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Direito Internacional

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I NADIA DE ARAUJO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO I TEORIA E PRÁTICA BRASILEIRA 7ª edição revista atualizada e ampliada THOMSON REUTERS REVISTA DOS TRIBUNAIS O DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO NO MUNDO 1 O novo DIPr e os direitos humanos Nos dias atuais a preocupação com os direitos humanos ultrapassou os limites do Direito Internacional Público e se espraiou por vários outros ramos jurídicos Uma reflexão acerca do Direito Internacional Privado DIPr não poderia continuar imune à universalidade dos direitos humanos protegidos por uma plêiade de tratados internacionais e já integrados ao direito interno dos Estados seja pela incorporação desses tratados seja na esteira das modificações e reformas constitucionais ocorridas em diversos países nos últimos 20 anos Na América Latina é relevante esse movimento como se verificou na redemocratização do continente após período marcado por governos ditatoriais em vários países Os novos governos assumiram os princípios protetivos dos Direitos Humanos nas reformas legais efetuadas nesse processo de redemocratização Reconhecidos como princípios fundamentais devese assegurar a sua adoção e aplicação nos ordenamentos positivos em especial no DIPr A proteção da pessoa humana é hoje o objetivo precípuo de todo o ordenamento jurídico integrando os princípios norteadores do direito constitucional e influenciando também a sistemática do DIPr Assume cada dia mais relevância a interpretação e a utilização dadas à questão da proteção da pessoa humana e de sua dignidade em todas as áreas do direito em especial no direito privado Antes fortemente marcado pelas doutrinas individualistas dos séculos XVIII e XIX o direito privado foi aos poucos invadido pela ótica constitucionalista A inspiração para discorrer sobre esses novos caminhos do DIPr foi o convite para o XXVIII Curso da OEA sobre Direito Internacional cuja temática proposta A pessoa humana no Direito Internacional Contemporâneo atesta a atualidade e pertinência Passados 15 anos daquele convite o foco continua atual O objetivo de toda a reflexão é analisar o papel da influência da moderna concepção de direitos humanos e de direitos fundamentais no plano interno na aplicação do DIP Continuar com o sistema do DIPr do século XIX que não se preocupa com os resultados obtidos ao aplicar a regra de conexão é correr o risco de ignorar os anseios da sociedade dandolhe as costas Utilizase uma técnica sofisticada o método conflitual mas cega às necessidades do indivíduo O DIPr não pode prescindir dessa ótica principiológica devendo ele também adotar os preceitos constitucionais nas suas metodologias operacional e interpretativa Nos últimos anos essa tendência pode ser observada nos países europeus como a Alemanha a França e Portugal onde as regras conflituais sofreram grande modificação especialmente em vista das peculiaridades da construção própria e da atuação da regulamentação regional específica dos direitos humanos Erik Jayme definiu a ordem pública como sendo o conjunto de princípios gerais de base de um sistema jurídico os quais se apresentam como um obstáculo A aplicação da lei estrangeira figurando entre eles os direitos fundamentais do indivíduo protegidos constitucionalmente No mesmo sentido Léna Gannagé explica o modelo francês em que o Conselho Constitucional desde 1971 faz a apreciação da conformidade de uma lei não só com relação ao texto da Constituição como também ao seu preâmbulo à Declaração de Direitos do Homem e dos princípios fundamentais reconhecidos pelas leis da República conjunto chamado por ela de bloco constitucional abrindo a porta para a proeminência dos direitos fundamentais nessa temática A partir do marco estabelecido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 com referência expressa à proteção da dignidade do indivíduo introduziuse a concepção contemporânea de que esses direitos são caracterizados por sua universalidade e indivisibilidade Espalhouse essa noção de proteção para outras áreas do Direito Erik Jayme afirma que os direitos humanos têm um papel primordial na atual cultura jurídica contemporânea também pela sua função de aproximar o Direito Internacional Público do Direito Internacional Privado Ao invés de continuarem seu caminho em dois círculos separados com temáticas distintas o Direito Internacional Público tratando das relações entre os Estados O eixo axiológico dos direitos humanos é o da dignidade da pessoa humana alçada ao patamar de um valor tanto internacionalmente nos tratados de direitos humanos quanto no plano interno nas constituições A Constituição brasileira elevou a categoria de princípio fundamental art 1º III constituindo o núcleo informador de todo o ordenamento jurídico Os direitos do homem assumem a cada dia maior relevância para o DIPr no regramento do conflito de leis A proteção à dignidade da pessoa humana e os princípios daí decorrentes passam a informar as condições de aplicação do direito e o Direito Internacional Privado somente das pessoas privadas encontraramse em um novo espaço tendo ao centro a preocupação com a pessoa humana estranho levada a cabo pela utilização da metodologia própria do DIPr Essas condições de aplicação conjugam as regras de conexão clássicas com outras técnicas de caráter principiológico e dotadas de maior flexibilidade regras materiais de DIPr regras flexíveis regras alternativas normas narrativas e cláusulas de exceção Todas não