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Direito ·
Direito Processual Penal
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As Misérias do Processo Penal Francesco Carnelutti Tradução Ricardo Rodrigues Gama Série Ouro 1ª edição eBook Russell editoras As Misérias do Processo Penal Francesco Carnelutti Tradução Ricardo Rodrigues Gama Série Ouro 1ª edição eBook Russell editoras Francesco Carnelutti AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL Tradução RICARDO RODRIGUES GAMA 1ª edição eBook 2013 CampinasSP ÍNDICE Nota do Tradutor Dados Biográficos do Autor Prefácio do Autor Capítulo I A Toga Capítulo II O Preso Capítulo III O Advogado Capítulo IV O Juiz e as Partes Capítulo V Da Parcialidade do Defensor Capítulo VI Das Provas Capítulo VII O Juiz e o Acusado Capítulo VIII O Passado e o Futuro no Processo Penal Capítulo IX A Sentença Penal Capítulo X Da Execução da Sentença Capítulo XI Da Libertação Capítulo XII Além do Direito NOTA DO TRADUTOR A presente obra de Francesco Carnelutti não vem estampada de seu conteúdo simplesmente com o contado com o título reclamando a leitura dos primeiros capítulos para tomar contato com a tentativa do autor em ensinar assuntos complexos para o homem leigo isso sem deixar escapar os detalhes tão importantes que somente os doutores poderiam ter acesso Além do prazer de transportar as ideias do autor para o nosso vernáculo fomos tomados pela voraz vontade de mapear todos os desdobramentos gerados com blocos de ideias constantes em cada um dos capítulos Verificamos a fusão da disposição para promover a tradução com a caminhada habitual de um leitor ambos interessados no desfecho de cada uma das histórias contadas nas lições que o autor pretendia passar com suas reflexões nas comparações possíveis apenas para um exímio jurista e até mesmo na evolução dos temas abordados genialmente A estrutura do poder judiciário com o auxílio dos advogados e membros do Ministério Público apresentase como perfeita montada sobre a mais refinada técnica para excluir da sociedade o criminoso faltando até consciência das dimensões malignas da decisão que rompe todas as barreiras do cumprimento da pena marcando a pessoa delinquente para sempre Na maioria das passagens fica evidente o esforço do autor em fazerse compreender chegando a retornar a condição de criança relatando suas experiências num período que não tinha envolvimento algum com o direito Na passagem pela maior parte de sua vida uma vez que o autor faleceu oito anos depois de escrever a presente obra as mazelas cometidas pelo autor são exaltadas para evitar que outras pessoas possam assumir a frieza em nome da técnica voltarse à fantasia por puro descaso com a realidade deixar de lado a religião em nome da expansão nos próprios conhecimentos afastarse da simplicidade para viver em plena contemplação à inutilidade As falhas do processo penal não podem ser superadas com o conhecimento científico claramente porque a realidade dos fatos não pode encontrar solução na norma jurídica ainda mais quando se deixa de lado os sentimentos das pessoas envolvidas no processo por terem infringido à legislação penal ou como meio de expressar seus conhecimentos mais profundos RICARDO RODRIGUES GAMA DADOS BIOGRÁFICOS DO AUTOR Francesco Carnelutti foi advogado jurista e professor em Milão Catania Pádua e Roma Nasceu em Udine em 1879 e morreu em Milão em 1965 Graduouse em Pádua em 1900 e tornouse advogado no ano seguinte livre docente em Direito Comercial em 1905 e professor de Direito Comercial em Catania em 1911 de Direito Processual Civil em Pádua em 1915 e em Milão em 1935 e de Direito Penal Puro em Milão em 1942 e finalmente de Direito Processual Penal em Roma em 1946 Quando completou 75 anos era professor emérito do mesmo ateneu Fundou em Giuseppe Chiovenda a Rivista di Diritto Processuale Civil e foi redator do projeto do Código Civil italiano Escreveu inúmeras obras sobre Direito Civil Direito Processual Civil Direito Penal Direito Processual Penal Direito Comercial e Direito do Trabalho Em seus últimos anos escreveu obras literárias de caráter filosófico PREFÁCIO DO AUTOR A Voz de São Jorge1 é o veículo de comunicação do Centro de Cultura e Civilidade da Fundação Giorgio Cini2 que tem sua sede em Veneza cidade maravilhosa naquela ilha situada defronte à Praça de São Marcos e ao Palácio Ducal3 cuja arquitetura de Buora4 de Palladio5 e de Longhena6 hoje ressurgida em seu antigo esplendor estando circundado de tantas maravilhas O Centro propõese a servir à cultura e à civilidade ou seja dizendo de forma mais simples o saber servindo à bondade Deveria ser este o destino do saber nem sempre as coisas acontecem como deveriam acontecer Também o saber para citar um exemplo como a energia atômica pode servir ao bem ou ao mal para tornar os homens piores ou melhores fazendoos erguer a cabeça em ato de soberba ou inclinála em ato de humildade O que se deveria fazer este ano com tal objetivo é concluir algo em torno do processo penal Um raciocínio científico à primeira vista pouco conveniente para uma conversação com o grande público o qual especialmente no rádio tem prazer em se divertir Mas aqui está precisamente o nodo7 da questão em termos de civilização Divertirse quer dizer escapar da vida cotidiana a qual é tão monótona tão difícil tão amarga tornando irresistível a necessidade de evasão Não estou fora da realidade ao extremo de não reconhecer e ainda de não experimentar esta modesta necessidade Mas existe outra saída para se evadir além da diversão É a saída oposta e assim diz o provérbio que os opostos se atraem Esta saída é o isolamento Ao término e ao extremo não há evasão mais completa do que a prece que é a forma ideal do isolamento Muitas pessoas não o sabem por que não experimentaram mas aqueles que experimentaram o conforto da oração sabem o que pensar da diversão e do isolamento Um pouco em todos os tempos mas na atualidade cada vez mais o processo penal interessa à opinião pública Os jornais ocupam boa parte das suas páginas para a crônica dos delitos e dos processos Quem as lê aliás tem a impressão de que existem muito mais delitos do que boas ações neste mundo A eles é que os delitos assemelhamse às papoulas que quando se tem uma em um campo todos delas se apercebem e as boas ações se escondem como as violetas entre as ervas do prado Se dos delitos e dos processos penais os jornais se ocupam com tanta assiduidade é que as pessoas por estes se interessam muito sobre os processos penais assim ditos célebres a curiosidade do público se projeta avidamente E é também esta uma forma de diversão fogese da própria vida ocupandose da dos outros e a ocupação não é nunca tão intensa como quando a vida dos outros assume o aspecto do drama O problema é que assistem ao processo do mesmo modo com que deliciam o espetáculo cinematográfico que de resto simula com muita frequência assim o delito como o relativo processo Assim como a atitude do público voltado aos protagonistas do drama penal é a mesma que tinha uma vez a multidão para com os gladiadores que combatiam no circo8 e tem ainda em alguns países do mundo para a corrida de touros o processo penal não é infelizmente mais que uma escola de incivilização Com estes colóquios o que se desejaria é fazer do processo penal um motivo de isolamento em vez de sêlo diversão Não vale fazer oposição em torno desse processo no qual reúnem os homens da ciência e não têm aqui o que fazer os homens comuns Os juristas certamente o estudam ou até agora deveriam estudálo ainda melhor para conseguir que seu mecanismo delicado como nenhum outro aperfeiçoese este é um problema com muito mais semelhanças do que se possa crer a respeito dos problemas de mecânica que resolvem os engenheiros e também dessas semelhanças as pessoas deveriam se dar conta Mas porque também os homens comuns se interessam pelo processo penal daí resulta a necessidade de que não os confundam com um espetáculo cinematográfico ao qual se assiste para conseguir emoções Poucos aspectos da vida social afetam tanto como este à civilidade Não é a primeira vez que me ocorre a vontade de advertir que a civilidade com palavras mui singelas que raras vezes se leem assim nos livros porque os homens infelizmente são e querem ser ainda mais ao contrário terrivelmente complicados não é outra coisa senão a capacidade dos homens de amaremse e por isto de viverem em paz Ora o processo penal é uma pedra de toque da civilidade não somente porque o delito com cores mais ou menos fortes é o drama da inimizade e da discórdia senão porque apresenta a relação entre quem o tinha cometido ou se diz que o tinha cometido e aqueles que a ele assistem A propósito dos exemplos relembrados há pouco cumpre refletir em torno daquilo que acontecia sobre o espaldar do Circo Máximo9 aos tempos de Roma ou ainda acontece sobre aqueles das arenas de touros da Espanha do México e do Peru Eu pensava em um dia de setembro passado durante a projeção de um filme mexicano no qual eu estava admiravelmente atento ao estado de ânimo do público bestializado contra o toureiro porque não demonstrava um desprezo suficiente ao perigo quem era mais estúpido o público ou o touro Aquela atitude não pode ser explicada senão mediante uma separação de quem assiste e de quem atua tal qual o gladiador antes que um homem é considerado uma coisa Considerar o homem como uma coisa podese ter uma forma mais expressiva da incivilidade Mas é aquilo que acontece infelizmente nove entre dez vezes no processo penal Na melhor das hipóteses aqueles que se vão ver fechados nas prisões como os animais do jardim zoológico parecem homens fictícios ao invés de homens verdadeiros E se todavia alguém percebe que são homens de verdade parecelhe que são homens de uma outra raça ou quase de um outro mundo Este não lembra quando sente assim a parábola do arrecadador de impostos e do religioso fervoroso nem suspeita que a sua é justamente a mentalidade do religioso eu não sou como este O que precisa ao contrário para merecer o título de homem civilizado é a mudança de tal comportamento somente quando cheguemos a dizer com sinceridade eu sou como este então seremos verdadeiramente dignos de civilidade Para tentar provocar esta inversão de mentalidade trataremos juntos de compreender o que seja um processo penal Ao trabalhar assim eu não faço depois de tudo mais do que retomar o meu caminho Também eu como a maior parte de vocês quando criança sentia a curiosidade já que não era verdadeiramente apaixonado por este espetáculo A respeito contarei daqui a pouco num episódio Na universidade por uma série de circunstâncias com as quais eu compreendi mais tarde o verdadeiro desígnio desviaram me do Direito Penal para o Direito Civil Assim durante longos anos eu venho sendo mais um civilista do que um penalista também a minha atividade científica desenvolveuse mais amplamente no terreno do Direito Civil Mas subsistiu em mim uma atração secreta dirigida ao Direito e ao Direito Processual Penal Existia uma espécie de corrente subterrânea que ao chegar a certo ponto emergiu à superfície da terra Estaria fora de lugar a recordação de detalhes das ocasiões que a vida me ofereceu o fato é que um dia da cátedra de processo civil fui passado àquela do Direito e depois à do processo penal E aconteceu como acontece na montanha quando depois de um longo caminho encravado entre as rochas se alcança o cume e finalmente se abre defronte aos olhos a paisagem iluminada pelo sol Assombramse alguns por esta comparação O Direito Penal não está no vale melhor posicionado do que em elevações Não é o direito da sombra melhor que o direito do sol A verdade é que segundo uma admirável intuição de São Paulo nós olhamos as coisas no espelho e por isso as vemos invertidas O Direito Penal sim é o direito da sombra mas é preciso atravessar a sombra para se chegar à luz Ao menos para mim foi o que aconteceu Cada um faz o seu caminho e o caminho como a fisionomia de cada um é diferente do caminho dos outros Eu me dediquei a tratar com os chamados homens de bem considereime um homem de bem e não dei um passo para cima Foi o conhecimento dos trapaceiros que me fez reconhecer que não sou de fato melhor que eles ou que eles não são de fato piores do que eu e era isto que necessitava para um homem como eu mais inclinado ao orgulho senão propriamente à soberba Quero dizer que também estive por muito tempo nas arquibancadas do circo olhando do alto os gladiadores como se não fossem meus irmãos Se aqueles que estão lá no meio arriscando a vida fossem nossos irmãos não é certo pensar que correríamos para eles para separálos e para salválos Com precisão não poderia dizer como ocorreu que pouco a pouco de estranho se converteram em irmão Mas em definitivo isso aconteceu e é o que importa Desde aquele dia abriuse diante de mim um magnífico horizonte iluminado pelo sol Certamente eu não faço ilusão em torno da eficácia das minhas palavras Porém segundo os ensinamentos daquele sensacional filósofo que todos deveriam ver em Cristo ainda que queiram considerálo somente como filho do homem não esqueço que as palavras são sementes Ainda que com o meu jardim infelizmente misturese muita erva daninha algum grão aqui pode ser capaz de germinar Por isso sem presunção mas com devoção os semeio Não pretendo que a colheita me remunere com cem nem com sessenta nem com trinta por um Assim ainda que um só dos meus grãos germinasse não teria semeado em vão 1 La Voce di San Giorgio era o período do Centro para o qual Carnelutti escreveu inúmeros artigos 2 A Fundação Giorgio Cini foi instituída pelo conde Vittorio Cini em memória de seu filho Giorgio com o escopo de restaurar a Ilha de San Giorgio Maggiore gravemente degradada depois de quase 150 anos de ocupação militar de reinserila na vida de Veneza e de ali construir um centro internacional de atividades culturais de grande importância A Fundação foi construída em 20 de abril de 1951 e inicialmente contava com quatro Institutos o da História de Arte o da História do Estado e da Sociedade Veneziana o de Literatura Música e Teatro e o Instituto Veneza e o Leste 3 O Palácio Ducal está situado no extremo oriental da Praça de São Marcos é um dos símbolos de Veneza e exemplo maravilhoso do estilo gótico construído como obra prima das colônias da republica veneziana Durante a Renascença o prédio foi reformado com a construção da Escada dos Gigantes feita por Antonio Rizzo e com decoração de Lombardo É um estupendo museu com mil anos de história 4 Giovanni Buora 14501513 foi um dos arquitetos que desenhou e construiu parcialmente a Igreja de San Giorgio Maggiore e de vários edifícios conexos na ilha 5 Andrea Palladio 15081580 foi um dos arquitetos que projetou e construiu as igrejas San Giorgio Maggiore e Il Redentore A obra de Palladio foi uma referencia obrigatória para os arquitetos ingleses e franceses do barroco 6 O arquiteto Baldassare Longhena 15981682 foi o responsável pela reforma da abóboda da Basílica de San Giorgio Maggiore pela construção da biblioteca e da escada monumental da igreja 7 O mesmo que nó 8 Grande anfiteatro com camarotes e arquibancadas onde se realizam jogos e espetáculos públicos na Roma antiga 9 Era a melhor e maior pista de corridas de Roma em formato oval o Circo Máximo foi construído em um longo vale que se estendia entre as colinas romanas de Aventine e Palatine As corridas eram praticadas por quatro principais equipes a vermelha a branca a azul e a verde em carruagens puxadas por dois ou quatro cavalos construídas em madeira Os vencedores recebiam uma rama de palma e uma coroa de louros laurel além de dinheiro e fama Muitos dos competidores eram escravos que almejavam ganhar dinheiro para comprar sua liberdade CAPÍTULO I A TOGA A primeira coisa que impressiona que se apresenta em uma Corte onde se discute um processo penal é que certos homens que ali atuam vestem um uniforme um fardamento Esta foi a primeira impressão da Justiça ainda nos anos da minha infância quando levado a presenciar um certo cortejo das janelas do Palácio onde tem sede a Corte de Apelação de Florença10 na via Cavour vi sair de uma sala um magistrado em toga11 e fiquei de boca aberta Por que os magistrados e os advogados vestem a toga Não parece uma roupa de trabalho como para os médicos o jaleco branco para aquilo que terão que fazer juízes e defensores poderiam não mudar de roupa ou não cobrir as vestes habituais Há de fato alguns países nos quais a toga não é usada assim se faz também entre nós para os graus inferiores da hierarquia judiciária Então de que se trata Só de uma homenagem à tradição Mas por que se estabeleceu à tradição Creio que a resposta pode vir da mesma palavra Certo como se disse a toga é um fardamento como aquela dos militares com a diferença que os magistrados e os advogados a usam somente em serviço aliás em certos atos do serviço particularmente solenes Na França e sobretudo no Reino Unido onde a tradição é mais estritamente observada um advogado deve usála em todos os casos no interior do Palácio da Justiça Perguntome por que o traje dos militares chamase divisa12 Divisa vem manifestamente de dividir O que teria a ver com a veste militar a ideia da divisão A surpresa se esvanece rapidamente se o verbo dividir se substituísse por aquele afim de discernir ou distinguir É necessário separar os militares dos civis não A divisa é o símbolo da autoridade Teria razão para dizer que a observação das palavras nos haveria orientado imediatamente na corte de justiça exercitase por excelência a autoridade compreendese que aqueles que a exercitam devem distinguirse daqueles sobre os quais se exercitam É a mesma razão pela qual também os sacerdotes vestem um fardamento e ainda mais quando celebram as funções litúrgicas endossamse as batinas sagradas A divisa se chama também uniforme o significado desta outra palavra parece porém contradizer o da primeira pois que alude a uma união ao invés de a uma divisão Mas são no fundo dois significados complementares a toga verdadeiramente como a veste militar desune e une separa magistrados e advogados dos delinquentes para unilos entre si Esta união observemos bem tem um altíssimo valor União dos juízes entre eles em primeiro lugar O juiz como se sabe não é sempre um homem só comumente para as causas mais graves é formado por um colegiado todavia se diz o juiz também quando os juízes são mais de um justamente porque se unem uns com outros como as notas tiradas de um instrumento se fundem no acorde A toga dos magistrados não é portanto somente o símbolo da autoridade mas também o da união ou seja do vínculo que os liga em conjunto Há no fundo disso uma ideia de coral que torna o ambiente também mais solene Se vemos por exemplo a Corte de Cassação13 em sessões conjuntas onde atuam togados pelo menos quinze magistrados vindo a mente uma reunião de frades quando cantam os completórios14 e as matinas15 emoldurados nos assentos do coro Quem sabe como funciona a justiça colegiada não achará demasiado atrevimento esta imagem de acordo e de coro O conceito de uniforme serve ainda mais para aclarar a razão pela qual vestem a toga não semente os juízes mas também os membros do Ministério Público e os advogados Daqui a pouco trataremos de compreender a necessidade destas outras figuras ao lado dos juízes de todas as maneiras todos sabem que não são eles que julgam porém ao invés também eles são julgados acusadores e defensores ouvirão dizer ao final do juiz se estavam com a razão ou não Não é isto um ser julgado Eles são portanto em relação ao juiz do outro lado da barricada Dirseia então se a toga é o símbolo da autoridade quem não a deveriam usar e ainda se é o símbolo da união por que enquanto o acordo reina entre os juízes o desacordo pelo contrário não tanto divide quanto deve dividir o acusador do defensor Em uma palavra enquanto o juiz está lá para impor a paz o Ministério Público e advogados estão lá para fazer a guerra Precisamente no processo é necessário fazer a guerra para garantir a paz Ora esta fórmula pode ter sabor de paradoxo mas haverá o momento no qual poderemos apreciar a verdade A toga do acusador e do defensor significa pois que aquilo que fazem e é feito a serviço da autoridade em aparência estão divididos mas na verdade estão unidos no esforço que cada um realiza para alcançar a justiça Em conjunto esses homens com toga dão ao processo e especialmente ao processo penal um aspecto solene Se a solenidade é ofuscada como ocorre infelizmente não poucas vezes por negligência dos advogados e dos próprios magistrados os quais não respeitam como deveriam a disciplina isto redunda em prejuízo da sociedade No tribunal deveria estar com igual isolamento como de dá na igreja Os antigos reconheceram um caráter sagrado ao acusado porque diziam era desatinado à vingança dos deuses assim tinham eles a intuição de uma verdade profunda O juízo o verdadeiro o justo juízo o juízo que não falha está somente nas mãos de Deus Se os homens todavia se encontram na necessidade de julgar tenham ao menos a consciência de que fazem quando julgam as vezes de Deus A afinidade entre o juiz e o sacerdote não é desconhecida nem sequer entre os ateus que falam a esse respeito de um sacerdócio civil A toga sem dúvida convida ao isolamento Infelizmente hoje sempre mais sob este aspecto a função judiciária está ameaçada pelos opostos perigos da indiferença ou do clamor indiferença pelos processos pequenos clamor pelos processos célebres Naqueles a toga parece uma armadura inútil nestes se assemelha lamentavelmente a um disfarce teatral A publicidade do processo penal a qual corresponde não somente à ideia do controle popular sobre o modo de administrar a justiça senão também e mais profundamente ao seu valor educativo está infelizmente degenerada em um motivo de desordem Não tanto o público que enche os tribunais a um limite inverossímil mas a invasão da imprensa que precede e persegue o processo com imprudente indiscrição e não de raro descaramento aos quais ninguém ousa reagir tem destruído qualquer possibilidade de juntarse com aqueles aos quais incumbe o tremendo dever de acusar de defender de julgar As togas dos magistrados e dos advogados assim se perdem na multidão São cada vez mais raros são os juízes que têm a severidade necessária para reprimir esta desordem Quase cinquenta anos faz discutindose em Veneza um processo por homicídio sobre o qual convergia a mórbida curiosidade de todos na sessão do Tribunal do Júri incrivelmente lotado quando se levantou para ser interrogada emergindo do cárcere em sua estupenda figura Maria Nicolaieva Tarnowska16 qualquer centena de senhores que apinhavam os locais reservados num salto puseram se em pé e assentaram sobre ela monóculos17 e binóculos Angelo Fusinato18 presidente insigne exclamou com contida indignação Amanhã este espetáculo incivil não se repetirá mais Mais que as medidas que ele soube tomar e inflexivelmente manter durante o longo curso do processo recordo agora como o ouvi pronunciar suas memoráveis palavras Este espetáculo incivil Era o mesmo presidente o qual não tolerava que um advogado se comportasse no falar no gesticular no vestir de modo não conforme à dignidade de seu ofício e de outra parte quando percebesse decidindo uma causa civil ter cometido um erro não tinha tranquilidade até que não lhe fosse dado corrigirse publicamente19 Eis aqui um magistrado que tinha compreendido o valor que tem o processo penal para a civilidade de um povo Os advogados de Veneza para exaltarem o seu exemplo de firmeza de dignidade de abnegação ornaram com seu busto o grande átrio superior da Corte de Apelação e eu agora quero lembrar a sua figura quase para colocar sob sua proteção aquilo que estou dizendo em torno desta mais alta experiência de civilização que deveria ser o processo penal 10 Até hoje a Corte de Apelação de Florença se mantém no mesmo endereço Rua Cavour 57 Palazzo Buontalenti local onde também funciona a Ordem dos Advogados local 11 Beca vestimenta de magistrado 12 Por derivação na língua portuguesa o termo divisa empregase com sentido próprio no âmbito militar qual seja o de insígnia de posto ou patente dos militares Assim as divisas são usadas em suas fardas 13 É o órgão jurisdicional cuja competência é entre outras uniformizar a jurisprudência Equivale ao Supremo Tribunal Federal brasileiro 14 Se diz da última hora canônica da recitação do oficio divino ou breviário 15 São os cânticos da primeira parte do ofício divino geralmente da liturgia católica que acontecem entre a meianoite e o raiar do sol 16 Escândalo ressonante ocorrido nos primeiros anos de 1900 uma história de amores perversão traições e homicídios que ressume de modo exemplar a hipocrisia o cinismo a falta de moral que reinavam nas classes altas europeias da belle époque e a frieza de uma bela mulher Nascida Maria Nicolaieva ORurke de sobrenome nobre em Kiev 1877 casouse com o conde Vassili Tarnowsky e se tornou a condessa Maria Nicolaieva Tarnowska O ápice do escândalo se deu em 1910 em Veneza por ocasião do julgamento de Maria Tarnowska e seus dois amantes o jovem Nicola Naumaff e o advogado Maximilliano Prilukoff que foram presos em 1907 pela morte do conde Paul Kamarovsky Pelo menos seis homens foram arruinados por ela dois deles tiveram morte trágica e quatro deles deserdaram esposas e filhos A história de Maria Tarnouwska envolveu muitos homens muitos tiros e muitos finais catastróficos ela foi a verdadeira mulher fatal Prilukoff foi considerado o mentor do plano para o assassinato de Kamarovsky e foi sentenciado a dez anos de prisão A condessa e seu jovem amante Naumoff que disparou os tiros fatais foram condenados a oito anos cada um 17 Monóculo é a lente provida ou não de aro que se usa encaixada entre os músculos da cavidade orbitária geralmente para correção visual 18 Angelo Fusinato era o presidente do Tribunal de Veneza em 1910 onde estavam sendo julgados Maria Nicolaieva Tarnowska e seus amantes 19 Francesco Carnelutti um então jovem advogado de Direito Civil a propósito do julgamento definiu o comportamento de Maria Nicolaieve Tarnowska como sendo cobiça porque não a paixão não o amor não o ódio mas só o desejo vil do dinheiro a tinha impelido causando a morte de um pai de família e levando à perdição um jovem que até então tinha sido honesto CAPÍTULO II O PRESO À solenidade para não dizer à majestade dos homens em toga contrapõese o homem no cárcere Não esquecerei nunca a impressão que deste tive a primeira vez na qual ainda adolescente ingressei na Corte de uma seção penal no Tribunal de Turim Aqueles dirseia sobre o nível do homem este em baixo preso na cela como um animal perigoso Sozinho pequeno apesar de sua elevada estatura perdido ainda que procurasse ser desembaraçado pobre miserável necessitado Cada um de nós tem as suas preferências também em matéria de compaixão Os homens são diferentes entre eles até no modo de sentir a caridade Também este é um aspecto da nossa insuficiência Existem aqueles que concebem o pobre com a figura do faminto outros com a de vagabundo outros com a de doente para mim o mais pobre de todos os pobres é o encarcerado Digo o encarcerado20 observese bem não o delinquente Digo o encarcerado como disse o Senhor naquele famoso sermão referido no Capítulo XXV do Evangelho de Mateus21 que exerceu sobre mim uma fascinação incalculável e até ontem pode dizerse acreditei que encarcerado ali fosse dito como sinônimo de delinquente mas me equivocava e a equivocação foi um de tantos episódios aptos para demonstrar que nunca se meditam o bastante sobre os sermões de Jesus O delinquente até que não seja encarcerado é uma outra coisa Confesso que o delinquente repugna me em certos casos me causa horror Para mim entre outros o delito o grande delito ocorreume de presenciálo pelo menos uma vez com os meus próprios olhos Os que brigavam pareciam duas panteras e fiquei absolutamente horrorizado contudo bastou que visse um dos dois homens que tinha derrubado o outro com um golpe mortal enquanto os policiais providencialmente acudiam colocandolhe as algemas para que do horror nascesse a compaixão A verdade é que apenas algemado a fera converteu se num homem As algemas também as algemas são um símbolo do direito talvez pensando bem o mais autêntico de seus símbolos ainda mais expressivo do que a balança e a espada É necessário que o direito nos ate as mãos E justamente as algemas servem para descobrir o valor do homem que é segundo um grande filósofo italiano a razão e a função do direito Quidquid latet apparebit22 repete ele a este propósito com o dies irae23 tudo aquilo que está oculto virá à luz Aquilo que estava escondido na manhã na qual vi o homem lançarse contra o outro sob a aparência de fera era o homem tão logo ataram seus pulsos com a corrente o homem reapareceu o homem como eu com o seu mal e com o seu bem com as suas sombras e com as suas luzes com a sua incomparável riqueza e a sua miséria espantosa Então nasceu do horror a compaixão Não me permiti agora arrastar pela literatura ao falar a propósito do delinquente do mal e do bem da sombra e da luz da miséria e da riqueza deixandome arrastar pela literatura Censuraramme muitas vezes ainda por último na ocasião de uma infeliz batalha pela abolição do calabouço uma coisa que qualquer um definiria como uma ingenuidade Oxalá que fosse isso A verdade é que Francisco24 justamente porque melhor do que qualquer outro interpretou Cristo desceu mais ao fundo que qualquer outro no abismo do problema penal Francisco só Francisco compreendeu beijando o leproso o que quis dizer Jesus com o convite a visitar os encarcerados Os sábios os quais continuam a considerar a pena segundo uma fórmula célebre como um mal que sofre o delinquente pelo mal que ele causou ignoram ou esquecem aquilo que Cristo disse a propósito do demônio que não serve para expulsar o demônio não é com o mal que se pode vencer o mal Já Virgílio25 antes que baixasse aos homens a luz de Cristo havia cantado omnia vincit amor26 o amor sozinho é sempre vitorioso Não se pode fazer uma nítida divisão dos homens em bons e maus Infelizmente a nossa curta visão não permite avistar um e germe do mal naqueles que são chamados de bons e um germe de bem naqueles que são chamados de maus E essa visão tão curta depende de nosso intelecto e que ele não esteja iluminado pelo amor Basta tratar o delinquente antes que uma fera como um homem para avaliar nele a incerta chama de pavio fumegante que a pena ao invés de apagar deveria reavivar Poucas vezes vi uma expressão tão pavorosa como aquela de um homicida que defendi anos faz diante de um Tribunal do Júri na extrema Calábria27 tinha matado dois homens premeditadamente desferindo dois tiros de pistola pelas costas não vi naquele rosto sombreado por um capacete de cabelos escuros nem sequer um alvor de luz Defendia junto com ele também seu irmão acusado de havêlo instigado a matar No colóquio que tive com ele apenas chegado lá embaixo lhe devia dizer que infelizmente para ele não havia esperança tudo o mais se podia tentar com as atenuantes genéricas de converter a prisão perpétua em trinta anos de reclusão Ele me ouviu impassível depois disse não se ocupe de mim advogado não importa eu sou um homem perdido pense para salvar meu irmão que tem nove filhos Então um raio de amor iluminou a sua fronte Não era a sua riqueza aquele amor fraterno que o fazia esquecer até seu terrível destino A verdade é que o germe do bem em qualquer um de nós não só nos delinquentes está aprisionado Há aqueles que têm mais há aqueles que têm menos mas nenhum de nós tem todo o espaço que deveria ter Todos em uma palavra estamos na prisão uma prisão que não se vê mas que não se pode deixar de sentir Aquela angústia do homem que constitui o motivo de uma corrente da filosofia moderna de grande notoriedade e de indiscutível importância não é outra coisa que o sentido da prisão Cada um de nós está aprisionado enquanto esteja fechado em si na solicitude por si no amor de si mesmo O delito não é mais que uma explosão de egoísmo na sua raiz O outro não conta o que importa é somente ele mesmo Somente abrindose para com outro o homem pode sair da prisão E basta que se abra para com outro para que entre pela porta aberta a graça de Deus Quidquide latet apparebit28 canta o dies irae29 Poucas instituições foram mais felizes do que aquela do filósofo que expressou com esta frase a eficácia do direito A prisão ou as algemas dizíamos são um símbolo do direito e por isso revelam a natureza e a desventura do homem O homem acorrentado ou o homem na prisão é a verdade do homem o direito não faz mais que revelála Cada um de nós esta fechado em uma prisão que não se vê Não nos parecemos com os animais porque estamos na prisão mas estamos na prisão porque nos parecemos com os animais Ser homem não quer dizer não ser mas poder não ser animal Esta capacidade é a capacidade de amar Quem teria imaginado estas coisas quando vi ainda criança um homem na prisão na corte escura do Tribunal de Turim Quem teria imaginado que o espetáculo daquele homem enjaulado eu não haveria de esquecer nunca É curioso como certos fatos que parecem insignificantes se inserem indelevelmente na fita da nossa memória Fato é que ainda agora depois de haver visto tantos o homem encarcerado tem um fascínio misterioso para mim É esta a experiência que me abriu o caminho da salvação 20 Naquele tempo pessoas portadoras de doenças infectocontagiosas ou tidas como tal eram segregadas em guetos ou encarceradas como forma de excluílas do convívio social para evitar contaminação 21 Versículos 31 a 46 E quando o Filho do homem vier em sua glória e todos os santos anjos com ele então se assentará no trono da sua glória E todas as nações serão reunidas diante dele e apartará uns dos outros como o pastor aparta dos bodes as ovelhas E porá as ovelhas à sua direita mas os bodes à esquerda Então dirá o Rei aos que estiverem à sua direita Vinde benditos de meu Pai possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo Porque tive fome e destesme de comer tive sede e destesme de beber era estrangeiro e hospedastesme Estava nu vestistesme adoeci e visitastesme estive na prisão e fostes verme Então os justos lhe responderão dizendo Senhor quando te vimos com fome e te demos de comer Ou com sede e te demos de beber E quando te vimos estrangeiro e te hospedamos ou nu e te vestimos E quando te vimos enfermo ou na prisão e fomos verte E respondendo o Rei lhes dirá Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos a mim o fizestes Então dirá também aos que estiverem à sua esquerda Apartaivos de mim malditos para o fogo eterno preparado para o diabo e seus anjos Porque tive fome e não me destes de comer tive sede a não me destes de beber Sendo estrangeiro não me recolhestes estando nu não me vestistes e enfermo e na prisão não me visitastes Então eles também lhe responderão dizendo Senhor quando te vimos com fome ou com sede ou estrangeiro ou nu ou enfermo ou na prisão e não te servimos Então lhes responderá dizendo Em verdade vos digo que quando a um destes pequeninos o não fizestes não o fizestes a mim E irão estes para o tormento eterno mas os justos para a vida eterna 22 Tudo o que se esconde há de aparecer 23 Dia da ira 24 São Francisco de Assis foi viver enclausurado com os portadores de hanseníase leprosos e acabou por se tornar o santo protetor dos acometidos dessa doença 25 Poeta latino que viveu nos anos 70 a 19 aC 26 Todos vencem com o amor 27 Diz se da cidade de Reggio Calabria denominada província que faz parte da região da Calábria na Itália 28 Tudo o que se esconde há de aparecer 29 Dia da ira CAPÍTULO III O ADVOGADO Carlo Majno que hoje é um dos melhores advogados em Milão e foi naquela universidade um dos meus discípulos mais queridos me doou precisamente no dia em que eu deixei a cátedra de Milão pela de Roma um belíssimo desenho a pastel avermelhado do pintor Mentessi30 que representava as mãos de um encarcerado presas nas algemas Mentessi não tinha certamente experiência particular do problema penal todavia aquele desenho demonstra como são proféticas as obras de um artista uma das mãos a esquerda tombada para baixo inerte em ato de desalento a outra sobreposta volve a palma para o alto como aquela do pobre que pede a caridade Há toda a psicologia do preso naquele pequeno quadro A minha felicidade foi que eu vi tantas vezes no curso da vida estenderem para mim aquela mão aberta na espera do donativo As pessoas imaginam o advogado como um técnico ao qual se requer um trabalho que quem o pede não teria capacidade de fazer por si mesmo figurando no mesmo plano do médico ou do engenheiro é verdade também isto mas não é toda ela o restante da verdade é descoberto sobretudo pela experiência do preso O preso é essencialmente um necessitado A escala dos necessitados foi traçada naquele sermão de Cristo ao qual já tive ocasião de acenar referido no Capítulo XXV de Mateus31 famintos sedentos despidos vagabundos doentes presos uma escala que conduz o meio animal da essencial necessidade física à necessidade essencialmente espiritual o preso não tem necessidade nem de alimento nem de roupas nem de casa nem de medicamentos o único remédio para ele é a amizade As pessoas não sabem tampouco os juristas que aquilo que se pede ao advogado é a esmola da amizade antes de qualquer outra coisa O nome mesmo de advogado soa como um grito de ajuda Advocatus vocatus ad chamado a socorrer Também o médico é chamado a socorrer mas só ao advogado se dá este nome Quer dizer que há entre a prestação do médico e a do advogado uma diferença que não voltada para o direito é todavia descoberta pela rara intuição da linguagem Advogado é aquele ao qual se pede em primeiro plano a forma essencial de ajuda que é propriamente a amizade32 E da mesma forma a outra palavra cliente a qual serve a denominar aquele que solicita ajuda reforça esta interpretação o cliente na sociedade romana pedia proteção ao patrono também o advogado se chama patrono E a derivação de patrono de pater projeta sobre a relação a luz do amor Aquilo que atormenta o cliente e o impede a pedir ajuda é a inimizade Já as causas civis e sobretudo as causas penais são fenômenos de inimizade A inimizade ocasiona um sofrimento ou ao menos um dano como certos males os quais tanto mais quando não são descobertos pela dor debilita o organismo por isso da inimizade surge a necessidade da amizade a dialética da vida é assim A forma elementar da ajuda para quem se encontra em guerra é a aliança O conceito de aliança é a raiz da advocacia O acusado sente ter a aversão de muita gente contra si algumas vezes nas causas mais graves lhe parece que esteja contra ele todo o mundo Não raramente quando o transportam para a audiência é recebido pela multidão com um coro de imprecações não raramente explodem contra ele atos de violência contra os quais não é fácil protegêlo Em estado de ânimo de Catarina Fort33 que quando se apresentou diante dos juízes levou os imaginários de todos a chamavam de fera É necessário não somente pensar nestes casos senão tratar de meterse na briga destes desgraçados para compreender a sua pavorosa solidão e com esta a sua necessidade de companhia Companheiro de cum pane é aquele que divide conosco o pão O companheiro colocase no mesmo plano daqueles aos quais faz companhia A necessidade do cliente especialmente do acusado é a seguinte a de um que se sente ao lado dele sobre o último degrau da escada A essência a dificuldade a nobreza da advocacia é esta permanecer sobre o último degrau da escada ao lado do acusado O povo não compreende aquilo que os demais tampouco os juristas entendem e riem burlam e escarnecem Não é um trabalho que goze da simpatia do público e mesmo de cirineu34 No campo literário e também no campo litúrgico as razões pelas quais a advocacia é objeto de uma difundida antipatia não são outras senão estas E até Perfino Manzoni quando teve que retratar um advogado perdeu a sua honradez e a Igreja deixou introduzir no hino de Santo Ivo35 patrono dos advogados um verso afrontoso As coisas mais simples são as mais difíceis de entender Digamos com clareza a experiência do advogado está sob o símbolo da humilhação É certo que vista a toga colabora desde já na administração da justiça mas o seu lugar é embaixo e não no alto Ele divide com o acusado a necessidade de pedir e de ser julgado Ele está sujeito ao juiz como está o acusado Mas precisamente por isto a advocacia é um exercício espiritualmente saudável Pesa o dever de pedir mas é proveitoso Habituase a suplicar Que outra coisa é senão um pedir uma súplica A arrogância apresentase com sendo o verdadeiro obstáculo à suplicação e a arrogância é uma ilusão de poder Não há nada melhor que advocacia para sanar tal ilusão de potencial O maior dos advogados sabe que não pode fazer nada frente ao menor dos juízes entretanto o menor dos juízes é aquele que o humilha mais É constrangido a chamálo à porta como um pobre E nem sequer está escrito sobre a porta pulsate et aperietur vobis36 Não raramente se chama em vão A experiência se faz mais dolorosa e mais saudável Se acreditava ter razão se havia estudado tanto se havia suado tanto então É necessário conhecer estes momentos para compreender Os romanos denominavam a atividade do advogado no processo com o verbo postular37 Dizem os dicionários de língua clássica antiga que esse verbo significa pedir aquilo que se tem direito de ter E é isto que agrava o peso de pedir Não se deveria ter necessidade de pedir aquilo que se tem direito de ter Em conclusão é necessário submeterse o juízo próprio ao alheio ainda quando tudo permite crer que não haja razão de atribuir a outro uma maior capacidade de julgar Isto significa no plano social colocarse junto ao acusado no último degrau da escada um sacrifício mas não existe sacrifício sem benefício Por isto eu disse que a nossa experiência é saudável O benefício está quando se começa a descobrir na escuridão a pequena chama do pavio fumegante Um benefício como acontece sempre nas coisas do espírito que ao mesmo tempo se dá e se recebe se aquela pequena chama se reaviva o seu calor não aquece somente a alma do cliente senão também a do patrono Pelo pouco de bom que eu pude fazer para algum destes desgraçados imenso foi o bem que deles recebi do Senhor entendese mas por meio deles pois que o Senhor disse que quanto é dado a eles é recebido por Ele os pobres são os enviados de Deus O preso as pessoas não sabem e menos ainda ele próprio o sabe é faminto e sedento de amor A necessidade da amizade provém da sua desolação Quanto maior é a desolação mais profunda e fecunda é a necessidade de amizade Inconsistentemente ele pede aquilo que é indispensável a fim de que o defensor possa cumprir o seu ofício O que o defensor deve possuir antes de tudo afinal é o conhecimento do acusado não como o médico o conhecimento físico mas o conhecimento espiritual Conhecer o espírito de um homem quer dizer conhecer sua história e conhecer uma história não é somente conhecer a sucessão dos fatos mas encontrar o elo que os liga Neste sentido a história é uma reconstrução lógica não uma exposição cronológica dos acontecimentos Tudo isto não é possível se o protagonista não abre pouco a pouco sua alma Estes tipos de protagonistas que são os delinquentes têm por definição a alma fechada Ao mesmo tempo em que pedem a amizade opõem a desconfiança e a suspeição Impregnados de ódio veem ódio também onde não há mais que o amor São como animais selvagens que só com infinita delicadeza e paciência podem ser domesticados Alguém dirá que eu vejo assim a advocacia sob o perfil da poesia Pode ser A poesia do seu ofício é algo que um advogado sente em dois momentos da vida quando veste pela primeira vez a toga ou quando ainda não a retirou está para retirála ao amanhecer ou ao entardecer Ao amanhecer defender a inocência fazer valer o direito fazer triunfar a justiça esta é a poesia Depois pouco a pouco caem as ilusões como as folhas da árvore depois do fulgor do verão mas através do emaranhado dos ramos cada vez mais despidos sorri o azul do céu Agora não estou mais seguro nem de haver defendido a inocência nem de haver feito valer o direito nem de ter feito triunfar a justiça contudo se o Senhor me fizer renascer começaria tudo de novo Malgrado os insucessos as amarguras os desenganos o balanço é positivo se destes faço a análise me dou conta de que a ocasião capaz de suprir todas as minhas deficiências consiste justamente na humilhação de deverme encontrar ao lado de tantos desgraçados contra os quais se desencadeia o vitupério38 e se açula o desprezo no último degrau da escada 30 Giuseppe Mentessi 18571931 pintor e professor italiano Originário de família pobre seu pai morreu quando ele