASCIMENTO FILHO F Os princípios na Constituição de 1988 Rio de Janeiro 2001 p 35982 SANTOS Juarez Cirino dos Direito Penal Parte Geral Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 SILVA Virgílio Afonso da O proporcional e o razoável Revista dos Tribunais São Paulo ano 91 n 798 p 2350 abr 2002 STEVENSON Bryan Drug Policy Criminal Justice and Mass Imprisonment Working Paper Global Comission Geneva Jan 2011 ZAFFARONI E R et alli Direito Penal Brasileiro I Rio de Janeiro Revan 2003
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A desproporcionalidade da lei de drogas Os custos humanos e econômicos da atual política do Brasil Luciana Boiteux e João Pedro Pádua Luciana Boiteux Professora Adjunta de Direito Penal e Coordenadora do Grupo de Pesquisas em Política de Drogas e Direitos Humanos da Universidade Federal do Rio e Janeiro João Pedro Pádua Professor da Universidade Federal Fluminense Diretor Jurídico da ONG Psicotropicus Colaboraram com esse trabalho como assistentes de pesquisa Camila Soares Lippi Bolsista Cnpq e bacharel em Direito pela UFRJ Gabriel Duque Estrada Bacharel em Direito pela UFRJ Nathalya Valério Bolsista Cnpq e bacharelanda em Direito pela UFRJ Jeferson Queiroz dos Santos Bacharel pela UFRJ Maudyr de Vaz Ribeiro Bacharelando pela UFRJ Natalia Santanna de Figueiredo Bolsista UFRJ Vinicius Pinheiro Silveira Rosa Bolsista PIBICUFRJ Por Sobre o CEDD O Coletivo de Estudos Drogas e Direito CEDD reúne investigadores de 7 países latino americanos com o objetivo de analisar o impacto da legislação penal e a prática jurídica em matéria de drogas ilícitas O CEDD busca fomentar o debate sobre a efetividade das políticas de drogas atuais e recomenda políticas alternativas mais justas e efetivas O CEDD foi criado no contexto da crescente evidência de que as políticas internacionais de controle de drogas não diminuíram o consumo de drogas nem reduziram o cultivo de plantas destinadas aos mercados ilegais ou reduziram o tráfico de drogas As leis sobre drogas recaem de maneira desproporcional sobre populações mais vulneráveis e desprotegidas além de gerarem a indesejada consequência de superlotar os sistemas de administração de Justiça Penal A criação do coletivo foi impulsionada pelo Washington Office for Latin America WOLA e pelo Transnational Institute TNI por meio da publicação de um estudo em 2010 acerca do impacto das leis de drogas sobre os sistemas carcerários de oito países latino americanos A nova série de estudos da qual o artigo sobre a situação brasileira faz parte revisa criticamente sobre a aplicação do principio de proporcionalidade na relação entre crimes de drogas e punições Os estudos concluíram que as penas por delitos de drogas e o tratamento de seus autores são desproporcionados o que acarreta em muitas ocasiões danos maiores do que os benefícios pretendidos Membros do CEDD O coletivo inclui membros da Argentina Brasil Bolívia Colômbia Equador Estados Unidos México Países Baixos e Peru Argentina Alejandro Corda Intercambios Asociación Civil Brasil Luciana Boiteux UFRJ e Joao Pedro Padua UFF Bolívia Rose Achá Justicia Penal Juvenil en Defensa de Niñas y Niños DNI Colômbia Diana Guzmán e Rodrigo Uprimny DeJusticia Equador Jorge Paladines Universidad Andina Estados Unidos ColettaYoungers Washington Office for Latin America WOLA México Catalina Pérez Correa Centro de Investigación y Docencia Económicas CIDE Países Baixos Pien Metaal Transnational Institute TNI Peru Jérôme Mangelinckx e Ricardo Soberón Centro de Investigación Drogas y Derechos Humanos CIDDH ISBN 9788564052000 Brazilian Drug Policy Association wwwdrogasyderechoorg Este trabalho é parte da produção do CEDD Coletivo de Estudos Drogas e Direito e foi realizado com o apoio da Psicotrópicos e do Grupo de Pesquisas Drogas e Direitos Humanos do Laboratório de Direitos Humanos da UFRJ 7 Apresentação A presente publicação divulga os resultados da parte brasileira de uma pesquisa latinoamericana estruturada por meio do CEDD Coletivo de Estudos Drogas e Direito sobre a proporcionalidade das normas jurídicas que proíbem e punem criminalmente as condutas relacionadas a algumas drogas definidas como ilícitas por listas internacionais incorporadas ao direito interno Uma primeira versão deste trabalho em espanhol fez parte do livro Justiça Desmedida Proporcionalidad y Delictos de Droga en América Latina organizado por Catalina Pérez Correa e publicado pela Editorial Fontamara em 2012 O presente artigo agora publicado em português mantém a mesma versão mas incorpora dados penitenciários brasileiros mais recentes de forma a não perder a atualidade do texto sendo mantidas as conclusões A pergunta básica dessa pesquisa pode ser resumida na seguinte frase as normas penais que punem condutas relacionadas a algumas drogas são proporcionais em relação aos bens jurídicos e sociais que pretendem proteger e aos custos humanos e financeiros que essas próprias normas impõem à sociedade Para responder a essas perguntas a pesquisa inicialmente submeteu as normas penais sobre algumas drogas a um teste normativo à luz do princípio jurídicoconstitucional da proporcionalidade adaptado às normas penais Em 9 8 O presente trabalho pretende discutir a desproporcionalidade da reação social punitiva a delitos envolvendo drogas ilícitas tanto na perspectiva abstrata aumento e fixação irracional das penas do crime de tráfico se comparado com outros como na concreta desproporcional representatividade dos condenados por tal delito no sistema penitenciário combinada com os custos concretos decorrentes dessa opção política tanto econômicos quanto humanos Será analisada portanto a racionalidade da resposta penal e as consequências da atuação do sistema penal punitivo na realidade social dos processados e condenados pelos crimes relacionados às drogas tidas arbitrariamente por ilícitas Tal política punitiva ao priorizar a prisão e deixar em segundo plano a prevenção e o tratamento é apontada como responsável pelo aumento da superpopulação carcerária em quase todo o mundo sendo o foco deste estudo a situação específica do Brasil que não foge à regra do fenômeno observado em outros países A relevância dessa análise está no fato de que este país de dimensões continentais possui a quarta maior população penitenciária do mundo ao mesmo tempo em que pouco investe em infraestrutura prisional tendo sofrido grande impacto das políticas criminais de drogas seguida o trabalho submeteu essas mesmas normas a um teste concretoempírico apontando efeitos dessas normas em termos de custos humanos e financeiros Como se pode ver da leitura do trabalho os resultados são claros e chocantes Criadas para proteger o bem jurídico saúde pública as normas penais sobre algumas drogas na realidade geram encarceramento em massa prisões de cidadãos cumpridores das leis como traficantes e uma verdadeira tragédia humana quando se trata de mulheres Além disso as normas penais sobre algumas drogas são as que mais sofreram alterações desde a primeira lei penal brasileira sempre aumentando o escopo punitivo e a quantidade de pena prevista Como resultado as normas penais sobre algumas drogas geram penas médias mais graves que as de estupro roubo e são muito próximas das penas de homicídio Conforme também demonstrado pela pesquisa essas penas são as principais responsáveis pelo aumento massivo da população carcerária desde 2006 quando a atual Lei de Drogas Lei n 113432006 entrou em vigor E ainda há projetos no Congresso Nacional para aumentar essas penas como o PLC 372013 atualmente em tramitação no Senado Federal Os vários gráficos tabelas análises normativas e narrativas fáticas presentes no trabalho falam por si sós mas o acúmulo desses dados alguns deles já bem conhecidos dos estudiosos da área penal e a sua relação com as exigências de coerência e racionalidade do princípio da proporcionalidade apontam todos para uma só conclusão as normas penais que punem condutas relacionadas a algumas drogas no Brasil são normativamente desproporcionais não atendem aos seus fins jurídicos e empíricos e ao contrário geram efeitos nefastos para a sociedade e para a ordem jurídica Por isso essas leis precisam ser mudadas o quanto antes Os autores agradecem os comentários e críticas à primeira versão do texto que permitiram o aprimoramento desse trabalho feitas por Maurides Ribeiro Christiano Fragoso Pien Metaal e Alejandro Corda cujas críticas e considerações foram incorporadas ao texto final Esperase com a presente publicação trazer dados e reflexões à tona ampliando o debate de ideias sobre as políticas sobre substâncias psicoativas no Brasil e assim poder contribuir para uma necessária mudança de rumos das leis de drogas em nosso país Rio de Janeiro Agosto de 2013 Introdução 11 10 Pretendese assim preencher uma lacuna existente nos estudos sobre o tema tendo em vista que ao contrário dos Estados Unidos no Brasil e no restante da América Latina os dados sobre o sistema penal são escassos e pouco divulgados Este artigo iniciase com a exposição da metodologia de trabalho e do conceito de proporcionalidade das leis em matéria penal para após no II capítulo ser analisada a pena do delito de tráfico de drogas como desproporcional em relação a outros crimes previstos no Código Penal na perspectiva abstrata em relação às penas cominadas na lei para cada delito No III capítulo se estudará a desproporcionalidade em concreto ou seja como a operacionalidade seletiva e discriminatória do