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Cadernos Brasileiros de Saúde Mental ISSN 19842147 Florianópolis v11 n28 p94116 2019 USO DE DROGAS REPERCUSSÕES E INTERVENÇÕES NEUROPSICOLÓGICAS Drug use Neuropsychological effects and interventions Rachel SchlindweinZanini1 Micheli Sotili2 Artigo encaminhado 07042019 Aceito para publicação 26042019 RESUMO O abuso de drogas é considerado um problema de Saúde Mental e social com efeitos potencialmente devastadores à saúde do usuário às relações familiares às expectativas profissionais e à sociedade requerendo políticas de controle e combate A dependência de substâncias como álcool fármacos cocaína crack e maconha relacionase a fatores biológicos sociais e psicológicos e consiste basicamente na presença de alterações comportamentais fisiológicas e cognitivas Considerando a diversidade de padrões de uso de drogas existentes para o diagnóstico da dependência química é necessário investigar diversos aspectos A avaliação neuropsicológica também pode ser utilizada no diagnóstico do comprometimento cognitivo e planejamento de reabilitação neuropsicológica e consiste no exame das funções cognitivas do indivíduo como orientação memória linguagem atenção raciocínio através de procedimentos e testes padronizados Podendo incluir instrumentos como Bateria de Avaliação Frontal FAB Inventário de Alterações Neuropsicológicas NEUROPSZC Escala Wechsler de Inteligência para Adultos WAIS Teste Wisconsin de Classificação de Cartas WCST Teste de Associação de Palavras Controladas COWAT Para que as intervenções terapêuticas alcancem êxito é necessário que o usuário de substâncias e seus familiares compreendam a amplitude dos prejuízos provocados pelo seu uso e sejam aderentes as orientações da equipe As intervenções incluem desintoxicação farmacoterapia psicoterapias como a terapia cognitivocomportamental reabilitaçãoestimulação neuropsicológica terapia ocupacional além dos grupos de ajuda mútua importantes no âmbito de saúde mental Palavras chave Drogas Neuropsicologia Saúde mental 1 Doutora em Ciências da SaúdeMedicina Neurociências PUCRS Pósdoutorado em Psicologia pela UFSC Psicóloga Neuropsicóloga do Hospital Universitário UFSC Professora do Programa de Pós Graduação em Saúde Mental e Atenção Psicossocial PPGSM da UFSC rachelszfloripacombr 2 Psicóloga Mestre em Saúde Mental formada pelo PPGSM da UFSC michelisotiligmailcom Cadernos Brasileiros de Saúde Mental ISSN 19842147 Florianópolis v11 n28 p94116 2019 95 P á g i n a ABSTRACT Drug abuse is considered a social and mental health problem with devastating consequences to the users health family ties and professional expectations requiring control and antidrugs policies Substance dependence as alcohol medication cocaine crack and marijuana is related to biological social and psychological factors and consists basically of behavioral physiological and cognitive changes Considering the diversity of drug use standards nowadays several aspects need to be investigated for the diagnosis of chemical dependence Neuropsychological evaluation can be used in the diagnosis of cognitive impairment and also for planning neuropsychological rehabilitation and consists of examining the individuals cognitive functions such as orientation memory language attention and reasoning through standardized procedures and tests It may include instruments such as Frontal Assessment Battery BAF Neuropsychological Alterations Inventory NEUROPSZC Wechslers Adult Intelligence Scale WAIS Wisconsin Card Sorting Test WCST Test of Controlled Oral Word Association Test COWAT To succeed with the therapeutic interventions it is necessary that the substance user and their family understand the extent of the damage caused by its use and adherence to the the health team guidelines Interventions include detoxification pharmacotherapy psychotherapy as cognitivebehavioral therapy neuropsychological stimulation and rehabilitation occupational therapy and mutual support groups important in the field of mental health Keywords Drugs Neuropsychology Mental health 1 INTRODUÇÃO A história do uso e abuso de substâncias psicoativas é antiga Cogumelos alucinógenos ópio e canabinóides foram utilizados por civilizações ancestrais do oriente e atualmente o grupo de drogas chamadas psicoativas psicotrópicas e de abuso inclui medicações que alteram o funcionamento do Sistema Nervoso Central humor percepção comportamento e cognição o álcool a cocaína o crack solventes maconha heroína ácido lisérgico LSD anfetaminas tabaco e ecstasy entre outras Os primeiros registros de uso de bebidas alcoólicas em rituais religiosos e festas pagãs datam de 4000 aC O álcool é a substância psicoativa mais utilizada nas sociedades contemporâneas sendo seu uso de diversas maneiras incentivado por veículos de transmissão cultural Porém apesar de seu consumo ser aceito seu uso excessivo ou de outras formas problemático é tratado como um problema de saúde FANTINATO 2011 REISDORFER 2010 As civilizações précolombianas dos Andes já há mais de 4500 anos utilizavam a folha extraída da planta Erythroxylon coca ou simplesmente coca Cadernos Brasileiros de Saúde Mental ISSN 19842147 Florianópolis v11 n28 p94116 2019 96 P á g i n a como testemunham as escavações arqueológicas no Peru e na Bolívia A planta de coca cresce na forma de arbusto ou em árvores ao leste dos Andes e acima da Bacia Amazônica Cultivada em altitudes que variam entre 450m e 1800m acima do nível do mar é tradicionalmente mascada pelos nativos da região e associada por alguns grupos aos mistérios sagrados da fertilidade da sobrevivência da morte e de práticas curativas FERREIRA MARTINI 2001 O nome coca deriva de uma palavra aimará khoka significando a árvore KARCH 1989 A cocaína é um derivado da coca e o crack uma forma cristalizada derivada da pasta de coca cujo uso se popularizou internacionalmente na década de 1980 A maconha droga ilícita no Brasil derivada da planta Cannabis sativa de origem asiática cresce em zonas tropicais e temperadas e era utilizada sob forma medicamentosa na China no ano 7000 aC A partir dos anos 60 seu consumo como entorpecente cresceu mundialmente RUIZ CONTRERAS et al 2010 O usoabuso de drogas vem sendo considerado um problema de grande transcendência social cujos efeitos são diversos e considerados por determinados segmentos devastadores à saúde do usuário às relações familiares às expectativas profissionais e à sociedade como um todo Em face disso tem sido criadas políticas para controle e combate Ao uso e abuso de álcool e drogas ilícitas Tais políticas são de diferentes ordens abarcando múltiplos setores da sociedade segurança pública apoio social saúde entre outros ALMEIDA FILHO et al 2007 2 USO E ABUSO DE DROGAS SINTOMAS E REPERCUSSÕES O vício em substâncias ou dependência de drogas é um distúrbio neuropsiquiátrico caracterizado por um desejo recorrente de continuar usando a droga apesar das consequências prejudiciais ZOU et al 2017 Assim a dependência de substâncias relacionase a fatores biológicos sociais e psicológicos cujas repercussões negativas na saúde e na família do usuário não o impedem de continuar o uso gerando autoadministração repetida e consequente tolerância abstinência e comportamento compulsivo de consumo Cadernos Brasileiros de Saúde Mental ISSN 19842147 Florianópolis v11 n28 p94116 2019 97 P á g i n a da droga SCHLINDWEINZANINI et al 2014 Entre as substancias citase o álcool psicofármacos cocaína crack e maconha 21 Álcool O alcoolismo é um problema complexo visto ser uma das substancias psicoativas mais consumidas no mundo porém com um grande risco para o indivíduo que faz uso excessivo e repetitivo capaz de trazer sérias repercussões a saúde e as relações sociais e profissionais sem contar que os gastos relacionados direta e indiretamente ao abuso do álcool são altíssimos para a economia do país FANTINATO 2011 O Ministério da Saúde 2004 traz alguns dados referentes aos gastos públicos relacionados com o consumo de álcool em 2001 nesse período foram realizadas 84467 internações para tratamentos de problemas decorrentes do uso de álcool emitiuse 121901 AIHs Autorização de Internação Hospitalar para internações referentes ao alcoolismo sendo a média de internação de 273 dias totalizando um custo anual de mais de 60 milhões de reais para o SUS Sistema Único de Saúde O uso do álcool também tem sido correlacionado à violência sendo verificado em pesquisa de Collins e Messerschmidt 1993 que o consumo de álcool está envolvido em pelo menos metade dos crimes violentos seja o consumo observado no criminoso na vítima ou em ambos É visível a relação do álcool com a violência pois o mesmo prejudica a capacidade de controlar a agressividade a impulsividade e a capacidade de tomar decisões Com relação à violência contra a mulher Estudos mostram que embora a violência doméstica seja universal ela é mais prevalente em usuários de substâncias Hilberman e Munson descobriram que 93 das pessoas que causavam violência em suas esposas eram alcoólatras Wolfgang relatou que em seu estudo 67 dos maridos que espancaram suas esposas eram alcoólatras BHATT 1998 p 30 tradução nossa De acordo com o Ministério da Saúde 2004 a presença de álcool em acidentes ou situações de violência é responsável por um aumento na gravidade das lesões provocadas e pela consequente diminuição dos anos de vida da população A violência e os acidentes são a segunda causa de mortalidade geral e ocupa o primeiro lugar como causa de óbitos de pessoas entre 10 e 49 anos de idade Cadernos Brasileiros de Saúde Mental ISSN 19842147 Florianópolis v11 n28 p94116 2019 98 P á g i n a Em relação aos adolescentes e jovens o uso de drogas incluindo o álcool está relacionado com diversas situações responsáveis por danos à saúde entre Elas os acidentes de trânsito agressões depressões clínicas e distúrbios de conduta ao lado de comportamento de risco no âmbito sexual e transmissão do Vírus da Imunodeficiência Humana HIV pelo uso de drogas injetáveis e de outros problemas de saúde decorrentes dos componentes da substância ingerida e das vias de administração MINISTÉRIO DA SAÚDE 2004 p 14 Conforme Hingson 1982 apenas 1 dos indivíduos que reconhecem ter problemas com o consumo excessivo de álcool e buscaram atendimento foram diagnosticados e motivados para realizar o tratamento e alcançaram a abstinência Dessa forma além da dificuldade do paciente em buscar ajuda há ainda a dificuldade em diagnosticar corretamente bem como a rigidez encontrada em algumas das propostas de tratamento Para a população de Florianópolis Santa Catarina o alcoolismo não é considerado uma doença mental sendo a responsabilidade atribuída ao próprio indivíduo dependente que é visto como violento e capaz de perturbar a ordem social REISDORFER 2010 p20 o que torna necessária a investigação dos padrões de uso de bebidas alcoólicas propondo ações de prevenção e promoção de saúde Historicamente é notável a exclusão social e o estigma que as pessoas que sofrem de algum transtorno mental enfrentam na sociedade somase a isso a dificuldade de encontrar assistência adequada O alcoolismo tornouse um problema de saúde pública sendo apontado como a principal causa de doenças mortes e acidentes que poderiam ser evitados além da violência ANDRADE ANTHONY SILVEIRA 2009 O uso abusivo de álcool traz repercussões em vários âmbitos interferindo nas relações sociais e familiares com prejuízos cognitivos ocupacionais aumento nos acidentes e na criminalidade Além disso de acordo com Damasceno 2008 o uso excessivo e repetitivo de álcool provoca também carências nutricionais devido a uma alimentação insuficiente e a deficiência na absorção Entre as repercussões metabólicas do abuso crônico de álcool temse a fibrose hepática a hipoglicemia e a Síndrome de WernickeKorsakoff entre outras VIEIRA 2012 A Síndrome de WernickeKorsakoff é uma das Cadernos Brasileiros de Saúde Mental ISSN 19842147 Florianópolis v11 n28 p94116 2019 99 P á g i n a conseqüências da deficiência de Tiamina Vitamina B1 utilizada na condução nos neurônios colinérgicos e serotoninérgicos responsável pelo surgimento de lesões neuronais DAMIANI et al 2013 A encefalopatia de Wernicke se inicia de forma aguda ou subaguda com apresentação de desorientação confusão amnésia nistagmo oftalmoplegia ataxia e sinais associados de polineuropatia podendo evoluir para coma com mortalidade em torno de 15 DAMASCENO 2008 p 814 A psicose e a amnésia de Korsakoff podem surgir como conseqüência da encefalopatia de Wernicke ou iniciar de forma isolada O paciente pode apresentar confabulação confusão e déficits na memória anterógrada e retrógrada Ibidem 2008 Dessa forma a Demência de WernickeKorsakoff afeta o Sistema Nervoso Central e periférico prejudicando também a qualidade de vida do paciente SchlindweinZanini et al 2014 Essa síndrome se constitui emergência clínica e o diagnóstico rápido e tratamento precoce através da administração de tiamina parenteral torna possível a reversão dos sintomas neurológicos e previne a psicose ou demência de Korsakoff DAMIANI et al 2013 22 Psicofármacos Os psicofármacos também fazem parte das drogas de abuso mesmo que seu uso dependa da prescrição médica e tenham sua comercialização restrita Essas substâncias atuam no organismo alterando as funções mentais como a percepção além de provocar alterações comportamentais e de humor estimulando ou inibindo o sistema nervoso central O abuso e a dependência de psicofármacos é um dos principais problemas de saúde em nível mundial especialmente entre os idosos HERNÁNDEZ 2010 Entre os fármacos que também podem causar dependência estão os opióides utilizados para aliviar a dor oncológica intensa e a dor aguda além de outras síndromes dolorosas não oncológicas Seu uso prolongado pode ter como consequência o desenvolvimento de tolerância da síndrome da abstinência e da dependência O diagnóstico de dependência de opióides é difícil e suas manifestações incluem seu uso excessivo causa da dor desconhecida exagero na dor uso compulsivo e preocupação sobre se o medicamento estará disponível a não aceitação da mudança na prescrição ou alteração do medicamento entre outros NASCIMENTO SAKATA 2011 Cadernos Brasileiros de Saúde Mental ISSN 19842147 Florianópolis v11 n28 p94116 2019 100 P á g i n a 22 Cocaína e Crack Entre tais substâncias psicoativas citase também a cocaína e o crack substâncias altamente viciantes e estimulantes do Sistema Nervoso Central Seus efeitos segundo Ruiz Contreras et al 2010 iniciam rapidamente e tem duração de aproximadamente 30 a 60 minutos e provocam sensações gratificantes aumentando a autoestima e a autoconfiança Porém quando o efeito começa a declinar o usuário experimenta sensação de ansiedade por esse motivo fazendo seu uso associado com a heroína que apresenta um efeito mais prolongado sendo que o uso de cocaína está associado à diminuição do apetite e do sono No que se refere ao aspecto emocional Rodrigues et al 2013 referem que nos usuários de crack se observa a manifestação de comportamentos violentos e de risco descuido com o asseio pessoal perda de emprego e afastamento de familiares e amigos É considerada uma das substâncias mais perigosas no que se refere ao risco de danos sejam eles psicológicos sociais e físicos A cocaína produz seus efeitos psicoativos e viciantes principalmente agindo sobre o sistema de recompensa do cérebro um conjunto de regiões interconectadas que regulam o prazer e motivação Um efeito inicial de curto prazo devido a um acúmulo de dopamina neuroquímica dá origem à euforia e um desejo de tomar a droga novamente Muitos efeitos de longo prazo da cocaína incluem vício desejo persistente e um alto risco de recaída A desregulação das vias de recompensa do cérebro está associada a um agravamento drástico de comportamentos de procura de droga e consumo HAAS KARILA LOWENSTEIN 2009 Quando prejuízos neurocognitivos em dependentes de cocaínacrack são comparados a indivíduos normais percebemse alterações em testes de atenção fluência verbal memória visual memória verbal capacidade de aprendizagem e funções executivas evidenciando que o abuso de cocaína está associado a déficits neuropsicológicos significativos semelhantes aos que ocorrem em transtornos cognitivos possivelmente relacionados a problemas em regiões cerebrais préfrontais e temporais CUNHA NOVAES 2004 Também há forte associação entre o transtorno de déficit de atençãohiperatividade TDAH e o transtorno por uso de substâncias psicoativas TUSP em estudos clínicos e comunitários Estimase que Cadernos Brasileiros de Saúde Mental ISSN 19842147 Florianópolis v11 n28 p94116 2019 101 P á g i n a aproximadamente 30 dos sujeitos com TUSP apresentam comorbidade com o TDAH taxa significativamente maior do que a vista na população geral SZOBOT ROMANO 2007 23 Maconha Com relação ao consumo de maconha sabese que seus efeitos são sentidos em poucos minutos quando inalada ou entre 30 e 60 minutos quando ingerida De acordo com Ruiz Contreras et al 2010 apesar de ser considerada uma droga leve há controvérsias quando se trata do seu potencial de dependência física Seu consumo acarreta problemas diversos como a dificuldade de memorizar informações novas dificulta o desempenho em determinadas atividades físicas e pode provocar depressão ansiedade e outras doenças respiratórias Além desses efeitos Budney Vandrey e Stanger 2010 apontam dificuldades no relacionamento familiar e com amigos baixa satisfação com a vida dificuldades financeiras e baixa produtividade no trabalho baixa autoestima e culpa pelo uso Outras pesquisas conforme ALVES SPANIOL LINDEN 2012 DIEHL CORDEIRO LARANJEIRA 2010 sugerem associação entre o uso da cannabis e psicose Também há indicação de que indivíduos com esquizofrenia usuários dessa substância podem apresentar uma exacerbação dos sintomas psicóticos De acordo com Laranjeira 2010 a hipótese de que a maconha seja a porta de entrada para outras drogas é uma questão bastante discutida porém para o autor é fato que seu uso pode ser considerado pelo menos como um fator de risco para a experimentação de drogas mais pesadas No estudo realizado por Meier et al 2012 com pessoas que faziam uso persistente de maconha foi verificado um declínio neuropsicológico principalmente quando o consumo se iniciou na adolescência Entre os efeitos observaramse déficits de memória funções executivas e aprendizagem Além disso verificouse nesse estudo que mesmo após cessar o uso de maconha o funcionamento neuropsicológico não é restaurado completamente naqueles indivíduos que iniciaram o uso na adolescência sugerindo seu efeito neurotóxico para o cérebro visto que nesta fase o mesmo se encontra em desenvolvimento Ibidem 2012 Cadernos Brasileiros de Saúde Mental ISSN 19842147 Florianópolis v11 n28 p94116 2019 102 P á g i n a 3 DIAGNÓSTICO E PROGNÓSTICO Há muitas propostas de tratamento que tem como meta final a abstinência das drogas que quando alcançada apresentase como sucesso terapêutico Porém apenas 20 dos casos resultam em abstinência e esse é um número considerado baixo FANTINATO 2011 Há outras possibilidades de tratamento onde podem ser consideradas as singularidades de cada indivíduo escolhendose um tratamento diferenciado para cada um de acordo com o que é demandado com o que pode ser feito e estimulando a participação ativa do usuário Uma destas alternativas é a abordagem da redução de danos e não a abstinência com o intuito de preservar a vida MINISTÉRIO DA SAÚDE 2004 A realização de um diagnóstico precoce e do tratamento para a dependência do álcool são fatores importantes para que o prognóstico do paciente seja bom Segundo dados do Ministério da Saúde 2004 em relação aos pacientes tratados na atenção primária em torno de 20 fazem uso abusivo de álcool bebendo em um nível considerado de alto risco Quanto ao aspecto psicológico e psiquiátrico Hess Almeida e Moraes 2012 referem que a chance de desenvolver transtornos psiquiátricos é maior nos indivíduos dependentes químicos e ressaltam que a identificação de outros transtornos é importante para o tratamento adequado e um bom prognóstico Complementarmente Ruiz Contreras et al 2010 afirmam que cada pessoa dependente de determinada droga pode apresentar comorbidades psiquiátricas diferentes sendo necessário que o tratamento também seja individualizado com o intuito de melhorar a efetividade terapêutica e minimizar o risco de recaídas Hess Almeida e Moraes 2012 citam diversos estudos em que foi possível observar que os transtornos psiquiátricos mais comumente encontrados entre os dependentes químicos são depressão ansiedade e transtornos de personalidade Além de maior risco de suicídio impulsividade e agressividade A dependência de substâncias é considerada um transtorno psiquiátrico e de acordo com a Organização Mundial de Saúde OMS pode ser tratada tanto como uma condição médica crônica quanto como um problema social Ela pode ser entendidacomo Cadernos Brasileiros de Saúde Mental ISSN 19842147 Florianópolis v11 n28 p94116 2019 103 P á g i n a um estado mental e muitas vezes físico que resulta da interação entre um organismo vivo e uma droga gerando uma compulsão por tomar a substância e experimentar seu efeito psíquico e às vezes evitar o desconforto provocado por sua ausência PRATTA SANTOS 2009 p 208 De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSM IV a dependência química é caracterizada por agrupamento de sintomas cognitivos comportamentais e fisiológicos indicando o uso contínuo pelo indivíduo apesar de problemas significativos relacionados à substância AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION 2014 p 483 O vício em cocaína por exemplo afeta os centros de recompensa do cérebro O forte desejo de uso é desencadeado por elementos condicionados ao ambiente de drogas e associado à ativação límbica Assim o vício é rapidamente progressivo e associado a consequências médicas psiquiátricas e psicossociais graves necessitando de abordagens psicossociais confiáveis DACKIS OBRIEN 2001 Kolling et al 2007 assinalam em dependentes de cocaína e álcool prejuízos nos processos atencionais na memória de curtaduração na memória de trabalho na memória prospectiva no processo de tomada de decisões no controle de impulsos na capacidade de resolução de problemas Disfunções no lobo préfrontal costumam estar presentes podendo estar relacionados a prejuízos anteriores ao uso que favorecem a recaída e a manutenção da adição à droga acarretando pior adesão deste indivíduo a alguma terapêutica ou tipo de tratamento A pesquisa de McKowen et al 2018 determinou por meio do Cambridge Neuropsychological Test Automated Battery CANTAB e do Behavior Rating Inventory of Executive Functioning BRIEFA que pacientes adultos com distúrbios e uso de substancias geralmente manifestam altos níveis de disfunção executiva que podem afetar o engajamento e a participação destes no tratamento Assim o diagnóstico também considera a avaliação neuropsicológica Segundo Bowler e Lezak 2015 é um exame amplo em que os neuropsicólogos nas interpretações clínicas usam extensos dados normativos baseados em funções cognitivas de humor executivas neurológicas e motoras do cérebro de grupos com diferentes antecedentes culturais e educacionais e doenças psiquiátricas Cadernos Brasileiros de Saúde Mental ISSN 19842147 Florianópolis v11 n28 p94116 2019 104 P á g i n a Nesse sentido a avaliação neuropsicológica investiga as funções cognitivas do indivíduo como orientação memória linguagem atenção raciocínio através de procedimentos e testes padronizados SCHLINDWEIN ZANINI 2010 Podendo ser indicada nos casos de transtornos mentais condições neurológicas reumatológicas cirúrgicas metabólicas de infectologias do desenvolvimento e aprendizado sejam crônicas demências deficiências intelectuais doenças degenerativas ou agudas como traumatismo craniano acidente vascular cerebral para diferentes idades considerando também outros exames em seu parecer como os laboratoriais de neuroimagem polissonografia e eletroencefalograma A Avaliação Neuropsicológica no âmbito de uso e abuso de substâncias pode incluir instrumentos como Bateria de Avaliação Frontal FAB Consiste em um instrumento de avaliação das funções dependentes do lobo frontal composto por seis itens aplicados em aproximadamente 10 minutos Predominantemente prejuízos nas funções executivas são avaliados através dos seguintes constructos formação conceitual fluência verbal flexibilidade mental programação motora tendência à distração controle inibitório e autonomia DUBOIS et al 2000 Cunha e Novaes 2004 adaptaram este instrumento e Beato et al 2007 apresentaram a versão brasileira da bateria e os dados preliminares do desempenho de idosos bem como a correlação com idade nível de escolaridade e os escores do Exame do Estado Mental Inventário de Alterações Neuropsicológicas NEUROPSZC SchlindweinZanini e Cruz Este instrumento busca auxiliar o profissional a realizar um breve levantamento das alterações neuropsicológicas autorrelatadas pelo paciente nas áreas de concentração irritabilidade atenção tomada de decisão memória visual memória de curto e longo prazo planejamento oscilação de humor independência orientação espacial e temporal destreza ma nual compreensão verbal cálculo expressão verbal e escrita SCHLINDWEINZANINI et al 2013 Consiste em um instrumento originalmente brasileiro tendo fácil e rápida aplicação Cadernos Brasileiros de Saúde Mental ISSN 19842147 Florianópolis v11 n28 p94116 2019 105 P á g i n a Escala Wechsler de Inteligência para Adultos 3ª edição WAISIII Pode ser aplicada parcialmente ou em sua totalidade Se parcial destacase três subtestes que possibilitam compor o índice fatorial de Memória de Trabalho WECHSLER 2005 associado à memória imediata atenção e concentração LEZAK HOWIESON LORING 2004 entre outras funções de interesse A terceira edição do WAIS III foi adaptada e validada para a população brasileira por Nascimento 2000 e publicada em nosso meio em 2004 Nesta bateria destacase o subteste Dígitos que avalia principalmente atenção a estímulos verbais e memória auditiva de curta duração e memória de trabalho na Ordem Inversa GROTHMARNAT 2000 WECHSLER 2005 Aritmética que avalia especialmente habilidades computacionais habilidades de sequenciamento atenção concentrada auditiva memória de trabalho auditiva análise lógica raciocínio abstrato e velocidade no raciocínio numérico Sequência de Número e Letras que examina memória de trabalho capacidade de concentração e atenção GROTHMARNAT 2000 sendo que na literatura neuropsicológica é citado que este subteste é mais sensível dentre as medidas que compõem o Índice de Memória de Trabalho na avaliação de déficits neuropsicológicos resultantes de lesão no sistema nervoso LEZAK HOWIESON LORING 2004 Teste Wisconsin de Classificação de Cartas WCST Investiga no indivíduo o raciocínio abstrato e a capacidade de mudança de estratégias cognitivas como resposta as modificações ocorridas no meio Segundo SchlindweinZanini et al 2013 no Brasil estão à disposição dados normativos referente a esta avaliação de funções executivas dos lobos frontais fornecendo escores objetivos não apenas de sucesso total mas também de fontes específicas de dificuldade na tarefa Teste de Associação de Palavras Controladas COWAT Envolve a fluência de palavras nas categorias fonêmica e semântica O COWAT está relacionado com medidas de resolução de problemas nomeação memória e sequenciamento E mostrou elevada Cadernos Brasileiros de Saúde Mental ISSN 19842147 Florianópolis v11 n28 p94116 2019 106 P á g i n a fidedignidade entre avaliadores STRAUSS SHERMAN SPREEN 2006 No caso da investigação sobre o uso patológico de álcool são indicados instrumentos de rastreio como o Alcohol Use Disorder Identification Test AUDIT desenvolvidopela OMS BABOR et al 2001 O instrumento é composto por 10 itens cada um com margem de 0 a 4 pontos possibilitando um espectro de pontuação de 0 a 40 A pontuação que o sujeito atinge ao responder aos itens do AUDIT permite a classificação do uso da substância da seguinte forma Zona I baixo risco 0 a 7 pontos Zona II uso de risco 8 a 15 pontos Zona III uso nocivo 16 a 19 pontos Zona IV provável dependência 20 a 40 pontos 4 PROCEDIMENTOS CLÍNICOS E AUXILIARES De acordo com Edwards Marshall e Cook 2005 para que as intervenções terapêuticas alcancem êxito é necessário que o usuário do álcool e seus familiares compreendam a amplitude dos prejuízos provocados pelo seu uso As intervenções incluem desintoxicação considerado apenas o primeiro passo farmacoterapia psicoterapias individual em grupo e com os familiares terapias ocupacional e cognitivocomportamental além dos grupos de ajuda mútua PRATTA SANTOS 2009 p 209 A Terapia CognitivoComportamental TCC agrega conhecimentos da teoria cognitiva e da comportamental sendo que para esta abordagem o uso de drogas é um comportamento aprendido que se relaciona funcionalmente com os problemas que o indivíduo enfrenta considerando ainda influencias de fatores cognitivos e sociais O objetivo da terapia é fazer com que o indivíduo reconheça as situações que o levam a fazer uso de substâncias através de habilidades construídas no processo e evitar tais situações e consequentemente o uso da droga SCHENKER MINAYO 2004 De acordo com Mchugh Hearon e Otto 2010 a eficácia da TCC pode ser verificada tanto quanto é realizada em conjunto com outro método terapêutico como quando usada isoladamente Rangé e Marlatt 2008 p 92 citam o estudo de Holder Longabaugh Miller e Rubonis 1991 que verificaram evidências positivas sobre a eficácia da TCC através das intervenções de treinamento de habilidade social treinamento de autocontrole entrevista motivacional breve Cadernos Brasileiros de Saúde Mental ISSN 19842147 Florianópolis v11 n28 p94116 2019 107 P á g i n a manejo de estresse terapia conjugal comportamental e reforçamento da comunidade sensibilização encoberta e contratos comportamentais Além da TCC também se observa a indicação da Terapia Familiar TF neste contexto De acordo com Payá 2010 temse buscado cada vez mais utilizar a TF no tratamento da dependência química visto que toda a rede social principalmente a família tem um papel relevante na dependência química e no tratamento A TF tem como objetivo compreender as relações familiares como elas são construídas e quais as suas consequências Payá 2010 apresenta os dois principais modelos que trabalham na perspectiva da família o modelo sistêmico e o modelo cognitivo comportamental O modelo sistêmico tem como foco as interações entre os membros da família sendo a dependência química entendida como um sintoma da disfunção familiar Entre as abordagens do modelo sistêmico cita se a Terapia Estratégica Breve para Adolescentes TEBA a Terapia Motivacional Sistêmica TMS e a Entrevista Motivacional EM A TEBA é focada no problema e nos temas relacionados a ele a TMS entende que toda família necessita de terapia visto que todos são afetados pela dependência química Ibidem 2010 Sobre o modelo cognitivocomportamental Payá 2010 p 324 cita que esta abordagem entende que todos os comportamentos são aprendidos e mantidos por meio de reforços positivos e negativos os quais podem ser provenientes das interações familiares O tratamento tem como objetivo a mudança dessas interações atuando de modo a melhorar a comunicação e a capacidade de solucionar e lidar com os problemas Schenker e Minayo 2004 comentam que dessa forma a intervenção é realizada de modo a gerenciar as interações familiares reduzindo assim os comportamentos que levam ao uso de drogas e ao mesmo tempo reforçando aqueles incompatíveis com o uso As técnicas utilizadas são educação treinamento de habilidades de comunicação e treinamento de resolução de problemas A educação consiste em prestar informações sobre a dependência tratamentos recaída e modificação de comportamentos No treinamento de habilidades de comunicação o objetivo é a diminuição das interações negativas tornando a comunicação breve e direta por meio da expressão de sentimentos positivos e negativos de solicitações positivas da escuta ativa e da sensibilização para a necessidade de assumir compromissos e poder de negociação Ibidem 2010 Cadernos Brasileiros de Saúde Mental ISSN 19842147 Florianópolis v11 n28 p94116 2019 108 P á g i n a p 324 Já no treinamento de resolução de problemas são ensinados à família os passos para resolução de problemas Payá 2010 apresenta as duas principais terapias que utilizam a teoria cognitivocomportamental para trabalhar com as famílias Na Terapia familiar cognitivocomportamental realizada principalmente quando se trata de adolescentes dependentes químicos buscase atuar sobre as interações familiares com o objetivo de diminuir os comportamentos que favoreçam o uso de drogas e reforçar aqueles que o evitam Já a terapia de casal comportamental é considerada eficiente no tratamento de dependência química em adultos sejam eles casados ou que vivem juntos Tem como propósito construir apoio para a abstinência e melhorar o funcionamento dos relacionamentos promove a abstinência como um contrato de recuperação que envolve ambos os membros do casal Ibidem 2010 p 324 As sessões devem ser estruturadas e controladas e o papel do psicoterapeuta é mais diretivo e ele não deve impor suas próprias crenças ou culpabilizar um dos membros As principais terapias comportamentais também provaram ser eficazes na dependência de cocaína As modalidades de tratamento que combinam a medicação e intervenção comportamental são susceptíveis de produzir os melhores resultados HAAS KARILA LOWENSTEIN 2009 A técnica de estimulação e reabilitação cognitiva é considerada de grande eficácia para atenuar dificuldades cognitivas e em alguns casos reverter problemas de atenção e de processamento de informações SCHLINDWEINZANINI 2016 O tratamento da dependência química e reabilitação neuropsicológica em nível ambulatorial hospitalização ou em comunidades terapêuticas inclui especialmente psicoterapia especialmente Psicoterapia Cognitivo Comportamental enfocando também intervenções motivacionais recuperação de habilidades sociais e visando à abstinência uso de psicotrópicos estimulação cognitiva orientação nutricional e reposição vitamínica quando necessário atividades lúdicas e atividade física requerendo abordagem multidisciplinar médico psicólogo neuropsicólogo enfermeiro fisioterapeuta terapeuta ocupacional assistente social além da orientação e apoio a família do paciente trabalhandose inclusive aspectos clínicos familiares sociais e legais Considerando que uma rede social de Cadernos Brasileiros de Saúde Mental ISSN 19842147 Florianópolis v11 n28 p94116 2019 109 P á g i n a apoio bem organizada é fundamental na manutenção da abstinência do paciente SCHLINDWEINZANINI et al 2014 O Ministério da Saúde instituiu o Programa Nacional de Atenção Comunitária Integral aos Usuários de Álcool e outras Drogas tendo em vista a necessidade de promover estratégias que visassem fortalecer a rede de assistência favorecendo a reabilitação e a reinserção desses usuários na sociedade Dessa forma os Centros de Atenção Psicossocial CAPS ad surgem como uma alternativa de atendimento no qual contempla em seus projetos terapêuticos práticas de cuidados que contemplem a flexibilidade e a abrangência possíveis e necessárias a esta atenção específica dentro de uma perspectiva estratégica de redução de danos sociais e a saúde MINISTÉRIO DA SAÚDE 2004 p 22 De acordo com esse programa a atenção aos dependentes deve estar articulada à rede de assistência à saúde mental seguindo os princípios da Reforma Psiquiátrica integrando os usuários ao meio cultural a que pertencem A oferta de atendimento nos CAPS ad deve ser diária e nas modalidades intensiva semiintensiva e não intensiva sendo o planejamento terapêutico criado de forma individualizada favorecendo a desconstrução do estigma sofrido pelos usuários A rede assistencial consistiria nos CAPS ad juntamente com leitos psiquiátricos em hospital geral além de outras práticas comunitárias de atenção Ibidem 2004 Sendo assim por meio de procedimentos diagnósticos e terapêuticos em equipe muldisciplinar permeando níveis distintos de complexidade busca se a melhor compreensão do indivíduo usuário de drogas e sua família no contexto de saúde mental 5 CONCLUSÃO O usoabuso de drogas como cocaína crack maconha LSD álcool e psicofármacos é considerado um problema de saúde pública com repercussões negativas de ordem psicológica cognitiva e emocional social econômica ocupacional e de saúde física assim como ao bem estar da família O problema indica a necessidade de políticas de assistência incluindo avaliação reabilitação e a reinserção social do indivíduo controle e combate a este usoabuso envolvendo diferentes setores da sociedade Cadernos Brasileiros de Saúde Mental ISSN 19842147 Florianópolis v11 n28 p94116 2019 110 P á g i n a O uso e abuso de drogas de modo geral tem repercussão em áreas límbicas e no centro de recompensa do cérebro apresentando relação com agressividade distúrbios comportamentais e de humor alterações em memória em funções executivas e na aprendizagem entre outras havendo alguns instrumentos úteis na avaliação neuropsicológica destes pacientes Sendo que tais alterações interferem na adesão ao tratamento e inserção social A realização do diagnóstico precoce e do tratamento para a dependência de drogas são fatores importantes para o bom prognóstico As intervenções geralmente incluem tratamento médico desintoxicação e psicoterapias requerendo abordagem multidisciplinar Neste sentido são válidas algumas ações governamentais no âmbito de atenção aos usuários de álcool e outras drogas centros de atenção psicossocial e hospitais de alta complexidade em articulação na rede de assistência à saúde mental REFERÊNCIAS ALMEIDA FILHO A J de et al O adolescente e as drogas consequências para a saúde Escola Anna Nery Rio de Janeiro v 11 n 4 p 605610 dez 2007 Disponível em 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M A dos O processo saúdedoença e a dependência química interfaces e evolução Psic Teor e Pesq Brasília v 25 n 2 jun 2009 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS0102 37722009000200008lngennrmiso Acesso em 20 jun 2016 RANGE B P MARLATT G A Terapia cognitivocomportamental de transtornos de abuso de álcool e drogas Rev Bras Psiquiatr São Paulo v 30 supl 2 p 8895 out 2008 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS1516 44462008000600006lngennrmiso Acesso em 20 jun 2016 REISDORFER E Prevalência e fatores associados ao uso problemático de álcool entre adultos um estudo de base populacional em Florianópolis Santa Catarina Dissertação Mestrado em Saúde Coletiva Centro de Ciências da Saúde Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis 2011 87p RODRIGUES V S et al Revisão sistemática sobre tratamentos psicológicos para problemas relacionados ao crack J Bras Psiquiatr Rio de Janeiro v 62 n 3 p208216 2013 Disponível em 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Janeiro Wak editora 2016 p 147 156 SCHLINDWEINZANINI R et al Avaliação Neuropsicológica e deficiências físicas revisão de instrumentos viáveis no Brasil Rev Contextos Clínicos São Leopoldo v 6 n 1 p 3340 janjun 2013 Disponível em httprevistasunisinosbrindexphpcontextosclinicosarticleviewctc201361 041536 Acesso em 20 jun 2016 SCHLINDWEINZANINI R et al WernickeKorsakoff syndrome substance use and abuse neuropsychological and psychomotor effects FIEP BULLETIN v 84 Special Edition Article I 2014 p 369 372 STRAUSS E SHERMAN E M S SPREEN O A compendium of neuropsychological tests Administration norms and commentary 3a ed New York Oxford University Press 2006 SZOBOT C M ROMANO M Coocorrência entre transtorno de déficit de atençãohiperatividade e uso de substâncias psicoativas J Bras Psiquiatr Rio de Janeiro v 56 supl 1 p 3944 2007 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS0047 20852007000500009lngennrmiso Acesso em 20 jun 2016 VIEIRA J M F Metabolismo do etanol 2012 70 f Dissertação Mestrado em Ciências Farmacêuticas Faculdade de Ciências da Saúde Universidade Fernando Pessoa Porto 2012 WECHSLER D WAISIII Escala de Inteligência Wechsler para Adultos Manual técnico M C Vilhena Trad São Paulo Casa do Psicólogo 2005 ZOU et al Definition of Substance and Nonsubstance Addiction Adv Exp Med Biol Singapore v 1010 p 2141 nov 2017 TDE 02 Referências bibliográficas dos artigos que o grupo selecionou referente ao tema Indicar dentro das normas da ABNT os artigos escolhidos pelo grupo 710 Cad Saúde Pública Rio de Janeiro 243710713 mar 2007 DEPENDÊNCIA QUÍMICA PROBLEMA BIOLÓGI CO PSICOLÓGICO OU SOCIAL Mota LA São Paulo Paulus 2007 84 pp Coleção Questões Fundamentais da Saúde 12 ISBN 9788534927 O consumo de substâncias psicoativas é uma carac terística comum a populações da maioria dos países inclusive a do Brasil sendo o tabaco e o álcool as mais utilizadas Muitas variáveis ambientais biológicas psicológicas e sociais atuam simultaneamente para in fluenciar a tendência de qualquer pessoa vir a usar dro gas e isto se deve à interação entre o agente a drogao sujeito o indivíduo e a sociedade e o meio os contex tos sócioeconômico e cultural Existe no mundo extensa produção bibliográfica sobre questões relacionadas às drogas psicológicas sociais educacionais políticas sanitárias econômicas e religiosas popularmente conhecidas como drogas lícitas e ilícitas A partir do século XX essas publica ções se intensificaram Várias foram as razões para is so O avanço científico e tecnológico o conhecimento armazenado a gama de tratamentos existentes o en volvimento de muitas áreas do conhecimento com es sa temática a alta prevalência de pessoas envolvidas portadores de dependência narcotraficantes crian ças adolescentes adultos ou idosos As reflexões so bre essas questões ocupam grande parte da atenção dos estudiosos Embora esses estudos representem boa bagagem na produção de conhecimento ainda se fazem necessárias mais pesquisas para a melhor com preensão da complicada relação entre as drogas e o ho mem Ainda que tenhamos uma significativa produção intelectual sobre substâncias psicoativas somos um tanto acanhados na compreensão deste fenômeno que muito bem é articulado na obra de Leonardo de Araújo e Mota Parafraseando Conte 1 perguntase qual o campo em que se situam as drogas A resposta é muito varia da e heterogênea tanto pelas disciplinas e ciências que se ocupam da área das substâncias psicoativas em re lação ao uso de drogas bem como pelos diferentes lu gares que a droga ocupa na vida física psíquica legal e social do usuário e da comunidade O uso de drogas situase em uma encruzilhada temática O fenômeno diz respeito ao campo sociológico médico psicológico jurídico etimológico psicanalítico educacional fami liar e o religioso Na pluralidade das interfaces desses campos é que o fenômeno da droga se situa Sendo assim cada lócus desse campo questiona e toma pa ra si esse fenômeno em nome de alguma verdade que postula oferecendo as mais diversas soluções 2 É com essa perspectiva em vista que o autor desenvolve seu trabalho Dependência Química Problema Biológico Psicológico ou Social Mota é graduado em Ciências Sociais professor universitário e doutorando em sociologia Universi dade Federal do Ceará procura fomentar a discussão sobre a origem do problema das drogas em relação ao homem Tratase de um livro que fala as questões das drogas e não a questão das drogas Nesse sentido esti mula a reflexão para a causa etiologia do uso de subs tâncias psicoativas tanto para os profissionais da área da saúde educação segurança ciências sociais quanto para o mundo acadêmico e outros que se interessem por esta temática Mota critica em seu livro o reducionismo de muitas teorias que tentam ditar suas verdades sobre a etiolo gia da relação entre o uso de drogas e o homem Escre ve o autor entre os saberes psicológicos não existe uma teoria geral das dependências p 29 É preocupação constante a questão da eugenia ou da higienização social que utilizaria as drogas para desencadear uma nova corrida às tendências de produzir um cenário à seleção artificial dos indivíduos mais aptos O autor aponta que o uso de drogas vem como uma panacéia ou seja o remédio para todos os males A proposta do livro é justamente uma investigação sobre a etiologia das drogas O autor elege a dimensão do modelo biop sicossocial o mais apropriado para esse fim e argu menta que é necessário um tratamento interdisciplinar para a investigação desse fenômeno que é ao mesmo tempo biológico psicológico e social como lócus para compreender as questões das drogas versus o homem Para poder tecer seus argumentos Mota divide sua obra além da introdução e conclusão em cinco capítu los O primeiro define o que é droga e traça uma breve revisão do termo O segundo versa sobre a biologia das drogas da eugenia às neurociências traz à tona as con cepções teóricas sobre a etiologia de causa e as ciências biológicas passando por Comte Darwin Lombroso e pelas teorias genéticas O terceiro descreve a questão do uso de substâncias psicoativas e a psicologia entre o prazer o condicionamento e a angústia de maneira a abordar os modelos psicanalítico e comportamental citando a influência da família da personalidade e do aprendizado social Freud refere que o uso de drogas estaria a cargo pela luta por felicidade e como amorte cedor de preocupações Recentemente os psicanalis tas referem que o uso de substâncias psicoativas seria um sintoma da patologia social Para a psicanálise as forças psíquicas são iguais em todos mas cada indi víduo elabora seu sofrimento de forma distinta por tanto a dependência de drogas seria apenas um dos recursos dentre outros disponíveis O quarto capítulo oferece uma reflexão sobre a sociedade e o problema das drogas no contexto social contemporâneo Centra se nos fatores sociais de risco que favorecem o uso de substâncias psicoativas Traz à baila Engels Durkheim e Merton para discorrer sobre a etiologia do uso de drogas No último capítulo o autor aborda questões centrais do modelo biopsicossocial da dependência e colocao como uma síntese necessária para tal explica ção Descreve o fenômeno como complexo para se ater aos reducionismos teóricos pois cada teoria tende a se intitular detentora de repostas RESENHAS BOOK REVIEWS 711 Cad Saúde Pública Rio de Janeiro 243710713 mar 2007 A conclusão final é que paradoxalmente ao que tem mostrado a história a etiologia da dependência química é tarefa impossível de se realizar e precisará ainda ocupar muitas mentes e esforços Praticamente nenhum cientista ou teoria chegou a uma conclusão definitiva sobre essa questão visto que as ciências são intrinsecamente transitórias e que nenhuma instância acadêmica isoladamente é capaz de fornecer uma te oria ou resposta consistente sobre as causas do uso e abuso de substâncias psicoativas Embora os problemas do uso de drogas sejam con siderados como uma reemergência na sociedade não se pode deixar de ressaltar a importância de se realizar discussões com serenidade e comprometimento não levando a construções anômalas sem fundamentação alguma não sendo possível pensar e abordar o tema em sua complexidade com reducionismos e preconcei tos apenas no campo conceitual teórico puramente homogêneo e desarticulado Nesse sentido é imperativa e útil a visão de uma perspectiva de interdisciplinaridade ou a transdiscipli naridade que permita conhecer o tema de forma mais ampla pois a conjugação de esforços e abrangência de cada área possibilita por meio de pressupostos com partilhados uma visão sistêmica do fenômeno drogas Isso tudo desvela a dimensão deste entrecruzamen to epidemiológico que é o processo saúdedoença O problema das drogas supera as questões simplesmente médicas alimentando novas questões e problemas a ele relacionados como por exemplo a violência a cor rupção a instabilidade política o crime organizado a lavagem de dinheiro o favorecimento da propagação de AIDS e hepatites entre outras O produto droga encontrase entre as três atividades mais lucrativas do mundo superando o petróleo e o mercado das armas Além disso forma uma rede direta e indireta com um dos maiores empregadores de pessoas na produção no consumo e na distribuição de substâncias psicoativas Essa atividade agrega valor à sua existência o que em muitas vezes explica a reduzida eficiência e eficácia de explicações consolidando como poderosa economia ilegal De forma geral encontramse nessa obra argu mentos consistentes para fundamentar as questões das drogas e talvez por isso se torne referência para os interessados no estudo deste fenômeno O paradoxo da droga é que ele ao mesmo tempo traz alivio alegria diversão poder sedução produz dor sofrimento desa gregação escraviza e mata Ana Maria Bellani Migott Instituto de Ciências Biológicas Universidade de Passo Fundo Passo Fundo Brasil pierinasbolcombr 1 Conte M Psicanálise e redução de danos articu lações possíveis Revista da Associação Psicanalí tica de Porto Alegre 2004 252333 2 Le Poulichet S Toxicomanias y psicoanalisis las narcoses del deseo Buenos Aires Amorrortu Edi tores 1990 PSIQUIATRIA INSTITUCIONAL DO HOSPÍCIO À REFORMA PSIQUIÁTRICA Lougon M Rio de Janeiro Editora Fiocruz 2006 226 pp Coleção Loucura Civilização ISBN 85754110881 Nas últimas décadas o problema representado pe los transtornos mentais tem ocupado cada vez mais a agenda das políticas de saúde Muitos países têm cons truído políticas de saúde mental comprometidas com o desenvolvimento de novas formas de cuidado com a melhoria da qualidade de vida garantia dos direitos de cidadania e combate às formas de violência exclusão e estigma de que são alvo as pessoas com transtornos mentais Tais políticas têm se caracterizado pela redu ção significativa de leitos psiquiátricos e pela implan tação de serviços baseados na comunidade No Brasil do final dos anos 1980 o processo de re democratização as pressões dos movimentos sociais associadas à luta pelos direitos humanos levaram à construção da Reforma Psiquiátrica que obteve su cesso na consolidação de uma nova Política de Saúde Mental que tem como principais características a re dução de leitos e o maior controle sobre os hospitais psiquiátricos a criação de rede de serviços substituti vos a aprovação de nova legislação em saúde mental a Lei no 10216 de 6 de abril de 2001 e a criação de dispositivos de apoio aos processos de desinstituciona lização além da introdução da saúde mental na pauta de prioridades da educação permanente para o Siste ma Único de Saúde SUS Em nosso país a expansão de leitos psiquiátricos atingiu seu ápice em 1985 com 123355 leitos credenciados ao Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social INAMPS que representavam 2357 do total de leitos oferecidos no Brasil ocupando o primeiro lugar em oferta por es pecialidade Atualmente estimase que o número de leitos psiquiátricos credenciados ao SUS esteja em torno de 38842 ao lado da expansão progressiva da cobertura assistencial em saúde mental composta por uma rede com 1123 CAPS distribuídos em todo o país 479 Serviços Residenciais Terapêuticos 860 ambulató rios de saúde mental cerca de 60 Centros de Convivên cia e Cultura e 2741 beneficiários do Programa de Volta para Casa 1 É nesse contexto que situamos o livro de Mauricio Lougon ou mais precisamente no inicio desse proces so uma vez que o texto permite revisitar a história pio neira de transformação de uma instituição psiquiátrica no Brasil O livro contempla duas partes distintas a primeira produzida nos anos 1980 relata a experiência de transformação da Colônia Juliano Moreira O autor integrou a equipe desse projeto e pôde documentar e analisar o processo no período de 1982 a 1985 A se gunda parte elaborada duas décadas após a primeira discute as conseqüências decorrentes do processo de desinstitucionalização com base em estudos sobre as experiências norteamericana e européia Como apên dice são apresentadas 15 fotos do acervo pessoal do au tor que ilustram aspectos do estudo empreendido Na primeira parte temos três capítulos O primei ro caracteriza a Colônia Juliano Moreira que na época mantinha cerca de 2600 internos na maioria idosos habitantes da instituição há mais de vinte anos So mavase a essa população 1200 funcionários e 3 mil moradores resultado de anos de ocupação de terras públicas O texto descreve a instituição suas funções RESENHAS BOOK REVIEWS Lima A I O Dimenstein M Macedo J P 188 Psicologia em Pesquisa UFJF 92 188197 JulhoDezembro de 2015 DOI 105327Z19821247201500020009 IUniversidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN Natal RN Brasil IIUniversidade Federal do Piauí UFPI Parnaíba PI Brasil Consumo de álcool e drogas e o trabalho do psicólogo no núcleo de apoio à saúde da família Alcohol and drugs consumption and psychologists work in health family support nucleus Ana Izabel Oliveira LimaI Magda DimensteinI João Paulo MacedoII Resumo Objetivouse discutir os desafios para a prática do psicólogo no Núcleo de Apoio à Saúde da Família NASF diante de demandas relacionadas ao consumo de substâncias psicoativas e às possibilidades de atuação Como desafios apontase a falta de atualização e manejo profissional a crença dos profissionais de que nada pode ser feito em relação a problemas com álcool e drogas o encaminhamento como única ação de cuidado e a formação dos psicólogos ainda baseada no modelo de clínica liberal privada curativa É preciso criar práticas de acordo com o contexto dos indivíduos resgatar as múltiplas dimensões de saúde e incorporar outros saberes para compor a produção do cuidado com a saúde como a Redução de Danos que reconhece cada usuário em sua singularidade e traça estratégias de promoção da saúde Palavraschave psicologia drogas cuidado saúde da família Abstract This study aimed at discussing the challenges faced by the psychologist in the Núcleo de Apoio à Saúde da Família NASF regarding the demands arising from consumption of psychoactive substances and the possibilities for action With respect to challenges it was pointed out the lack of professional updating and management the professional belief that nothing can be done when it comes to alcohol and drugs the referral as the only care action performed and the education of psychologists still based on the liberal private curative and individual clinic model We must create practices in accordance with the individuals context as well as rescuing the multiple dimensions of health and incorporating other forms of knowledge so as to compose the production of health care such as Harm Reduction that recognizes each user in their uniqueness and devises strategies to promote health Keywords psychology drugs care family health Introdução De acordo com a Organização Pan Americana de SaúdeOPAS 2009 cerca de 10 das populações dos centros urbanos de todo o mundo consomem de forma abusiva substâncias psicoativas independen temente de idade sexo nível de instrução e poder aquisitivo No Brasil pesquisas indicam que 68 da população brasileira é dependente de álcool 3 disseram já ter consumido maconha alguma vez na vida e 4 da população adulta e 3 dos adolescentes já consumiram cocaínacrack representando uma parcela significativa da população atingida por essa problemática Instituto Nacional de Ciência e Tecno logia para Políticas Públicas de Álcool e Outras Dro gas INPAD 2012 As consequências do consumo de álcool e outras drogas constituem um dos mais graves pro blemas de saúde exigindo a criação e manutenção de programas e políticas de prevenção e assistência articulados além da formação permanente de pro fissionais de saúde Claro Oliveira Almeida Var gas Plaglione 2011 Tal fato impõe aos diversos campos de conhecimento científico a necessidade de desenvolver estratégias para abordar adequadamente a problemática do uso abusivo de tais substâncias sobretudo em termos de seu impacto na saúde pú blica e na Atenção Primária AP De acordo com Barros e Pillon 2007 as expe riências de atendimento e acolhimento das demandas de saúde mental são constatadas por 56 das equi pes de Saúde da Família e os dados epidemiológicos apontam que de 6 a 8 da população necessita de algum cuidado decorrente do uso prejudicial do ál cool e outras drogas Diante disso percebemos que é essencial a inserção de práticas de saúde mental na AP destinadas à problemática do consumo de álcool e drogas A adoção de tais procedimentos redireciona ria o cuidado numa perspectiva de atenção integral e humanizada em articulação com os profissionais e os serviços já inseridos nos territórios Arce Sousa Lima 2011 Consumo de drogas e o trabalho do psicólogo no NASF 189 Psicologia em Pesquisa UFJF 92 188197 JulhoDezembro de 2015 Todavia Silveira 2009 ressalta que o desprepa ro dos profissionais da família e da comunidade para lidar com o sofrimento psíquico tem se tornado cada vez mais evidente e a medicalização dos sintomas foi muitas vezes percebida como incapacidade em atender os problemas psíquicos tudo isso somado à ausência ou ineficiência dos serviços de referência Isso revela as dificuldades das equipes de AP para trabalhar de forma eficaz com as demandas relacionadas à saúde mental Como consequência é cada vez mais evidente o exces so de demanda dos serviços e a falta de conhecimento das equipes para acolher essa população Algumas medidas foram propostas para lidar com essas questões no Brasil Eleito pelo Ministério da Saúde como a estratégia oficial para guiar as ações de saúde mental na AP o apoio matricial é uma de las Brasil 2003 Ele pode ser entendido como um suporte técnico especializado ofertado a uma equipe de saúde com a finalidade de ampliar seu campo de atuação e qualificar suas ações O matriciamento deve proporcionar retaguarda especializada de assistência assim como suporte técnicopedagógico vínculo in terpessoal e apoio institucional no processo de cons trução coletiva de projetos terapêuticos voltados à população Chiaverini 2011 Nessa perspectiva o Ministério da Saúde criou em 2008 o Núcleo de Apoio à Saúde da Família NASF como estratégia de ampliação da diversidade e da abrangência das ações realizadas pela Estratégia Saúde da Família Outra função do NASF é pro porcionar a melhoria do atendimento à população promovendo a produção de novos saberes e a amplia ção da clínica Brasil 2008 Com nove áreas estra tégicas saúde da criançado adolescente e do jovem saúde mental reabilitaçãosaúde integral da pessoa idosa alimentação e nutrição serviço social saúde da mulher assistência farmacêutica atividade física atividades corporais práticas integrativas e comple mentares o NASF se configura como a principal ferramenta brasileira para a implantação de ações em saúde mental na AP Segundo as orientações do Ministério da Saúde Brasil 2009 a equipe do NASF deve ser formada por profissionais de diferentes áreas do conhecimento atuando em conjunto com os profissionais das equi pes de Saúde da Família e compartilhando e apoiando as práticas em saúde nos territórios atendidos por es sas equipes Seus integrantes devem trabalhar com o matriciamento como lógica de atuação apoiando as equipes de Saúde da Família na discussão dos casos no atendimento compartilhado e na construção con junta de projetos terapêuticos singulares visando a coordenação e a continuidade do cuidado bem como a proposição de projetos de saúde do território com foco no fortalecimento do tecido comunitário e na promoção da saúde Hoje existem três modalidades de NASF NASF 1 composto por no mínimo cinco pro fissionais deve desenvolver ações com pelo me nos oito equipes de Saúde da Família NASF 2 voltado a municípios com menos de dez habitantes por quilômetro quadrado deve incluir no mínimo três profissionais de nível superior de ocupações nãocoincidentes desen volvendo ações com pelo menos três equipes de Saúde da Família NASF 3 é voltado ao desenvolvimento de ações de atenção integral a usuários de crack álcool e outras drogas em municípios com menos de 20000 habitantes Essa modalidade foi criada somente em dezembro de 2012 por meio da Portaria nº 3124 De acordo com o Ministério da Saúde Brasil 2009 diante da grande demanda por serviços de saúde mental à AP é aconselhável que cada equipe do NASF conte com pelo menos um profissional de saúde mental incluindo o psicólogo Tal categoria tem participado do processo de implementação dos NASFs desde as primeiras experiências de matricia mento especialmente no apoio e na discussão com as equipes de Saúde da Família sobre os cuidados aos usuários com sofrimento mental e seus familia res Hoje seu papel se ampliou incluindo a aten ção a idosos jovens mulheres vítimas de violência usuários de álcool e outras drogas e outros grupos vulneráveis buscando compartilhar seu saber com o de outros profissionais e com o da própria população Conselho Federal de Psicologia CFP 2013 A responsabilização compartilhada pelos ca sos permite regular o fluxo de usuários nos serviços tornando possível distinguir situações que poderiam ser acolhidas pelas próprias equipes de Estratégia de Saúde da Família com apoio do NASF e por outros recursos sociais do entorno as redes de cuidado contribuindo para evitar práticas de psiquiatrização e ao mesmo tempo promovendo a equidade e o acesso garantindo coeficientes terapêuticos de acor do com as vulnerabilidades e potencialidades de cada usuário Figueiredo Campos 2009 p 130 As políticas voltadas ao tratamento de usuários de álcool e outras drogas englobam diversos setores Lima A I O Dimenstein M Macedo J P 190 Psicologia em Pesquisa UFJF 92 188197 JulhoDezembro de 2015 da po lítica pública seja na área da segurança pública seja nas áreas da saúde assistência social e educação O grande desafio dessa integração é atuar na perspec tiva da garantia de direitos e dessa maneira enfrentar a lógica que trata a ques tão das drogas pelo viés exclu sivo da doença e do crime Essa lógica reducio nista criminaliza e patologiza os usuários que passam a ser objeto de dis criminação preconceito exclusão recolhimento e internação compulsória CFP 2013 De acordo com o CFP 2013 o lugar do psi cólogo nesse contexto deve ser construído por meio da prática e da posição por ele ocupada na abordagem aos usuários devendo seu posicionamento explicitar o propósito de sua presença Desse modo não cabe aos profissionais de psicologia da equipe julgar de forma alguma ou censurar moralmente o comportamento dos indivíduos seja em relação ao uso de substâncias psicoativas ilícitas seja em termos de condutas anta gônicas à moral e aos costumes tidos como aceitáveis O papel dos profissionais é acessar um segmento que muitas vezes está à margem da rede de saúde e social por temer o estigma e a rejeição A aceitação desses usuários como sujeitos possibilita a construção de um vínculo de confiança base sobre a qual se desenvolve rá o trabalho Dessa forma a consolidação da psicologia como profissão da saúde pública representa uma aposta em sua potencialidade para transformar e reconhecer os fatores subjetivos emocionais históricos e das condi ções de vida dos usuários como determinantes para os quadros de saúde e doença da população O psicólogo deve ampliar seus conhecimentos e intervenções com as famílias permitindo que sua conduta profissional tenha um caráter coletivo integrando as equipes mul tiprofissionais Paulin Luzio 2009 Apesar do grande número de usuários de subs tâncias psicoativas e da gravidade das questões que che gam aos serviços de saúde poucas pesquisas abordam o modo como os profissionais da AP em especial os psicólogos lidam com questões relacionadas ao consu mo abusivo e à dependência de álcool e drogas Barros Pillon 2007 Nesse sentido o presente estudo teve como objetivo discutir os desafios e as possibilidades para a prática do psicólogo no NASF diante de de mandas que envolvem o consumo de substâncias psi coativas Para tanto recorreuse à literatura disponível sobre o tema na Biblioteca Virtual em Saúde BVS a partir dos seguintes descritores psicólogopsicologia atenção primária à saúde substâncias psicoativas e NASF Foram localizados artigos monografias dis sertações teses e capítulos de livros Porém não foram identificadas publicações quando combinamos os des critores psicólogopsicologia NASF e substâncias psicoativas álcooldrogas fato que reforça a necessi dade de estudos sobre o tema Apresentaremos a seguir as principais reflexões desenvolvidas com base no ma terial identificado articulandoo com os documentos oficiais do Ministério da Saúde para a construção de argumentos e análises que fortaleçam a atuação do psi cólogo na AP frente às demandas relacionadas ao uso abusivo de álcool e drogas Desafios para o psicólogo na atenção ao usuário de álcool e outras drogas A saúde pública emprega muitos profissionais de psicologia os quais atuam em diversas instituições desde Unidades Básicas de Saúde nível primário de atenção até hospitais nível terciário Desde sua re gulamentação como profissão no Brasil a psicologia tem conquistado e ampliado seu espaço na saúde pú blica sobretudo após a reforma sanitária e a institui ção do Sistema Único de Saúde SUS um marco para o estabelecimento de um novo olhar sobre o processo saúdedoença Antes vista somente como ausência de doença física a saúde passa a ser contextualizada nas condições sociais e culturais do indivíduo Meira Silva 2011 No entanto apesar de a saúde pública abranger um considerável percentual de psicólogos já que atualmente 49402 profissionais são vinculados ao SUS Brasil 2015 observase grande dificuldade de atuação nessa área em virtude da formação ainda inadequada oferecida pela maior parte dos cursos no país Paulin Luzio 2009 Em pesquisa sobre a atuação de psicólogos na AP Meira e Silva 2011 constataram que em virtude da formação tradicional a atuação profissional é pre dominantemente pautada por questões teóricoprá ticas limitadas às teorias terapêuticocurativas o que leva a um reducionismo da compreensão do processo saúdedoença ou a uma psicologização desse fenô meno Tal representação e perfil predominantes dos profissionais levam muitas vezes à simplificação e ao não reconhecimento da psicologia como disciplina de relevância social e área de conhecimento importante para a promoção da saúde coletiva Ronzani Ro drigues 2006 De acordo com Romagnoli 2006 um obstá culo para a atuação dos psicólogos com as famílias é o desconhecimento da realidade das mesmas Os mem bros das equipes do NASF geralmente pertencem a camadas mais favorecidas e assim têm a tendência Consumo de drogas e o trabalho do psicólogo no NASF 191 Psicologia em Pesquisa UFJF 92 188197 JulhoDezembro de 2015 de julgar as famílias atendidas em geral de classes econômicas desfavorecidas a partir do modelo do minante de família nuclear Isso acaba desqualificando as famílias que frequentam os serviços públicos É ne cessário ter em vista que cada família possui uma or ganização própria regida por lógicas diferentes o que não as tornam superiores ou inferiores umas às outras Portanto para a realização de um trabalho eficaz é ne cessário respeitar as particularidades de cada família Se trabalhar no âmbito da AP já representa um grande desafio para o psicólogo quando o assunto é o consumo de substâncias psicoativas esse desafio se intensifica Em pesquisa sobre como a AP responde às demandas relacionadas ao consumo de álcool e ou tras drogas Lima 2014 aponta que os profissionais entrevistados incluindo o psicólogo da equipe do NASF relatam que a única ação a ser feita é o enca minhamento a um serviço especializado Para justificar os constantes encaminhamentos os profissionais dizem não saber o que fazer com usuários de álcool e drogas De acordo com a autora os relatos dos pro fissionais apontam um caráter prescritivo ou seja eles pensam saber o que é melhor para o outro Mui tas vezes as conversas com os usuários se resumem a orientações do que a pessoa deveria fazer isto é que o correto seria ela não usar drogas É possível obser var uma compreensão subjacente de que o tratamento deve ter como meta a abstinência pois as drogas se riam a priori algo ruim Outro ponto exposto pela autora é a clara dificuldade de compreensão dos fato res que levam uma pessoa a usar drogas No decorrer da pesquisa quando levantada essa questão muitos profissionais disseram não compreender por que al guém consome drogas enquanto outros atribuíram essa culpa às condições de vida à pobreza e aos pro blemas na família Lima 2014 De acordo com Machado 2013 tais dificul dades têm uma dimensão técnica mas também ética Muitos se perguntam como acolher o que fazer o que propor às pessoas usuárias de drogas que chegam aos serviços e nem sempre estão dispostas a receber cuida do em saúde ou iniciar um tratamento A abordagem dessas situações precisa estar associada a uma ampla compreensão tanto do fenômeno do usodependência de drogas quanto do alcance e da finalidade das práti cas de atenção em saúde Nesse sentido alguns complicadores se apresen tam A compreensão dos profissionais de saúde sobre o uso de substâncias psicoativas não é muito diferente da concepção hegemônica da sociedade Usuários de álcool e outras drogas são muitas vezes vistos como cidadãos desprovidos de direitos inclusive do direito à saúde e aos serviços de boa qualidade A situação ideal para muitos profissionais é que eles interrom pam o consumo de drogas antes mesmo de chegar aos serviços de saúde No entanto na maioria das vezes não é isso que acontece Machado 2013 É possível identificar ainda problemas de infraestrutura falta de financiamento para a implantação de unidades ade quadas para receber os usuários e articular as ações possíveis e ausência de investimento na capacitação de profissionais da rede de saúde Ribeiro 2012 Nesse sentido a AP se mostra despreparada para enfrentar a complexidade da questão das drogas que se coloca como um constante desafio A própria relação dos profissionais com a comunidade é per meada por dificuldades objetivas acesso aceitação comunicação e subjetivas medo preconceito desa fetos frequentemente relacionadas ao problema do consumo de drogas tráfico violência desestrutura ção familiar questões complexas que não podem ser tratadas isoladamente Gonçalves 2002 No entanto a saúde pública é um campo que exige novas metodologias de seus profissionais e isso não exclui os psicólogos Para uma atuação consisten te é preciso romper com o modelo tradicional e criar novas práticas de acordo com o contexto em que os indivíduos estão inseridos É necessário também res gatar as múltiplas dimensões de saúde e reformular a postura de intervenção profissional além de incorpo rar outros saberes para compor a produção do cuida do com a saúde Paulin Luzio 2009 A necessidade de superação desses entraves tem gerado novos campos de saber ampliando a inserção da psicologia no âmbito da saúde Com isso é neces sário repensar o modelo de fazer psicologia nessa área e expandir suas práticas e formas de atuação para que a intervenção aconteça de forma contextualizada Possibilidades de atuação do psicólogo na atenção ao usuário de álcool e outras drogas Uma das saídas possíveis para tantos entraves no cuidado ao usuário de álcool e drogas na AP é o constante engajamento de todos os profissionais para o trabalho em equipe e em rede com outros serviços e equipamentos do território de modo a buscar ajuda quando seus recursos não forem suficientes Dessa for ma tornase importante investir na articulação entre equipes de NASF Centros de Atenção Psicossocial e diversos componentes da Rede de Atenção Psicosso cial RAPS a fim de promover atividades relacionadas Lima A I O Dimenstein M Macedo J P 192 Psicologia em Pesquisa UFJF 92 188197 JulhoDezembro de 2015 ao uso de substâncias psicoativas desde ações de pre venção até intervenções mais complexas e que exijam maior preparação do profissional acerca da temática Araújo 2013 O NASF desempenha papel central nessas ini ciativas uma vez que cabe a ele as ações de matri ciamento para que se tornem importantes estratégias de educação e de troca de saberes atuando com os profis sionais dos serviços de Saúde da Família de ma neira a pro porcionar o conhecimento necessário para que estejam aptos a receber essa demanda e acolhê la de maneira adequada e humanizada Percebemos também o matriciamento realizado pelas equipes do NASF como um importante articulador da rede de serviços de saúde aumentando o leque de possibili dades e a circulação dos usuários pelos diversos domí nios da rede de cuidado Araújo 2013 defende que é por meio de pe quenas e graduais mudanças que o trabalho em equi pe pode lançar um novo olhar sobre o consumo de substâncias psicoativas Essas mudanças devem tomar lugar em todos os espaços desde a graduação até os diversos serviços de saúde apontando para a necessi dade de repensar a forma ção dos diversos cursos da área da saúde para o âmbito da saúde mental e do consumo abusivo de substâncias psicoativas Algumas possibilidades e linhas de intervenção do psicólogo enquanto membro de uma equipe do NASF seja no âmbito preventivo de promoção e proteção seja no contexto terapêutico e de reabilitação psicossocial a partir dos serviços ou em articulação com eles como ações baseadas nos pressupostos da Redução de Danos RD a estratégia da Triagem e Intervenção Breve TIB e alternativas de cuidado em rede considerando os diferentes tipos de consumo de substâncias psicoativas podem ser efetivadas De acordo com o Ministério da Saúde Brasil 2013 a inclusão da RD como uma das ações de saú de da política de AP pressupõe sua utilização como abordagem possível para lidar com diversos agravos e condições de saúde Atuar nessa perspectiva pressu põe a utilização de tecnologias relacionais centradas no acolhimento empático no vínculo e na confiança Considerandose especificamente a atenção aos pro blemas de álcool e outras drogas a estratégia de RD visa minimizar as consequências adversas criadas pelo consumo de drogas tanto na saúde quanto na vida econômica e social dos usuários e seus familiares Nes sa perspectiva a RD postula intervenções singulares que podem envolver o uso protegido a diminuição ou mudança nos padrões de uso a substituição por substâncias que causem menos problemas e até a abs tinência Brasil 2013 Outra ação necessária é trabalhar as crenças e representações sociais que a população os trabalha dores de saúde e os próprios usuários de drogas têm sobre essa condição de maneira a superar as barreiras que agravam sua vulnerabilidade e dificultam a busca por tratamento Lidar com os próprios preconceitos sobre o que desperta o consumo de drogas é funda mental para poder cuidar das pessoas que precisam de ajuda por esse motivo Percebemos então que a abordagem da RD oferece um caminho promissor por reconhecer cada usuário em sua singularidade e traçar com ele estra tégias para promover a saúde e garantir seus direitos enquanto cidadão No entanto é de fundamental importância o desenvolvimento de ações de educação permanente a fim de que os trabalhadores da saúde aperfeiçoem o diálogo para que possam transmitir não só medidas de segurança à saúde mas também confiança respeito e aceitação Não podemos nos es quecer de que a questão do preconceito ainda repre senta um empecilho ao desenvolvimento de algumas estratégias de RD Fonsêca 2012 Destacamos também dentre as estratégias que podem ser pensadas no campo da prevenção ao uso abusivo de álcool e outras drogas a TIB para o uso abusivo de substâncias que está sendo avaliada para populações especí ficas principalmente no contexto da AP em todo o mundo Ronzani 2008 devido à possibilidade de vínculo entre os usuários e a equipe de saúde e à efetividade do monitoramento do trata mento De forma geral a TIB apresenta um enfoque educativo e motivacional no qual o principal objetivo é desencadear a decisão e o comprometimento com a mudança dos pacientes com a finalidade de reduzir o risco de danos ocasionados pelo consumo exagerado de substâncias psicoativas A TIB foi proposta como abordagem terapêu tica para usuários de álcool em 1972 por Sanchez Craig e colaboradores no Canadá Neumann 1992 Tratase de uma estratégia baseada na abordagem mo tivacional para prevenção com foco na mudança de comportamento do usuário por meio do atendimento com tempo limitado a ser realizado por profissionais de diferentes formações desde que devidamente trei nados A TIB no entanto não serve apenas para tratar problemas relacionados ao álcool mas também para ajudar na mudança de uma série de comportamentos como modificar a dieta parar de fumar perder peso entre outros Consumo de drogas e o trabalho do psicólogo no NASF 193 Psicologia em Pesquisa UFJF 92 188197 JulhoDezembro de 2015 A TIB possui baixo custo e se mostra efetiva para questões relacionadas ao uso de risco de subs tâncias psicoativas sendo uma ferramenta destinada a reforçar a autonomia nas escolhas do usuário assim como sua capacidade de gerir seus problemas Desse modo ela tem sido usada para prevenir ou reduzir o consumo de álcool e outras drogas bem como pro blemas associados e orientar de modo focal e objeti vo sobre os efeitos e as consequências relacionados ao consumo de risco constituindose também como um meio adequado para referenciar casos de dependência para tratamentos especializados Ronzani 2008 Ronzani Mota e Souza 2009 apontam que os estudos sobre a TIB se concentram em duas dire ções principais sua efetividade na redução de padrões de uso da substância e as condições em que tem sido implementada tendo como foco o preparo dos pro fissionais envolvidos Os autores afirmam que a utili zação de apenas cinco a dez minutos de consulta de rotina para aconselhamento dos usuários de risco de álcool por profissionais de saúde consegue reduzir o consumo em 20 a 30 Uma vez que a depender da região durante o período de um ano entre 60 e 75 da população procura algum tipo de atendimento em serviços de AP a implantação de estratégias de TIB para usuários de risco nesses serviços permitiria de tectar pessoas com tal tipo de uso e intervir precoce mente Ronzani Mota Souza 2009 Quando associados à TIB os instrumentos de rastreamentotriagem como por exemplo o questionário CAGE o AUDIT e o ASSIST que são ferramentas de identificação de padrões de uso do álcool do tabaco e de outras drogas facilitam a aproximação inicial e permitem um retorno objetivo para o paciente possibilitando assim a introdução dos procedimentos de TIB e de motivação para a mudan ça de comportamento em relação à substância Por essa razão a Organização Mundial da Saúde OMS vem desenvolvendo há alguns anos estudos multi cêntricos em diversos países com o objetivo de ava liar a implemen tação de rotinas de TIB para o uso de álcool e outras drogas em serviços de AP A ênfase de tais estudos tem sido na avaliação do impacto do treinamento de pro fissionais de saúde e da supervisão continuada na mudança de atitudes dos profissionais e na incorporação da TIB na rotina dos serviços Ron zani Mota Souza 2009 Segundo a OMS 2011 uma vez que a promo ção da saúde e a prevenção de doenças faz parte do dia a dia de trabalho das equipes de AP tendo em vista as ações de prevenção e detecção de doenças rotineiras nas Unidades de Saúde tais como aquelas relaciona das à imunização à pressão arterial à obesidade ao consumo de tabaco entre outras os usuários con fiam nas informações que recebem dos profissionais de cuidados primários sobre os riscos à saúde parti cularmente aquelas relacionadas ao uso de substân cias A OMS diz ainda que nos países desenvolvidos 85 da população acessa um profissional de cuidados primários de saúde pelo menos uma vez por ano e é provável que usuários com problemas relacionados ao consumo de álcool e outras drogas façam parte dessa população OMS 2011 Isso significa que os profis sionais da AP têm a oportunidade de intervir numa fase inicial antes que o usuário desenvolva sérios pro blemas pelo uso de drogas e pela dependência Nesse sentido podese agir a partir da identi ficação do tipo de consumo da substância psicoativa pelo usuário para pensar em possíveis planos de ação Diante de um caso de uso recreativo por exemplo o psicólogo em parceria com as equipes de Saúde da Família pode considerar o padrão cultural do uso de álcool e outras drogas pela comunidade como por exemplo seu consumo em atividades festivas ou por determinados grupos sociais uso experimental e oca sional ou ainda como remédio uso circunstancial ou situacional para lidar com o sofrimento ou supor tar viver sempre relacionando essas questões com as condições de trabalho e de vida pensar em estratégias de orientação educação e prevenção voltadas a usuá rios familiares à comunidade em geral e à população específica considerandose o quadro epidemiológico local e nacional por substâncias para o conhecimento dos danos e das vulnerabilidades decorrentes ações de cuidado e proteção oferecidas pela rede de serviços e grupos de apoio comunitário realizar visitas domici liares periódicas com o objetivo de estreitar o vínculo e motivar o usuário e a família a procurarem ajuda e acompanhamento dos riscos com foco na RD para não evoluírem para padrões de uso comprometedores e participar de ações preventivas e educativas em con junto com outros equipamentos do território escolas Centros de Referência da Assistência SocialCRAS e grupos comunitários para promover ações que incen tivem a diminuição da disponibilidade de substâncias psicoativas na comunidade além de oferecer orien tações com o intuito de evitar o uso experimental e ocasional entre jovens e adolescentes e intervenções para que estes não se associem a grupos ou manifes tações que usam ou valorizam o uso de substâncias bem como o acompanhamento dos casos em que o uso recreativo é presente em famílias em situação de Lima A I O Dimenstein M Macedo J P 194 Psicologia em Pesquisa UFJF 92 188197 JulhoDezembro de 2015 vulnerabilidade e fragilidade dos vínculos afetivos e sociocomunitários Diante de casos de consumo abusivo de álcool e drogas o psicólogo pode acompanhar mais inten sivamente os casos identificados pela equipe da Es tratégia Saúde da Família ESF com padrão de uso regular e abusivo e com prejuízos à funcionalidade exposição a riscos danos e vulnerabilidades trabalhar a partir do manejo do vínculo da escuta qualificada e do acolhimento do sujeito em suas necessidades e sin gularidade permanece imprescindível para minimizar as resistências e oferecer abordagem direta e assertiva que motive o indivíduo e a família a procurarem aju da além de construir ações para o cuidado em parce ria com outros serviços recuperar ações de avaliação clínica e abordagem terapêutica inicial em usuários com padrão de uso abusivo recorrente e que apresen tam agravos físicos comportamentais e sociais inten sificar ações de RD como orientações e intervenções breves para minimizar as situações de vulnerabilidade e exposição a riscos físicos e sociais oferecer assistên cia psicológica e orientação com o serviço social para ampliar as ações de cuidado na rede de saúde e assis tência social e no território e apoiar a equipe ESF in clusive com matriciamento nas ações de orientação educação prevenção e proteção quanto aos riscos do uso abusivo policonsumo acidentes de trânsito vio lência comportamento sexual de risco intoxicação dependência comportamentos impulsivos e disrup tivos comportamento suicida e evolução no padrão de uso para dependência bem como transição para outros tipos de droga considerados mais pesados e esclarecimento sobre os direitos no caso de conflitos com a Justiça e com aparelhos de segurança pública As equipes de AP incluindo o psicólogo tam bém podem atuar em casos de uso dependente Suas ações podem se basear em intensificar a atuação em casos de usuários que vivem em territórios com gran de disponibilidade de substâncias o manejo do vín culo a escuta qualificada e o acolhimento do sujeito em suas necessidades e singularidade são ferramentas fundamentais para tratar esse padrão de uso priorizar intervenções que considerem as necessidades indivi duais a relação com a substância o padrão de uso do indivíduo e sua prontidão para aceitar qualquer tipo de acompanhamento conforme seu estágio para mudança précontemplação contemplação ação manutenção e recaída além do contexto familiar e da rede de suporte e apoio considerar e se articular com outros serviços de suporte para cuidar das com plicações clínicas dos possíveis prejuízos sociais das comorbidades psiquiátricas transtornos de ansieda de e humor psicose e transtorno de personalidade das vulnerabilidades dos fatores sociais e de pobreza acompanhada de senso de desesperança e sofrimento psicossocial além dos níveis de tolerância e do quadro de abstinência oferecer ação de RD como orienta ções e intervenções breves para minimizar as situa ções de vulnerabilidade e a exposição a riscos físicos e sociais esclarecer e moti var o tratamento ambulato rial e psicossocial na rede CAPS com modalidade de atendimentos individuais eou grupais com foco na reabilitação psicossocial com apoio e proteção para modificar padrões de uso dependente e compulsivo e seus riscos Para os casos que envolvam situação de violência eou negligência em relação a crianças ido sos e demais perfis sociais em situação de fragilidade articularse com os Centros de Referência Especializa dos de Assistência Social CREAS Ademais podese articular com equipes de consultório de rua ações em conjunto para ampliar o acesso e identificar novos ca sos para o cuidado da população de rua propor ações de caráter preventivo e protetivo aos Centros de Con vivência e Cooperativa Cecco para ampliar as ações de cuidado e fortalecer o acesso aos demais serviços articular ações de profissionalização e projetos de ge ração de renda para o fortalecimento de projetos de futuro esclarecer e orientar sobre os direitos no caso de conflitos com a Justiça motivar usuários e familia res a se inserirem em grupos de apoio e ajudamútua e grupos de fortalecimento de vínculos além de outras ações de suporte e acompanhamento nos Centros de Referência de Assistência Social CRAS para dimi nuir a resistência e o fracasso de sua participação nes ses grupos Essas são apenas algumas ações que podem ser realizadas com o objetivo central de ampliar o acesso e a qualidade da assistência a indivíduos e famílias com problemas relacionados a álcool e drogas Tais inicia tivas devem partir do estabelecimento de linhas de cuidado para cada padrão de uso com ações clínicas e de gestão para cada serviço bem como entre eles para avançarmos no trabalho em rede Dessa forma tornase necessário que inter venções desenvolvidas no âmbito da saúde mental busquem fortalecer o modo de atenção psicossocial apostando no resgate da singularidade de cada usuário investindo no comprometimento com seus sintomas e seu tratamento e incentivando seu protagonismo Tais movimentos são capazes de incitar a ruptura com a lógica da identificação dos sujeitos com a doença e com a concepção de cura restrita à solução medi Consumo de drogas e o trabalho do psicólogo no NASF 195 Psicologia em Pesquisa UFJF 92 188197 JulhoDezembro de 2015 camentosa além de auxiliar na construção de outros laços sociais para além do grupo apostando na força do território e da cidade como alternativas para a rea bilitação psicossocial Considerações finais A partir das análises aqui apresentadas é pos sível identificar alguns desafios que marcam a atua ção do psicólogo no NASF diante do consumo de substâncias psicoativas tais como a falta de forma ção contínua e de manejo profissional a crença dos profissionais de que nada pode ser feito em relação a problemas com álcool e drogas gerando o encami nhamento como única ação de cuidado e a formação dos psicólogos ainda baseada no modelo de clínica liberal privada curativa No entanto mesmo diante de tais entraves é possível construir práticas sintoni zadas com o contexto dos indivíduos resgatar as múl tiplas dimensões de saúde e incorporar outros saberes para compor a produção do cuidado integral como é a perspectiva da RD por reconhecer cada usuário em sua singularidade e traçar estratégias de promoção da saúde É inegável que há muito a ser feito em termos de práticas inovadoras em psicologia no SUS em especial na AP Tornouse no entanto expresso o movimento de mudanças que pouco a pouco vem buscando e alcançando modos mais efetivos de par ticipar das transformações necessárias ao desenvolvi mento do SUS Tratase de pensar em uma política de atenção ao usuário de álcool e drogas na qual as alternativas sejam construídas por meio do diálogo entre os di versos setores da população Paulin Luzio 2009 O trabalho deve ser encaminhado sob a égide da po tencialização dos laços sociais devendo fornecer res postas para as diferentes situações e necessidades dos usuários acolhendo e cuidando deles desde a urgên cia até o acompanhamento psicossocial e além disso intervindo nas cenas de uso criando vínculo e garan tindo acesso sem preconceitos e compulsoriedade Dessa forma tornase imprescindível o investi mento na contínua formação dos profissionais que fa zem parte dos diversos componentes da RAPS a partir dos princípios da educação permanente incorpo rando criativamente os avanços técnicocientíficos às bases teóricas já existentes problematizando as de mandas sociais emergentes e considerando as condi ções socioeconômicas e estruturais dos profissionais e da população Nesse sentido ressaltase a necessidade de os avanços científicos repercutirem nas pessoas não exclusivamente pela atuação dos profissionais de saú de mas também pelo impacto positivo que têm nos conhecimentos valores e comportamentos das comu nidades e dos sistemas sociais Costa Mota Cruvinel Paiva Ronzani 2013 Campos e Guarido 2010 afirmam que viver o contraditório na prática psi da AP e percorrer o ca minho do consultório para esse amplo espaço social é abrir mão do trabalho protegido de paradigmas técnicos estabelecidos e se lançar num pensar psico lógico que se torne possível sempre que as relações se construam Este estudo chegou a algumas indicações que podem contribuir para pesquisas futuras também in teressadas em investigar a atuação do psicólogo na AP frente às demandas relacionadas ao uso abusivo de ál cool e drogas Os problemas apontados atravessam as práticas desse profissional em nível nacional e mui to pouco se tem avançado no sentido de ampliar o acesso dos profissionais de saúde a informações sobre as habilidades específicas para detectar precocemente problemas relacionados ao uso de substâncias psicoa tivas e intervir de forma eficaz Contudo algumas es tratégias foram traçadas neste trabalho no intuito de fornecer ferramentas para uma abordagem territorial de cuidado em saúde mental Referências Araújo A C C 2013 Atenção primária e dependência química contribuições do matriciamento em saúde mental Saúde em Debate 371 6169 Arce V A R Sousa M F Lima M G 2011 A práxis da saúde mental no âmbito da Estratégia Saúde da Família contribuições para a construção de um cuidado integrado Physis Revista de Saúde Coletiva 212 541560 Barros M A Pillon S C 2007 Assistência aos usuários de drogas a visão dos profissionais do Programa Saúde da Família Revista Enfermagem UERJ 152 261266 Brasil Ministério da Saúde Portaria nº 3124de 28 de dezembro de 2012 Redefine os parâmetros de vinculação dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família NASF Modalidades 1 e 2 às Equipes Saúde da Família eou Equipes de Atenção Básica para populações específicas cria a Modalidade NASF 3 e dá outras providências Brasília Ministério da Saúde Lima A I O Dimenstein M Macedo J P 196 Psicologia em Pesquisa UFJF 92 188197 JulhoDezembro de 2015 Brasil Ministério da Saúde Secretaria de Atenção à Saúde 2015 Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde Recuperado de http cnesdatasusgovbr Brasil Ministério da Saúde Secretaria de Atenção à Saúde Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas 2008 Política nacional de atenção integral à saúde do homem princípios e diretrizes Brasília Ministério da Saúde Brasil Ministério da Saúde Secretaria de Atenção à Saúde Departamento de Atenção Básica Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas 2013 Cadernos de Atenção Básica n 34 saúde mental Brasília Ministério da Saúde Brasil Ministério da Saúde Secretaria de Atenção à Saúde Departamento de Atenção Básica 2009 Diretrizes do NASF Núcleo de Apoio à Saúde da Família Brasília Ministério da Saúde Brasil Ministério da Saúde Secretaria de Atenção à Saúde 2003 Saúde mental na atenção básica o vínculo e o diálogo necessários Brasília Ministério da Saúde Campos F C B Guarido E L 2010 O psicólogo no SUS suas práticas e as necessidades de quem o procura In SPINK M J P Org A psicologia em diálogo com o SUS prática profissional e produção acadêmica pp 81103 São Paulo Casa do Psicólogo Chiaverini D H Org 2011 Guia prático de matriciamento em saúde mental Brasília Ministério da SaúdeCentro de Estudo e Pesquisa em Saúde Coletiva Claro H G Oliveira M A F Almeida M M Vargas D Plaglione H B 2011 Adaptação cultural de instrumentos de coleta de dados para mensuração em álcool e drogas SMAD Revista Eletrônica Saúde Mental Álcool e Drogas Edição em Português 72 7177 Conselho Federal de PsicologiaCFP 2013 Referências técnicas para a atuação de psicólogasos em políticas públicas de álcool e outras drogas Brasília CFP Costa P H A Mota D C B Cruvinel E Paiva F S Ronzani T M 2013 Metodologia de implementação de práticas preventivas ao uso de drogas na atenção primária latinoamericana Revista Panamericana de Salud Pública 335 325331 Figueiredo M D Campos R O 2009 Saúde mental na atenção básica à saúde de Campinas SP uma rede ou um emaranhado Ciência Saúde Coletiva Botucatu 141 129138 Fonsêca C J B 2012 Conhecendo a redução de danos enquanto uma proposta ética Psicologia Saberes 11 1136 Recuperado de http revistascesmacedubrindexphppsicologia articleview42 Gonçalves A M 2002 Cuidados diante do abuso e da dependência de drogas desafio da prática do Programa Saúde da Família Tese de doutorado Universidade de São Paulo Ribeirão Preto Laranjeira R Org 2012 II Levantamento Nacional de Álcool e Drogas LENAD São Paulo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas de Álcool e Outras Drogas INPAD Recuperado de httpinpadorg brwpcontentuploads201403LenadII RelatC3B3riopdf Lima A I O 2014 Suporte ao uso de álcool e drogas na atenção primária um estudo com equipes de NatalRN Dissertação de mestrado Universidade Federal do Rio Grande do Norte Natal Machado A R 2013 Contribuições para a formulação de ações de formação em atenção a usuários de álcooldrogas no SUS o relato de uma experiência em Minas Gerais In Lobosque A M Silva C R Orgs Saúde Mental marcos conceituais e campos de prática pp 111119 Belo Horizonte Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais Meira M A Silva M O 2011 Atuação da Psicologia na Estratégia Saúde da Família a experiência de um psicólogo em uma residência multiprofissional Revista Brasileira de Ciências da Saúde 153 369376 Neumann B G 1992 Intervenção Breve In Formigoni M L Org A intervenção breve na dependência de drogas a experiência brasileira pp 8194 São Paulo Contexto Organização Mundial da Saúde OMS 2011 Intervención breve vinculada a ASSIST para el consumo riesgoso y nocivo de sustancias Manual para uso en la atención primaria Washington DC OMS Recuperado de httpwwwwhoint substanceabuseactivitiesassistintervention spanishpdf Organização Pan Americana de Saúde OPAS 2009 Drug Use Epidemiology in Latin America and the Caribbean A Public Health Approach Washington DC Panamerican Health Organization Paulin T Luzio C A 2009 A psicologia na saúde pública desafios para a atuação e formação profissional Revista de Psicologia da UNESP 82 98109 Consumo de drogas e o trabalho do psicólogo no NASF 197 Psicologia em Pesquisa UFJF 92 188197 JulhoDezembro de 2015 Ribeiro R I S 2012 A dependência grave do álcool e do crack e o atendimento na rede pública de saúde mental Ministério Público do Estado de Minas Gerais Recuperado de httpsaplicacao mpmgmpbrxmluihandle1234567891058 Romagnoli R C 2006 A formação dos psicólogos e a saúde pública Pesquisas e Práticas Psicossociais 12 Ronzani T M Mota D C B Souza I C W 2009 Prevenção do uso de álcool na atenção primária em municípios do estado de Minas Gerais Revista de Saúde Pública 43Supl 1 51 61 doi101590S003489102009000800009 Ronzani T M 2008 Padrão de uso de álcool entre pacientes da atenção primária à saúde estudo comparativo Revista de APS 112 163171 Ronzani T M Rodrigues M C 2006 O psicólogo na atenção primária à saúde contribuições desafios e redirecionamentos Psicologia Ciência e Profissão 261 132143 Silveira M R 2009 A saúde mental na atenção básica um diálogo necessário Tese de doutorado Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte Endereço para correspondência Ana Izabel Oliveira Lima Universidade Potiguar Laureate International Universities Departamento de Psicologia Av Engenheiro Roberto Freire 2184 Capim Macio CEP 59082175 NatalRN Email izabellimaunpbr anaizabelpsigmailcom Recebido em 21062015 Revisto em 04092015 Aceito em 19102015 1 REDUÇÃO DE DANOS UM NOVO OLHAR DA PSICOLOGIA PARA USO ABUSIVO DE ALCOOL E OUTRAS DROGAS ARAUJO Joana Carolina Almeida de1 GOMES Luiz Guilherme Araújo 2 RESUMO Este artigo objetiva contribuir a partir de uma revisão bibliográfica de diversos autores que versam sobre a temática para a problematização acerca da atuação dos psicólogos que trabalham com a estratégia de redução de danos em usuários abusivos de álcool e drogas Diante disso inicialmente será apresentada uma perspectiva histórica da política de redução de danos destacando a contribuição da psicologia para modelo de tratamento que leva em consideração o contexto e a subjetividade do indivíduo compreendido neste trabalho como um ser biopsicossocial Nesse sentido como resultado advindo do levantamento bibliográfico destacase o percurso e as mudanças que a redução de danos vem enfrentando até os dias atuais bem como por inúmeras críticas em relação a sua implantação atuação e eficácia no contexto da saúde O comprometimento profissional do psicólogo mostrase de extrema relevância pois consiste em uma forma de incluir o posicionamento e responsabilidade pelo viés da ética E que o conhecimento psicológico seja uma ferramenta de forma construída delineada contribuindo para com a saúde Palavras Chaves Drogas Estratégia Prevenção e Políticas públicas ABSTRACT This article aims to contribute based on a bibliographical review of several authors that deal with the thematic to the problematization about the performance of the psychologists who work with the strategy of harm reduction in abusive users of alcohol and drugs Therefore a historical perspective of harm reduction policy will be presented highlighting the contribution of psychology to a treatment model that takes into account the context and subjectivity of the individual understood in this work as a biopsychosocial being In this sense as a result of the bibliographic survey the path and the changes that harm reduction has been facing up to the present day as well as numerous criticisms regarding its implementation performance and efficacy in the context of health stand out The professional commitment of the psychologist is extremely relevant because it consists of a way of including the positioning and responsibility for the bias of ethics And that psychological knowledge is a tool in a constructed way outlined contributing to cheers Key Words Drugs Strategy Prevention and Public Policy 1 Graduanda do Curso de Psicologia do Centro Universitário de Várzea Grande 2 Professor Mestre Orientador no Curso de Psicologia do Centro Universitário de Várzea Grande 2 1 INTRODUÇÃO Este artigo objetiva realizar uma revisão de literatura acerca da atuação dos psicólogos que trabalham com a estratégia de redução de danos em usuários que fazem uso abusivo de álcool e drogas Pretendese problematizar sobre as dificuldades que a estratégia de redução de danos vem enfrentando desde a sua implantação até os dias atuais bem como sobre o papel da política como principal movimento para inserção da redução de danos RD no Brasil Para isso foi realizado um levantamento bibliográfico com a finalidade de investigar sobre a importância do tema assim como sobre a relevância de realizar esse estudo Para a realização deste trabalho utilizamos a ferramenta metodológica de pesquisa bibliográfica Discorrendo sobre o que é revisão de literatura Koller Couto e Hohendorff 2014 mostra que a realização de revisão de literatura faz parte do cotidiano dos acadêmicos e pesquisadores uma vez que constantemente realizase esta elaboração de pesquisa para fins de trabalhos acadêmicos e projetos de pesquisa Optouse por realizar um levantamento dos anos de 2002 a 2017 de temáticas que versam sobre álcool drogas e dependência química