tinha apenas 5 anos ocasião em que sua mãe se encarregou de enviálo para uma escola de arte Em 1880 Mentessi iniciou sua carreira de professor na Academia de Brera em Milão e em 1887 foi designado professor de pintura paisagística Suas pinturas tinham cunho social retratando a pobreza e o sofrimento e foram exibidas por toda a Europa seu quadro O Pão Nosso de Cada Dia foi apresentado na 1ª Bienal de Veneza em 1895 31 Vide nota 13 32 Il nome stesso dellavvocato suona come un grido di aiuto Advocatus vocatus ad chiamato a soccorrere Anche il medico e chiamato a soccorrere ma se solo allavvocato si da questo nome vuol dire che ve tra la prestazione del medico e la prestazione dellavvocato una differenza che non avvertita dal diritto e tuttavia scoperta dalla squisita intuizione del linguaggio Avvocato e colui al quale si chiede in prima linea la forma essenziale dellaiuto che e propriamente lamicizia Francesco Carnelutti Le Miserie del Processo Penale 33 Natural de Friul Itália 31 anos durante muito temo ela foi enganada por seu amante siciliano Giuseppe Ricciardi que se dizia solteiro e lhe havia prometido casamento Ao descobrir o engodo e decepcionada ela assassinou a mulher e os três filhos de Giuseppe por estrangulamento e golpes de barra de ferro num ato de selvageria até então nunca visto pelos habitantes da região Foi condenada à prisão perpétua porém perdoada em 1975 Morreu em 1988 aos 73 anos de idade 34 Originário ou pertencente a Cirene antiga cidade e colônia grega na Cirenaica O mesmo que cirenaico O que colabora ou auxilia principalmente em trabalhos penosos 35 Natural da Bretanha França Yves Hélory de Kemartin Santo Ivo nasceu em 17 de outubro de 1253 Filho de nobres em 1267 ele foi mandado para Universidade de Paris onde se formou em Direito Civil Em 1277 se mudou pra Orléans pra estudar Direito Canônico e em 1280 voltou para a Bretanha onde foi designado oficial juiz eclesiástico da arquidiocese de Rennes Sempre demonstrou zelo e lisura no cumprimento de suas obrigações e entregouse à defesa dos miseráveis e oprimidos contra os poderosos não vacilava em resistir às injustas taxações do rei razões pelas quais ganho o título de patrono dos advogados procuradores juízes juristas notários órfãos e abandonados Dizia jurame que sua causa é justa e eu a defenderei gratuitamente Santo Ivo inspirou a criação da Instituição dos Advogados dos Pobres especialmente para lutar pelas causas dos pobres viúvas órfãos e revéis Há total identidade entre os princípios da Defensoria Pública e a Instituição dos Advogados dos Pobres bem a propósito a data de sua morte foi escolhida para as comemorações do Dia do Defensor Público Foi ordenado e designado para a paróquia de Trendez em 1285 e depois para Louanne onde morreu em 19 de maio de 1303 Foi enterrado em Tréguier e canonizado em 1347 pelo Papa Clemente VI 36 Batei e abrirseá a vos 37 Expor e requerer algo em juízo 38 Ação vergonhosa infame ou criminosa Insulto injúria CAPÍTULO IV O JUIZ E AS PARTES No ponto mais alto da escala está o juiz Não existe ofício algum mais alto do que o seu e nem uma dignidade mais imponente Ele é colocado na sala de aula como professor supremo merecendo esta superioridade A linguagem dos juristas promove o juiz com uma palavra aproximando daquele profundo significado os juristas mesmos e tanto mais os filósofos deveriam deterse mais do que a detém a atenção Nós dizemos que diante do juiz estão as partes39 Denominamse partes os sujeitos de um contrato por exemplo o vendedor e o comprador o locador e o inquilino o sócio e o outro sócio e por igual os sujeitos de um litígio o credor quer receber o pagamento e o devedor que não quer pagar o proprietário que quer a devolução de sua casa e o inquilino que quer continuar a habitála e enfim se chamam também assim os sujeitos do contraditório isto é daquela disputa que se desenrola entre os dois defensores nos processos civis ou entre o Ministério Público e o defensor nos processos penais Estes todos eles denominamse assim porque são divididos e a parte provém justamente da divisão Cada um tem um interesse oposto ao do outro O vendedor quer entregar pouca mercadoria e ter entrada de muito dinheiro enquanto o comprador quer exatamente o contrário cada um dos sócios quer tomar a parte do leão dos dois defensores se um vence o outro perde cada qual puxa a água para o seu moinho Os juristas utilizam por isto o nome de parte mas o significado de parte é muito mais profundo na parte convergem o ser e o não ser cada parte é ela mesma e não é a outra parte Mas se é assim todas as coisas e todos os homens40 são partes uma rosa é uma rosa e não uma violeta um cavalo é um cavalo e não um boi eu sou eu e não sou você E esta de ser o homem41 não outra coisa que uma parte é uma descoberta de inestimável valor Por isto os filósofos deveriam dar mais crédito à linguagem dos juristas e prestarlhes mais atenção Assim pois se aqueles que estão diante do juiz para serem julgados são partes quer dizer que o juiz não é parte Com efeito os juristas dizem que o juiz está acima das partes por isso ele está no alto e o acusado abaixo por baixo dele um na prisão o outro sobre a cátedra Igualmente o defensor está embaixo com relação ao juiz pelo contrário o Ministério Público está ao seu lado isto constitui um erro que com uma maior conscientização em torno da mecânica do processo terminará por ser retificado O juiz também é um homem se é um homem é também uma parte Esta de ser ao mesmo tempo parte e não parte constitui uma contradição na qual se debate o conceito de juiz O fato de ser o juiz um homem e do dever ser mais que um homem constitui seu drama Um drama representado com insuperável maestria no Evangelho de João e ainda fico assombrado quando me volve à memória aquela sublime representação de que Benedetto Croce42 ainda que seja a partir do ponto de vista puramente estético haja compreendido tão pouco sua grandeza até o ponto de ser denominado um quadrinho engraçado Jesus foi depois ao monte das Oliveiras mas ao amanhecer estava no templo e todo o povo acorria a Ele e Ele se pôs sentado e ensinava nessa ocasião os escribas e fariseus conduziam uma mulher que foi surpreendida em adultério e postandoa no meio diziam a Ele esta mulher foi apanhada em ato de adultério Ora Moisés na legislação nos tem ordenado que tais mulheres sejam apedrejadas Tu que nos dizes E isto perguntavam para colocálo à prova e ter meio de acusálo Mas Jesus se inclinou e com o dedo se pôs a escrever sobre a terra Insistindo aqueles a interrogálo Ele se levantou e respondeu quem é de vós sem pecado atire a primeira pedra43 É o suficiente para ficar sem alento Quem é de vós sem pecado atire a primeira pedra Necessita para sentirse digno de punir estar sem pecado portanto somente o juiz está acima daquele que é julgado E posto que o pecado não é outra coisa do que o nosso não ser aquilo que deveremos ser é necessário ser plenamente sem deficiências sem sombras sem lacunas em suma é necessário não ser parte para ser juiz Nada de quadrinho engraçado O problema do juiz o mais árduo problema do direito e do Estado está estabelecido aqui com uma clareza espantosa Certamente assim entenderam os escribas44 e os fariseus45 que tinham tentado confundir o Mestre uma vez que o Evangelho continua narrando que Jesus de novo se inclinou e escrevia na terra46 Esperava Ele pensativo o efeito de suas palavras Então escribas e fariseus foram andando um atrás do outro começando dos mais velhos até os últimos e permaneceu somente Jesus e a mulher que estava no meio47 Nenhum homem se pôs a pensar no que era necessário para julgar o outro homem aceitaria ser juiz E contudo é necessário encontrar juízes O drama do direito é este Um drama que deveria estar presente a todos dos juízes aos jurisdicionados no ato no qual se promove o processo O Crucifixo que graças a Deus nas salas de audiência pende ainda sobre a cabeça dos juízes seria melhor se fosse colocado diante deles a fim de que ali pudessem com frequência pousar o olhar este a exprimir a indignidade deles és não outra coisa que a imagem da vítima mais insignificante da justiça humana Somente a consciência de sua indignidade pode ajudar o juiz a ser menos indigno A legislação buscou todos os expedientes possíveis para assegurar a dignidade do juiz O mais óbvio entre estes consiste no juízo colegiado48 uma vez que o julgar um outro homem exige que quem julgue seja mais do que aquele que é julgado o que se faz por mais homens colocados juntos À primeira vista o expediente parece ilusório uma dignidade não se obtém com a soma de várias indignidades Mas o certo é que uma coisa deve ser considerada a soma de vários juízes e outra sua unidade não se trata no colégio de agregar um juiz ao outro como os somatórios de uma adição mas de vertere plures in unum49 dirseia em latim isto é de convertêlos num só Apresentase aqui por meio misterioso o conceito de acordo ou acorde chave da música e chave do direito misterioso porque ainda não sabemos e talvez não saibamos jamais como acontece quando entre dois homens ocorre verdadeiramente a união e portanto formase a unidade comunicase a cada um a ser o outro mas não é o não ser o bem mas não o mal Pode parecer que a associação de delinquentes desminta essa afirmação mas refletindo aqui se dá conta de que se os delinquentes são mantidos juntos pelo medo tratase de um falsa união como seria aquela de um feixe de galhos amarrados juntos que nunca se formam com somente um galho ou se tem entre eles o afeto e isto é em qualquer caso um germe do bem o qual pode sempre encontrarse envolto e escondido sob a casca do mal O princípio do colegiado no judiciário é verdadeiramente um remédio contra a insuficiência do juiz no sentido de que se não a elimina ao menos a reduz Em outras palavras o juízo colegiado está menos longe do que o juízo singular daquilo que o juiz deveria ser mas a condição para que o juiz alcance a sua unidade ou seja que entre os juízes singulares estabeleçase o acordo que não significa tanto a identidade de opiniões quanto paridade preocupante para a verdade Tocouse assim a raiz do problema A justiça humana não pode ser mais do que uma justiça parcial a sua humanidade não pode deixar de ser resolvida na sua parcialidade Tudo que se pode fazer é tentar diminuir esta parcialidade O problema do direito e o problema do juiz são a mesma coisa Como pode fazer o juiz para ser melhor daquilo que já é A única via que lhe é aberta a tal fim é aquela de sentir a sua miséria é necessário sentiremse pequenos para serem grandes É necessário formarse uma alma de criança para poder entrar no reino dos céus É necessário a cada dia mais recuperar o dom de surpreenderse É necessário a cada manhã assistir com a mais profunda emoção ao nascer do sol e cada tarde ao seu poente É necessário sentiremse a cada noite aniquilados ante a infinita beleza do céu estrelado É necessário permanecer atônito ao perfume de um jasmim ou ao canto de um rouxinol É necessário cair de joelhos frente a cada manifestação desse indecifrável prodígio que é a vida Outros dirão que o juiz para ser juiz deve complementar certos estudos superar certos concursos submeterse a certos controles Sobretudo hoje se ensina que para ser juiz penal precisa estudar além do direito a sociologia a antropologia e a psicologia Certamente que são estudos úteis e também necessários mas não suficientes Primeiro de tudo não necessita crer que se possa colocar sobre a mesa de anatomia como se põe um corpo também a alma humana Não se deve confundir o espírito com o cérebro Certamente o espírito está condicionado pelo corpo e viceversa em particular a psicologia é a ciência que estuda estas relações mas além deste encontrase o campo que o juiz deve sobretudo conhecer e temo tanto que para o seu conhecimento não contribuem nem a universidade nem os institutos complementares Narra uma fábula que eu aprendi numa revista argentina que às queixas dos anjos pela criação deste ser absurdo meio anjo e meio animal que é o homem o Criador respondeu o homem não é questão para congressos de filosofia o homem não é questão para discutir em congresso de filosofia e teria acrescentado o homem é questão de fé no homem Desde que tive oportunidade de lêlas há anos não me saíram da mente estas palavras Poderia também dizer que é questão de fé no homem a questão penal Mas a fé no homem adquirese somente amando o homem Mais do que ler muitos livros eu queria que os juízes conhecessem muitos homens se fosse possível sobretudo santos e canalhas aqueles que estão sobre o mais alto ou o mais baixo degrau da escada Parecem imensamente distantes mas sobre o terreno do espírito acontecem coisas estranhas Necessitase pouco para converterse de canalha para santo Cristo com o exemplo do ladrão crucificado nos tem ensinado Em qualquer caso basta que o canalha se envergonhe de ser canalha e pode também bastar que um santo se envaideça de ser santo para perder a santidade Estas são realmente as coisas essenciais mas não se encontram em nenhum manual de psicologia Pois bem aprendese na igreja ou na penitenciária É curiosa também esta aproximação não é certo Entre a igreja e a penitenciária qualquer coisa como colocar juntos o inferno e o paraíso Mas o erro o tremendo erro está em crer que aqueles que estão encarcerados na penitenciária estejam degenerados 39 É a pessoa que figura num processo como autor réu litisconsorte ou terceiro interessado Já no Direito Civil costumase entender como partes principais o autor e o réu e como partes incidentais os terceiros intervenientes 40 Dizse da raça humana da humanidade 41 Toda vez que se refere ao homem Carnelutti nos remete ao ser humano considerado em seu aspecto morfológico ou como tipo representativo de determinada região geográfica ou época e não ao gênero do ser humano 42 Benedetto Croce 18661952 foi escritor conceituado filósofo e político italiano 43 João Capítulo VIII versículos de 1 a 7 44 Entre os judeus era o doutor da lei Oficial das antigas chancelarias ou secretarias Aquele que tinha por profissão copiar manuscritos muitas vezes mediante ditado 45 Diziase dos membros de uma seita judaica surgida no século II aC caracterizada pelo cumprimento rigoroso das prescrições da lei escrita porém nos Evangelhos são acusados de hipocrisia e excessivo formalismo Dizse do seguidor formalista de uma religião Pessoa hipócrita fingida 46 João Capítulo VIII versículo 8 47 João Capítulo VIII versículo 9 48 Dizse de um órgão cujos membros têm poderes iguais 49 Converter vários em um CAPÍTULO V DA PARCIALIDADE DO DEFENSOR Já se disse um homem para ser juiz deveria ser mais do que um homem E vêse que em essência é precisamente tal ideia a que inspira aquela forma de correção da insuficiência do juízo composto pelo colégio de juízes Mas não é este o único remédio que a experiência tem sugerido Para compreender é necessário partir da parcialidade do homem Todo homem temos dito é uma parte Precisamente por isto nenhum homem chega a apoderarse da verdade Aquela que cada um de nós crê ser a verdade não é senão um aspecto dela algo assim como uma minúscula faceta de um diamante maravilhoso É o que Cristo nos ensinou dizendo Eu sou a verdade Alcançar a verdade é alcançar a Ele e Nele Amandoo podemos nos aproximar indefinidamente mas alcançálo não porque Ele é infinito A verdade é como a luz ou como o silêncio os quais compreendem todas as cores e todos os sons mas a física tem demonstrado que a nossa vista não vê e os nossos ouvidos não ouvem mais que um breve segmento da gama das cores e dos sons estão aquém e além da nossa capacidade sensorial as infra e ultracores assim como os infra e os ultrassons Assim explicase um modo de dizer o qual para quem quer compreender este importantíssimo fato social que é o processo tem uma importância de primeiro plano O juiz quando julga estabelece quem tem razão isto quer dizer de que lado está a razão Qual razão é e não pode ser mais do que uma como a verdade também nesse sentido são equivalentes razão e verdade Mas como se explica então se a razão é uma só que precisamente no processo cada uma das partes expõe suas razões Aquelas que o e o defensor expõem quando discutem são as razões pelas quais o primeiro pede a condenação e o segundo a absolvição Como se concilia a unidade da razão com a pluralidade das razões Como pode alguém concluir que quem termina por não ter razão disse que expôs as suas razões A verdade é que tomando em comparação a razão se decompõe nas razões como a luz nas cores e o silêncio nos sons Da mesma maneira que não podemos nos postar diante toda a luz nem gozar todo o silêncio assim não podemos nos apoderar de toda a razão As razões são aquelas frações de verdade que cada um de nós parece ter alcançado Quanto mais razões expõemse tanto mais será possível que juntandoas um aproximese da verdade No fundo quando o juiz se prepara para julgar encontrase frente a uma dúvida este é culpado ou inocente Também a dúvida é uma palavra transparente dubium vem de duo Abrese via dupla diante do juiz de cá ou de lá O juiz deve escolher Mas para escolher deve recorrer a um ou outro caminho do contrário não poderia ver onde elas vão terminar Pois bem compreendese para que serve para o juiz o defensor e por que diante do defensor colocase o acusador são aqueles que guiam o juiz no percurso dos dois caminhos a fim de que ele possa escolher uma deles Acusador e defensor são em última análise dois raciocinadores constroem e expõem as razões O ofício deles é raciocinar Mas um raciocínio permitido em circunstâncias bem limitadas Um raciocínio de um modo diverso daquele do juiz Talvez não seja muito fácil compreender mas se não compreende isto pouco compreenderá do processo e não basta que compreendam os juristas porque estes são o ponto sobre o qual os leigos podem ter em torno do processo as impressões falsas e nocivas à civilização Raciocinar é em palavras simples colocar as premissas e tirar as conclusões O acusado confessou ter matado logo matou mesmo Em termos de lógica primeiro vêm as premissas e depois as conclusões Assim procede o raciocinador imparcial Mas o defensor não é um raciocinador imparcial E é isto que escandaliza as pessoas Apesar do escândalo o defensor não é porque não deve ser imparcial E porque não é imparcial o defensor não pode e não deve ser imparcial o seu adversário A parcialidade deles é o preço que se deve pagar para obter a imparcialidade do juiz que é pois o milagre do homem enquanto conseguindo não ser parte supera a si mesmo O defensor e acusador devem procurar as premissas para chegarem a uma conclusão obrigatória Tudo isso pode parecer absurdo E apesar disso a chave do processo está aqui Mal seria se o juiz contentasse em raciocinar assim o acusado confessou ter matado logo concluise que matou Temos entretanto casos nos quais um homem confessa o delito que não cometeu temos visto pais acusaremse para salvar o filho e filhos submeteremse ao mesmo sacrifício para salvar o pai Isto é tão certo e não somente pela razão que acabo de indicar que até o código Penal pune aqueles que denunciam contra a verdade de serem autores de um delito50 Isto quer dizer que também quando aqui temos provas evidentes da culpabilidade ou da inocência antes de condenar ou absolver é necessário continuar as investigações até que sejam exauridos todos os meios Mas para fazer isto o juiz deve ser ajudado sozinho não conseguiria O seu ajudante natural é o defensor este amigo do acusado que naturalmente tem o interesse de procurar todas as razões que possam servir para demonstrar a inocência O defensor é e deve ser um raciocinador em circunstâncias restritas isto é um raciocinador parcial um raciocinador que traz a água para seu moinho É claro porém que desta maneira o defensor é um colaborador precioso para o juiz entretanto muito perigoso por conta de sua parcialidade E como concebêlo como útil porém inócuo Contrapondolhe aquele outro raciocinador parcial no sentido inverso que se chama Ministério Público e deveria chamarse mais exatamente acusador No procedimento atual do processo penal o Ministério Público não é essencialmente um acusador ao contrário é concebido diferentemente do defensor como um raciocinador imparcial mas há aqui um erro de construção da máquina que quanto a isto funciona mal ademais de nove de cada dez vezes a lógica das coisas arrasta o Ministério Público a ser aquilo que deve ser o antagonista do defensor Desenvolvese assim diante dos olhos do juiz o que os técnicos chamam o contraditório51 e que é realmente um duelo o duelo serve para o juiz superar a dúvida a propósito disto é interessante notar que também duelo como dúvida vem de duo No duelo personificase a dúvida É como se no cruzamento de duas ruas dois valentes batessemse para arrastar o juiz para uma ou para outra As armas que servem para eles combaterem são as razões Defensor e acusador são dois esgrimistas os quais não raramente fazem uma má esgrima mas as vezes ofereçam aos entendidos um espetáculo excelente Também aqueles que não são entendidos como acontece nos torneios acabam por se apaixonarem por esse jogo Esta é também para o público uma das mais fortes atrações no processo penal Mas digamos também é uma coisa que dá ao processo penal o sabor de escândalo e é precisamente por isso as pessoas o apreciam E é precisamente por isso também que os advogados adquirem a fama de criadores de sofismas52 Em boa parte a sátira53 que cresce excepcionalmente vigorosa contra nós é devida a uma maligna interpretação deste fenômeno Não se compreende que se o advogado fosse um raciocinador imparcial não somente trairia o próprio dever mas contrariaria a sua razão de ser no processo e o mecanismo deste sairia desequilibrado Sem dúvida isto das duas verdades a verdade da defesa e a verdade da acusação é um escândalo mas é um escândalo do qual o juiz tem necessidade a fim de que não seja um escândalo o seu juízo E isto não só porque o juiz tem necessidade de que lhe sejam apresentadas todas as razões para encontrar a razão e quantas mais lhes são apresentadas e mais em aparência parece que se complica mas na realidade simplificase o seu cumprimento Sob este aspecto o combate entre defensor e acusador parece o choque de duas pedras do qual sai faísca As razões como já dissemos são para a razão como as cores para a luz as arengas os uniformes do defensor e do acusador assemelhamse a uma roda giratória de cores mas girando velozmente se fundem na luz De qualquer maneira a vantagem que o juiz tira não é somente de ordem intelectual A verdade é que o contraditório o ajuda justamente porque é um escândalo o escândalo da parcialidade o escândalo da discórdia o escândalo da Torre de Babel54 A repugnância à parcialidade convertese para o juiz na necessidade de superála e nesta necessidade a salvação do juízo Eis que esta tentativa de análise do processo penal no seu momento mais tecnicamente delicado permite talvez escolher um resultado que tem de per si uma certa importância para a civilização Poder seia falar neste ponto de reabilitação dos advogados A do advogado é quiçá uma das figuras mais discutidas no quadro social daí dizerse a mais atormentada Entre outras coisas jamais nem sequer nos momentos de maior convulsão história proposta supressão dos médicos ou dos engenheiros mas dos advogados sim Em alguma ocasião chegouse até a suprimilos depois ressurgiram com rapidez No fundo o protesto contra os advogados é o protesto contra a parcialidade do homem A verse bem eles são os cireneus55 da sociedade carregam a cruz por um outro e esta é a nobreza deles Se me pedissem para a Ordem dos Advogados um lema proporia o virgiliano56 sic vos non vobis57 Somos os que aramos o campo da justiça e não colhemos os frutos 50 Pelo Código Penal brasileiro tratase do crime de autoacusação falsa capitulado no art 341 por força do qual comete o crime quem acusarse perante a autoridade de crime inexistente ou praticado por outrem impondolhe a pena de detenção de 3 meses a 2 anos ou multa 51 Dizse quando há contestação das partes em que há réplica tréplica impugnação No processo ou julgamento em que ocorre discussão judicial e há igualdade entre as partes 52 Argumento ou raciocínio aparentemente válido porém não conclusivo e que supõe máfé por parte de quem o apresenta 53 Ocasião em que se faz ironia mofa ou zombaria 54 A Torre de Babel é descrita no livro bíblico do Gênesis X10 XI19 como uma torre enorme construída pelos descendentes de Noé com a finalidade de tocar os céus Irado com a ousadia humana Deus teria feito com que todos os trabalhadores da obra começassem a falar em idiomas diferentes de modo a que não pudessem se entender e assim acabaram por abandonar a sua construção De acordo com a Bíblia daí se origina os idiomas da humanidade Babel foi uma das primeiras cidades construídas após o Dilúvio pertenceu ao reino mesopotâmico de Ninrode Nimrod Significa Babilônia e apesar de seu lado mitológico a Torre de Babel realmente pode ter sido construída 55 O que colabora ou auxilia principalmente em trabalhos penosos Vide nota 26 56 Relativo a Virgílio 7019 aC poeta latino Aquilo que tem caráter da poesia de Virgílio Aquele que é grande admirador da obra de Virgílio 57 Assim nós trabalhamos mas não em proveito próprio CAPÍTULO VI DAS PROVAS A missão do processo penal está no saber se o acusado é inocente ou culpado Isto quer dizer antes de tudo se ocorreu ou não ocorreu determinado fato um homem foi ou não foi morto uma mulher foi ou não foi violentada um documento foi ou não foi falsificado uma joia foi ou não subtraída Seria necessário antes de tudo saber o que é um fato São palavras que se empregam intuitivamente se as compreendem de forma aproximada mas é necessário que nos detenhamos a refletir sobre elas Um fato é um pedaço de história e a história é a via que percorrem desde o nascimento até à morte os homens e a humanidade Um trecho da via portanto Mas do caminho que se percorreu não daquele que se pode fazer Saber se um fato aconteceu ou não quer dizer voltar atrás Este voltar atrás é aquilo que se chama fazer a história Não é mistério que no processo e não só no processo penal se faz a história Digo não é um mistério para os juristas os quais desde muito tempo voltaram nele a sua atenção mas pode surpreender o homem comum para quem é dirigido o meu discurso Isto acontece porque nós estamos acostumados a considerar a história dos povos que é a grande história mas existe também a pequena história a história dos indivíduos aliás não haveria aquela sem esta igualmente não existiria a corda sem os fios que estão enrolados Quando se fala de história o pensamento voa sobre as dificuldades que se apresentam para reconstituir o passado mas são tendo em conta a medida as mesmas dificuldades que devem ser superadas no processo Com isto de pior o delito é um trecho do caminho cujos rastros quem a percorreu procura destruir Sucede o contrário daquilo que ocorre normalmente com relação ao contrato em caso de compra tanto mais se a coisa tem um valor relevante conserva em geral mediante um documento a prova de ter comprado quando rouba destrói da melhor forma que se possa fazêlo as provas de ter roubado As provas servem exatamente para voltar atrás ou seja para fazer ou melhor para reconstruir a história Como faz quem tendo caminhado através dos campos tem que percorrer em sentido contrário o mesmo caminho Segue os rastros de seus passos Vem em mente o cão policial o qual vai farejando aqui e ali para seguir com o faro o caminho do malfeitor perseguido O trabalho do historiador é este Um trabalho de habilidade e paciência sobretudo para o qual colaboram a polícia o Ministério Público o juiz instrutor os juízes de audiência os defensores os peritos Prescindindo das crônicas dos jornais os livros policiais e o cinema têm elevado as paixões mais do que informado o público sobre este trabalho A vantagem desta literatura sob o aspecto da civilidade está no difundir a impressão para não dizer a experiência da dificuldade de investigação por causa da falibilidade das provas O risco é errar o caminho E o dano é grave quando se erra o caminho também a história feita somente por meio de livros Porque ainda quando os historiadores não se deem conta dele e os filósofos ou ao menos alguns filósofos o neguem não se retorna ao caminho percorrido senão para encontrar o caminho a ser percorrido de qualquer forma isso é tão manifesto quando o passado reconstróise para determinar o destino de um homem Mas existe também o reverso da medalha e qual reverso A culpa não é toda da literatura policial como possa ser compreendida Esta aliás pode ser um sintoma melhor do que a causa de um fenômeno derivado de causas mais profundas Talvez esta deveria buscar naquela tendências para a diversão a qual faz parte da crise da civilidade que estamos atravessando Em uma palavra é a história mesma que se converte em meio de diversão A crônica judiciária e a literatura policial servem do mesmo modo de diversão para a cinzenta vida cotidiana Assim o descobrimento do delito de dolorosa necessidade social tornouse uma espécie de esporte as pessoas se apaixonam como na caça ao tesouro jornalistas profissionais jornalistas diletantes jornalistas improvisados não somente colaboram como concorrem com os oficiais de polícia e aos juízes instrutores e o que é pior fazem o trabalho deles Cada delito desencadeia uma série de investigações de conjecturas de informações de indiscrições Policiais e magistrados passam de vigilantes a vigiados por um grupo de voluntários dispostos a apontar cada um de seus movimentos a interpretar cada um de seus gestos a publicar cada uma de suas palavras As testemunhas são encurraladas como a lebre de cão de caça depois explorados sugestionadas comprados Os advogados são o alvo dos fotógrafos e dos jornalistas E com frequência nem sequer os magistrados logram opor a este frenesi a resistência que requereria o exercício de seu ofício austero Esta degeneração do processo penal é um dos sintomas mais graves da civilidade em crise É até difícil representar todos os danos devidos à falta daquele isolamento que a nenhum outro dever é necessário como aquele que no processo penal deve ser observado Não o mais grave mas certamente o mais visível é aquele que resguarda o respeito ao acusado A Constituição italiana proclamou solenemente a necessidade de tal respeito declarando que o acusado não deve ser considerado culpado até que não seja condenado com uma sentença definitiva58 Esta é porém uma daquelas normas as quais servem somente a demonstrar a boafé daqueles que a elaboraram ou em outras palavras a incrível capacidade de iludirse da qual são dotadas as revoluções Infelizmente a justiça humana é feita assim que nem tanto faz sofrer os homens porque são culpados quanto para saber se são culpados ou inocentes Esta é infelizmente uma necessidade à qual o processo não se pode furtar nem sequer se o seu mecanismo fosse humanamente perfeito Santo Agostinho59 escreveu a este propósito uma de suas páginas imortais a tortura nas formas mais cruéis está abolida ao menos sobre o papel mas o processo por si mesmo é uma tortura Até um certo ponto havia dito não se pode prescindir dela mas a denominada civilização moderna tem exagerado de modo inverossímil e é insuportável esta triste consequência do processo O homem quando sobre ele recai a suspeita de um delito é jogado às feras como se dizia num tempo em que os condenados eram oferecidos como alimento às feras A fera a indomável e insaciável fera é a multidão O artigo da Constituição que se ilude ao assegurar a incolumidade do acusado60 é praticamente inconciliável com aquele outro que sanciona a liberdade de imprensa61 Apenas com o surgimento da suspeita o acusado a sua família a sua casa o seu trabalho são inquiridos examinados isso na presença de todo mundo O indivíduo dessa maneira é feito em pedaços E o indivíduo assim relembremonos é o único valor que deveria ser salvo pela civilização Mas existe um outro indivíduo no centro do processo penal ao lado do imputado a testemunha Os juristas friamente classificam a testemunha junto com o documento na categoria das provas Aliás tratase de uma certa categoria de prova Esta frieza deles é necessária como a do anatomista que seciona o cadáver mas ai de nós se esquecermos que enquanto o documento é uma coisa a testemunha é um homem um homem com o seu corpo e com a sua alma com os seus interesses e com as suas tentações com suas lembranças e com os seus esquecimentos com a sua ignorância e com a sua cultura com a sua coragem e com o seu medo Um homem que o processo coloca em uma posição incômoda e perigosa submetido a uma espécie de requisição para utilidade pública afastado de seus afazeres e sua paz pesquisado espremido inquirido e convertido em objeto de suspeita Não conheço um aspecto da técnica penal mais preocupante do que aquele que se refere ao exame aliás em geral ao tratamento da testemunha Também aqui de resto a exigência técnica termina por se transformar em uma exigência moral se devesse resumila em uma fórmula colocaria no mesmo plano o respeito da testemunha e o respeito do acusado No centro do processo em última análise não está tanto o acusado ou a testemunha quanto o indivíduo Todos sabemos que a prova testemunhal é a mais infiel entre as provas a legislação a cerca de muitas formalidades querendo prevenir os perigos a ciência jurídica chega ao ponto de considerála um mal necessário a ciência psicológica regula e inventa até instrumentos para a sua avaliação ou seja para discernir a verdade da mentira mas a melhor maneira para garantir o resultado sempre foi e será sempre a de reconhecer na testemunha um homem e de concederlhe o respeito que merecem todos os homens Recentemente um requintado advogado de Genebra comentando o processo de Digne na França pelo assassinato da família Drummond62 amargamente por ele chamada de Kermesse Judiciaire ou procès touristique ao observar os fotógrafos que na corte juchés perchés debout assis accroupis mitraillaient les témoins perguntavase como é possível que a verdade alcance a superfície quando a testemunha é perseguida pelos fotógrafos cercada assim até influenciála por jornalistas por guardas e pelos advogados e conclui em pensamento profundo não se abre nem o coração nem a alma sob o sopro da multidão Não obstante o povo está persuadido de que esta que produz tais fenômenos ou seja uma civilização em progresso E podese esperar com confiança que algum jurista ou algum filósofo construa uma magnífica teoria tanto da arte como da história da massa sustentando que a figura do historiador concentrado prudente absorto no pesar as provas como o químico com as suas balanças e com as suas provetas é uma figura de outros tempos considerada somente pela nostalgia de algum idoso do século XIX como este velho jurista que procura ensinar uma verdade cuja descoberta dedicou toda a sua vida 58 Por força do inciso LVII do art 5º da Constituição Federal brasileira ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória 59 Aurélio Agostinho Agostinho de Hipona ou Santo Agostinho foi um bispo católico teólogo e filósofo que nasceu em 13 de novembro de 354 em Tagaste Argélia norte da Áfgrica colonizada por Roma Foi professor de retórica em Milão em 383 Seguiu o maniqueísmo e se converteu ao cristianismo pela pregação de Ambrósio de Milão Foi batizado na Páscoa de 387 e retornou ao norte da África estabelecendo em Tagaste uma fundação monástica junto com alguns amigos Em 391 foi ordenado sacerdote em Hipona Tornouse um pregador famoso existem mais de 350 sermões seus que são considerados como autênticos e notado pelo seu combate à heresia do maniqueísmo Defendeu também o uso de força contra os donatistas Morreu em 430 durante o cerco de Hipona pelos Vândalos Conta a história que ele encorajou seus cidadãos a resistirem aos ataques principalmente porque os Vândalos haviam aderido ao arianismo que Agostinho considerava uma heresia É considerado pelos católicos santo e doutor da doutrina da Igreja 60 Inciso LVII do art 5º da Constituição Federal brasileira 61 Inc IX do art 5º e 1º do art 220 ambos da Constituição Federal brasileira 62 Rumoroso caso de assassinato triplo ocorrido em Digne na França em 4 de agosto de 1952 onde foram mortos os membros da família inglesa Drummond Jack o pai 61 Ann a mãe 47 e Elisabeth a filha 10 CAPÍTULO VII O JUIZ E O ACUSADO O juiz temos dito é também um historiador com a única diferença entre a grande e a pequena história A história que o juiz faz ou melhor reconstrói é a pequena história pode parecer que a sua missão seja mais fácil do que a daquele que reconstrói a grande história Eu me indago verdadeiramente se é mais fácil manejar o microscópio que o telescópio A diferença entre o povo e o indivíduo não é aquela entre o macrocosmo e o microcosmo É um aspecto da nossa cegueira aquele de dar muita importância à distinção entre as grandes e pequenas coisas depois de tudo a experiência do valor do átomo deveria desfazer engano De qualquer maneira a missão do historiador e do juiz não está somente em reconstruir um fato quando em um processo por homicídio se tem estabelecido a certeza de que o acusado com um tiro de pistola matou um homem não se sabe ainda dele tudo quanto for preciso saber para condenálo O homicídio não é somente ter matado mas ter querido matar Isto quer dizer que o juiz não deve limitar a sua investigação somente aos aspectos externos ou seja as relações do corpo do homem com o resto do mundo mas deve descer mediante investigação à alma daquele homem E quando se diz alma ou espírito ou psique63 como hoje preferem as pessoas cultas aludese a uma região misteriosa da qual não conseguimos falar senão por meio de metáforas É necessário ir com cautela na investigação neste terreno O perigo mais grave é o de atribuir ao outro a nossa alma ou seja de julgar aquilo que ele sentiu compreendeu quis segundo aquilo que nós sentimos compreendemos queremos Certamente não se pode julgar pela intenção senão através da ação ou seja aquilo que o homem faz Mas de tudo aquilo que faz não de uma parte somente A ação do homem não é um ato singular mas todos os seus atos em conjunto Aqui o conceito que nos pode orientar é o do indivíduo exatamente porque exprime a ideia de indivisibilidade indivíduo não quer dizer outra coisa que não seja indivisível Um homem denominase indivíduo para significar em uma palavra que não se pode fazer a sua história por parte Aquilo que o homem quis não se pode conhecer senão através daquilo que o homem é e aquilo que o homem só se conhece por toda a sua história O ego64 de cada um de nós é um centro para o qual se dirigem e no qual se unificam todos os nossos atos Cada um de nossos atos relacionamse com este princípio Fisicamente o ato pode ser considerado em si psicologicamente não A vontade de um ato é o seu princípio e o princípio não se encontra senão ao final da história de um homem Isto quer dizer em uma palavra que quando o juiz tem reconstruído o fato não percorre senão a primeira etapa de um caminho de lá desta etapa o caminho prossegue porque lhe resta conhecer a vida inteira do acusado Esta verdade que eu espero ter enunciado com bastante clareza encontrase atualmente reconhecida pelas legislações penais modernas Há um artigo do nosso código o qual obriga o juiz a ter em conta a conduta e a vida do réu antecedentes ao delito a conduta contemporânea e subsequente ao delito as condições de vida individual familiar e social do réu65 Esta é uma norma que conhecem somente os juristas mas também o homem comum a deve conhecer porque também este deve saber que a legislação penal declara solenemente deverse fazer no processo qualquer coisa que ao invés não se tem e não se pode ter Isso deveria gerar um escândalo para ele mas a fim de que os escândalos possam ser úteis ao bem devem ser conhecidos Este é justamente o objetivo que A Voz de São Jorge se propõe O que a legislação quer é precisamente que o juiz percorra inteiramente toda a história do acusado O que se supõe em primeiro lugar é que o juiz tenha o tempo e a paciência suficientes de se fazer relatála para ele depois deverá verificar o relato e deve habituarse a assim fazer Basta enunciar esta necessidade para que venha à luz o paradoxo aliás o absurdo do processo penal Na realidade o juiz não tem a paciência e se a tivesse não disporia de tempo para escutar a história do acusado nem sequer os aspectos mais importantes e se escutasse somente quanto a esses aspectos não teria ainda escutado a história verdadeira porque a história verdadeira é feita também pelas pequenas coisas as quais importam para o conhecimento de um homem muito mais que as coisas grandes e já adverti de resto que a diferença entre o grande e o pequeno não é mais que um efeito da limitação dos sentidos do intelecto do homem Tanto mais é impossível desenvolver o trabalho de historiador daí que a legislação assina ao juiz enquanto escutar a história do acusado exige em primeiro lugar que seja superada a sua desconfiança primeira condição de um relato sincero e a desconfiança não se vence senão com amizade que entre o juiz e o acusado na maior parte dos casos é um sonho Se se acrescenta que o relato naturalmente deveria ser objeto de comprovação e que assim a investigação assumiria em cada processo dimensões imponentes é fácil concluir que a missão histórica do juiz penal enquanto se refere ao desenvolvimento espiritual que se conduz ao delito é na melhor das hipóteses grosseiramente aproximativo Não há que se acreditar que o ambiente dos juristas tenha permanecido insensível a este escândalo Faz muito tempo que os juristas se deram conta de que para o juízo penal precisa além do fato conhecer o homem e conhecer o homem não é possível sem reconstruirlhe a história A colocação que eu lembrei pouco faz foi introduzida por mérito como argumento da ciência no código penal italiano E se hão dado conta os juristas de que os meios dos quais dispõe para conhecer o homem são absolutamente inadequados Por isso ultimamente se propagou um movimento voltado a procurarlhe ajuda de um experto em psicologia Também este será desde logo um passo adiante quando se puder dar mas não se deve atribuir à psicologia capacidade e méritos maiores do que aqueles que ela possui Os limites da psicologia são os limites da ciência isto é mais ou menos os limites das análises ainda que a matéria tenha seja removida até os seus mais íntimos recantos não é desta maneira que se pode entender o segredo da vida e o segredo do espírito é o segredo da vida Tudo aquilo que o psicólogo pode fazer é alguma coisa de análogo àquilo que faz o anatomista sobre o corpo do homem mas o espírito é essencialmente unidade Não o caminho da psicologia mas o da amizade pode conduzir o homem ao coração de outro homem E o caminho da amizade ao juiz é infelizmente vedado Estas coisas eu lhes digo não para incitálos a desprezar o processo penal e os homens que construíram ou que manobram o seu dispositivo Estes homens tiveram e ainda têm suas culpas e elas não devem ser escondidas mas também não se deve exagerar sobretudo devemos reconhecer que são pobres também eles como nós e as coisas perfeitas ninguém as sabe fazer O escândalo não está no fundo nos homens mas nas coisas No fundo o escândalo não está nos homens senão nas coisas É o processo penal em si uma pobre coisa à qual é destinada uma missão muito elevada para ser cumprida Isto não quer dizer que se possa prescindir dele mas temos de reconhecer a sua necessidade deve ser reconhecida igualmente a sua insuficiência Nisto está verdadeiramente uma condição da civilidade a qual exige que seja tratado com respeito não somente o juiz mas também aquilo que deve ser julgado incluase aqui o condenado Devemos contentarnos infelizmente com a história do acusado como o juiz a pode fazer mas não devemos fundamentar com ela o nosso juízo e sobretudo o nosso desprezo Tanto mais que a história do indivíduo como o juiz a pode fazer pela própria natureza do processo penal é uma história irremediavelmente incompleta Um homem é desde logo a sua história E sua história é composta não somente de seu passado mas também do seu futuro Eu sou não somente aquilo que tenho sido senão também aquilo que serei O presente é a síntese do passado e do futuro Isto é tão verdadeiro que o próprio Código Penal determina que o juiz tenha em conta a conduta do réu assim precedente como subsequente ao delito66 Mas o juiz deve forçosamente deterse à história tanto no momento do delito como ao momento do julgamento já o que vem depois não pode ter em conta porque não pode adivinhar todavia ainda que ignorado o futuro também é real O juízo para ser justo deveria ter em conta