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MÁLTER DIAS RAMOS O SILÊNCIO EM VIDAS SECAS Universidade Federal de Uberlândia Instituto de Letras e Linguística Uberlândia 2009 2 MÁLTER DIAS RAMOS O SILÊNCIO EM VIDAS SECAS Dissertação apresentada ao programa de Pós Graduação em Estudos Linguísticos Curso de Mestrado em Estudos Linguísticos do Instituto de Letras e Linguística da Universidade Federal de Uberlândia como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Estudos Linguísticos Área de concentração Estudos em Linguística e Linguística Aplicada Linha de pesquisa Estudos sobre texto e discurso Orientador Prof Dr Cleudemar Alves Fernandes UBERLÂNDIA 2009 3 MÁLTER DIAS RAMOS O SILÊNCIO EM VIDAS SECAS Data da defesa 25 de junho de 2009 Banca examinadora Prof Dr Cleudemar Alves Fernandes UFU orientador Prof Dr Ernesto Sérgio Bertoldo UFU Prof Dr Marco Antônio VillartaNeder UNESP 4 Terrível Condé Atendo à sua indiscrição No começo de 1937 utilizei num conto a lembrança de um cachorro sacrificado na Maniçoba interior de Pernambuco há muitos anos Transformei o velho Pedro Ferro meu avô no vaqueiro Fabiano minha avó tomou a figura de sinhá Vitória meus tios pequenos machos e fêmeas reduziramse a dois meninos Publicada a história não comprei o jornal e fiquei dois dias em casa esperando que os meus amigos esquecessem Baleia O conto me parecia infame e surpreendeume falarem nele A princípio julguei que as referências fossem esculhambação mas acabei aceitando como razoáveis o bicho o maturo a mulher os garotos Habitueime tanto a eles que resolvi aproveitálos de novo Escrevi Sinhá Vitória Depois apareceu Cadeia Ai me veio a ideia de juntar as cinco personagens numa novela miúda um casal duas crianças e uma cachorra todos brutos Otávio de Faria me dissera em artigo enorme que o sertão esgotado já não dava romance E eu havia pensado Santo Deus Como se pode estabelecer limitação para essas coisas Fiz o livrinho sem paisagens sem diálogo E sem amor Nisso pelo menos ele deve ter alguma originalidade Ausência de tabaréus bem falantes queimadas cheias poentes vermelhos namoros de caboclos A minha gente quase muda vive numa casa velha da fazenda as personagens adultas preocupadas com o estômago não têm tempo de abraçarse Até a cachorra é uma criatura decente porque na vizinhança não existem galãs caninos A narrativa foi composta sem ordem Comecei pelo nono capítulo Depois chegaram o quarto o terceiro etc Aqui ficam as datas em que foram arrumados Mudança 16 de junho de 1937 Fabiano 22 de agosto Cadeia 21 de junho Sinhá Vitória 18 de junho O Menino Mais Novo 26 de junho O Menino Mais Velho 8 de julho Inverno 14 de julho Festa 22 de julho Baleia 4 de maio Contas 29 de julho O Soldado Amarelo 6 de setembro O Mundo Coberto de Penas 27 de agosto Fuga 6 de outubro Dou estas minúcias porque me dirijo a um homem curioso que guarda convites para enterros e cartas de cobrança Adeus Condé Um abraço Graciliano Ramos Rio junho 1944 SANTANNA 1973 p166167 5 À Gislene companheira dos momentos mais significativos da minha vida pelo amor apoio carinho incentivo antes e durante essa trajetória de pesquisa 6 AGRADECIMENTOS À minha esposa Gislene por acompanharme por mais de uma década sobretudo nos últimos anos em função da necessidade de apoio pelo ingresso no mestrado pela compreensão e pela companhia agradabilíssima À minha mãe Marialva ao meu pai Wálter e aos meus irmãos pela transmissão de conceitos de vida responsáveis pela minha formação pessoal e por sempre demonstrarem incentivos e carinho incondicional Ao meu filho Antônio Victor pelos momentos constantes de alegria fundamentais nessa fase de estudos Ao amigo Paulo Roberto pelo incentivo em buscar novos conhecimentos e ingressar me no mestrado pelo apoio contribuição acadêmica e pelo carinho e amparo em diversos momentos da minha vida Ao meu orientador e amigo Prof Dr Cleudemar Alves Fernandes por mostrarme os caminhos da AD Obrigado pela base sustentadora dessa formação pelo ensinamento ímpar que ultrapassou as obrigações como orientador por ter dado um novo norte a minha vida e por ajudarme sempre nos momentos de dificuldade Ao amigo Prof Dr João Bosco Cabral dos Santos Obrigado pelas significativas contribuições durante as aulas pelos subsídios como membro da banca de qualificação e em momentos do cotidiano pelo carinho constante e verdadeiro À Profª Drª Marisa Martins GamaKhalil pelas inúmeras observações relevantes na banca de qualificação e por sempre ter contribuído nessa trajetória acadêmica À Profª Dora Ney C Matos responsável pela descoberta do prazer de ler e do conhecimento das mais significativas obras literárias Obrigado pelas oportunidades de crescimento proporcionadas por você Aos amigos Althiere Isaías Val Ribeiro e Edgar por estarem sempre presentes mesmo distantes À Zélia Corrêa de Sá primeira pessoa a acreditar em minha aptidão como professor e a dar as mais valiosas oportunidades de crescimento profissional e pessoal Por acreditar em mim pelos inúmeros elogios e por ser responsável pelo meu ingresso no curso de Letras Aos amigos do mestrado Jaciane Jaquelinne Guilherme João de Deus Márcia Júnior Franciele que sempre estiveram presentes em momentos acadêmicos e de descontração 7 RESUMO Este estudo destinase à análise do discurso pelo silêncio na obra Vidas Secas de Graciliano Ramos Desse modo podemos depreender como a abordagem linguística é preponderante vista as condições socioculturais de produção permeadas por fatores históricos situacionais políticos ideológicos culturais Para compreender as diversas manifestações do silêncio como discurso é preciso entender a materialidade simbólica específica do silêncio Nesse caso as dificuldades de comunicação da personagem Fabiano bem como o silêncio que lhe é peculiar são exemplos que estão relacionados à própria secura do espaço A técnica da narrativa em 3ª pessoa o que não é comum nas obras de Graciliano Ramos constituise como um elemento que vem comprovar essa dificuldade das personagens em se comunicar e optarem pelo silêncio em diversas ocasiões Observamos na narrativa em análise o fato de os filhos de Fabiano e Sinhá Vitória não possuírem nomes O Menino Mais Velho e o Menino Mais Novo Há uma política de silêncio constitutiva de um sentido que nos indica que para dizer é preciso o nãodizer O silêncio das personagens é responsável pelo processo de zoomorfização que ocorre com o homem em Vidas Secas É uma maneira de significar uma vez que a cachorra da família Baleia é nomeada e os filhos não No entanto é importante ressaltar que o silêncio não é um complemento da linguagem verbal ele tem sentido e significação própria Tratase uma manifestação do silêncio fundador ou fundante bem como do silêncio por excesso e pela falta Essas reflexões sobre o silêncio indicam a complexidade da análise do discurso pelos efeitos contraditórios da produção dos sentidos sobretudo a partir das observações entre silêncio e silenciamento na contraposição do dito ou da linguagem verbal Palavraschave Análise do discurso silêncio Vidas Secas 8 ABSTRACT This paper is based on the reflection and discourse analyses of the silence on Vidas Secas by Graciliano Ramos In this study it could be observed how linguistics approach is fundamental to understand the focus of book considering the social cultural historic politic and ideological conditions This research aims to analyze the various silences demonstrations inside the speech in order to emphasize the significance of silence In this case the communication difficulties of the character Fabiano as well as his silence are examples related to the dry land The thirdperson narrative unusual in Graciliano Ramos works becomes an important element that proves how hard the communication is thus many times the silence speaks for them In this narrative it can be observed that Fabiano and Sinhá Vitórias children do not have names being called The Oldest Boy and The Younger Boy There is a policy of silence constitutive of a sense which defends that to say something it is needed not to say The silence of the characters is responsible for the animals process which occurs with the man in Vidas Secas In this situation the dog of the family Baleia has a name but not the children Nevertheless it is important to observe that silence is not a complement of the verbal language it makes sense and has a meaning itself This is a manifestation of the founder silence as well as the lack or excess of silence These beliefs about silence indicate the complexity of discourse analysis observed by the contradictory effects of senses production especially from the comments of silence and the way to impose the silence in the opposition to the spoken language Keywords Discourse analysis silence Vidas Secas 9 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 10 CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO E CONSTITUÇÃO DO CORPUS13 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 24 ANÁLISES DO CORPUS O SILÊNCIO EM VIDAS SECAS50 CONSIDERAÇÕES FINAIS78 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS81 10 O SILÊNCIO EM VIDAS SECAS INTRODUÇÃO Não existiria som se não houvesse o silêncio Não haveria luz se não fosse a escuridão A vida é mesmo assim dia e noite não e sim Cada voz que canta o amor não diz tudo o que quer dizer Tudo o que cala fala mais alto ao coração Silenciosamente eu te falo com paixão Eu te amo calado como quem ouve uma sinfonia De silêncios e de luz Nós somos medo e desejo Somos feitos de silêncio e som Tem certas coisas que eu não sei dizer Certas coisas Lulu Santos Nelson Motta Este estudo analisa o discurso tomadoproduzido pelo silêncio na obra Vidas Secas de Graciliano Ramos Traçando perfis socioculturais a obra se constitui pela temática em instituir a humanidade de sujeitos que a sociedade põe à margem ou em condições sócioeconômicas inferiores São sujeitos do discurso que não são totalmente livres nem totalmente determinados por mecanismos exteriores Os sujeitos analisados são constituídos a partir da relação com o outro nunca sendo fonte única do sentido tampouco elementos de onde se origina o discurso Do mesmo modo que de acordo com a perspectiva foucaultiana todo sujeito é constituído por atravessamentos da relação com o outro Por meio da análise de alguns dizeres presentes na narrativa em questão observamos o empenho político em favor do excluído pois a obra caracteriza seres tão comuns da região árida do nordeste brasileiro que é de extrema relevância incitar pesquisar como a interrelação sujeitodiscurso é importante para a abordagem das caracterizações visualizadas na obra em sua íntegra o que veremos ao longo deste estudo Além disso vemos a pertinente relevância do discurso produzido pelo silêncio entremeado aos aspectos ideológicos históricos e sociais das personagens da obra em especial à família de retirantes que protagoniza esta contextura 11 Essa obra trata da saga de uma família de retirantes nordestinos narrada em terceira pessoa sob o uso do discurso indireto livre isto é a fusão da falapensamento dos sujeitos personagens à voz do narradorenunciador O livro dividido em treze capítulos traz um texto marcado pela análise social dos sujeitos discursivos que habitam o árido sertão nordestino O enredo organizase em torno de seis personagens Fabiano a esposa Sinhá Vitória O menino mais velho O menino mais novo o Soldado Amarelo e a cachorra Baleia que embora seja um animal também se constitui como sujeito porque é constantemente humanizada possuindo reações próximas às de seus donos Além disso Baleia pode ser considerada como núcleo da narrativa pois foi o primeiro dos contos que compõem esta obra a ser produzido São sujeitos dotados de incompletudes já que a incompletude é uma propriedade dos sujeitos e a afirmação de suas identidades resultará da constante necessidade de completude Estava escondido no mato como tatu Duro lerdo como tatu Mas um dia sairia da toca andaria com a cabeça levantada seria homem RAMOS 1977 p26 O desejo de completude se configura inclusive para a cachorra Baleia que antes de ser sacrificada por Fabiano após este constatarlhe uma moléstia incurável sonha com um mundo cheio de preás numa tentativa de completude semelhante aos demais sujeitos aqui analisados Baleia queria dormir Acordaria feliz num mundo cheio de preás E lamberia as mãos de Fabiano um Fabiano enorme As crianças se espojariam com ela rolariam com ela num pátio enorme num chiqueiro enorme O mundo ficaria todo cheio de preás gordos enormes RAMOS 1977 p 97 Esta dissertação tem como corpus a obra Vidas Secas de Graciliano Ramos direcionada a uma pesquisa acerca dos sentidos do silêncio Em consonância com a análise da narrativa as fotografias que aqui aparecem possuem apenas caráter ilustrativo Para um resultado mais eficiente das pesquisas sobre a obra em estudo voltamos para a análise de aspectos recortados da narrativa à luz de postulados teóricos da Análise do Discurso AD Tratase de uma pesquisa qualitativa interpretativista pautada no arcabouço teórico da AD de linha francesa Para isso houve a necessidade de um embasamento consistente em um referencial teórico configurado na Análise do Discurso de linha francesa sobretudo 12 amparado pelas teorias defendidas por pensadores como Michel Pêcheux e Michel Foucault Embora eles possuam manifestações de pressupostos teóricos divergentes procuramos nesta dissertação aspectos que retratem diálogos entre as teorias do discurso apresentadas em diversos momentos da escrita de ambos Para a concretização deste trabalho foi fundamental utilizar leituras de artigos especializados sobre tais assuntos principalmente sobre as manifestações do silêncio como discurso pois por meio desse levantamento foi possível encontrar argumentos mais condizentes para a confirmação das hipóteses discutidas nesta dissertação Além disso concretizamos uma pesquisa bibliográfica de ordem teórica que complementou as teorias apresentadas no âmbito das exigências da AD com requisitos basilares da literatura moderna para a constituição da dissertação final Esta pesquisa tem como objetivo evidenciar a análise constitutiva do corpus por meio dos postulados da AD mostrar em Vidas Secas o silêncio como uma forma de manifestação de discurso explicitar os efeitos de sentido do silêncio na constituição dos sujeitos e dos discursos analisar o silêncio como elemento instaurador e também destituidor do poder nas relações entre os sujeitos na obra 13 CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO E CONSTITUÇÃO DO CORPUS Cena do filme Vidas Secas 1963 do diretor Nelson Pereira dos Santos Vidas Secas expõe o percurso de uma família que luta do seu modo para conseguir um futuro melhor por meio de um devir sempre na ordem do inacabado sob a forma interventiva das práticas sociais dos sujeitos envolvidos Para Fernandes Júnior 2007 p23 O conceito de devir seja ele animal criança mulher ou deviroutro está sempre na condição de algo que não se fixa pois dispersase em qualquer ponto de fuga fresta furo lapso susto e desfaz o curso de qualquer certeza O conceito de devir constituise pelo que apresenta como componente de fuga como algo que não fixa e não se captura FERNANDES JÚNIOR 2007 p 23 Durante a trama a família enfrenta problemas de diversas ordens que vão desde a falta de alimentação à prisão de Fabiano Todo o percurso da família de retirantes é sofrido e transparece o caráter político social econômico e cultural das personagens em estudo Podemos observar que o fato de a família de retirantes viver em constante busca de melhorias seja no plano financeiro seja no que diz respeito ao 14 cenário em que vivem notamos a presença do apego a um devir como esperança de que haja mudanças significativas e um futuro melhor Segundo Bosi 1988 p11 Entre a consciência narradora que sustém a história e a matéria narrável sertaneja opera um pensamento desencantado que figura o cotidiano do pobre sob o ritmo pendular da chuva à seca da folga à carência do bem estar à depressão voltando sempre do último estado ao primeiro Os tempos do lavrador e do vaqueiro são necessariamente mais largos o que dá à sua angústia ou à sua esperança um andamento subjetivo mais arrastado e capaz de preencher o futuro com vagarosas fantasias BOSI 1988 p11 De acordo com Deleuze apud Fernandes Júnior 2004 p21 a literatura a escrita tem fundamentalmente a ver com vida Mas vida é qualquer coisa superior ao que é pessoal Escrever é sempre se tornar alguma coisa Escrever é devir é se tornar tudo aquilo que se quer menos um escritor Há um devirinfância da literatura mas não de uma infância em particular Desse modo também podemos atribuir tal conceito às condições de produção da qual fazem parte as personagens da obra que por representarem sujeitos vivem a mesma baliza do vir a ser tornarse Acontecimentos desta ordem continuam em evidência em condições de produção atuais o que caracteriza Vidas Secas como uma narrativa contemporânea embora tenha sido publicada em 1938 O objetivo de se dizer que tais situações analisadas na obra estão também presentes na contemporaneidade parte do pressuposto de que as condições de produção pelas quais os sujeitos analisados no corpus estão inscritos são também possíveis de ser analisadas em outros momentos históricos É possível em meio à análise discursiva dos sujeitos em questão situálos em uma conjuntura de aspectos outros no sentido de estabelecer ligações entre inscrições discursivas do passado e do presente As enunciações dos sujeitos na obra podem ser analisadas como representações de uma regularidade constitutiva das condições de produção mesmo em meio à descontinuidade temporal De acordo com Barthes 1979 p19 A literatura encena a linguagem em vez de simplesmente utilizála a literatura engrena o saber no rolamento da reflexibilidade infinita através da escritura o saber reflete incessantemente sobre o saber segundo um 15 discurso que não é mais epistemológico mas dramático BARTHES 1979 p19 Pelas considerações de Barthes 1979 podemos certificar que uma das principais bases da ficção é a sua relação com a nãoficção com o real Desde a literatura mais realista àquela mais fantástica toda ficção existe no sentido de representar o que não é representável mas demonstrável Para isso Barthes aborda a mimesis como algo que implica sempre o problema da verdade e de suas interpretações por meio das imitações das representações É relevante citar também a noção de assujeitamento Althusser 2003 como a possibilidade de se constituir como sujeito da na com e pela classe social Se o discurso pode assujeitar é porque com toda verossimilhança sua enunciação está ligada de forma crucial a esta possibilidade a noção de incorporação parece ir ao encontro de uma compreensão do fenômeno MAINGUENEAU 1997 p 49 Lembramos ainda numa visão foucaultiana que a classe não é algo fixo mas constituída por movências Assim um mesmo sujeito que se constitui como patrão pode também se inscrever em uma situação inversa em condições de produção diferentes A luta de classe por exemplo representa uma contínua alteridade do sujeito e não apenas uma rotulação imóvel A luta de classe é tomada como forma de interpelação do sujeito o que podemos observar nas personagens analisadas pela ordem a que estão submetidas Vimos que a obra em estudo se inscreve nessa relação de elos entre as diversas posiçõessujeito que se configuram como elenco da narrativa Isso se dá por meio da relação que se estabelece entre o sujeito do discurso e a posiçãosujeito de uma dada formação discursiva Ressaltamos que uma posiçãosujeito não é uma realidade física mas um objeto imaginário