sistema penal em relação aos delitos relacionados às drogas ilícitas seguida da análise dos custos decorrentes desta opção de política criminal punitiva tanto em relação aos gastos penitenciárias como também aos sensíveis custos humanos por meio de estudos de casos de pessoas que foram selecionadas pelo sistema Pretendese ao final responder a partir dos dados e fatos analisados a respeito da conveniêncianecessidade adequação isto é da proporcionalidade de criminalização desses delitos nos moldes da política atual adotada I A questão da proporcionalidade das leis em matéria penal Este trabalho adota como metodologia a avaliação da parte penal da Lei n 113432006 com base nos parâmetros normativos dados pelo princípio da proporcionalidade Especificamente isso quer dizer que o trabalho se propõe a aferir de que forma tanto a criminalização de condutas pela lei em abstrato quanto sua aplicação e execução concreta se relacionam com a proporcionalidade que deve ser exigida em todo sistema jurídico e ainda mais das leis penais que mais gravemente atingem os direitos fundamentais do cidadão Neste sentido tratase de uma investigação que trabalha a interface entre normas jurídicas e fatos concretos A adaptação do princípio da proporcionalidade para questões especificamente penais vem chamando a atenção dos juristas já há muitos anos Neumann1 faz ampla citação da literatura jurídica na Alemanha bem como de julgados do Tribunal Constitucional Federal Alemão que tratam da questão Em Língua Portuguesa Jorge de Figueiredo Dias2 também faz ampla discussão e uso do princípio para fins de tratar da legitimidade políticocriminal dos fatos puníveis criminais e também para propor novos esquemas analíticos para conceitos da Teoria do Crime e da Teoria da Pena 13 12 De maneira geral o aspecto central na utilização do princípio da proporcionalidade em matéria de Direito Penal será a de averiguar qual resposta deve ser dada às duas questões centrais do Direito Penal a questão sobre se se deve punir e questão de como e em que medida punir tendo em vista de um lado a questão da relação entre as leis penais em si e de outro os efeitos sociais concretos que tais leis penais geram Neste sentido Neumann3 propõe que o princípio da proporcionalidade atue como um limite horizontal para a questão do se punir e também como um limite vertical para a questão do como punir ao Direito Penal Portanto no aspecto penal o princípio da proporcionalidade cria um teste normativo para as normas penais Esse teste tem dois aspectos um aspecto mais fáticoempírico e um aspecto mais normativo4 Em relação ao primeiro aspecto a questão principal que uma norma penal tem de responder é se a incriminação de uma determinada conduta é necessária e conveniente em relação ao objetivo final que é o de proteger as pessoas e as comunidades de condutas sociais especialmente danosas Em outras palavras dado que se quer evitar determinadas condutas o jeito mais conveniente de evitá las seria através da criminalização Em relação ao segundo aspecto a questão principal é se a incriminação de uma conduta por uma norma penal realmente protege as pessoas e as comunidades de um dano causado pela conduta criminalizada e em que medida a quantidade de pena para essa conduta está em consonância com a sua capacidade danosa Em outras palavras dado que se vai criminalizar uma conduta ela realmente causa perigo de dano relevante às pessoas e à sociedade E a quantidade de pena tem coerência com a capacidade dessa conduta para gerar esse perigo de dano As duas fases do teste da proporcionalidade estão intimamente imbricadas Para responder à pergunta sobre a conveniêncianecessidade de uma criminalização é preciso responder se há um dano social a ser evitado através dessa incriminação Por outro lado para responder à pergunta sobre a capacidade de perigo de dano de uma conduta e sobre a sua gravidade é preciso responder acerca dos efeitos sociais e da conveniência de incriminar tal conduta A distinção portanto serve mais a propósitos analíticos mas como será visto se mostra elucidativa no caso da Lei 113432006 já que neste caso todas a respostas para ambas as perguntas é não Em relação à primeira fase a questão principal que uma norma penal tem de responder é se a incriminação de uma determinada conduta mediante uma determinada escala sancionatória é necessária e conveniente em relação ao objetivo final que é proteger as pessoas e as comunidades sociais de vulnerações aos seus bens sociais tornados bens jurídicos por força da previsão de proteção jurídica Em outras palavras dado que se quer evitar determinadas condutas o jeito mais conveniente de evitálas é através da criminalização Em relação à segunda fase a questão principal é se a incriminação de uma conduta por uma norma penal realmente protege um bem social tornado jurídico de um dano causado pela conduta incriminada e em que medida a quantidade de pena a escala sancionatória cominada para essa conduta está em consonância com a capacidade danosa da mesma conduta ao bem jurídico protegido a primeira dimensão pode ser chamada de qualitativa e a segunda de quantitativa5 Em outras palavras dado que se vai criminalizar uma conduta ela realmente causa perigo de dano relevante aos indivíduos e à sociedade E a quantidade de pena tem coerência com a capacidade dessa conduta para gerar esse perigo de dano As duas fases do teste da proporcionalidade estão intimamente imbricadas Para responder à pergunta sobre a conveniêncianecessidade de uma criminalização é preciso responder se há um dano social a ser evitado no nível normativohipotético através dessa incriminação Por outro lado para responder à pergunta sobre a capacidade de perigo de dano de uma conduta e sobre a sua gravidade é preciso conjeturar acerca dos efeitos sociais e da conveniência de incriminar tal conduta A distinção portanto serve mais a propósitos analíticos mas como será visto se mostra elucidativa no caso da Lei 113432006 já que neste caso todas as respostas às perguntas são não 1 NEUMANN U O principio da proporcionalidade como princípio limitador da pena Revista do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais São Paulo n 71 marabr 2008 p 223 2 FIGUEIREDO DIAS J O comportamento criminal e a sua definição O conceito material de crime In Questões fundamentais de direito penal revisitadas São Paulo RT 1999 p 5185 Cf no Brasil por todos GOMES Mariangela Gomes Magalhães Princípio da proporcionalidade no direito penal São Paulo RT 2003 3 Op Cit p 213 4 BOITEUX Luciana WIECKO Ela Coord et alli Tráfico de drogas e Constituição Série Pensando o Direito Brasília Secretaria de Assuntos Legislativos Ministério da Justiça n 1 2009 p 3134 5 Destacase que está em andamento no Congresso Nacional Brasileiro uma discussão sobre a Reforma do Código Penal tendo sido criadas duas Comissões para estudar as leis atuais e propor alterações inclusive de crimes e penas na Parte Especial do CP Notas 15 14 II A Desproporcionalidade da Lei n 113432006 em Abstrato Falta de Sistematicidade das Incriminações e Violação à Adequação da Pena Cominada6 A coerência interna do sistema de normas penais incriminadoras é exigência de legitimidade imposta pelo princípio da proporcionalidade no seu aspecto de adequação Embora a criminalização de determinada conduta seja uma escolha legislativa tal escolha para ser justificada não pode ser aleatória Ela deve obedecer a parâmetros de racionalidade tanto na escolha da conduta incriminada quanto na escolha dos parâmetros de sanção isto é mínimo e máximo de pena e tipo de pena Uma maneira de medir essa coerência normativa interna do sistema penal é colocar lado a lado algumas normais penais incriminadoraschaves para o fim de considerar se tanto as incriminações quanto as quantidades de pena obedecem a alguma sistematicidade subjacente identificável Esse tipo de medição fica ainda mais significativo quando se adiciona uma perspectiva histórica de modo a demonstrar as variações na criminalização de condutas e na quantidade de pena associada a cada uma delas ao longo do tempo ou seja em perspectiva diacrônica Na redação original do fato criminoso que deu origem ao que hoje se denomina de tráfico de drogas no direito brasileiro prevista no primeiro Código Penal da República de 1890 ainda não havia distinção entre substâncias lícitas e ilícitas7 e a única pena prevista era a de multa De lá para cá foram nada menos que nove alterações legislativas dez leis no total8 em um forte movimento de aumento da quantidade de penas e adição de novas condutas à incriminação O gráfico a seguir expressa esse desenvolvimento histórico Tabela I Evolução Histórica do Crime de Tráfico de Drogas É notável observar a grande variação na pena para tal delito notadamente o aumento da pena máxima na Lei de 1976 justamente quando o discurso de guerra às drogas começa a ganhar força internacionalmente tendo sido alterada a anterior escala penal que era de um a cinco anos de pena de prisão para um parâmetro de três a quinze anos9 havendo um aumento de trezentos por cento ou de três vezes tanto para a pena mínima quanto para a máxima Destacase ainda que a mais recente alteração sofrida pelo crime de tráfico de drogas com a vigente Lei n 113432006 aumentou ainda a pena mínima de três para cinco anos embora tenha mantido a pena máxima em quinze anos No delito de tráfico de drogas há historicamente uma grande variação legislativa todas elas no sentido de aumentar ou manter os