Para realizar a organização dos artigos selecionados utilizouse uma planilha do programa Excel com as seguintes categorias número para identificação do artigo autores ano título do artigo objetivos As categorias foram analisadas de maneira qualitativa e os dados apresentados de maneira descritiva Os artigos encontrados foram lidos na integra os mesmos foram pesquisados nas bases de dados Scientific Eletronic Library Online SCIELO Portal capes Lilacs e biblioteca virtual em saúde BVS Ainda segundo Koller Co uto e Hohendorff 2014 revisão de literatura tem como objetivo a definição e delimitação do tema no qual vai ser realizado uma pesquisa qual será o seu foco em que consiste em estimativas críticas do material no qual já foi publicado Em outras palavras a revisão de literatura visa organizar integrar e avaliar estudos relevantes sobre determinado tema Para este trabalho após verificarse a quantidade de artigos científicos que apareceram com o tema no qual foi selecionado realizouse a escolha de quatro plataformas virtuais de pesquisa de artigos científicos delimitando também neste momento o ano de artigos publicados deste modo foi realizado um recorte dos últimos 15 anos de publicações que discorrem sobre o tema sendo assim realizou a opção de quatro pontos de procura para a pesquisa dos artigos com os seguintes descritores 3 Drogas Estratégias Prevenção e Políticas públicas totalizando uma busca 177 de artigos a primeira instância depois de realizado um filtro leitura e análise do material levantado além da fundamentação teórica foram focalizadas 15 artigos os quais falam sobre a temática para posterior análise Em todos os artigos lidos foi possível compreender que o modelo de redução de danos tem se tornado uma estratégia eficiente para trabalhar com os usuários de álcool e drogas e em nenhum dos artigos foi percebida guerra contra as drogas Os artigos encontrados trazem a importância sobre a atuação do psicólogo como profissional que atua nos programas e mostram que a prevenção realizada com os usuários é uma das que trazem mais resultados positivos Nesse contexto é necessário a discussão para um possível caminho a ser tomado pelos psicólogos que trabalham ou querem trabalhar nessa área O contato inicial se deu a partir da leitura sobre redução de danos há aproximadamente dois anos em uma aula da disciplina de saúde mental ofertada no sexto semestre do curso de psicologia no UNIVAG O interesse pessoal ocorreu através das experiências próximas no convívio de pessoas no cotidiano Um dos grandes problemas do uso abusivo de álcool e drogas é o surgimento dos danos secundários Os danos secundários são justamente as demandas advindas do consumo abusivo de álcool e drogas a exemplo temos a violência doenças que surgem a partir dos exageros a perda de emprego separações e etc Em sua definição a Redução de danos RD é uma política de saúde em que sua finalidade visa oferecer propostas que reduzam ou minimizem os impactos na esfera biológica social e econômica ligadas ao uso de drogas Toda a prática desenvolvida ne ste âmbito está fundamentada no respeito e no direito que o indivíduo tem para fazer uso das drogas ANDRADE et at apud POLLO E MOREIRA 2008 A redução de Danos é uma política de saúde que se propõe reduzir os prejuízos de natureza biológica social e econômica do uso de drogas pautada no respeito ao indivíduo e no seu direito de consumir drogas Sua proposta de redução de danos surgiu incentivando formas de auxílio cujo principal objetivo não era eliminar o uso de substâncias psicoativas mas melhorar o bemestar físico e social dos usuários minimizando os prejuízos causados pelo uso das substâncias A RD pode ser sintetizada em cinco princípios o 1º é uma alternativa de saúde pública ao modelo moral criminal e de doença o 2º reconhece a abstinência como resultado ideal mas aceita alternativas que reduzam os danos o 3º baseiase na defesa do dependente o 4º promove acesso a serviços 4 de baixa exigência ou seja serviços que acolhem usuários de forma mais tolerante como uma alternativa para as abordagens tradicionais de alta exigência aquelas que tipicamente exigem a abstinência total como prérequisito para a aceitação ou permanência do usuário e o 5º é baseado nos princípios do pragmatismo empático versus idealismo moralista MARISKA etal 2014 Vale ressaltar que os psicólogos atuantes com o método de redução de danos adotam uma abordagem multidisciplinar em que se possibilitam a interdependência e a natureza complementar das atividades de prevenção do uso indevido atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas repressão da produção não autorizada e do tráfico ilícito de drogas MARISKA etal 2014 Sendo assim é possível compreender que é de suma importância refletir sobre o compromisso social da psicologia e a possibilidade de um novo olhar para o sujeito salientando a possibilidade do impacto que o modelo de redução de danos causa no comportamento de pessoas que fazem usos de drogas abusivamente 2 O SURGIMENTO DA ESTRATÉGIA DE REDUÇÃO DE DANOS UM BREVE HISTÓRICO De acordo com Silveira 2008 Na história da humanidade é possível constatar por meio de registros arqueológicos que o homem em diversas culturas desde os primórdios já usavam drogas por motivos culturais ou para viabilizar a socialização e até mesmo para isolar os religiosos e neste último caso em específico eram usadas em eventos ritualísticos de passagem como por exemplo da fase da infância para a adulta a necessidade dessa transcendência em si lhes permitiria assimilar de uma melhor forma esse processo de transformação biológica psicológica e social Depreendese dessa forma que o homem já procurava formas de alterar os estados da consciência logo o uso ou abuso de drogas seja ela lícita ou ilícita não é uma ocorrência da modernidade ou da pós modernidade SILVEIRA 2008 Em nossa sociedade contemporânea grande parte desses ritos iniciáticos foram extintos Em contrapartida os conflitos diante das mudanças que ocorreram ao longo dos séculos tais como a obtenção de prazeres imediatos a intolerância à frustração e aos conflitos intrínsecos a existência humana nos aponta para uma busca do alívio ou uma espécie de anestesia diante dessas realidades Assim somos estimulados pela nossa 5 cultura ao consumismo se tornando uma tentativa de compreender o espaço da falha existente no ser humano SILVEIRA 2008 No século XVII com o advento da Revolução Industrial o contexto social refletia um crescimento populacional desordenado nas áreas urbanas sendo resultado da migração rural e com isso havia também um descontentamento com as condições de trabalho por parte da classe trabalhadora e as condições de infraestrutura desses espaços eram calamitosas FOUCAULT 1972 Nessa época as indústrias de bebida alcoólica a cada vez se aprimoraram na destilação do álcool tornando o consumo humano mais acessível o que resultou num alto consumo desta droga Posteriormente não só o álcool como outras drogas passaram a ser usadas com mais popularidade e com o aumento do consumo tanto de álcool quanto das drogas tornouse um problema considerado pelas autoridades vigentes como de ordem social As medidas de intervenções foram mediadas a princípio pela esfera religiosa por conseguinte a área biomédica e por último pela Justiça No entanto as intervenções realizadas não foram suficientes para erradicar o uso de álcool e das outras drogas o que perdurou ao longo dos séculos seguintes MACHADO E BOARINI 2003 Já no início do século XIX nos Estados Unidos pela primeira vez foram adotadas medidas de combate ao uso de drogas cuja finalidade era de declarar guerra ao uso de drogas por meio da abstinência A abstinência foi uma das providências que consistia na proibição visando à cura por meio dela Esse período ficou marcado pela estigmatização discriminação direitos violados e obviamente o fracasso pois o consumo em nada diminuía o fato foi que o consumo só aumentava a nível mundial MACHADO E BOARINI 2003 Paralelamente a isto os autores Nardi e Rigoni 2005 apontam que na década de 80 aconteceu um movimento social na Holanda envolvendo profissionais da Saúde que pela primeira vez foi utilizado o termo Redução de Danos O objetivo desse grupo de profissionais consistia em promover melhores condições de vida e de saúde dos usuários já que estavam preocupados com o aumento da transmissão de hepatite B e da AIDS doenças que se alastravam pelo mundo Diante desse panorama os profissionais utilizaram o método de redução como forma de minimizar o contágio reduzindo a troca das seringas dos usuários e incentivando o uso individual Segundo os autores essas medidas adotadas eram de cunho preventivo da doença enquanto que nos EUA o objetivo era de abstinência declarada a guerra contra as drogas contrária ao movimento de redução de danos proposta pela Holanda na época 6 Conforme Pollo e Moreira 2008 devido a contaminação pelo vírus HIV entre usuários de drogas injetáveis e seus parceiros a Holanda iniciou a execução da estratégia de RD com o objetivo de que fosse diminuída a fala sobre grupos de riscos e iniciado o cuidado com os comportamentos de risco ou atividades que podiam deixar os indivíduos mais vulneráveis exigindo de instâncias maiores ações mais concretas Com isso houve a presença de educadores trabalhando nas ruas procurando fazer contato com essa população e estabelecer vínculos de confiança visando à propagação de estratégias preventivas e oferecendo acesso aos serviços de saúde Ainda de acordo com Pollo e Moreira 2008 a implantação dos programas de trocas de seringas estabeleceram forte influência para a adoção de medidas públicas com a finalidade de controlar a epidemia mundial de AIDS Nessa perspectiva o programa se expandiu para vários países se consolidou como política pública na área da saúde e multiplicou as ações preventivas Depreendese então a partir Pollo e Moreira 2008 que O que podemos fazer é tentar evitar que as pessoas se envolvem com estas substâncias Para aqueles que já se envolveram podemos ajudálos a evitar que se tornem dependentes E para aqueles que já se tornaram dependentes cabe a nós oferecer os melhores meios para que possam abandonar a dependência Porém se apesar de todos os nossos esforços eles continuarem a consumir drogas temos a obrigação de orientálos para que o façam da maneira menos prejudicial possível na expectativa de que estejam atravessando apenas uma fase difícil Afinal eles não precisam de quem os julgue mas de quem os ajude E este é o nosso papel enquanto profissionais de saúde POLLO E MOREIRA 2008 P10 Segundo Mariska Padilha e Andrade 2014 a redução de danos antes de tornar se uma estratégia de prevenção era um movimento político pois na Holanda já se tinha abordando esta temática no decorrer da década de 1970 através de sua legislação sobre drogas e passou a adotar a troca de seringas de modo experimental em Amsterdã no ano de 1984 a fim de prevenir a transmissão do vírus da hepatite B Mariska Padilha e Andrade 2014 ainda informam que a Associação Internacional de Redução de Danos IHRA entende a RD como um conjunto de políticas programas e práticas que visam primeiramente reduzir as consequências adversas para a saúde resultantes do uso de drogas lícitas e ilícitas sem necessariamente que a pessoa reduza o seu consumo Os referidos autores ainda salientam que o princípio fundamental que orienta estas ações é o respeito à liberdade de escolha visto que muitos usuários não conseguem ou não querem deixar de usar drogas porém necessitam ter os riscos decorrentes do seu uso minimizados 7 A contextualização desta política tornase saliente porque permite compreender os feitios relevantes de políticas de saúde inclusivas tal como a de RD para a redução da fragilidade de determinadas populações em respeito aos direitos humanos à população de usuários de drogas seus familiares e próximos além de difundir e estimular ações desta natureza nas diversas totalidades De forma estratégica a expectativa histórica assume o compromisso de dar visibilidade aos atores e elucidar os cenários em que a RD se desenvolveu visando encorpar o protagonismo desta política que se propõe a abusar dos limites das práticas de saúde idealizadas nos intramuros das instituições indo ao encontro da realidade das ruas e das pessoas em situação de grandes infortúnios visando resgatar um pouco de cidadania para esta população tradicionalmente excluída e marginalizada pelas políticas públicas MARISKA PADILHA E ANDRADE 2014 Nessa fase a impossibilidade temporária ou não de um dependente abandonar o uso de drogas estava sendo aceita como fato Para esses autores partese do princípio que as drogas lícitas e ilícitas fazem parte desse mundo e trabalhase para minimizar seus efeitos danosos em vez de simplesmente ignorálos ou condenálos Como salientam Elias e Bastos 2011 estas medidas se traduzem em alternativas de uso que envolvam menores riscos e danos para os consumidores de tais substâncias e para a coletividade ou seja a proposta e o objetivo de tais ações não é fazer com que o sujeito pare necessariamente com o consumo mas sim reduzir os danos que o uso abusivo pode provocar além do risco de contrair doenças ELIAS e BASTOS 2011 p2 No Brasil a primeira experiência em redução de danos ocorreu na cidade de SantosSP em 1989 com a distribuição de seringas estéreis entre usuários de drogas injetáveis com o objetivo de conter a disseminação do HIVAIDS Desde então em muitos estados brasileiros tem sido desenvolvida ações nesta perspectiva sejam por instituições públicas ou por organizações da sociedade civil e com apoio sobretudo das diretrizes do Ministério da Saúde por meio dos Programas Nacionais de DSTAIDS Hepatites Virais e Saúde Mental Estas ações também se ampliaram para diferentes drogas e diferentes formas de uso de drogas saindo do foco do usuário de droga injetável ELIAS E BASTOS 2011 De acordo com Amarante 2007 o processo da Reforma Psiquiátrica no Brasil apresenta vários caminhos e tendências com seus avanços e retrocessos na luta pela transformação da relação que a sociedade estabeleceu com o louco com a loucura e com 8 suas instituições sendo este uma construção iniciada há vários anos culminando no processo de desinstitucionalização pilar dessa política O debate sobre a reforma psiquiátrica no Brasil tem origem na década de 70 com o surgimento do movimento dos trabalhadores de saúde mental MTSM após uma greve de residentes e denúncias no Rio de Janeiro contra as más condições de trabalho bem como as péssimas condições das estruturas físicas dos hospitais psiquiátricos A grande repercussão deste movimento é considerada o dispositivo do processo de reforma psiquiátrica brasileira AMARANTE 2003 Amarante 2003 ainda destaca que a promulgação da lei 1021601 que dispõe sobre a proteção das pessoas acometidas de transtornos mentais conhecida como Lei da reforma psiquiátrica vem trazendo uma nova forma de cuidados a serem adotados em relação aos seus portadores bem como a reestruturação e autonomia dos mesmos De acordo com a Portaria Nº 1028 de 1º de julho de 2005 estabelecida pelo Ministério da Saúde as ações de redução de danos devem acontecer onde se tem a necessidade e interesse público que ocorra ou possa ocorrer o consumo de produtos substâncias ou drogas que causem dependência ou qualquer outro local onde se encontram os usuários como por exemplo cadeias públicas estabelecimentos educacionais destinados à internação de adolescentes hospitais psiquiátricos abrigos estabelecimentos destinados ao tratamento de usuários ou dependentes ou de quaisquer outras instituições que mantenham pessoas submetidas à privação ou à restrição da liberdade Com relação às estratégias usadas para se reduzir tais práticas Conte et al apud Forteski e Faria 2013 dizem que as mesmas são entendidas como a aplicação de práticas que proporcionam condições para a atuação responsável do usuário e o exercício de seu direito de escolha por meio da flexibilização dos métodos procurando alcançar na prática o princípio de universalidade proposto pelo Sistema Único de Saúde SUS Santos e Malheiros 2010 afirmam que em 2006 ocorreu uma mudança na lei e que a partir dessa mudança a estratégia de Redução de Danos passou a se inserir nas instituições através das políticas centrais de saúde do SUS como a Política Nacional de Atenção Básica a Política Nacional de Saúde Mental e a Política do Ministério da Saúde de Atenção Integral de Usuários de Álcool e outras Drogas Enquanto ponto político a oficialização do trabalho só aconteceu três anos depois com a aprovação do Projeto de Lei nº 16999 Brasil 1999 Somente em 2004 a RD 9 passou a ser vista como uma estratégia na Política de Atenção Integral aos Usuários de Álcool e Outras Drogas lançada pelo Ministério Público Brasil 2006 informa que o Sistema Nacional Antidrogas SISNAD em a finalidade de articular organizar integrar e coordenar as atividades relacionadas à prevenção do uso indevido de álcool e outras drogas Mediante ao que foi discutido sobre a estratégia de RD bem como a proposta de um novo olhar para o indivíduo que faz uso de drogas abordaremos a seguir sobre a contribuição do profissional psicólogo enquanto integrante de uma equipe multidisciplinar na estratégia de RD 3 Os desafios da estratégia de redução de Danos e as políticas no Brasil Conforme Elias e Bastos 2011 a partir da década de 80 é que se começa a tentativa de implementação da redução de danos no Brasil Para compreender acerca da inserção da RD no Brasil é necessário antes de tudo contextualizar o papel dos movimentos sociais da saúde mental na reforma psiquiátrica brasileira enquanto movimento social e político Corroborando com os autores Forteski e Faria 2013 ao dizerem que a trajetória da RD no Brasil é permeada pela repressão e tratamento moral destacam ainda que apenas em 1995 foi possível realizar a troca de seringas legalmente primeiro em Salvador e só mais tarde em São Paulo Os autores Soares e Jacob apud CANOLETTI e SOARES 2001 afirmam que A história brasileira dos programas de prevenção de droga mostra nítida aderência a abordagem de guerra as drogas embora mais recentemente algumas práticas mostremse simpáticas as perspectivas da redução de riscosdanos agregandose em maior ou menor grau aos pressupostos as ideologias aos objetivos e as estratégias desse movimento SOARES e JACOB 2000 apud CANOLETTI e SOARES 2001 p119 Segundo Mariska etal 2014 em 1994 o Ministério da Saúde assumiu a RD como estratégia de saúde pública para a prevenção das DSTAIDS e hepatites entre usuários de drogas injetáveis por meio de uma cooperação com o Programa das Nações Unidas para o Controle Internacional de Drogas se constituindo como o primeiro projeto de RD apoiado por este organismo internacional 10 Até então a primeira experiência em RD ocorrida no Brasil havia sido interrompida por uma interdição judicial sendo reiniciada somente em 1995 na cidade de Salvador A partir destas iniciativas a RD se desenvolveu no Brasil através dos Programas ou Projetos de Redução de Danos PRD contemplando uma série de ações desenvolvidas em campo tais como distribuição de seringas atividades de informação educação e comunicação aconselhamento encaminhamento vacinação e outras ações preventivas MARISKA etal 2014 Conforme Carvalho e Dimenstein 2017 esse processo advém da crítica de diversos setores da sociedade que avaliam o atual sistema de proibição e controle de entorpecentes como ineficaz em conter os problemas sanitários e sociais associados ao uso de substâncias psicoativas SPAs fato que para alguns avaliadores produziu consequências piores do que o próprio uso abusivo de drogas O tratamento moral constituise como o princípio de ação das duas instituições Nele ocorreu a condenação do consumo de álcool e outras drogas e aumentou a responsabilização do sujeito tanto como causador da sua dependência química quanto pela mudança da sua situação de vida MARLATT GORDON 2012 apud CANOLETTI E SOARES 2001 Tais questões estão em consonância com as fragilidades das políticas de redução de danos no Brasil sendo essas a precarização do trabalho dos profissionais ausência ou dificuldade de monitoramento das ações desenvolvidas dificuldade de vincular os usuários a um tratamento continuado e problemas de financiamento que afetam a sustentabilidade dos serviços InglezDias etal apud CANOLETTI e SOARES 2001 Dessa maneira a união desses fatores conjuntamente com a ausência de espaços de atualização técnica e supervisão institucional acabam por contribuir para com a manutenção do discurso moral Nessa forma de compreender o tratamento de consumidores de álcool e drogas a experiência da recaída não é tolerada O próprio uso desse termo recaída indica um atravessamento entre o campo da saúde e a moral religiosa Poderiam ser utilizados outros termos para caracterizar essa nova ocasião de consumo de AD entretanto recair expõe não um problema de saúde mas antes disso é uma queda da alma que se deixaria levar pelas tentações e desviase do caminho da salvação ao retornar aos prazeres vazios das drogas Essas sempre associadas ao desejo de morte descuido com a saúde e criminalidade SOUZA CARVALHO 2012 11 4 A CONTRIBUIÇÃO DO PSICÓLOGO NA EFETIVAÇÃO DA ESTRATÉGIA DE REDUÇÃO DE DANOS Carvalho e Dimenstein 2017 relatam que o resgate da extensão de livrearbítrio em um campo historicamente apontado pela obrigação moral e influência dos procedimentos como base dos tratamentos à dependência química Os profissionais caracterizam a RD como uma das alternativas que podem compor suas estratégias de ação mas a consideram estratégia menos complexa e mais barata contrapondose aos tratamentos tradicionais que têm como objetivo a abstinência aos quais consideram superiores e que constituem a meta atual do serviço CARVALHO E DIMENSTEIN 2017 p653 De acordo com Amendola 2014 atualmente percebese que o movimento da psicologia enquanto ciência e profissão tem se envolvido nas questões mais latentes na sociedade contemporânea buscando contribuir para seu enfrentamento e solução por meio de estudos e pesquisas para construção de novos referenciais teóricos e novas alternativas de atuação capazes de dar conta da complexidade destas questões Esta busca se referenciar na necessidade de superar uma visão individualista e descontextualizada sobre o processo de constituição da subjetividade humana que acaba por levar a responsabilização do indivíduo pelo sofrimento decorrente de questões sociais e coletivas Em relação ao uso de drogas essa questão é marcada pelo social cultural e histórico não podendo ser reduzida meramente a uma patologia a ser tratada Entretanto segundo o CFP conselho federal de psicologia 2013 não se pode negar que o uso abusivo de álcool e outras drogas ao colocar a substância no controle da vida do indivíduo cria uma condição de assujeitamento e coisificação provocando intenso sofrimento psíquico o que gera a necessidade e impulsiona a busca por cuidado Para as autoras Mariska etal 2014 o princípio fundamental que orienta estas ações é o respeito a liberdade de escolha visto que muitos usuários não conseguem ou não querem deixar de usar drogas porém necessitam ter os riscos decorrentes do seu uso minimizados tais riscos como evitar o envolvimento com o uso de drogas evitar o envolvimento precoce evitar que o uso se torne abusivo ajudar a abandonar a dependência e orientar para o uso menos prejudicial possível 12 Ainda segundo as autoras Mariska etal 2014 a droga passa a não ser mais o foco mas sim a qualidade de vida que passa a ser priorizada Vigostki 1998 apud CFP 2013 informa que com base em uma concepção sóciohistórica vertente da Psicologia Social A compreensão do fenômeno psicológico passa pela análise das relações sociais entre sujeitos a partir de uma dimensão ética que engloba aspectos biológicos semióticos afetivos e históricosociais unindo e ao mesmo tempo diferenciando social e psicológico VIGOSTKI1998 apud CFP 2013 p63 Borloti e Machado 2013 trazem uma informação importante em que Brasil 2003 menciona que até pouco tempo atrás o tratamento de saúde em pacientes que apresentavam desordens pelo víeis do uso prejudicial de álcool e droga foi marcado pelo auxílio hospitalar médicopsiquiátrico Tal transformação se deu a uma revisão da assistência ao paciente da área da saúde mental incluindo os portadores de transtornos mentais devido ao uso prejudicial de álcool e outras drogas Conforme os respectivos autores salientam Na história da intervenção sobre a dependência química a visão moral sobre o dependente sustentou uma abordagem calcada na confrontação Rotulada como antiprofissional Miller Rollnick 2001 p 24 tal abordagem não considerava a motivação para a mudança de comportamento Atualmente isto se alterou apesar de ainda existirem ambientes de tratamento com abordagem moral e a motivação tornouse tema obrigatório nas discussões de quaisquer formas de intervenção Szupszynski Oliveira 2008 inclusive da internação compulsória atualmente tema de discussões polêmicas na mídia BORLOTI E MACHADO 2013 p279 Os autores Borloti e Machado 2013 ainda mencionam que ultimamente os planejadores das políticas públicas protegem a potência da intervenção nesses transtornos desde a atenção básica deve considerar os fatores psicológicos econômicos políticos eou culturais sejam predisponentes ou consequentes ao problema do uso prejudicial de drogas Propendendo provocar intervenções estabelecedoras que transformem a motivação para o uso danoso de álcool e de outras drogas foram desenvolvidas intervenções breves IBs estratégias basais aos fins da atenção básica Elas são aplicáveis a todos os tipos de pacientes que chegam à Unidade Básica de Saúde pois em geral envolvem o enfrentamento dos problemas de saúde em especial em doenças crônicas envolvem comportamentos de mudança de pensamentos e em sua motivação incluindo os encobertos de pensar e sentir sobre a mudança ROLLNICK MILLER BUTLER 2009 APUD BORLOTI E MACHADO 2013 P280 Como salientam os autores Borloti e Machado 2013 13 Intervenções breves como ferramentas de intervenção analítico comportamental na atenção básica com pessoas que fazem uso prejudicial de drogas com os pacientes crônicos muitas vezes algumas intervenções parecem não funcionar sobretudo aquelas marcadas pelo impulso de querer consertar o paciente fazendoo caminhar na direção que o terapeuta julga ser a melhor As IBs foram desenvolvidas para vencer essa tentação em especial com pacientes que apresentam transtornos devidos ao uso prejudicial de álcool e outras drogas BORLOTI E MACHADO 2013 p280 Os concernentes autores ainda relatam que as IBs foram idealizadas primeiramente como táticas terapêuticas em pacientes que fazem uso lesivo de álcool e drogas Borloti e Machado 2013 corroboram mencionando que assim como as IBs algumas estratégias de terapia para a dependência ou abuso de algumas drogas podem ser breves apesar de o Instituto Americano sobre Abuso de Droga NIDA 2009 preconizar que uma intervenção global sobre a dependência requer um longo prazo Portanto Os profissionais da atenção básica estão em uma posição única para identificar e intervir com os pacientes para quem o uso de substância é arriscado e prejudicial para a sua saúde e bemestar Além desses profissionais os profissionais da assistência social no Sistema único de Assistência Social SUAS do sistema judiciário e policial também irão estabelecer relacionamento interpessoal com esses pacientes Portanto a utilização da IB é ampliada a todos os profissionais da área da saúde e assistência abarcando o contingente de profissionais aptos após treinamento específico a aplicála de modo a aumentar a eficácia e a eficiência dos recursos de tratamento e intervenção no SUS e no SUAS e nos demais sistemas de funcionamento das políticas públicas BORLOTI E MACHADO 2013 p280 Assim é possível analisar a IB como uma figura de aconselhamento para a alteração de conduta não restritiva aos psicólogos apontada aos pacientes que fazem uso danoso de drogas e que tem os seis subsídios comuns a todas as abordagens do aconselhamento 1 dar feedback aos sentimentos e pensamentos do paciente 2 aceitá lo onde ele está naquele momento antes de lidar com a posição em que poderia ou deveria estar 3 manterse sigiloso e garantir a confidencialidade do que é ouvido 4 não empregar coerção e constrangimento forçando a participação do paciente 5 ser compreensivo à vida do paciente e ao mesmo tempo manterse separado dela e 6 estar consciente e sensível às mensagens da comunicação com ele BORLOTI E MACHADO 2013 p284 Diante disso segundo o CFP 2013 a política pública voltada para os usuários que fazem o uso e abusam de álcool e outras drogas deve levar em consideração a tríade igualdade diversidade e singularidade devendo ter uma diretriz integral e sistêmica de saúde integral porque considera o indivíduo como um todo integrado por diferentes 14 aspectos e sistêmica porque concebe estes aspectos como interdependentes e mutuamente determinantes de um processo único e total Como descrita pelo CFP 2013 a Psicologia se apropria das questões clínicas psicopatológicas subjetivas sociais e culturais ligadas às questões das drogas e participa desse trabalho tanto em aspecto macro na composição das equipes e projetos diversos como se aprofundando na busca de conhecimento específico ligado a seu núcleo de conhecimento ou seja às ferramentas e referenciais teóricos que a Psicologia tem para contribuir de modo efetivo para a atenção direta às pessoas com problemas ligados ao uso de drogas CFP 2009 apud CFP 2013 p73 De acordo com Santos e Malheiros 2010 à medida que a RD traz novos desafios para a clínica e efetiva novas tecnologias de cuidados a mesma pode ser considerada como uma estratégia da Reforma Psiquiátrica para pessoas que usam substâncias psicoativas Pautado no compromisso dos psicólogos com o social sua participação em políticas públicas é de extrema necessidade Centros como o CREPOP dá essa garantia de disseminar o conhecimento oferecer referências para atuação desse profissional bem como identificar estratégias de participação e promover interlocução da psicologia com espaço de formulação e gestão e execução em políticas públicas BRASIL 2003 Hoje a atuação de psicólogos no SUS e em CAPS vem sendo referência do engajamento dos profissionais de psicologia no Brasil Para que o modelo da RD seja eficaz na adesão dos usuários é preciso ser feito alguns ajustes tais como capacitação técnica na área das drogas e da AIDS acesso gratuito aos serviços sem longa fila de espera etc CFP 2013 p33 Ainda segundo CFP 2013 as atuais ações de recolhimentos compulsórias da população em situação de rua internação compulsória violam ao direitos humanos dos usuários os psicólogos por sua vez vem contribuir nas disculções de políticas no intuito de garantir a integralidade do cuidado e na intersetorialidade das ações para as pessoas que fazem uso de álcool e outras drogas através de produções científicos tanto para desmistificar quanto para questionar práticas autoritárias auxiliando em produção de práticas democráticas condizentes com a perspectiva do cuidado e não com a da tutela Como bem coloca o CFP 2013 Por muito tempo a única opção de atenção para usuários de álcool e outras drogas foi dada pelo paradigma da abstinência através das internações em grandes hospitais psiquiátricos e instituições asilares que marcaram a institucionalização do saber psiquiátrico no Brasil CFP 2013 p36 15 Assim como ocorreu uma mudança de paradigma no que se refere a atenção aos usuários de álcool e drogas uma vez que estes eram confrontados a abster do uso houve também uma mudança nas práticas que a psicologia exercia visto que seu surgimento se deu na atenção individual e que por muito tempo sua atuação se fez presente neste modelo de tratamento Atualmente compreendemos o papel social e o compromisso da psicologia que rompe com as práticas individualistas e que se engaja em promover cada vez mais o respeito e o compromisso com políticas públicas sociais CFP 2013 p37 16 CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir dos autores discutidos neste artigo percebese que a relação do usuário de drogas com a violência possivelmente se dá pelo fator social não desconsiderando o sujeito como um ser subjetivo e em movimento necessitando assim ponderarmos a respeito das leis e tudo que o envolve ciente de que não sempre este sujeito deixará de abusar do uso de álcool e drogas O método de RD vem como uma tentativa de possibilitar pensarmos sobre as atuais políticas públicas e terapias já existentes de maneira a melhorar as mesmas com intuito de auxiliar na inserção e no respeito aos usuários e no convívio perante a sociedade Tal perspectiva corrobora com a reforma psiquiátrica brasileira e as políticas públicas possibilitando entender a forma como a estratégia denominada redução de danos é pensada hoje e a maneira como foi introduzida no Brasil Desta forma compreendese a reforma psiquiátrica como um movimento um processo histórico que se constituiu pela crítica ao paradigma psiquiátrico hegemônico e pelas práticas que o transformaram e superaram no Brasil ocorrendo a partir do final da década de 70 representando com isto uma crítica estrutural à instituição psiquiátrica Como processo histórico inserese numa totalidade complexa e dinâmica portanto também determinado nacionalmente pelo processo de redemocratização em curso no país a partir daquela época Nesse sentido o movimento de reforma psiquiátrica brasileira buscou a desconstrução da realidade manicomial para além da queda dos seus muros e a construção de novos equipamentos de saúde segundo novas bases epistemológicas políticas e sociais operando transformações de toda uma cultura que sustenta a violência a discriminação e o aprisionamento da loucura AMARANTE 2007 Assim podemos entender que a RD possui estratégias que podem ser desenvolvidas em diferentes campos e que visam à construção de possibilidades de vida a partir de ações que levem em consideração os processos de subjetivação Conforme pudemos observar a partir dos autores citados acima a RD teve diferentes formas de manifestações e não apenas um movimento a fez se consolidar enquanto estratégia de políticas públicas na saúde Percebese a partir dessa breve contextualização que os movimentos políticos sociais científicos e até moral tiveram fundamental importância e influência para a legislação e a execução da RD 17 Diante da importância do sujeito ao se expor ao uso abusivo de álcool e outras drogas é fundamental que a participação do profissional psicólogo seja efetiva e que o mesmo deverá saber que as políticas públicas já existentes são voltadas não somente para o coletivo mas também com a finalidade de atender a necessidade de um sujeito O psicólogo deve também se basear em uma concepção de subjetividade em constante processo de transformação Sendo assim compreendese que apesar de ainda haver certa resistência por parte da população no que tange a RD os benefícios são notórios Acreditase que campanhas educativas possam sensibilizar as pessoas no que diz respeito ao preconceito Significa pois apostar em políticas públicas que priorizem tais campanhas O que se pretende articular com isso é que existem outros fatores sociais que são prejudicados Alguns desses fatores a política do tráfico das drogas o capitalismo e tudo que este promove Quando apenas se pensa na redução dos riscos deixamos de pensar na outra parte da sociedade escravas do tráfico deixando de pensar no fator social na segregação na desigualdade social e também na possibilidade de que o número de usuários que cometem latrocínios tende a aumentar pois muitas vezes é apenas assim que a dicção pode ser sustentada Diante do estudo aqui realizado foi possível perceber que ainda há necessidade de se discutir a estratégia da RD no meio acadêmico assim como a inclusão de uma disciplina que contemple a temática como uma política pública na área da saúde mental levando nos refletir sobre qual a efetividade do trabalho dos profissionais psicólogos na estratégia da RD 18 REFERÊNCIAS AMENDOLA Marcia Ferreira Formação em Psicologia Demandas Sociais Contemporâneas e Ética uma Perspectiva Psicol cienc prof Brasília v 34 n 4 p 971983 Dec 2014 Available from httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS1414 98932014000400971lngennrmiso access on 11 Sept 2017 httpdxdoiorg1015901982370001762013 AMARANTE P Saúde mental políticas e instituições programa de educação à distância Rio de Janeiro FIOTECFIOCRUZ EADFIOCRUZ 2003b vol 3 A SAÚDE MENTAL E ATENÇÃO PSICOSSOCIAL Amarante P Rio de Janeiro Editora Fiocruz 2007 BRASIL 2005 Disponível em httpbvsmssaudegovbrbvssaudelegisgm2005prt102801072005html Acesso em 19 Mai 2017 BRASIL 2006 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03ato2004 20062006leil11343htm Acesso em 08 Jun 2016 BORLOTI Eliseu Batista MACHADO Alex Roberto Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental Comportamento em foco 2 Organização de Carlos Eduardo Costa Carlos Renato Xavier Cançado Denis Roberto Zamignani Silvia Regina de Souza ArrabalGil Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental São Paulo ABPMC 2013 CANOLETTI Bianca SOARES Cássia Baldini Programas de prevenção ao consumo de drogas no Brasil uma análise da produção científica de 1991 a 2001 Interface Botucatu Botucatu v 9 n 16 p 115129 Feb 2005 Available from httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS1414 32832005000100010lngennrmiso access on 19 May 2016 httpdxdoiorg101590S141432832005000100010 CARVALHO Bruno DIMENSTEIN Magda Análise do discurso sobre redução de danos num CAPSad III e em uma comunidade terapêutica Temas psicol Ribeirão Preto v 25 n 2 p 647660 jun 2017 Disponível em httppepsicbvsaludorgscielophpscriptsciarttextpidS1413 389X2017000200013lngptnrmiso acessos em 22 set 2017 httpdxdoiorg109788TP2017213 ELIAS Lucília de Almeida BASTOS Francisco Inacio Saúde pública redução de danos e a prevenção das infecções de transmissão sexual e sanguínea revisão dos principais conceitos e sua implementação no Brasil Ciênc saúde coletiva Rio de Janeiro v 16 n 12 p 47214730 Dec 2011 Available from httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS1413 81232011001300021lngennrmiso access on 19 May 2016 httpdxdoiorg101590S141381232011001300021 19 FORTESKI Rosina FARIA Jeovane Gomes de Estratégias de Redução de Danos Um exercício de Equidade e Cidadania na Atenção a Usuário de Drogas Revista de Saúde Pública de Santa Catarina v 6 n 2 p 7891 2013Disponível em httpespsaudescgovbrsistemasrevistaindexphpinicioarticleview16921 Acesso em 22 Maio 2017 FOUCAULT M A História da Loucura na Idade Clássica In A grande internação São Paulo Ed Perspectiva 1972 KOLLER S H COUTO M C P de P HOHENDORFF J V Org Manual de produção científica Porto Alegre Penso 2014 192p Série Métodos de Pesquisa MALISKA Isabel Cristina Alves PADILHA Maria Itayra ANDRADE Selma Regina Redução de Danos em FlorianópolisSC uma política estratégica de prevenção e cuidado à saúde Revista Eletrônica de Enfermagem v 16 n 1 p 1708 2014 MACHADO Letícia Vier BOARINI Maria Lúcia Políticas sobre drogas no Brasil a estratégia de redução de danos Psicol cienc prof Brasília v 33 n 3 p 580 595 2013 Disponivel em httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS1414 98932013000300006lngennrmiso Acessado em 15 Out 2016 httpdxdoiorg101590S141498932013000300006 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas Módulo 5 Atenção integral na rede de saúde 7ª Edição Brasília 2014 Disponível em fileCUsersaluno03UNIVAGLABS022DownloadsSUP7Mod5pdf NARDI Henrique Caetano RIGONI Rafaela de Quadros Marginalidade ou cidadania A rede discursiva que configura o trabalho dos redutores de danos Psicolestud v 10 n 2 p 27382 2005 Disponível em httpwwwscielobrpdfpev10n2v10n2a14 NIEL MRedução de Danos para Drogas Fumadas In NIEL D X SILVEIRA Orgs Drogas e Redução de Danos uma cartilha para profissionais de saúde São Paulo2008 POLLOA M A MOREIRA F G Aspectos históricos da Redução de Danos In M NIEL D X SILVEIRA Orgs Drogas e Redução de Danos uma cartilha para profissionais de saúde São Paulo2008 SANTOS A M S MALHEIRO L Redução de danos uma estratégia construída para além dos muros institucionais In NERY FILHO A VALÉRIO A L R Org Módulo para capacitação dos profissionais do projeto consultório de rua Brasília DF SENAD Salvador CETAD 2010 p 4953 Referências Técnicas para a Atuação de Psicólogasos em Políticas Públicas de Álcool e Outras Drogas Conselho Federal de Psicologia EiXO 3 A ATUAÇÃO DOS PSICÓLOGOS EIXO 4 DESAFIOS PARA UMA PRÁTICA PSICOLÓGICA EMANCIPADORA Brasília CFP 2013 277 FAE 18 a 20 de Outubro de 2018 I I C B P S I Congresso Brasileiro de Psicologia da FAE PLURALIDADES EM SAÚDE MENTAL I CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOLOGIA JURÍDICA E FORENSE ATUAÇÃO DE PSICÓLOGOS JUNTO A USUÁRIOS DE DROGAS NO ÂMBITO JUDICIÁRIO Joacir de Lima Junior Acadêmico do 10º período do curso de Psicologia FAE Centro Universitário CuritibaPR João Vitor Pereira Ukracheski Acadêmico do 10º período do curso de Psicologia FAE Centro Universitário CuritibaPR Jéssica Paula da Silva Mendes Orientadora do trabalho Mestre Professora de Psicologia da FAE Centro Universitário CuritibaPR Palavraschave Oficina de Prevenção ao Uso de Drogas Políticas de Redução de Danos Política de Drogas O presente trabalho visa relatar e discutir as experiências vivenciadas por estagiários voluntários em um Fórum Descentralizado na Comarca de CuritibaPR Acompanhamos a rotina de trabalho do Núcleo de Apoio Psicossocial NAP composto por dois psicólogos e duas estagiárias de Psicologia Nossa atividade focou na articulação e execução da Oficina de Prevenção ao Uso Abusivo de Drogas OPUD A Lei 1134306 dispõe sobre a política de drogas adotada no Brasil que diferencia o porte para consumo e o para tráfico dispondo do entendimento médico e psicológico de que usuários necessitam de política de saúde ao invés de serem criminalizados e segregados Concomitantemente a legislação também aumenta em relação à política anterior Lei n 636876 a pena para tráfico Embora diferencie o traficante do usuário e ainda o traficante profissional do eventual um problema de ordem prática se impõe o fato de não haver na letra da Lei fatores objetivos para diferenciação do usuário em relação ao traficante leva ao crivo subjetivo do agente de Estado decidir isso Àqueles que são considerados usuários é oferecido a transação penal isto é um acordo possível para crimes de menor potencial ofensivo com até dois anos de reclusão previstos como pena por meio do qual se arquiva o processo com o contraponto do pagamento de multa e ou prestação de serviços à comunidade e ou medida socioeducativa que materializase na OPUD no Estado do Paraná Nessa discussão optamos por chamarmos aqueles que caíram como usuários de drogas enquadrados no artigo 28 da Lei Federal 1134306 por institucionalizados considerando Contato joacirlimahotmailcom psiukracheskigmailcom jessicapaulafaeedu Práticas em Psicologia Jurídica Forense e Direitos Humanos 278 FAE 18 a 20 de Outubro de 2018 I I C B P S I Congresso Brasileiro de Psicologia da FAE PLURALIDADES EM SAÚDE MENTAL I CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOLOGIA JURÍDICA E FORENSE que o Poder Judiciário modifica as relações sociais desse sujeito e os estigmatiza a partir da prática institucional Quando a OPUD foi atribuída ao NAP pelo Tribunal de Justiça e pelo Ministério Público de forma inesperada para a equipe não havia um modelo a ser seguido e sua construção ocorreu na medida em que a oficina era oferecida se modificando conforme a experiência O norte da prática desde o início foi a redução de danos isto é estratégias para que caso o consumo não cesse seus danos à saúde e à segurança possam ser minimizados Uma das questões que surgem nesse contexto é quanto à adequação da atribuição dessa atividade ao âmbito judiciário considerando que se trata na realidade de uma medida socioeducativa no campo da saúde pública para além de uma punição à contravenção da legislação Os profissionais de saúde estão mais bem preparados para lidar com adição a drogas e prevenção ao consumo abusivo bem como dispõem de mais materiais para intervenção em relação aos profissionais da área jurídica A efetividade portanto do Estado em suprimir o uso de drogas é prejudicada em virtude de uma política que reduz a questão à segurança pública de modo a criminalizar condutas relacionadas ao consumo independentemente deste ser abusivo ou não A prioridade para o NAP é por lei a vara da infância que demanda visitas a locais distintos entrevistas presenciais e por telefone elaboração de pareceres técnicos dentre outras atividades além do atendimento as demais varas do Tribunal Isso limita consideravelmente a capacidade dos profissionais que lá estão alocados em discutir e desenvolver estratégias no que concerne a OPUD Outra questão versa sobre o nome Oficina de Prevenção ao Uso Abusivo de Drogas O conceito de oficina pode ser definido como lugar em que se desenvolve atividade laboral destinado à fabricação ou reparação de algo No entanto a palavra mais recentemente toma outro sentido no meio acadêmico para designar reuniões de debate definição contida em seminário por exemplo A origem dessa adaptação pode ser demarcada pela palavra do inglês Workshop Rezende 2009 que por sua vez é usada para definir aulas ou cursos práticos sobre assunto ou atividade específica Embora na OPUD haja a transmissão de conhecimentos técnicos sobre o tema como num Workshop em virtude também do foco dado à saúde dos participantes esse espaço serve para o Estado punir o infrator da lei que perturbou a ordem pública e por outro lado permitir aos usuários que em virtude da legislação de drogas amplamente difundida na sociedade comumente se privam de falar sobre o tema com agentes especializados em saúde como é o caso de psicólogos e médicos tenham essa oportunidade restituída Não se pretende construir o saber portanto de maneira verticalizada por parte dos agentes de Estado mas a partir da construção de uma parceria entre o usuário de drogas que traz experiências 279 FAE 18 a 20 de Outubro de 2018 I I C B P S I Congresso Brasileiro de Psicologia da FAE PLURALIDADES EM SAÚDE MENTAL I CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOLOGIA JURÍDICA E FORENSE subjetivas e coletivas sobre o consumo e a equipe técnica que fomenta debates e reflexões além de suportar informações científicas para o grupo O manejo da equipe técnica se instrumentaliza do discurso dos institucionalizados com seus conhecimentos prévios e empíricos sobre as drogas para acrescentar novas perspectivas sobre a influência do consumo de substâncias psicoativas na vida social os meios viabilizados pelo sistema público de saúde brasileiro o SUS Sistema Único de Saúde para tratamento de dependência química bem como formas de reduzir danos no ato consumo inclusive propondo a reflexão sobre estratégias que evitem a reincidência penal já que por um período de 5 anos uma nova contravenção faz com que o sujeito não possa realizar nova transação penal O trabalho é realizado em rodas de diálogos nas quais os psicólogos e estagiários se dispõem dispersos entre o grupo de institucionalizados com a participação de 8 a 15 pessoas em geral mas com variação desse número conforme a demanda do Tribunal de Justiça Cada encontro tem duração aproximada de duas horas Embora não se trate de uma atividade voluntária e haja um caráter de sanção penal esse espaço privilegia o debate sobre as drogas ilícitas e lícitas sem que a questão seja tratada com moralismo permitindo aos usuários que expressem suas opiniões que são constantemente tolhidas em virtude do proibicionismo isto é a política de Estado que proíbe a utilização e comercialização de determinados produtos neste caso as drogas A OPUD deve propiciar um ambiente de escuta especializada e a partir dessa escuta levar à reflexão os institucionalizados Reflexão essa que se origina essencialmente a partir de aspectos relacionados ao consumo de drogas na contemporaneidade brasileira e que dividimos em três eixos principais I a abordagem policial que pode ser o disparador para reflexão sobre o que traz aquele grupo àquela instituição de justiça bem como promove uma possibilidade de maior engajamento e identificação entre os integrantes II o sentido do uso de drogas que possibilita discutir sobre suas consequências em diversos aspectos inclusive o da ordem pública III formas de reduzir os danos em relação ao consumo A política de guerra às drogas adotada no Brasil gera sérias consequências à segurança pública Enseja por exemplo um decreto de Garantia da Lei e da Ordem Decreto 1450617 que coloca a cargo das Forças Armadas a segurança do estado do Rio de Janeiro em uma medida extraordinária sob a égide de coibir a violência que é em grande parcela gerada pelo tráfico e pela intervenção estatal na questão Além disso dados do Infopen 2016 indicam que o tráfico de drogas é o tipo penal com maior incidência no encarceramento representando 26 dos crimes informados no relatório a mesma 280 FAE 18 a 20 de Outubro de 2018 I I C B P S I Congresso Brasileiro de Psicologia da FAE PLURALIDADES EM SAÚDE MENTAL I CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOLOGIA JURÍDICA E FORENSE taxa ocupa o roubo junto à população carcerária masculina Na população feminina o tráfico ocupa 62 dos crimes informados no relatório Consideramos importante em trabalhos de orientação a usuários de drogas evidenciarmos também a forma como os poderosos os políticos a mídia o Poder Público em suas diversas instâncias denunciam a forma como nós enquanto sociedade estamos lidando com algumas drogas considerando que produzimos propaganda para venda de bebidas alcoólicas e diversos remédios ao tempo em que criminalizamos o consumo de outras Cabe aqui refletirmos também sobre as arbitrariedades do sistema que encarcera alguns por porte de ínfimas quantidades de drogas enquanto excluem da prisão outros que portam uma quantidade muito maior com porte de munição e armamento inclusive em virtude da influência política desses Nesse aspecto a falta de objetividade da lei leva a manutenção de privilégios e de segregação social Observamos a importância de adaptarmos o nosso discurso desde termos jurídicos até outros comumente utilizados pela psicologia ou pelo meio acadêmico de um modo geral Esse cuidado com a linguagem utilizada buscou facilitar a compreensão do interlocutor gerar maior engajamento no grupo do qual fazíamos parte além de evitar a ratificação da segregação Notamos que os participantes das OPUDs que presenciamos ficaram à vontade com a abordagem realizada que tem um discurso pensado para a aproximação dos sujeitos ali institucionalizados Na fala inicial percebemos inúmeras defensivas dos participantes quanto ao envolvimento com as drogas que foram flagrados portando alguns não lembravam que tinham aquela droga consigo outros que estavam carregando para amigos uns que assumiram serem portadores e usuários para proteger os amigos e outros que assumiram serem consumidores e afirmaram ser descabida a apreensão policial e encaminhamento ao sistema jurídico Há no imaginário social sobre drogas uma tendência cultural ao proibicionismo que se torna ignorante e refuta toda a conquista acerca da saúde física e mental dos seres humanos assim como proíbe um aprimoramento de tais teorias Esse descarte ocasionado pelo proibicionismo é propulsor para a estigmatização e marginalização dos usuários de drogas e acaba por colocar o debate sobre o tema na esfera da segurança e não da saúde devido à suposta periculosidade que o desvio e contravenção da lei de drogas representam à sociedade A respeito do sentido do uso com uma leitura psicanalítica CostaRosa 2009 pontua uma maneira de compreender o sentido do uso em paralelo a cultura Utilizandose das produções da ciência designadas como gadgets e a busca pela satisfação ou gozo corpórea como forma de manutenção obtenção do consumo 281 FAE 18 a 20 de Outubro de 2018 I I C B P S I Congresso Brasileiro de Psicologia da FAE PLURALIDADES EM SAÚDE MENTAL I CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOLOGIA JURÍDICA E FORENSE Tal pensamento converge com a produção de Carneiro 2002 que demonstra a ciência da farmacologia como viabilizador do sujeito manejar o estado de consciência produzindo estados mentais específicos Ou seja utilizase da droga para ser consumidor de um estado que deseja gerando uma acessibilidade demasiada e ilusória à satisfação Fiore 2008 questiona a validade que o saber médico tem perante a sociedade e como o discurso médico pode apresentar verdades que não esqueçamos são político e culturalmente construídas É possível além do mais observar o quanto a cultura de marginalização das drogas é tendenciosa ao informar constantemente os riscos que o usuário se submete sejam prejuízos à saúde à família à educação ou a construção de uma vida socialmente adequada apontando pesquisas com contingências estruturadas para obter resultados negativos acerca das drogas Advém daí um questionamento se haveria uma relação entre o prazer artificial obtido por uma interferência no processo de captação e recepção de neurotransmissores e o risco ao qual o usuário se prédispõe seja pela esfera judicial penalização ou social marginalização E se há a possibilidade de que a submissão a esses dois componentes esteja a serviço da encoberta do significante real do prazer obtido pelo sujeito no ato de se drogar A oficina não pretende adentrar na subjetividade individual dos participantes a fim de encontrar ou refletir sobre a falta que o consumo de substâncias psicoativas encobre mas sim oportunizar um espaço onde essa questão possa surgir a cada um Há uma rede de assistência oferecida tanto pelo governo como o CAPSad e por entidades filantrópicas em geral religiosas Para poder ser beneficiário dos serviços do CAPS o indivíduo deve primeiro passar por uma espécie de triagem na Unidade Básica de Saúde que verificará qual a demanda do indivíduo e considerar os danos e perdas sofridos pelo consumo Em contato com a unidade do CAPSad da Regional a equipe afirma que a Unidade Básica só vai encaminhar a eles os usuários com alto nível de perdas e danos caso contrário o usuário será encaminhado para uma conversa com psicólogo psiquiatra ou grupos de apoio da região Tal abordagem de selecionar os casos considerados mais graves ou ainda criar critérios de seleção para o públicoalvo do dispositivo de atenção em saúde mostrase contraditório ao discurso institucional de atendimento livre e acessível à população mas que se explica pelo contexto escasso de profissionais e infraestrutura que acomete os dispositivos gerando grandes volumes de demanda A política está na base da percepção e atuação frente às drogas e a militância pela descriminalização ou pelo incentivo em pesquisas relacionadas ao consumo e compreensão das drogas necessita de argumentos fundamentados em um contexto sócio histórico e político e tais argumentos se dão pela transmissão de conhecimento pelo processo de ensinoaprendizagem ou seja pela educação 282 FAE 18 a 20 de Outubro de 2018 I I C B P S I Congresso Brasileiro de Psicologia da FAE PLURALIDADES EM SAÚDE MENTAL I CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOLOGIA JURÍDICA E FORENSE O uso de drogas está inserido dentro da história da humanidade e que o passar dos anos fez apenas variar o papel que elas desempenham bem como seu uso em cada cultura Houve um tempo que era inserida no contexto de práticas sagradas e agora seu uso se tornou uma epidemia social Percebese que não há como falar dessas substâncias centralizando unicamente na própria substância Antes devese levar em conta a relação Sujeito x Droga x Contexto Sócio Cultural Vargas 2011 Os efeitos das drogas variam de acordo com a quantidade consumida formas de uso frequência de uso e até mesmo e talvez mais fortemente pela pessoa do sujeito que integram principalmente predisposições psicológicas os saberes e as expectativas de cada um Há por tal motivo impossibilidade em se trabalhar com fórmulas prontas Consideramos que a política de redução de danos é a mais adequada para tratativa no âmbito da Psicologia Jurídica com usuários de drogas Embora consideremos que essa seja uma demanda prioritariamente da área de saúde esse espaço deve ser utilizado pelo psicólogo jurídico para refletir mecanismos de proteção em relação à violência relacionada ao tráfico até formas de consumo menos danosas a saúde e transpassando inclusive o sentido do uso Nesse sentido não há de se fazer qualquer juízo de valor sobre a decisão do sujeito em usar ou não a droga mas prover conhecimento para que o usuário saiba dos danos e riscos envolvidos na utilização de drogas ilícitas bem como quanto a diminuição dos riscos caso opte pela manutenção do consumo provendo um espaço de escuta e reflexão para as consequências dessas ações na vida coletiva e individual daqueles que foram enquadrados como usuários Cabe aos profissionais de Psicologia também indicar os meios de tratamento fornecidos pelo Estado os dispositivos do SUS Sistema Único de Saúde a Unidade Básica de Saúde e o CAPS Ad principais no que se refere ao tratamento de uso abusivo de drogas Uma das dificuldades em implementar uma política reducionista está atrelada a falta conhecimento por parte da população que é levada a acreditar que essa política reducionista servirá como um estímulo ao uso da droga e afastará o usuário dos tratamentos que existem hoje e que buscam a abstinência A Política de Redução de Danos é a forma mais adequada de prestar assistência aos usuários de drogas pois suas ações são orientadas por direitos fundamentais do cidadão visando preservar e recuperar a dignidade de sujeitos que são livres e que por vontade própria desejam fazer uso de substâncias psicoativas Vargas 2011 O cenário político brasileiro tem gerado incertezas quanto à manutenção de políticas sociais e políticas de saúde por parte do Governo As instituições do Estado estão constantemente de modo a censurálas convocadas a não tomar posicionamentos quanto a essas políticas mantendo 283 FAE 18 a 20 de Outubro de 2018 I I C B P S I Congresso Brasileiro de Psicologia da FAE PLURALIDADES EM SAÚDE MENTAL I CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOLOGIA JURÍDICA E FORENSE a neutralidade frente a questões moralmente polêmicas o que limita em absoluto um trabalho mais humanizado e verdadeiramente voltado para prevenção em saúde no que tange o consumo de substâncias ilícitas como se propõe a OPUD É necessário que esse espaço possibilite cada vez mais que os institucionalizados se responsabilizem do ponto de vista subjetivo isto é entendam o processo no qual estão inseridos os prazeres e desprazeres em jogo com suas ações para que então possam escolher aquilo que desejam fazer Isso envolve desde levar ao conhecimento desses sujeitos que a prática nos mostrou saberem pouco sobre a lei de drogas as nuances da legislação os interesses envolvidos na manutenção do proibicionismo e buscar em conjunto a transformação de paradigmas que cerceiam o tema Nossa prática buscou guardada a devida proporção colocar esses conflitos em diálogo bem como instrumentalizar os usuários para a reflexão sobre o que a política de drogas brasileira acarreta para sua vida e para a vida de sua comunidade A escuta especializada dos profissionais de psicologia permite que a OPUD seja realizada a partir de experiências dos próprios institucionalizados de modo a evidenciar aspectos que nem sempre são claros e que tendem a ser ignorados em atividades protocolares dentro dos Tribunais Deste modo tornase possível fomentar práticas de prevenção e promoção da saúde que sejam acessíveis a cada usuário e ainda sensibilizar outros agentes de Estado que tenham ou possam vir a ter contato com a demanda REFERÊNCIAS Boiteux L 2006 A Nova Lei Antidrogas e o aumento da pena do delito de tráfico de entorpecentes Boletim IBCCRIM São Paulo 14167 89 Recuperado em 15 agosto 2018 de httpsneipinfonovowpcontentuploads201504artigodrogasluciana boiteuxpdf Brasil Ministério da Justiça 2016 Levantamento nacional de informações penitenciárias Brasília Departamento Penitenciário Nacional Brasil Ministério da Saúde Gabinete do Ministro 2005 Portaria n 1028 de 01º de julho de 2005 Determina que as ações que visam à redução de danos sociais e à saúde decorrentes do uso de produtos substâncias ou drogas que causem dependência sejam reguladas por esta Portaria Diário Oficial da União da República Federativa do Brasil Brasília 4 de julho de 2005 Brasil Ministério da Saúde Secretaria Executiva Coordenação Nacional de DSTAids 2003 A Política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas Brasília Ministério da Saúde Brasil 1995 Lei n 9099 de 26 de setembro de 1995 Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais Brasília DF setembro 1995 284 FAE 18 a 20 de Outubro de 2018 I I C B P S I Congresso Brasileiro de Psicologia da FAE PLURALIDADES EM SAÚDE MENTAL I CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOLOGIA JURÍDICA E FORENSE Brasil 2006 Lei n 11343 de 23 de agosto de 2006 Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas Brasília DF agosto 2006 Brasil 2017 Lei n 14506 de 29 de dezembro de 2017 Altera o Decreto de 28 de julho de 2017 que autoriza o emprego das Forças Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem no Estado do Rio de Janeiro Brasília DF dezembro 2017 CostaRosa A 2018 Algumas notas sobre subjetividade e uso de drogas Revista de Psicologia da UNESP 82 1010 Recuperado em 15 agosto 2018 de httpseerassisunespbr indexphppsicologiaarticleview944871 Duarte E C P Muraro M Lacerda M Garcia R de D 2014 Quem é o suspeito do crime de tráfico de droga Anotações sobre a dinâmica dos preconceitos raciais e sociais na definição das condutas de usuário e traficantes pelos Policiais Militares nas Cidades de Brasília Curitiba e Salvador In Pensando a Seguranca Pública e Direitos Humanos Temas Transversais Brasília Ministério da Justiça SENASP Recuperado em 15 agosto 2018 de httpwwwceddcombrimagesprojetosquemsuspeitopdf Fiore M 2008 Prazer e risco uma discussão a respeito dos saberes médicos sobre uso de drogas In B C Labate S Goulart M Fiore E MacRae H CarneiroOrgs Drogas e cultura novas perspectivas Salvador EDUFBA Recuperado em 15 agosto 2018 de repositorioufbabr8080ribitstreamufba1921Drogas20e20Culturapdf Lima E H de Capanema C A Nogueira M J 2017 A prática dos grupos reflexivos sobre drogas como estratégia possível para a redução de riscos e danos Pesquisas e Práticas Psicossociais 123 Recuperado em 15 agosto 2018 de wwwseerufsjedubrindexphp revistappparticleview2616 Oliveira H 2017 Rafael Braga e Breno Borges quando 9g de racismo pesam mais que 129kg de maconha Carta Capital Recuperado em 2 abril 2018 de httpjustificando cartacapitalcombr20170727rafaelbragaebrenoborgesquando9gderacismo pesammaisque129kgdemaconha Rezende J M de 2009 Oficina Revista de Patologia Tropical 382 135138 Recuperado em 15 agosto 2018 de httpswwwrevistasufgbriptsparticleview6628 Santana S P de Hernandes C R 2017 Aplicabilidade da justiça restaurativa a usuários e dependentes de drogas ilícitas uma alternativa ao fracasso do sistema penal tradicional Revista do Programa de PósGraduação em Direito 2701 Recuperado em 15 agosto 2018 de httpsportalseerufbabrindexphprppgdarticleview23346 Senado Federal do Brasil 2018 História do combate às drogas no Brasil Em discussão Recuperado em 19 março 2018 de httpsgoogliMJWDA 285 FAE 18 a 20 de Outubro de 2018 I I C B P S I Congresso Brasileiro de Psicologia da FAE PLURALIDADES EM SAÚDE MENTAL I CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOLOGIA JURÍDICA E FORENSE Vargas J 2011 O homem as drogas e a sociedade um estudo sobre a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal Trabalho de conclusão de curso de graduação Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Porto Alegre RS Brasil Recuperado em 15 agosto 2018 de httpswwwacademiaedu7012554O HOMEMAS DROGASEASOCIEDADEumestudosobreadescriminalizacaodoporte de drogasparaconsumopessoal2autodownload Veríssimo M 2010 A nova lei de drogas e seus dilemas apontamentos para o estudo das formas de desigualdade presentes nos interstícios do ordenamento jurídicopenal brasileiro Civitas Revista de Ciências Sociais 102 Recuperado em 15 agosto 2018 de httprevistaseletronicaspucrsbrojsindexphpcivitasarticleview6533 ALBUQUERQUE K SOUSA F CAVALCANTE T So quem passa é que sabe um enfoque nas relações familiares no cenário da dependência química O portal dos psicólogos 2019 ALARCON S Critérios para o diagnóstico de Dependência Química In ALARCON S and JORGE MAS comps Álcool e outras drogas diálogos sobre um malestar contemporâneo Rio de Janeiro Editora FIOCRUZ 2012 ARAÚJO J GOMES L Redução de danos um novo olhar da psicologia para o uso abusivo de álcool e outras drogas Repositório UNIVAG 2018 BARETTA T JUNG S SOUZA A A inserção do psicólogo em uma comunidade terapêutica para dependentes químicos um relato de experiência Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 2021 CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA Referências técnicas para atuação de psicólogasos em políticas públicas de álcool e outras drogas recurso eletrônico 2 ed Brasília CFP 2019 JUNIOR LIMA J UKRACHESKI J MENDES J Atuação de psicólogos junto a usuários de drogas no âmbito judiciário Congresso Brasileiro de Psicologia da FAE pluralidades em saúde mental 2018 LIMA A Dependência de drogas e Psicologia Social um estudo sobre o sentido das oficinas terapêuticas e o uso de drogas a partir da teoria de identidade Psicologia e Sociedade v 20 2008 LIMA A DIMENSTEIN M MACEDO J Consumo de álcool e drogas e o trabalho do psicólogo no núcleo de apoio à saúde da família Psicologia em Pesquisa 2015 MENDES M Dependência química e fortalecimento psicossocial pelas práticas esportivas Estudos de Psicologia v 22 n 3 2017 MOTA L Dependência química problema biológico psicológico ou social São Paulo Paulus 2007 NOVAES M O psicólogo escolar frente ao consumo de álcool e outras drogas na adolescência O portal dos psicólogos 2019 SCHLINDWEINZANINI R SOTILLI M Uso de drogas repercussões e intervenções neuropsicológicas Cadernos Brasileiros de Saúde Mental v 11 n 28 2019 SILVEIRA C MEYER C SOUZA G RAMOS M SOUZA MONTE F GUIMARÃES A PARCIAS S Qualidade de vida autoestima e autoimagem dos dependentes químicos 2004 ALBUQUERQUE K SOUSA F CAVALCANTE T So quem passa é que sabe um enfoque nas relações familiares no cenário da dependência química O portal dos psicólogos 2019 ALARCON S Critérios para o diagnóstico de Dependência Química In ALARCON S and JORGE MAS comps Álcool e outras drogas diálogos sobre um mal estar contemporâneo Rio de Janeiro Editora FIOCRUZ 2012 ARAÚJO J GOMES L Redução de danos um novo olhar da psicologia para o uso abusivo de álcool e outras drogas Repositório UNIVAG 2018 BARETTA T JUNG S SOUZA A A inserção do psicólogo em uma comunidade terapêutica para dependentes químicos um relato de experiência Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 2021 CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA Referências técnicas para atuação de psicólogasos em políticas públicas de álcool e outras drogas recurso eletrônico 2 ed Brasília CFP 2019 JUNIOR LIMA J UKRACHESKI J MENDES J Atuação de psicólogos junto a usuários de drogas no âmbito judiciário Congresso Brasileiro de Psicologia da FAE pluralidades em saúde mental 2018 LIMA A Dependência de drogas e Psicologia Social um estudo sobre o sentido das oficinas terapêuticas e o uso de drogas a partir da teoria de identidade Psicologia e Sociedade v 20 2008 LIMA A DIMENSTEIN M MACEDO J Consumo de álcool e drogas e o trabalho do psicólogo no núcleo de apoio à saúde da família Psicologia em Pesquisa 2015 MENDES M Dependência química e fortalecimento psicossocial pelas práticas esportivas Estudos de Psicologia v 22 n 3 2017 MOTA L Dependência química problema biológico psicológico ou social São Paulo Paulus 2007 NOVAES M O psicólogo escolar frente ao consumo de álcool e outras drogas na adolescência O portal dos psicólogos 2019 SCHLINDWEINZANINI R SOTILLI M Uso de drogas repercussões e intervenções neuropsicológicas Cadernos Brasileiros de Saúde Mental v 11 n 28 2019 SILVEIRA C MEYER C SOUZA G RAMOS M SOUZA MONTE F GUIMARÃES A PARCIAS S Qualidade de vida autoestima e autoimagem dos dependentes químicos 2004 SciELO Books SciELO Livros SciELO Libros ALARCON S Critérios para o Diagnóstico de Dependência Química In ALARCON S and JORGE MAS comps Álcool e outras drogas diálogos sobre um malestar contemporâneo online Rio de Janeiro Editora FIOCRUZ 2012 pp 131150 ISBN 9788575415399 httpsdoiorg10747697885754153990007 All the contents of this work except where otherwise noted is licensed under a Creative Commons Attribution 40 International license Todo o conteúdo deste trabalho exceto quando houver ressalva é publicado sob a licença Creative Commons Atribição 40 Todo el contenido de esta obra excepto donde se indique lo contrario está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento 40 6 Critérios para o Diagnóstico de Dependência Química Sergio Alarcon 6 Critérios para o Diagnóstico de Dependência Química Sergio Alarcon Segundo a Organização Mundial da Saúde OMS 2001 cerca de 10 das populações dos centros urbanos de todo o mundo consomem abusivamente substâncias psicoativas independente da idade sexo nível de instrução e po der aquisitivo Outro estudo conduzido pela OMS em 2003 sobre a carga global de doenças estima que o tabaco o álcool e as drogas ilícitas correspondam a respectivamente 41 4 e 08 de todas as morbidades no mundo Ainda segundo o mesmo estudo a carga de doenças inclui transtornos físicos cirrose hepática miocardiopatia alcoólica polineuropatia demência etc e lesões de correntes de acidentes industriais e automobilísticos por exemplo No Brasil uma pesquisa encomendada pelo governo federal sobre os cus tos dos acidentes de trânsito revelou que há uma relação entre o uso do álcool e outras drogas e a gravidade das lesões Como os acidentes e as violências ocu pam a segunda causa de mortalidade geral sendo a primeira causa de óbitos entre pessoas de 10 a 49 anos de idade perfil que se mantém nas séries históri cas do Sistema de Informações sobre Mortalidade SIM do Ministério da Saúde entre 2000 e 2008 seria importante procurar entender em que condições as drogas são determinantes de uma maior exposição das pessoas a comporta mentos de risco Isso inclui os efeitos inerentes aos hábitos culturais e também aqueles provocados pelas legislações que procuram regular esses hábitos quan do relacionados ao uso de drogas Álccol e Outras DrogasBookFinalindb 131 09072014 110550 132 Álcool e outras Drogas DiÁlogos sobre um malestar contemporâneo Dados epidemiológicos sobre o consumo de drogas no Brasil obtidos a partir do I Levantamento Domiciliar sobre Uso de Drogas realizado em 2001 pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotópicas Cebrid da Universidade Federal de São Paulo Unifesp indicam que a droga mais con sumida no país é o álcool com uso na vida ou seja qualquer uso inclusive o uso experimental uma vez na vida por 687 da população seguido do tabaco com 411 Em proporções substancialmente mais baixas constam as demais drogas como a maconha com 69 os solventes com 58 os benzodiazepí nicos com 33 e a cocaína com 23 Notese a disparidade entre o consumo de drogas lícitas como álcool e tabaco em relação ao uso das drogas ilícitas citadas Carlini et al 2001 Estimase que aproximadamente 20 dos pacientes tratados na rede pri mária apresentam um padrão de uso de álcool considerado abusivo ou de alto risco Essas pessoas têm seu primeiro contato com os serviços de saúde por intermédio de clínicos gerais que raramente detectam a presença de acometimento por tal uso por uma série de razões que vão desde as más condições de trabalho até a formação técnica deficiente o que tem reper cussão negativa sobre as possibilidades de diagnóstico e tratamento Percebese que no geral o foco da atenção está voltado para as doenças clínicas decor rentes da dependência que ocorrem tardiamente e não para a dependên cia subjacente O diagnóstico e o tratamento precoces da dependência química seja do álcool ou de outras drogas têm papel fundamental no prognóstico desse trans torno que se amplia de um ponto de vista global de prevenção e promoção da saúde e se complica já que de maneira geral há expressivo despreparo e desinformação das pessoas que lidam com o problema sejam elas usuários familiares ou mesmo profissionais Não se trata simplesmente de constatar a utilização de drogas uma vez que em termos estritos de avaliação médica isso não tem muito significado Verificado o uso devese primeiramente avaliar até que ponto este está relacio nado com a dependência química ou se diz respeito exclusivamente à experi mentação ou ainda ao uso abusivo sem dependência No entanto se é im portante a identificação precoce de casos que poderiam evoluir para situações de maior gravidade também se deve tomar cuidado para não se psiquiatrizar um comportamento considerado normal em determinado contexto cultural específico Um diagnóstico clínico equivocado que confunda experimenta ção com uso abusivo ou com dependência química pode acarretar ações Álccol e Outras DrogasBookFinalindb 132 09072014 110550 Critérios para o Diagnóstico de Dependência Química 133 que signifiquem grave iatrogenia ou seja a produção de dano com base na intervenção técnica sanitária Por isso o objetivo aqui é favorecer uma melhor abordagem diagnóstica por equipes interdisciplinares da área da saúde Ob viamente por tratarse de um texto esquemático serve apenas como sugestão para uma maneira de pensar o diagnóstico que necessitará ser criticada e eventualmente complementada O processo pelo qual o consumo de substâncias em certas pessoas evolui para padrões de comportamento compulsivo de busca e utilização chegando a provocar a incapacidade do autocontrole mesmo à custa de muitos preju ízos parece ser a consequência de um amálgama que abrange fatores psi cológicos neurobiológicos e sociais de difícil apreensão No entanto mesmo sendo obscuros os mecanismos que levam o indivíduo a se tornar farmacode pendente o diagnóstico e o tratamento para a dependência são plenamente possíveis e viáveis Na verdade por se tratar de um fenômeno complexo ou seja que permeia praticamente todas as valências possíveis da vida de um indivíduo a dependência química requer um diagnóstico interdisciplinar por meio do qual tanto uma equipe de saúde quanto o próprio usuário e seus fa miliares possam apoiarse para construírem estratégias de transformação Essas estratégias devem visar idealmente não apenas à abstinência ou à exclusiva redução dos danos mas principalmente à possibilidade de construção de ho rizontes vitais que sejam a um só tempo exequíveis e sedutores para o utente1 Ninguém consegue com facilidade e sem sofrimento abandonar hábitos longamente adquiridos quanto mais hábitos produtores de prazeres As dro gas tornamse hábitos ou seja seu uso tornase um costume sendo constan temente repetido exatamente pela sedução que provocam O objetivo último que começa com o diagnóstico da dependência química é ajudar na cons trução de condições de vida cuja sedução possa concorrer com um prazer que se tornou ao mesmo tempo nocivo hábito causador de uma satisfação efêmera cujo custo é pago à prestação sob a forma de transtornos de todas as ordens Rotelli 1991 1 Será dada preferência ao termo utente no lugar de usuário ou paciente pois em primeiro lugar tratase de uma designação corrente na saúde mental pósreforma psiquiátrica e em se gundo lugar tratase de um termo que denota uma atividade inerente ao próprio dependente químico que é essencial na relação terapêutica que se pretende construir nos serviços públicos voltados para a atenção do adito Utente significa aquele que graças a algum grau de indepen dência e conforme a sua vontade usufrui de algo Álccol e Outras DrogasBookFinalindb 133 09072014 110550 134 Álcool e outras Drogas DiÁlogos sobre um malestar contemporâneo Apontamentos sobre o Diagnóstico Clínico da Dependência Química O diagnóstico da farmocodependência como mencionado não é simples sendo necessária a superposição de perspectivas diversas para a mensuração de sua real dimensão Essas perspectivas incluem aspectos biológicos psicoló gicos sociais e culturais que por fim desembocam na especificidade daquela subjetividade acometida pelos efeitos nocivos do hábito de usar drogas Nenhu ma perspectiva tomada isoladamente é suficiente para dar conta dos aspectos essenciais do fenômeno da dependência Na área médica temse tornado consenso identificar o tipo de usuário se gundo a maneira pela qual ele incorpora ao seu cotidiano o uso de drogas É chamado de experimentador aquele que delas faz consumo esporádico com nenhum ou pouco impacto sobre sua saúde Difere do usuário social ou recre ativo que utiliza drogas repetidas vezes de forma controlada sem a ocorrência de alterações em suas funções orgânicas psicológicas e sociais Considerase como abuso ou uso nocivo a utilização que frequentemente extrapola os va lores médicos e culturais aceitos quanto à quantidade frequência de uso e via de administração O abusador apresenta recorrentes intoxicações com diversos prejuízos sejam físicos psicológicos ou sociais Já a dependência química é explicada em termos diagnósticos segundo o DSMIV 1995 pela autoadminis tração repetida de drogas que em geral leva à tolerância à abstinência e a um padrão compulsivo de uso com histórico evolutivo de no mínimo 12 meses Podese dizer que as substâncias psicoativas interferem na função normal do cérebro alterando os processos normais de acumulação liberação e elimi nação de neurotransmissores2 endógenos Alguns desses neurotransmissores que se relacionam com as substâncias psicoativas são a dopamina a serotonina a noradrenalina o ácido gamaaminobutírico Gaba o glutamato e os opioides endógenos Em geral quando praticamos alguma ação cujo resultado final é benéfico do ponto de vista orgânico como por exemplo o ato de nos alimentarmos o sistema nervoso libera alguns neurotransmissores que ativarão as chamadas vias cerebrais de recompensa fazendonos sentir prazer O sistema de recom pensa não gera contudo apenas prazer mas também saciedade fazendo com 2 Neurotransmissores são substâncias químicas produzidas pelas células do sistema encefáli co os neurônios responsáveis pelo envio de informações a outras células do corpo Álccol e Outras DrogasBookFinalindb 134 09072014 110550 Critérios para o Diagnóstico de Dependência Química 135 que após determinado limite o impulso para a repetição do ato se interrompa A cessação do ato é imperiosa para que um ato análogo venha a se constituir futuramente tornando possível a repetição da sensação de prazer Da mesma forma é o desprazer implícito na sensação de falta de comida água sexo etc que gera a busca do prazer que trará a saciedade estabelecendo um circuito natural de privaçãoprazersaciedade Sem esse circuito de recompensa o indiví duo perderia o interesse pela vida e seria incapaz de subsistir Esse mecanismo bioquímico e psicológico é também denominado refor ço positivonegativo A ativação desse circuito pode ocorrer de maneira ar tificial com o uso de drogas o que por si só não acarreta necessariamente a farmacodependência Apenas o uso contínuo crônico de determinadas quantidades de psicoativos geraria o desenvolvimento de um processo de aprendizagem neuronal neuroadaptação como efeito paradoxal da satis fação provocada pelo seu uso efeito agradável ou positivo A busca natural pelo prazer tornarseia então descontrolada pois a neuroadaptação imporia ao indivíduo uma sensação situada entre a privação e o prazer sem a media ção temporal da sensação de saciedade Ou seja podese dizer que um dos aspectos que explicam a dependência química seja a avidez crônica que faz com que o indivíduo passe a buscar com frequência desmedida um prazer insaciável O uso da substância deixaria então de ser controlado pela expres são da sequência privaçãoprazersaciedade reduzindose ao tudo ou nada do circuito privaçãoprazerprivação Portanto os efeitos da satisfação ou do prazer não são os únicos a justifica rem os comportamentos associados à dependência Os sintomas de abstinência efeito desagradável da privação ou efeito negativo também acabam contri buindo para a manutenção do consumo abusivo Por abstinência entendese uma alteração comportamental maladaptativa com elementos cognitivos e fi siológicos que ocorrem quando transcorrido certo tempo após um uso pesado da droga a diminuição de sua concentração plasmática leva a sintomas desa gradáveis variados o que compele a pessoa a voltar a usar a droga seja para aliviar os sintomas desagradáveis seja para evitar o retorno desses sintomas O processo que leva ao comportamento desmedido da neuroadaptação pode ser entendido através do mecanismo de bloqueio da recaptação de um neurotransmissor depois de sua liberação fato que ocasiona a exacerbação dos efeitos normais ocasionados por esse neurotransmissor gerando ou uma subsensibilidade tolerância ou uma hipersensibilidade sensibilização à droga de abuso Álccol e Outras DrogasBookFinalindb 135 09072014 110551 136 Álcool e outras Drogas DiÁlogos sobre um malestar contemporâneo Genericamente devese entender por tolerância a necessidade de cres centes quantidades da substância para se atingir o efeito desejado Pode tam bém ocorrer o fenômeno denominado tolerância cruzada quando o uso re petido de uma determinada substância confere tolerância a outras substâncias da mesma categoria bioquímica por isso alguns anestésicos quando utiliza dos em alcoolistas não fazem efeito O contrário da tolerância a sensibiliza ção também denominada tolerância reversa ocorre quando há aumento da resposta neuropsicológica inicial com o uso crônico da mesma dose da subs tância A tolerância por se apresentar de forma variável entre os indivíduos e os tipos de drogas usadas pode ser difícil de se determinar com base apenas na anamnese Contudo nem a tolerância nem a abstinência são critérios necessários ou suficientes quando tomados isoladamente para um diagnóstico adequado de dependência Podese encontrar tanto o uso compulsivo sem tolerância e abs tinência caso do uso de canabinoides quanto tolerância e abstinência em situações nas quais não há evidência de uso compulsivo O que caracteriza a dependência química e pode definir um diagnóstico clínico é a presença de um conjunto de sintomas comportamentais cognitivos e fisiológicos indicando que o indivíduo continua utilizando uma substância apesar dos significativos prejuízos a ela atribuídos DSMIV 1995 Assim podese estabelecer um padrão de uso característico da dependência que inclui o uso da substância em dose eou tempo acima do pretendido inicialmente o fracas so em diversas tentativas de controlar ou reduzir o uso da substância o tempo excessivo gasto para a recuperação dos efeitos ou para a aquisição da droga uma importante disfunção social com redução drástica de atividades recrea tivas e ocupacionais a manutenção peremptória do uso da substância mesmo diante do reconhecimento das perdas sociais econômicas e afetivas Outro critério diagnóstico amplamente utilizado no Brasil é aquele produ zido pela Classificação Internacional de Doenças atualmente em sua décima edição a CID10 Com base nessa classificação a dependência de substâncias compreende seis critérios e uma pessoa é considerada dependente se apre sentar pelo menos três desses critérios Quadro 1 Há dois critérios biológicos abstinência e tolerância e quatro critérios que incluem elementos cognitivos desejo compulsivo dificuldades de autocontrole dificuldade de se proteger dos danos evidentes provocados pelo uso e restrição dos interesses e ampliação progressiva do tempo despendido com a droga Álccol e Outras DrogasBookFinalindb 136 09072014 110551 Critérios para o Diagnóstico de Dependência Química 137 Quadro 1 Critérios de dependência de substâncias segundo a CID10 Presença de três ou mais dos seguintes sintomas em qualquer momento durante o ano anterior 1 Desejo forte e compulsivo de consumir a substância 2 Dificuldades para controlar o comportamento de consumo de substâncias em termos de início fim ou níveis de consumo 3 Estado de abstinência fisiológica quando o consumo é suspenso ou reduzido evidenciado por síndrome de abstinência característica ou consumo da mesma substância ou outra muito semelhante com a intenção de aliviar ou evitar sintomas de abstinência 4 Evidência de tolerância ou seja necessidade de doses crescentes da substância psicoativa para a obtenção dos efeitos anteriormente produzidos com doses inferiores 5 Abandono progressivo de outros prazeres ou interesses em virtude do consumo de substâncias psicoativas aumento do tempo empregado na aquisição ou consumo da substância ou na recuperação de seus efeitos 6 Persistência no consumo das substâncias apesar de provas evidentes de consequências manifestamente prejudiciais tais como lesões hepáticas causadas por consumo excessivo de álcool humor deprimido consequente a um grande consumo de substâncias ou perturbação das funções cognitivas relacionada com a substância Fonte adaptado de WHO 1992 O Diagnóstico da Dependência Química e a Comorbidade Na medicina geral utilizase o termo comorbidade quando dois ou mais transtornos de saúde de etiologias distintas coexistem em um mesmo indiví duo Sua adequação à psiquiatria e à saúde mental é motivo de controvérsias embora haja poucos estudos sobre o tema Essas controvérsias se relacionam à própria dificuldade da psiquiatria em se adequar à teoria das doenças reinante na medicina geral em virtude da ausência de uma etiologia biológica identifi cável para as doenças mentais Segundo Camargo Jr as doenças são coisas de existência concreta fixa e imutável de lugar para lugar e de pessoa para pessoa as doenças se expressam por um conjunto de sinais e sintomas que são manifestações de lesões que devem ser buscadas por sua vez no âmago do organismo e corrigidas por algum tipo de intervenção concreta leiase medicamentosa ou cirúrgica Camargo Jr 2007 6566 Álccol e Outras DrogasBookFinalindb 137 09072014 110551 138 Álcool e outras Drogas DiÁlogos sobre um malestar contemporâneo Ainda segundo Camargo Jr essa definição de doença como coisa é com patível com o modelo de história natural da doença que esquematiza as relações dinâmicas do ciclo saúdedoença compondoo a partir de três pilares o agente etiológico o doente e o meio ambiente O agente etiológico se define com base nessa tese pelas forças dispostas no ambiente que criam o estímulo patológico no indivíduo sendo a doença a resposta do indivíduo ao estímulo proporcionando alterações que levam a recuperação defeito invalidez ou morte Leavell Clark 1976 Determinar o agente etiológico é portanto determinar a causa da doença Supondo que qualquer tratamento que vise à cura de doenças objetive a eliminação de suas causas não apenas a eliminação de seus efeitos ou sintomas então de forma geral todo o esforço diagnósticoterapêutico da medicina curativa repousa so bre a determinação e a retirada do agente etiológico Sabese que a psiquiatria carece de agentes etiológicos para explicar as causas das doenças mentais identificando no máximo como um deus exma china as imprecisas causas genéticas e hereditárias Esse vácuo explicativo determinado pela ausência do agente etiológico sustenta a imprecisão relativa ao entendimento dos mecanismos de produção da doença que a rigor tornase mera conjectura Assim a identificação e a conjugação dos sintomas em sín dromes que distinguem uma doença como tal dependem de uma série de fato res em geral extracientíficos situação que necessariamente joga a medicina mental no limiar da medicina científica E o que afinal se censura em relação à psiquiatria como responsável por iatrogenia nada desprezível é o cientificismo3 expresso pela insistência em buscar no modelo biológico da história natural das doenças a justificação para seu repertório de condutas ocasionando parado xalmente a excessiva medicalização do sofrimento o que explica em parte a explosão do uso de medicamentos como Valium Prozac Ritalina etc para contornar condições de ansiedade tristeza ou inquietude Na história da medicina mental o jogo entre a contestação e a reafirmação de suas pretensões científicas é que acaba fazendo do termo reforma psiquiá trica quase que um eufemismo para psiquiatria É no interior desse jogo que 3 O cientificismo é uma posição ideológica e ufanista que justificou e ainda justifica uma série de aberrações éticas em nome da infalibilidade da ciência o que inclui a crença por exemplo de que é a ciência a única forma de descrição neutra e objetiva do real Não podemos esquecer ideias eticamente questionáveis nascidas no seio do cientificismo como o higienismo o darwinismo social a antropologia criminal de Lombroso etc É importante enfatizar aqui que denunciar o cientificismo não é o mesmo que agir de forma antiintelectualista ou contra a ciên cia pelo contrário Álccol e Outras DrogasBookFinalindb 138 09072014 110551 Critérios para o Diagnóstico de Dependência Química 139 se define segundo a época essa ou aquela entidade nosológica Em outras pa lavras os momentos nos quais se hesita entre o arcaico e o moderno formam a constante que delineia a temporalidade da medicina mental onde por exem plo em um dia é possível o diagnóstico de psicose maníacodepressiva e no outro o de transtorno bipolar que o substituiu O esforço para se definir os transtornos psiquiátricos como síndromes fica evidente nas elaborações dos manuais de classificação diagnóstica su pracitados o CID10 e o DSMIV O que esses manuais apresentam na verdade é o registro de observações semiológicas do que é aceito pela comunidade científica da época como sintoma ou grupo de sintomas aparentados eou interdependentes São passíveis de revisões periódicas em virtude não de uma mudança de paradigma científico pois não há conceitos definidores bem fundamentados empiricamente mas em virtude de um rearranjo no consenso temporário e descritivo e não explicativo já que sempre falta o agente etiológico das síndromes mentais Cada revisão acompanha amiúde a adequação política social e cultural da medicina mental às forças hegemô nicas de sua época Por isso os critérios definidores de patologias podem ser tão fluidos e imprecisos quanto aqueles que por exemplo determinaram a entrada e posteriormente a saída da homossexualidade do rol das doenças mentais Belmonte 2009 Podese dizer que ocorre com frequência na psiquiatria aquilo que no caso das outras especialidades médicas seria classificado como quadro mórbi do mal definido produzindo uma habitual zona cinzenta diagnóstica na qual o desencontro terapêutico é a regra Nesse contexto agregamse dificuldades para que se estabeleça com alguma precisão os fatores de risco psiquiátricos que poderiam eventualmente influenciar o uso abusivo de drogas Ou seja em geral as relações de causa e efeito entre as drogas e os transtornos mentais são estabelecidas com um baixo grau de confiabilidade para um diagnóstico que se desejaria preciso e científico Mesmo assim é terapeuticamente estratégico pesquisar na farmacodependência as relações entre diagnósticos múltiplos que necessitam ser dimensionados minimamente de maneira a permitir uma hierar quização dos problemas para o planejamento mais eficaz das ações de cuidado e tratamento Um esquema simples para se avaliar as relações entre dependência quí mica e comorbidade proposto por Frances Widiger e Fyer 1990 encontra se resumido com modificações a seguir Segundo os autores é necessário avaliar se a dependência química DQ predispõe a comorbidade CM ou Álccol e Outras DrogasBookFinalindb 139 09072014 110551 140 Álcool e outras Drogas DiÁlogos sobre um malestar contemporâneo se contribui para a manifestação da CM em caso positivo a DQ é primária e predispõe a CM se a CM predispõe a DQ ou se contribui para a manifestação da DQ em caso positivo a CM é primária e predispõe a manifestação da DQ se a DQ e a CM são influenciadas por um mesmo fator predisponente em caso positivo tanto a DQ quanto a CM são secundárias ao fator primário se a asso ciação entre DQ e CM ocorre por acaso ou se decorre de sua maior prevalên cia na população em geral não há relação entre DQ e CM e se a DQ e a CM pertencem na verdade a um mesmo transtorno tendo sido equivocadamente separadas DQ e CM manifestamse como variações sintomatológicas de um mesmo transtorno Obviamente o fenômeno da comorbidade deve ser visto sempre que pos sível de maneira interdisciplinar uma vez que não se pode reduzir a farmaco dependência a uma condição apenas médicopsicológica tendo em vista seu potencial como enfatizado para afetar todas as áreas da vida humana Assim deverseia tentar ao máximo integrar as várias leituras seja da enfermagem da medicina do serviço social da psicologia etc de forma a fomentar a inter disciplinaridade Assim algumas ações seriam próprias apenas a uma ou outra disciplina específica por exemplo a revisão dos sistemas continuaria depen dente essencialmente da expertise médica de preferência do clínico geral No entanto o mais importante não seria tanto o diagnóstico particular feito por uma disciplina isoladamente mas a soma dos diagnósticos do médico do psi cólogo do assistente social etc que de maneira aproximada forneceria a bio grafia a identidade enfim a territorialidade daquela existênciasofrimento A vantagem seria no final a construção de um projeto terapêutico menos formal e efetivamente individualizado Apontamentos sobre Diagnóstico Interdisciplinar O diagnóstico médico embora importante é índice de apenas um dos as pectos da farmacodependência Assim para a construção de um projeto tera pêutico consistente é necessário um diagnóstico mais amplo que permita à equipe de saúde não apenas individualizar as estratégias de cuidado mas tam bém em especial construir um projeto terapêutico interdisciplinar e correspon sável com a participação ativa do próprio utente e de seus familiares e amigos O objetivo é estabelecer com o indivíduo a possibilidade de problematização de seu universo cultural e relacional pois é por meio de sua identificação ou Álccol e Outras DrogasBookFinalindb 140 09072014 110551 Critérios para o Diagnóstico de Dependência Química 141 não identificação com os valores de sua territorialidade4 que se torna possível a autoconstrução da própria identidade Muitas vezes essas ligações territoriais estão de tal forma frágeis ou rompi das em virtude dos transtornos inerentes à dependência química que é grande a possibilidade de o indivíduo retornar ao comportamento compulsivo e au todestrutivo por absoluta falta de perspectiva Assim a função de um projeto terapêutico interdisciplinar é servir de mediador e guia para a problematização dessas relações apresentando objetivos próprios ao pressuposto da atenção psi cossocial de evitar a institucionalização e cuidar das condições para a autono mia individual Quando se utiliza o termo problematizar o que se quer dizer é que a abordagem não pode ser baseada em um modelo que paternalize as relações despertando no indivíduo sentimentos de incapacidade culpabilidade e inse gurança O objetivo não é gerar mais dependência tratase de evitar que o in divíduo procure um iluminado um guru um doutor enfim um salvador da pátria do qual se sinta dependente para resolver seus problemas Problematizar aqui significa colocar a própria dimensão do problema como o problema a ser avaliado antes que se pense em sua solução Ou seja supõe que se coloque em dúvida em primeiro lugar a própria pertinência do problema antes de em se gundo lugar aceitálo como uma questão que mereça o esforço para a resposta adequada Sabese que as soluções podem ser falsas ou verdadeiras mas o pior que pode advir é a solução verdadeira para um falso problema A solução verda deira para um falso problema eterniza o sofrimento causado pelo verdadeiro 4 Definimos territorialidade como sinônimo de mundo próprio O termo territorialidade é utilizado pelos filósofos Gilles Deleuze e Felix Guattari Ao se considerar a territorialidade deixase de considerar o território como sinônimo de lugar ou mesmo de espaço e passase a considerálo como algo construído a partir de determinadas práticas humanas que incluem as dimensões do saber do poder e da subjetivação Relações que são portanto econômicas políticas e éticas e não tão somente limitadas por considerações psicologistas ou biomédicas A territorialidade é algo que se carrega consigo que não é a terra propriamente não é o espaço geográfico é aquilo que poderíamos denominar como antecipamos anteriormente e confor me a etologia Uexküll sd mundo próprio umwelt E mundo próprio é um conceito que associa ambienteorganismoafeto como singularidade como sentido Na dependência quími ca devemos entender melhor como os processos de produção de mundos próprios podem le var ou à legitimação do status quo o que provavelmente fará essa subjetividade ser submetida pelas mesmas forças que a tornaram frágil e escravizada submetida ao simbólico entendido como a regra geral hegemônica ou à produção daquilo que Foucault 2004 chamou de sub jetivação a capacidade de ser diferente de si mesmo de se autoproduzir de ser nesse sentido livre das significações dominantes Álccol e Outras DrogasBookFinalindb 141 09072014 110551 142 Álcool e outras Drogas DiÁlogos sobre um malestar contemporâneo problema não percebido e não resolvido obscurecido pelo falso problema e sua solução verdadeira O modelo5 da problematização propõe então estimular a capacidade do utente de por si mesmo levantar e avaliar os próprios problemas Para tanto é necessário quebrar a lógica pela qual a informação se concentra num único indivíduo ou mesmo em uma equipe de saúde portadora de soluções É necessário antes partilhar informações exercitar um jogo no qual as cren ças preconceitos estigmas e certezas tanto dos membros da equipe quanto do utente familiares e amigos são postos em posição dialógica até que a autonomia do utente seja reconquistada pela capacidade de se autoavaliar de se autoconstituir como indivíduo produtor de suas próprias crenças e de sejos livre enfim tanto quanto possível dos preconceitos das superstições e dos falsos problemas Com base nessa capacitação ou empoderamento tornase desejável pensar na saúde como qualidade de vida e não apenas como ausência de doença conforme preconiza o Sistema Único de Saúde SUS É um engodo imaginar que uma equipe de saúde possa por si mesma e sem a interação necessária e profunda com o utente advogar qualquer prescrição mudança de estilo de vida ou seja lá o que for em nome de uma pretensa qualidade de vida que seria nesse caso sempre unilateral estan do portanto mais próxima de uma violência etnocêntrica6 do que de uma real promoção da saúde Nesse modelo problematizador a função da equipe terapeuta é promover essa capacidade autopoiética7 que por sua vez deve surgir no âmbito do pró prio indivíduo ou grupo Exercitar essa corresponsabilidade na perspectiva do utente não significa tão somente dividir os fracassos e os sucessos de maneira que não haja culpados ou heróis mas também e principalmente ser livre para atuar sobre suas próprias condições de vida e modificálas positivamente mesmo que seja com a ajuda de equipe técnica especializada São também funções da equipe terapêutica facilitar a construção de re des sociais solidárias de promoção da saúde como qualidade de vida mobili zar os recursos da rede de atenção das comunidades serviços residenciais 5 Não se trata propriamente de um modelo mas de uma forma de pensar que permite a varia ção caso a caso 6 Crença na superioridade da cultura a que se pertence acompanhada de sentimento de menos prezo por padrões de comportamento que se afastam da posição cultural do observador 7 Termo introduzido pelos pesquisadores chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela para designar o ser vivo enquanto ser autocriado Maturana Varela 1980 Por extensão desig na no homem a capacidade de se autoinventar em termos físicos e cognitivos Álccol e Outras DrogasBookFinalindb 142 09072014 110551 Critérios para o Diagnóstico de Dependência Química 143 terapêuticos casas de passagens ou abrigos grupos de ajuda mútua comuni dades terapêuticas centros culturais e de convivência oficinas terapêuticas hospitais e clínicas etc e apoiar o desenvolvimento das competências dos in divíduos e das famílias A clínica da problematização tem como objetivos entre outros reforçar a dinâmica interna ou funcionamento interno de cada indivíduo para que este possa avaliar seus próprios