não somente o mal que ele fez mas também o bem que fará não somente a sua capacidade para delinquir mas também da sua capacidade para se redimir Mas este julgamento para ser justo deveria ser inteiro e só ser feito depois que o homem tivesse completado a sua vida Não se pode tirar as somas de um balanço diria um homem de negócios senão ao fim do exercício Tal é a razão pela qual o processo de beatificação é feito pela igreja sobre o morto não sobre o vivo Há sempre tempo até que se tenha ânimo para que um canalha convertase em santo ou um santo em canalha vale o exemplo evangélico do ladrão crucificado Ao invés contrário ao que acontece com o processo de beatificação o processo penal deve ser feito durante a vida Na melhor das hipóteses não se pode atribuir ao julgamento que se pronuncia senão o valor provisório esta pessoa por hora é um canalha a menos que não se converte em santo também o ladrão crucificado até que não o tenham pregado sobre a cruz até que não tenha pronunciado agonizante a sublime palavra do arrependimento era um canalha mas com aquela palavra resgatou toda a sua perversidade Que tenham entendido assim espero o valor destas minhas reflexões para o bem da sociedade Não tenho a menor intenção de desacreditar o processo penal além dos limites nos quais a sua imperfeição poderia ser eliminada com um pouco mais de atenção e boa vontade Por outro lado a civilização exige que não se lhe atribua um valor que não careça ou não possa chegar a ter O acusado deveria ser considerado com o mesmo respeito que se dá ao doente nas mãos do médico ou do cirurgião Uma comparação se feita entre o enfermo e o preso foi feita por Jesus e dela não devemos nos esquecer 63 Dizse da alma ou do espírito distintos do corpo Mesmo que mente ou a estrutura mental ou psíquica de um indivíduo 64 O eu de qualquer indivíduo 65 Reza o art 59 do Código Penal brasileiro que o juiz atendendo à culpabilidade aos antecedentes à conduta social à personalidade do agente aos motivos às circunstâncias e consequências do crime bem como ao comportamento da vítima estabelecerá conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime I as penas aplicáveis dentre as cominadas II a quantidade de pena aplicável dentro dos limites previstos III o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade IV a substituição da pena privativa da liberdade aplicada por outra espécie de pena se cabível 66 Art 59 do Código Penal brasileiro CAPÍTULO VIII O PASSADO E O FUTURO NO PROCESSO PENAL Mas por que pois o Juiz faz a história Aquilo que tem sido tem sido factum infectum fieri nequit67 diziam uma vez ninguém pode fazer tornar atrás o tempo Ninguém nem sequer Deus disse um dia em polêmica comigo nada menos que um religioso superior e a mim pareceu uma blasfêmia ainda que inconsciente Mas deixemos estar este tema porque retornar nele se perderia a linha do discurso Água passada não move moinho uma grande tentação emana deste provérbio a absoluta desesperança Não há então remédio para o passado Se não fosse assim por que se faria o processo penal Uma obscura intuição tem sempre levado os homens a acreditar que exista um remédio O delito é uma desordem e o processo serve para restaurar a ordem esta é a intuição Mas como se forma a ordem em lugar da desordem A verdade intuída é que o remédio para o passado está no futuro Não outra que esta verdade intuída guia os homens para reconstruir a história Num período esta intuição teria encontrado a sua fórmula quando se dizia que a história é mestra da vida Hoje não se diz mais e parece um passo à frente no caminho do saber Também o caminho do saber como todos os caminhos que conduzem para o alto tem os seus falsos planos e os seus percursos em declínio Certo é que tendo perdido por assim dizer o contato entre o passado e o futuro nós nos temos distanciado mais do que aproximados do alto Talvez uma das características da crise é justamente este que chamarei o desinteresse pelo futuro Existiu um filósofo venerado pelos italianos e não por somente eles o qual negou ao homem a possibilidade de prever Poucas responsabilidades da filosofia são mais graves do que essa A cegueira desses pretensos condutores de homens os quais não sabem que o único problema do homem é o problema do futuro fazem vir à mente as palavras do Evangelho como pode um cego guiar um outro cego sem que um e outro se precipite no abismo Não há outro modo para resolver o problema do futuro do homem que não seja o de olhar para o passado somente a observação do passado pode permitir lhes captar como em um espelho o segredo do futuro Se estes soubessem desmontar como faz um mecânico com uma máquina o prodigioso mecanismo do pensamento teriam compreendido ao menos qual seja a virtude da memória guardada do passado da qual a inteligência inicia o voo para o futuro De qualquer maneira se há um passado que se reconstrói para fazer a base do futuro no processo penal esse passado é o do homem na prisão Não há outra razão para atingir o delito senão aquela de infligirlhe a pena O delito está no passado a pena está no futuro Diz o juiz devo saber aquilo que você foi para estabelecer aquilo que será Foi um delinquente e será um encarcerado Fez sofrer sofrerás Não soube usar sua liberdade será encarcerado Eu tenho nas mãos a balança a justiça quer que quanto pese seu delito tanto pese sua pena Mas ocorre que ao chegar neste ponto ocorre algo que complica o problema Isto depende do fato de que os delitos não possam ser reprimidos é necessário prevenilos O cidadão deve saber antes quais serão as consequências dos seus atos para poder comportarse É necessário também para os homens algo que os assustem para salválos da tentação como se assustam os pássaros com o espantalho a fim de que não comam os grãos Assim a balança passa das mãos do juiz para as do legislador O peso se faz antes que o ladrão roube afim de que se abstenha de roubar Mas se antes se faz fazse não sobre o fato mas sobre o tipo O tipo é um conceito não um fato uma abstração não uma realidade algo previsto não algo acontecido Ora o prever é a um tempo mais ou menos ver mais do que ver porque se acrescenta ao ver menos porque não se vê tudo aquilo que se verá quando terá acontecido É em suma um ver indistinto distinguemse as grandes linhas mas o acontecimento reservase sempre ainda que seja conforme a previsão algo de novo Então o Direito Penal debatese neste dilema ou se coloca a balança nas mãos do juiz e então se o juiz é justo o peso será justo mas o direito não serve ou serve pouco para a função preventiva ou se reserva a balança ao legislador e então opera a prevenção no sentido de que o cidadão saiba antes qual consequência se expõe ao desobedecer à legislação mas o peso corre o risco de não ser justo porque o que se coloca sobre um dos pratos é o tipo não o fato e o tipo dissemos é uma abstração não uma realidade Entre os dois lados do dilema a solução não pode ser mais do que um compromisso para salvar cabra e couves não se salva nem a cabra nem as couves não é possível nadar e manter a roupa seca Por isso em primeiro lugar a técnica penal recorre à multiplicação dos tipos Tem uma espécie de mostruário sempre mais numeroso que se coloca à disposição do juiz a fim de que ele esteja em condições de encontrar o tipo que se assemelha mais ao fato na sua concretização E uma vez que a vida social e com essa a delinquência se complica sempre mais também o Código Penal aliás junto com a legislação penal as quais enfim não são mais todas contidas no Código pois hoje a maior parte fica de fora tornase uma espécie de labirinto O juiz naturalmente deverá saber se mover nesse labirinto Por isso deve ser um jurista O que não deixa de ser um perigo tanto é verdade que os tribunais do júri tal é o nome que se dá aos colégios judiciários chamados a julgar os grandes delitos são compostos em parte aliás na menor de juristas e o restante por leigos do direito O perigo está precisamente nisto em que acostumados ao tipo o juiz jurista esquece o homem que vive em suma num mundo abstrato em vez de um mundo concreto que troca os fantoches com os homens e os homens com os fantoches O homem comum ao assistir a um processo tem a impressão de que ele seja maçante por vezes angustiante dessa ruptura com a vida quando aí percebe a disputa em torno da interpretação desse ou daquele outro artigo do Código Penal ou do Código de Processo Penal é inevitável que pergunte se esse mecanismo tão implicado e complicado não seria uma coisa diabólica criada por pessoas que perderam o dom da simplicidade e do bom senso Grande parte da má fama dos advogados e em geral dos homens da lei é devida a este destempero e a este desgosto Produzse deste modo uma fratura entre o povo e a justiça ou melhor a administração da justiça que é certamente nociva à civilização Não há nada a fazer para restabelecer a confiança senão observar que a justiça que se pode obter com o trabalho do juiz no processo é aquele pouco de justiça que a nós pobres homens limitados e acabados como somos é consentida Não há nada mais perigoso que cultivar as ilusões em torno desse ponto fundamental do problema da civilização O direito não pode fazer milagres e o processo ainda menos Entretanto a legislação seja obedecida tudo vai ficar bem ou pelo menos permanecem ocultos os defeitos é a desobediência que os faz aparecer O processo como se disse e o processo penal mais do que nenhum outro descobre as contradições do direito o qual se empenha para poder superálas Agora saiu à luz o contraste em matéria de determinação da pena entre o juiz e o legislador aos fins da repressão esta determinação deveria pertencer ao juiz e aos fins da prevenção pertencer ao legislador Aparece um mecanismo empírico que ata as mãos do juiz mas não excessivamente a legislação ao invés de uma pena fixa estabelece em geral um mínimo ou um máximo que marcam os limites da liberdade do juiz uma espécie de liberdade vigiada em todo caso uma medida que não consegue nem resolver nem sequer ocultar a contradição Mas não há nada que fazer É a eterna contradição entre o um e o múltiplo entre a qual se debate a vida do homem Por esta contradição que o homem não é capaz de resolver está viciado também o direito e sobretudo o processo No momento em que o juiz logrou dar comprimento a sua missão de historiador e vimos as dificuldades que se opuseram ao seu cumprimento quando reconstruiu o passado e deve a este adequar o futuro quando pesa sobre ele com maior gravidade a exigência da justiça que consiste precisamente nesta adequação no momento no qual teria necessidade para tal fim de toda a liberdade eis aqui que a legislação lhe ata as mãos constrangendoo a julgar em lugar de um homem um fantoche Esta substituição no momento alto do drama denuncia uma vez mais a pobreza da justiça humana Há entre outros casos claros para nós nos quais bastou o processo ou melhor aquela fração do processo que se tem desenvolvido para reconstruir a história com todos os seus sofrimentos com todas suas angústias com todas suas vergonhas para assegurar o futuro do culpado no sentido de que ele compreendeu o seu erro e não só o tenha compreendido senão que com aquele peso de sofrimento de angústia de vergonha o tenha redimido e o resto do processo o seu prolongamento com a condenação e a execução dessa não é mais que uma perda total para o indivíduo e para a sociedade se o juiz fosse livre estes seriam os casos nos quais diria como Jesus para a adúltera vá e não peque mais Mas ele tem infelizmente as mãos atadas Não se deve protestar contra a legislação De acordo quanto a isto não se pode protestar contra a necessidade mas não se pode esconder que o direito e o processo são uma pobre coisa e é isso verdadeiramente que se necessita para a civilização avançar 67 O que está feito não pode ser desfeito CAPÍTULO IX A SENTENÇA PENAL Reconstruída a história aplicada a legislação o juiz absolve ou condena Duas palavras que se ouve pronunciar continuamente mas cujo significado profundo é necessário descobrir Deveriam querer dizer o acusado é inocente ou culpado O juiz também deve escolher entre o não do defensor e o sim do Ministério Público Mas não se pode escolher Para escolher deve ter uma certeza em sentido negativo ou em sentido positivo e se não a tem As provas deveriam servir para iluminar o passado onde antes havia obscuridade e se não servem Então diz a legislação o juiz absolve por insuficiência de provas68 o que isto quer dizer Não que o acusado seja culpado mas tampouco é inocente quando é inocente o juiz declara que não cometeu o fato ou que o fato não constitui delito O juiz diz que não pode falar nada nestes casos O processo encerrase com um nada de fato E parece a solução mais lógica deste mundo Pois bem e o acusado Que um seja acusado quer dizer que provavelmente e não certamente cometeu um delito o processo ou melhor o debate serve justamente para resolver a dúvida Pelo contrário quando o juiz absolve por insuficiência de provas não resolve nada as coisas permanecem como antes A absolvição por não ter cometido o fato ou porque o fato não constituiu delito invalida a imputação com a absolvição por insuficiência de provas a imputação subsiste O processo não termina nunca O acusado continua a ser acusado por toda a vida Não é um escândalo também isto Nada menos que uma confissão da impotência da justiça Mas pode a justiça confessarse impotente E também se o é não é justa a confissão Não seria pior se o juiz declarasse a inocência ou a culpa quando não está convicto nem por uma nem por outra A sentença seria reduzida a uma mentira O processo se encontra assim em um beco sem saída do qual não é possível escapar Ou mentir ou declarar falência uma via intermediária não existe E não há como censurar nem a legislação nem os homens assim é a necessidade e o que se pode dizer é somente que também a este respeito o processo penal é uma pobre coisa e precisamos extrairlhe as consequências quanto ao comportamento a ter para com aqueles que são afetados Ainda mais grave é a deficiência que agora veio a aclarar enquanto o acusado não é culpado a declaração da sua inocência é a único modo para reparar o dano que injustamente lhe foi ocasionado Verdadeiramente se ele não cometeu o delito quer dizer não somente ser absolvido enquanto não deveria nem mesmo ter sido acusado Não existiu malícia por parte de quem suspeitou teria sido um daqueles erros aos quais infelizmente nós homens estamos irreparavelmente sujeitos a culpa será das circunstâncias que enganaram a polícia o Ministério Público o juiz instrutor mas em suma existiu um erro a sentença da absolvição por não ter cometido o fato ou pela inexistência de delito contém não somente a declaração da inocência do acusado senão ao mesmo tempo a confissão do erro cometido por aqueles que o arrastaram para o processo Por pouco que se reflita parece claro que os erros judiciários ainda que de grande importância são muito mais numerosos do que se acredita Todas as sentenças de absolvição excluídas aquelas por insuficiência de provas implicam a existência de um erro judiciário As pessoas quando ouvem falar de erro judiciário pensam no pobre padeiro isto é no erro descoberto depois da condenação durante o período de execução da pena e por fim quando o condenado cumpriu a pena Esses são certamente os casos mais dolorosos mas fazem parte de uma série incomparável e numerosa de erros Com as estatísticas nas mãos e com todas as decisões absolutórias terminam na comprovação de um judiciário viriam à tona números de estremecer As pessoas quando o juiz as absolve especialmente em processos célebres exaltam a justiça e têm razão porque é sempre uma riqueza e um mérito aperceberse do erro mas o erro causou os seus danos e quais Estes danos quem os repara Não se deve confundir certamente a culpa com o erro profissional isto quer dizer que os enganos não são atribuídos à imperícia à negligência e à imprudência mas por outro lado à insuperável limitação do homem não dando lugar a responsabilizar quem o comete mas é justamente esta irresponsabilidade que assinala um outro ponto a desmerecer o processo penal É um fato que esse terrível mecanismo imperfeito e imperfectível expõe um pobre homem a ser levado diante do juiz investigado e não raramente detido separado de sua família e seus negócios prejudicado para não dizer arruinado perante a opinião pública para depois nem sequer ouvir quem lhe fez as acusações ainda que seja de boafé houve perturbação e muitas vezes destruição da vida do acusado São coisas que acontecem infelizmente e ainda uma vez não há como protestar mas não deveríamos pelo menos reconhecer a miséria do mecanismo que é capaz de produzir estes desastres e também é incapaz de não produzilos Menos mal quando o erro é reconhecido em breve tempo antes da fase de produção de provas com a absolvição por parte do juiz instrutor ou um pouco mais ao fim da instrução de primeiro grau mas não são raros os casos nos quais depois de uma primeira condenação a absolvição chega mais tarde ao final de uma via crucis que não raramente dura alguns anos aquele diplomata italiano que foi acusado de ter matado a mulher na Tailândia passou quatorze anos preso preventivamente antes que com a absolvição pronunciada tempo faz pela Corte de Apelação de Bolonha tenha reconhecida sua inocência Tratase da hipótese de absolvição que se descobre as misérias do processo penal que em tal caso tem somente o mérito da confissão do erro Um erro do qual as pessoas não se conta e não somente os homens comuns mas por fim até os doutores do direito Não conheço um jurista com exceção de quem lhes fala que já advertiu que cada sentença de absolvição é o descobrimento de um erro Deste modo ou por negligência ou por falso pudor ocultamse aquelas misérias do processo penal que devem por outro lado ser conhecidas e aceitas para que se qualifique como deve ser a justiça humana Pelo contrário quando o juiz está convencido da culpa do acusado então condena Mas se tivesse também ele errado A ameaça do erro pende como a espada de Dâmocles69 sobre o processo Ressoa no fundo de toda sentença a divina advertência não julgareis A legislação faz o que pode para assegurar a sentença contra o erro Não se trata de submeter a uma crítica as medida que a legislação toma a esse respeito Nem tampouco descrevêlas as pessoas sabem mais ou menos que a sentença de primeiro grau pode ser revista pelo juiz de apelação e a sentença de apelação pela corte de cassação e não haveria utilidade explicar este mecanismo complicado e nem mesmo observar seus graves e depois de tudo irremediáveis defeitos Não se deve desconhecer que não obstante esses defeitos o mecanismo até um certo ponto serve para garantir o processo contra o erro até ao ponto aproximado que lhes for possível mas uma garantia absoluta não se pode dar Também o tribunal de juízes superiores está sujeito como o dos juízes inferiores a este perigo além do mais se de uma parte eles se encontram em relação àqueles em uma posição vantajosa da outra especialmente quanto ao juízo histórico os meios dos quais disponham são ainda mais imperfeitos basta pensar que no processo de apelação ordinariamente não são reexaminados os testemunhos e o juízo se forma sobre aqueles apresentados por escrito os quais não dão e não podem dar aos testemunhos senão uma representação mutilada por vezes deformada e até mesmo incompreensível Ao chegar a um certo ponto é necessário ir até o fim terminálo O processo não pode durar eternamente É um fim por esgotamento não por obtenção do objeto Um fim que se assemelha à morte mais do que à realização É preciso contentarse É preciso resignarse Os juristas dizem que ao chegar a um certo ponto formase a coisa julgada e querem dizer que não se pode ir mais até lá Mas dizem também res indicata pro veritate habetur70 A coisa julgada não é a verdade mas se considera como verdade Em suma é um substituto da verdade Estas coisas que os juristas sabem também os demais devem sabêlas Depois de tudo é fácil que com aquele aparato solene da cátedra da toga da prisão dos penachos dos guardas atrás do presidente do Ministério Público que acusa dos advogados que defendem do público que assiste tenso e apaixonado aqueles que passam pela ilusão por meio das palavras que saem dos lábios dos juízes ao final seja a verdade E pode também ser que seja a verdade por outro lado ninguém sabe assim como pode ser pode também não ser No tribunal do júri um dia falando sobre o preso definio com essas palavras um que pode ser culpado Eu tive a impressão de que aqueles que me escutavam ficaram horrorizados Mas são as coisas que se devem saber para atingir os fins da sociedade 68 O art 386 do Código de Processo Penal brasileiro determina que o juiz absolverá o réu mencionando a causa na parte dispositiva desde que reconheça I estar provada a inexistência do fato II não haver prova da existência do fato III não constituir o fato infração penal IV não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal V existir circunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena VI não existir prova suficiente para a condenação 69 Damôcles é uma figura de um relato curioso da cultura grega clássica personagem pertencente mais propriamente a uma fábula do que à mitologia grega O relato figura na história perdida da Sicília por Timaeus de Tauromenium A fábula narra que Dâmocles era um cortesão bastante bajulador na corte de Dionísio I tirano do século IV aC em Siracusa Sicília Itália Ele dizia que como um grande homem de poder e autoridade Dionísio era de fato um afortunado Dionísio então ofereceuse para trocar de lugar com ele por um dia para que ele também pudesse sentir o gosto de toda essa sorte À noite um banquete foi realizado onde Dâmocles adorou ser servido com um rei Somente ao fim da refeição olhou para cima e percebeu uma espada afiada suspensa por um único fio de rabo de cavalo suspensa diretamente sobre sua cabeça Imediatamente perdeu o interesse pela excelente comida e pelos belos rapazes e abdicou de seu posto dizendo que não queria mais ser tão afortunado A espada de Dâmocles é uma referência frequentemente usada para representar a insegurança daqueles com grande poder devido à possibilidade de perda iminente do poder ou à eventual ocorrência de qualquer desgraça que pode acometer o ser humano 70 Tomase a coisa julgada por verdade CAPÍTULO X DA EXECUÇÃO DA SENTENÇA Não importa o quer que seja absolvição ou condenação o processo termina quando o juiz disser a última palavra Também esta é uma impressão ao menos em parte falaciosa Termina certamente com a absolvição quero dizer quando a absolvição convertese em coisa julgada E deixemos de nos preocupar se é justo que ocorra assim é sempre possível que mais tarde surjam novas provas das quais resultam com certeza que o acusado absolvido era culpado por que neste caso ele devia gozar da impunidade é algo que dificilmente se compreende mas não é uma crítica à legislação que quero fazer desta púlpito Ao contrário no caso de condenação o processo não termina totalmente Quando se trata de condenação nunca está dita a última palavra o acusado absolvido ainda que surjam novas provas contra ele está agora bem ou mal em segurança mas o condenado em certos casos deixemos de lado também aqui a crítica à legislação que é igualmente neste aspecto muito imperfeita tem direito à revisão ou seja com muita cautela a reabertura do processo Mesmo assim e ainda que prescindindo desta revivência a condenação não significa absolutamente o final do processo quer dizer ao contrário e diferentemente da absolvição que o processo continua Somente a sua sede se transfere do tribunal para a penitenciária O que se deve entender é que também a penitenciária está compreendida juntamente com o tribunal no palácio da Justiça71 É uma ideia esta que nada tem de clara ainda que na mente dos juristas mas deve ser aclarada no interesse da sociedade Aliás aqui se apresenta o nó do problema no terreno da sociedade Como concebem as pessoas incluindo também os juristas quanto à condenação algo de análogo àquilo que ocorre quando um homem morre a decisão condenatória com o aparato que todos conhecem mais ou menos é uma espécie de funeral terminada a cerimônia depois que o acusado sai da prisão provisória e é transferido para a custódia dos agentes penitenciários retomasse para cada um de nós a vida cotidiana e pouco a pouco não se pensa mais no falecido Sob certo aspecto podese assemelhar a penitenciária a um cemitério mas esquecese de que o condenado é um sepultado vivo Não é necessário muito para compreender que ao invés do cemitério deveria ser hospital mas basta ter compreendido isto para se descobrir o erro de quem pensa que com a condenação o processo tenha terminado A condenação olhando bem não é nada mais que um diagnóstico não é também um diagnóstico do juízo O médico quando ao fim de suas investigações admite a existência da doença pronuncia também ele uma sentença e até uma condenação também a ele acontece como ao juiz de absolver ou condenar segundo reconhece no paciente um são ou um doente Mas o que vem à mente que o médico com o diagnóstico teria cumprido a sua missão O juiz com a sentença de condenação faz o diagnóstico e prescreve a cura também a cura então é obra de justiça ou tal obra deve deterse quando comprovado que uma pessoa é um delinquente que não se preocupa por fazer tudo quanto é possível para que se converta num homem honrado A penitenciária é verdadeiramente um hospital cheio de doentes de espírito em lugar de doentes de corpo e algumas vezes também de doentes de corpo mas que singular hospital No hospital antes de mais nada o médico quando se dá conta de que o diagnóstico está equivocado corrigeo e retifica o tratamento Na penitenciária ao contrário é proibido proceder dessa forma Não é um hospital onde não existam médicos e enfermeiros o diretor da penitenciária e os outros que o ajudem na direção não estão desprovidos totalmente daqueles conhecimentos que possam servir para diagnosticar seus enfermos e muitas vezes eles atendem com compreensão com paciência e por fim até com abnegação Por outro lado para todos os médicos o diagnóstico do juiz lhes são impostos com autoridade com a precisão da coisa julgada a experiência com o avanço do quadro clínico da doença não se leva em conta O juiz disse dez vinte trinta anos e dez vinte trinta devem ser ainda que a experiência demonstre que são muitos ou poucos anos ainda que antes do período estabelecido o doente tenha recuperado a saúde ou também ao contrário o período transcorreu inutilmente Dizem facilmente que a pena não serve somente para a redenção do culpado mas também de advertência para os outros que poderiam ser tentados a delinquir e por isso os devem intimidar e não é um discurso de se tomar como brincadeira pois ao menos deriva da conhecida contradição entre a função repressiva e a função preventiva da pena o que a pena deve ser para ajudar o culpado não é o que deve ser para ajudar os outros não há entre esses dois aspectos do instituto possibilidade de conciliação Ao menos o que se pode concluir é que o condenado ainda que tenha redimido antes do término fixado pela condenação continua na prisão para servir de exemplo aos outros sendo submetido a um sacrifício por interesse alheio encontrase na mesma linha do inocente sujeito à condenação por um daqueles erros judiciários que nenhum esforço humano conseguirá jamais eliminar Bastaria para não assumir diante da massa dos condenados aquele ar de superioridade que infelizmente mais ou menos o orgulho assim profundamente situados no íntimo de nossa alma inspira a cada um de nós ninguém verdadeiramente sabe em meio a eles quem seja ou não seja culpado e quem continua ou não continua sendo De toda forma ainda que a pena deva servir para intimidar os outros deveria servir ao mesmo tempo para redimir o condenado e redimilo quer dizer curálo de sua enfermidade A tal propósito deverseia saber em que consiste a sua doença Aqui as coisas a serem ditas são as mais simples e as mais amargas enquanto a medicina do corpo alcançou progressos maravilhosos a medicina do espírito está ainda num estágio infantil Cristo até agora sobre este tema evidenciou no deserto Colocando o detento junto ao doente sobre a escala dos pobres Ele disse bem claro que a delinquência é uma forma de pobreza ao faminto falta a comida a água ao sedento a roupa ao desnudo a casa ao vagabundo a saúde ao doente O que falta então ao detento Cristo convidandonos a visitálo disse claro a visita é um ato de amizade É muito simples não é o delito um ato de inimizade Parece impossível que o estudo do delito tenha apresentado tantas dificuldades e tantas complicações Como não recordar as outras palavras de Cristo Te dou graças Pai porque estas coisas revelaste aos pequenos e as ocultastes dos sábios É preciso ser pequeno para compreender que o delito devese a falta de amor Os sábios buscam a origem do delito no cérebro os pequenos não esquecem que precisamente como disse Cristo os homicídios os furtos as violências as falsificações vêm do coração É ao coração do delinquente que para curálo deveremos chegar Não há outra via para chegar senão aquela do amor A falta de amor não se preenche senão com amor Amor com amor se paga A cura da qual o detento precisa é uma cura de amor E o castigo A pena contudo deve ser um castigo De acordo mas o castigo não é totalmente incompatível com o amor O pai que não usa o bastão não ama o filho está dito na Bíblia O castigo para o coração de pai exige mais amor do que o perdão justamente porque ao castigar o filho castiga a si mesmo não há coração de pai que não sangre com o sofrimento do filho O amor pelo condenado não exclui totalmente a severidade da pena Sob este aspecto por sorte não são contraditórios no instituto da pena mas somente uma batalha para combater em nome da sociedade A batalha não é pela reforma da legislação mas para a reforma do costume A legislação especialmente com as modificações mais recentes faz pelo detento aquilo que pode Não é necessário pretender tudo do Estado Infelizmente este é um dos hábitos que cada vez mais se consolidam entre os homens e também este é um aspecto da crise da sociedade Sobretudo não se deve pedir ao Estado aquilo que o Estado não pode dar O Estado pode impor aos cidadãos o respeito mas não pode infundir o amor O Estado é um gigantesco robô do qual a ciência pode fabricar o cérebro mas não o coração Cabe ao indivíduo ultrapassar os limites aos quais deve deterse a ação do Estado Até um certo ponto o problema do delito e da pena deixa de ser um problema judiciário para seguir somente como um problema moral Cada um de nós está comprometido pessoalmente na redenção do culpado e por isto somos responsáveis A darlhes em última análise tal consciência e a fazêlos sentir tal responsabilidade são dirigidas estas discussões Já desde o princípio enquanto se desenvolve o processo para a comprovação do delito antes da absolvição e da condenação o comportamento de cada um de nós pode ter uma influência notável para facilitar o seu curso e em todo cada para diminuir os sofrimentos que o processo ocasiona Em outros termos cada um de nós é um colaborador invisível dos órgãos da justiça Mas até a condenação pode bastar o respeito Depois da condenação não basta mais O condenado é o pobre por excelência na sua nudez Não há uma necessidade mais angustiante do que a necessidade de amor É necessário vêlos dentro do rude rústico de grandes listras feito para separálos dos outros homens lançar sobre nós uma olhada na qual se expressa ainda quando trate de ocultar a consciência mortífera da sua inferioridade para compreender o bem que pode levar a eles um sorriso uma palavra uma carícia Um bem do qual num primeiro momento não se dão conta Ao qual podem em princípio tratar de resistir mas que depois pouco a pouco insinuase neles apoderase deles conquistaos estabilizaos tirando do coração deles sentimentos que pareciam sepultados e de seus lábios palavras que pareciam esquecidas É necessário ter vivido esta experiência para compreender que o nosso comportamento diante dos condenados é a indicação mais segura da nossa civilidade 71 Na sistemática brasileira o cumprimento da pena fica por conta do poder executivo recaindo sobre o juízo da execução todo o comando relacionado a execução da pena Assim de forma harmoniosa podese dizer que o poder executivo executa a pena a mando do poder judiciário CAPÍTULO XI DA LIBERTAÇÃO Finalmente para o encarcerado vem o dia da libertação Então o processo verdadeiramente terminou Quer dizer o dia da libertação chegará com certeza mas a condição de que se entenda a verdadeira libertação da prisão que é a nossa fineza e não quero nem dizer do nosso egoísmo basta dizer do nosso ego a porta está sempre aberta para evadirse e não necessita grandes esforços para tal objetivo basta sentir o peso da nossa solidão e com essa a necessidade do outro que está próximo de nós quando se sente a necessidade do outro terminase por sentir a necessidade de Deus Muitos concebem Deus como infinitamente distante e imaginam que seja necessário para alcançálo um interminável caminho mas não lembram a resposta que Ele deu a Blaise Pascal72 pois quem me busca já me encontrou Deus está sempre próximo do homem o infinito está na borda do finito não é necessário mais do que reconhecêlo o que provavelmente no cárcere é mais fácil do que fora Uma vez reconhecido a penitenciária tornase um castelo Nesse sentido deverás a libertação está ao alcance das mãos de cada condenado Não existem nem grades nem guardiões que possam impedir de libertarse Mas não é disto que agora quero falar a ocasião virá daqui a pouco Por outro lado se a libertação for entendida em sentido físico ao invés de espiritual o seu dia pode também não chegar Agora o pensamento caminha para a prisão perpétua reclusão que dura toda a vida na prisão perpétua a porta da cela não se abre a não ser para deixar passar o cadáver Isto quer dizer que para ele o processo não tem fim E porque a penitenciária é ou deveria ser um sanatório para recuperar as almas doentes a condenação à prisão perpétua é a declaração de que a alma de um homem está perdida para sempre O som macabro destas palavras inspira um sentido de horror mas não para aqueles aos quais é dirigido senão para aqueles que a pronunciaram A Corte de Cassação italiana73 em sessões conjuntas a mais alta expressão da justiça humana no nosso país não só negou há poucos meses a desumanidade da prisão perpétua defendida com seriedade por algumas pessoas Paciência Não há que se insurgir e nem inquietarse contra este juízo Também a citada Corte de Cassação é um juiz e como todos os juízes pode equivocarse Infelizmente os juízes erram com maior facilidade quando se apresentam confiantes em não errar Enquanto o magistério da Igreja se com o processo da beatificação declara a certeza da elevação de um santo ao paraíso não conhece um processo dirigido a verificar o precipício de um malvado ao inferno e os teólogos temerosos em inquirir o coração dos homens e mais ainda o coração de Deus não ousam afirmar a condenação ao inferno nem sequer de Judas a magistratura italiana com a voz de seu órgão mais insigne tem declarado da mesma forma à humanidade que um homem seja condenado por toda a vida isto é que a pena de reclusão como a pena do inferno não tenha jamais fim Se fosse necessário uma prova a mais da miséria do processo a mesma já nos foi dada Mas também para os detentos não condenados a prisão perpétua pode ocorrer que não chegue o dia em que saiam vivos da prisão Um terrível aspecto da condenação à reclusão ainda que por um período breve é que ninguém tem certeza que não vai morrer naquele período Isto basta para dizer que o processo penal o qual não cessa com a condenação senão que segue com o cumprimento da pena pode durar até a morte A eventualidade da morte na prisão é o risco mais grave do encarceramento E não porque uma interpretação benévola da disciplina carcerária não consinta ao moribundo o último encontro com seus entes queridos senão porque o morrer privalhe da esperança do retorno ao convívio social Na esperança de retornar ao convívio humano de desvestir finalmente o horrível uniforme de reassumir a condição de homem livre de retornar ao seu lugar na sociedade é o oxigênio que alimenta o encarcerado Desde o momento em que foi aprisionado esta é a razão de sua vida Priválo dela está na desumanidade da condenação por toda a vida O condenado à prisão perpétua não tem nem sequer ao consolo de contar os dias E contar os dias é a vida do detento Infelizmente porém na maior parte dos casos também este esperar é falácia O processo sim com a saída da prisão está terminado Mas a pena não quero dizer o sofrimento e o castigo Podemse pensar especialmente nas condenações de longa duração as dificuldades ocasionadas ao libertado do cárcere pelas mudanças dos costumes pelas relações interrompidas pelos ambientes modificados tudo isto não pode deixar de determinar uma crise que poderia também chamarse crise do renascimento Se não fosse mais que isto ainda assim seria pouca coisa Pelo contrário na maior parte dos casos não se trata de uma crise A questão é muito mais grave O preso ao sair da prisão acredita não ser mais um preso mas as pessoas não Para as pessoas ele é sempre detento quando muito se diz exdetento nesta fórmula está a crueldade e o engano A crueldade está no pensar que se foi deve continuar a ser A sociedade fixa cada um de nós ao passado O rei ainda em conformidade com o direito não é mais rei é sempre rei e o devedor porquanto tenha pago a sua dívida é sempre devedor Este roubou condenaramno por isto cumpriu a sua pena porém Neste porém dizia está a crueldade e o engano Porém poderia roubar ainda afirmo eu não lhe dou trabalho Assim raciocinam as pessoas E não importa que assim raciocinando antes de mais nada erram ao invés de raciocinar Se raciocinassem se apercebessem de que agora não o futuro depende do passado mas o passado do futuro se isto não fosse verdadeiro seria negar a redenção aliás a ressurreição A fórmula do ex é sacrílega justamente por isto Mas os homens que veem tudo ao contrário continuam persuadidos de que como um seguirá sendo como foi E não somente as pessoas comuns mas também os homens de grande cultura e por fim aqueles que mantêm profissão religiosa De qualquer maneira ainda que fosse um raciocínio justo esqueceriam eles que quando chega a um certo ponto não basta raciocinar A razão é necessária mas não é o suficiente Se não faltasse a razão não existiria a caridade A caridade essencialmente é loucura Se São Francisco tivesse raciocinado nunca teria beijado o leproso com o risco de se contagiar Certamente ao retornar ao serviço um exladrão no próprio estabelecimento ou na própria casa é um risco poderia estar mas também poderia não estar curado O risco da caridade E as pessoas racionais procuram evitar os riscos In dubiis abstine74 Assim o exladrão fica sem trabalho Bate nesta porta bate noutra porta são todas pessoas racionais aquelas que poderiam darlhe a maneira de ganhar o pão Essas pessoas racionais querem garantirse para elas garantia não se institui a partir da certidão criminal Fora então a certidão criminal O exladrão assim é marcado na face quem poderia lhe dar trabalho Ah As ilusões da prisão quando se contavam ansiosamente os dias que faltavam para a libertação O Estado O Estado é um ser racional também Quando se trata de proclamar os princípios principalmente no regime da democracia o Estado é o primeiro a dar o exemplo o acusado não é considerado culpado até que não seja condenado com sentença definitiva a Itália é uma República alicerçada no trabalho a República tutela o trabalho em todas as suas formas75 Mas quando se trata de tutelar os seus interesses também o Estado enruga a face Um funcionário público sob suspeita de ter se apropriado dos fundos do erário é submetido a um processo penal pode acontecer de não ser verdade pode também tratar de pouca coisa pode ser que ele encontradose atrapalhado com os encargos familiares nos tempos atuais numa situação desesperada Pode ser mas a legislação é a legislação entretanto é suspenso do emprego e da remuneração até a sentença definitiva a Constituição o considera ainda inocente mas um inocente que não tem mais o direito de ganhar o pão Se segue o processo e se lhe inflige três anos de reclusão se antes este é o seu castigo uma vez transcorridos deveria voltar a ser o que era antes ao invés não o emprego está definitivamente perdido para ele a saída da prisão é o princípio em vez do fim de um calvário Um professor atingido por uma condenação não pode voltar a ensinar depois de têla cumprido Um capitão marítimo saindo da prisão não pode voltar a exercer jamais a sua profissão Não são exemplos inventados eu os tirei todos os três da minha experiência mais recente De resto não haveria nem sequer necessidade disso porque se trata de coisa sabida por todos quem ignora que para aspirar a um emprego público necessita ter limpa a certidão criminal E nem sequer pode discutir que esta seja a exigência mais racional deste mundo Se o Estado se comporta assim os cidadãos não têm razão para imitálo Somente em termos racionais igualmente deve ser reconhecido que a ideia do detento que conta os dias sonhando com a libertação é nada mais do que um sonho serão necessários muito poucos dias depois que as portas da penitenciária se abriram para acordálo Então infelizmente dia após dia a sua visão do mundo invertese afinal de contas estava melhor na cadeia Este lento desfolharse de sua ilusão este reverter de posições este desgosto daquela que ele acreditava ser a liberdade este voltar o pensamento à prisão como aquela que é atualmente a sua casa descrevese magnificamente numa conhecida novela de Hans Fallada76 mas as pessoas não devem crer que sejam situações criadas pela fantasia do escritor a invenção corresponde infelizmente à realidade E tampouco aqui devemos dizer uma vez mais se quer protestar contra a realidade Basta conhecê la O resultado de conhecêla é este as pessoas creem que o processo penal termina com a condenação mas não é verdade as pessoas creem que a pena termina com a saída da prisão e não é verdade as pessoas creem que a prisão perpétua seja a única pena perpétua e não é verdade A pena para não dizer sempre em nove vezes de cada dez casos não termina jamais Quem pecou está perdido Cristo perdoa mas os homens não 72 Pascal 16231662 nasceu em ClermontFerrand PuydeDôme França Foi matemático físico e filósofo religioso Sua contribuição para as ciências naturais e aplicadas incluem a construção aos 18 anos da primeira calculadora mecânica a pascalina estudos sobre a teoria das probabilidades investigações sobre fluídos e o esclarecimento de conceitos tais como a pressão no vácuo A unidade de medida de pressão no Sistema Internacional denominada pascal é em sua homenagem Os historiadores da computação reconhecem sua contribuição para a ciência Em 1654 depois de uma profunda e significativa experiência religiosa abandonou a matemática e a física e se dedicou à filosofia e à teologia 73 Equivale ao Supremo Tribunal Federal brasileiro 74 Na dúvida abstenhase 75 Art 5º inc LVII da Constituição Federal brasileira 76 Importante escritor alemão nasceu em 21 de julho de 1893 como Rudolf Willhelm Adolf Ditzen e morreu em 5 de fevereiro de 1947 escreveu principalmente romances de crítica social Ele escolheu seu pseudônimo Fallada em uma referência ao cavalo Falada do conto de fadas dos Irmãos Grimm A Moça dos Gansos Sua obra mais importante foi Little Man What Now traduzida para o português como E Agora Seu Moço por Érico Veríssimo CAPÍTULO XII ALÉM DO DIREITO Talvez agora ao final destes colóquios compreendase mais claramente aquilo que não fiz compreender no princípio deles o valor que tem o problema penal para a sociedade Sociedade humanidade unidade são uma coisa só tratase da possibilidade alcançada pelos homens de viverem em paz Todos nós temos um pouco de ilusão de que os delinquentes sejam aqueles que perturbam a paz e que a perturbação eliminase separandoos dos outros assim o mundo dividese em dois setores o dos civilizados e o dos incivilizados uma espécie de solução cirúrgica do problema da civilização Aqui a ideia é exposta como ocorre sempre quando se trata de simplificar a expressão em termos paradoxais mas não seria difícil demonstrar que a ideia corresponde exatamente ao modo de pensar comum empírico científico e até filosófico Pois bem como se faz para distinguir os incivilizados dos civilizados O único meio para distinguir é o juízo é necessário passar a experiência amarga do juízo penal para começar a