podem prescindir do que Erik Jayme chama de double coding O entendimento da norma sob uma dupla perspectiva de frente quanto à sua finalidade e de reverso quanto a outros pontos atingidos por ela A norma não é intrinsecamente neutra Traz em si além do objetivo precípuo uma proteção dos valores constitucionais especialmente os direitos humanos reconhecidos na ordem jurídica É um exemplo a Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional que visa proteger o menor não só do ponto de vista econômico mas também do ponto de vista de sua identidade cultural e caprichoso está sendo superado pelos novos topoi lugarescomuns criados e pelas soluções substanciais e flexíveis surgidas na jurisprudência e na doutrina americana e posteriormente adotadas na Europa Esta orientação metodológica está comprometida com uma jurisprudência de interesses e valores em favor de decisões que ao solucionaram o conflito de leis não ignoram as consequências do caminho encontrado Não é fácil colocar em prática essa maneira de pensar pois o intérprete deve orientar seu labor interpretativo pelos princípios constitucionais e materiais extraídos das fontes legais Essa jurisprudência está se construindo a partir da perspectiva de um sistema nacional tendo como vértices a Constituição e sobretudo a universalização dos direitos fundamentais O papel do juiz como intérprete do ordenamento jurídico na aplicação do DIPr está condicionado não só à observância das leis internas especializadas sobre a matéria LINDB Código Civil e Código de Processo Civil no Brasil mas também aos direitos humanos Estes possuem proteção especial no plano interno pelas regras constantes do bloco constitucional que incluem os princípios e no plano internacional em sua dimensão global e regional O DIPr precisa dispor de uma metodologia que incorpore o viés de um pensamento jurídico retóricoargumentativo e não mais lógicosistemático ou formalista próprio das concepções positivistas Só desta forma se poderá chegar às soluções desejadas no momento atual uma ressurreição do pensamento tópico e casuístico que está nas origens do DIPr da escola italiana Para isso as regras de DIPr precisam obedecer ao sistema de regraexceção tendo os direitos humanos como baliza das soluções encontradas pelo método conflituall não sendo a lei aplicável a única solução possível para um problema pluralizado cláusulas de exceção através de regras materiais de DIPr orientadas para a solução global do problema comprometidas com os valores e não mais somente a sua função localizadora O aumento do número de indivíduos atingidos por problemas legais decorrentes de situações plurilocais impôs aos operadores jurídicos nova compreensão da disciplina No passado seu número era limitado pois apenas as elites podiam viajar ou ter relações privadas com caráter internacional mas a situação modificouse completamente A expansão das situações privadas internacionais se deu através da globalização que com a abertura de novos mercados possibilitou um maior movimento de trabalhadores no plano internacional com suas correntes migratórias de cunho econômico as advindas do incremento do turismo de massa as migrações por motivos políticos com grandes grupos de refugiados deslocados para outras comunidades levando consigo seus valores culturais que precisam ser respeitados inclusive no que diz respeito à lei aplicável Os princípios protetivos dos direitos humanos interferem na operacionalização do método de solução de conflitos do Direito Internacional Privado de duas formas na sua aplicação positiva e na sua aplicação negativa Aplicação positiva porque a manutenção do método garante os direitos individuais de respeito ao patrimônio jurídico que os indivíduos carregam consigo Não aplicar a regra de DIPtr que remete ao direito estrangeiro em favor da lei local sem que haja justificativa aparente dentro das exceções já previstas no método conflitual leis imperativas e ordem pública implicaria em um territorialismo exacerbado e um desrespeito aos direitos do indivíduo com relação ao seu estatuto pessoal em uma sociedade pluralista Portanto aplicar a um indivíduo a lei designada pela regra de conflito preserva sua identidade cultural em um mundo em que há crescente mundialização do comércio e das relações privadas A manutenção do método conflitual dentro de uma perspectiva mais flexível representa uma maneira positiva de respeitar os direitos humanos pois há uma ligação efetiva entre a regra a ser utilizada e o indivíduo É o respeito ao direito à diferença acentuado por Erik Jayme pois a civilização pósmoderna se caracteriza por um pluralismo de estilos e de valores desconhecidos anteriormente Só o método conflitual garante aos indivíduos os seus direitos à diferença no que tange à proteção da identidade cultural Para evitar que a escolha seja meramente mecânica cega aos valores de justiça material neutra ou indiferente ao conteúdo das normas materiais encontradas serve o conceito de direitos humanos de baliza também no seu aspecto negativo ou seja quando a aplicação da lei estrangeira levar a uma violação dos direitos humanos O resultado obtido pela aplicação do método conflitual precisa ter limites definidos tarefa realizada pela utilização do princípio da ordem pública Evitase contrariar com a aplicação da regra de DIPr os direitos fundamentais Só através de uma concepção valorativa da aplicação do DIPr será possível o respeito aos direitos humanos constitucionalmente protegidos para atingir os objetivos da disciplina A técnica da norma indireta continua adequada para resolver os conflitos