valores suas potencialidades e tornarse o construtor de sua independência reforçar a autoestima individual redescobrir e reforçar a confiança em cada indivíduo diante de sua capacidade de evoluir e de se de senvolver como pessoa problematizar o papel da família e da rede de relações que ela estabelece com o seu meio e valores culturais prevenir e combater as situações de desintegração dos indivíduos e das famílias e estimular a restaura ção e fortalecimento dos laços sociais tornar possível a comunicação entre as diferentes formas do saber popular e saber científico estimular a participação social como requisito fundamental para dinamizar as relações sociais promo vendo a conscientização e estimulando o grupo por meio do diálogo e da refle xão a tomar iniciativas e ser agente de sua própria transformação O modelo coparticipativo e corresponsável proposto pela clínica da pro blematização não inviabiliza abordagens clássicas na medida em que procura respeitar a subjetividade territorialidade do indivíduo Um cuidado que no entanto devese ter é evitar que determinadas abordagens como por exemplo o messianismo dos 12 passos ou o psicanalismo desempenhem um papel es truturante no serviço em desacordo com uma ética da atenção pública Não se trata de proscrever a priori nenhuma abordagem possível muito menos os 12 passos ou a psicanálise mas absorvêlas como ferramentas úteis retirandolhes as características privatistas seja a religiosidade latente no exemplo dos 12 pas sos seja a tendência a impor uma particular Weltanschauung8 como às vezes acontece com a psicanálise para que possam funcionar como utensílios que ora serão úteis ora não conforme a subjetividade em problematização Em suma dependendo das demandas são utilizadas as ferramentas pos síveis com o objetivo de melhorar a qualidade de vida e de acordo com o en foque interdisciplinar citado tais como a psicoterapia breve psicoterapia em grupo entrevista motivacional psicanálise psicologia analítica atenção médica geral e psiquiátrica atenção à família e avaliação social 8 Weltanschauung é uma palavra alemã que significa visão do mundo ou cosmovisão Aqui utilizada no sentido de uma cosmovisão unilateralmente imposta Álccol e Outras DrogasBookFinalindb 143 09072014 110551 144 Álcool e outras Drogas DiÁlogos sobre um malestar contemporâneo Sugestão para a Construção de um Fluxograma de Atenção Interdisciplinar Como argumentado desde o início deste capítulo na construção de estra tégias de tratamento da farmacodependência tornase necessária uma visão complexa de cada caso o que permite sua individualização de maneira que por um lado não se possa estabelecer modelos fixos de ação mas por outro em um sentido pragmático seja possível dispor de determinadas prescrições baseadas não apenas no conhecimento farmacológico básico a respeito de cada grupo de drogas e seus efeitos particulares na fisiologia humana mas em um diagnóstico ampliado capaz de incluir a territorialidade e as singularidades de cada um Em parte a construção do diagnóstico tanto impõe que se obtenha uma racionalidade geral de cada territorialidade quanto que se agreguem os frag mentos derivados dessas territorialidades colhidos em diversas perspectivas tanto do ponto de vista da clínica quanto na perspectiva epidemiológica ou da saúde pública por exemplo A forma de articulação desses fragmentos é a resultante das estratégias elaboradas pelas equipes territoriais conforme um diagnóstico situacional complexo Acúrcio Santos Ferreira 1998 Dessa maneira não há um modelo prefixado que determine a forma universal para todas as situações Apenas podese exemplificar de forma provisória e esque mática uma sequência de acontecimentos que a partir de uma territorialida de possibilitam as ações estratégicas Assim sugerimos o seguinte esquema a ser seguido Porta de entrada Nessa etapa são realizados o acolhimento e a avaliação clínica O aco lhimento visa primordialmente pela escuta à melhoria na qualidade da assis tência ao favorecer a relação usuáriotrabalhadorserviço e à ampliação das formas imediatas de intervenção individualizada As técnicas para o acolhimento variam de serviço para serviço mas devem estar centradas ao máximo no utente possibilitando o encaminhamento mais resolutivo da necessidade individual por meio de uma assistência acolhedora e humanizada Álccol e Outras DrogasBookFinalindb 144 09072014 110551 Critérios para o Diagnóstico de Dependência Química 145 Em geral o que se pretende no acolhimento é exatamente enfatizar a ne cessidade do próprio utente de participar de seu tratamento de maneira proati va e integral A emergência da territorialidadesujeito é diretamente proporcional à su balternidade da doença e aos aparatos médicobiológicos e psicológicos de ava liação e conduta que tradicionalmente objetificam a subjetividade fragmentan doa em pedaços aos quais correspondem as disciplinas e especialidades Essa fragmentação da subjetividade é proporcional à fragmentação do trabalho dos profissionais da saúde CostaRosa 2000 Contudo os maiores riscos são a negação da doença e a produção de sub diagnósticos Resgatar a territorialidadesujeito significa fazer emergir o víncu lo clínico e crítico entre acontecimentos e sentidos vitais e não simplesmente sobredeterminar o sentido em detrimento do acontecimento Acontecimento e sentido estão ligados de forma irredutível e produzir uma clínica do sujeito usando o termo como em Campos 1997 mas invertendo os polos de atenção do acontecimento doença para o sentido sujeito não significaria vantagem alguma em relação à clínica fragmentária dos modelos unicausais Os profissionais envolvidos no processo de acolhimento e avaliação clí nica são o psicólogo o assistente social e os cuidadores técnicos de enferma gem e conselheiro Para se evitar a ambulatorização da acolhida o médico psiquiatra ou generalista seria solicitado apenas para os casos de urgência emergência médica ou conforme demanda situacional Primeira fase diagnóstico Nessa fase de diagnóstico é realizada a coleta de elementos diagnósticos e aplicado um programa motivacional intensivo No exame do território são realizados uma coleta de dados que permita a identificação e a hierarquização dos problemas e um inventário dos recursos do território relacionados aos três níveis de atenção sanitária ou seja a preventiva a assistencial e a de promoção da qualidade de vida O diagnóstico situacional avaliação de facilitadores e dificultadores ao tratamento permite determinar a distribuição de um problema e suas causas para racionalizar o planejamento de seu controle ou mitificar seus agravos O conceito de diagnóstico situacional é proveniente das teorias sobre planeja mento estratégico situacional geralmente recomendado para equipes de saúde com atividades interdisciplinares e intersetoriais É um instrumento que permite Álccol e Outras DrogasBookFinalindb 145 09072014 110551 146 Álcool e outras Drogas DiÁlogos sobre um malestar contemporâneo a identificação descrição e análise de problemas atuais a hierarquização dos problemas por ordem de prioridade o planejamento conjunto de ações para a remissão total ou parcial desses problemas o acompanhamento dos processos o prognóstico e a avaliação dos resultados O planejamento das ações inclui a elaboração de planos de ação que vi sam essencialmente à reconstrução de horizontes vitais sedutores do ponto de vista do utente que possam substituir o prazer fácil das drogas Obviamente outras medidas mais simples devem ser observadas visando à construção de re des de apoio que ofereçam o máximo de impacto eficácia com um mínimo de custo eficiência assegurando que as necessidades imediatas do utente sejam supridas com os maiores benefícios Como última etapa dessa fase é aplicado um programa motivacional inten sivo cujo objetivo é estimular o tratamento e confeccionar um projeto terapêuti co individualizado territorializado Segunda fase tratamento Nessa fase de tratamento a primeira etapa é a implementação das ações na qual buscase aplicar a tática escolhida a mais apropriada para viabilizar na prática o que foi planejado anteriormente procurando motivar a participação ativa do utente Em seguida passase à aplicação do projeto terapêutico indivi dualizado mediante ações complexas interdisciplinares Terceira fase manutenção Essa fase de manutenção depende em parte da demanda do utente que pode requerer atenção continuada ou eventual conforme a situação Tratase de uma vigilância em saúde na qual há uma avaliação dos resulta dos das ações mediante o monitoramento dos objetivos alcançados pelo utente é justamente nesse momento em que surge a flexibilização da estratégia com a possibilidade de correções ou a construção de nova estratégia Instrumentoguia Atualizado e reatualizado constantemente durante o processo terapêutico de preenchimento multiprofissional os objetivos desse instrumentoguia são avaliar os componentes facilitadores e os dificultadores do tratamento a fim de Álccol e Outras DrogasBookFinalindb 146 09072014 110551 Critérios para o Diagnóstico de Dependência Química 147 se construir táticas de viabilização que favoreçam positivamente o prognóstico e de se obter dados para uma intervenção individualizada projeto terapêutico É constituído por sete tópicos discriminados a seguir Perfil psiquiátrico e psicológico Para o diagnóstico de fatores médicospsicológicos negativos dificultado res ao tratamento da dependência química tais como síndromes psiquiátricas psicóticas fóbicoansiosas epiléticas afetivas ou transtorno de personalidade Avaliação de possível comorbidade primária Motivação Avaliação da motivação para o tratamento Podese utilizar o clássico mode lo de Rollnick e Miller précontemplação contemplação determinação ação De acordo com a avaliação devese aplicar aconselhamento diretivo cen trado no utente com o objetivo de estimular motivar o trabalho para uma mudança do comportamento História do tipo de uso Tipo de drogacompulsão tipos de substâncias usadas droga de escolha ou CID10 F19 início de uso frequência de uso Grau de dependência Podese avaliar o grau de dependência utilizandose alguns critérios a es colher Como exemplo o questionário Clinical Institute Withdrawal Assesment for Alcohol CIWA para alcoolistas e o teste de Fagestrom para os casos de taba gismo Características do contexto social relativo à rede de apoio A rede de apoio pode ser inexistente pedese que seja citado o motivo se houver existente pedese que sejam citados quais os tipos e possível pede se que seja explicado O contexto de vida social pode ser facilitador ou não do tratamento de pendendo de determinados fatores tais como harmonia ou desagregação fami liar presença ou ausência de vínculo empregatício grau de envolvimento com o tráfico de drogas etc Dessa maneira pedese que tais indicadores sejam ava liados como importantes no projeto terapêutico imediato como também para as abordagens psicossociais disponíveis a posteriori Álccol e Outras DrogasBookFinalindb 147 09072014 110551 148 Álcool e outras Drogas DiÁlogos sobre um malestar contemporâneo Cultura de uso Se vinculado ao trabalho happy hour por exemplo ao tráfico ao sexo etc Problemas associados Encaminhamento judicial processos criminais prisões dívidas com tráfi co busca de refúgio etc Abordagem para redução de riscos e danos Durante o tratamento pode ser feito um treinamento psicoeducativo em situações de risco situações sociais geradoras de ansiedade e estresse etc Não se deve imaginar que a redução de danos seja como ideologicamente se acusa uma lógica que incite ao uso de drogas Pelo contrário essa estratégia baseiase em dados da realidade que vêm exatamente dos centros de tratamen to que privilegiam unicamente a abstinência total e que são incapazes em sua totalidade de atingir um índice de abstinência superior a 30 Ou seja 70 dos dependentes químicos ou se institucionalizam em situações de revolving door entrando e saindo num ciclo intermitente de internações não resolutivas ou são abandonados ou capturados pelos aparelhos de repressão situação que gera muita dor e sofrimento sobretudo pelo estigma da criminalização e que pode leválos até mesmo à morte Contudo não se deve acreditar que a redução de danos como política pública estabeleça para a assistência qualquer prescri ção que inviabilize estratégias que visem à abstinência Da mesma forma uma política de redução de danos não inviabilizaria sem ser contraditória qualquer abordagem racional que vise à proteção do utente como por exemplo uma internação de curta ou média permanência Enfim uma política de redução de danos é apenas indicativa para ações pú blicas flexíveis que minimizem as consequências das más relações com as drogas que as pessoas eventualmente produzem Tais relações hoje em dia derivam jus tamente da maneira como as drogas são tratadas pelas determinações do Estado Conclusão Um dos motivos para o fracasso dos tratamentos para a dependência quí mica é a dificuldade para a reconstituição por parte do próprio utente de uma Álccol e Outras DrogasBookFinalindb 148 09072014 110551 Critérios para o Diagnóstico de Dependência Química 149 rede de apoio social e familiar adequada em sua comunidade A capacidade de construção de um horizonte de vida que seja mais sedutor que o prazer fácil das drogas também é essencial Por isso a simples aquisição de um certo con trole sobre o comportamento compulsivo de uso de substâncias químicas que muitas pessoas confundem com redução de danos não significa a extinção do chamado problemadrogas na vida da maioria dos utentes Podese entender o problemadrogas de várias maneiras desde os conflitos intrapsíquicos provocados pelas perdas emocionais ou pelos problemas econô micos gerados por perdas materiais até as mazelas geradas pelo estigma pelos conflitos com a lei e a polícia pelas ligações com a criminalidade etc Em alguns casos o utente é real portador de comorbidade psiquiátrica pri mária e as dificuldades para o autorreconhecimento do problema o chamado juízo crítico da morbidade pode levar à recidiva do comportamento abusivo e ou patológico A clínica da problematização deve também levar em consideração ações preventivas para se evitar as condições de recidiva Observase então uma aber tura e uma flexibilidade do serviço com a finalidade de facilitar que o utente possa continuar recebendo suporte e cuidado de maneira que sua conduta ou comportamento se determine por um modo autônomo ético e racional Referências ACÚRCIO F A SANTOS M A FERREIRA S M G O planejamento local de serviços de saúde In MENDES E V Org A Organização da Saúde no Nível Local São Paulo Hucitec 1998 BELMONTE P História da Homossexualidade ciência e contraciência no Rio de Janeiro 19702000 2009 Tese de Doutorado Rio de Janeiro Fundação Oswaldo Cruz Casa de Oswaldo Cruz CAMARGO JR K R As armadilhas da concepção positiva de saúde Physis 171 6376 janabr 2007 CAMPOS G W S A Clínica do Sujeito por uma clínica reformulada e ampliada Campi nas Universidade Estadual de Campinas 1997 Mimeo CARLINI E A et al I Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil São Paulo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas da Universidade Federal de São Paulo CebridUnifesp Secretaria Nacional Antidrogas Senad 2001 Álccol e Outras DrogasBookFinalindb 149 09072014 110551 150 Álcool e outras Drogas DiÁlogos sobre um malestar contemporâneo COSTAROSA A O modo psicossocial um paradigma das práticas substitutivas ao modo asilar In AMARANTE P Org Ensaios subjetividade saúde mental sociedade Rio de Janeiro Editora Fiocruz 2000 DSMIV Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais Porto Alegre Artes Médicas 1995 FOUCAULT M A ética do cuidado de si como prática da liberdade In FOUCAULT M Ética Sexualidade e Política Rio de Janeiro Forense Universitária 2004 FRANCES A WIDIGER T FYER M R The influence of classification methods on co morbity In MASERJ D CLONINGER C R Orgs Comorbity of mood and anxiey disorders Washington D C American Psychiatry Press 1990 LEAVELL H CLARK E G Medicina Preventiva São Paulo McGrawHill do Brasil 1976 MATURANA R H VARELA F J Autopoiesis and Cognition the realization of the living Dordrecht D Reidel Publishing Company 1980 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE OMS Relatório sobre Saúde no Mundo saúde mental nova concepção nova esperança Genebra OMS 2001 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE OMS Relatório Mundial Organização Mundial da Saúde Genebra OMS 2003 ROTELLI F Onde está o Senhor In LANCETTI A Org Saúde e Loucura 3 São Paulo Hucitec 1991 UEXKÜLL J Dos Animais e dos Homens Lisboa Livros do Brasil sd WORLD HEALTH ORGANIZATION WHO The ICD10 Classification of Mental and Behav ioural Disorders clinical descriptions and diagnostic guidelines Geneva World Health Organization 1992 Álccol e Outras DrogasBookFinalindb 150 09072014 110551 Estudos de Psicologia DOI 10224911678466920170029 ISSN versão eletrônica 16784669 Acervo disponível em wwwscielobrepsic Estudos de Psicologia 223 julho a setembro de 2017 285292 285 Dependência química e fortalecimento psicossocial pelas práticas esportivas Marcelo Simões Mendes Universidade Paulista de Campinas Resumo A questão sobre o abuso de drogas tem manifestado a urgência por medidas que fomentem o tratamento sobre a mesma O presente relato de experiência profissional procurou apresentar uma proposta de intervenção em que a prática esportiva foi utilizada como importante instrumento no processo de tratamento para pessoas com dependência de álcool e outras drogas Foi percebido que a prática esportiva colaborou para o desenvolvimento dos recursos internos dos participantes atuando como medida para o fortalecimento psicossocial dos usuários por meio do desenvolvimento da autoestima perseverança disciplina superação dentre outros Palavraschave intervenção psicossocial reabilitação da droga esportes Abstract Chemical dependency and strengthening psychosocial by sports practices The question of drug use has shown the urgent need for measures to promote the treatment of this question This account of professional experience presented a proposal for intervention in which sports practice was used as an important tool in the treatment process for people with alcohol and others drugs It was noticed that the sports practice contributed to the development of the internal resources of the participants acting as a measure for the psychosocial strengthening of users through the development of selfesteem perseverance discipline overcoming among others Keywords psychosocial intervention drug rehabilitation sports Resumen Dependencia química y fortalecimiento psicosocial por prácticas deportivas La cuestión del uso de drogas ha demostrado la necesidad urgente de medidas para promover el tratamiento de la misma Este relato de la experiencia profesional trató de presentar una propuesta de intervención en que se utilizó la práctica del deporte como una herramienta importante en el proceso de tratamiento para las personas con dependencia del alcohol y otras drogas Se observó que la práctica deportiva ha contribuido al desarrollo de los recursos internos de los participantes que actúa como una medida para el fortalecimiento psicosocial de los usuarios a través del desarrollo de la autoestima la perseverancia la disciplina la superación entre otros Palabras clave intervención psicosocial rehabilitación de la drogadicción deportes 286 Dependência química e fortalecimento psicossocial pelas práticas esportivas Estudos de Psicologia 223 julho a setembro de 2017 285292 Segundo o relatório mundial sobre o uso de dro gas apresentado pela United Nations Office on Drugs and Crime UNODC 2015 há uma estimativa que 5 da população mundial com idade entre 15 e 64 anos utilizou drogas ilícitas em 2013 o que equivale há um total de 246 milhões de pessoas Deste total cerca de 27 milhões apresentaram um grau mais intenso de dependência química A questão da dependência química tem sido alvo de discussão em diversas áreas no campo da Saúde no Brasil mobilizando ações que não se reduzem a uma única área de conhecimento ou especialidade mas próprias de uma proposta de intersetorialidade tendo em vista a complexidade que envolve os problemas dessa natureza Devido à multiplicidade de olhares que convergem para esta discussão diversas têm sido as contribuições segundo a especialidade que trata dessa temática envolvendo ações que compreendem medi das de avaliação Kaup Merighi Tsunechiro 2001 Soares Jacobi 2000 a partir de modelos ampliados Galduróz 2001 inseridos por exemplo na concep ção biopsicossocial propostas de natureza profilática Monteiro Vargas Rebello 2003 identificando os fatores de vulnerabilidade que potencializam o acesso e o consumo de drogas assim como as medidas que se dirigem à implementação de programas de tratamento e reabilitação para usuários de substâncias psicoativas Em relação ao uso de álcool no Brasil o estudo de Galduróz e Caetano 2004 apresenta um levantamento populacional específico desse consumo em vários con textos No ensino fundamental e médio quatro estu dos investigaram o uso de álcool entre os estudantes em 10 capitais brasileiras nos anos de 1987 1989 1993 e 1997 Dentre os alunos que faziam uso pesado 20 vezes ou mais por mês em todas as capitais este per centual aumentou ao longo dos anos Já o estudo de Passos 2011 analisou as internações decorrentes do uso de substâncias psicoativas no Distrito Federal entre os anos de 2000 e 2009 Os resultados revelaram que o uso de álcool múltiplas drogas e cocaína entre adultos jovens do sexo masculino foram as principais causas de internação Especialmente em relação ao uso do crack no Brasil estas medidas têm tido um crescente reconheci mento devido principalmente às especificidades confe ridas a esta droga e pelo aumento significativo de usuá rios em diversas regiões do país Ainda que o consumo de crack possa ser considerado um fenômeno recente Ribeiro Laranjeira 2010 este tem despertado uma preocupação cada vez maior de profissionais da saúde e pesquisadores a partir do início deste século Kessler Pechansky 2008 Segundo Duailibi Ribeiro e Laranjeira 2008 o consumo de crack tem apresentado uma relação direta com a infecção pelo HIV Para estes autores isto se dá pelo grande número de parceiros dos usuários pela desproteção em relações sexuais e mesmo pela troca do sexo por crack No caso da violência Ribeiro e Laranjeira 2010 afirmam que este fator parece ter uma estreita relação com o consumo de crack espe cialmente quando relatam que a violência tem aumen tado em consonância com a elevação do consumo desta droga no Brasil De fato ficam evidentes os impactos e conse quências para a saúde das pessoas que fazem uso do álcool e outras drogas No entanto algumas medidas sejam essas de caráter profilático ou voltadas para a reabilitação tendem a colaborar para que mudanças ocorram neste cenário Em relação a uma destas medidas destacase o uso das práticas esportivas como instrumento no pro cesso de reabilitação para pessoas que possuem algum grau de dependência química A atividade física e o esporte têm demonstrado benefícios que se estendem para além da otimização das capacidades funcionais do organismo humano Além da atividade física e do esporte contribuírem para uma menor incidência de doenças crônicodegenerativas Carvalho et al 1996 estes por sua vez podem atuar também colaborando para a promoção da formação integral sujeito Sobre esta última incidência Di Pierro e Silva 2003 apontam o esporte como um meio de educa ção para a vida que pode contribuir para o desenvol vimento integral e crítico do cidadão No entanto os autores alertam que para este fim o esporte deve ser entendido para além da formação atléticatécni cotática e priorizar valores como cooperação a parti cipação a solidariedade e a criatividade das crianças e jovens pp 147 além de considerar estes jovens como participantes ativos desse processo pelo qual estão envolvidos Nesta perspectiva é possível encontrar estudos que têm discutido a questão do esporte enquanto ferra menta auxiliadora na formação educacional do sujeito Llamas e Suárez 2004 apontam alguns dos valores pessoais e sociais possíveis de serem desenvolvidos por M S Mendes 287 Estudos de Psicologia 223 julho a setembro de 2017 285292 meio do esporte a saber desejo de superação inte gração respeito ao próximo tolerância respeito às regras perseverança trabalho em equipe superação de limites disciplina pessoal responsabilidade coope ração honestidade lealdade entre outros Estes valo res podem ser associados direta ou indiretamente ao fortalecimento e manutenção da autoestima do sujeito além corroborar para a realização pessoal e formação integral do mesmo No aprofundamento dessa discussão tornase necessário ter cautela ao se estabelecer uma relação entre esporte e educação já que assim como indicam Freire Cárdenas Manzano e Enriquéz 2014 tal rela ção é polissêmica e pode ser desenvolvida de diferentes formas a partir das concepções ideológicas que envol vem os termos educação e esporte Nessa mesma linha de pensamento Romera 2013 alerta para a necessi dade de não se estabelecer uma relação simplista de que a prática esportiva por si só garante a imunidade para o uso e abuso de drogas Nessa perspectiva mais crítica e ampliada sobre as relações entre prática esportiva educação e uso de substâncias psicoativas poucos estudos têm tratado sobre tal temática especialmente quando se referem as discussões construídas a partir de um diálogo com a experiência aplicada no contexto da atenção psicosso cial e promoção da saúde mental Diante dessa exposi ção o presente estudo se propôs a relatar a experiência desenvolvida a partir de um trabalho que utilizou a prá tica esportiva como instrumento no processo de reabili tação junto a usuários que buscavam tratamento para a dependência química em um centro de atenção psicos social álcool e outras drogas CAPSAD Para tanto após a exposição do método serão apresentados na sessão de resultados e discussão uma breve caracterização do trabalho dos usuários e dos profissionais juntamente com algumas reflexões sobre como a prática esportiva foi percebida no desenvolvimento do referido trabalho com os usuários Método Caracterização da Prática O trabalho foi desenvolvido junto aos usuários que buscavam tratamento em uma unidade do CAPS AD1 de uma cidade de grande porte do interior pau lista As atividades aconteciam uma vez por semana e duravam entre uma e duas horas por encontro A modalidade esportiva que foi utilizada nos encontros foi o futebol por escolha dos usuários e estes encon tros foram desenvolvidos em um campo próximo à ins tituição As atividades com o futebol realizadas na ins tituição aconteciam desde 2007 Contudo o presente estudo se incumbiu de descrever o relato da experiência vivenciada pelo autor durante o ano de 2012 período em que o mesmo participou das atividades em questão Os usuários eram provenientes de diferentes rea lidades sociais desde moradores de rua até jovens de classe de média com uma proporção maior de pessoas com renda inferior a dois salários mínimos e muitos deles apenas com trabalhos informais Quanto à tipo logia das drogas utilizadas os usuários buscavam tra tamento principalmente para a dependência de álcool cocaína e crack Todos os participantes eram do sexo masculino e devido à alta rotatividade de usuários na instituição é difícil apresentar um número exato sobre quantos participaram das atividades no referido período Entretanto é possível afirmar que havia pelo menos 15 usuários em cada encontro Todos os partici pantes eram do sexo masculino O grupo de profissionais responsáveis pela con dução das atividades era composto por dois psicólogos um enfermeiro um profissional de Educação Física dois estagiários de enfermagem e dois de psicologia Registro dos Dados Durante o ano de 2012 os dados referentes às observações e a experiência vivenciada eram registrados semanalmente logo após o término da prática do futebol Ao final desse período o autor construiu um relatório segundo o qual continha registrado todas as observações assim como uma análise de toda a experiência desenvol vida nesse período à luz da literatura conveniente com os fenômenos observados Parte desse material foi utilizado para a construção do presente estudo Cuidados Éticos na Exposição dos Dados A partir das considerações da resolução 4662012 que apresenta as diretrizes e normas regulamentado ras de pesquisas envolvendo seres humanos o pre sente relato de experiência considerou ser necessário estar apoiado nessas diretrizes especialmente no que se refere à exposição dos dados Especificamente tal exposição foi cuidadosamente construída de maneira a assegurar a confidencialidade e a privacidade dos par ticipantes envolvidos garantindo a não utilização das informações em prejuízo dos mesmos 288 Dependência química e fortalecimento psicossocial pelas práticas esportivas Estudos de Psicologia 223 julho a setembro de 2017 285292 Resultados e discussão A Dependência Química e a Exclusão Social como Fator de Vulnerabilidade Não apenas nos encontros das atividades com o futebol mas assim como em outras oportunidades de contato com usuários rodas de conversa conversas individuais estes por sua vez relataram o quanto a dependência química propiciou para que se sentissem excluídos de muitas esferas sociais Muitos perderam o contato com suas famílias e outros perderam seus empregos Este cenário foi percebido como um estado de significativa vulnerabilidade social Sob a ótica da exclusão social compreendese que este fenômeno é complexo e multifacetado e que envolvem dimensões materiais políticas relacionais e subjetivas Sawaia 2013a A autora conceitua a exclu são não como um estado mas como um processo que não apresenta uma única forma pois do ponto de vista da dialética este expressa um processo perverso que vai além de uma falha do sistema sendo portanto pro duto do funcionamento do sistema Ainda se tratando da questão da exclusão social Sawaia 2013b trata este processo a partir do conceito de sofrimento éticopolítico Baseada em alguns auto res como Heller Espinosa e Vigotsky a autora discorre que o sofrimento se diferencia da dor uma vez que a dor é definida como algo próprio da vida humana sendo assim inevitável Já o sofrimento é considerado como a dor mediada pelas injustiças sociais Sawaia 2013b Sob esta distinção o sofrimento está atrelado aos afetos e significados enunciados pela organização social sendo próprios e distintos segundo cada momento histórico A título de exemplificação a culpa e a vergonha são apre sentados em dado momento histórico como sentimen tos ligado à moral capazes de instituir e manter a ordem social excludente Heller citado por Sawaia 2013b Tal ordem excludente permeia o imaginário social contribuindo para que usuários de drogas se sin tam culpados e envergonhados por suas dependências MarquesTeixeira 2001 A culpa e a vergonha também são sentimentos experenciados pelos familiares dos usuários de drogas Siqueira et al 2012 fazendo com que tais sentimentos tendam a fomentar para que os mesmos se sintam cada vez mais sem direito a par ticipar de alguns contextos sociais Contudo a prática esportiva vem a contribuir em um sentido contrário às características de exclusão que este contexto pode provocar A próxima sessão tratará de expor com mais detalhes os benefícios desta prática Empowerment e Prática Esportiva Mecanismo de Proteção Frente aos Fatores de Risco Como apontado anteriormente o esporte teve um papel colaborativo não apenas em relação enfren tamento da exclusão social como também a outros fato res de risco O vínculo com o grupo o sentimento de cooperação de ajuda mútua e de unidade grupal pro porcionados pela prática esportiva foram percebidos como importantes mecanismos de proteção frente ao cenário de exclusão social percebidos neste contexto Como indicado por Llamas e Suárez 2004 estes e outros valores sociais proporcionados pelo desenvol vimento das práticas esportivas podem colaborar ao fortalecimento e manutenção da autoestima do sujeito assim como por sua realização pessoal Sendo assim a prática esportiva especialmente voltada ao contexto da drogadição tende a repercutir para o fortalecimento psicossocial de seus praticantes empoderando2estes usuários frente aos desafios e fatores de risco que mui tas vezes são inerentes às suas condições A título de exemplificação com o desenvolvimento de recursos de internos para o enfrentamento de recaídas e reutiliza ção de drogas Contudo os benefícios desta transformação do sujeito podem se estender não apenas para a proteção do usuário frente aos fatores de risco específicos ao contexto da dependência química mas na possibilidade de ampliar seu repertório de atuação nos ambientes sociais onde participa especialmente por meio de um posicionamento crítico nestes ambientes Ainda que esta proposta de transformação do sujeito possa se apresentar como um ideal norteador para as práticas interventivas é cabível apontar que as transformações em situações de vulnerabilidade são complexas e não podem ser entendidas apenas e exclusivamente sob a perspectiva do sujeito sem con siderar sua interação com o meio social em uma rela ção dialética e sóciohistórica Na perspectiva de Lane 2006 compreender o sujeito a partir dessa concepção significa superar a dicotomia indivíduogrupo já que o contexto social é anterior a existência do sujeito e com preender o mesmo separada de seu contexto pode sig nificar lançar mão de uma compreensão reducionista e por vezes equivocada Sendo assim o sujeito não é apenas produto das determinações exteriores e inte riores a si Mailhiot 2013 e necessita ser entendido a partir de sua relação dialética com o contexto social como produto e produtor tanto de sua história indivi dual quanto coletiva Lane 2006 M S Mendes 289 Estudos de Psicologia 223 julho a setembro de 2017 285292 Nesta perspectiva as intervenções direciona das às populações em vulnerabilidade social suscitam transformações deste contexto a partir da ação dos próprios integrantes com a comunidade pela qual estão inseridos Por este motivo intervenções desta natureza adquirem maior consistência quando apoiadas entre outros no conceito denominado empowerment Há uma discussão e preocupação na literatura a respeito do uso deste conceito em programas de pro moção da saúde Uma destas preocupações se deve ao fato da compreensão equivocada deste conceito princi palmente devido à complexidade implícita na concep ção de empowerment Segundo Carvalho 2004a a complexidade para o entendimento do conceito empowerment está asso ciada ao fato deste possuir raízes em vários campos de conhecimento No exercício da tradução do empower ment para os idiomas português e espanhol este tem se assumido como sinônimo de empoderamento apoderamento e emancipación O termo empode ramento não existe na língua portuguesa e já o termo apoderamento é sinônimo de dar posse apossarse conquistar Já as definições relacionadas ao verbo emancipar significam tornar livre independente Carvalho 2004a Ainda que o termo empowerment possa assumir múltiplos sentidos Carvalho 2004a aponta a necessi dade de compreensão deste conceito a partir de respos tas frente a questões aplicadas a este como O que está por trás desta categoria Qual teoria sobre poder este conceito se apoia Processos de empowerment devem se direcionar para mudanças individuais ou coletivas Qual a relação entre empowerment e a comunidade A partir destas e outras questões este autor reflete sobre duas concepções distintas sobre a categoria empower ment no ideário da Promoção à Saúde a concepção psicológica e a comunitária Segundo Carvalho 2004a 2004b o empower ment psicológico pode ser definido como o sentimento de maior controle sobre a própria vida que sujeitos venham a apresentar por meio do pertencimento a dife rentes grupos Sob esta concepção deriva a formulação de estratégias que visam à promoção deste sujeito com o intuito de fortalecer sua autoestima sua capacidade de adaptação ao meio e o desenvolvimento de meca nismos de autoajuda e solidariedade A figura do indiví duo sob o enfoque psicológico do empowerment reflete uma pessoa comedida independente autoconfiante e que seja capaz de influenciar o seu meio e atuar de acordo com os princípios de justiça e equilíbrio Rigger citado por Carvalho 2004b O empowerment comunitário trabalha com a noção de poder como um recurso material e nãoma terial distribuído de maneira desigual na sociedade Desta maneira esta estratégia defende uma postura ativa frente às determinações macro e microssociais de desigualdade social atuando assim como um pro cesso de redistribuição do poder nas esferas pessoais intersubjetivas e políticas O empowerment comunitário suscita a elaboração de estratégias que visem à promo ção de indivíduos e coletivos para que possam definir analisar e atuar sobre seus próprios problemas e sobre sua própria realidade Carvalho 2004a 2004b Aliado ao contexto da exclusão social outros fatores de risco foram percebidos durante o desenvol vimento das atividades A depressão a ansiedade a angústia e o declínio da autoestima também estiveram presentes dentre o relato dos usuários durante conver sas ao longo do período em contato com os mesmos Sendo assim o empowerment seja ele psicológico ou comunitário pode se apresentar como um importante instrumento pelo fato auxiliar o sujeito para lidar com estes fatores de risco de maneira mais construtiva e positiva uma vez que o considera como sujeito ativo em seu processo de promoção da saúde Ao final dessa experiência foi percebido um cres cente entusiasmo da maioria dos usuários pela prática esportiva Esse entusiasmo também esteve associado às mudanças corporais proporcionadas pela prática do futebol Alguns usuários disseram se sentir mais satis feitos com sua imagem corporal devido à perda de peso proporcionado pela prática esportiva e outros relata ram estarem mais dispostos e confiantes para a prática sexualafetiva junto às suas parceiras Conforme indicado por alguns estudos Marques Teixeira 2001 a dependência química pode gerar junto aos usuários sentimentos de culpa vergonha e incapa cidade frente à dependência Tais sentimentos podem acarretar em profundos prejuízos para constituição afetiva do sujeito fazendo com que muitas vezes esse indivíduo se sinta inseguro e fragilizado para poder par ticipar de muitos espaços sociais e de construir novos relacionamentos Como identificado na experiência com o futebol os usuários relataram o quanto se sentiram mais dispos tos e confiantes para a busca de relacionamentos afeti vos Ao estender a compreensão sobre o alcance desse resultado tornase necessário destacar a importância 290 Dependência química e fortalecimento psicossocial pelas práticas esportivas Estudos de Psicologia 223 julho a setembro de 2017 285292 desse aspecto dentro de um processo amplo e com plexo que é o da reabilitação psicossocial Frente aos fatores de risco que permeiam o contexto da droga dição risco de reincidência tristeza culpa vergonha entre outros o empoderamento de se sentir mais confiantes para a busca de novos relacionamentos e de outras fontes de prazer tendo em vista que a prá tica esportiva libera endorfina hormônio responsável pela sensação de prazer e bemestar pode funcionar como um importante fator de proteção Concomitante a esse aspecto o entusiasmo e a confiança podem atuar como um aspecto propulsor para maior engajamento no processo de reabilitação assim como contribuir para que os usuários se sintam mais fortalecidos para recu sar a reincidência no uso de drogas especialmente em momentos de vulnerabilidade Partindo do pressuposto de que a atenção psi cossocial e a promoção da saúde mental do sujeito que perpassa pela experiência da dependência química é um processo dinâmico e multifacetado carregada por muitas nuances e particularidades é necessário consi derar que as ações desenvolvidas em qualquer instância ou momento desse processo não podem ser concebi das e desenvolvidas de maneira pontual eou isolada Dessa maneira a potencialidade percebida pela prática esportiva desenvolvida por usuários do CAPSAD deve estar circunscrita em um planejamento ampliado que integre essas ações com outras que possam dar pros seguimento no processo de reabilitação do sujeito cor rendose o risco de minimizar o alcance das mesmas caso esse aspecto seja negligenciado Evidentemente que desenvolver tal planeja mento implica dentre outras questões em considerar processos de avaliação para que mais elementos pos sam ser instituídos de maneira mais eficaz dentro de uma leitura mais abrangente da reabilitação psicosso cial Contudo ainda que os modelos de avaliação sobre os efeitos da prática esportiva possam ter evoluído nas últimas décadas durante a experiência relatada no pre sente estudo não foram aplicados teste algum para veri ficar a influência dos efeitos da prática esportiva sobre os parâmetros que compõem a saúde dos usuários Tal limitação se configura em um dado significativo no que se refere em como a prática esportiva em um contexto específico como o da dependência química implica em uma formação específica por parte dos profissionais da saúde em especial do Educador Físico já que o uso de drogas ou mesmo de medicamentos podem compro meter o desenvolvimento físico e motor dos usuários fazendo com que a orientação para esse público seja cuidadosamente planejada Outro resultado significativo percebido durante esta experiência referese ao estreitamento e fortale cimento do vínculo tanto entre os participantes quanto entre os profissionais da saúde e os participantes Este estreitamento no relacionamento entre os usuários e profissionais da saúde foi compreendido como sendo de relevante importância pois se estenderam para outras atividades entre os mesmos na instituição como em uma maior participação nas rodas de conversas e na receptividade e aderência ao tratamento medicamen toso por parte dos usuários Sabese que a construção do vínculo em suas múltiplas interfaces usuárioprofissional usuáriou suário usuário família está estreitamente associado ao desenvolvimento de muitos aspectos na promo ção da saúde mental de usuários em tratamento por dependência química Nesse sentido percebeuse que o estreitamente dos vínculos desenvolvidos na prática do futebol poderia ter efeitos não apenas para o desen volvimento das relações institucionais estabelecidas no CAPSAD durante essa experiência mas também para outros contextos além da instituição Contudo esse não foi um fato constatado pelos profissionais durante essa experiência o que mais uma vez evidencia a necessi dade de se ampliar as ferramentas de avaliação dentro das atividades desenvolvidas no CAPSAD Por fim uma última contribuição percebida durante a experiência em questão se refere à questão sobre como as atividades desenvolvidas com o futebol aproximaram entre si os profissionais da instituição já que geralmente todos os profissionais participavam da prática esportiva junto com os usuários Entendese que o estreitamento do vínculo entre os próprios profissio nais da instituição também é um fator significativo a ser considerado já que pode refletir direta eou indireta mente nas questões relacionadas com a atenção psicos social e a promoção da saúde mental dos usuários do CAPSAD Considerações finais A dependência química tem se apresentado como grave problema no campo da promoção da saúde no Brasil Tal problema não se restringe as consequên cias que o uso de algumas substâncias pode provocar ao plano biológico A problemática é complexa e está arti culada as esferas psicológica social e cultural podendo implicar na acentuação da violência e das desigualdades M S Mendes 291 Estudos de Psicologia 223 julho a setembro de 2017 285292 sociais e econômicas uma vez que esta problemática muitas vezes gera efeitos em cadeia potencializando ainda mais as condições as condições de vulnerabili dade do sujeito frente as possibilidades transformação no contexto onde vive e participa O presente estudo com todas as limitações cabí veis procurou apresentar o relato de uma experiência profissional que utilizou o esporte como instrumento de fortalecimento psicossocial para usuários que buscaram tratamento para a dependência química Tal fortaleci mento se deu por meio do desenvolvimento dos valores pessoais e sociais inerentes a prática esportiva Refletir sobre o desenvolvimento destes valores pessoais e sociais por meio do esporte proporcionou deduzir medidas ao menos em duas frentes A pri meira se designa ao caráter profilático frente ao uso de drogas ou da reincidência do uso potencializando os recursos internos do sujeito e funcionando assim como mecanismo de proteção Outra frente pode ser apontada pela apropriação de tais valores como a per severança respeito ao próximo e desejo de superação e assim repercutindo para o direcionamento do trata mento para sujeitos que já fazem uso de drogas e são portanto usuários Sendo assim estas são propostas que não se encerram nesta discussão especialmente pelo fato de que a presente experiência se limitou a um grupo local com poucos participantes Pelo contrário pensar na interlocução da prática esportiva e o enfrentamento da problemática do uso de drogas requerem inferências de diversas áreas e segmentos A ampliação desta rela ção pode ganhar importantes contribuições mediante o aprofundamento que tal temática necessita e possibilita para o conjunto de ações a respeito da questão do uso de drogas Como direcionamento futuro seria importante que mais pesquisas em outras realidades possam ser desenvolvidas nesta área especialmente pela escassez de material científico específico na mesma A produção de material científico especializado poderá contribuir não apenas para o desenvolvimento acadêmico mas também proporcionar um suporte com mais consistên cia na formação de profissionais que trabalham cotidia namente neste contexto Referências Carvalho S R 2004a As contradições da promoção à saúde em rela ção à produção de sujeitos e a mudança social Ciência Saúde Coletiva 93 669678 doi 101590S141381232004000300018 Carvalho S R 2004b Os múltiplos sentidos da categoria empower ment no Projeto de Promoção à Saúde Cadernos de Saúde Pública 204 10881095 doi 101590S0102311X2004000400024 Carvalho T Nóbrega C L Lazzoli J K Magni J R T Rezende L Drummond F A Teixeira J A C 1996 Posição oficial da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte atividade física e saúde Revista Brasileira de Medicina do Esporte 24 7981 Recuperado de httpcevorgbrarquivobiblioteca4035532pdf Di Pierro C Silva F S 2003 Primeiro tempo do terceiro setor Projeto Social In K Rubio Org Psicologia do esporte teoria e prática pp 139154 São Paulo Casa do Psicólogo Duailibi L B Ribeiro M Laranjeira R 2008 Profile of cocaine and crack users in Brazil Cadernos de Saúde Pública 24supl 4 545557 doi 101590S0102311X2008001600007 Freire I A Cárdenas R N Manzano L A Enriquéz A R 2014 As faces do esporte na formação de valores EFDeportescom Revista Digital 19192 Recuperado de httpwwwefdeportes comefd192asfacesdoesportenaformacaodevaloreshtm Galduróz J C F 2001 Uso e abuso de drogas psicotrópicas no Brasil Revista IMESC 3 3742 Recuperado de httpwwwimesc spgovbrpdfartigo2022020USO20E20ABUSO20 DE20DROGAS20PSICOTRC393PICAS20NO20 BRASILpdf Galduróz J C F Caetano R 2004 Epidemiologia do uso de álcool no Brasil Revista Brasileira de Psiquiatria 26supl I 36 doi 101590S151644462004000500002 Kaup Merighi Tsunechiro 2001 Avaliação do Consumo de Bebida Alcoólica Durante a Gravidez Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia 239 575580 Kessler F Pechansky F 2008 Uma visão psiquiátrica sobre o fenô meno do crack na atualidade Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul 302 9698 doi 101590S010181082008000300003 Lane S T M 2006 O que é Psicologia Social Coleção Primeiros Passos 22ª ed São Paulo Brasiliense Llamas G R Suárez D C 2004 Los valores en el deporte Revista de Educación Educación y Deporte Madrid 335 920 Recuperado de httpwwwoeieshistoriconoticiasspip phparticle683 Mailhiot G B 2013 Dinâmica e gênese dos grupos atualidades das descobertas de Kurt Lewin Petrópolis Vozes MarquesTeixeira J 2001 Drogas e emoções Saúde Mental Revista 34 1931 Monteiro S S Vargas E P Rebello S M 2003 Educação pre venção e drogas resultados e desdobramentos da avaliação de um jogo educativo Educação Sociedade 2483 659678 doi 101590S010173302003000200018 Passos C B C 2011 Internações decorrentes do uso de substân cias psicoativas no Distrito Federal entre os Anos de 2000 e 2009 Dissertação de Mestrado Recuperado de httpwwwcpqamfio cruzbrbibpdf2011passoscbcpdf Resolução n 466 de 12 de dezembro de 2012 2012 12 de dezem bro Aprova diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos Diário Oficial da União seção 1 Ribeiro M Laranjeira R 2010 O tratamento do usuário do Crack São Paulo Casa Leitura Médica 292 Dependência química e fortalecimento psicossocial pelas práticas esportivas Estudos de Psicologia 223 julho a setembro de 2017 285292 Romera L A 2013 Esporte lazer e prevenção ao uso de drogas dos discursos equivocados aos caminhos possíveis Licere 164 119 Recuperado de httpsseerufmgbrindexphplicerearticle view400 Sawaia B 2013a Introdução exclusão ou inclusão perversa In B Sawaia Org As artimanhas da exclusão análise psicossocial e ética da desigualdade social 13ª ed pp 713 Petrópolis Vozes Sawaia B 2013b O sofrimento éticopolítico como categoria de análise da dialética exclusãoinclusão In B Sawaia Org As Artimanhas da exclusão análise psicossocial e ética da desigual dade social 13ª ed pp 99119 Petrópolis Vozes Siqueira D F Moreschi C Backes D S Lunardi V L Lunardi Filho W D Dalcin C B 2012 Repercussões do uso de crack no coti diano familiar Cogitare Enfermagem 172 248254 doi 105380 cev17i223518 Soares C B Jacobi P R 2000 Adolescentes drogas e AIDS avaliação de um programa de prevenção esco lar Cadernos de Pesquisa 109 213237 doi 101590 S010015742000000100010 United Nations Office on Drugs and Crime 2015 World Drug Report 2015 Recuperado de httpwwwunodcorgdocumentswdr2015 WorldDrugReport2015pdf 1 Centro de Atenção Psicossocial que oferece serviços especializados para tratamento de usuários com dependência química de álcool e outras drogas 2 O termo empoderamento e seus derivados não existem na gramática da língua portuguesa Contudo a utilização deste termo está apoiada em sua denominação original na língua inglesa empowerment como será explicado posteriormente Marcelo Simões Mendes Doutor em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual de Campinas UNICAMP é Professor do curso de Psicologia da Universidade Paulista de Campinas UNIP Endereço para correspondência Av Comendador Enzo Ferrari 280 Swift Campinas SP CEP 13045770 Telefone para contato 19 37764000 Fax 19 37764016 Email msmendesyahoocombr Recebido em 05Fev16 Revisado em 23Mai17 Aceito em 08Ago17 Portal dos Psicólogos ISSN 16466977 Documento publicado em 08062020 Kristine Kelly de Albuquerque Fabiana Josefa do Nascimento Sousa Thays Torres Cavalcante 1 SÓ QUEM PASSA É QUE SABE UM ENFOQUE ÀS RELAÇÕES FAMILIARES NO CENÁRIO DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA Trabalho de bacharelado no âmbito da disciplina de Psicopatologia 2019 Kristine Kelly de Albuquerque Bacharel em Psicologia pelo Centro Universitário do Vale do Ipojuca em 2017 Brasil kristinepsicologiagmailcom Fabiana Josefa do Nascimento Sousa Mestra em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento pela Universidade Federal de Pernambuco em 2008 Brasil fsousa2unifavipedubr Thays Torres Cavalcante Bacharel em Psicologia pelo Centro Universitário do Vale do Ipojuca em 2017 Brasil thays208hotmailcom RESUMO O ser humano influencia e é influenciado por diversas esferas a exemplo o meio social econômico subjetivo sistêmico entre outros As famílias se constituem enquanto grupo primário de inserção social do sujeito No cenário da dependência química a família é o primeiro e principal sistema afetado quando um sujeito nele se insere acarretando em consequências prejudiciais para a saúde e as relações dentre os membros O presente artigo pretende descrever a importância da participação familiar neste contexto a partir de revisão bibliográfica e apresentar os cenários das relações familiares antes e depois deste fenômeno realizando para tal uma leitura crítica e interpretativa do material encontrado sobre o tema Os resultados apontam que a dinâmica relacional familiar afeta e é afetada reciprocamente pela dependência química mas também que aquela pode ser um fator desencadeante para seu desenvolvimento Ainda foi percebido que os sentimentos experienciados por usuários e familiares são semelhantes ou iguais Palavraschave Relações familiares dependência química famílias Portal dos Psicólogos ISSN 16466977 Documento publicado em 08062020 Kristine Kelly de Albuquerque Fabiana Josefa do Nascimento Sousa Thays Torres Cavalcante 2 Copyright 2020 This work is licensed under the Creative Commons Attribution International License 40 httpscreativecommonsorglicensesbyncnd40 INTRODUÇÃO A virtude é quando se tem a dor seguida do prazer o vício é quando se tem o prazer seguido da dor Margaret Mead 1986 O presente estudo tem por objetivo geral descrever a importância da participação das famílias nos cenários de dependência química e por objetivo específico apresentar os cenários das relações familiares antes e depois deste fenômeno As reflexões foram baseadas em revisão bibliográfica de banco de dados e literatura de referência sobre o tema determinando a inclusão dos textos a partir da convergência com o tema que seria proposto pelas autoras Foram buscados textos online disponíveis na íntegra referenciando às relações familiares eou à dinâmica familiar e as repercussões da dependência química nesse contexto bem como se recorreu ao acervo físico da biblioteca da instituição de origem das autoras Os critérios utilizados para a exclusão dos textos foram não adequação da temática específica proposta e textos envolvendo grupos específicos como crianças adolescentes e pessoas em tratamento da dependência química devido às especificidades destes grupos Realizouse a leitura dos resumos dos trabalhos encontrados seguindo com a elaboração de fichamento dos materiais que atenderam aos critérios de inclusão Procederamse à análise comparação e avaliação do material levantado quanto à sua contribuição para o objetivo deste estudo A discussão dos temas que serão retratados será motivada por uma leitura crítica e interpretativa ensejando a construção de diálogos criativos e multidisciplinares para o enriquecimento dos saberes acadêmicos e profissionais A dependência química será tratada aqui pela atualidade e complexidade do tema que vem ganhando amplitude na sociedade e nos espaços de discussão de academias e distintas áreas profissionais devido ao reconhecimento de que este fenômeno se apresenta como um problema de saúde pública Suas repercussões afetam padrões difusos na vida dos sujeitos usuários bem como Portal dos Psicólogos ISSN 16466977 Documento publicado em 08062020 Kristine Kelly de Albuquerque Fabiana Josefa do Nascimento Sousa Thays Torres Cavalcante 3 na de seus familiares sendo a família o primeiro grupo social do indivíduo e também o primeiro a ser afetado nestas situações Entendese que as famílias podem se constituir como fator de risco eou de proteção para os seus membros afetando os modos de ser saudáveis ou não do sujeito Na contramão a família pode estabelecer modos de funcionalidade saudáveis ou não a partir da dinâmica relacional que os membros estabelecem entre si Assim a dependência química pode se instalar como uma característica necessária à família naquele momento para reformular a dinâmica desta ou pode surgir como uma necessidade do indivíduo para diferenciarse dos padrões da família Os modos estruturados nessa dinâmica relacional entre dependentes químicos e seus familiares é o objeto deste estudo AS VARIÁVEIS DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA A interação entre as drogas e o homem acompanha a própria história da humanidade passando por transformações quanto aos seus significados Como expõe Orth e Moré 2008 seu uso passou lentamente do caráter ritualístico com finalidade de transcendência na antiguidade ao consumo na atualidade pela busca de prazer alívio imediato de desconforto físico psíquico ou de pressão social estando presente em todas as classes sociais p 294 As drogas são substâncias que provocam alterações nas funções biológicas de nosso corpo e com o uso contínuo e frequente também ocasiona modificações em sua estrutura Drogas Psicoativas são substâncias que alteram o comportamento o humor e a cognição do indivíduo isto é afeta o Sistema Nervoso Central produzindo efeitos psíquicos e comportamentais Já as Drogas Psicotrópicas também atuam no Sistema Nervoso Central e modificam uma ou várias de suas funções no entanto elas agem nas chamadas áreas de recompensa do cérebro onde o sujeito utiliza as para obter prazer Estas não são sancionadas pela medicina são as drogas ilícitas ou ilegais Carlini Nappo Galduróz Noto 2001 Outra classificação das drogas comumente utilizada é a desenvolvida pelo pesquisador francês Chalout que as dividiu em três grandes grupos depressoras estimulantes e perturbadoras Carlini et al 2001 Os referidos autores destacam ainda as ações específicas que caracterizam cada um desses grupos As drogas depressoras atuam causando uma lentificação ou redução das atividades do Sistema Nervoso Central As drogas estimulantes provocam a estimulação ou aceleração das funções do SNC As drogas perturbadoras agem no aspecto qualitativo do funcionamento do SNC isto é produzem condições mentais que não são próprias do SNC tais como alucinações e delírios Portal dos Psicólogos ISSN 16466977 Documento publicado em 08062020 Kristine Kelly de Albuquerque Fabiana Josefa do Nascimento Sousa Thays Torres Cavalcante 4 Além disso é importante salientar que as características químicas das drogas não são as únicas responsáveis pelas modificações que ocorrem no corpo e na mente do indivíduo A interação SujeitoContextoDroga é essencial para a compreensão deste fenômeno como cita a Secretaria Nacional Antidrogas SENAD 2001 As alterações causadas por essas substâncias variam de acordo com as características da pessoa que as usa qual droga é utilizada e em que quantidade o efeito que se espera da droga e as circunstâncias em que é consumida p 8 Assim variáveis como a motivação para o uso o grau de estabilidade emocional e vulnerabilidade as características sociohistóricas culturais e econômicas e as propriedades químicas da droga bem como o tipo a quantidade e o efeito esperado são indispensáveis ao se pensar nesse assunto Cabe aqui uma breve reflexão em relação aos modos de se relacionar com as drogas em nossa sociedade SENAD 2001 Três fatores se enlaçam nessa reflexão a as drogas podem mudar o que sentimos Isto pode ser considerado um atrativo na medida em que as pessoas recorrem a distintas substâncias para aliviar seus sofrimentos Somase a isso o ideal da felicidade presente em nossa cultura onde qualquer tristeza deve ser evitada b o modelo de felicidade ligado ao consumismo A crença de que se pode comprar a felicidade está atrelada ao padrão de uso das drogas pois os usuários associam as drogas ao prazer imediato que ela propicia mas não têm em mente que a felicidade a qualquer preço pode cobrar um valor muito alto no futuro c as indústrias das drogas lícitas e a publicidade A tolerância às drogas lícitas na sociedade e o incentivo ao consumo através da publicidade somamse à indiferença quanto aos seus efeitos e ainda que tenham consciência destes as consomem porque é aceitável Mais uma questão que merece importância para o entendimento deste fenômeno são os casos de uso abuso e dependência de drogas Há uma certa confusão na sociedade acerca da diferenciação de tais termos principalmente quando se trata de drogas lícitas Deste modo por exemplo temse a tendência de achar que substâncias como o álcool já que são legalizadas não são tão problemáticas e prejudiciais quanto as drogas ilegais o que é um engano Assim observamos que na nossa cultura somos demasiadamente tolerantes com relação às drogas legalizadas álcool medicamentos fumo etc SENAD 2001 p 13 O uso experimental feito por curiosidade e o uso ocasional realizado de maneira esporádica geralmente não trazem consequências danosas SENAD 2001 O abuso acontece quando há uso recorrente ou contínuo de uma substância psicoativa uso este que é lesivo ou mal adaptativo levando a prejuízos ou sofrimento clinicamente significativos Tal uso produz prejuízos ao sujeito em sua vida O uso nocivo é mais restrito e vai além da noção de abuso pois referese a um padrão de uso que causa dano à saúde física ou mental do sujeito Dalgalarrondo 2008 pp 344345 Portal dos Psicólogos ISSN 16466977 Documento publicado em 08062020 Kristine Kelly de Albuquerque Fabiana Josefa do Nascimento Sousa Thays Torres Cavalcante 5 Assim sendo a dependência instalase apenas quando o sujeito não consegue controlar o impulso de usar a droga levando ao uso contínuo e frequente desta para se obter prazer SENAD 2001 Aqui há algumas características próprias como efeitos físicos e psicológicos decorrentes do uso presença de fissura desejo intenso de usar a droga tolerância o organismo acostuma se com a droga necessitando de quantidades cada vez maiores para sentir seu efeito e síndrome de abstinência sinais e sintomas que surgem após a redução ou interrupção do uso quando o consumo era sucessivo e repetido além do envolvimento afetivo com a droga onde o sujeito restringe seus interesses à obtenção e consumo da substância abandonando outras atividades de sua vida Dalgalarrondo 2008 Por se tratar de um fenômeno multifatorial de causas biopsicossociais a dependência química precisa ser discutida a partir das suas múltiplas dimensões No entanto neste estudo o foco será mantido em torno da família e das suas interrelações pois a família é o primeiro e principal sistema afetado quando um dos membros familiares passa a fazer uso de drogas lícitas eou ilícitas Maciel Zerbetto Filizola Dupas Ferreira 2013 p 188 E as famílias Refletindo sobre as influências e repercussões A família é considerada a base da sociedade pois é o primeiro grupo em que o sujeito se insere e é onde se aprende os valores básicos necessários à vida em coletividade As famílias são responsáveis pelo desenvolvimento físico e psíquico integral de seus membros e constituise no primeiro grupo de mediação do indivíduo com a sociedade ocorrendo aí os aprendizados sobre os costumes da cultura onde se insere Ainda conforme as produções históricas e o desenvolvimento das famílias estas adquiriram a função de procriação e educação de seus membros preparandoos para a posterior participação social enquanto cidadão Bock Furtado Teixeira 1999 Segundo Bock et al 1999 a família possui dois papeis fundamentais tem uma função social a de educar as novas gerações segundo padrões dominantes e hegemônicos de valores e de condutas p 249 e produtora de subjetividade pois a dinâmica familiar acaba por moldar as identidades e a personalidade do sujeito seja para igualarse ou diferenciarse dos demais membros Assim a família se configura em um sistema holístico onde seus membros elaboram uma dinâmica relacional objetivando a estabilidade familiar Maciel et al 2013 No cenário da dependência química a família pode se constituir em fator de risco eou de proteção para os seus membros Paz e Colossi 2013 reportam a esses fatores Portal dos Psicólogos ISSN 16466977 Documento publicado em 08062020 Kristine Kelly de Albuquerque Fabiana Josefa do Nascimento Sousa Thays Torres Cavalcante 6 Uma família acolhedora com limites definidos comunicação adequada promotora de afeto e proteção se apresenta como fator de proteção ao uso de drogas ao contrário uma família com distanciamento afetivo com dificuldade na comunicação e fronteiras pouco definidas pode favorecer tanto o uso de substâncias como a permanência ativa da dependência p 556 Zemel 2001 também traz algumas características que podem ser encontradas nas famílias com problemas de uso ou abuso de drogas e que também foram encontradas no estudo feito por Orth e Moré 2008 São esses indiscriminação de papeis dependência afetiva diferentes membros com diferentes níveis de adição impulsividade e imediatismo fantasias mágico onipotentes o problema como sina ou azar dificuldades na comunicação e nos limites presença de mitos e ausência de ritos familiares A autora ressalta para o risco de patologização Estamos falando da observação de muitos clínicos que trabalham com famílias pelo mundo Sabemos também que muitas famílias apesar de terem as características aqui citadas não desenvolvem o uso indevido de drogas Zemel 2001 p 47 Conforme Paz e Colossi 2013 que se fundamentam na abordagem familiar sistêmica o sintoma pode emergir para regular o sistema familiar mas também para denunciar os engodos familiares como coalizões e alianças p 556 Filho 2002 também reflete neste sentido ao expor o conceito de bode expiatório como um papel necessário à homeostase familiar onde o sujeito passa a adoecer e externalizar os problemas familiares não resolvidos Essa função é retratada por Zemel 2001 ao afirmar que o usuário representa para sua família como num palco a desorganização que ela vive p 58 Orth e Moré 2008 também apontam que o drogadicto pode atuar como o portador do sintoma da disfunção familiar Nestes casos o sujeito se responsabiliza pelo equilíbrio do sistema familiar denunciando suas falhas e faltas assumindo este lugar voluntariamente porém de forma inconsciente ou passando a assumir este lugar através da atribuição de culpa que os outros membros lhe incutem Orth e Moré 2008 refletem em direção à multiplicidade de modos que as famílias podem estabelecer como estruturalmente saudável para os seus membros Nem todas as famílias de dependentes químicos podem ser consideradas não funcionais no sentido de não ter fatores de proteção necessários para o desenvolvimento de todos seus membros Por sua vez cabe apontar no entanto que em muitas famílias com dependentes ocorre um processo de circularidade em que a não funcionalidade e o abuso de drogas reforçamse mutuamente mantendo assim a homeostase familiar que sustenta a presença desta nas relações familiares p 295 Portal dos Psicólogos ISSN 16466977 Documento publicado em 08062020 Kristine Kelly de Albuquerque Fabiana Josefa do Nascimento Sousa Thays Torres Cavalcante 7 Assim é importante dizer que cada família possui o seu modo de funcionamento se estruturando em função da saúde ou da doença a partir da interrelação de seus membros como corroborado por Maciel et al 2013 compreendese que é no interior da família que ocorrem as interações e os conflitos os quais possibilitam a sua organização e reorganização influenciando diretamente na saúde de seus integrantes p 188 Aqui o conceito saúdedoença é tido tal como apresenta Filho 2002 onde estes são resultantes do equilibro ou desequilíbrio entre o indivíduo o seu próprio existir e o meio ambiente no qual se insere p 177 Essa noção se fundamenta na dinamicidade das relações humanas rompendo assim com a concepção de causa e efeito que é comum nas ciências naturais No que tange às relações familiares e as repercussões advindas da dependência química diversos autores Aragão Milagres Figlie 2009 Maciel et al 2013 Medeiros Maciel Sousa TenórioSouza Dias 2013 Orth e Moré 2008 concordam quanto aos sentimentos que emergem nesta dinâmica sentimentos de vulnerabilidade desamparo frustração culpa angústia dúvidas medos negação vergonha raiva humilhação isolamento social da família atitudes agressivas desesperança agravamento de conflitos já existentes fragilização eou ruptura dos vínculos afetivos explicação do modelo moral estresse emocional sobrecarga de cuidados eou codependência surgimento de sintomasdoenças psicossomáticas perdas materiais e transição da conduta adicta entre os membros eou entre as gerações Entendendo a família enquanto um sistema integral onde o todo é maior que a soma de suas partes percebese que as relações são afetadas simultaneamente em uma via de mão dupla Maciel et al 2013 e Medeiros et al 2013 demonstram isto ao concordarem que os estados físico mental e moral do usuário afetam essas mesmas áreas em seus familiares e que os sentimentos vivenciados pelos familiares são semelhantes ou iguais aos que o usuário sente REFLEXÃO CRÍTICA Quando um bebê nasce de imediato ele é inserido em um ambiente onde passa a ser reconhecido como o mais novo integrante da família Seu desenvolvimento subjetivo se dará a partir de duas prédeterminações a cultura familiar e a cultura social Partindo das considerações acerca da noção de família concordase quanto à sua função na sociedade qual seja a de garantir a proteção e o desenvolvimento integral de seus membros e também quanto à sua função secundária implícita a de ser um espelho para a formação da identidade do sujeito isto é essas interações constroem a identidade do indivíduo a partir da identificação ou não deste com os padrões familiares com os quais convive Portal dos Psicólogos ISSN 16466977 Documento publicado em 08062020 Kristine Kelly de Albuquerque Fabiana Josefa do Nascimento Sousa Thays Torres Cavalcante 8 Essa absorção congruente ou não com os modelos familiares pode provocar a harmonia ou a desarmonia nestas relações Quando surgem os padrões desarmônicos e a família não consegue lidar com estes os conflitos inevitavelmente surgem A hipótese que foi proposta à nossa discussão foi a de que um evento específico a dependência química pode vir a surgir no cenário familiar como denúncia desta estrutura conflitante Verificamos durante os estudos que as famílias na sua singularidade elaboram modos de funcionamento saudáveis ou não saudáveis e que estes passam a estruturar tanto a dinâmica relacional entre seus membros como a subjetividade destes sujeitos Essas relações intrafamiliares são levadas aos outros grupos nos quais o indivíduo se insere no decorrer de sua vida Essa dinâmica invadida por estes conflitos pode acarretar em situações de dependência química por dois motivos o sujeito quer diferenciarse do grupo familiar busca a sua independência busca fugir desse modo conflituoso ou quer restaurar a harmonia familiar solucionar as divergências e as desavenças No primeiro caso é comum que os conflitos já existentes se agravem No segundo caso o indivíduo se torna o sintoma de uma família disfuncional e é comum que os pais ou familiares se coloquem ora como culpados ora como vítimas da situação A família é um dos principais pilares de um sujeito e quando este precisa de ajuda é com ela que deve contar Por esse motivo quando surgem situações que demandam cuidados ambos precisam absorver os papéis de se ajudarem mutuamente Acontece que ao entrar em uma dependência química o sujeito acaba respondendo com um comportamento diferente do habitual e com o tempo começam a acontecer desgastes em todas as áreas da sua vida especialmente na familiar A família é a primeira a sofrer tais repercussões e é a mais afetada porque está mais perto e tem uma relação afetiva muito densa Podemos assim salientar que além de trazer problemas físicos mentais e relacionais para si o usuário também prejudica essas mesmas áreas na vida dos seus familiares Tanto nas condições de luta e fuga como nas de atuação dos conflitos familiares é indispensável partir de uma compreensão holística para estas famílias O cenário da dependência química não pode ser entendido de forma isolada e reducionista no qual o sujeito é o único responsável por esta situação No entanto também não é de nosso intento culpabilizar estas famílias A reflexão parte da influência das interrelações entre os familiares e o usuário no entrecruzamento de emoções sentimentos e demandas e a proposta lançada é a de que a recuperação do dependente deve partir também do todo familiar onde todos possam se apoiar ajudar e modificar as relações em desequilíbrio Nesta direção o processo deve ser totalmente livre de julgamentos estigmas préconceitos e ser permeado por informações corretas comportamentos empáticos e apoio da rede social e de profissionais que atuem com uma visão humanizada Com visão humanizada pretendese dizer Portal dos Psicólogos ISSN 16466977 Documento publicado em 08062020 Kristine Kelly de Albuquerque Fabiana Josefa do Nascimento Sousa Thays Torres Cavalcante 9 uma atuação profissional que vá além da aplicação de técnicas e conhecimentos científicos rígidos que possa entender o ser humano como semelhante e consolide sua atuação em uma atitude de cuidado para com o outro cuidado este que é essência e estrutura do humano enquanto dimensão ontológica A técnica e a instrumentalidade presentes na atualidade se somam ao espírito de consumismo e imediatismo presentes nas famílias e nos demais grupos da sociedade Por um lado as pessoas estabelecem relações a partir do que o outro lhe pode ser útil Do outro lado as famílias se preocupam em adquirir bens materiais que preencham o vazio aberto pelas relações líquidas e superficiais educam os filhos com excesso de objetos e escassez de presença e contato afetivo roubamlhes a criatividade para o desenvolvimento da resiliência deixandoos cada vez mais frágeis lançados no mundo com uma raiz familiar pouco resistente Esse desvio se tornou necessário para que se possa compreender como o contato interno das famílias se transformou ao longo da história Hoje os limites do âmbito privado e do público se tornam cada vez mais esgarçados e as famílias se tornam carentes de relações humanizadas e de vínculos fortes Esse contexto se caracteriza em um fator de risco ao desenvolvimento do abuso e da dependência de substâncias psicoativas caso as famílias não consigam suprir essa demanda afetiva Essa situação pode ainda se somar a outro fator considerado de risco dentro das famílias que é a presença de conflitos que provocam a desarmonia da estrutura do lar O que se alega aqui além da presença de fatores de risco eou de proteção é a importância da rede familiar no desenvolvimento do sujeito Em se tratando da dependência química afirma se que esta surge sempre como uma denúncia seja indicando que o indivíduo está mal adaptado a algo seja indicando que a sua família é que está mal adaptada a algo Contudo em todos os casos a família precisa querer ajuda e se implicar nesse processo tanto quanto o dependente O trabalho desenvolvido nesta direção deve ser em cima da família do seu processo de estruturação bem como das dificuldades sociais e das relações interpessoais deste âmbito CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao se considerar o tema da dependência química tornase imprescindível analisar suas múltiplas dimensões bem como apreender que a interação entre o sujeito o contexto e a droga é a tríade basilar desse fenômeno Ao se referir às famílias e às relações estabelecidas sob o cenário da dependência química o estudo apontou alguns pressupostos que ocorrem em tais circunstâncias seja por motivação explícita do sujeito seja por necessidade implícita da família Portal dos Psicólogos ISSN 16466977 Documento publicado em 08062020 Kristine Kelly de Albuquerque Fabiana Josefa do Nascimento Sousa Thays Torres Cavalcante 10 O estudo fundamentado em revisão de literatura e em leitura crítica e interpretativa encontrou aportes ao que se refere que a dinâmica relacional familiar se estrutura de maneira singular em torno da saúde ou da doença doença aqui entendida como um desequilíbrio entre o sujeito sua existência e o meio ambiente circundante e que a dependência química pode surgir aí como uma tentativa de equalizar a harmonia e a estrutura saudável do grupo familiar Entendese que as famílias necessitam ser mais valorizadas enquanto espaço privilegiado de proteção e desenvolvimento dos seus membros e que a dependência química pode ser um quadro mais fácil de ser revertido quando a família se engaja neste processo enquanto uma rede de apoio e suporte Acreditase que o presente estudo traz contribuições quanto ao tema proposto bem como quanto a novas possibilidades de articulação entre a família e o usuário no processo de recuperação tanto do indivíduo quanto da rede familiar Ainda esperase que novos estudos com esta temática possam ser produzidos com o intuito de enriquecer e ampliar as alternativas de trabalhos entre as famílias e o usuário eou dependente Portal dos Psicólogos ISSN 16466977 Documento publicado em 08062020 Kristine Kelly de Albuquerque Fabiana Josefa do Nascimento Sousa Thays Torres Cavalcante 11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAGÃO A T M MLAGRES E FIGLIE N B 2009 Qualidade de vida e desesperança em familiares de dependentes químicos PsicoUSF v 14 n 1 pp 117123 janabr BOCK A M B FURTADO O TEIXEIRA M L T 1999 Família o que está acontecendo com ela In BOCK A M B FURTADO O TEIXEIRA M L T orgs Psicologias uma introdução ao estudo de psicologia 13ª ed Cap 17 pp 246260 São Paulo Saraiva CARLINI E A NAPPO S A GALDURÓZ J C F NOTO A R 2001 Drogas psicotrópicas o que são e como agem Revista IMESC nº 3 pp 935 DALGALARRONDO P 2008 Síndromes relacionadas a substâncias psicoativas In DALGALARRONDO P Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais 2ª ed Cap 33 pp 344351 Porto Alegre Artmed FILHO J M 2002 Doença e família In FILHO J M Concepção psicossomática visão atual 10ª ed Cap 8 pp 177194 Rio de Janeiro Casa do Psicólogo MACIEL L D ZERBETTO S R FILIZOLA C L A DUPAS G FERREIRA N M L A 2013 Consequências e dificuldades da dependência química no âmbito familiar uma revisão de literatura Revista Atenção Primária à Saúde abrjun 16 2 pp 187196 MEDEIROS K T MACIEL S C SOUSA P F TENÓRIOSOUZA F M DIAS C C V 2013 Representações sociais do uso e abuso de drogas entre familiares de usuários Psicologia em Estudo Maringá v 18 n 2 pp 269279 abrjun ORTH A P S MORÉ C L O O 2008 Funcionamento de famílias com membros dependentes de substâncias psicoativas Psicologia Argumenta outdez 26 55 pp 293303 Portal dos Psicólogos ISSN 16466977 Documento publicado em 08062020 Kristine Kelly de Albuquerque Fabiana Josefa do Nascimento Sousa Thays Torres Cavalcante 12 PAZ F M COLOSSI P M 2013 Aspectos da dinâmica familiar com dependência química Estudos de Psicologia outubrodezembro 18 4 pp 551558 SECRETARIA NACIONAL ANTIDROGAS SENAD 2001 Um guia para a família Brasília SENAD 36 p VINCENT JeanDidier 1986 La biologie des passions Odile Jacob Seuil ZEMEL M L S 2001 O papel da família no tratamento da dependência Revista IMESC nº 3 pp 4363 ARTIGO ARTICLE 2001 1 Departamento de Ciências da Saúde Núcleo de Atividade Física Saúde e Gerontomotricidade Centro de Ciências da Saúde e do Esporte CEFID R Pascoal Simone 358 Coqueiros 88080350 Florianópolis SC milasilveiraahotmailcom 2 Centro de Educação Física e Desportos Universidade Federal Santa Catarina Qualidade de vida autoestima e autoimagem dos dependentes químicos Drug users quality of life selfesteem and selfimage Resumo Estudo de corte transversal que objeti vou investigar a qualidade de vida a autoestima e a autoimagem dos dependentes químicos do Ins tituto São José São José SC A amostra por aces sibilidade foi composta de 100 pacientes do sexo masculino com média de idade de 430 107 anos que estudaram 84 37 anos sendo 48 casados estando internados ou em tratamento por um período mínimo de sete dias Os dependentes químicos quando não internados moram com es posas e filhos 23 são casados 48 empre gados 72 fazem parte do estrado B 58 já fizeram algo que se arrependem em suas vidas 57 e percebem a saúde como boa 57 Quan to à qualidade de vida o domínio ambiental ob teve o maior escore 65 e o psicológico o menor 58 Todos os pacientes tomavam medicamen tos e possuíam autoestima e a autoimagem baixas 77 e 96 respectivamente Observouse por meio de regressão logística a ausência de interfe rência da qualidade de vida sobre a autoestima e a autoimagem dos dependentes químicos A qua lidade de vida positiva não interferiu para mu danças na baixa autoestima e autoimagem dos dependentes químicos Palavraschave Qualidade de vida Usuários de drogas Saúde Abstract This crosssectional study aimed to in vestigate the quality of life selfesteem and self image among drug users of São José Institute in São José in the State of Santa Catarina The ac cessibility sample was comprised of 100 male pa tients with a mean age of 430 107 who had studied for a mean period of 84 37 years 48 of them were married and had been hospitalized or treated for a minimum period of seven days When the participants were not hospitalized they lived with wives and children 23 were mar ried 48 employed 72 were part of income level B 58 had done something they regret in their lives 57 and perceived their health as good 57 Regarding quality of life the highest scores were found in the environmental domain 65 and the lowest scores were in the psycho logical domain 58 All patients were taking medication and had low selfesteem and selfim age 77 and 96 respectively The absence of interference of the quality of life on selfesteem and selfimage of the drug users was observed by means of logistic regression Positive quality of life did not interfere in changes in low selfesteem and selfimage of drug users Key words Quality of life Drug users Health Camila da Silveira 1 Carolina Meyer 1 Gabriel Renaldo de Souza 1 Manoella de Oliveira Ramos 1 Melissa de Carvalho Souza 1 Fernanda Guidarini Monte 2 Adriana Coutinho de Azevedo Guimarães 1 Sílvia Rosane Parcias 1 2002 Silveira C et al Introdução Variáveis ambientais biológicas psicológicas e sociais atuam simultaneamente influenciando a tendência ao consumo de drogas levando à inte ração entre o agente droga o sujeito indivíduo e a sociedade e o meio contextos socioeconômico e cultural1 O desenvolvimento da dependência pode ser considerado parte de um processo de aprendiza gem A dependência é o resultado de uma intera ção complexa entre os efeitos fisiológicos das subs tâncias psicotrópicas no cérebro e o que o usuá rio interpreta daquela situação relacionandoa ao ambiente e consolidando como aprendizado2 Se uma pessoa consome uma substância e sente um efeito psicoativo altamente satisfatório ou re forçador mais provavelmente tal comportamen to se repetirá3 As consequências causadas pelo uso dessas substâncias químicas atingem tanto a qualidade de vida quanto a saúde individual e coletiva Causam alterações nos sistemas neuro transmissores e déficits cerebrais incluindo apren dizado verbal memória de curto prazo atenção funções executivas controle e seleção de resposta resolução de problemas e tomada de decisões4 Geram disfunções nos sistemas cardíaco e respi ratório problemas renais ansiedade depressão problemas de sono dificuldades financeiras e de relacionamento5 podendo originar violência6 De acordo com o segundo levantamento do miciliar de drogas psicotrópicas realizado no Brasil em 2005 observase uma quantidade muito grande de dependentes7 A dependência química pode levar a baixa qualidade de vida pois está diretamente ligada ao desequilíbrio entre a combinação do bemes tar psicológico e a saúde física8 A qualidade de vida é a percepção do indiví duo de sua posição na vida no contexto da cul tura e do sistema de valores nos quais vive e em relação aos seus objetivos expectativas padrões e preocupações9 Existem diversas pesquisas so bre sua importância no processo de tratamento pois certas atividades e avaliações promovem nos dependentes maior controle da ansiedade auto estima e autoimagem positivas e responsabilida de social levando à melhor qualidade de vida10 Diariamente centenas de indivíduos são en caminhados para clínicas especializadas em de sintoxicação de drogas Contudo sabese da efe tividade das intervenções para a manutenção da abstinência e recuperação de adolescentes11 Para a reconquista da qualidade de vida po sitiva os dependentes devem buscar a prevenção e o tratamento dos transtornos relacionados ao uso de substâncias psicotrópicas Estas ações proporcionam ao indivíduo a criação do hábito de observar seu comportamento identificando situações de risco fazendoo buscar novas es tratégias e facilitando o desenvolvimento da au toestima da autoconfiança e da autoajuda Cri am espaço para que o paciente busque sentido em suas próprias vivências na tentativa de en contrar uma resposta diferente que não a dro ga12 Entretanto são escassas as pesquisas que relacionam a dependência química com a auto estima a autoimagem e a qualidade de vida sen do o objetivo deste estudo analisar e comparar essas questões em dependentes químicos do Ins tituto São José em Santa Catarina SC Métodos Este estudo de corte transversal realizado no município de São José em Santa Catarina em 2009 foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pes quisa da Universidade do Estado de Santa Cata rina Todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido A amostra por acessibilidade foi composta de 100 pacientes do sexo masculino com média de idade de 430 107 84 37 anos de estudos variando de analfabetos ao ensino superior com pleto em tratamento na unidade Jelinek do Servi ço de dependência química do Instituto São José A idade média do primeiro uso de drogas foi de 163 52 anos 6 45 anos e idade do primeiro diagnóstico clínico de 342 115 anos 14 69 anos Estes pacientes já foram internados numa média de 46 53 vezes e por uma média de 167 106 dias O Instituto São José foi escolhido para amos tra por ser referência no tratamento de depen dência química em Santa Catarina A amostra foi composta apenas por homens pois a clínica não interna mulheres pelo Sistema Único de Saú de SUS e no privado era disponibilizado ape nas seis leitos Entretanto em todas as visitas as mulheres estavam impossibilitadas de participar do estudo Adotouse como critérios de inclusão ser de pendente químico internado por período míni mo de sete dias no Instituto São José com idade acima de 18 anos ter interesse em participar do estudo e assinar o termo de consentimento livre e esclarecido Os instrumentos utilizados foram anamne se contendo informações pessoais e característi 2003 Ciência Saúde Coletiva 18720012006 2013 cas clínicas questionário sobre a situação socio econômica da Associação Nacional de Empresa de Pesquisa13 Teste para Triagem do Envolvimen to com Drogas3 questionário sobre Percepção de Saúde Behavioral Risk Factors Surveillance System Questionair BRFSS14 e de Qualidade de Vida WHOQOL9 Todos foram aplicados em forma de entrevista A anamnese identificação pessoal foi com posta de seis perguntas para identificação pes soal sexo idade escolaridade estado civil mora dia e trabalho e sobre características clínicas rela cionadas ao início frequência e tempo do uso de drogas internação e atitude de arrependimento O instrumento para estratificar a Situação socioeconômica segundo seu poder de compra o qual classifica a população em classes econômi cas A B C D e E através da pontuação obtida e renda mensal considerado o principal instrumen to de segmentação da população no Brasil O teste para triagem do envolvimento com drogas ASSIST 20 contém oito questões sobre o uso de nove classes de substâncias psicoativas tabaco álcool maconha cocaína estimulantes sedativos inalantes alucinógenos e opiáceos A Qualidade de Vida foi mensurada por meio do WHOQOL World Health Organization Qua lity of Life abreviado que compõe os domínios físico psicológico social e ambiental Sua versão em português foi desenvolvida no Centro WHO QOL para o Brasil no Departamento de Psiquia tria e Medicina Legal da Universidade Federal do Rio Grande do Sul em Porto Alegre no Estado do Rio Grande do Sul Brasil sob a coordenação geral do Dr Marcelo Pio de Almeida Fleck9 O questionário desenvolvido por Steglich15 classifica a Autoestima e a Autoimagem É dividi do em quatro categorias A Orgânica envolve as dimensões genéticas morfológicas e fisiológicas a Social abrange o status socioeconômico as con dições de família e as realizações profissionais a Intelectual engloba escolaridade educação e su cesso profissional e a Emocional envolve a felici dade pessoal o bemestar social e a integridade moral O ponto de corte foi estabelecido a partir da multiplicação do total de questões da autoes tima 41 e autoimagem 37 pelos maiores es cores do questionário 4 e 5 Assim o intervalo de máximos e mínimos representa Alta autoesti ma e autoimagem enquanto valores abaixo des te intervalo foram considerados como Baixa au toestima e autoimagem Para a classificação das categorias orgânica social intelectual e emocio nal adotouse os pontos de corte Orgânica Baixa 13 a 51 pontos Alta 52 a 65 pontos Social Baixa 13 a 51 pontos Alta 52 a 65 pontos Intelectual Baixa 14 a 55 pontos Alta 56 a 70 pontos Emocional Baixa 42 a 167 pontos Alta 168 a 210 pontos A análise dos dados foi realizada no progra ma estatístico SPSS versão 160 Utilizouse es tatística descritiva Teste de normalidade Kolmo gorov Smirnov e Regressão Logística método Enter com nível de confiança de 95 Resultados De acordo com a entrevista 56 dos dependen tes possui ensino fundamental 29 ensino mé dio e 12 ensino superior Observase na Tabela 1 que as escolhas a res peito do estado civil sugerem uma vida solitária para os dependentes 52 entretanto levando em consideração o item moradia entendese que a maioria vive com familiares 82 e que pos sui emprego 72 o que favorece a inserção social Em relação aos fatores econômicos a maioria está entre a classe média e alta represen tadas pelos estratos A B e C Constatouse através das questões respon didas pelos dependentes químicos que a maioria 57 já fez algo de que se arrependem destes 17 por terem cometido ameaças ou agressões Região Norte n 601 Nordeste n 1680 CentroOeste n 673 Sudeste n 4107 Sul n 878 Tabaco 81 88 115 104 107 Tabela 1 Porcentagem de dependência de drogas entre os entrevistados do Brasil 2005 Maconha 02 12 06 15 11 Álcool 87 138 127 127 90 Estimulantes 02 02 02 01 03 Inalantes solventes 04 02 03 Hipnóticos benzodiazepínicos 03 02 08 02 Fonte Carlini et al 20067 2004 Silveira C et al para consumirem drogas e apenas 3 admiti ram que já cometeram algum crime violento A Tabela 2 reflete o julgamento dos depen dentes em relação à sua saúde sendo este positi vo em todos os itens questionados A percepção de saúde parece ser independente da ingestão de medicamentos pois 100 dos dependentes fa zem uso sendo o complexo vitamínico o mais comum 77 Segundo a Tabela 3 os resultados relaciona dos à média dos escores da qualidade de vida indicam que esta de uma forma geral pode ser considerada como boa Entretanto a média dos escores não ultrapassou 65 no quais o domí nio ambiental foi o que obteve o maior 655 122 enquanto o menor foi encontrado no do mínio psicológico 589 115 Na Tabela 4 é apresentado o resultado da au toestima e da autoimagem mostrando que prati camente todos os pacientes possuem autoestima baixa 96 Na autoimagem não foi muito dife rente o percentual de autoimagem baixa foi mai or 770 do que a autoimagem alta Nas cate gorias orgânicas e sociais a porcentagem foi pa recida no que diz respeito à inferioridade mos trando que 880 e 830 têm categoria orgâ nica e social baixa respectivamente Ao fazerse uso da Regressão Logística méto do Enter apresentada na Tabela 5 observouse que os coeficientes das variáveis dos domínios fí sico social psicológico e ambiental são nulos demonstrando pouca eficácia para o modelo com Variáveis Percepção de saúde Excelente Muito boa Boa Regular Ruim Comparação de saúde Muito melhor Melhor Semelhante Pior Muito Pior Problemas de saúde Sim Não f 7 4 57 28 4 4 35 38 21 1 45 55 70 40 570 280 40 40 350 380 210 10 450 550 Fonte Carlini et al 20067 TTTTTab ab ab ab abeeeeela 2 la 2 la 2 la 2 la 2 Percepção de saúde dos dependentes químicos Tabela 3 Qualidade de vida dos dependentes químicos Variáveis Domínio Físico Domínio Psicológico Domínio Social Domínio Ambiental n 100 100 100 100 Min 32 25 0 36 Média 618 100 589 115 649 211 655 122 Máx 93 93 100 89 Desvio padrão Variáveis Autoestima Baixo Alto Autoimagem Baixo Alto Categoria orgânica Baixo Alto Categoria social Baixo Alto Categoria intelectual Baixo Alto Categoria emocional Baixo Alto f 96 4 77 23 88 12 83 17 36 64 100 960 40 770 230 880 120 830 170 360 640 100 Tabela 4 Autoestima e autoimagem dos dependentes químicos Tabela 5 Regressão logística da autoestima e autoimagem com a qualidade de vida Variáveis Autoimagem Domínio Físico Domínio Psicológico Domínio Social Domínio Ambiental Autoestima Domínio Físico Domínio Psicológico Domínio Social Domínio Ambiental SE 0030 0035 0017 0031 0063 0064 0037 0055 B 0044 0092 0029 0056 0043 0100 0046 0023 p 0153 0009 0086 0071 0496 0119 0219 0684 2005 Ciência Saúde Coletiva 18720012006 2013 relação à autoimagem A única variável entretan to que apresentou contribuição no modelo foi o domínio psicológico p 0009 Ao se aplicar o mesmo método para a variável autoestima cons tatouse que os coeficientes das variáveis dos do mínios físico social psicológico e ambiental tam bém são nulos com p 0496 0119 0219 0684 respectivamente demonstrando a pouca eficácia do modelo O que podemos verificar é que os domínios da qualidade de vida de acordo com o modelo não interferem na autoestima e na auto imagem dos dependentes químicos Discussão O principal objetivo deste estudo foi analisar a qualidade de vida a autoestima e a autoimagem dos dependentes químicos do Instituto São José em Santa Catarina SC A respeito das características socioeconômi cas encontraramse dois artigos realizados com dependentes químicos que corroboram com este estudo os quais apresentaram percentuais pare cidos a respeito do estado civil 38 divorciados 2 viúvos 44 casados 33 separados e 21 solteiros1617 Diferentes foram os dados relativos ao em prego e nível de escolaridade Nesta amostra 72 dos dependentes químicos estavam empregados porém no estudo de Figlie et al16 encontraramse valores menores 49 diferenciandose do pre sente estudo Sobre a escolaridade não se tem homogeneidade na literatura No estudo de Oli veira et al17 57 dos pacientes tinham ensino fun damental 29 ensino médio e 13 ensino supe rior igualmente ao nosso estudo Na pesquisa de Figlie et al16 63 dos dependentes químicos pos suíam ensino fundamental incompleto e 2 ensi no superior completo Novamente valores me nores aos encontrados no presente estudo mos trando que os nossos participantes possuíam maior escolaridade e estavam empregados A percepção de saúde foi considerada boa por 57 dos dependentes químicos com 39 jul gandoa semelhante a de outras pessoas Deter minantes gerais sobre condições de vida e saúde estão diretamente ligados com a qualidade de vida individual e coletiva18 A autoestima e a autoima gem dos nossos participantes apresentaramse com escores baixos em ambas as variáveis As mesmas tiveram escores baixos representando 96 e 77 da amostra parecendo não influenciar na percepção de saúde do nosso estudo diferen temente do estudo de Maldonado et al19 Neste estudo os dependentes químicos apre sentaram um bom nível de qualidade de vida Pouco se tem investigado sobre a mesma nesta população o que evidencia a importância do presente estudo Estudos demonstraram que de pendentes de tabaco tiveram escores que varia ram de 592 a 721120 Assim como no traba lho de Aragão et al1 os nossos resultados de monstram que os dependentes químicos apre sentaram um bom nível de qualidade de vida Este foi observado em todos os domínios questi onados o que mostrase importante O equilí brio entre os quatro domínios da qualidade de vida é desejável pois alterações em um ou mais pode gerar mudanças na qualidade de vida21 Observouse também que a qualidade de vida não interferiu na autoestima e autoimagem dos dependentes químicos Este fato pode ter ocorri do pelas características socioeconômicas e de saúde dos dependentes boa condição de vida assistên cia familiar emprego e boa percepção da saúde A principal limitação ocorreu na escolha dos instrumentos por serem questionários au toaplicáveis Sabese que por vezes pode ocor rer um viés de memória nos os dependentes químicos e que no momento em que foram entrevistados estavam em condições de inter nação a qual possui peculiaridades Para mi nimizar estes problemas aplicaramse os mes mos em forma de entrevista Considerações finais Os aspectos interessantes deste estudo estão vol tados à ausência de correlação entre as variáveis Dependentes químicos internados podem ter um bom nível de qualidade de vida e uma percep ção de saúde positiva o que é surpreendente devi do às condições implícitas ao consumo de dro gas Também podem ter baixa autoestima e au toimagem situações psíquicas que não interferi ram na percepção deles de boa qualidade de vida Assim observouse que nem sempre existe uma ligação direta contrária e linear entre essas valências nesta população Condições socioeco nômicas influenciaram decididamente nesta ló gica como a assistência da família a capacidade de ter um emprego e os cuidados com a saúde recebidos na clínica especializada Parece que a maior dificuldade para os depen dentes é a aceitação de si mesmo representado pelo caráter psíquico autoestima e autoimagem Frente ao exposto há a necessidade de mais pesquisas que possam auxiliar o entendimento 2006 Silveira C et al dos fatores que interferem na dinâmica das vari áveis aqui estudadas permitindo assim uma atuação profissional que possa melhorar a au toestima e autoimagem dos dependentes quími cos O exercício físico promove mudanças posi tivas nestes aspectos porém deve ser estudado e prescrito especificamente para esta população Colaboradores C Silveira C Meyer GR Souza MO Ramos MC Souza ACA Guimarães e SR Parcias participa ram da concepção delineamento análise e inter pretação dos dados redação do artigo e aprova ção da versão submetida FG Monte participou da revisão do artigo e aprovação da versão sub metida Ferreira SE Tufik S Mello MT Neuroadaptação uma proposta alternativa de atividade física para usuários de drogas em recuperação Rev Bras cienc mov 2001 913139 Associação Brasileira de Estudos Populacionais ABEP Critério Padrão de Classificação Econômica Brasil Novo Critério Padrão de Classificação Eco nômica Brasil Belo Horizonte ABEP 2008 Center for Disease Control and Prevention CDC Behavioral risk factor suveillance system question naire Altanta CDC 1999 Steglich LA Terceira idade aposentadoria autoima gem e autoestima dissertação Porto Alegre Uni versidade Federal do Rio Grande do Sul 1978 Figlie N Fontes A Moraes E Payá R Filhos de dependentes químicos com fatores de risco bio psicossociais necessitam de um olhar especial Rev Psiq Clin 2004 3125362 Oliveira MS Araújo RB Pedroso RS Miguel AC Castro MGT Craving e dependência química con ceito avaliação e tratamento J bras psiquiatr 2008 5715763 Verdi M Caponi S Reflexões sobre a promoção da saúde numa perspectiva bioética Texto Contexto Enferm 2005 1418288 Maldonado RM Pedrão LI Castillo MMA García KSL Rodríguez NNO Autoestima autoeficácia percebida consumo de tabaco e álcool entre estu dantes do ensino fundamental das áreas urbana e rural de Monterrey Nuevo León México Rev La tinoAm Enfermagem 2008 16n esp614620 Castro MG Oliveira MS Moraes JFD Miguel AC Araujo RB Qualidade de vida e gravidade da depen dência de tabaco Rev Psiq Clin 2009 3426167 Pereira RJ Cota RMM Franceschini SCC Ribeiro RCL Sampaio RF Priore SE Cecon PR Contribui ção dos domínios físico social psicológico e am biental para a qualidade de vida global de idosos Rev Psiq Clin 2006 2812738 Artigo apresentado em 06082012 Aprovado em 20012013 Versão final apresentada em 04022013 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 Referências Aragão ATM Milagres E Figlie NB Qualidade de vida e desesperança em familiares de dependentes químicos PsicoUSF 2009 141117123 Aliane PP Lélio ML Ronzani TM Estudo compa rativo das habilidades sociais de dependentes e não dependentes de álcool Psicol Estud 2006 11183 88 WHO ASSIST Working Group The alcohol smok ing and substance involvement screening test AS SIST development reliability and feasibility Ad diction 2002 97911831194 Kolling NM Silva CR Carvalho JCN Cunha SM Kristensen CH Avaliação neuropsicológica em al coolistas e dependentes de cocaína Aval Psicol 2007 62127137 Almeida SP Silva MTA Histórico efeitos e meca nismos de ação do êxtase 34 metilenodioxime tanfetamina revisão da literatura Rev Panam Sa lud Pública 2000 86393402 Adorno RCF Uso de álcool e drogas e contextos sociais da violência SMAD Rev 2008 41110 Carlini EA supervisão II Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil estudo envolvendo as 108 maiores cidades