compreender a admoestação de Jesus Infelizmente quase todas as palavras de Jesus são ainda incompreendidas Essas palavras estão carregadas de pensamentos para que nós pobres homens as possamos saborear Elas nos ofuscam como quando se procura olhar para o sol Os intérpretes teriam a incumbência de decompor a luz em um arcoíris mas são ao objetivo e ao término pobres homens Certamente entre as proposições do Evangelho uma das mais paradoxais é a nolite iudicare77 Todo o ordenamento jurídico em cuja essência está o juízo e do processo em particular parece que contradiga essa proposição É natural que aqueles pensadores os quais se negam em reconhecer qualquer valor jurídico do Evangelho encontrem na desvalorização do juízo o seu mais firme ponto de apoio Então bastaria um pouco de experiência penal para corrigir suas ideias Foi dito que o processo é aquele instituto no qual se revelam todas as deficiências e as impotências do direito podese adicionar que o processo penal é aquela espécie que melhor manifesta as deficiências e as impotências do processo À medida que a experiência do processo penal aprofundase e aperfeiçoase começamse a apreciar no esplendor alucinante da admoestação divina as linhas da verdade Pelo que me toca devo essa admoestação o milagre de ter renascido Então como se faz para distinguir os incivilizados dos civilizados na medida do frágil juízo humano A primeira coisa que ensina a experiência penal é que a penitenciária não é de fato diferente do resto do mundo tanto no sentido de que ela é um mundo como uma grande casa de cumprimento de pena A ideia de dentro estarem somente canalhas e fora somente homens honestos não é mais que uma ilusão como também é uma ilusão que um homem possa ser totalmente canalha ou totalmente decente Provavelmente o processo penal entendido no seu sentido mais amplo compreendendo o tribunal e a reclusão é a mais eficaz entre as escolas de psicologia ou por que não também de filosofia E esta é também uma lição de Jesus o qual não desdenhava em se sentar na ceia com os cobradores de tributos e as meretrizes Foi uma meretriz aquela que na casa de Simão78 o fariseu que buscou a alegria em sua generosidade da sua devoção das suas lágrimas e foi um ladrão que enquanto um e outro agonizavam na cruz esparramou o bálsamo por uma palavra de misericórdia sobre o seu coração perfurado Com isto não se nega a necessidade de separar já nesta vida para usar ainda termos evangélicos as ovelhas dos cabritos os bons dos maus Jesus mesmo reconheceu a necessidade da legislação e do estado mas toda necessidade é uma insuficiência Nestes colóquios não se quis desconhecer que do direito do processo do tribunal da penitenciária não podemos prescindir sem eles infelizmente os homens seriam ainda piores do que são O prejuízo para não dizer a superstição contra a qual se combateu não é que o direito seja necessário mas que o direito seja suficiente Desta superstição infelizmente está impregnado o pensamento moderno Também este é um dos aspectos da crise da civilização Tudo se pede e tudo se espera do Estado ou seja do direito mas não porque o Estado e direito sejam a mesma coisa senão porque o direito é o único instrumento do qual em última análise o Estado pode se servir Se é verdade que cada fase da civilização tem o seu ídolo o ídolo da que atravessamos hoje é o direito Nós nos convertemos em adoradores do direito Agora sim não existe experiência tão idônea como a experiência penal para apartarse desta idolatria As misérias do processo penal são um dos aspectos da miséria fundamental do direito Se tratei de descobrilas o sentimento que me guiou não está voltado a desacreditar uma instituição à qual dediquei toda a minha vida mas alertar contra a sua apreciação exagerada Não se trata de desvalorizar o direito mas de evitar que seja supervalorizado Em suma desenganar o homem comum sobre este ponto que basta ter boa legislação e bons juízes para alcançar a civilidade Afinal de contas o que o direito poderia obter ainda quando fosse construído e manobrado da melhor maneira possível é que os homens respeitemse uns aos outros Mas o respeito não elimina a divisão e é esta que se precisa superar Enquanto os homens se julguem permanecem divididos O respeito em última análise resolvese no meu e no seu e também o juízo tende a esta divisão Juízo e respeito ainda que não pareçam são termos correlatos Quando o exladrão apresentase na minha porta não lhe falto com o respeito se eu lhe respondo que não há trabalho para ele A ilusão e até a superstição que temos de desarraigar é que assim fazendo eu seja um homem civilizado É necessário habituarse a fazer diferença entre o homem jurídico e o homem civilizado Além do direito é a expressão de civilidade Também neste caminho que se abre além do direito é Cristo que nos guia Além do direito ou além do juízo além do juízo ou além do pensamento é a mesma coisa Cristo não se limitou a dizer não julgueis o relato de São João a este respeito completa o relato de São Mateus79 não julgueis é o preceito negativo do seu ensinamento amaivos como eu vos amei80 é o seu aspecto positivo Além da justiça dos homens está a caridade justiça e caridade formam um todo somente em Deus Além do respeito está o amor o amor somente une Mas é necessário reconhecer que aos homens não se conscientizam que é mais fácil amar do que julgar Débil está em nós o juízo mas débil também o amor Se não existisse esta debilidade Cristo não teria razão para vir à terra Na melhor das hipóteses cada um de nós tem no coração uma dose mínima de amor Cada um de nós é uma chama de pavio fumegante antes que nos outros é em nós que a chama deve ser revitalizada Cristo nos ensinou que os pobres vieram ao mundo para isto Quando no sermão do juízo final ele se identificou com eles dizendo que o bem que se faz ao faminto ao sedento ao despido ao peregrino ao doente ao encarcerado se faz a Ele identificou no pobre um enviado de Deus Enviado para qual fim Ao fim precisamente de nos ensinar a amar O andarilho na estrada de Jericó foi agredido apedrejado e espancado pelos ladrões na divina economia da história para que o samaritano sentisse a compaixão como Marie Bailly81 que estava agonizando diante da gruta de Massabielle82 até que Alexis Carrel83 abrisse a sua mente à onipotência de Deus A compaixão é o prelúdio do amor Também na pobreza se manifesta a diversidade sereia do mundo o sermão sobre o juízo final a classifica exatamente em seis espécies diversas Entre estas a pobreza do preso é sem dúvida a que menos parece reclamar a caridade O preso há que admitir repugna como o leproso A sua é uma pobreza oculta em confronto com a do pobre e do enfermo conforme uma observação superficial ninguém chama de pobre a um malvado A coisa muda de aspecto quando a observação aprofundada descobre no malvado uma necessidade de amor Tal é a descoberta que permite fazer a experiência penal E é uma descoberta fundamental para nossa salvação Vêm à luz assim as raízes da pobreza e da caridade Quando através da compaixão cheguei a reconhecer nos piores dos presos um homem como eu quando se diluiu aquela fumaça que me fazia crer ser melhor do que ele quando senti pesar os meus ombros a responsabilidade do seu delito quando há alguns anos em uma meditação na sextafeira santa diante da cruz senti gritar dentro de mim Judas é teu irmão então compreendi não somente que os homens não se podem dividir em bons e maus tampouco em livres e presos porque há fora do cárcere prisioneiros mais prisioneiros do que os que estão dentro e há dentro da prisão mais libertos assim da prisão dos que estão fora Encarcerados somos todos mais ou menos entre os muros do nosso egoísmo talvez para se evadir não há ajuda mais eficaz do que aquela que possam nos oferecer esses pobres que estão materialmente fechados entre os muros da penitenciária Uma vez mais tem razão o padre Charles84 quem pensa em dizer obrigado ao invés que ao rico quando dá a esmola ao pobre quando pede Não teria nunca acreditado quando ainda quase menino comecei a frequentar o processo penal de receber tanto bem Depois de tudo não é mais que um ato de gratidão aquele que cumpri com estas conversações Não se pode receber tanto bem sem procurar repartir também aos outros Cada vez mais me convenço de que aquilo que me levou a conhecer as coisas que tratei de explicálas foi um privilégio Tratase para mim de pagar a dívida contraída recebendo este privilégio Diz um singular poeta espanhol que Solo la monedita del alma si pierde si no si da somente a moedinha da alma se perde se não se dá Os tesouros da matéria se guardam mas os do espírito se consomem fechandoos em um cofre Agora despedindo me de vocês sintome mais leve 77 Não julgueis 78 Mateus Capítulo XXVI versículos de 6 a 13 E estando Jesus em Betânia em casa de Simão o leproso aproximouse dele uma mulher com um vaso de alabastro com unguento de grande valor e derramoulho sobre a cabeça quando ele estava assentado à mesa E os seus discípulos vendo isto indignaramse dizendo Por que é este desperdício Pois este unguento podia venderse por grande preço e darse o dinheiro aos pobres Jesus porém conhecendo isto disselhes Por que afligis esta mulher Pois praticou uma boa ação para comigo Porquanto sempre tendes convosco os pobres mas a mim não me haveis de ter sempre Ora derramando ela este unguento sobre o meu corpo fêlo preparandome para o meu sepultamento Em verdade vos digo que onde quer que este evangelho for pregado em todo o mundo também será referido o que ela fez para memória sua 79 Mateus Capítulo VII versículos de 1 a 12 Não julgueis para que não sejais julgados Porque com o juízo com que julgardes sereis julgados e com a medida com que tiverdes medido vos hão de medir a vós E por que reparas tu no argueiro que está no olho de teu irmão e não vês a trave que está no teu olho Ou como dirás a teu irmão Deixame tirar o argueiro do teu olho estando uma trave no teu Hipócrita tira primeiro a trave do teu olho e então cuidarás em tirar o argueiro do olho do teu irmão Não deis aos cães as coisas santas nem deiteis aos porcos as vossas pérolas não aconteça que as pisem com os pés e voltandose vos despedacem Pedi e darsevosá buscai e encontrareis batei e abrirsevosá Porque aquele que pede recebe e o que busca encontra e ao que bate abrirselheá E qual dentre vós é o homem que pedindolhe pão o seu filho lhe dará uma pedra E pedindolhe peixe lhe dará uma serpente Se vós pois sendo maus sabeis dar boas coisas aos vossos filhos quanto mais vosso Pai que está nos céus dará bens aos que lhe pedirem Portanto tudo o que vós quereis que os homens vos façam fazeilho também vós porque esta é a lei e os profetas 80 João Capítulo XIII versículos de 34 a 35 Um novo mandamento vos dou Que vos ameis uns aos outros como eu vos amei a vós que também vós uns aos outros vos ameis Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos se vos amardes uns aos outros 81 Tratase da cura de Marie Bailly ocorrida às 1440 hs do dia 28 de maio de 1902 enferma de uma gravíssima peritonite tuberculosa e desenganada pelos médicos diante da Gruta da Virgem em Lourdes A cura milagrosa foi presenciada pelo Dr Alexis Carrel que a relatou ao Escritório de Constatações Médicas 82 Segundo as declarações de Bernadete Soubirous menina de 14 anos filha de um pobre moleiro de Lourdes na gruta de Massabielle ela presenciou 18 aparições de Nossa Senhora das quais a primeira foi em 11 de fevereiro de 1858 e a última em 16 de julho do mesmo ano Segundo o relato na terceira aparição em 16 de fevereiro Maria Santíssima ordenoulhe que durante uma quinzena viesse à gruta diariamente em 25 do mesmo mês recebeu a ordem de beber água e de se lavar na fonte que não existia mas que imediatamente brotou a princípio muito fraca avolumandose continuamente até fornecer como hoje 122 mil litros por dia Lourdes é uma cidade situada no Sudoeste da França pertencente à diocese de Tarbes 83 Fisiologista cirurgião biólogo e sociólogo francês nascido em Saint FoylèsLion e naturalizado americano Estudou medicina na Universidade de Lion onde se graduou em 1900 Desenvolveu o método para a sutura de vasos sanguíneos realizou experiências de transplante de rins em animais pesquisou técnicas de conservação extracorpórea de tecidos em culturas de laboratório conseguindo manter viva e em crescimento durante 34 anos uma porção de tecido cardíaco de um embrião de frango e inventou o antisséptico CarrelDakin para tratamento de ferimentos Antes da descoberta dos anticoagulantes só eram possíveis transfusões mediante a ligação dos vasos do receptor aos do doador Pela concepção da técnica que permitiu essa operação recebeu o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia em 1912 além disso desenvolveu uma bomba de corrente sanguínea imunizada o primeiro coração artificial em 1936 Morreu em Paris 84 O padre Charles de Foucauld 18581916 deixou marca indelével na história da espiritualidade cristã De militar brilhante passou para a humildade de um irmão trapista que na sua busca de Deus retirouse para o deserto na zona fronteiriça ao norte da África francesa Foi assassinado por uma tribo de tuaregues islâmicos que não aceitavam sua presença cristã na região fato que só se explica por seu total despojamento de si mesmo e sua inteira consagração ao amor misericordioso de Jesus que foi de fato o seu alimento espiritual CAPÍTULO 01 No primeiro capítulo o autor descreve suas primeiras impressões ao presenciar uma corte de justiça em sua infância especialmente ao observar os magistrados vestidos com togas Ele questiona o motivo pelo qual os magistrados e advogados usam essa vestimenta e sugere que a toga é um símbolo de autoridade e tradição A toga comparada ao uniforme militar representa não apenas autoridade mas também união entre os juízes Enquanto os magistrados representam a autoridade e a paz os advogados do Ministério Público e defensores estão lá para representar os interesses opostos fazendo da toga um símbolo de conflito necessário para alcançar a justiça O autor destaca a importância da solenidade no processo judicial que é muitas vezes comprometida pela negligência dos envolvidos especialmente quando há excesso de publicidade nos casos célebres Ele também menciona a necessidade de isolamento e decoro no tribunal comparandoo à atmosfera de uma igreja Um exemplo histórico de um presidente de tribunal que prezava pela dignidade e civilidade do processo é mencionado destacando a importância do comportamento e da postura dos envolvidos na administração da justiça A história de Maria Nicolaieva Tarnowska serve como um exemplo das complexidades e desafios enfrentados no processo penal onde a toga dos magistrados e advogados é vista como um símbolo de civilidade e dever CAPÍTULO 02 No capítulo 2 O Preso o autor reflete sobre a diferença entre a solenidade dos juízes e a humilhação do homem encarcerado Ele compartilha a impressão marcante que teve ao ver pela primeira vez um preso no Tribunal de Turim ainda adolescente O homem embora fisicamente grande parecia pequeno e miserável em sua cela comparado aos juízes que pareciam estar acima do nível humano O autor expressa que todos têm suas próprias formas de compaixão e que para ele o mais pobre de todos é o encarcerado não o delinquente Ele faz referência ao sermão de Jesus no Evangelho de Mateus que influenciou profundamente sua percepção destacando que a compaixão deve ser dirigida ao encarcerado como ser humano e não ao delinquente Ele descreve a repulsa que sente pelos criminosos até que são presos momento em que a compaixão surge A transformação de um criminoso em um homem comum ao ser algemado revela a natureza humana oculta As algemas são vistas como um símbolo do direito que revela a verdadeira condição humana uma mistura de luzes e sombras de riqueza e miséria O autor defende que o encarceramento deve reavivar a chama da bondade ao invés de extinguila e critica a visão simplista que divide as pessoas entre boas e más Ele conta a história de um homicida que defendeu cuja expressão terrível se iluminou com um lampejo de amor fraternal ao falar de seu irmão Essa humanidade escondida mostra que todos carregam em si um germe de bem mesmo os encarcerados O capítulo conclui que todos estão aprisionados de alguma forma não necessariamente em uma cela física mas em prisões internas de egoísmo e autossuficiência A verdadeira liberdade só pode ser alcançada através do amor e da abertura ao outro permitindo a entrada da graça divina Essa reflexão sobre a condição humana e o papel do direito em revelar nossa verdadeira natureza é algo que o autor começou a compreender desde jovem ao presenciar um homem encarcerado no Tribunal de Turim CAPÍTULO 03 O capítulo aborda a profunda relação entre o advogado e seus clientes especialmente os presos destacando que a principal necessidade destes não é apenas técnica mas sim a de amizade e empatia Carlo Majno exaluno do autor e agora um dos melhores advogados de Milão dooulhe um desenho de Mentessi simbolizando a condição emocional dos presos uma mão inerte e a outra suplicante Este presente serve como ponto de partida para refletir sobre o papel do advogado O autor reflete que a advocacia não é apenas uma atividade técnica comparável à medicina ou engenharia ela envolve uma dimensão humana e espiritual onde o advogado é chamado a socorrer a oferecer amizade A palavra advogado significa chamado a ajudar e diferentemente do médico enfatiza a necessidade de uma relação pessoal Na sociedade romana o cliente buscava proteção do patrono e a advocacia está enraizada no conceito de aliança e amizade O acusado muitas vezes solitário e cercado por inimizade necessita de um advogado que o apoie no último degrau da escada partilhando de sua humilhação e necessidade de ser julgado A experiência de ser advogado é espiritualmente saudável pois ensina a humildade e a suplicar O autor descreve a advocacia como um exercício de humilhação que apesar das dificuldades proporciona benefícios espirituais tanto ao advogado quanto ao cliente Esta relação é ilustrada pela imagem de compartilhar o pão companheiro e a necessidade de conhecer profundamente o espírito do acusado A poesia da advocacia é sentida nos momentos iniciais e finais da carreira onde a defesa da inocência e a luta pela justiça brilham Contudo com o tempo as ilusões caem mas a essência espiritual da profissão que é a companhia no sofrimento e na humilhação permanece A experiência do advogado é um constante pedido de ajuda onde a arrogância deve ser superada Finalmente o autor enfatiza que a maior necessidade do preso é o amor e a amizade e que a verdadeira defesa só pode ocorrer através do entendimento espiritual do cliente O advogado deve com paciência e delicadeza conquistar a confiança dos seus clientes muitas vezes cheios de ódio e desconfiança A advocacia então se revela como uma profissão profundamente humanitária onde a empatia e o apoio emocional são tão importantes quanto as habilidades técnicas CAPÍTULO 04 O Capítulo IV aborda o papel do juiz e a relação entre o juiz e as partes em um litígio O texto enfatiza a posição elevada e a dignidade do juiz comparandoo a um professor supremo na sala de aula A linguagem jurídica define claramente as partes como os sujeitos de um contrato ou litígio cada um com interesses opostos e que a palavra parte tem um significado profundo representando a essência da divisão entre dois interesses conflitantes O juiz por sua vez não é uma parte e está acima das partes colocado em uma posição de superioridade em relação aos acusados e defensores A contradição surge quando se reconhece que o juiz também é um homem e portanto uma parte mas que deve transcender sua condição humana para ser um juiz justo Este dilema é representado de forma magistral no Evangelho de João onde Jesus desafia aqueles que estão sem pecado a atirar a primeira pedra A passagem ilustra a necessidade de ser isento de pecado para julgar ressaltando que o juiz deve estar acima daquele que é julgado A legislação tenta assegurar a dignidade do juiz através de medidas como o julgamento colegiado onde múltiplos juízes se unem para formar uma só unidade diminuindo a parcialidade A justiça humana é vista como inerentemente parcial e o desafio do direito é minimizar essa parcialidade O capítulo também discute a necessidade de os juízes reconhecerem sua própria indignidade e miséria para serem mais justos sugerindo que a verdadeira compreensão do ser humano e da justiça não se adquire apenas através de estudos formais mas também através do contato com a diversidade da experiência humana O texto conclui que a fé no homem e a capacidade de se surpreender e admirar o mundo são essenciais para que um juiz exerça seu papel com justiça CAPÍTULO 05 O capítulo 5 discute a parcialidade do defensor no contexto do processo penal Começase com a ideia de que nenhum homem consegue apoderarse da verdade completamente pois cada um é apenas uma parte dela Assim como Cristo disse Eu sou a verdade indicando que alcançar a verdade é alcançar a Ele e Nele A verdade é como a luz ou o silêncio que contêm todas as cores e sons mas nossa capacidade sensorial é limitada percebendo apenas uma parte delas Isso se relaciona com o papel do juiz que ao julgar decide quem está certo ou seja de que lado está a razão Embora haja apenas uma razão as partes apresentam suas razões no processo o que pode parecer contraditório No entanto a razão se decompõe em razões assim como a luz se decompõe em cores Quanto mais razões são apresentadas mais próximo se está da verdade Quando o juiz se prepara para julgar encontrase diante da dúvida sobre a culpa ou inocência do acusado Nesse momento o papel do defensor e do acusador é apresentar as razões que levam a uma conclusão obrigatória O defensor não é um raciocinador imparcial mas sim parcial e isso é necessário para garantir a imparcialidade do juiz O processo penal é descrito como um duelo entre defensor e acusador onde suas razões servem como armas Esse escândalo da parcialidade é essencial para o juiz superar suas próprias dúvidas e alcançar um julgamento justo O processo penal portanto depende da contraposição entre a defesa e a acusação para alcançar a verdade e garantir a justiça Finalmente o texto discute a figura do advogado muitas vezes mal compreendido e alvo de críticas No entanto sua parcialidade é essencial para garantir que todas as razões sejam apresentadas no processo contribuindo assim para a busca da verdade e a administração da justiça CAPÍTULO 06 O Capítulo VI trata das provas no processo penal destacando a missão fundamental do processo determinar se o acusado é inocente ou culpado o que implica em saber se determinado fato ocorreu ou não O autor reflete sobre o conceito de fato como um pedaço de história uma parte do caminho percorrido pelos indivíduos e pela humanidade Para determinar se um fato aconteceu é necessário fazer história ou seja voltar atrás e reconstruir os eventos No processo assim como na história dos povos é preciso lidar com dificuldades para reconstituir o passado As provas desempenham o papel de voltar atrás e reconstruir a história sendo essenciais para isso O autor compara esse processo de reconstrução com seguir os rastros deixados ao caminhar pelos campos destacando a habilidade e paciência necessárias para tal tarefa Porém há um aspecto negativo os criminosos tentam destruir os rastros de seus crimes ao contrário do que ocorre em transações legais onde se busca preservar as evidências Além disso o autor discute a degeneração do processo penal que se torna um espetáculo para a sociedade alimentando a paixão por descobrir crimes Essa transformação do processo penal em entretenimento reflete uma crise na civilização onde o descobrimento do delito se torna um esporte alimentando um frenesi de investigações conjecturas e indiscrições Nesse contexto tanto os acusados quanto as testemunhas são submetidos a uma exposição pública e a um intenso escrutínio perdendo sua dignidade e integridade O autor destaca a importância de respeitar tanto o acusado quanto a testemunha reconhecendo neles indivíduos com suas próprias histórias lembranças medos e coragens A testemunha em particular é vista como um ser humano submetido a uma posição incômoda e perigosa pelo processo exigindo respeito e consideração por sua condição Por fim o autor critica a noção equivocada de progresso associada à civilização que permite tais abusos sugerindo a necessidade de repensar os métodos do processo penal para garantir o respeito e a dignidade dos envolvidos CAPÍTULO 07 No capítulo VII o autor explora a relação entre o juiz e o acusado no contexto do processo penal Ele começa comparando o trabalho do juiz ao do historiador destacando que ambos lidam com a reconstrução da história embora em escalas diferentes O autor questiona se é mais fácil manejar um microscópio do que um telescópio sugerindo que a distinção entre o povo e o indivíduo é como a diferença entre o macrocosmo e o microcosmo O foco do juiz não deve se limitar apenas aos aspectos externos do crime mas também à alma do acusado Isso implica em compreender não apenas as ações físicas mas também as intenções por trás delas O autor destaca a importância de não atribuir ao outro nossos próprios sentimentos e intenções ao julgar Além disso o autor argumenta que a ação de um homem não é um ato isolado mas sim a soma de todos os seus atos Ele enfatiza a indivisibilidade do ser humano indicando que sua história completa deve ser considerada para compreendêlo verdadeiramente O capítulo também discute a necessidade de o juiz percorrer toda a história do acusado o que é reconhecido pelas legislações penais modernas No entanto o autor aponta as limitações desse processo destacando que a história do indivíduo tal como reconstruída pelo juiz é inevitavelmente incompleta Por fim o autor ressalta a importância de considerar não apenas o passado mas também o futuro do acusado ao proferir um julgamento justo Ele compara o processo penal ao processo de beatificação sugerindo que assim como há sempre tempo para a conversão também deve haver espaço para a redenção no sistema judiciário O autor encerra enfatizando que suas reflexões visam contribuir para o bem da sociedade sem desacreditar completamente o processo penal mas reconhecendo suas limitações e a necessidade de tratamento respeitoso aos acusados CAPÍTULO 08 O capítulo VIII discute a relação entre passado e futuro no processo penal Iniciase com a reflexão sobre a impossibilidade de mudar o passado citando o provérbio Água passada não move moinho o que sugere uma sensação de desesperança No entanto a intuição humana sempre busca algum remédio para os erros do passado e o processo penal surge como uma tentativa de restaurar a ordem após o delito A ideia central é que o remédio para o passado está no futuro A história é reconstruída para servir de base ao futuro e a intuição de que o passado é essencial para compreender o futuro guia os homens na reconstrução da história Entretanto o texto aponta para uma crise contemporânea o desinteresse pelo futuro O autor critica a ideia de que os filósofos não podem prever o futuro sugerindo que a observação do passado é essencial para compreender os segredos do futuro No contexto do processo penal o passado reconstruído é o do homem na prisão enquanto o futuro é representado pela pena imposta O juiz assume o papel de pesar o delito passado para determinar a pena futura No entanto surge um dilema a necessidade de prevenir os delitos antes que ocorram Isso leva a um debate sobre o papel do juiz versus o legislador na determinação da pena A técnica penal busca solucionar esse dilema através da multiplicação dos tipos penais oferecendo ao juiz uma variedade de opções para se adequar ao caso concreto No entanto isso complica o processo e afasta a justiça do cidadão comum criando uma fratura entre o povo e o sistema judicial CAPÍTULO 09 O capítulo aborda a complexidade e as nuances envolvidas na emissão de uma sentença penal por parte do juiz O autor destaca a importância de compreender o significado profundo das palavras absolve e condena que têm implicações significativas na vida do acusado Inicialmente o texto destaca a necessidade de escolha do juiz entre absolver ou condenar o acusado com base nas evidências apresentadas durante o processo No entanto surge a questão da incerteza e se o juiz não tiver certeza sobre a culpa ou inocência do acusado Nesses casos a legislação permite a absolvição por insuficiência de provas o que não declara a culpa do acusado mas também não o declara inocente Isso resulta em uma espécie de vazio na sentença onde nada é afirmado categoricamente O texto prossegue discutindo a situação do acusado destacando que o simples fato de ser acusado já causa danos à sua reputação e vida pessoal A absolvição por insuficiência de provas não resolve essa situação pois a imputação permanece deixando o acusado sob suspeita indefinidamente Isso é visto como uma falha no sistema penal que não oferece uma solução satisfatória para casos de incerteza Além disso o autor argumenta que a declaração de inocência do acusado é o único meio de reparar o dano causado pela acusação injusta A absolvição por não ter cometido o crime não apenas declara a inocência mas também reconhece o erro daqueles que o acusaram revelando as falhas do sistema judicial O texto também destaca a frequência dos erros judiciários que são mais numerosos do que geralmente se acredita Muitas vezes esses erros só são descobertos após a condenação resultando em injustiças graves A absolvição é vista como a revelação desses erros e portanto deve ser reconhecida como tal Por fim o texto aborda a dificuldade de garantir a justiça absoluta no processo penal destacando a falibilidade do sistema judicial e a inevitabilidade dos erros Apesar dos mecanismos de revisão das sentenças não há garantia absoluta contra erros judiciários A coisa julgada é mencionada como uma espécie de substituto da verdade reconhecendo que a justiça humana é imperfeita e limitada CAPÍTULO 10 O capítulo 10 trata da execução da sentença no sistema judicial Contrariamente à ideia comum de que o processo termina com a sentença do juiz seja de absolvição ou condenação na verdade apenas a absolvição finalizada com coisa julgada encerra completamente o processo No caso da condenação o processo continua sendo que o condenado tem o direito à revisão A prisão é vista como uma extensão do tribunal onde a pena é cumprida A analogia é feita entre a sentença condenatória e um funeral indicando que após a cerimônia muitos se esquecem do condenado assemelhando a prisão a um cemitério mas ignorando que o condenado é um sepultado vivo A crítica é feita ao sistema prisional indicando que ao invés de um cemitério deveria ser um hospital onde os doentes de espírito fossem tratados O texto argumenta que a penalidade não deve servir apenas para punir mas também para reabilitar o condenado Apontase que a delinquência é uma forma de pobreza espiritual e a falta de amor é vista como a raiz do crime A cura para o delinquente é o amor Sobre a questão da punição é afirmado que esta não é incompatível com o amor A pena mesmo severa pode ser um ato de amor como um pai que castiga seu filho para ensinar e corrigir O capítulo também enfatiza que a reforma do sistema não deve ser apenas legislativa mas também cultural Cada indivíduo tem a responsabilidade moral de contribuir para a reabilitação do condenado seja através de um comportamento respeitoso durante o processo judicial ou através de gestos de compaixão e apoio após a condenação O texto conclui ressaltando a importância do amor e da civilidade no tratamento dos condenados CAPÍTULO 11 Neste capítulo o autor reflete sobre o significado da libertação para aqueles que estão encarcerados Ele destaca que a verdadeira libertação não está apenas na saída física da prisão mas também na libertação espiritual na compreensão da solidão na busca pelo outro e consequentemente por Deus Deus está próximo do homem mesmo na prisão e reconhecêlo pode transformar a própria prisão em um castelo O autor critica a ideia da prisão perpétua como uma sentença que não apenas priva alguém da liberdade física mas também declara a perda eterna da alma Ele aborda a crueldade e a desumanidade dessa sentença destacando a falha do sistema judicial em reconhecer a possibilidade de redenção e recuperação CAPÍTULO 12 Neste capítulo o autor discute o valor do sistema penal na sociedade e sua relação com a ideia de civilização Ele argumenta que o sistema penal ao separar os criminosos do restante da sociedade não garante necessariamente a paz e que a distinção entre civilizados e incivilizados é subjetiva e muitas vezes falha O autor sugere que o sistema penal pode ser uma ferramenta eficaz de psicologia e filosofia expondo as deficiências do sistema jurídico e mostrando a necessidade de compaixão e misericórdia Ele critica a ideia de que o direito é suficiente para resolver todos os problemas da sociedade e argumenta que a adoração do direito como um ídolo moderno é prejudicial Plagiarism Scan Report Report Generated on May 262024 0 Plagiarised 100 Unique Total Words 938 Total Characters 5704 Plagiarized Senteces 0 Unique Sentences 42 100 Content Checked for Plagiarism CAPÍTULO 04 O Capítulo IV aborda o papel do juiz e a relação entre o juiz e as partes em um litígio O texto enfatiza a posição elevada e a dignidade do juiz comparandoo a um professor supremo na sala de aula A linguagem jurídica define claramente as partes como os sujeitos de um contrato ou litígio cada um com interesses opostos e que a palavra parte tem um significado profundo representando a essência da divisão entre dois interesses conflitantes O juiz por sua vez não é uma parte e está acima das partes colocado em uma posição de superioridade em relação aos acusados e defensores A contradição surge quando se reconhece que o juiz também é um homem e portanto uma parte mas que deve transcender sua condição humana para ser um juiz justo Este dilema é representado de forma magistral no Evangelho de João onde Jesus desafia aqueles que estão sem pecado a atirar a primeira pedra A passagem ilustra a necessidade de ser isento de pecado para julgar ressaltando que o juiz deve estar acima daquele que é julgado A legislação tenta assegurar a dignidade do juiz através de medidas como o julgamento colegiado onde múltiplos juízes se unem para formar uma só unidade diminuindo a parcialidade A justiça humana é vista como inerentemente parcial e o desafio do direito é minimizar essa parcialidade O capítulo também discute a necessidade de os juízes reconhecerem sua própria indignidade e miséria para serem mais justos sugerindo que a verdadeira compreensão do ser humano e da justiça não se adquire apenas através de estudos formais mas também através do contato com a diversidade da experiência humana O texto conclui que a fé no homem e a capacidade de se surpreender e admirar o mundo são essenciais para que um juiz exerça seu papel com justiça CAPÍTULO 05 O capítulo 5 discute a parcialidade do defensor no contexto do processo penal Começase com a ideia de que nenhum homem consegue apoderarse da verdade completamente pois cada um é apenas uma parte dela Assim como Cristo disse Eu sou a verdade indicando que alcançar a verdade é alcançar a Ele e Nele A verdade é como a luz ou o silêncio que contêm todas as cores e sons mas nossa capacidade sensorial é limitada percebendo apenas uma parte delas Isso se relaciona com o papel do juiz que ao julgar decide quem está certo ou seja de que lado está a razão Embora haja apenas uma razão as partes apresentam suas razões no processo o que pode parecer contraditório No entanto a razão se decompõe em razões assim como a luz se decompõe em cores Quanto mais razões são apresentadas mais próximo se está da verdade Quando o juiz se prepara para julgar encontrase diante da dúvida sobre a culpa ou inocência do acusado Nesse momento o papel do defensor e do acusador é apresentar as razões que levam a uma conclusão obrigatória O defensor não é um raciocinador imparcial mas sim parcial e isso é necessário para garantir a imparcialidade do juiz O processo penal é descrito como um duelo entre defensor e acusador onde suas razões servem como armas Esse escândalo da parcialidade é essencial para o juiz superar suas próprias dúvidas e alcançar um julgamento justo O processo penal portanto depende da contraposição entre a defesa e a acusação para alcançar a verdade e garantir a justiça Finalmente o texto discute a figura do advogado muitas vezes mal compreendido e alvo de críticas No entanto sua parcialidade é essencial para garantir que todas as razões sejam apresentadas no processo contribuindo assim para a busca da verdade e a administração da justiça CAPÍTULO 06 O Capítulo VI trata das provas no processo penal destacando a missão fundamental do processo determinar se o acusado é inocente ou culpado o que implica em saber se fato determinado fato ocorreu ou não O autor reflete sobre o conceito de fato como um pedaço de história uma parte do caminho percorrido pelos indivíduos e pela humanidade Para determinar se um fato aconteceu é necessário fazer história ou seja voltar atrás e reconstruir os eventos No processo assim como na história dos povos é preciso lidar com dificuldades para reconstituir o passado As provas desempenham o papel de voltar atrás e reconstruir a história sendo essenciais para isso O autor compara esse processo de reconstrução com seguir os rastros deixados ao caminhar pelos campos destacando a habilidade e paciência necessárias para tal tarefa Porém há um aspecto negativo os criminosos tentam destruir os rastros de seus crimes ao contrário do que ocorre em transações legais onde se busca preservar as evidências Além disso o autor discute a degeneração do processo penal que se torna um espetáculo para a sociedade alimentando a paixão por descobrir crimes Essa transformação do processo penal em entretenimento reflete uma crise na civilização onde o descobrimento do delito se torna um esporte alimentando um frenesi de investigações conjecturas e indiscrições Nesse contexto tanto os acusados quanto as testemunhas são submetidos a uma exposição pública e a um intenso escrutínio perdendo sua dignidade e integridade O autor destaca a importância de respeitar tanto o acusado quanto a testemunha reconhecendo neles indivíduos com suas próprias histórias lembranças medos e coragens A testemunha em particular é vista como um ser humano submetido a uma posição incómoda e perigosa pelo processo exigindo respeito e consideração por sua condição Por fim o autor critica a noção equivocada de progresso associada à civilização que permite tais abusos sugerindo a necessidade de repensar os métodos do processo penal para garantir o respeito e a dignidade dos envolvidos No Plagiarism Found Share Print Plagiarism Scan Report Report Generated on May 262024 Content Checked for Plagiarism CAPÍTULO 01 No primeiro capítulo o autor descreve suas primeiras impressões ao presenciar uma corte de justiça em sua infância especialmente ao observar os magistrados vestidos com togas Ele questiona o motivo pelo qual os magistrados e advogados usam essa vestimenta e sugere que a toga é um símbolo de autoridade e tradição A toga comparada ao uniforme militar representa não apenas autoridade mas também união entre os juízes Enquanto os magistrados representam a autoridade e a paz os advogados do Ministério Público e defensores estão lá para representar os interesses opostos fazendo da toga um símbolo de conflito necessário para alcançar a justiça O autor destaca a importância da solenidade no processo judicial que é muitas vezes comprometida pela negligência dos envolvidos especialmente quando há excesso de publicidade nos casos célebres Ele também menciona a necessidade de isolamento e decoro no tribunal comparandoo à atmosfera de uma igreja Um exemplo histórico de um presidente de tribunal que prezava pela dignidade e civilidade do processo é mencionado destacando a importância do comportamento e da postura dos envolvidos na administração da justiça A história de Maria Nicolaieva Tarnowska serve como um exemplo das complexidades e desafios enfrentados no processo penal onde a toga dos magistrados e advogados é vista como um símbolo de civilidade e dever CAPÍTULO 02 No capítulo 2 O Preso o autor reflete sobre a diferença entre a solenidade dos juízes e a humilhação do homem encarcerado Ele compartilha a impressão marcante que teve ao ver pela primeira vez um preso no Tribunal de Turim ainda adolescente O homem embora fisicamente grande parecia pequeno e miserável em sua cela comparado aos juízes que pareciam estar acima do nível humano O autor expressa que todos têm suas próprias formas de compaixão e que para ele o mais pobre de todos é o encarcerado não o delinquente Ele faz referência ao sermão de Jesus no Evangelho de Mateus que influenciou profundamente sua percepção destacando que a compaixão deve ser dirigida ao encarcerado como ser humano e não ao delinquente Ele descreve a repulsa que sente pelos criminosos até que são presos momento em que a compaixão surge A transformação de um criminoso em um homem comum ao ser algemado revela a natureza humana oculta As algemas são vistas como um símbolo do direito que revela a verdadeira condição humana uma mistura de luzes e sombras de riqueza e miséria O autor defende que o encarceramento deve reavivar a chama da bondade ao invés de extinguila e critica a visão simplista que divide as pessoas entre boas e más Ele conta a história de um homicida que defendeu cuja expressão terrível se iluminou com um lampejo de amor fraternal ao falar de seu irmão Essa humanidade escondida mostra que todos carregam em si um germe de bem mesmo os encarcerados O capítulo conclui que todos estão aprisionados de alguma forma não necessariamente em uma cela física mas em prisões internas de egoísmo e autossuficiência A verdadeira liberdade só pode ser alcançada através do amor e da abertura ao outro permitindo a entrada da graça divina Essa reflexão sobre a condição humana e o papel do direito em revelar nossa verdadeira natureza é algo que o autor Plagiarised Unique Total Words 926 Total Characters 5748 Plagiarized Sentences 0 Unique Sentences 38 100 0 100 Page 1 of 2 começou a compreender desde jovem ao presenciar um homem encarcerado no Tribunal de Turim CAPÍTULO 03 O capítulo aborda a profunda relação entre o advogado e seus clientes especialmente os presos destacando que a principal necessidade destes não é apenas técnica mas sim a de amizade e empatia Carlo Majno exaluno do autor e agora um dos melhores advogados de Milão dooulhe um desenho de Mentessi simbolizando a condição emocional dos presos uma mão inerte e a outra suplicante Este presente serve como ponto de partida para refletir sobre o papel do advogado O autor reflete que a advocacia não é apenas uma atividade técnica comparável à medicina ou engenharia ela envolve uma dimensão humana e espiritual onde o advogado é chamado a socorrer a oferecer amizade A palavra advogado significa chamado a ajudar e diferentemente do médico enfatiza a necessidade de uma relação pessoal Na sociedade romana o cliente buscava proteção do patrono e a advocacia está enraizada no conceito de aliança e amizade O acusado muitas vezes solitário e cercado por inimizade necessita de um advogado que o apoie no último degrau da escada partilhando de sua humilhação e necessidade de ser julgado A experiência de ser advogado é espiritualmente saudável pois ensina a humildade e a suplicar O autor descreve a advocacia como um exercício de humilhação que apesar das dificuldades proporciona benefícios espirituais tanto ao advogado quanto ao cliente Esta relação é ilustrada pela imagem de compartilhar o pão companheiro e a necessidade de conhecer profundamente o espírito do acusado A poesia da advocacia é sentida nos momentos iniciais e finais da carreira onde a defesa da inocência e a luta pela justiça brilham Contudo com o tempo as ilusões caem mas a essência espiritual da profissão que é a companhia no sofrimento e na humilhação permanece A experiência do advogado é um constante pedido de ajuda onde a arrogância deve ser superada Finalmente o autor enfatiza que a maior necessidade do preso é o amor e a amizade e que a verdadeira defesa só pode ocorrer através do entendimento espiritual do cliente O advogado deve com paciência e delicadeza conquistar a confiança dos seus clientes muitas vezes cheios de ódio e desconfiança A advocacia então se revela como uma profissão profundamente humanitária onde a empatia e o apoio emocional são tão importantes quanto as habilidades técnicas No Plagiarism Found Page 2 of 2