pluralizados porque excede à ordem pública usada para garantir o respeito aos direitos fundamentais Para a disciplina do DIPr a proteção da pessoa humana é a sua finalidade primeira e ao continuar utilizando o método multilateral como forma de solucionar os conflitos de lei seus limites devem ser informados pelos direitos humanos Esse processo de publicação leva o intérprete do direito a usar como referência primordial e imediata as normas constitucionais Também nesse sentido François Rigaux afirma que os instrumentos internacionais de proteção a todas as pessoas humanas implicam no reconhecimento da qualidade de sujeito aos estrangeiros e às demais pessoas conforme estabelecido em diversas convenções internacionais Embora os tratados de direitos humanos não contenham expressamente regra para o conflito de leis ou de jurisdição têm influência considerável na aplicação do DIPr interno Procurase através da reflexão sobre as modificações ocorridas no sistema conflitual tradicional a partir dos direitos fundamentais do indivíduo apontar para uma nova vertente interpretativa das regras de DIPr Os países da América Latina em geral e o Brasil em particular enfrentam essa nova realidade No Brasil as regras de DIPr precisam se adequar à sistemática constitucional a partir de 1988 e ainda aos cânones do Código Civil pois a LINDB principal fonte normativa do DIPr de 1942 permanece inalterada Sua metodologia clássica do DIPr inspirada nos modelos do século XIX mostrase inadequada à complexidade e à diversidade do momento E ao mesmo tempo em que essa lei é mantida o DIPr brasileiro modernizase em outros diplomas legais como as novas regras de competência internacional e cooperacão jurídica internacional do Novo Código de Processo Civil Lei 131052015 e a atualização do Código do Consumidor que deve promover a mudança do artigo 9º da LINDB Ao mesmo tempo o Brasil começa a adotar tratados internacionais que trazem novos ventos para o DIPr especialmente aqueles oriundos da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado Portanto o aggiornamento desejado das normas de DIPr brasileiras precisa caminhar para a frente e esse caminho se faz pela leitura dos direitos fundamentais A definição do que sejam direitos humanos é poder ser lida em vários países e Estados como uma contradição entre direitos e deveres seja na forma de garantir e garantir Para garantir é possível ser desde o século XVIII pois através delas se procura contemporizar esses direitos com uma dimensão permanentemente segura a acessibilidade de nacionalizar o conceito aumentando e em contrapartida que Estado é feito pelo indivíduo e não o indivíduo pelo Estado aliás para citar o famoso art 2º da Declaração de 89 a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem é o objetivo de qualquer associação política Com o tempo o princípio da dignidade da pessoa humana tornouse o pilar do extenso catálogo de direitos civis políticos econômicos sociais e culturais que as Constituições e os instrumentos internacionais oferecem solenemente aos indivíduos e às coletividades Há uma indissociável vinculação entre a dignidade A Declaração Universal foi uma resposta a esses novos tempos consumindo o direito a uma hospitalidade universal propagada por Kant em sua paz perpétua com o fito de impedir o surgimento de apátridas em larga escala Esse processo de universalização permitiu a formação de um sistema normativo internacional de proteção aos direitos humanos tanto no plano regional sistema da OEA quanto no plano global sistema da ONU no qual o Brasil tem participado ativamente iniciando a incorporação desses atos internacionais a partir da Constituição de 1988 Os instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos apresentam natureza subsidiária pois atuam como garantias adicionais de proteção após falharem os sistemas nacionais A responsabilidade primária pela tutela dos direitos fundamentais continua no âmbito do Estado mas pode ser transferida à comunidade internacional quando sua interferência se mostrar necessária para suprir omissões ou deficiências Para a utilização desses instrumentos de caráter internacional no plano interno é preciso proceder à sua recepção pelo nosso ordenamento jurídico Tal questão remete a uma velha discussão da doutrina e da jurisprudência acerca do status que assumem os tratados internacionais no nosso ordenamento A lógica de que deve haver respeito à diferença dos sistemas jurídicos Para Lafer a construção da tolerância passa pela afirmação da indivisibilidade dos direitos humanos e neste sentido sua agenda é um dos ingredientes de governabilidade do sistema internacional dos nossos dias A utilização dos direitos humanos como balizador da aplicação do método conflitual também é um dos ingredientes fundamentais para a adaptação da metodologia da disciplina aos dias atuais Por isso é desnecessário recorrer a novas teorizações ou criar novas exceções à utilização do sistema conflitual baseadas somente no interesse de lajs for ou de uma pretensa justiça material O Direito Internacional Privado os sujeitos e seu conteúdo nuclear O Direito Internacional Privado é o ramo da ciência jurídica onde se definem os princípios se formulam os critérios se estabelecem as normas a que deve obedecer a pesquisa de soluções adequadas para os problemas emergentes das relações privadas de caráter internacional São essas relações ou situações aquelas que entraram em contato através dos seus elementos com diferentes sistemas de direito Não pertencem a um só domínio ou espaço legislativo são relações plurilocalizadas