do país 2005 São Paulo Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas Psicotrópicas CEBRID Universidade Fe deral de São Paulo 2006 Büchele F Coelho EBS Lindner SR A promoção da saúde enquanto estratégia de prevenção ao uso de drogas Cien Saude Colet 2009141267273 Fleck MPA Fachel O Louzada S Xavier M Cha chamovich E Vieira G Santos L Pinzon V Desen volvimento da versão em português do instrumen to de avaliação de qualidade de vida da organiza ção mundial da saúde WHOQOL100 1999 Rev Bras Psiquiatr 1999 2111928 Gordia AP Associação da atividade física consumo de Álcool e índice de massa corporal com qualidade de vida de adolescente dissertação Curitiba Univer sidade Federal do Paraná 2008 Dennis M Godley SH Diamond g Tims FM Ba bor T Donaldson J Liddle H Titus JC Kaminer Y Webb C Hamilton N Funk R The Cannabis Youth Treatment CYT Study Main findings from two randomized trials J Subst Abuse Treat 2004 273 197213 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 3 Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 p 0322 jul 2021 A INSERÇÃO DO PSICÓLOGO EM UMA COMUNIDADE TERAPÊUTICA PARA DEPENDENTES QUÍMICOS UM RELATO DE EXPERIÊNCIA1 Teresinha Aparecida Baretta2 Simone Isabel Jung3 Ana Paula Lazzaretti de Souza4 Resumo Este trabalho é fruto do relato de experiência de uma estagiária do curso de Psicologia durante o ano de Estágio Profissional em Psicologia Comunitária realizado em uma Comunidade terapêutica da região metropolitana de Porto Alegre O principal objetivo do estudo foi discorrer sobre a importância os benefícios e as dificuldades que o psicólogo abarca ao desempenhar seu trabalho na instituição Diante da complexidade que envolve o tema buscouse um entendimento relacionado aos motivos que influenciam a procura pelo uso de substâncias tóxicas e psicoativas Inicialmente será apresentada uma breve revisão teórica sobre o trabalho do psicólogo com dependentes químicos seguido de uma síntese sobre a origem do uso de drogas e o surgimento das comunidades terapêuticas Para tanto buscouse um entendimento sobre o viés da psicanálise a importância da função paterna e os motivos que levam o sujeito a alimentar esse comportamento danoso para o corpo e o psiquismo Procedimentos de intervenção e a acuidade do foco no grupo e no coletivo diante do trabalho da Psicologia Comunitária serão referidos a partir da descrição do relato de experiência Palavraschave Dependência química Comunidade terapêutica Psicanálise Psicólogo institucional Abstract This work is the result of the experience report of a trainee in the Psychology course during the Professional Internship in Community Psychology held in a therapeutic community in the metropolitan region of Porto Alegre The main objective of the study was to discuss the importance benefits and difficulties that the psychologist has when performing his work at the institution In view of the complexity surrounding the theme an understanding was sought related to the reasons that influence the demand for the use of toxic and psychoactive substances Initially a brief theoretical review of the psychologists work with drug addicts will be presented followed by a synthesis on the origin of drug use and the emergence of therapeutic communities To this end an understanding of the bias of psychoanalysis was sought the importance of the paternal function and the reasons that lead the subject to nurture this harmful behavior for the body and the psyche Intervention procedures and the sharpness of the focus on the group and the collective given the work of Community Psychology will be referred to from the description of the experience report 1 Artigo de relato de experiência apresentado ao Curso de Psicologia das Faculdades Integradas de Taquara FACCAT como requisito parcial para avaliação no Estágio Profissional em Psicologia Social e Saúde 2 Psicóloga Graduada pela FACCAT E mail teresinhabarettasoufaccatbr 3 Psicóloga Doutora em Psiquiatria UFRGS Docente e supervisora acadêmica da FACCAT e do ITIPOA Email simoneisabeljunggmailcom 4 Psicóloga Mestre e Doutora em Psicologia UFRGS Coordenadora do Curso de Psicologia da FACCAT Email anasouzafaccatbr 4 Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 p 0322 jul 2021 Keywords Chemical dependency Therapeutic community Psychoanalysis Institutional psychologist INTRODUÇÃO Para ser almejada e alcançada a singularização dependerá de que a forma das relações sociais e humanas na instituição parta da horizontalização como meta e em alguma medida seja vivida como exercício GOTI 1990 A definição de Instituição é segundo a literatura ampla e variada Podemos dizer que a instituição é um lugar onde o psicólogo pode trabalhar não somente doenças e cura mas com a promoção da saúde As instituições destinadas ao atendimento de cidadãos carentes estão constantemente ameaçadas pela falta de cuidado do Estado e também pela própria comunidade sob uma forma camuflada de rejeição Vivem constantemente ameaçadas à falência Na luta pela sobrevivência das instituições todos se sentem ameaçados a sociedade o atendente e o atendido O psicólogo poderá sentir certa dificuldade de trabalhar em uma instituição pois o ambiente é instável e alguns projetos desenvolvidos poderão ficar difíceis de serem colocados em prática BLEGER 1984 Pesquisas apontam que a dependência química é uma combinação multifatorial e envolve questões biológicas psicológicas e sociais Os fatores biológicos estão relacionados à genética podendo o sujeito apresentar procedência positiva para dependência química e vulnerabilidade psicofisiológica estudo das relações entre fenômenos psíquicos e fisiológicos Segundo alguns autores filhos de dependentes químicos apresentam chances aumentadas de desenvolverem transtornos psiquiátricos e maior risco para o uso de substâncias psicoativas Freud 1904 relacionou a psicopatologia da mania e do humor com o alcoolismo e a embriaguez catalogando uma base para a compreensão da busca por adições Para Freud é compreensível catalogar a fase oral do desenvolvimento com a fase adicta relacionando assim os impulsos mais regressivos do ser humano Os estudos de Winnicott 1978 mostram a importância de um pai continente que estabelece limites e favorece o controle da agressividade e o mecanismo da repressão As questões psicológicas envolvem questões interpessoais já preestabelecidas ao longo da vida enfatizando a infância e a adolescência cujo contexto familiar se relaciona com a constituição e o desenvolvimento da pessoa COSTA 2007 5 Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 p 0322 jul 2021 Diariamente é possível testemunhar o fenômeno do uso de substâncias psicoativas considerado como um problema de saúde mental e de segurança pública A utilização de tais substâncias tóxicas consiste em uma prática milenar realizada em diversos contextos históricos e em meios culturais dos mais diversos ao longo dos anos É um fenômeno que integra a lógica capitalista de mercado fazendo parte do avanço científico e tecnológico fomentando a industrialização distribuição e a venda de tais substâncias Todo esse avanço gera imenso lucro aos grupos que comercializam a droga que apesar de ilegal está inserida no sistema econômico social podendo ser considerado um produto democrático pois abrange todas as classes sociais e econômicas RIBEIRO 2009 As instituições que assistem dependentes químicos revelam uma compreensão sobre o fenômeno como uma doença curávelincurável falta de caráter falta de amor Ou seja o indivíduo que depende quimicamente de alguma substância é marcado pela falta Há de se considerar que é preciso ter cuidado ao diagnosticar um dependente químico para que não seja atravessado de juízo de valor e preconceito SCHIMITH MURTA QUEIROZ 2019 O presente trabalho irá abordar o relato de experiência da inserção da primeira autora em uma instituição para recuperação de dependentes químicos Os encontros com os dependentes químicos em recuperação foram realizados semanalmente e em grupo fruto de um estágio profissional com referencial teórico baseado na psicanálise A prática foi acompanhada a partir de supervisão acadêmica a fim de dar um suporte adequado e especializado para que as experiências dos atendimentos se tornassem o mais eficiente possível tanto para a estagiária quanto para o público atendido COSTA 2007 REVISÃO TEÓRICA O trabalho do Psicólogo comunitário na instituição É importante que o profissional que se insere em uma instituição se mantenha distanciado afetivamente dos demais profissionais e de todos os componentes da instituição como medida de segurança do ambiente Individualmente todos podem ser ótimas pessoas do ponto de vista pessoal e profissional mas não se deve esquecer que juntos ou separados no âmbito institucional há uma considerável exigência tanto do ponto de vista técnico quanto do ponto de vista ideológico Isso pode colocar os sujeitos frente a recursos defensivos concomitantemente comuns tais como fofocas aliciamentos intrigas formação de subgrupos criação de bode expiatório deslocamento da agressividade atenção e percepção seletivas emergência da desarmonia cognitiva etc O psicólogo com base nos treinamentos estudos e trabalho possui uma boa habilidade para o relacionamento e aceitação porém é recomendável manter uma 6 Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 p 0322 jul 2021 simpática neutralidade um envolvimento unicamente profissional e crescente capacidade de desligamento espontâneo É desejável que o psicólogo esteja constantemente disponível para apreciar as situações de diversos pontos de vista no ambiente profissional Tal sugestão pode ser percebida com antipatia por psicólogos iniciantes que pretendem formar laços de amizades e vínculos em particular no âmbito profissional pois é preciso ter atitude clínica e manter certo distanciamento a fim de não se implicar nos eventos que devem ser observados e estudados CASELLA 1993 A Inserção Ecológica propõe que o psicólogo tenha o objetivo de conhecer a realidade dos sujeitos inseridos no estudo realizado Mediante conversas informais entrevistas e observação do ambiente natural é possível acessar conteúdos do local estudado quando o material configura parte do que está sendo vivenciado assim como o espaço e as relações que acontecem no ambiente A metodologia da Inserção Ecológica implica em uma investigação que inclui os processos proximais na relação entre participantes trabalhadores da instituição pesquisador estudante e todos os envolvidos no ambiente institucional Bronfenbrenner 2011 Conforme o mesmo autor o desenvolvimento humano é um fenômeno compreendido a partir da importância da relação com os quatro elementos interrelacionais o processo a pessoa o contexto e o tempo O primeiro conduz o curso do desenvolvimento uma forma de interação duradoura entre a pessoa e o ambiente A pessoa compreendese como uma análise das características singulares do sujeito que está em ativa participação com o meio O contexto é formado por quatro níveis de sistemas ambientais microssistema mesossistema exossistema e macrossistema O tempo referese ao desenvolvimento podendo ser um tempo de curso próprio da vida ou histórico KOLLER MORAIS PALUDO 2016 Esperase que o psicólogo seja um conhecedor do relacionamento humano Essa é a ferramenta de trabalho do psicólogo Supõese que não caia nas armadilhas que o ambiente de trabalho possa preparar no qual deve ativamente atuar Toda criatividade será necessária para evitar cair em alguma artimanha É preciso ficar atento a uma capacidade de inventar novas formas de relação ao mesmo tempo em que é importante fixar e cristalizar formas de relação O psicólogo portanto ao ingressar em uma instituição deve manterse razoavelmente desprendido e imparcial em face ao grupo humano com quem vai trabalhar a fim de ajudar a própria equipe a perceber situações que o envolvimento pessoal não tolera descobrir LAPASSADE 1987 Um breve histórico sobre dependência química 7 Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 p 0322 jul 2021 O consumo de drogas existe desde os mais primórdios tempos da história do homem e em praticamente quase todas as culturas mundiais A curiosidade o desejo de transcendência a busca pela imortalidade por prazer pela sabedoria são alguns dos motivos que impulsionam desde sempre a busca pelo uso de algum tipo de substância psicoativa capaz de modificar o estado de consciência do usuário DÉA et al 2004 Durante a Idade Média a Igreja Católica que possuía grande poder nesse período com relação aos aspectos religiosos econômicos e sociais passou a condenar o uso de plantas consideradas diabólicas e vistas como sinônimo de feitiçaria A única droga permitida era o álcool mais precisamente o vinho que até hoje simboliza o sangue de Cristo No final da Idade Média os princípios da medicina não deram conta da peste bubônica e a Europa viveu tempos de medos sofrimentos e mortes A partir de então uma nova forma de conceber a doença associada a diversos fatores que fizeram parte da situação histórica da época levou à emergência de um novo olhar sobre a demanda da saúde e da doença da relação entre as mesmas e também o uso de drogas PRATTA 2009 Com o Renascimento final e início do século XV com a gradativa queda do poder e da influência exercida pela Igreja Católica em todos os domínios da sociedade e a possibilidade do contato com outras culturas em que velhos conhecimentos farmacológicos haviam sobrevivido permitiu uma retomada gradual do uso de drogas possibilitando também um grande avanço científico e uma necessidade pela busca do saber surgindo aqui a ciência moderna Surgiram então novas normas e regras específicas para a produção do conhecimento A observação a descrição e a classificação delimitaram esse paradigma e as ideias da experiência e da intervenção agruparamse no pensamento moderno No século XVII Descartes levou os médicos da época a direcionarem a atenção para a máquina corporal para o biológico deixando de lado os aspectos psicológicos sociais ambientais corroborando assim com uma visão reducionista da doença Nessa época surge então o modelo biomédico que permaneceu na área da saúde por mais ou menos quatro décadas Essa nova concepção dá espaço para a interpretação do sinal físico do sintoma e todo um sistema de classificação das doenças PRATTA 2009 Com relação às drogas no decorrer do século XVIII ocorreu uma redução na perseguição aos sujeitos considerados hereges e isso propiciou uma volta do uso médico e lúdico das drogas os avanços médicos apontavam a necessidade de usar medicamentos No início do século XIX alguns cientistas conseguiram isolar os princípios ativos de inúmeras plantas passando a produzir determinados fármacos com a cafeína cocaína morfina codeína barbitúricos entre outros Foi nesse período que surgiu o éter clorofórmio e óxido nitroso Foi 8 Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 p 0322 jul 2021 no início desse século também que surgiu a psiquiatria considerada no domínio auxiliar da medicina Um modelo biomédico que discutia questões relacionadas aos problemas mentais a partir das causas orgânicas no caso das lesões cerebrais Essa época contribuiu para encobrir valores e poderes por conta de casos de exclusão e morte social uma vez que o paciente era excluído da convivência familiarsocial e encarcerado perdendo muitas vezes até sua própria identidade Surgiram então muitos hospitais psiquiátricos que davam conta dos mais variados problemas relacionados à saúde mental ou que deveriam ser banidos da sociedade por mau comportamento doenças contagiosas ou usuários de drogas A partir do século XX as transformações no processo saúdedoença e o uso de substâncias psicoativas ostentam dimensões alarmantes tendo em vista um complicado problema em termos de saúde pública exigindo assim intervenções particulares PRATTA 2009 A droga pode fascinar alguns usuários mas falar sobre o abuso de substância química pode provocar certo desconforto nos pais e educadores e até mesmo em quem usa Os motivos que levam à procura por algum tipo de substância são os mais variados e o uso modifica o estado de consciência do usuário interfere no funcionamento dos neurotransmissores e provoca alterações e distúrbios no comportamento DÉA et al 2004 Já as políticas públicas de saúde direcionamse basicamente ao usuário falhando na assistência adequada para os familiares que sofrem com os cuidados oferecidos especificamente ao dependente químico mas a família participa do processo de tratamento e posteriormente da inserção social do dependente químico em recuperação Portanto é importante avaliar e identificar o sofrimento dos familiares próximos para que consigam dar suporte ao dependente químico MACIEL SILVA PEREIRA DIAS ALEXANDRE 2018 Breve histórico sobre Comunidade Terapêutica As primeiras Comunidades Terapêuticas CT surgiram na GrãBretanha na década de 1940 e eram utilizadas para atenção a pessoas com problemas de saúde mental a princípio com militares que retornavam da guerra com alguma dificuldade psicológica e eram atendidos em hospitais gerais por psiquiatras Até hoje algumas Comunidades Terapêuticas seguem o modelo preconizado pelos Alcoólicos Anônimos AA surgido em 1935 nos Estados Unidos fundado por Bill Wilson Corretor da bolsa de valores de Nova Iorque e Robert Holbrook Smith mais conhecido como Dr Bob médico cirurgião O método do AA está fundamentado em Os Doze Passos e Doze Tradições O programa baseiase na abstinência completa e embora não esteja diretamente ligado a nenhuma seita ou religião faz menção a Deus e ao Poder superior utilizando essas prerrogativas na condução do tratamento dos usuários de 9 Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 p 0322 jul 2021 drogas O interesse pelo tratamento com dependentes químicos teve início com o Dr Bob que ingressou ao corpo médico no Hospital Saint Thomas na cidade de Akron No Brasil as CTs estão vinculadas a algum tipo de religião principalmente às igrejas evangélicas e católicas No ano de 1968 surgiu no Brasil especialmente na cidade de Goiânia a primeira Comunidade Terapêutica denominada Desafio Jovem originária de um movimento religioso evangélico Em 1978 na cidade de Campinas foi fundada a CT Senhor Jesus coordenada por um padre missionário americano De acordo com o Glossário de álcool e drogas as CTs são caracterizadas por um ambiente estruturado no qual os sujeitos com algum tipo de transtorno por uso de substâncias psicoativas residem na busca por reabilitação se mantendo assim isolados geograficamente por certo período Uma vez internado o residente se compromete com o programa de tratamento da instituição que pode durar em média de seis a doze meses dependendo do critério criado pelo estabelecimento Atividades laborais terapêuticas e religiosas são tarefas diárias e fazem parte da rotina dos residentes As visitas familiares acontecem geralmente uma vez por mês em datas definidas pelo local Alguns familiares participam de grupos como o Amor Exigente que funciona desde 1984 e atua dando apoio e orientação aos familiares de dependentes químicos FOSSI GUARESCHI 2015 A visão da Psicanálise diante do uso de substâncias tóxicas No âmbito da psicanálise o sujeito que procura o recurso às drogas pode ser entendido como aquele que busca por uma resposta para o malestar que é inerente tanto ao processo de formação das sociedades e culturas como à própria constituição psíquica que compõe o ser humano Segundo o criador da psicanálise Freud 19301996 tanto o desenvolvimento das civilizações quanto o psiquismo impõe sacrifícios à sexualidade e à agressividade componentes do humano e dessa forma torna a vida demasiadamente árdua Para suportar tais sacrifícios o sujeito deve lançar mão do que Sigmund Freud chamou de medidas paliativas que pode ser classificada em três tipos os derivativos poderosos as satisfações substitutivas e as substâncias tóxicas Para Freud o método mais atraente de evitar o sofrimento é o uso de substâncias tóxicas por conta de agirem diretamente sobre a química do corpo e assim tornar os homens insensíveis à própria desgraça pois o sofrimento nada mais é do que uma sensação e só existe na medida em que o sentimos e só sentimos como consequência de certas maneiras pelas quais nosso organismo está regulado Desse modo certas substâncias tóxicas em atividade com o sangue ou tecidos do corpo provocam uma sensação de prazer alterando assim as condições que conduzem a sensibilidade evitando receber impulsos desagradáveis Embora considere um recurso para alívio da dor psíquica Freud referese a esse fenômeno 10 Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 p 0322 jul 2021 utilizando o termo intoxicação um meio da procura pela felicidade e realização da busca do princípio do prazer ou intoxicação crônica como um consolo para aquele que fracassa em alcançar essa finalidade pelo caminho da neurose FREUD 19301996 É possível que alguns sujeitos que tiveram uma infância mais instável estejam mais propensos a abusar de diversos tipos de substâncias inclusive a automedicação para suavizar sintomas psiquiátricos a fim de se proteger de esforços psicoterapêuticos Os usuários de drogas têm maiores chances de ter transtornos psiquiátricos coexistentes significativos A psicanálise entende que os abusos de substância expressam comportamentos defensivos e adaptativos numa tentativa de reforçar as defesas do ego contra afetos intensos como raiva vergonha e depressão Investigadores psicanalíticos compreendem o adicto mais como reflexo de um déficit de autocuidado do que como alguém com impulso autodestrutivo GABBARD 2016 O sujeito que se habitua a abusar do uso de substâncias psicoativas faz tentativas desorganizadas e frustradas de tentar organizar e equilibrar o meio interno mundo intrapsíquico e o ambiente externo mundo real percebido pelo sujeito A manutenção desse comportamento é utilizada como forma de regular algum tipo de desconforto psicológico como ansiedade depressão sentimentos de raiva e angústias Para lidar com a frustração o indivíduo adota medidas extraordinárias na busca por drogas poderosas a serviço de regular sua vida na adolescência ou fase adulta quando algo ficou falho ou fragilizado na fase precoce do desenvolvimento O dependente químico utiliza então substâncias psicoativas para se proteger contra afetos confusos ou dolorosos que causaram danos estruturais na sua personalidade PECHANSKY LUBORSKY 2005 Costa 2007 pontua que a escola Kleiniana tenta explicar que a dependência química seria uma fuga para a dor a depressão e para sentimentos persecutórios Principalmente quando a idealização da droga adquire maior intensidade naqueles que se deparam com fixação no objeto primário conhecido na psicanálise como posição esquizoparanóide que ocorre quando há uma separação hostil do bebê do seio materno O adicto então entra num processo de evitação da posição depressiva com o uso de drogas na expectativa de encontrar o prazer absoluto Esse processo faz com que o dependente químico encontre dificuldade em diferenciar a sensação fisiológica que o prazer proporciona com os prejuízos que ela causa A Psicologia Comunitária o foco no grupo e no coletivo A comunidade é um lugar digamos assim calmo aconchegante acolhedor e confortável É um espaço cálido onde é possível relaxar e confiar no que está sendo dito Há segurança na 11 Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 p 0322 jul 2021 maior parte do tempo e as discussões são abertas com livre expressão Os discursos são amigáveis e há uma vontade coletiva de melhorar as vidas em comum Comunidade sugere coisa boa pura e simples Evoca tudo o que sentimos falta e o que precisamos para viver protegidos e confiantes É o tipo de mundo ideal do qual uma sociedade gostaria de pertencer mas está longe de ser alcançado é um paraíso perdido mas ainda esperado A dura realidade é que a comunidade ideal exigiria uma obediência em troca dos serviços prestados Há um preço a pagar por privilégios A liberdade tem um alto custo ganhar algo sugere perder algo BAUMAN 2001 O trabalho com grupos vem crescendo cada vez mais nos espaços institucionais Grupos de trabalho pedagógicos comunitários de lazer psicoterapêuticos ou de outra natureza implicam uma necessidade de ampliação do saber sobre essa área considerada privilegiada no campo da Psicologia Social O homem entendido como um ser constituído socialmente e historicamente por meio das relações sociais estabelecidas concebe o grupo como um trabalho que media uma tarefa que une e diferencia seus membros num objetivo coletivo na busca por cooperatividade responsabilidade interesses em comum e atingimento de metas O coordenador do grupo numa perspectiva psicanalítica tem um importante papel como figura transferencial pois é desejável que goste e acredite no grupo que capta o que o coordenador pensa ou sente Este deve sentir amor por suas verdades com base na confiança na criatividade e na liberdade de expressão Precisa também ter coerência senso ético respeito pelas características dos participantes paciência flexibilidade mental comunicação verbal clara e objetiva empatia e habilidade na integração dos opostos ANDALÓ 2001 As Rodas de Conversa facilitam o diálogo em grupo e consistem em uma técnica de participação coletiva de debate na qual todos podem expor seus conflitos angústias e expectativas Normalmente os tópicos são prédeterminados mas em se tratando de Psicologia Comunitária é relevante destacar aqui que os assuntos emergem do grupo e os sujeitos se expressam opinam e escutam uns aos outros e a si próprio por meio do exercício reflexivo Um dos objetivos da Roda de Conversa é socializar saberes e promover a troca de experiências entre os envolvidos na expectativa de construir e reconstruir novos conhecimentos MOURA LIMA 2014 As instituições que oferecem terapia comunitária mostram de modo geral que a prática é expressiva e eficaz para gerenciar o sofrimento dos que estão tentando se recuperar e se afastar das drogas Todavia há de se avaliar o impacto positivo negativo e as contribuições que os serviços oferecidos por Comunidades Terapêuticas causam nos usuários tanto a nível de 12 Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 p 0322 jul 2021 ansiedade e depressão assim como os instrumentos utilizados pelos profissionais LEMES NASCIMENTO ROCHA ALMEIDA VOLPATO LUIS 2020 Outro ponto importante a ser mencionado aqui é sobre o reconhecimento da importância da natureza dos vínculos que unem as pessoas que fazem parte de um grupo Originalmente a palavra vínculo significa união com características duradouras Alude alguma forma de ligação entre as partes que estão unidas e claramente delimitadas entre si Em qualquer tipo de grupo é memorável que cada indivíduo seja reconhecido e aceito incondicionalmente e se sinta pertencente ao grupo ZIMMERMANN 2000 O trabalho do psicólogo no âmbito institucional requer espaços de reflexão sobre suas atuações além de formação continuada para que as intervenções possam ser efetivas às demandas sociais Nos contextos de atuação comunitária em que o psicólogo oferece seu trabalho é imprescindível pensar em intercessões psicossociais que pensem o grupo social e sua organização O objetivo das intervenções é precisamente diminuir ou precaver situações de vulnerabilidade melhorando condições humanas e isso requer uma abordagem interdisciplinar com ampla multiplicidade de conhecimento humano PAIVA YAMAMOTO 2010 MÉTODO Fontes Este artigo foi construído a partir da inserção da estagiária no contexto de estágio profissional o qual ocorreu em um serviçoescola que foi dividido na área social e na área da saúde Esse relato referese ao estágio na parte da área social em Psicologia Comunitária O estágio acontecia semanalmente na Comunidade Terapêutica As intervenções duraram em média uma hora e meia eram sempre grupais com residentes do sexo masculino e com foco nas demandas do grupo Participantes A quantidade de participantes variava a cada semana Todos os residentes na CT são do sexo masculino acima de dezoito anos de idade encaminhados pelo Sistema Único de Saúde SUS por meio do Centro de Atenção Psicossocial CAPS não sendo permitido o ingresso de pessoas do sexo feminino para internação A instituição acolhe pessoas da região e de outras cidades O máximo de integrantes nos grupos ao longo do período de estágio foi de quinze participantes e o mínimo foi de seis 13 Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 p 0322 jul 2021 Instrumentos A construção do presente trabalho depende exclusivamente dos instrumentos utilizados durante o estágio profissional Observação do ambiente físico e observação dos sujeitos inseridos na Comunidade Terapêutica Observação durante os diversificados momentos de atividades realizadas na instituição Acompanhamento da rotina dos residentes em diversos momentos do dia e da noite inclusive em alguns finais de semana durante as visitas das famílias Também entrevistas com a equipe técnica Escuta Psicológica Rodas de Conversa Dinâmicas de Grupo Reuniões formais com a equipe técnica Conversas informais no ambiente institucional Fichas de Relatos semanais sobre o estágio Supervisão Acadêmica Procedimentos de Intervenção A instituição foi fundada no ano de 1997 e tem por finalidade promover saúde assistência social e o amparo aos dependentes químicos e seus familiares desenvolvendo o resgate moral ético espiritual e humano favorecendo uma nova perspectiva de vida aos pacientes por meio de um programa humanitário O trabalho na Comunidade Terapêutica envolve o processo terapêutico capaz de recuperar a prática da cidadania e a inserção social A finalidade da presente CT é promover saúde assistência social e amparo aos dependentes químicos e seus familiares desenvolvendo o resgate moral ético espiritual e humano auxiliando os indivíduos na construção de novas perspectivas de vida por meio de um programa humanitário Visando a observar o local e como funcionava a instituição a estagiária participou durante o primeiro semestre de práticas já préestabelecidas pelo local em momentos e datas diferentes do horário habitual de estágio para maior compreensão do funcionamento da própria instituição e de seus componentes Objetivando observar o comportamento dos integrantes do grupo e desenvolver atividades com a maior participação possível dos residentes foi desenvolvido para o segundo semestre um plano de atividades semanais no qual é intercalado semanalmente momentos de rodas de conversa e dinâmicas de grupo visando à colaboração e a participação dos envolvidos para um resultado colaborativo e positivo para todos os envolvidos no processo As intervenções realizadas pela estagiária foram escutas psicológicas breves pontuais formais e informais participação nas reuniões de equipe visitas durante os domingos destinados à visitação dos familiares cujo objetivo é observar as famílias os residentes que recebem suas visitas e o comportamento dos residentes que não recebem visitas rodas de conversa em grupo dinâmicas de grupo Em um primeiro momento aconteciam as observações e a participação da estagiária durante as atividades já préestabelecidas pela instituição 14 Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 p 0322 jul 2021 Posteriormente foram realizadas rodas de conversa para escuta das demandas e as possíveis propostas para futuras intervenções sugeridas pelo grupo A conversa segundo Moura e Lima 2014 é um espaço para trocas de experiências de convivência consolação e alívio das tensões É um momento para apresentar novos caminhos e oferecer um processo de escolhas Uma possibilidade de reviver períodos da vida e compartilhar de ricos conteúdos carregados de significados A participação da estagiária durante a leitura e discussão de Os Doze Passos possibilitou reflexões por parte dos residentes e também da terapeuta que mediava o diálogo durante os comentários sobre o que foi lido e sobre as vivências dos participantes O conteúdo dos textos fazem referência aos alcoólatras anônimos e tem como objetivo ajudar os indivíduos sofredores na recuperação da antiga e desconcertante enfermidade que é o alcoolismo WILSON SMITH 19351991 Como estratégias de intervenção no contexto institucional a estagiária buscou identificar as necessidades e problemáticas relevantes do grupo com o objetivo de estudar as características do espaço físico social político e cultural do ambiente As demandas e possibilidades alternativas foram analisadas durante o estágio e nas intervenções a fim de proporcionar reflexão solução alternativas e enfrentamento diante dos problemas levantados pelo grupo Todos os encontros foram devidamente planejados embora as tarefas desenvolvidas em Psicologia Comunitária exijam criatividade e improviso conforme a demanda da ocasião em que o grupo se apresenta A partir desses momentos um plano de estágio foi elaborado pela estagiária e as semanas passaram a serem alternadas com rodas de conversa e dinâmicas de grupo A expectativa de quantos participantes iria estar presente fez parte do contexto pois esse é um lugar onde a quantidade de residentes varia a cada semana Outro dado importante para ser citado aqui é que a participação ativa do grupo foi gradativamente sendo satisfatória pois os residentes colaboraram espontaneamente com as atividades e demonstraram interesse pela psicologia no trabalho com o coletivo RESULTADOS RELATO DE EXPERIÊNCIA Conforme já referido o Estágio Profissional em Psicologia Comunitária acontece semanalmente em uma Comunidade Terapêutica no qual a estagiária esteve inserida durante todo ano de 2018 para um trabalho com os residentes internos que estavam em busca de recuperação pelo uso de substâncias químicas O primeiro semestre ficou por conta de observações e inserção com intervenções durante a realização das tarefas já préorganizadas pelo coordenador e monitores Durante esse primeiro momento o grupo de residentes 15 Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 p 0322 jul 2021 apresentou variáveis constantes de presença Uma das expectativas da estagiária ficou por conta da participação ativa dos componentes do grupo pois não sabia como seria aceita para as intervenções mas surpreendentemente o grupo foi progredindo analisando e compartilhando as angústias e sofrimentos Cada residente foi dando depoimentos sobre sua vida e sobre os momentos difíceis pelos quais passaram e passam No primeiro semestre havia ainda mais duas estagiárias que trabalhavam com a equipe uma de outra universidade e uma que fazia o estágio de observação da mesma instituição O ano começou com dez residentes e no final de 2018 a CT da região contava com dezessete residentes Os conceitos de comunidade terapêutica podem ser definidos em contraste com as abordagens de equipe ao diagnóstico e tratamento que preponderam na psiquiatria contemporânea Ambos se baseiam na participação e na colaboração de diversos profissionais da saúde mental As tarefas são distribuídas de acordo com a proposta do grupo e tem função disciplinar Uma CT teria o objetivo de maximizar o processo democrático de tomada de decisões A ideia do tratamento em CT surgiu como um desafio aos efeitos regressivos e anti terapêuticos que os hospitais psiquiátricos ofereciam a seus pacientes O objetivo de uma CT é oferecer um tratamento comunitário com uma equipe que trabalhe em conjunto que seja organizada para a realização do tratamento dos pacientes que participam ativamente das tarefas e são coresponsáveis pelo que fazem no CT As atividades tem o objetivo de integração reabilitação e reeducação social As vivênciasaprendizados são experienciadas a todo instante e a comunicação entre equipe e pacientes favorece um feedback imediato com relação aos comportamentos e reações observados Essa exploração favorece aos pacientes o enfrentamento à vida dentro e fora da comunidade terapêutica KERNBERG 2000 Alguns depoimentos foram significativos e impactaram o grupo e a estagiária As verbalizações mais significativas serão mencionadas aqui configurados em frases como forma de reflexão na tentativa de entender a maneira como o dependente químico nomeia suas experiências suas perdas seus medos sua vida e as dificuldades enfrentadas diante do uso de substâncias tóxicas Tenho muito medo de voltar para casa de voltar para o meu bairro Lá os traficantes te oferecem a droga na porta de casa A sociedade vive embriagada Os políticos vivem embriagados O sistema não quer que os dependentes químicos se recuperem A droga foi o maior amor da minha vida Foi por ela que larguei tudo Tenho muitas experiências em Comunidades Terapêuticas Agora vou me dedicar mais e tudo vai dar certo para mim 16 Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 p 0322 jul 2021 Não é fácil sair daqui e continuar uma vida onde a droga impera a minha própria casa era o lugar que eu usava droga Como voltar para lá As falas citadas acima foram consideravelmente trabalhadas em grupo durante as rodas de conversa Segundo Ribeiro 2009 o uso de drogas está presente e é visivelmente testemunhado pela sociedade ocidental capitalista contemporânea Profissionais da saúde são diariamente convocados para tratar dessa drástica realidade O consumo é hoje considerado um fenômeno um problema de saúde mental e de segurança pública em nosso país Observase que o ambiente familiar onde normalmente os dependentes químicos estão inseridos é bastante conturbado Costa 2018 ressalta que algumas famílias têm certa dificuldade de exercer seus devidos papéis no âmbito familiar não há o estabelecimento de regras e limites claros e coerentes ficando evidente um déficit na função paterna favorecendo uma confusão entre o que é permitido e o que é proibido Ainda durante o primeiro semestre a estagiária observou e participou das seguintes atividades Leitura de Os Doze Passos observação do trabalho administrativo laborterapia trabalho no pátio da CT visita no domingo com familiares dos residentes participação na cerimônia de entrega de certificados aos residentes que cumpriram o período de residência sessão cinema para assistir aos filmes Conversando com Deus O céu é de verdade participação em reuniões de equipe reunião de metas com os residentes Para o segundo semestre a estagiária organizou e apresentou durante uma reunião de equipe um plano de estágio que intercalou as semanas entre rodas de conversa e dinâmicas de grupo Segundo Miranda 2006 as dinâmicas de grupo são técnicas que favorecem o desenvolvimento interpessoal O exercício de algumas atividades propõe minimizar os conflitos vivenciados no ambiente e nas relações construídas nos grupos A aceitação da proposta da roda de conversa e dinâmicas de grupo foi unânime tanto pela equipe administrativa quanto dos residentes que participaram ativamente dos momentos Durante as rodas de conversa cada residente pôde expor seus sentimentos e os assuntos foram complementados pelos componentes do grupo que expressaram suas opiniões ou mesmo colaboraram com o que foi dito A presença da estagiária do curso de psicologia ofereceu uma escuta atenta uma oportunidade para que tivessem momentos terapêuticos de suma importância para todos Os que não falavam escutavam e aproveitavam as ocasiões para reflexões sobre suas vidas Esses momentos de conversa serviram também para o espelhamento no qual há uma identificação com o que está sendo dito No segundo semestre outra estagiária também realizou seu estágio com o grupo porém em momentos diferentes e com outra abordagem psicológica Os residentes comentaram 17 Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 p 0322 jul 2021 diversas vezes sobre a importância do trabalho do psicólogo na instituição e sentiramse privilegiados por terem tido duas estagiárias atuando na Comunidade Terapêutica Em alguns momentos compararam os trabalhos das estagiárias dizendo que eram propostas distintas e que aproveitavam as oportunidades os momentos e as ideias emergidas do grupo Todas as dinâmicas de grupo realizadas com os residentes da CT foram minuciosamente estudadas e cuidadosamente planejadas para serem vivenciadas pelo grupo Serviram como instrumento para reflexão elaboração aprendizagem e experiências subjetivas cujo ambiente lúdico favoreceu a ação e interação coletiva dos componentes do grupo junto às tarefas realizadas Em um dos momentos a estagiária leu de início a seguinte frase Ser homem é ser responsável É sentir que colocando sua pedra se colabora com a construção do mundo Exupéry Em seguida todos colaboraram com dar seguimento às frases já construídas em uma cartolina pela estagiária porém inacabadas Foram lidas dez frases com o objetivo de sensibilizar e socializar o grupo MIRANDA 2014 A dinâmica sobre valores teve como objetivo principal a reflexão pessoal sobre as palavras que cada residente recebeu Todos receberam um papel com uma palavra de valor emocional escrita como por exemplo otimismo esperança alegria sinceridade honestidade Em seguida cada um falou sobre a palavra que recebeu No final os papéis foram embaralhados e cada um ficou com uma palavra para ler silenciosamente e guardar até a semana seguinte quando aconteceu o segundo momento da dinâmica no qual puderam falar novamente sobre essa palavra que ficou com eles durante a semana Interessante observar o quanto se identificam com a palavra que recebem e o quanto de assunto podem discorrer sobre ela relacionando suas vidas Em outro momento foi aplicada a dinâmica da bula de remédios com a qual puderam ser criativos e falar de si próprio como se seu nome fosse o de um remédio A criação é um exercício que estimula o participante a mostrarse consciente ou inconsciente como realmente é falando de sua vida expectativas valores e dificuldades Outra dinâmica que é importante citar aqui foi a de falar sobre a infância Foram entregues cartões individuais com números de cinco a dez Cada residente teria de pensar sobre o número que recebeu referente à idade e falar do que se lembrava da época em que tinha aquela idade Poderia ser lembranças positivas ou negativas Alguns mencionaram que foram a idade na qual tiveram contato com a bebida alcoólica pela primeira vez seis oito e dez anos de idade Durante os relatos foi possível observar momentos de emoção tristeza e saudade Alguns revelaram que já tinham esquecido aquela época Que era bom relembrar A dinâmica do desenho livre possibilitou mais um momento lúdico quando puderam ser criativos com os desenhos e utilizar as cores de suas preferências se assim desejassem Tiveram 18 Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 p 0322 jul 2021 um tempo de trinta minutos para construção dos desenhos e depois puderam falar sobre o que haviam criado sobre a experiência que tiveram com o desenho os sentimentos despertados e as lembranças relacionadas à criação gráfica Em seguida a estagiária fez observações sobre os detalhes que mais chamaram a atenção em cada desenho Alguns se surpreenderam com o resultado e com o significado apresentado validando a interpretação psicanalítica da estagiária Para as Rodas de Conversa a estagiária recomendou depois de diversas rodas com temas livres e emergentes que o grupo sugerisse assuntos que gostariam de discutir e falar Em concordância ficou acordado que teríamos assuntos então préestabelecidos para os encontros das rodas de conversa O primeiro tema sugerido pelo grupo foi falar sobre a mãe biológica Embora todos tivessem concordado com o assunto no dia da roda alguns residentes não conseguiram falar Um deles disse Não tenho boas lembranças não quero falar Outros dois residentes ficaram em silêncio enquanto os demais falaram de suas mães avós e cuidadoras Um deles disse que faria ali uma revelação que ninguém sabia ainda e disse Sou filho de um estupro Minha mãe me teve com quatorze anos de idade e sou filho do amante de minha avó Momentos de profundo sentimento de emoção e comoção foram percebidos durante alguns relatos de vida e experiências com as mães Outro assunto solicitado pelo grupo foi falar sobre o pai Nesse dia novamente alguns residentes não conseguiram falar de seu pai por algum motivo importante impactante ou traumático Uns falaram de um pai liberal permissivo outros de um pai alcoólatra doente que abandonou a família ausente da função de paterna outros não conheceram seu pai O assunto circulou na roda de conversa e além da oportunidade disponível para falarem de seus pais puderam também falar da função de pai que ocupam atualmente De como lidam com a questão da paternidade do desejo de serem pais e de como lidam com os filhos Nesse momento foi percebido que a emoção ficou aflorada no grupo Alguns residentes falaram com a voz embargada com lágrimas escorrendo por suas faces enquanto diziam Não sou o melhor pai do mundo meu filho tem vergonha de ter um pai drogado Vi meu pai na mesma situação que estou agora viciado mas eu estou tentando me livrar disso Quero ser um bom pai pro meu filho Hoje vejo minha filha bebendo e fumando me vejo nela ela tem a quem puxar Os momentos de reflexão e fala mobilizam os sujeitos pois os assuntos são importantes para vida de cada um Proporcionam sentimentos de angústia tristeza e culpa mas favorecem o pensar sobre o assunto proposto e seguidamente surge uma série de lembranças numa tentativa de se darem conta das falhas das tentativas de acertos dos erros das afinidades da falta do excesso das afetividades do amor da raiva do vazio e tantos outros sentimentos que afloram são vivenciados durante as rodas de conversa e dinâmicas de grupo 19 Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 p 0322 jul 2021 O olhar do psicólogo comunitário está voltado ao prisma na promoção da saúde e na prevenção dos agravos O foco está na atenção das capacidades e habilidades e não só no adoecimento e na carência ou debilidades do sujeito ou da comunidade As potencialidades e recursos devem ser considerados levandose em conta as questões culturais e adversidades entendendo o contexto o valor e o que realmente é importante para os sujeitos e a comunidade em questão RECK e PICOLLI 2016 CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo da CT em questão é promover mudança no comportamento dos indivíduos e favorecer a reinserção na sociedade Desse modo valores como espiritualidade responsabilidade solidariedade amor e honestidade são diariamente trabalhados com os residentes O modelo residencial e o funcionamento da CT estão pautados na premissa de que diante do contrassenso de promover mudanças no sujeito dependente químico é necessário modificar o meio onde ele vive e retirálo da situação em que acontece o consumo de drogas O processo terapêutico prioriza intervenções individuais grupais e sociais atribuindo funções direitos e responsabilidades ao sujeito Faria Ferigato e Lussi 2020 consideram pouca discussão sobre a necessidade de modificar a realidade que determina a produção e consumo de drogas Há urgência na modificação de políticas públicas para efetivação de pautas que compreendam a situação como um problema grave e que é resultado das relações determinantes do lugar que cada sujeito usuário de drogas ocupa no mundo Momentos de profundo sentimento de emoção e comoção foram percebidos durante alguns relatos de vida É importante que a instituição seja ela qual for proporcione um espaço para a conversa livre com o trabalho do psicólogo sendo valorizado e permitindo um ambiente acolhedor uma escuta atenta Alguns assuntos precisam ser discutidos em conjunto e é nas trocas de experiências que algumas respostas podem ser dadas Os indivíduos necessitam de respostas que deem sentido à vida mas cada um tem a sua própria história e o caminho para chegar onde estão nem sempre está consciente Considerando que se trata de um grupo que transita na quantidade dos seus integrantes é possível concluir que embora novos membros venham a fazer parte a cada semana o objetivo pelos quais estão ali participando é o mesmo e tem um só objetivo trabalhar e superar as angústias e a abstinência Os resultados dependem de disciplina força de vontade e mudança de hábito Todo trabalho desenvolvido da instituição com os dependentes químicos visam uma melhor qualidade de vida para o sujeito e seus familiares É fundamental que os profissionais da psicologia busquem capacitação e se envolvam 20 Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 p 0322 jul 2021 num trabalho conjunto com equipes multidisciplinares visando à promoção da saúde do sujeito que busca ajuda Portanto é imprescindível conhecer e aprofundar os conhecimentos a fim de entender os motivos que levam uma pessoa a se envolver com o uso de substâncias O trabalho do psicólogo com dependentes químicos é crucial e abrange diversas questões pois o uso de drogas está presente em grande parte das famílias da atualidade provocando assim um sofrimento que não é somente do dependente químico mas de todas as pessoas com as quais ele convive Quem teve a oportunidade de aproximarse de uma CT tem a sensação de haver participado de algo diferente Quem teve além disso a oportunidade de conviver durante algum tempo numa CT terá uma lembrança que o acompanhará pelo restante dos seus dias GOTI 1990 REFERÊNCIAS ANDALÓ C S de A O papel de coordenador de grupos Psicologia USP v12 n1 São Paulo 2001 BAUMAN Z Comunidade A busca por segurança no mundo atual Rio de Janeiro Copyright 2001 BLEGER J Psicologia institucional In BLEGER J Psicohigiene e psicologia institucional Artes Médicas Porto Alegre 1984 CASELLA M Estratégias em psicologia institucional entrada na instituição conceituação características e cuidados iniciais Edição 2 Editora Loyola ISBN 8515007487 1993 COSTA C P Da O vínculo com a figura paterna e o desenvolvimento da dependência química em jovens do sexo masculino Porto Alegre Psicologiacom pt o portal dos psicólogos Trabalho elaborado para Conclusão de Curso para obtenção do título de psicólogo no ano de 2007 na PUCRS Brasil Disponível em httpswwwscielosporg Acesso em 02 de Set 2018 DÉA H R F D et al A Inserção do Psicólogo no Trabalho de Prevenção ao Abuso de Álcool e Outras Drogas Psicologia Ciência e Profissão 2004 24 1 108115 São Paulo 2004 EIZIRIK C L AGUIAR R W SCHESTATSKY S S Psicoterapia de orientação analítica Fundamentos Teóricos e Clínicos In PECHANSKY F LUBORSKY L Abordagem psicodinâmica do paciente dependente químico 2ª ed Artmed Ed SA 2005 p 780781 FARIA P F O FERIGATO S H LUSSI I A O apoio matricial na rede de atenção às pessoas com necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas Bras Ter Cad 21 Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 p 0322 jul 2021 Ocup vol28 no3 São Carlos julset 2020 Epub 09Out2020 Disponível em httpdxdoiorg10432225268910ctoao1987 Acesso em 03 de Dez 2020 FOSSI L B GUARESCHI N M de F O modelo de tratamento das comunidades terapêuticas práticas confessionais na conformação dos sujeitos Psicologia Clínica e Psicanálise Estudos e Pesquisas em Psicologia Rio de Janeiro v 15 n1 2015 p 94115 versão Online ISSN 18084281 Acesso em 02 de Set 2018 FREUD S Resumo das obras Completas 1974 Atheneu Rio de Janeiro 1904 KERNBERG O F Ideologia Conflito e Liderança em grupos e organizações Ed Artmed Porto Alegre 2000 GABBARD G O Psiquiatria Psicodinâmica na prática clínica In Transtornos Alimentares Relacionados a Substâncias e Transtornos Aditivos e Transtornos Ed Artmed 5ª ed Porto Alegre 2016 p 352353 GOTI ME La comunidad terapéutica un desafío a la droga Buenos Aires Nueva Visión 1990 LAPASSADE G El analizador y analista Barcelona Gedisa ed In Guirado Marlene A análise institucional de George Lapassade in Psicologia institucional EPU São Paulo 1987 LEMES AG NASCIMENTO V F ROCHA E M ALMEIDA M A S O VOLPATO R J LUIS M A V Terapia Comunitária como cuidado complementar a usuários de drogas e suas contribuições sobre a ansiedade e a depressão Esc Anna Nery vol24 no3 Rio de Janeiro 2020 Epub 09Abr2020 Disponível em httpdxdoiorg10159021779465ean 20190321 Acesso em 03 de Dez 2020 MACIEL S C SILVA F F PEREIRA CA DIAS C C V ALEXANDRE T M O Cuidadoras de Dependentes Químicos Um Estudo sobre a Sobrecarga Familiar Psic Teor e Pesq vol34 Brasília 2018 Epub 29Nov2018 Disponível em httpsdoiorg10159001023772e34416 Acesso em 02 de Dez 2020 MIRANDA S de Oficina de dinâmicas de grupo para empresas escolas e grupos comunitários Ed Papirus 14ª ed São Paulo 2006 MIRANDA S de Oficina de Dinâmica de Grupos para Empresas Escolas e Grupos Comunitários vol II Papirus Editora São Paulo 2014 MOURA A F LIMA M G A Reinvenção da Roda Roda de Conversa um instrumento metodológico possível Revista Temas em Educação João Pessoa v23 n1 p 98106 jan jun 2014 PAIVA I L YAMAMOTO O H Formação e prática comunitária do psicólogo no âmbito do terceiro setor Estudos de Psicologia UFGRS Agosto 2010 PRATTA E M M O Processo SaúdeDoença e a Dependência Química Interfaces e Evolução Psicologia Teoria e Pesquisa Universidade Camilo Castelo Branco Manoel Antonio dos Santos Universidade de São Paulo vol 25 n 2 AbrJun 2009 p 203211 22 Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 p 0322 jul 2021 RECK L M PICOLLI I M O Psicólogo e a Comunidade Construindo Possibilidades 2016 RIBEIRO C T Que lugar para as drogas no sujeito Que lugar para o sujeito nas drogas Uma leitura psicanalítica do fenômeno do uso de drogas na contemporaneidade Ágora Rio de Janeiro vol XII n 2 juldez 2009 ROSA EM et al Inserção Ecológica em uma instituição de acolhimento para crianças no Espírito Santo In KOLLER SH MORAIS N A PALUDO S S Orgs Inserção Ecológica um método de estudo do desenvolvimento humano São Paulo Casa do Psicólogo 2016 p 95117 ROSA A C A LUIZIO C A YASUI S As Conferências Nacionais de Saúde Mental e as premissas do Modo Psicossocial Saúde em Debate 2001 Disponível em httpwwwscielobrimgptscielobregif Acesso em 02 de Set 2018 SCHIMITH P B MURTA G A QUEIROZ SS A abordagem dos termos dependência química toxicomania e drogadição no campo da Psicologia brasileira Psicol USP vol30 São Paulo 2019 Epub 11Abr2019 Disponível em httpsdoiorg1015900103 6564e180085 Acesso em 03 de Dez 2020 ZIMMERMANN D Fundamentos básicos das grupoterapias Artmed 2² ed Porto Alegre 2000 WILSON W G SMITH RH Os doze passos Estados Unidos 1935 WINNICOTT D W Textos selecionados da pediatria à psicanálise Rio de Janeiro 1978 Psicologia Sociedade 20 1 8090 2008 91 DEPENDÊNCIA DE DROGAS E PSICOLOGIA SOCIAL UM ESTUDO SOBRE O SENTIDO DAS OFICINAS TERAPÊUTICAS E O USO DE DROGAS A PARTIR DA TEORIA DE IDENTIDADE1 Aluísio Ferreira de Lima Universidade Federal do Ceará Fortaleza Brasil RESUMO Este artigo apresenta os resultados da dissertação de mestrado que teve como proposta a investigação do sentido da oficina terapêutica de teatro para uma pessoa acompanhada no ambulatório de tratamento da dependência química do município de Diadema SP Para isso partiuse da Psicologia Social e do conceito de identidade como categoria central de análise propondo entender o fenômeno não apenas no seu aspecto instrumental mas sim em todo o contexto no qual o indivíduo usuário de substâncias psicoativas está inserido nos conflitos da tradição versus modernidade do mercado de consumo dos diagnósticos e tratamentos Com tal abordagem pretendese apresentar uma contribuição tanto teórica quanto política A pesquisa foi realizada a partir da narrativa da história de vida da participante que foi gravada e transcrita com o consentimento da entrevistada Finalmente o presente trabalho tece algumas reflexões sobre a questão das drogas e da possibilidade de metamorfose por meio da oficina terapêutica de teatro assim como oferece subsídios para discutir as identidades pósconvencionais e as possibilidades de emancipação PALAVRASCHAVE Uso de drogas oficina terapêutica identidade Psicologia Social DRUG DEPENDENCY AND SOCIAL PSYCHOLOGY A STUDY ON THE MEANING OF THERAPEUTIC WORKSHOPS AND THE USE OF DRUGS FROM THE THEORY OF IDENTITY ABSTRACT This paper presents the results of a Masters dissertation that investigated the meaningof the therapeutic theater workshop for a person who has been treated at the ambulatory of drug dependency in the city of Diadema SP To do so our analysis is centered on categories of Social Psychology and the concept of Identityn considering to understand the phenomenon not only in its instrumental aspect but the context as a whole in which the individual that uses psychoactive substances is inserted in the conflicts between tradition vs modernity in the consumer market of diagnosis and treatments with such an approach proposing a theoretical as much as a political contribution The research was carried out from the narrative of the participants life history which was recorded and transcripted with the consent of the interviewed Finally this work weaves some reflections on the question of drug usage and the possibility of change through the therapeutic theater workshop as well offering subsidy to discuss postconventional Identities and the possibilities of emancipation KEYWORDS Drug usage therapeutic workshop Identity Social Psychology Ao abordarmos o tema das drogas há que se apre sentar primeiramente os pressupostos dos quais se parte vistas a amplitude e a diversidade das discussões acerca do tema que vão desde o ponto de vista mais conservador até o mais libertário do mais reducionista até o mais com plexo No que se refere à contextualização desse problema ao nível global sabemos que de acordo com a World Healt Organization WHO quatro das seis causas de vivência com inaptidão ocorrem devido a distúrbios neuropsiquiátricos depressão uso de álcool esquizofrenia e transtorno bipolar uma entre quatro famílias tem pelo menos um membro com transtornos mentais além dos custos de saúde e sociais aqueles que passam por sofri mento mental também são vítimas de violações dos direi tos humanos estigma e discriminação tanto dentro quan to fora das instituições psiquiátricas WHO 2003 p 4 O custo social e os impactos econômicos dos transtornos mentais afetam a renda pessoal e familiar e custam para a economia nacional vários bilhões de dólares por ano A WHO mostra que o abuso de álcool e outras drogas continua sendo um dos maiores problemas de saúde pública do mun Psicologia Sociedade 20 1 91101 2008 Ferreira de Lima A Dependência de drogas e Psicologia Social estudo sobre as oficinas terapêuticas e o uso de drogas a partir da Teoria da Identidade 92 do tanto nos países desenvolvidos quanto nos pa íses em desenvolvimento Mundialmente o uso de álcool respondeu por 4 do total burden de doen ças em 2000 WHO 2003 p 22 Estimase que atualmente existam 763 milhões de pessoas com problemas relacionados ao uso de álcool dos quais pelo menos 153 milhões sofreram algum dis túrbio psiquiátrico Entre 5 e 10 milhões de pessoas atu almente utilizam drogas injetáveis 5 a 10 das infec ções por HIV possivelmente são causadas por esse tipo de utilização Em 2000 mais de 18 milhões de mortes foram atribuídos ao uso de álcool e 205000 atribuídas ao uso de drogas ilícitas Embora esses dados possam apontar para um cer to pessimismo frente às possibilidades de enfrentamento do problema encontramos no Brasil grandes avanços no que se refere ao tratamento pois desde a III Conferên cia Nacional de Saúde Mental tem sido defendida a im portância do Ministério da Saúde em garantir a definição de políticas públicas para os usuários de álcool e outras drogas baseadas nos direitos humanos nos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde SUS e da Refor ma Psiquiátrica assim como a necessidade de garantir que o SUS se responsabilize pelo atendimento dos usuá rios de drogas e ao mesmo tempo não reduzir essa pro blemática exclusiva da saúde Brasil 2002 p 60 E mais ainda quando o Ministério da Saúde passou a implementar o Programa Nacional de Atenção Integrada aos Usuários de Álcool e outras Drogas reconhecendo o problema do uso prejudicial de substâncias como um grave problema de saúde pública situada no campo da saúde mental e tendo como estratégia a ampliação do acesso ao tratamento a compreensão integral e dinâmica do problema a promoção dos direitos e a abordagem de redução de danos Brasil 2005 p 46 Em 2003 o Ministério da Saúde propôs a Política do Ministério da Saúde para a Atenção Integral a Usuári os de Álcool e outras Drogas na qual a Redução de Danos passa a ser a política pública adotada A partir de então a postura preconizada é a de colocarse na condi ção de acolhedor tendo em vista que cada indivíduo traz consigo sua história de vida expressando sua individua lidade e também uma expressão da história de vida de muitas outras pessoas Brasil 2004 Essa compreensão permite que entendamos o consumo de drogas como um problema social e o usuário de drogas como sendo um cidadão que tem direito de usar o que quiser mas que deve se conscientizar de sua situação de risco e as impli cações para sua rede de relações É nesse cenário que encarei o desafio de realizar uma pesquisa de mestrado em Psicologia Social A Lima 2005 e mais especificamente ousei fazer uma análise do uso de drogas utilizando a teoria da Identidade desenvolvi da por Ciampa 1987 A escolha pelo orientador assim como pelo referencial teóricometodológico se deu como uma reação às leituras reducionistas e pessimistas que des crevem o ser humano impotente perante as influências das substâncias psicoativas aos estudos que partem da influ ência da droga no comportamento humano ou ainda às pesquisas que focam a influência do mercado no consu mo das drogas Meu interesse voltouse para o indivíduo sua relação com as substâncias psicoativas e principal mente ao sentido que este atribuiu à oficina terapêutica de teatro na metamorfose de sua identidade na transforma ção da sua condição de dependente de drogas em um indi víduo que pode ter uma postura autônoma frente às subs tâncias que utiliza seja a partir da redução do consumo substituição ou abstinência Através do material bibliográ fico e empírico coletados na pesquisa exploro a possibili dade de desenvolvimento de identidades pósconvencio nais Habermas 1983 de usuários de drogas Desse modo a pesquisa enfocou a identidade como categoria central de análise o que implicou compreender o fenômeno envolvendo as substâncias psicoativas a partir da tensão existente entre o mundo da vida e a lógica sistêmica esses conceitos serão explicados no decorrer do texto e sua influência na construção desconstrução e reconstrução das identidades Partindo da considera ção da influência capitalista nos problemas atuais discu to ao longo da pesquisa os conflitos existentes entre a tradição e a modernidade as influências do mercado de consumo os diagnósticos e tratamentos na construção da personagem do dependente de drogas assim como a possibilidade de desconstrução dessa personagem de pendente de drogas a partir da intervenção que o sujeito da pesquisa sofreu em um Centro Atenção Psicossocial para álcool e outras drogas mais precisamente na ofici na terapêutica de teatro Dada a amplitude de questões discutidas na pesquisa de mestrado este artigo tem como objetivo trazer uma síntese das principais questões abor dadas e das considerações finais acerca do problema O envolvimento do pesquisador com o mundo das drogas O interesse pelo estudo da identidade das pessoas que utilizam substâncias psicoativas surgiu durante o período de estágio acadêmico no ambulatório de trata mento aos usuários de drogas do município de Diadema SP Espaço Fernando Ramos da Silva EFRS Isso ocor reu no período de 15 de fevereiro de 2002 a 31 de de zembro de 2003 quando foram executadas as seguin tes tarefas na instituição atendimentos individuais grupais familiares trabalhos de prevenção e capacitação na temática das drogas e monitoria em oficinas terapêu ticas Psicologia Sociedade 20 1 91101 2008 93 Neste período foi observado que os usuários do serviço envolvidos no tratamento tinham uma participa ção constante nas oficinas terapêuticas sendo que na maioria das vezes era o único espaço freqüentado por eles Também foi observado durante os atendimentos do grupo de familiares que a mudança de personagens destes usuários era constantemente trazida pelos com ponentes da família Verificouse inclusive que alguns familiares vinham ao grupo informar o abandono do paciente justificando que este tinha mudado de vida arrumado emprego namorada reconstruído relaciona mentos etc Observei utilizando uma expressão habermasiana a presença de fragmentos de emancipação na vida des ses usuários como por exemplo o fenômeno presenci ado na oficina terapêutica de teatro do EFRS quando após a apresentação de uma peça teatral em um Encontro Internacional e serem acolhidos e parabenizados como artistas pelos representantes europeus e latinoameri canos os usuários retornaram na semana seguinte pro pondo a mudança do nome da oficina de teatro do EFRS Os Recuperandos para Cia ReVisão com a ar gumentação de que o antigo nome os colocavam em cons tante reposição do problema que passavam ao passo que revisão colocava como proposta uma nova forma de lidar com a vida sendo proposto para os técnicos a apresentação de peças em outros eventos e espaços Es ses Fragmentos de emancipação levoume a pesquisar o sentido da oficina de teatro para uma pessoa submetida ao tratamento da dependência de drogas no EFRS en tendendo que a participação nesse lugar parecia propor cionar uma metamorfose de identidade significativa para esses indivíduos Sendo assim fica explícito que a escolha do EFRS como locus para encontrar os possíveis participantes da pesquisa se deu pela forma de tratamento da instituição em que a permanência do indivíduo depende de sua dis posição ao tratamento proposto diferentemente de insti tuições totais descritas há muito por Irvin Goffman 1961 que utilizam a internação e a abstinência como forma ideal para o tratamento da dependência de drogas em que é necessário que o indivíduo abra mão de seu desejo e autonomia passando por um período de internação tendo além dos atendimentos das especialida des a participação obrigatória em oficinas terapêuticas Outro fator que fortaleceu a escolha do EFRS dentre outras instituições de tratamento do ABC foi o fato desta instituição ter seu projeto de criação e intervenção utiliza do como objeto de pesquisa em uma dissertação de mestrado em Psicologia Social da Pontifícia Universida de Católica de São Paulo PUCSP S Lima 2000 A direção do EFRS mostrouse bastante interessa da em colaborar com a pesquisa possibilitando acesso aos prontuários e indicando informantes e participantes potenciais para entrevistas Entre os 2494 prontuários de usuários matriculados até 22122003 levantamos os prontuários de expacientes que apresentavam em seu histórico alguma participação na oficina terapêutica de teatro durante seu tratamento na instituição Este proces so foi iniciado no dia 20 de dezembro de 2003 e encerra do em 15 de janeiro de 2004 Ao todo foram levantados 57 prontuários de pesso as que faziam uso de drogas psicoativas e obtiveram alta do ambulatório ou abandonaram o mesmo em momento de maior organização pessoal e que participavam dessa oficina Após a escuta de informantes sobre o possível participante os informantes foram antigos usuários fami liares de usuários e técnicos da instituição finalmente es colhemos uma usuária que apresentavase como caso emblemático em outras palavras um histórico que apon tava para uma possível identidade pósconvencional A escolha da oficina terapêutica de teatro entre as outras da instituição ocorreu devido a alguns fatores a ao fato desta ter sido a primeira oficina da instituição b ser a oficina na qual o usuário expõe seu trabalho por meio do corpo para um público que pode reconhecer ou não sua atuação c pelo seu efeito peculiar de possibili tar a mudança nas interpretações publicamente reconhe cidas referentes ao indivíduo estigmatizado Este último item é defendido por Habermas quando diz uma com panhia de teatro os membros de uma universidade ou de uma organização eclesial conseguem impor reivindica ções de cogestão esse fato tem também certamente um aspecto político Habermas 1983 p 99 A pesquisa foi realizada coletando a narrativa da história de vida gravada e transcrita com o consenti mento da entrevistada que assinou um termo de autori zação esclarecendo os objetivos da pesquisa e garantindo o sigilo Estes relatos procuraram focar acontecimentos imediatamente antes durante e após sua participação na oficina terapêutica para que a participante nos contasse diversos aspectos de sua vida não apenas aquele que levouo a procurar tratamento no EFRS A escolha da narrativa de história de vida como instrumento principal de análise ocorreu devido ao fato do método utilizado na pesquisa ter como objetivo observar as metamorfoses na identidade isto é o intercâmbio de personagens no pro cesso histórico da participante A narrativa de história de vida como forma de en tender a constituição das identidades faz parte do método desenvolvido por Ciampa para analisar as identidades e alinhase às discussões trazidas por Walter Benjamin Benjamin demonstra como nos utilizamos de métodos simplificadores ao retratar as condições de existência humana ao nos aliarmos totalmente ao ideal de produção capitalista como se estivéssemos privados de uma fa culdade que nos parecia segura e inalienável a faculdade de intercambiar experiências Benjamin 1994 p 198 Ferreira de Lima A Dependência de drogas e Psicologia Social estudo sobre as oficinas terapêuticas e o uso de drogas a partir da Teoria da Identidade 94 A narrativa de história de vida permite resgatar o narrador que segundo este autor está em vias extinção há muito esquecido e sufocado por trazer as contradições do sis tema e por apontar o mal estar do cotidiano Deste modo procuramos registrar a memória viva da participante e compreender os processos de meta morfose que aconteceram nos diversos setores de sua vida novos significados que passaram a atribuir aos fa tos de sua vida como se percebe e percebe que é vista pelos membros dos grupos que freqüenta o que mudou na sua vida familiar social e profissional observando como este processo se desenvolveu Para tanto quando analisamos a narrativa de história de vida procuramos distinguir as personagens encarnadas dentro da narrati va verificando a articulação dessas personagens entre si como realidade subjetiva constituída a partir da internalização e da interiorização assim como com ou tros atores sociais como realidade objetiva que envolve a normatividade e a intersubjetividade Em outras pala vras buscamos entender seu projeto de vida o que é e o que quer ser Psicologia Social Crítica e identidade questões teóricometodológicas Conforme já explicitado anteriormente este artigo é a síntese de uma pesquisa de mestrado que buscou entender o sentido da oficina terapêutica de teatro para dependentes de drogas a partir da Psicologia Social mais especificamente a partir da teoria de identidade desen volvida por Antonio da Costa Ciampa cuja produção se gue uma vertente denominada Psicologia Social Crítica Reconhecendo a possibilidade de desconhecimento tanto dessa teoria da identidade quanto da Psicologia Social Crítica parece imprescindível uma breve exposição an tes da apresentação da pesquisa propriamente dita No que se refere a esta última podemos dizer que é conceituada como uma vertente da Psicologia Social que alinhase à teoria crítica formulada por Max Horkheimer na escola de Frankfurt e desenvolvida atu almente embora isso não seja visto de forma consensual por Jürgen Habermas Em linhas gerais essa proposta teóricometodológica impõe a necessidade de investigar a possibilidade de desenvolvimento de um pensamento crítico que conduza os indivíduos à percepção de si mes mos como sujeitos ativos da história possibilitando que saiam da alienação que os mantém na condição de obje tos passivos que sofrem a história Em outras palavras a Psicologia Social Crítica pro cura entender como o mundo da vida2 espaço cotidia no onde são possíveis de serem identificadas as formas cooperativas de existência vem sofrendo a colonização subordinação à lógica sistêmica e como esse proces so tem reultado numa série de distúrbios a perda de sen tido das tradições culturais na reprodução social anomia interação social e psicopatologias e distúrbios de for mação da identidade socialização e individuação Habermas 1990 Vale reforçar aqui que o mercado sempre fez parte dessa ordem sistêmica cuja existência se justifica ou deveria se justificar pelo atendimento às necessidades do mundo da vida e não o contrário como vem cada vez mais acon tecendo em que a própria vida é posta a serviço dos interesses sistêmicos Ciampa 2004 p 2 Dessa maneira para a Psicologia Social Crítica o problema não estaria na racionalidade mas na dificuldade de se desenvolver uma certa racionalidade que possa es capar da irracionalidade que transforma os meios em fins e que é resultado da colonização proporcionada pela lógica sistêmica Aqui aparece a importância das pesquisas de identidade para a Psicologia Social Crítica na medida em que esse conhecimento pode ajudar a entender como eu internalizei minha classe como reproduzo minha classe a tal ponto que sou diferente de outro burguês Carone sd p 13 e desvelar tanto as influências do capital no desenvolvimento dessa identidade como os fragmentos emancipatórios presentes na mesma Tendo expressado mesmo que de forma simplista a importância dos estudos de identidade para uma Psico logia Social Crítica apresentamos agora a teoria de Ciampa que seguindo os pressupostos apresentados difere das tradicionais concepções de identidade que ten dem à naturalização do desenvolvimento individual ou ainda daquelas que trabalham com a perspectiva de per sonalidade Na concepção desenvolvida por Ciampa a identidade do humano é construção reconstrução e desconstrução constantes no diaadia do convívio so cial na multiplicidade das experiências vividas Kolyniak Ciampa 1993 p 9 Como esse autor costuma postu lar a identidade é o que estousendo ao mesmo tempo em que é aquilo que me nega naquilo que também sou semestarsendo na medida em que sempre compareço como representante de mim mesmo uma personagem perante os outros Ciampa diz ainda que cada indivíduo encarna as relações sociais configurando uma identida de pessoal uma história de vida um projeto de vida Uma vida que nem sempreévivida no emaranhado das rela ções sociais Ciampa 1987 p 127 Para Ciampa a identidade é sempre pressuposta uma identidade que é reposta a cada momento sob pena desses objetivos sociais filho pais família etc deixarem de existir 1987 p 163 e que isso introduz uma complexidade ao passo que ao ser reposta a identi dade é vista como dada e não como se dando num continuo processo de identificação É como se uma vez Psicologia Sociedade 20 1 91101 2008 95 identificado o indivíduo a produção de sua identidade se esgotasse com o produto Ciampa 1987 p 163 dan do a impressão que a identidade continua a mesma quan do na realidade está presa num movimento de mesmice O que sustenta a mesmice é o impedimento da eman cipação e a plena concretização da mesmice é aquilo que Ciampa chama de fetichismo da personagem que vai explicar a quase impossibilidade de um indivíduo atingir a condição de serparasi ocultando a verdadeira natureza da identidade como metamorfose e gerando o que será chamado identidade mito 1987 p 140 o mundo da mesmice da nãomesmidade e da má infinidade a não superação das contradições em que a própria atividade que serve de base para a personagem deixa de ser desem penhada Severino é lavrador mas já não lavra Contu do o impedimento da emancipação e a manutenção da mesmice não se constituem em algo inevitável na medida em que as contradições existentes na própria representa ção e consequentemente a impossibilidade de uma repre sentação única em todos os espaços sociais forcem uma alterização da identidade uma negação da negação O mecanismo da negação da negação é explicado por Ciampa 1987 p 187 da seguinte maneira A negação da negação permite a expressão do outro outro que também sou eu isso consiste na alterização da minha identidade na eliminação de minha identi dade pressuposta que deixa de ser reposta e no desenvolvimento de uma identidade posta como metamorfose constante em que toda a humanidade contida em mim se concretiza Isso permite me repre sentar 1º sentido sempre como diferente de mim mesmo deixar de presentificar uma representação de mim que foi cristalizada em momentos anteriores deixar de repor a identidade pressuposta O termo alterização trazido por Ciampa expressa a idéia de uma mudança significativa um salto qualitativo que resulta de um acúmulo de mudanças quantitativas às vezes insignificantes invisíveis mas graduais e não radi cais que podem indicar uma possibilidade e uma tendên cia da conversão das mudanças quantitativas em mudan ças qualitativas mudanças condicionadas às questões his tóricas e materiais determinadas O termo alterização é o que possibilita ao autor desenvolver o conceito de mesmidade que se refere à superação da personagem vivida pelo indivíduo é a expressão do outro outro que também sou eu Isso se torna possível a partir do potencial para formular projetos de identidade cujos conteúdos não estejam prévia e autoritariamente definidos aparecendo aqui o sentido emancipatório da identidade Esse movimento para a emancipação se dá com o desenvolvimento de uma Identidade PósConvencio nal Compreendendo a complexidade desses conceitos é importante ressaltar como esses dois termos são en tendidos Os dois conceitos seguem a influência habermasiana sendo que o primeiro termo é entendido aqui como a superação de visões estreitas nas quais ca ímos devido a ilusões pelas quais somos de certa for ma responsáveis uma vez que elas não resultam de uma causalidade natural nem das limitações do próprio inte lecto Habermas 2005 p 163 Já a identidade pós convencional é compreendida como aquela que antecipa uma forma de vida com valores e normas ainda não esta belecidos que só pode estabilizarse na antecipação de relações simétricas de um reconhecimento recíproco isen to de coerção Habermas 1993 p 222 É possível inferir que essa identidade pósconvencional somente tornase possível quando o indivíduo passa a atribuir às suas vivências um sentido de autodeterminação e prin cipalmente possa ser autor da própria história Ser autor da própria história como medida das iden tidades pósconvencionais é um horizonte para o pesqui sador de identidade que deve estar atento para não pro jetar conceitos que transformem os indivíduos em sujei tos transcendentais em blocos uniformes que por sua vez neguem a pluralidade das formas de existência e os projetos de vida individuais Fica explícito que a identida de na perspectiva de Ciampa é tanto uma questão teóri ca quanto política ao passo que sua compreensão deve levar em consideração os fragmentos de emancipação e a sutil opressão alinhandose assim a tradição da teoria crítica da sociedade que incorpora o interesse emancipatório no conhecimento para além de sua mera aplicação prática e utiliza o conceito de reflexividade para decidir de que modo cada interesse promove autonomia ou seja pode levar à emancipação Tendo apresentado o referencial teórico adotado voltemos ao problema da pesquisa a dependência de dro gas e sua relação com a identidade Assim comecemos partindo da premissa que entendemos que o uso de dro gas nos primórdios da história da humanidade sempre esteve relacionado com a transcendência do espírito hu mano ou ainda com a anestesia do sofrimento corporal e mental e que podemos pensar observando como o uso de drogas é feito na modernidade que seu uso não mu dou muito desde os primeiros relatos de experiências com essas substâncias Essa afirmação é reforçada na medida em que observamos o uso de drogas relacionado ao ri tual capitalista seja no cafezinho antes do trabalho na cerveja do final de semana nos medicamentos para dor mir para engordar ou para emagrecer nas drogas utiliza das nas danceterias nas escolas etc seja para integrar esses grupos seja para ter alto rendimento ou ainda para fugir da realidade massacrante na qual o indivíduo está inserido Contudo esse não é um problema recente Ao lon go da história ocorreram diversas tentativas de caracteri zar a identidade do dependente de drogas com o intuito de desenvolver tecnologias que pudessem abarcar o fe Ferreira de Lima A Dependência de drogas e Psicologia Social estudo sobre as oficinas terapêuticas e o uso de drogas a partir da Teoria da Identidade 96 nômeno No entanto nenhuma dessas tentativas teve êxito dada a pluralidade de formas de vida na qual está inserida a pessoa que utiliza substâncias psicoativas De acordo com a literatura parece existir um consenso en tre os diferentes autores no que se refere à impossibilida de de traçar uma identidade típica para o dependente de drogas valendo a pena trazer algumas dessas contribui ções Para Freud por exemplo as drogas têm um lugar permanente na economia de libido Sendo assim devemos a tais veículos não só a produção imediata de prazer mas também um grau altamente desejado de independência do mundo externo pois sabese que com auxilio desse amortecedor de preocupa ções é possível em qualquer ocasião afastarse da pressão da realidade e encontrar um refúgio num mundo próprio com melhores condições de sensibi lidade Freud 2002 p 27 Se seguirmos o raciocínio de Freud podemos to mar como hipótese que quanto mais repressão existir na sociedade maior será o usoabuso de drogas por parte das pessoas Se isso for verdadeiro encontraremos um aparente paradoxo pois o usuário de drogas seria então uma denúncia do sistema na medida em que tem de bus car a satisfação humana em outras formas não institucionalizadas negando inclusive o princípio de de sempenho Já alguns autores da atualidade defendem que foram frustradas as tentativas de caracterização da per sonalidade típica do dependente de drogas Em Birman 2001 verificamos uma diferenciação entre os indivíduos que utilizam substâncias psicoativas pela dimensão compulsiva dos mesmos nas palavras deste autor os usuários de droga podem se valer da droga para seu deleite e em momentos de angústia mas esta nunca se transforma na razão maior de sua existên cia Os toxicômanos porém são compelidos à sua ingestão por forças físicas e psíquicas poderosas As drogas passam a representar para esse grupo o valor soberano na regulação de sua existência Birman 2001 p 223 Logo não haveria uma dependência física se não fosse a presença da dependência psíquica sendo que nas toxicomanias ocorreriam ambas as formas de dependên cia tendo no caso da dependência física um aumento crescente da dose inicialmente administrada com possí veis substituições por drogas mais potentes É importante apontar que também é insuficiente abordar o fenômeno das drogas sem levar em considera ção o contexto sóciohistórico no qual o indivíduo está inserido Seguindo essa linha de argumentação encon traremos em Bucher uma importante contribuição Ele defende que a identidade do usuário de drogas não se deixa reduzir a uma personalidade social enquanto as similação de influências externas e normativas culmi nando na confecção de papéis sociais estáveis e integradores Bucher 1992 p 176 Ao utilizarmos o conceito de identidade apresenta do anteriormente para discutir o problema da dependên cia de drogas teremos que seguir inicialmente dois pon tos de discussão O primeiro se refere às questões intersubjetivas que conotam um fetiche no uso de drogas e que atribuem a essas um poder de dominação inevitável sobre os indivíduos Isso equivale ao reconhecimento e redução dos indivíduos que utilizam essas substâncias psicoativas a uma única personagem o dependente de drogas Aqui encontramos outras complexidades na medida em que o fato dos indivíduos deixarem de re por esta personagem dependente nem sempre é uma garantia da recuperação dos outros personagens perdi dosnegados pai filho irmão trabalhador etc aprisi onandoo muitas vezes na personagem do Ex exde pendente exdrogado etc não ocorrendo portanto uma metamorfose como mesmidade de pensar e ser O segundo ponto de discussão referese às formas de utilização das drogas que podem conter tanto um sen tido reacionário no fortalecimento das indústrias de be bidas farmacêuticas tabagistas ilegais etc quanto emancipatório na medida em que entendemos que nem toda forma de contravenção seja algo negativo mas que podem apontar para a necessidade de mudança na reali dade vigente e que muitas vezes desvelam as desigual dades sociais e as impossibilidades de existência na soci edade administrada Neste último caso a dependência de drogas pode contraditoriamente ser uma reivindicação de independência da dependência da realidade vivida É importante registrar que quando utilizamos o ter mo usuário de drogas queremos apontar uma catego ria na qual estamos todos incluídos direta e indiretamen te mas que por conta das questões morais acabam sen do diferenciadas entre si Nos referimos tanto à pessoa que fuma seu baseado de maconha com os amigos participa da cervejada do final de semana que usa dro gas para dormir para lidar com a depressão que toma o cafezinho para agüentar mais um turno da exploração no mundo trabalhista enfim falamos de nós mesmos e ao mesmo tempo falamos daqueles que são estigmatiza dos pelo uso abusivo de qualquer uma dessas substânci as ou seja diferenciamonos das tradicionais concep ções que reforçam a estigmatização dos usuários de dro gas como bem escreve Amaral 2000 p 46 Ao estigmatizar o usuário de drogas a sociedade cumpre a função divergente a que explicitamente se propõe ou seja ao invés de desestimular o uso da droga reforçao por meio do rebaixamento contínuo da autoestima desses indivíduos negandolhes o acolhimento e a aceitação social estimulandoos a Psicologia Sociedade 20 1 91101 2008 97 integrarse com outros indivíduos marginalizados por diferentes desvios eou estigmas encontrando em outros toxicômanos a sua identidade grupal Ao realizar a discussão acerca dos diferentes as pectos e vislumbrar a complexidade envolvida na temática das drogas podemos inferir que o significado atribuído ao seu uso pertence a uma moral vacilante que em de terminado momento faz com que sejam incentivadas li beradas legalizadas etc e noutro proibidas por serem consideradas perniciosas e destruidoras da sociedade Desse modo tendo contextualizado nosso proble ma de pesquisa e apresentado o referencial teórico metodológico no qual apoiamos a mesma restanos ago ra apresentar a narrativa da história de vida de LouLou analisada na tentativa de apreender o sentido que esta atribui a sua participação na oficina terapêutica de teatro buscando verificar se o processo de metamorfose ocor rido nas diversas personagens de sua vida evidencia a presença de fragmentos de emancipação bem como dis cutir se essa identidade pode ser considerada como Pós Convencional Síntese da história de vida de LouLou e análise da entrevista A história de LouLou é muito rica Todavia as vicissitudes de sua história não poderá ser contada e ana lisada da forma como deveria ser feita por conta da limi tação que um artigo como esse apresenta Ao analisar mos a identidade entendemos que essa se expressa por meio de personagens que a cada representação negam sua totalidade sendo o jogo e articulação dessas identida des que darão ao indivíduo sua alteridade Dada a limita ção tentarei fazer esquematicamente um resumo das prin cipais personagens vividas pela entrevistada que foram escolhidas assim como o nome LouLou pela própria participante LouLou é uma pessoa real que nasceu e cresceu na periferia de Diadema São Paulo filha de uma família de migrantes pai metalúrgico e mãe dona de casa Du rante sua infância diz que representava a garotamor na uma criança que estava presa ao hedonismo ingênuo e procurava a maximização do prazer evitando a punição Ao iniciar sua busca pessoal na adolescência fica dividida entre as personagens adolescente experimentadora de drogas que iniciava o uso de diver sas drogas com as amigas burguesas principalmente com os medicamentos das mães dessas garotas e a adoles cente punk proibida pelo grupo de usar drogas que se tornaria mais tarde a adolescente anarcopunk Já no final da adolescência começa a namorar e assume a per sonagem da alunarebelde que descobre que para po der trabalhar tinha que ser autônoma visto que tinha como projeto tatuar todo seu corpo e viver com um visual al ternativo Tornase assim a vendedoradecachorro quente Vai repor essa personagem durante três anos até que se separa do namorado e vivencia a garotaiso lada ficando em casa deprimida durante um ano Ao voltar para o mundo desorientada retoma suas leituras e descobre o anarcofeminismo transformando se então na anarcofeministaativista Sem que se desse conta reaparece nesse período a adolescente experimentadora que começa a tomar parte cada vez maior nas suas atuações Pela primeira vez procura ajuda especializada uma tentativa frustrada pois o psiquiatra acaba fazendo uma amálgama dessas personagens e atribuí à LouLou a per sonagem dependentededrogasdepressiva Não acei ta tomar drogas remédios para se curar do uso de dro gas e acaba se mudando para Florianópolis onde procu ra elevação espiritual e equilíbrio no uso das substâncias quando se transforma na bruxadaIlhadaMagia en tretanto a sacralidade dessa bruxa é quebrada quando em uma festa faz a ingestão de um chá que dizia achar mágico cogumelo que fora dos rituais habituais a dei xa desorientada outra vez Sua desorientação é tamanha que surta e tenta suicídio Em suas palavras sem conse guir controlar os pensamentos abre as portas da percep ção e encontra a loucasuicida acaba ateando fogo em sua própria cabeça De volta a São Paulo é levada para o Centro de Atenção Psicossocial Integral CAPSI de Diadema que lhe atribui a personagem de dependentededrogaslou casuicida e a encaminha para o EFRS CAPSad Até aqui relata que os encaminhamentos mais prejudicaram seu estado emocional do que contribuiram para sua me lhora No EFRS conta que pôde ser vista como um ou tro outro pelos técnicos da instituição e pelo Grupo de Mulheres Diz que essa condição de igualdade confere uma ambiência favorável para resgatar a personagem anarcofeminista já não mais militante ativista Vamos deixar a própria LouLou dizer como esse processo foi importante O grupo de mulheres foi essencial enquanto mulher porquê Porque quando você está com outras mulhe res que passam problemas parecidos com você em termos físicos emocional você se sente que num grupo de amigas é uma boa forma de você se inserir novamente Dá uma segurança legal Dentro disso no grupo de mulheres a Assistente Social a Psicó loga e a esqueci o nome dela branquinha de cabe lo preto Enfermeira Elas são mulheres muito for tes Muito interessantes ajudaram muito foi uma coisa essencial e de você vê e de estar desenvolven do algum conhecimento seu enquanto mulher com outras mulheres dentro daquele período eu naquele momento de tudo eu tinha medo eu fui voltando Ferreira de Lima A Dependência de drogas e Psicologia Social estudo sobre as oficinas terapêuticas e o uso de drogas a partir da Teoria da Identidade 98 Da mesma maneira LouLou vai nos contar que na oficina terapêutica de teatro pôde reapresentar ou tros papéis e começar a tomar consciência explícita das contradições que viveu e ser reconhecida como huma na sendo esse espaço essencial para sua alterização Teatro muito fudido porque ele mexe com o corpo ele mexe com a emoção faz resgatar de novo esse lance de autoestima te empurra teatro já tinha as sim um desenvolvimento legal teatro misturado com uma fonoaudióloga é foda pra caramba você enquanto pessoa capaz de produzir isso te dá vida isso te traz calor isso é humano A Oficineira olha nós somos de uma companhia vamos lá vamos ensaiar vamos fazer sabe vamos se pintar vamos por peruca vamos criar o absurdo e é isso Ah Mas é só um personagem Mas aquilo é a gente você é capaz de ser a gente é capaz de ser feliz dar risada de fazer as pessoas rirem e isso esse retorno é muito fudido sentir perante as pessoas que convivem com a gente que a gente foi capaz de pro porcionar uma emoção muito forte nelas Porque a gente tá vivo Então a gente tem um respaldo en quanto pessoa de falar Pô você fez aquele teatro muito legal aquilo é muito foda aquilo foi a minha vida resgatou minha vida de um jeito e a forma de organizar um Sarau eu gostava muito de estar ali participando Por meio da oficina terapêutica de teatro pôde ques tionar a personagem dependentededrogasloucasuicida e apresentar um novo eu que podia ser reconhecido socialmente Sua apresentação era sentida como uma ne gação da personagem doente que era pressuposta como incapaz de produção Questionava a si mesma quando re presentava e forçava a platéia a se questionar quando a assistia dissolvia o estigma ao mostrar que por trás da personagem do drogado existia uma LouLou que não poderia ser reduzida a uma única atuação Sai do EFRS e retorna para Florianópolis após a morte do namorado que sofre um acidente durante seu tratamento Retoma sua vida e com o passar do tempo conhece uma pessoa com quem decide ter um filho Deixa de usar as substân cias psicoativas não por imposição externa não por se achar uma exdrogada mas sim porque essas perderam o sentido Percebeu que pode viver sendo elamesma Eu busco um mundo melhor então se eu estou ven do que uma coisa não tá me fazendo bem eu tenho que deixar Mas será que ela só não tá me fazendo bem pelo ritmo que eu to levando Também o ambi ente que eu to vivendo não tá me oprimindo ao fato de quando eu usar isso eu estar me sentindo mal Porque se eu der uma volta na praia tiver um dia super gostoso e de repente fumar um posso me sen tir muito melhor Mas de repente eu pensei meu porque há necessidade de eu estar usando Se de repente eu posso fazer um vasto de muitas coisas que eu também gosto que me dá prazer sem eu pre cisar usar isso todas as pessoas em geral acabam passando por essas condições difíceis de surtar de depressão de se sentir muito mal por isso porque lhe faltam coisas que faziam elas viver faziam elas felizes então às vezes um cara surta porque trabalha tanto trabalha tanto trabalha tanto e nunca pode descansar e nunca pode fazer nada do que ele gosta chega uma hora que ele pensa o que eu gosto Ela representa atualmente uma LouLoudehoje que ao se propor normas éticas com pretensões de vali dade universal apresentase com uma identidade pós convencional que inclui em seu projeto de vida o in gresso em uma universidade e o retorno para São Paulo para se envolver na luta pelos direitos dos indivíduos que utilizam as instituições de tratamento Eu gostaria de me envolver mais nessa causa tenho comigo minhas idéias acho que a gente também às vezes não pode mudar o mundo mas a gente se revo luciona e que isso faz da gente ser o que é tudo isso aconteceu Mais eu tive que existir mais que tudo pra poder resistir a isso tudo com muito esforço Ao recusarse à submissão a uma política de iden tidade que lhe atribuiria a personagem de exdependente LouLou escolhe desenvolver sua identidade política sua própria identidade como concretização do projeto de vida de uma guerreira que não tenta mais planejar o futuro mas vive intensamente o presente enfrentando as dificul dades que aparecem em sua vida Se conseguiu em muitos aspectos a própria revo lução porque não revolucionar um pouco o mundo Se este projeto vai ser concretizado ou não só veremos com o tempo O mais importante é que o conteúdo trazido por LouLou apresenta aquilo que denominamos como frag mentos de emancipação Ao recorrermos a Habermas veremos que esses fragmentos trazem consigo uma nova forma de olhar para o usuário de drogas que não deixam intocadas as convencionais formas de lidar com o pro blema na medida em que uma identidadeeu póscon vencional não pode desenvolverse sem antecipar estru turas comunicativas modificadas da mesma forma que a partir do momento em que essa antecipação se torna realidade social não deixará intocadas as formas tradici onais de integração social Habermas 1990 p 234 Essa tendência parece estar se concretizando por exem plo no EFRS Quanto à oficina terapêutica de teatro vimos que a produção estética em si não foi o mais importante no tratamento de LouLou mas sim o processo criador de espontaneidade que permitindo o acesso ao outro ou tro de LouLou proporcionou a apresentação do Eu Aprendemos que a oficina terapêutica de teatro pode pos sibilitar a experiência apresentada por Marcuse na qual Psicologia Sociedade 20 1 91101 2008 99 ocorre a intensificação da percepção até chegar ao ponto de distorcer as coisas de modo que o indizível é dito o invisível se torna visível e o insuportável explode As sim a transformação estética transformase em denún cia mas também em celebração do que resiste à injusti ça e ao terror e do que ainda pode se salvar Marcuse 1986 p 53 A denúncia da opressão e redução da iden tidade a uma única personagem do drogado do louco e celebração de sua libertação a partir da representação do eu a partir da ampliação de sua identidade com a perso nagem do ator Desse modo o usuário de drogas geralmente re conhecidoreduzido apenas ao papel de dependente pode por meio da apresentação performática na oficina tera pêutica de teatro ser visto e reconhecido como um ou tro pela platéia que o assiste ou seja pode acessar um outro outro que também é ele Dizendo de forma dife rente essa expressão do outro outro que também sou eu que consiste na metamorfose da minha identidade na superação de minha identidade pressuposta Ciampa 1987 p 180 Assim a narrativa de LouLou mostra que a oficina terapêutica de teatro pode gerar condições para o desenvolvimento do agir comunicativo que pode ser compreendido como um processo circular no qual o ator é as duas coisas ao mesmo tempo ele é o iniciador que domina as situações por meio de ações imputáveis ao mesmo tempo ele é o produto das tradições nas quais se encontra dos grupos solidários aos quais pertence e dos processos de socialização nos quais se cria Habermas 2003 p 166 Da mesma maneira que Ciampa fala de lições mos tradas pela história de Severina da sociedade na qual vi vemos como um Prometeu moderno que depois de rou bar o fogo dos céus sofre a condenação de ser devorado diariamente pelas aves de rapina sem morrer diaria mente sua vida sua força de trabalho é reproduzida para alimentar a águia que o consome impiedosamente mos trounos também que o segredo dessa condenação é o de não nos deixarmos morrer para continuarmos sendo mastigados vivos Ciampa 1987 p 236 E que essas lições fizeram com que fosse razoável aceitar uma lógica do desenvolvimento individual na qual a partir de uma busca de maximizar o prazer e rejeitar a dor através da obediência evoluise para uma busca de liberdade moral e política para toda a humanidade caminhando de um hedonismo ingê nuo para uma ética universalista da linguagem Des cobrimos também e isso é importante que o nível mais elevado da consciência moral pressupõe não um conteúdo normativo erigido em princípio e sim um procedimento comunitário que permita interpre tações universalistas dos carecimentos Ciampa 1987 p 220 Essas lições foram novamente trazidas por LouLou que ao contar sua história de vida demonstra como se dá o castigo dos deuses da quebra na continuidade do existir humano decorrente de uma imposição social em que a identidade do indivíduo é confrontada com exigências que estão em contradição com as expectativas Ao mesmo tem po em que busca legitimação nas estruturas de expectativa experimentadas e assumidas no passado Dessa forma LouLou assim como a Severina tam bém ensina que nossas vivências não ocorreram de forma simples e independentes das experiências e somente quando buscarmos o entendimento do sentido atribuído às meta morfoses identitárias que sofremos durante nosso desen volvimento é que poderemos analisar se as mudanças fo ram qualitativas e não apenas quantitativas É nesse ponto que passamos a discutir a questão da emancipação da domesticação da ave de rapina para que esta trabalhe a nosso favor a favor daqueles que acham que uma vida que merece ser vivida não é nem a da carniça nem a da caça que se esconde Ciampa 1987 p 237 mas sim da autonomia dos projetos de futuro da criação Ao nos referirmos à emancipação recorremos a uma idéia de vontade de decisão sobre o próprio bem de uma maneira cada vez mais autônoma livre da intromissão de interesses externos A emancipa ção no sentido habermasiano é entendida como um tipo especial de autoexperiência porque nela os proces sos de autoentendimento se entrecruzam com um gan ho de autonomia Habermas 1993 p 99 Todavia o fato de desenvolver uma Identidade Pós Convencional não é garantia de uma emancipação com pleta ou definitiva do indivíduo Iisso seria convencionarpredeterminar o que entendemos por emancipação humana ignorando a lógica