parâmetros de pena anteriores10 Por outro lado se o compararmos com outros crimes temse numa perspectiva histórica maior estabilidade na resposta penal em outros delitos como pode ser visto na tabela ao lado Optouse no gráfico pela utilização das médias aritméticas entre as penas mínimas e máximas previstas de modo a se ter uma visão mais geral11 17 16 Tabela II Evolução Histórica Comparativa das Médias Aritméticas entre as penas mínimas e máximas Como visto na tabela é marcante a desproporcionalidade normativa do crime de tráfico de drogas em relação aos demais crimes do Direito Brasileiro além da grande variação legislativa Nessa análise comparada dos tipos penais iniciase pelo delito de homicídio11 considerado o crime básico para a medição de índices de violência um dos mais severamente apenados no ordenamento jurídico brasileiro só sendo inferior ao delito de latrocínio roubo seguido de morte12 Ao compararmos o tipo penal de homicídio com o tráfico de drogas nota se que aquele não sofreu grandes alterações pontuais no período diferentemente do outro No tipo de homicídio possivelmente por estar incluído no Código Penal seus parâmetros penais pouco se alteraram um total de três leis contra nove no crime de tráfico No entanto na linha histórica a pena média cominada para o homicídio foi reduzida a partir do Código Penal de 1940 enquanto que a pena média do crime de tráfico foi a que mais aumentou entre os delitos estudados Nesse sentido enquanto a pena mínima do homicídio se manteve constante em seis anos sua pena máxima diminuiu da Consolidação das Leis Penais de 1932 para o Código Penal de 1940 de 24 para 20 anos Além disso ao se comparar a pena cominada ao tráfico de drogas com a do delito de estupro12 o qual se destaca pela violação sexual de uma pessoa mediante violência ou grave ameaça originalmente o segundo mais severamente apenado pelo direito brasileiro percebese que na avaliação da dinâmica histórica a pena máxima para o estupro jamais passou de dez anos um aumento de menos de cem por cento em relação à sanção máxima inicialmente prevista enquanto que sua pena mínima aumentou significativamente13 Ainda assim o resultado final é uma pena mínima apenas um ano maior do que a mínima prevista para o tráfico de drogas e uma pena máxima um terço menor dez contra quinze anos devendo ser destacado que na linha histórica a pena média para o crime de tráfico de drogas supera a prevista para o estupro Igualmente instrutiva é a comparação entre o delito de tráfico de drogas que não envolve necessariamente violência14 e o crime de corrupção passiva de notável importância atual que também apresenta um acentuado e consistente aumento dos parâmetros sancionatórios Enquanto o crime de tráfico passou por uma mudança mais radical na sua escala penal transformandose de um crime sancionado apenas com multa para um delito cuja escala vai de cinco a quinze anos de prisão o delito de corrupção passiva no Brasil15 em contraste passou de uma pena que já era de prisão de seis meses a um ano para uma pena de prisão maior de dois a doze anos embora ainda bem menor que a pena para o tráfico de drogas de cinco a quinze anos16 Merece ser acrescentado ainda um outro dado recente a Lei de Drogas de 2006 criou um novo delito no artigo 36 denominado de financiamento do tráfico17 cuja pena mínima 8 anos é superior à pena mínima do homicídio simples 6 anos sendo idêntica a pena máxima para este crime 20 anos o que configura um exemplo do radicalismo da resposta penal nos crimes de drogas o que pode até vir a ser considerado inconstitucional pela quebra da racionalidade e da proporcionalidade Tal elemento se soma na constatação da repressiva visão 19 18 do legislador brasileiro em relação aos delitos que envolvem drogas ilícitas Em termos de ofensividade a mensagem passada pelo legislador brasileiro se levarmos em conta os parâmetros dados pela escala penal dos delitos é no sentido de que a saúde pública enquanto bem jurídico tutelado na Lei de Drogas é mais valorado do que o regular funcionamento e probidade da Administração Pública bem tutelado no crime de corrupção Contudo são os desvios de verba e a venalidade dos funcionários públicos ao reduzirem a verba total do orçamento do Estado que vão dificultar justamente a universalização da saúde pública e o investimento em políticas de saúde e tratamento Mas essa lógica estrutural não é incorporada nas discussões sobre a temática Como se verá a seguir além de desproporcional a reação estatal na forma de altas penas privativas de liberdades aplicada aos vendedores de drogas ilícitas ainda implica em altos custos de encarceramento de pessoas que também irão impactar o orçamento Com essa afirmação questionase a coerência na resposta estatal aos crimes de drogas para os quais a privação da liberdade é considerada prioritária em detrimento de outras políticas que poderiam ser muito mais eficazes na prevenção de sua ocorrência Por fim em relação ao delito de posse de drogas para uso pessoal18 crime hoje considerado no Brasil como de pequeno potencial ofensivo eis que não mais admite pena privativa de liberdade notase uma volatilidade marcante ou seja uma grande variação para cima e para baixo na linha do tempo da pena média prevista em lei Diferentemente do delito de tráfico a evolução histórica no Brasil reflete uma política atual menos repressiva eis que se operou a despenalização19 da conduta a partir de 2006 o que vem sendo considerado como bastante positivo20 Nesse caso a dificuldade verificada como será demonstrado mais adiante é a referente aos limites fluídos e incontroláveis entre as condutas de tráfico e de posse de drogas para consumo pessoal A análise conjunta dos dados destes gráficos portanto indica que os crimes relacionados a drogas exemplificados por tráfico e posse para consumo pessoal ganharam mais atenção do legislador do que quaisquer outros crimes no mesmo período pelo maior número de leis editadas sobre o tema Além do mais no delito de tráfico de drogas o aumento das penas ocorreu de forma mais consistente no tempo e mais acentuado do que em todos os demais crimes analisados incluindo alguns mais associados à violência geral e à sensação de insegurança na sociedade como homicídio e estupro O delito de tráfico de drogas também teve maior aumento de pena do que o crime de corrupção passiva normalmente associado a uma preocupação crescente da sociedade com maior moralidade transparência e controle dos agentes públicos além de ser potencialmente mais danoso para a sociedade visto que pode ter resultados desastrosos e de longo prazo nas políticas públicas em geral e na atividade fiscalizadora do Estado Todos estes dados derivados de uma análise comparativa sincrônica e diacrônica de tipos de crimeschave no Direito Penal Brasileiro demonstram que o crime de tráfico de drogas em que pese enumere condutas sem violência nem dano direto a vítimas concretas teve maior aumento de penas do que outros crimes considerados mais graves eis que intimamente ligados à violência homicídio estupro e do que delitos associados ao funcionamento básico do estado e da sociedade como um todo corrupção21 Essa constatação se relaciona com o teste de adequação imposto às normas penais pelo princípio da proporcionalidade A análise comparativa das normas demonstra que não há um critério ou parâmetro subjacente identificável nas edições de normais penais incriminadoras para condutas relacionadas a drogas vis à vis outros crimes O excesso de importância normativa dada ao crime de tráfico de drogas e em certo sentido também ao crime de posse contrasta com a pouca relevância normativa vislumbrada com relação aos demais crimes os quais muito mais diretamente geram danos sociais concretos com vítimas diretas duramente atacadas nos seus direitos e bens jurídicos como no homicídio e no estupro ou com vítimas muito mais numerosas e diversificadas no tempo e no espaço como na corrupção A essa inadequação normativa dos crimes previstos na Lei 113432006 especialmente do tráfico de drogas isto é desproporcionalidade em um aspecto abstrato se liga a análise da desproporcionalidade em um aspecto mais concreto que será visto a seguir com foco nos custos financeiros e humanos criados pela aplicação daquela lei 6 O Código Penal de 1890 no seu art 159 falava em substâncias venenosas Para um apanhado da evolução histórica do crime de tráfico cf BOITEUX Luciana O controle penal sobre as drogas ilícitas o impacto do proibicionismo sobre o sistema penal e a sociedade Tese de Doutorado Faculdade de Direito da USP 2006 10 Não foi inserida nesse histórico a Lei 104092002 Embora ela tenha revogado grande parte da Lei 63681976 a parte mais especificamente penal dela o foco desta parte do trabalho acabou nunca entrando em vigor de modo que se considera desnecessária sua inclusão na série histórica das penas expostas na Tabela I 7 Na verdade a Lei n 57261976 tinha aumentado a pena máxima para seis anos mas esse aumento pode ser desconsiderado para efeito de fixação da tendência 8 Em que pese a Lei n 1134306 tenha estabelecido uma novidade a possibilidade de redução de pena de 16 a 23 no caso de réus primários de bons antecedentes não dedicados às atividades criminosas e não vinculados ao crime organizado no parágrafo 4o do art 33 Para verificar como a aplicação concreta desse causa de redução de pena foi bastante reduzida na prática vide BOITEUX Luciana Trafico y Constitución un estudio jurídico social