representando no processo discursivo os lugares ocupados pelos sujeitos na estrutura de uma formação social Desse modo não há um sujeito único mas diversas posiçõessujeito às quais estão relacionadas com determinadas formações discursivas e ideológicas A literatura pode participar de maneira consciente na vida social Diante disso nasce na obra Vidas Secas uma nova humanidade integrada por sujeitos existentes em diversas partes do mundo sem enraizamento na terra e com uma única característica comum a miséria As personagens da narrativa resistem pelo silêncio firmando posições a partir das suas formações discursivas e das condições de produção do 16 acontecimento discursivo pois o acontecimento é compreendido como ponto em que um enunciado rompe com a estrutura vigente instaura um novo processo discursivo consagra essa nova forma de dizer estabelece um marco inicial de onde uma nova rede de dizeres possíveis irá emergir Nesse caso observamos que tal afirmativa se configura com a noção de silêncio fundante ou fundador que é aquele que corta a palavra e faz com que o sentido seja outro Para Orlandi 2007 p14 Silêncio que atravessa as palavras que existe entre elas ou que indica que o sentido pode sempre ser outro ou ainda que aquilo que é mais importante nunca se diz todos esses modos de existir dos sentidos e dos silêncios nos levam a colocar que o silêncio é fundante Assim quando dizemos que há silêncio nas palavras estamos dizendo que elas são atravessadas de silêncio elas produzem silêncio o silêncio fala por elas elas silenciam ORLANDI 2007 p 14 É importante ressaltar que o silêncio analisado na obra não se configura apenas pela falta de palavras porque é possível falar para não dizer Isso acontece por meio do silêncio por excesso quando tudo que é dito tem o objetivo de omitir enunciações outras É quando se diz X para não se dizer Y De acordo com Villarta Neder 2004 há uma dicotomia na exposição sobre o silêncio que abarca o silêncio por excesso e o silêncio pela falta Assim ambos representam significados outros que evidenciam a constituição de uma sobreposição de sentidos 1 um excesso do dizer sob a forma de uma necessidade de reafirmar um sentido pode ser interpretado como um silenciamento de um espaço polissêmico que emerge e incomoda o sujeito obrigandoo a tentar evitar outros sentidos E a existência de marcas que indiquem um abandono da tentativa de estabelecer um sentido apontaria 2 um silêncio nãodizer sobre esses sentidos escorregadios eou inconvenientes VILLARTANEDER 2004 p 172 Grifos do autor Todas as palavras são carregadas de silêncio E na obra tomada como corpus mostramos o dizer através do nãodizer por meio da opacidade da linguagem pois o significado do nãodizer imprime sentidos outros e são esses vários modos de existir dos sentidos que constituem a significação do discurso pelo silêncio em Vidas Secas 17 Em caráter discursivo numa visão amparada pela Análise do Discurso de linha francesa a abordagem principal da obra Vidas Secas analisada neste trabalho não é exatamente a seca mas o silêncio marcado pela presença do binômio opressão submissão Este é um caminho para o massacre do caráter humano também visto na dificuldade de linguagem de Fabiano e na animalização dele e de sua família Nesse sentido o discurso pelo silêncio aparece mascarado em diversas situações de maneira evidente e às vezes sobre a representação de silenciamento pelo rebaixamento a que submete a família de Fabiano Ao mesmo tempo em que percebemos o processo de zoomorfização em Fabiano e em Sinhá Vitória também visualizamos o processo de antopomorfização na cachorra Baleia No segundo capítulo intitulado Fabiano a própria personagem se nomeia como bicho Fabiano você é um homem exclamou em voz alta Olhou em torno com receio de que fora os meninos alguém tivesse percebido a frase imprudente Corrigiua murmurando Você é um bicho Fabiano RAMOS 1977 p 19 Nas páginas seguintes há mais evidências que comprovam tais afirmações conforme observaremos nos fragmentos a seguir Agora Fabiano era vaqueiro e ninguém o tiraria dali Aparecera como um bicho entocarase como um bicho mas criara raízes estava plantado O corpo do vaqueiro derreavase as pernas faziam dois arcos os braços moviamse desengonçados Parecia um macaco Vivia longe dos homens só se dava bem com animais Os seus pés duros quebravam espinhos e não sentiam a quentura da terra Montado confundiamse com cavalo grudavase a ele E falava uma linguagem cantada monossilábica e gutural que o companheiro entendia RAMOS 1977 p2021 Para comprovar a ideia de oposição entre o tratamento dado a humanos e animais veremos mais dois fragmentos que corroboram para tal acepção extraídos do corpus 18 Baleia detestava expansões violentas estirou as pernas fechou os olhos e bocejou Efetivamente a exaltação do amigo era desarrazoada Tornou a estirar as pernas e bocejar de novo O menino continuava a abraçála E Baleia encolhiase para não magoá lo sofria a carícia excessiva RAMOS 1977 p 6365 Olhou de novo os pés espalmados Efetivamente não se acostumara a calçar sapatos mas o remoque de Fabiano molestaraa Pés de papagaio Isso mesmo sem dúvida matuto anda assim Para que fazer vergonha à gente Arreliavase com a comparação RAMOS 1977 p 45 O processo de estudo de zoomorfismo e antropomorfismo é claramente trabalhado pela teoria literária defendida por Affonso Romano de SantAnna 1973 Para ele há uma oposição evidente entre FabianoBaleia e Sinhá Vitóriapapagaio Tal oposição é culminada pelo silenciamento dos animais pelas próprias personagens contrapostas Fabiano é aquele que matará Baleia a tiros de espingarda assim como Vitória é a que liquida o papagaio para alimentar a família SANTANNA 1973 p157 Todo discurso imediato do livro destacado pelas críticas sociológicas e estilísticas insistiria neste aspecto que aproxima o humano dos animais e viceversa dentro de um processo de zoomorfização do humano e antropomorfização de animais Essa operação no entanto não se esgota com uma amostra de análise estilística dos elementos metafóricos fusão do homem e do animal mas esconde um processo metonímico de composição do livro que nos levará à confecção de um modelo de permutabilidade que atravessa toda obra SANTANNA 1973 p 155 Ao abordar a morte do homem em As palavras e as coisas Foucault 1985 apresenta os processos de estigmatização discriminação marginalização operando no nível da percepção social do espaço social das instituições sociais do senso comum do aparelho judiciário da família do Estado É interessante ressaltar os sentidos do silêncio que permeiam as personagens da obra nessa condição de assujeitamento De qualquer maneira o resultado é o mesmo o silêncio dos assujeitados silêncio que é o primeiro e mais forte componente da situação de exclusão Isso se explica pelo fato de 19 partirse do pressuposto de que o silêncio também produz sentido representa os significados velados que se ocultam na dispersão dos sentidos O silêncio é o nãodito implícito dos e nos sentidos que embora não sejam depreensíveis na superfície do discurso estão embutidos na perspectiva do dizer SANTOS 2000 p233 Além da questão da opressão há a idéia de que o domínio da linguagem seja sinônimo de poder no mínimo de liberdade ou de resistência Sob a visão linguísticodiscursiva apresentada observamos a relevância e as fortes manifestações que o discurso possa traduzir na obra em análise principalmente a partir das constitutividades do discurso pelo silêncio como forma de expressão Bateu na cabeça apertoua Que faziam aqueles sujeitos acocorados em torno do fogo Que dizia aquele bêbado que se esgoelava como um doido gastando o fôlego à toa Sentiu vontade de gritar de anunciar muito alto que eles não prestavam para nada Ouviu uma voz fina Alguém no xadrez das mulheres chorava e arrenegava as pulgas Rapariga da vida certamente de porta aberta Essa também não prestava para nada Fabiano queria berrar para a cidade inteira afirmar ao Doutor Juiz de Direito ao delegado a seu Vigário e aos cobradores da prefeitura que ali dentro ninguém prestava para nada Ele os homens acocorados o bêbado a mulher de pulgas tudo era uma lástima só servia para aguentar facão Era o que ele queria dizer RAMOS 1977 p 39 Grifo nosso Na verdade o que pretendemos mostrar é que o lugar social em que estão inseridos faz com que as personagens percam a quase totalidade do caráter humano Podemos depreender como a abordagem linguísticodiscursiva é preponderante tendo em vista as condições socioculturais de produção permeadas por fatores históricos situacionais políticos ideológicos culturais O fator submissão é decisivo para entrelaçar os modos pelos quais o sujeito em suas condições de produção é ou se torna submisso diante das relações sociais que o envolvem Ao analisar alguns aspectos da obra percebemos que Fabiano é constituído pelo caráter de submissão perante o sistema que o circunda como veremos mais adiante Para VillartaNeder 2004 p170 há portanto um encadeamento que alterna formas e efeitos de dizer e de silenciar ou mais ainda que alterna gradações entre o dizer e o silenciar Isso caracteriza uma das diversas formas dos sentidos do silêncio como estar em silêncio e transpirar palavras pois embora não haja tantas enunciações 20 do discurso como manifestação da palavra ou da escrita há o silêncio eloquente capaz de produzir as mais explícitas formas de se dizer A escrita e a fala são linguagens e interlocuções por isso apresentam a constitutividade alternada entre o dizer e o silêncio Essa questão do silêncio ORLANDI 2007 abre perspectiva para uma nova forma de conceber a questão discursiva Do ponto de vista teórico ela permite compreender melhor a questão da incompletude como parte constitutiva da linguagem e do homem O homem está condenado a significar Com ou sem palavras diante do mundo há uma injunção à interpretação tudo tem de fazer sentido qualquer que ele seja ORLANDI 2007 p29 Nesse caso o silêncio se manifesta como fundante ou fundador Todo processo de significação traz uma relação necessária ao silêncio ORLANDI 2007 p29 Há textos que trazem um silêncio essencial justamente quando sua análise consiste em armar ou driblar o que ali subentende sob o aspecto velado O silêncio se manifesta pelo fulgor da ausência Fabiano é constituído pela carência da palavra e o texto atenta para a querência da palavra como recurso de poder Embora Fabiano seja de poucas palavras ele se inscreve em um discurso de desejos que o leva além de si Por mais que as palavras digam o desejo que as move constitui silenciosamente significações dadas em acréscimos pois muito da convivência com seu Tomás da bolandeira despertara em Fabiano o desejo da palavra Assim este perde o senso do real uma vez que o desejo está sempre colocado além do real O real que é o não dito diferente do que é mascarado ou simbolizado como tal Em virtude disso será constante em toda a narrativa a constituição hipotética do devir Fabiano seria o vaqueiro daquela fazenda morta os meninos gordos vermelhos brincariam no chiqueiro das cabras Sinhá Vitória vestiria saias de ramagens vistosas As vacas povoariam o curral E a caatinga ficaria toda verde RAMOS 1977 p17 Não sabia falar Não podia arrumar o que tinha no interior Se pudesse Ah Se pudesse atacaria os soldados amarelos que espancam as criaturas inofensivas RAMOS 1977 p39 O desejo do tornarse ou vir a ser também é revestido na inscrição discursiva da esposa Sinhá Vitória que desejava possuir uma cama igual à de Seu Tomás da Bolandeira 1977 p25 e dos filhos que aspiravam à possibilidade de estudar pois na escola aprenderiam coisas difíceis e necessárias Pelas observações expostas nas quais se encontra o sujeito notamos a marca pelo caráter da identificação imaginária em que o sujeito é constituído por um outro 21 Observamos que o desejo põe longe a esperança de concretizar quaisquer dos sonhos almejados Todas as personagens querem se constituir como possuidores de palavras de oportunidades de poder aquisitivo que pudessem equipararse de igual para igual defender seus direitos junto ao patrão e se fazer respeitar pela polícia É aí no interdiscurso que temos o domínio da memória ou seja a exterioridade constitutiva dos enunciados espaço no qual o sujeito falante não tem um lugar já definido visto que no domínio da memória temos uma voz sem dono Assim podemos associar também à noção de real pois criar um real é uma urgência viva Com a noção de real temos que levar em consideração discussões acerca da opacidade apagamento esquecimento e silêncio da equivocidade avesso oposto transverso e da contradição fabulação engano crença Em vista disso compreendemos que a manifestação dos processos de dominação e resistência se opõem em efeitos de alteridade O assujeitamento como tornarse sujeito é uma urgência viva o que para Pêcheux em O Discurso Estrutura ou Acontecimento está ligado a teorias que envolvem o marxismo como urgência viva pois o saber é algo que remete a si como fundamento daquilo que o constitui O real é inacessível aos sujeitos que fazem dele representações imaginárias determinantes da constituição do sujeito Pêcheux 2002 notifica o real como o impossível e considera a história vinculada pelo saber por meio de aspectos do marxismo tomados como releitura de Althusser De acordo com Pêcheux 2002 Supor que pelo menos em certas circunstâncias há independência do objeto face a qualquer discurso feito a seu respeito significa colocar que no interior do que se apresenta como o universo físicohumano coisas seres vivos pessoas acontecimentos processos há real isto é pontos de impossível determinando aquilo que não pode não ser assim O real é o impossível que seja de outro modo Não descobrimos pois o real a gente se depara com ele o encontra PÊCHEUX 2002 p29 A partir do entendimento de que a formação discursiva determina o que pode e o que deve ser dito conforme Pêcheux apud Courtine Marandin 1981 podemos inferir que aquilo que não deve e não pode ser dito ou seja o que pode ou deve ser silenciado também é determinado pela formação discursiva bem como o que pode e o 22 que deve ser lembrado em relação à memória coletiva De acordo com esse ponto de vista o vazio apesar de não ter algo dentro dele também significa porque fundamentalmente na relação entre ele o sujeito e o outro élhe inevitavelmente atribuído um sentido mesmo que negativo VILLARTANEDER 2002 p14 Elencamos como hipóteses relevantes na constituição desta pesquisa a observação das instâncias de silêncio por ausência omissão dos itens jáditos anteriormente e por excesso sobreposição de dizeres e de silêncios Observaremos as instâncias do nãodito do silêncio e do silenciamento na superfície do corpus analisado Em relação à produção dos sentidos VillartaNeder 2002 faz uma reflexão acerca de duas categorias do silêncio em relação dialética e complementar num procedimento de instauração da heterogeneidade a ausência que representa o não dizer e o excesso que compreende a sobreposição que a palavra instaura sobre o silêncio ou sobre outras palavras Seguindo a classificação de VillartaNeder 2002 enfocaremos o silêncio como sendo mais que um apagamento das vozes do discurso um procedimento de instauração da heterogeneidade O silêncio também é constitutivo pela falha ao nomear presente no sujeito mencionada por AuthierRevuz 1994 a partir de um ponto de vista lacaniano Essa palavra que falta ou para ampliar a discussão que sobra institui um espaço heterogêneo dentro do qual a semiose acontece seja pela intervenção de outros códigos seja pela significância do silêncio VILLARTANEDER 2004 p 170171 Enfatizamos o silêncio de Fabiano como expositor de opressões a inabilidade do sistema linguístico denuncia o sistema político e social pois os fabianos reduzidos reforçam o poder que sobre eles se instaura O silêncio em Vidas Secas tem peso de tradição porque o sofrer é silencioso e ancestral e quiçá ligado à posteridade Se pudesse mudarse mas estava acostumado RAMOS 1977 p 9596 Fabiano gritou assustando o bêbado os tipos que abanavam o fogo o carcereiro e a mulher que se queixava de pulgas Tinha aqueles cambões pendurados ao pescoço Deveria continuar a arrastálos Sinhá Vitória dormia mal na cama de varas Os meninos eram uns brutos como o pai Quando crescessem guardariam as reses de um patrão invisível seriam pisados 23 maltratados machucados por um soldado amarelo RAMOS 1977 p 40 Há de se considerar também que esses diagnósticos construídos neste percurso de investigação comprovam que Fabiano acreditava na possibilidade de que assim como ele carregava o peso ancestral da lida como vaqueiro também os seus filhos teriam a mesma sorte devido ao espaço ideologicamente marcado a que estavam inscritos Percebemos tal acepção pelas constitutividades do silêncio como manifestação discursiva Do mesmo modo podemos depreender que os filhos também possuíam essa acepção No fragmento a seguir tomamos o exemplo do Menino Mais Novo que em constante imitação aos atos do pai conseguia visualizarse futuramente como um novo Fabiano Ergueuse deixou a cozinha foi contemplar as perneiras o guardapeito e o gibão pendurado num torno da sala Daí marchou para o chiqueiro e o projeto nasceu Arredouse fez tenção de entenderse com alguém mas ignorava o que pretendia dizer A égua alazã e o bode misturavamse ele e o pai misturavamse também Rodeou o chiqueiro mexendose como urubu arremedando Fabiano Subiu a ladeira chegouse a casa devagar entortando as pernas banzeiro Quando fosse homem caminharia assim pesado cambaio importante as rosetas das esporas tilintando Saltaria no lombo de um cavalo brabo e voaria na catinga como pédevento levantando poeira RAMOS 1977 p 525356 24 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA A todos os que pretendem ainda falar do homem de seu reino e de sua liberação a todos que formulam ainda questões sobre o que é o homem em sua essência a todos os que pretendem partir dele para ter acesso à verdade a todos os que não querem pensar sem imediatamente pensar que é o homem que pensa a todas essas formas canhestras e distorcidas só se pode opor um riso filosófico isto é de certo modo silencioso FOUCAULT As palavras e as coisas 1985 p359 Cena do filme Vidas Secas 1963 do diretor Nelson Pereira dos Santos No âmbito da utilização dos pressupostos teóricos recorremos aos postulados da AD de linha francesa para a concretização desta pesquisa Fundamentaremos nosso trabalho com os conceitos de discurso sentido ideologia e sujeito formalizados por Pêcheux 1975 o conceito de memória discursiva proposto por Courtine 1981 os conceitos da função autor formação discursiva poder e resistência trabalhados por Foucault 1992 a noção de heterogeneidade discursiva discutida por AuthierRevuz 25 2004 a representação do silêncio pela falta e por excesso por VillartaNeder 2004 e as formas de manifestação do silêncio no movimento dos sentidos pesquisadas por Orlandi 2007 Esta pesquisa se ocupa da análise dos atravessamentos do silêncio no discurso das personagens da obra em estudo com respaldo teórico nas discussões advindas da Análise do Discurso de linha francesa Em consonância com essa ideia observamos que as propostas de Pêcheux como fundador da AD proporcionaram o surgimento de novos trabalhos que com ele se relacionam por meio de diálogos ou de duelos como apresenta GREGOLIN 2004 Para ela as propostas de Pêcheux provocaram o surgimento de outros trabalhos do mesmo modo que Pêcheux produziu sua obra em confluência com outros fundadores Procuro acompanhar a história da constituição da análise do discurso a partir dos diálogosduelos teóricos nunca tranquilos entre Michel Foucault e Michel