sistêmica que a todo instante oferece saídas heterônomas e ilusórias para os indivíduos Logo o que se pode observar com a história de LouLou é a possibilidade de viverumavidaquemere ceservivida sendo que isso se torna possível a partir do momento em que o indivíduo pode afirmar o eu de si mesmo e que pode ser reconhecido como um outro que não se reduz a qualquer personagem mas sim que é a expressão de uma pluralidade que por sua vez precisa ser incorporada na comunidade entendida por meio da construção desconstrução e reconstrução compreen dendo as mudanças ocorridas com o indivíduo e sua atu al condição ou seja incorporando o outro com respeito às diferenças Considerações finais A dissertação de mestrado pode nos mostrar que não existe uma causa objetiva uma ou mais variáveis com as quais se poderia relacionar o fenômeno do uso de drogas Este fenômeno está no indivíduo em seu sentido Ferreira de Lima A Dependência de drogas e Psicologia Social estudo sobre as oficinas terapêuticas e o uso de drogas a partir da Teoria da Identidade 100 existencial Da mesma forma esse uso também é incen tivado pelo mundo concreto pelas condições materiais de existência As drogas são portanto combustível e veículo fonte de energia e móvel para a ação voltadas para o lúdico para a representação de si e do grupo a que se pertence ao mesmo tempo em que também servem para o necessário devaneio para a leveza da alma que precisa flutuar e transgredir limites impostos pela ordem sistêmica que tornam a realidade insuportável LouLou pode nos ensinar com sua história de vida que o proble ma está no sentido de seu uso cada vez mais alienado na sociedade que transforma tudo o que toca em mercado ria de consumo Outro aspecto que não podemos deixar de apontar referese às medidas de tratamento do uso prejudicial de drogas tão necessárias e ao mesmo tempo tão insufici entes Os tratamentos do uso de drogas que ainda apre sentam em sua maioria como indicativo de saúdealta a abstinência evitação da substância e a não recaída re torno ao uso especialistas esquecem que muitas vezes os indivíduos podem continuar a desejar o uso evitando situações em que exista a substância Nesse último caso não se trata de fato de metamorfoses com sentido emancipatório pois ainda que vejamos uma aparente mudança continua a haver a reposição e não a supera ção de personagens exdrogado exalcoolista Claro que isso não significa que essa superação não poderá ocorrer a posteriori A questão seria então oferecer espaços que possibilitassem a alterização do indivíduo lugares em que o indivíduo poderia ter experiências significativas e atri buir outro sentido para o uso das substâncias que utiliza utilizava ou seja um contexto no qual se possa desen volver a consciência de que existe uma relação entre as experiências e que existe a possibilidade de se fazer ou tras escolhas até então nem mesmo pensadas Aprendemos também com o relato de LouLou que as oficinas terapêuticas podem ajudar a desvelar cada vez mais as desigualdades e a quase impossibilidade de existência em um mundo cada vez mais dominado pela lógica sistêmica apontando para novas formas de experienciar a realidade na medida em que oferecem elementos que demonstram que os indivíduos podem ser muito mais do que as personagens estigmatizadas que os aprisionam em determinados momentos de sua vida passando as patologias capitalistas baseadas na nosologia psiquiátrica a serem vistas como patologias da Modernidade cuja causa entre outras coisas se deve à impossibilidade dos indivíduos poderem com autono mia dizer eu de si mesmos Antes de encerrar é importante apontar uma últi ma questão as estratégias de prevenção e de tratamento Ao planejar intervenções específicas para evitar o uso e abuso de drogas devemos considerar que a dependência corresponde a um fenômeno que não se confunde ape nas com o consumo de drogas mas sim ao encontro de um indivíduo consigo mesmo com seus valores e cren ças É preciso ver o produto a droga inserida na esfera capitalista num contexto sociocultural que incentiva carimba e aprisiona o indivíduo na personagem do vicia do É preciso combater as políticas de identidade que servem para manutenção da realidade do indivíduo im possibilitando muitas vezes que ele consiga sua diferen ciação impondolhe a heteronomia que nega a experiên cia e atribui um sentido a priori para a vida do indivíduo É importante compreendermos como a sociedade de massas e de consumo procura moldar o indivíduo aos interesses do capitalismo e apaga as possibilidades de emancipação e assumir uma posição contrária investir na vida na liberdade Notas 1 Artigo escrito a partir da dissertação de Mestrado em Psicolo gia Social na PUCSP A dependência de drogas como um problema de identidade possibilidades de apresentação do Eu por meio da oficina terapêutica de teatro 2005 Sob orienta ção do Prof Dr Antonio da Costa Ciampa e com bolsa do CNPq 2 Segundo Habermas 1990 o mundo da vida pode ser entendi do como o espaço formado pela cultura que é uma reserva do conhecimento alimentada pelas interpretações lingüísticas e pela tensão entre os conteúdos da tradição e da modernidade a sociedade composta de ordens legítimas as quais os partici pantes de processos comunicativos regulam seu pertencimento a grupos sociais e pela personalidade como um conjunto de motivações que inspiram os indivíduos à ação e produz iden tidade Referências Amaral I S 2000 A sociedade de consumo e a produção da toxicomania Dissertação de Mestrado nãopublicada Pontifícia Universidade Católica de São Paulo SP Benjamin W 1994 Obras escolhidas Magia e técnica arte e política São Paulo SP Brasiliense Birman J 2001 Malestar na atualidade A psicanálise e as novas formas de subjetivação 3 ed Rio de Janeiro RJ Civi lização Brasileira Brasil Sistema Único de Saúde Conselho Nacional de Saúde Co missão Organizadora da III CNSM 2002 Relatório Final da III Conferência Nacional de Saúde Mental Brasília DF Autor Brasil Ministério da Saúde Secretaria de Atenção à Saúde SVS CNDSTAIDS 2004 A política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas 2 ed rev ampl Brasília DF Autor Brasil Ministério da Saúde Secretaria de Atenção à Saúde Coor denação Geral de Saúde Mental 2005 Reforma psiquiátrica e Política de Saúde Mental no Brasil Trabalho apresentado à Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Men tal 15 anos depois de Caracas Brasília DF Psicologia Sociedade 20 1 91101 2008 101 Bucher R 1992 Drogas e drogadição no Brasil Porto Alegre RS Artes Médicas Carone I sd Análise epistemológica da Tese de doutoramento de Antonio da Costa Ciampa A estória do Severino e a história da Severina Mimeo Ciampa A C 1987 A estória do Severino e a história da Severina São Paulo SP Brasiliense Ciampa A C 2004 Fundamentalismo A recusa do fundamen tal São Paulo SP Trabalho apresentado na mesaredonda No vos rumos Religião e espiritualidade no Terceiro Milênio no IV Ciclo de Reflexões e Debates Religiões e a inclusãoexclusão de pobres negros e mulheres no mundo globalizado Freud S 2002 O mal estar na civilização Rio de Janeiro RJ Imago Goffman I 1961 Asylums Essaya in the social situation of mental patients and other inmates New york Doubleday Anchor Habermas J 1983 Para a reconstrução do materialismo históri co São Paulo SP Brasiliense Habermas J 1990 Pensamento pósmetafísico Estudos filosófi cos Rio de Janeiro RJ Tempo Brasileiro Habermas J 1993 Passado como futuro Rio de Janeiro RJ Tempo Brasileiro Habermas J 2003 Consciência moral e agir comunicativo 2 ed Rio de Janeiro RJ Tempo Brasileiro Habermas J 2005 Sobre o poder das teorias e sobre sua impo tência In J Habermas Diagnósticos do tempo Seis ensaios Rio de Janeiro RJ Tempo Brasileiro Kolyniak H M Ciampa A C 1993 mar Corporeidade e dramaturgia do cotidiano Discorpo Revista do Departamento de Educação Física e Esportes da PUCSP 2 Lima A F 2005 A dependência de drogas como um problema de identidade Possibilidades de apresentação do EU por meio da oficinaterapêutica de teatro Dissertação de Mestrado não publicada Pontifícia Universidade Católica de São Paulo SP Lima S 2000 Espaço Fernando Ramos da Silva Um projeto de tratamento e prevenção ao uso de drogas em Diadema Disser tação de Mestrado nãopublicada Pontifícia Universidade Ca tólica de São Paulo SP Marcuse H 1986 A dimensão estética Lisboa Portugal Edi ções 70 World Healt Organization 2003 Investing in mental health Switzerland Nove Impression Aluísio Ferreira de Lima é Psicólogo Professor de Psicologia Social da UFC Doutorando em Psicologia Social pela PUCSP Mestre em Psicologia Social pela PUCSP e Especialista em Saúde Mental pela USP Membro do NEPIM Núcleo de Pesquisa da Identidade e Metamorfose da PUCSP Endereço para correspondência Rua Dom Duarte Leopoldo e Silva 27 1º andar Sala 13 Centro Santo André SP 09 015560 Tel 11 8226 2269 aluisiolimahotmailcom Dependência de Drogas e Psicologia Social Um Estudo sobre o Sentido das Oficinas Terapêuticas e o Uso de Drogas a partir da Teoria de Identidade Aluisio Ferreira de Lima Recebido 20062007 1ª revisão 08092007 Aceite final 11102007 Psicologiapt ISSN 16466977 Documento publicado em 16062019 Marcos Oliveira de Novaes 1 facebookcompsicologiapt O PSICÓLOGO ESCOLAR FRENTE AO CONSUMO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS NA ADOLESCÊNCIA 2019 Marcos Oliveira de Novaes Estudante do curso de Psicologia da Faculdade de Tecnologia e Ciências FTC Jequié BA Brasil Email de contato marcosoliveiradenovaishotmailcom RESUMO O presente artigo tem como objetivo ampliar o conhecimento acerca do uso de substâncias psicoativas na adolescência e elucidar a relação construída com o contexto escolar esclarecendo o papel do psicólogo escolar e sua postura diante da problemática Sabendo que a adolescência é uma fase de transição e vulnerabilidade em que o sujeito na procura por novas experiências expõese a fatores de risco que muitas vezes o levam ao consumo de álcool e outras drogas a pesquisa foi realizada com contribuições de estudos de teóricos que tratam a questão da adolescência em várias perspectivas além de profissionais que ressaltam a relevância do âmbito escolar para o desenvolvimento e descobrimento de novas possibilidades por parte dos adolescentes Palavraschave Adolescência álcool e drogas psicólogo escolar Copyright 2019 This work is licensed under the Creative Commons Attribution International License 40 httpscreativecommonsorglicensesbyncnd40 Psicologiapt ISSN 16466977 Documento publicado em 16062019 Marcos Oliveira de Novaes 2 facebookcompsicologiapt 1 INTRODUÇÃO Segundo a Organização Mundial de Saúde OMS 1965 a adolescência é caracterizada como um estágio biopsicossocial que abrange a segunda década da vida ou seja dos 10 aos 20 anos Ao mesmo tempo em que se propõem a universalidade do ciclo da adolescência notase que ela faz parte de uma inserção histórica e cultural que designa consequentemente diversas maneiras de experienciar a adolescência conforme o grupo social o gênero e a época Martins P O Trindade Z A Almeida A M O 2003 Os adolescentes constituemse de variados grupos comportamentos anseios valores atitudes e crenças Como afirma Serra 1997 há diversos mundos e diversas formas de ser adolescente p 29 Desta forma a adolescência é caracterizada como uma fase de desejos e curiosidades que muitas das vezes despertam nos indivíduos desse grupo a vontade de desfrutar experiências nunca vivenciadas antes e essas descobertas estão intimamente ligadas ao uso de álcool e outras drogas Pesquisas ressaltam um quadro alarmante em que o uso abusivo de substâncias psicoativas tem início cada vez mais precoce tanto no Brasil como no mundo As bebidas alcoólicas ocupam o primeiro lugar no ranking da lista das substâncias psicoativas mais utilizadas sendo elevado o consumo entre crianças e adolescentes de 9 a 19 anos Brasil 2010 A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar indicou que 666 dos estudantes pesquisados já haviam experimentado bebida alcoólica sendo o maior índice nas Regiões Sul 769 e Centro Oeste 698 e menor nas Regiões Norte 585 e Nordeste 596 Brasil 2013 O consumo de substâncias psicoativas é um grave problema de saúde pública e vem sendo cada vez mais frequente entre adolescentes gerando diversas consequências negativas entre elas os problemas escolares que se refletem na indisciplina baixa autoestima declínio do rendimento déficit de atenção dentre outros Tendo em vista essa problemática é de extrema importância destacar o papel do psicólogo escolar como agente de mudança dentro da instituição O artigo tem como objetivo ressaltar a relevância do tema e discorrer sobre a atuação direcionada a mudança através da Psicologia Escolar Psicologiapt ISSN 16466977 Documento publicado em 16062019 Marcos Oliveira de Novaes 3 facebookcompsicologiapt 2 METODOLOGIA A pesquisa bibliográfica iniciase pela seleção do tema posteriormente o desenvolvimento do mesmo e por fim o recolhimento dos dados Executando assim uma revisão de literatura para justificar ou contestar uma temática que é o objeto de estudo da pesquisa Caldas 1986 Noronha e Ferreira 2000 elucidam que a revisão de literatura é uma apuração das produções bibliográficas para responder a uma problemática acerca de um tema específico agregando ideias e métodos A metodologia utilizada na elaboração do trabalho foi o da revisão de literatura A bibliográfia examinada foi constituida por trabalhos da área artigos revistas e livros Utilizando como processo de escolha palavraschave como adolescência drogas e psicólogo escolar 3 USO DE DROGAS NA ADOLESCÊNCIA CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS No período da adolescência o uso de substânncias psicoativas parece estar ligado a atitudes de descobertas e curiosidades que surgem durante a juventude assim como por uma busca de identidade Essa tentativa de se enquadrar acontece fora do contexto familiar onde o sujeito procura se adequar as características de um determinado grupo Para tanto tornase imprescindível a discussão a respeito do tema para que os adolescentes reflitam sobre o uso e abuso de drogras Figueiredo 2011 O uso de substâncias psicoativas tem sido tratado como um dilema multifatorial envolvendo aspectos individuais familiares e contextuais Segundo a literatura a família tem sido considerada um elemento importante na prevenção contra o uso de drogas na adolescência devido a relevância da mesma para um desenvolvimento sadio na juventude bem como pela necessidade de participar de ações frente às dificuldades apresentadas Cavaggioni Gomes Rezende 2017 Souza Rezende Vizzotto 2016 Teixeira Guimarães Echer 2017 Adolescentes que estudam em escolas públicas grande parte trabalhadores informais e que não usam drogas veem a adolescência como uma etapa de mudanças conhecimentos e inerações mas também percebem que estão vulneráveis aos riscos como por exemplo uso de drogas sendo um grande aspecto negativo desse estágio Melo M C B Barros É N Almeida A M L G 2011 Durante a adolescência muitos sujeitos impulsionados pelo perigo o desejo de conhecer e experimentar novas aventuras demostram interesse pelas drogas como os próprios afirmam Psicologiapt ISSN 16466977 Documento publicado em 16062019 Marcos Oliveira de Novaes 4 facebookcompsicologiapt Porém o mesmo risco e audácia que fazem com que alguns experimentem são os vetores que também afastam aqueles que não se interessam Sanchez Z V D M Oliveira L G Ribeiro L A Nappo S A 2010 É importante salientar que grande parte dos adolescentes fará uso de drogas contudo deve se lembrar que não só a busca por uma identidade ou desejos presentes nesse estágio são as causas que levam ao uso de tais substâncias Problemas econômicos sociais e culturais também devem ser levados em conta considerando os aspectos do consumo e abuso de drogas como multicausais 4 A ESCOLA NO COMBATE AO USO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS Como já foi abordado anteriormente há diversos fatores que levam um grande número de indivíduos durante a adolescência ao uso de drogas no entanto nem todos pertencentes a esse grupo farão uso Tendo em vista o contexto brasileiro constituído pelas desigualdades sociais econômicas raciais culturais de crenças e gêneros temos uma juventude heterogênea aspectos relevantes que devem ser considerados frente à relação dos adolescentes e o uso e abuso de drogas ilícitas Novaes 2011 Sendo assim as intervenções referentes a problemática em questão devem ser tratadas de formas diferentes variando de sujeito para sujeito havendo uma visão contemplativa e diferenciada do indivíduo levando em consideração as circunstâncias extraescolares que por vez acaba influenciando no âmbito escolar É necessário falar sobre as drogas seu uso e suas consequências Desenvolvendo uma ação construtiva na escola por meio de atividades em qual se possa falar em saúde prevenção de doenças e riscos É importante conhecer as peculiaridades sociais do público alvo para que haja uma boa compreensão propiciando trocas e aquisições de conhecimento além de promover o cuidado e incentivar o autocuidado Figueiredo 2011 Considerando as diferenças e entendendo a adolescência como uma categoria sóciohistórica desvinculase a ideia de aluno problema ao qual atribuise ao discente e somente a ele toda a responsabilidade e culpa por seus fracassos eou comportamentos inadequados Afastandose dessa ideia reducionista é fundamental que todos os integrantes do corpo escolar tomem consciência dessa perspectiva e ninguém mais apropriado para desenvolver esse entendimento e desmistificar tais construtos que o psicólogo escolar Psicologiapt ISSN 16466977 Documento publicado em 16062019 Marcos Oliveira de Novaes 5 facebookcompsicologiapt 5 INTERVENÇÕES E DESAFIOS DO PSICÓLOGO ESCOLAR REFERENTE AO USO DE DROGAS NA ADOLESCÊNCIA O Psicólogo Escolar deve atuar como agente de mudança sendo capaz de envolver e motivar todos para tal auxiliando todas as equipes integrantes da instituição visando a melhoria e bem estar de todos É extremamente relevante que o profissional articule mecanismos para intervir de maneira eficaz na prevenção acompanhamento e reduçãoeliminação do consumo de álcool e outras drogas por parte dos adolescentes As intervenções do psicólogo escolar necessitam estar alinhadas com a realidade dos alunos compreendendo o contexto das relações sociais imbricadas na constituição dos significados e sentidos internalizados por cada sujeito entendendo como cada um se percebe Em meio a essa complexidade o profissional deve estar ciente do método interventivo que irá utilizar sustentando sua atuação de forma contextualizada e holística considerando os aspectos sociais e históricos envolvidos na referida questão Araújo 2010 Dessa forma esclarecer do que se trata apresentando as consequências trazidas pelo uso de tais substâncias através de palestras educativas feiras e rodas de conversas mostramse eficientes quanto a conscientização e prevenção acerca do tema Podendo ainda realizar atividades em grupo para que se possa tirar dúvidas e compartilhar experiências Considerando os indivíduos de forma integral tornase indispensável envolver os pais no processo de compreensão da relação existente entre drogas e adolescentes realizando a psicoeducação para que eles tenham um olhar atento para as possíveis mudanças de comportamentos apresentados Um terceiro momento com os professores é substancial uma vez que os mesmos precisam estar preparados para identificar e comunicar a direção atitudes decorrentes do uso de drogas e não apenas categorizar o sujeito como indisciplinado ou hostil Tornase necessário também promover autonomia aos adolescentes que se encontram em vulnerabilidade conforme defendido por Abramo H W Branco P P M 2005 Partindo dessa perspectiva é preciso aludir a problemática das drogas e elencar discussões que proporcionem e estimulem as competências dos sujeitos do grupo em questão em agir significativamente nos espaços sociais Como já foi citado é frequente o uso da qualidade de mediador atribuído ao papel do psicólogo escolar sendo um dos principais papéis desenvolvidos por este profissional no espaço institucional e também fora dele ao integrar os agentes externos na luta e superação das dificuldades vivenciadas na instituição Petroni Souza 2014 Portanto o psicólogo escolar tem a missão de desmistificar os estigmas acerca da adolescência para que os indivíduos desse estágio Psicologiapt ISSN 16466977 Documento publicado em 16062019 Marcos Oliveira de Novaes 6 facebookcompsicologiapt deixem de ser rotulados como problemas sociais e passem a ser vistos como sujeitos sociais históricos culturais autônomos e acima de tudo aptos para moldarem sua realidade 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Portanto analisaramse os aspectos que levam os adolescentes ao uso de álcool e outras drogas apontando os fatores sociais pertinentes ao problema em questão aludindo ainda a importância do corpo escolar e da família na prevenção e identificação dos casos Pontuando o importante papel do psicólogo escolar como agente de mudança atuando e considerando o sujeito como um todo ressaltando a importância da escola pois é indispensável que esta última desenvolva atividades preventivas acerca da problemática Para tanto considerando o tema apresentado o psicólogo escolar tem em sua atuação a incumbência de fomentar o processo educativo preventivo e de conscientização envolvendo alunos pais professores e demais colaboradores considerando o contexto no qual se encontram almejando assim as mudanças desejadas e os resultados esperados REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Abramo H W Branco P P M 2005 Retratos da juventude brasileira análises de uma pesquisa nacional São Paulo Fundação Perseu Abramo e Instituto Cidadania Brasil Ministério da Saúde Secretaria de Atenção em Saúde Departamento de Ações Programáticas Estratégicas 2010 Diretrizes nacionais para a atenção integral à saúde de adolescentes e jovens na promoção proteção e recuperação da saúde Brasília DF Ministério da Saúde Disponível em httpbvsmssaudegovbrbvspublicacoesdiretrizesnacionaisatencaosaudeadolescentesjov enspromocaosaudepdf Acesso em 15022019 Brasil Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão Ministério da Saúde 2013 Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar 2012 Rio de Janeiro RJ Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE Disponível em httpbibliotecaibgegovbrvisualizacaolivrosliv64436pdf Acesso em 15022019 Psicologiapt ISSN 16466977 Documento publicado em 16062019 Marcos Oliveira de Novaes 7 facebookcompsicologiapt Caldas M A E 1986 Estudos de revisão de literatura fundamentação e estratégias metodológicas São Paulo Hucitec Cardoso L R D Malbergier A 2014 Problemas escolares e o consumo de álcool e outras drogas entre adolescentes Psicol Esc Educ Maringá vol18 no1 JanJune 2014 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS1413 85572014000100003langpt Acesso em 15022019 Cavaggioni A P M Gomes M B Rezende M M 2017 O Tratamento Familiar em Casos de Dependência de Drogas no Brasil Revisão de Literatura Mudanças Psicologia da Saúde 25 1 4955 Figueiredo R 2011 Prevenção ao abuso de drogas utilizando estratégias culturais de redução de danos In Dossiê Juventude e Drogas é preciso encarar essa associação de forma menos estereotipada e mais crítica Revista Juventudebr Ano 5 dez2010 Centro de Estudos e Memória da Juventude CEMJ MarinhoAraujo C M 2010 Psicologia Escolar pesquisa e intervenção Em aberto 2383 1535 Disponível em httpemabertoinepgovbrindexphpemabertoarticleview22492216 Acesso em 15022019 Marques A C P R Cruz M S O adolescente e o uso de drogas Rev Bras Psiquiatr São Paulo v22 supl2 p 3236 Dez 2000 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS151644462000000600009lngennr miso Acesso em 15022019 Martins P O Trindade Z A Almeida A M O 2003 O ter e o ser representações sociais da adolescência entre adolescentes de inserção urbana e rural Psicologia Reflexão e Crítica 16 555568 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS010279722003000300014lngen Acesso em 15022019 Melo M C B Barros É N Almeida A M L G 2011 A representação da violência em adolescentes de escolas da rede pública de ensino do município do Jaboatão dos Guararapes Ciência Saúde Coletiva 1610 42114221 Psicologiapt ISSN 16466977 Documento publicado em 16062019 Marcos Oliveira de Novaes 8 facebookcompsicologiapt Noronha D P Ferreira S M S P 2000 Revisões de literatura In Campello B S Condon B V Kremer J M orgs Fontes de informações para pesquisadores e profissionais Belo Horizonte UFMG Novaes R 2011 Juventude drogas e democracia relações delicadas In Dossiê Juventude e Drogas Revista Juventudebr Ano 5 dez2010 Centro de Estudos e Memória da Juventude CEMJ Organização Mundial da Saúde 1965 Problemas de la salud de la adolescencia Informe de un comité de expertos de la OMS Informe técnico n 308 Genebra Petroni AP Souza VLT 2014 Psicólogo Escolar e Equipe Gestora Tensões e Contradições Psicologia Ciência e Profissão 34 2444459 Sanchez Z V D M Oliveira L G Ribeiro L A Nappo S A 2010 O papel da informação como medida preventiva ao uso de drogas entre jovens em situação de risco Ciência Saúde Coletiva 153 699708 Serra E 1997 Adolescência perspectiva evolutiva Em Anais do VII Congreso INFAD pp 2428 Oviedo Espanha Silva C F S Bacellar R P Castro R L 2012 A ação coletiva e os valores da vida escolar In Mayorga C Castro R L Prado M A Orgs Juventude e a experiência da política no contemporâneo Rio de Janeiro pp 169197 Souza M R Souza C R Daher C M S Calais L B Juventude e drogas uma intervenção sob a perspectiva da Psicologia Social Pesqui prát psicossociais São João DelRei v10 n1 p 6678 Jun 2015 Disponível em httppepsicbvsaludorgscielophpscriptsciarttextpidS180989082015000100006lngpt nrmiso Acesso em 15022019 ARTIGO ARTICLE 2001 1 Departamento de Ciências da Saúde Núcleo de Atividade Física Saúde e Gerontomotricidade Centro de Ciências da Saúde e do Esporte CEFID R Pascoal Simone 358 Coqueiros 88080350 Florianópolis SC milasilveiraahotmailcom 2 Centro de Educação Física e Desportos Universidade Federal Santa Catarina Qualidade de vida autoestima e autoimagem dos dependentes químicos Drug users quality of life selfesteem and selfimage Resumo Estudo de corte transversal que objeti vou investigar a qualidade de vida a autoestima e a autoimagem dos dependentes químicos do Ins tituto São José São José SC A amostra por aces sibilidade foi composta de 100 pacientes do sexo masculino com média de idade de 430 107 anos que estudaram 84 37 anos sendo 48 casados estando internados ou em tratamento por um período mínimo de sete dias Os dependentes químicos quando não internados moram com es posas e filhos 23 são casados 48 empre gados 72 fazem parte do estrado B 58 já fizeram algo que se arrependem em suas vidas 57 e percebem a saúde como boa 57 Quan to à qualidade de vida o domínio ambiental ob teve o maior escore 65 e o psicológico o menor 58 Todos os pacientes tomavam medicamen tos e possuíam autoestima e a autoimagem baixas 77 e 96 respectivamente Observouse por meio de regressão logística a ausência de interfe rência da qualidade de vida sobre a autoestima e a autoimagem dos dependentes químicos A qua lidade de vida positiva não interferiu para mu danças na baixa autoestima e autoimagem dos dependentes químicos Palavraschave Qualidade de vida Usuários de drogas Saúde Abstract This crosssectional study aimed to in vestigate the quality of life selfesteem and self image among drug users of São José Institute in São José in the State of Santa Catarina The ac cessibility sample was comprised of 100 male pa tients with a mean age of 430 107 who had studied for a mean period of 84 37 years 48 of them were married and had been hospitalized or treated for a minimum period of seven days When the participants were not hospitalized they lived with wives and children 23 were mar ried 48 employed 72 were part of income level B 58 had done something they regret in their lives 57 and perceived their health as good 57 Regarding quality of life the highest scores were found in the environmental domain 65 and the lowest scores were in the psycho logical domain 58 All patients were taking medication and had low selfesteem and selfim age 77 and 96 respectively The absence of interference of the quality of life on selfesteem and selfimage of the drug users was observed by means of logistic regression Positive quality of life did not interfere in changes in low selfesteem and selfimage of drug users Key words Quality of life Drug users Health Camila da Silveira 1 Carolina Meyer 1 Gabriel Renaldo de Souza 1 Manoella de Oliveira Ramos 1 Melissa de Carvalho Souza 1 Fernanda Guidarini Monte 2 Adriana Coutinho de Azevedo Guimarães 1 Sílvia Rosane Parcias 1 2002 Silveira C et al Introdução Variáveis ambientais biológicas psicológicas e sociais atuam simultaneamente influenciando a tendência ao consumo de drogas levando à inte ração entre o agente droga o sujeito indivíduo e a sociedade e o meio contextos socioeconômico e cultural1 O desenvolvimento da dependência pode ser considerado parte de um processo de aprendiza gem A dependência é o resultado de uma intera ção complexa entre os efeitos fisiológicos das subs tâncias psicotrópicas no cérebro e o que o usuá rio interpreta daquela situação relacionandoa ao ambiente e consolidando como aprendizado2 Se uma pessoa consome uma substância e sente um efeito psicoativo altamente satisfatório ou re forçador mais provavelmente tal comportamen to se repetirá3 As consequências causadas pelo uso dessas substâncias químicas atingem tanto a qualidade de vida quanto a saúde individual e coletiva Causam alterações nos sistemas neuro transmissores e déficits cerebrais incluindo apren dizado verbal memória de curto prazo atenção funções executivas controle e seleção de resposta resolução de problemas e tomada de decisões4 Geram disfunções nos sistemas cardíaco e respi ratório problemas renais ansiedade depressão problemas de sono dificuldades financeiras e de relacionamento5 podendo originar violência6 De acordo com o segundo levantamento do miciliar de drogas psicotrópicas realizado no Brasil em 2005 observase uma quantidade muito grande de dependentes7 A dependência química pode levar a baixa qualidade de vida pois está diretamente ligada ao desequilíbrio entre a combinação do bemes tar psicológico e a saúde física8 A qualidade de vida é a percepção do indiví duo de sua posição na vida no contexto da cul tura e do sistema de valores nos quais vive e em relação aos seus objetivos expectativas padrões e preocupações9 Existem diversas pesquisas so bre sua importância no processo de tratamento pois certas atividades e avaliações promovem nos dependentes maior controle da ansiedade auto estima e autoimagem positivas e responsabilida de social levando à melhor qualidade de vida10 Diariamente centenas de indivíduos são en caminhados para clínicas especializadas em de sintoxicação de drogas Contudo sabese da efe tividade das intervenções para a manutenção da abstinência e recuperação de adolescentes11 Para a reconquista da qualidade de vida po sitiva os dependentes devem buscar a prevenção e o tratamento dos transtornos relacionados ao uso de substâncias psicotrópicas Estas ações proporcionam ao indivíduo a criação do hábito de observar seu comportamento identificando situações de risco fazendoo buscar novas es tratégias e facilitando o desenvolvimento da au toestima da autoconfiança e da autoajuda Cri am espaço para que o paciente busque sentido em suas próprias vivências na tentativa de en contrar uma resposta diferente que não a dro ga12 Entretanto são escassas as pesquisas que relacionam a dependência química com a auto estima a autoimagem e a qualidade de vida sen do o objetivo deste estudo analisar e comparar essas questões em dependentes químicos do Ins tituto São José em Santa Catarina SC Métodos Este estudo de corte transversal realizado no município de São José em Santa Catarina em 2009 foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pes quisa da Universidade do Estado de Santa Cata rina Todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido A amostra por acessibilidade foi composta de 100 pacientes do sexo masculino com média de idade de 430 107 84 37 anos de estudos variando de analfabetos ao ensino superior com pleto em tratamento na unidade Jelinek do Servi ço de dependência química do Instituto São José A idade média do primeiro uso de drogas foi de 163 52 anos 6 45 anos e idade do primeiro diagnóstico clínico de 342 115 anos 14 69 anos Estes pacientes já foram internados numa média de 46 53 vezes e por uma média de 167 106 dias O Instituto São José foi escolhido para amos tra por ser referência no tratamento de depen dência química em Santa Catarina A amostra foi composta apenas por homens pois a clínica não interna mulheres pelo Sistema Único de Saú de SUS e no privado era disponibilizado ape nas seis leitos Entretanto em todas as visitas as mulheres estavam impossibilitadas de participar do estudo Adotouse como critérios de inclusão ser de pendente químico internado por período míni mo de sete dias no Instituto São José com idade acima de 18 anos ter interesse em participar do estudo e assinar o termo de consentimento livre e esclarecido Os instrumentos utilizados foram anamne se contendo informações pessoais e característi 2003 Ciência Saúde Coletiva 18720012006 2013 cas clínicas questionário sobre a situação socio econômica da Associação Nacional de Empresa de Pesquisa13 Teste para Triagem do Envolvimen to com Drogas3 questionário sobre Percepção de Saúde Behavioral Risk Factors Surveillance System Questionair BRFSS14 e de Qualidade de Vida WHOQOL9 Todos foram aplicados em forma de entrevista A anamnese identificação pessoal foi com posta de seis perguntas para identificação pes soal sexo idade escolaridade estado civil mora dia e trabalho e sobre características clínicas rela cionadas ao início frequência e tempo do uso de drogas internação e atitude de arrependimento O instrumento para estratificar a Situação socioeconômica segundo seu poder de compra o qual classifica a população em classes econômi cas A B C D e E através da pontuação obtida e renda mensal considerado o principal instrumen to de segmentação da população no Brasil O teste para triagem do envolvimento com drogas ASSIST 20 contém oito questões sobre o uso de nove classes de substâncias psicoativas tabaco álcool maconha cocaína estimulantes sedativos inalantes alucinógenos e opiáceos A Qualidade de Vida foi mensurada por meio do WHOQOL World Health Organization Qua lity of Life abreviado que compõe os domínios físico psicológico social e ambiental Sua versão em português foi desenvolvida no Centro WHO QOL para o Brasil no Departamento de Psiquia tria e Medicina Legal da Universidade Federal do Rio Grande do Sul em Porto Alegre no Estado do Rio Grande do Sul Brasil sob a coordenação geral do Dr Marcelo Pio de Almeida Fleck9 O questionário desenvolvido por Steglich15 classifica a Autoestima e a Autoimagem É dividi do em quatro categorias A Orgânica envolve as dimensões genéticas morfológicas e fisiológicas a Social abrange o status socioeconômico as con dições de família e as realizações profissionais a Intelectual engloba escolaridade educação e su cesso profissional e a Emocional envolve a felici dade pessoal o bemestar social e a integridade moral O ponto de corte foi estabelecido a partir da multiplicação do total de questões da autoes tima 41 e autoimagem 37 pelos maiores es cores do questionário 4 e 5 Assim o intervalo de máximos e mínimos representa Alta autoesti ma e autoimagem enquanto valores abaixo des te intervalo foram considerados como Baixa au toestima e autoimagem Para a classificação das categorias orgânica social intelectual e emocio nal adotouse os pontos de corte Orgânica Baixa 13 a 51 pontos Alta 52 a 65 pontos Social Baixa 13 a 51 pontos Alta 52 a 65 pontos Intelectual Baixa 14 a 55 pontos Alta 56 a 70 pontos Emocional Baixa 42 a 167 pontos Alta 168 a 210 pontos A análise dos dados foi realizada no progra ma estatístico SPSS versão 160 Utilizouse es tatística descritiva Teste de normalidade Kolmo gorov Smirnov e Regressão Logística método Enter com nível de confiança de 95 Resultados De acordo com a entrevista 56 dos dependen tes possui ensino fundamental 29 ensino mé dio e 12 ensino superior Observase na Tabela 1 que as escolhas a res peito do estado civil sugerem uma vida solitária para os dependentes 52 entretanto levando em consideração o item moradia entendese que a maioria vive com familiares 82 e que pos sui emprego 72 o que favorece a inserção social Em relação aos fatores econômicos a maioria está entre a classe média e alta represen tadas pelos estratos A B e C Constatouse através das questões respon didas pelos dependentes químicos que a maioria 57 já fez algo de que se arrependem destes 17 por terem cometido ameaças ou agressões Região Norte n 601 Nordeste n 1680 CentroOeste n 673 Sudeste n 4107 Sul n 878 Tabaco 81 88 115 104 107 Tabela 1 Porcentagem de dependência de drogas entre os entrevistados do Brasil 2005 Maconha 02 12 06 15 11 Álcool 87 138 127 127 90 Estimulantes 02 02 02 01 03 Inalantes solventes 04 02 03 Hipnóticos benzodiazepínicos 03 02 08 02 Fonte Carlini et al 20067 2004 Silveira C et al para consumirem drogas e apenas 3 admiti ram que já cometeram algum crime violento A Tabela 2 reflete o julgamento dos depen dentes em relação à sua saúde sendo este positi vo em todos os itens questionados A percepção de saúde parece ser independente da ingestão de medicamentos pois 100 dos dependentes fa zem uso sendo o complexo vitamínico o mais comum 77 Segundo a Tabela 3 os resultados relaciona dos à média dos escores da qualidade de vida indicam que esta de uma forma geral pode ser considerada como boa Entretanto a média dos escores não ultrapassou 65 no quais o domí nio ambiental foi o que obteve o maior 655 122 enquanto o menor foi encontrado no do mínio psicológico 589 115 Na Tabela 4 é apresentado o resultado da au toestima e da autoimagem mostrando que prati camente todos os pacientes possuem autoestima baixa 96 Na autoimagem não foi muito dife rente o percentual de autoimagem baixa foi mai or 770 do que a autoimagem alta Nas cate gorias orgânicas e sociais a porcentagem foi pa recida no que diz respeito à inferioridade mos trando que 880 e 830 têm categoria orgâ nica e social baixa respectivamente Ao fazerse uso da Regressão Logística méto do Enter apresentada na Tabela 5 observouse que os coeficientes das variáveis dos domínios fí sico social psicológico e ambiental são nulos demonstrando pouca eficácia para o modelo com Variáveis Percepção de saúde Excelente Muito boa Boa Regular Ruim Comparação de saúde Muito melhor Melhor Semelhante Pior Muito Pior Problemas de saúde Sim Não f 7 4 57 28 4 4 35 38 21 1 45 55 70 40 570 280 40 40 350 380 210 10 450 550 Fonte Carlini et al 20067 TTTTTab ab ab ab abeeeeela 2 la 2 la 2 la 2 la 2 Percepção de saúde dos dependentes químicos Tabela 3 Qualidade de vida dos dependentes químicos Variáveis Domínio Físico Domínio Psicológico Domínio Social Domínio Ambiental n 100 100 100 100 Min 32 25 0 36 Média 618 100 589 115 649 211 655 122 Máx 93 93 100 89 Desvio padrão Variáveis Autoestima Baixo Alto Autoimagem Baixo Alto Categoria orgânica Baixo Alto Categoria social Baixo Alto Categoria intelectual Baixo Alto Categoria emocional Baixo Alto f 96 4 77 23 88 12 83 17 36 64 100 960 40 770 230 880 120 830 170 360 640 100 Tabela 4 Autoestima e autoimagem dos dependentes químicos Tabela 5 Regressão logística da autoestima e autoimagem com a qualidade de vida Variáveis Autoimagem Domínio Físico Domínio Psicológico Domínio Social Domínio Ambiental Autoestima Domínio Físico Domínio Psicológico Domínio Social Domínio Ambiental SE 0030 0035 0017 0031 0063 0064 0037 0055 B 0044 0092 0029 0056 0043 0100 0046 0023 p 0153 0009 0086 0071 0496 0119 0219 0684 2005 Ciência Saúde Coletiva 18720012006 2013 relação à autoimagem A única variável entretan to que apresentou contribuição no modelo foi o domínio psicológico p 0009 Ao se aplicar o mesmo método para a variável autoestima cons tatouse que os coeficientes das variáveis dos do mínios físico social psicológico e ambiental tam bém são nulos com p 0496 0119 0219 0684 respectivamente demonstrando a pouca eficácia do modelo O que podemos verificar é que os domínios da qualidade de vida de acordo com o modelo não interferem na autoestima e na auto imagem dos dependentes químicos Discussão O principal objetivo deste estudo foi analisar a qualidade de vida a autoestima e a autoimagem dos dependentes químicos do Instituto São José em Santa Catarina SC A respeito das características socioeconômi cas encontraramse dois artigos realizados com dependentes químicos que corroboram com este estudo os quais apresentaram percentuais pare cidos a respeito do estado civil 38 divorciados 2 viúvos 44 casados 33 separados e 21 solteiros1617 Diferentes foram os dados relativos ao em prego e nível de escolaridade Nesta amostra 72 dos dependentes químicos estavam empregados porém no estudo de Figlie et al16 encontraramse valores menores 49 diferenciandose do pre sente estudo Sobre a escolaridade não se tem homogeneidade na literatura No estudo de Oli veira et al17 57 dos pacientes tinham ensino fun damental 29 ensino médio e 13 ensino supe rior igualmente ao nosso estudo Na pesquisa de Figlie et al16 63 dos dependentes químicos pos suíam ensino fundamental incompleto e 2 ensi no superior completo Novamente valores me nores aos encontrados no presente estudo mos trando que os nossos participantes possuíam maior escolaridade e estavam empregados A percepção de saúde foi considerada boa por 57 dos dependentes químicos com 39 jul gandoa semelhante a de outras pessoas Deter minantes gerais sobre condições de vida e saúde estão diretamente ligados com a qualidade de vida individual e coletiva18 A autoestima e a autoima gem dos nossos participantes apresentaramse com escores baixos em ambas as variáveis As mesmas tiveram escores baixos representando 96 e 77 da amostra parecendo não influenciar na percepção de saúde do nosso estudo diferen temente do estudo de Maldonado et al19 Neste estudo os dependentes químicos apre sentaram um bom nível de qualidade de vida Pouco se tem investigado sobre a mesma nesta população o que evidencia a importância do presente estudo Estudos demonstraram que de pendentes de tabaco tiveram escores que varia ram de 592 a 721120 Assim como no traba lho de Aragão et al1 os nossos resultados de monstram que os dependentes químicos apre sentaram um bom nível de qualidade de vida Este foi observado em todos os domínios questi onados o que mostrase importante O equilí brio entre os quatro domínios da qualidade de vida é desejável pois alterações em um ou mais pode gerar mudanças na qualidade de vida21 Observouse também que a qualidade de vida não interferiu na autoestima e autoimagem dos dependentes químicos Este fato pode ter ocorri do pelas características socioeconômicas e de saúde dos dependentes boa condição de vida assistên cia familiar emprego e boa percepção da saúde A principal limitação ocorreu na escolha dos instrumentos por serem questionários au toaplicáveis Sabese que por vezes pode ocor rer um viés de memória nos os dependentes químicos e que no momento em que foram entrevistados estavam em condições de inter nação a qual possui peculiaridades Para mi nimizar estes problemas aplicaramse os mes mos em forma de entrevista Considerações finais Os aspectos interessantes deste estudo estão vol tados à ausência de correlação entre as variáveis Dependentes químicos internados podem ter um bom nível de qualidade de vida e uma percep ção de saúde positiva o que é surpreendente devi do às condições implícitas ao consumo de dro gas Também podem ter baixa autoestima e au toimagem situações psíquicas que não interferi ram na percepção deles de boa qualidade de vida Assim observouse que nem sempre existe uma ligação direta contrária e linear entre essas valências nesta população Condições socioeco nômicas influenciaram decididamente nesta ló gica como a assistência da família a capacidade de ter um emprego e os cuidados com a saúde recebidos na clínica especializada Parece que a maior dificuldade para os depen dentes é a aceitação de si mesmo representado pelo caráter psíquico autoestima e autoimagem Frente ao exposto há a necessidade de mais pesquisas que possam auxiliar o entendimento 2006 Silveira C et al dos fatores que interferem na dinâmica das vari áveis aqui estudadas permitindo assim uma atuação profissional que possa melhorar a au toestima e autoimagem dos dependentes quími cos O exercício físico promove mudanças posi tivas nestes aspectos porém deve ser estudado e prescrito especificamente para esta população Colaboradores C Silveira C Meyer GR Souza MO Ramos MC Souza ACA Guimarães e SR Parcias participa ram da concepção delineamento análise e inter pretação dos dados redação do artigo e aprova ção da versão submetida FG Monte participou da revisão do artigo e aprovação da versão sub metida Ferreira SE Tufik S Mello MT Neuroadaptação uma proposta alternativa de atividade física para usuários de drogas em recuperação Rev Bras cienc mov 2001 913139 Associação Brasileira de Estudos Populacionais ABEP Critério Padrão de Classificação Econômica Brasil Novo Critério Padrão de Classificação Eco nômica Brasil Belo Horizonte ABEP 2008 Center for Disease Control and Prevention CDC Behavioral risk factor suveillance system question naire Altanta CDC 1999 Steglich LA Terceira idade aposentadoria autoima gem e autoestima dissertação Porto Alegre Uni versidade Federal do Rio Grande do Sul 1978 Figlie N Fontes A Moraes E Payá R Filhos de dependentes químicos com fatores de risco bio psicossociais necessitam de um olhar especial Rev Psiq Clin 2004 3125362 Oliveira MS Araújo RB Pedroso RS Miguel AC Castro MGT Craving e dependência química con ceito avaliação e tratamento J bras psiquiatr 2008 5715763 Verdi M Caponi S Reflexões sobre a promoção da saúde numa perspectiva bioética Texto Contexto Enferm 2005 1418288 Maldonado RM Pedrão LI Castillo MMA García KSL Rodríguez NNO Autoestima autoeficácia percebida consumo de tabaco e álcool entre estu dantes do ensino fundamental das áreas urbana e rural de Monterrey Nuevo León México Rev La tinoAm Enfermagem 2008 16n esp614620 Castro MG Oliveira MS Moraes JFD Miguel AC Araujo RB Qualidade de vida e gravidade da depen dência de tabaco Rev Psiq Clin 2009 3426167 Pereira RJ Cota RMM Franceschini SCC Ribeiro RCL Sampaio RF Priore SE Cecon PR Contribui ção dos domínios físico social psicológico e am biental para a qualidade de vida global de idosos Rev Psiq Clin 2006 2812738 Artigo apresentado em 06082012 Aprovado em 20012013 Versão final apresentada em 04022013 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 Referências Aragão ATM Milagres E Figlie NB Qualidade de vida e desesperança em familiares de dependentes químicos PsicoUSF 2009 141117123 Aliane PP Lélio ML Ronzani TM Estudo compa rativo das habilidades sociais de dependentes e não dependentes de álcool Psicol Estud 2006 11183 88 WHO ASSIST Working Group The alcohol smok ing and substance involvement screening test AS SIST development reliability and feasibility Ad diction 2002 97911831194 Kolling NM Silva CR Carvalho JCN Cunha SM Kristensen CH Avaliação neuropsicológica em al coolistas e dependentes de cocaína Aval Psicol 2007 62127137 Almeida SP Silva MTA Histórico efeitos e meca nismos de ação do êxtase 34 metilenodioxime tanfetamina revisão da literatura Rev Panam Sa lud Pública 2000 86393402 Adorno RCF Uso de álcool e drogas e contextos sociais da violência SMAD Rev 2008 41110 Carlini EA supervisão II Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil estudo envolvendo as 108 maiores cidades do país 2005 São Paulo Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas Psicotrópicas CEBRID Universidade Fe deral de São Paulo 2006 Büchele F Coelho EBS Lindner SR A promoção da saúde enquanto estratégia de prevenção ao uso de drogas Cien Saude Colet 2009141267273 Fleck MPA Fachel O Louzada S Xavier M Cha chamovich E Vieira G Santos L Pinzon V Desen volvimento da versão em português do instrumen to de avaliação de qualidade de vida da organiza ção mundial da saúde WHOQOL100 1999 Rev Bras Psiquiatr 1999 2111928 Gordia AP Associação da atividade física consumo de Álcool e índice de massa corporal com qualidade de vida de adolescente dissertação Curitiba Univer sidade Federal do Paraná 2008 Dennis M Godley SH Diamond g Tims FM Ba bor T Donaldson J Liddle H Titus JC Kaminer Y Webb C Hamilton N Funk R The Cannabis Youth Treatment CYT Study Main findings from two randomized trials J Subst Abuse Treat 2004 273 197213 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
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Cadernos Brasileiros de Saúde Mental ISSN 19842147 Florianópolis v11 n28 p94116 2019 USO DE DROGAS REPERCUSSÕES E INTERVENÇÕES NEUROPSICOLÓGICAS Drug use Neuropsychological effects and interventions Rachel SchlindweinZanini1 Micheli Sotili2 Artigo encaminhado 07042019 Aceito para publicação 26042019 RESUMO O abuso de drogas é considerado um problema de Saúde Mental e social com efeitos potencialmente devastadores à saúde do usuário às relações familiares às expectativas profissionais e à sociedade requerendo políticas de controle e combate A dependência de substâncias como álcool fármacos cocaína crack e maconha relacionase a fatores biológicos sociais e psicológicos e consiste basicamente na presença de alterações comportamentais fisiológicas e cognitivas Considerando a diversidade de padrões de uso de drogas existentes para o diagnóstico da dependência química é necessário investigar diversos aspectos A avaliação neuropsicológica também pode ser utilizada no diagnóstico do comprometimento cognitivo e planejamento de reabilitação neuropsicológica e consiste no exame das funções cognitivas do indivíduo como orientação memória linguagem atenção raciocínio através de procedimentos e testes padronizados Podendo incluir instrumentos como Bateria de Avaliação Frontal FAB Inventário de Alterações Neuropsicológicas NEUROPSZC Escala Wechsler de Inteligência para Adultos WAIS Teste Wisconsin de Classificação de Cartas WCST Teste de Associação de Palavras Controladas COWAT Para que as intervenções terapêuticas alcancem êxito é necessário que o usuário de substâncias e seus familiares compreendam a amplitude dos prejuízos provocados pelo seu uso e sejam aderentes as orientações da equipe As intervenções incluem desintoxicação farmacoterapia psicoterapias como a terapia cognitivocomportamental reabilitaçãoestimulação neuropsicológica terapia ocupacional além dos grupos de ajuda mútua importantes no âmbito de saúde mental Palavras chave Drogas Neuropsicologia Saúde mental 1 Doutora em Ciências da SaúdeMedicina Neurociências PUCRS Pósdoutorado em Psicologia pela UFSC Psicóloga Neuropsicóloga do Hospital Universitário UFSC Professora do Programa de Pós Graduação em Saúde Mental e Atenção Psicossocial PPGSM da UFSC rachelszfloripacombr 2 Psicóloga Mestre em Saúde Mental formada pelo PPGSM da UFSC michelisotiligmailcom Cadernos Brasileiros de Saúde Mental ISSN 19842147 Florianópolis v11 n28 p94116 2019 95 P á g i n a ABSTRACT Drug abuse is considered a social and mental health problem with devastating consequences to the users health family ties and professional expectations requiring control and antidrugs policies Substance dependence as alcohol medication cocaine crack and marijuana is related to biological social and psychological factors and consists basically of behavioral physiological and cognitive changes Considering the diversity of drug use standards nowadays several aspects need to be investigated for the diagnosis of chemical dependence Neuropsychological evaluation can be used in the diagnosis of cognitive impairment and also for planning neuropsychological rehabilitation and consists of examining the individuals cognitive functions such as orientation memory language attention and reasoning through standardized procedures and tests It may include instruments such as Frontal Assessment Battery BAF Neuropsychological Alterations Inventory NEUROPSZC Wechslers Adult Intelligence Scale WAIS Wisconsin Card Sorting Test WCST Test of Controlled Oral Word Association Test COWAT To succeed with the therapeutic interventions it is necessary that the substance user and their family understand the extent of the damage caused by its use and adherence to the the health team guidelines Interventions include detoxification pharmacotherapy psychotherapy as cognitivebehavioral therapy neuropsychological stimulation and rehabilitation occupational therapy and mutual support groups important in the field of mental health Keywords Drugs Neuropsychology Mental health 1 INTRODUÇÃO A história do uso e abuso de substâncias psicoativas é antiga Cogumelos alucinógenos ópio e canabinóides foram utilizados por civilizações ancestrais do oriente e atualmente o grupo de drogas chamadas psicoativas psicotrópicas e de abuso inclui medicações que alteram o funcionamento do Sistema Nervoso Central humor percepção comportamento e cognição o álcool a cocaína o crack solventes maconha heroína ácido lisérgico LSD anfetaminas tabaco e ecstasy entre outras Os primeiros registros de uso de bebidas alcoólicas em rituais religiosos e festas pagãs datam de 4000 aC O álcool é a substância psicoativa mais utilizada nas sociedades contemporâneas sendo seu uso de diversas maneiras incentivado por veículos de transmissão cultural Porém apesar de seu consumo ser aceito seu uso excessivo ou de outras formas problemático é tratado como um problema de saúde FANTINATO 2011 REISDORFER 2010 As civilizações précolombianas dos Andes já há mais de 4500 anos utilizavam a folha extraída da planta Erythroxylon coca ou simplesmente coca Cadernos Brasileiros de Saúde Mental ISSN 19842147 Florianópolis v11 n28 p94116 2019 96 P á g i n a como testemunham as escavações arqueológicas no Peru e na Bolívia A planta de coca cresce na forma de arbusto ou em árvores ao leste dos Andes e acima da Bacia Amazônica Cultivada em altitudes que variam entre 450m e 1800m acima do nível do mar é tradicionalmente mascada pelos nativos da região e associada por alguns grupos aos mistérios sagrados da fertilidade da sobrevivência da morte e de práticas curativas FERREIRA MARTINI 2001 O nome coca deriva de uma palavra aimará khoka significando a árvore KARCH 1989 A cocaína é um derivado da coca e o crack uma forma cristalizada derivada da pasta de coca cujo uso se popularizou internacionalmente na década de 1980 A maconha droga ilícita no Brasil derivada da planta Cannabis sativa de origem asiática cresce em zonas tropicais e temperadas e era utilizada sob forma medicamentosa na China no ano 7000 aC A partir dos anos 60 seu consumo como entorpecente cresceu mundialmente RUIZ CONTRERAS et al 2010 O usoabuso de drogas vem sendo considerado um problema de grande transcendência social cujos efeitos são diversos e considerados por determinados segmentos devastadores à saúde do usuário às relações familiares às expectativas profissionais e à sociedade como um todo Em face disso tem sido criadas políticas para controle e combate Ao uso e abuso de álcool e drogas ilícitas Tais políticas são de diferentes ordens abarcando múltiplos setores da sociedade segurança pública apoio social saúde entre outros ALMEIDA FILHO et al 2007 2 USO E ABUSO DE DROGAS SINTOMAS E REPERCUSSÕES O vício em substâncias ou dependência de drogas é um distúrbio neuropsiquiátrico caracterizado por um desejo recorrente de continuar usando a droga apesar das consequências prejudiciais ZOU et al 2017 Assim a dependência de substâncias relacionase a fatores biológicos sociais e psicológicos cujas repercussões negativas na saúde e na família do usuário não o impedem de continuar o uso gerando autoadministração repetida e consequente tolerância abstinência e comportamento compulsivo de consumo Cadernos Brasileiros de Saúde Mental ISSN 19842147 Florianópolis v11 n28 p94116 2019 97 P á g i n a da droga SCHLINDWEINZANINI et al 2014 Entre as substancias citase o álcool psicofármacos cocaína crack e maconha 21 Álcool O alcoolismo é um problema complexo visto ser uma das substancias psicoativas mais consumidas no mundo porém com um grande risco para o indivíduo que faz uso excessivo e repetitivo capaz de trazer sérias repercussões a saúde e as relações sociais e profissionais sem contar que os gastos relacionados direta e indiretamente ao abuso do álcool são altíssimos para a economia do país FANTINATO 2011 O Ministério da Saúde 2004 traz alguns dados referentes aos gastos públicos relacionados com o consumo de álcool em 2001 nesse período foram realizadas 84467 internações para tratamentos de problemas decorrentes do uso de álcool emitiuse 121901 AIHs Autorização de Internação Hospitalar para internações referentes ao alcoolismo sendo a média de internação de 273 dias totalizando um custo anual de mais de 60 milhões de reais para o SUS Sistema Único de Saúde O uso do álcool também tem sido correlacionado à violência sendo verificado em pesquisa de Collins e Messerschmidt 1993 que o consumo de álcool está envolvido em pelo menos metade dos crimes violentos seja o consumo observado no criminoso na vítima ou em ambos É visível a relação do álcool com a violência pois o mesmo prejudica a capacidade de controlar a agressividade a impulsividade e a capacidade de tomar decisões Com relação à violência contra a mulher Estudos mostram que embora a violência doméstica seja universal ela é mais prevalente em usuários de substâncias Hilberman e Munson descobriram que 93 das pessoas que causavam violência em suas esposas eram alcoólatras Wolfgang relatou que em seu estudo 67 dos maridos que espancaram suas esposas eram alcoólatras BHATT 1998 p 30 tradução nossa De acordo com o Ministério da Saúde 2004 a presença de álcool em acidentes ou situações de violência é responsável por um aumento na gravidade das lesões provocadas e pela consequente diminuição dos anos de vida da população A violência e os acidentes são a segunda causa de mortalidade geral e ocupa o primeiro lugar como causa de óbitos de pessoas entre 10 e 49 anos de idade Cadernos Brasileiros de Saúde Mental ISSN 19842147 Florianópolis v11 n28 p94116 2019 98 P á g i n a Em relação aos adolescentes e jovens o uso de drogas incluindo o álcool está relacionado com diversas situações responsáveis por danos à saúde entre Elas os acidentes de trânsito agressões depressões clínicas e distúrbios de conduta ao lado de comportamento de risco no âmbito sexual e transmissão do Vírus da Imunodeficiência Humana HIV pelo uso de drogas injetáveis e de outros problemas de saúde decorrentes dos componentes da substância ingerida e das vias de administração MINISTÉRIO DA SAÚDE 2004 p 14 Conforme Hingson 1982 apenas 1 dos indivíduos que reconhecem ter problemas com o consumo excessivo de álcool e buscaram atendimento foram diagnosticados e motivados para realizar o tratamento e alcançaram a abstinência Dessa forma além da dificuldade do paciente em buscar ajuda há ainda a dificuldade em diagnosticar corretamente bem como a rigidez encontrada em algumas das propostas de tratamento Para a população de Florianópolis Santa Catarina o alcoolismo não é considerado uma doença mental sendo a responsabilidade atribuída ao próprio indivíduo dependente que é visto como violento e capaz de perturbar a ordem social REISDORFER 2010 p20 o que torna necessária a investigação dos padrões de uso de bebidas alcoólicas propondo ações de prevenção e promoção de saúde Historicamente é notável a exclusão social e o estigma que as pessoas que sofrem de algum transtorno mental enfrentam na sociedade somase a isso a dificuldade de encontrar assistência adequada O alcoolismo tornouse um problema de saúde pública sendo apontado como a principal causa de doenças mortes e acidentes que poderiam ser evitados além da violência ANDRADE ANTHONY SILVEIRA 2009 O uso abusivo de álcool traz repercussões em vários âmbitos interferindo nas relações sociais e familiares com prejuízos cognitivos ocupacionais aumento nos acidentes e na criminalidade Além disso de acordo com Damasceno 2008 o uso excessivo e repetitivo de álcool provoca também carências nutricionais devido a uma alimentação insuficiente e a deficiência na absorção Entre as repercussões metabólicas do abuso crônico de álcool temse a fibrose hepática a hipoglicemia e a Síndrome de WernickeKorsakoff entre outras VIEIRA 2012 A Síndrome de WernickeKorsakoff é uma das Cadernos Brasileiros de Saúde Mental ISSN 19842147 Florianópolis v11 n28 p94116 2019 99 P á g i n a conseqüências da deficiência de Tiamina Vitamina B1 utilizada na condução nos neurônios colinérgicos e serotoninérgicos responsável pelo surgimento de lesões neuronais DAMIANI et al 2013 A encefalopatia de Wernicke se inicia de forma aguda ou subaguda com apresentação de desorientação confusão amnésia nistagmo oftalmoplegia ataxia e sinais associados de polineuropatia podendo evoluir para coma com mortalidade em torno de 15 DAMASCENO 2008 p 814 A psicose e a amnésia de Korsakoff podem surgir como conseqüência da encefalopatia de Wernicke ou iniciar de forma isolada O paciente pode apresentar confabulação confusão e déficits na memória anterógrada e retrógrada Ibidem 2008 Dessa forma a Demência de WernickeKorsakoff afeta o Sistema Nervoso Central e periférico prejudicando também a qualidade de vida do paciente SchlindweinZanini et al 2014 Essa síndrome se constitui emergência clínica e o diagnóstico rápido e tratamento precoce através da administração de tiamina parenteral torna possível a reversão dos sintomas neurológicos e previne a psicose ou demência de Korsakoff DAMIANI et al 2013 22 Psicofármacos Os psicofármacos também fazem parte das drogas de abuso mesmo que seu uso dependa da prescrição médica e tenham sua comercialização restrita Essas substâncias atuam no organismo alterando as funções mentais como a percepção além de provocar alterações comportamentais e de humor estimulando ou inibindo o sistema nervoso central O abuso e a dependência de psicofármacos é um dos principais problemas de saúde em nível mundial especialmente entre os idosos HERNÁNDEZ 2010 Entre os fármacos que também podem causar dependência estão os opióides utilizados para aliviar a dor oncológica intensa e a dor aguda além de outras síndromes dolorosas não oncológicas Seu uso prolongado pode ter como consequência o desenvolvimento de tolerância da síndrome da abstinência e da dependência O diagnóstico de dependência de opióides é difícil e suas manifestações incluem seu uso excessivo causa da dor desconhecida exagero na dor uso compulsivo e preocupação sobre se o medicamento estará disponível a não aceitação da mudança na prescrição ou alteração do medicamento entre outros NASCIMENTO SAKATA 2011 Cadernos Brasileiros de Saúde Mental ISSN 19842147 Florianópolis v11 n28 p94116 2019 100 P á g i n a 22 Cocaína e Crack Entre tais substâncias psicoativas citase também a cocaína e o crack substâncias altamente viciantes e estimulantes do Sistema Nervoso Central Seus efeitos segundo Ruiz Contreras et al 2010 iniciam rapidamente e tem duração de aproximadamente 30 a 60 minutos e provocam sensações gratificantes aumentando a autoestima e a autoconfiança Porém quando o efeito começa a declinar o usuário experimenta sensação de ansiedade por esse motivo fazendo seu uso associado com a heroína que apresenta um efeito mais prolongado sendo que o uso de cocaína está associado à diminuição do apetite e do sono No que se refere ao aspecto emocional Rodrigues et al 2013 referem que nos usuários de crack se observa a manifestação de comportamentos violentos e de risco descuido com o asseio pessoal perda de emprego e afastamento de familiares e amigos É considerada uma das substâncias mais perigosas no que se refere ao risco de danos sejam eles psicológicos sociais e físicos A cocaína produz seus efeitos psicoativos e viciantes principalmente agindo sobre o sistema de recompensa do cérebro um conjunto de regiões interconectadas que regulam o prazer e motivação Um efeito inicial de curto prazo devido a um acúmulo de dopamina neuroquímica dá origem à euforia e um desejo de tomar a droga novamente Muitos efeitos de longo prazo da cocaína incluem vício desejo persistente e um alto risco de recaída A desregulação das vias de recompensa do cérebro está associada a um agravamento drástico de comportamentos de procura de droga e consumo HAAS KARILA LOWENSTEIN 2009 Quando prejuízos neurocognitivos em dependentes de cocaínacrack são comparados a indivíduos normais percebemse alterações em testes de atenção fluência verbal memória visual memória verbal capacidade de aprendizagem e funções executivas evidenciando que o abuso de cocaína está associado a déficits neuropsicológicos significativos semelhantes aos que ocorrem em transtornos cognitivos possivelmente relacionados a problemas em regiões cerebrais préfrontais e temporais CUNHA NOVAES 2004 Também há forte associação entre o transtorno de déficit de atençãohiperatividade TDAH e o transtorno por uso de substâncias psicoativas TUSP em estudos clínicos e comunitários Estimase que Cadernos Brasileiros de Saúde Mental ISSN 19842147 Florianópolis v11 n28 p94116 2019 101 P á g i n a aproximadamente 30 dos sujeitos com TUSP apresentam comorbidade com o TDAH taxa significativamente maior do que a vista na população geral SZOBOT ROMANO 2007 23 Maconha Com relação ao consumo de maconha sabese que seus efeitos são sentidos em poucos minutos quando inalada ou entre 30 e 60 minutos quando ingerida De acordo com Ruiz Contreras et al 2010 apesar de ser considerada uma droga leve há controvérsias quando se trata do seu potencial de dependência física Seu consumo acarreta problemas diversos como a dificuldade de memorizar informações novas dificulta o desempenho em determinadas atividades físicas e pode provocar depressão ansiedade e outras doenças respiratórias Além desses efeitos Budney Vandrey e Stanger 2010 apontam dificuldades no relacionamento familiar e com amigos baixa satisfação com a vida dificuldades financeiras e baixa produtividade no trabalho baixa autoestima e culpa pelo uso Outras pesquisas conforme ALVES SPANIOL LINDEN 2012 DIEHL CORDEIRO LARANJEIRA 2010 sugerem associação entre o uso da cannabis e psicose Também há indicação de que indivíduos com esquizofrenia usuários dessa substância podem apresentar uma exacerbação dos sintomas psicóticos De acordo com Laranjeira 2010 a hipótese de que a maconha seja a porta de entrada para outras drogas é uma questão bastante discutida porém para o autor é fato que seu uso pode ser considerado pelo menos como um fator de risco para a experimentação de drogas mais pesadas No estudo realizado por Meier et al 2012 com pessoas que faziam uso persistente de maconha foi verificado um declínio neuropsicológico principalmente quando o consumo se iniciou na adolescência Entre os efeitos observaramse déficits de memória funções executivas e aprendizagem Além disso verificouse nesse estudo que mesmo após cessar o uso de maconha o funcionamento neuropsicológico não é restaurado completamente naqueles indivíduos que iniciaram o uso na adolescência sugerindo seu efeito neurotóxico para o cérebro visto que nesta fase o mesmo se encontra em desenvolvimento Ibidem 2012 Cadernos Brasileiros de Saúde Mental ISSN 19842147 Florianópolis v11 n28 p94116 2019 102 P á g i n a 3 DIAGNÓSTICO E PROGNÓSTICO Há muitas propostas de tratamento que tem como meta final a abstinência das drogas que quando alcançada apresentase como sucesso terapêutico Porém apenas 20 dos casos resultam em abstinência e esse é um número considerado baixo FANTINATO 2011 Há outras possibilidades de tratamento onde podem ser consideradas as singularidades de cada indivíduo escolhendose um tratamento diferenciado para cada um de acordo com o que é demandado com o que pode ser feito e estimulando a participação ativa do usuário Uma destas alternativas é a abordagem da redução de danos e não a abstinência com o intuito de preservar a vida MINISTÉRIO DA SAÚDE 2004 A realização de um diagnóstico precoce e do tratamento para a dependência do álcool são fatores importantes para que o prognóstico do paciente seja bom Segundo dados do Ministério da Saúde 2004 em relação aos pacientes tratados na atenção primária em torno de 20 fazem uso abusivo de álcool bebendo em um nível considerado de alto risco Quanto ao aspecto psicológico e psiquiátrico Hess Almeida e Moraes 2012 referem que a chance de desenvolver transtornos psiquiátricos é maior nos indivíduos dependentes químicos e ressaltam que a identificação de outros transtornos é importante para o tratamento adequado e um bom prognóstico Complementarmente Ruiz Contreras et al 2010 afirmam que cada pessoa dependente de determinada droga pode apresentar comorbidades psiquiátricas diferentes sendo necessário que o tratamento também seja individualizado com o intuito de melhorar a efetividade terapêutica e minimizar o risco de recaídas Hess Almeida e Moraes 2012 citam diversos estudos em que foi possível observar que os transtornos psiquiátricos mais comumente encontrados entre os dependentes químicos são depressão ansiedade e transtornos de personalidade Além de maior risco de suicídio impulsividade e agressividade A dependência de substâncias é considerada um transtorno psiquiátrico e de acordo com a Organização Mundial de Saúde OMS pode ser tratada tanto como uma condição médica crônica quanto como um problema social Ela pode ser entendidacomo Cadernos Brasileiros de Saúde Mental ISSN 19842147 Florianópolis v11 n28 p94116 2019 103 P á g i n a um estado mental e muitas vezes físico que resulta da interação entre um organismo vivo e uma droga gerando uma compulsão por tomar a substância e experimentar seu efeito psíquico e às vezes evitar o desconforto provocado por sua ausência PRATTA SANTOS 2009 p 208 De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSM IV a dependência química é caracterizada por agrupamento de sintomas cognitivos comportamentais e fisiológicos indicando o uso contínuo pelo indivíduo apesar de problemas significativos relacionados à substância AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION 2014 p 483 O vício em cocaína por exemplo afeta os centros de recompensa do cérebro O forte desejo de uso é desencadeado por elementos condicionados ao ambiente de drogas e associado à ativação límbica Assim o vício é rapidamente progressivo e associado a consequências médicas psiquiátricas e psicossociais graves necessitando de abordagens psicossociais confiáveis DACKIS OBRIEN 2001 Kolling et al 2007 assinalam em dependentes de cocaína e álcool prejuízos nos processos atencionais na memória de curtaduração na memória de trabalho na memória prospectiva no processo de tomada de decisões no controle de impulsos na capacidade de resolução de problemas Disfunções no lobo préfrontal costumam estar presentes podendo estar relacionados a prejuízos anteriores ao uso que favorecem a recaída e a manutenção da adição à droga acarretando pior adesão deste indivíduo a alguma terapêutica ou tipo de tratamento A pesquisa de McKowen et al 2018 determinou por meio do Cambridge Neuropsychological Test Automated Battery CANTAB e do Behavior Rating Inventory of Executive Functioning BRIEFA que pacientes adultos com distúrbios e uso de substancias geralmente manifestam altos níveis de disfunção executiva que podem afetar o engajamento e a participação destes no tratamento Assim o diagnóstico também considera a avaliação neuropsicológica Segundo Bowler e Lezak 2015 é um exame amplo em que os neuropsicólogos nas interpretações clínicas usam extensos dados normativos baseados em funções cognitivas de humor executivas neurológicas e motoras do cérebro de grupos com diferentes antecedentes culturais e educacionais e doenças psiquiátricas Cadernos Brasileiros de Saúde Mental ISSN 19842147 Florianópolis v11 n28 p94116 2019 104 P á g i n a Nesse sentido a avaliação neuropsicológica investiga as funções cognitivas do indivíduo como orientação memória linguagem atenção raciocínio através de procedimentos e testes padronizados SCHLINDWEIN ZANINI 2010 Podendo ser indicada nos casos de transtornos mentais condições neurológicas reumatológicas cirúrgicas metabólicas de infectologias do desenvolvimento e aprendizado sejam crônicas demências deficiências intelectuais doenças degenerativas ou agudas como traumatismo craniano acidente vascular cerebral para diferentes idades considerando também outros exames em seu parecer como os laboratoriais de neuroimagem polissonografia e eletroencefalograma A Avaliação Neuropsicológica no âmbito de uso e abuso de substâncias pode incluir instrumentos como Bateria de Avaliação Frontal FAB Consiste em um instrumento de avaliação das funções dependentes do lobo frontal composto por seis itens aplicados em aproximadamente 10 minutos Predominantemente prejuízos nas funções executivas são avaliados através dos seguintes constructos formação conceitual fluência verbal flexibilidade mental programação motora tendência à distração controle inibitório e autonomia DUBOIS et al 2000 Cunha e Novaes 2004 adaptaram este instrumento e Beato et al 2007 apresentaram a versão brasileira da bateria e os dados preliminares do desempenho de idosos bem como a correlação com idade nível de escolaridade e os escores do Exame do Estado Mental Inventário de Alterações Neuropsicológicas NEUROPSZC SchlindweinZanini e Cruz Este instrumento busca auxiliar o profissional a realizar um breve levantamento das alterações neuropsicológicas autorrelatadas pelo paciente nas áreas de concentração irritabilidade atenção tomada de decisão memória visual memória de curto e longo prazo planejamento oscilação de humor independência orientação espacial e temporal destreza ma nual compreensão verbal cálculo expressão verbal e escrita SCHLINDWEINZANINI et al 2013 Consiste em um instrumento originalmente brasileiro tendo fácil e rápida aplicação Cadernos Brasileiros de Saúde Mental ISSN 19842147 Florianópolis v11 n28 p94116 2019 105 P á g i n a Escala Wechsler de Inteligência para Adultos 3ª edição WAISIII Pode ser aplicada parcialmente ou em sua totalidade Se parcial destacase três subtestes que possibilitam compor o índice fatorial de Memória de Trabalho WECHSLER 2005 associado à memória imediata atenção e concentração LEZAK HOWIESON LORING 2004 entre outras funções de interesse A terceira edição do WAIS III foi adaptada e validada para a população brasileira por Nascimento 2000 e publicada em nosso meio em 2004 Nesta bateria destacase o subteste Dígitos que avalia principalmente atenção a estímulos verbais e memória auditiva de curta duração e memória de trabalho na Ordem Inversa GROTHMARNAT 2000 WECHSLER 2005 Aritmética que avalia especialmente habilidades computacionais habilidades de sequenciamento atenção concentrada auditiva memória de trabalho auditiva análise lógica raciocínio abstrato e velocidade no raciocínio numérico Sequência de Número e Letras que examina memória de trabalho capacidade de concentração e atenção GROTHMARNAT 2000 sendo que na literatura neuropsicológica é citado que este subteste é mais sensível dentre as medidas que compõem o Índice de Memória de Trabalho na avaliação de déficits neuropsicológicos resultantes de lesão no sistema nervoso LEZAK HOWIESON LORING 2004 Teste Wisconsin de Classificação de Cartas WCST Investiga no indivíduo o raciocínio abstrato e a capacidade de mudança de estratégias cognitivas como resposta as modificações ocorridas no meio Segundo SchlindweinZanini et al 2013 no Brasil estão à disposição dados normativos referente a esta avaliação de funções executivas dos lobos frontais fornecendo escores objetivos não apenas de sucesso total mas também de fontes específicas de dificuldade na tarefa Teste de Associação de Palavras Controladas COWAT Envolve a fluência de palavras nas categorias fonêmica e semântica O COWAT está relacionado com medidas de resolução de problemas nomeação memória e sequenciamento E mostrou elevada Cadernos Brasileiros de Saúde Mental ISSN 19842147 Florianópolis v11 n28 p94116 2019 106 P á g i n a fidedignidade entre avaliadores STRAUSS SHERMAN SPREEN 2006 No caso da investigação sobre o uso patológico de álcool são indicados instrumentos de rastreio como o Alcohol Use Disorder Identification Test AUDIT desenvolvidopela OMS BABOR et al 2001 O instrumento é composto por 10 itens cada um com margem de 0 a 4 pontos possibilitando um espectro de pontuação de 0 a 40 A pontuação que o sujeito atinge ao responder aos itens do AUDIT permite a classificação do uso da substância da seguinte forma Zona I baixo risco 0 a 7 pontos Zona II uso de risco 8 a 15 pontos Zona III uso nocivo 16 a 19 pontos Zona IV provável dependência 20 a 40 pontos 4 PROCEDIMENTOS CLÍNICOS E AUXILIARES De acordo com Edwards Marshall e Cook 2005 para que as intervenções terapêuticas alcancem êxito é necessário que o usuário do álcool e seus familiares compreendam a amplitude dos prejuízos provocados pelo seu uso As intervenções incluem desintoxicação considerado apenas o primeiro passo farmacoterapia psicoterapias individual em grupo e com os familiares terapias ocupacional e cognitivocomportamental além dos grupos de ajuda mútua PRATTA SANTOS 2009 p 209 A Terapia CognitivoComportamental TCC agrega conhecimentos da teoria cognitiva e da comportamental sendo que para esta abordagem o uso de drogas é um comportamento aprendido que se relaciona funcionalmente com os problemas que o indivíduo enfrenta considerando ainda influencias de fatores cognitivos e sociais O objetivo da terapia é fazer com que o indivíduo reconheça as situações que o levam a fazer uso de substâncias através de habilidades construídas no processo e evitar tais situações e consequentemente o uso da droga SCHENKER MINAYO 2004 De acordo com Mchugh Hearon e Otto 2010 a eficácia da TCC pode ser verificada tanto quanto é realizada em conjunto com outro método terapêutico como quando usada isoladamente Rangé e Marlatt 2008 p 92 citam o estudo de Holder Longabaugh Miller e Rubonis 1991 que verificaram evidências positivas sobre a eficácia da TCC através das intervenções de treinamento de habilidade social treinamento de autocontrole entrevista motivacional breve Cadernos Brasileiros de Saúde Mental ISSN 19842147 Florianópolis v11 n28 p94116 2019 107 P á g i n a manejo de estresse terapia conjugal comportamental e reforçamento da comunidade sensibilização encoberta e contratos comportamentais Além da TCC também se observa a indicação da Terapia Familiar TF neste contexto De acordo com Payá 2010 temse buscado cada vez mais utilizar a TF no tratamento da dependência química visto que toda a rede social principalmente a família tem um papel relevante na dependência química e no tratamento A TF tem como objetivo compreender as relações familiares como elas são construídas e quais as suas consequências Payá 2010 apresenta os dois principais modelos que trabalham na perspectiva da família o modelo sistêmico e o modelo cognitivo comportamental O modelo sistêmico tem como foco as interações entre os membros da família sendo a dependência química entendida como um sintoma da disfunção familiar Entre as abordagens do modelo sistêmico cita se a Terapia Estratégica Breve para Adolescentes TEBA a Terapia Motivacional Sistêmica TMS e a Entrevista Motivacional EM A TEBA é focada no problema e nos temas relacionados a ele a TMS entende que toda família necessita de terapia visto que todos são afetados pela dependência química Ibidem 2010 Sobre o modelo cognitivocomportamental Payá 2010 p 324 cita que esta abordagem entende que todos os comportamentos são aprendidos e mantidos por meio de reforços positivos e negativos os quais podem ser provenientes das interações familiares O tratamento tem como objetivo a mudança dessas interações atuando de modo a melhorar a comunicação e a capacidade de solucionar e lidar com os problemas Schenker e Minayo 2004 comentam que dessa forma a intervenção é realizada de modo a gerenciar as interações familiares reduzindo assim os comportamentos que levam ao uso de drogas e ao mesmo tempo reforçando aqueles incompatíveis com o uso As técnicas utilizadas são educação treinamento de habilidades de comunicação e treinamento de resolução de problemas A educação consiste em prestar informações sobre a dependência tratamentos recaída e modificação de comportamentos No treinamento de habilidades de comunicação o objetivo é a diminuição das interações negativas tornando a comunicação breve e direta por meio da expressão de sentimentos positivos e negativos de solicitações positivas da escuta ativa e da sensibilização para a necessidade de assumir compromissos e poder de negociação Ibidem 2010 Cadernos Brasileiros de Saúde Mental ISSN 19842147 Florianópolis v11 n28 p94116 2019 108 P á g i n a p 324 Já no treinamento de resolução de problemas são ensinados à família os passos para resolução de problemas Payá 2010 apresenta as duas principais terapias que utilizam a teoria cognitivocomportamental para trabalhar com as famílias Na Terapia familiar cognitivocomportamental realizada principalmente quando se trata de adolescentes dependentes químicos buscase atuar sobre as interações familiares com o objetivo de diminuir os comportamentos que favoreçam o uso de drogas e reforçar aqueles que o evitam Já a terapia de casal comportamental é considerada eficiente no tratamento de dependência química em adultos sejam eles casados ou que vivem juntos Tem como propósito construir apoio para a abstinência e melhorar o funcionamento dos relacionamentos promove a abstinência como um contrato de recuperação que envolve ambos os membros do casal Ibidem 2010 p 324 As sessões devem ser estruturadas e controladas e o papel do psicoterapeuta é mais diretivo e ele não deve impor suas próprias crenças ou culpabilizar um dos membros As principais terapias comportamentais também provaram ser eficazes na dependência de cocaína As modalidades de tratamento que combinam a medicação e intervenção comportamental são susceptíveis de produzir os melhores resultados HAAS KARILA LOWENSTEIN 2009 A técnica de estimulação e reabilitação cognitiva é considerada de grande eficácia para atenuar dificuldades cognitivas e em alguns casos reverter problemas de atenção e de processamento de informações SCHLINDWEINZANINI 2016 O tratamento da dependência química e reabilitação neuropsicológica em nível ambulatorial hospitalização ou em comunidades terapêuticas inclui especialmente psicoterapia especialmente Psicoterapia Cognitivo Comportamental enfocando também intervenções motivacionais recuperação de habilidades sociais e visando à abstinência uso de psicotrópicos estimulação cognitiva orientação nutricional e reposição vitamínica quando necessário atividades lúdicas e atividade física requerendo abordagem multidisciplinar médico psicólogo neuropsicólogo enfermeiro fisioterapeuta terapeuta ocupacional assistente social além da orientação e apoio a família do paciente trabalhandose inclusive aspectos clínicos familiares sociais e legais Considerando que uma rede social de Cadernos Brasileiros de Saúde Mental ISSN 19842147 Florianópolis v11 n28 p94116 2019 109 P á g i n a apoio bem organizada é fundamental na manutenção da abstinência do paciente SCHLINDWEINZANINI et al 2014 O Ministério da Saúde instituiu o Programa Nacional de Atenção Comunitária Integral aos Usuários de Álcool e outras Drogas tendo em vista a necessidade de promover estratégias que visassem fortalecer a rede de assistência favorecendo a reabilitação e a reinserção desses usuários na sociedade Dessa forma os Centros de Atenção Psicossocial CAPS ad surgem como uma alternativa de atendimento no qual contempla em seus projetos terapêuticos práticas de cuidados que contemplem a flexibilidade e a abrangência possíveis e necessárias a esta atenção específica dentro de uma perspectiva estratégica de redução de danos sociais e a saúde MINISTÉRIO DA SAÚDE 2004 p 22 De acordo com esse programa a atenção aos dependentes deve estar articulada à rede de assistência à saúde mental seguindo os princípios da Reforma Psiquiátrica integrando os usuários ao meio cultural a que pertencem A oferta de atendimento nos CAPS ad deve ser diária e nas modalidades intensiva semiintensiva e não intensiva sendo o planejamento terapêutico criado de forma individualizada favorecendo a desconstrução do estigma sofrido pelos usuários A rede assistencial consistiria nos CAPS ad juntamente com leitos psiquiátricos em hospital geral além de outras práticas comunitárias de atenção Ibidem 2004 Sendo assim por meio de procedimentos diagnósticos e terapêuticos em equipe muldisciplinar permeando níveis distintos de complexidade busca se a melhor compreensão do indivíduo usuário de drogas e sua família no contexto de saúde mental 5 CONCLUSÃO O usoabuso de drogas como cocaína crack maconha LSD álcool e psicofármacos é considerado um problema de saúde pública com repercussões negativas de ordem psicológica cognitiva e emocional social econômica ocupacional e de saúde física assim como ao bem estar da família O problema indica a necessidade de políticas de assistência incluindo avaliação reabilitação e a reinserção social do indivíduo controle e combate a este usoabuso envolvendo diferentes setores da sociedade Cadernos Brasileiros de Saúde Mental ISSN 19842147 Florianópolis v11 n28 p94116 2019 110 P á g i n a O uso e abuso de drogas de modo geral tem repercussão em áreas límbicas e no centro de recompensa do cérebro apresentando relação com agressividade distúrbios comportamentais e de humor alterações em memória em funções executivas e na aprendizagem entre outras havendo alguns instrumentos úteis na avaliação neuropsicológica destes pacientes Sendo que tais alterações interferem na adesão ao tratamento e inserção social A realização do diagnóstico precoce e do tratamento para a dependência de drogas são fatores importantes para o bom prognóstico As intervenções geralmente incluem tratamento médico desintoxicação e psicoterapias requerendo abordagem multidisciplinar Neste sentido são válidas algumas ações governamentais no âmbito de atenção aos usuários de álcool e outras drogas centros de atenção psicossocial e hospitais de alta complexidade em articulação na rede de assistência à saúde mental REFERÊNCIAS ALMEIDA FILHO A J de et al O adolescente e as drogas consequências para a saúde Escola Anna Nery Rio de Janeiro v 11 n 4 p 605610 dez 2007 Disponível em 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M A dos O processo saúdedoença e a dependência química interfaces e evolução Psic Teor e Pesq Brasília v 25 n 2 jun 2009 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS0102 37722009000200008lngennrmiso Acesso em 20 jun 2016 RANGE B P MARLATT G A Terapia cognitivocomportamental de transtornos de abuso de álcool e drogas Rev Bras Psiquiatr São Paulo v 30 supl 2 p 8895 out 2008 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS1516 44462008000600006lngennrmiso Acesso em 20 jun 2016 REISDORFER E Prevalência e fatores associados ao uso problemático de álcool entre adultos um estudo de base populacional em Florianópolis Santa Catarina Dissertação Mestrado em Saúde Coletiva Centro de Ciências da Saúde Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis 2011 87p RODRIGUES V S et al Revisão sistemática sobre tratamentos psicológicos para problemas relacionados ao crack J Bras Psiquiatr Rio de Janeiro v 62 n 3 p208216 2013 Disponível em 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Dissertação Mestrado em Ciências Farmacêuticas Faculdade de Ciências da Saúde Universidade Fernando Pessoa Porto 2012 WECHSLER D WAISIII Escala de Inteligência Wechsler para Adultos Manual técnico M C Vilhena Trad São Paulo Casa do Psicólogo 2005 ZOU et al Definition of Substance and Nonsubstance Addiction Adv Exp Med Biol Singapore v 1010 p 2141 nov 2017 TDE 02 Referências bibliográficas dos artigos que o grupo selecionou referente ao tema Indicar dentro das normas da ABNT os artigos escolhidos pelo grupo 710 Cad Saúde Pública Rio de Janeiro 243710713 mar 2007 DEPENDÊNCIA QUÍMICA PROBLEMA BIOLÓGI CO PSICOLÓGICO OU SOCIAL Mota LA São Paulo Paulus 2007 84 pp Coleção Questões Fundamentais da Saúde 12 ISBN 9788534927 O consumo de substâncias psicoativas é uma carac terística comum a populações da maioria dos países inclusive a do Brasil sendo o tabaco e o álcool as mais utilizadas Muitas variáveis ambientais biológicas psicológicas e sociais atuam simultaneamente para in fluenciar a tendência de qualquer pessoa vir a usar dro gas e isto se deve à interação entre o agente a drogao sujeito o indivíduo e a sociedade e o meio os contex tos sócioeconômico e cultural Existe no mundo extensa produção bibliográfica sobre questões relacionadas às drogas psicológicas sociais educacionais políticas sanitárias econômicas e religiosas popularmente conhecidas como drogas lícitas e ilícitas A partir do século XX essas publica ções se intensificaram Várias foram as razões para is so O avanço científico e tecnológico o conhecimento armazenado a gama de tratamentos existentes o en volvimento de muitas áreas do conhecimento com es sa temática a alta prevalência de pessoas envolvidas portadores de dependência narcotraficantes crian ças adolescentes adultos ou idosos As reflexões so bre essas questões ocupam grande parte da atenção dos estudiosos Embora esses estudos representem boa bagagem na produção de conhecimento ainda se fazem necessárias mais pesquisas para a melhor com preensão da complicada relação entre as drogas e o ho mem Ainda que tenhamos uma significativa produção intelectual sobre substâncias psicoativas somos um tanto acanhados na compreensão deste fenômeno que muito bem é articulado na obra de Leonardo de Araújo e Mota Parafraseando Conte 1 perguntase qual o campo em que se situam as drogas A resposta é muito varia da e heterogênea tanto pelas disciplinas e ciências que se ocupam da área das substâncias psicoativas em re lação ao uso de drogas bem como pelos diferentes lu gares que a droga ocupa na vida física psíquica legal e social do usuário e da comunidade O uso de drogas situase em uma encruzilhada temática O fenômeno diz respeito ao campo sociológico médico psicológico jurídico etimológico psicanalítico educacional fami liar e o religioso Na pluralidade das interfaces desses campos é que o fenômeno da droga se situa Sendo assim cada lócus desse campo questiona e toma pa ra si esse fenômeno em nome de alguma verdade que postula oferecendo as mais diversas soluções 2 É com essa perspectiva em vista que o autor desenvolve seu trabalho Dependência Química Problema Biológico Psicológico ou Social Mota é graduado em Ciências Sociais professor universitário e doutorando em sociologia Universi dade Federal do Ceará procura fomentar a discussão sobre a origem do problema das drogas em relação ao homem Tratase de um livro que fala as questões das drogas e não a questão das drogas Nesse sentido esti mula a reflexão para a causa etiologia do uso de subs tâncias psicoativas tanto para os profissionais da área da saúde educação segurança ciências sociais quanto para o mundo acadêmico e outros que se interessem por esta temática Mota critica em seu livro o reducionismo de muitas teorias que tentam ditar suas verdades sobre a etiolo gia da relação entre o uso de drogas e o homem Escre ve o autor entre os saberes psicológicos não existe uma teoria geral das dependências p 29 É preocupação constante a questão da eugenia ou da higienização social que utilizaria as drogas para desencadear uma nova corrida às tendências de produzir um cenário à seleção artificial dos indivíduos mais aptos O autor aponta que o uso de drogas vem como uma panacéia ou seja o remédio para todos os males A proposta do livro é justamente uma investigação sobre a etiologia das drogas O autor elege a dimensão do modelo biop sicossocial o mais apropriado para esse fim e argu menta que é necessário um tratamento interdisciplinar para a investigação desse fenômeno que é ao mesmo tempo biológico psicológico e social como lócus para compreender as questões das drogas versus o homem Para poder tecer seus argumentos Mota divide sua obra além da introdução e conclusão em cinco capítu los O primeiro define o que é droga e traça uma breve revisão do termo O segundo versa sobre a biologia das drogas da eugenia às neurociências traz à tona as con cepções teóricas sobre a etiologia de causa e as ciências biológicas passando por Comte Darwin Lombroso e pelas teorias genéticas O terceiro descreve a questão do uso de substâncias psicoativas e a psicologia entre o prazer o condicionamento e a angústia de maneira a abordar os modelos psicanalítico e comportamental citando a influência da família da personalidade e do aprendizado social Freud refere que o uso de drogas estaria a cargo pela luta por felicidade e como amorte cedor de preocupações Recentemente os psicanalis tas referem que o uso de substâncias psicoativas seria um sintoma da patologia social Para a psicanálise as forças psíquicas são iguais em todos mas cada indi víduo elabora seu sofrimento de forma distinta por tanto a dependência de drogas seria apenas um dos recursos dentre outros disponíveis O quarto capítulo oferece uma reflexão sobre a sociedade e o problema das drogas no contexto social contemporâneo Centra se nos fatores sociais de risco que favorecem o uso de substâncias psicoativas Traz à baila Engels Durkheim e Merton para discorrer sobre a etiologia do uso de drogas No último capítulo o autor aborda questões centrais do modelo biopsicossocial da dependência e colocao como uma síntese necessária para tal explica ção Descreve o fenômeno como complexo para se ater aos reducionismos teóricos pois cada teoria tende a se intitular detentora de repostas RESENHAS BOOK REVIEWS 711 Cad Saúde Pública Rio de Janeiro 243710713 mar 2007 A conclusão final é que paradoxalmente ao que tem mostrado a história a etiologia da dependência química é tarefa impossível de se realizar e precisará ainda ocupar muitas mentes e esforços Praticamente nenhum cientista ou teoria chegou a uma conclusão definitiva sobre essa questão visto que as ciências são intrinsecamente transitórias e que nenhuma instância acadêmica isoladamente é capaz de fornecer uma te oria ou resposta consistente sobre as causas do uso e abuso de substâncias psicoativas Embora os problemas do uso de drogas sejam con siderados como uma reemergência na sociedade não se pode deixar de ressaltar a importância de se realizar discussões com serenidade e comprometimento não levando a construções anômalas sem fundamentação alguma não sendo possível pensar e abordar o tema em sua complexidade com reducionismos e preconcei tos apenas no campo conceitual teórico puramente homogêneo e desarticulado Nesse sentido é imperativa e útil a visão de uma perspectiva de interdisciplinaridade ou a transdiscipli naridade que permita conhecer o tema de forma mais ampla pois a conjugação de esforços e abrangência de cada área possibilita por meio de pressupostos com partilhados uma visão sistêmica do fenômeno drogas Isso tudo desvela a dimensão deste entrecruzamen to epidemiológico que é o processo saúdedoença O problema das drogas supera as questões simplesmente médicas alimentando novas questões e problemas a ele relacionados como por exemplo a violência a cor rupção a instabilidade política o crime organizado a lavagem de dinheiro o favorecimento da propagação de AIDS e hepatites entre outras O produto droga encontrase entre as três atividades mais lucrativas do mundo superando o petróleo e o mercado das armas Além disso forma uma rede direta e indireta com um dos maiores empregadores de pessoas na produção no consumo e na distribuição de substâncias psicoativas Essa atividade agrega valor à sua existência o que em muitas vezes explica a reduzida eficiência e eficácia de explicações consolidando como poderosa economia ilegal De forma geral encontramse nessa obra argu mentos consistentes para fundamentar as questões das drogas e talvez por isso se torne referência para os interessados no estudo deste fenômeno O paradoxo da droga é que ele ao mesmo tempo traz alivio alegria diversão poder sedução produz dor sofrimento desa gregação escraviza e mata Ana Maria Bellani Migott Instituto de Ciências Biológicas Universidade de Passo Fundo Passo Fundo Brasil pierinasbolcombr 1 Conte M Psicanálise e redução de danos articu lações possíveis Revista da Associação Psicanalí tica de Porto Alegre 2004 252333 2 Le Poulichet S Toxicomanias y psicoanalisis las narcoses del deseo Buenos Aires Amorrortu Edi tores 1990 PSIQUIATRIA INSTITUCIONAL DO HOSPÍCIO À REFORMA PSIQUIÁTRICA Lougon M Rio de Janeiro Editora Fiocruz 2006 226 pp Coleção Loucura Civilização ISBN 85754110881 Nas últimas décadas o problema representado pe los transtornos mentais tem ocupado cada vez mais a agenda das políticas de saúde Muitos países têm cons truído políticas de saúde mental comprometidas com o desenvolvimento de novas formas de cuidado com a melhoria da qualidade de vida garantia dos direitos de cidadania e combate às formas de violência exclusão e estigma de que são alvo as pessoas com transtornos mentais Tais políticas têm se caracterizado pela redu ção significativa de leitos psiquiátricos e pela implan tação de serviços baseados na comunidade No Brasil do final dos anos 1980 o processo de re democratização as pressões dos movimentos sociais associadas à luta pelos direitos humanos levaram à construção da Reforma Psiquiátrica que obteve su cesso na consolidação de uma nova Política de Saúde Mental que tem como principais características a re dução de leitos e o maior controle sobre os hospitais psiquiátricos a criação de rede de serviços substituti vos a aprovação de nova legislação em saúde mental a Lei no 10216 de 6 de abril de 2001 e a criação de dispositivos de apoio aos processos de desinstituciona lização além da introdução da saúde mental na pauta de prioridades da educação permanente para o Siste ma Único de Saúde SUS Em nosso país a expansão de leitos psiquiátricos atingiu seu ápice em 1985 com 123355 leitos credenciados ao Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social INAMPS que representavam 2357 do total de leitos oferecidos no Brasil ocupando o primeiro lugar em oferta por es pecialidade Atualmente estimase que o número de leitos psiquiátricos credenciados ao SUS esteja em torno de 38842 ao lado da expansão progressiva da cobertura assistencial em saúde mental composta por uma rede com 1123 CAPS distribuídos em todo o país 479 Serviços Residenciais Terapêuticos 860 ambulató rios de saúde mental cerca de 60 Centros de Convivên cia e Cultura e 2741 beneficiários do Programa de Volta para Casa 1 É nesse contexto que situamos o livro de Mauricio Lougon ou mais precisamente no inicio desse proces so uma vez que o texto permite revisitar a história pio neira de transformação de uma instituição psiquiátrica no Brasil O livro contempla duas partes distintas a primeira produzida nos anos 1980 relata a experiência de transformação da Colônia Juliano Moreira O autor integrou a equipe desse projeto e pôde documentar e analisar o processo no período de 1982 a 1985 A se gunda parte elaborada duas décadas após a primeira discute as conseqüências decorrentes do processo de desinstitucionalização com base em estudos sobre as experiências norteamericana e européia Como apên dice são apresentadas 15 fotos do acervo pessoal do au tor que ilustram aspectos do estudo empreendido Na primeira parte temos três capítulos O primei ro caracteriza a Colônia Juliano Moreira que na época mantinha cerca de 2600 internos na maioria idosos habitantes da instituição há mais de vinte anos So mavase a essa população 1200 funcionários e 3 mil moradores resultado de anos de ocupação de terras públicas O texto descreve a instituição suas funções RESENHAS BOOK REVIEWS Lima A I O Dimenstein M Macedo J P 188 Psicologia em Pesquisa UFJF 92 188197 JulhoDezembro de 2015 DOI 105327Z19821247201500020009 IUniversidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN Natal RN Brasil IIUniversidade Federal do Piauí UFPI Parnaíba PI Brasil Consumo de álcool e drogas e o trabalho do psicólogo no núcleo de apoio à saúde da família Alcohol and drugs consumption and psychologists work in health family support nucleus Ana Izabel Oliveira LimaI Magda DimensteinI João Paulo MacedoII Resumo Objetivouse discutir os desafios para a prática