sobre el artículo 33 de la Ley de Drogas brasileña y su aplicación por los jueces de Río de Janeiro y Brasília Notas 21 20 In II Conferência Latino Americana e I Conferência Brasileira sobre Política de Drogas 2010 Rio de Janeiro America Latina Debate sobre Drogas I y II Conferencias Latinoamericanas sobre Políticas de Drogas Buenos Aires Intercambios Sociedad CivilFacultad de Ciencias Sociales de la UBA 2010 v 1 p 239247 9 Em outro texto atualmente em fase de elaboração se pretende aprofundar mais a questão da comparação entre as penas incluindose a análise das penas mínimas e máximas Para os objetivos desse texto no momento se considera suficiente a comparação das penas médias que permitem uma análise mais geral 10 Aqui considerase apenas o homicídio simples art 121 caput do Código Penal tendo em vista que a escala penal do homicídio qualificado no direito brasileiro vai de 12 a 20 anos art 121 parágrafo 2o do Código Penal 11 Art 157 parágrafo 3o do Código Penal Brasileiro apenado com pena de 20 a 30 anos no caso de roubo seguido de morte da vítima 12 Art 213 do Código Penal com redação modificada pela Lei n 1201509 Constranger alguém mediante violência ou grave ameaça a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso Pena reclusão de 6 seis a 10 dez anos 13 Especialmente no Código Penal de 1940 de um para três anos e na Lei n 80721990 de quatro para seis anos pena esta mantida pela última lei alteradora Lei n 120152009 14 E que também é considerado na classificação da literatura do Direito Penal um crime de perigo abstrato quanto à estrutura do delito e de mera atividade quanto à exigência de resultado empírico Como este não é propriamente um trabalho dogmático de Direito Penal não cabem aqui digressões quanto a estas classificações e categorias Para definições vide SANTOS Juarez Cirino dos Direito Penal Parte Geral Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 p 109110 15 Art 317 do Código Penal Solicitar ou receber para si ou para outrem direta ou indiretamente ainda que fora da função ou antes de assumila mas em razão dela vantagem indevida ou aceitar promessa de tal vantagem Pena reclusão de 2 dois a 12 doze anos e multa 16 A mesma situação é observada quanto a outros crimes de funcionários públicos contra a Administração Pública que também se inserem numa definição ampla extrajurídica de corrupção mas não tem esse nome na lei penal Um exemplo é o crime de peculato definido no art 312 do Código Penal vigente de 1940 que também tem parâmetro sancionatório de dois a 12 anos de prisão 17 Art 36 Financiar ou custear a prática de qualquer dos crimes previstos nos arts 33 caput e 1o e 34 desta Lei Pena reclusão de 8 oito a 20 vinte anos e pagamento de 1500 mil e quinhentos a 4000 quatro mil diasmulta 18 Art 28 da Lei n 1134306 Quem adquirir guardar tiver em depósito transportar ou trouxer consigo para consumo pessoal drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas I advertência sobre os efeitos das drogas II prestação de serviços à comunidade III medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo 1o Às mesmas medidas submetese quem para seu consumo pessoal semeia cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica 19 Entendese por despenalização a manutenção da conduta no rol dos crimes sem previsão legal de pena privativa de liberdade como ocorreu no artigo 28 da Lei n 1134306 que previu apenas medidas alternativas à prisão 20 Para mais detalhes sobre a despenalização da posse de drogas para uso pessoal no Brasil vide BOITEUX Luciana Breves considerações sobre a política de drogas brasileira atual e as possibilidades de descriminalização Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais IBCCRIM v 217 p 1617 2010 21 Em termos da dogmática do Direito Penal poderseia dizer que o bem jurídico saúde pública supostamente protegido pela criminalização de condutas relacionadas a drogas ilícitas é menos afetado por tais condutas do que os bens jurídicos protegidos pelos demais crimes considerados p ex bem jurídico vida protegido pela criminalização do homicídio Após termos visto como o aumento das penas em abstrato do delito de tráfico de drogas foi historicamente superior a outros delitos de maior gravidade mesmo aqueles praticados mediante violência e como consequentemente o delito de tráfico de drogas se mostra mais gravemente apenado que graves crimes como estupro e corrupção é essencial verificar como essa política impacta o sistema penitenciário brasileiro ou seja se a aplicação na prática das penas cominadas é ou não proporcional concretamente Para tanto deve ser verificado em primeiro lugar o impacto das condenações por tráfico na realidade das instituições carcerárias brasileiras 31 Lei de Drogas e Encarceramento no Brasil Trabalhos anteriores já trataram do tema do encarceramento pelo crime de tráfico de drogas ilícitas nos Estados Unidos22 e na América Latina23 Percebese na prática uma confluência de políticas internacionais que seguem a lógica do encarceramento em massa como pretensa solução para lidar com a criminalidade relacionada à droga numa realidade carcerária já impactada Nesse sentido verificouse como causa do aumento do número geral de presos na ampla maioria dos países justamente o aumento das condenações pelo delito de tráfico como as conclusões para a América Latina verificados no estudo coordenado por Metaal e Youngers 2010 III A Desproporcionalidade da Lei n 113432006 em Concreto 23 22 Ano Total de Presos Presos por 100milhab 1992 114337 74 1995 148760 92 1997 170602 102 2001 233859 133 2004 336358 183 2007 422590 220 2010 496251 25917 2011 514582 26979 2012 548003 28731 Tabela III Brasil Número de Presos Total por 100 mil habitantes27 Assim nas estatísticas gerais que contabilizam o crescimento da população carcerária foi visto que este decorre tanto do aumento de presos por tráfico de drogas ilícitas como também de usuários dessas substâncias o que vem ocorrendo em diversos países24 Tal linha punitiva segue os ditames da política internacional de drogas preconizada nas três convenções internacionais sobre o tema que prioriza e impõe aos países a utilização de sanções privativas da liberdade como resposta à violação da norma penal sob a inspiração da war on drugs Além disso na prática da aplicação das penas a forma de operacionalização do sistema penal acarreta a maior representatividade de minorias étnicas e mulheres dentre os condenados conforme já comprovado em estudos anteriores25 Especificamente quanto ao Brasil em pesquisa anterior comprovouse o vertiginoso crescimento dos níveis de encarceramento de pessoas por tráfico de drogas De forma progressiva mas especialmente a partir de 2006 com a Lei de Drogas brasileira que como já visto aumentou a pena mínima de tal delito art 33 foi identificado um endurecimento marcante e intencional da resposta penal ao comércio de drogas o que foi considerado um dos principais fatores para o aumento da população carcerária no país nos últimos anos26 Como se percebe da tabela atualizada ao lado o Brasil tem mantido um constante e progressivo aumento de sua população carcerária A partir dessa realidade comparada mostrase importante refletir sobre as características desse crescimento exponencial do número de presos no Brasil país que possui a maior população carcerária da América Latina tanto em números absolutos quanto no número de presos por cem mil habitantes É bastante representativo verificarmos que o grande crescimento da população carcerária no Brasil superior até em termos percentuais àquela verificada no mesmo período nos Estados Unidos considerado o país com a maior população encarcerada do mundo que teve um aumento entre 1992 e 2007 de cerca de 513 por cento da sua taxa de encarceramento por cem mil habitantes28 Caso se considere o crescimento do número de presos no Brasil entre 1992 e 2011 o número relativo de presos mais do que triplicou Em termos de superpopulação carcerária a estadunidense é menos expressiva 1101 especialmente se comparada com Bolívia 1851 Peru 1796 e Brasil 165729 25 24 Na América Latina entre 19922008 segundo Japiassu30 muitos países duplicaram ou quase suas taxas de encarceramento Argentina Colômbia Costa Rica Chile El Salvador México Panamá Peru e Uruguai enquanto que outros estiveram próximos de fazêlo como Equador e Nicarágua É interessante notar que as únicas exceções a esse quadro na região são a Venezuela que reduziu o número de presos e o Brasil que mais que triplicou o número de encarcerados Por ser marcante entendese que caso do Brasil merece ser objeto de análise mais aprofundada constatado que o ritmo de crescimento da população carcerária nos últimos vinte anos não encontra paralelo assim como cresce o déficit de vagas ou seja se está encarcerando mais do que se tem condições de aprisionar No quadro geral de incremento da população penitenciária determinados tipos penais geraram um aumento ainda maior como é o caso do tráfico de drogas que teve um crescimento constante desde 2005 quando alcançou o primeiro registro superior a todos os demais delitos Nesse sentido ao comparar esses anos se verifica que o número de presos por tráfico mais do que triplicou no Brasil onde se verificou um aumento registrado de 32031 do número de presos por tráfico entre 2005 e 2012 conforme indicado na tabela seguinte Aprofundando essa análise na comparação entre os crimes mais representativos no sistema penitenciário brasileiro o que se verifica é