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As Misérias do Processo Penal Francesco Carnelutti Tradução Ricardo Rodrigues Gama Série Ouro 1ª edição eBook Russell editoras As Misérias do Processo Penal Francesco Carnelutti Tradução Ricardo Rodrigues Gama Série Ouro 1ª edição eBook Russell editoras Francesco Carnelutti AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL Tradução RICARDO RODRIGUES GAMA 1ª edição eBook 2013 CampinasSP ÍNDICE Nota do Tradutor Dados Biográficos do Autor Prefácio do Autor Capítulo I A Toga Capítulo II O Preso Capítulo III O Advogado Capítulo IV O Juiz e as Partes Capítulo V Da Parcialidade do Defensor Capítulo VI Das Provas Capítulo VII O Juiz e o Acusado Capítulo VIII O Passado e o Futuro no Processo Penal Capítulo IX A Sentença Penal Capítulo X Da Execução da Sentença Capítulo XI Da Libertação Capítulo XII Além do Direito NOTA DO TRADUTOR A presente obra de Francesco Carnelutti não vem estampada de seu conteúdo simplesmente com o contado com o título reclamando a leitura dos primeiros capítulos para tomar contato com a tentativa do autor em ensinar assuntos complexos para o homem leigo isso sem deixar escapar os detalhes tão importantes que somente os doutores poderiam ter acesso Além do prazer de transportar as ideias do autor para o nosso vernáculo fomos tomados pela voraz vontade de mapear todos os desdobramentos gerados com blocos de ideias constantes em cada um dos capítulos Verificamos a fusão da disposição para promover a tradução com a caminhada habitual de um leitor ambos interessados no desfecho de cada uma das histórias contadas nas lições que o autor pretendia passar com suas reflexões nas comparações possíveis apenas para um exímio jurista e até mesmo na evolução dos temas abordados genialmente A estrutura do poder judiciário com o auxílio dos advogados e membros do Ministério Público apresentase como perfeita montada sobre a mais refinada técnica para excluir da sociedade o criminoso faltando até consciência das dimensões malignas da decisão que rompe todas as barreiras do cumprimento da pena marcando a pessoa delinquente para sempre Na maioria das passagens fica evidente o esforço do autor em fazerse compreender chegando a retornar a condição de criança relatando suas experiências num período que não tinha envolvimento algum com o direito Na passagem pela maior parte de sua vida uma vez que o autor faleceu oito anos depois de escrever a presente obra as mazelas cometidas pelo autor são exaltadas para evitar que outras pessoas possam assumir a frieza em nome da técnica voltarse à fantasia por puro descaso com a realidade deixar de lado a religião em nome da expansão nos próprios conhecimentos afastarse da simplicidade para viver em plena contemplação à inutilidade As falhas do processo penal não podem ser superadas com o conhecimento científico claramente porque a realidade dos fatos não pode encontrar solução na norma jurídica ainda mais quando se deixa de lado os sentimentos das pessoas envolvidas no processo por terem infringido à legislação penal ou como meio de expressar seus conhecimentos mais profundos RICARDO RODRIGUES GAMA DADOS BIOGRÁFICOS DO AUTOR Francesco Carnelutti foi advogado jurista e professor em Milão Catania Pádua e Roma Nasceu em Udine em 1879 e morreu em Milão em 1965 Graduouse em Pádua em 1900 e tornouse advogado no ano seguinte livre docente em Direito Comercial em 1905 e professor de Direito Comercial em Catania em 1911 de Direito Processual Civil em Pádua em 1915 e em Milão em 1935 e de Direito Penal Puro em Milão em 1942 e finalmente de Direito Processual Penal em Roma em 1946 Quando completou 75 anos era professor emérito do mesmo ateneu Fundou em Giuseppe Chiovenda a Rivista di Diritto Processuale Civil e foi redator do projeto do Código Civil italiano Escreveu inúmeras obras sobre Direito Civil Direito Processual Civil Direito Penal Direito Processual Penal Direito Comercial e Direito do Trabalho Em seus últimos anos escreveu obras literárias de caráter filosófico PREFÁCIO DO AUTOR A Voz de São Jorge1 é o veículo de comunicação do Centro de Cultura e Civilidade da Fundação Giorgio Cini2 que tem sua sede em Veneza cidade maravilhosa naquela ilha situada defronte à Praça de São Marcos e ao Palácio Ducal3 cuja arquitetura de Buora4 de Palladio5 e de Longhena6 hoje ressurgida em seu antigo esplendor estando circundado de tantas maravilhas O Centro propõese a servir à cultura e à civilidade ou seja dizendo de forma mais simples o saber servindo à bondade Deveria ser este o destino do saber nem sempre as coisas acontecem como deveriam acontecer Também o saber para citar um exemplo como a energia atômica pode servir ao bem ou ao mal para tornar os homens piores ou melhores fazendoos erguer a cabeça em ato de soberba ou inclinála em ato de humildade O que se deveria fazer este ano com tal objetivo é concluir algo em torno do processo penal Um raciocínio científico à primeira vista pouco conveniente para uma conversação com o grande público o qual especialmente no rádio tem prazer em se divertir Mas aqui está precisamente o nodo7 da questão em termos de civilização Divertirse quer dizer escapar da vida cotidiana a qual é tão monótona tão difícil tão amarga tornando irresistível a necessidade de evasão Não estou fora da realidade ao extremo de não reconhecer e ainda de não experimentar esta modesta necessidade Mas existe outra saída para se evadir além da diversão É a saída oposta e assim diz o provérbio que os opostos se atraem Esta saída é o isolamento Ao término e ao extremo não há evasão mais completa do que a prece que é a forma ideal do isolamento Muitas pessoas não o sabem por que não experimentaram mas aqueles que experimentaram o conforto da oração sabem o que pensar da diversão e do isolamento Um pouco em todos os tempos mas na atualidade cada vez mais o processo penal interessa à opinião pública Os jornais ocupam boa parte das suas páginas para a crônica dos delitos e dos processos Quem as lê aliás tem a impressão de que existem muito mais delitos do que boas ações neste mundo A eles é que os delitos assemelhamse às papoulas que quando se tem uma em um campo todos delas se apercebem e as boas ações se escondem como as violetas entre as ervas do prado Se dos delitos e dos processos penais os jornais se ocupam com tanta assiduidade é que as pessoas por estes se interessam muito sobre os processos penais assim ditos célebres a curiosidade do público se projeta avidamente E é também esta uma forma de diversão fogese da própria vida ocupandose da dos outros e a ocupação não é nunca tão intensa como quando a vida dos outros assume o aspecto do drama O problema é que assistem ao processo do mesmo modo com que deliciam o espetáculo cinematográfico que de resto simula com muita frequência assim o delito como o relativo processo Assim como a atitude do público voltado aos protagonistas do drama penal é a mesma que tinha uma vez a multidão para com os gladiadores que combatiam no circo8 e tem ainda em alguns países do mundo para a corrida de touros o processo penal não é infelizmente mais que uma escola de incivilização Com estes colóquios o que se desejaria é fazer do processo penal um motivo de isolamento em vez de sêlo diversão Não vale fazer oposição em torno desse processo no qual reúnem os homens da ciência e não têm aqui o que fazer os homens comuns Os juristas certamente o estudam ou até agora deveriam estudálo ainda melhor para conseguir que seu mecanismo delicado como nenhum outro aperfeiçoese este é um problema com muito mais semelhanças do que se possa crer a respeito dos problemas de mecânica que resolvem os engenheiros e também dessas semelhanças as pessoas deveriam se dar conta Mas porque também os homens comuns se interessam pelo processo penal daí resulta a necessidade de que não os confundam com um espetáculo cinematográfico ao qual se assiste para conseguir emoções Poucos aspectos da vida social afetam tanto como este à civilidade Não é a primeira vez que me ocorre a vontade de advertir que a civilidade com palavras mui singelas que raras vezes se leem assim nos livros porque os homens infelizmente são e querem ser ainda mais ao contrário terrivelmente complicados não é outra coisa senão a capacidade dos homens de amaremse e por isto de viverem em paz Ora o processo penal é uma pedra de toque da civilidade não somente porque o delito com cores mais ou menos fortes é o drama da inimizade e da discórdia senão porque apresenta a relação entre quem o tinha cometido ou se diz que o tinha cometido e aqueles que a ele assistem A propósito dos exemplos relembrados há pouco cumpre refletir em torno daquilo que acontecia sobre o espaldar do Circo Máximo9 aos tempos de Roma ou ainda acontece sobre aqueles das arenas de touros da Espanha do México e do Peru Eu pensava em um dia de setembro passado durante a projeção de um filme mexicano no qual eu estava admiravelmente atento ao estado de ânimo do público bestializado contra o toureiro porque não demonstrava um desprezo suficiente ao perigo quem era mais estúpido o público ou o touro Aquela atitude não pode ser explicada senão mediante uma separação de quem assiste e de quem atua tal qual o gladiador antes que um homem é considerado uma coisa Considerar o homem como uma coisa podese ter uma forma mais expressiva da incivilidade Mas é aquilo que acontece infelizmente nove entre dez vezes no processo penal Na melhor das hipóteses aqueles que se vão ver fechados nas prisões como os animais do jardim zoológico parecem homens fictícios ao invés de homens verdadeiros E se todavia alguém percebe que são homens de verdade parecelhe que são homens de uma outra raça ou quase de um outro mundo Este não lembra quando sente assim a parábola do arrecadador de impostos e do religioso fervoroso nem suspeita que a sua é justamente a mentalidade do religioso eu não sou como este O que precisa ao contrário para merecer o título de homem civilizado é a mudança de tal comportamento somente quando cheguemos a dizer com sinceridade eu sou como este então seremos verdadeiramente dignos de civilidade Para tentar provocar esta inversão de mentalidade trataremos juntos de compreender o que seja um processo penal Ao trabalhar assim eu não faço depois de tudo mais do que retomar o meu caminho Também eu como a maior parte de vocês quando criança sentia a curiosidade já que não era verdadeiramente apaixonado por este espetáculo A respeito contarei daqui a pouco num episódio Na universidade por uma série de circunstâncias com as quais eu compreendi mais tarde o verdadeiro desígnio desviaram me do Direito Penal para o Direito Civil Assim durante longos anos eu venho sendo mais um civilista do que um penalista também a minha atividade científica desenvolveuse mais amplamente no terreno do Direito Civil Mas subsistiu em mim uma atração secreta dirigida ao Direito e ao Direito Processual Penal Existia uma espécie de corrente subterrânea que ao chegar a certo ponto emergiu à superfície da terra Estaria fora de lugar a recordação de detalhes das ocasiões que a vida me ofereceu o fato é que um dia da cátedra de processo civil fui passado àquela do Direito e depois à do processo penal E aconteceu como acontece na montanha quando depois de um longo caminho encravado entre as rochas se alcança o cume e finalmente se abre defronte aos olhos a paisagem iluminada pelo sol Assombramse alguns por esta comparação O Direito Penal não está no vale melhor posicionado do que em elevações Não é o direito da sombra melhor que o direito do sol A verdade é que segundo uma admirável intuição de São Paulo nós olhamos as coisas no espelho e por isso as vemos invertidas O Direito Penal sim é o direito da sombra mas é preciso atravessar a sombra para se chegar à luz Ao menos para mim foi o que aconteceu Cada um faz o seu caminho e o caminho como a fisionomia de cada um é diferente do caminho dos outros Eu me dediquei a tratar com os chamados homens de bem considereime um homem de bem e não dei um passo para cima Foi o conhecimento dos trapaceiros que me fez reconhecer que não sou de fato melhor que eles ou que eles não são de fato piores do que eu e era isto que necessitava para um homem como eu mais inclinado ao orgulho senão propriamente à soberba Quero dizer que também estive por muito tempo nas arquibancadas do circo olhando do alto os gladiadores como se não fossem meus irmãos Se aqueles que estão lá no meio arriscando a vida fossem nossos irmãos não é certo pensar que correríamos para eles para separálos e para salválos Com precisão não poderia dizer como ocorreu que pouco a pouco de estranho se converteram em irmão Mas em definitivo isso aconteceu e é o que importa Desde aquele dia abriuse diante de mim um magnífico horizonte iluminado pelo sol Certamente eu não faço ilusão em torno da eficácia das minhas palavras Porém segundo os ensinamentos daquele sensacional filósofo que todos deveriam ver em Cristo ainda que queiram considerálo somente como filho do homem não esqueço que as palavras são sementes Ainda que com o meu jardim infelizmente misturese muita erva daninha algum grão aqui pode ser capaz de germinar Por isso sem presunção mas com devoção os semeio Não pretendo que a colheita me remunere com cem nem com sessenta nem com trinta por um Assim ainda que um só dos meus grãos germinasse não teria semeado em vão 1 La Voce di San Giorgio era o período do Centro para o qual Carnelutti escreveu inúmeros artigos 2 A Fundação Giorgio Cini foi instituída pelo conde Vittorio Cini em memória de seu filho Giorgio com o escopo de restaurar a Ilha de San Giorgio Maggiore gravemente degradada depois de quase 150 anos de ocupação militar de reinserila na vida de Veneza e de ali construir um centro internacional de atividades culturais de grande importância A Fundação foi construída em 20 de abril de 1951 e inicialmente contava com quatro Institutos o da História de Arte o da História do Estado e da Sociedade Veneziana o de Literatura Música e Teatro e o Instituto Veneza e o Leste 3 O Palácio Ducal está situado no extremo oriental da Praça de São Marcos é um dos símbolos de Veneza e exemplo maravilhoso do estilo gótico construído como obra prima das colônias da republica veneziana Durante a Renascença o prédio foi reformado com a construção da Escada dos Gigantes feita por Antonio Rizzo e com decoração de Lombardo É um estupendo museu com mil anos de história 4 Giovanni Buora 14501513 foi um dos arquitetos que desenhou e construiu parcialmente a Igreja de San Giorgio Maggiore e de vários edifícios conexos na ilha 5 Andrea Palladio 15081580 foi um dos arquitetos que projetou e construiu as igrejas San Giorgio Maggiore e Il Redentore A obra de Palladio foi uma referencia obrigatória para os arquitetos ingleses e franceses do barroco 6 O arquiteto Baldassare Longhena 15981682 foi o responsável pela reforma da abóboda da Basílica de San Giorgio Maggiore pela construção da biblioteca e da escada monumental da igreja 7 O mesmo que nó 8 Grande anfiteatro com camarotes e arquibancadas onde se realizam jogos e espetáculos públicos na Roma antiga 9 Era a melhor e maior pista de corridas de Roma em formato oval o Circo Máximo foi construído em um longo vale que se estendia entre as colinas romanas de Aventine e Palatine As corridas eram praticadas por quatro principais equipes a vermelha a branca a azul e a verde em carruagens puxadas por dois ou quatro cavalos construídas em madeira Os vencedores recebiam uma rama de palma e uma coroa de louros laurel além de dinheiro e fama Muitos dos competidores eram escravos que almejavam ganhar dinheiro para comprar sua liberdade CAPÍTULO I A TOGA A primeira coisa que impressiona que se apresenta em uma Corte onde se discute um processo penal é que certos homens que ali atuam vestem um uniforme um fardamento Esta foi a primeira impressão da Justiça ainda nos anos da minha infância quando levado a presenciar um certo cortejo das janelas do Palácio onde tem sede a Corte de Apelação de Florença10 na via Cavour vi sair de uma sala um magistrado em toga11 e fiquei de boca aberta Por que os magistrados e os advogados vestem a toga Não parece uma roupa de trabalho como para os médicos o jaleco branco para aquilo que terão que fazer juízes e defensores poderiam não mudar de roupa ou não cobrir as vestes habituais Há de fato alguns países nos quais a toga não é usada assim se faz também entre nós para os graus inferiores da hierarquia judiciária Então de que se trata Só de uma homenagem à tradição Mas por que se estabeleceu à tradição Creio que a resposta pode vir da mesma palavra Certo como se disse a toga é um fardamento como aquela dos militares com a diferença que os magistrados e os advogados a usam somente em serviço aliás em certos atos do serviço particularmente solenes Na França e sobretudo no Reino Unido onde a tradição é mais estritamente observada um advogado deve usála em todos os casos no interior do Palácio da Justiça Perguntome por que o traje dos militares chamase divisa12 Divisa vem manifestamente de dividir O que teria a ver com a veste militar a ideia da divisão A surpresa se esvanece rapidamente se o verbo dividir se substituísse por aquele afim de discernir ou distinguir É necessário separar os militares dos civis não A divisa é o símbolo da autoridade Teria razão para dizer que a observação das palavras nos haveria orientado imediatamente na corte de justiça exercitase por excelência a autoridade compreendese que aqueles que a exercitam devem distinguirse daqueles sobre os quais se exercitam É a mesma razão pela qual também os sacerdotes vestem um fardamento e ainda mais quando celebram as funções litúrgicas endossamse as batinas sagradas A divisa se chama também uniforme o significado desta outra palavra parece porém contradizer o da primeira pois que alude a uma união ao invés de a uma divisão Mas são no fundo dois significados complementares a toga verdadeiramente como a veste militar desune e une separa magistrados e advogados dos delinquentes para unilos entre si Esta união observemos bem tem um altíssimo valor União dos juízes entre eles em primeiro lugar O juiz como se sabe não é sempre um homem só comumente para as causas mais graves é formado por um colegiado todavia se diz o juiz também quando os juízes são mais de um justamente porque se unem uns com outros como as notas tiradas de um instrumento se fundem no acorde A toga dos magistrados não é portanto somente o símbolo da autoridade mas também o da união ou seja do vínculo que os liga em conjunto Há no fundo disso uma ideia de coral que torna o ambiente também mais solene Se vemos por exemplo a Corte de Cassação13 em sessões conjuntas onde atuam togados pelo menos quinze magistrados vindo a mente uma reunião de frades quando cantam os completórios14 e as matinas15 emoldurados nos assentos do coro Quem sabe como funciona a justiça colegiada não achará demasiado atrevimento esta imagem de acordo e de coro O conceito de uniforme serve ainda mais para aclarar a razão pela qual vestem a toga não semente os juízes mas também os membros do Ministério Público e os advogados Daqui a pouco trataremos de compreender a necessidade destas outras figuras ao lado dos juízes de todas as maneiras todos sabem que não são eles que julgam porém ao invés também eles são julgados acusadores e defensores ouvirão dizer ao final do juiz se estavam com a razão ou não Não é isto um ser julgado Eles são portanto em relação ao juiz do outro lado da barricada Dirseia então se a toga é o símbolo da autoridade quem não a deveriam usar e ainda se é o símbolo da união por que enquanto o acordo reina entre os juízes o desacordo pelo contrário não tanto divide quanto deve dividir o acusador do defensor Em uma palavra enquanto o juiz está lá para impor a paz o Ministério Público e advogados estão lá para fazer a guerra Precisamente no processo é necessário fazer a guerra para garantir a paz Ora esta fórmula pode ter sabor de paradoxo mas haverá o momento no qual poderemos apreciar a verdade A toga do acusador e do defensor significa pois que aquilo que fazem e é feito a serviço da autoridade em aparência estão divididos mas na verdade estão unidos no esforço que cada um realiza para alcançar a justiça Em conjunto esses homens com toga dão ao processo e especialmente ao processo penal um aspecto solene Se a solenidade é ofuscada como ocorre infelizmente não poucas vezes por negligência dos advogados e dos próprios magistrados os quais não respeitam como deveriam a disciplina isto redunda em prejuízo da sociedade No tribunal deveria estar com igual isolamento como de dá na igreja Os antigos reconheceram um caráter sagrado ao acusado porque diziam era desatinado à vingança dos deuses assim tinham eles a intuição de uma verdade profunda O juízo o verdadeiro o justo juízo o juízo que não falha está somente nas mãos de Deus Se os homens todavia se encontram na necessidade de julgar tenham ao menos a consciência de que fazem quando julgam as vezes de Deus A afinidade entre o juiz e o sacerdote não é desconhecida nem sequer entre os ateus que falam a esse respeito de um sacerdócio civil A toga sem dúvida convida ao isolamento Infelizmente hoje sempre mais sob este aspecto a função judiciária está ameaçada pelos opostos perigos da indiferença ou do clamor indiferença pelos processos pequenos clamor pelos processos célebres Naqueles a toga parece uma armadura inútil nestes se assemelha lamentavelmente a um disfarce teatral A publicidade do processo penal a qual corresponde não somente à ideia do controle popular sobre o modo de administrar a justiça senão também e mais profundamente ao seu valor educativo está infelizmente degenerada em um motivo de desordem Não tanto o público que enche os tribunais a um limite inverossímil mas a invasão da imprensa que precede e persegue o processo com imprudente indiscrição e não de raro descaramento aos quais ninguém ousa reagir tem destruído qualquer possibilidade de juntarse com aqueles aos quais incumbe o tremendo dever de acusar de defender de julgar As togas dos magistrados e dos advogados assim se perdem na multidão São cada vez mais raros são os juízes que têm a severidade necessária para reprimir esta desordem Quase cinquenta anos faz discutindose em Veneza um processo por homicídio sobre o qual convergia a mórbida curiosidade de todos na sessão do Tribunal do Júri incrivelmente lotado quando se levantou para ser interrogada emergindo do cárcere em sua estupenda figura Maria Nicolaieva Tarnowska16 qualquer centena de senhores que apinhavam os locais reservados num salto puseram se em pé e assentaram sobre ela monóculos17 e binóculos Angelo Fusinato18 presidente insigne exclamou com contida indignação Amanhã este espetáculo incivil não se repetirá mais Mais que as medidas que ele soube tomar e inflexivelmente manter durante o longo curso do processo recordo agora como o ouvi pronunciar suas memoráveis palavras Este espetáculo incivil Era o mesmo presidente o qual não tolerava que um advogado se comportasse no falar no gesticular no vestir de modo não conforme à dignidade de seu ofício e de outra parte quando percebesse decidindo uma causa civil ter cometido um erro não tinha tranquilidade até que não lhe fosse dado corrigirse publicamente19 Eis aqui um magistrado que tinha compreendido o valor que tem o processo penal para a civilidade de um povo Os advogados de Veneza para exaltarem o seu exemplo de firmeza de dignidade de abnegação ornaram com seu busto o grande átrio superior da Corte de Apelação e eu agora quero lembrar a sua figura quase para colocar sob sua proteção aquilo que estou dizendo em torno desta mais alta experiência de civilização que deveria ser o processo penal 10 Até hoje a Corte de Apelação de Florença se mantém no mesmo endereço Rua Cavour 57 Palazzo Buontalenti local onde também funciona a Ordem dos Advogados local 11 Beca vestimenta de magistrado 12 Por derivação na língua portuguesa o termo divisa empregase com sentido próprio no âmbito militar qual seja o de insígnia de posto ou patente dos militares Assim as divisas são usadas em suas fardas 13 É o órgão jurisdicional cuja competência é entre outras uniformizar a jurisprudência Equivale ao Supremo Tribunal Federal brasileiro 14 Se diz da última hora canônica da recitação do oficio divino ou breviário 15 São os cânticos da primeira parte do ofício divino geralmente da liturgia católica que acontecem entre a meianoite e o raiar do sol 16 Escândalo ressonante ocorrido nos primeiros anos de 1900 uma história de amores perversão traições e homicídios que ressume de modo exemplar a hipocrisia o cinismo a falta de moral que reinavam nas classes altas europeias da belle époque e a frieza de uma bela mulher Nascida Maria Nicolaieva ORurke de sobrenome nobre em Kiev 1877 casouse com o conde Vassili Tarnowsky e se tornou a condessa Maria Nicolaieva Tarnowska O ápice do escândalo se deu em 1910 em Veneza por ocasião do julgamento de Maria Tarnowska e seus dois amantes o jovem Nicola Naumaff e o advogado Maximilliano Prilukoff que foram presos em 1907 pela morte do conde Paul Kamarovsky Pelo menos seis homens foram arruinados por ela dois deles tiveram morte trágica e quatro deles deserdaram esposas e filhos A história de Maria Tarnouwska envolveu muitos homens muitos tiros e muitos finais catastróficos ela foi a verdadeira mulher fatal Prilukoff foi considerado o mentor do plano para o assassinato de Kamarovsky e foi sentenciado a dez anos de prisão A condessa e seu jovem amante Naumoff que disparou os tiros fatais foram condenados a oito anos cada um 17 Monóculo é a lente provida ou não de aro que se usa encaixada entre os músculos da cavidade orbitária geralmente para correção visual 18 Angelo Fusinato era o presidente do Tribunal de Veneza em 1910 onde estavam sendo julgados Maria Nicolaieva Tarnowska e seus amantes 19 Francesco Carnelutti um então jovem advogado de Direito Civil a propósito do julgamento definiu o comportamento de Maria Nicolaieve Tarnowska como sendo cobiça porque não a paixão não o amor não o ódio mas só o desejo vil do dinheiro a tinha impelido causando a morte de um pai de família e levando à perdição um jovem que até então tinha sido honesto CAPÍTULO II O PRESO À solenidade para não dizer à majestade dos homens em toga contrapõese o homem no cárcere Não esquecerei nunca a impressão que deste tive a primeira vez na qual ainda adolescente ingressei na Corte de uma seção penal no Tribunal de Turim Aqueles dirseia sobre o nível do homem este em baixo preso na cela como um animal perigoso Sozinho pequeno apesar de sua elevada estatura perdido ainda que procurasse ser desembaraçado pobre miserável necessitado Cada um de nós tem as suas preferências também em matéria de compaixão Os homens são diferentes entre eles até no modo de sentir a caridade Também este é um aspecto da nossa insuficiência Existem aqueles que concebem o pobre com a figura do faminto outros com a de vagabundo outros com a de doente para mim o mais pobre de todos os pobres é o encarcerado Digo o encarcerado20 observese bem não o delinquente Digo o encarcerado como disse o Senhor naquele famoso sermão referido no Capítulo XXV do Evangelho de Mateus21 que exerceu sobre mim uma fascinação incalculável e até ontem pode dizerse acreditei que encarcerado ali fosse dito como sinônimo de delinquente mas me equivocava e a equivocação foi um de tantos episódios aptos para demonstrar que nunca se meditam o bastante sobre os sermões de Jesus O delinquente até que não seja encarcerado é uma outra coisa Confesso que o delinquente repugna me em certos casos me causa horror Para mim entre outros o delito o grande delito ocorreume de presenciálo pelo menos uma vez com os meus próprios olhos Os que brigavam pareciam duas panteras e fiquei absolutamente horrorizado contudo bastou que visse um dos dois homens que tinha derrubado o outro com um golpe mortal enquanto os policiais providencialmente acudiam colocandolhe as algemas para que do horror nascesse a compaixão A verdade é que apenas algemado a fera converteu se num homem As algemas também as algemas são um símbolo do direito talvez pensando bem o mais autêntico de seus símbolos ainda mais expressivo do que a balança e a espada É necessário que o direito nos ate as mãos E justamente as algemas servem para descobrir o valor do homem que é segundo um grande filósofo italiano a razão e a função do direito Quidquid latet apparebit22 repete ele a este propósito com o dies irae23 tudo aquilo que está oculto virá à luz Aquilo que estava escondido na manhã na qual vi o homem lançarse contra o outro sob a aparência de fera era o homem tão logo ataram seus pulsos com a corrente o homem reapareceu o homem como eu com o seu mal e com o seu bem com as suas sombras e com as suas luzes com a sua incomparável riqueza e a sua miséria espantosa Então nasceu do horror a compaixão Não me permiti agora arrastar pela literatura ao falar a propósito do delinquente do mal e do bem da sombra e da luz da miséria e da riqueza deixandome arrastar pela literatura Censuraramme muitas vezes ainda por último na ocasião de uma infeliz batalha pela abolição do calabouço uma coisa que qualquer um definiria como uma ingenuidade Oxalá que fosse isso A verdade é que Francisco24 justamente porque melhor do que qualquer outro interpretou Cristo desceu mais ao fundo que qualquer outro no abismo do problema penal Francisco só Francisco compreendeu beijando o leproso o que quis dizer Jesus com o convite a visitar os encarcerados Os sábios os quais continuam a considerar a pena segundo uma fórmula célebre como um mal que sofre o delinquente pelo mal que ele causou ignoram ou esquecem aquilo que Cristo disse a propósito do demônio que não serve para expulsar o demônio não é com o mal que se pode vencer o mal Já Virgílio25 antes que baixasse aos homens a luz de Cristo havia cantado omnia vincit amor26 o amor sozinho é sempre vitorioso Não se pode fazer uma nítida divisão dos homens em bons e maus Infelizmente a nossa curta visão não permite avistar um e germe do mal naqueles que são chamados de bons e um germe de bem naqueles que são chamados de maus E essa visão tão curta depende de nosso intelecto e que ele não esteja iluminado pelo amor Basta tratar o delinquente antes que uma fera como um homem para avaliar nele a incerta chama de pavio fumegante que a pena ao invés de apagar deveria reavivar Poucas vezes vi uma expressão tão pavorosa como aquela de um homicida que defendi anos faz diante de um Tribunal do Júri na extrema Calábria27 tinha matado dois homens premeditadamente desferindo dois tiros de pistola pelas costas não vi naquele rosto sombreado por um capacete de cabelos escuros nem sequer um alvor de luz Defendia junto com ele também seu irmão acusado de havêlo instigado a matar No colóquio que tive com ele apenas chegado lá embaixo lhe devia dizer que infelizmente para ele não havia esperança tudo o mais se podia tentar com as atenuantes genéricas de converter a prisão perpétua em trinta anos de reclusão Ele me ouviu impassível depois disse não se ocupe de mim advogado não importa eu sou um homem perdido pense para salvar meu irmão que tem nove filhos Então um raio de amor iluminou a sua fronte Não era a sua riqueza aquele amor fraterno que o fazia esquecer até seu terrível destino A verdade é que o germe do bem em qualquer um de nós não só nos delinquentes está aprisionado Há aqueles que têm mais há aqueles que têm menos mas nenhum de nós tem todo o espaço que deveria ter Todos em uma palavra estamos na prisão uma prisão que não se vê mas que não se pode deixar de sentir Aquela angústia do homem que constitui o motivo de uma corrente da filosofia moderna de grande notoriedade e de indiscutível importância não é outra coisa que o sentido da prisão Cada um de nós está aprisionado enquanto esteja fechado em si na solicitude por si no amor de si mesmo O delito não é mais que uma explosão de egoísmo na sua raiz O outro não conta o que importa é somente ele mesmo Somente abrindose para com outro o homem pode sair da prisão E basta que se abra para com outro para que entre pela porta aberta a graça de Deus Quidquide latet apparebit28 canta o dies irae29 Poucas instituições foram mais felizes do que aquela do filósofo que expressou com esta frase a eficácia do direito A prisão ou as algemas dizíamos são um símbolo do direito e por isso revelam a natureza e a desventura do homem O homem acorrentado ou o homem na prisão é a verdade do homem o direito não faz mais que revelála Cada um de nós esta fechado em uma prisão que não se vê Não nos parecemos com os animais porque estamos na prisão mas estamos na prisão porque nos parecemos com os animais Ser homem não quer dizer não ser mas poder não ser animal Esta capacidade é a capacidade de amar Quem teria imaginado estas coisas quando vi ainda criança um homem na prisão na corte escura do Tribunal de Turim Quem teria imaginado que o espetáculo daquele homem enjaulado eu não haveria de esquecer nunca É curioso como certos fatos que parecem insignificantes se inserem indelevelmente na fita da nossa memória Fato é que ainda agora depois de haver visto tantos o homem encarcerado tem um fascínio misterioso para mim É esta a experiência que me abriu o caminho da salvação 20 Naquele tempo pessoas portadoras de doenças infectocontagiosas ou tidas como tal eram segregadas em guetos ou encarceradas como forma de excluílas do convívio social para evitar contaminação 21 Versículos 31 a 46 E quando o Filho do homem vier em sua glória e todos os santos anjos com ele então se assentará no trono da sua glória E todas as nações serão reunidas diante dele e apartará uns dos outros como o pastor aparta dos bodes as ovelhas E porá as ovelhas à sua direita mas os bodes à esquerda Então dirá o Rei aos que estiverem à sua direita Vinde benditos de meu Pai possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo Porque tive fome e destesme de comer tive sede e destesme de beber era estrangeiro e hospedastesme Estava nu vestistesme adoeci e visitastesme estive na prisão e fostes verme Então os justos lhe responderão dizendo Senhor quando te vimos com fome e te demos de comer Ou com sede e te demos de beber E quando te vimos estrangeiro e te hospedamos ou nu e te vestimos E quando te vimos enfermo ou na prisão e fomos verte E respondendo o Rei lhes dirá Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos a mim o fizestes Então dirá também aos que estiverem à sua esquerda Apartaivos de mim malditos para o fogo eterno preparado para o diabo e seus anjos Porque tive fome e não me destes de comer tive sede a não me destes de beber Sendo estrangeiro não me recolhestes estando nu não me vestistes e enfermo e na prisão não me visitastes Então eles também lhe responderão dizendo Senhor quando te vimos com fome ou com sede ou estrangeiro ou nu ou enfermo ou na prisão e não te servimos Então lhes responderá dizendo Em verdade vos digo que quando a um destes pequeninos o não fizestes não o fizestes a mim E irão estes para o tormento eterno mas os justos para a vida eterna 22 Tudo o que se esconde há de aparecer 23 Dia da ira 24 São Francisco de Assis foi viver enclausurado com os portadores de hanseníase leprosos e acabou por se tornar o santo protetor dos acometidos dessa doença 25 Poeta latino que viveu nos anos 70 a 19 aC 26 Todos vencem com o amor 27 Diz se da cidade de Reggio Calabria denominada província que faz parte da região da Calábria na Itália 28 Tudo o que se esconde há de aparecer 29 Dia da ira CAPÍTULO III O ADVOGADO Carlo Majno que hoje é um dos melhores advogados em Milão e foi naquela universidade um dos meus discípulos mais queridos me doou precisamente no dia em que eu deixei a cátedra de Milão pela de Roma um belíssimo desenho a pastel avermelhado do pintor Mentessi30 que representava as mãos de um encarcerado presas nas algemas Mentessi não tinha certamente experiência particular do problema penal todavia aquele desenho demonstra como são proféticas as obras de um artista uma das mãos a esquerda tombada para baixo inerte em ato de desalento a outra sobreposta volve a palma para o alto como aquela do pobre que pede a caridade Há toda a psicologia do preso naquele pequeno quadro A minha felicidade foi que eu vi tantas vezes no curso da vida estenderem para mim aquela mão aberta na espera do donativo As pessoas imaginam o advogado como um técnico ao qual se requer um trabalho que quem o pede não teria capacidade de fazer por si mesmo figurando no mesmo plano do médico ou do engenheiro é verdade também isto mas não é toda ela o restante da verdade é descoberto sobretudo pela experiência do preso O preso é essencialmente um necessitado A escala dos necessitados foi traçada naquele sermão de Cristo ao qual já tive ocasião de acenar referido no Capítulo XXV de Mateus31 famintos sedentos despidos vagabundos doentes presos uma escala que conduz o meio animal da essencial necessidade física à necessidade essencialmente espiritual o preso não tem necessidade nem de alimento nem de roupas nem de casa nem de medicamentos o único remédio para ele é a amizade As pessoas não sabem tampouco os juristas que aquilo que se pede ao advogado é a esmola da amizade antes de qualquer outra coisa O nome mesmo de advogado soa como um grito de ajuda Advocatus vocatus ad chamado a socorrer Também o médico é chamado a socorrer mas só ao advogado se dá este nome Quer dizer que há entre a prestação do médico e a do advogado uma diferença que não voltada para o direito é todavia descoberta pela rara intuição da linguagem Advogado é aquele ao qual se pede em primeiro plano a forma essencial de ajuda que é propriamente a amizade32 E da mesma forma a outra palavra cliente a qual serve a denominar aquele que solicita ajuda reforça esta interpretação o cliente na sociedade romana pedia proteção ao patrono também o advogado se chama patrono E a derivação de patrono de pater projeta sobre a relação a luz do amor Aquilo que atormenta o cliente e o impede a pedir ajuda é a inimizade Já as causas civis e sobretudo as causas penais são fenômenos de inimizade A inimizade ocasiona um sofrimento ou ao menos um dano como certos males os quais tanto mais quando não são descobertos pela dor debilita o organismo por isso da inimizade surge a necessidade da amizade a dialética da vida é assim A forma elementar da ajuda para quem se encontra em guerra é a aliança O conceito de aliança é a raiz da advocacia O acusado sente ter a aversão de muita gente contra si algumas vezes nas causas mais graves lhe parece que esteja contra ele todo o mundo Não raramente quando o transportam para a audiência é recebido pela multidão com um coro de imprecações não raramente explodem contra ele atos de violência contra os quais não é fácil protegêlo Em estado de ânimo de Catarina Fort33 que quando se apresentou diante dos juízes levou os imaginários de todos a chamavam de fera É necessário não somente pensar nestes casos senão tratar de meterse na briga destes desgraçados para compreender a sua pavorosa solidão e com esta a sua necessidade de companhia Companheiro de cum pane é aquele que divide conosco o pão O companheiro colocase no mesmo plano daqueles aos quais faz companhia A necessidade do cliente especialmente do acusado é a seguinte a de um que se sente ao lado dele sobre o último degrau da escada A essência a dificuldade a nobreza da advocacia é esta permanecer sobre o último degrau da escada ao lado do acusado O povo não compreende aquilo que os demais tampouco os juristas entendem e riem burlam e escarnecem Não é um trabalho que goze da simpatia do público e mesmo de cirineu34 No campo literário e também no campo litúrgico as razões pelas quais a advocacia é objeto de uma difundida antipatia não são outras senão estas E até Perfino Manzoni quando teve que retratar um advogado perdeu a sua honradez e a Igreja deixou introduzir no hino de Santo Ivo35 patrono dos advogados um verso afrontoso As coisas mais simples são as mais difíceis de entender Digamos com clareza a experiência do advogado está sob o símbolo da humilhação É certo que vista a toga colabora desde já na administração da justiça mas o seu lugar é embaixo e não no alto Ele divide com o acusado a necessidade de pedir e de ser julgado Ele está sujeito ao juiz como está o acusado Mas precisamente por isto a advocacia é um exercício espiritualmente saudável Pesa o dever de pedir mas é proveitoso Habituase a suplicar Que outra coisa é senão um pedir uma súplica A arrogância apresentase com sendo o verdadeiro obstáculo à suplicação e a arrogância é uma ilusão de poder Não há nada melhor que advocacia para sanar tal ilusão de potencial O maior dos advogados sabe que não pode fazer nada frente ao menor dos juízes entretanto o menor dos juízes é aquele que o humilha mais É constrangido a chamálo à porta como um pobre E nem sequer está escrito sobre a porta pulsate et aperietur vobis36 Não raramente se chama em vão A experiência se faz mais dolorosa e mais saudável Se acreditava ter razão se havia estudado tanto se havia suado tanto então É necessário conhecer estes momentos para compreender Os romanos denominavam a atividade do advogado no processo com o verbo postular37 Dizem os dicionários de língua clássica antiga que esse verbo significa pedir aquilo que se tem direito de ter E é isto que agrava o peso de pedir Não se deveria ter necessidade de pedir aquilo que se tem direito de ter Em conclusão é necessário submeterse o juízo próprio ao alheio ainda quando tudo permite crer que não haja razão de atribuir a outro uma maior capacidade de julgar Isto significa no plano social colocarse junto ao acusado no último degrau da escada um sacrifício mas não existe sacrifício sem benefício Por isto eu disse que a nossa experiência é saudável O benefício está quando se começa a descobrir na escuridão a pequena chama do pavio fumegante Um benefício como acontece sempre nas coisas do espírito que ao mesmo tempo se dá e se recebe se aquela pequena chama se reaviva o seu calor não aquece somente a alma do cliente senão também a do patrono Pelo pouco de bom que eu pude fazer para algum destes desgraçados imenso foi o bem que deles recebi do Senhor entendese mas por meio deles pois que o Senhor disse que quanto é dado a eles é recebido por Ele os pobres são os enviados de Deus O preso as pessoas não sabem e menos ainda ele próprio o sabe é faminto e sedento de amor A necessidade da amizade provém da sua desolação Quanto maior é a desolação mais profunda e fecunda é a necessidade de amizade Inconsistentemente ele pede aquilo que é indispensável a fim de que o defensor possa cumprir o seu ofício O que o defensor deve possuir antes de tudo afinal é o conhecimento do acusado não como o médico o conhecimento físico mas o conhecimento espiritual Conhecer o espírito de um homem quer dizer conhecer sua história e conhecer uma história não é somente conhecer a sucessão dos fatos mas encontrar o elo que os liga Neste sentido a história é uma reconstrução lógica não uma exposição cronológica dos acontecimentos Tudo isto não é possível se o protagonista não abre pouco a pouco sua alma Estes tipos de protagonistas que são os delinquentes têm por definição a alma fechada Ao mesmo tempo em que pedem a amizade opõem a desconfiança e a suspeição Impregnados de ódio veem ódio também onde não há mais que o amor São como animais selvagens que só com infinita delicadeza e paciência podem ser domesticados Alguém dirá que eu vejo assim a advocacia sob o perfil da poesia Pode ser A poesia do seu ofício é algo que um advogado sente em dois momentos da vida quando veste pela primeira vez a toga ou quando ainda não a retirou está para retirála ao amanhecer ou ao entardecer Ao amanhecer defender a inocência fazer valer o direito fazer triunfar a justiça esta é a poesia Depois pouco a pouco caem as ilusões como as folhas da árvore depois do fulgor do verão mas através do emaranhado dos ramos cada vez mais despidos sorri o azul do céu Agora não estou mais seguro nem de haver defendido a inocência nem de haver feito valer o direito nem de ter feito triunfar a justiça contudo se o Senhor me fizer renascer começaria tudo de novo Malgrado os insucessos as amarguras os desenganos o balanço é positivo se destes faço a análise me dou conta de que a ocasião capaz de suprir todas as minhas deficiências consiste justamente na humilhação de deverme encontrar ao lado de tantos desgraçados contra os quais se desencadeia o vitupério38 e se açula o desprezo no último degrau da escada 30 Giuseppe Mentessi 18571931 pintor e professor italiano Originário de família pobre seu pai morreu quando ele tinha apenas 5 anos ocasião em que sua mãe