do psicólogo no Núcleo de Apoio à Saúde da Família NASF diante de demandas relacionadas ao consumo de substâncias psicoativas e às possibilidades de atuação Como desafios apontase a falta de atualização e manejo profissional a crença dos profissionais de que nada pode ser feito em relação a problemas com álcool e drogas o encaminhamento como única ação de cuidado e a formação dos psicólogos ainda baseada no modelo de clínica liberal privada curativa É preciso criar práticas de acordo com o contexto dos indivíduos resgatar as múltiplas dimensões de saúde e incorporar outros saberes para compor a produção do cuidado com a saúde como a Redução de Danos que reconhece cada usuário em sua singularidade e traça estratégias de promoção da saúde Palavraschave psicologia drogas cuidado saúde da família Abstract This study aimed at discussing the challenges faced by the psychologist in the Núcleo de Apoio à Saúde da Família NASF regarding the demands arising from consumption of psychoactive substances and the possibilities for action With respect to challenges it was pointed out the lack of professional updating and management the professional belief that nothing can be done when it comes to alcohol and drugs the referral as the only care action performed and the education of psychologists still based on the liberal private curative and individual clinic model We must create practices in accordance with the individuals context as well as rescuing the multiple dimensions of health and incorporating other forms of knowledge so as to compose the production of health care such as Harm Reduction that recognizes each user in their uniqueness and devises strategies to promote health Keywords psychology drugs care family health Introdução De acordo com a Organização Pan Americana de SaúdeOPAS 2009 cerca de 10 das populações dos centros urbanos de todo o mundo consomem de forma abusiva substâncias psicoativas independen temente de idade sexo nível de instrução e poder aquisitivo No Brasil pesquisas indicam que 68 da população brasileira é dependente de álcool 3 disseram já ter consumido maconha alguma vez na vida e 4 da população adulta e 3 dos adolescentes já consumiram cocaínacrack representando uma parcela significativa da população atingida por essa problemática Instituto Nacional de Ciência e Tecno logia para Políticas Públicas de Álcool e Outras Dro gas INPAD 2012 As consequências do consumo de álcool e outras drogas constituem um dos mais graves pro blemas de saúde exigindo a criação e manutenção de programas e políticas de prevenção e assistência articulados além da formação permanente de pro fissionais de saúde Claro Oliveira Almeida Var gas Plaglione 2011 Tal fato impõe aos diversos campos de conhecimento científico a necessidade de desenvolver estratégias para abordar adequadamente a problemática do uso abusivo de tais substâncias sobretudo em termos de seu impacto na saúde pú blica e na Atenção Primária AP De acordo com Barros e Pillon 2007 as expe riências de atendimento e acolhimento das demandas de saúde mental são constatadas por 56 das equi pes de Saúde da Família e os dados epidemiológicos apontam que de 6 a 8 da população necessita de algum cuidado decorrente do uso prejudicial do ál cool e outras drogas Diante disso percebemos que é essencial a inserção de práticas de saúde mental na AP destinadas à problemática do consumo de álcool e drogas A adoção de tais procedimentos redireciona ria o cuidado numa perspectiva de atenção integral e humanizada em articulação com os profissionais e os serviços já inseridos nos territórios Arce Sousa Lima 2011 Consumo de drogas e o trabalho do psicólogo no NASF 189 Psicologia em Pesquisa UFJF 92 188197 JulhoDezembro de 2015 Todavia Silveira 2009 ressalta que o desprepa ro dos profissionais da família e da comunidade para lidar com o sofrimento psíquico tem se tornado cada vez mais evidente e a medicalização dos sintomas foi muitas vezes percebida como incapacidade em atender os problemas psíquicos tudo isso somado à ausência ou ineficiência dos serviços de referência Isso revela as dificuldades das equipes de AP para trabalhar de forma eficaz com as demandas relacionadas à saúde mental Como consequência é cada vez mais evidente o exces so de demanda dos serviços e a falta de conhecimento das equipes para acolher essa população Algumas medidas foram propostas para lidar com essas questões no Brasil Eleito pelo Ministério da Saúde como a estratégia oficial para guiar as ações de saúde mental na AP o apoio matricial é uma de las Brasil 2003 Ele pode ser entendido como um suporte técnico especializado ofertado a uma equipe de saúde com a finalidade de ampliar seu campo de atuação e qualificar suas ações O matriciamento deve proporcionar retaguarda especializada de assistência assim como suporte técnicopedagógico vínculo in terpessoal e apoio institucional no processo de cons trução coletiva de projetos terapêuticos voltados à população Chiaverini 2011 Nessa perspectiva o Ministério da Saúde criou em 2008 o Núcleo de Apoio à Saúde da Família NASF como estratégia de ampliação da diversidade e da abrangência das ações realizadas pela Estratégia Saúde da Família Outra função do NASF é pro porcionar a melhoria do atendimento à população promovendo a produção de novos saberes e a amplia ção da clínica Brasil 2008 Com nove áreas estra tégicas saúde da criançado adolescente e do jovem saúde mental reabilitaçãosaúde integral da pessoa idosa alimentação e nutrição serviço social saúde da mulher assistência farmacêutica atividade física atividades corporais práticas integrativas e comple mentares o NASF se configura como a principal ferramenta brasileira para a implantação de ações em saúde mental na AP Segundo as orientações do Ministério da Saúde Brasil 2009 a equipe do NASF deve ser formada por profissionais de diferentes áreas do conhecimento atuando em conjunto com os profissionais das equi pes de Saúde da Família e compartilhando e apoiando as práticas em saúde nos territórios atendidos por es sas equipes Seus integrantes devem trabalhar com o matriciamento como lógica de atuação apoiando as equipes de Saúde da Família na discussão dos casos no atendimento compartilhado e na construção con junta de projetos terapêuticos singulares visando a coordenação e a continuidade do cuidado bem como a proposição de projetos de saúde do território com foco no fortalecimento do tecido comunitário e na promoção da saúde Hoje existem três modalidades de NASF NASF 1 composto por no mínimo cinco pro fissionais deve desenvolver ações com pelo me nos oito equipes de Saúde da Família NASF 2 voltado a municípios com menos de dez habitantes por quilômetro quadrado deve incluir no mínimo três profissionais de nível superior de ocupações nãocoincidentes desen volvendo ações com pelo menos três equipes de Saúde da Família NASF 3 é voltado ao desenvolvimento de ações de atenção integral a usuários de crack álcool e outras drogas em municípios com menos de 20000 habitantes Essa modalidade foi criada somente em dezembro de 2012 por meio da Portaria nº 3124 De acordo com o Ministério da Saúde Brasil 2009 diante da grande demanda por serviços de saúde mental à AP é aconselhável que cada equipe do NASF conte com pelo menos um profissional de saúde mental incluindo o psicólogo Tal categoria tem participado do processo de implementação dos NASFs desde as primeiras experiências de matricia mento especialmente no apoio e na discussão com as equipes de Saúde da Família sobre os cuidados aos usuários com sofrimento mental e seus familia res Hoje seu papel se ampliou incluindo a aten ção a idosos jovens mulheres vítimas de violência usuários de álcool e outras drogas e outros grupos vulneráveis buscando compartilhar seu saber com o de outros profissionais e com o da própria população Conselho Federal de Psicologia CFP 2013 A responsabilização compartilhada pelos ca sos permite regular o fluxo de usuários nos serviços tornando possível distinguir situações que poderiam ser acolhidas pelas próprias equipes de Estratégia de Saúde da Família com apoio do NASF e por outros recursos sociais do entorno as redes de cuidado contribuindo para evitar práticas de psiquiatrização e ao mesmo tempo promovendo a equidade e o acesso garantindo coeficientes terapêuticos de acor do com as vulnerabilidades e potencialidades de cada usuário Figueiredo Campos 2009 p 130 As políticas voltadas ao tratamento de usuários de álcool e outras drogas englobam diversos setores Lima A I O Dimenstein M Macedo J P 190 Psicologia em Pesquisa UFJF 92 188197 JulhoDezembro de 2015 da po lítica pública seja na área da segurança pública seja nas áreas da saúde assistência social e educação O grande desafio dessa integração é atuar na perspec tiva da garantia de direitos e dessa maneira enfrentar a lógica que trata a ques tão das drogas pelo viés exclu sivo da doença e do crime Essa lógica reducio nista criminaliza e patologiza os usuários que passam a ser objeto de dis criminação preconceito exclusão recolhimento e internação compulsória CFP 2013 De acordo com o CFP 2013 o lugar do psi cólogo nesse contexto deve ser construído por meio da prática e da posição por ele ocupada na abordagem aos usuários devendo seu posicionamento explicitar o propósito de sua presença Desse modo não cabe aos profissionais de psicologia da equipe julgar de forma alguma ou censurar moralmente o comportamento dos indivíduos seja em relação ao uso de substâncias psicoativas ilícitas seja em termos de condutas anta gônicas à moral e aos costumes tidos como aceitáveis O papel dos profissionais é acessar um segmento que muitas vezes está à margem da rede de saúde e social por temer o estigma e a rejeição A aceitação desses usuários como sujeitos possibilita a construção de um vínculo de confiança base sobre a qual se desenvolve rá o trabalho Dessa forma a consolidação da psicologia como profissão da saúde pública representa uma aposta em sua potencialidade para transformar e reconhecer os fatores subjetivos emocionais históricos e das condi ções de vida dos usuários como determinantes para os quadros de saúde e doença da população O psicólogo deve ampliar seus conhecimentos e intervenções com as famílias permitindo que sua conduta profissional tenha um caráter coletivo integrando as equipes mul tiprofissionais Paulin Luzio 2009 Apesar do grande número de usuários de subs tâncias psicoativas e da gravidade das questões que che gam aos serviços de saúde poucas pesquisas abordam o modo como os profissionais da AP em especial os psicólogos lidam com questões relacionadas ao consu mo abusivo e à dependência de álcool e drogas Barros Pillon 2007 Nesse sentido o presente estudo teve como objetivo discutir os desafios e as possibilidades para a prática do psicólogo no NASF diante de de mandas que envolvem o consumo de substâncias psi coativas Para tanto recorreuse à literatura disponível sobre o tema na Biblioteca Virtual em Saúde BVS a partir dos seguintes descritores psicólogopsicologia atenção primária à saúde substâncias psicoativas e NASF Foram localizados artigos monografias dis sertações teses e capítulos de livros Porém não foram identificadas publicações quando combinamos os des critores psicólogopsicologia NASF e substâncias psicoativas álcooldrogas fato que reforça a necessi dade de estudos sobre o tema Apresentaremos a seguir as principais reflexões desenvolvidas com base no ma terial identificado articulandoo com os documentos oficiais do Ministério da Saúde para a construção de argumentos e análises que fortaleçam a atuação do psi cólogo na AP frente às demandas relacionadas ao uso abusivo de álcool e drogas Desafios para o psicólogo na atenção ao usuário de álcool e outras drogas A saúde pública emprega muitos profissionais de psicologia os quais atuam em diversas instituições desde Unidades Básicas de Saúde nível primário de atenção até hospitais nível terciário Desde sua re gulamentação como profissão no Brasil a psicologia tem conquistado e ampliado seu espaço na saúde pú blica sobretudo após a reforma sanitária e a institui ção do Sistema Único de Saúde SUS um marco para o estabelecimento de um novo olhar sobre o processo saúdedoença Antes vista somente como ausência de doença física a saúde passa a ser contextualizada nas condições sociais e culturais do indivíduo Meira Silva 2011 No entanto apesar de a saúde pública abranger um considerável percentual de psicólogos já que atualmente 49402 profissionais são vinculados ao SUS Brasil 2015 observase grande dificuldade de atuação nessa área em virtude da formação ainda inadequada oferecida pela maior parte dos cursos no país Paulin Luzio 2009 Em pesquisa sobre a atuação de psicólogos na AP Meira e Silva 2011 constataram que em virtude da formação tradicional a atuação profissional é pre dominantemente pautada por questões teóricoprá ticas limitadas às teorias terapêuticocurativas o que leva a um reducionismo da compreensão do processo saúdedoença ou a uma psicologização desse fenô meno Tal representação e perfil predominantes dos profissionais levam muitas vezes à simplificação e ao não reconhecimento da psicologia como disciplina de relevância social e área de conhecimento importante para a promoção da saúde coletiva Ronzani Ro drigues 2006 De acordo com Romagnoli 2006 um obstá culo para a atuação dos psicólogos com as famílias é o desconhecimento da realidade das mesmas Os mem bros das equipes do NASF geralmente pertencem a camadas mais favorecidas e assim têm a tendência Consumo de drogas e o trabalho do psicólogo no NASF 191 Psicologia em Pesquisa UFJF 92 188197 JulhoDezembro de 2015 de julgar as famílias atendidas em geral de classes econômicas desfavorecidas a partir do modelo do minante de família nuclear Isso acaba desqualificando as famílias que frequentam os serviços públicos É ne cessário ter em vista que cada família possui uma or ganização própria regida por lógicas diferentes o que não as tornam superiores ou inferiores umas às outras Portanto para a realização de um trabalho eficaz é ne cessário respeitar as particularidades de cada família Se trabalhar no âmbito da AP já representa um grande desafio para o psicólogo quando o assunto é o consumo de substâncias psicoativas esse desafio se intensifica Em pesquisa sobre como a AP responde às demandas relacionadas ao consumo de álcool e ou tras drogas Lima 2014 aponta que os profissionais entrevistados incluindo o psicólogo da equipe do NASF relatam que a única ação a ser feita é o enca minhamento a um serviço especializado Para justificar os constantes encaminhamentos os profissionais dizem não saber o que fazer com usuários de álcool e drogas De acordo com a autora os relatos dos pro fissionais apontam um caráter prescritivo ou seja eles pensam saber o que é melhor para o outro Mui tas vezes as conversas com os usuários se resumem a orientações do que a pessoa deveria fazer isto é que o correto seria ela não usar drogas É possível obser var uma compreensão subjacente de que o tratamento deve ter como meta a abstinência pois as drogas se riam a priori algo ruim Outro ponto exposto pela autora é a clara dificuldade de compreensão dos fato res que levam uma pessoa a usar drogas No decorrer da pesquisa quando levantada essa questão muitos profissionais disseram não compreender por que al guém consome drogas enquanto outros atribuíram essa culpa às condições de vida à pobreza e aos pro blemas na família Lima 2014 De acordo com Machado 2013 tais dificul dades têm uma dimensão técnica mas também ética Muitos se perguntam como acolher o que fazer o que propor às pessoas usuárias de drogas que chegam aos serviços e nem sempre estão dispostas a receber cuida do em saúde ou iniciar um tratamento A abordagem dessas situações precisa estar associada a uma ampla compreensão tanto do fenômeno do usodependência de drogas quanto do alcance e da finalidade das práti cas de atenção em saúde Nesse sentido alguns complicadores se apresen tam A compreensão dos profissionais de saúde sobre o uso de substâncias psicoativas não é muito diferente da concepção hegemônica da sociedade Usuários de álcool e outras drogas são muitas vezes vistos como cidadãos desprovidos de direitos inclusive do direito à saúde e aos serviços de boa qualidade A situação ideal para muitos profissionais é que eles interrom pam o consumo de drogas antes mesmo de chegar aos serviços de saúde No entanto na maioria das vezes não é isso que acontece Machado 2013 É possível identificar ainda problemas de infraestrutura falta de financiamento para a implantação de unidades ade quadas para receber os usuários e articular as ações possíveis e ausência de investimento na capacitação de profissionais da rede de saúde Ribeiro 2012 Nesse sentido a AP se mostra despreparada para enfrentar a complexidade da questão das drogas que se coloca como um constante desafio A própria relação dos profissionais com a comunidade é per meada por dificuldades objetivas acesso aceitação comunicação e subjetivas medo preconceito desa fetos frequentemente relacionadas ao problema do consumo de drogas tráfico violência desestrutura ção familiar questões complexas que não podem ser tratadas isoladamente Gonçalves 2002 No entanto a saúde pública é um campo que exige novas metodologias de seus profissionais e isso não exclui os psicólogos Para uma atuação consisten te é preciso romper com o modelo tradicional e criar novas práticas de acordo com o contexto em que os indivíduos estão inseridos É necessário também res gatar as múltiplas dimensões de saúde e reformular a postura de intervenção profissional além de incorpo rar outros saberes para compor a produção do cuida do com a saúde Paulin Luzio 2009 A necessidade de superação desses entraves tem gerado novos campos de saber ampliando a inserção da psicologia no âmbito da saúde Com isso é neces sário repensar o modelo de fazer psicologia nessa área e expandir suas práticas e formas de atuação para que a intervenção aconteça de forma contextualizada Possibilidades de atuação do psicólogo na atenção ao usuário de álcool e outras drogas Uma das saídas possíveis para tantos entraves no cuidado ao usuário de álcool e drogas na AP é o constante engajamento de todos os profissionais para o trabalho em equipe e em rede com outros serviços e equipamentos do território de modo a buscar ajuda quando seus recursos não forem suficientes Dessa for ma tornase importante investir na articulação entre equipes de NASF Centros de Atenção Psicossocial e diversos componentes da Rede de Atenção Psicosso cial RAPS a fim de promover atividades relacionadas Lima A I O Dimenstein M Macedo J P 192 Psicologia em Pesquisa UFJF 92 188197 JulhoDezembro de 2015 ao uso de substâncias psicoativas desde ações de pre venção até intervenções mais complexas e que exijam maior preparação do profissional acerca da temática Araújo 2013 O NASF desempenha papel central nessas ini ciativas uma vez que cabe a ele as ações de matri ciamento para que se tornem importantes estratégias de educação e de troca de saberes atuando com os profis sionais dos serviços de Saúde da Família de ma neira a pro porcionar o conhecimento necessário para que estejam aptos a receber essa demanda e acolhê la de maneira adequada e humanizada Percebemos também o matriciamento realizado pelas equipes do NASF como um importante articulador da rede de serviços de saúde aumentando o leque de possibili dades e a circulação dos usuários pelos diversos domí nios da rede de cuidado Araújo 2013 defende que é por meio de pe quenas e graduais mudanças que o trabalho em equi pe pode lançar um novo olhar sobre o consumo de substâncias psicoativas Essas mudanças devem tomar lugar em todos os espaços desde a graduação até os diversos serviços de saúde apontando para a necessi dade de repensar a forma ção dos diversos cursos da área da saúde para o âmbito da saúde mental e do consumo abusivo de substâncias psicoativas Algumas possibilidades e linhas de intervenção do psicólogo enquanto membro de uma equipe do NASF seja no âmbito preventivo de promoção e proteção seja no contexto terapêutico e de reabilitação psicossocial a partir dos serviços ou em articulação com eles como ações baseadas nos pressupostos da Redução de Danos RD a estratégia da Triagem e Intervenção Breve TIB e alternativas de cuidado em rede considerando os diferentes tipos de consumo de substâncias psicoativas podem ser efetivadas De acordo com o Ministério da Saúde Brasil 2013 a inclusão da RD como uma das ações de saú de da política de AP pressupõe sua utilização como abordagem possível para lidar com diversos agravos e condições de saúde Atuar nessa perspectiva pressu põe a utilização de tecnologias relacionais centradas no acolhimento empático no vínculo e na confiança Considerandose especificamente a atenção aos pro blemas de álcool e outras drogas a estratégia de RD visa minimizar as consequências adversas criadas pelo consumo de drogas tanto na saúde quanto na vida econômica e social dos usuários e seus familiares Nes sa perspectiva a RD postula intervenções singulares que podem envolver o uso protegido a diminuição ou mudança nos padrões de uso a substituição por substâncias que causem menos problemas e até a abs tinência Brasil 2013 Outra ação necessária é trabalhar as crenças e representações sociais que a população os trabalha dores de saúde e os próprios usuários de drogas têm sobre essa condição de maneira a superar as barreiras que agravam sua vulnerabilidade e dificultam a busca por tratamento Lidar com os próprios preconceitos sobre o que desperta o consumo de drogas é funda mental para poder cuidar das pessoas que precisam de ajuda por esse motivo Percebemos então que a abordagem da RD oferece um caminho promissor por reconhecer cada usuário em sua singularidade e traçar com ele estra tégias para promover a saúde e garantir seus direitos enquanto cidadão No entanto é de fundamental importância o desenvolvimento de ações de educação permanente a fim de que os trabalhadores da saúde aperfeiçoem o diálogo para que possam transmitir não só medidas de segurança à saúde mas também confiança respeito e aceitação Não podemos nos es quecer de que a questão do preconceito ainda repre senta um empecilho ao desenvolvimento de algumas estratégias de RD Fonsêca 2012 Destacamos também dentre as estratégias que podem ser pensadas no campo da prevenção ao uso abusivo de álcool e outras drogas a TIB para o uso abusivo de substâncias que está sendo avaliada para populações especí ficas principalmente no contexto da AP em todo o mundo Ronzani 2008 devido à possibilidade de vínculo entre os usuários e a equipe de saúde e à efetividade do monitoramento do trata mento De forma geral a TIB apresenta um enfoque educativo e motivacional no qual o principal objetivo é desencadear a decisão e o comprometimento com a mudança dos pacientes com a finalidade de reduzir o risco de danos ocasionados pelo consumo exagerado de substâncias psicoativas A TIB foi proposta como abordagem terapêu tica para usuários de álcool em 1972 por Sanchez Craig e colaboradores no Canadá Neumann 1992 Tratase de uma estratégia baseada na abordagem mo tivacional para prevenção com foco na mudança de comportamento do usuário por meio do atendimento com tempo limitado a ser realizado por profissionais de diferentes formações desde que devidamente trei nados A TIB no entanto não serve apenas para tratar problemas relacionados ao álcool mas também para ajudar na mudança de uma série de comportamentos como modificar a dieta parar de fumar perder peso entre outros Consumo de drogas e o trabalho do psicólogo no NASF 193 Psicologia em Pesquisa UFJF 92 188197 JulhoDezembro de 2015 A TIB possui baixo custo e se mostra efetiva para questões relacionadas ao uso de risco de subs tâncias psicoativas sendo uma ferramenta destinada a reforçar a autonomia nas escolhas do usuário assim como sua capacidade de gerir seus problemas Desse modo ela tem sido usada para prevenir ou reduzir o consumo de álcool e outras drogas bem como pro blemas associados e orientar de modo focal e objeti vo sobre os efeitos e as consequências relacionados ao consumo de risco constituindose também como um meio adequado para referenciar casos de dependência para tratamentos especializados Ronzani 2008 Ronzani Mota e Souza 2009 apontam que os estudos sobre a TIB se concentram em duas dire ções principais sua efetividade na redução de padrões de uso da substância e as condições em que tem sido implementada tendo como foco o preparo dos pro fissionais envolvidos Os autores afirmam que a utili zação de apenas cinco a dez minutos de consulta de rotina para aconselhamento dos usuários de risco de álcool por profissionais de saúde consegue reduzir o consumo em 20 a 30 Uma vez que a depender da região durante o período de um ano entre 60 e 75 da população procura algum tipo de atendimento em serviços de AP a implantação de estratégias de TIB para usuários de risco nesses serviços permitiria de tectar pessoas com tal tipo de uso e intervir precoce mente Ronzani Mota Souza 2009 Quando associados à TIB os instrumentos de rastreamentotriagem como por exemplo o questionário CAGE o AUDIT e o ASSIST que são ferramentas de identificação de padrões de uso do álcool do tabaco e de outras drogas facilitam a aproximação inicial e permitem um retorno objetivo para o paciente possibilitando assim a introdução dos procedimentos de TIB e de motivação para a mudan ça de comportamento em relação à substância Por essa razão a Organização Mundial da Saúde OMS vem desenvolvendo há alguns anos estudos multi cêntricos em diversos países com o objetivo de ava liar a implemen tação de rotinas de TIB para o uso de álcool e outras drogas em serviços de AP A ênfase de tais estudos tem sido na avaliação do impacto do treinamento de pro fissionais de saúde e da supervisão continuada na mudança de atitudes dos profissionais e na incorporação da TIB na rotina dos serviços Ron zani Mota Souza 2009 Segundo a OMS 2011 uma vez que a promo ção da saúde e a prevenção de doenças faz parte do dia a dia de trabalho das equipes de AP tendo em vista as ações de prevenção e detecção de doenças rotineiras nas Unidades de Saúde tais como aquelas relaciona das à imunização à pressão arterial à obesidade ao consumo de tabaco entre outras os usuários con fiam nas informações que recebem dos profissionais de cuidados primários sobre os riscos à saúde parti cularmente aquelas relacionadas ao uso de substân cias A OMS diz ainda que nos países desenvolvidos 85 da população acessa um profissional de cuidados primários de saúde pelo menos uma vez por ano e é provável que usuários com problemas relacionados ao consumo de álcool e outras drogas façam parte dessa população OMS 2011 Isso significa que os profis sionais da AP têm a oportunidade de intervir numa fase inicial antes que o usuário desenvolva sérios pro blemas pelo uso de drogas e pela dependência Nesse sentido podese agir a partir da identi ficação do tipo de consumo da substância psicoativa pelo usuário para pensar em possíveis planos de ação Diante de um caso de uso recreativo por exemplo o psicólogo em parceria com as equipes de Saúde da Família pode considerar o padrão cultural do uso de álcool e outras drogas pela comunidade como por exemplo seu consumo em atividades festivas ou por determinados grupos sociais uso experimental e oca sional ou ainda como remédio uso circunstancial ou situacional para lidar com o sofrimento ou supor tar viver sempre relacionando essas questões com as condições de trabalho e de vida pensar em estratégias de orientação educação e prevenção voltadas a usuá rios familiares à comunidade em geral e à população específica considerandose o quadro epidemiológico local e nacional por substâncias para o conhecimento dos danos e das vulnerabilidades decorrentes ações de cuidado e proteção oferecidas pela rede de serviços e grupos de apoio comunitário realizar visitas domici liares periódicas com o objetivo de estreitar o vínculo e motivar o usuário e a família a procurarem ajuda e acompanhamento dos riscos com foco na RD para não evoluírem para padrões de uso comprometedores e participar de ações preventivas e educativas em con junto com outros equipamentos do território escolas Centros de Referência da Assistência SocialCRAS e grupos comunitários para promover ações que incen tivem a diminuição da disponibilidade de substâncias psicoativas na comunidade além de oferecer orien tações com o intuito de evitar o uso experimental e ocasional entre jovens e adolescentes e intervenções para que estes não se associem a grupos ou manifes tações que usam ou valorizam o uso de substâncias bem como o acompanhamento dos casos em que o uso recreativo é presente em famílias em situação de Lima A I O Dimenstein M Macedo J P 194 Psicologia em Pesquisa UFJF 92 188197 JulhoDezembro de 2015 vulnerabilidade e fragilidade dos vínculos afetivos e sociocomunitários Diante de casos de consumo abusivo de álcool e drogas o psicólogo pode acompanhar mais inten sivamente os casos identificados pela equipe da Es tratégia Saúde da Família ESF com padrão de uso regular e abusivo e com prejuízos à funcionalidade exposição a riscos danos e vulnerabilidades trabalhar a partir do manejo do vínculo da escuta qualificada e do acolhimento do sujeito em suas necessidades e sin gularidade permanece imprescindível para minimizar as resistências e oferecer abordagem direta e assertiva que motive o indivíduo e a família a procurarem aju da além de construir ações para o cuidado em parce ria com outros serviços recuperar ações de avaliação clínica e abordagem terapêutica inicial em usuários com padrão de uso abusivo recorrente e que apresen tam agravos físicos comportamentais e sociais inten sificar ações de RD como orientações e intervenções breves para minimizar as situações de vulnerabilidade e exposição a riscos físicos e sociais oferecer assistên cia psicológica e orientação com o serviço social para ampliar as ações de cuidado na rede de saúde e assis tência social e no território e apoiar a equipe ESF in clusive com matriciamento nas ações de orientação educação prevenção e proteção quanto aos riscos do uso abusivo policonsumo acidentes de trânsito vio lência comportamento sexual de risco intoxicação dependência comportamentos impulsivos e disrup tivos comportamento suicida e evolução no padrão de uso para dependência bem como transição para outros tipos de droga considerados mais pesados e esclarecimento sobre os direitos no caso de conflitos com a Justiça e com aparelhos de segurança pública As equipes de AP incluindo o psicólogo tam bém podem atuar em casos de uso dependente Suas ações podem se basear em intensificar a atuação em casos de usuários que vivem em territórios com gran de disponibilidade de substâncias o manejo do vín culo a escuta qualificada e o acolhimento do sujeito em suas necessidades e singularidade são ferramentas fundamentais para tratar esse padrão de uso priorizar intervenções que considerem as necessidades indivi duais a relação com a substância o padrão de uso do indivíduo e sua prontidão para aceitar qualquer tipo de acompanhamento conforme seu estágio para mudança précontemplação contemplação ação manutenção e recaída além do contexto familiar e da rede de suporte e apoio considerar e se articular com outros serviços de suporte para cuidar das com plicações clínicas dos possíveis prejuízos sociais das comorbidades psiquiátricas transtornos de ansieda de e humor psicose e transtorno de personalidade das vulnerabilidades dos fatores sociais e de pobreza acompanhada de senso de desesperança e sofrimento psicossocial além dos níveis de tolerância e do quadro de abstinência oferecer ação de RD como orienta ções e intervenções breves para minimizar as situa ções de vulnerabilidade e a exposição a riscos físicos e sociais esclarecer e moti var o tratamento ambulato rial e psicossocial na rede CAPS com modalidade de atendimentos individuais eou grupais com foco na reabilitação psicossocial com apoio e proteção para modificar padrões de uso dependente e compulsivo e seus riscos Para os casos que envolvam situação de violência eou negligência em relação a crianças ido sos e demais perfis sociais em situação de fragilidade articularse com os Centros de Referência Especializa dos de Assistência Social CREAS Ademais podese articular com equipes de consultório de rua ações em conjunto para ampliar o acesso e identificar novos ca sos para o cuidado da população de rua propor ações de caráter preventivo e protetivo aos Centros de Con vivência e Cooperativa Cecco para ampliar as ações de cuidado e fortalecer o acesso aos demais serviços articular ações de profissionalização e projetos de ge ração de renda para o fortalecimento de projetos de futuro esclarecer e orientar sobre os direitos no caso de conflitos com a Justiça motivar usuários e familia res a se inserirem em grupos de apoio e ajudamútua e grupos de fortalecimento de vínculos além de outras ações de suporte e acompanhamento nos Centros de Referência de Assistência Social CRAS para dimi nuir a resistência e o fracasso de sua participação nes ses grupos Essas são apenas algumas ações que podem ser realizadas com o objetivo central de ampliar o acesso e a qualidade da assistência a indivíduos e famílias com problemas relacionados a álcool e drogas Tais inicia tivas devem partir do estabelecimento de linhas de cuidado para cada padrão de uso com ações clínicas e de gestão para cada serviço bem como entre eles para avançarmos no trabalho em rede Dessa forma tornase necessário que inter venções desenvolvidas no âmbito da saúde mental busquem fortalecer o modo de atenção psicossocial apostando no resgate da singularidade de cada usuário investindo no comprometimento com seus sintomas e seu tratamento e incentivando seu protagonismo Tais movimentos são capazes de incitar a ruptura com a lógica da identificação dos sujeitos com a doença e com a concepção de cura restrita à solução medi Consumo de drogas e o trabalho do psicólogo no NASF 195 Psicologia em Pesquisa UFJF 92 188197 JulhoDezembro de 2015 camentosa além de auxiliar na construção de outros laços sociais para além do grupo apostando na força do território e da cidade como alternativas para a rea bilitação psicossocial Considerações finais A partir das análises aqui apresentadas é pos sível identificar alguns desafios que marcam a atua ção do psicólogo no NASF diante do consumo de substâncias psicoativas tais como a falta de forma ção contínua e de manejo profissional a crença dos profissionais de que nada pode ser feito em relação a problemas com álcool e drogas gerando o encami nhamento como única ação de cuidado e a formação dos psicólogos ainda baseada no modelo de clínica liberal privada curativa No entanto mesmo diante de tais entraves é possível construir práticas sintoni zadas com o contexto dos indivíduos resgatar as múl tiplas dimensões de saúde e incorporar outros saberes para compor a produção do cuidado integral como é a perspectiva da RD por reconhecer cada usuário em sua singularidade e traçar estratégias de promoção da saúde É inegável que há muito a ser feito em termos de práticas inovadoras em psicologia no SUS em especial na AP Tornouse no entanto expresso o movimento de mudanças que pouco a pouco vem buscando e alcançando modos mais efetivos de par ticipar das transformações necessárias ao desenvolvi mento do SUS Tratase de pensar em uma política de atenção ao usuário de álcool e drogas na qual as alternativas sejam construídas por meio do diálogo entre os di versos setores da população Paulin Luzio 2009 O trabalho deve ser encaminhado sob a égide da po tencialização dos laços sociais devendo fornecer res postas para as diferentes situações e necessidades dos usuários acolhendo e cuidando deles desde a urgên cia até o acompanhamento psicossocial e além disso intervindo nas cenas de uso criando vínculo e garan tindo acesso sem preconceitos e compulsoriedade Dessa forma tornase imprescindível o investi mento na contínua formação dos profissionais que fa zem parte dos diversos componentes da RAPS a partir dos princípios da educação permanente incorpo rando criativamente os avanços técnicocientíficos às bases teóricas já existentes problematizando as de mandas sociais emergentes e considerando as condi ções socioeconômicas e estruturais dos profissionais e da população Nesse sentido ressaltase a necessidade de os avanços científicos repercutirem nas pessoas não exclusivamente pela atuação dos profissionais de saú de mas também pelo impacto positivo que têm nos conhecimentos valores e comportamentos das comu nidades e dos sistemas sociais Costa Mota Cruvinel Paiva Ronzani 2013 Campos e Guarido 2010 afirmam que viver o contraditório na prática psi da AP e percorrer o ca minho do consultório para esse amplo espaço social é abrir mão do trabalho protegido de paradigmas técnicos estabelecidos e se lançar num pensar psico lógico que se torne possível sempre que as relações se construam Este estudo chegou a algumas indicações que podem contribuir para pesquisas futuras também in teressadas em investigar a atuação do psicólogo na AP frente às demandas relacionadas ao uso abusivo de ál cool e drogas Os problemas apontados atravessam as práticas desse profissional em nível nacional e mui to pouco se tem avançado no sentido de ampliar o acesso dos profissionais de saúde a informações sobre as habilidades específicas para detectar precocemente problemas relacionados ao uso de substâncias psicoa tivas e intervir de forma eficaz Contudo algumas es tratégias foram traçadas neste trabalho no intuito de fornecer ferramentas para uma abordagem territorial de cuidado em saúde mental Referências Araújo A C C 2013 Atenção primária e dependência química contribuições do matriciamento em saúde mental Saúde em Debate 371 6169 Arce V A R Sousa M F Lima M G 2011 A práxis da saúde mental no âmbito da Estratégia Saúde da Família contribuições para a construção de um cuidado integrado Physis Revista de Saúde Coletiva 212 541560 Barros M A Pillon S C 2007 Assistência aos usuários de drogas a visão dos profissionais do Programa Saúde da Família Revista Enfermagem UERJ 152 261266 Brasil Ministério da Saúde Portaria nº 3124de 28 de dezembro de 2012 Redefine os parâmetros de vinculação dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família NASF Modalidades 1 e 2 às Equipes Saúde da Família eou Equipes de Atenção Básica para populações específicas cria a Modalidade NASF 3 e dá outras providências Brasília Ministério da Saúde Lima A I O Dimenstein M Macedo J P 196 Psicologia em Pesquisa UFJF 92 188197 JulhoDezembro de 2015 Brasil Ministério da Saúde Secretaria de Atenção à Saúde 2015 Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde Recuperado de http cnesdatasusgovbr Brasil Ministério da Saúde Secretaria de Atenção à Saúde Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas 2008 Política nacional de atenção integral à saúde do homem princípios e diretrizes Brasília Ministério da Saúde Brasil Ministério da Saúde Secretaria de Atenção à Saúde Departamento de Atenção Básica Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas 2013 Cadernos de Atenção Básica n 34 saúde mental Brasília Ministério da Saúde Brasil Ministério da Saúde Secretaria de Atenção à Saúde Departamento de Atenção Básica 2009 Diretrizes do NASF Núcleo de Apoio à Saúde da Família Brasília Ministério da Saúde Brasil Ministério da Saúde Secretaria de Atenção à Saúde 2003 Saúde mental na atenção básica o vínculo e o diálogo necessários Brasília Ministério da Saúde Campos F C B Guarido E L 2010 O psicólogo no SUS suas práticas e as necessidades de quem o procura In SPINK M J P Org A psicologia em diálogo com o SUS prática profissional e produção acadêmica pp 81103 São Paulo Casa do Psicólogo Chiaverini D H Org 2011 Guia prático de matriciamento em saúde mental Brasília Ministério da SaúdeCentro de Estudo e Pesquisa em Saúde Coletiva Claro H G Oliveira M A F Almeida M M Vargas D Plaglione H B 2011 Adaptação cultural de instrumentos de coleta de dados para mensuração em álcool e drogas SMAD Revista Eletrônica Saúde Mental Álcool e Drogas Edição em Português 72 7177 Conselho Federal de PsicologiaCFP 2013 Referências técnicas para a atuação de psicólogasos em políticas públicas de álcool e outras drogas Brasília CFP Costa P H A Mota D C B Cruvinel E Paiva F S Ronzani T M 2013 Metodologia de implementação de práticas preventivas ao uso de drogas na atenção primária latinoamericana Revista Panamericana de Salud Pública 335 325331 Figueiredo M D Campos R O 2009 Saúde mental na atenção básica à saúde de Campinas SP uma rede ou um emaranhado Ciência Saúde Coletiva Botucatu 141 129138 Fonsêca C J B 2012 Conhecendo a redução de danos enquanto uma proposta ética Psicologia Saberes 11 1136 Recuperado de http revistascesmacedubrindexphppsicologia articleview42 Gonçalves A M 2002 Cuidados diante do abuso e da dependência de drogas desafio da prática do Programa Saúde da Família Tese de doutorado Universidade de São Paulo Ribeirão Preto Laranjeira R Org 2012 II Levantamento Nacional de Álcool e Drogas LENAD São Paulo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas de Álcool e Outras Drogas INPAD Recuperado de httpinpadorg brwpcontentuploads201403LenadII RelatC3B3riopdf Lima A I O 2014 Suporte ao uso de álcool e drogas na atenção primária um estudo com equipes de NatalRN Dissertação de mestrado Universidade Federal do Rio Grande do Norte Natal Machado A R 2013 Contribuições para a formulação de ações de formação em atenção a usuários de álcooldrogas no SUS o relato de uma experiência em Minas Gerais In Lobosque A M Silva C R Orgs Saúde Mental marcos conceituais e campos de prática pp 111119 Belo Horizonte Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais Meira M A Silva M O 2011 Atuação da Psicologia na Estratégia Saúde da Família a experiência de um psicólogo em uma residência multiprofissional Revista Brasileira de Ciências da Saúde 153 369376 Neumann B G 1992 Intervenção Breve In Formigoni M L Org A intervenção breve na dependência de drogas a experiência brasileira pp 8194 São Paulo Contexto Organização Mundial da Saúde OMS 2011 Intervención breve vinculada a ASSIST para el consumo riesgoso y nocivo de sustancias Manual para uso en la atención primaria Washington DC OMS Recuperado de httpwwwwhoint substanceabuseactivitiesassistintervention spanishpdf Organização Pan Americana de Saúde OPAS 2009 Drug Use Epidemiology in Latin America and the Caribbean A Public Health Approach Washington DC Panamerican Health Organization Paulin T Luzio C A 2009 A psicologia na saúde pública desafios para a atuação e formação profissional Revista de Psicologia da UNESP 82 98109 Consumo de drogas e o trabalho do psicólogo no NASF 197 Psicologia em Pesquisa UFJF 92 188197 JulhoDezembro de 2015 Ribeiro R I S 2012 A dependência grave do álcool e do crack e o atendimento na rede pública de saúde mental Ministério Público do Estado de Minas Gerais Recuperado de httpsaplicacao mpmgmpbrxmluihandle1234567891058 Romagnoli R C 2006 A formação dos psicólogos e a saúde pública Pesquisas e Práticas Psicossociais 12 Ronzani T M Mota D C B Souza I C W 2009 Prevenção do uso de álcool na atenção primária em municípios do estado de Minas Gerais Revista de Saúde Pública 43Supl 1 51 61 doi101590S003489102009000800009 Ronzani T M 2008 Padrão de uso de álcool entre pacientes da atenção primária à saúde estudo comparativo Revista de APS 112 163171 Ronzani T M Rodrigues M C 2006 O psicólogo na atenção primária à saúde contribuições desafios e redirecionamentos Psicologia Ciência e Profissão 261 132143 Silveira M R 2009 A saúde mental na atenção básica um diálogo necessário Tese de doutorado Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte Endereço para correspondência Ana Izabel Oliveira Lima Universidade Potiguar Laureate International Universities Departamento de Psicologia Av Engenheiro Roberto Freire 2184 Capim Macio CEP 59082175 NatalRN Email izabellimaunpbr anaizabelpsigmailcom Recebido em 21062015 Revisto em 04092015 Aceito em 19102015 1 REDUÇÃO DE DANOS UM NOVO OLHAR DA PSICOLOGIA PARA USO ABUSIVO DE ALCOOL E OUTRAS DROGAS ARAUJO Joana Carolina Almeida de1 GOMES Luiz Guilherme Araújo 2 RESUMO Este artigo objetiva contribuir a partir de uma revisão bibliográfica de diversos autores que versam sobre a temática para a problematização acerca da atuação dos psicólogos que trabalham com a estratégia de redução de danos em usuários abusivos de álcool e drogas Diante disso inicialmente será apresentada uma perspectiva histórica da política de redução de danos destacando a contribuição da psicologia para modelo de tratamento que leva em consideração o contexto e a subjetividade do indivíduo compreendido neste trabalho como um ser biopsicossocial Nesse sentido como resultado advindo do levantamento bibliográfico destacase o percurso e as mudanças que a redução de danos vem enfrentando até os dias atuais bem como por inúmeras críticas em relação a sua implantação atuação e eficácia no contexto da saúde O comprometimento profissional do psicólogo mostrase de extrema relevância pois consiste em uma forma de incluir o posicionamento e responsabilidade pelo viés da ética E que o conhecimento psicológico seja uma ferramenta de forma construída delineada contribuindo para com a saúde Palavras Chaves Drogas Estratégia Prevenção e Políticas públicas ABSTRACT This article aims to contribute based on a bibliographical review of several authors that deal with the thematic to the problematization about the performance of the psychologists who work with the strategy of harm reduction in abusive users of alcohol and drugs Therefore a historical perspective of harm reduction policy will be presented highlighting the contribution of psychology to a treatment model that takes into account the context and subjectivity of the individual understood in this work as a biopsychosocial being In this sense as a result of the bibliographic survey the path and the changes that harm reduction has been facing up to the present day as well as numerous criticisms regarding its implementation performance and efficacy in the context of health stand out The professional commitment of the psychologist is extremely relevant because it consists of a way of including the positioning and responsibility for the bias of ethics And that psychological knowledge is a tool in a constructed way outlined contributing to cheers Key Words Drugs Strategy Prevention and Public Policy 1 Graduanda do Curso de Psicologia do Centro Universitário de Várzea Grande 2 Professor Mestre Orientador no Curso de Psicologia do Centro Universitário de Várzea Grande 2 1 INTRODUÇÃO Este artigo objetiva realizar uma revisão de literatura acerca da atuação dos psicólogos que trabalham com a estratégia de redução de danos em usuários que fazem uso abusivo de álcool e drogas Pretendese problematizar sobre as dificuldades que a estratégia de redução de danos vem enfrentando desde a sua implantação até os dias atuais bem como sobre o papel da política como principal movimento para inserção da redução de danos RD no Brasil Para isso foi realizado um levantamento bibliográfico com a finalidade de investigar sobre a importância do tema assim como sobre a relevância de realizar esse estudo Para a realização deste trabalho utilizamos a ferramenta metodológica de pesquisa bibliográfica Discorrendo sobre o que é revisão de literatura Koller Couto e Hohendorff 2014 mostra que a realização de revisão de literatura faz parte do cotidiano dos acadêmicos e pesquisadores uma vez que constantemente realizase esta elaboração de pesquisa para fins de trabalhos acadêmicos e projetos de pesquisa Optouse por realizar um levantamento dos anos de 2002 a 2017 de temáticas que versam sobre álcool drogas e dependência química Para realizar a organização dos artigos selecionados utilizouse uma planilha do programa Excel com as seguintes categorias número para identificação do artigo autores ano título do artigo objetivos As categorias foram analisadas de maneira qualitativa e os dados apresentados de maneira descritiva Os artigos encontrados foram lidos na integra os mesmos foram pesquisados nas bases de dados Scientific Eletronic Library Online SCIELO Portal capes Lilacs e biblioteca virtual em saúde BVS Ainda segundo Koller Co uto e Hohendorff 2014 revisão de literatura tem como objetivo a definição e delimitação do tema no qual vai ser realizado uma pesquisa qual será o seu foco em que consiste em estimativas críticas do material no qual já foi publicado Em outras palavras a revisão de literatura visa organizar integrar e avaliar estudos relevantes sobre determinado tema Para este trabalho após verificarse a quantidade de artigos científicos que apareceram com o tema no qual foi selecionado realizouse a escolha de quatro plataformas virtuais de pesquisa de artigos científicos delimitando também neste momento o ano de artigos publicados deste modo foi realizado um recorte dos últimos 15 anos de publicações que discorrem sobre o tema sendo assim realizou a opção de quatro pontos de procura para a pesquisa dos artigos com os seguintes descritores 3 Drogas Estratégias Prevenção e Políticas públicas totalizando uma busca 177 de artigos a primeira instância depois de realizado um filtro leitura e análise do material levantado além da fundamentação teórica foram focalizadas 15 artigos os quais falam sobre a temática para posterior análise Em todos os artigos lidos foi possível compreender que o modelo de redução de danos tem se tornado uma estratégia eficiente para trabalhar com os usuários de álcool e drogas e em nenhum dos artigos foi percebida guerra contra as drogas Os artigos encontrados trazem a importância sobre a atuação do psicólogo como profissional que atua nos programas e mostram que a prevenção realizada com os usuários é uma das que trazem mais resultados positivos Nesse contexto é necessário a discussão para um possível caminho a ser tomado pelos psicólogos que trabalham ou querem trabalhar nessa área O contato inicial se deu a partir da leitura sobre redução de danos há aproximadamente dois anos em uma aula da disciplina de saúde mental ofertada no sexto semestre do curso de psicologia no UNIVAG O interesse pessoal ocorreu através das experiências próximas no convívio de pessoas no cotidiano Um dos grandes problemas do uso abusivo de álcool e drogas é o surgimento dos danos secundários Os danos secundários são justamente as demandas advindas do consumo abusivo de álcool e drogas a exemplo temos a violência doenças que surgem a partir dos exageros a perda de emprego separações e etc Em sua definição a Redução de danos RD é uma política de saúde em que sua finalidade visa oferecer propostas que reduzam ou minimizem os impactos na esfera biológica social e econômica ligadas ao uso de drogas Toda a prática desenvolvida ne ste âmbito está fundamentada no respeito e no direito que o indivíduo tem para fazer uso das drogas ANDRADE et at apud POLLO E MOREIRA 2008 A redução de Danos é uma política de saúde que se propõe reduzir os prejuízos de natureza biológica social e econômica do uso de drogas pautada no respeito ao indivíduo e no seu direito de consumir drogas Sua proposta de redução de danos surgiu incentivando formas de auxílio cujo principal objetivo não era eliminar o uso de substâncias psicoativas mas melhorar o bemestar físico e social dos usuários minimizando os prejuízos causados pelo uso das substâncias A RD pode ser sintetizada em cinco princípios o 1º é uma alternativa de saúde pública ao modelo moral criminal e de doença o 2º reconhece a abstinência como resultado ideal mas aceita alternativas que reduzam os danos o 3º baseiase na defesa do dependente o 4º promove acesso a serviços 4 de baixa exigência ou seja serviços que acolhem usuários de forma mais tolerante como uma alternativa para as abordagens tradicionais de alta exigência aquelas que tipicamente exigem a abstinência total como prérequisito para a aceitação ou permanência do usuário e o 5º é baseado nos princípios do pragmatismo empático versus idealismo moralista MARISKA etal 2014 Vale ressaltar que os psicólogos atuantes com o método de redução de danos adotam uma abordagem multidisciplinar em que se possibilitam a interdependência e a natureza complementar das atividades de prevenção do uso indevido atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas repressão da produção não autorizada e do tráfico ilícito de drogas MARISKA etal 2014 Sendo assim é possível compreender que é de suma importância refletir sobre o compromisso social da psicologia e a possibilidade de um novo olhar para o sujeito salientando a possibilidade do impacto que o modelo de redução de danos causa no comportamento de pessoas que fazem usos de drogas abusivamente 2 O SURGIMENTO DA ESTRATÉGIA DE REDUÇÃO DE DANOS UM BREVE HISTÓRICO De acordo com Silveira 2008 Na história da humanidade é possível constatar por meio de registros arqueológicos que o homem em diversas culturas desde os primórdios já usavam drogas por motivos culturais ou para viabilizar a socialização e até mesmo para isolar os religiosos e neste último caso em específico eram usadas em eventos ritualísticos de passagem como por exemplo da fase da infância para a adulta a necessidade dessa transcendência em si lhes permitiria assimilar de uma melhor forma esse processo de transformação biológica psicológica e social Depreendese dessa forma que o homem já procurava formas de alterar os estados da consciência logo o uso ou abuso de drogas seja ela lícita ou ilícita não é uma ocorrência da modernidade ou da pós modernidade SILVEIRA 2008 Em nossa sociedade contemporânea grande parte desses ritos iniciáticos foram extintos Em contrapartida os conflitos diante das mudanças que ocorreram ao longo dos séculos tais como a obtenção de prazeres imediatos a intolerância à frustração e aos conflitos intrínsecos a existência humana nos aponta para uma busca do alívio ou uma espécie de anestesia diante dessas realidades Assim somos estimulados pela nossa 5 cultura ao consumismo se tornando uma tentativa de compreender o espaço da falha existente no ser humano SILVEIRA 2008 No século XVII com o advento da Revolução Industrial o contexto social refletia um crescimento populacional desordenado nas áreas urbanas sendo resultado da migração rural e com isso havia também um descontentamento com as condições de trabalho por parte da classe trabalhadora e as condições de infraestrutura desses espaços eram calamitosas FOUCAULT 1972 Nessa época as indústrias de bebida alcoólica a cada vez se aprimoraram na destilação do álcool tornando o consumo humano mais acessível o que resultou num alto consumo desta droga Posteriormente não só o álcool como outras drogas passaram a ser usadas com mais popularidade e com o aumento do consumo tanto de álcool quanto das drogas tornouse um problema considerado pelas autoridades vigentes como de ordem social As medidas de intervenções foram mediadas a princípio pela esfera religiosa por conseguinte a área biomédica e por último pela Justiça No entanto as intervenções realizadas não foram suficientes para erradicar o uso de álcool e das outras drogas o que perdurou ao longo dos séculos seguintes MACHADO E BOARINI 2003 Já no início do século XIX nos Estados Unidos pela primeira vez foram adotadas medidas de combate ao uso de drogas cuja finalidade era de declarar guerra ao uso de drogas por meio da abstinência A abstinência foi uma das providências que consistia na proibição visando à cura por meio dela Esse período ficou marcado pela estigmatização discriminação direitos violados e obviamente o fracasso pois o consumo em nada diminuía o fato foi que o consumo só aumentava a nível mundial MACHADO E BOARINI 2003 Paralelamente a isto os autores Nardi e Rigoni 2005 apontam que na década de 80 aconteceu um movimento social na Holanda envolvendo profissionais da Saúde que pela primeira vez foi utilizado o termo Redução de Danos O objetivo desse grupo de profissionais consistia em promover melhores condições de vida e de saúde dos usuários já que estavam preocupados com o aumento da transmissão de hepatite B e da AIDS doenças que se alastravam pelo mundo Diante desse panorama os profissionais utilizaram o método de redução como forma de minimizar o contágio reduzindo a troca das seringas dos usuários e incentivando o uso individual Segundo os autores essas medidas adotadas eram de cunho preventivo da doença enquanto que nos EUA o objetivo era de abstinência declarada a guerra contra as drogas contrária ao movimento de redução de danos proposta pela Holanda na época 6 Conforme Pollo e Moreira 2008 devido a contaminação pelo vírus HIV entre usuários de drogas injetáveis e seus parceiros a Holanda iniciou a execução da estratégia de RD com o objetivo de que fosse diminuída a fala sobre grupos de riscos e iniciado o cuidado com os comportamentos de risco ou atividades que podiam deixar os indivíduos mais vulneráveis exigindo de instâncias maiores ações mais concretas Com isso houve a presença de educadores trabalhando nas ruas procurando fazer contato com essa população e estabelecer vínculos de confiança visando à propagação de estratégias preventivas e oferecendo acesso aos serviços de saúde Ainda de acordo com Pollo e Moreira 2008 a implantação dos programas de trocas de seringas estabeleceram forte influência para a adoção de medidas públicas com a finalidade de controlar a epidemia mundial de AIDS Nessa perspectiva o programa se expandiu para vários países se consolidou como política pública na área da saúde e multiplicou as ações preventivas Depreendese então a partir Pollo e Moreira 2008 que O que podemos fazer é tentar evitar que as pessoas se envolvem com estas substâncias Para aqueles que já se envolveram podemos ajudálos a evitar que se tornem dependentes E para aqueles que já se tornaram dependentes cabe a nós oferecer os melhores meios para que possam abandonar a dependência Porém se apesar de todos os nossos esforços eles continuarem a consumir drogas temos a obrigação de orientálos para que o façam da maneira menos prejudicial possível na expectativa de que estejam atravessando apenas uma fase difícil Afinal eles não precisam de quem os julgue mas de quem os ajude E este é o nosso papel enquanto profissionais de saúde POLLO E MOREIRA 2008 P10 Segundo Mariska Padilha e Andrade 2014 a redução de danos antes de tornar se uma estratégia de prevenção era um movimento político pois na Holanda já se tinha abordando esta temática no decorrer da década de 1970 através de sua legislação sobre drogas e passou a adotar a troca de seringas de modo experimental em Amsterdã no ano de 1984 a fim de prevenir a transmissão do vírus da hepatite B Mariska Padilha e Andrade 2014 ainda informam que a Associação Internacional de Redução de Danos IHRA entende a RD como um conjunto de políticas programas e práticas que visam primeiramente reduzir as consequências adversas para a saúde resultantes do uso de drogas lícitas e ilícitas sem necessariamente que a pessoa reduza o seu consumo Os referidos autores ainda salientam que o princípio fundamental que orienta estas ações é o respeito à liberdade de escolha visto que muitos usuários não conseguem ou não querem deixar de usar drogas porém necessitam ter os riscos decorrentes do seu uso minimizados 7 A contextualização desta política tornase saliente porque permite compreender os feitios relevantes de políticas de saúde inclusivas tal como a de RD para a redução da fragilidade de determinadas populações em respeito aos direitos humanos à população de usuários de drogas seus familiares e próximos além de difundir e estimular ações desta natureza nas diversas totalidades De forma estratégica a expectativa histórica assume o compromisso de dar visibilidade aos atores e elucidar os cenários em que a RD se desenvolveu visando encorpar o protagonismo desta política que se propõe a abusar dos limites das práticas de saúde idealizadas nos intramuros das instituições indo ao encontro da realidade das ruas e das pessoas em situação de grandes infortúnios visando resgatar um pouco de cidadania para esta população tradicionalmente excluída e marginalizada pelas políticas públicas MARISKA PADILHA E ANDRADE 2014 Nessa fase a impossibilidade temporária ou não de um dependente abandonar o uso de drogas estava sendo aceita como fato Para esses autores partese do princípio que as drogas lícitas e ilícitas fazem parte desse mundo e trabalhase para minimizar seus efeitos danosos em vez de simplesmente ignorálos ou condenálos Como salientam Elias e Bastos 2011 estas medidas se traduzem em alternativas de uso que envolvam menores riscos e danos para os consumidores de tais substâncias e para a coletividade ou seja a proposta e o objetivo de tais ações não é fazer com que o sujeito pare necessariamente com o consumo mas sim reduzir os danos que o uso abusivo pode provocar além do risco de contrair doenças ELIAS e BASTOS 2011 p2 No Brasil a primeira experiência em redução de danos ocorreu na cidade de SantosSP em 1989 com a distribuição de seringas estéreis entre usuários de drogas injetáveis com o objetivo de conter a disseminação do HIVAIDS Desde então em muitos estados brasileiros tem sido desenvolvida ações nesta perspectiva sejam por instituições públicas ou por organizações da sociedade civil e com apoio sobretudo das diretrizes do Ministério da Saúde por meio dos Programas Nacionais de DSTAIDS Hepatites Virais e Saúde Mental Estas ações também se ampliaram para diferentes drogas e diferentes formas de uso de drogas saindo do foco do usuário de droga injetável ELIAS E BASTOS 2011 De acordo com Amarante 2007 o processo da Reforma Psiquiátrica no Brasil apresenta vários caminhos e tendências com seus avanços e retrocessos na luta pela transformação da relação que a sociedade estabeleceu com o louco com a loucura e com 8 suas instituições sendo este uma construção iniciada há vários anos culminando no processo de desinstitucionalização pilar dessa política O debate sobre a reforma psiquiátrica no Brasil tem origem na década de 70 com o surgimento do movimento dos trabalhadores de saúde mental MTSM após uma greve de residentes e denúncias no Rio de Janeiro contra as más condições de trabalho bem como as péssimas condições das estruturas físicas dos hospitais psiquiátricos A grande repercussão deste movimento é considerada o dispositivo do processo de reforma psiquiátrica brasileira AMARANTE 2003 Amarante 2003 ainda destaca que a promulgação da lei 1021601 que dispõe sobre a proteção das pessoas acometidas de transtornos mentais conhecida como Lei da reforma psiquiátrica vem trazendo uma nova forma de cuidados a serem adotados em relação aos seus portadores bem como a reestruturação e autonomia dos mesmos De acordo com a Portaria Nº 1028 de 1º de julho de 2005 estabelecida pelo Ministério da Saúde as ações de redução de danos devem acontecer onde se tem a necessidade e interesse público que ocorra ou possa ocorrer o consumo de produtos substâncias ou drogas que causem dependência ou qualquer outro local onde se encontram os usuários como por exemplo cadeias públicas estabelecimentos educacionais destinados à internação de adolescentes hospitais psiquiátricos abrigos estabelecimentos destinados ao tratamento de usuários ou dependentes ou de quaisquer outras instituições que mantenham pessoas submetidas à privação ou à restrição da liberdade Com relação às estratégias usadas para se reduzir tais práticas Conte et al apud Forteski e Faria 2013 dizem que as mesmas são entendidas como a aplicação de práticas que proporcionam condições para a atuação responsável do usuário e o exercício de seu direito de escolha por meio da flexibilização dos métodos procurando alcançar na prática o princípio de universalidade proposto pelo Sistema Único de Saúde SUS Santos e Malheiros 2010 afirmam que em 2006 ocorreu uma mudança na lei e que a partir dessa mudança a estratégia de Redução de Danos passou a se inserir nas instituições através das políticas centrais de saúde do SUS como a Política Nacional de Atenção Básica a Política Nacional de Saúde Mental e a Política do Ministério da Saúde de Atenção Integral de Usuários de Álcool e outras Drogas Enquanto ponto político a oficialização do trabalho só aconteceu três anos depois com a aprovação do Projeto de Lei nº 16999 Brasil 1999 Somente em 2004 a RD 9 passou a ser vista como uma estratégia na Política de Atenção Integral aos Usuários de Álcool e Outras Drogas lançada pelo Ministério Público Brasil 2006 informa que o Sistema Nacional Antidrogas SISNAD em a finalidade de articular organizar integrar e coordenar as atividades relacionadas à prevenção do uso indevido de álcool e outras drogas Mediante ao que foi discutido sobre a estratégia de RD bem como a proposta de um novo olhar para o indivíduo que faz uso de drogas abordaremos a seguir sobre a contribuição do profissional psicólogo enquanto integrante de uma equipe multidisciplinar na estratégia de RD 3 Os desafios da estratégia de redução de Danos e as políticas no Brasil Conforme Elias e Bastos 2011 a partir da década de 80 é que se começa a tentativa de implementação da redução de danos no Brasil Para compreender acerca da inserção da RD no Brasil é necessário antes de tudo contextualizar o papel dos movimentos sociais da saúde mental na reforma psiquiátrica brasileira enquanto movimento social e político Corroborando com os autores Forteski e Faria 2013 ao dizerem que a trajetória da RD no Brasil é permeada pela repressão e tratamento moral destacam ainda que apenas em 1995 foi possível realizar a troca de seringas legalmente primeiro em Salvador e só mais tarde em São Paulo Os autores Soares e Jacob apud CANOLETTI e SOARES 2001 afirmam que A história brasileira dos programas de prevenção de droga mostra nítida aderência a abordagem de guerra as drogas embora mais recentemente algumas práticas mostremse simpáticas as perspectivas da redução de riscosdanos agregandose em maior ou menor grau aos pressupostos as ideologias aos objetivos e as estratégias desse movimento SOARES e JACOB 2000 apud CANOLETTI e SOARES 2001 p119 Segundo Mariska etal 2014 em 1994 o Ministério da Saúde assumiu a RD como estratégia de saúde pública para a prevenção das DSTAIDS e hepatites entre usuários de drogas injetáveis por meio de uma cooperação com o Programa das Nações Unidas para o Controle Internacional de Drogas se constituindo como o primeiro projeto de RD apoiado por este organismo internacional 10 Até então a primeira experiência em RD ocorrida no Brasil havia sido interrompida por uma interdição judicial sendo reiniciada somente em 1995 na cidade de Salvador A partir destas iniciativas a RD se desenvolveu no Brasil através dos Programas ou Projetos de Redução de Danos PRD contemplando uma série de ações desenvolvidas em campo tais como distribuição de seringas atividades de informação educação e comunicação aconselhamento encaminhamento vacinação e outras ações preventivas MARISKA etal 2014 Conforme Carvalho e Dimenstein 2017 esse processo advém da crítica de diversos setores da sociedade que avaliam o atual sistema de proibição e controle de entorpecentes como ineficaz em conter os problemas sanitários e sociais associados ao uso de substâncias psicoativas SPAs fato que para alguns avaliadores produziu consequências piores do que o próprio uso abusivo de drogas O tratamento moral constituise como o princípio de ação das duas instituições Nele ocorreu a condenação do consumo de álcool e outras drogas e aumentou a responsabilização do sujeito tanto como causador da sua dependência química quanto pela mudança da sua situação de vida MARLATT GORDON 2012 apud CANOLETTI E SOARES 2001 Tais questões estão em consonância com as fragilidades das políticas de redução de danos no Brasil sendo essas a precarização do trabalho dos profissionais ausência ou dificuldade de monitoramento das ações desenvolvidas dificuldade de vincular os usuários a um tratamento continuado e problemas de financiamento que afetam a sustentabilidade dos serviços InglezDias etal apud CANOLETTI e SOARES 2001 Dessa maneira a união desses fatores conjuntamente com a ausência de espaços de atualização técnica e supervisão institucional acabam por contribuir para com a manutenção do discurso moral Nessa forma de compreender o tratamento de consumidores de álcool e drogas a experiência da recaída não é tolerada O próprio uso desse termo recaída indica um atravessamento entre o campo da saúde e a moral religiosa Poderiam ser utilizados outros termos para caracterizar essa nova ocasião de consumo de AD entretanto recair expõe não um problema de saúde mas antes disso é uma queda da alma que se deixaria levar pelas tentações e desviase do caminho da salvação ao retornar aos prazeres vazios das drogas Essas sempre associadas ao desejo de morte descuido com a saúde e criminalidade SOUZA CARVALHO 2012 11 4 A CONTRIBUIÇÃO DO PSICÓLOGO NA EFETIVAÇÃO DA ESTRATÉGIA DE REDUÇÃO DE DANOS Carvalho e Dimenstein 2017 relatam que o resgate da extensão de livrearbítrio em um campo historicamente apontado pela obrigação moral e influência dos procedimentos como base dos tratamentos à dependência química Os profissionais caracterizam a RD como uma das alternativas que podem compor suas estratégias de ação mas a consideram estratégia menos complexa e mais barata contrapondose aos tratamentos tradicionais que têm como objetivo a abstinência aos quais consideram superiores e que constituem a meta atual do serviço CARVALHO E DIMENSTEIN 2017 p653 De acordo com Amendola 2014 atualmente percebese que o movimento da psicologia enquanto ciência e profissão tem se envolvido nas questões mais latentes na sociedade contemporânea buscando contribuir para seu enfrentamento e solução por meio de estudos e pesquisas para construção de novos referenciais teóricos e novas alternativas de atuação capazes de dar conta da complexidade destas questões Esta busca se referenciar na necessidade de superar uma visão individualista e descontextualizada sobre o processo de constituição da subjetividade humana que acaba por levar a responsabilização do indivíduo pelo sofrimento decorrente de questões sociais e coletivas Em relação ao uso de drogas essa questão é marcada pelo social cultural e histórico não podendo ser reduzida meramente a uma patologia a ser tratada Entretanto segundo o CFP conselho federal de psicologia 2013 não se pode negar que o uso abusivo de álcool e outras drogas ao colocar a substância no controle da vida do indivíduo cria uma condição de assujeitamento e coisificação provocando intenso sofrimento psíquico o que gera a necessidade e impulsiona a busca por cuidado Para as autoras Mariska etal 2014 o princípio fundamental que orienta estas ações é o respeito a liberdade de escolha visto que muitos usuários não conseguem ou não querem deixar de usar drogas porém necessitam ter os riscos decorrentes do seu uso minimizados tais riscos como evitar o envolvimento com o uso de drogas evitar o envolvimento precoce evitar que o uso se torne abusivo ajudar a abandonar a dependência e orientar para o uso menos prejudicial possível 12 Ainda segundo as autoras Mariska etal 2014 a droga passa a não ser mais o foco mas sim a qualidade de vida que passa a ser priorizada Vigostki 1998 apud CFP 2013 informa que com base em uma concepção sóciohistórica vertente da Psicologia Social A compreensão do fenômeno psicológico passa pela análise das relações sociais entre sujeitos a partir de uma dimensão ética que engloba aspectos biológicos semióticos afetivos e históricosociais unindo e ao mesmo tempo diferenciando social e psicológico VIGOSTKI1998 apud CFP 2013 p63 Borloti e Machado 2013 trazem uma informação importante em que Brasil 2003 menciona que até pouco tempo atrás o tratamento de saúde em pacientes que apresentavam desordens pelo víeis do uso prejudicial de álcool e droga foi marcado pelo auxílio hospitalar médicopsiquiátrico Tal transformação se deu a uma revisão da assistência ao paciente da área da saúde mental incluindo os portadores de transtornos mentais devido ao uso prejudicial de álcool e outras drogas Conforme os respectivos autores salientam Na história da intervenção sobre a dependência química a visão moral sobre o dependente sustentou uma abordagem calcada na confrontação Rotulada como antiprofissional Miller Rollnick 2001 p 24 tal abordagem não considerava a motivação para a mudança de comportamento Atualmente isto se alterou apesar de ainda existirem ambientes de tratamento com abordagem moral e a motivação tornouse tema obrigatório nas discussões de quaisquer formas de intervenção Szupszynski Oliveira 2008 inclusive da internação compulsória atualmente tema de discussões polêmicas na mídia BORLOTI E MACHADO 2013 p279 Os autores Borloti e Machado 2013 ainda mencionam que ultimamente os planejadores das políticas públicas protegem a potência da intervenção nesses transtornos desde a atenção básica deve considerar os fatores psicológicos econômicos políticos eou culturais sejam predisponentes ou consequentes ao problema do uso prejudicial de drogas Propendendo provocar intervenções estabelecedoras que transformem a motivação para o uso danoso de álcool e de outras drogas foram desenvolvidas intervenções breves IBs estratégias basais aos fins da atenção básica Elas são aplicáveis a todos os tipos de pacientes que chegam à Unidade Básica de Saúde pois em geral envolvem o enfrentamento dos problemas de saúde em especial em doenças crônicas envolvem comportamentos de mudança de pensamentos e em sua motivação incluindo os encobertos de pensar e sentir sobre a mudança ROLLNICK MILLER BUTLER 2009 APUD BORLOTI E MACHADO 2013 P280 Como salientam os autores Borloti e Machado 2013 13 Intervenções breves como ferramentas de intervenção analítico comportamental na atenção básica com pessoas que fazem uso prejudicial de drogas com os pacientes crônicos muitas vezes algumas intervenções parecem não funcionar sobretudo aquelas marcadas pelo impulso de querer consertar o paciente fazendoo caminhar na direção que o terapeuta julga ser a melhor As IBs foram desenvolvidas para vencer essa tentação em especial com pacientes que apresentam transtornos devidos ao uso prejudicial de álcool e outras drogas BORLOTI E MACHADO 2013 p280 Os concernentes autores ainda relatam que as IBs foram idealizadas primeiramente como táticas terapêuticas em pacientes que fazem uso lesivo de álcool e drogas Borloti e Machado 2013 corroboram mencionando que assim como as IBs algumas estratégias de terapia para a dependência ou abuso de algumas drogas podem ser breves apesar de o Instituto Americano sobre Abuso de Droga NIDA 2009 preconizar que uma intervenção global sobre a dependência requer um longo prazo Portanto Os profissionais da atenção básica estão em uma posição única para identificar e intervir com os pacientes para quem o uso de substância é arriscado e prejudicial para a sua saúde e bemestar Além desses profissionais os profissionais da assistência social no Sistema único de Assistência Social SUAS do sistema judiciário e policial também irão estabelecer relacionamento interpessoal com esses pacientes Portanto a utilização da IB é ampliada a todos os profissionais da área da saúde e assistência abarcando o contingente de profissionais aptos após treinamento específico a aplicála de modo a aumentar a eficácia e a eficiência dos recursos de tratamento e intervenção no SUS e no SUAS e nos demais sistemas de funcionamento das políticas públicas BORLOTI E MACHADO 2013 p280 Assim é possível analisar a IB como uma figura de aconselhamento para a alteração de conduta não restritiva aos psicólogos apontada aos pacientes que fazem uso danoso de drogas e que tem os seis subsídios comuns a todas as abordagens do aconselhamento 1 dar feedback aos sentimentos e pensamentos do paciente 2 aceitá lo onde ele está naquele momento antes de lidar com a posição em que poderia ou deveria estar 3 manterse sigiloso e garantir a confidencialidade do que é ouvido 4 não empregar coerção e constrangimento forçando a participação do paciente 5 ser compreensivo à vida do paciente e ao mesmo tempo manterse separado dela e 6 estar consciente e sensível às mensagens da comunicação com ele BORLOTI E MACHADO 2013 p284 Diante disso segundo o CFP 2013 a política pública voltada para os usuários que fazem o uso e abusam de álcool e outras drogas deve levar em consideração a tríade igualdade diversidade e singularidade devendo ter uma diretriz integral e sistêmica de saúde integral porque considera o indivíduo como um todo integrado por diferentes 14 aspectos e sistêmica porque concebe estes aspectos como interdependentes e mutuamente determinantes de um processo único e total Como descrita pelo CFP 2013 a Psicologia se apropria das questões clínicas psicopatológicas subjetivas sociais e culturais ligadas às questões das drogas e participa desse trabalho tanto em aspecto macro na composição das equipes e projetos diversos como se aprofundando na busca de conhecimento específico ligado a seu núcleo de conhecimento ou seja às ferramentas e referenciais teóricos que a Psicologia tem para contribuir de modo efetivo para a atenção direta às pessoas com problemas ligados ao uso de drogas CFP 2009 apud CFP 2013 p73 De acordo com Santos e Malheiros 2010 à medida que a RD traz novos desafios para a clínica e efetiva novas tecnologias de cuidados a mesma pode ser considerada como uma estratégia da Reforma Psiquiátrica para pessoas que usam substâncias psicoativas Pautado no compromisso dos psicólogos com o social sua participação em políticas públicas é de extrema necessidade Centros como o CREPOP dá essa garantia de disseminar o conhecimento oferecer referências para atuação desse profissional bem como identificar estratégias de participação e promover interlocução da psicologia com espaço de formulação e gestão e execução em políticas públicas BRASIL 2003 Hoje a atuação de psicólogos no SUS e em CAPS vem sendo referência do engajamento dos profissionais de psicologia no Brasil Para que o modelo da RD seja eficaz na adesão dos usuários é preciso ser feito alguns ajustes tais como capacitação técnica na área das drogas e da AIDS acesso gratuito aos serviços sem longa fila de espera etc CFP 2013 p33 Ainda segundo CFP 2013 as atuais ações de recolhimentos compulsórias da população em situação de rua internação compulsória violam ao direitos humanos dos usuários os psicólogos por sua vez vem contribuir nas disculções de políticas no intuito de garantir a integralidade do cuidado e na intersetorialidade das ações para as pessoas que fazem uso de álcool e outras drogas através de produções científicos tanto para desmistificar quanto para questionar práticas autoritárias auxiliando em produção de práticas democráticas condizentes com a perspectiva do cuidado e não com a da tutela Como bem coloca o CFP 2013 Por muito tempo a única opção de atenção para usuários de álcool e outras drogas foi dada pelo paradigma da abstinência através das internações em grandes hospitais psiquiátricos e instituições asilares que marcaram a institucionalização do saber psiquiátrico no Brasil CFP 2013 p36 15 Assim como ocorreu uma mudança de paradigma no que se refere a atenção aos usuários de álcool e drogas uma vez que estes eram confrontados a abster do uso houve também uma mudança nas práticas que a psicologia exercia visto que seu surgimento se deu na atenção individual e que por muito tempo sua atuação se fez presente neste modelo de tratamento Atualmente compreendemos o papel social e o compromisso da psicologia que rompe com as práticas individualistas e que se engaja em promover cada vez mais o respeito e o compromisso com políticas públicas sociais CFP 2013 p37 16 CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir dos autores discutidos neste artigo percebese que a relação do usuário de drogas com a violência possivelmente se dá pelo fator social não desconsiderando o sujeito como um ser subjetivo e em movimento necessitando assim ponderarmos a respeito das leis e tudo que o envolve ciente de que não sempre este sujeito deixará de abusar do uso de álcool e drogas O método de RD vem como uma tentativa de possibilitar pensarmos sobre as atuais políticas públicas e terapias já existentes de maneira a melhorar as mesmas com intuito de auxiliar na inserção e no respeito aos usuários e no convívio perante a sociedade Tal perspectiva corrobora com a reforma psiquiátrica brasileira e as políticas públicas possibilitando entender a forma como a estratégia denominada redução de danos é pensada hoje e a maneira como foi introduzida no Brasil Desta forma compreendese a reforma psiquiátrica como um movimento um processo histórico que se constituiu pela crítica ao paradigma psiquiátrico hegemônico e pelas práticas que o transformaram e superaram no Brasil ocorrendo a partir do final da década de 70 representando com isto uma crítica estrutural à instituição psiquiátrica Como processo histórico inserese numa totalidade complexa e dinâmica portanto também determinado nacionalmente pelo processo de redemocratização em curso no país a partir daquela época Nesse sentido o movimento de reforma psiquiátrica brasileira buscou a desconstrução da realidade manicomial para além da queda dos seus muros e a construção de novos equipamentos de saúde segundo novas bases epistemológicas políticas e sociais operando transformações de toda uma cultura que sustenta a violência a discriminação e o aprisionamento da loucura AMARANTE 2007 Assim podemos entender que a RD possui estratégias que podem ser desenvolvidas em diferentes campos e que visam à construção de possibilidades de vida a partir de ações que levem em consideração os processos de subjetivação Conforme pudemos observar a partir dos autores citados acima a RD teve diferentes formas de manifestações e não apenas um movimento a fez se consolidar enquanto estratégia de políticas públicas na saúde Percebese a partir dessa breve contextualização que os movimentos políticos sociais científicos e até moral tiveram fundamental importância e influência para a legislação e a execução da RD 17 Diante da importância do sujeito ao se expor ao uso abusivo de álcool e outras drogas é fundamental que a participação do profissional psicólogo seja efetiva e que o mesmo deverá saber que as políticas públicas já existentes são voltadas não somente para o coletivo mas também com a finalidade de atender a necessidade de um sujeito O psicólogo deve também se basear em uma concepção de subjetividade em constante processo de transformação Sendo assim compreendese que apesar de ainda haver certa resistência por parte da população no que tange a RD os benefícios são notórios Acreditase que campanhas educativas possam sensibilizar as pessoas no que diz respeito ao preconceito Significa pois apostar em políticas públicas que priorizem tais campanhas O que se pretende articular com isso é que existem outros fatores sociais que são prejudicados Alguns desses fatores a política do tráfico das drogas o capitalismo e tudo que este promove Quando apenas se pensa na redução dos riscos deixamos de pensar na outra parte da sociedade escravas do tráfico deixando de pensar no fator social na segregação na desigualdade social e também na possibilidade de que o número de usuários que cometem latrocínios tende a aumentar pois muitas vezes é apenas assim que a dicção pode ser sustentada Diante do estudo aqui realizado foi possível perceber que ainda há necessidade de se discutir a estratégia da RD no meio acadêmico assim como a inclusão de uma disciplina que contemple a temática como uma política pública na área da saúde mental levando nos refletir sobre qual a efetividade do trabalho dos profissionais psicólogos na estratégia da RD 18 REFERÊNCIAS AMENDOLA Marcia Ferreira Formação em Psicologia Demandas Sociais Contemporâneas e Ética uma Perspectiva Psicol cienc prof Brasília v 34 n 4 p 971983 Dec 2014 Available from httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS1414 98932014000400971lngennrmiso access on 11 Sept 2017 httpdxdoiorg1015901982370001762013 AMARANTE P Saúde mental políticas e instituições programa de educação à distância Rio de Janeiro FIOTECFIOCRUZ EADFIOCRUZ 2003b vol 3 A SAÚDE MENTAL E ATENÇÃO PSICOSSOCIAL Amarante P Rio de Janeiro Editora Fiocruz 2007 BRASIL 2005 Disponível em httpbvsmssaudegovbrbvssaudelegisgm2005prt102801072005html Acesso em 19 Mai 2017 BRASIL 2006 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03ato2004 20062006leil11343htm Acesso em 08 Jun 2016 BORLOTI Eliseu Batista MACHADO Alex Roberto Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental Comportamento em foco 2 Organização de Carlos Eduardo Costa Carlos Renato Xavier Cançado Denis Roberto Zamignani Silvia Regina de Souza ArrabalGil Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental São Paulo ABPMC 2013 CANOLETTI Bianca SOARES Cássia Baldini Programas de prevenção ao consumo de drogas no Brasil uma análise da produção científica de 1991 a 2001 Interface Botucatu Botucatu v 9 n 16 p 115129 Feb 2005 Available from httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS1414 32832005000100010lngennrmiso access on 19 May 2016 httpdxdoiorg101590S141432832005000100010 CARVALHO Bruno DIMENSTEIN Magda Análise do discurso sobre redução de danos num CAPSad III e em uma comunidade terapêutica Temas psicol Ribeirão Preto v 25 n 2 p 647660 jun 2017 Disponível em httppepsicbvsaludorgscielophpscriptsciarttextpidS1413 389X2017000200013lngptnrmiso acessos em 22 set 2017 httpdxdoiorg109788TP2017213 ELIAS Lucília de Almeida BASTOS Francisco Inacio Saúde pública redução de danos e a prevenção das infecções de transmissão sexual e sanguínea revisão dos principais conceitos e sua implementação no Brasil Ciênc saúde coletiva Rio de Janeiro v 16 n 12 p 47214730 Dec 2011 Available from httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS1413 81232011001300021lngennrmiso access on 19 May 2016 httpdxdoiorg101590S141381232011001300021 19 FORTESKI Rosina FARIA Jeovane Gomes de Estratégias de Redução de Danos Um exercício de Equidade e Cidadania na Atenção a Usuário de Drogas Revista de Saúde Pública de Santa Catarina v 6 n 2 p 7891 2013Disponível em httpespsaudescgovbrsistemasrevistaindexphpinicioarticleview16921 Acesso em 22 Maio 2017 FOUCAULT M A História da Loucura na Idade Clássica In A grande internação São Paulo Ed Perspectiva 1972 KOLLER S H COUTO M C P de P HOHENDORFF J V Org Manual de produção científica Porto Alegre Penso 2014 192p Série Métodos de Pesquisa MALISKA Isabel Cristina Alves PADILHA Maria Itayra ANDRADE Selma Regina Redução de Danos em FlorianópolisSC uma política estratégica de prevenção e cuidado à saúde Revista Eletrônica de Enfermagem v 16 n 1 p 1708 2014 MACHADO Letícia Vier BOARINI Maria Lúcia Políticas sobre drogas no Brasil a estratégia de redução de danos Psicol cienc prof Brasília v 33 n 3 p 580 595 2013 Disponivel em httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS1414 98932013000300006lngennrmiso Acessado em 15 Out 2016 httpdxdoiorg101590S141498932013000300006 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas Módulo 5 Atenção integral na rede de saúde 7ª Edição Brasília 2014 Disponível em fileCUsersaluno03UNIVAGLABS022DownloadsSUP7Mod5pdf NARDI Henrique Caetano RIGONI Rafaela de Quadros Marginalidade ou cidadania A rede discursiva que configura o trabalho dos redutores de danos Psicolestud v 10 n 2 p 27382 2005 Disponível em httpwwwscielobrpdfpev10n2v10n2a14 NIEL MRedução de Danos para Drogas Fumadas In NIEL D X SILVEIRA Orgs Drogas e Redução de Danos uma cartilha para profissionais de saúde São Paulo2008 POLLOA M A MOREIRA F G Aspectos históricos da Redução de Danos In M NIEL D X SILVEIRA Orgs Drogas e Redução de Danos uma cartilha para profissionais de saúde São Paulo2008 SANTOS A M S MALHEIRO L Redução de danos uma estratégia construída para além dos muros institucionais In NERY FILHO A VALÉRIO A L R Org Módulo para capacitação dos profissionais do projeto consultório de rua Brasília DF SENAD Salvador CETAD 2010 p 4953 Referências Técnicas para a Atuação de Psicólogasos em Políticas Públicas de Álcool e Outras Drogas Conselho Federal de Psicologia EiXO 3 A ATUAÇÃO DOS PSICÓLOGOS EIXO 4 DESAFIOS PARA UMA PRÁTICA PSICOLÓGICA EMANCIPADORA Brasília CFP 2013 277 FAE 18 a 20 de Outubro de 2018 I I C B P S I Congresso Brasileiro de Psicologia da FAE PLURALIDADES EM SAÚDE MENTAL I CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOLOGIA JURÍDICA E FORENSE ATUAÇÃO DE PSICÓLOGOS JUNTO A USUÁRIOS DE DROGAS NO ÂMBITO JUDICIÁRIO Joacir de Lima Junior Acadêmico do 10º período do curso de Psicologia FAE Centro Universitário CuritibaPR João Vitor Pereira Ukracheski Acadêmico do 10º período do curso de Psicologia FAE Centro Universitário CuritibaPR Jéssica Paula da Silva Mendes Orientadora do trabalho Mestre Professora de Psicologia da FAE Centro Universitário CuritibaPR Palavraschave Oficina de Prevenção ao Uso de Drogas Políticas de Redução de Danos Política de Drogas O presente trabalho visa relatar e discutir as experiências vivenciadas por estagiários voluntários em um Fórum Descentralizado na Comarca de CuritibaPR Acompanhamos a rotina de trabalho do Núcleo de Apoio Psicossocial NAP composto por dois psicólogos e duas estagiárias de Psicologia Nossa atividade focou na articulação e execução da Oficina de Prevenção ao Uso Abusivo de Drogas OPUD A Lei 1134306 dispõe sobre a política de drogas adotada no Brasil que diferencia o porte para consumo e o para tráfico dispondo do entendimento médico e psicológico de que usuários necessitam de política de saúde ao invés de serem criminalizados e segregados Concomitantemente a legislação também aumenta em relação à política anterior Lei n 636876 a pena para tráfico Embora diferencie o traficante do usuário e ainda o traficante profissional do eventual um problema de ordem prática se impõe o fato de não haver na letra da Lei fatores objetivos para diferenciação do usuário em relação ao traficante leva ao crivo subjetivo do agente de Estado decidir isso Àqueles que são considerados usuários é oferecido a transação penal isto é um acordo possível para crimes de menor potencial ofensivo com até dois anos de reclusão previstos como pena por meio do qual se arquiva o processo com o contraponto do pagamento de multa e ou prestação de serviços à comunidade e ou medida socioeducativa que materializase na OPUD no Estado do Paraná Nessa discussão optamos por chamarmos aqueles que caíram como usuários de drogas enquadrados no artigo 28 da Lei Federal 1134306 por institucionalizados considerando Contato joacirlimahotmailcom psiukracheskigmailcom jessicapaulafaeedu Práticas em Psicologia Jurídica Forense e Direitos Humanos 278 FAE 18 a 20 de Outubro de 2018 I I C B P S I Congresso Brasileiro de Psicologia da FAE PLURALIDADES EM SAÚDE MENTAL I CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOLOGIA JURÍDICA E FORENSE que o Poder Judiciário modifica as relações sociais desse sujeito e os estigmatiza a partir da prática institucional Quando a OPUD foi atribuída ao NAP pelo Tribunal de Justiça e pelo Ministério Público de forma inesperada para a equipe não havia um modelo a ser seguido e sua construção ocorreu na medida em que a oficina era oferecida se modificando conforme a experiência O norte da prática desde o início foi a redução de danos isto é estratégias para que caso o consumo não cesse seus danos à saúde e à segurança possam ser minimizados Uma das questões que surgem nesse contexto é quanto à adequação da atribuição dessa atividade ao âmbito judiciário considerando que se trata na realidade de uma medida socioeducativa no campo da saúde pública para além de uma punição à contravenção da legislação Os profissionais de saúde estão mais bem preparados para lidar com adição a drogas e prevenção ao consumo abusivo bem como dispõem de mais materiais para intervenção em relação aos profissionais da área jurídica A efetividade portanto do Estado em suprimir o uso de drogas é prejudicada em virtude de uma política que reduz a questão à segurança pública de modo a criminalizar condutas relacionadas ao consumo independentemente deste ser abusivo ou não A prioridade para o NAP é por lei a vara da infância que demanda visitas a locais distintos entrevistas presenciais e por telefone elaboração de pareceres técnicos dentre outras atividades além do atendimento as demais varas do Tribunal Isso limita consideravelmente a capacidade dos profissionais que lá estão alocados em discutir e desenvolver estratégias no que concerne a OPUD Outra questão versa sobre o nome Oficina de Prevenção ao Uso Abusivo de Drogas O conceito de oficina pode ser definido como lugar em que se desenvolve atividade laboral destinado à fabricação ou reparação de algo No entanto a palavra mais recentemente toma outro sentido no meio acadêmico para designar reuniões de debate definição contida em seminário por exemplo A origem dessa adaptação pode ser demarcada pela palavra do inglês Workshop Rezende 2009 que por sua vez é usada para definir aulas ou cursos práticos sobre assunto ou atividade específica Embora na OPUD haja a transmissão de conhecimentos técnicos sobre o tema como num Workshop em virtude também do foco dado à saúde dos participantes esse espaço serve para o Estado punir o infrator da lei que perturbou a ordem pública e por outro lado permitir aos usuários que em virtude da legislação de drogas amplamente difundida na sociedade comumente se privam de falar sobre o tema com agentes especializados em saúde como é o caso de psicólogos e médicos tenham essa oportunidade restituída Não se pretende construir o saber portanto de maneira verticalizada por parte dos agentes de Estado mas a partir da construção de uma parceria entre o usuário de drogas que traz experiências 279 FAE 18 a 20 de Outubro de 2018 I I C B P S I Congresso Brasileiro de Psicologia da FAE PLURALIDADES EM SAÚDE MENTAL I CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOLOGIA JURÍDICA E FORENSE subjetivas e coletivas sobre o consumo e a equipe técnica que fomenta debates e reflexões além de suportar informações científicas para o grupo O manejo da equipe técnica se instrumentaliza do discurso dos institucionalizados com seus conhecimentos prévios e empíricos sobre as drogas para acrescentar novas perspectivas sobre a influência do consumo de substâncias psicoativas na vida social os meios viabilizados pelo sistema público de saúde brasileiro o SUS Sistema Único de Saúde para tratamento de dependência química bem como formas de reduzir danos no ato consumo inclusive propondo a reflexão sobre estratégias que evitem a reincidência penal já que por um período de 5 anos uma nova contravenção faz com que o sujeito não possa realizar nova transação penal O trabalho é realizado em rodas de diálogos nas quais os psicólogos e estagiários se dispõem dispersos entre o grupo de institucionalizados com a participação de 8 a 15 pessoas em geral mas com variação desse número conforme a demanda do Tribunal de Justiça Cada encontro tem duração aproximada de duas horas Embora não se trate de uma atividade voluntária e haja um caráter de sanção penal esse espaço privilegia o debate sobre as drogas ilícitas e lícitas sem que a questão seja tratada com moralismo permitindo aos usuários que expressem suas opiniões que são constantemente tolhidas em virtude do proibicionismo isto é a política de Estado que proíbe a utilização e comercialização de determinados produtos neste caso as drogas A OPUD deve propiciar um ambiente de escuta especializada e a partir dessa escuta levar à reflexão os institucionalizados Reflexão essa que se origina essencialmente a partir de aspectos relacionados ao consumo de drogas na contemporaneidade brasileira e que dividimos em três eixos principais I a abordagem policial que pode ser o disparador para reflexão sobre o que traz aquele grupo àquela instituição de justiça bem como promove uma possibilidade de maior engajamento e identificação entre os integrantes II o sentido do uso de drogas que possibilita discutir sobre suas consequências em diversos aspectos inclusive o da ordem pública III formas de reduzir os danos em relação ao consumo A política de guerra às drogas adotada no Brasil gera sérias consequências à segurança pública Enseja por exemplo um decreto de Garantia da Lei e da Ordem Decreto 1450617 que coloca a cargo das Forças Armadas a segurança do estado do Rio de Janeiro em uma medida extraordinária sob a égide de coibir a violência que é em grande parcela gerada pelo tráfico e pela intervenção estatal na questão Além disso dados do Infopen 2016 indicam que o tráfico de drogas é o tipo penal com maior incidência no encarceramento representando 26 dos crimes informados no relatório a mesma 280 FAE 18 a 20 de Outubro de 2018 I I C B P S I Congresso Brasileiro de Psicologia da FAE PLURALIDADES EM SAÚDE MENTAL I CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOLOGIA JURÍDICA E FORENSE taxa ocupa o roubo junto à população carcerária masculina Na população feminina o tráfico ocupa 62 dos crimes informados no relatório Consideramos importante em trabalhos de orientação a usuários de drogas evidenciarmos também a forma como os poderosos os políticos a mídia o Poder Público em suas diversas instâncias denunciam a forma como nós enquanto sociedade estamos lidando com algumas drogas considerando que produzimos propaganda para venda de bebidas alcoólicas e diversos remédios ao tempo em que criminalizamos o consumo de outras Cabe aqui refletirmos também sobre as arbitrariedades do sistema que encarcera alguns por porte de ínfimas quantidades de drogas enquanto excluem da prisão outros que portam uma quantidade muito maior com porte de munição e armamento inclusive em virtude da influência política desses Nesse aspecto a falta de objetividade da lei leva a manutenção de privilégios e de segregação social Observamos a importância de adaptarmos o nosso discurso desde termos jurídicos até outros comumente utilizados pela psicologia ou pelo meio acadêmico de um modo geral Esse cuidado com a linguagem utilizada buscou facilitar a compreensão do interlocutor gerar maior engajamento no grupo do qual fazíamos parte além de evitar a ratificação da segregação Notamos que os participantes das OPUDs que presenciamos ficaram à vontade com a abordagem realizada que tem um discurso pensado para a aproximação dos sujeitos ali institucionalizados Na fala inicial percebemos inúmeras defensivas dos participantes quanto ao envolvimento com as drogas que foram flagrados portando alguns não lembravam que tinham aquela droga consigo outros que estavam carregando para amigos uns que assumiram serem portadores e usuários para proteger os amigos e outros que assumiram serem consumidores e afirmaram ser descabida a apreensão policial e encaminhamento ao sistema jurídico Há no imaginário social sobre drogas uma tendência cultural ao proibicionismo que se torna ignorante e refuta toda a conquista acerca da saúde física e mental dos seres humanos assim como proíbe um aprimoramento de tais teorias Esse descarte ocasionado pelo proibicionismo é propulsor para a estigmatização e marginalização dos usuários de drogas e acaba por colocar o debate sobre o tema na esfera da segurança e não da saúde devido à suposta periculosidade que o desvio e contravenção da lei de drogas representam à sociedade A respeito do sentido do uso com uma leitura psicanalítica CostaRosa 2009 pontua uma maneira de compreender o sentido do uso em paralelo a cultura Utilizandose das produções da ciência designadas como gadgets e a busca pela satisfação ou gozo corpórea como forma de manutenção obtenção do consumo 281 FAE 18 a 20 de Outubro de 2018 I I C B P S I Congresso Brasileiro de Psicologia da FAE PLURALIDADES EM SAÚDE MENTAL I CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOLOGIA JURÍDICA E FORENSE Tal pensamento converge com a produção de Carneiro 2002 que demonstra a ciência da farmacologia como viabilizador do sujeito manejar o estado de consciência produzindo estados mentais específicos Ou seja utilizase da droga para ser consumidor de um estado que deseja gerando uma acessibilidade demasiada e ilusória à satisfação Fiore 2008 questiona a validade que o saber médico tem perante a sociedade e como o discurso médico pode apresentar verdades que não esqueçamos são político e culturalmente construídas É possível além do mais observar o quanto a cultura de marginalização das drogas é tendenciosa ao informar constantemente os riscos que o usuário se submete sejam prejuízos à saúde à