Pêcheux por meio dos quais se tramaram os fios de uma teoria do discurso que propôs um novo olhar para o sentido o sujeito e a História Esse esforço demanda acompanhar uma trajetória que se inicia nos anos 1960 e se estende até o início dos anos 1980 quando ambos faleceram com apenas alguns meses e intervalo Além disso é necessário acompanhar os diálogos que ambos estabeleceram com Saussure Freud Marx Nietzsche E com releituras feitas por Althusser Lacan Barthes e vários outros pensadores que na França compartilharam esse momento histórico de intensa produção de espirais de conhecimento GREGOLIN 2004 p13 No Brasil o terreno das construções teóricas que permeiam estudos na AD também são muito significativos Na linha do discurso pelo silêncio objeto discursivo do nosso trabalho temos Orlandi e VillartaNeder como maiores expoentes da noção do silêncio como manifestação do dizer O silêncio é a própria condição de produção da linguagem O sentido é múltiplo porque o silêncio é constitutivo A falha e o possível estão no mesmo lugar e são função do silêncio ORLANDI 2007 p 71 O escopo da AD recorrente neste trabalho subsidia sob a forma de fundamentação teórica idéias defendidas inclusive por quem não se intitula como analista do discurso Dentre os quais se destacam Michel Foucault e AuthierRevuz que terão algumas de suas considerações pontuadas nessa pesquisa No entanto foram conceitos que puderam contribuir significativamente com os pensamentos apresentados 26 sobre as questões que envolvem sujeito discurso sentidos ou silêncio na baliza das descobertas sobre o comportamento dos homens como sujeitos em alteridade levando se em conta suas formações discursivas e as condições de produção pertinentes em cada análise Portanto contemplamos as manifestações discursivas sob o viés dos silêncios em que os sentidos em sua movência em seu fluxo incessante se mostram se escondem na iminência do dizer A AD sob a proposta pecheuxtiana estabelecerá o seu objeto que é o discurso como desconstrução e compreensão incessante a partir da crítica do corte entre língua e fala discutido por Saussure 1975 A partir desse pressuposto compreendemos a trajetória da Linguística até chegarmos às discussões da AD que envolvem discurso sentido e silêncio A Análise do Discurso se configura como a instauração de novos gestos de leitura seja pelo efeito de conhecimento que se faz no entremeio da enunciação seja na contradição entre teorias e práticas discursivas Para isso é necessário observarmos o elo entre fatores históricos e linguísticos que constituem a materialidade específica do discurso Para a Análise do Discurso discutir a noção de silêncio significa interrogar o solo epistemológico dos conceitos discursivos capazes de desvendar sentidos outros que se encontram apagados mas que são visualizados por meio das percepções da presença de um silêncio discursivo Nesse sentido contamos com a AD para melhor compreender os sentidos dos discursos constituídos pela inscrição dos sujeitos em questão Os discursos constituem não o único mas o mais maciço dos materiais da história Nenhum deles pode ser manejado sem ser submetido ao duplo questionário crítico e genealógico proposto por Foucault visando a marcar suas condições de possibilidade de produção seus princípios de regularidade suas imposições e apropriações A tarefa é inscrever no centro da crítica documental que constitui a mais durável e a menos contestada das características da história o questionário e as exigências do projeto de análise dos discursos tal como foi formulado em articulação com o trabalho efetivo dos historiadores e cujo objeto é finalmente as imposições e os meios que regulam as práticas discursivas da representação Por outro lado pensar o trabalho histórico como um trabalho sobre a relação entre representação e práticas CHARTIER 1998 p 17 27 Para melhor situar o nosso trabalho na inscrição teórica à qual fazemos referência é necessária a exposição de um breve comentário acerca do papel da AD na conjunção da subjetividade e da conjetura discursiva São considerações teóricas que sustentam nossas hipóteses acerca do silêncio sentido discurso e sujeito Dessa forma é importante comentar as etapas pelas quais a Análise do Discurso passou para a construção de seu aparato teórico A AD pode ser dividida em três momentos A primeira época como exploração metodológica da noção de maquinaria discursivoestrutural a segunda como justaposição dos processos discursivos à tematização de seu entrelaçamento desigual e a terceira como a emergência de novos procedimentos da AD através da desconstrução das maquinarias discursivas No entanto fundamentações teóricas outras nas quais se situam inscrições discursivas próprias à AD também serão relevantes na constituição do nosso olhar para conceitos e extensões epistemológicas nesse campo disciplinar Como exemplo disso vemos a formulação do conceito de formação discursiva por Michel Foucault em A Arqueologia do Saber no final dos anos 1960 na França evidenciando a reconfiguração desse conceito em Michel Pêcheux Claudine Haroche e Paul Henry no início dos anos 1970 à luz do althusserianismo e ainda recentemente os seus deslocamentos e aplicações por analistas do discurso como Gregolin 2004 Santos 2004 Sargentini 2004 Indursky 2005 Fernandes 2007 Baronas 2008 dentre muitos outros Já na considerada primeira época da AD a produção discursiva é vista como uma máquina fechada sobre si os sujeitos determinamse como produtores de seus discursos Desse modo observamos os sujeitos que acreditam utilizar os seus discursos de maneira independente quando na verdade funcionam como suportes por serem assujeitados pela multiplicidade heterogênea dos processos discursivos justapostos A partir das observações inscritas na AD desde a trajetória inicial aos estudos contemporâneos percebemos a configuração teórica de que toda suposição de um sujeito intencional com origem enunciadora de seu discurso é inadequada pois todos os sujeitos são constituídos por discursos outros decorrente das condições de produção inerentes às inscrições discursivas mostradas Sob visão apresentada pela AD podemos destacar a influência da noção de Formação discursiva teorizada por Foucault na derrocada da concepção de tal conceito como máquina estrutural fechada uma vez que o conceito de FD está em relação 28 paradoxal com o seu exterior Ela consiste em um deslocamento teórico resultante de um novo olhar sobre as relações entre as máquinas discursivas estruturais Essas relações são compreendidas como forças desiguais entre processos discursivos exercendo portanto uma influência desigual uns sobre os outros A noção de Formação Discursiva FD de Michel Foucault começa a aniquilar a noção de máquina estrutural fechada dado que uma FD não se constitui como um espaço estrutural fechado na medida em que comporta elementos originários de outras FDs Ainda na considerada segunda época da AD a AD2 é discutida a noção de interdiscurso para nomear o exterior de uma FD mas o fechamento da maquinaria é conservado Em decorrência o sujeito é compreendido apenas como puro efeito da maquinaria da FD com a qual ele se identifica sendo descartado o sujeito da enunciação A FD referese a este momento mas foi a partir da terceira época que os avanços da AD ganharam maior notoriedade no espaço acadêmico A FD não se inscreve em locais fechados ela é constitutiva de elementos de outros espaços sociais Uma FD é sempre constituída por outras FDs seja na perspectiva de préconstruídos seja na de discursos transversos pois toda FD se caracteriza pela divisão e heterogeneidade No caso em que se puder descrever entre um certo número de enunciados semelhante sistema de dispersão e no caso em que entre os objetos os tipos de enunciação os conceitos as escolhas temáticas se puder definir uma regularidade uma ordem correlações posições e funcionamentos transformações diremos por convenção que se trata de uma formação discursiva evitando assim palavras demasiado carregadas de condições e consequências inadequadas aliás para designar semelhante dispersão tais como ciência ou ideologia ou teoria ou domínio de objetividade FOUCAULT 2004 p43 Com base no exposto acima surge em seguida a noção de interdiscurso que é designada como o exterior específico de uma FD constituída em lugar de evidência discursiva São as inscrições discursivas outras na constituição de novos discursos 29 Courtine 1981 afirma que o estudo de um processo discursivo no seio de uma FD dada não é dissociável do estudo da determinação desse processo por seu interdiscurso Assim observamos o conceito de FD formulado por Michel Foucault e reiterado por Pêcheux que embora esteja consagrado em um plano antecedente pôde comentar tal pensamento acerca da FD Componente de uma formação ideológica que sozinha ou interligada a outras FDs determinam o que pode e o que deve ser dito articulado sob a forma de uma arenga de um sermão um panfleto uma exposição um programa etc a partir de uma posição dada numa conjuntura isto é numa certa relação de lugares no interior de um aparelho ideológico e inscrita numa relação de classes Diremos que toda formação discursiva deriva de condições de produção específicas identificáveis a partir do que acabamos de identificar PÊCHEUX FUCHS 1990 p 166167 Nesse sentido ao associarmos a noção de FD como aquilo que pode e o que deve ser dito numa relação com o silêncio podemos inferir numa extensão epistemológica que a FD também pode estar ligada ao que pode e o que deve ser silenciado Elucidamos que as FDs dadas são caracterizadas por contradições ou refutações de outras formações discursivas por meio de descontinuidades denegação do que se pode dizer apenas em determinados espaços sociais É a confirmação de que as dispersões estão vinculadas às unidades do discurso A noção de formação discursiva segundo Pêcheux 1990 p 314 numa alusão a Foucault começa a fazer explodir a noção de máquina estrutural fechada na medida em que o dispositivo da FD está em relação paradoxal com seu exterior Desse modo a insistência da alteridade na identidade discursiva coloca em questão o fechamento dessa inscrição identitária bem como a noção de maquinaria discursiva estrutural Para Fernandes 2007 a formação discursiva revela formações ideológicas que a integram assim há o entrecruzamento de diferentes discursos e formações ideológicas constituindo uma dada formação discursiva Toda formação discursiva apresenta em seu interior a presença de diferentes discursos ao que na Análise do Discurso denominase interdiscurso Tratase conforme assinalamos de uma interdiscursividade caracterizada pelo entrelaçamento de diferentes discursos oriundos de diferentes momentos na história e de diferentes lugares sociais 30 Os enunciados apreendidos em dada materialidade linguística explicitam que o discurso constituise da dispersão de acontecimentos e discursos outros historicamente marcados que se transformam e modificamse Uma formação discursiva dada apresenta elementos vindos de outras formações discursivas que por vezes contradizem refutamna FERNANDES 2007 p 51 As pessoas tendem a regular o discurso justamente pelo receio das possíveis consequências que o discurso possa acarretar São os sujeitos discursivos e o temor pela indagação do que pode e deve ser dito Segundo Foucault 2003 a produção do discurso é controlada organizada selecionada e redistribuída de acordo com procedimentos externos e internos tendo como efeito a exclusão a sujeição e a rarefação No grupo dos princípios de controle dos procedimentos externos ou exteriores está a interdição não se tem o direito de dizer tudo não se pode falar tudo em qualquer circunstância qualquer um não pode falar de qualquer coisa FOUCAULT 2003 p9 Por mais que o discurso aparente ser conciso às exigências do interlocutor as interdições que o atingem revelam logo rapidamente sua ligação com o desejo e com o poder Desse modo por meio do silêncio possibilidades outras de sentido emanam na produção do discurso e ocasionam produções outras de compreensão do enunciado em questão Gregolin 2004 aponta que das interdições numa sociedade existem aqueles que podem e aqueles que não podem falar havendo portanto certos rituais da palavra que separam na comunidade de fala aqueles que têm o direito exclusivo sobre o dizer em certo campo discursivo A política e a sexualidade são áreas nas quais é possível enxergar com mais clareza os efeitos das interdições É interessante ressaltar que as interdições geram as segregações Assim junto com o procedimento de segregação uma sociedade determina o silêncio pelas cesuras entre o normal e o patológico a razão e a desrazão o certo e o errado A interdição é a sobreposição de uma posição sujeito pela recompensa sobredeterminação ou sucumbimento de saberes que se sobrepõem a outros saberes Quanto à separação rejeição na separação razão loucura o louco é aquele cujo discurso é impedido de circular como o dos outros Desde a Alta Idade Média a palavra do louco não é ouvida e quando é ouvida é escutada como uma palavra de 31 verdade de uma verdade que os indivíduos normais não percebem Sobre isso Foucault 2003 afirma que não existe a verdade mas vontades de verdades que se transformam de acordo com aspectos históricos Se nos situarmos no nível de uma proposição no interior de um discurso a separação entre o verdadeiro e o falso não é nem arbitrária nem modificável nem institucional nem violenta Mas se levantarmos a questão de saber situandonos em outro nível qual é essa vontade de verdade que atravessou tantos séculos de nossa história e qual é o tipo de separação que rege nossa vontade de saber Isso é visto consequentemente como um sistema de exclusão sistema histórico institucionalmente constrangedor O discurso instaura uma verdade na perspectiva foucaultiana Verdade esta sobreposta por uma rede de saberes que a assevera historicamente Já a exterioridade impõesobrepõeinterpõe a subjetividade porque determina as posições sujeito no crivo da história Isso pressupõe uma mudança de posição Não existe a negação quando se trata de vontade de verdade A vontade existe ou é rarefeita pela interposição de saberes Em relação ao segundo grupo de princípios de controle do discurso Foucault 2003 o denomina Procedimentos internos de controle e delimitação do discurso Dentre os procedimentos internos estão o comentário o autor e a disciplina No comentário existe um desnivelamento entre os discursos os discursos que se dizem no correr dos dias e das trocas e que passam com o ato mesmo que os pronunciou e os discursos que estão na origem mesmo de certo número de atos novos de fala que os retomam transformamnos ou falam deles A relação do texto primeiro com o texto segundo permite construir novos discursos permite trabalhar o acaso do discurso permite dizer algo além do texto O novo não está no que é dito mas no acontecimento de sua volta FOUCAULT 2003 p 26 Os jogos discursivos do comentário permitem dois movimentos que são solidários ao mesmo tempo em que permitem construir indefinidamente novos discursos eles possibilitam dizer enfim o que estava articulado silenciosamente no texto primeiro FOUCAULT 2003 p25 Outra questão pertinente às discussões da AD no interior deste trabalho baseiase na noção de autoria formalizada por Foucault É importante ressaltar que neste estudo os sujeitos discursivos aqui analisados não recebem a representação circunstancial de Graciliano Ramos pois discutiremos a visão foucaultiana sobre tal assunto O autor não existe apesar de existir pois não passa de uma construção sócio 32 histórica uma realidade de transação princípio de agrupamento do discurso criado com o objetivo de lhe conferir alguma unidade e coerência de modo a tentar excluir o acaso do contínuo discursivo FOUCAULT 2003 p 29 No princípio de autoria o autor atua como princípio de agrupamento do discurso como unidade e origem de significações como foco de coerência na geração de saberes O autor é aquele que dá a inquietante linguagem da ficção suas unidades seus nós de coerência sua inserção no real FOUCAULT 2003 p 28 Além disso a função autor se reforça como efeito de uma vontade de verdade que se funda como conhecimento Foucault se refere à questão da autoria ao mencionar o princípio da rarefação do discurso na ordem do discurso É um autor que se inscreve numa unidade de dizer na qual revela sentidos de uma historicidade traduzida em vontade de verdade O autor ou função autor é apenas uma das especificações possíveis da função sujeito Numa sociedade em que os discursos circulassem no anonimato do murmúrio deixaríamos de ouvir questões por tanto tempo repetidas como quem é que falou realmente Foi ele mesmo e não o outro Pouco mais se ouviria do que o rumor de uma indiferença que importa quem fala FOUCAULT 1969 p70 Segundo Foucault a função autor foi um processo que veio se desenvolvendo desde a época medieval como um dos dispositivos que visaram a controlar a circulação dos textos ou a darlhes autoridade por meio de uma assinatura legitimadora A função autor se constitui como um dispositivo de controle dos sentidos que regula a ordem do discurso Já a organização das disciplinas se opõe tanto ao princípio do comentário como ao do autor pois a disciplina opondose ao autor caracterizase por um domínio de objetos um conjunto de métodos um corpus de proposições consideradas verdadeiras um jogo de regras e de definições de técnicas e instrumentos Em oposição ao comentário não é um sentido que precisa ser redescoberto nem uma identidade que deve ser repetida é o que é requerido para a produção de novos enunciados Para que haja disciplina é preciso pois que haja possibilidade de formular e de formular indefinidamente proposições novas Uma disciplina não é a 33 soma de tudo que pode ser dito de verdadeiro sobre alguma coisa não é nem mesmo o conjunto de tudo que pode ser aceito a propósito de um mesmo dado em virtude de um princípio de coerência ou de sistematicidade FOUCAULT 2003 p3031 O terceiro grupo de princípios de controle do discurso diz respeito a práticas que têm como consequência o que Foucault chama de rarefação dos sujeitos que falam Para melhor exemplificar vejamos a imposição de regras aos sujeitos do discurso que envolvem o ritual as sociedades do discurso as doutrinas e as apropriações sociais do discurso O Ritual define a qualificação que deve possuir os sujeitos que falam e que no jogo de um diálogo da interrogação da recitação devem ocupar determinado tipo de enunciados Por exemplo os discursos religiosos judiciários e políticos não podem ser dissociados dessa prática de um ritual que determina para os sujeitos que falam ao mesmo tempo propriedades singulares e papéis preestabelecidos As sociedades de discurso conservam e produzem discursos em um espaço fechado a fim de estabelecer formas de apropriação de segredo e de não permutabilidade Já as doutrinas constituem o inverso da sociedade do discurso nesta o número de indivíduos que falam mesmo se não fosse fixado tendia a ser limitado e só entre eles o discurso podia circular e ser transmitido A doutrina pelo contrário tende a difundirse e é pela partilha de um só e mesmo conjunto de discursos que indivíduos tão numerosos quanto se queira imaginar definem sua pertença recíproca Aparentemente a única condição requerida é o reconhecimento das mesmas verdades e a aceitação de certa regra de conformidade com os discursos validados A doutrina liga os indivíduos a certos tipos de enunciação e lhes proíbe consequentemente todos os outros FOUCAULT 2003 p43 Em Vidas Secas por exemplo observamos que Fabiano não tem muito direito à voz