se encarregou de enviálo para uma escola de arte Em 1880 Mentessi iniciou sua carreira de professor na Academia de Brera em Milão e em 1887 foi designado professor de pintura paisagística Suas pinturas tinham cunho social retratando a pobreza e o sofrimento e foram exibidas por toda a Europa seu quadro O Pão Nosso de Cada Dia foi apresentado na 1ª Bienal de Veneza em 1895 31 Vide nota 13 32 Il nome stesso dellavvocato suona come un grido di aiuto Advocatus vocatus ad chiamato a soccorrere Anche il medico e chiamato a soccorrere ma se solo allavvocato si da questo nome vuol dire che ve tra la prestazione del medico e la prestazione dellavvocato una differenza che non avvertita dal diritto e tuttavia scoperta dalla squisita intuizione del linguaggio Avvocato e colui al quale si chiede in prima linea la forma essenziale dellaiuto che e propriamente lamicizia Francesco Carnelutti Le Miserie del Processo Penale 33 Natural de Friul Itália 31 anos durante muito temo ela foi enganada por seu amante siciliano Giuseppe Ricciardi que se dizia solteiro e lhe havia prometido casamento Ao descobrir o engodo e decepcionada ela assassinou a mulher e os três filhos de Giuseppe por estrangulamento e golpes de barra de ferro num ato de selvageria até então nunca visto pelos habitantes da região Foi condenada à prisão perpétua porém perdoada em 1975 Morreu em 1988 aos 73 anos de idade 34 Originário ou pertencente a Cirene antiga cidade e colônia grega na Cirenaica O mesmo que cirenaico O que colabora ou auxilia principalmente em trabalhos penosos 35 Natural da Bretanha França Yves Hélory de Kemartin Santo Ivo nasceu em 17 de outubro de 1253 Filho de nobres em 1267 ele foi mandado para Universidade de Paris onde se formou em Direito Civil Em 1277 se mudou pra Orléans pra estudar Direito Canônico e em 1280 voltou para a Bretanha onde foi designado oficial juiz eclesiástico da arquidiocese de Rennes Sempre demonstrou zelo e lisura no cumprimento de suas obrigações e entregouse à defesa dos miseráveis e oprimidos contra os poderosos não vacilava em resistir às injustas taxações do rei razões pelas quais ganho o título de patrono dos advogados procuradores juízes juristas notários órfãos e abandonados Dizia jurame que sua causa é justa e eu a defenderei gratuitamente Santo Ivo inspirou a criação da Instituição dos Advogados dos Pobres especialmente para lutar pelas causas dos pobres viúvas órfãos e revéis Há total identidade entre os princípios da Defensoria Pública e a Instituição dos Advogados dos Pobres bem a propósito a data de sua morte foi escolhida para as comemorações do Dia do Defensor Público Foi ordenado e designado para a paróquia de Trendez em 1285 e depois para Louanne onde morreu em 19 de maio de 1303 Foi enterrado em Tréguier e canonizado em 1347 pelo Papa Clemente VI 36 Batei e abrirseá a vos 37 Expor e requerer algo em juízo 38 Ação vergonhosa infame ou criminosa Insulto injúria CAPÍTULO IV O JUIZ E AS PARTES No ponto mais alto da escala está o juiz Não existe ofício algum mais alto do que o seu e nem uma dignidade mais imponente Ele é colocado na sala de aula como professor supremo merecendo esta superioridade A linguagem dos juristas promove o juiz com uma palavra aproximando daquele profundo significado os juristas mesmos e tanto mais os filósofos deveriam deterse mais do que a detém a atenção Nós dizemos que diante do juiz estão as partes39 Denominamse partes os sujeitos de um contrato por exemplo o vendedor e o comprador o locador e o inquilino o sócio e o outro sócio e por igual os sujeitos de um litígio o credor quer receber o pagamento e o devedor que não quer pagar o proprietário que quer a devolução de sua casa e o inquilino que quer continuar a habitála e enfim se chamam também assim os sujeitos do contraditório isto é daquela disputa que se desenrola entre os dois defensores nos processos civis ou entre o Ministério Público e o defensor nos processos penais Estes todos eles denominamse assim porque são divididos e a parte provém justamente da divisão Cada um tem um interesse oposto ao do outro O vendedor quer entregar pouca mercadoria e ter entrada de muito dinheiro enquanto o comprador quer exatamente o contrário cada um dos sócios quer tomar a parte do leão dos dois defensores se um vence o outro perde cada qual puxa a água para o seu moinho Os juristas utilizam por isto o nome de parte mas o significado de parte é muito mais profundo na parte convergem o ser e o não ser cada parte é ela mesma e não é a outra parte Mas se é assim todas as coisas e todos os homens40 são partes uma rosa é uma rosa e não uma violeta um cavalo é um cavalo e não um boi eu sou eu e não sou você E esta de ser o homem41 não outra coisa que uma parte é uma descoberta de inestimável valor Por isto os filósofos deveriam dar mais crédito à linguagem dos juristas e prestarlhes mais atenção Assim pois se aqueles que estão diante do juiz para serem julgados são partes quer dizer que o juiz não é parte Com efeito os juristas dizem que o juiz está acima das partes por isso ele está no alto e o acusado abaixo por baixo dele um na prisão o outro sobre a cátedra Igualmente o defensor está embaixo com relação ao juiz pelo contrário o Ministério Público está ao seu lado isto constitui um erro que com uma maior conscientização em torno da mecânica do processo terminará por ser retificado O juiz também é um homem se é um homem é também uma parte Esta de ser ao mesmo tempo parte e não parte constitui uma contradição na qual se debate o conceito de juiz O fato de ser o juiz um homem e do dever ser mais que um homem constitui seu drama Um drama representado com insuperável maestria no Evangelho de João e ainda fico assombrado quando me volve à memória aquela sublime representação de que Benedetto Croce42 ainda que seja a partir do ponto de vista puramente estético haja compreendido tão pouco sua grandeza até o ponto de ser denominado um quadrinho engraçado Jesus foi depois ao monte das Oliveiras mas ao amanhecer estava no templo e todo o povo acorria a Ele e Ele se pôs sentado e ensinava nessa ocasião os escribas e fariseus conduziam uma mulher que foi surpreendida em adultério e postandoa no meio diziam a Ele esta mulher foi apanhada em ato de adultério Ora Moisés na legislação nos tem ordenado que tais mulheres sejam apedrejadas Tu que nos dizes E isto perguntavam para colocálo à prova e ter meio de acusálo Mas Jesus se inclinou e com o dedo se pôs a escrever sobre a terra Insistindo aqueles a interrogálo Ele se levantou e respondeu quem é de vós sem pecado atire a primeira pedra43 É o suficiente para ficar sem alento Quem é de vós sem pecado atire a primeira pedra Necessita para sentirse digno de punir estar sem pecado portanto somente o juiz está acima daquele que é julgado E posto que o pecado não é outra coisa do que o nosso não ser aquilo que deveremos ser é necessário ser plenamente sem deficiências sem sombras sem lacunas em suma é necessário não ser parte para ser juiz Nada de quadrinho engraçado O problema do juiz o mais árduo problema do direito e do Estado está estabelecido aqui com uma clareza espantosa Certamente assim entenderam os escribas44 e os fariseus45 que tinham tentado confundir o Mestre uma vez que o Evangelho continua narrando que Jesus de novo se inclinou e escrevia na terra46 Esperava Ele pensativo o efeito de suas palavras Então escribas e fariseus foram andando um atrás do outro começando dos mais velhos até os últimos e permaneceu somente Jesus e a mulher que estava no meio47 Nenhum homem se pôs a pensar no que era necessário para julgar o outro homem aceitaria ser juiz E contudo é necessário encontrar juízes O drama do direito é este Um drama que deveria estar presente a todos dos juízes aos jurisdicionados no ato no qual se promove o processo O Crucifixo que graças a Deus nas salas de audiência pende ainda sobre a cabeça dos juízes seria melhor se fosse colocado diante deles a fim de que ali pudessem com frequência pousar o olhar este a exprimir a indignidade deles és não outra coisa que a imagem da vítima mais insignificante da justiça humana Somente a consciência de sua indignidade pode ajudar o juiz a ser menos indigno A legislação buscou todos os expedientes possíveis para assegurar a dignidade do juiz O mais óbvio entre estes consiste no juízo colegiado48 uma vez que o julgar um outro homem exige que quem julgue seja mais do que aquele que é julgado o que se faz por mais homens colocados juntos À primeira vista o expediente parece ilusório uma dignidade não se obtém com a soma de várias indignidades Mas o certo é que uma coisa deve ser considerada a soma de vários juízes e outra sua unidade não se trata no colégio de agregar um juiz ao outro como os somatórios de uma adição mas de vertere plures in unum49 dirseia em latim isto é de convertêlos num só Apresentase aqui por meio misterioso o conceito de acordo ou acorde chave da música e chave do direito misterioso porque ainda não sabemos e talvez não saibamos jamais como acontece quando entre dois homens ocorre verdadeiramente a união e portanto formase a unidade comunicase a cada um a ser o outro mas não é o não ser o bem mas não o mal Pode parecer que a associação de delinquentes desminta essa afirmação mas refletindo aqui se dá conta de que se os delinquentes são mantidos juntos pelo medo tratase de um falsa união como seria aquela de um feixe de galhos amarrados juntos que nunca se formam com somente um galho ou se tem entre eles o afeto e isto é em qualquer caso um germe do bem o qual pode sempre encontrarse envolto e escondido sob a casca do mal O princípio do colegiado no judiciário é verdadeiramente um remédio contra a insuficiência do juiz no sentido de que se não a elimina ao menos a reduz Em outras palavras o juízo colegiado está menos longe do que o juízo singular daquilo que o juiz deveria ser mas a condição para que o juiz alcance a sua unidade ou seja que entre os juízes singulares estabeleçase o acordo que não significa tanto a identidade de opiniões quanto paridade preocupante para a verdade Tocouse assim a raiz do problema A justiça humana não pode ser mais do que uma justiça parcial a sua humanidade não pode deixar de ser resolvida na sua parcialidade Tudo que se pode fazer é tentar diminuir esta parcialidade O problema do direito e o problema do juiz são a mesma coisa Como pode fazer o juiz para ser melhor daquilo que já é A única via que lhe é aberta a tal fim é aquela de sentir a sua miséria é necessário sentiremse pequenos para serem grandes É necessário formarse uma alma de criança para poder entrar no reino dos céus É necessário a cada dia mais recuperar o dom de surpreenderse É necessário a cada manhã assistir com a mais profunda emoção ao nascer do sol e cada tarde ao seu poente É necessário sentiremse a cada noite aniquilados ante a infinita beleza do céu estrelado É necessário permanecer atônito ao perfume de um jasmim ou ao canto de um rouxinol É necessário cair de joelhos frente a cada manifestação desse indecifrável prodígio que é a vida Outros dirão que o juiz para ser juiz deve complementar certos estudos superar certos concursos submeterse a certos controles Sobretudo hoje se ensina que para ser juiz penal precisa estudar além do direito a sociologia a antropologia e a psicologia Certamente que são estudos úteis e também necessários mas não suficientes Primeiro de tudo não necessita crer que se possa colocar sobre a mesa de anatomia como se põe um corpo também a alma humana Não se deve confundir o espírito com o cérebro Certamente o espírito está condicionado pelo corpo e viceversa em particular a psicologia é a ciência que estuda estas relações mas além deste encontrase o campo que o juiz deve sobretudo conhecer e temo tanto que para o seu conhecimento não contribuem nem a universidade nem os institutos complementares Narra uma fábula que eu aprendi numa revista argentina que às queixas dos anjos pela criação deste ser absurdo meio anjo e meio animal que é o homem o Criador respondeu o homem não é questão para congressos de filosofia o homem não é questão para discutir em congresso de filosofia e teria acrescentado o homem é questão de fé no homem Desde que tive oportunidade de lêlas há anos não me saíram da mente estas palavras Poderia também dizer que é questão de fé no homem a questão penal Mas a fé no homem adquirese somente amando o homem Mais do que ler muitos livros eu queria que os juízes conhecessem muitos homens se fosse possível sobretudo santos e canalhas aqueles que estão sobre o mais alto ou o mais baixo degrau da escada Parecem imensamente distantes mas sobre o terreno do espírito acontecem coisas estranhas Necessitase pouco para converterse de canalha para santo Cristo com o exemplo do ladrão crucificado nos tem ensinado Em qualquer caso basta que o canalha se envergonhe de ser canalha e pode também bastar que um santo se envaideça de ser santo para perder a santidade Estas são realmente as coisas essenciais mas não se encontram em nenhum manual de psicologia Pois bem aprendese na igreja ou na penitenciária É curiosa também esta aproximação não é certo Entre a igreja e a penitenciária qualquer coisa como colocar juntos o inferno e o paraíso Mas o erro o tremendo erro está em crer que aqueles que estão encarcerados na penitenciária estejam degenerados 39 É a pessoa que figura num processo como autor réu litisconsorte ou terceiro interessado Já no Direito Civil costumase entender como partes principais o autor e o réu e como partes incidentais os terceiros intervenientes 40 Dizse da raça humana da humanidade 41 Toda vez que se refere ao homem Carnelutti nos remete ao ser humano considerado em seu aspecto morfológico ou como tipo representativo de determinada região geográfica ou época e não ao gênero do ser humano 42 Benedetto Croce 18661952 foi escritor conceituado filósofo e político italiano 43 João Capítulo VIII versículos de 1 a 7 44 Entre os judeus era o doutor da lei Oficial das antigas chancelarias ou secretarias Aquele que tinha por profissão copiar manuscritos muitas vezes mediante ditado 45 Diziase dos membros de uma seita judaica surgida no século II aC caracterizada pelo cumprimento rigoroso das prescrições da lei escrita porém nos Evangelhos são acusados de hipocrisia e excessivo formalismo Dizse do seguidor formalista de uma religião Pessoa hipócrita fingida 46 João Capítulo VIII versículo 8 47 João Capítulo VIII versículo 9 48 Dizse de um órgão cujos membros têm poderes iguais 49 Converter vários em um CAPÍTULO V DA PARCIALIDADE DO DEFENSOR Já se disse um homem para ser juiz deveria ser mais do que um homem E vêse que em essência é precisamente tal ideia a que inspira aquela forma de correção da insuficiência do juízo composto pelo colégio de juízes Mas não é este o único remédio que a experiência tem sugerido Para compreender é necessário partir da parcialidade do homem Todo homem temos dito é uma parte Precisamente por isto nenhum homem chega a apoderarse da verdade Aquela que cada um de nós crê ser a verdade não é senão um aspecto dela algo assim como uma minúscula faceta de um diamante maravilhoso É o que Cristo nos ensinou dizendo Eu sou a verdade Alcançar a verdade é alcançar a Ele e Nele Amandoo podemos nos aproximar indefinidamente mas alcançálo não porque Ele é infinito A verdade é como a luz ou como o silêncio os quais compreendem todas as cores e todos os sons mas a física tem demonstrado que a nossa vista não vê e os nossos ouvidos não ouvem mais que um breve segmento da gama das cores e dos sons estão aquém e além da nossa capacidade sensorial as infra e ultracores assim como os infra e os ultrassons Assim explicase um modo de dizer o qual para quem quer compreender este importantíssimo fato social que é o processo tem uma importância de primeiro plano O juiz quando julga estabelece quem tem razão isto quer dizer de que lado está a razão Qual razão é e não pode ser mais do que uma como a verdade também nesse sentido são equivalentes razão e verdade Mas como se explica então se a razão é uma só que precisamente no processo cada uma das partes expõe suas razões Aquelas que o e o defensor expõem quando discutem são as razões pelas quais o primeiro pede a condenação e o segundo a absolvição Como se concilia a unidade da razão com a pluralidade das razões Como pode alguém concluir que quem termina por não ter razão disse que expôs as suas razões A verdade é que tomando em comparação a razão se decompõe nas razões como a luz nas cores e o silêncio nos sons Da mesma maneira que não podemos nos postar diante toda a luz nem gozar todo o silêncio assim não podemos nos apoderar de toda a razão As razões são aquelas frações de verdade que cada um de nós parece ter alcançado Quanto mais razões expõemse tanto mais será possível que juntandoas um aproximese da verdade No fundo quando o juiz se prepara para julgar encontrase frente a uma dúvida este é culpado ou inocente Também a dúvida é uma palavra transparente dubium vem de duo Abrese via dupla diante do juiz de cá ou de lá O juiz deve escolher Mas para escolher deve recorrer a um ou outro caminho do contrário não poderia ver onde elas vão terminar Pois bem compreendese para que serve para o juiz o defensor e por que diante do defensor colocase o acusador são aqueles que guiam o juiz no percurso dos dois caminhos a fim de que ele possa escolher uma deles Acusador e defensor são em última análise dois raciocinadores constroem e expõem as razões O ofício deles é raciocinar Mas um raciocínio permitido em circunstâncias bem limitadas Um raciocínio de um modo diverso daquele do juiz Talvez não seja muito fácil compreender mas se não compreende isto pouco compreenderá do processo e não basta que compreendam os juristas porque estes são o ponto sobre o qual os leigos podem ter em torno do processo as impressões falsas e nocivas à civilização Raciocinar é em palavras simples colocar as premissas e tirar as conclusões O acusado confessou ter matado logo matou mesmo Em termos de lógica primeiro vêm as premissas e depois as conclusões Assim procede o raciocinador imparcial Mas o defensor não é um raciocinador imparcial E é isto que escandaliza as pessoas Apesar do escândalo o defensor não é porque não deve ser imparcial E porque não é imparcial o defensor não pode e não deve ser imparcial o seu adversário A parcialidade deles é o preço que se deve pagar para obter a imparcialidade do juiz que é pois o milagre do homem enquanto conseguindo não ser parte supera a si mesmo O defensor e acusador devem procurar as premissas para chegarem a uma conclusão obrigatória Tudo isso pode parecer absurdo E apesar disso a chave do processo está aqui Mal seria se o juiz contentasse em raciocinar assim o acusado confessou ter matado logo concluise que matou Temos entretanto casos nos quais um homem confessa o delito que não cometeu temos visto pais acusaremse para salvar o filho e filhos submeteremse ao mesmo sacrifício para salvar o pai Isto é tão certo e não somente pela razão que acabo de indicar que até o código Penal pune aqueles que denunciam contra a verdade de serem autores de um delito50 Isto quer dizer que também quando aqui temos provas evidentes da culpabilidade ou da inocência antes de condenar ou absolver é necessário continuar as investigações até que sejam exauridos todos os meios Mas para fazer isto o juiz deve ser ajudado sozinho não conseguiria O seu ajudante natural é o defensor este amigo do acusado que naturalmente tem o interesse de procurar todas as razões que possam servir para demonstrar a inocência O defensor é e deve ser um raciocinador em circunstâncias restritas isto é um raciocinador parcial um raciocinador que traz a água para seu moinho É claro porém que desta maneira o defensor é um colaborador precioso para o juiz entretanto muito perigoso por conta de sua parcialidade E como concebêlo como útil porém inócuo Contrapondolhe aquele outro raciocinador parcial no sentido inverso que se chama Ministério Público e deveria chamarse mais exatamente acusador No procedimento atual do processo penal o Ministério Público não é essencialmente um acusador ao contrário é concebido diferentemente do defensor como um raciocinador imparcial mas há aqui um erro de construção da máquina que quanto a isto funciona mal ademais de nove de cada dez vezes a lógica das coisas arrasta o Ministério Público a ser aquilo que deve ser o antagonista do defensor Desenvolvese assim diante dos olhos do juiz o que os técnicos chamam o contraditório51 e que é realmente um duelo o duelo serve para o juiz superar a dúvida a propósito disto é interessante notar que também duelo como dúvida vem de duo No duelo personificase a dúvida É como se no cruzamento de duas ruas dois valentes batessemse para arrastar o juiz para uma ou para outra As armas que servem para eles combaterem são as razões Defensor e acusador são dois esgrimistas os quais não raramente fazem uma má esgrima mas as vezes ofereçam aos entendidos um espetáculo excelente Também aqueles que não são entendidos como acontece nos torneios acabam por se apaixonarem por esse jogo Esta é também para o público uma das mais fortes atrações no processo penal Mas digamos também é uma coisa que dá ao processo penal o sabor de escândalo e é precisamente por isso as pessoas o apreciam E é precisamente por isso também que os advogados adquirem a fama de criadores de sofismas52 Em boa parte a sátira53 que cresce excepcionalmente vigorosa contra nós é devida a uma maligna interpretação deste fenômeno Não se compreende que se o advogado fosse um raciocinador imparcial não somente trairia o próprio dever mas contrariaria a sua razão de ser no processo e o mecanismo deste sairia desequilibrado Sem dúvida isto das duas verdades a verdade da defesa e a verdade da acusação é um escândalo mas é um escândalo do qual o juiz tem necessidade a fim de que não seja um escândalo o seu juízo E isto não só porque o juiz tem necessidade de que lhe sejam apresentadas todas as razões para encontrar a razão e quantas mais lhes são apresentadas e mais em aparência parece que se complica mas na realidade simplificase o seu cumprimento Sob este aspecto o combate entre defensor e acusador parece o choque de duas pedras do qual sai faísca As razões como já dissemos são para a razão como as cores para a luz as arengas os uniformes do defensor e do acusador assemelhamse a uma roda giratória de cores mas girando velozmente se fundem na luz De qualquer maneira a vantagem que o juiz tira não é somente de ordem intelectual A verdade é que o contraditório o ajuda justamente porque é um escândalo o escândalo da parcialidade o escândalo da discórdia o escândalo da Torre de Babel54 A repugnância à parcialidade convertese para o juiz na necessidade de superála e nesta necessidade a salvação do juízo Eis que esta tentativa de análise do processo penal no seu momento mais tecnicamente delicado permite talvez escolher um resultado que tem de per si uma certa importância para a civilização Poder seia falar neste ponto de reabilitação dos advogados A do advogado é quiçá uma das figuras mais discutidas no quadro social daí dizerse a mais atormentada Entre outras coisas jamais nem sequer nos momentos de maior convulsão história proposta supressão dos médicos ou dos engenheiros mas dos advogados sim Em alguma ocasião chegouse até a suprimilos depois ressurgiram com rapidez No fundo o protesto contra os advogados é o protesto contra a parcialidade do homem A verse bem eles são os cireneus55 da sociedade carregam a cruz por um outro e esta é a nobreza deles Se me pedissem para a Ordem dos Advogados um lema proporia o virgiliano56 sic vos non vobis57 Somos os que aramos o campo da justiça e não colhemos os frutos 50 Pelo Código Penal brasileiro tratase do crime de autoacusação falsa capitulado no art 341 por força do qual comete o crime quem acusarse perante a autoridade de crime inexistente ou praticado por outrem impondolhe a pena de detenção de 3 meses a 2 anos ou multa 51 Dizse quando há contestação das partes em que há réplica tréplica impugnação No processo ou julgamento em que ocorre discussão judicial e há igualdade entre as partes 52 Argumento ou raciocínio aparentemente válido porém não conclusivo e que supõe máfé por parte de quem o apresenta 53 Ocasião em que se faz ironia mofa ou zombaria 54 A Torre de Babel é descrita no livro bíblico do Gênesis X10 XI19 como uma torre enorme construída pelos descendentes de Noé com a finalidade de tocar os céus Irado com a ousadia humana Deus teria feito com que todos os trabalhadores da obra começassem a falar em idiomas diferentes de modo a que não pudessem se entender e assim acabaram por abandonar a sua construção De acordo com a Bíblia daí se origina os idiomas da humanidade Babel foi uma das primeiras cidades construídas após o Dilúvio pertenceu ao reino mesopotâmico de Ninrode Nimrod Significa Babilônia e apesar de seu lado mitológico a Torre de Babel realmente pode ter sido construída 55 O que colabora ou auxilia principalmente em trabalhos penosos Vide nota 26 56 Relativo a Virgílio 7019 aC poeta latino Aquilo que tem caráter da poesia de Virgílio Aquele que é grande admirador da obra de Virgílio 57 Assim nós trabalhamos mas não em proveito próprio CAPÍTULO VI DAS PROVAS A missão do processo penal está no saber se o acusado é inocente ou culpado Isto quer dizer antes de tudo se ocorreu ou não ocorreu determinado fato um homem foi ou não foi morto uma mulher foi ou não foi violentada um documento foi ou não foi falsificado uma joia foi ou não subtraída Seria necessário antes de tudo saber o que é um fato São palavras que se empregam intuitivamente se as compreendem de forma aproximada mas é necessário que nos detenhamos a refletir sobre elas Um fato é um pedaço de história e a história é a via que percorrem desde o nascimento até à morte os homens e a humanidade Um trecho da via portanto Mas do caminho que se percorreu não daquele que se pode fazer Saber se um fato aconteceu ou não quer dizer voltar atrás Este voltar atrás é aquilo que se chama fazer a história Não é mistério que no processo e não só no processo penal se faz a história Digo não é um mistério para os juristas os quais desde muito tempo voltaram nele a sua atenção mas pode surpreender o homem comum para quem é dirigido o meu discurso Isto acontece porque nós estamos acostumados a considerar a história dos povos que é a grande história mas existe também a pequena história a história dos indivíduos aliás não haveria aquela sem esta igualmente não existiria a corda sem os fios que estão enrolados Quando se fala de história o pensamento voa sobre as dificuldades que se apresentam para reconstituir o passado mas são tendo em conta a medida as mesmas dificuldades que devem ser superadas no processo Com isto de pior o delito é um trecho do caminho cujos rastros quem a percorreu procura destruir Sucede o contrário daquilo que ocorre normalmente com relação ao contrato em caso de compra tanto mais se a coisa tem um valor relevante conserva em geral mediante um documento a prova de ter comprado quando rouba destrói da melhor forma que se possa fazêlo as provas de ter roubado As provas servem exatamente para voltar atrás ou seja para fazer ou melhor para reconstruir a história Como faz quem tendo caminhado através dos campos tem que percorrer em sentido contrário o mesmo caminho Segue os rastros de seus passos Vem em mente o cão policial o qual vai farejando aqui e ali para seguir com o faro o caminho do malfeitor perseguido O trabalho do historiador é este Um trabalho de habilidade e paciência sobretudo para o qual colaboram a polícia o Ministério Público o juiz instrutor os juízes de audiência os defensores os peritos Prescindindo das crônicas dos jornais os livros policiais e o cinema têm elevado as paixões mais do que informado o público sobre este trabalho A vantagem desta literatura sob o aspecto da civilidade está no difundir a impressão para não dizer a experiência da dificuldade de investigação por causa da falibilidade das provas O risco é errar o caminho E o dano é grave quando se erra o caminho também a história feita somente por meio de livros Porque ainda quando os historiadores não se deem conta dele e os filósofos ou ao menos alguns filósofos o neguem não se retorna ao caminho percorrido senão para encontrar o caminho a ser percorrido de qualquer forma isso é tão manifesto quando o passado reconstróise para determinar o destino de um homem Mas existe também o reverso da medalha e qual reverso A culpa não é toda da literatura policial como possa ser compreendida Esta aliás pode ser um sintoma melhor do que a causa de um fenômeno derivado de causas mais profundas Talvez esta deveria buscar naquela tendências para a diversão a qual faz parte da crise da civilidade que estamos atravessando Em uma palavra é a história mesma que se converte em meio de diversão A crônica judiciária e a literatura policial servem do mesmo modo de diversão para a cinzenta vida cotidiana Assim o descobrimento do delito de dolorosa necessidade social tornouse uma espécie de esporte as pessoas se apaixonam como na caça ao tesouro jornalistas profissionais jornalistas diletantes jornalistas improvisados não somente colaboram como concorrem com os oficiais de polícia e aos juízes instrutores e o que é pior fazem o trabalho deles Cada delito desencadeia uma série de investigações de conjecturas de informações de indiscrições Policiais e magistrados passam de vigilantes a vigiados por um grupo de voluntários dispostos a apontar cada um de seus movimentos a interpretar cada um de seus gestos a publicar cada uma de suas palavras As testemunhas são encurraladas como a lebre de cão de caça depois explorados sugestionadas comprados Os advogados são o alvo dos fotógrafos e dos jornalistas E com frequência nem sequer os magistrados logram opor a este frenesi a resistência que requereria o exercício de seu ofício austero Esta degeneração do processo penal é um dos sintomas mais graves da civilidade em crise É até difícil representar todos os danos devidos à falta daquele isolamento que a nenhum outro dever é necessário como aquele que no processo penal deve ser observado Não o mais grave mas certamente o mais visível é aquele que resguarda o respeito ao acusado A Constituição italiana proclamou solenemente a necessidade de tal respeito declarando que o acusado não deve ser considerado culpado até que não seja condenado com uma sentença definitiva58 Esta é porém uma daquelas normas as quais servem somente a demonstrar a boafé daqueles que a elaboraram ou em outras palavras a incrível capacidade de iludirse da qual são dotadas as revoluções Infelizmente a justiça humana é feita assim que nem tanto faz sofrer os homens porque são culpados quanto para saber se são culpados ou inocentes Esta é infelizmente uma necessidade à qual o processo não se pode furtar nem sequer se o seu mecanismo fosse humanamente perfeito Santo Agostinho59 escreveu a este propósito uma de suas páginas imortais a tortura nas formas mais cruéis está abolida ao menos sobre o papel mas o processo por si mesmo é uma tortura Até um certo ponto havia dito não se pode prescindir dela mas a denominada civilização moderna tem exagerado de modo inverossímil e é insuportável esta triste consequência do processo O homem quando sobre ele recai a suspeita de um delito é jogado às feras como se dizia num tempo em que os condenados eram oferecidos como alimento às feras A fera a indomável e insaciável fera é a multidão O artigo da Constituição que se ilude ao assegurar a incolumidade do acusado60 é praticamente inconciliável com aquele outro que sanciona a liberdade de imprensa61 Apenas com o surgimento da suspeita o acusado a sua família a sua casa o seu trabalho são inquiridos examinados isso na presença de todo mundo O indivíduo dessa maneira é feito em pedaços E o indivíduo assim relembremonos é o único valor que deveria ser salvo pela civilização Mas existe um outro indivíduo no centro do processo penal ao lado do imputado a testemunha Os juristas friamente classificam a testemunha junto com o documento na categoria das provas Aliás tratase de uma certa categoria de prova Esta frieza deles é necessária como a do anatomista que seciona o cadáver mas ai de nós se esquecermos que enquanto o documento é uma coisa a testemunha é um homem um homem com o seu corpo e com a sua alma com os seus interesses e com as suas tentações com suas lembranças e com os seus esquecimentos com a sua ignorância e com a sua cultura com a sua coragem e com o seu medo Um homem que o processo coloca em uma posição incômoda e perigosa submetido a uma espécie de requisição para utilidade pública afastado de seus afazeres e sua paz pesquisado espremido inquirido e convertido em objeto de suspeita Não conheço um aspecto da técnica penal mais preocupante do que aquele que se refere ao exame aliás em geral ao tratamento da testemunha Também aqui de resto a exigência técnica termina por se transformar em uma exigência moral se devesse resumila em uma fórmula colocaria no mesmo plano o respeito da testemunha e o respeito do acusado No centro do processo em última análise não está tanto o acusado ou a testemunha quanto o indivíduo Todos sabemos que a prova testemunhal é a mais infiel entre as provas a legislação a cerca de muitas formalidades querendo prevenir os perigos a ciência jurídica chega ao ponto de considerála um mal necessário a ciência psicológica regula e inventa até instrumentos para a sua avaliação ou seja para discernir a verdade da mentira mas a melhor maneira para garantir o resultado sempre foi e será sempre a de reconhecer na testemunha um homem e de concederlhe o respeito que merecem todos os homens Recentemente um requintado advogado de Genebra comentando o processo de Digne na França pelo assassinato da família Drummond62 amargamente por ele chamada de Kermesse Judiciaire ou procès touristique ao observar os fotógrafos que na corte juchés perchés debout assis accroupis mitraillaient les témoins perguntavase como é possível que a verdade alcance a superfície quando a testemunha é perseguida pelos fotógrafos cercada assim até influenciála por jornalistas por guardas e pelos advogados e conclui em pensamento profundo não se abre nem o coração nem a alma sob o sopro da multidão Não obstante o povo está persuadido de que esta que produz tais fenômenos ou seja uma civilização em progresso E podese esperar com confiança que algum jurista ou algum filósofo construa uma magnífica teoria tanto da arte como da história da massa sustentando que a figura do historiador concentrado prudente absorto no pesar as provas como o químico com as suas balanças e com as suas provetas é uma figura de outros tempos considerada somente pela nostalgia de algum idoso do século XIX como este velho jurista que procura ensinar uma verdade cuja descoberta dedicou toda a sua vida 58 Por força do inciso LVII do art 5º da Constituição Federal brasileira ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória 59 Aurélio Agostinho Agostinho de Hipona ou Santo Agostinho foi um bispo católico teólogo e filósofo que nasceu em 13 de novembro de 354 em Tagaste Argélia norte da Áfgrica colonizada por Roma Foi professor de retórica em Milão em 383 Seguiu o maniqueísmo e se converteu ao cristianismo pela pregação de Ambrósio de Milão Foi batizado na Páscoa de 387 e retornou ao norte da África estabelecendo em Tagaste uma fundação monástica junto com alguns amigos Em 391 foi ordenado sacerdote em Hipona Tornouse um pregador famoso existem mais de 350 sermões seus que são considerados como autênticos e notado pelo seu combate à heresia do maniqueísmo Defendeu também o uso de força contra os donatistas Morreu em 430 durante o cerco de Hipona pelos Vândalos Conta a história que ele encorajou seus cidadãos a resistirem aos ataques principalmente porque os Vândalos haviam aderido ao arianismo que Agostinho considerava uma heresia É considerado pelos católicos santo e doutor da doutrina da Igreja 60 Inciso LVII do art 5º da Constituição Federal brasileira 61 Inc IX do art 5º e 1º do art 220 ambos da Constituição Federal brasileira 62 Rumoroso caso de assassinato triplo ocorrido em Digne na França em 4 de agosto de 1952 onde foram mortos os membros da família inglesa Drummond Jack o pai 61 Ann a mãe 47 e Elisabeth a filha 10 CAPÍTULO VII O JUIZ E O ACUSADO O juiz temos dito é também um historiador com a única diferença entre a grande e a pequena história A história que o juiz faz ou melhor reconstrói é a pequena história pode parecer que a sua missão seja mais fácil do que a daquele que reconstrói a grande história Eu me indago verdadeiramente se é mais fácil manejar o microscópio que o telescópio A diferença entre o povo e o indivíduo não é aquela entre o macrocosmo e o microcosmo É um aspecto da nossa cegueira aquele de dar muita importância à distinção entre as grandes e pequenas coisas depois de tudo a experiência do valor do átomo deveria desfazer engano De qualquer maneira a missão do historiador e do juiz não está somente em reconstruir um fato quando em um processo por homicídio se tem estabelecido a certeza de que o acusado com um tiro de pistola matou um homem não se sabe ainda dele tudo quanto for preciso saber para condenálo O homicídio não é somente ter matado mas ter querido matar Isto quer dizer que o juiz não deve limitar a sua investigação somente aos aspectos externos ou seja as relações do corpo do homem com o resto do mundo mas deve descer mediante investigação à alma daquele homem E quando se diz alma ou espírito ou psique63 como hoje preferem as pessoas cultas aludese a uma região misteriosa da qual não conseguimos falar senão por meio de metáforas É necessário ir com cautela na investigação neste terreno O perigo mais grave é o de atribuir ao outro a nossa alma ou seja de julgar aquilo que ele sentiu compreendeu quis segundo aquilo que nós sentimos compreendemos queremos Certamente não se pode julgar pela intenção senão através da ação ou seja aquilo que o homem faz Mas de tudo aquilo que faz não de uma parte somente A ação do homem não é um ato singular mas todos os seus atos em conjunto Aqui o conceito que nos pode orientar é o do indivíduo exatamente porque exprime a ideia de indivisibilidade indivíduo não quer dizer outra coisa que não seja indivisível Um homem denominase indivíduo para significar em uma palavra que não se pode fazer a sua história por parte Aquilo que o homem quis não se pode conhecer senão através daquilo que o homem é e aquilo que o homem só se conhece por toda a sua história O ego64 de cada um de nós é um centro para o qual se dirigem e no qual se unificam todos os nossos atos Cada um de nossos atos relacionamse com este princípio Fisicamente o ato pode ser considerado em si psicologicamente não A vontade de um ato é o seu princípio e o princípio não se encontra senão ao final da história de um homem Isto quer dizer em uma palavra que quando o juiz tem reconstruído o fato não percorre senão a primeira etapa de um caminho de lá desta etapa o caminho prossegue porque lhe resta conhecer a vida inteira do acusado Esta verdade que eu espero ter enunciado com bastante clareza encontrase atualmente reconhecida pelas legislações penais modernas Há um artigo do nosso código o qual obriga o juiz a ter em conta a conduta e a vida do réu antecedentes ao delito a conduta contemporânea e subsequente ao delito as condições de vida individual familiar e social do réu65 Esta é uma norma que conhecem somente os juristas mas também o homem comum a deve conhecer porque também este deve saber que a legislação penal declara solenemente deverse fazer no processo qualquer coisa que ao invés não se tem e não se pode ter Isso deveria gerar um escândalo para ele mas a fim de que os escândalos possam ser úteis ao bem devem ser conhecidos Este é justamente o objetivo que A Voz de São Jorge se propõe O que a legislação quer é precisamente que o juiz percorra inteiramente toda a história do acusado O que se supõe em primeiro lugar é que o juiz tenha o tempo e a paciência suficientes de se fazer relatála para ele depois deverá verificar o relato e deve habituarse a assim fazer Basta enunciar esta necessidade para que venha à luz o paradoxo aliás o absurdo do processo penal Na realidade o juiz não tem a paciência e se a tivesse não disporia de tempo para escutar a história do acusado nem sequer os aspectos mais importantes e se escutasse somente quanto a esses aspectos não teria ainda escutado a história verdadeira porque a história verdadeira é feita também pelas pequenas coisas as quais importam para o conhecimento de um homem muito mais que as coisas grandes e já adverti de resto que a diferença entre o grande e o pequeno não é mais que um efeito da limitação dos sentidos do intelecto do homem Tanto mais é impossível desenvolver o trabalho de historiador daí que a legislação assina ao juiz enquanto escutar a história do acusado exige em primeiro lugar que seja superada a sua desconfiança primeira condição de um relato sincero e a desconfiança não se vence senão com amizade que entre o juiz e o acusado na maior parte dos casos é um sonho Se se acrescenta que o relato naturalmente deveria ser objeto de comprovação e que assim a investigação assumiria em cada processo dimensões imponentes é fácil concluir que a missão histórica do juiz penal enquanto se refere ao desenvolvimento espiritual que se conduz ao delito é na melhor das hipóteses grosseiramente aproximativo Não há que se acreditar que o ambiente dos juristas tenha permanecido insensível a este escândalo Faz muito tempo que os juristas se deram conta de que para o juízo penal precisa além do fato conhecer o homem e conhecer o homem não é possível sem reconstruirlhe a história A colocação que eu lembrei pouco faz foi introduzida por mérito como argumento da ciência no código penal italiano E se hão dado conta os juristas de que os meios dos quais dispõe para conhecer o homem são absolutamente inadequados Por isso ultimamente se propagou um movimento voltado a procurarlhe ajuda de um experto em psicologia Também este será desde logo um passo adiante quando se puder dar mas não se deve atribuir à psicologia capacidade e méritos maiores do que aqueles que ela possui Os limites da psicologia são os limites da ciência isto é mais ou menos os limites das análises ainda que a matéria tenha seja removida até os seus mais íntimos recantos não é desta maneira que se pode entender o segredo da vida e o segredo do espírito é o segredo da vida Tudo aquilo que o psicólogo pode fazer é alguma coisa de análogo àquilo que faz o anatomista sobre o corpo do homem mas o espírito é essencialmente unidade Não o caminho da psicologia mas o da amizade pode conduzir o homem ao coração de outro homem E o caminho da amizade ao juiz é infelizmente vedado Estas coisas eu lhes digo não para incitálos a desprezar o processo penal e os homens que construíram ou que manobram o seu dispositivo Estes homens tiveram e ainda têm suas culpas e elas não devem ser escondidas mas também não se deve exagerar sobretudo devemos reconhecer que são pobres também eles como nós e as coisas perfeitas ninguém as sabe fazer O escândalo não está no fundo nos homens mas nas coisas No fundo o escândalo não está nos homens senão nas coisas É o processo penal em si uma pobre coisa à qual é destinada uma missão muito elevada para ser cumprida Isto não quer dizer que se possa prescindir dele mas temos de reconhecer a sua necessidade deve ser reconhecida igualmente a sua insuficiência Nisto está verdadeiramente uma condição da civilidade a qual exige que seja tratado com respeito não somente o juiz mas também aquilo que deve ser julgado incluase aqui o condenado Devemos contentarnos infelizmente com a história do acusado como o juiz a pode fazer mas não devemos fundamentar com ela o nosso juízo e sobretudo o nosso desprezo Tanto mais que a história do indivíduo como o juiz a pode fazer pela própria natureza do processo penal é uma história irremediavelmente incompleta Um homem é desde logo a sua história E sua história é composta não somente de seu passado mas também do seu futuro Eu sou não somente aquilo que tenho sido senão também aquilo que serei O presente é a síntese do passado e do futuro Isto é tão verdadeiro que o próprio Código Penal determina que o juiz tenha em conta a conduta do réu assim precedente como subsequente ao delito66 Mas o juiz deve forçosamente deterse à história tanto no momento do delito como ao momento do julgamento já o que vem depois não pode ter em conta porque não pode adivinhar todavia ainda que ignorado o futuro também é real O juízo para ser justo deveria ter em conta não somente o mal que ele fez mas também o