família à educação ou a construção de uma vida socialmente adequada apontando pesquisas com contingências estruturadas para obter resultados negativos acerca das drogas Advém daí um questionamento se haveria uma relação entre o prazer artificial obtido por uma interferência no processo de captação e recepção de neurotransmissores e o risco ao qual o usuário se prédispõe seja pela esfera judicial penalização ou social marginalização E se há a possibilidade de que a submissão a esses dois componentes esteja a serviço da encoberta do significante real do prazer obtido pelo sujeito no ato de se drogar A oficina não pretende adentrar na subjetividade individual dos participantes a fim de encontrar ou refletir sobre a falta que o consumo de substâncias psicoativas encobre mas sim oportunizar um espaço onde essa questão possa surgir a cada um Há uma rede de assistência oferecida tanto pelo governo como o CAPSad e por entidades filantrópicas em geral religiosas Para poder ser beneficiário dos serviços do CAPS o indivíduo deve primeiro passar por uma espécie de triagem na Unidade Básica de Saúde que verificará qual a demanda do indivíduo e considerar os danos e perdas sofridos pelo consumo Em contato com a unidade do CAPSad da Regional a equipe afirma que a Unidade Básica só vai encaminhar a eles os usuários com alto nível de perdas e danos caso contrário o usuário será encaminhado para uma conversa com psicólogo psiquiatra ou grupos de apoio da região Tal abordagem de selecionar os casos considerados mais graves ou ainda criar critérios de seleção para o públicoalvo do dispositivo de atenção em saúde mostrase contraditório ao discurso institucional de atendimento livre e acessível à população mas que se explica pelo contexto escasso de profissionais e infraestrutura que acomete os dispositivos gerando grandes volumes de demanda A política está na base da percepção e atuação frente às drogas e a militância pela descriminalização ou pelo incentivo em pesquisas relacionadas ao consumo e compreensão das drogas necessita de argumentos fundamentados em um contexto sócio histórico e político e tais argumentos se dão pela transmissão de conhecimento pelo processo de ensinoaprendizagem ou seja pela educação 282 FAE 18 a 20 de Outubro de 2018 I I C B P S I Congresso Brasileiro de Psicologia da FAE PLURALIDADES EM SAÚDE MENTAL I CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOLOGIA JURÍDICA E FORENSE O uso de drogas está inserido dentro da história da humanidade e que o passar dos anos fez apenas variar o papel que elas desempenham bem como seu uso em cada cultura Houve um tempo que era inserida no contexto de práticas sagradas e agora seu uso se tornou uma epidemia social Percebese que não há como falar dessas substâncias centralizando unicamente na própria substância Antes devese levar em conta a relação Sujeito x Droga x Contexto Sócio Cultural Vargas 2011 Os efeitos das drogas variam de acordo com a quantidade consumida formas de uso frequência de uso e até mesmo e talvez mais fortemente pela pessoa do sujeito que integram principalmente predisposições psicológicas os saberes e as expectativas de cada um Há por tal motivo impossibilidade em se trabalhar com fórmulas prontas Consideramos que a política de redução de danos é a mais adequada para tratativa no âmbito da Psicologia Jurídica com usuários de drogas Embora consideremos que essa seja uma demanda prioritariamente da área de saúde esse espaço deve ser utilizado pelo psicólogo jurídico para refletir mecanismos de proteção em relação à violência relacionada ao tráfico até formas de consumo menos danosas a saúde e transpassando inclusive o sentido do uso Nesse sentido não há de se fazer qualquer juízo de valor sobre a decisão do sujeito em usar ou não a droga mas prover conhecimento para que o usuário saiba dos danos e riscos envolvidos na utilização de drogas ilícitas bem como quanto a diminuição dos riscos caso opte pela manutenção do consumo provendo um espaço de escuta e reflexão para as consequências dessas ações na vida coletiva e individual daqueles que foram enquadrados como usuários Cabe aos profissionais de Psicologia também indicar os meios de tratamento fornecidos pelo Estado os dispositivos do SUS Sistema Único de Saúde a Unidade Básica de Saúde e o CAPS Ad principais no que se refere ao tratamento de uso abusivo de drogas Uma das dificuldades em implementar uma política reducionista está atrelada a falta conhecimento por parte da população que é levada a acreditar que essa política reducionista servirá como um estímulo ao uso da droga e afastará o usuário dos tratamentos que existem hoje e que buscam a abstinência A Política de Redução de Danos é a forma mais adequada de prestar assistência aos usuários de drogas pois suas ações são orientadas por direitos fundamentais do cidadão visando preservar e recuperar a dignidade de sujeitos que são livres e que por vontade própria desejam fazer uso de substâncias psicoativas Vargas 2011 O cenário político brasileiro tem gerado incertezas quanto à manutenção de políticas sociais e políticas de saúde por parte do Governo As instituições do Estado estão constantemente de modo a censurálas convocadas a não tomar posicionamentos quanto a essas políticas mantendo 283 FAE 18 a 20 de Outubro de 2018 I I C B P S I Congresso Brasileiro de Psicologia da FAE PLURALIDADES EM SAÚDE MENTAL I CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOLOGIA JURÍDICA E FORENSE a neutralidade frente a questões moralmente polêmicas o que limita em absoluto um trabalho mais humanizado e verdadeiramente voltado para prevenção em saúde no que tange o consumo de substâncias ilícitas como se propõe a OPUD É necessário que esse espaço possibilite cada vez mais que os institucionalizados se responsabilizem do ponto de vista subjetivo isto é entendam o processo no qual estão inseridos os prazeres e desprazeres em jogo com suas ações para que então possam escolher aquilo que desejam fazer Isso envolve desde levar ao conhecimento desses sujeitos que a prática nos mostrou saberem pouco sobre a lei de drogas as nuances da legislação os interesses envolvidos na manutenção do proibicionismo e buscar em conjunto a transformação de paradigmas que cerceiam o tema Nossa prática buscou guardada a devida proporção colocar esses conflitos em diálogo bem como instrumentalizar os usuários para a reflexão sobre o que a política de drogas brasileira acarreta para sua vida e para a vida de sua comunidade A escuta especializada dos profissionais de psicologia permite que a OPUD seja realizada a partir de experiências dos próprios institucionalizados de modo a evidenciar aspectos que nem sempre são claros e que tendem a ser ignorados em atividades protocolares dentro dos Tribunais Deste modo tornase possível fomentar práticas de prevenção e promoção da saúde que sejam acessíveis a cada usuário e ainda sensibilizar outros agentes de Estado que tenham ou possam vir a ter contato com a demanda REFERÊNCIAS Boiteux L 2006 A Nova Lei Antidrogas e o aumento da pena do delito de tráfico de entorpecentes Boletim IBCCRIM São Paulo 14167 89 Recuperado em 15 agosto 2018 de httpsneipinfonovowpcontentuploads201504artigodrogasluciana boiteuxpdf Brasil Ministério da Justiça 2016 Levantamento nacional de informações penitenciárias Brasília Departamento Penitenciário Nacional Brasil Ministério da Saúde Gabinete do Ministro 2005 Portaria n 1028 de 01º de julho de 2005 Determina que as ações que visam à redução de danos sociais e à saúde decorrentes do uso de produtos substâncias ou drogas que causem dependência sejam reguladas por esta Portaria Diário Oficial da União da República Federativa do Brasil Brasília 4 de julho de 2005 Brasil Ministério da Saúde Secretaria Executiva Coordenação Nacional de DSTAids 2003 A Política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas Brasília Ministério da Saúde Brasil 1995 Lei n 9099 de 26 de setembro de 1995 Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais Brasília DF setembro 1995 284 FAE 18 a 20 de Outubro de 2018 I I C B P S I Congresso Brasileiro de Psicologia da FAE PLURALIDADES EM SAÚDE MENTAL I CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOLOGIA JURÍDICA E FORENSE Brasil 2006 Lei n 11343 de 23 de agosto de 2006 Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas Brasília DF agosto 2006 Brasil 2017 Lei n 14506 de 29 de dezembro de 2017 Altera o Decreto de 28 de julho de 2017 que autoriza o emprego das Forças Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem no Estado do Rio de Janeiro Brasília DF dezembro 2017 CostaRosa A 2018 Algumas notas sobre subjetividade e uso de drogas Revista de Psicologia da UNESP 82 1010 Recuperado em 15 agosto 2018 de httpseerassisunespbr indexphppsicologiaarticleview944871 Duarte E C P Muraro M Lacerda M Garcia R de D 2014 Quem é o suspeito do crime de tráfico de droga Anotações sobre a dinâmica dos preconceitos raciais e sociais na definição das condutas de usuário e traficantes pelos Policiais Militares nas Cidades de Brasília Curitiba e Salvador In Pensando a Seguranca Pública e Direitos Humanos Temas Transversais Brasília Ministério da 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DROGASEASOCIEDADEumestudosobreadescriminalizacaodoporte de drogasparaconsumopessoal2autodownload Veríssimo M 2010 A nova lei de drogas e seus dilemas apontamentos para o estudo das formas de desigualdade presentes nos interstícios do ordenamento jurídicopenal brasileiro Civitas Revista de Ciências Sociais 102 Recuperado em 15 agosto 2018 de httprevistaseletronicaspucrsbrojsindexphpcivitasarticleview6533 ALBUQUERQUE K SOUSA F CAVALCANTE T So quem passa é que sabe um enfoque nas relações familiares no cenário da dependência química O portal dos psicólogos 2019 ALARCON S Critérios para o diagnóstico de Dependência Química In ALARCON S and JORGE MAS comps Álcool e outras drogas diálogos sobre um malestar contemporâneo Rio de Janeiro Editora FIOCRUZ 2012 ARAÚJO J GOMES L Redução de danos um novo olhar da psicologia para o uso abusivo de álcool e outras drogas Repositório UNIVAG 2018 BARETTA T JUNG S SOUZA A A inserção do psicólogo em uma comunidade terapêutica para dependentes químicos um relato de experiência Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 2021 CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA Referências técnicas para atuação de psicólogasos em políticas públicas de álcool e outras drogas recurso eletrônico 2 ed Brasília CFP 2019 JUNIOR LIMA J UKRACHESKI J MENDES J Atuação de psicólogos junto a usuários de drogas no âmbito judiciário Congresso Brasileiro de Psicologia da FAE pluralidades em saúde mental 2018 LIMA A Dependência de drogas e Psicologia Social um estudo sobre o sentido das oficinas terapêuticas e o uso de drogas a partir da teoria de identidade Psicologia e Sociedade v 20 2008 LIMA A DIMENSTEIN M MACEDO J Consumo de álcool e drogas e o trabalho do psicólogo no núcleo de apoio à saúde da família Psicologia em Pesquisa 2015 MENDES M Dependência química e fortalecimento psicossocial pelas práticas esportivas Estudos de Psicologia v 22 n 3 2017 MOTA L Dependência química problema biológico psicológico ou social São Paulo Paulus 2007 NOVAES M O psicólogo escolar frente ao consumo de álcool e outras drogas na adolescência O portal dos psicólogos 2019 SCHLINDWEINZANINI R SOTILLI M Uso de drogas repercussões e intervenções neuropsicológicas Cadernos Brasileiros de Saúde Mental v 11 n 28 2019 SILVEIRA C MEYER C SOUZA G RAMOS M SOUZA MONTE F GUIMARÃES A PARCIAS S Qualidade de vida autoestima e autoimagem dos dependentes químicos 2004 ALBUQUERQUE K SOUSA F CAVALCANTE T So quem passa é que sabe um enfoque nas relações familiares no cenário da dependência química O portal dos psicólogos 2019 ALARCON S Critérios para o diagnóstico de Dependência Química In ALARCON S and JORGE MAS comps Álcool e outras drogas diálogos sobre um mal estar contemporâneo Rio de Janeiro Editora FIOCRUZ 2012 ARAÚJO J GOMES L Redução de danos um novo olhar da psicologia para o uso abusivo de álcool e outras drogas Repositório UNIVAG 2018 BARETTA T JUNG S SOUZA A A inserção do psicólogo em uma comunidade terapêutica para dependentes químicos um relato de experiência Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 2021 CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA Referências técnicas para atuação de psicólogasos em políticas públicas de álcool e outras drogas recurso eletrônico 2 ed Brasília CFP 2019 JUNIOR LIMA J UKRACHESKI J MENDES J Atuação de psicólogos junto a usuários de drogas no âmbito judiciário Congresso Brasileiro de Psicologia da FAE pluralidades em saúde mental 2018 LIMA A Dependência de drogas e Psicologia Social um estudo sobre o sentido das oficinas terapêuticas e o uso de drogas a partir da teoria de identidade Psicologia e Sociedade v 20 2008 LIMA A DIMENSTEIN M MACEDO J Consumo de álcool e drogas e o trabalho do psicólogo no núcleo de apoio à saúde da família Psicologia em Pesquisa 2015 MENDES M Dependência química e fortalecimento psicossocial pelas práticas esportivas Estudos de Psicologia v 22 n 3 2017 MOTA L Dependência química problema biológico psicológico ou social São Paulo Paulus 2007 NOVAES M O psicólogo escolar frente ao consumo de álcool e outras drogas na adolescência O portal dos psicólogos 2019 SCHLINDWEINZANINI R SOTILLI M Uso de drogas repercussões e intervenções neuropsicológicas Cadernos Brasileiros de Saúde Mental v 11 n 28 2019 SILVEIRA C MEYER C SOUZA G RAMOS M SOUZA MONTE F GUIMARÃES A PARCIAS S Qualidade de vida autoestima e autoimagem dos dependentes químicos 2004 SciELO Books SciELO Livros SciELO Libros ALARCON S Critérios para o Diagnóstico de Dependência Química In ALARCON S and JORGE MAS comps Álcool e outras drogas diálogos sobre um malestar contemporâneo online Rio de Janeiro Editora FIOCRUZ 2012 pp 131150 ISBN 9788575415399 httpsdoiorg10747697885754153990007 All the contents of this work except where otherwise noted is licensed under a Creative Commons Attribution 40 International license Todo o conteúdo deste trabalho exceto quando houver ressalva é publicado sob a licença Creative Commons Atribição 40 Todo el contenido de esta obra excepto donde se indique lo contrario está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento 40 6 Critérios para o Diagnóstico de Dependência Química Sergio Alarcon 6 Critérios para o Diagnóstico de Dependência Química Sergio Alarcon Segundo a Organização Mundial da Saúde OMS 2001 cerca de 10 das populações dos centros urbanos de todo o mundo consomem abusivamente substâncias psicoativas independente da idade sexo nível de instrução e po der aquisitivo Outro estudo conduzido pela OMS em 2003 sobre a carga global de doenças estima que o tabaco o álcool e as drogas ilícitas correspondam a respectivamente 41 4 e 08 de todas as morbidades no mundo Ainda segundo o mesmo estudo a carga de doenças inclui transtornos físicos cirrose hepática miocardiopatia alcoólica polineuropatia demência etc e lesões de correntes de acidentes industriais e automobilísticos por exemplo No Brasil uma pesquisa encomendada pelo governo federal sobre os cus tos dos acidentes de trânsito revelou que há uma relação entre o uso do álcool e outras drogas e a gravidade das lesões Como os acidentes e as violências ocu pam a segunda causa de mortalidade geral sendo a primeira causa de óbitos entre pessoas de 10 a 49 anos de idade perfil que se mantém nas séries históri cas do Sistema de Informações sobre Mortalidade SIM do Ministério da Saúde entre 2000 e 2008 seria importante procurar entender em que condições as drogas são determinantes de uma maior exposição das pessoas a comporta mentos de risco Isso inclui os efeitos inerentes aos hábitos culturais e também aqueles provocados pelas legislações que procuram regular esses hábitos quan do relacionados ao uso de drogas Álccol e Outras DrogasBookFinalindb 131 09072014 110550 132 Álcool e outras Drogas DiÁlogos sobre um malestar contemporâneo Dados epidemiológicos sobre o consumo de drogas no Brasil obtidos a partir do I Levantamento Domiciliar sobre Uso de Drogas realizado em 2001 pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotópicas Cebrid da Universidade Federal de São Paulo Unifesp indicam que a droga mais con sumida no país é o álcool com uso na vida ou seja qualquer uso inclusive o uso experimental uma vez na vida por 687 da população seguido do tabaco com 411 Em proporções substancialmente mais baixas constam as demais drogas como a maconha com 69 os solventes com 58 os benzodiazepí nicos com 33 e a cocaína com 23 Notese a disparidade entre o consumo de drogas lícitas como álcool e tabaco em relação ao uso das drogas ilícitas citadas Carlini et al 2001 Estimase que aproximadamente 20 dos pacientes tratados na rede pri mária apresentam um padrão de uso de álcool considerado abusivo ou de alto risco Essas pessoas têm seu primeiro contato com os serviços de saúde por intermédio de clínicos gerais que raramente detectam a presença de acometimento por tal uso por uma série de razões que vão desde as más condições de trabalho até a formação técnica deficiente o que tem reper cussão negativa sobre as possibilidades de diagnóstico e tratamento Percebese que no geral o foco da atenção está voltado para as doenças clínicas decor rentes da dependência que ocorrem tardiamente e não para a dependên cia subjacente O diagnóstico e o tratamento precoces da dependência química seja do álcool ou de outras drogas têm papel fundamental no prognóstico desse trans torno que se amplia de um ponto de vista global de prevenção e promoção da saúde e se complica já que de maneira geral há expressivo despreparo e desinformação das pessoas que lidam com o problema sejam elas usuários familiares ou mesmo profissionais Não se trata simplesmente de constatar a utilização de drogas uma vez que em termos estritos de avaliação médica isso não tem muito significado Verificado o uso devese primeiramente avaliar até que ponto este está relacio nado com a dependência química ou se diz respeito exclusivamente à experi mentação ou ainda ao uso abusivo sem dependência No entanto se é im portante a identificação precoce de casos que poderiam evoluir para situações de maior gravidade também se deve tomar cuidado para não se psiquiatrizar um comportamento considerado normal em determinado contexto cultural específico Um diagnóstico clínico equivocado que confunda experimenta ção com uso abusivo ou com dependência química pode acarretar ações Álccol e Outras DrogasBookFinalindb 132 09072014 110550 Critérios para o Diagnóstico de Dependência Química 133 que signifiquem grave iatrogenia ou seja a produção de dano com base na intervenção técnica sanitária Por isso o objetivo aqui é favorecer uma melhor abordagem diagnóstica por equipes interdisciplinares da área da saúde Ob viamente por tratarse de um texto esquemático serve apenas como sugestão para uma maneira de pensar o diagnóstico que necessitará ser criticada e eventualmente complementada O processo pelo qual o consumo de substâncias em certas pessoas evolui para padrões de comportamento compulsivo de busca e utilização chegando a provocar a incapacidade do autocontrole mesmo à custa de muitos preju ízos parece ser a consequência de um amálgama que abrange fatores psi cológicos neurobiológicos e sociais de difícil apreensão No entanto mesmo sendo obscuros os mecanismos que levam o indivíduo a se tornar farmacode pendente o diagnóstico e o tratamento para a dependência são plenamente possíveis e viáveis Na verdade por se tratar de um fenômeno complexo ou seja que permeia praticamente todas as valências possíveis da vida de um indivíduo a dependência química requer um diagnóstico interdisciplinar por meio do qual tanto uma equipe de saúde quanto o próprio usuário e seus fa miliares possam apoiarse para construírem estratégias de transformação Essas estratégias devem visar idealmente não apenas à abstinência ou à exclusiva redução dos danos mas principalmente à possibilidade de construção de ho rizontes vitais que sejam a um só tempo exequíveis e sedutores para o utente1 Ninguém consegue com facilidade e sem sofrimento abandonar hábitos longamente adquiridos quanto mais hábitos produtores de prazeres As dro gas tornamse hábitos ou seja seu uso tornase um costume sendo constan temente repetido exatamente pela sedução que provocam O objetivo último que começa com o diagnóstico da dependência química é ajudar na cons trução de condições de vida cuja sedução possa concorrer com um prazer que se tornou ao mesmo tempo nocivo hábito causador de uma satisfação efêmera cujo custo é pago à prestação sob a forma de transtornos de todas as ordens Rotelli 1991 1 Será dada preferência ao termo utente no lugar de usuário ou paciente pois em primeiro lugar tratase de uma designação corrente na saúde mental pósreforma psiquiátrica e em se gundo lugar tratase de um termo que denota uma atividade inerente ao próprio dependente químico que é essencial na relação terapêutica que se pretende construir nos serviços públicos voltados para a atenção do adito Utente significa aquele que graças a algum grau de indepen dência e conforme a sua vontade usufrui de algo Álccol e Outras DrogasBookFinalindb 133 09072014 110550 134 Álcool e outras Drogas DiÁlogos sobre um malestar contemporâneo Apontamentos sobre o Diagnóstico Clínico da Dependência Química O diagnóstico da farmocodependência como mencionado não é simples sendo necessária a superposição de perspectivas diversas para a mensuração de sua real dimensão Essas perspectivas incluem aspectos biológicos psicoló gicos sociais e culturais que por fim desembocam na especificidade daquela subjetividade acometida pelos efeitos nocivos do hábito de usar drogas Nenhu ma perspectiva tomada isoladamente é suficiente para dar conta dos aspectos essenciais do fenômeno da dependência Na área médica temse tornado consenso identificar o tipo de usuário se gundo a maneira pela qual ele incorpora ao seu cotidiano o uso de drogas É chamado de experimentador aquele que delas faz consumo esporádico com nenhum ou pouco impacto sobre sua saúde Difere do usuário social ou recre ativo que utiliza drogas repetidas vezes de forma controlada sem a ocorrência de alterações em suas funções orgânicas psicológicas e sociais Considerase como abuso ou uso nocivo a utilização que frequentemente extrapola os va lores médicos e culturais aceitos quanto à quantidade frequência de uso e via de administração O abusador apresenta recorrentes intoxicações com diversos prejuízos sejam físicos psicológicos ou sociais Já a dependência química é explicada em termos diagnósticos segundo o DSMIV 1995 pela autoadminis tração repetida de drogas que em geral leva à tolerância à abstinência e a um padrão compulsivo de uso com histórico evolutivo de no mínimo 12 meses Podese dizer que as substâncias psicoativas interferem na função normal do cérebro alterando os processos normais de acumulação liberação e elimi nação de neurotransmissores2 endógenos Alguns desses neurotransmissores que se relacionam com as substâncias psicoativas são a dopamina a serotonina a noradrenalina o ácido gamaaminobutírico Gaba o glutamato e os opioides endógenos Em geral quando praticamos alguma ação cujo resultado final é benéfico do ponto de vista orgânico como por exemplo o ato de nos alimentarmos o sistema nervoso libera alguns neurotransmissores que ativarão as chamadas vias cerebrais de recompensa fazendonos sentir prazer O sistema de recom pensa não gera contudo apenas prazer mas também saciedade fazendo com 2 Neurotransmissores são substâncias químicas produzidas pelas células do sistema encefáli co os neurônios responsáveis pelo envio de informações a outras células do corpo Álccol e Outras DrogasBookFinalindb 134 09072014 110550 Critérios para o Diagnóstico de Dependência Química 135 que após determinado limite o impulso para a repetição do ato se interrompa A cessação do ato é imperiosa para que um ato análogo venha a se constituir futuramente tornando possível a repetição da sensação de prazer Da mesma forma é o desprazer implícito na sensação de falta de comida água sexo etc que gera a busca do prazer que trará a saciedade estabelecendo um circuito natural de privaçãoprazersaciedade Sem esse circuito de recompensa o indiví duo perderia o interesse pela vida e seria incapaz de subsistir Esse mecanismo bioquímico e psicológico é também denominado refor ço positivonegativo A ativação desse circuito pode ocorrer de maneira ar tificial com o uso de drogas o que por si só não acarreta necessariamente a farmacodependência Apenas o uso contínuo crônico de determinadas quantidades de psicoativos geraria o desenvolvimento de um processo de aprendizagem neuronal neuroadaptação como efeito paradoxal da satis fação provocada pelo seu uso efeito agradável ou positivo A busca natural pelo prazer tornarseia então descontrolada pois a neuroadaptação imporia ao indivíduo uma sensação situada entre a privação e o prazer sem a media ção temporal da sensação de saciedade Ou seja podese dizer que um dos aspectos que explicam a dependência química seja a avidez crônica que faz com que o indivíduo passe a buscar com frequência desmedida um prazer insaciável O uso da substância deixaria então de ser controlado pela expres são da sequência privaçãoprazersaciedade reduzindose ao tudo ou nada do circuito privaçãoprazerprivação Portanto os efeitos da satisfação ou do prazer não são os únicos a justifica rem os comportamentos associados à dependência Os sintomas de abstinência efeito desagradável da privação ou efeito negativo também acabam contri buindo para a manutenção do consumo abusivo Por abstinência entendese uma alteração comportamental maladaptativa com elementos cognitivos e fi siológicos que ocorrem quando transcorrido certo tempo após um uso pesado da droga a diminuição de sua concentração plasmática leva a sintomas desa gradáveis variados o que compele a pessoa a voltar a usar a droga seja para aliviar os sintomas desagradáveis seja para evitar o retorno desses sintomas O processo que leva ao comportamento desmedido da neuroadaptação pode ser entendido através do mecanismo de bloqueio da recaptação de um neurotransmissor depois de sua liberação fato que ocasiona a exacerbação dos efeitos normais ocasionados por esse neurotransmissor gerando ou uma subsensibilidade tolerância ou uma hipersensibilidade sensibilização à droga de abuso Álccol e Outras DrogasBookFinalindb 135 09072014 110551 136 Álcool e outras Drogas DiÁlogos sobre um malestar contemporâneo Genericamente devese entender por tolerância a necessidade de cres centes quantidades da substância para se atingir o efeito desejado Pode tam bém ocorrer o fenômeno denominado tolerância cruzada quando o uso re petido de uma determinada substância confere tolerância a outras substâncias da mesma categoria bioquímica por isso alguns anestésicos quando utiliza dos em alcoolistas não fazem efeito O contrário da tolerância a sensibiliza ção também denominada tolerância reversa ocorre quando há aumento da resposta neuropsicológica inicial com o uso crônico da mesma dose da subs tância A tolerância por se apresentar de forma variável entre os indivíduos e os tipos de drogas usadas pode ser difícil de se determinar com base apenas na anamnese Contudo nem a tolerância nem a abstinência são critérios necessários ou suficientes quando tomados isoladamente para um diagnóstico adequado de dependência Podese encontrar tanto o uso compulsivo sem tolerância e abs tinência caso do uso de canabinoides quanto tolerância e abstinência em situações nas quais não há evidência de uso compulsivo O que caracteriza a dependência química e pode definir um diagnóstico clínico é a presença de um conjunto de sintomas comportamentais cognitivos e fisiológicos indicando que o indivíduo continua utilizando uma substância apesar dos significativos prejuízos a ela atribuídos DSMIV 1995 Assim podese estabelecer um padrão de uso característico da dependência que inclui o uso da substância em dose eou tempo acima do pretendido inicialmente o fracas so em diversas tentativas de controlar ou reduzir o uso da substância o tempo excessivo gasto para a recuperação dos efeitos ou para a aquisição da droga uma importante disfunção social com redução drástica de atividades recrea tivas e ocupacionais a manutenção peremptória do uso da substância mesmo diante do reconhecimento das perdas sociais econômicas e afetivas Outro critério diagnóstico amplamente utilizado no Brasil é aquele produ zido pela Classificação Internacional de Doenças atualmente em sua décima edição a CID10 Com base nessa classificação a dependência de substâncias compreende seis critérios e uma pessoa é considerada dependente se apre sentar pelo menos três desses critérios Quadro 1 Há dois critérios biológicos abstinência e tolerância e quatro critérios que incluem elementos cognitivos desejo compulsivo dificuldades de autocontrole dificuldade de se proteger dos danos evidentes provocados pelo uso e restrição dos interesses e ampliação progressiva do tempo despendido com a droga Álccol e Outras DrogasBookFinalindb 136 09072014 110551 Critérios para o Diagnóstico de Dependência Química 137 Quadro 1 Critérios de dependência de substâncias segundo a CID10 Presença de três ou mais dos seguintes sintomas em qualquer momento durante o ano anterior 1 Desejo forte e compulsivo de consumir a substância 2 Dificuldades para controlar o comportamento de consumo de substâncias em termos de início fim ou níveis de consumo 3 Estado de abstinência fisiológica quando o consumo é suspenso ou reduzido evidenciado por síndrome de abstinência característica ou consumo da mesma substância ou outra muito semelhante com a intenção de aliviar ou evitar sintomas de abstinência 4 Evidência de tolerância ou seja necessidade de doses crescentes da substância psicoativa para a obtenção dos efeitos anteriormente produzidos com doses inferiores 5 Abandono progressivo de outros prazeres ou interesses em virtude do consumo de substâncias psicoativas aumento do tempo empregado na aquisição ou consumo da substância ou na recuperação de seus efeitos 6 Persistência no consumo das substâncias apesar de provas evidentes de consequências manifestamente prejudiciais tais como lesões hepáticas causadas por consumo excessivo de álcool humor deprimido consequente a um grande consumo de substâncias ou perturbação das funções cognitivas relacionada com a substância Fonte adaptado de WHO 1992 O Diagnóstico da Dependência Química e a Comorbidade Na medicina geral utilizase o termo comorbidade quando dois ou mais transtornos de saúde de etiologias distintas coexistem em um mesmo indiví duo Sua adequação à psiquiatria e à saúde mental é motivo de controvérsias embora haja poucos estudos sobre o tema Essas controvérsias se relacionam à própria dificuldade da psiquiatria em se adequar à teoria das doenças reinante na medicina geral em virtude da ausência de uma etiologia biológica identifi cável para as doenças mentais Segundo Camargo Jr as doenças são coisas de existência concreta fixa e imutável de lugar para lugar e de pessoa para pessoa as doenças se expressam por um conjunto de sinais e sintomas que são manifestações de lesões que devem ser buscadas por sua vez no âmago do organismo e corrigidas por algum tipo de intervenção concreta leiase medicamentosa ou cirúrgica Camargo Jr 2007 6566 Álccol e Outras DrogasBookFinalindb 137 09072014 110551 138 Álcool e outras Drogas DiÁlogos sobre um malestar contemporâneo Ainda segundo Camargo Jr essa definição de doença como coisa é com patível com o modelo de história natural da doença que esquematiza as relações dinâmicas do ciclo saúdedoença compondoo a partir de três pilares o agente etiológico o doente e o meio ambiente O agente etiológico se define com base nessa tese pelas forças dispostas no ambiente que criam o estímulo patológico no indivíduo sendo a doença a resposta do indivíduo ao estímulo proporcionando alterações que levam a recuperação defeito invalidez ou morte Leavell Clark 1976 Determinar o agente etiológico é portanto determinar a causa da doença Supondo que qualquer tratamento que vise à cura de doenças objetive a eliminação de suas causas não apenas a eliminação de seus efeitos ou sintomas então de forma geral todo o esforço diagnósticoterapêutico da medicina curativa repousa so bre a determinação e a retirada do agente etiológico Sabese que a psiquiatria carece de agentes etiológicos para explicar as causas das doenças mentais identificando no máximo como um deus exma china as imprecisas causas genéticas e hereditárias Esse vácuo explicativo determinado pela ausência do agente etiológico sustenta a imprecisão relativa ao entendimento dos mecanismos de produção da doença que a rigor tornase mera conjectura Assim a identificação e a conjugação dos sintomas em sín dromes que distinguem uma doença como tal dependem de uma série de fato res em geral extracientíficos situação que necessariamente joga a medicina mental no limiar da medicina científica E o que afinal se censura em relação à psiquiatria como responsável por iatrogenia nada desprezível é o cientificismo3 expresso pela insistência em buscar no modelo biológico da história natural das doenças a justificação para seu repertório de condutas ocasionando parado xalmente a excessiva medicalização do sofrimento o que explica em parte a explosão do uso de medicamentos como Valium Prozac Ritalina etc para contornar condições de ansiedade tristeza ou inquietude Na história da medicina mental o jogo entre a contestação e a reafirmação de suas pretensões científicas é que acaba fazendo do termo reforma psiquiá trica quase que um eufemismo para psiquiatria É no interior desse jogo que 3 O cientificismo é uma posição ideológica e ufanista que justificou e ainda justifica uma série de aberrações éticas em nome da infalibilidade da ciência o que inclui a crença por exemplo de que é a ciência a única forma de descrição neutra e objetiva do real Não podemos esquecer ideias eticamente questionáveis nascidas no seio do cientificismo como o higienismo o darwinismo social a antropologia criminal de Lombroso etc É importante enfatizar aqui que denunciar o cientificismo não é o mesmo que agir de forma antiintelectualista ou contra a ciên cia pelo contrário Álccol e Outras DrogasBookFinalindb 138 09072014 110551 Critérios para o Diagnóstico de Dependência Química 139 se define segundo a época essa ou aquela entidade nosológica Em outras pa lavras os momentos nos quais se hesita entre o arcaico e o moderno formam a constante que delineia a temporalidade da medicina mental onde por exem plo em um dia é possível o diagnóstico de psicose maníacodepressiva e no outro o de transtorno bipolar que o substituiu O esforço para se definir os transtornos psiquiátricos como síndromes fica evidente nas elaborações dos manuais de classificação diagnóstica su pracitados o CID10 e o DSMIV O que esses manuais apresentam na verdade é o registro de observações semiológicas do que é aceito pela comunidade científica da época como sintoma ou grupo de sintomas aparentados eou interdependentes São passíveis de revisões periódicas em virtude não de uma mudança de paradigma científico pois não há conceitos definidores bem fundamentados empiricamente mas em virtude de um rearranjo no consenso temporário e descritivo e não explicativo já que sempre falta o agente etiológico das síndromes mentais Cada revisão acompanha amiúde a adequação política social e cultural da medicina mental às forças hegemô nicas de sua época Por isso os critérios definidores de patologias podem ser tão fluidos e imprecisos quanto aqueles que por exemplo determinaram a entrada e posteriormente a saída da homossexualidade do rol das doenças mentais Belmonte 2009 Podese dizer que ocorre com frequência na psiquiatria aquilo que no caso das outras especialidades médicas seria classificado como quadro mórbi do mal definido produzindo uma habitual zona cinzenta diagnóstica na qual o desencontro terapêutico é a regra Nesse contexto agregamse dificuldades para que se estabeleça com alguma precisão os fatores de risco psiquiátricos que poderiam eventualmente influenciar o uso abusivo de drogas Ou seja em geral as relações de causa e efeito entre as drogas e os transtornos mentais são estabelecidas com um baixo grau de confiabilidade para um diagnóstico que se desejaria preciso e científico Mesmo assim é terapeuticamente estratégico pesquisar na farmacodependência as relações entre diagnósticos múltiplos que necessitam ser dimensionados minimamente de maneira a permitir uma hierar quização dos problemas para o planejamento mais eficaz das ações de cuidado e tratamento Um esquema simples para se avaliar as relações entre dependência quí mica e comorbidade proposto por Frances Widiger e Fyer 1990 encontra se resumido com modificações a seguir Segundo os autores é necessário avaliar se a dependência química DQ predispõe a comorbidade CM ou Álccol e Outras DrogasBookFinalindb 139 09072014 110551 140 Álcool e outras Drogas DiÁlogos sobre um malestar contemporâneo se contribui para a manifestação da CM em caso positivo a DQ é primária e predispõe a CM se a CM predispõe a DQ ou se contribui para a manifestação da DQ em caso positivo a CM é primária e predispõe a manifestação da DQ se a DQ e a CM são influenciadas por um mesmo fator predisponente em caso positivo tanto a DQ quanto a CM são secundárias ao fator primário se a asso ciação entre DQ e CM ocorre por acaso ou se decorre de sua maior prevalên cia na população em geral não há relação entre DQ e CM e se a DQ e a CM pertencem na verdade a um mesmo transtorno tendo sido equivocadamente separadas DQ e CM manifestamse como variações sintomatológicas de um mesmo transtorno Obviamente o fenômeno da comorbidade deve ser visto sempre que pos sível de maneira interdisciplinar uma vez que não se pode reduzir a farmaco dependência a uma condição apenas médicopsicológica tendo em vista seu potencial como enfatizado para afetar todas as áreas da vida humana Assim deverseia tentar ao máximo integrar as várias leituras seja da enfermagem da medicina do serviço social da psicologia etc de forma a fomentar a inter disciplinaridade Assim algumas ações seriam próprias apenas a uma ou outra disciplina específica por exemplo a revisão dos sistemas continuaria depen dente essencialmente da expertise médica de preferência do clínico geral No entanto o mais importante não seria tanto o diagnóstico particular feito por uma disciplina isoladamente mas a soma dos diagnósticos do médico do psi cólogo do assistente social etc que de maneira aproximada forneceria a bio grafia a identidade enfim a territorialidade daquela existênciasofrimento A vantagem seria no final a construção de um projeto terapêutico menos formal e efetivamente individualizado Apontamentos sobre Diagnóstico Interdisciplinar O diagnóstico médico embora importante é índice de apenas um dos as pectos da farmacodependência Assim para a construção de um projeto tera pêutico consistente é necessário um diagnóstico mais amplo que permita à equipe de saúde não apenas individualizar as estratégias de cuidado mas tam bém em especial construir um projeto terapêutico interdisciplinar e correspon sável com a participação ativa do próprio utente e de seus familiares e amigos O objetivo é estabelecer com o indivíduo a possibilidade de problematização de seu universo cultural e relacional pois é por meio de sua identificação ou Álccol e Outras DrogasBookFinalindb 140 09072014 110551 Critérios para o Diagnóstico de Dependência Química 141 não identificação com os valores de sua territorialidade4 que se torna possível a autoconstrução da própria identidade Muitas vezes essas ligações territoriais estão de tal forma frágeis ou rompi das em virtude dos transtornos inerentes à dependência química que é grande a possibilidade de o indivíduo retornar ao comportamento compulsivo e au todestrutivo por absoluta falta de perspectiva Assim a função de um projeto terapêutico interdisciplinar é servir de mediador e guia para a problematização dessas relações apresentando objetivos próprios ao pressuposto da atenção psi cossocial de evitar a institucionalização e cuidar das condições para a autono mia individual Quando se utiliza o termo problematizar o que se quer dizer é que a abordagem não pode ser baseada em um modelo que paternalize as relações despertando no indivíduo sentimentos de incapacidade culpabilidade e inse gurança O objetivo não é gerar mais dependência tratase de evitar que o in divíduo procure um iluminado um guru um doutor enfim um salvador da pátria do qual se sinta dependente para resolver seus problemas Problematizar aqui significa colocar a própria dimensão do problema como o problema a ser avaliado antes que se pense em sua solução Ou seja supõe que se coloque em dúvida em primeiro lugar a própria pertinência do problema antes de em se gundo lugar aceitálo como uma questão que mereça o esforço para a resposta adequada Sabese que as soluções podem ser falsas ou verdadeiras mas o pior que pode advir é a solução verdadeira para um falso problema A solução verda deira para um falso problema eterniza o sofrimento causado pelo verdadeiro 4 Definimos territorialidade como sinônimo de mundo próprio O termo territorialidade é utilizado pelos filósofos Gilles Deleuze e Felix Guattari Ao se considerar a territorialidade deixase de considerar o território como sinônimo de lugar ou mesmo de espaço e passase a considerálo como algo construído a partir de determinadas práticas humanas que incluem as dimensões do saber do poder e da subjetivação Relações que são portanto econômicas políticas e éticas e não tão somente limitadas por considerações psicologistas ou biomédicas A territorialidade é algo que se carrega consigo que não é a terra propriamente não é o espaço geográfico é aquilo que poderíamos denominar como antecipamos anteriormente e confor me a etologia Uexküll sd mundo próprio umwelt E mundo próprio é um conceito que associa ambienteorganismoafeto como singularidade como sentido Na dependência quími ca devemos entender melhor como os processos de produção de mundos próprios podem le var ou à legitimação do status quo o que provavelmente fará essa subjetividade ser submetida pelas mesmas forças que a tornaram frágil e escravizada submetida ao simbólico entendido como a regra geral hegemônica ou à produção daquilo que Foucault 2004 chamou de sub jetivação a capacidade de ser diferente de si mesmo de se autoproduzir de ser nesse sentido livre das significações dominantes Álccol e Outras DrogasBookFinalindb 141 09072014 110551 142 Álcool e outras Drogas DiÁlogos sobre um malestar contemporâneo problema não percebido e não resolvido obscurecido pelo falso problema e sua solução verdadeira O modelo5 da problematização propõe então estimular a capacidade do utente de por si mesmo levantar e avaliar os próprios problemas Para tanto é necessário quebrar a lógica pela qual a informação se concentra num único indivíduo ou mesmo em uma equipe de saúde portadora de soluções É necessário antes partilhar informações exercitar um jogo no qual as cren ças preconceitos estigmas e certezas tanto dos membros da equipe quanto do utente familiares e amigos são postos em posição dialógica até que a autonomia do utente seja reconquistada pela capacidade de se autoavaliar de se autoconstituir como indivíduo produtor de suas próprias crenças e de sejos livre enfim tanto quanto possível dos preconceitos das superstições e dos falsos problemas Com base nessa capacitação ou empoderamento tornase desejável pensar na saúde como qualidade de vida e não apenas como ausência de doença conforme preconiza o Sistema Único de Saúde SUS É um engodo imaginar que uma equipe de saúde possa por si mesma e sem a interação necessária e profunda com o utente advogar qualquer prescrição mudança de estilo de vida ou seja lá o que for em nome de uma pretensa qualidade de vida que seria nesse caso sempre unilateral estan do portanto mais próxima de uma violência etnocêntrica6 do que de uma real promoção da saúde Nesse modelo problematizador a função da equipe terapeuta é promover essa capacidade autopoiética7 que por sua vez deve surgir no âmbito do pró prio indivíduo ou grupo Exercitar essa corresponsabilidade na perspectiva do utente não significa tão somente dividir os fracassos e os sucessos de maneira que não haja culpados ou heróis mas também e principalmente ser livre para atuar sobre suas próprias condições de vida e modificálas positivamente mesmo que seja com a ajuda de equipe técnica especializada São também funções da equipe terapêutica facilitar a construção de re des sociais solidárias de promoção da saúde como qualidade de vida mobili zar os recursos da rede de atenção das comunidades serviços residenciais 5 Não se trata propriamente de um modelo mas de uma forma de pensar que permite a varia ção caso a caso 6 Crença na superioridade da cultura a que se pertence acompanhada de sentimento de menos prezo por padrões de comportamento que se afastam da posição cultural do observador 7 Termo introduzido pelos pesquisadores chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela para designar o ser vivo enquanto ser autocriado Maturana Varela 1980 Por extensão desig na no homem a capacidade de se autoinventar em termos físicos e cognitivos Álccol e Outras DrogasBookFinalindb 142 09072014 110551 Critérios para o Diagnóstico de Dependência Química 143 terapêuticos casas de passagens ou abrigos grupos de ajuda mútua comuni dades terapêuticas centros culturais e de convivência oficinas terapêuticas hospitais e clínicas etc e apoiar o desenvolvimento das competências dos in divíduos e das famílias A clínica da problematização tem como objetivos entre outros reforçar a dinâmica interna ou funcionamento interno de cada indivíduo para que este possa avaliar seus próprios valores suas potencialidades e tornarse o construtor de sua independência reforçar a autoestima individual redescobrir e reforçar a confiança em cada indivíduo diante de sua capacidade de evoluir e de se de senvolver como pessoa problematizar o papel da família e da rede de relações que ela estabelece com o seu meio e valores culturais prevenir e combater as situações de desintegração dos indivíduos e das famílias e estimular a restaura ção e fortalecimento dos laços sociais tornar possível a comunicação entre as diferentes formas do saber popular e saber científico estimular a participação social como requisito fundamental para dinamizar as relações sociais promo vendo a conscientização e estimulando o grupo por meio do diálogo e da refle xão a tomar iniciativas e ser agente de sua própria transformação O modelo coparticipativo e corresponsável proposto pela clínica da pro blematização não inviabiliza abordagens clássicas na medida em que procura respeitar a subjetividade territorialidade do indivíduo Um cuidado que no entanto devese ter é evitar que determinadas abordagens como por exemplo o messianismo dos 12 passos ou o psicanalismo desempenhem um papel es truturante no serviço em desacordo com uma ética da atenção pública Não se trata de proscrever a priori nenhuma abordagem possível muito menos os 12 passos ou a psicanálise mas absorvêlas como ferramentas úteis retirandolhes as características privatistas seja a religiosidade latente no exemplo dos 12 pas sos seja a tendência a impor uma particular Weltanschauung8 como às vezes acontece com a psicanálise para que possam funcionar como utensílios que ora serão úteis ora não conforme a subjetividade em problematização Em suma dependendo das demandas são utilizadas as ferramentas pos síveis com o objetivo de melhorar a qualidade de vida e de acordo com o en foque interdisciplinar citado tais como a psicoterapia breve psicoterapia em grupo entrevista motivacional psicanálise psicologia analítica atenção médica geral e psiquiátrica atenção à família e avaliação social 8 Weltanschauung é uma palavra alemã que significa visão do mundo ou cosmovisão Aqui utilizada no sentido de uma cosmovisão unilateralmente imposta Álccol e Outras DrogasBookFinalindb 143 09072014 110551 144 Álcool e outras Drogas DiÁlogos sobre um malestar contemporâneo Sugestão para a Construção de um Fluxograma de Atenção Interdisciplinar Como argumentado desde o início deste capítulo na construção de estra tégias de tratamento da farmacodependência tornase necessária uma visão complexa de cada caso o que permite sua individualização de maneira que por um lado não se possa estabelecer modelos fixos de ação mas por outro em um sentido pragmático seja possível dispor de determinadas prescrições baseadas não apenas no conhecimento farmacológico básico a respeito de cada grupo de drogas e seus efeitos particulares na fisiologia humana mas em um diagnóstico ampliado capaz de incluir a territorialidade e as singularidades de cada um Em parte a construção do diagnóstico tanto impõe que se obtenha uma racionalidade geral de cada territorialidade quanto que se agreguem os frag mentos derivados dessas territorialidades colhidos em diversas perspectivas tanto do ponto de vista da clínica quanto na perspectiva epidemiológica ou da saúde pública por exemplo A forma de articulação desses fragmentos é a resultante das estratégias elaboradas pelas equipes territoriais conforme um diagnóstico situacional complexo Acúrcio Santos Ferreira 1998 Dessa maneira não há um modelo prefixado que determine a forma universal para todas as situações Apenas podese exemplificar de forma provisória e esque mática uma sequência de acontecimentos que a partir de uma territorialida de possibilitam as ações estratégicas Assim sugerimos o seguinte esquema a ser seguido Porta de entrada Nessa etapa são realizados o acolhimento e a avaliação clínica O aco lhimento visa primordialmente pela escuta à melhoria na qualidade da assis tência ao favorecer a relação usuáriotrabalhadorserviço e à ampliação das formas imediatas de intervenção individualizada As técnicas para o acolhimento variam de serviço para serviço mas devem estar centradas ao máximo no utente possibilitando o encaminhamento mais resolutivo da necessidade individual por meio de uma assistência acolhedora e humanizada Álccol e Outras DrogasBookFinalindb 144 09072014 110551 Critérios para o Diagnóstico de Dependência Química 145 Em geral o que se pretende no acolhimento é exatamente enfatizar a ne cessidade do próprio utente de participar de seu tratamento de maneira proati va e integral A emergência da territorialidadesujeito é diretamente proporcional à su balternidade da doença e aos aparatos médicobiológicos e psicológicos de ava liação e conduta que tradicionalmente objetificam a subjetividade fragmentan doa em pedaços aos quais correspondem as disciplinas e especialidades Essa fragmentação da subjetividade é proporcional à fragmentação do trabalho dos profissionais da saúde CostaRosa 2000 Contudo os maiores riscos são a negação da doença e a produção de sub diagnósticos Resgatar a territorialidadesujeito significa fazer emergir o víncu lo clínico e crítico entre acontecimentos e sentidos vitais e não simplesmente sobredeterminar o sentido em detrimento do acontecimento Acontecimento e sentido estão ligados de forma irredutível e produzir uma clínica do sujeito usando o termo como em Campos 1997 mas invertendo os polos de atenção do acontecimento doença para o sentido sujeito não significaria vantagem alguma em relação à clínica fragmentária dos modelos unicausais Os profissionais envolvidos no processo de acolhimento e avaliação clí nica são o psicólogo o assistente social e os cuidadores técnicos de enferma gem e conselheiro Para se evitar a ambulatorização da acolhida o médico psiquiatra ou generalista seria solicitado apenas para os casos de urgência emergência médica ou conforme demanda situacional Primeira fase diagnóstico Nessa fase de diagnóstico é realizada a coleta de elementos diagnósticos e aplicado um programa motivacional intensivo No exame do território são realizados uma coleta de dados que permita a identificação e a hierarquização dos problemas e um inventário dos recursos do território relacionados aos três níveis de atenção sanitária ou seja a preventiva a assistencial e a de promoção da qualidade de vida O diagnóstico situacional avaliação de facilitadores e dificultadores ao tratamento permite determinar a distribuição de um problema e suas causas para racionalizar o planejamento de seu controle ou mitificar seus agravos O conceito de diagnóstico situacional é proveniente das teorias sobre planeja mento estratégico situacional geralmente recomendado para equipes de saúde com atividades interdisciplinares e intersetoriais É um instrumento que permite Álccol e Outras DrogasBookFinalindb 145 09072014 110551 146 Álcool e outras Drogas DiÁlogos sobre um malestar contemporâneo a identificação descrição e análise de problemas atuais a hierarquização dos problemas por ordem de prioridade o planejamento conjunto de ações para a remissão total ou parcial desses problemas o acompanhamento dos processos o prognóstico e a avaliação dos resultados O planejamento das ações inclui a elaboração de planos de ação que vi sam essencialmente à reconstrução de horizontes vitais sedutores do ponto de vista do utente que possam substituir o prazer fácil das drogas Obviamente outras medidas mais simples devem ser observadas visando à construção de re des de apoio que ofereçam o máximo de impacto eficácia com um mínimo de custo eficiência assegurando que as necessidades imediatas do utente sejam supridas com os maiores benefícios Como última etapa dessa fase é aplicado um programa motivacional inten sivo cujo objetivo é estimular o tratamento e confeccionar um projeto terapêuti co individualizado territorializado Segunda fase tratamento Nessa fase de tratamento a primeira etapa é a implementação das ações na qual buscase aplicar a tática escolhida a mais apropriada para viabilizar na prática o que foi planejado anteriormente procurando motivar a participação ativa do utente Em seguida passase à aplicação do projeto terapêutico indivi dualizado mediante ações complexas interdisciplinares Terceira fase manutenção Essa fase de manutenção depende em parte da demanda do utente que pode requerer atenção continuada ou eventual conforme a situação Tratase de uma vigilância em saúde na qual há uma avaliação dos resulta dos das ações mediante o monitoramento dos objetivos alcançados pelo utente é justamente nesse momento em que surge a flexibilização da estratégia com a possibilidade de correções ou a construção de nova estratégia Instrumentoguia Atualizado e reatualizado constantemente durante o processo terapêutico de preenchimento multiprofissional os objetivos desse instrumentoguia são avaliar os componentes facilitadores e os dificultadores do tratamento a fim de Álccol e Outras DrogasBookFinalindb 146 09072014 110551 Critérios para o Diagnóstico de Dependência Química 147 se construir táticas de viabilização que favoreçam positivamente o prognóstico e de se obter dados para uma intervenção individualizada projeto terapêutico É constituído por sete tópicos discriminados a seguir Perfil psiquiátrico e psicológico Para o diagnóstico de fatores médicospsicológicos negativos dificultado res ao tratamento da dependência química tais como síndromes psiquiátricas psicóticas fóbicoansiosas epiléticas afetivas ou transtorno de personalidade Avaliação de possível comorbidade primária Motivação Avaliação da motivação para o tratamento Podese utilizar o clássico mode lo de Rollnick e Miller précontemplação contemplação determinação ação De acordo com a avaliação devese aplicar aconselhamento diretivo cen trado no utente com o objetivo de estimular motivar o trabalho para uma mudança do comportamento História do tipo de uso Tipo de drogacompulsão tipos de substâncias usadas droga de escolha ou CID10 F19 início de uso frequência de uso Grau de dependência Podese avaliar o grau de dependência utilizandose alguns critérios a es colher Como exemplo o questionário Clinical Institute Withdrawal Assesment for Alcohol CIWA para alcoolistas e o teste de Fagestrom para os casos de taba gismo Características do contexto social relativo à rede de apoio A rede de apoio pode ser inexistente pedese que seja citado o motivo se houver existente pedese que sejam citados quais os tipos e possível pede se que seja explicado O contexto de vida social pode ser facilitador ou não do tratamento de pendendo de determinados fatores tais como harmonia ou desagregação fami liar presença ou ausência de vínculo empregatício grau de envolvimento com o tráfico de drogas etc Dessa maneira pedese que tais indicadores sejam ava liados como importantes no projeto terapêutico imediato como também para as abordagens psicossociais disponíveis a posteriori Álccol e Outras DrogasBookFinalindb 147 09072014 110551 148 Álcool e outras Drogas DiÁlogos sobre um malestar contemporâneo Cultura de uso Se vinculado ao trabalho happy hour por exemplo ao tráfico ao sexo etc Problemas associados Encaminhamento judicial processos criminais prisões dívidas com tráfi co busca de refúgio etc Abordagem para redução de riscos e danos Durante o tratamento pode ser feito um treinamento psicoeducativo em situações de risco situações sociais geradoras de ansiedade e estresse etc Não se deve imaginar que a redução de danos seja como ideologicamente se acusa uma lógica que incite ao uso de drogas Pelo contrário essa estratégia baseiase em dados da realidade que vêm exatamente dos centros de tratamen to que privilegiam unicamente a abstinência total e que são incapazes em sua totalidade de atingir um índice de abstinência superior a 30 Ou seja 70 dos dependentes químicos ou se institucionalizam em situações de revolving door entrando e saindo num ciclo intermitente de internações não resolutivas ou são abandonados ou capturados pelos aparelhos de repressão situação que gera muita dor e sofrimento sobretudo pelo estigma da criminalização e que pode leválos até mesmo à morte Contudo não se deve acreditar que a redução de danos como política pública estabeleça para a assistência qualquer prescri ção que inviabilize estratégias que visem à abstinência Da mesma forma uma política de redução de danos não inviabilizaria sem ser contraditória qualquer abordagem racional que vise à proteção do utente como por exemplo uma internação de curta ou média permanência Enfim uma política de redução de danos é apenas indicativa para ações pú blicas flexíveis que minimizem as consequências das más relações com as drogas que as pessoas eventualmente produzem Tais relações hoje em dia derivam jus tamente da maneira como as drogas são tratadas pelas determinações do Estado Conclusão Um dos motivos para o fracasso dos tratamentos para a dependência quí mica é a dificuldade para a reconstituição por parte do próprio utente de uma Álccol e Outras DrogasBookFinalindb 148 09072014 110551 Critérios para o Diagnóstico de Dependência Química 149 rede de apoio social e familiar adequada em sua comunidade A capacidade de construção de um horizonte de vida que seja mais sedutor que o prazer fácil das drogas também é essencial Por isso a simples aquisição de um certo con trole sobre o comportamento compulsivo de uso de substâncias químicas que muitas pessoas confundem com redução de danos não significa a extinção do chamado problemadrogas na vida da maioria dos utentes Podese entender o problemadrogas de várias maneiras desde os conflitos intrapsíquicos provocados pelas perdas emocionais ou pelos problemas econô micos gerados por perdas materiais até as mazelas geradas pelo estigma pelos conflitos com a lei e a polícia pelas ligações com a criminalidade etc Em alguns casos o utente é real portador de comorbidade psiquiátrica pri mária e as dificuldades para o autorreconhecimento do problema o chamado juízo crítico da morbidade pode levar à recidiva do comportamento abusivo e ou patológico A clínica da problematização deve também levar em consideração ações preventivas para se evitar as condições de recidiva Observase então uma aber tura e uma flexibilidade do serviço com a finalidade de facilitar que o utente possa continuar recebendo suporte e cuidado de maneira que sua conduta ou comportamento se determine por um modo autônomo ético e racional Referências ACÚRCIO F A SANTOS M A FERREIRA S M G O planejamento local de serviços de saúde In MENDES E V Org A Organização da Saúde no Nível Local São Paulo Hucitec 1998 BELMONTE P História da Homossexualidade ciência e contraciência no Rio de Janeiro 19702000 2009 Tese de Doutorado Rio de Janeiro Fundação Oswaldo Cruz Casa de Oswaldo Cruz CAMARGO JR K R As armadilhas da concepção positiva de saúde Physis 171 6376 janabr 2007 CAMPOS G W S A Clínica do Sujeito por uma clínica reformulada e ampliada Campi nas Universidade Estadual de Campinas 1997 Mimeo CARLINI E A et al I Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil São Paulo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas da Universidade Federal de São Paulo CebridUnifesp Secretaria Nacional Antidrogas Senad 2001 Álccol e Outras DrogasBookFinalindb 149 09072014 110551 150 Álcool e outras Drogas DiÁlogos sobre um malestar contemporâneo COSTAROSA A O modo psicossocial um paradigma das práticas substitutivas ao modo asilar In AMARANTE P Org Ensaios subjetividade saúde mental sociedade Rio de Janeiro Editora Fiocruz 2000 DSMIV Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais Porto Alegre Artes Médicas 1995 FOUCAULT M A ética do cuidado de si como prática da liberdade In FOUCAULT M Ética Sexualidade e Política Rio de Janeiro Forense Universitária 2004 FRANCES A WIDIGER T FYER M R The influence of classification methods on co morbity In MASERJ D CLONINGER C R Orgs Comorbity of mood and anxiey disorders Washington D C American Psychiatry Press 1990 LEAVELL H CLARK E G Medicina Preventiva São Paulo McGrawHill do Brasil 1976 MATURANA R H VARELA F J Autopoiesis and Cognition the realization of the living Dordrecht D Reidel Publishing Company 1980 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE OMS Relatório sobre Saúde no Mundo saúde mental nova concepção nova esperança Genebra OMS 2001 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE OMS Relatório Mundial Organização Mundial da Saúde Genebra OMS 2003 ROTELLI F Onde está o Senhor In LANCETTI A Org Saúde e Loucura 3 São Paulo Hucitec 1991 UEXKÜLL J Dos Animais e dos Homens Lisboa Livros do Brasil sd WORLD HEALTH ORGANIZATION WHO The ICD10 Classification of Mental and Behav ioural Disorders clinical descriptions and diagnostic guidelines Geneva World Health Organization 1992 Álccol e Outras DrogasBookFinalindb 150 09072014 110551 Estudos de Psicologia DOI 10224911678466920170029 ISSN versão eletrônica 16784669 Acervo disponível em wwwscielobrepsic Estudos de Psicologia 223 julho a setembro de 2017 285292 285 Dependência química e fortalecimento psicossocial pelas práticas esportivas Marcelo Simões Mendes Universidade Paulista de Campinas Resumo A questão sobre o abuso de drogas tem manifestado a urgência por medidas que fomentem o tratamento sobre a mesma O presente relato de experiência profissional procurou apresentar uma proposta de intervenção em que a prática esportiva foi utilizada como importante instrumento no processo de tratamento para pessoas com dependência de álcool e outras drogas Foi percebido que a prática esportiva colaborou para o desenvolvimento dos recursos internos dos participantes atuando como medida para o fortalecimento psicossocial dos usuários por meio do desenvolvimento da autoestima perseverança disciplina superação dentre outros Palavraschave intervenção psicossocial reabilitação da droga esportes Abstract Chemical dependency and strengthening psychosocial by sports practices The question of drug use has shown the urgent need for measures to promote the treatment of this question This account of professional experience presented a proposal for intervention in which sports practice was used as an important tool in the treatment process for people with alcohol and others drugs It was noticed that the sports practice contributed to the development of the internal resources of the participants acting as a measure for the psychosocial strengthening of users through the development of selfesteem perseverance discipline overcoming among others Keywords psychosocial intervention drug rehabilitation sports Resumen Dependencia química y fortalecimiento psicosocial por prácticas deportivas La cuestión del uso de drogas ha demostrado la necesidad urgente de medidas para promover el tratamiento de la misma Este relato de la experiencia profesional trató de presentar una propuesta de intervención en que se utilizó la práctica del deporte como una herramienta importante en el proceso de tratamiento para las personas con dependencia del alcohol y otras drogas Se observó que la práctica deportiva ha contribuido al desarrollo de los recursos internos de los participantes que actúa como una medida para el fortalecimiento psicosocial de los usuarios a través del desarrollo de la autoestima la perseverancia la disciplina la superación entre otros Palabras clave intervención psicosocial rehabilitación de la drogadicción deportes 286 Dependência química e fortalecimento psicossocial pelas práticas esportivas Estudos de Psicologia 223 julho a setembro de 2017 285292 Segundo o relatório mundial sobre o uso de dro gas apresentado pela United Nations Office on Drugs and Crime UNODC 2015 há uma estimativa que 5 da população mundial com idade entre 15 e 64 anos utilizou drogas ilícitas em 2013 o que equivale há um total de 246 milhões de pessoas Deste total cerca de 27 milhões apresentaram um grau mais intenso de dependência química A questão da dependência química tem sido alvo de discussão em diversas áreas no campo da Saúde no Brasil mobilizando ações que não se reduzem a uma única área de conhecimento ou especialidade mas próprias de uma proposta de intersetorialidade tendo em vista a complexidade que envolve os problemas dessa natureza Devido à multiplicidade de olhares que convergem para esta discussão diversas têm sido as contribuições segundo a especialidade que trata dessa temática envolvendo ações que compreendem medi das de avaliação Kaup Merighi Tsunechiro 2001 Soares Jacobi 2000 a partir de modelos ampliados Galduróz 2001 inseridos por exemplo na concep ção biopsicossocial propostas de natureza profilática Monteiro Vargas Rebello 2003 identificando os fatores de vulnerabilidade que potencializam o acesso e o consumo de drogas assim como as medidas que se dirigem à implementação de programas de tratamento e reabilitação para usuários de substâncias psicoativas Em relação ao uso de álcool no Brasil o estudo de Galduróz e Caetano 2004 apresenta um levantamento populacional específico desse consumo em vários con textos No ensino fundamental e médio quatro estu dos investigaram o uso de álcool entre os estudantes em 10 capitais brasileiras nos anos de 1987 1989 1993 e 1997 Dentre os alunos que faziam uso pesado 20 vezes ou mais por mês em todas as capitais este per centual aumentou ao longo dos anos Já o estudo de Passos 2011 analisou as internações decorrentes do uso de substâncias psicoativas no Distrito Federal entre os anos de 2000 e 2009 Os resultados revelaram que o uso de álcool múltiplas drogas e cocaína entre adultos jovens do sexo masculino foram as principais causas de internação Especialmente em relação ao uso do crack no Brasil estas medidas têm tido um crescente reconheci mento devido principalmente às especificidades confe ridas a esta droga e pelo aumento significativo de usuá rios em diversas regiões do país Ainda que o consumo de crack possa ser considerado um fenômeno recente Ribeiro Laranjeira 2010 este tem despertado uma preocupação cada vez maior de profissionais da saúde e pesquisadores a partir do início deste século Kessler Pechansky 2008 Segundo Duailibi Ribeiro e Laranjeira 2008 o consumo de crack tem apresentado uma relação direta com a infecção pelo HIV Para estes autores isto se dá pelo grande número de parceiros dos usuários pela desproteção em relações sexuais e mesmo pela troca do sexo por crack No caso da violência Ribeiro e Laranjeira 2010 afirmam que este fator parece ter uma estreita relação com o consumo de crack espe cialmente quando relatam que a violência tem aumen tado em consonância com a elevação do consumo desta droga no Brasil De fato ficam evidentes os impactos e conse quências para a saúde das pessoas que fazem uso do álcool e outras drogas No entanto algumas medidas sejam essas de caráter profilático ou voltadas para a reabilitação tendem a colaborar para que mudanças ocorram neste cenário Em relação a uma destas medidas destacase o uso das práticas esportivas como instrumento no pro cesso de reabilitação para pessoas que possuem algum grau de dependência química A atividade física e o esporte têm demonstrado benefícios que se estendem para além da otimização das capacidades funcionais do organismo humano Além da atividade física e do esporte contribuírem para uma menor incidência de doenças crônicodegenerativas Carvalho et al 1996 estes por sua vez podem atuar também colaborando para a promoção da formação integral sujeito Sobre esta última incidência Di Pierro e Silva 2003 apontam o esporte como um meio de educa ção para a vida que pode contribuir para o desenvol vimento integral e crítico do cidadão No entanto os autores alertam que para este fim o esporte deve ser entendido para além da formação atléticatécni cotática e priorizar valores como cooperação a parti cipação a solidariedade e a criatividade das crianças e jovens pp 147 além de considerar estes jovens como participantes ativos desse processo pelo qual estão envolvidos Nesta perspectiva é possível encontrar estudos que têm discutido a questão do esporte enquanto ferra menta auxiliadora na formação educacional do sujeito Llamas e Suárez 2004 apontam alguns dos valores pessoais e sociais possíveis de serem desenvolvidos por M S Mendes 287 Estudos de Psicologia 223 julho a setembro de 2017 285292 meio do esporte a saber desejo de superação inte gração respeito ao próximo tolerância respeito às regras perseverança trabalho em equipe superação de limites disciplina pessoal responsabilidade coope ração honestidade lealdade entre outros Estes valo res podem ser associados direta ou indiretamente ao fortalecimento e manutenção da autoestima do sujeito além corroborar para a realização pessoal e formação integral do mesmo No aprofundamento dessa discussão tornase necessário ter cautela ao se estabelecer uma relação entre esporte e educação já que assim como indicam Freire Cárdenas Manzano e Enriquéz 2014 tal rela ção é polissêmica e pode ser desenvolvida de diferentes formas a partir das concepções ideológicas que envol vem os termos educação e esporte Nessa mesma linha de pensamento Romera 2013 alerta para a necessi dade de não se estabelecer uma relação simplista de que a prática esportiva por si só garante a imunidade para o uso e abuso de drogas Nessa perspectiva mais crítica e ampliada sobre as relações entre prática esportiva educação e uso de substâncias psicoativas poucos estudos têm tratado sobre tal temática especialmente quando se referem as discussões construídas a partir de um diálogo com a experiência aplicada no contexto da atenção psicosso cial e promoção da saúde mental Diante dessa exposi ção o presente estudo se propôs a relatar a experiência desenvolvida a partir de um trabalho que utilizou a prá tica esportiva como instrumento no processo de reabili tação junto a usuários que buscavam tratamento para a dependência química em um centro de atenção psicos social álcool e outras drogas CAPSAD Para tanto após a exposição do método serão apresentados na sessão de resultados e discussão uma breve caracterização do trabalho dos usuários e dos profissionais juntamente com algumas reflexões sobre como a prática esportiva foi percebida no desenvolvimento do referido trabalho com os usuários Método Caracterização da Prática O trabalho foi desenvolvido junto aos usuários que buscavam tratamento em uma unidade do CAPS AD1 de uma cidade de grande porte do interior pau lista As atividades aconteciam uma vez por semana e duravam entre uma e duas horas por encontro A modalidade esportiva que foi utilizada nos encontros foi o futebol por escolha dos usuários e estes encon tros foram desenvolvidos em um campo próximo à ins tituição As atividades com o futebol realizadas na ins tituição aconteciam desde 2007 Contudo o presente estudo se incumbiu de descrever o relato da experiência vivenciada pelo autor durante o ano de 2012 período em que o mesmo participou das atividades em questão Os usuários eram provenientes de diferentes rea lidades sociais desde moradores de rua até jovens de classe de média com uma proporção maior de pessoas com renda inferior a dois salários mínimos e muitos deles apenas com trabalhos informais Quanto à tipo logia das drogas utilizadas os usuários buscavam tra tamento principalmente para a dependência de álcool cocaína e crack Todos os participantes eram do sexo masculino e devido à alta rotatividade de usuários na instituição é difícil apresentar um número exato sobre quantos participaram das atividades no referido período Entretanto é possível afirmar que havia pelo menos 15 usuários em cada encontro Todos os partici pantes eram do sexo masculino O grupo de profissionais responsáveis pela con dução das atividades era composto por dois psicólogos um enfermeiro um profissional de Educação Física dois estagiários de enfermagem e dois de psicologia Registro dos Dados Durante o ano de 2012 os dados referentes às observações e a experiência vivenciada eram registrados semanalmente logo após o término da prática do futebol Ao final desse período o autor construiu um relatório segundo o qual continha registrado todas as observações assim como uma análise de toda a experiência desenvol vida nesse período à luz da literatura conveniente com os fenômenos observados Parte desse material foi utilizado para a construção do presente estudo Cuidados Éticos na Exposição dos Dados A partir das considerações da resolução 4662012 que apresenta as diretrizes e normas regulamentado ras de pesquisas envolvendo seres humanos o pre sente relato de experiência considerou ser necessário estar apoiado nessas diretrizes especialmente no que se refere à exposição dos dados Especificamente tal exposição foi cuidadosamente construída de maneira a assegurar a confidencialidade e a privacidade dos par ticipantes envolvidos garantindo a não utilização das informações em prejuízo dos mesmos 288 Dependência química e fortalecimento psicossocial pelas práticas esportivas Estudos de Psicologia 223 julho a setembro de 2017 285292 Resultados e discussão A Dependência Química e a Exclusão Social como Fator de Vulnerabilidade Não apenas nos encontros das atividades com o futebol mas assim como em outras oportunidades de contato com usuários rodas de conversa conversas individuais estes por sua vez relataram o quanto a dependência química propiciou para que se sentissem excluídos de muitas esferas sociais Muitos perderam o contato com suas famílias e outros perderam seus empregos Este cenário foi percebido como um estado de significativa vulnerabilidade social Sob a ótica da exclusão social compreendese que este fenômeno é complexo e multifacetado e que envolvem dimensões materiais políticas relacionais e subjetivas Sawaia 2013a A autora conceitua a exclu são não como um estado mas como um processo que não apresenta uma única forma pois do ponto de vista da dialética este expressa um processo perverso que vai além de uma falha do sistema sendo portanto pro duto do funcionamento do sistema Ainda se tratando da questão da exclusão social Sawaia 2013b trata este processo a partir do conceito de sofrimento éticopolítico Baseada em alguns auto res como Heller Espinosa e Vigotsky a autora discorre que o sofrimento se diferencia da dor uma vez que a dor é definida como algo próprio da vida humana sendo assim inevitável Já o sofrimento é considerado como a dor mediada pelas injustiças sociais Sawaia 2013b Sob esta distinção o sofrimento está atrelado aos afetos e significados enunciados pela organização social sendo próprios e distintos segundo cada momento histórico A título de exemplificação a culpa e a vergonha são apre sentados em dado momento histórico como sentimen tos ligado à moral capazes de instituir e manter a ordem social excludente Heller citado por Sawaia 2013b Tal ordem excludente permeia o imaginário social contribuindo para que usuários de drogas se sin tam culpados e envergonhados por suas dependências MarquesTeixeira 2001 A culpa e a vergonha também são sentimentos experenciados pelos familiares dos usuários de drogas Siqueira et al 2012 fazendo com que tais sentimentos tendam a fomentar para que os mesmos se sintam cada vez mais sem direito a par ticipar de alguns contextos sociais Contudo a prática esportiva vem a contribuir em um sentido contrário às características de exclusão que este contexto pode provocar A próxima sessão tratará de expor com mais detalhes os benefícios desta prática Empowerment e Prática Esportiva Mecanismo de Proteção Frente aos Fatores de Risco Como apontado anteriormente o esporte teve um papel colaborativo não apenas em relação enfren tamento da exclusão social como também a outros fato res de risco O vínculo com o grupo o sentimento de cooperação de ajuda mútua e de unidade grupal pro porcionados pela prática esportiva foram percebidos como importantes mecanismos de proteção frente ao cenário de exclusão social percebidos neste contexto Como indicado por Llamas e Suárez 2004 estes e outros valores sociais proporcionados pelo desenvol vimento das práticas esportivas podem colaborar ao fortalecimento e manutenção da autoestima do sujeito assim como por sua realização pessoal Sendo assim a prática esportiva especialmente voltada ao contexto da drogadição tende a repercutir para o fortalecimento psicossocial de seus praticantes empoderando2estes usuários frente aos desafios e fatores de risco que mui tas vezes são inerentes às suas condições A título de exemplificação com o desenvolvimento de recursos de internos para o enfrentamento de recaídas e reutiliza ção de drogas Contudo os benefícios desta transformação do sujeito podem se estender não apenas para a proteção do usuário frente aos fatores de risco específicos ao contexto da dependência química mas na possibilidade de ampliar seu repertório de atuação nos ambientes sociais onde participa especialmente por meio de um posicionamento crítico nestes ambientes Ainda que esta proposta de transformação do sujeito possa se apresentar como um ideal norteador para as práticas interventivas é cabível apontar que as transformações em situações de vulnerabilidade são complexas e não podem ser entendidas apenas e exclusivamente sob a perspectiva do sujeito sem con siderar sua interação com o meio social em uma rela ção dialética e sóciohistórica Na perspectiva de Lane 2006 compreender o sujeito a partir dessa concepção significa superar a dicotomia indivíduogrupo já que o contexto social é anterior a existência do sujeito e com preender o mesmo separada de seu contexto pode sig nificar lançar mão de uma compreensão reducionista e por vezes equivocada Sendo assim o sujeito não é apenas produto das determinações exteriores e inte riores a si Mailhiot 2013 e necessita ser entendido a partir de sua relação dialética com o contexto social como produto e produtor tanto de sua história indivi dual quanto coletiva Lane 2006 M S Mendes 289 Estudos de Psicologia 223 julho a setembro de 2017 285292 Nesta perspectiva as intervenções direciona das às populações em vulnerabilidade social suscitam transformações deste contexto a partir da ação dos próprios integrantes com a comunidade pela qual estão inseridos Por este motivo intervenções desta natureza adquirem maior consistência quando apoiadas entre outros no conceito denominado empowerment Há uma discussão e preocupação na literatura a respeito do uso deste conceito em programas de pro moção da saúde Uma destas preocupações se deve ao fato da compreensão equivocada deste conceito princi palmente devido à complexidade implícita na concep ção de empowerment Segundo Carvalho 2004a a complexidade para o entendimento do conceito empowerment está asso ciada ao fato deste possuir raízes em vários campos de conhecimento No exercício da tradução do empower ment para os idiomas português e espanhol este tem se assumido como sinônimo de empoderamento apoderamento e emancipación O termo empode ramento não existe na língua portuguesa e já o termo apoderamento é sinônimo de dar posse apossarse conquistar Já as definições relacionadas ao verbo emancipar significam tornar livre independente Carvalho 2004a Ainda que o termo empowerment possa assumir múltiplos sentidos Carvalho 2004a aponta a necessi dade de compreensão deste conceito a partir de respos tas frente a questões aplicadas a este como O que está por trás desta categoria Qual teoria sobre poder este conceito se apoia Processos de empowerment devem se direcionar para mudanças individuais ou coletivas Qual a relação entre empowerment e a comunidade A partir destas e outras questões este autor reflete sobre duas concepções distintas sobre a categoria empower ment no ideário da Promoção à Saúde a concepção psicológica e a comunitária Segundo Carvalho 2004a 2004b o empower ment psicológico pode ser definido como o sentimento de maior controle sobre a própria vida que sujeitos venham a apresentar por meio do pertencimento a dife rentes grupos Sob esta concepção deriva a formulação de estratégias que visam à promoção deste sujeito com o intuito de fortalecer sua autoestima sua capacidade de adaptação ao meio e o desenvolvimento de meca nismos de autoajuda e solidariedade A figura do indiví duo sob o enfoque psicológico do empowerment reflete uma pessoa comedida independente autoconfiante e que seja capaz de influenciar o seu meio e atuar de acordo com os princípios de justiça e equilíbrio Rigger citado por Carvalho 2004b O empowerment comunitário trabalha com a noção de poder como um recurso material e nãoma terial distribuído de maneira desigual na sociedade Desta maneira esta estratégia defende uma postura ativa frente às determinações macro e microssociais de desigualdade social atuando assim como um pro cesso de redistribuição do poder nas esferas pessoais intersubjetivas e políticas O empowerment comunitário suscita a elaboração de estratégias que visem à promo ção de indivíduos e coletivos para que possam definir analisar e atuar sobre seus próprios problemas e sobre sua própria realidade Carvalho 2004a 2004b Aliado ao contexto da exclusão social outros fatores de risco foram percebidos durante o desenvol vimento das atividades A depressão a ansiedade a angústia e o declínio da autoestima também estiveram presentes dentre o relato dos usuários durante conver sas ao longo do período em contato com os mesmos Sendo assim o empowerment seja ele psicológico ou comunitário pode se apresentar como um importante instrumento pelo fato auxiliar o sujeito para lidar com estes fatores de risco de maneira mais construtiva e positiva uma vez que o considera como sujeito ativo em seu processo de promoção da saúde Ao final dessa experiência foi percebido um cres cente entusiasmo da maioria dos usuários pela prática esportiva Esse entusiasmo também esteve associado às mudanças corporais proporcionadas pela prática do futebol Alguns usuários disseram se sentir mais satis feitos com sua imagem corporal devido à perda de peso proporcionado pela prática esportiva e outros relata ram estarem mais dispostos e confiantes para a prática sexualafetiva junto às suas parceiras Conforme indicado por alguns estudos Marques Teixeira 2001 a dependência química pode gerar junto aos usuários sentimentos de culpa vergonha e incapa cidade frente à dependência Tais sentimentos podem acarretar em profundos prejuízos para constituição afetiva do sujeito fazendo com que muitas vezes esse indivíduo se sinta inseguro e fragilizado para poder par ticipar de muitos espaços sociais e de construir novos relacionamentos Como identificado na experiência com o futebol os usuários relataram o quanto se sentiram mais dispos tos e confiantes para a busca de relacionamentos afeti vos Ao estender a compreensão sobre o alcance desse resultado tornase necessário destacar a importância 290 Dependência química e fortalecimento psicossocial pelas práticas esportivas Estudos de Psicologia 223 julho a setembro de 2017 285292 desse aspecto dentro de um processo amplo e com plexo que é o da reabilitação psicossocial Frente aos fatores de risco que permeiam o contexto da droga dição risco de reincidência tristeza culpa vergonha entre outros o empoderamento de se sentir mais confiantes para a busca de novos relacionamentos e de outras fontes de prazer tendo em vista que a prá tica esportiva libera endorfina hormônio responsável pela sensação de prazer e bemestar pode funcionar como um importante fator de proteção Concomitante a esse aspecto o entusiasmo e a confiança podem atuar como um aspecto propulsor para maior engajamento no processo de reabilitação assim como contribuir para que os usuários se sintam mais fortalecidos para recu sar a reincidência no uso de drogas especialmente em momentos de vulnerabilidade Partindo do pressuposto de que a atenção psi cossocial e a promoção da saúde mental do sujeito que perpassa pela experiência da dependência química é um processo dinâmico e multifacetado carregada por muitas nuances e particularidades é necessário consi derar que as ações desenvolvidas em qualquer instância ou momento desse processo não podem ser concebi das e desenvolvidas de maneira pontual eou isolada Dessa maneira a potencialidade percebida pela prática esportiva desenvolvida por usuários do CAPSAD deve estar circunscrita em um planejamento ampliado que integre essas ações com outras que possam dar pros seguimento no processo de reabilitação do sujeito cor rendose o risco de minimizar o alcance das mesmas caso esse aspecto seja negligenciado Evidentemente que desenvolver tal planeja mento implica dentre outras questões em considerar processos de avaliação para que mais elementos pos sam ser instituídos de maneira mais eficaz dentro de uma leitura mais abrangente da reabilitação psicosso cial Contudo ainda que os modelos de avaliação sobre os efeitos da prática esportiva possam ter evoluído nas últimas décadas durante a experiência relatada no pre sente estudo não foram aplicados teste algum para veri ficar a influência dos efeitos da prática esportiva sobre os parâmetros que compõem a saúde dos usuários Tal limitação se configura em um dado significativo no que se refere em como a prática esportiva em um contexto específico como o da dependência química implica em uma formação específica por parte dos profissionais da saúde em especial do Educador Físico já que o uso de drogas ou mesmo de medicamentos podem compro meter o desenvolvimento físico e motor dos usuários fazendo com que a orientação para esse público seja cuidadosamente planejada Outro resultado significativo percebido durante esta experiência referese ao estreitamento e fortale cimento do vínculo tanto entre os participantes quanto entre os profissionais da saúde e os participantes Este estreitamento no relacionamento entre os usuários e profissionais da saúde foi compreendido como sendo de relevante importância pois se estenderam para outras atividades entre os mesmos na instituição como em uma maior participação nas rodas de conversas e na receptividade e aderência ao tratamento medicamen toso por parte dos usuários Sabese que a construção do vínculo em suas múltiplas interfaces usuárioprofissional usuáriou suário usuário família está estreitamente associado ao desenvolvimento de muitos aspectos na promo ção da saúde mental de usuários em tratamento por dependência química Nesse sentido percebeuse que o estreitamente dos vínculos desenvolvidos na prática do futebol poderia ter efeitos não apenas para o desen volvimento das relações institucionais estabelecidas no CAPSAD durante essa experiência mas também para outros contextos além da instituição Contudo esse não foi um fato constatado pelos profissionais durante essa experiência o que mais uma vez evidencia a necessi dade de se ampliar as ferramentas de avaliação dentro das atividades desenvolvidas no CAPSAD Por fim uma última contribuição percebida durante a experiência em questão se refere à questão sobre como as atividades desenvolvidas com o futebol aproximaram entre si os profissionais da instituição já que geralmente todos os profissionais participavam da prática esportiva junto com os usuários Entendese que o estreitamento do vínculo entre os próprios profissio nais da instituição também é um fator significativo a ser considerado já que pode refletir direta eou indireta mente nas questões relacionadas com a atenção psicos social e a promoção da saúde mental dos usuários do CAPSAD Considerações finais A dependência química tem se apresentado como grave problema no campo da promoção da saúde no Brasil Tal problema não se restringe as consequên cias que o uso de algumas substâncias pode provocar ao plano biológico A problemática é complexa e está arti culada as esferas psicológica social e cultural podendo implicar na acentuação da violência e das desigualdades M S Mendes 291 Estudos de Psicologia 223 julho a setembro de 2017 285292 sociais e econômicas uma vez que esta problemática muitas vezes gera efeitos em cadeia potencializando ainda mais as condições as condições de vulnerabili dade do sujeito frente as possibilidades transformação no contexto onde vive e participa O presente estudo com todas as limitações cabí veis procurou apresentar o relato de uma experiência profissional que utilizou o esporte como instrumento de fortalecimento psicossocial para usuários que buscaram tratamento para a dependência química Tal fortaleci mento se deu por meio do desenvolvimento dos valores pessoais e sociais inerentes a prática esportiva Refletir sobre o desenvolvimento destes valores pessoais e sociais por meio do esporte proporcionou deduzir medidas ao menos em duas frentes A pri meira se designa ao caráter profilático frente ao uso de drogas ou da reincidência do uso potencializando os recursos internos do sujeito e funcionando assim como mecanismo de proteção Outra frente pode ser apontada pela apropriação de tais valores como a per severança respeito ao próximo e desejo de superação e assim repercutindo para o direcionamento do trata mento para sujeitos que já fazem uso de drogas e são portanto usuários Sendo assim estas são propostas que não se encerram nesta discussão especialmente pelo fato de que a presente experiência se limitou a um grupo local com poucos participantes Pelo contrário pensar na interlocução da prática esportiva e o enfrentamento da problemática do uso de drogas requerem inferências de diversas áreas e segmentos A ampliação desta rela ção pode ganhar importantes contribuições mediante o aprofundamento que tal temática necessita e possibilita para o conjunto de ações a respeito da questão do uso de drogas Como direcionamento futuro seria importante que mais pesquisas em outras realidades possam ser desenvolvidas nesta área especialmente pela escassez de material científico específico na mesma A produção de material científico especializado poderá contribuir não apenas para o desenvolvimento acadêmico mas também proporcionar um suporte com mais consistên cia na formação de profissionais que trabalham cotidia namente neste contexto Referências Carvalho S R 2004a As contradições da promoção à saúde em rela ção à produção de sujeitos e a mudança social Ciência Saúde Coletiva 93 669678 doi 101590S141381232004000300018 Carvalho S R 2004b Os múltiplos sentidos da categoria empower ment no Projeto de Promoção à Saúde Cadernos de Saúde Pública 204 10881095 doi 101590S0102311X2004000400024 Carvalho T Nóbrega C L Lazzoli J K Magni J R T Rezende L Drummond F A Teixeira J A C 1996 Posição oficial da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte atividade física e saúde Revista Brasileira de Medicina do Esporte 24 7981 Recuperado de httpcevorgbrarquivobiblioteca4035532pdf Di Pierro C Silva F S 2003 Primeiro tempo do terceiro setor Projeto Social In K Rubio Org Psicologia do esporte teoria e prática pp 139154 São Paulo Casa do Psicólogo Duailibi L B Ribeiro M Laranjeira R 2008 Profile of cocaine and crack users in Brazil Cadernos de Saúde Pública 24supl 4 545557 doi 101590S0102311X2008001600007 Freire I A Cárdenas R N Manzano L A Enriquéz A R 2014 As faces do esporte na formação de valores EFDeportescom Revista Digital 19192 Recuperado de httpwwwefdeportes comefd192asfacesdoesportenaformacaodevaloreshtm Galduróz J C F 2001 Uso e abuso de drogas psicotrópicas no Brasil Revista IMESC 3 3742 Recuperado de httpwwwimesc spgovbrpdfartigo2022020USO20E20ABUSO20 DE20DROGAS20PSICOTRC393PICAS20NO20 BRASILpdf Galduróz J C F Caetano R 2004 Epidemiologia do uso de álcool no Brasil Revista Brasileira de Psiquiatria 26supl I 36 doi 101590S151644462004000500002 Kaup Merighi Tsunechiro 2001 Avaliação do Consumo de Bebida Alcoólica Durante a Gravidez Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia 239 575580 Kessler F Pechansky F 2008 Uma visão psiquiátrica sobre o fenô meno do crack na atualidade Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul 302 9698 doi 101590S010181082008000300003 Lane S T M 2006 O que é Psicologia Social Coleção Primeiros Passos 22ª ed São Paulo Brasiliense Llamas G R Suárez D C 2004 Los valores en el deporte Revista de Educación Educación y Deporte Madrid 335 920 Recuperado de httpwwwoeieshistoriconoticiasspip phparticle683 Mailhiot G B 2013 Dinâmica e gênese dos grupos atualidades das descobertas de Kurt Lewin Petrópolis Vozes MarquesTeixeira J 2001 Drogas e emoções Saúde Mental Revista 34 1931 Monteiro S S Vargas E P Rebello S M 2003 Educação pre venção e drogas resultados e desdobramentos da avaliação de um jogo educativo Educação Sociedade 2483 659678 doi 101590S010173302003000200018 Passos C B C 2011 Internações decorrentes do uso de substân cias psicoativas no Distrito Federal entre os Anos de 2000 e 2009 Dissertação de Mestrado Recuperado de httpwwwcpqamfio cruzbrbibpdf2011passoscbcpdf Resolução n 466 de 12 de dezembro de 2012 2012 12 de dezem bro Aprova diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos Diário Oficial da União seção 1 Ribeiro M Laranjeira R 2010 O tratamento do usuário do Crack São Paulo Casa Leitura Médica 292 Dependência química e fortalecimento psicossocial pelas práticas esportivas Estudos de Psicologia 223 julho a setembro de 2017 285292 Romera L A 2013 Esporte lazer e prevenção ao uso de drogas dos discursos equivocados aos caminhos possíveis Licere 164 119 Recuperado de httpsseerufmgbrindexphplicerearticle view400 Sawaia B 2013a Introdução exclusão ou inclusão perversa In B Sawaia Org As artimanhas da exclusão análise psicossocial e ética da desigualdade social 13ª ed pp 713 Petrópolis Vozes Sawaia B 2013b O sofrimento éticopolítico como categoria de análise da dialética exclusãoinclusão In B Sawaia Org As Artimanhas da exclusão análise psicossocial e ética da desigual dade social 13ª ed pp 99119 Petrópolis Vozes Siqueira D F Moreschi C Backes D S Lunardi V L Lunardi Filho W D Dalcin C B 2012 Repercussões do uso de crack no coti diano familiar Cogitare Enfermagem 172 248254 doi 105380 cev17i223518 Soares C B Jacobi P R 2000 Adolescentes drogas e AIDS avaliação de um programa de prevenção esco lar Cadernos de Pesquisa 109 213237 doi 101590 S010015742000000100010 United Nations Office on Drugs and Crime 2015 World Drug Report 2015 Recuperado de httpwwwunodcorgdocumentswdr2015 WorldDrugReport2015pdf 1 Centro de Atenção Psicossocial que oferece serviços especializados para tratamento de usuários com dependência química de álcool e outras drogas 2 O termo empoderamento e seus derivados não existem na gramática da língua portuguesa Contudo a utilização deste termo está apoiada em sua denominação original na língua inglesa empowerment como será explicado posteriormente Marcelo Simões Mendes Doutor em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual de Campinas UNICAMP é Professor do curso de Psicologia da Universidade Paulista de Campinas UNIP Endereço para correspondência Av Comendador Enzo Ferrari 280 Swift Campinas SP CEP 13045770 Telefone para contato 19 37764000 Fax 19 37764016 Email msmendesyahoocombr Recebido em 05Fev16 Revisado em 23Mai17 Aceito em 08Ago17 Portal dos Psicólogos ISSN 16466977 Documento publicado em 08062020 Kristine Kelly de Albuquerque Fabiana Josefa do Nascimento Sousa Thays Torres Cavalcante 1 SÓ QUEM PASSA É QUE SABE UM ENFOQUE ÀS RELAÇÕES FAMILIARES NO CENÁRIO DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA Trabalho de bacharelado no âmbito da disciplina de Psicopatologia 2019 Kristine Kelly de Albuquerque Bacharel em Psicologia pelo Centro Universitário do Vale do Ipojuca em 2017 Brasil kristinepsicologiagmailcom Fabiana Josefa do Nascimento Sousa Mestra em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento pela Universidade Federal de Pernambuco em 2008 Brasil fsousa2unifavipedubr Thays Torres Cavalcante Bacharel em Psicologia pelo Centro Universitário do Vale do Ipojuca em 2017 Brasil thays208hotmailcom RESUMO O ser humano influencia e é influenciado por diversas esferas a exemplo o meio social econômico subjetivo sistêmico entre outros As famílias se constituem enquanto grupo primário de inserção social do sujeito No cenário da dependência química a família é o primeiro e principal sistema afetado quando um sujeito nele se insere acarretando em consequências prejudiciais para a saúde e as relações dentre os membros O presente artigo pretende descrever a importância da participação familiar neste contexto a partir de revisão bibliográfica e apresentar os cenários das relações familiares antes e depois deste fenômeno realizando para tal uma leitura crítica e interpretativa do material encontrado sobre o tema Os resultados apontam que a dinâmica relacional familiar afeta e é afetada reciprocamente pela dependência química mas também que aquela pode ser um fator desencadeante para seu desenvolvimento Ainda foi percebido que os sentimentos experienciados por usuários e familiares são semelhantes ou iguais Palavraschave Relações familiares dependência química famílias Portal dos Psicólogos ISSN 16466977 Documento publicado em 08062020 Kristine Kelly de Albuquerque Fabiana Josefa do Nascimento Sousa Thays Torres Cavalcante 2 Copyright 2020 This work is licensed under the Creative Commons Attribution International License 40 httpscreativecommonsorglicensesbyncnd40 INTRODUÇÃO A virtude é quando se tem a dor seguida do prazer o vício é quando se tem o prazer seguido da dor Margaret Mead 1986 O presente estudo tem por objetivo geral descrever a importância da participação das famílias nos cenários de dependência química e por objetivo específico apresentar os cenários das relações familiares antes e depois deste fenômeno As reflexões foram baseadas em revisão bibliográfica de banco de dados e literatura de referência sobre o tema determinando a inclusão dos textos a partir da convergência com o tema que seria proposto pelas autoras Foram buscados textos online disponíveis na íntegra referenciando às relações familiares eou à dinâmica familiar e as repercussões da dependência química nesse contexto bem como se recorreu ao acervo físico da biblioteca da instituição de origem das autoras Os critérios utilizados para a exclusão dos textos foram não adequação da temática específica proposta e textos envolvendo grupos específicos como crianças adolescentes e pessoas em tratamento da dependência química devido às especificidades destes grupos Realizouse a leitura dos resumos dos trabalhos encontrados seguindo com a elaboração de fichamento dos materiais que atenderam aos critérios de inclusão Procederamse à análise comparação e avaliação do material levantado quanto à sua contribuição para o objetivo deste estudo A discussão dos temas que serão retratados será motivada por uma leitura crítica e interpretativa ensejando a construção de diálogos criativos e multidisciplinares para o enriquecimento dos saberes acadêmicos e profissionais A dependência química será tratada aqui pela atualidade e complexidade do tema que vem ganhando amplitude na sociedade e nos espaços