Podemos confirmar essa afirmação de Foucault ao analisarmos obras mais antigas em que é observado nelas o caráter regiocêntrico Quanto à apropriação social dos discursos o sistema educacional é espaço no qual os sujeitos têm acesso a muitos discursos É a maneira política de manter ou modificar a apropriação dos discursos com os saberes e os poderes que eles trazem consigo Mesmo que o sujeito não tenha acesso à escolaridade também será constituído por inscrições discursivas de diversas ordens 34 Apresentaremos a seguir três direções que seguem o trabalho de elaboração teórica Para analisar a materialidade discursiva em suas condições de produção seu jogo e seus efeitos é preciso optar por três decisões às quais nosso pensamento ainda resiste um pouco hoje em dia e que correspondem aos três grupos de funções questionar nossa vontade de verdade restituir ao discurso seu caráter de acontecimento suspender enfim a soberania do significante Foucault 2003 p49 Não existe um discurso ilimitado contínuo e silencioso que tivéssemos por missão descobrir restituindolhe enfim a palavra Vejamos o princípio de descontinuidade Não se deve imaginar percorrendo o mundo e entrelaçandose em todas as suas formas e acontecimentos um nãodito ou um impensado que se deveria enfim articular ou pensar Os discursos devem ser tratados como práticas descontínuas que se cruzam às vezes mas também se ignoram e excluem Outro princípio relevante na discussão feita por Foucault é o princípio de especificidade que se fundamenta em não transformar o discurso em um jogo de significações prévias não imaginar que o mundo nos apresenta uma face legível que teríamos de decifrar apenas E por último o princípio da exterioridade vinculado ao ato de não passar do discurso para o seu núcleo interior e escondido ou para o âmago de um pensamento ou de um sentido que se manifestaria nele mas a partir do próprio discurso de sua aparição e de sua própria regularidade passar às suas condições externas de possibilidade Foucault dedicouse a filosofar sobre vários temas e sua obra e os assuntos por ele teorizados interessam a diversos campos de saberes e práticas Para a Análise do Discurso a influência de seu pensamento é cada vez mais relevante oferecendo diferentes perspectivas para se enxergar o homem a sociedade o mundo Em A Ordem do Discurso Foucault desvenda a relação entre as práticas discursivas e os poderes que as permeiam Para ele o discurso não é apenas aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação mas aquilo pelo que se luta é o poder de que queremos nos apoderar Com o passar do tempo houve o aparecimento de novos procedimentos da AD através da desconstrução das maquinarias discursivas Assim uma das observações relevantes retoma a questão do primado teórico do outro sobre o mesmo reafirmando conceitos de máquinas paradoxais Essa heterogeneidade evidente aborda desenvolvimentos da questão da heterogeneidade enunciativa que atinge discussões das formas linguísticodiscursivas do discursooutro Para explicitar melhor essa questão 35 retomemos as noções das heterogeneidades enunciativas como ferramenta teórica para a Análise do Discurso francesa Ao analisarmos as manifestações das heterogeneidades enunciativas percebemos a complexidade da linguagem no sentido de avaliarmos explicações de ordem teórica por meio dos apontamentos de AuthierRevuz 2004 Tais discussões perpassam as noções de heterogeneidade constitutiva e heterogeneidade mostrada relacionadas ao dialogismo bakhtiniano à interdiscursividade e ideologia e a influência da psicanálise na ligação com o inconsciente e o sujeito clivado Existem diversos recursos para compreendermos as heterogeneidades Nesse sentido é relevante distinguir para melhor esclarecer esta discussão heterogeneidade constitutiva e heterogeneidade mostrada Na heterogeneidade constitutiva é necessário que nos valhamos de algo dito que preceda à nova enunciação pois é por meio das filiações de sentidos constituídos em outros dizeres que podemos entrar no campo do dizível Assim explicitamos que o sujeito não é senhor do que profere é constituído por discursos outros A heterogeneidade constitutiva do sujeito não é apagada principalmente porque ele pensa ter controle sobre o modo como os sentidos nele são constituídos no entanto uma série de constituições ideológicas políticas sociais econômicas o permeiam De certa forma pensar que detém controle sobre o que profere também é importante para que o sujeito se reconheça em si pelos esquecimentos dos dizeres alheios Já a heterogeneidade mostrada é constituída por um conjunto de formas que inscreve o outro explicitamente na sequência dos discursos A inserção do outro pode vir de maneira marcada e nãomarcada A marcada é representada pelas manifestações do discurso direto do discurso indireto das aspas da glosa da ilha textual e a não marcada é visualizada nas alusões no discurso indireto livre no discurso direto livre e nas ironias Analisando ainda as formas explícitas de heterogeneidade observamos as construções das relações que envolvem o discurso do outro com as formas de conotação autonímica Para AuthierRevuz 2004 a heterogeneidade constitutiva do discurso e a heterogeneidade mostrada no discurso representam duas ordens de realidade diferentes a dos processos reais de constituição de um discurso e a dos processos não menos reais de representação num discurso de sua constituição 36 A presença do Outro emerge no discurso com efeito precisamente nos pontos em que insiste em quebrar a continuidade a homogeneidade fazendo vacilar o domínio do sujeito voltando o peso permanente do Outro local designado convertendo a ameaça do Outro não dizível no jogo reparador do narcisismo das pequenas diferenças ditas operase um retorno à segurança um reforço do domínio do sujeito da autonímia do discurso mesmo em situações que lhes escapam AUTHIERREVUZ 2004 p33 34 Desse modo a idéia do Outro em AuthierRevuz diz respeito à configuração teórica que ela abraça ao fundamentarse a partir do dialogismo bakhtiniano e na perspectiva do inconsciente pela leitura de Lacan sobre Freud Esse jogo interdiscursivo se dá no espaço do não explícito do sugerido mais do que do mostrado e do dito É desse jogo que tiram sua eficácia retórica pelos discursos irônicos antífrases discursos indiretos livres colocando a presença do outro em evidência É também o que instaura um continuum uma gradação que leva em sua modalidade implícita às formas mais incertas da presença do outro Quanto às formas de conotação autonímica relacionamos à compreensão de um signo referido a si mesmo mas tomado como um termo uma menção vinculada a uma dada lógica É por meio do estatuto autonímico que percebemos a vinculação metalinguística e uma ruptura sintática que vai desconsiderar a ordem combinatória da língua no processo de comunicação O uso autonímico é um enunciado colocado sobre uma condição Assim as formas da conotação autonímica podem aparecer nas palavras aspeadas na justaposição no uso corrente da menção que se quer vincular Segundo AuthierRevuz 2004 o discurso não opera sobre a realidade das coisas mas sobre outros discursos que são atravessados pelo discurso do outro e por isso a fala seria fundamentalmente heterogênea A heterogeneidade marcada não mostrada está a meio caminho entre a heterogeneidade constitutiva e a marcada podese vislumbrar um espaço de descontinuidade que organiza essa dispersão de sentidos entre o Eu e o Outro 37 As noções de heterogeneidade instauradas por AuthierRevuz são articulações e atravessamentos produzidos a partir de leituras de Bakhtin e de Lacan como afirmamos anteriormente Os estudos acerca dos postulados de Bakhtin sobretudo a noção de dialogismo permitiu que AuthierRevuz construísse essa perspectiva teórica da presença do outro na superfície do dizer Além disso na AD francesa existe uma inscrição psicanalítica na perspectiva lacaniana quando Pêcheux se refere ao non sens da constituição do sujeito considerando portanto a possibilidade de o inconsciente ser também constitutivo do sujeito na enunciação Lacan 1998 apresenta como explicação o Estádio do espelho com aspectos significativos para a constituição do outro A imagem vista no espelho é a perspectiva do Outro assumida pelo Eu Para melhor esclarecer vejamos a discussão de Lacan sobre a criança no espelho como formadora da função do Eu Esse acontecimento pode produzirse como sabemos desde Baldwin a partir da idade de seis meses e sua repetição muitas vezes deteve nossa meditação ante o espetáculo cativante de um bebê que diante do espelho ainda sem ter o controle da marcha ou sequer da postura ereta mas totalmente estreitado por algum suporte humano ou artificial supera numa azáfama jubilatória os entraves desse apoio para sustentar sua postura numa posição mais ou menos inclinada e resgatar para fixálo um aspecto instantâneo a imagem LACAN 1998 p97 Nessa exposição Lacan discute os primórdios da constituição do sujeito e como essa se dá por meio do olhar do Outro Dessa forma certificamos que em se tratando da enunciação toda discursividade será marcada por heterogeneidades constitutivas decorrentes do traspassamento interdiscursivo que permeia o processo enunciativo enquanto interpelação de uma exterioridade Desse modo podemos depreender que não existe discurso puro o discurso político por exemplo pode ser traspassado pelo discurso religioso Nessa relação de alteridade o processo semântico enunciativo se constituirá sob aspectos da visão do outro A percepção do Outro no discurso também é vista por meio do lapso O lapso é o vestígio da memória que se realiza pela consciência do dizer em relação 38 ao outro ou que se realiza pela simbologia que o outro nos infere ao nos realizarmos nele e por ele Só há causa daquilo que falha J Lacan É nesse ponto preciso que ao platonismo falta radicalmente o inconsciente isto é a causa que determina o sujeito exatamente onde o efeito de interpelação o captura o que falta é essa causa na medida em que ela se manifesta incessantemente e sob mil formas o lapso o ato falho etc no próprio sujeito pois os traços inconscientes dos significantes não são jamais apagados ou esquecidos mas trabalham sem se deslocar na pulsação sentidonon sens do sujeito dividido PÊCHEUX 1997 p 300 Para melhor especificar a teoria acima recorremos a um dos detalhes da obra que ilustram o fato de só haver causa daquilo que falha seja pelo lapso seja pelo ato falho seja ainda pelas diversas manifestações de silêncio pela falta e de silêncio por excesso Na página 11 da obra em análise tomamos conhecimento da morte do papagaio que se manifesta como causa a falta de alimento para a ave Ainda na véspera eram seis viventes contando com o papagaio Coitado morrera na praia do rio onde haviam descansado à beira de uma poça a fome apertara demais os retirantes e por ali não existia sinal de comida RAMOS 1977 p 11 Grifo nosso Nesse fragmento percebemos que o papagaio também é tomado como retirante e que a fome foi a causa da sua morte No entanto nos próximos fragmentos descobrimos outros detalhes que foram silenciados em uma primeira instância Sinhá Vitória queimando o assento no chão as mãos cruzadas segurando os joelhos ossudos pensava em acontecimentos antigos que não se relacionavam festas de casamento vaquejadas novenas tudo numa confusão Despertaraa um grito áspero vira de perto a realidade e o papagaio que andava furioso com os pés apalhetados numa atitude 39 ridícula Resolvera de supetão aproveitálo como alimento e justificarase a si mesma que ele era mudo e inútil Não podia deixar de ser mudo Ordinariamente a família falava pouco E depois daquele desastre viviam todos calados raramente soltavam palavras curtas RAMOS 1977 p 1112 Grifo nosso No entanto novas informações surgem para complementar o fato e servem para justificar a questão do ato falho tomado anteriormente Em situações como estas é comum o sujeito sem intenção dar informações outras que se encontravam silenciadas mas que trazem em sua inscrição dados que estavam velados e que são fundamentais para esclarecer o acontecimento em questão Pobre do papagaio Viajava com ela na gaiola que balançava em cima do baú de folha Gaguejava Meu louro Era o que sabia dizer Fora isso aboiava arremedando Fabiano e latia como Baleia Coitado Sinhá Vitória nem queria lembrarse daquilo Esquecera a vida antiga era como se tivesse nascido depois que chegara à fazenda A referência aos sapatos abriralhe uma ferida e a viagem reaparecera As alpercatas dela tinham sido gastas nas pedras Cansada meio morta de fome carregava o filho mais novo o baú e a gaiola do papagaio Fabiano era ruim Malagradecido Olhou os pés novamentePobre do louro Na beira do rio matarao por necessidade para sustento da família RAMOS 1977 p 4546 Somente nesse último fragmento fica claro que o papagaio fora assassinado por Sinhá Vitória que em passagens anteriores ocultava o fato afirmando que o papagaio morrera e que a família apenas o aproveitara O fragmento acima representa um discurso permeado pela enunciação de um ato falho presente na memória O lapso foi o vestígio da memória que realizou a consciência do dizer de Sinhá Vitória Também podemos conceituar tal situação como exemplo de silêncio por excesso pois o fato de retomar a morte do papagaio diversas vezes trazia implicitamente a informação silenciada do assassinato do papagaio Diziase X para ocultar Y É também um exemplo de silenciamento pois o papagaio fora silenciado por Sinhá Vitória já que silenciamento tem como definição o ato de pôr em silêncio 40 Alguns pensamentos bakhtinianos vêm ao encontro dessa discussão A realidade de que o sujeito não é autônomo na construção do discurso por exemplo é elucidada no conceito de dialogismo de Bakhtin 1992 Esta visão do discurso enquanto enunciação dialógica extrapola o campo da literatura em BakhtinVolochinov 1997 em que as concepções de dialogismo se estendem a todo tipo de discurso num ato de extensão epistemológica pois o dialogismo é uma forma de interdiscurso Bakhtin e seu círculo mostraram que em um enunciado concreto as vozes se avaliam emitindo respostas ao discurso do outro e se essas vozes são plenivalentes temse a polifonia Na década de 1920 do século XX Bakhtin começa uma reflexão que une questões de linguagem a questões do funcionamento social No entanto Bakhtin não atua diretamente com os princípios marxistas de luta de classe ou mais valia se vale dessas idéias para pensar tanto as noções de signo ideológico quanto a própria noção de dialogismo Nesse exercício as diferentes visões de mundo que constituem as vozes se confrontam em igualdade de espaço social dandonos uma ideia do que é polifonia Sendo assim no exercício dialógico um discurso nunca é produto de um único pensamento de uma única voz Ao ser pronunciado o discurso se faz único para aquele momento sóciointerativo mas é sempre mediado por juízos de valor de discursos já ditos Daí a afirmação de que não existe discurso puro e a reiteração de que toda discursividade será atravessada por heterogeneidades constitutivas É interessante ressaltar que o signo em acepção bakhtiniana é ideológico porque abarca vinculações a um auditório social vinculações a uma conjuntura de fatos relacionados a uma sociedade e a influencia Também é constituído por aspectos sociais históricos linguísticos Bakhtin 1992 aborda a possibilidade da enunciação por meio do duplo dialogismo pois o duplo dialogismo se refere ao dialogismo dos interlocutores e ao dialogismo dos elementos de outros que são evocados na enunciação Os sujeitos enunciadores reconstroem sentidos quando lhes convêm mas para isso atrelamos a essas ações envolvimentos de ordem dialógica e polifônica Por mais que Bakhtin ou AuthierRevuz não sejam considerados analistas do discurso ambos colaboram para a compreensão de enunciações e discursos heterogêneos É na relação interdiscursiva que encontramos esclarecimentos complementares para a produção de sentidos 41 O discurso do Outro está presente no enunciador o que justifica a noção de intersubjetividade permitindo também considerações sobre uma visão dialógica O olhar do Eu perpassado pelo olhar do Outro em espaço constitutivo para a construção dos sentidos Quando as vozes do discurso se mostram em relação dialética ocorre a noção de polifonia trabalhada por Bakhtin Para AuthierRevuz 2004 o discurso não opera sobre a realidade das coisas mas sobre outros discursos que são atravessados pelo discurso do outro e por isso a fala seria fundamentalmente heterogênea Assim reiteramos que a heterogeneidade pode ser constitutiva ou mostrada A primeira é a que não se mostra no fio do discurso a segunda é a inscrição do outro na cadeia discursiva Como caracterização teórica da primeira podemos inferir a noção do silêncio como manifestação discursiva numa ordem enunciativa pressentida por fios de discursos que não se mostram claramente Já a segunda verificamos por meio da inscrição discursiva do outro na constituição do interdiscurso presente nas inscrições dos sujeitos Para a AD há também discussões relevantes sobre os sujeitos perpassadas pela noção de memória discursiva Tal conceito foi formulado por JeanJacques Courtine e configurase como subsídio teórico preponderante para a Análise do Discurso Courtine 1981 define a memória discursiva como a existência histórica do enunciado relativo às expressões concretas da Ideologia em movimento Esse amparo teórico expõe um reencontro do discurso com a memória considerando que os corpos sóciohistóricos dos traços discursivos constituem o espaço da memória assimilandoo ao interdiscurso Embora nem sempre haja acostamentos teóricos entre diferentes pensadores percebemos aproximações entre Pêcheux e Bakhtin no que tange à importância da inscrição das discursividades no acontecimento São aproximações de ordem teórica que estabelecem elos entre memória e produção de sentidos É interessante ressaltar que embora haja aproximações elas acontecem sob formas de tensões contraditórias no processo de inscrição do acontecimento no espaço da memória Tanto pelo acontecimento que escapa à inscrição que não chega a se inscrever quanto pelo acontecimento que é absorvido na memória como se não tivesse ocorrido Observamos que há também o funcionamento da descontinuidade e da inscrição na memória numa mesma natureza coletiva O que Courtine 1981 entende pelo termo memória discursiva é algo distinto de qualquer memorização psicológica do tipo reservatório de informações A noção de memória discursiva concerne à existência 42 histórica do enunciado no seio de práticas discursivas reguladas por aparelhos ideológicos Para Pêcheux 1999 p52 a memória discursiva seria aquilo que em face de um texto que surge como acontecimento a ler vem restabelecer os implícitos quer dizer mais tecnicamente os préconstruídos elementos citados e relatados discursos transversos etc de que sua leitura necessita a condição do legível em relação ao próprio legível São observações que vão além de simples conhecimentos prévios são registros ocultos presentes na memória discursiva ausentes por sua presença como em fundo de gavetas A cada enunciação nova balançase a rede de préconstruídos e o sentido pode deslizar para outros sentidos podendo vir a figurar no interdiscurso constituindo memória pois o acontecimento discursivo é a construção da identidade da História Tomando a noção de memória discursiva em relação com o silêncio é relevante lembrar a proposta de Pêcheux 1999 de que nos discursos não vamos achar transparência mas opacidade e certo mutismo Courtine e Haroche 1994 afirmam que a linguagem e os processos discursivos são