que o crescimento do número de presos por tráfico continua superando de longe o percentual de crescimento em relação a todos os outros delitos como se vê na tabela abaixo O número de presos por tráfico no Brasil quase dobrou em três anos o que é bastante significativo A razão para esse crescimento dos presos por tal delito nos últimos anos é atribuída à política repressiva prevista na Lei de Drogas de 2006 como já dito ao aumentar a pena mínima prevista para tal delito ao mesmo tempo em que despenalizou a posse de drogas para uso pessoal Esse fator explica o grande aumento no contingente carcerário pois as pessoas condenadas por tráfico passaram a ficar mais tempo presas além da hipótese de que muitos usuários possam estar sendo condenados por tráfico pela nova lei diante da falta de critérios claros de diferenciação entre tais condutas como dados empíricos já indicaram34 A população carcerária brasileira total é composta por 64 por cento de presas mulheres35 Não obstante foi constatado nos números oficiais que o crescimento dos presos por tráfico de drogas é ainda maior quando se destaca o caso de mulheres presas por tal delito cujo percentual de aumento foi de 7712 entre 2007 e 2012 como se vê na tabela VI Tabela IV População Carcerária Brasileira total de presos e percentual de condenados por tráfico 20052012 Fonte InfopenMinistério da Justiça Ano Presos Total Presos Tráico presos tráico 2005 361402 32880 910 2006 383480 47472 1238 2007 422373 65494 1550 2008 451219 77371 1750 2009 473626 91037 1922 2010 496251 106491 2146 2011 514582 125744 2443 2012 548003 138198 2521 27 26 Tabela V Crescimento de Presos por crimes no Brasil comparação entre 2007 e 2012 Dez2007 Dez2012 Variação Tráico de drogas 65494 138198 11100 Furto31 57442 77873 3557 Estupro 9754 12954 3280 Homicídio32 48761 63066 2933 Roubo33 120079 148067 2330 Latrocínio 13258 15415 1627 Fonte InfopenMinistério da Justiça 2007 2012 Variação Masculino 57610 8796 117404 8937 10379 Feminino 7884 1203 13964 1063 7712 Total 65494 131368 10058 Tabela VI Crescimento dos presos por tráfico de drogas por sexo 2007 2012 Tabela VII Indiciados pela Polícia Federal por tráfico de drogas por gênero 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Masculino 832 817 798 769 755 764 76 Feminino 139 168 17 196 214 20 195 Ignorado 29 15 32 35 31 36 45 Fonte InfopenMinistério da Justiça Fonte Secretaria Nacional de Segurança Pública Departamento de Polícia Federal Relatório Brasileiro sobre drogas SENAD 2009 29 28 Em termos do percentual de crescimento deve ser registrado que embora em termos absolutos haja mais homens presos por tráfico de drogas em termos relativos as mulheres estão superrepresentadas dentre os condenados por esse crime A análise da questão do gênero no tráfico de drogas é um tema bastante sensível sendo relevante destacar que o aumento desproporcional do encarceramento feminino por crimes ligados a drogas é observado em vários países inclusive nos EUA onde foram realizados estudos específicos sobre o tema36 Além disso o crime de tráfico de drogas ilícitas é o que mais encarcera mulheres sendo o maior percentual das condenadas por tal crime 1063 seguido pelo dos crimes contra a fé pública nos quais 511 apenas são de condenadas do sexo feminino como se verifica da próxima tabela Tabela VIII Percentual de presos por crime e por sexo 2012 Homens Mulheres Total Tráico de drogas 117404 8937 13964 1063 131368 Crimes contra a Fé Pública 4468 9488 241 511 4709 Crimes contra a Paz Pública 9331 9611 377 388 9708 Crimes contra a pessoa 63071 9742 1665 257 64736 Crimes contra o Patrimônio 261780 9768 6195 231 267975 Crimes contra os costumes 21290 9904 214 099 21504 Fonte InfopenMinistério da Justiça Cumpre destacar que geralmente as mulheres no tráfico de drogas estão numa posição inferior não se encontrando na cadeia de comando mas sim ligadas a essa atividade em função de ligações familiares ou afetivas O tráfico de drogas como em qualquer mercado apresenta uma divisão sexual do trabalho com risco de discriminação da mulher Muitas delas são apenas mulas e transportam uma mercadoria ou levam drogas ilícitas para seus parceiros nas penitenciárias A maioria delas não oferece qualquer risco à sociedade mas estas são apenadas com penas privativas de liberdade e excluídas da sociedade e separadas de seus filhos As mulas não podem ser comparadas nem mesmo aos aviões do tráfico carioca eis que não intentam em momento algum vender a droga mas tão somente transportálas Além disso essas mulheres adicionam a vulnerabilidade de gênero à vulnerabilidade geral observada em relação à maioria dos presos por tráfico de drogas São mulheres pobres do continente mais pobre do mundo trabalhavam em bicos mal remunerados e trabalhos degradantes eou perigosos É esse o perfil e a cara da maioria das mulheres que o sistema penal alcança ao condenálas pelo crime de tráfico de drogas37 Assim no Brasil o grande aumento de sua população carcerária registrado nos últimos anos vem trazendo graves consequências tanto econômicas em relação ao aumento de gastos penitenciários como humanas já que um maior número de pessoas são submetidas a péssimas condições de vida carcerária A partir dessa realidade será analisada em seguida a desproporcionalidade da lei de drogas em seus custos humanos e econômicos 32 Os custos econômicos da aplicação concreta da Lei de Drogas no Brasil Diante das limitações desse estudo38 no levantamento dos custos econômicos da aplicação da Lei de Drogas no Brasil serão considerados aqui apenas os gastos com a execução da pena privativa de liberdade para os crimes de tráfico de drogas ilícitas tendo em vista que o delito de posse de droga para uso pessoal pela lei brasileira não autoriza a privação da liberdade39 Para tanto a partir do número oficial de encarcerados será feito um cálculo do gasto público a partir de uma estimativa média oficial do custo individual do preso no sistema penitenciário brasileiro40 Objetivamente portanto o Estado Brasileiro gasta anualmente com seus 548003 presos o valor aproximado de R 6785 bilhões dos quais R 1626 bilhões somente com os presos por tráfico de drogas considerando o valor mensal 31 30 aproximado por preso estabelecido como parâmetro pelo Congresso Nacional Tratase de um custo muito alto arcado pelo Estado Brasileiro41 que tradicionalmente não consegue melhorar as condições de suas prisões o que já levou inclusive a uma denúncia perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos com relação às terríveis condições da Penitenciária conhecida como Urso Branco no Acre região norte do Brasil onde mais de 100 presos foram assassinados no interior do presídio sob a tutela do Estado entre os anos de 2000 e 2008 A descrição oficial das condições gerais do sistema penitenciário nacional é a seguinte Em que pese o alto gasto oficial brasileiro este não é suficiente para alterar a situação de superlotação violência e tortura nos estabelecimentos penitenciários brasileiros além das graves deficiências de assistência médica social jurídica e educacional na alimentação e no vestuário e dos relatos de descontrole por parte do Estado e de domínio de organizações criminosas no interior de alguns presídios Uma boa parte dos presos não deveriam estar nas penitenciárias sendo esse atraso decorrente de ausência ou insuficiência de assistência jurídica o que faz com que muitos fiquem presos mais tempo do que suas penas previam A opção pela pena privativa de liberdade ao invés de medidas alternativas também impacta este quadro Em relação ao crime de tráfico que como visto é um fator preponderante da superlotação carcerária a redação original do parágrafo 4o do art 33 da Lei de Drogas reforçava a opção pela pena de prisão Ao mesmo tempo em que permitia uma redução de pena de até dois terços se o acusado for primário de bons antecedentes e não tiver envolvimento com o crime organizado vedava a substituição da pena privativa de liberdade unicamente para este crime mesmo se a pena fosse inferior a quatro anos Apenas recentemente por decisão do Supremo Tribunal Federal que considerou inconstitucional tal vedação passouse a admitir essa substituição43 Diante das condições insalubres da maioria das prisões e o fato de que a grande maioria dos detentos são pessoas pertencentes aos extratos mais A quase totalidade dos presos é pobre originários da periferia com baixa escolaridade e sem ou com pouca renda No ato da prisão o aparelho policial age sempre com prepotência abuso de poder sonegação de direitos e não raro com violência A CPI ouviu muitas denúncias de flagrantes forjados em especial no que se refere às drogas bem como de maustratos praticados pelos agentes policiais42 desfavorecidos da sociedade e também a estimativa que a maioria dos presos por tráfico sejam de pequenos traficantes sem nenhuma importância na cadeia comercial de venda das substâncias ilícitas temse que uma grande quantidade de dinheiro que poderia estar sendo utilizada como investimentos em saúde educação e infraestrutura esteja sendo desperdiçada para conter pessoas que vão sair dali em piores condições do que chegaram conforme apontam diversos estudos sobre o sistema prisional no Brasil e internacionalmente44 Se formos comparar esse gasto com o investimento público em educação no Brasil o contraste é marcante Considerando que as estimativas oficiais apontam que o gasto público oficial anual por aluno no Ensino Médio no Brasil no ano de 2008 foi