bem que fará não somente a sua capacidade para delinquir mas também da sua capacidade para se redimir Mas este julgamento para ser justo deveria ser inteiro e só ser feito depois que o homem tivesse completado a sua vida Não se pode tirar as somas de um balanço diria um homem de negócios senão ao fim do exercício Tal é a razão pela qual o processo de beatificação é feito pela igreja sobre o morto não sobre o vivo Há sempre tempo até que se tenha ânimo para que um canalha convertase em santo ou um santo em canalha vale o exemplo evangélico do ladrão crucificado Ao invés contrário ao que acontece com o processo de beatificação o processo penal deve ser feito durante a vida Na melhor das hipóteses não se pode atribuir ao julgamento que se pronuncia senão o valor provisório esta pessoa por hora é um canalha a menos que não se converte em santo também o ladrão crucificado até que não o tenham pregado sobre a cruz até que não tenha pronunciado agonizante a sublime palavra do arrependimento era um canalha mas com aquela palavra resgatou toda a sua perversidade Que tenham entendido assim espero o valor destas minhas reflexões para o bem da sociedade Não tenho a menor intenção de desacreditar o processo penal além dos limites nos quais a sua imperfeição poderia ser eliminada com um pouco mais de atenção e boa vontade Por outro lado a civilização exige que não se lhe atribua um valor que não careça ou não possa chegar a ter O acusado deveria ser considerado com o mesmo respeito que se dá ao doente nas mãos do médico ou do cirurgião Uma comparação se feita entre o enfermo e o preso foi feita por Jesus e dela não devemos nos esquecer 63 Dizse da alma ou do espírito distintos do corpo Mesmo que mente ou a estrutura mental ou psíquica de um indivíduo 64 O eu de qualquer indivíduo 65 Reza o art 59 do Código Penal brasileiro que o juiz atendendo à culpabilidade aos antecedentes à conduta social à personalidade do agente aos motivos às circunstâncias e consequências do crime bem como ao comportamento da vítima estabelecerá conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime I as penas aplicáveis dentre as cominadas II a quantidade de pena aplicável dentro dos limites previstos III o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade IV a substituição da pena privativa da liberdade aplicada por outra espécie de pena se cabível 66 Art 59 do Código Penal brasileiro CAPÍTULO VIII O PASSADO E O FUTURO NO PROCESSO PENAL Mas por que pois o Juiz faz a história Aquilo que tem sido tem sido factum infectum fieri nequit67 diziam uma vez ninguém pode fazer tornar atrás o tempo Ninguém nem sequer Deus disse um dia em polêmica comigo nada menos que um religioso superior e a mim pareceu uma blasfêmia ainda que inconsciente Mas deixemos estar este tema porque retornar nele se perderia a linha do discurso Água passada não move moinho uma grande tentação emana deste provérbio a absoluta desesperança Não há então remédio para o passado Se não fosse assim por que se faria o processo penal Uma obscura intuição tem sempre levado os homens a acreditar que exista um remédio O delito é uma desordem e o processo serve para restaurar a ordem esta é a intuição Mas como se forma a ordem em lugar da desordem A verdade intuída é que o remédio para o passado está no futuro Não outra que esta verdade intuída guia os homens para reconstruir a história Num período esta intuição teria encontrado a sua fórmula quando se dizia que a história é mestra da vida Hoje não se diz mais e parece um passo à frente no caminho do saber Também o caminho do saber como todos os caminhos que conduzem para o alto tem os seus falsos planos e os seus percursos em declínio Certo é que tendo perdido por assim dizer o contato entre o passado e o futuro nós nos temos distanciado mais do que aproximados do alto Talvez uma das características da crise é justamente este que chamarei o desinteresse pelo futuro Existiu um filósofo venerado pelos italianos e não por somente eles o qual negou ao homem a possibilidade de prever Poucas responsabilidades da filosofia são mais graves do que essa A cegueira desses pretensos condutores de homens os quais não sabem que o único problema do homem é o problema do futuro fazem vir à mente as palavras do Evangelho como pode um cego guiar um outro cego sem que um e outro se precipite no abismo Não há outro modo para resolver o problema do futuro do homem que não seja o de olhar para o passado somente a observação do passado pode permitir lhes captar como em um espelho o segredo do futuro Se estes soubessem desmontar como faz um mecânico com uma máquina o prodigioso mecanismo do pensamento teriam compreendido ao menos qual seja a virtude da memória guardada do passado da qual a inteligência inicia o voo para o futuro De qualquer maneira se há um passado que se reconstrói para fazer a base do futuro no processo penal esse passado é o do homem na prisão Não há outra razão para atingir o delito senão aquela de infligirlhe a pena O delito está no passado a pena está no futuro Diz o juiz devo saber aquilo que você foi para estabelecer aquilo que será Foi um delinquente e será um encarcerado Fez sofrer sofrerás Não soube usar sua liberdade será encarcerado Eu tenho nas mãos a balança a justiça quer que quanto pese seu delito tanto pese sua pena Mas ocorre que ao chegar neste ponto ocorre algo que complica o problema Isto depende do fato de que os delitos não possam ser reprimidos é necessário prevenilos O cidadão deve saber antes quais serão as consequências dos seus atos para poder comportarse É necessário também para os homens algo que os assustem para salválos da tentação como se assustam os pássaros com o espantalho a fim de que não comam os grãos Assim a balança passa das mãos do juiz para as do legislador O peso se faz antes que o ladrão roube afim de que se abstenha de roubar Mas se antes se faz fazse não sobre o fato mas sobre o tipo O tipo é um conceito não um fato uma abstração não uma realidade algo previsto não algo acontecido Ora o prever é a um tempo mais ou menos ver mais do que ver porque se acrescenta ao ver menos porque não se vê tudo aquilo que se verá quando terá acontecido É em suma um ver indistinto distinguemse as grandes linhas mas o acontecimento reservase sempre ainda que seja conforme a previsão algo de novo Então o Direito Penal debatese neste dilema ou se coloca a balança nas mãos do juiz e então se o juiz é justo o peso será justo mas o direito não serve ou serve pouco para a função preventiva ou se reserva a balança ao legislador e então opera a prevenção no sentido de que o cidadão saiba antes qual consequência se expõe ao desobedecer à legislação mas o peso corre o risco de não ser justo porque o que se coloca sobre um dos pratos é o tipo não o fato e o tipo dissemos é uma abstração não uma realidade Entre os dois lados do dilema a solução não pode ser mais do que um compromisso para salvar cabra e couves não se salva nem a cabra nem as couves não é possível nadar e manter a roupa seca Por isso em primeiro lugar a técnica penal recorre à multiplicação dos tipos Tem uma espécie de mostruário sempre mais numeroso que se coloca à disposição do juiz a fim de que ele esteja em condições de encontrar o tipo que se assemelha mais ao fato na sua concretização E uma vez que a vida social e com essa a delinquência se complica sempre mais também o Código Penal aliás junto com a legislação penal as quais enfim não são mais todas contidas no Código pois hoje a maior parte fica de fora tornase uma espécie de labirinto O juiz naturalmente deverá saber se mover nesse labirinto Por isso deve ser um jurista O que não deixa de ser um perigo tanto é verdade que os tribunais do júri tal é o nome que se dá aos colégios judiciários chamados a julgar os grandes delitos são compostos em parte aliás na menor de juristas e o restante por leigos do direito O perigo está precisamente nisto em que acostumados ao tipo o juiz jurista esquece o homem que vive em suma num mundo abstrato em vez de um mundo concreto que troca os fantoches com os homens e os homens com os fantoches O homem comum ao assistir a um processo tem a impressão de que ele seja maçante por vezes angustiante dessa ruptura com a vida quando aí percebe a disputa em torno da interpretação desse ou daquele outro artigo do Código Penal ou do Código de Processo Penal é inevitável que pergunte se esse mecanismo tão implicado e complicado não seria uma coisa diabólica criada por pessoas que perderam o dom da simplicidade e do bom senso Grande parte da má fama dos advogados e em geral dos homens da lei é devida a este destempero e a este desgosto Produzse deste modo uma fratura entre o povo e a justiça ou melhor a administração da justiça que é certamente nociva à civilização Não há nada a fazer para restabelecer a confiança senão observar que a justiça que se pode obter com o trabalho do juiz no processo é aquele pouco de justiça que a nós pobres homens limitados e acabados como somos é consentida Não há nada mais perigoso que cultivar as ilusões em torno desse ponto fundamental do problema da civilização O direito não pode fazer milagres e o processo ainda menos Entretanto a legislação seja obedecida tudo vai ficar bem ou pelo menos permanecem ocultos os defeitos é a desobediência que os faz aparecer O processo como se disse e o processo penal mais do que nenhum outro descobre as contradições do direito o qual se empenha para poder superálas Agora saiu à luz o contraste em matéria de determinação da pena entre o juiz e o legislador aos fins da repressão esta determinação deveria pertencer ao juiz e aos fins da prevenção pertencer ao legislador Aparece um mecanismo empírico que ata as mãos do juiz mas não excessivamente a legislação ao invés de uma pena fixa estabelece em geral um mínimo ou um máximo que marcam os limites da liberdade do juiz uma espécie de liberdade vigiada em todo caso uma medida que não consegue nem resolver nem sequer ocultar a contradição Mas não há nada que fazer É a eterna contradição entre o um e o múltiplo entre a qual se debate a vida do homem Por esta contradição que o homem não é capaz de resolver está viciado também o direito e sobretudo o processo No momento em que o juiz logrou dar comprimento a sua missão de historiador e vimos as dificuldades que se opuseram ao seu cumprimento quando reconstruiu o passado e deve a este adequar o futuro quando pesa sobre ele com maior gravidade a exigência da justiça que consiste precisamente nesta adequação no momento no qual teria necessidade para tal fim de toda a liberdade eis aqui que a legislação lhe ata as mãos constrangendoo a julgar em lugar de um homem um fantoche Esta substituição no momento alto do drama denuncia uma vez mais a pobreza da justiça humana Há entre outros casos claros para nós nos quais bastou o processo ou melhor aquela fração do processo que se tem desenvolvido para reconstruir a história com todos os seus sofrimentos com todas suas angústias com todas suas vergonhas para assegurar o futuro do culpado no sentido de que ele compreendeu o seu erro e não só o tenha compreendido senão que com aquele peso de sofrimento de angústia de vergonha o tenha redimido e o resto do processo o seu prolongamento com a condenação e a execução dessa não é mais que uma perda total para o indivíduo e para a sociedade se o juiz fosse livre estes seriam os casos nos quais diria como Jesus para a adúltera vá e não peque mais Mas ele tem infelizmente as mãos atadas Não se deve protestar contra a legislação De acordo quanto a isto não se pode protestar contra a necessidade mas não se pode esconder que o direito e o processo são uma pobre coisa e é isso verdadeiramente que se necessita para a civilização avançar 67 O que está feito não pode ser desfeito CAPÍTULO IX A SENTENÇA PENAL Reconstruída a história aplicada a legislação o juiz absolve ou condena Duas palavras que se ouve pronunciar continuamente mas cujo significado profundo é necessário descobrir Deveriam querer dizer o acusado é inocente ou culpado O juiz também deve escolher entre o não do defensor e o sim do Ministério Público Mas não se pode escolher Para escolher deve ter uma certeza em sentido negativo ou em sentido positivo e se não a tem As provas deveriam servir para iluminar o passado onde antes havia obscuridade e se não servem Então diz a legislação o juiz absolve por insuficiência de provas68 o que isto quer dizer Não que o acusado seja culpado mas tampouco é inocente quando é inocente o juiz declara que não cometeu o fato ou que o fato não constitui delito O juiz diz que não pode falar nada nestes casos O processo encerrase com um nada de fato E parece a solução mais lógica deste mundo Pois bem e o acusado Que um seja acusado quer dizer que provavelmente e não certamente cometeu um delito o processo ou melhor o debate serve justamente para resolver a dúvida Pelo contrário quando o juiz absolve por insuficiência de provas não resolve nada as coisas permanecem como antes A absolvição por não ter cometido o fato ou porque o fato não constituiu delito invalida a imputação com a absolvição por insuficiência de provas a imputação subsiste O processo não termina nunca O acusado continua a ser acusado por toda a vida Não é um escândalo também isto Nada menos que uma confissão da impotência da justiça Mas pode a justiça confessarse impotente E também se o é não é justa a confissão Não seria pior se o juiz declarasse a inocência ou a culpa quando não está convicto nem por uma nem por outra A sentença seria reduzida a uma mentira O processo se encontra assim em um beco sem saída do qual não é possível escapar Ou mentir ou declarar falência uma via intermediária não existe E não há como censurar nem a legislação nem os homens assim é a necessidade e o que se pode dizer é somente que também a este respeito o processo penal é uma pobre coisa e precisamos extrairlhe as consequências quanto ao comportamento a ter para com aqueles que são afetados Ainda mais grave é a deficiência que agora veio a aclarar enquanto o acusado não é culpado a declaração da sua inocência é a único modo para reparar o dano que injustamente lhe foi ocasionado Verdadeiramente se ele não cometeu o delito quer dizer não somente ser absolvido enquanto não deveria nem mesmo ter sido acusado Não existiu malícia por parte de quem suspeitou teria sido um daqueles erros aos quais infelizmente nós homens estamos irreparavelmente sujeitos a culpa será das circunstâncias que enganaram a polícia o Ministério Público o juiz instrutor mas em suma existiu um erro a sentença da absolvição por não ter cometido o fato ou pela inexistência de delito contém não somente a declaração da inocência do acusado senão ao mesmo tempo a confissão do erro cometido por aqueles que o arrastaram para o processo Por pouco que se reflita parece claro que os erros judiciários ainda que de grande importância são muito mais numerosos do que se acredita Todas as sentenças de absolvição excluídas aquelas por insuficiência de provas implicam a existência de um erro judiciário As pessoas quando ouvem falar de erro judiciário pensam no pobre padeiro isto é no erro descoberto depois da condenação durante o período de execução da pena e por fim quando o condenado cumpriu a pena Esses são certamente os casos mais dolorosos mas fazem parte de uma série incomparável e numerosa de erros Com as estatísticas nas mãos e com todas as decisões absolutórias terminam na comprovação de um judiciário viriam à tona números de estremecer As pessoas quando o juiz as absolve especialmente em processos célebres exaltam a justiça e têm razão porque é sempre uma riqueza e um mérito aperceberse do erro mas o erro causou os seus danos e quais Estes danos quem os repara Não se deve confundir certamente a culpa com o erro profissional isto quer dizer que os enganos não são atribuídos à imperícia à negligência e à imprudência mas por outro lado à insuperável limitação do homem não dando lugar a responsabilizar quem o comete mas é justamente esta irresponsabilidade que assinala um outro ponto a desmerecer o processo penal É um fato que esse terrível mecanismo imperfeito e imperfectível expõe um pobre homem a ser levado diante do juiz investigado e não raramente detido separado de sua família e seus negócios prejudicado para não dizer arruinado perante a opinião pública para depois nem sequer ouvir quem lhe fez as acusações ainda que seja de boafé houve perturbação e muitas vezes destruição da vida do acusado São coisas que acontecem infelizmente e ainda uma vez não há como protestar mas não deveríamos pelo menos reconhecer a miséria do mecanismo que é capaz de produzir estes desastres e também é incapaz de não produzilos Menos mal quando o erro é reconhecido em breve tempo antes da fase de produção de provas com a absolvição por parte do juiz instrutor ou um pouco mais ao fim da instrução de primeiro grau mas não são raros os casos nos quais depois de uma primeira condenação a absolvição chega mais tarde ao final de uma via crucis que não raramente dura alguns anos aquele diplomata italiano que foi acusado de ter matado a mulher na Tailândia passou quatorze anos preso preventivamente antes que com a absolvição pronunciada tempo faz pela Corte de Apelação de Bolonha tenha reconhecida sua inocência Tratase da hipótese de absolvição que se descobre as misérias do processo penal que em tal caso tem somente o mérito da confissão do erro Um erro do qual as pessoas não se conta e não somente os homens comuns mas por fim até os doutores do direito Não conheço um jurista com exceção de quem lhes fala que já advertiu que cada sentença de absolvição é o descobrimento de um erro Deste modo ou por negligência ou por falso pudor ocultamse aquelas misérias do processo penal que devem por outro lado ser conhecidas e aceitas para que se qualifique como deve ser a justiça humana Pelo contrário quando o juiz está convencido da culpa do acusado então condena Mas se tivesse também ele errado A ameaça do erro pende como a espada de Dâmocles69 sobre o processo Ressoa no fundo de toda sentença a divina advertência não julgareis A legislação faz o que pode para assegurar a sentença contra o erro Não se trata de submeter a uma crítica as medida que a legislação toma a esse respeito Nem tampouco descrevêlas as pessoas sabem mais ou menos que a sentença de primeiro grau pode ser revista pelo juiz de apelação e a sentença de apelação pela corte de cassação e não haveria utilidade explicar este mecanismo complicado e nem mesmo observar seus graves e depois de tudo irremediáveis defeitos Não se deve desconhecer que não obstante esses defeitos o mecanismo até um certo ponto serve para garantir o processo contra o erro até ao ponto aproximado que lhes for possível mas uma garantia absoluta não se pode dar Também o tribunal de juízes superiores está sujeito como o dos juízes inferiores a este perigo além do mais se de uma parte eles se encontram em relação àqueles em uma posição vantajosa da outra especialmente quanto ao juízo histórico os meios dos quais disponham são ainda mais imperfeitos basta pensar que no processo de apelação ordinariamente não são reexaminados os testemunhos e o juízo se forma sobre aqueles apresentados por escrito os quais não dão e não podem dar aos testemunhos senão uma representação mutilada por vezes deformada e até mesmo incompreensível Ao chegar a um certo ponto é necessário ir até o fim terminálo O processo não pode durar eternamente É um fim por esgotamento não por obtenção do objeto Um fim que se assemelha à morte mais do que à realização É preciso contentarse É preciso resignarse Os juristas dizem que ao chegar a um certo ponto formase a coisa julgada e querem dizer que não se pode ir mais até lá Mas dizem também res indicata pro veritate habetur70 A coisa julgada não é a verdade mas se considera como verdade Em suma é um substituto da verdade Estas coisas que os juristas sabem também os demais devem sabêlas Depois de tudo é fácil que com aquele aparato solene da cátedra da toga da prisão dos penachos dos guardas atrás do presidente do Ministério Público que acusa dos advogados que defendem do público que assiste tenso e apaixonado aqueles que passam pela ilusão por meio das palavras que saem dos lábios dos juízes ao final seja a verdade E pode também ser que seja a verdade por outro lado ninguém sabe assim como pode ser pode também não ser No tribunal do júri um dia falando sobre o preso definio com essas palavras um que pode ser culpado Eu tive a impressão de que aqueles que me escutavam ficaram horrorizados Mas são as coisas que se devem saber para atingir os fins da sociedade 68 O art 386 do Código de Processo Penal brasileiro determina que o juiz absolverá o réu mencionando a causa na parte dispositiva desde que reconheça I estar provada a inexistência do fato II não haver prova da existência do fato III não constituir o fato infração penal IV não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal V existir circunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena VI não existir prova suficiente para a condenação 69 Damôcles é uma figura de um relato curioso da cultura grega clássica personagem pertencente mais propriamente a uma fábula do que à mitologia grega O relato figura na história perdida da Sicília por Timaeus de Tauromenium A fábula narra que Dâmocles era um cortesão bastante bajulador na corte de Dionísio I tirano do século IV aC em Siracusa Sicília Itália Ele dizia que como um grande homem de poder e autoridade Dionísio era de fato um afortunado Dionísio então ofereceuse para trocar de lugar com ele por um dia para que ele também pudesse sentir o gosto de toda essa sorte À noite um banquete foi realizado onde Dâmocles adorou ser servido com um rei Somente ao fim da refeição olhou para cima e percebeu uma espada afiada suspensa por um único fio de rabo de cavalo suspensa diretamente sobre sua cabeça Imediatamente perdeu o interesse pela excelente comida e pelos belos rapazes e abdicou de seu posto dizendo que não queria mais ser tão afortunado A espada de Dâmocles é uma referência frequentemente usada para representar a insegurança daqueles com grande poder devido à possibilidade de perda iminente do poder ou à eventual ocorrência de qualquer desgraça que pode acometer o ser humano 70 Tomase a coisa julgada por verdade CAPÍTULO X DA EXECUÇÃO DA SENTENÇA Não importa o quer que seja absolvição ou condenação o processo termina quando o juiz disser a última palavra Também esta é uma impressão ao menos em parte falaciosa Termina certamente com a absolvição quero dizer quando a absolvição convertese em coisa julgada E deixemos de nos preocupar se é justo que ocorra assim é sempre possível que mais tarde surjam novas provas das quais resultam com certeza que o acusado absolvido era culpado por que neste caso ele devia gozar da impunidade é algo que dificilmente se compreende mas não é uma crítica à legislação que quero fazer desta púlpito Ao contrário no caso de condenação o processo não termina totalmente Quando se trata de condenação nunca está dita a última palavra o acusado absolvido ainda que surjam novas provas contra ele está agora bem ou mal em segurança mas o condenado em certos casos deixemos de lado também aqui a crítica à legislação que é igualmente neste aspecto muito imperfeita tem direito à revisão ou seja com muita cautela a reabertura do processo Mesmo assim e ainda que prescindindo desta revivência a condenação não significa absolutamente o final do processo quer dizer ao contrário e diferentemente da absolvição que o processo continua Somente a sua sede se transfere do tribunal para a penitenciária O que se deve entender é que também a penitenciária está compreendida juntamente com o tribunal no palácio da Justiça71 É uma ideia esta que nada tem de clara ainda que na mente dos juristas mas deve ser aclarada no interesse da sociedade Aliás aqui se apresenta o nó do problema no terreno da sociedade Como concebem as pessoas incluindo também os juristas quanto à condenação algo de análogo àquilo que ocorre quando um homem morre a decisão condenatória com o aparato que todos conhecem mais ou menos é uma espécie de funeral terminada a cerimônia depois que o acusado sai da prisão provisória e é transferido para a custódia dos agentes penitenciários retomasse para cada um de nós a vida cotidiana e pouco a pouco não se pensa mais no falecido Sob certo aspecto podese assemelhar a penitenciária a um cemitério mas esquecese de que o condenado é um sepultado vivo Não é necessário muito para compreender que ao invés do cemitério deveria ser hospital mas basta ter compreendido isto para se descobrir o erro de quem pensa que com a condenação o processo tenha terminado A condenação olhando bem não é nada mais que um diagnóstico não é também um diagnóstico do juízo O médico quando ao fim de suas investigações admite a existência da doença pronuncia também ele uma sentença e até uma condenação também a ele acontece como ao juiz de absolver ou condenar segundo reconhece no paciente um são ou um doente Mas o que vem à mente que o médico com o diagnóstico teria cumprido a sua missão O juiz com a sentença de condenação faz o diagnóstico e prescreve a cura também a cura então é obra de justiça ou tal obra deve deterse quando comprovado que uma pessoa é um delinquente que não se preocupa por fazer tudo quanto é possível para que se converta num homem honrado A penitenciária é verdadeiramente um hospital cheio de doentes de espírito em lugar de doentes de corpo e algumas vezes também de doentes de corpo mas que singular hospital No hospital antes de mais nada o médico quando se dá conta de que o diagnóstico está equivocado corrigeo e retifica o tratamento Na penitenciária ao contrário é proibido proceder dessa forma Não é um hospital onde não existam médicos e enfermeiros o diretor da penitenciária e os outros que o ajudem na direção não estão desprovidos totalmente daqueles conhecimentos que possam servir para diagnosticar seus enfermos e muitas vezes eles atendem com compreensão com paciência e por fim até com abnegação Por outro lado para todos os médicos o diagnóstico do juiz lhes são impostos com autoridade com a precisão da coisa julgada a experiência com o avanço do quadro clínico da doença não se leva em conta O juiz disse dez vinte trinta anos e dez vinte trinta devem ser ainda que a experiência demonstre que são muitos ou poucos anos ainda que antes do período estabelecido o doente tenha recuperado a saúde ou também ao contrário o período transcorreu inutilmente Dizem facilmente que a pena não serve somente para a redenção do culpado mas também de advertência para os outros que poderiam ser tentados a delinquir e por isso os devem intimidar e não é um discurso de se tomar como brincadeira pois ao menos deriva da conhecida contradição entre a função repressiva e a função preventiva da pena o que a pena deve ser para ajudar o culpado não é o que deve ser para ajudar os outros não há entre esses dois aspectos do instituto possibilidade de conciliação Ao menos o que se pode concluir é que o condenado ainda que tenha redimido antes do término fixado pela condenação continua na prisão para servir de exemplo aos outros sendo submetido a um sacrifício por interesse alheio encontrase na mesma linha do inocente sujeito à condenação por um daqueles erros judiciários que nenhum esforço humano conseguirá jamais eliminar Bastaria para não assumir diante da massa dos condenados aquele ar de superioridade que infelizmente mais ou menos o orgulho assim profundamente situados no íntimo de nossa alma inspira a cada um de nós ninguém verdadeiramente sabe em meio a eles quem seja ou não seja culpado e quem continua ou não continua sendo De toda forma ainda que a pena deva servir para intimidar os outros deveria servir ao mesmo tempo para redimir o condenado e redimilo quer dizer curálo de sua enfermidade A tal propósito deverseia saber em que consiste a sua doença Aqui as coisas a serem ditas são as mais simples e as mais amargas enquanto a medicina do corpo alcançou progressos maravilhosos a medicina do espírito está ainda num estágio infantil Cristo até agora sobre este tema evidenciou no deserto Colocando o detento junto ao doente sobre a escala dos pobres Ele disse bem claro que a delinquência é uma forma de pobreza ao faminto falta a comida a água ao sedento a roupa ao desnudo a casa ao vagabundo a saúde ao doente O que falta então ao detento Cristo convidandonos a visitálo disse claro a visita é um ato de amizade É muito simples não é o delito um ato de inimizade Parece impossível que o estudo do delito tenha apresentado tantas dificuldades e tantas complicações Como não recordar as outras palavras de Cristo Te dou graças Pai porque estas coisas revelaste aos pequenos e as ocultastes dos sábios É preciso ser pequeno para compreender que o delito devese a falta de amor Os sábios buscam a origem do delito no cérebro os pequenos não esquecem que precisamente como disse Cristo os homicídios os furtos as violências as falsificações vêm do coração É ao coração do delinquente que para curálo deveremos chegar Não há outra via para chegar senão aquela do amor A falta de amor não se preenche senão com amor Amor com amor se paga A cura da qual o detento precisa é uma cura de amor E o castigo A pena contudo deve ser um castigo De acordo mas o castigo não é totalmente incompatível com o amor O pai que não usa o bastão não ama o filho está dito na Bíblia O castigo para o coração de pai exige mais amor do que o perdão justamente porque ao castigar o filho castiga a si mesmo não há coração de pai que não sangre com o sofrimento do filho O amor pelo condenado não exclui totalmente a severidade da pena Sob este aspecto por sorte não são contraditórios no instituto da pena mas somente uma batalha para combater em nome da sociedade A batalha não é pela reforma da legislação mas para a reforma do costume A legislação especialmente com as modificações mais recentes faz pelo detento aquilo que pode Não é necessário pretender tudo do Estado Infelizmente este é um dos hábitos que cada vez mais se consolidam entre os homens e também este é um aspecto da crise da sociedade Sobretudo não se deve pedir ao Estado aquilo que o Estado não pode dar O Estado pode impor aos cidadãos o respeito mas não pode infundir o amor O Estado é um gigantesco robô do qual a ciência pode fabricar o cérebro mas não o coração Cabe ao indivíduo ultrapassar os limites aos quais deve deterse a ação do Estado Até um certo ponto o problema do delito e da pena deixa de ser um problema judiciário para seguir somente como um problema moral Cada um de nós está comprometido pessoalmente na redenção do culpado e por isto somos responsáveis A darlhes em última análise tal consciência e a fazêlos sentir tal responsabilidade são dirigidas estas discussões Já desde o princípio enquanto se desenvolve o processo para a comprovação do delito antes da absolvição e da condenação o comportamento de cada um de nós pode ter uma influência notável para facilitar o seu curso e em todo cada para diminuir os sofrimentos que o processo ocasiona Em outros termos cada um de nós é um colaborador invisível dos órgãos da justiça Mas até a condenação pode bastar o respeito Depois da condenação não basta mais O condenado é o pobre por excelência na sua nudez Não há uma necessidade mais angustiante do que a necessidade de amor É necessário vêlos dentro do rude rústico de grandes listras feito para separálos dos outros homens lançar sobre nós uma olhada na qual se expressa ainda quando trate de ocultar a consciência mortífera da sua inferioridade para compreender o bem que pode levar a eles um sorriso uma palavra uma carícia Um bem do qual num primeiro momento não se dão conta Ao qual podem em princípio tratar de resistir mas que depois pouco a pouco insinuase neles apoderase deles conquistaos estabilizaos tirando do coração deles sentimentos que pareciam sepultados e de seus lábios palavras que pareciam esquecidas É necessário ter vivido esta experiência para compreender que o nosso comportamento diante dos condenados é a indicação mais segura da nossa civilidade 71 Na sistemática brasileira o cumprimento da pena fica por conta do poder executivo recaindo sobre o juízo da execução todo o comando relacionado a execução da pena Assim de forma harmoniosa podese dizer que o poder executivo executa a pena a mando do poder judiciário CAPÍTULO XI DA LIBERTAÇÃO Finalmente para o encarcerado vem o dia da libertação Então o processo verdadeiramente terminou Quer dizer o dia da libertação chegará com certeza mas a condição de que se entenda a verdadeira libertação da prisão que é a nossa fineza e não quero nem dizer do nosso egoísmo basta dizer do nosso ego a porta está sempre aberta para evadirse e não necessita grandes esforços para tal objetivo basta sentir o peso da nossa solidão e com essa a necessidade do outro que está próximo de nós quando se sente a necessidade do outro terminase por sentir a necessidade de Deus Muitos concebem Deus como infinitamente distante e imaginam que seja necessário para alcançálo um interminável caminho mas não lembram a resposta que Ele deu a Blaise Pascal72 pois quem me busca já me encontrou Deus está sempre próximo do homem o infinito está na borda do finito não é necessário mais do que reconhecêlo o que provavelmente no cárcere é mais fácil do que fora Uma vez reconhecido a penitenciária tornase um castelo Nesse sentido deverás a libertação está ao alcance das mãos de cada condenado Não existem nem grades nem guardiões que possam impedir de libertarse Mas não é disto que agora quero falar a ocasião virá daqui a pouco Por outro lado se a libertação for entendida em sentido físico ao invés de espiritual o seu dia pode também não chegar Agora o pensamento caminha para a prisão perpétua reclusão que dura toda a vida na prisão perpétua a porta da cela não se abre a não ser para deixar passar o cadáver Isto quer dizer que para ele o processo não tem fim E porque a penitenciária é ou deveria ser um sanatório para recuperar as almas doentes a condenação à prisão perpétua é a declaração de que a alma de um homem está perdida para sempre O som macabro destas palavras inspira um sentido de horror mas não para aqueles aos quais é dirigido senão para aqueles que a pronunciaram A Corte de Cassação italiana73 em sessões conjuntas a mais alta expressão da justiça humana no nosso país não só negou há poucos meses a desumanidade da prisão perpétua defendida com seriedade por algumas pessoas Paciência Não há que se insurgir e nem inquietarse contra este juízo Também a citada Corte de Cassação é um juiz e como todos os juízes pode equivocarse Infelizmente os juízes erram com maior facilidade quando se apresentam confiantes em não errar Enquanto o magistério da Igreja se com o processo da beatificação declara a certeza da elevação de um santo ao paraíso não conhece um processo dirigido a verificar o precipício de um malvado ao inferno e os teólogos temerosos em inquirir o coração dos homens e mais ainda o coração de Deus não ousam afirmar a condenação ao inferno nem sequer de Judas a magistratura italiana com a voz de seu órgão mais insigne tem declarado da mesma forma à humanidade que um homem seja condenado por toda a vida isto é que a pena de reclusão como a pena do inferno não tenha jamais fim Se fosse necessário uma prova a mais da miséria do processo a mesma já nos foi dada Mas também para os detentos não condenados a prisão perpétua pode ocorrer que não chegue o dia em que saiam vivos da prisão Um terrível aspecto da condenação à reclusão ainda que por um período breve é que ninguém tem certeza que não vai morrer naquele período Isto basta para dizer que o processo penal o qual não cessa com a condenação senão que segue com o cumprimento da pena pode durar até a morte A eventualidade da morte na prisão é o risco mais grave do encarceramento E não porque uma interpretação benévola da disciplina carcerária não consinta ao moribundo o último encontro com seus entes queridos senão porque o morrer privalhe da esperança do retorno ao convívio social Na esperança de retornar ao convívio humano de desvestir finalmente o horrível uniforme de reassumir a condição de homem livre de retornar ao seu lugar na sociedade é o oxigênio que alimenta o encarcerado Desde o momento em que foi aprisionado esta é a razão de sua vida Priválo dela está na desumanidade da condenação por toda a vida O condenado à prisão perpétua não tem nem sequer ao consolo de contar os dias E contar os dias é a vida do detento Infelizmente porém na maior parte dos casos também este esperar é falácia O processo sim com a saída da prisão está terminado Mas a pena não quero dizer o sofrimento e o castigo Podemse pensar especialmente nas condenações de longa duração as dificuldades ocasionadas ao libertado do cárcere pelas mudanças dos costumes pelas relações interrompidas pelos ambientes modificados tudo isto não pode deixar de determinar uma crise que poderia também chamarse crise do renascimento Se não fosse mais que isto ainda assim seria pouca coisa Pelo contrário na maior parte dos casos não se trata de uma crise A questão é muito mais grave O preso ao sair da prisão acredita não ser mais um preso mas as pessoas não Para as pessoas ele é sempre detento quando muito se diz exdetento nesta fórmula está a crueldade e o engano A crueldade está no pensar que se foi deve continuar a ser A sociedade fixa cada um de nós ao passado O rei ainda em conformidade com o direito não é mais rei é sempre rei e o devedor porquanto tenha pago a sua dívida é sempre devedor Este roubou condenaramno por isto cumpriu a sua pena porém Neste porém dizia está a crueldade e o engano Porém poderia roubar ainda afirmo eu não lhe dou trabalho Assim raciocinam as pessoas E não importa que assim raciocinando antes de mais nada erram ao invés de raciocinar Se raciocinassem se apercebessem de que agora não o futuro depende do passado mas o passado do futuro se isto não fosse verdadeiro seria negar a redenção aliás a ressurreição A fórmula do ex é sacrílega justamente por isto Mas os homens que veem tudo ao contrário continuam persuadidos de que como um seguirá sendo como foi E não somente as pessoas comuns mas também os homens de grande cultura e por fim aqueles que mantêm profissão religiosa De qualquer maneira ainda que fosse um raciocínio justo esqueceriam eles que quando chega a um certo ponto não basta raciocinar A razão é necessária mas não é o suficiente Se não faltasse a razão não existiria a caridade A caridade essencialmente é loucura Se São Francisco tivesse raciocinado nunca teria beijado o leproso com o risco de se contagiar Certamente ao retornar ao serviço um exladrão no próprio estabelecimento ou na própria casa é um risco poderia estar mas também poderia não estar curado O risco da caridade E as pessoas racionais procuram evitar os riscos In dubiis abstine74 Assim o exladrão fica sem trabalho Bate nesta porta bate noutra porta são todas pessoas racionais aquelas que poderiam darlhe a maneira de ganhar o pão Essas pessoas racionais querem garantirse para elas garantia não se institui a partir da certidão criminal Fora então a certidão criminal O exladrão assim é marcado na face quem poderia lhe dar trabalho Ah As ilusões da prisão quando se contavam ansiosamente os dias que faltavam para a libertação O Estado O Estado é um ser racional também Quando se trata de proclamar os princípios principalmente no regime da democracia o Estado é o primeiro a dar o exemplo o acusado não é considerado culpado até que não seja condenado com sentença definitiva a Itália é uma República alicerçada no trabalho a República tutela o trabalho em todas as suas formas75 Mas quando se trata de tutelar os seus interesses também o Estado enruga a face Um funcionário público sob suspeita de ter se apropriado dos fundos do erário é submetido a um processo penal pode acontecer de não ser verdade pode também tratar de pouca coisa pode ser que ele encontradose atrapalhado com os encargos familiares nos tempos atuais numa situação desesperada Pode ser mas a legislação é a legislação entretanto é suspenso do emprego e da remuneração até a sentença definitiva a Constituição o considera ainda inocente mas um inocente que não tem mais o direito de ganhar o pão Se segue o processo e se lhe inflige três anos de reclusão se antes este é o seu castigo uma vez transcorridos deveria voltar a ser o que era antes ao invés não o emprego está definitivamente perdido para ele a saída da prisão é o princípio em vez do fim de um calvário Um professor atingido por uma condenação não pode voltar a ensinar depois de têla cumprido Um capitão marítimo saindo da prisão não pode voltar a exercer jamais a sua profissão Não são exemplos inventados eu os tirei todos os três da minha experiência mais recente De resto não haveria nem sequer necessidade disso porque se trata de coisa sabida por todos quem ignora que para aspirar a um emprego público necessita ter limpa a certidão criminal E nem sequer pode discutir que esta seja a exigência mais racional deste mundo Se o Estado se comporta assim os cidadãos não têm razão para imitálo Somente em termos racionais igualmente deve ser reconhecido que a ideia do detento que conta os dias sonhando com a libertação é nada mais do que um sonho serão necessários muito poucos dias depois que as portas da penitenciária se abriram para acordálo Então infelizmente dia após dia a sua visão do mundo invertese afinal de contas estava melhor na cadeia Este lento desfolharse de sua ilusão este reverter de posições este desgosto daquela que ele acreditava ser a liberdade este voltar o pensamento à prisão como aquela que é atualmente a sua casa descrevese magnificamente numa conhecida novela de Hans Fallada76 mas as pessoas não devem crer que sejam situações criadas pela fantasia do escritor a invenção corresponde infelizmente à realidade E tampouco aqui devemos dizer uma vez mais se quer protestar contra a realidade Basta conhecê la O resultado de conhecêla é este as pessoas creem que o processo penal termina com a condenação mas não é verdade as pessoas creem que a pena termina com a saída da prisão e não é verdade as pessoas creem que a prisão perpétua seja a única pena perpétua e não é verdade A pena para não dizer sempre em nove vezes de cada dez casos não termina jamais Quem pecou está perdido Cristo perdoa mas os homens não 72 Pascal 16231662 nasceu em ClermontFerrand PuydeDôme França Foi matemático físico e filósofo religioso Sua contribuição para as ciências naturais e aplicadas incluem a construção aos 18 anos da primeira calculadora mecânica a pascalina estudos sobre a teoria das probabilidades investigações sobre fluídos e o esclarecimento de conceitos tais como a pressão no vácuo A unidade de medida de pressão no Sistema Internacional denominada pascal é em sua homenagem Os historiadores da computação reconhecem sua contribuição para a ciência Em 1654 depois de uma profunda e significativa experiência religiosa abandonou a matemática e a física e se dedicou à filosofia e à teologia 73 Equivale ao Supremo Tribunal Federal brasileiro 74 Na dúvida abstenhase 75 Art 5º inc LVII da Constituição Federal brasileira 76 Importante escritor alemão nasceu em 21 de julho de 1893 como Rudolf Willhelm Adolf Ditzen e morreu em 5 de fevereiro de 1947 escreveu principalmente romances de crítica social Ele escolheu seu pseudônimo Fallada em uma referência ao cavalo Falada do conto de fadas dos Irmãos Grimm A Moça dos Gansos Sua obra mais importante foi Little Man What Now traduzida para o português como E Agora Seu Moço por Érico Veríssimo CAPÍTULO XII ALÉM DO DIREITO Talvez agora ao final destes colóquios compreendase mais claramente aquilo que não fiz compreender no princípio deles o valor que tem o problema penal para a sociedade Sociedade humanidade unidade são uma coisa só tratase da possibilidade alcançada pelos homens de viverem em paz Todos nós temos um pouco de ilusão de que os delinquentes sejam aqueles que perturbam a paz e que a perturbação eliminase separandoos dos outros assim o mundo dividese em dois setores o dos civilizados e o dos incivilizados uma espécie de solução cirúrgica do problema da civilização Aqui a ideia é exposta como ocorre sempre quando se trata de simplificar a expressão em termos paradoxais mas não seria difícil demonstrar que a ideia corresponde exatamente ao modo de pensar comum empírico científico e até filosófico Pois bem como se faz para distinguir os incivilizados dos civilizados O único meio para distinguir é o juízo é necessário passar a experiência amarga do juízo penal para começar a compreender a admoestação de Jesus Infelizmente