responsáveis por fazer emergir o que em uma memória coletiva é característico de um determinado processo histórico Por isso o caminho é o de marginalizar as significações e procurar sentidos em construção na opacidade do discurso por meio da memória discursiva Courtine 1981 expõe também o modo de funcionamento do apagamento da memória que deixa no entanto marcas do que foi apagado São implicações do inconsciente capazes de resgatar sentidos outros em espaços sociais distintos Nessa apresentação de silenciamento vemos que além do silêncio constitutivo do dizer observamos que há silêncio também no sentido de que o dizer sempre apaga outros dizeres Tal percepção pode ser materializada pela noção de memória discursiva Foucault 1993 p 71 destaca a propósito dos textos religiosos jurídicos literários científicos discursos que estão na origem de certo número de atos novos de falas que os representam os transformam ou falam deles em poucas palavras os discursos que indefinidamente além de sua formulação são ditos permanecem ditos e estão ainda por dizer Courtine 1981 1999 chama atenção para o domínio da memória interdiscurso como o conjunto de discursos preexistentes jáditos que afetam o 43 enunciado presente intradiscurso Ainda segundo Courtine a memória se estrutura pelo esquecimento e funciona pela contradição Em acordo com Courtine Pêcheux 1988 1993 afirma que a memória é feita de esquecimentos um da esfera da ideologia esquecimento1 e outro da esfera do enunciado esquecimento2 Estes esquecimentos produzem no sujeito a ilusão de que o dizer é novo é da sua escolha é do seu domínio No entanto a existência de uma memória discursiva remete a discursos outros como verificamos no questionamento de Courtine 1981 como o trabalho de uma memória coletiva permite no seio de uma formação discursiva a retomada a repetição a refutação mas também o esquecimento desses elementos de saber que são os enunciados Ao dizer resgatamos formulações confirmamos ou negamos sentidos Segundo Orlandi 2007 p 29 a memória discursiva é este saber discursivo que torna possível todo dizer e que retorna sob a forma do préconstruído o jádito que está na base do dizível sustentando cada tomada da palavra Assim uma simples prática no mundo exige uma relação com a memória pois é a partir dela que reconhecemos e compreendemos o mundo nos identificando entre o mesmo e o diferente nos processos históricos A memória não é o passado que não mais poderá retornar porque foi superado Também não é algo inexorável É ao contrário movente atual na medida em que é convocada para sustentar o dizer e nesse processo ela se presentifica e se transforma nas práticas de determinada conjuntura histórica Em virtude das observações teóricas expostas vemos que o discurso é atravessado por contradições da formação discursiva em processos de aliança subordinação de relações de forças que estão atuando historicamente Devido a isso podemos pensar a negação como um modo de recalcar o exterior de uma formação discursiva de recusar sentidos que vêm pela memória atuar no dizer presente Podese dizer ainda que o discurso inscrevese na tensão entre o mesmo e o diferente entre o jádito e o ase dizer sendo atravessado por vários outros que o precederam e que já estão postos em outros contextos sociais Esses dizeres jáditos e esquecidos que sustentam e tornam possível todo o dizer constituem a memória discursiva ou interdiscurso Assim para que nossas palavras tenham sentido é preciso que elas já façam sentido ORLANDI 2007 p85 44 Entretanto é preciso considerar a influência de poderes na constituição da memória discursiva que se pretende ter sobre determinado fato Isto ocorre pela apropriação e os deslocamentos da memória como mecanismos que apontam para a posição política que o outro deseja ocupar na sociedade uma vez que deter o poder de reorganizar os traços da memória discursiva confere ao enunciado uma autoridade para produzir sentidos sobre o tempo e sobre a sociedade Em Vidas Secas um dos fatores que devem ser analisados são os modos pelos quais todas as personagens trabalham com seus sonhos sempre jogados para um futuro impreciso distante Inclusive a cachorra Baleia que embora seja um animal possui representações discursivas tão relevantes quanto às representações dos demais sujeitos analisados e cabe a ela também o momento mais dramático da narrativa Antes de ser sacrificada Baleia deseja um céu cheio de preás gordos Ela é constituída e interpelada por alegrias e tristezas vida e morte às demais personagens cabe apenas a sobrevivência Embora todos os personagens trabalhem com seus sonhos é quase o mesmo que tornar esses sonhos impossíveis pois há a realidade da opressão não ter sonhos é perder o estímulo de vida Então os aspectos sóciohistóricos dão vazão a só isso sem permitir sequer o vislumbre de suas concretizações Desse modo há uma constitutividade entre o desejo silencioso e o dizer no entrelaçamento dos sujeitos discursivos Estas instâncias do silêncio e do dizer perpassam os gestos discursivos e serão notados a partir das enunciações destacadas no corpus Uma dessas manifestações de sonhos e anseios sem prováveis concretizações se dá por meio da personagem Sinhá Vitória Um dos seus desejos é possuir uma cama de couro semelhante à de seu Tomás da Bolandeira dono de uma fazenda em que trabalharam no passado Fica subentendido por meio de uma das manifestações do silêncio por ausência que Sinhá Vitória não apenas deseja ter melhores condições financeiras mas que tivesse traído Fabiano pelo fato de conhecer e desejar ter uma cama de couro como a do antigo Patrão Há nessa enunciação uma espécie de comparação entre a vida atual e os momentos vividos na fazenda de seu Tomás da Bolandeira Sinhá Vitória desejava possuir uma cama igual à de Seu Tomás da bolandeira Doidice Não dizia nada para não contrariála mas sabia que 45 era doidice Cambembes podiam ter luxo E estavam ali de passagem Viviam de trouxa arrumada dormiriam bem debaixo de um pau RAMOS 1977 p 25 Grifo nosso Nesse primeiro momento já nos certificamos que há algo silenciado por parte de Sinhá Vitória pois se estavam acostumados a dormirem embaixo de árvores e se consideravam como retirantes sem poderes de fixação em um ambiente não justificaria ter uma cama igual a do Seu Tomás Nesse caso poderia ter uma cama que trouxesse algum conforto e não precisaria ser exatamente igual à cama desejada Sinhá Vitória tinha amanhecido nos seus azeites Fora de propósito dissera ao marido umas inconveniências a respeito da cama de varas Fabiano que não esperava semelhante desatino apenas grunhira Hum Hum E amunhecara porque realmente mulher é bicho difícil de entender deitara se na rede e pegara no sono RAMOS 1977 p 42 Há nesse fragmento informações percebidas por meio do discurso produzido pelo silêncio que Sinhá Vitória não se conformava em dormir numa cama de varas possivelmente por ter se habituado a se deitar em uma cama de couro como a de Seu Tomás por exemplo Embora Fabiano não se pronuncie claramente sobre o desejo da esposa percebemos pelo seu estado emocional que tal desejo muito o incomodava No primeiro capítulo quando o menino mais velho se põe a chorar e sentase no chão Fabiano diz Anda condenado do diaboRAMOS 1977 p9 Não obtendo resultado fustigouo com a bainha da faca de ponta Anda excomungado O pirralho não se mexeu e Fabiano desejou matálo Tinha o coração grosso queria responsabilizar alguém pela sua desgraçaRAMOS 1977 p10 Algum tempo depois Fabiano mata a cachorra Baleia e Sinhá Vitória tece o seguinte comentário Inconveniência deixar cachorro doido solto em casa achava difícil Baleia endoidecer e lamentava que o marido não houvesse esperado mais um dia para ver se realmente a execução era indispensável RAMOS 1977 p92 Percebemos que assim como Fabiano sentiu vontade de matar o próprio filho para responsabilizar alguém pela desgraça causada pela seca também a cachorra fora vítima da insatisfação de Fabiano 46 diante das situações que o afligiam Dentre as situações que o incomodava a certeza de não poder dar à esposa a tão sonhada cama igual a de Seu Tomás da Bolandeira Nos fragmentos a seguir teremos mais detalhes sobre o desejo de Sinhá Vitória e das informações veladas que aparecem por meio das manifestações do silêncio por meio do discurso Jogou longe uma cusparada que passou por cima da janela e foi cair no terreiro Preparouse para cuspir novamente Por uma extravagante associação relacionou esse ato com a lembrança da cama Se o cuspo alcançasse o terreiro a cama seria comprada antes do fim do ano Encheu a boca de saliva inclinouse e não conseguiu o que esperava Fez várias tentativas inutilmente O resultado foi secar a garganta Ergueuse desapontada Besteira aquilo não valia RAMOS 1977 p 44 Grifo nosso Sinhá Vitória já não conseguia se distanciar da idéia de possuir uma cama de couro igual à de Seu Tomás e a lembrança da cama voltava constantemente Nesse caso verificamos um exemplo de silêncio por excesso pois se diz X para não dizer Y na verdade se a imagem da cama tanto a atormentava era porque ela conhecia os detalhes da cama em sentidos outros que não se configuravam pelo desejo de ascensão financeira Se fosse por querer conforto Sinhá Vitória desejaria obter outros móveis da casa mas apenas a cama a interpelava Fabiano roncava com segurança Provavelmente não havia perigo seca devia estar longe Outra vez Sinhá Vitória pôsse a sonhar com a cama de couro Tinha de passar a vida inteira dormindo em varas Bem no meio do catre havia um nó um calombo grosso na madeira e eram quase felizes Só faltava uma cama Era o que aperreava Sinhá Vitória RAMOS 1977 p 47 Era melhor esquecer o nó e pensar numa cama igual à de Seu Tomás da Bolandeira Seu Tomás tinha uma cama de verdade feita pelo carpinteiro um estrado de sucupira alisado a enxó com as juntas abertas a formão tudo embutido direito e um couro cru em cima bem esticado e bem pregado RAMOS 1977 p 48 Grifos nossos 47 O silêncio pode ser caracterizado 1 como ausência e como tal tornase difícil reconstruir o que não se disse 2 como excesso e também nesse caso existe uma dificuldade já que se tem que buscar um dizer virtual que teria sido sobreposto VillartaNeder 2002 p3 Nesse caso as muitas referências da cama na obra evidenciam que a traição de Sinhá Vitória embora não seja algo posto é indiciada E se consideramos o sujeito epistemológico essa seria uma extensão no domínio do saber científico do esquecimento número1 proposto por Pêcheux Fuchs 1975 Para Sinhá Vitória não servia ser qualquer cama de couro deveria ser igual à de Seu Tomás Além disso o fato de ela especificar um couro cru em cima bem esticado e bem pregado evidencia definitivamente que ela havia experimentado se deitar na tão famigerada cama Metodologicamente esta decisão é fundamental Qualquer modelo teórico circunscreve para determinar seu objeto limites entre o que lhe é interno em oposição a uma exterioridade tida como um excesso incômodo Mas é precisamente essa exterioridade silenciada que permite tatear os vestígios dos desejos presentes na interioridade Por outra perspectiva a interioridade pressupões uma falta identificável como o que lhe é externo VILLARTANEDER 2002 p9 Por fim Sinhá Vitória decide realizar o seu sonho a qualquer custo Chega ao limite de querer vender as galinhas e a porca além de deixar de comprar querosene apenas para sobrar dinheiro e poder comprar uma cama que fosse igual à de Seu Tomás da bolandeira Diante da possibilidade de não consultar Fabiano para realizar este ato ela ironiza o fato de Fabiano se satisfazer com a ideia de possuir uma cama de couro Por este enunciado fica claro que não se tratava apenas de querer um móvel que lhe proporcionasse conforto mas um objeto capaz de trazer recordações que ficaram interpeladas na memória e que se materializaria por meio do desejo realizado Venderia as galinhas e a marrã deixaria de comprar querosene Inútil consultar Fabiano que sempre se entusiasmava arrumava projetos Esfriava logo e ela franzia a testa espantada certa de que o marido se satisfazia 48 com a ideia de possuir uma cama Sinhá Vitória desejava uma cama real de couro e sucupira igual à de Seu Tomás da bolandeira RAMOS 1977 p 49 Nessa acepção o silêncio e o dizer se entrelaçam seja na direção do jádito ou na direção do nãodito Vejamos esses processos sugeridos dentro do conceito de interdiscurso como se manifestam a partir da seguinte nota que exemplifica esta afirmativa um processo de reconfiguração incessante no qual uma formação discursiva é conduzida a incorporar elementos préconstruídos produzidos no exterior dela própria a produzir sua redefinição e seu retorno a suscitar igualmente a lembrança de seus próprios elementos a organizar sua repetição mas também a provocar eventualmente seu apagamento o esquecimento ou mesmo a denegação COURTINE MARANDIN 1981 As palavras de acordo com Bakhtin 1992 citado por Soares e Fernandes 2005 estão sempre carregadas de um conteúdo ou um sentido ideológico ou vivencial e o sentido da palavra é determinado pelas suas condições de produção Compreendemos as palavras e reagimos somente àquelas que despertam em nós ressonâncias ideológicas ou concernentes à vida Para Soares e Fernandes 2005 na Teoria do Discurso a noção de sentido está associada à enunciação que depende de condições específicas que não envolvem apenas o espaço e o tempo histórico mas também as condições de produção em que os enunciados se inscrevem Nesse caso uma análise atenta às palavras deve ser objeto de estudo mesmo que as palavras sejam compreendidas como sons guturais O destroçar de identidade conseguirá ser reforçado pela maneira como o protagonista se qualifica Empolgado com sua nova condição de retirante exclama Fabiano você é um homem Arrependese pois não possui semelhanças com as pessoas diante das quais se encolhe por meio de um silenciamento não conseguindo comunicarse Foucault 1999 aponta três modos de exercício do poder o biopoder o disciplinar e o de soberania A soberania vinculase como um meio de comandar indivíduos no sentido de instituir a dominação É esse estado de consciência de sujeito domado ou dominado que caracteriza o personagem Fabiano Entendese melhor com os 49 animais e se comporta como eles Assim refaz seu conceito e qualificase como um bicho orgulhandose pois indica sua capacidade para resistir às dificuldades daquele ambiente O efeito de linguagem observado em Fabiano se constitui como diversidade numa fala heterogênea que é consequência de um sujeito dividido entre a ideologia e o inconsciente Essas percepções podem ser recuperadas ou reconstruídas a partir de traços deixados por apagamentos esquecimentos Nessa transgressão Fabiano você é um homem Fabiano você é um bicho podemos observar uma cumplicidade de sentido com a afirmação de Brandão 2004 p54 articulase o discurso com o seu avesso o seu reverso na medida em que se tenta fazer aparecer ao sujeito em sua fala o que se diz à sua revelia à revelia de seu desejo O discurso não se reduz portanto a um dizer explícito pois ele é permanentemente atravessado pelo seu avesso O avesso é a pontuação do inconsciente não é um outro discurso mas o discurso do outro isto é o mesmo mais tomado ao avesso em seu avesso CLÉMENT 1973 p 159 Acerca da dualidade do sujeito Lacan discute sobre a alteridade com observações vinculadas às produções formuladas a respeito da função do Eu e à complexa estrutura aí presente envolvendo os conceitos do outro e do Outro O Eu não se encontra como uma forma fechada em si mas tem relação com um exterior que o determina Tratase do sujeito descentrado um mesmo sujeito é efetivamente outro COURTINE HAROCHE 1994 50 ANÁLISES DO CORPUS O SILÊNCIO EM VIDAS SECAS Cena do filme Vidas Secas 1963 do diretor Nelson Pereira dos Santos Às vezes dizia uma coisa sem intenção de ofender entendiam outra e lá vinham questões Perigoso entrar na bodega O único vivente que o compreendia era a mulher Nem precisava falar bastavam os gestos RAMOS 1977 p97 A obra em estudo aborda a importância da linguagem no interior das formações discursivas por meio dos sujeitos personagens analisados Há a presença de diversas manifestações da linguagem pela constituição das interações interdiscursivas sobretudo a linguagem que se manifesta por meio do silêncio como revelação do discurso A noção de silêncio aqui discutida é representável pois o silêncio como discurso possui um horizonte de significações No fragmento abaixo além da vertente explícita de animalização de Fabiano decorrente do fato de empregar apenas exclamações e onomatopéias em suas enunciações nas relações discursivas observamos uma ocorrência da singularidade do 51 silêncio permeada pelas constituições interlocutórias no texto O silêncio em Fabiano generaliza sua condição humana em utilizarse das manifestações discursivas de maneira velada como recorrência eloquente de um silêncio fundador pois ele não é vazio ou sem sentido mas dotado de instâncias significativas capazes de enunciar informações relevantes que se mostram sob a forma do implícito Vivia longe dos homens só se dava bem com animais Os seus pés duros quebravam espinhos e não sentiam a quentura da terra Montado confundia se com o cavalo grudavase a ele E falava uma linguagem cantada monossilábica gutural que o companheiro entendia A pé não se aguentava bem Pendia para um lado para o outro cambaio torto e feio Às vezes utilizava nas relações com as pessoas a mesma língua com que se dirigia aos brutos exclamações onomatopéias Na verdade falava pouco RAMOS 1977 p 21 Grifo nosso Na obra em estudo espaço e sujeitos estão tão imbricados um nos outros de maneira que não podem ser vistos nem entendidos separadamente Nesse caso as dificuldades de interlocução do personagem Fabiano bem como o silêncio que lhe é peculiar estão relacionados à própria secura do espaço Os sujeitos são agrestes secos como o espaço E mais uma vez percebemos o processo de zoomorfização que acontece com a personagem Fabiano Tal associação o aproxima ainda mais de uma linguagem animal distinta da comunicação humana Muitas vezes os gestos substituíam as falas Tocou o braço da mulher apontou o céu RAMOS 1977 p13 Nas horas de alegria esfrega as mãos satisfeito p65 Nas horas de aperto dava para gaguejar embaraçavase como um menino coçava os cotovelos arrepiados p97 Embora haja o uso da linguagem gestual o silêncio também se faz eloquente pois transmite contextualmente as emoções sentimentos um discurso coerente com as condições de produção existentes em um dado momento Vidas Secas traz em sua conjuntura discursiva as mais diversas possibilidades de comunicação sem palavras pois o silêncio que aqui aparece é sempre contínuo e evidencia outros sentidos a se dizer O fato de Fabiano se familiarizar com a comunicação gestual remete a um dado saber de que embora a linguagem verbal faça falta ele consegue interagir com interlocutores inseridos no mesmo espaço social No entanto quando se tratava de se comunicar com estranhos possuía insegurança ao fazer uso de palavras 52 Enfim contanto Seu Tomás daria informações Fossem perguntar a ele Homem bom Seu Tomás da bolandeira homem aprendido Cada qual como Deus o fez Ele Fabiano era aquilo mesmo um bruto An Esqueciase Agora se recordava da viagem que tinha feito pelo sertão a cair de fome As pernas dos meninos eram finas como bilros Sinhá Vitória tropicava debaixo do baú de trens Na beira do rio haviam comido o papagaio que não sabia falar Necessidade Fabiano também não sabia falar Às vezes largava nomes arrevessados por embromação Via perfeitamente que tudo era besteira Não podia arrumar o que tinha no interior RAMOS 1977 