R 212200 dois mil cento e vinte e dois reais45 enquanto que cada preso em condições insalubres custava anualmente nesse mesmo ano de 2008 R 1238304 ou seja quase seis vezes mais percebese logo quão irracional se mostra essa política de encarceramento ainda mais num país como o Brasil com tantas deficiências nas áreas de educação e saúde Se gasta cerca de seis vezes mais com um preso do que com um aluno na escola É claro que há um subinvestimento em educação no Brasil e se deveria investir muito mais porém essa verba vem sendo destinada a manter pessoas encarceradas Porém mesmo nos EUA essa comparação implica em dizer que segundo foi calculado em 1996 o custo de um preso naquele país por ano superava o gasto anual de um estudante em Harvard incluindo ensino moradia e os gastos diários com alimentação46 Destaquese que aqui se está apenas considerando o custo do encarceramento não levando em conta as demais fases do processo judicial o que elevaria ainda mais o custo desta política de drogas ainda mais No caso do crime de tráfico a situação é ainda mais gritante pois em que pese o alto índice de encarceramento o consumo a circulação e a venda de drogas não são reduzidas nem contidas ou seja apenas se enxuga gelo prendemse muitas pessoas ao mesmo tempo em que há muitas outras disponíveis para ocupar esse espaço Muitos usuários estão presos sem acesso a tratamento e continuando a fazer uso de substâncias ilícitas e o contribuinte é quem paga por isso Em termos comparativos com relação à área de saúde verificase que em 2011 o Brasil gastou no ano com programas de saúde mental um total de R 181277 milhões47 o que vem sendo considerado insuficiente significando que em termos totais gastase mais com prisão do que com saúde mental setor este que recebe muitas demandas de atenção social e tratamento contra a dependência de drogas em geral e outros transtornos mentais mas que o governo não vem sendo capaz de oferecer a todos 33 32 Nesse sentido entendese que os altos gastos com repressão e encarceramento especialmente daqueles pequenos traficantes poderiam estar sendo mais bem utilizados para a prevenção Contudo para além dos altos custos econômicos devem ser destacados os custos humanos ou seja as situações absurdas e injustas além de desproporcionais a que são submetidas pessoas que sofrendo na pele as contradições da Lei de drogas como se verá a seguir 33 Os Custos Humanos da Lei de Drogas no Brasil O Brasil é um país de contrastes onde a aplicação da lei penal se mostra seletiva e discriminatória Nesse momento serão realizados três breves estudos de casos Nestes casos se procura demonstrar finalmente que a inconveniência e a desnecessidade da criminalização das condutas relacionadas a drogas se relacionam com a disfunção social que essa criminalização gera a despeito do fim declaradamente perseguido de melhora ou proteção da saúde pública Do ponto de vista normativo essa disfunção se traduz na vulneração de bens jurídicos direitos fundamentais sem qualquer contrapartida de proteção de outros bens de equivalente relevância Os estudos de caso a seguir fornecerão evidências sobre essa interface entre falha empírica e falha normativa da criminalização de condutas relacionadas a drogas com um foco nos perigos especiais da criminalização de condutas relacionadas ao uso de drogas O usuário condenado por tráfico a uma pena de seis anos por portar 25g de maconha48 Mauricio49 que tinha 23 anos quando foi preso é um exemplo da desproporcionalidade e da irracionalidade da aplicação concreta da lei de drogas Usuário de cannabis estudou até a sexta Série e é pai de três filhos responde a um processo preso como traficante resultado das contradições de uma legislação penal de drogas falha do ponto de vista técnico e tendenciosa por fazer parte de uma política criminal repressora Os crimes de tráfico de drogas e posse para uso próprio compartilham diversas condutas típicas com ônus do réu em provar a intenção de cometer o crime mais leve Além disso devido à carência de critérios claros e objetivos na lei de drogas estabeleceuse na prática a figura do policial como determinante na diferenciação entre tráfico e uso próprio posto que a grande maioria das prisões envolvendo drogas ocorre em flagrante sem uma prévia investigação Desta forma é o policial o primeiro a entrar em contato com o réu e sua palavra tem grande peso diante do juiz Maurício trabalhava descarregando peixe na cidade portuária de Angra dos Reis sul do Estado do Rio de Janeiro recebendo R 4000 quarenta reais a cada oito toneladas descarregadas possuindo renda variável dependendo da maré que determinava a quantidade do pescado Sustentava sua família juntamente com seu padrasto que recebia aposentadoria pelo INSS As únicas drogas que consumia eram álcool e maconha Começou a fumar aos 15 anos por curiosidade e por incentivo de amigos Relata que passou a fumar maconha todos os dias De manhã depois que acordava eu fumava Às vezes antes de almoçar Aí à noite eu fumava uns dois ou três cigarros de maconha antes de dormir Sozinho ou com meus amigos Já fazia parte do meu costume Antes de ser preso por tráfico possuía um antecedente criminal por porte ilegal de arma pelo qual permaneceu preso durante 4 meses e teve de prestar serviços comunitários Afirma que assumiu a autoria do crime para livrar um amigo de ser reincidente Em setembro de 2009 por volta das 12h20 ele descia de uma comunidade acompanhado por sua companheira quando passou por uma viatura da polícia militar e foi abordado pelos policiais Estes procederam a uma revista mas antes que se realizasse ele confessou estar em posse de maconha e não esboçou qualquer reação de fuga O policial encontrou no bolso de sua calça doze sacolés de maconha no total de 2596g Em juízo o policial que encontrou a droga afirmou que já tinha ouvido falar do réu como sendo traficante A tese da defesa foi de que a droga destinavase a uso corroborada pelo depoimento da parceira do réu mas a sentença de primeiro grau condenouo por tráfico de drogas a uma pena de seis anos de reclusão inteiramente fundamentada nos depoimentos dos policiais Quanto à autoria apesar da negativa sustentada pelo acusado em seu interrogatório restou demonstrada pelos depoimentos dos policiais militares que efetuaram a sua prisão em flagrante que inclusive afirmaram em Juízo que tinham notícias que o acusado realizava a venda de substâncias entorpecentes no cais existente no Centro da cidade o que afasta a tese defensiva de que o material apreendido seria destinado ao próprio consumo do acusado não podendo no presente caso concreto ser realizada a pretendida desclassificação do delito Vale ressaltar que os relatos da testemunha Flávia não são suficientes a afastar a credibilidade dos depoimentos dos milicianos que prenderam o acusado haja vista que 35 34 a mesma é a companheira do réu pelo que tem interesse direto no desfecho da causa em seu favor Ademais como os policiais não conheciam o acusado e este não conhecia aqueles não há razão para que os milicianos pudessem inventar a estória de forma a incriminar uma pessoa que saberiam ser inocente Como se pode ver a juíza defendeu o depoimento dos policiais no sentido de serem sinceros porém abstevese de analisar a veracidade das informações Contentouse em terem sido apresentadas por policiais o que mostra a importância dada em juízo a eles A Defensoria Pública apelou da decisão e em acórdão o órgão da segunda instância Câmara Criminal manteve a condenação por maioria de votos cabendo ainda mais um recurso tendo em vista que um dos juízes de segundo grau desclassificava a conduta dele para posse de drogas e o colocava em liberdade Dois aspectos chamam mais atenção no caso de Mauricio O primeiro é o valor que é dado em juízo ao depoimento de policiais Nenhum dos dois policiais tinha conhecimento direto de Mauricio como sendo traficante Eles ouviram boatos e passaram estes boatos adiante em juízo Uma presunção de veracidade conferida a seus depoimentos foi utilizada para conferir status de certeza a boatos No voto vencido no julgamento de 2ª instância o desembargador50 ataca justamente a capacidade probatória dos depoimentos dos policiais Afirma que o conhecimento dos policiais de que Mauricio era traficante baseavamse em meros boatos sem identificação de origem ou de quem fosse o autor da divulgação e que portanto não possuem credibilidade nem força probatória Afirma em seu voto que A credibilidade do depoimento da testemunha depende de se demonstrar como o depoente obteve o conhecimento No acórdão porém houve uma fundamentação mais extensa onde a desembargadorarelatora afirmou que a condição de usuário não necessariamente afasta a autoria pois se pode tratar de um usuáriotraficante e que o réu não poderia ter condições de pagar pela droga R 5000 para uso próprio devido ao baixo salário como descarregador Com base nestes argumentos e nos depoimentos dos policiais a desembargadora entendeu que os 25g de maconha destinavamse ao tráfico Ou seja além de preso como traficante ainda teve essa condição justificada como base na sua pobreza O segundo aspecto que chama a atenção no caso é que Maurício na vez em que foi condenado por porte de arma de fogo uma ação que pode colocar em risco a coletividade a consequência jurídica dessa condenação foi a de quatro meses de prisão e serviços comunitários No entanto quando condenado por crime relacionado a drogas sem qualquer risco a terceiros ele já está