quase todas as palavras de Jesus são ainda incompreendidas Essas palavras estão carregadas de pensamentos para que nós pobres homens as possamos saborear Elas nos ofuscam como quando se procura olhar para o sol Os intérpretes teriam a incumbência de decompor a luz em um arcoíris mas são ao objetivo e ao término pobres homens Certamente entre as proposições do Evangelho uma das mais paradoxais é a nolite iudicare77 Todo o ordenamento jurídico em cuja essência está o juízo e do processo em particular parece que contradiga essa proposição É natural que aqueles pensadores os quais se negam em reconhecer qualquer valor jurídico do Evangelho encontrem na desvalorização do juízo o seu mais firme ponto de apoio Então bastaria um pouco de experiência penal para corrigir suas ideias Foi dito que o processo é aquele instituto no qual se revelam todas as deficiências e as impotências do direito podese adicionar que o processo penal é aquela espécie que melhor manifesta as deficiências e as impotências do processo À medida que a experiência do processo penal aprofundase e aperfeiçoase começamse a apreciar no esplendor alucinante da admoestação divina as linhas da verdade Pelo que me toca devo essa admoestação o milagre de ter renascido Então como se faz para distinguir os incivilizados dos civilizados na medida do frágil juízo humano A primeira coisa que ensina a experiência penal é que a penitenciária não é de fato diferente do resto do mundo tanto no sentido de que ela é um mundo como uma grande casa de cumprimento de pena A ideia de dentro estarem somente canalhas e fora somente homens honestos não é mais que uma ilusão como também é uma ilusão que um homem possa ser totalmente canalha ou totalmente decente Provavelmente o processo penal entendido no seu sentido mais amplo compreendendo o tribunal e a reclusão é a mais eficaz entre as escolas de psicologia ou por que não também de filosofia E esta é também uma lição de Jesus o qual não desdenhava em se sentar na ceia com os cobradores de tributos e as meretrizes Foi uma meretriz aquela que na casa de Simão78 o fariseu que buscou a alegria em sua generosidade da sua devoção das suas lágrimas e foi um ladrão que enquanto um e outro agonizavam na cruz esparramou o bálsamo por uma palavra de misericórdia sobre o seu coração perfurado Com isto não se nega a necessidade de separar já nesta vida para usar ainda termos evangélicos as ovelhas dos cabritos os bons dos maus Jesus mesmo reconheceu a necessidade da legislação e do estado mas toda necessidade é uma insuficiência Nestes colóquios não se quis desconhecer que do direito do processo do tribunal da penitenciária não podemos prescindir sem eles infelizmente os homens seriam ainda piores do que são O prejuízo para não dizer a superstição contra a qual se combateu não é que o direito seja necessário mas que o direito seja suficiente Desta superstição infelizmente está impregnado o pensamento moderno Também este é um dos aspectos da crise da civilização Tudo se pede e tudo se espera do Estado ou seja do direito mas não porque o Estado e direito sejam a mesma coisa senão porque o direito é o único instrumento do qual em última análise o Estado pode se servir Se é verdade que cada fase da civilização tem o seu ídolo o ídolo da que atravessamos hoje é o direito Nós nos convertemos em adoradores do direito Agora sim não existe experiência tão idônea como a experiência penal para apartarse desta idolatria As misérias do processo penal são um dos aspectos da miséria fundamental do direito Se tratei de descobrilas o sentimento que me guiou não está voltado a desacreditar uma instituição à qual dediquei toda a minha vida mas alertar contra a sua apreciação exagerada Não se trata de desvalorizar o direito mas de evitar que seja supervalorizado Em suma desenganar o homem comum sobre este ponto que basta ter boa legislação e bons juízes para alcançar a civilidade Afinal de contas o que o direito poderia obter ainda quando fosse construído e manobrado da melhor maneira possível é que os homens respeitemse uns aos outros Mas o respeito não elimina a divisão e é esta que se precisa superar Enquanto os homens se julguem permanecem divididos O respeito em última análise resolvese no meu e no seu e também o juízo tende a esta divisão Juízo e respeito ainda que não pareçam são termos correlatos Quando o exladrão apresentase na minha porta não lhe falto com o respeito se eu lhe respondo que não há trabalho para ele A ilusão e até a superstição que temos de desarraigar é que assim fazendo eu seja um homem civilizado É necessário habituarse a fazer diferença entre o homem jurídico e o homem civilizado Além do direito é a expressão de civilidade Também neste caminho que se abre além do direito é Cristo que nos guia Além do direito ou além do juízo além do juízo ou além do pensamento é a mesma coisa Cristo não se limitou a dizer não julgueis o relato de São João a este respeito completa o relato de São Mateus79 não julgueis é o preceito negativo do seu ensinamento amaivos como eu vos amei80 é o seu aspecto positivo Além da justiça dos homens está a caridade justiça e caridade formam um todo somente em Deus Além do respeito está o amor o amor somente une Mas é necessário reconhecer que aos homens não se conscientizam que é mais fácil amar do que julgar Débil está em nós o juízo mas débil também o amor Se não existisse esta debilidade Cristo não teria razão para vir à terra Na melhor das hipóteses cada um de nós tem no coração uma dose mínima de amor Cada um de nós é uma chama de pavio fumegante antes que nos outros é em nós que a chama deve ser revitalizada Cristo nos ensinou que os pobres vieram ao mundo para isto Quando no sermão do juízo final ele se identificou com eles dizendo que o bem que se faz ao faminto ao sedento ao despido ao peregrino ao doente ao encarcerado se faz a Ele identificou no pobre um enviado de Deus Enviado para qual fim Ao fim precisamente de nos ensinar a amar O andarilho na estrada de Jericó foi agredido apedrejado e espancado pelos ladrões na divina economia da história para que o samaritano sentisse a compaixão como Marie Bailly81 que estava agonizando diante da gruta de Massabielle82 até que Alexis Carrel83 abrisse a sua mente à onipotência de Deus A compaixão é o prelúdio do amor Também na pobreza se manifesta a diversidade sereia do mundo o sermão sobre o juízo final a classifica exatamente em seis espécies diversas Entre estas a pobreza do preso é sem dúvida a que menos parece reclamar a caridade O preso há que admitir repugna como o leproso A sua é uma pobreza oculta em confronto com a do pobre e do enfermo conforme uma observação superficial ninguém chama de pobre a um malvado A coisa muda de aspecto quando a observação aprofundada descobre no malvado uma necessidade de amor Tal é a descoberta que permite fazer a experiência penal E é uma descoberta fundamental para nossa salvação Vêm à luz assim as raízes da pobreza e da caridade Quando através da compaixão cheguei a reconhecer nos piores dos presos um homem como eu quando se diluiu aquela fumaça que me fazia crer ser melhor do que ele quando senti pesar os meus ombros a responsabilidade do seu delito quando há alguns anos em uma meditação na sextafeira santa diante da cruz senti gritar dentro de mim Judas é teu irmão então compreendi não somente que os homens não se podem dividir em bons e maus tampouco em livres e presos porque há fora do cárcere prisioneiros mais prisioneiros do que os que estão dentro e há dentro da prisão mais libertos assim da prisão dos que estão fora Encarcerados somos todos mais ou menos entre os muros do nosso egoísmo talvez para se evadir não há ajuda mais eficaz do que aquela que possam nos oferecer esses pobres que estão materialmente fechados entre os muros da penitenciária Uma vez mais tem razão o padre Charles84 quem pensa em dizer obrigado ao invés que ao rico quando dá a esmola ao pobre quando pede Não teria nunca acreditado quando ainda quase menino comecei a frequentar o processo penal de receber tanto bem Depois de tudo não é mais que um ato de gratidão aquele que cumpri com estas conversações Não se pode receber tanto bem sem procurar repartir também aos outros Cada vez mais me convenço de que aquilo que me levou a conhecer as coisas que tratei de explicálas foi um privilégio Tratase para mim de pagar a dívida contraída recebendo este privilégio Diz um singular poeta espanhol que Solo la monedita del alma si pierde si no si da somente a moedinha da alma se perde se não se dá Os tesouros da matéria se guardam mas os do espírito se consomem fechandoos em um cofre Agora despedindo me de vocês sintome mais leve 77 Não julgueis 78 Mateus Capítulo XXVI versículos de 6 a 13 E estando Jesus em Betânia em casa de Simão o leproso aproximouse dele uma mulher com um vaso de alabastro com unguento de grande valor e derramoulho sobre a cabeça quando ele estava assentado à mesa E os seus discípulos vendo isto indignaramse dizendo Por que é este desperdício Pois este unguento podia venderse por grande preço e darse o dinheiro aos pobres Jesus porém conhecendo isto disselhes Por que afligis esta mulher Pois praticou uma boa ação para comigo Porquanto sempre tendes convosco os pobres mas a mim não me haveis de ter sempre Ora derramando ela este unguento sobre o meu corpo fêlo preparandome para o meu sepultamento Em verdade vos digo que onde quer que este evangelho for pregado em todo o mundo também será referido o que ela fez para memória sua 79 Mateus Capítulo VII versículos de 1 a 12 Não julgueis para que não sejais julgados Porque com o juízo com que julgardes sereis julgados e com a medida com que tiverdes medido vos hão de medir a vós E por que reparas tu no argueiro que está no olho de teu irmão e não vês a trave que está no teu olho Ou como dirás a teu irmão Deixame tirar o argueiro do teu olho estando uma trave no teu Hipócrita tira primeiro a trave do teu olho e então cuidarás em tirar o argueiro do olho do teu irmão Não deis aos cães as coisas santas nem deiteis aos porcos as vossas pérolas não aconteça que as pisem com os pés e voltandose vos despedacem Pedi e darsevosá buscai e encontrareis batei e abrirsevosá Porque aquele que pede recebe e o que busca encontra e ao que bate abrirselheá E qual dentre vós é o homem que pedindolhe pão o seu filho lhe dará uma pedra E pedindolhe peixe lhe dará uma serpente Se vós pois sendo maus sabeis dar boas coisas aos vossos filhos quanto mais vosso Pai que está nos céus dará bens aos que lhe pedirem Portanto tudo o que vós quereis que os homens vos façam fazeilho também vós porque esta é a lei e os profetas 80 João Capítulo XIII versículos de 34 a 35 Um novo mandamento vos dou Que vos ameis uns aos outros como eu vos amei a vós que também vós uns aos outros vos ameis Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos se vos amardes uns aos outros 81 Tratase da cura de Marie Bailly ocorrida às 1440 hs do dia 28 de maio de 1902 enferma de uma gravíssima peritonite tuberculosa e desenganada pelos médicos diante da Gruta da Virgem em Lourdes A cura milagrosa foi presenciada pelo Dr Alexis Carrel que a relatou ao Escritório de Constatações Médicas 82 Segundo as declarações de Bernadete Soubirous menina de 14 anos filha de um pobre moleiro de Lourdes na gruta de Massabielle ela presenciou 18 aparições de Nossa Senhora das quais a primeira foi em 11 de fevereiro de 1858 e a última em 16 de julho do mesmo ano Segundo o relato na terceira aparição em 16 de fevereiro Maria Santíssima ordenoulhe que durante uma quinzena viesse à gruta diariamente em 25 do mesmo mês recebeu a ordem de beber água e de se lavar na fonte que não existia mas que imediatamente brotou a princípio muito fraca avolumandose continuamente até fornecer como hoje 122 mil litros por dia Lourdes é uma cidade situada no Sudoeste da França pertencente à diocese de Tarbes 83 Fisiologista cirurgião biólogo e sociólogo francês nascido em Saint FoylèsLion e naturalizado americano Estudou medicina na Universidade de Lion onde se graduou em 1900 Desenvolveu o método para a sutura de vasos sanguíneos realizou experiências de transplante de rins em animais pesquisou técnicas de conservação extracorpórea de tecidos em culturas de laboratório conseguindo manter viva e em crescimento durante 34 anos uma porção de tecido cardíaco de um embrião de frango e inventou o antisséptico CarrelDakin para tratamento de ferimentos Antes da descoberta dos anticoagulantes só eram possíveis transfusões mediante a ligação dos vasos do receptor aos do doador Pela concepção da técnica que permitiu essa operação recebeu o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia em 1912 além disso desenvolveu uma bomba de corrente sanguínea imunizada o primeiro coração artificial em 1936 Morreu em Paris 84 O padre Charles de Foucauld 18581916 deixou marca indelével na história da espiritualidade cristã De militar brilhante passou para a humildade de um irmão trapista que na sua busca de Deus retirouse para o deserto na zona fronteiriça ao norte da África francesa Foi assassinado por uma tribo de tuaregues islâmicos que não aceitavam sua presença cristã na região fato que só se explica por seu total despojamento de si mesmo e sua inteira consagração ao amor misericordioso de Jesus que foi de fato o seu alimento espiritual CAPÍTULO 01 No primeiro capítulo o autor descreve suas primeiras impressões ao presenciar uma corte de justiça em sua infância especialmente ao observar os magistrados vestidos com togas Ele questiona o motivo pelo qual os magistrados e advogados usam essa vestimenta e sugere que a toga é um símbolo de autoridade e tradição A toga comparada ao uniforme militar representa não apenas autoridade mas também união entre os juízes Enquanto os magistrados representam a autoridade e a paz os advogados do Ministério Público e defensores estão lá para representar os interesses opostos fazendo da toga um símbolo de conflito necessário para alcançar a justiça O autor destaca a importância da solenidade no processo judicial que é muitas vezes comprometida pela negligência dos envolvidos especialmente quando há excesso de publicidade nos casos célebres Ele também menciona a necessidade de isolamento e decoro no tribunal comparandoo à atmosfera de uma igreja Um exemplo histórico de um presidente de tribunal que prezava pela dignidade e civilidade do processo é mencionado destacando a importância do comportamento e da postura dos envolvidos na administração da justiça A história de Maria Nicolaieva Tarnowska serve como um exemplo das complexidades e desafios enfrentados no processo penal onde a toga dos magistrados e advogados é vista como um símbolo de civilidade e dever CAPÍTULO 02 No capítulo 2 O Preso o autor reflete sobre a diferença entre a solenidade dos juízes e a humilhação do homem encarcerado Ele compartilha a impressão marcante que teve ao ver pela primeira vez um preso no Tribunal de Turim ainda adolescente O homem embora fisicamente grande parecia pequeno e miserável em sua cela comparado aos juízes que pareciam estar acima do nível humano O autor expressa que todos têm suas próprias formas de compaixão e que para ele o mais pobre de todos é o encarcerado não o delinquente Ele faz referência ao sermão de Jesus no Evangelho de Mateus que influenciou profundamente sua percepção destacando que a compaixão deve ser dirigida ao encarcerado como ser humano e não ao delinquente Ele descreve a repulsa que sente pelos criminosos até que são presos momento em que a compaixão surge A transformação de um criminoso em um homem comum ao ser algemado revela a natureza humana oculta As algemas são vistas como um símbolo do direito que revela a verdadeira condição humana uma mistura de luzes e sombras de riqueza e miséria O autor defende que o encarceramento deve reavivar a chama da bondade ao invés de extinguila e critica a visão simplista que divide as pessoas entre boas e más Ele conta a história de um homicida que defendeu cuja expressão terrível se iluminou com um lampejo de amor fraternal ao falar de seu irmão Essa humanidade escondida mostra que todos carregam em si um germe de bem mesmo os encarcerados O capítulo conclui que todos estão aprisionados de alguma forma não necessariamente em uma cela física mas em prisões internas de egoísmo e autossuficiência A verdadeira liberdade só pode ser alcançada através do amor e da abertura ao outro permitindo a entrada da graça divina Essa reflexão sobre a condição humana e o papel do direito em revelar nossa verdadeira natureza é algo que o autor começou a compreender desde jovem ao presenciar um homem encarcerado no Tribunal de Turim CAPÍTULO 03 O capítulo aborda a profunda relação entre o advogado e seus clientes especialmente os presos destacando que a principal necessidade destes não é apenas técnica mas sim a de amizade e empatia Carlo Majno exaluno do autor e agora um dos melhores advogados de Milão dooulhe um desenho de Mentessi simbolizando a condição emocional dos presos uma mão inerte e a outra suplicante Este presente serve como ponto de partida para refletir sobre o papel do advogado O autor reflete que a advocacia não é apenas uma atividade técnica comparável à medicina ou engenharia ela envolve uma dimensão humana e espiritual onde o advogado é chamado a socorrer a oferecer amizade A palavra advogado significa chamado a ajudar e diferentemente do médico enfatiza a necessidade de uma relação pessoal Na sociedade romana o cliente buscava proteção do patrono e a advocacia está enraizada no conceito de aliança e amizade O acusado muitas vezes solitário e cercado por inimizade necessita de um advogado que o apoie no último degrau da escada partilhando de sua humilhação e necessidade de ser julgado A experiência de ser advogado é espiritualmente saudável pois ensina a humildade e a suplicar O autor descreve a advocacia como um exercício de humilhação que apesar das dificuldades proporciona benefícios espirituais tanto ao advogado quanto ao cliente Esta relação é ilustrada pela imagem de compartilhar o pão companheiro e a necessidade de conhecer profundamente o espírito do acusado A poesia da advocacia é sentida nos momentos iniciais e finais da carreira onde a defesa da inocência e a luta pela justiça brilham Contudo com o tempo as ilusões caem mas a essência espiritual da profissão que é a companhia no sofrimento e na humilhação permanece A experiência do advogado é um constante pedido de ajuda onde a arrogância deve ser superada Finalmente o autor enfatiza que a maior necessidade do preso é o amor e a amizade e que a verdadeira defesa só pode ocorrer através do entendimento espiritual do cliente O advogado deve com paciência e delicadeza conquistar a confiança dos seus clientes muitas vezes cheios de ódio e desconfiança A advocacia então se revela como uma profissão profundamente humanitária onde a empatia e o apoio emocional são tão importantes quanto as habilidades técnicas CAPÍTULO 04 O Capítulo IV aborda o papel do juiz e a relação entre o juiz e as partes em um litígio O texto enfatiza a posição elevada e a dignidade do juiz comparandoo a um professor supremo na sala de aula A linguagem jurídica define claramente as partes como os sujeitos de um contrato ou litígio cada um com interesses opostos e que a palavra parte tem um significado profundo representando a essência da divisão entre dois interesses conflitantes O juiz por sua vez não é uma parte e está acima das partes colocado em uma posição de superioridade em relação aos acusados e defensores A contradição surge quando se reconhece que o juiz também é um homem e portanto uma parte mas que deve transcender sua condição humana para ser um juiz justo Este dilema é representado de forma magistral no Evangelho de João onde Jesus desafia aqueles que estão sem pecado a atirar a primeira pedra A passagem ilustra a necessidade de ser isento de pecado para julgar ressaltando que o juiz deve estar acima daquele que é julgado A legislação tenta assegurar a dignidade do juiz através de medidas como o julgamento colegiado onde múltiplos juízes se unem para formar uma só unidade diminuindo a parcialidade A justiça humana é vista como inerentemente parcial e o desafio do direito é minimizar essa parcialidade O capítulo também discute a necessidade de os juízes reconhecerem sua própria indignidade e miséria para serem mais justos sugerindo que a verdadeira compreensão do ser humano e da justiça não se adquire apenas através de estudos formais mas também através do contato com a diversidade da experiência humana O texto conclui que a fé no homem e a capacidade de se surpreender e admirar o mundo são essenciais para que um juiz exerça seu papel com justiça CAPÍTULO 05 O capítulo 5 discute a parcialidade do defensor no contexto do processo penal Começase com a ideia de que nenhum homem consegue apoderarse da verdade completamente pois cada um é apenas uma parte dela Assim como Cristo disse Eu sou a verdade indicando que alcançar a verdade é alcançar a Ele e Nele A verdade é como a luz ou o silêncio que contêm todas as cores e sons mas nossa capacidade sensorial é limitada percebendo apenas uma parte delas Isso se relaciona com o papel do juiz que ao julgar decide quem está certo ou seja de que lado está a razão Embora haja apenas uma razão as partes apresentam suas razões no processo o que pode parecer contraditório No entanto a razão se decompõe em razões assim como a luz se decompõe em cores Quanto mais razões são apresentadas mais próximo se está da verdade Quando o juiz se prepara para julgar encontrase diante da dúvida sobre a culpa ou inocência do acusado Nesse momento o papel do defensor e do acusador é apresentar as razões que levam a uma conclusão obrigatória O defensor não é um raciocinador imparcial mas sim parcial e isso é necessário para garantir a imparcialidade do juiz O processo penal é descrito como um duelo entre defensor e acusador onde suas razões servem como armas Esse escândalo da parcialidade é essencial para o juiz superar suas próprias dúvidas e alcançar um julgamento justo O processo penal portanto depende da contraposição entre a defesa e a acusação para alcançar a verdade e garantir a justiça Finalmente o texto discute a figura do advogado muitas vezes mal compreendido e alvo de críticas No entanto sua parcialidade é essencial para garantir que todas as razões sejam apresentadas no processo contribuindo assim para a busca da verdade e a administração da justiça CAPÍTULO 06 O Capítulo VI trata das provas no processo penal destacando a missão fundamental do processo determinar se o acusado é inocente ou culpado o que implica em saber se determinado fato ocorreu ou não O autor reflete sobre o conceito de fato como um pedaço de história uma parte do caminho percorrido pelos indivíduos e pela humanidade Para determinar se um fato aconteceu é necessário fazer história ou seja voltar atrás e reconstruir os eventos No processo assim como na história dos povos é preciso lidar com dificuldades para reconstituir o passado As provas desempenham o papel de voltar atrás e reconstruir a história sendo essenciais para isso O autor compara esse processo de reconstrução com seguir os rastros deixados ao caminhar pelos campos destacando a habilidade e paciência necessárias para tal tarefa Porém há um aspecto negativo os criminosos tentam destruir os rastros de seus crimes ao contrário do que ocorre em transações legais onde se busca preservar as evidências Além disso o autor discute a degeneração do processo penal que se torna um espetáculo para a sociedade alimentando a paixão por descobrir crimes Essa transformação do processo penal em entretenimento reflete uma crise na civilização onde o descobrimento do delito se torna um esporte alimentando um frenesi de investigações conjecturas e indiscrições Nesse contexto tanto os acusados quanto as testemunhas são submetidos a uma exposição pública e a um intenso escrutínio perdendo sua dignidade e integridade O autor destaca a importância de respeitar tanto o acusado quanto a testemunha reconhecendo neles indivíduos com suas próprias histórias lembranças medos e coragens A testemunha em particular é vista como um ser humano submetido a uma posição incômoda e perigosa pelo processo exigindo respeito e consideração por sua condição Por fim o autor critica a noção equivocada de progresso associada à civilização que permite tais abusos sugerindo a necessidade de repensar os métodos do processo penal para garantir o respeito e a dignidade dos envolvidos CAPÍTULO 07 No capítulo VII o autor explora a relação entre o juiz e o acusado no contexto do processo penal Ele começa comparando o trabalho do juiz ao do historiador destacando que ambos lidam com a reconstrução da história embora em escalas diferentes O autor questiona se é mais fácil manejar um microscópio do que um telescópio sugerindo que a distinção entre o povo e o indivíduo é como a diferença entre o macrocosmo e o microcosmo O foco do juiz não deve se limitar apenas aos aspectos externos do crime mas também à alma do acusado Isso implica em compreender não apenas as ações físicas mas também as intenções por trás delas O autor destaca a importância de não atribuir ao outro nossos próprios sentimentos e intenções ao julgar Além disso o autor argumenta que a ação de um homem não é um ato isolado mas sim a soma de todos os seus atos Ele enfatiza a indivisibilidade do ser humano indicando que sua história completa deve ser considerada para compreendêlo verdadeiramente O capítulo também discute a necessidade de o juiz percorrer toda a história do acusado o que é reconhecido pelas legislações penais modernas No entanto o autor aponta as limitações desse processo destacando que a história do indivíduo tal como reconstruída pelo juiz é inevitavelmente incompleta Por fim o autor ressalta a importância de considerar não apenas o passado mas também o futuro do acusado ao proferir um julgamento justo Ele compara o processo penal ao processo de beatificação sugerindo que assim como há sempre tempo para a conversão também deve haver espaço para a redenção no sistema judiciário O autor encerra enfatizando que suas reflexões visam contribuir para o bem da sociedade sem desacreditar completamente o processo penal mas reconhecendo suas limitações e a necessidade de tratamento respeitoso aos acusados CAPÍTULO 08 O capítulo VIII discute a relação entre passado e futuro no processo penal Iniciase com a reflexão sobre a impossibilidade de mudar o passado citando o provérbio Água passada não move moinho o que sugere uma sensação de desesperança No entanto a intuição humana sempre busca algum remédio para os erros do passado e o processo penal surge como uma tentativa de restaurar a ordem após o delito A ideia central é que o remédio para o passado está no futuro A história é reconstruída para servir de base ao futuro e a intuição de que o passado é essencial para compreender o futuro guia os homens na reconstrução da história Entretanto o texto aponta para uma crise contemporânea o desinteresse pelo futuro O autor critica a ideia de que os filósofos não podem prever o futuro sugerindo que a observação do passado é essencial para compreender os segredos do futuro No contexto do processo penal o passado reconstruído é o do homem na prisão enquanto o futuro é representado pela pena imposta O juiz assume o papel de pesar o delito passado para determinar a pena futura No entanto surge um dilema a necessidade de prevenir os delitos antes que ocorram Isso leva a um debate sobre o papel do juiz versus o legislador na determinação da pena A técnica penal busca solucionar esse dilema através da multiplicação dos tipos penais oferecendo ao juiz uma variedade de opções para se adequar ao caso concreto No entanto isso complica o processo e afasta a justiça do cidadão comum criando uma fratura entre o povo e o sistema judicial CAPÍTULO 09 O capítulo aborda a complexidade e as nuances envolvidas na emissão de uma sentença penal por parte do juiz O autor destaca a importância de compreender o significado profundo das palavras absolve e condena que têm implicações significativas na vida do acusado Inicialmente o texto destaca a necessidade de escolha do juiz entre absolver ou condenar o acusado com base nas evidências apresentadas durante o processo No entanto surge a questão da incerteza e se o juiz não tiver certeza sobre a culpa ou inocência do acusado Nesses casos a legislação permite a absolvição por insuficiência de provas o que não declara a culpa do acusado mas também não o declara inocente Isso resulta em uma espécie de vazio na sentença onde nada é afirmado categoricamente O texto prossegue discutindo a situação do acusado destacando que o simples fato de ser acusado já causa danos à sua reputação e vida pessoal A absolvição por insuficiência de provas não resolve essa situação pois a imputação permanece deixando o acusado sob suspeita indefinidamente Isso é visto como uma falha no sistema penal que não oferece uma solução satisfatória para casos de incerteza Além disso o autor argumenta que a declaração de inocência do acusado é o único meio de reparar o dano causado pela acusação injusta A absolvição por não ter cometido o crime não apenas declara a inocência mas também reconhece o erro daqueles que o acusaram revelando as falhas do sistema judicial O texto também destaca a frequência dos erros judiciários que são mais numerosos do que geralmente se acredita Muitas vezes esses erros só são descobertos após a condenação resultando em injustiças graves A absolvição é vista como a revelação desses erros e portanto deve ser reconhecida como tal Por fim o texto aborda a dificuldade de garantir a justiça absoluta no processo penal destacando a falibilidade do sistema judicial e a inevitabilidade dos erros Apesar dos mecanismos de revisão das sentenças não há garantia absoluta contra erros judiciários A coisa julgada é mencionada como uma espécie de substituto da verdade reconhecendo que a justiça humana é imperfeita e limitada CAPÍTULO 10 O capítulo 10 trata da execução da sentença no sistema judicial Contrariamente à ideia comum de que o processo termina com a sentença do juiz seja de absolvição ou condenação na verdade apenas a absolvição finalizada com coisa julgada encerra completamente o processo No caso da condenação o processo continua sendo que o condenado tem o direito à revisão A prisão é vista como uma extensão do tribunal onde a pena é cumprida A analogia é feita entre a sentença condenatória e um funeral indicando que após a cerimônia muitos se esquecem do condenado assemelhando a prisão a um cemitério mas ignorando que o condenado é um sepultado vivo A crítica é feita ao sistema prisional indicando que ao invés de um cemitério deveria ser um hospital onde os doentes de espírito fossem tratados O texto argumenta que a penalidade não deve servir apenas para punir mas também para reabilitar o condenado Apontase que a delinquência é uma forma de pobreza espiritual e a falta de amor é vista como a raiz do crime A cura para o delinquente é o amor Sobre a questão da punição é afirmado que esta não é incompatível com o amor A pena mesmo severa pode ser um ato de amor como um pai que castiga seu filho para ensinar e corrigir O capítulo também enfatiza que a reforma do sistema não deve ser apenas legislativa mas também cultural Cada indivíduo tem a responsabilidade moral de contribuir para a reabilitação do condenado seja através de um comportamento respeitoso durante o processo judicial ou através de gestos de compaixão e apoio após a condenação O texto conclui ressaltando a importância do amor e da civilidade no tratamento dos condenados CAPÍTULO 11 Neste capítulo o autor reflete sobre o significado da libertação para aqueles que estão encarcerados Ele destaca que a verdadeira libertação não está apenas na saída física da prisão mas também na libertação espiritual na compreensão da solidão na busca pelo outro e consequentemente por Deus Deus está próximo do homem mesmo na prisão e reconhecêlo pode transformar a própria prisão em um castelo O autor critica a ideia da prisão perpétua como uma sentença que não apenas priva alguém da liberdade física mas também declara a perda eterna da alma Ele aborda a crueldade e a desumanidade dessa sentença destacando a falha do sistema judicial em reconhecer a possibilidade de redenção e recuperação CAPÍTULO 12 Neste capítulo o autor discute o valor do sistema penal na sociedade e sua relação com a ideia de civilização Ele argumenta que o sistema penal ao separar os criminosos do restante da sociedade não garante necessariamente a paz e que a distinção entre civilizados e incivilizados é subjetiva e muitas vezes falha O autor sugere que o sistema penal pode ser uma ferramenta eficaz de psicologia e filosofia expondo as deficiências do sistema jurídico e mostrando a necessidade de compaixão e misericórdia Ele critica a ideia de que o direito é suficiente para resolver todos os problemas da sociedade e argumenta que a adoração do direito como um ídolo moderno é prejudicial Plagiarism Scan Report Report Generated on May 262024 0 Plagiarised 100 Unique Total Words 938 Total Characters 5704 Plagiarized Senteces 0 Unique Sentences 42 100 Content Checked for Plagiarism CAPÍTULO 04 O Capítulo IV aborda o papel do juiz e a relação entre o juiz e as partes em um litígio O texto enfatiza a posição elevada e a dignidade do juiz comparandoo a um professor supremo na sala de aula A linguagem jurídica define claramente as partes como os sujeitos de um contrato ou litígio cada um com interesses opostos e que a palavra parte tem um significado profundo representando a essência da divisão entre dois interesses conflitantes O juiz por sua vez não é uma parte e está acima das partes colocado em uma posição de superioridade em relação aos acusados e defensores A contradição surge quando se reconhece que o juiz também é um homem e portanto uma parte mas que deve transcender sua condição humana para ser um juiz justo Este dilema é representado de forma magistral no Evangelho de João onde Jesus desafia aqueles que estão sem pecado a atirar a primeira pedra A passagem ilustra a necessidade de ser isento de pecado para julgar ressaltando que o juiz deve estar acima daquele que é julgado A legislação tenta assegurar a dignidade do juiz através de medidas como o julgamento colegiado onde múltiplos juízes se unem para formar uma só unidade diminuindo a parcialidade A justiça humana é vista como inerentemente parcial e o desafio do direito é minimizar essa parcialidade O capítulo também discute a necessidade de os juízes reconhecerem sua própria indignidade e miséria para serem mais justos sugerindo que a verdadeira compreensão do ser humano e da justiça não se adquire apenas através de estudos formais mas também através do contato com a diversidade da experiência humana O texto conclui que a fé no homem e a capacidade de se surpreender e admirar o mundo são essenciais para que um juiz exerça seu papel com justiça CAPÍTULO 05 O capítulo 5 discute a parcialidade do defensor no contexto do processo penal Começase com a ideia de que nenhum homem consegue apoderarse da verdade completamente pois cada um é apenas uma parte dela Assim como Cristo disse Eu sou a verdade indicando que alcançar a verdade é alcançar a Ele e Nele A verdade é como a luz ou o silêncio que contêm todas as cores e sons mas nossa capacidade sensorial é limitada percebendo apenas uma parte delas Isso se relaciona com o papel do juiz que ao julgar decide quem está certo ou seja de que lado está a razão Embora haja apenas uma razão as partes apresentam suas razões no processo o que pode parecer contraditório No entanto a razão se decompõe em razões assim como a luz se decompõe em cores Quanto mais razões são apresentadas mais próximo se está da verdade Quando o juiz se prepara para julgar encontrase diante da dúvida sobre a culpa ou inocência do acusado Nesse momento o papel do defensor e do acusador é apresentar as razões que levam a uma conclusão obrigatória O defensor não é um raciocinador imparcial mas sim parcial e isso é necessário para garantir a imparcialidade do juiz O processo penal é descrito como um duelo entre defensor e acusador onde suas razões servem como armas Esse escândalo da parcialidade é essencial para o juiz superar suas próprias dúvidas e alcançar um julgamento justo O processo penal portanto depende da contraposição entre a defesa e a acusação para alcançar a verdade e garantir a justiça Finalmente o texto discute a figura do advogado muitas vezes mal compreendido e alvo de críticas No entanto sua parcialidade é essencial para garantir que todas as razões sejam apresentadas no processo contribuindo assim para a busca da verdade e a administração da justiça CAPÍTULO 06 O Capítulo VI trata das provas no processo penal destacando a missão fundamental do processo determinar se o acusado é inocente ou culpado o que implica em saber se fato determinado fato ocorreu ou não O autor reflete sobre o conceito de fato como um pedaço de história uma parte do caminho percorrido pelos indivíduos e pela humanidade Para determinar se um fato aconteceu é necessário fazer história ou seja voltar atrás e reconstruir os eventos No processo assim como na história dos povos é preciso lidar com dificuldades para reconstituir o passado As provas desempenham o papel de voltar atrás e reconstruir a história sendo essenciais para isso O autor compara esse processo de reconstrução com seguir os rastros deixados ao caminhar pelos campos destacando a habilidade e paciência necessárias para tal tarefa Porém há um aspecto negativo os criminosos tentam destruir os rastros de seus crimes ao contrário do que ocorre em transações legais onde se busca preservar as evidências Além disso o autor discute a degeneração do processo penal que se torna um espetáculo para a sociedade alimentando a paixão por descobrir crimes Essa transformação do processo penal em entretenimento reflete uma crise na civilização onde o descobrimento do delito se torna um esporte alimentando um frenesi de investigações conjecturas e indiscrições Nesse contexto tanto os acusados quanto as testemunhas são submetidos a uma exposição pública e a um intenso escrutínio perdendo sua dignidade e integridade O autor destaca a importância de respeitar tanto o acusado quanto a testemunha reconhecendo neles indivíduos com suas próprias histórias lembranças medos e coragens A testemunha em particular é vista como um ser humano submetido a uma posição incómoda e perigosa pelo processo exigindo respeito e consideração por sua condição Por fim o autor critica a noção equivocada de progresso associada à civilização que permite tais abusos sugerindo a necessidade de repensar os métodos do processo penal para garantir o respeito e a dignidade dos envolvidos No Plagiarism Found Share Print Plagiarism Scan Report Report Generated on May 262024 Content Checked for Plagiarism CAPÍTULO 01 No primeiro capítulo o autor descreve suas primeiras impressões ao presenciar uma corte de justiça em sua infância especialmente ao observar os magistrados vestidos com togas Ele questiona o motivo pelo qual os magistrados e advogados usam essa vestimenta e sugere que a toga é um símbolo de autoridade e tradição A toga comparada ao uniforme militar representa não apenas autoridade mas também união entre os juízes Enquanto os magistrados representam a autoridade e a paz os advogados do Ministério Público e defensores estão lá para representar os interesses opostos fazendo da toga um símbolo de conflito necessário para alcançar a justiça O autor destaca a importância da solenidade no processo judicial que é muitas vezes comprometida pela negligência dos envolvidos especialmente quando há excesso de publicidade nos casos célebres Ele também menciona a necessidade de isolamento e decoro no tribunal comparandoo à atmosfera de uma igreja Um exemplo histórico de um presidente de tribunal que prezava pela dignidade e civilidade do processo é mencionado destacando a importância do comportamento e da postura dos envolvidos na administração da justiça A história de Maria Nicolaieva Tarnowska serve como um exemplo das complexidades e desafios enfrentados no processo penal onde a toga dos magistrados e advogados é vista como um símbolo de civilidade e dever CAPÍTULO 02 No capítulo 2 O Preso o autor reflete sobre a diferença entre a solenidade dos juízes e a humilhação do homem encarcerado Ele compartilha a impressão marcante que teve ao ver pela primeira vez um preso no Tribunal de Turim ainda adolescente O homem embora fisicamente grande parecia pequeno e miserável em sua cela comparado aos juízes que pareciam estar acima do nível humano O autor expressa que todos têm suas próprias formas de compaixão e que para ele o mais pobre de todos é o encarcerado não o delinquente Ele faz referência ao sermão de Jesus no Evangelho de Mateus que influenciou profundamente sua percepção destacando que a compaixão deve ser dirigida ao encarcerado como ser humano e não ao delinquente Ele descreve a repulsa que sente pelos criminosos até que são presos momento em que a compaixão surge A transformação de um criminoso em um homem comum ao ser algemado revela a natureza humana oculta As algemas são vistas como um símbolo do direito que revela a verdadeira condição humana uma mistura de luzes e sombras de riqueza e miséria O autor defende que o encarceramento deve reavivar a chama da bondade ao invés de extinguila e critica a visão simplista que divide as pessoas entre boas e más Ele conta a história de um homicida que defendeu cuja expressão terrível se iluminou com um lampejo de amor fraternal ao falar de seu irmão Essa humanidade escondida mostra que todos carregam em si um germe de bem mesmo os encarcerados O capítulo conclui que todos estão aprisionados de alguma forma não necessariamente em uma cela física mas em prisões internas de egoísmo e autossuficiência A verdadeira liberdade só pode ser alcançada através do amor e da abertura ao outro permitindo a entrada da graça divina Essa reflexão sobre a condição humana e o papel do direito em revelar nossa verdadeira natureza é algo que o autor Plagiarised Unique Total Words 926 Total Characters 5748 Plagiarized Sentences 0 Unique Sentences 38 100 0 100 Page 1 of 2 começou a compreender desde jovem ao presenciar um homem encarcerado no Tribunal de Turim CAPÍTULO 03 O capítulo aborda a profunda relação entre o advogado e seus clientes especialmente os presos destacando que a principal necessidade destes não é apenas técnica mas sim a de amizade e empatia Carlo Majno exaluno do autor e agora um dos melhores advogados de Milão dooulhe um desenho de Mentessi simbolizando a condição emocional dos presos uma mão inerte e a outra suplicante Este presente serve como ponto de partida para refletir sobre o papel do advogado O autor reflete que a advocacia não é apenas uma atividade técnica comparável à medicina ou engenharia ela envolve uma dimensão humana e espiritual onde o advogado é chamado a socorrer a oferecer amizade A palavra advogado significa chamado a ajudar e diferentemente do médico enfatiza a necessidade de uma relação pessoal Na sociedade romana o cliente buscava proteção do patrono e a advocacia está enraizada no conceito de aliança e amizade O acusado muitas vezes solitário e cercado por inimizade necessita de um advogado que o apoie no último degrau da escada partilhando de sua humilhação e necessidade de ser julgado A experiência de ser advogado é espiritualmente saudável pois ensina a humildade e a suplicar O autor descreve a advocacia como um exercício de humilhação que apesar das dificuldades proporciona benefícios espirituais tanto ao advogado quanto ao cliente Esta relação é ilustrada pela imagem de compartilhar o pão companheiro e a necessidade de conhecer profundamente o espírito do acusado A poesia da advocacia é sentida nos momentos iniciais e finais da carreira onde a defesa da inocência e a luta pela justiça brilham Contudo com o tempo as ilusões caem mas a essência espiritual da profissão que é a companhia no sofrimento e na humilhação permanece A experiência do advogado é um constante pedido de ajuda onde a arrogância deve ser superada Finalmente o autor enfatiza que a maior necessidade do preso é o amor e a amizade e que a verdadeira defesa só pode ocorrer através do entendimento espiritual do cliente O advogado deve com paciência e delicadeza conquistar a confiança dos seus clientes muitas vezes cheios de ódio e desconfiança A advocacia então se revela como uma profissão profundamente humanitária onde a empatia e o apoio emocional são tão importantes quanto as habilidades técnicas No Plagiarism Found Page 2 of 2