p 3839 Grifo nosso No fragmento acima fica evidente que embora Fabiano não tivesse um vocabulário rebuscado utilizava improvisos linguísticos para externar seu discurso De certo modo se conformava por ter essa sina e não via possibilidade de modificar aquela situação Ele acreditava que não poderia mudar o que já existia em si como configuração de verdade que nesse caso se referia a uma das muitas manifestações do silêncio como instância discursiva mas ao seu modo ele fazia algumas tentativas Nesse fragmento o zoomorfismo possibilita interpretarmos que ele se compara ao papagaio e que teme ter um fim parecido por justamente não saber organizar o seu dizer e transmitir um determinado discurso É possível observar também que a falta de falas na totalidade narrativa assemelha a condição dos sertanejos em análise como reduzidos à condição de animais Outro exemplo que comprova o pouco uso das palavras pela família de Fabiano é o fato de o papagaio nas páginas iniciais da obra imitar os latidos da cachorra Baleia Cientificamente os papagaios têm a capacidade de repetir os sons e palavras que são emitidos frequentemente no entanto os latidos da cachorra Baleia eram os sons mais significativos ouvidos pela ave Gaguejava Meu louro Era o que sabia dizer Fora isso aboiava arremedando Fabiano e latia como Baleia Ramos 1977 p 45 Para corroborar com essa ideia acerca dos atos interpretativos e do silêncio observaremos o seguinte fragmento O ser humano é incapaz de não exercer atos interpretativos mesmo em relação ao vazio Considerando que a produção de sentidos é um movimento e daí também o sentido do silêncio vazio não se admite que tal sentido esteja na coisaemsi mas no intervalo dinâmico entre os elementos que 53 participam da interação Assim o vazio significa não porque exista necessariamente algo dentro dele mas porque fundamentalmente na relação entre o sujeito e o outro élhe inevitavelmente atribuído um sentido mesmo que negativo VILLARTANEDER 2002 p14 Ainda que Fabiano ou algumas das demais personagens tenham dificuldade de utilizar a comunicação oral mesmo que usassem apenas gestos olhares ou expressões faciais instauraria imediatamente um acordo de comunicação entre os interlocutores que fizessem parte daquela situação no sentido de estabelecer um possível entendimento O homem sempre proporcionará enunciados com sentidos concebíveis pela sua relação com o simbólico e pelas manifestações discursivas por meio do silêncio No texto Vidas Secas Fabiano é preso por desacato No cárcere mostrase indignado por tudo aquilo ter acontecido pelo fato de não conseguir expressarse adequadamente Revelase além da questão da opressão a idéia de que o domínio da linguagem é sinônimo de poder no mínimo de liberdade ou de não exploração Nesse caso há um exemplo de assujeitamento pois Fabiano não é senhor de sua própria verdade e é levado a ocupar um lugar ideologicamente marcado por grupos sociais ou classes que interferem diretamente na sua formação discursiva delimitando o que pode e deve ser dito a partir de um lugar historicamente determinado Cena do filme Vidas Secas 1963 do diretor Nelson Pereira dos Santos 54 Fabiano é silenciado pelo Soldado Amarelo representante legal da instituição Governo que pela visão de Fabiano era o supremo mandatário da sociedade e que nunca deveria ser questionado Essa interpretação de Fabiano acontece por meio das condições sociais ideológicas econômicas históricas e culturais próprias à sua constituição como sujeito Silenciar é dizer por outra via já que o silêncio potencia o que na argumentação apresentável da obra é representado pelo fulgor da ausência Fabiano pregou nele os olhos ensanguentados meteu o facão na bainha Podia matálo com as unhas Lembrouse da surra que levara e da noite passada na cadeia Enfim apanhar do governo não é desfeita e Fabiano até sentiria orgulho ao recordarse da aventura Soltou uns grunhidos Por que motivo o governo aproveitava gente assim RAMOS 1977 p 108110 Embora Fabiano tenha tido coragem em outro momento para sacrificar a cachorra Baleia por outro lado em questão de respeito ou pena desiste de se vingar do Soldado Amarelo que tanto o fez sofrer na prisão A propositada economia descritiva enquanto expõe o silêncio determina aquele que o sofre Figura emblemática metafórica Há uma disparidade social que aqui a escritura acusa De acordo com CASTRO 2006 em Vidas Secas a linguagem tem um papel fundamental seja o discurso em 3ª pessoa os sons guturais ou o silêncio como manifestação de uma linguagem discursiva nãoverbal Nessa obra os camponeses são pobres rudes e ignorantes mal conseguem falar ou articular seus pensamentos Ao não dominar a palavra é como se estivessem fora do alcance da lei longe da esfera de influência do governo excluídos da proteção do Estado sozinhos animalizados aculturados silenciados No quinto capítulo da obra intitulado O Menino Mais Novo encontrase a criança admirando o pai que acabara de domar um cavalo bravo Ela almeja quando crescer ser também um vaqueiro Sentouse indeciso O bode ia saltar e derrubálo Retirouse A humilhação atenuouse pouco a pouco e morreu Precisava entrar em casa jantar dormir E precisava crescer ficar tão grande como Fabiano matar cabras a mão de pilão trazer uma faca de ponta à cintura Ia crescer espicharse numa cama de varas fumar cigarros de palha calçar sapatos de couro cru 55 RAMOS 1977 p 5356 Vemos nesse excerto um exemplo claro da formasujeito constituído pela ideologia própria às condições que o cercam Para Pêcheux a formasujeito é uma denominação para indicar o sujeito afetado marcado ou constituído pela ideologia O Menino Mais Novo tinha como completude o desejo de ser como o pai Para chegar a sua casa entortando as pernas caminhar pesado cambaio saltar no lombo de um cavalo bravo e despertar admiração em Baleia e no Menino Mais Velho No texto O Menino Mais Novo resolve domar um bode numa imitação engraçada por sua ingenuidade do pai No entanto mais uma manifestação da opressão o animal não se deixa dominar e derruba humilhantemente o garoto É o castigo por ter desejado desobedecer à lei de não ousar a querer alcançar aquilo que se mostra como inalcançável Isso denota a permanência do status quo se você nasce vaqueiro vai morrer vaqueiro sem possibilidade de ascensão É a caracterização de que as condições de produção inerentes aos sujeitos discursivos em análise são caracterizadoras de influências recíprocas Há aqui uma manifestação de assujeitamento pois o garoto é interpelado ideologicamente pela influência do pai Querer ser igual ao pai constitui o garoto como um sujeito que se inscreve na possibilidade de vir a ser como outro nesse caso seu próprio pai Isso porque o conceito de assujeitamento se refere à possibilidade de tornarse Nesse raciocínio retomamos o conceito de devir sob a ótica do devir criança No entrecruzar de vozes entre as crianças da narrativa em análise percebemos que ambas ocupam um lugar social determinado pelo espaço O ser criança é totalmente silenciado pela família de retirantes e pelas condições de produção nas quais estão inseridas sendo que elas aceitam a subjetividade do grupo sem questionar a realidade A fuga para tantos lugares realizada pela família faz transparecer o caráter de desejo das crianças como necessidade de vir a ser Mesmo que viessem a ser como os pais assim observamos o devir como capacidade de as crianças possuírem capacidade de outrarse A infância não se constrói num sentido de verticalidade ou seja fixa em um local de onde se elabora o sentido de ser criança à medida que se torna adulto mas num sentido de horizontalidade perpassada por vários pontos em seu trajeto Essa organização espacial aproximase da fala de Deleuze e Guattari citado em Marques et 56 all 1999 quando afirma que o espaço nomádico é preenchido de pontos não fixos e de objetivos parciais A viagem do nômade deixa assim de ser trajetória para devir trajeto Restaurar a infância do mundo é para Deleuze a grande tarefa da literatura Não se busca uma infância determinada com faixa etária ou idade préfixada mas um devircriança um entrelugar que não aponta para o adulto nem para a criança em particular O devir está sempre entre ou no meio Deleuze 1997a Escrever na concepção desse filósofo é um caso de devir sempre da ordem do inacabado pois não basta somente impor uma forma de expressão à matéria vivida A noção de devir não se liga à forma homem não há o devirhomem porque esta categoria é tida como forma de expressão dominante que busca se impor às demais e não apresenta componentes de fuga FERNANDES JÚNIOR 2007 p21 Um devir é uma manifestação de heterogeneidade e pode ser uma comparação entre o homem a criança e o animal em exemplo de degradação conforme acompanhamos em Vidas Secas de Graciliano Ramos Quando a personagem Fabiano diz de si mesmo Fabiano você é um bicho tal enunciação se dá porque os meninos estavam por perto quando antes dissera Fabiano você é um homem 1977 p 19 exclamando em voz alta Há nesse excerto um exemplo claro do devir animal Ainda assim as crianças desejavam ser como ele E orgulhavamse disso porque o tinham como referência Diante disso o devircriança e o deviranimal estão interligados na obra em caráter cíclico tal como o nomadismo da família tem sua constituição O sexto capítulo O Menino Mais Velho mostra o garoto preocupado em descobrir o significado da palavra inferno que havia ouvido em uma reza que uma mulher havia feito para curar a dor de coluna de Fabiano Não consegue do pai a eliminação de sua dúvida O homem repele o menino sob a alegação de que estaria irritandoo mas por meio do narrador sabemos que tal silêncio caracterizase por não querer demonstrar fraqueza por sua ignorância Mais uma vez a importância da linguagem independente do seu significantesignificado de aparecer sobre aspectos das palavras ditas ou não ditas se faz presente como um falta na constituição dos sujeitos O silêncio aqui evidente se configura pela falta visto que a não explicação da terminologia inferno não fora explorada em nenhum sentido seja religioso ou pagão 57 O pequeno sentouse acomodou nas pernas a cabeça da cachorra pôsse a contarlhe baixinho uma história Tinha o vocabulário quase tão minguado como o do papagaio que morrera no tempo da seca Valiase pois de exclamações e de gestos e Baleia respondia com o rabo com a língua com movimentos fáceis de entender Todos o abandonavam a cadelinha era o único vivente que lhe mostrava simpatia Afagoua com os dedos magros e sujos e o animal encolheuse para sentir bem o contato agradável experimentou uma sensação como a que lhe dava a cinza do borralho RAMOS 1977 p 59 Pelo fragmento acima evidenciamos a semelhança existente entre os membros da família que se confundem em um entrecruzar de subjetividade Há comparação do Menino Mais Velho com o papagaio por não saber falar bem como da relação de cumplicidade entre ele e a cachorra Baleia como um novo exemplo da fusão do devir criança ao deviranimal pois Baleia compara o calor dos braços do menino ao calor das cinzas do borralho a qual está acostumada a ficar quando decide ter tal sensação agradável Pelo fragmento acima também podemos inferir que Baleia possui mais possibilidades de comunicação pois utilizase do rabo da língua e dos movimentos do corpo ao passo que o Menino Mais Velho é comparado ao papagaio que quase não se comunicava e também se configurava como exemplo de silêncio pela falta Além disso a falta de nome para os garotos se constitui como uma manifestação de silenciamento A política de silêncio aqui representada é um sentido construído a partir do pressuposto de que naquela conjunção históricosocial houve um apagamento da identidade do sujeito discursivo para configurar a sua insignificância diante das suas condições de produção O papel da criança na obra não é representado pelo desejo de perseverança ou de caracterizar o futuro brilhante que os pais não tiveram Elas são deixadas em segundo plano tais como animais sem utilidades Observese na narrativa em análise o fato de os filhos de Fabiano e Sinhá Vitória não possuírem nomes o menino mais velho e o menino mais novo Nesse caso há uma política de silêncio constitutiva de um sentido que nos indica que para dizer é preciso o nãodizer É uma maneira de significar uma vez que a cachorra da família é nomeada e os filhos não Todas essas reflexões sobre o silêncio indicam a complexidade da análise do discurso pelos efeitos contraditórios da produção dos sentidos sobretudo a partir das observações entre silêncio e silenciamento na contraposição do dito ou da 58 linguagem verbal Por mais que as palavras simbolizem muito para a comunicação o silêncio também tem a sua representação significativa e corrobora a produção de sentidos Uma das razões pela qual a cachorra possui nome e os meninos não decorre do fato de o conto Baleia ter sido o primeiro a ser escrito Essa acepção justifica implicitamente que Baleia é a protagonista da obra e que a família de retirantes é reduzida ao plano coadjuvante Por isso nos contos posteriores as crianças continuaram sem nome para dar sequência ao conto inicial além de perpetuar durante a obra na íntegra o processo de ZoomorfizaçãoAntropomorfização das personagens Outra justificativa se baseia na incerteza de um futuro melhor por intermédio da seca Diante disso atrofiamse as relações entre os membros da família evidenciando a inutilidade de comunicação entre eles se não há comunicação não há motivos para referência de nomes às crianças principalmente pela configuração de um futuro incerto Por outro lado o fato de Baleia ter nome e os meninos não possuírem identificase pelo motivo de ela ser responsável em diversos momentos da obra pelo provimento dos recursos de subsistência para a família de retirantes Em muitas ocasiões a família de retirantes só se alimentava porque a cachorra Baleia trazia para o grupo os preás que conseguia pegar entre as macambiras Por essa razão a família atropomorfizava a relação com animal dando carinho e atenção de maneira mais significativa que a afeição demonstrada às crianças O fragmento a seguir ilustra tal afirmação Nesse ponto Baleia arrebitou as orelhas arregaçou as ventas sentiu cheiro de preás farejou um minuto localizouos no morro próximo e saiu correndo Iam se amodorrando e foram despertados por Baleia que trazia nos dentes um preá Levantaramse todos gritando O menino mais velho esfregou as pálpebras afastando pedaços de sonho Sinhá Vitória beijava o focinho de Baleia e como o focinho estava ensanguentado lambia o sangue e tirava proveito do beijo RAMOS 1977 p 1314 Além disso o processo de zoomorfização das crianças bem como da família inteira maximiza o processo de antropomorfismo da cachorra Baleia pois ela é também um sujeito discursivo As possibilidades de comunicação realizadas por ela são maiores do que os sons guturais enunciados pela família A ela é dado um dom de refletir 59 imaginar supor mentalmente como se os integrantes da família não fossem tão capazes de organizar as ideias daquela maneira A verossimilhança homemanimal pode ser comprovada na obra pelo uso de verbos adjetivos ações pensamentos e características do homem ao animal e viceversa Há na obra uma clara evidência da relação homemanimal O Menino Mais Novo por exemplo vivia brincando com Baleia com as cabras com o bode velho e os periquitos já o Menino Mais Velho sempre reproduzia animais em forma de barro configurando o único universo que conhecia O zoomorfismo e antropomorfismo acontecem em todos os capítulos da obra Decaindo do ponto mais elevado da escala passando a indivíduo apenas esperto e depois a um semelhante do animal Fabiano termina por se aproximar de Baleia a quem em contraposição em seu diálogoaum ele considera Você é um bicho Baleia Nesta frase estaria integrado o sentido duplo do termo bicho aplicado a Baleia animalesperteza positivonegativo Integrase enfim o discurso superficial e o discurso profundo da obra O plano formal desenvolvido através dos eixos metafórico e metonímico explica e sustenta o plano conteudístico A fusão do Homem e do Animal no nível metafórico e a permutação de um figurante por outro metonimicamente só se possibilita totalmente numa estória onde o sujeito achase o mais próximo possível de zero na escala de valores que tomamos SANTANNA 1973 p156178 Para compreender as diversas manifestações do silêncio como discurso é preciso entender a materialidade simbólica específica do silêncio Para isso não se pode classificálo simplesmente como o não dito ou o implícito pois muitas vezes ele se manifesta atravessando palavras dentro das palavras indicando que o sentido pode sempre ser outro ou ainda que o que é mais importante nunca se diz Por essa perspectiva considerase que o silêncio é fundante e é justamente o silêncio como fundador que aparece na obra Vidas Secas sobretudo nas personagens primárias O silêncio assinala uma singularidade e por mais que as palavras enunciem o desejo que as move constitui uma significação dada em acréscimo Diante disso Fabiano está inscrito no espaço de uma denegação silenciosa e singular O décimo capítulo intitulado Contas relata Fabiano fazendo acerto com o dono da fazenda em que trabalha Já tinha recebido um cálculo feito por Sinhá Vitória sobre quanto iria receber Mas o proprietário comenta sobre juros o que diminui o valor a ser recebido Fabiano exasperase com aquilo que considera injustiça mas quando o 60 fazendeiro usa o velho argumento de que se o cabra não estivesse satisfeito que procurasse outro lugar tornase novamente submisso mesmo contra a vontade Mais uma vez a temática do capítulo terceiro se faz presente na obra se tivesse capacidade para a articulação de um discurso de defesa não seria enganado Há nessa análise claramente a possibilidade de recorrer também às reflexões foucaultianas sobre sujeito e poder O tratamento que Foucault deu à temática do sujeito mantém um vínculo estreito com a temática do poder Este é tomado como análise das formas de governamentalidade a partir da qual seus estudos permitiram questionar o poder como uma noção centralizadora como um lugar específico como se fosse uma essência Foucault 1997 p 110 propõe analisálo ao contrário como um domínio de relações estratégicas entre indivíduos ou grupos relações que têm como questão central a conduta do outro ou dos outros e que podem recorrer a técnicas e procedimentos diversos dependendo dos casos dos quadros institucionais em que ela se desenvolve dos grupos sociais ou das épocas Podemos visualizar aí uma crítica ao aparelho de Estado como soberania pura jurisdição força centralizadora do poder preconizado entre outros pelo filósofo político Thomas Hobbes Essa noção não é prioritária para a analítica de poder foucaultiana o seu interesse está nos micropoderes pois mais do que conceder um privilégio à lei como manifestação de poder é melhor tentar determinar as diferentes técnicas de coerção que opera FOUCAULT 1997 p 71 Embora Fabiano detenha o poder de ser líder familiar ao mesmo tempo se inscreve em outro papel como sujeito As condições de produção permeadas nessa conjuntura instituem que o vaqueiro aceite as imposições dadas pelo patrão Mas isso não impede que o patrão também esteja inscrito em um lugar de contextualização inversa pois um sujeito que se constitui como patrão pode se inscrever em situações opostas Isso se dá pela contínua alteridade do sujeito e podemos inferir que os sujeitos analisados nessa pesquisa estão também submetidos a essa interpelação ideológica pela qual estão inscritos 61 Uma das questões mais relevantes na narrativa para esta análise se configura na representação do