preso há quase três anos e pode ficar ainda muito mais tempo Tendo cumprido mais de um terço da pena a que restou condenado ainda aguarda o resultado do recurso preso longe de sua família que enfrenta dificuldades em visitálo devido à distância Sua mãe já tentou visitálo porém problemas no seu cadastramento a impediram Em fevereiro de 2010 seu padrasto faleceu e sua família que já não podia contar com sua ajuda financeira permaneceu totalmente sem renda até que sua mãe começou a receber pensão do INSS Ainda há possibilidades recursais e as fragilidades dos fundamentos condenatórios dão alguma chance de desclassificação para o crime de posse para uso próprio Só que mesmo neste cenário favorável o rapaz já terá passado diversos anos na cadeia funcionando contra ele a presunção de culpabilidade que é reflexo da prisão preventiva obrigatória A condenação de uma pessoa a seis anos de prisão por portar cerca de 25g de maconha é claramente desproporcional sendo esta a pena prevista no Código Penal Brasileiro para o crime de homicídio ainda mais quando se trata de usuário tratado como traficante por sua condição social Nesse sentido quanto irá custar ao erário público ao final de seis anos o encarceramento de Maurício em condições inadequadas numa penitenciária do Rio de Janeiro Utilizando a média nacional mensal por preso acima referida chegase a um valor total de R 11144736 cento e onze mil quatrocentos e quarenta e sete reais pela pena de seis anos a ele aplicada que poderia ser muito melhor utilizado para auxiliar Maurício e sua família em termos de assistência social e prevenção ao uso de drogas51 22 BEWLEYTAYLOR D TRACE M STEVENS A 2005 Incarceration of drug offenders costs and impacts The Beckley Foundation Drug Policy Programme Briefing paper Seven BEWLEYTAYLOR D HALLAM C ALLEN R 2009 The Incarceration of Drug Offenders An Overview The Beckley Foundation Drug Policy Programme Report Sixteen In httpwwwidpcnetphpbindocumentsBeckleyReport162FINALENpdf STEVENSON Bryan 2001 Drug Policy Criminal Justice and Mass Imprisonment Working Paper Global Comission Geneva Jan 2011 23 METAL Pien YOUNGERS Coletta Ed Sistemas Sobrecargados Leyes de drogas y cárceles en América Latina Amsterdam Washington TNIWOLA 2010 Notas 37 36 possível conjecturar que grande parte do aumento dos gastos com segurança pública deriva de uma maior utilização de recursos para este tipo de crime embora a comprovação dessa afirmativa demande uma investigação específica 39 Portanto intencionalmente por falta de fontes seguras se deixará de colacionar os gastos com as demais fases da persecução criminal quais sejam investigação preliminar realizada pela polícia e a etapa Fase Judicial processo que se refere aos custos do processamento e julgamento das ações penais sendo analisada apenas da última fase a da execução das penas privativas de liberdade 40 Equilibrando as diferenças regionais se indicará como fonte os valores informados pela Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Carcerário do Congresso Nacional que em julho de 2008 com base em dados oficiais indicou como média nacional o custo mensal por preso de R 103192 hum mil e trinta e um reais e noventa e dois centavos Fonte Relatório da CPI do Sistema Penitenciário Congresso Nacional Brasília 2008 p 367 Neste são apontadas divergências sendo determinado em relação ao Estado do Rio de Janeiro por exemplo o custo mensal por cada preso de R180000 hum mil e oitocentos reais sendo este o maior valor em relação a todas as demais unidades federativas Em São Paulo o estado que abriga quarenta por cento dos presos brasileiros apresenta custo médio mensal de R 77500 setecentos e setenta e cinco reais Foram encontradas também referências aos custos por mês de um preso em penitenciárias de segurança máxima de R 450000 quatro mil e quinhentos reais mas estes não foram levados em consideração nesse cálculo 41 Embora a metodologia utilizada não seja uniforme o que dificulta a comparação entre os estados consta desse relatório acima citado a indicação de que na época o custo mensal de um preso no Brasil seria o equivalente a U 67000 o que colocaria o país como um dos que mais gasta por preso na América Latina superando Costa Rica custo de US 29900 e Argentina US 28400 42 Relatório da CPI op Cit p 214 43 A partir da decisão do Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus 97256 traficantes considerados de pequeno porte agora fazem jus à substituição da pena privativa de liberdade por sanções restritivas de direito tendo o Senado Federal editado a Resolução nº 2 em 15 de fevereiro de 2012 para riscar da Lei n 11343 Lei de Drogas a expressão vedada a conversão em penas restritivas de direitos considerada inconstitucional A medida também poderá beneficiar sentenciados que se encontrem presos pelo princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica O artigo 44 do Código Penal prevê a conversão da pena privativa de liberdade em restritivas de direito quando aquela não supere 4 anos e o crime não seja cometido com violência ou grave ameaça à pessoa e essa regra genérica não era aplicada ao tráfico devido à vedação de substituição imposta pelo artigo 33 parágrafo 4º da Lei n 11343 44 Para uma ampla revisão de literatura vide CERVINI R Os processos de descriminalização 2ª ed São Paulo RT 2002 para estudos sobre a realidade brasileira CARVALHO Salo Coord Crítica à execução penal 2ª ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2007 45 Fonte INEP disponível em httpportalinepgovbrcjournalviewarticlecontentgroupId10157articl eId24543version10 consulta em 130713 46 Segundo o economista de Harvard Jeffrey Miron 2008 referente aos custos apurados no início dos anos 90 apud The Incarceration of Drug Offenders An Overview The Beckley Foundation Drug Policy Programme Report Sixteen p 12 47 Ref Recursos do SUS destinados a hospitais psiquiátricos e aos serviços extrahospitalares em 2011 Subsecretaria de Planejamento e OrçamentoSPOMS DATASUS Coordenação de Saúde Mental Álcool e Outras DrogasDAPESSASMS In Ministério da Saúde Secretaria de Atenção à Saúde Departamento de Ações Programáticas Estratégicas Coordenação Geral de Saúde Mental Álcool e Outras Drogas Saúde Mental em Dados 10 Ano VII nº 10 março de 2012 Disponível em httpportalsaudegovbrportalarquivospdf mentaldados10pdf 48 Os dados para a narrativa e a descrição do caso foram extraídos dos autos do processo a que responde o acusado e de entrevista semiestruturada de pesquisa feita em novembro de 2010 na penitenciária onde ele está preso até hoje Um extrato da pesquisa está disponível no site do TNI httpwwwdruglawreforminfoenpublicationsthehumanface 24 BEWLEYTAYLOR D HALLAM C ALLEN R 2009 The Incarceration of Drug Offenders An Overview 2009 25 HUMAN RIGHTS WATCH Punishment and Prejudice Racial Disparities in the War on Drugs New York 2000 26 BOITEUX Luciana Drogas y prisión la represión contra las drogas y el aumento de la población penitenciaria en Brasil In METAAL Pien YOUNGERS Coletta Eds Sistemas Sobrecargados op Cit p 3039 27 Fonte International Centre for Prison Studies considerando os dados mais recentes divulgados pelo Infopen e uma população nacional de 1998 milhões em dezembro de 2012 dados obtidos do CELADE Disponível em httpwwwprisonstudiesorginfoworldbriefwpbcountryphpcountry214 World Prison Brief supplied by the International Centre for Prison Studies maintained by Roy Walmsley 28 Os EUA passaram de 501 presos por cem mil habitantes em 1992 para 758 em 2007 segundo o ICPS 29 Fonte International Center for Prison Studies 30 JAPIASSU Carlos Eduardo Palestra intitulada Expansão do direito penal e Superencarceramento proferida no Seminário Internacional do IBCCRIM Instituto Brasileiro de Ciências Criminais São PauloSP em agosto de 2011 31 Foram considerados em 2012 tanto os furtos simples 38027 quanto os qualificados 39846 assim como em 2007 26673 e 30769 respectivamente Fonte Infopen Ministério da Justiça 32 Foram considerados em 2012 tanto os homicídios simples 27410 quanto os qualificados 35656 assim como em 2007 17310 e 31451 respectivamente Fonte Infopen Ministério da Justiça 33 Levouse em consideração nesse item tanto os roubos simples 48572 quanto os qualificados 84527 assim como em 2007 36523 e 83826 respectivamente Fonte Infopen Ministério da Justiça 34 Cf BOITEUX L et alli Tráfico de drogas e Constituição Série Pensando o Direito Brasília Secretaria de Assuntos Legislativos Ministério da Justiça 2009 35 Fonte Infopen dados mais recentes de Dezembro de 2012 36 BUSHBASKETTE S R The War on Drugs A War Against Women In Cook S Davies S Eds Harsh Punishment International Experiences of Womens Imprisonment Boston Northeastern University Press 1999 37 Sobre encarceramento de mulheres no Brasil vide ANDRADE Vera Regina Pereira de Sexo e gênero a mulher e o feminino na criminologia e no sistema de justiça criminal Boletim IBCCRIM São Paulo v11 n137 p 2 abr 2004 ESPINOZA Olga A mulher encarcerada em face do poder punitivo São Paulo IBCCRIM 2004 FRINHANI Fernanda de Magalhães Dias SOUZA Lídio de Mulheres encarceradas e espaço prisional uma análise de representações sociais Psicologia Teoria e prática São Paulo v 7 n 1 jun 2005 LEMGRUBER Julita Cemitério dos vivos análise sociológica de uma prisão de mulheres 2ª edição Rio de Janeiro Forense 1999 SECRETARIA ESPECIAL DE POLITICAS PARA MULHERES Relatório do Grupo de Trabalho Interministerial sobre a Reorganização e Reformulação do Sistema Prisional