poder Nos capítulos Contas e Cadeia observamos o papel de Fabiano frente ao abuso de poder por meio do discurso daqueles que representam ou exercem algum cargo que lhes atribui poder como o patrão o dono da venda o fiscal da prefeitura e o Soldado amarelo São representações entre sujeito e poder na baliza da alteridade constitutiva dos sujeitos envolvidos de acordo com a classe social a que pertencem Com certeza havia erro no papel do branco Não se descobriu o erro e Fabiano perdeu os estribos Passar a vida inteira assim no toco entregando que era dele de mão beijada Estava direito aquilo Trabalhar como negro e nunca arranjar carta de alforria O patrão zangouse repeliu a insolência achou bom que o vaqueiro fosse procurar serviço noutra fazenda Aí Fabiano baixou a pancada e amunhecou Bem bem Não era preciso barulho não Se havia dito palavra àtoa pedia desculpa Era bruto não fora ensinado Atrevimento não tinha conhecia o seu lugar Um cabra Ia lá puxar questão com gente rica Bruto sim senhor mas sabia respeitar os homens Devia ser ignorância da mulher Até estranhara as contas dela Enfim como não sabia ler um bruto sim senhor acreditara na sua velha Mas pedia desculpa e jurava não cair noutra RAMOS 1977 p 99100 Outro momento que mostra a questão do poder de maneira relevante é quando o Soldado amarelo exerce pela sua função a capacidade de fazer com que todos os paisanos estejam sempre dispostos a acatar as suas ordens Pelo fragmento a seguir percebemos que tanto Fabiano como os demais presentes naquela dada situação aceitavam sem questionar as objeções do Soldado Amarelo pelo fato de considerálo como um sujeito incontestável por representar o governo Atravessaram a bodega o corredor desembocaram numa sala onde vários tipos jogavam cartas em cima de uma esteira Desafasta ordenou o polícia Aqui tem gente Os jogadores apertaramse os dois homens sentaramse o Soldado amarelo pegou o baralho Mas com tanta infelicidade que em pouco tempo se enrascou Fabiano encalacrouse também Sinhá Vitória ia danarse e com razão RAMOS 1977 p 2930 62 Vidas Secas possui um arcabouço narrativo fortemente marcado pela constitutividade e manifestações do discurso pelo silêncio No entanto cada enunciado ou enunciações são carregados de mais de um sentido decorrentes das construções do processo de interlocução face às condições de produção dos discursos proferidos Além disso as condições de produção dos interlocutores também interferirão no modo como serão concebidos os discursos enunciados sobretudo por meio da produção do discurso pelo silêncio Ainda como caracterização do silêncio na obra a própria temática representa uma das formas do silêncio mais precisamente uma constituição de silenciamento que é o ato de pôr em silêncio A obra trata das questões atinentes aos problemas causados pela seca o que constitui uma denúncia social por retratar uma crítica à falta de assistência governamental tanto para sanar os problemas de falta de escolaridade da família falta de trabalho como de falta do amparo constitucional A denúncia dessa mazela social é implícita porque não há referências diretas mas são percebidas pela materialidade do silêncio Obviamente não são críticas diretas pela constituição da censura existente na época regimental do Estado Novo Isso se constitui como um exemplo de assujeitamento da família na ficção analisada Não era permitido a Fabiano reclamar lutar pelos seus direitos Fica evidente a denúncia da intolerância e da resignação obrigatória do vaqueiro diante de tamanha desonestidade como se pode comprovar no seguinte fragmento porque reclamara achara a coisa uma exorbitância o branco se levantara furioso com quatro pedras na mão Para que tanto espalhafato Hum Hum RAMOS 1977 p 100 Nesse mesmo capítulo ainda surge a lembrança do episódio ocorrido anos atrás quando Fabiano foi vender um porco e descobriu que precisava pagar imposto ao governo O agente se aborrecera insultarao e Fabiano se encolhera Bem bem Deus o livrasse de história com o governo Julgava que podia dispor dos seus troços Não entendia de imposto Um bruto está percebendo Supunha que o cevado era dele Agora se a prefeitura tinha uma parte estava acabado Pois ia voltar para casa e comer carne Podia comer a carne Podia ou não podia O funcionário batera o pé agastado e Fabiano se desculpara o chapéu de couro na mão o espinhaço curvo Quem foi que disse que eu queria brigar O melhor é a gente acabar com isso Despedirase metera a carne no 63 saco e fora vendêla noutra rua escondido Mas atracado pelo cobrador gemera no imposto e na multa Daquele dia em diante não criara mais porcos Era perigoso criálos RAMOS 1977 p 101 O alto preço dos impostos cobrados pela prefeitura assemelhase aos impostos cobrados no período do Estado Novo no entanto o que observamos nessa narrativa é que nas relações entre sujeito e poder o principal objetivo destas lutas não é o de atacar esta ou aquela instituição de poder ou grupo ou classe ou elite mas sim uma técnica particular uma forma de poder Essa forma de poder exercese sobre a vida quotidiana imediata que classifica os indivíduos em categorias os designa pela sua individualidade própria ligaos à sua identidade impõelhes uma lei de verdade que é necessário reconhecer e que os outros devem reconhecer neles É uma forma de poder que transforma os indivíduos em sujeitos O décimo primeiro capítulo O Soldado Amarelo também pode ser analisado sob a vertente teórica de Michel Foucault concernente ao poder os argumentos foucaultianos configuramse como uma crítica ao modo de se analisar o poder apenas nos moldes tradicionais ou seja como resultado de um centro estatal do qual o poder emana As relações de poder enraízamse no conjunto da rede social Isto não significa contudo que haja um princípio de poder primeiro e fundamental que domina até o menor elemento da sociedade É certo que o Estado nas sociedades contemporâneas não é simplesmente uma das formas ou um dos lugares ainda que seja o mais importante do exercício do poder mas que de um certo modo todos os outros tipos de relação de poder a ele se referem Porém não porque cada um dele derive Mas antes porque se produziu uma estatização contínua das relações de poder FOUCAULT 1995 p 247 Em se tratando de considerações feitas acerca das noções entre sujeito e poder revelamos o reencontro de Fabiano com o seu opressor Agora com a vantagem do vaqueiro pois seu opositor está em meio à caatinga sem o apoio dos companheiros de tropa O oficial percebe sua desvantagem e passa a tremer o que deixa Fabiano enraivecido pois não entende como um tipo que se arvorava tanto na cidade agora tremia vergonhosamente Ainda assim mais uma vez o novo tempero dos dois capítulos anteriores manifestase Fabiano fora adestrado a respeitar gente do governo a respeitar farda Não reage Mostrase submisso e o soldado aproveitase da vantagem A 64 submissão às normas vigentes está intrinsecamente inserida na vida de Fabiano que não reage e permanece na sua quietude e passividade simplesmente esperando a ordem de seu superior na hierarquia social Deu um passo para a catingueira Se ele gritasse agora Desafasta que faria o polícia Não afastaria ficaria colado ao pé de pau Uma lazeira a gente podia xingar a mãe dele Mas então Fabiano estirava o beiço e rosnava Aquela coisa arriada e achacada metia as pessoas na cadeia dava lhes surra Não entendia Se fosse uma criatura de saúde e muque estava certo Enfim apanhar do governo não é desfeita e Fabiano até sentiria orgulho ao recordarse da aventura Mas aquilo Soltou uns grunhidos Por que motivo o governo aproveitava gente assim RAMOS 1977 p 110 Pelo fragmento anterior constatamos que Fabiano questiona o fato de o governo representar um órgão de grande importância mas de não saber escolher os seus representantes Isso não só pelo tipo físico do Soldado Amarelo inferior ao de Fabiano mas principalmente pela conduta e falta de índole do referido soldado Ao flagrar a escassez de meios não só materiais mas também afetivos e intelectuais dos sujeitos analisados o enunciador de Vidas Secas alia a exposição das condições de produção à sondagem discursiva É por meio do discurso indireto livre viabilizado pela presença de um silenciamento das vozes dos sujeitos analisados que o narradorenunciador em terceira pessoa acessa e exibe as angústias desejos frustrações e contentamentos da família de Fabiano Até mesmo a cachorra Baleia merece esse tratamento no capítulo dedicado a ela revelamse os sonhos de caça do bicho de estimação Diante disso tomamos a narração do texto como uma ocorrência de silenciamento pois os sujeitos personagens são calados por uma voz enunciadora que retratam os seus dizeres numa dada conjuntura De acordo com Rebello 2006 é nesse quadro que teremos de pensar a emergência na cena cultural brasileira de obras baseadas na representação das classes populares que não poupam ou dissimulam o drama de sua falta de perspectivas Nessas obras a injustiça a miséria e a violência são temas cenários e protagonistas Tomar o silêncio como manifestação do discurso faz lembrar o pensamento de Pêcheux 1997 quando considera que a ideologia não funciona como um mecanismo fechado e sem falhas nem a língua como um sistema homogêneo Assim conceber o 65 silêncio em suas especificidades é estar amparado por um lugar teórico e ideológico na relação com a produção de sentidos mesmo em se tratando dos sentidos do silêncio Para Pêcheux 1997 o discurso é efeito de sentido entre interlocutores Desse modo depreendese que o sentido não está alojado em um ponto específico mas nas relações dos sujeitos dos sentidos numa constituição mútua no campo das múltiplas formações discursivas É o que se pode verificar na trajetória da família de retirantes que interrelacionam na maioria das vezes por meio das manifestações do silêncio como discurso Sob uma visão literária Rosenfeld apud Rebello 2006 compara o estilo de Graciliano Ramos com a paisagem do sertão estorricada e caracteriza o ficcionista como poeta da seca Em nosso estudo comparamos o discurso dos sujeitos analisados às condições de produção que os abrangem De fato podemos observar que o traço das enunciações presentes no corpus assemelhase às condições sociais econômicas e culturais As frases proferidas são curtas e justapostas apresentamse cheias de arestas A seguir há a representação de um dos momentos mais marcantes da obra São caracterizações enunciativas de Fabiano para configurar o sujeito discursivo sócio e ideologicamente marcado pelas condições sociais Anda condenado do diabo gritoulhe o pai Anda excomungado O pirralho não se mexeu e Fabiano desejou matálo Tinha o coração grosso queria responsabilizar alguém pela sua desgraça Certamente este obstáculo miúdo não era culpado mas dificultava a marcha e o vaqueiro precisava chegar não sabia onde RAMOS 1977 p 10 A figura adiante extraída do filme Vidas Secas retrata o momento em que Fabiano cogita a ideia de matar o filho ou abandonálo no sertão simplesmente pelo fato de a criança não ter mais forças físicas para continuar a jornada em busca de melhores condições de vida 66 Cena do filme Vidas Secas 1963 do diretor Nelson Pereira dos Santos Existem sentidos opostos para a morte embora a conjunção histórica da obra seja clara acerca das possíveis ligações dos sujeitos com algum tipo de apagamento Se Fabiano matasse o próprio filho não seria por acreditar que o sofrimento da criança tivesse um fim Seria para responsabilizar alguém pela desgraça mas ele desiste da ideia como também desistira posteriormente de matar o Soldado Amarelo No entanto a cachorra Baleia fora sacrificada e muitas são as possibilidades de sentido acerca da s causa s da sua morte Entre as hipóteses possíveis destacamos suavizar o sofrimento do animal impedindoo de sofrer por mais tempo já que a cachorra estava doente prevenir para que as crianças não fossem contaminadas pela doença ou para responsabilizar alguém pela desgraça a qual estavam submetidos pois um pai que deseja matar o próprio filho para responsabilizar alguém pelos sofrimentos do cotidiano também poderia matar a cachorra por essa razão tanto que Sinhá Vitória achava difícil Baleia endoidecer e lamentava que o marido não houvesse esperado mais um dia para ver se realmente a execução era indispensável RAMOS 1977 p 92 Em outra situação a morte do papagaio tem outra razão saciar a fome dos retirantes pois os sujeitos ideologicamente marcados evidenciam as condições sociais da família Para Pêcheux o sujeito é considerado a partir da formasujeito Ele se constitui nas evidências produzidas pela ideologia e pelo esquecimento daquilo que o determina 67 Por isso o sujeito tem a ilusão de ser a fonte do seu dizer Percebemos então que o sujeito é sempre interpelado pela ideologiaformasujeito sendo também um sujeito do seu discurso do seu próprio dizer Segundo Foucault 2005 p 107 É absolutamente geral na medida em que o sujeito do enunciado é uma função determinada mas não forçosamente a mesma de um enunciado a outro na medida em que é uma função vazia podendo ser exercida por indivíduos até certo ponto indiferentes quando chegam a formular o enunciado e na medida em que um único e mesmo indivíduo pode ocupar alternadamente em uma série de enunciados diferentes posições e assumir o papel de diferentes sujeitos FOUCAULT 2005 p 107 A falta de terra e a seca trazem grandes malefícios para a região nordeste do Brasil pois as pessoas que vivem naquela área sofrem com a miséria E os sujeitos em estudo representam esses nordestinos que em meio à maximização de angústias sonham com uma vida melhor no litoral ou nas grandes cidades A obra é regionalista mas enfoca problemas que vão além do período em que fora produzida que vão além do Nordeste A leitura de Vidas Secas se envolve com componentes e imagens que nos remetem a possíveis identificações com o cotidiano do povo nordestino e permite dessa forma uma leitura que relegue a um segundo plano as construções que envolvem apenas silêncio São reflexões de ordens discursivas que entremeiam as observações sobre a constitutividade do silêncio os sentidos representativos do conjunto histórico político econômico ideológico e social Esta assertiva pode ser reiterada com Pêcheux 1997 p 161 Se uma mesma palavra uma mesma expressão e uma mesma proposição podem receber sentidos diferentes todos igualmente evidentes conforme se refiram a esta ou aquela formação discursiva é porque uma palavra uma expressão ou uma proposição não tem um 68 sentido que lhe seria próprio vinculado a sua literalidade PÊCHEUX 1997 p 161 Na obra em análise não há uma explicação explícita do fim levado pela família de retirantes Essa falta de desfecho explicativo também se configura como uma das manifestações de silêncio porque o leitor entende implicitamente que eles continuarão buscando um espaço na cadeia social Observamos então um exemplo de silêncio pela falta pois o não dizer representa a existência de informações relevantes que por algum motivo foram postas em silêncio O silêncio pela falta também se configura quando as enunciações tomam características pela percepção dos sujeitos interlocutores de que esteja faltando alguma informação para que os dizeres façam sentido No entanto por meio da reflexão é possível localizar as palavras implícitas que completariam o sentido pretendido pelo enunciador No capítulo da obra em estudo O Mundo Coberto de Penas há um exemplo claro do silêncio pela falta que merece atenção O sol chupava os poços e aquelas excomungadas levavam o resto da água queriam matar o gado Sinhá Vitória falou assim mas Fabiano resmungou franziu a testa achando a frase extravagante Aves matarem bois e cabras que lembrança Olhou a mulher desconfiado julgou que ela estivesse tresvariando Foi sentarse no banco do copiar examinou o céu limpo cheio claridades de mau agouro que a sombra das arribações cortava Um bicho de penas matar o gado Provavelmente Sinhá Vitória não estava regulando RAMOS 1977 p 115 No fragmento em destaque observamos que os dizeres de Sinhá Vitória possuíam sentido mas que havia informações silenciadas e que eram necessárias para a compreensão do enunciado proferido Por essa razão Fabiano sentiu dificuldade de associar o dito da esposa como uma informação coerente Algum tempo depois Fabiano consegue associar o dito com o não dito e compreender o que Sinhá Vitória havia pretendido transmitir como enunciado As arribações bebiam a água Bem O gado curtia sede e morria Muito bem As arribações matavam o gado Estava certo RAMOS 1977 p116 69 Na criação do estereótipo herói regional de estatura quase épica em seus aspectos de superhomem em luta contra um destino fatal traçado pelas forças superiores do ambiente as personagens lutam com dificuldades quase sobrehumanas A seca a fome a falta de assistência governamental o futuro incerto Em virtude disso Fabiano e sua família são uma espécie de heróis e contam com o instinto para alcançarem um futuro melhor Com a análise da obra em estudo observamos a necessidade de uma pesquisa sobre o discurso pelo silêncio numa perspectiva políticosocial das personagens Fabiano e sua família evidenciam a visão histórica inscrita por meio das condições de produção e do discurso A obra revela coincidentemente aspectos da conjuntura histórica do Brasil sob o regime do Estado Novo instituído pelo então presidente Getúlio Vargas em 1937 Vidas Secas teve sua primeira publicação em 1938 e retrata problemas sociais econômicos e culturais Dessa forma explicitamse as angústias dos cidadãos que vão muito além da simples convivência com tais situações Diante disso a obra continua atual mas podendo ser apenas comparada com a atual situação de muitos cidadãos sobretudo nordestinos pois a ficção não possui compromisso direto com a realidade embora seja necessário existir certa verossimilhança Em sentido genérico e comum verossimilhança é a qualidade ou o caráter do que é verossímil ou verossimilhante e verossímil o que é semelhante à verdade que tem a aparência de verdadeiro que não repugna à verdade provável Como se sabe o entendimento do que seja verossimilhança é fundamental para o estudo da literatura e das artes em geral desde a Poética de Aristóteles que entendia que pelas precedentes considerações se manifesta que não é ofício do poeta narrar o que aconteceu é sim o de representar o que poderia acontecer quer dizer o que é possível segundo a verossimilhança e a necessidade ARISTÓTELES 1984 Além disso a suposta associação da obra com elementos da realidade representa um tipo de silêncio por não gerar inscrições discursivas óbvias pois na verdade estão implícitos os supostos objetivos em se tratar de assunto tão relevante para o conhecimento da sociedade Por outro lado não se trata da questão da intenção do autor são representações de vários discursos no desenrolar de uma cadeia verbal pois quando produzimos um texto recorremos a discursos outros que não são 70 necessariamente nossas constituições integrais mas inscrições que podem ser moventes Para melhor compreender tomemos a noção de heterogeneidade de AuthierRevuz quando afirma que Sob nossas palavras outras palavras se dizem que através da linearidade conforme emissão por uma só voz se faz ouvir uma polifonia e que todo discurso quer se alinhar sobre os vários alcances de uma partição que o discurso é constitutivamente atravessado pelo discurso do Outro AUTHIERREVUZ 2004 p 140141 Quando a obra fora escrita Graciliano Ramos se inscrevera em um lugar ocupado por um escritor que pretendia associar lembranças dos avós e dos tios conforme a carta escrita por ele anexada no início dessa dissertação e publicada por SantAnna 