Feminino Brasília 2008 SOARES Bárbara Musumeci SILVA Iara Ilgenfritz Prisioneiras vida e violência atrás das grades Rio de Janeiro Garamond 2002 38 O levantamento completo a respeito dos custos econômicos ou seja da quantidade de dinheiro dispendida pelos Governos estadual e federal na aplicação da Lei de drogas brasileira demandaria efetivamente que fossem considerados todos os gastos incluindo as despesas com pessoal Polícia e Justiça administrativa custos da máquina incluindo equipamentos viaturas e armamentos dentre outros além dos custos penitenciários e de saúde tratamento internações remédios serviço social etc Contudo tais informações não são disponibilizadas de forma destacada nos orçamentos públicos dos ministérios o que não permitiu ao estudo trazer essas informações para uma análise mais ampla Não obstante buscouse focar nos custos penitenciários estimados dos presos por crimes de drogas cujos dados estão disponíveis para se trazer à discussão Como o aumento da população carcerária relacionada ao crime de tráfico de drogas é o maior aumento relativo é 39 38 49 Nome fictício 50 Nome dado ao juiz de apelação ou de segunda instância 51 Registrese que algum tempo depois da publicação da versão original desse artigo em espanhol se teve notícia que esse personagem cuja estória foi aqui contada teve seu caso julgado em sede de embargos infringentes e depois de cumprir quase toda a pena a que restou condenado teve sua conduta desclassificada para posse de drogas art 28 pelo fato de não haver nenhuma de tráfico tendo os Desembargadores determinado sua imediata soltura Considerações Finais Este trabalho tinha por objetivo responder à pergunta principal é proporcional a criminalização de condutas relacionadas a algumas drogas arbitrariamente consideradas ilícitas Para responder esta questão deuse uma definição do princípio da proporcionalidade como um instrumento jurídico de teste de legitimidade das normas penais incriminadoras Em seguida mostrouse a prioridade legislativa dada às condutas relacionadas a drogas para efeito de criminalização bem como o resultado disso penas sistematicamente mais altas absoluta ou relativamente para o crime de tráfico de drogas do que para outros crimes bem mais danosos para a sociedade que inclusive podem culminar com a destruição da vida de uma pessoa inocente é perfeitamente possível e muitas vezes efetivo que um acusado por crime de homicídio receba pena menor do que um acusado por tráfico de drogas Depois desta parte mais abstrata o trabalho assumiu uma perspectiva concreta e demonstrou que i a maior parte do crescimento do encarceramento no Brasil de 2007 a 2011 que continua aumentando e já representa a quarta maior população carcerária do mundo se deve a um vertiginoso aumento da prisão de pessoas condenadas por tráfico de drogas situação ainda mais grave entre as mulheres ii por consequência o Brasil tem um custo crescente com 41 40 encarceramento em grande parte por causa do encarceramento por tráfico de drogas iii o governo brasileiro gasta seis vezes mais em média para manter um preso do que para manter um aluno no ensino médio ou seja se gasta mais para prender uma pessoa do que para investir em uma política pública que a tornaria menos vulnerável socialmente inclusive para o abuso e dependência de drogas ou para o emprego em atividades criminosas iv o perfil dos presos como traficantes envolvem na maioria das vezes pessoas que têm vidas difíceis vulneráveis sociais que adicionam às suas dificuldades de vida a sentença de morte social de terem sido condenadas por tráfico de drogas forçadas a abandonar as suas famílias e a deixálas sem sustento v quando eventualmente uma pessoa não tão vulnerável é presa por tráfico ela tem a sua vida totalmente revirada é retirada da sua casa do seu trabalho e da sua família demorando muito tempo para retomar pelo menos algumas das tarefas normais e cotidianas que ela fazia e trazendo memórias traumáticas para o resto da vida De todas as constatações deste trabalho está claro agora que as leis de drogas no Brasil e a Lei 113432006 em especial são completamente desproporcionais seja abstratamente seja concretamente A concepção jurídica da lei representa um desastre normativo e a sua aplicação um ainda maior desastre social Mais do que qualquer outra lei penal a Lei de Drogas é seletiva estigmatizante ambígua e autoritária Ela atinge especialmente pessoas já pobres e vulneráveis e aplica a estas pessoas penas mais graves do que aquelas aplicadas a estupradores corruptos e em alguns casos até homicidas Enquanto faz isso ela destrói famílias casas vidas e ainda gera uma sangria injustificável nos cofres públicos destinada a sustentar um aparato prisional que nada traz de bom para a vida dos condenados Esse dinheiro concentrado num investimento podre deixa de ser aplicado em investimentos claramente frutíferos para a sociedade tais como colocação e manutenção de crianças no ensino fundamental É hora de toda a sociedade se perguntar por que ainda se gasta tanto dinheiro com a encarceramento em geral em especial em relação ao delito de tráfico de drogas ilícitas sem que com isso tenha conseguido reduzir o consumo a venda de drogas ou a violência em torno deste mercado ilícito Referências bibliográficas ALEXY Robert Constitutional rights balancing and rationality Ratio Juris v 16 n 12 p 131140 jun 2003 On balancing and subsumption A structural comparison Ratio Juris v 16 n 4 p 43349 dec 2003 ÁVILA Humberto Teoria dos princípios Da definição à aplicação dos princípios jurídicos 4ª ed São Paulo Malheiros 2004 BEWLEYTAYLOR D TRACE M STEVENS A Incarceration of drug offenders costs and impacts The Beckley Foundation Drug Policy Programme Briefing paper Seven 2005 BEWLEYTAYLOR D HALLAM C ALLEN R The Incarceration of Drug Offenders An Overview The Beckley Foundation Drug Policy Programme Report Sixteen 2009 In httpwwwidpcnetphpbindocumentsBeckleyReport162FINAL ENpdf BOITEUX Luciana WIECKO Ela Coord et alli Tráfico de drogas e Constituição Série Pensando o Direito Brasília Secretaria de Assuntos Legislativos Ministério da Justiça n 1 2009 BOITEUX Luciana O controle penal sobre as drogas ilícitas o impacto do proibicionismo sobre o sistema penal e a sociedade Tese de Doutorado Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo 2006 Drogas y prisión la represión contra las drogas y el aumento de la población penitenciaria en Brasil In METAAL Pien YOUNGERS Coletta Eds Sistemas Sobrecargados Leyes de drogas y cárceles en América Latina Amsterdam Washington TNIWOLA 2010 p 3039 Trafico y Constitución un estudio jurídicosocial sobre el artículo 33 de la Ley de Drogas brasileña y su aplicación por los jueces de Río de Janeiro y Brasília In II Conferência Latino Americana e I Conferência Brasileira sobre Política de Drogas 43 42 2010 Rio de Janeiro America Latina Debate sobre Drogas I y II Conferencias Latinoamericanas sobre Políticas de Drogas Buenos Aires Intercambios Sociedad Civil Facultad de Ciencias Sociales de la UBA 2010 v 1 p 239247 Breves considerações sobre a política de drogas brasileira atual e as possibilidades de descriminalização Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais IBCCRIM v 217 p 1617 2010 BUSHBASKETTE S R The War on Drugs A War Against Women In Cook S Davies S Eds Harsh Punishment International Experiences of Womens Imprisonment Boston Northeastern University Press 1999 CARVALHO Salo de Coord Crítica à execução penal 2ª ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2007 CERVINI R Os processos de descriminalização 2ª ed São Paulo RT 2002 CHRISTIE Nils A indústria de controle do crime Rio de Janeiro Forense 1998 DIAS Jorge de Figueiredo Questões fundamentais de direito penal revisitadas São Paulo RT 1999 FORUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA Anuário brasileiro de segurança pública São Paulo ano 5 2011 GOMES Mariangela Gomes Magalhães Princípio da proporcionalidade no direito penal São Paulo RT 2003 HUMAN RIGHTS WATCH Punishment and Prejudice Racial Disparities in the War on Drugs New York 2000 MINISTÉRIO DA SAÚDE Secretaria de Atenção à Saúde Departamento de Ações Programáticas Estratégicas Coordenação Geral de Saúde Mental Álcool e Outras Drogas Saúde Mental em Dados 10 Ano VII nº 10 março de 2012 MENDES G F O princípio da proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal In Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade 2ª ed São Paulo Instituto Brasileiro de Direito Constitucional e Celso Bastos 1999 p 7187 METAAL Pien YOUNGERS Coletta Ed Sistemas Sobrecargados Leyes de drogas y cárceles en América Latina Amsterdam Washington TNIWOLA 2010 NEUMANN U O principio da proporcionalidade como princípio limitador da pena Revista do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais São Paulo n 71 p 205232 marabr 2008 RELATÓRIO DA CPI DO SISTEMA PENITENCIÁRIO Congresso Nacional Brasília 2008 SANTOS D L S O princípio da proporcionalidade In PEIXINHO M M GUERRA I F NASCIMENTO FILHO F Os princípios na Constituição de 1988 Rio de Janeiro 2001 p 35982 SANTOS Juarez Cirino dos Direito Penal Parte Geral Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 SILVA Virgílio Afonso da O proporcional e o razoável Revista dos Tribunais São Paulo ano 91 n 798 p 2350 abr 2002 STEVENSON Bryan Drug Policy Criminal Justice and Mass Imprisonment Working Paper Global Comission Geneva Jan 2011 ZAFFARONI E R et alli Direito Penal Brasileiro I Rio de Janeiro Revan 2003