1973 Para isso transformou o seu avô Pedro Ferro no vaqueiro Fabiano por conseguinte a sua avó inspirou a criação de Sinhá Vitória e os tios a existência dos meninos No entanto a partir do momento em que os personagens são criados eles se tornam sujeitos discursivos e por razão dos sujeitos emergirem o autor já não tem mais poder sobre ele Em um artigo intitulado Dona Flor e o triângulo culinário e amoroso de Affonso Romano de SantAnna ele explica como Jorge Amado não possuía domínio sobre as ações da personagem Dona Flor Podemos utilizar tal exemplo para melhor justificar a questão da autoria de que trataremos mais adiante Quando lhe perguntei como construía suas personagens contou algo interessante sobre dona Flor Disse que tinha um certo projeto para tal romance Estava escrevendoo quando percebeu que dona Flor não obedecia muito bem ao que planejara Ele queria contar a estória dela de um jeito mas a personagem e a história iam noutra direção Houve um momento em que em meio ao trabalho exclamou Essa dona Flor ao que Zélia Gattai sua esposa escritora ouvindo aquele suspiro indagou O que houve Jorge E ele complacentemente derrocado pela personagem explicoulhe que ela estava tomando conta da história e fazendo o que bem queria e não o que ele havia planejado para ela 71 SANTANNA 2001 p 265 A citação exposta é um precedente para afirmarmos que o autor não escreve sob a ordem de uma intenção subjetiva Se as personagens emergem nas narrativas e se tornam sujeitos discursivos associamos tal conceito à morte do autor proposta por Roland Barthes 2004 Nessa acepção os sentidos são múltiplos e a escrita se dá por meio da interação com muitos outros textos diante disso não se pode afirmar que um determinado texto é proveniente de um autor ou da intenção de um autor pois os autores apenas se inscrevem em determinadas situações como transmissores de ideias advindas de diversas fontes Um texto não é feito de uma linha de palavras a produzir um sentido único de certa maneira teológico que seria a mensagem de um AutorDeus mas um espaço de dimensões múltiplas onde se casam e se contestam escrituras variadas das quais nenhuma é original o texto é um tecido de citações oriundas dos mil focos da cultura BARTHES 2004 p 62 Em consonância com tal parecer Michel Foucault 1992 discute teoricamente o conceito de funçãoautor que se vincula à concepção do sujeito discursivo da AD Para ele a noção de autor constitui o momento forte da individualização na história das idéias dos conhecimentos das literaturas na história da filosofia também e nas ciências 1992 p33 Embora Vidas Secas tenha sido escrita em um período histórico bastante conturbado pelas inovações do Estado Novo não podemos afirmar que a obra possui essa característica tomada nessa análise pelo fato de o seu autor ter sido preso sob a acusação de subversão e que essa obra seria um exemplo de denúncia social Um autor pode produzir um texto que em nada se configure com a sua vida pessoal como um texto encomendado por exemplo Nesse sentido a função autor é assim característica do modo de existência de circulação e de funcionamento de alguns discursos no interior de uma sociedade FOUCAULT 1992 p46 É nesse ponto que a concepção de um discurso heterogêneo atravessado pelo inconsciente se articula com uma teoria do descentramento do sujeito discursivo O 72 sujeito não é uma entidade homogênea exterior à língua que lhe serviria para traduzir em palavras um sentido do qual seria a fonte consciente AUTHIER REVUZ 2004 p 136 O sujeito é sempre marcado por outros discursos pela história e pela ideologia ele encontrase em um espaço discursivo e é também marcado pela incompletude Nesse sentido o sujeito não pode ser visto como fonte do sentido porque outros sentidos se constituem a partir do seu dizer O enunciador se constitui a partir de lugares descontínuos sem prédeterminação ou estanque A constituição do sujeito se dá por meio do processo de subjetivação a partir das relações sóciohistóricas e ideológicas Podemos reiterar na obra em estudo como se dão as constituições dos sujeitos discursivos nela representados Assim percebemos que as enunciações ou ações dos personagens se dão pela verossimilhança em relação à interlocução dos acontecimentos com a conjuntura social histórico político ideológico Em tudo há uma visível probabilidade dos fatos decorrentes das determinações e sobreposições das formações discursivas naquele espaço De acordo com Orlandi 2007 o silêncio nos coloca frente à questão da natureza histórica da significação na análise do discurso O silêncio é na produção do sentido uma das instâncias em que se produz o movimento já que o silêncio é o espaço diferencial que permite à linguagem significar discretamente Em virtude de todas essas observações acerca do silêncio é que cada vez mais há a necessidade de pesquisar analisar e explicitar as diversas formas do silêncio na obra Vidas Secas Existem indícios explícitos e implícitos capazes de despertar nos leitores o interesse em aprofundar os conhecimentos discursivos neste corpus literário Também se constitui como uma das manifestações do silêncio a técnica da narrativa em 3ª pessoa Constituise como um elemento que vem comprovar essa dificuldade dos sujeitos em se comunicar e optarem por silenciarse em diversas ocasiões A escrita da narrativa em 3ª pessoa evidencia a impossibilidade dos sujeitos interagirem plenamente pelas próprias palavras Diante disso observamos constantemente a falta de diálogos pela substituição das falas dos personagens pela voz de um narradorenunciador O silêncio dos sujeitos analisados é responsável pelo processo de animalização que ocorre com o homem em Vidas Secas Exemplo disso é a 73 cachorra Baleia que embora seja um animal funciona como uma representação humana de Fabiano Fabiano você é um homem exclamou em voz alta Olhou em torno com receio de que fora os meninos alguém tivesse percebido a frase imprudente Corrigiua murmurando Você é um bicho Fabiano Deu estalos com os dedos A cachorra Baleia aos saltos Veio lamberlhe as mãos grossas e cabeludas Fabiano recebeu a carícia enterneceuse Você é um bicho Baleia RAMOS 1977 p 1921 Além de acontecer um processo de personificação do animal como se dá com a cachorra Baleia há um processo de animalização de Fabiano determinado pelas condições de sociais próprias ao espaço que o cerca Silenciar para a família de Fabiano atesta a incapacidade de compreensão das condições em que vivem restringindo as ações executadas como mero exercício de sobrevivência Essa relação entre os processos discursivos e a língua está na base da compreensão do imaginário como necessário Os processos discursivos se desenvolvem sobre a base dessa estrutura a língua e não como expressão de um puro pensamento de uma pura atividade cognitiva que utilizaria acidentalmente os sistemas linguísticos PÊCHEUX 1997 p 91 Fica claro que discurso não é a fala o discurso pode estar nas relações das formações ideológicas e discursivas ou na autonomia relativa da língua Se uma determinada linguagem implica silêncio ela pode ser representada pelo nãodito visto do interior da linguagem é um silêncio significante silêncio linguagem No entanto é importante ressaltar que o silêncio não é um complemento da linguagem verbal ele tem sentido e significação própria É a manifestação do silêncio fundador ou fundante Sempre se diz algo a partir do silêncio pois ele é a garantia do movimento dos sentidos No silêncio por excesso observamos que em meio às falas ou escritas algo foi apagado Dizse x omitindose y É quando em meio a tantas informações outras 74 informações relevantes não aparecem por meio da linguagem verbal mas pelo silêncio No fragmento abaixo notamos que embora Fabiano use diversas conjunções para articular uma comunicação semelhante às palavras de Seu Tomás da Bolandeira o excesso de palavras simboliza a falta de interesse de Fabiano em participar do jogo com o soldado Amarelo mas que por respeito à farda não conseguia dizer não Nesse ponto um soldado amarelo aproximouse e bateu familiarmente no ombro de Fabiano Como é camarada Vamos jogar um trintaeum lá dentro Fabiano atentou na farda com respeito e gaguejou procurando as palavras de seu Tomás da bolandeira Isto é Vamos e não vamos Quer dizer Enfim contanto etc É conforme Levantouse e caminhou atrás do amarelo que era autoridade e mandava Fabiano sempre havia obedecido Tinha muque e substância mas pensava pouco desejava pouco e obedecia RAMOS 1981 p 32 Grifo nosso Já no silêncio por ausência vemos a constituição da falta como elemento caracterizador de sentido A não possibilidade de argumentar diante das situações é um comportamento vivido por Fabiano que por se inscrever em uma formação discursiva de inferioridade perpassada pelo espaço social evidencia as condições de produção associadas a ele Fabiano também não sabia falar Às vezes largava nomes atravessados por embromação Via perfeitamente que tudo era besteira Não podia arrumar o que tinha no interior Se pudesse Ah Se pudesse atacaria os soldados amarelos que espancam as criaturas inofensivas RAMOS 1981 p 36 Há também caracterizações do nãodito como uma técnica de dizer alguma coisa sem aceitar a responsabilidade de têla dito projetando imagens implícitas 75 denegações discursos oblíquos O nãodito faz parte do discurso que certamente não é palavra mas entendese que o nãodito seja constituinte do discurso Assim observamos que existe uma ligação da questão do nãodito em Pêcheux com a questão do silêncio em Orlandi 2007 A seguir um fragmento extraído da obra Vidas Secas Aí certificouse novamente de que o querosene estava batizado e decidiu beber uma pinga pois sentia calor Seu Inácio trouxe a garrafa de aguardente Fabiano virou o copo de um trago cuspiu limpou os beiços à manga contraiu o rosto Ia jurar que a cachaça tinha água Por que seria que seu Inácio botava água em tudo Perguntou mentalmente Animouse e interrogou o bodegueiro Por que é que vossemecê bota água em tudo Seu Inácio fingiu não ouvir RAMOS 1981 p 31 Grifo nosso De acordo com Orlandi 2007 o silêncio é condição necessária para haver dizer mas não é condição suficiente Assim é preciso haver o nãodito para haver o dito Esta é uma forma de falar do silêncio ou do não dito como constitutivo No fragmento anterior observamos o silêncio proposital de Seu Inácio que fingiu não ouvir as acusações de Fabiano acerca de o bodegueiro colocar água no querosene e na pinga Fica evidente que a não contestação por parte de Seu Inácio denuncia que realmente havia água nos produtos comercializados por ele Fabiano na sabe se nomear ignora assim sua função social Andava irresoluto numa longa desconfiança davalhe gestos oblíquos Fabiano se arma em interrogação Quando vai à cidade sentese um pouco perdido tendo que representar o outro social que nele não tem nenhuma base É aqui nessa inconsciência de si que o episódio Cadeia é exemplar Fabiano sai da bodega de Seu Inácio resolvido a conversar O vocabulário é pequeno reduzse à sua práxis O encontro com o soldado é sintomático Fabiano face ao imprevisto Autoridade é algo abstrato coisa distante e perfeita de que ele não tem experiência Tem apenas o respeito inquestionado Fabiano sempre havia obedecido Tinha muque e substância mas pensava pouco desejava pouco e obedecia p27 O soldado é ali outro E como bem vê Antônio Cândido o soldado suscita em Fabiano o outro o social já que ignora quem de fato seja Fabiano ignora suas profundidades abissais Então Fabiano é forçado a responder como outro o que seu agressor provoca e pede Fabiano gagueja palavras de empréstimo e que lhe escapam Quer fazer a figura social que lhe pedem 76 mas o descontrole da palavra o perde E o titubear angustiado dá força ao arbítrio alheio HOLANDA 1992 p75 Ainda formalizado por Orlandi 2007 temos a questão do silenciamento essa situação corresponde a uma forma direta da política do silêncio se obriga a dizer x para não deixar dizer y Se as formações discursivas determinam o que pode e deve ser dito HAROCHE HENRY PÊCHEUX 1982 a censura institui um jogo de relações de força pelo qual se estabelece obrigatoriamente o silenciamento não se pode dizer o que foi proibido ainda que o que fora proibido se pudesse dizer A autoridade rondou por ali um instante desejosa de puxar questão Não achando pretexto avizinhouse e plantou o salto da reiúna em cima da alpercata do vaqueiro Isso não se faz moço protestou Fabiano Estou quieto Veja que mole e quente é pé de gente O outro continuou a pisar com força Fabiano impacientouse e xingou a mãe dele Aí o amarelo apitou e em poucos minutos o destacamento da cidade rodeava o jatobá Toca pra frente berrou o cabo Fabiano marchou desorientado entrou na cadeia ouviu sem compreender uma acusação medonha e não se defendeu Está certo disse o cabo Faça lombo paisano Fabiano caiu de joelhos repetidamente uma lâmina de facão bateulhe no peito outra nas costas Em seguida abriram uma porta deramlhe um safanão que o arremessou para as trevas do cárcere A chave tilintou na fechadura e Fabiano ergueuse atordoado cambaleou sentouse num canto rosnando Hum hum RAMOS 1981 p 34 Grifo nosso 77 Cena do filme Vidas Secas 1963 do diretor Nelson Pereira dos Santos Fabiano é silenciado pelo Soldado amarelo representante legal da instituição Governo que para a visão de Fabiano era o supremo mandatário da sociedade e que nunca deveria ser questionado Essa interpretação de Fabiano acontece por meio das condições sociais ideológicas econômicas e culturais próprias à sua constituição como sujeito discursivo Por essa razão Fabiano não se defende das acusações do Soldado Amarelo e suporta calado Nesse instante emite apenas sons guturais pelo fato de assumir o seu papel como assujeitado O excerto anterior representa silenciamento porque Fabiano é obrigado a aceitar a injustiça sem se manifestar discursivamente por contestação 78 CONSIDERAÇÕES FINAIS Cena do filme Vidas Secas 1963 do diretor Nelson Pereira dos Santos Se as línguas imaginárias ou o silêncio respondem pela apresentação fictícia de um lugar outro à ferida da linguagem é como resposta inversa que pode ser compreendida a literatura prática só de linguagem inscrita inteiramente no lugar mesmo do desvio nessas palavras que são falhas AUTHIERREVUZ 2004 p254 A AD de linha francesa possibilita aos analistas de discurso trabalhar em busca dos processos de produção de sentido e de suas implicações históricosociais Isso inclui o reconhecimento de que há uma historicidade inscrita na linguagem que não nos permite pensar a existência de um sentido único ou literal já posto e nem mesmo que o sentido possa ser qualquer um Os sujeitos e os discursos são instituídos por movências já que toda interpretação é regida por condições de produção Quando nos referimos à produção de sentidos dizemos que no discurso os sentidos das palavras não são fixos 79 não são imanentes conforme geralmente atestam os dicionários Os discursos são produzidos face aos lugares ocupados pelos sujeitos em interlocução Assim uma mesma palavra pode ter diferentes sentidos em conformidade com o lugar socioideológico daqueles que a empregam FERNANDES 2007 p21 Quanto aos sujeitos discursivos ressaltamos que são constituídos pela relação com o outro num processo de heterogeneidade Assim nunca estarão inscritos num processo de fonte única de sentido e serão sempre marcados pela incompletude mas na busca constante da completude como vemos nas personagens analisadas nesta pesquisa Os modos pelos quais os sujeitos se relacionam são determinados pelas formações discursivas às quais estão inscritos influenciados pelas condições de produção Desse modo não há um sujeito único mas diversas posiçõessujeito relacionadas com determinadas formações discursivas e ideológicas Por último a noção de silêncio aqui discutida não se remete ao conceito dicionarizado mas aos sentidos produzidos por manifestações discursivas outras capazes de dizer mesmo sem a linguagem verbal ou seja mesmo pela ausência da linguagem Os conceitos de silêncio como fundante são baseados em Orlandi que afirma concordando com M Le Bot 1984 o silêncio não são palavras silenciadas que se guardam no segredo sem dizer O silêncio guarda um outro segredo que o movimento das palavras não atinge ORLANDI 2007 p 69 Nessa direção em Vidas Secas A perda semântica do primeiro capítulo Mudança ao último Fuga dá o sentido dessa travessia seu desgaste e também sua persistência Não basta ver que mudança traduz esperança fuga traz ainda a força desesperada de uma esperança imprescindível Fabiano sabe no último capítulo Fuga que aquilo não é mudança Homem da terra dos que resistem E Fabiano resistia pedindo a Deus um milagre Por isso adiantara a viagem a ele tão custosa Não queria afastarse da fazenda Depois faz da fraqueza força e vai acharia um lugar menos seco para enterrarse Acabouse E sobre aquele mundo vão agora não vale virarse olhar pra trás As imagens queridas superpõem as dolorosas as que ajudam a ir recurso para não se petrificar e ficar Mais adiante do caminho já está otimista já esfrega as mãos de contentamento Tem ainda a última liberdade de esperar E essa o embala e leva HOLANDA 1992 p7374 80 É por meio do discurso produzido pelo silêncio que a incompletude é fundamental no dizer É a incompletude que produz a possibilidade do múltilplo base da polissemia E é o silêncio que preside essa possibilidade A linguagem empurra o que ela não é para o nada Mas o silêncio quanto mais falta mais silêncio se instala mais possibilidades de sentidos se apresentam A obra Vidas Secas de Graciliano Ramos e as manifestações do discurso pelo silêncio são objetos discursivos entendidos como resultado da transformação da superfície linguística de um discurso concreto em um objeto teórico Neste estudo vemos que a materialidade do discurso pelo silêncio é evidente nas condições adversas da tragédia sertaneja acossada pela seca na personalização brutalizada do homem na preocupação com melhores condições de vida Esta materialidade discursiva enuncia a continuação o devir o desejo de conjunção com a felicidade e abundância futura mesmo que tais anseios sejam percebidos por manifestações do silêncio A saga continua o círculo não se fecha pois o capítulo inicial e o capítulo final se fundem em um só Desse modo a trajetória fabiana não alcança os objetivos almejados O silêncio proporcionado pela falta de um desfecho para a família de retirantes acusa a solidão social 81 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ACHARD P Memória e produção discursiva do sentido In et al O papel da Memória Campinas Pontes 1999 ALTHUSSER L Aparelhos Ideológicos de Estado nota sobre os aparelhos ideológicos de Estado AIE Trad Walter José Evangelista e Maria Laura Viveiros de Castro Rio de Janeiro Edições Graal 2003 ARISTÓTELES Poética São Paulo Abril Cultural 1984 AUTHIERREVUZ J Heterogeneidade mostrada e heterogeneidade constitutiva elementos para uma abordagem do outro no discurso In Entre a transparência e a opacidade Porto Alegre EDIPUCS 2004 BAKHTIN M Marxismo e Filosofia da Linguagem Trad Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira São Paulo HUCITEC 1992 VOLOCHINOV V N 1929 Marxismo e Filosofia da Linguagem 8 ed São Paulo Hucitec 1997 BARTHES R A Morte do Autor In O Rumor da Língua São Paulo Martins Fontes 2004 AulaTrad Leila Perrone Moysés São Paulo Cultrix 1979 BARONAS R L KOMESU F Homenagem a Michel Pêcheux 25 anos de presença na Análise do Discurso Campinas Mercado de Letras 2008 BOSI A Céu inferno ensaios de crítica literária e ideologia São Paulo Ática 1988 BRANDÃO H H N 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