de discussão de academias e distintas áreas profissionais devido ao reconhecimento de que este fenômeno se apresenta como um problema de saúde pública Suas repercussões afetam padrões difusos na vida dos sujeitos usuários bem como Portal dos Psicólogos ISSN 16466977 Documento publicado em 08062020 Kristine Kelly de Albuquerque Fabiana Josefa do Nascimento Sousa Thays Torres Cavalcante 3 na de seus familiares sendo a família o primeiro grupo social do indivíduo e também o primeiro a ser afetado nestas situações Entendese que as famílias podem se constituir como fator de risco eou de proteção para os seus membros afetando os modos de ser saudáveis ou não do sujeito Na contramão a família pode estabelecer modos de funcionalidade saudáveis ou não a partir da dinâmica relacional que os membros estabelecem entre si Assim a dependência química pode se instalar como uma característica necessária à família naquele momento para reformular a dinâmica desta ou pode surgir como uma necessidade do indivíduo para diferenciarse dos padrões da família Os modos estruturados nessa dinâmica relacional entre dependentes químicos e seus familiares é o objeto deste estudo AS VARIÁVEIS DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA A interação entre as drogas e o homem acompanha a própria história da humanidade passando por transformações quanto aos seus significados Como expõe Orth e Moré 2008 seu uso passou lentamente do caráter ritualístico com finalidade de transcendência na antiguidade ao consumo na atualidade pela busca de prazer alívio imediato de desconforto físico psíquico ou de pressão social estando presente em todas as classes sociais p 294 As drogas são substâncias que provocam alterações nas funções biológicas de nosso corpo e com o uso contínuo e frequente também ocasiona modificações em sua estrutura Drogas Psicoativas são substâncias que alteram o comportamento o humor e a cognição do indivíduo isto é afeta o Sistema Nervoso Central produzindo efeitos psíquicos e comportamentais Já as Drogas Psicotrópicas também atuam no Sistema Nervoso Central e modificam uma ou várias de suas funções no entanto elas agem nas chamadas áreas de recompensa do cérebro onde o sujeito utiliza as para obter prazer Estas não são sancionadas pela medicina são as drogas ilícitas ou ilegais Carlini Nappo Galduróz Noto 2001 Outra classificação das drogas comumente utilizada é a desenvolvida pelo pesquisador francês Chalout que as dividiu em três grandes grupos depressoras estimulantes e perturbadoras Carlini et al 2001 Os referidos autores destacam ainda as ações específicas que caracterizam cada um desses grupos As drogas depressoras atuam causando uma lentificação ou redução das atividades do Sistema Nervoso Central As drogas estimulantes provocam a estimulação ou aceleração das funções do SNC As drogas perturbadoras agem no aspecto qualitativo do funcionamento do SNC isto é produzem condições mentais que não são próprias do SNC tais como alucinações e delírios Portal dos Psicólogos ISSN 16466977 Documento publicado em 08062020 Kristine Kelly de Albuquerque Fabiana Josefa do Nascimento Sousa Thays Torres Cavalcante 4 Além disso é importante salientar que as características químicas das drogas não são as únicas responsáveis pelas modificações que ocorrem no corpo e na mente do indivíduo A interação SujeitoContextoDroga é essencial para a compreensão deste fenômeno como cita a Secretaria Nacional Antidrogas SENAD 2001 As alterações causadas por essas substâncias variam de acordo com as características da pessoa que as usa qual droga é utilizada e em que quantidade o efeito que se espera da droga e as circunstâncias em que é consumida p 8 Assim variáveis como a motivação para o uso o grau de estabilidade emocional e vulnerabilidade as características sociohistóricas culturais e econômicas e as propriedades químicas da droga bem como o tipo a quantidade e o efeito esperado são indispensáveis ao se pensar nesse assunto Cabe aqui uma breve reflexão em relação aos modos de se relacionar com as drogas em nossa sociedade SENAD 2001 Três fatores se enlaçam nessa reflexão a as drogas podem mudar o que sentimos Isto pode ser considerado um atrativo na medida em que as pessoas recorrem a distintas substâncias para aliviar seus sofrimentos Somase a isso o ideal da felicidade presente em nossa cultura onde qualquer tristeza deve ser evitada b o modelo de felicidade ligado ao consumismo A crença de que se pode comprar a felicidade está atrelada ao padrão de uso das drogas pois os usuários associam as drogas ao prazer imediato que ela propicia mas não têm em mente que a felicidade a qualquer preço pode cobrar um valor muito alto no futuro c as indústrias das drogas lícitas e a publicidade A tolerância às drogas lícitas na sociedade e o incentivo ao consumo através da publicidade somamse à indiferença quanto aos seus efeitos e ainda que tenham consciência destes as consomem porque é aceitável Mais uma questão que merece importância para o entendimento deste fenômeno são os casos de uso abuso e dependência de drogas Há uma certa confusão na sociedade acerca da diferenciação de tais termos principalmente quando se trata de drogas lícitas Deste modo por exemplo temse a tendência de achar que substâncias como o álcool já que são legalizadas não são tão problemáticas e prejudiciais quanto as drogas ilegais o que é um engano Assim observamos que na nossa cultura somos demasiadamente tolerantes com relação às drogas legalizadas álcool medicamentos fumo etc SENAD 2001 p 13 O uso experimental feito por curiosidade e o uso ocasional realizado de maneira esporádica geralmente não trazem consequências danosas SENAD 2001 O abuso acontece quando há uso recorrente ou contínuo de uma substância psicoativa uso este que é lesivo ou mal adaptativo levando a prejuízos ou sofrimento clinicamente significativos Tal uso produz prejuízos ao sujeito em sua vida O uso nocivo é mais restrito e vai além da noção de abuso pois referese a um padrão de uso que causa dano à saúde física ou mental do sujeito Dalgalarrondo 2008 pp 344345 Portal dos Psicólogos ISSN 16466977 Documento publicado em 08062020 Kristine Kelly de Albuquerque Fabiana Josefa do Nascimento Sousa Thays Torres Cavalcante 5 Assim sendo a dependência instalase apenas quando o sujeito não consegue controlar o impulso de usar a droga levando ao uso contínuo e frequente desta para se obter prazer SENAD 2001 Aqui há algumas características próprias como efeitos físicos e psicológicos decorrentes do uso presença de fissura desejo intenso de usar a droga tolerância o organismo acostuma se com a droga necessitando de quantidades cada vez maiores para sentir seu efeito e síndrome de abstinência sinais e sintomas que surgem após a redução ou interrupção do uso quando o consumo era sucessivo e repetido além do envolvimento afetivo com a droga onde o sujeito restringe seus interesses à obtenção e consumo da substância abandonando outras atividades de sua vida Dalgalarrondo 2008 Por se tratar de um fenômeno multifatorial de causas biopsicossociais a dependência química precisa ser discutida a partir das suas múltiplas dimensões No entanto neste estudo o foco será mantido em torno da família e das suas interrelações pois a família é o primeiro e principal sistema afetado quando um dos membros familiares passa a fazer uso de drogas lícitas eou ilícitas Maciel Zerbetto Filizola Dupas Ferreira 2013 p 188 E as famílias Refletindo sobre as influências e repercussões A família é considerada a base da sociedade pois é o primeiro grupo em que o sujeito se insere e é onde se aprende os valores básicos necessários à vida em coletividade As famílias são responsáveis pelo desenvolvimento físico e psíquico integral de seus membros e constituise no primeiro grupo de mediação do indivíduo com a sociedade ocorrendo aí os aprendizados sobre os costumes da cultura onde se insere Ainda conforme as produções históricas e o desenvolvimento das famílias estas adquiriram a função de procriação e educação de seus membros preparandoos para a posterior participação social enquanto cidadão Bock Furtado Teixeira 1999 Segundo Bock et al 1999 a família possui dois papeis fundamentais tem uma função social a de educar as novas gerações segundo padrões dominantes e hegemônicos de valores e de condutas p 249 e produtora de subjetividade pois a dinâmica familiar acaba por moldar as identidades e a personalidade do sujeito seja para igualarse ou diferenciarse dos demais membros Assim a família se configura em um sistema holístico onde seus membros elaboram uma dinâmica relacional objetivando a estabilidade familiar Maciel et al 2013 No cenário da dependência química a família pode se constituir em fator de risco eou de proteção para os seus membros Paz e Colossi 2013 reportam a esses fatores Portal dos Psicólogos ISSN 16466977 Documento publicado em 08062020 Kristine Kelly de Albuquerque Fabiana Josefa do Nascimento Sousa Thays Torres Cavalcante 6 Uma família acolhedora com limites definidos comunicação adequada promotora de afeto e proteção se apresenta como fator de proteção ao uso de drogas ao contrário uma família com distanciamento afetivo com dificuldade na comunicação e fronteiras pouco definidas pode favorecer tanto o uso de substâncias como a permanência ativa da dependência p 556 Zemel 2001 também traz algumas características que podem ser encontradas nas famílias com problemas de uso ou abuso de drogas e que também foram encontradas no estudo feito por Orth e Moré 2008 São esses indiscriminação de papeis dependência afetiva diferentes membros com diferentes níveis de adição impulsividade e imediatismo fantasias mágico onipotentes o problema como sina ou azar dificuldades na comunicação e nos limites presença de mitos e ausência de ritos familiares A autora ressalta para o risco de patologização Estamos falando da observação de muitos clínicos que trabalham com famílias pelo mundo Sabemos também que muitas famílias apesar de terem as características aqui citadas não desenvolvem o uso indevido de drogas Zemel 2001 p 47 Conforme Paz e Colossi 2013 que se fundamentam na abordagem familiar sistêmica o sintoma pode emergir para regular o sistema familiar mas também para denunciar os engodos familiares como coalizões e alianças p 556 Filho 2002 também reflete neste sentido ao expor o conceito de bode expiatório como um papel necessário à homeostase familiar onde o sujeito passa a adoecer e externalizar os problemas familiares não resolvidos Essa função é retratada por Zemel 2001 ao afirmar que o usuário representa para sua família como num palco a desorganização que ela vive p 58 Orth e Moré 2008 também apontam que o drogadicto pode atuar como o portador do sintoma da disfunção familiar Nestes casos o sujeito se responsabiliza pelo equilíbrio do sistema familiar denunciando suas falhas e faltas assumindo este lugar voluntariamente porém de forma inconsciente ou passando a assumir este lugar através da atribuição de culpa que os outros membros lhe incutem Orth e Moré 2008 refletem em direção à multiplicidade de modos que as famílias podem estabelecer como estruturalmente saudável para os seus membros Nem todas as famílias de dependentes químicos podem ser consideradas não funcionais no sentido de não ter fatores de proteção necessários para o desenvolvimento de todos seus membros Por sua vez cabe apontar no entanto que em muitas famílias com dependentes ocorre um processo de circularidade em que a não funcionalidade e o abuso de drogas reforçamse mutuamente mantendo assim a homeostase familiar que sustenta a presença desta nas relações familiares p 295 Portal dos Psicólogos ISSN 16466977 Documento publicado em 08062020 Kristine Kelly de Albuquerque Fabiana Josefa do Nascimento Sousa Thays Torres Cavalcante 7 Assim é importante dizer que cada família possui o seu modo de funcionamento se estruturando em função da saúde ou da doença a partir da interrelação de seus membros como corroborado por Maciel et al 2013 compreendese que é no interior da família que ocorrem as interações e os conflitos os quais possibilitam a sua organização e reorganização influenciando diretamente na saúde de seus integrantes p 188 Aqui o conceito saúdedoença é tido tal como apresenta Filho 2002 onde estes são resultantes do equilibro ou desequilíbrio entre o indivíduo o seu próprio existir e o meio ambiente no qual se insere p 177 Essa noção se fundamenta na dinamicidade das relações humanas rompendo assim com a concepção de causa e efeito que é comum nas ciências naturais No que tange às relações familiares e as repercussões advindas da dependência química diversos autores Aragão Milagres Figlie 2009 Maciel et al 2013 Medeiros Maciel Sousa TenórioSouza Dias 2013 Orth e Moré 2008 concordam quanto aos sentimentos que emergem nesta dinâmica sentimentos de vulnerabilidade desamparo frustração culpa angústia dúvidas medos negação vergonha raiva humilhação isolamento social da família atitudes agressivas desesperança agravamento de conflitos já existentes fragilização eou ruptura dos vínculos afetivos explicação do modelo moral estresse emocional sobrecarga de cuidados eou codependência surgimento de sintomasdoenças psicossomáticas perdas materiais e transição da conduta adicta entre os membros eou entre as gerações Entendendo a família enquanto um sistema integral onde o todo é maior que a soma de suas partes percebese que as relações são afetadas simultaneamente em uma via de mão dupla Maciel et al 2013 e Medeiros et al 2013 demonstram isto ao concordarem que os estados físico mental e moral do usuário afetam essas mesmas áreas em seus familiares e que os sentimentos vivenciados pelos familiares são semelhantes ou iguais aos que o usuário sente REFLEXÃO CRÍTICA Quando um bebê nasce de imediato ele é inserido em um ambiente onde passa a ser reconhecido como o mais novo integrante da família Seu desenvolvimento subjetivo se dará a partir de duas prédeterminações a cultura familiar e a cultura social Partindo das considerações acerca da noção de família concordase quanto à sua função na sociedade qual seja a de garantir a proteção e o desenvolvimento integral de seus membros e também quanto à sua função secundária implícita a de ser um espelho para a formação da identidade do sujeito isto é essas interações constroem a identidade do indivíduo a partir da identificação ou não deste com os padrões familiares com os quais convive Portal dos Psicólogos ISSN 16466977 Documento publicado em 08062020 Kristine Kelly de Albuquerque Fabiana Josefa do Nascimento Sousa Thays Torres Cavalcante 8 Essa absorção congruente ou não com os modelos familiares pode provocar a harmonia ou a desarmonia nestas relações Quando surgem os padrões desarmônicos e a família não consegue lidar com estes os conflitos inevitavelmente surgem A hipótese que foi proposta à nossa discussão foi a de que um evento específico a dependência química pode vir a surgir no cenário familiar como denúncia desta estrutura conflitante Verificamos durante os estudos que as famílias na sua singularidade elaboram modos de funcionamento saudáveis ou não saudáveis e que estes passam a estruturar tanto a dinâmica relacional entre seus membros como a subjetividade destes sujeitos Essas relações intrafamiliares são levadas aos outros grupos nos quais o indivíduo se insere no decorrer de sua vida Essa dinâmica invadida por estes conflitos pode acarretar em situações de dependência química por dois motivos o sujeito quer diferenciarse do grupo familiar busca a sua independência busca fugir desse modo conflituoso ou quer restaurar a harmonia familiar solucionar as divergências e as desavenças No primeiro caso é comum que os conflitos já existentes se agravem No segundo caso o indivíduo se torna o sintoma de uma família disfuncional e é comum que os pais ou familiares se coloquem ora como culpados ora como vítimas da situação A família é um dos principais pilares de um sujeito e quando este precisa de ajuda é com ela que deve contar Por esse motivo quando surgem situações que demandam cuidados ambos precisam absorver os papéis de se ajudarem mutuamente Acontece que ao entrar em uma dependência química o sujeito acaba respondendo com um comportamento diferente do habitual e com o tempo começam a acontecer desgastes em todas as áreas da sua vida especialmente na familiar A família é a primeira a sofrer tais repercussões e é a mais afetada porque está mais perto e tem uma relação afetiva muito densa Podemos assim salientar que além de trazer problemas físicos mentais e relacionais para si o usuário também prejudica essas mesmas áreas na vida dos seus familiares Tanto nas condições de luta e fuga como nas de atuação dos conflitos familiares é indispensável partir de uma compreensão holística para estas famílias O cenário da dependência química não pode ser entendido de forma isolada e reducionista no qual o sujeito é o único responsável por esta situação No entanto também não é de nosso intento culpabilizar estas famílias A reflexão parte da influência das interrelações entre os familiares e o usuário no entrecruzamento de emoções sentimentos e demandas e a proposta lançada é a de que a recuperação do dependente deve partir também do todo familiar onde todos possam se apoiar ajudar e modificar as relações em desequilíbrio Nesta direção o processo deve ser totalmente livre de julgamentos estigmas préconceitos e ser permeado por informações corretas comportamentos empáticos e apoio da rede social e de profissionais que atuem com uma visão humanizada Com visão humanizada pretendese dizer Portal dos Psicólogos ISSN 16466977 Documento publicado em 08062020 Kristine Kelly de Albuquerque Fabiana Josefa do Nascimento Sousa Thays Torres Cavalcante 9 uma atuação profissional que vá além da aplicação de técnicas e conhecimentos científicos rígidos que possa entender o ser humano como semelhante e consolide sua atuação em uma atitude de cuidado para com o outro cuidado este que é essência e estrutura do humano enquanto dimensão ontológica A técnica e a instrumentalidade presentes na atualidade se somam ao espírito de consumismo e imediatismo presentes nas famílias e nos demais grupos da sociedade Por um lado as pessoas estabelecem relações a partir do que o outro lhe pode ser útil Do outro lado as famílias se preocupam em adquirir bens materiais que preencham o vazio aberto pelas relações líquidas e superficiais educam os filhos com excesso de objetos e escassez de presença e contato afetivo roubamlhes a criatividade para o desenvolvimento da resiliência deixandoos cada vez mais frágeis lançados no mundo com uma raiz familiar pouco resistente Esse desvio se tornou necessário para que se possa compreender como o contato interno das famílias se transformou ao longo da história Hoje os limites do âmbito privado e do público se tornam cada vez mais esgarçados e as famílias se tornam carentes de relações humanizadas e de vínculos fortes Esse contexto se caracteriza em um fator de risco ao desenvolvimento do abuso e da dependência de substâncias psicoativas caso as famílias não consigam suprir essa demanda afetiva Essa situação pode ainda se somar a outro fator considerado de risco dentro das famílias que é a presença de conflitos que provocam a desarmonia da estrutura do lar O que se alega aqui além da presença de fatores de risco eou de proteção é a importância da rede familiar no desenvolvimento do sujeito Em se tratando da dependência química afirma se que esta surge sempre como uma denúncia seja indicando que o indivíduo está mal adaptado a algo seja indicando que a sua família é que está mal adaptada a algo Contudo em todos os casos a família precisa querer ajuda e se implicar nesse processo tanto quanto o dependente O trabalho desenvolvido nesta direção deve ser em cima da família do seu processo de estruturação bem como das dificuldades sociais e das relações interpessoais deste âmbito CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao se considerar o tema da dependência química tornase imprescindível analisar suas múltiplas dimensões bem como apreender que a interação entre o sujeito o contexto e a droga é a tríade basilar desse fenômeno Ao se referir às famílias e às relações estabelecidas sob o cenário da dependência química o estudo apontou alguns pressupostos que ocorrem em tais circunstâncias seja por motivação explícita do sujeito seja por necessidade implícita da família Portal dos Psicólogos ISSN 16466977 Documento publicado em 08062020 Kristine Kelly de Albuquerque Fabiana Josefa do Nascimento Sousa Thays Torres Cavalcante 10 O estudo fundamentado em revisão de literatura e em leitura crítica e interpretativa encontrou aportes ao que se refere que a dinâmica relacional familiar se estrutura de maneira singular em torno da saúde ou da doença doença aqui entendida como um desequilíbrio entre o sujeito sua existência e o meio ambiente circundante e que a dependência química pode surgir aí como uma tentativa de equalizar a harmonia e a estrutura saudável do grupo familiar Entendese que as famílias necessitam ser mais valorizadas enquanto espaço privilegiado de proteção e desenvolvimento dos seus membros e que a dependência química pode ser um quadro mais fácil de ser revertido quando a família se engaja neste processo enquanto uma rede de apoio e suporte Acreditase que o presente estudo traz contribuições quanto ao tema proposto bem como quanto a novas possibilidades de articulação entre a família e o usuário no processo de recuperação tanto do indivíduo quanto da rede familiar Ainda esperase que novos estudos com esta temática possam ser produzidos com o intuito de enriquecer e ampliar as alternativas de trabalhos entre as famílias e o usuário eou dependente Portal dos Psicólogos ISSN 16466977 Documento publicado em 08062020 Kristine Kelly de Albuquerque Fabiana Josefa do Nascimento Sousa Thays Torres Cavalcante 11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAGÃO A T M MLAGRES E FIGLIE N B 2009 Qualidade de vida e desesperança em familiares de dependentes químicos PsicoUSF v 14 n 1 pp 117123 janabr BOCK A M B FURTADO O TEIXEIRA M L T 1999 Família o que está acontecendo com ela In BOCK A M B FURTADO O TEIXEIRA M L T orgs Psicologias uma introdução ao estudo de psicologia 13ª ed Cap 17 pp 246260 São Paulo Saraiva CARLINI E A NAPPO S A GALDURÓZ J C F NOTO A R 2001 Drogas psicotrópicas o que são e como agem Revista IMESC nº 3 pp 935 DALGALARRONDO P 2008 Síndromes relacionadas a substâncias psicoativas In DALGALARRONDO P Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais 2ª ed Cap 33 pp 344351 Porto Alegre Artmed FILHO J M 2002 Doença e família In FILHO J M Concepção psicossomática visão atual 10ª ed Cap 8 pp 177194 Rio de Janeiro Casa do Psicólogo MACIEL L D ZERBETTO S R FILIZOLA C L A DUPAS G FERREIRA N M L A 2013 Consequências e dificuldades da dependência química no âmbito familiar uma revisão de literatura Revista Atenção Primária à Saúde abrjun 16 2 pp 187196 MEDEIROS K T MACIEL S C SOUSA P F TENÓRIOSOUZA F M DIAS C C V 2013 Representações sociais do uso e abuso de drogas entre familiares de usuários Psicologia em Estudo Maringá v 18 n 2 pp 269279 abrjun ORTH A P S MORÉ C L O O 2008 Funcionamento de famílias com membros dependentes de substâncias psicoativas Psicologia Argumenta outdez 26 55 pp 293303 Portal dos Psicólogos ISSN 16466977 Documento publicado em 08062020 Kristine Kelly de Albuquerque Fabiana Josefa do Nascimento Sousa Thays Torres Cavalcante 12 PAZ F M COLOSSI P M 2013 Aspectos da dinâmica familiar com dependência química Estudos de Psicologia outubrodezembro 18 4 pp 551558 SECRETARIA NACIONAL ANTIDROGAS SENAD 2001 Um guia para a família Brasília SENAD 36 p VINCENT JeanDidier 1986 La biologie des passions Odile Jacob Seuil ZEMEL M L S 2001 O papel da família no tratamento da dependência Revista IMESC nº 3 pp 4363 ARTIGO ARTICLE 2001 1 Departamento de Ciências da Saúde Núcleo de Atividade Física Saúde e Gerontomotricidade Centro de Ciências da Saúde e do Esporte CEFID R Pascoal Simone 358 Coqueiros 88080350 Florianópolis SC milasilveiraahotmailcom 2 Centro de Educação Física e Desportos Universidade Federal Santa Catarina Qualidade de vida autoestima e autoimagem dos dependentes químicos Drug users quality of life selfesteem and selfimage Resumo Estudo de corte transversal que objeti vou investigar a qualidade de vida a autoestima e a autoimagem dos dependentes químicos do Ins tituto São José São José SC A amostra por aces sibilidade foi composta de 100 pacientes do sexo masculino com média de idade de 430 107 anos que estudaram 84 37 anos sendo 48 casados estando internados ou em tratamento por um período mínimo de sete dias Os dependentes químicos quando não internados moram com es posas e filhos 23 são casados 48 empre gados 72 fazem parte do estrado B 58 já fizeram algo que se arrependem em suas vidas 57 e percebem a saúde como boa 57 Quan to à qualidade de vida o domínio ambiental ob teve o maior escore 65 e o psicológico o menor 58 Todos os pacientes tomavam medicamen tos e possuíam autoestima e a autoimagem baixas 77 e 96 respectivamente Observouse por meio de regressão logística a ausência de interfe rência da qualidade de vida sobre a autoestima e a autoimagem dos dependentes químicos A qua lidade de vida positiva não interferiu para mu danças na baixa autoestima e autoimagem dos dependentes químicos Palavraschave Qualidade de vida Usuários de drogas Saúde Abstract This crosssectional study aimed to in vestigate the quality of life selfesteem and self image among drug users of São José Institute in São José in the State of Santa Catarina The ac cessibility sample was comprised of 100 male pa tients with a mean age of 430 107 who had studied for a mean period of 84 37 years 48 of them were married and had been hospitalized or treated for a minimum period of seven days When the participants were not hospitalized they lived with wives and children 23 were mar ried 48 employed 72 were part of income level B 58 had done something they regret in their lives 57 and perceived their health as good 57 Regarding quality of life the highest scores were found in the environmental domain 65 and the lowest scores were in the psycho logical domain 58 All patients were taking medication and had low selfesteem and selfim age 77 and 96 respectively The absence of interference of the quality of life on selfesteem and selfimage of the drug users was observed by means of logistic regression Positive quality of life did not interfere in changes in low selfesteem and selfimage of drug users Key words Quality of life Drug users Health Camila da Silveira 1 Carolina Meyer 1 Gabriel Renaldo de Souza 1 Manoella de Oliveira Ramos 1 Melissa de Carvalho Souza 1 Fernanda Guidarini Monte 2 Adriana Coutinho de Azevedo Guimarães 1 Sílvia Rosane Parcias 1 2002 Silveira C et al Introdução Variáveis ambientais biológicas psicológicas e sociais atuam simultaneamente influenciando a tendência ao consumo de drogas levando à inte ração entre o agente droga o sujeito indivíduo e a sociedade e o meio contextos socioeconômico e cultural1 O desenvolvimento da dependência pode ser considerado parte de um processo de aprendiza gem A dependência é o resultado de uma intera ção complexa entre os efeitos fisiológicos das subs tâncias psicotrópicas no cérebro e o que o usuá rio interpreta daquela situação relacionandoa ao ambiente e consolidando como aprendizado2 Se uma pessoa consome uma substância e sente um efeito psicoativo altamente satisfatório ou re forçador mais provavelmente tal comportamen to se repetirá3 As consequências causadas pelo uso dessas substâncias químicas atingem tanto a qualidade de vida quanto a saúde individual e coletiva Causam alterações nos sistemas neuro transmissores e déficits cerebrais incluindo apren dizado verbal memória de curto prazo atenção funções executivas controle e seleção de resposta resolução de problemas e tomada de decisões4 Geram disfunções nos sistemas cardíaco e respi ratório problemas renais ansiedade depressão problemas de sono dificuldades financeiras e de relacionamento5 podendo originar violência6 De acordo com o segundo levantamento do miciliar de drogas psicotrópicas realizado no Brasil em 2005 observase uma quantidade muito grande de dependentes7 A dependência química pode levar a baixa qualidade de vida pois está diretamente ligada ao desequilíbrio entre a combinação do bemes tar psicológico e a saúde física8 A qualidade de vida é a percepção do indiví duo de sua posição na vida no contexto da cul tura e do sistema de valores nos quais vive e em relação aos seus objetivos expectativas padrões e preocupações9 Existem diversas pesquisas so bre sua importância no processo de tratamento pois certas atividades e avaliações promovem nos dependentes maior controle da ansiedade auto estima e autoimagem positivas e responsabilida de social levando à melhor qualidade de vida10 Diariamente centenas de indivíduos são en caminhados para clínicas especializadas em de sintoxicação de drogas Contudo sabese da efe tividade das intervenções para a manutenção da abstinência e recuperação de adolescentes11 Para a reconquista da qualidade de vida po sitiva os dependentes devem buscar a prevenção e o tratamento dos transtornos relacionados ao uso de substâncias psicotrópicas Estas ações proporcionam ao indivíduo a criação do hábito de observar seu comportamento identificando situações de risco fazendoo buscar novas es tratégias e facilitando o desenvolvimento da au toestima da autoconfiança e da autoajuda Cri am espaço para que o paciente busque sentido em suas próprias vivências na tentativa de en contrar uma resposta diferente que não a dro ga12 Entretanto são escassas as pesquisas que relacionam a dependência química com a auto estima a autoimagem e a qualidade de vida sen do o objetivo deste estudo analisar e comparar essas questões em dependentes químicos do Ins tituto São José em Santa Catarina SC Métodos Este estudo de corte transversal realizado no município de São José em Santa Catarina em 2009 foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pes quisa da Universidade do Estado de Santa Cata rina Todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido A amostra por acessibilidade foi composta de 100 pacientes do sexo masculino com média de idade de 430 107 84 37 anos de estudos variando de analfabetos ao ensino superior com pleto em tratamento na unidade Jelinek do Servi ço de dependência química do Instituto São José A idade média do primeiro uso de drogas foi de 163 52 anos 6 45 anos e idade do primeiro diagnóstico clínico de 342 115 anos 14 69 anos Estes pacientes já foram internados numa média de 46 53 vezes e por uma média de 167 106 dias O Instituto São José foi escolhido para amos tra por ser referência no tratamento de depen dência química em Santa Catarina A amostra foi composta apenas por homens pois a clínica não interna mulheres pelo Sistema Único de Saú de SUS e no privado era disponibilizado ape nas seis leitos Entretanto em todas as visitas as mulheres estavam impossibilitadas de participar do estudo Adotouse como critérios de inclusão ser de pendente químico internado por período míni mo de sete dias no Instituto São José com idade acima de 18 anos ter interesse em participar do estudo e assinar o termo de consentimento livre e esclarecido Os instrumentos utilizados foram anamne se contendo informações pessoais e característi 2003 Ciência Saúde Coletiva 18720012006 2013 cas clínicas questionário sobre a situação socio econômica da Associação Nacional de Empresa de Pesquisa13 Teste para Triagem do Envolvimen to com Drogas3 questionário sobre Percepção de Saúde Behavioral Risk Factors Surveillance System Questionair BRFSS14 e de Qualidade de Vida WHOQOL9 Todos foram aplicados em forma de entrevista A anamnese identificação pessoal foi com posta de seis perguntas para identificação pes soal sexo idade escolaridade estado civil mora dia e trabalho e sobre características clínicas rela cionadas ao início frequência e tempo do uso de drogas internação e atitude de arrependimento O instrumento para estratificar a Situação socioeconômica segundo seu poder de compra o qual classifica a população em classes econômi cas A B C D e E através da pontuação obtida e renda mensal considerado o principal instrumen to de segmentação da população no Brasil O teste para triagem do envolvimento com drogas ASSIST 20 contém oito questões sobre o uso de nove classes de substâncias psicoativas tabaco álcool maconha cocaína estimulantes sedativos inalantes alucinógenos e opiáceos A Qualidade de Vida foi mensurada por meio do WHOQOL World Health Organization Qua lity of Life abreviado que compõe os domínios físico psicológico social e ambiental Sua versão em português foi desenvolvida no Centro WHO QOL para o Brasil no Departamento de Psiquia tria e Medicina Legal da Universidade Federal do Rio Grande do Sul em Porto Alegre no Estado do Rio Grande do Sul Brasil sob a coordenação geral do Dr Marcelo Pio de Almeida Fleck9 O questionário desenvolvido por Steglich15 classifica a Autoestima e a Autoimagem É dividi do em quatro categorias A Orgânica envolve as dimensões genéticas morfológicas e fisiológicas a Social abrange o status socioeconômico as con dições de família e as realizações profissionais a Intelectual engloba escolaridade educação e su cesso profissional e a Emocional envolve a felici dade pessoal o bemestar social e a integridade moral O ponto de corte foi estabelecido a partir da multiplicação do total de questões da autoes tima 41 e autoimagem 37 pelos maiores es cores do questionário 4 e 5 Assim o intervalo de máximos e mínimos representa Alta autoesti ma e autoimagem enquanto valores abaixo des te intervalo foram considerados como Baixa au toestima e autoimagem Para a classificação das categorias orgânica social intelectual e emocio nal adotouse os pontos de corte Orgânica Baixa 13 a 51 pontos Alta 52 a 65 pontos Social Baixa 13 a 51 pontos Alta 52 a 65 pontos Intelectual Baixa 14 a 55 pontos Alta 56 a 70 pontos Emocional Baixa 42 a 167 pontos Alta 168 a 210 pontos A análise dos dados foi realizada no progra ma estatístico SPSS versão 160 Utilizouse es tatística descritiva Teste de normalidade Kolmo gorov Smirnov e Regressão Logística método Enter com nível de confiança de 95 Resultados De acordo com a entrevista 56 dos dependen tes possui ensino fundamental 29 ensino mé dio e 12 ensino superior Observase na Tabela 1 que as escolhas a res peito do estado civil sugerem uma vida solitária para os dependentes 52 entretanto levando em consideração o item moradia entendese que a maioria vive com familiares 82 e que pos sui emprego 72 o que favorece a inserção social Em relação aos fatores econômicos a maioria está entre a classe média e alta represen tadas pelos estratos A B e C Constatouse através das questões respon didas pelos dependentes químicos que a maioria 57 já fez algo de que se arrependem destes 17 por terem cometido ameaças ou agressões Região Norte n 601 Nordeste n 1680 CentroOeste n 673 Sudeste n 4107 Sul n 878 Tabaco 81 88 115 104 107 Tabela 1 Porcentagem de dependência de drogas entre os entrevistados do Brasil 2005 Maconha 02 12 06 15 11 Álcool 87 138 127 127 90 Estimulantes 02 02 02 01 03 Inalantes solventes 04 02 03 Hipnóticos benzodiazepínicos 03 02 08 02 Fonte Carlini et al 20067 2004 Silveira C et al para consumirem drogas e apenas 3 admiti ram que já cometeram algum crime violento A Tabela 2 reflete o julgamento dos depen dentes em relação à sua saúde sendo este positi vo em todos os itens questionados A percepção de saúde parece ser independente da ingestão de medicamentos pois 100 dos dependentes fa zem uso sendo o complexo vitamínico o mais comum 77 Segundo a Tabela 3 os resultados relaciona dos à média dos escores da qualidade de vida indicam que esta de uma forma geral pode ser considerada como boa Entretanto a média dos escores não ultrapassou 65 no quais o domí nio ambiental foi o que obteve o maior 655 122 enquanto o menor foi encontrado no do mínio psicológico 589 115 Na Tabela 4 é apresentado o resultado da au toestima e da autoimagem mostrando que prati camente todos os pacientes possuem autoestima baixa 96 Na autoimagem não foi muito dife rente o percentual de autoimagem baixa foi mai or 770 do que a autoimagem alta Nas cate gorias orgânicas e sociais a porcentagem foi pa recida no que diz respeito à inferioridade mos trando que 880 e 830 têm categoria orgâ nica e social baixa respectivamente Ao fazerse uso da Regressão Logística méto do Enter apresentada na Tabela 5 observouse que os coeficientes das variáveis dos domínios fí sico social psicológico e ambiental são nulos demonstrando pouca eficácia para o modelo com Variáveis Percepção de saúde Excelente Muito boa Boa Regular Ruim Comparação de saúde Muito melhor Melhor Semelhante Pior Muito Pior Problemas de saúde Sim Não f 7 4 57 28 4 4 35 38 21 1 45 55 70 40 570 280 40 40 350 380 210 10 450 550 Fonte Carlini et al 20067 TTTTTab ab ab ab abeeeeela 2 la 2 la 2 la 2 la 2 Percepção de saúde dos dependentes químicos Tabela 3 Qualidade de vida dos dependentes químicos Variáveis Domínio Físico Domínio Psicológico Domínio Social Domínio Ambiental n 100 100 100 100 Min 32 25 0 36 Média 618 100 589 115 649 211 655 122 Máx 93 93 100 89 Desvio padrão Variáveis Autoestima Baixo Alto Autoimagem Baixo Alto Categoria orgânica Baixo Alto Categoria social Baixo Alto Categoria intelectual Baixo Alto Categoria emocional Baixo Alto f 96 4 77 23 88 12 83 17 36 64 100 960 40 770 230 880 120 830 170 360 640 100 Tabela 4 Autoestima e autoimagem dos dependentes químicos Tabela 5 Regressão logística da autoestima e autoimagem com a qualidade de vida Variáveis Autoimagem Domínio Físico Domínio Psicológico Domínio Social Domínio Ambiental Autoestima Domínio Físico Domínio Psicológico Domínio Social Domínio Ambiental SE 0030 0035 0017 0031 0063 0064 0037 0055 B 0044 0092 0029 0056 0043 0100 0046 0023 p 0153 0009 0086 0071 0496 0119 0219 0684 2005 Ciência Saúde Coletiva 18720012006 2013 relação à autoimagem A única variável entretan to que apresentou contribuição no modelo foi o domínio psicológico p 0009 Ao se aplicar o mesmo método para a variável autoestima cons tatouse que os coeficientes das variáveis dos do mínios físico social psicológico e ambiental tam bém são nulos com p 0496 0119 0219 0684 respectivamente demonstrando a pouca eficácia do modelo O que podemos verificar é que os domínios da qualidade de vida de acordo com o modelo não interferem na autoestima e na auto imagem dos dependentes químicos Discussão O principal objetivo deste estudo foi analisar a qualidade de vida a autoestima e a autoimagem dos dependentes químicos do Instituto São José em Santa Catarina SC A respeito das características socioeconômi cas encontraramse dois artigos realizados com dependentes químicos que corroboram com este estudo os quais apresentaram percentuais pare cidos a respeito do estado civil 38 divorciados 2 viúvos 44 casados 33 separados e 21 solteiros1617 Diferentes foram os dados relativos ao em prego e nível de escolaridade Nesta amostra 72 dos dependentes químicos estavam empregados porém no estudo de Figlie et al16 encontraramse valores menores 49 diferenciandose do pre sente estudo Sobre a escolaridade não se tem homogeneidade na literatura No estudo de Oli veira et al17 57 dos pacientes tinham ensino fun damental 29 ensino médio e 13 ensino supe rior igualmente ao nosso estudo Na pesquisa de Figlie et al16 63 dos dependentes químicos pos suíam ensino fundamental incompleto e 2 ensi no superior completo Novamente valores me nores aos encontrados no presente estudo mos trando que os nossos participantes possuíam maior escolaridade e estavam empregados A percepção de saúde foi considerada boa por 57 dos dependentes químicos com 39 jul gandoa semelhante a de outras pessoas Deter minantes gerais sobre condições de vida e saúde estão diretamente ligados com a qualidade de vida individual e coletiva18 A autoestima e a autoima gem dos nossos participantes apresentaramse com escores baixos em ambas as variáveis As mesmas tiveram escores baixos representando 96 e 77 da amostra parecendo não influenciar na percepção de saúde do nosso estudo diferen temente do estudo de Maldonado et al19 Neste estudo os dependentes químicos apre sentaram um bom nível de qualidade de vida Pouco se tem investigado sobre a mesma nesta população o que evidencia a importância do presente estudo Estudos demonstraram que de pendentes de tabaco tiveram escores que varia ram de 592 a 721120 Assim como no traba lho de Aragão et al1 os nossos resultados de monstram que os dependentes químicos apre sentaram um bom nível de qualidade de vida Este foi observado em todos os domínios questi onados o que mostrase importante O equilí brio entre os quatro domínios da qualidade de vida é desejável pois alterações em um ou mais pode gerar mudanças na qualidade de vida21 Observouse também que a qualidade de vida não interferiu na autoestima e autoimagem dos dependentes químicos Este fato pode ter ocorri do pelas características socioeconômicas e de saúde dos dependentes boa condição de vida assistên cia familiar emprego e boa percepção da saúde A principal limitação ocorreu na escolha dos instrumentos por serem questionários au toaplicáveis Sabese que por vezes pode ocor rer um viés de memória nos os dependentes químicos e que no momento em que foram entrevistados estavam em condições de inter nação a qual possui peculiaridades Para mi nimizar estes problemas aplicaramse os mes mos em forma de entrevista Considerações finais Os aspectos interessantes deste estudo estão vol tados à ausência de correlação entre as variáveis Dependentes químicos internados podem ter um bom nível de qualidade de vida e uma percep ção de saúde positiva o que é surpreendente devi do às condições implícitas ao consumo de dro gas Também podem ter baixa autoestima e au toimagem situações psíquicas que não interferi ram na percepção deles de boa qualidade de vida Assim observouse que nem sempre existe uma ligação direta contrária e linear entre essas valências nesta população Condições socioeco nômicas influenciaram decididamente nesta ló gica como a assistência da família a capacidade de ter um emprego e os cuidados com a saúde recebidos na clínica especializada Parece que a maior dificuldade para os depen dentes é a aceitação de si mesmo representado pelo caráter psíquico autoestima e autoimagem Frente ao exposto há a necessidade de mais pesquisas que possam auxiliar o entendimento 2006 Silveira C et al dos fatores que interferem na dinâmica das vari áveis aqui estudadas permitindo assim uma atuação profissional que possa melhorar a au toestima e autoimagem dos dependentes quími cos O exercício físico promove mudanças posi tivas nestes aspectos porém deve ser estudado e prescrito especificamente para esta população Colaboradores C Silveira C Meyer GR Souza MO Ramos MC Souza ACA Guimarães e SR Parcias participa ram da concepção delineamento análise e inter pretação dos dados redação do artigo e aprova ção da versão submetida FG Monte participou da revisão do artigo e aprovação da versão sub metida Ferreira SE Tufik S Mello MT Neuroadaptação uma proposta alternativa de atividade física para usuários de drogas em recuperação Rev Bras cienc mov 2001 913139 Associação Brasileira de Estudos Populacionais ABEP Critério Padrão de Classificação Econômica Brasil Novo Critério Padrão de Classificação Eco nômica Brasil Belo Horizonte ABEP 2008 Center for Disease Control and Prevention CDC Behavioral risk factor suveillance system question naire Altanta CDC 1999 Steglich LA Terceira idade aposentadoria autoima gem e autoestima dissertação Porto Alegre Uni versidade Federal do Rio Grande do Sul 1978 Figlie N Fontes A Moraes E Payá R Filhos de dependentes químicos com fatores de risco bio psicossociais necessitam de um olhar especial Rev Psiq Clin 2004 3125362 Oliveira MS Araújo RB Pedroso RS Miguel AC Castro MGT Craving e dependência química con ceito avaliação e tratamento J bras psiquiatr 2008 5715763 Verdi M Caponi S Reflexões sobre a promoção da saúde numa perspectiva bioética Texto Contexto Enferm 2005 1418288 Maldonado RM Pedrão LI Castillo MMA García KSL Rodríguez NNO Autoestima autoeficácia percebida consumo de tabaco e álcool entre estu dantes do ensino fundamental das áreas urbana e rural de Monterrey Nuevo León México Rev La tinoAm Enfermagem 2008 16n esp614620 Castro MG Oliveira MS Moraes JFD Miguel AC Araujo RB Qualidade de vida e gravidade da depen dência de tabaco Rev Psiq Clin 2009 3426167 Pereira RJ Cota RMM Franceschini SCC Ribeiro RCL Sampaio RF Priore SE Cecon PR Contribui ção dos domínios físico social psicológico e am biental para a qualidade de vida global de idosos Rev Psiq Clin 2006 2812738 Artigo apresentado em 06082012 Aprovado em 20012013 Versão final apresentada em 04022013 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 Referências Aragão ATM Milagres E Figlie NB Qualidade de vida e desesperança em familiares de dependentes químicos PsicoUSF 2009 141117123 Aliane PP Lélio ML Ronzani TM Estudo compa rativo das habilidades sociais de dependentes e não dependentes de álcool Psicol Estud 2006 11183 88 WHO ASSIST Working Group The alcohol smok ing and substance involvement screening test AS SIST development reliability and feasibility Ad diction 2002 97911831194 Kolling NM Silva CR Carvalho JCN Cunha SM Kristensen CH Avaliação neuropsicológica em al coolistas e dependentes de cocaína Aval Psicol 2007 62127137 Almeida SP Silva MTA Histórico efeitos e meca nismos de ação do êxtase 34 metilenodioxime tanfetamina revisão da literatura Rev Panam Sa lud Pública 2000 86393402 Adorno RCF Uso de álcool e drogas e contextos sociais da violência SMAD Rev 2008 41110 Carlini EA supervisão II Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil estudo envolvendo as 108 maiores cidades do país 2005 São Paulo Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas Psicotrópicas CEBRID Universidade Fe deral de São Paulo 2006 Büchele F Coelho EBS Lindner SR A promoção da saúde enquanto estratégia de prevenção ao uso de drogas Cien Saude Colet 2009141267273 Fleck MPA Fachel O Louzada S Xavier M Cha chamovich E Vieira G Santos L Pinzon V Desen volvimento da versão em português do instrumen to de avaliação de qualidade de vida da organiza ção mundial da saúde WHOQOL100 1999 Rev Bras Psiquiatr 1999 2111928 Gordia AP Associação da atividade física consumo de Álcool e índice de massa corporal com qualidade de vida de adolescente dissertação Curitiba Univer sidade Federal do Paraná 2008 Dennis M Godley SH Diamond g Tims FM Ba bor T Donaldson J Liddle H Titus JC Kaminer Y Webb C Hamilton N Funk R The Cannabis Youth Treatment CYT Study Main findings from two randomized trials J Subst Abuse Treat 2004 273 197213 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 3 Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 p 0322 jul 2021 A INSERÇÃO DO PSICÓLOGO EM UMA COMUNIDADE TERAPÊUTICA PARA DEPENDENTES QUÍMICOS UM RELATO DE EXPERIÊNCIA1 Teresinha Aparecida Baretta2 Simone Isabel Jung3 Ana Paula Lazzaretti de Souza4 Resumo Este trabalho é fruto do relato de experiência de uma estagiária do curso de Psicologia durante o ano de Estágio Profissional em Psicologia Comunitária realizado em uma Comunidade terapêutica da região metropolitana de Porto Alegre O principal objetivo do estudo foi discorrer sobre a importância os benefícios e as dificuldades que o psicólogo abarca ao desempenhar seu trabalho na instituição Diante da complexidade que envolve o tema buscouse um entendimento relacionado aos motivos que influenciam a procura pelo uso de substâncias tóxicas e psicoativas Inicialmente será apresentada uma breve revisão teórica sobre o trabalho do psicólogo com dependentes químicos seguido de uma síntese sobre a origem do uso de drogas e o surgimento das comunidades terapêuticas Para tanto buscouse um entendimento sobre o viés da psicanálise a importância da função paterna e os motivos que levam o sujeito a alimentar esse comportamento danoso para o corpo e o psiquismo Procedimentos de intervenção e a acuidade do foco no grupo e no coletivo diante do trabalho da Psicologia Comunitária serão referidos a partir da descrição do relato de experiência Palavraschave Dependência química Comunidade terapêutica Psicanálise Psicólogo institucional Abstract This work is the result of the experience report of a trainee in the Psychology course during the Professional Internship in Community Psychology held in a therapeutic community in the metropolitan region of Porto Alegre The main objective of the study was to discuss the importance benefits and difficulties that the psychologist has when performing his work at the institution In view of the complexity surrounding the theme an understanding was sought related to the reasons that influence the demand for the use of toxic and psychoactive substances Initially a brief theoretical review of the psychologists work with drug addicts will be presented followed by a synthesis on the origin of drug use and the emergence of therapeutic communities To this end an understanding of the bias of psychoanalysis was sought the importance of the paternal function and the reasons that lead the subject to nurture this harmful behavior for the body and the psyche Intervention procedures and the sharpness of the focus on the group and the collective given the work of Community Psychology will be referred to from the description of the experience report 1 Artigo de relato de experiência apresentado ao Curso de Psicologia das Faculdades Integradas de Taquara FACCAT como requisito parcial para avaliação no Estágio Profissional em Psicologia Social e Saúde 2 Psicóloga Graduada pela FACCAT E mail teresinhabarettasoufaccatbr 3 Psicóloga Doutora em Psiquiatria UFRGS Docente e supervisora acadêmica da FACCAT e do ITIPOA Email simoneisabeljunggmailcom 4 Psicóloga Mestre e Doutora em Psicologia UFRGS Coordenadora do Curso de Psicologia da FACCAT Email anasouzafaccatbr 4 Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 p 0322 jul 2021 Keywords Chemical dependency Therapeutic community Psychoanalysis Institutional psychologist INTRODUÇÃO Para ser almejada e alcançada a singularização dependerá de que a forma das relações sociais e humanas na instituição parta da horizontalização como meta e em alguma medida seja vivida como exercício GOTI 1990 A definição de Instituição é segundo a literatura ampla e variada Podemos dizer que a instituição é um lugar onde o psicólogo pode trabalhar não somente doenças e cura mas com a promoção da saúde As instituições destinadas ao atendimento de cidadãos carentes estão constantemente ameaçadas pela falta de cuidado do Estado e também pela própria comunidade sob uma forma camuflada de rejeição Vivem constantemente ameaçadas à falência Na luta pela sobrevivência das instituições todos se sentem ameaçados a sociedade o atendente e o atendido O psicólogo poderá sentir certa dificuldade de trabalhar em uma instituição pois o ambiente é instável e alguns projetos desenvolvidos poderão ficar difíceis de serem colocados em prática BLEGER 1984 Pesquisas apontam que a dependência química é uma combinação multifatorial e envolve questões biológicas psicológicas e sociais Os fatores biológicos estão relacionados à genética podendo o sujeito apresentar procedência positiva para dependência química e vulnerabilidade psicofisiológica estudo das relações entre fenômenos psíquicos e fisiológicos Segundo alguns autores filhos de dependentes químicos apresentam chances aumentadas de desenvolverem transtornos psiquiátricos e maior risco para o uso de substâncias psicoativas Freud 1904 relacionou a psicopatologia da mania e do humor com o alcoolismo e a embriaguez catalogando uma base para a compreensão da busca por adições Para Freud é compreensível catalogar a fase oral do desenvolvimento com a fase adicta relacionando assim os impulsos mais regressivos do ser humano Os estudos de Winnicott 1978 mostram a importância de um pai continente que estabelece limites e favorece o controle da agressividade e o mecanismo da repressão As questões psicológicas envolvem questões interpessoais já preestabelecidas ao longo da vida enfatizando a infância e a adolescência cujo contexto familiar se relaciona com a constituição e o desenvolvimento da pessoa COSTA 2007 5 Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 p 0322 jul 2021 Diariamente é possível testemunhar o fenômeno do uso de substâncias psicoativas considerado como um problema de saúde mental e de segurança pública A utilização de tais substâncias tóxicas consiste em uma prática milenar realizada em diversos contextos históricos e em meios culturais dos mais diversos ao longo dos anos É um fenômeno que integra a lógica capitalista de mercado fazendo parte do avanço científico e tecnológico fomentando a industrialização distribuição e a venda de tais substâncias Todo esse avanço gera imenso lucro aos grupos que comercializam a droga que apesar de ilegal está inserida no sistema econômico social podendo ser considerado um produto democrático pois abrange todas as classes sociais e econômicas RIBEIRO 2009 As instituições que assistem dependentes químicos revelam uma compreensão sobre o fenômeno como uma doença curávelincurável falta de caráter falta de amor Ou seja o indivíduo que depende quimicamente de alguma substância é marcado pela falta Há de se considerar que é preciso ter cuidado ao diagnosticar um dependente químico para que não seja atravessado de juízo de valor e preconceito SCHIMITH MURTA QUEIROZ 2019 O presente trabalho irá abordar o relato de experiência da inserção da primeira autora em uma instituição para recuperação de dependentes químicos Os encontros com os dependentes químicos em recuperação foram realizados semanalmente e em grupo fruto de um estágio profissional com referencial teórico baseado na psicanálise A prática foi acompanhada a partir de supervisão acadêmica a fim de dar um suporte adequado e especializado para que as experiências dos atendimentos se tornassem o mais eficiente possível tanto para a estagiária quanto para o público atendido COSTA 2007 REVISÃO TEÓRICA O trabalho do Psicólogo comunitário na instituição É importante que o profissional que se insere em uma instituição se mantenha distanciado afetivamente dos demais profissionais e de todos os componentes da instituição como medida de segurança do ambiente Individualmente todos podem ser ótimas pessoas do ponto de vista pessoal e profissional mas não se deve esquecer que juntos ou separados no âmbito institucional há uma considerável exigência tanto do ponto de vista técnico quanto do ponto de vista ideológico Isso pode colocar os sujeitos frente a recursos defensivos concomitantemente comuns tais como fofocas aliciamentos intrigas formação de subgrupos criação de bode expiatório deslocamento da agressividade atenção e percepção seletivas emergência da desarmonia cognitiva etc O psicólogo com base nos treinamentos estudos e trabalho possui uma boa habilidade para o relacionamento e aceitação porém é recomendável manter uma 6 Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 p 0322 jul 2021 simpática neutralidade um envolvimento unicamente profissional e crescente capacidade de desligamento espontâneo É desejável que o psicólogo esteja constantemente disponível para apreciar as situações de diversos pontos de vista no ambiente profissional Tal sugestão pode ser percebida com antipatia por psicólogos iniciantes que pretendem formar laços de amizades e vínculos em particular no âmbito profissional pois é preciso ter atitude clínica e manter certo distanciamento a fim de não se implicar nos eventos que devem ser observados e estudados CASELLA 1993 A Inserção Ecológica propõe que o psicólogo tenha o objetivo de conhecer a realidade dos sujeitos inseridos no estudo realizado Mediante conversas informais entrevistas e observação do ambiente natural é possível acessar conteúdos do local estudado quando o material configura parte do que está sendo vivenciado assim como o espaço e as relações que acontecem no ambiente A metodologia da Inserção Ecológica implica em uma investigação que inclui os processos proximais na relação entre participantes trabalhadores da instituição pesquisador estudante e todos os envolvidos no ambiente institucional Bronfenbrenner 2011 Conforme o mesmo autor o desenvolvimento humano é um fenômeno compreendido a partir da importância da relação com os quatro elementos interrelacionais o processo a pessoa o contexto e o tempo O primeiro conduz o curso do desenvolvimento uma forma de interação duradoura entre a pessoa e o ambiente A pessoa compreendese como uma análise das características singulares do sujeito que está em ativa participação com o meio O contexto é formado por quatro níveis de sistemas ambientais microssistema mesossistema exossistema e macrossistema O tempo referese ao desenvolvimento podendo ser um tempo de curso próprio da vida ou histórico KOLLER MORAIS PALUDO 2016 Esperase que o psicólogo seja um conhecedor do relacionamento humano Essa é a ferramenta de trabalho do psicólogo Supõese que não caia nas armadilhas que o ambiente de trabalho possa preparar no qual deve ativamente atuar Toda criatividade será necessária para evitar cair em alguma artimanha É preciso ficar atento a uma capacidade de inventar novas formas de relação ao mesmo tempo em que é importante fixar e cristalizar formas de relação O psicólogo portanto ao ingressar em uma instituição deve manterse razoavelmente desprendido e imparcial em face ao grupo humano com quem vai trabalhar a fim de ajudar a própria equipe a perceber situações que o envolvimento pessoal não tolera descobrir LAPASSADE 1987 Um breve histórico sobre dependência química 7 Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 p 0322 jul 2021 O consumo de drogas existe desde os mais primórdios tempos da história do homem e em praticamente quase todas as culturas mundiais A curiosidade o desejo de transcendência a busca pela imortalidade por prazer pela sabedoria são alguns dos motivos que impulsionam desde sempre a busca pelo uso de algum tipo de substância psicoativa capaz de modificar o estado de consciência do usuário DÉA et al 2004 Durante a Idade Média a Igreja Católica que possuía grande poder nesse período com relação aos aspectos religiosos econômicos e sociais passou a condenar o uso de plantas consideradas diabólicas e vistas como sinônimo de feitiçaria A única droga permitida era o álcool mais precisamente o vinho que até hoje simboliza o sangue de Cristo No final da Idade Média os princípios da medicina não deram conta da peste bubônica e a Europa viveu tempos de medos sofrimentos e mortes A partir de então uma nova forma de conceber a doença associada a diversos fatores que fizeram parte da situação histórica da época levou à emergência de um novo olhar sobre a demanda da saúde e da doença da relação entre as mesmas e também o uso de drogas PRATTA 2009 Com o Renascimento final e início do século XV com a gradativa queda do poder e da influência exercida pela Igreja Católica em todos os domínios da sociedade e a possibilidade do contato com outras culturas em que velhos conhecimentos farmacológicos haviam sobrevivido permitiu uma retomada gradual do uso de drogas possibilitando também um grande avanço científico e uma necessidade pela busca do saber surgindo aqui a ciência moderna Surgiram então novas normas e regras específicas para a produção do conhecimento A observação a descrição e a classificação delimitaram esse paradigma e as ideias da experiência e da intervenção agruparamse no pensamento moderno No século XVII Descartes levou os médicos da época a direcionarem a atenção para a máquina corporal para o biológico deixando de lado os aspectos psicológicos sociais ambientais corroborando assim com uma visão reducionista da doença Nessa época surge então o modelo biomédico que permaneceu na área da saúde por mais ou menos quatro décadas Essa nova concepção dá espaço para a interpretação do sinal físico do sintoma e todo um sistema de classificação das doenças PRATTA 2009 Com relação às drogas no decorrer do século XVIII ocorreu uma redução na perseguição aos sujeitos considerados hereges e isso propiciou uma volta do uso médico e lúdico das drogas os avanços médicos apontavam a necessidade de usar medicamentos No início do século XIX alguns cientistas conseguiram isolar os princípios ativos de inúmeras plantas passando a produzir determinados fármacos com a cafeína cocaína morfina codeína barbitúricos entre outros Foi nesse período que surgiu o éter clorofórmio e óxido nitroso Foi 8 Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 p 0322 jul 2021 no início desse século também que surgiu a psiquiatria considerada no domínio auxiliar da medicina Um modelo biomédico que discutia questões relacionadas aos problemas mentais a partir das causas orgânicas no caso das lesões cerebrais Essa época contribuiu para encobrir valores e poderes por conta de casos de exclusão e morte social uma vez que o paciente era excluído da convivência familiarsocial e encarcerado perdendo muitas vezes até sua própria identidade Surgiram então muitos hospitais psiquiátricos que davam conta dos mais variados problemas relacionados à saúde mental ou que deveriam ser banidos da sociedade por mau comportamento doenças contagiosas ou usuários de drogas A partir do século XX as transformações no processo saúdedoença e o uso de substâncias psicoativas ostentam dimensões alarmantes tendo em vista um complicado problema em termos de saúde pública exigindo assim intervenções particulares PRATTA 2009 A droga pode fascinar alguns usuários mas falar sobre o abuso de substância química pode provocar certo desconforto nos pais e educadores e até mesmo em quem usa Os motivos que levam à procura por algum tipo de substância são os mais variados e o uso modifica o estado de consciência do usuário interfere no funcionamento dos neurotransmissores e provoca alterações e distúrbios no comportamento DÉA et al 2004 Já as políticas públicas de saúde direcionamse basicamente ao usuário falhando na assistência adequada para os familiares que sofrem com os cuidados oferecidos especificamente ao dependente químico mas a família participa do processo de tratamento e posteriormente da inserção social do dependente químico em recuperação Portanto é importante avaliar e identificar o sofrimento dos familiares próximos para que consigam dar suporte ao dependente químico MACIEL SILVA PEREIRA DIAS ALEXANDRE 2018 Breve histórico sobre Comunidade Terapêutica As primeiras Comunidades Terapêuticas CT surgiram na GrãBretanha na década de 1940 e eram utilizadas para atenção a pessoas com problemas de saúde mental a princípio com militares que retornavam da guerra com alguma dificuldade psicológica e eram atendidos em hospitais gerais por psiquiatras Até hoje algumas Comunidades Terapêuticas seguem o modelo preconizado pelos Alcoólicos Anônimos AA surgido em 1935 nos Estados Unidos fundado por Bill Wilson Corretor da bolsa de valores de Nova Iorque e Robert Holbrook Smith mais conhecido como Dr Bob médico cirurgião O método do AA está fundamentado em Os Doze Passos e Doze Tradições O programa baseiase na abstinência completa e embora não esteja diretamente ligado a nenhuma seita ou religião faz menção a Deus e ao Poder superior utilizando essas prerrogativas na condução do tratamento dos usuários de 9 Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 p 0322 jul 2021 drogas O interesse pelo tratamento com dependentes químicos teve início com o Dr Bob que ingressou ao corpo médico no Hospital Saint Thomas na cidade de Akron No Brasil as CTs estão vinculadas a algum tipo de religião principalmente às igrejas evangélicas e católicas No ano de 1968 surgiu no Brasil especialmente na cidade de Goiânia a primeira Comunidade Terapêutica denominada Desafio Jovem originária de um movimento religioso evangélico Em 1978 na cidade de Campinas foi fundada a CT Senhor Jesus coordenada por um padre missionário americano De acordo com o Glossário de álcool e drogas as CTs são caracterizadas por um ambiente estruturado no qual os sujeitos com algum tipo de transtorno por uso de substâncias psicoativas residem na busca por reabilitação se mantendo assim isolados geograficamente por certo período Uma vez internado o residente se compromete com o programa de tratamento da instituição que pode durar em média de seis a doze meses dependendo do critério criado pelo estabelecimento Atividades laborais terapêuticas e religiosas são tarefas diárias e fazem parte da rotina dos residentes As visitas familiares acontecem geralmente uma vez por mês em datas definidas pelo local Alguns familiares participam de grupos como o Amor Exigente que funciona desde 1984 e atua dando apoio e orientação aos familiares de dependentes químicos FOSSI GUARESCHI 2015 A visão da Psicanálise diante do uso de substâncias tóxicas No âmbito da psicanálise o sujeito que procura o recurso às drogas pode ser entendido como aquele que busca por uma resposta para o malestar que é inerente tanto ao processo de formação das sociedades e culturas como à própria constituição psíquica que compõe o ser humano Segundo o criador da psicanálise Freud 19301996 tanto o desenvolvimento das civilizações quanto o psiquismo impõe sacrifícios à sexualidade e à agressividade componentes do humano e dessa forma torna a vida demasiadamente árdua Para suportar tais sacrifícios o sujeito deve lançar mão do que Sigmund Freud chamou de medidas paliativas que pode ser classificada em três tipos os derivativos poderosos as satisfações substitutivas e as substâncias tóxicas Para Freud o método mais atraente de evitar o sofrimento é o uso de substâncias tóxicas por conta de agirem diretamente sobre a química do corpo e assim tornar os homens insensíveis à própria desgraça pois o sofrimento nada mais é do que uma sensação e só existe na medida em que o sentimos e só sentimos como consequência de certas maneiras pelas quais nosso organismo está regulado Desse modo certas substâncias tóxicas em atividade com o sangue ou tecidos do corpo provocam uma sensação de prazer alterando assim as condições que conduzem a sensibilidade evitando receber impulsos desagradáveis Embora considere um recurso para alívio da dor psíquica Freud referese a esse fenômeno 10 Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 p 0322 jul 2021 utilizando o termo intoxicação um meio da procura pela felicidade e realização da busca do princípio do prazer ou intoxicação crônica como um consolo para aquele que fracassa em alcançar essa finalidade pelo caminho da neurose FREUD 19301996 É possível que alguns sujeitos que tiveram uma infância mais instável estejam mais propensos a abusar de diversos tipos de substâncias inclusive a automedicação para suavizar sintomas psiquiátricos a fim de se proteger de esforços psicoterapêuticos Os usuários de drogas têm maiores chances de ter transtornos psiquiátricos coexistentes significativos A psicanálise entende que os abusos de substância expressam comportamentos defensivos e adaptativos numa tentativa de reforçar as defesas do ego contra afetos intensos como raiva vergonha e depressão Investigadores psicanalíticos compreendem o adicto mais como reflexo de um déficit de autocuidado do que como alguém com impulso autodestrutivo GABBARD 2016 O sujeito que se habitua a abusar do uso de substâncias psicoativas faz tentativas desorganizadas e frustradas de tentar organizar e equilibrar o meio interno mundo intrapsíquico e o ambiente externo mundo real percebido pelo sujeito A manutenção desse comportamento é utilizada como forma de regular algum tipo de desconforto psicológico como ansiedade depressão sentimentos de raiva e angústias Para lidar com a frustração o indivíduo adota medidas extraordinárias na busca por drogas poderosas a serviço de regular sua vida na adolescência ou fase adulta quando algo ficou falho ou fragilizado na fase precoce do desenvolvimento O dependente químico utiliza então substâncias psicoativas para se proteger contra afetos confusos ou dolorosos que causaram danos estruturais na sua personalidade PECHANSKY LUBORSKY 2005 Costa 2007 pontua que a escola Kleiniana tenta explicar que a dependência química seria uma fuga para a dor a depressão e para sentimentos persecutórios Principalmente quando a idealização da droga adquire maior intensidade naqueles que se deparam com fixação no objeto primário conhecido na psicanálise como posição esquizoparanóide que ocorre quando há uma separação hostil do bebê do seio materno O adicto então entra num processo de evitação da posição depressiva com o uso de drogas na expectativa de encontrar o prazer absoluto Esse processo faz com que o dependente químico encontre dificuldade em diferenciar a sensação fisiológica que o prazer proporciona com os prejuízos que ela causa A Psicologia Comunitária o foco no grupo e no coletivo A comunidade é um lugar digamos assim calmo aconchegante acolhedor e confortável É um espaço cálido onde é possível relaxar e confiar no que está sendo dito Há segurança na 11 Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 p 0322 jul 2021 maior parte do tempo e as discussões são abertas com livre expressão Os discursos são amigáveis e há uma vontade coletiva de melhorar as vidas em comum Comunidade sugere coisa boa pura e simples Evoca tudo o que sentimos falta e o que precisamos para viver protegidos e confiantes É o tipo de mundo ideal do qual uma sociedade gostaria de pertencer mas está longe de ser alcançado é um paraíso perdido mas ainda esperado A dura realidade é que a comunidade ideal exigiria uma obediência em troca dos serviços prestados Há um preço a pagar por privilégios A liberdade tem um alto custo ganhar algo sugere perder algo BAUMAN 2001 O trabalho com grupos vem crescendo cada vez mais nos espaços institucionais Grupos de trabalho pedagógicos comunitários de lazer psicoterapêuticos ou de outra natureza implicam uma necessidade de ampliação do saber sobre essa área considerada privilegiada no campo da Psicologia Social O homem entendido como um ser constituído socialmente e historicamente por meio das relações sociais estabelecidas concebe o grupo como um trabalho que media uma tarefa que une e diferencia seus membros num objetivo coletivo na busca por cooperatividade responsabilidade interesses em comum e atingimento de metas O coordenador do grupo numa perspectiva psicanalítica tem um importante papel como figura transferencial pois é desejável que goste e acredite no grupo que capta o que o coordenador pensa ou sente Este deve sentir amor por suas verdades com base na confiança na criatividade e na liberdade de expressão Precisa também ter coerência senso ético respeito pelas características dos participantes paciência flexibilidade mental comunicação verbal clara e objetiva empatia e habilidade na integração dos opostos ANDALÓ 2001 As Rodas de Conversa facilitam o diálogo em grupo e consistem em uma técnica de participação coletiva de debate na qual todos podem expor seus conflitos angústias e expectativas Normalmente os tópicos são prédeterminados mas em se tratando de Psicologia Comunitária é relevante destacar aqui que os assuntos emergem do grupo e os sujeitos se expressam opinam e escutam uns aos outros e a si próprio por meio do exercício reflexivo Um dos objetivos da Roda de Conversa é socializar saberes e promover a troca de experiências entre os envolvidos na expectativa de construir e reconstruir novos conhecimentos MOURA LIMA 2014 As instituições que oferecem terapia comunitária mostram de modo geral que a prática é expressiva e eficaz para gerenciar o sofrimento dos que estão tentando se recuperar e se afastar das drogas Todavia há de se avaliar o impacto positivo negativo e as contribuições que os serviços oferecidos por Comunidades Terapêuticas causam nos usuários tanto a nível de 12 Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 p 0322 jul 2021 ansiedade e depressão assim como os instrumentos utilizados pelos profissionais LEMES NASCIMENTO ROCHA ALMEIDA VOLPATO LUIS 2020 Outro ponto importante a ser mencionado aqui é sobre o reconhecimento da importância da natureza dos vínculos que unem as pessoas que fazem parte de um grupo Originalmente a palavra vínculo significa união com características duradouras Alude alguma forma de ligação entre as partes que estão unidas e claramente delimitadas entre si Em qualquer tipo de grupo é memorável que cada indivíduo seja reconhecido e aceito incondicionalmente e se sinta pertencente ao grupo ZIMMERMANN 2000 O trabalho do psicólogo no âmbito institucional requer espaços de reflexão sobre suas atuações além de formação continuada para que as intervenções possam ser efetivas às demandas sociais Nos contextos de atuação comunitária em que o psicólogo oferece seu trabalho é imprescindível pensar em intercessões psicossociais que pensem o grupo social e sua organização O objetivo das intervenções é precisamente diminuir ou precaver situações de vulnerabilidade melhorando condições humanas e isso requer uma abordagem interdisciplinar com ampla multiplicidade de conhecimento humano PAIVA YAMAMOTO 2010 MÉTODO Fontes Este artigo foi construído a partir da inserção da estagiária no contexto de estágio profissional o qual ocorreu em um serviçoescola que foi dividido na área social e na área da saúde Esse relato referese ao estágio na parte da área social em Psicologia Comunitária O estágio acontecia semanalmente na Comunidade Terapêutica As intervenções duraram em média uma hora e meia eram sempre grupais com residentes do sexo masculino e com foco nas demandas do grupo Participantes A quantidade de participantes variava a cada semana Todos os residentes na CT são do sexo masculino acima de dezoito anos de idade encaminhados pelo Sistema Único de Saúde SUS por meio do Centro de Atenção Psicossocial CAPS não sendo permitido o ingresso de pessoas do sexo feminino para internação A instituição acolhe pessoas da região e de outras cidades O máximo de integrantes nos grupos ao longo do período de estágio foi de quinze participantes e o mínimo foi de seis 13 Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 p 0322 jul 2021 Instrumentos A construção do presente trabalho depende exclusivamente dos instrumentos utilizados durante o estágio profissional Observação do ambiente físico e observação dos sujeitos inseridos na Comunidade Terapêutica Observação durante os diversificados momentos de atividades realizadas na instituição Acompanhamento da rotina dos residentes em diversos momentos do dia e da noite inclusive em alguns finais de semana durante as visitas das famílias Também entrevistas com a equipe técnica Escuta Psicológica Rodas de Conversa Dinâmicas de Grupo Reuniões formais com a equipe técnica Conversas informais no ambiente institucional Fichas de Relatos semanais sobre o estágio Supervisão Acadêmica Procedimentos de Intervenção A instituição foi fundada no ano de 1997 e tem por finalidade promover saúde assistência social e o amparo aos dependentes químicos e seus familiares desenvolvendo o resgate moral ético espiritual e humano favorecendo uma nova perspectiva de vida aos pacientes por meio de um programa humanitário O trabalho na Comunidade Terapêutica envolve o processo terapêutico capaz de recuperar a prática da cidadania e a inserção social A finalidade da presente CT é promover saúde assistência social e amparo aos dependentes químicos e seus familiares desenvolvendo o resgate moral ético espiritual e humano auxiliando os indivíduos na construção de novas perspectivas de vida por meio de um programa humanitário Visando a observar o local e como funcionava a instituição a estagiária participou durante o primeiro semestre de práticas já préestabelecidas pelo local em momentos e datas diferentes do horário habitual de estágio para maior compreensão do funcionamento da própria instituição e de seus componentes Objetivando observar o comportamento dos integrantes do grupo e desenvolver atividades com a maior participação possível dos residentes foi desenvolvido para o segundo semestre um plano de atividades semanais no qual é intercalado semanalmente momentos de rodas de conversa e dinâmicas de grupo visando à colaboração e a participação dos envolvidos para um resultado colaborativo e positivo para todos os envolvidos no processo As intervenções realizadas pela estagiária foram escutas psicológicas breves pontuais formais e informais participação nas reuniões de equipe visitas durante os domingos destinados à visitação dos familiares cujo objetivo é observar as famílias os residentes que recebem suas visitas e o comportamento dos residentes que não recebem visitas rodas de conversa em grupo dinâmicas de grupo Em um primeiro momento aconteciam as observações e a participação da estagiária durante as atividades já préestabelecidas pela instituição 14 Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 p 0322 jul 2021 Posteriormente foram realizadas rodas de conversa para escuta das demandas e as possíveis propostas para futuras intervenções sugeridas pelo grupo A conversa segundo Moura e Lima 2014 é um espaço para trocas de experiências de convivência consolação e alívio das tensões É um momento para apresentar novos caminhos e oferecer um processo de escolhas Uma possibilidade de reviver períodos da vida e compartilhar de ricos conteúdos carregados de significados A participação da estagiária durante a leitura e discussão de Os Doze Passos possibilitou reflexões por parte dos residentes e também da terapeuta que mediava o diálogo durante os comentários sobre o que foi lido e sobre as vivências dos participantes O conteúdo dos textos fazem referência aos alcoólatras anônimos e tem como objetivo ajudar os indivíduos sofredores na recuperação da antiga e desconcertante enfermidade que é o alcoolismo WILSON SMITH 19351991 Como estratégias de intervenção no contexto institucional a estagiária buscou identificar as necessidades e problemáticas relevantes do grupo com o objetivo de estudar as características do espaço físico social político e cultural do ambiente As demandas e possibilidades alternativas foram analisadas durante o estágio e nas intervenções a fim de proporcionar reflexão solução alternativas e enfrentamento diante dos problemas levantados pelo grupo Todos os encontros foram devidamente planejados embora as tarefas desenvolvidas em Psicologia Comunitária exijam criatividade e improviso conforme a demanda da ocasião em que o grupo se apresenta A partir desses momentos um plano de estágio foi elaborado pela estagiária e as semanas passaram a serem alternadas com rodas de conversa e dinâmicas de grupo A expectativa de quantos participantes iria estar presente fez parte do contexto pois esse é um lugar onde a quantidade de residentes varia a cada semana Outro dado importante para ser citado aqui é que a participação ativa do grupo foi gradativamente sendo satisfatória pois os residentes colaboraram espontaneamente com as atividades e demonstraram interesse pela psicologia no trabalho com o coletivo RESULTADOS RELATO DE EXPERIÊNCIA Conforme já referido o Estágio Profissional em Psicologia Comunitária acontece semanalmente em uma Comunidade Terapêutica no qual a estagiária esteve inserida durante todo ano de 2018 para um trabalho com os residentes internos que estavam em busca de recuperação pelo uso de substâncias químicas O primeiro semestre ficou por conta de observações e inserção com intervenções durante a realização das tarefas já préorganizadas pelo coordenador e monitores Durante esse primeiro momento o grupo de residentes 15 Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 p 0322 jul 2021 apresentou variáveis constantes de presença Uma das expectativas da estagiária ficou por conta da participação ativa dos componentes do grupo pois não sabia como seria aceita para as intervenções mas surpreendentemente o grupo foi progredindo analisando e compartilhando as angústias e sofrimentos Cada residente foi dando depoimentos sobre sua vida e sobre os momentos difíceis pelos quais passaram e passam No primeiro semestre havia ainda mais duas estagiárias que trabalhavam com a equipe uma de outra universidade e uma que fazia o estágio de observação da mesma instituição O ano começou com dez residentes e no final de 2018 a CT da região contava com dezessete residentes Os conceitos de comunidade terapêutica podem ser definidos em contraste com as abordagens de equipe ao diagnóstico e tratamento que preponderam na psiquiatria contemporânea Ambos se baseiam na participação e na colaboração de diversos profissionais da saúde mental As tarefas são distribuídas de acordo com a proposta do grupo e tem função disciplinar Uma CT teria o objetivo de maximizar o processo democrático de tomada de decisões A ideia do tratamento em CT surgiu como um desafio aos efeitos regressivos e anti terapêuticos que os hospitais psiquiátricos ofereciam a seus pacientes O objetivo de uma CT é oferecer um tratamento comunitário com uma equipe que trabalhe em conjunto que seja organizada para a realização do tratamento dos pacientes que participam ativamente das tarefas e são coresponsáveis pelo que fazem no CT As atividades tem o objetivo de integração reabilitação e reeducação social As vivênciasaprendizados são experienciadas a todo instante e a comunicação entre equipe e pacientes favorece um feedback imediato com relação aos comportamentos e reações observados Essa exploração favorece aos pacientes o enfrentamento à vida dentro e fora da comunidade terapêutica KERNBERG 2000 Alguns depoimentos foram significativos e impactaram o grupo e a estagiária As verbalizações mais significativas serão mencionadas aqui configurados em frases como forma de reflexão na tentativa de entender a maneira como o dependente químico nomeia suas experiências suas perdas seus medos sua vida e as dificuldades enfrentadas diante do uso de substâncias tóxicas Tenho muito medo de voltar para casa de voltar para o meu bairro Lá os traficantes te oferecem a droga na porta de casa A sociedade vive embriagada Os políticos vivem embriagados O sistema não quer que os dependentes químicos se recuperem A droga foi o maior amor da minha vida Foi por ela que larguei tudo Tenho muitas experiências em Comunidades Terapêuticas Agora vou me dedicar mais e tudo vai dar certo para mim 16 Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 p 0322 jul 2021 Não é fácil sair daqui e continuar uma vida onde a droga impera a minha própria casa era o lugar que eu usava droga Como voltar para lá As falas citadas acima foram consideravelmente trabalhadas em grupo durante as rodas de conversa Segundo Ribeiro 2009 o uso de drogas está presente e é visivelmente testemunhado pela sociedade ocidental capitalista contemporânea Profissionais da saúde são diariamente convocados para tratar dessa drástica realidade O consumo é hoje considerado um fenômeno um problema de saúde mental e de segurança pública em nosso país Observase que o ambiente familiar onde normalmente os dependentes químicos estão inseridos é bastante conturbado Costa 2018 ressalta que algumas famílias têm certa dificuldade de exercer seus devidos papéis no âmbito familiar não há o estabelecimento de regras e limites claros e coerentes ficando evidente um déficit na função paterna favorecendo uma confusão entre o que é permitido e o que é proibido Ainda durante o primeiro semestre a estagiária observou e participou das seguintes atividades Leitura de Os Doze Passos observação do trabalho administrativo laborterapia trabalho no pátio da CT visita no domingo com familiares dos residentes participação na cerimônia de entrega de certificados aos residentes que cumpriram o período de residência sessão cinema para assistir aos filmes Conversando com Deus O céu é de verdade participação em reuniões de equipe reunião de metas com os residentes Para o segundo semestre a estagiária organizou e apresentou durante uma reunião de equipe um plano de estágio que intercalou as semanas entre rodas de conversa e dinâmicas de grupo Segundo Miranda 2006 as dinâmicas de grupo são técnicas que favorecem o desenvolvimento interpessoal O exercício de algumas atividades propõe minimizar os conflitos vivenciados no ambiente e nas relações construídas nos grupos A aceitação da proposta da roda de conversa e dinâmicas de grupo foi unânime tanto pela equipe administrativa quanto dos residentes que participaram ativamente dos momentos Durante as rodas de conversa cada residente pôde expor seus sentimentos e os assuntos foram complementados pelos componentes do grupo que expressaram suas opiniões ou mesmo colaboraram com o que foi dito A presença da estagiária do curso de psicologia ofereceu uma escuta atenta uma oportunidade para que tivessem momentos terapêuticos de suma importância para todos Os que não falavam escutavam e aproveitavam as ocasiões para reflexões sobre suas vidas Esses momentos de conversa serviram também para o espelhamento no qual há uma identificação com o que está sendo dito No segundo semestre outra estagiária também realizou seu estágio com o grupo porém em momentos diferentes e com outra abordagem psicológica Os residentes comentaram 17 Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 p 0322 jul 2021 diversas vezes sobre a importância do trabalho do psicólogo na instituição e sentiramse privilegiados por terem tido duas estagiárias atuando na Comunidade Terapêutica Em alguns momentos compararam os trabalhos das estagiárias dizendo que eram propostas distintas e que aproveitavam as oportunidades os momentos e as ideias emergidas do grupo Todas as dinâmicas de grupo realizadas com os residentes da CT foram minuciosamente estudadas e cuidadosamente planejadas para serem vivenciadas pelo grupo Serviram como instrumento para reflexão elaboração aprendizagem e experiências subjetivas cujo ambiente lúdico favoreceu a ação e interação coletiva dos componentes do grupo junto às tarefas realizadas Em um dos momentos a estagiária leu de início a seguinte frase Ser homem é ser responsável É sentir que colocando sua pedra se colabora com a construção do mundo Exupéry Em seguida todos colaboraram com dar seguimento às frases já construídas em uma cartolina pela estagiária porém inacabadas Foram lidas dez frases com o objetivo de sensibilizar e socializar o grupo MIRANDA 2014 A dinâmica sobre valores teve como objetivo principal a reflexão pessoal sobre as palavras que cada residente recebeu Todos receberam um papel com uma palavra de valor emocional escrita como por exemplo otimismo esperança alegria sinceridade honestidade Em seguida cada um falou sobre a palavra que recebeu No final os papéis foram embaralhados e cada um ficou com uma palavra para ler silenciosamente e guardar até a semana seguinte quando aconteceu o segundo momento da dinâmica no qual puderam falar novamente sobre essa palavra que ficou com eles durante a semana Interessante observar o quanto se identificam com a palavra que recebem e o quanto de assunto podem discorrer sobre ela relacionando suas vidas Em outro momento foi aplicada a dinâmica da bula de remédios com a qual puderam ser criativos e falar de si próprio como se seu nome fosse o de um remédio A criação é um exercício que estimula o participante a mostrarse consciente ou inconsciente como realmente é falando de sua vida expectativas valores e dificuldades Outra dinâmica que é importante citar aqui foi a de falar sobre a infância Foram entregues cartões individuais com números de cinco a dez Cada residente teria de pensar sobre o número que recebeu referente à idade e falar do que se lembrava da época em que tinha aquela idade Poderia ser lembranças positivas ou negativas Alguns mencionaram que foram a idade na qual tiveram contato com a bebida alcoólica pela primeira vez seis oito e dez anos de idade Durante os relatos foi possível observar momentos de emoção tristeza e saudade Alguns revelaram que já tinham esquecido aquela época Que era bom relembrar A dinâmica do desenho livre possibilitou mais um momento lúdico quando puderam ser criativos com os desenhos e utilizar as cores de suas preferências se assim desejassem Tiveram 18 Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 p 0322 jul 2021 um tempo de trinta minutos para construção dos desenhos e depois puderam falar sobre o que haviam criado sobre a experiência que tiveram com o desenho os sentimentos despertados e as lembranças relacionadas à criação gráfica Em seguida a estagiária fez observações sobre os detalhes que mais chamaram a atenção em cada desenho Alguns se surpreenderam com o resultado e com o significado apresentado validando a interpretação psicanalítica da estagiária Para as Rodas de Conversa a estagiária recomendou depois de diversas rodas com temas livres e emergentes que o grupo sugerisse assuntos que gostariam de discutir e falar Em concordância ficou acordado que teríamos assuntos então préestabelecidos para os encontros das rodas de conversa O primeiro tema sugerido pelo grupo foi falar sobre a mãe biológica Embora todos tivessem concordado com o assunto no dia da roda alguns residentes não conseguiram falar Um deles disse Não tenho boas lembranças não quero falar Outros dois residentes ficaram em silêncio enquanto os demais falaram de suas mães avós e cuidadoras Um deles disse que faria ali uma revelação que ninguém sabia ainda e disse Sou filho de um estupro Minha mãe me teve com quatorze anos de idade e sou filho do amante de minha avó Momentos de profundo sentimento de emoção e comoção foram percebidos durante alguns relatos de vida e experiências com as mães Outro assunto solicitado pelo grupo foi falar sobre o pai Nesse dia novamente alguns residentes não conseguiram falar de seu pai por algum motivo importante impactante ou traumático Uns falaram de um pai liberal permissivo outros de um pai alcoólatra doente que abandonou a família ausente da função de paterna outros não conheceram seu pai O assunto circulou na roda de conversa e além da oportunidade disponível para falarem de seus pais puderam também falar da função de pai que ocupam atualmente De como lidam com a questão da paternidade do desejo de serem pais e de como lidam com os filhos Nesse momento foi percebido que a emoção ficou aflorada no grupo Alguns residentes falaram com a voz embargada com lágrimas escorrendo por suas faces enquanto diziam Não sou o melhor pai do mundo meu filho tem vergonha de ter um pai drogado Vi meu pai na mesma situação que estou agora viciado mas eu estou tentando me livrar disso Quero ser um bom pai pro meu filho Hoje vejo minha filha bebendo e fumando me vejo nela ela tem a quem puxar Os momentos de reflexão e fala mobilizam os sujeitos pois os assuntos são importantes para vida de cada um Proporcionam sentimentos de angústia tristeza e culpa mas favorecem o pensar sobre o assunto proposto e seguidamente surge uma série de lembranças numa tentativa de se darem conta das falhas das tentativas de acertos dos erros das afinidades da falta do excesso das afetividades do amor da raiva do vazio e tantos outros sentimentos que afloram são vivenciados durante as rodas de conversa e dinâmicas de grupo 19 Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 p 0322 jul 2021 O olhar do psicólogo comunitário está voltado ao prisma na promoção da saúde e na prevenção dos agravos O foco está na atenção das capacidades e habilidades e não só no adoecimento e na carência ou debilidades do sujeito ou da comunidade As potencialidades e recursos devem ser considerados levandose em conta as questões culturais e adversidades entendendo o contexto o valor e o que realmente é importante para os sujeitos e a comunidade em questão RECK e PICOLLI 2016 CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo da CT em questão é promover mudança no comportamento dos indivíduos e favorecer a reinserção na sociedade Desse modo valores como espiritualidade responsabilidade solidariedade amor e honestidade são diariamente trabalhados com os residentes O modelo residencial e o funcionamento da CT estão pautados na premissa de que diante do contrassenso de promover mudanças no sujeito dependente químico é necessário modificar o meio onde ele vive e retirálo da situação em que acontece o consumo de drogas O processo terapêutico prioriza intervenções individuais grupais e sociais atribuindo funções direitos e responsabilidades ao sujeito Faria Ferigato e Lussi 2020 consideram pouca discussão sobre a necessidade de modificar a realidade que determina a produção e consumo de drogas Há urgência na modificação de políticas públicas para efetivação de pautas que compreendam a situação como um problema grave e que é resultado das relações determinantes do lugar que cada sujeito usuário de drogas ocupa no mundo Momentos de profundo sentimento de emoção e comoção foram percebidos durante alguns relatos de vida É importante que a instituição seja ela qual for proporcione um espaço para a conversa livre com o trabalho do psicólogo sendo valorizado e permitindo um ambiente acolhedor uma escuta atenta Alguns assuntos precisam ser discutidos em conjunto e é nas trocas de experiências que algumas respostas podem ser dadas Os indivíduos necessitam de respostas que deem sentido à vida mas cada um tem a sua própria história e o caminho para chegar onde estão nem sempre está consciente Considerando que se trata de um grupo que transita na quantidade dos seus integrantes é possível concluir que embora novos membros venham a fazer parte a cada semana o objetivo pelos quais estão ali participando é o mesmo e tem um só objetivo trabalhar e superar as angústias e a abstinência Os resultados dependem de disciplina força de vontade e mudança de hábito Todo trabalho desenvolvido da instituição com os dependentes químicos visam uma melhor qualidade de vida para o sujeito e seus familiares É fundamental que os profissionais da psicologia busquem capacitação e se envolvam 20 Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 p 0322 jul 2021 num trabalho conjunto com equipes multidisciplinares visando à promoção da saúde do sujeito que busca ajuda Portanto é imprescindível conhecer e aprofundar os conhecimentos a fim de entender os motivos que levam uma pessoa a se envolver com o uso de substâncias O trabalho do psicólogo com dependentes químicos é crucial e abrange diversas questões pois o uso de drogas está presente em grande parte das famílias da atualidade provocando assim um sofrimento que não é somente do dependente químico mas de todas as pessoas com as quais ele convive Quem teve a oportunidade de aproximarse de uma CT tem a sensação de haver participado de algo diferente Quem teve além disso a oportunidade de conviver durante algum tempo numa CT terá uma lembrança que o acompanhará pelo restante dos seus dias GOTI 1990 REFERÊNCIAS ANDALÓ C S de A O papel de coordenador de grupos Psicologia USP v12 n1 São Paulo 2001 BAUMAN Z Comunidade A busca por segurança no mundo atual Rio de Janeiro Copyright 2001 BLEGER J Psicologia institucional In BLEGER J Psicohigiene e psicologia institucional Artes Médicas Porto Alegre 1984 CASELLA M Estratégias em psicologia institucional entrada na instituição conceituação características e cuidados iniciais Edição 2 Editora Loyola ISBN 8515007487 1993 COSTA C P Da O vínculo com a figura paterna e o desenvolvimento da dependência química em jovens do sexo masculino Porto Alegre Psicologiacom pt o portal dos psicólogos Trabalho elaborado para Conclusão de Curso para obtenção do título de psicólogo no ano de 2007 na PUCRS Brasil Disponível em httpswwwscielosporg Acesso em 02 de Set 2018 DÉA H R F D et al A Inserção do Psicólogo no Trabalho de Prevenção ao Abuso de Álcool e Outras Drogas Psicologia Ciência e Profissão 2004 24 1 108115 São Paulo 2004 EIZIRIK C L AGUIAR R W SCHESTATSKY S S Psicoterapia de orientação analítica Fundamentos Teóricos e Clínicos In PECHANSKY F LUBORSKY L Abordagem psicodinâmica do paciente dependente químico 2ª ed Artmed Ed SA 2005 p 780781 FARIA P F O FERIGATO S H LUSSI I A O apoio matricial na rede de atenção às pessoas com necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas Bras Ter Cad 21 Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 p 0322 jul 2021 Ocup vol28 no3 São Carlos julset 2020 Epub 09Out2020 Disponível em httpdxdoiorg10432225268910ctoao1987 Acesso em 03 de Dez 2020 FOSSI L B GUARESCHI N M de F O modelo de tratamento das comunidades terapêuticas práticas confessionais na conformação dos sujeitos Psicologia Clínica e Psicanálise Estudos e Pesquisas em Psicologia Rio de Janeiro v 15 n1 2015 p 94115 versão Online ISSN 18084281 Acesso em 02 de Set 2018 FREUD S Resumo das obras Completas 1974 Atheneu Rio de Janeiro 1904 KERNBERG O F Ideologia Conflito e Liderança em grupos e organizações Ed Artmed Porto Alegre 2000 GABBARD G O Psiquiatria Psicodinâmica na prática clínica In Transtornos Alimentares Relacionados a Substâncias e Transtornos Aditivos e Transtornos Ed Artmed 5ª ed Porto Alegre 2016 p 352353 GOTI ME La comunidad terapéutica un desafío a la droga Buenos Aires Nueva Visión 1990 LAPASSADE G El analizador y analista Barcelona Gedisa ed In Guirado Marlene A análise institucional de George Lapassade in Psicologia institucional EPU São Paulo 1987 LEMES AG NASCIMENTO V F ROCHA E M ALMEIDA M A S O VOLPATO R J LUIS M A V Terapia Comunitária como cuidado complementar a usuários de drogas e suas contribuições sobre a ansiedade e a depressão Esc Anna Nery vol24 no3 Rio de Janeiro 2020 Epub 09Abr2020 Disponível em httpdxdoiorg10159021779465ean 20190321 Acesso em 03 de Dez 2020 MACIEL S C SILVA F F PEREIRA CA DIAS C C V ALEXANDRE T M O Cuidadoras de Dependentes Químicos Um Estudo sobre a Sobrecarga Familiar Psic Teor e Pesq vol34 Brasília 2018 Epub 29Nov2018 Disponível em httpsdoiorg10159001023772e34416 Acesso em 02 de Dez 2020 MIRANDA S de Oficina de dinâmicas de grupo para empresas escolas e grupos comunitários Ed Papirus 14ª ed São Paulo 2006 MIRANDA S de Oficina de Dinâmica de Grupos para Empresas Escolas e Grupos Comunitários vol II Papirus Editora São Paulo 2014 MOURA A F LIMA M G A Reinvenção da Roda Roda de Conversa um instrumento metodológico possível Revista Temas em Educação João Pessoa v23 n1 p 98106 jan jun 2014 PAIVA I L YAMAMOTO O H Formação e prática comunitária do psicólogo no âmbito do terceiro setor Estudos de Psicologia UFGRS Agosto 2010 PRATTA E M M O Processo SaúdeDoença e a Dependência Química Interfaces e Evolução Psicologia Teoria e Pesquisa Universidade Camilo Castelo Branco Manoel Antonio dos Santos Universidade de São Paulo vol 25 n 2 AbrJun 2009 p 203211 22 Boletim Entre SIS Santa Cruz do Sul v 6 n 1 p 0322 jul 2021 RECK L M PICOLLI I M O Psicólogo e a Comunidade Construindo Possibilidades 2016 RIBEIRO C T Que lugar para as drogas no sujeito Que lugar para o sujeito nas drogas Uma leitura psicanalítica do fenômeno do uso de drogas na contemporaneidade Ágora Rio de Janeiro vol XII n 2 juldez 2009 ROSA EM et al Inserção Ecológica em uma instituição de acolhimento para crianças no Espírito Santo In KOLLER SH MORAIS N A PALUDO S S Orgs Inserção Ecológica um método de estudo do desenvolvimento humano São Paulo Casa do Psicólogo 2016 p 95117 ROSA A C A LUIZIO C A YASUI S As Conferências Nacionais de Saúde Mental e as premissas do Modo Psicossocial Saúde em Debate 2001 Disponível em httpwwwscielobrimgptscielobregif Acesso em 02 de Set 2018 SCHIMITH P B MURTA G A QUEIROZ SS A abordagem dos termos dependência química toxicomania e drogadição no campo da Psicologia brasileira Psicol USP vol30 São Paulo 2019 Epub 11Abr2019 Disponível em httpsdoiorg1015900103 6564e180085 Acesso em 03 de Dez 2020 ZIMMERMANN D Fundamentos básicos das grupoterapias Artmed 2² ed Porto Alegre 2000 WILSON W G SMITH RH Os doze passos Estados Unidos 1935 WINNICOTT D W Textos selecionados da pediatria à psicanálise Rio de Janeiro 1978 Psicologia Sociedade 20 1 8090 2008 91 DEPENDÊNCIA DE DROGAS E PSICOLOGIA SOCIAL UM ESTUDO SOBRE O SENTIDO DAS OFICINAS TERAPÊUTICAS E O USO DE DROGAS A PARTIR DA TEORIA DE IDENTIDADE1 Aluísio Ferreira de Lima Universidade Federal do Ceará Fortaleza Brasil RESUMO Este artigo apresenta os resultados da dissertação de mestrado que teve como proposta a investigação do sentido da oficina terapêutica de teatro para uma pessoa acompanhada no ambulatório de tratamento da dependência química do município de Diadema SP Para isso partiuse da Psicologia Social e do conceito de identidade como categoria central de análise propondo entender o fenômeno não apenas no seu aspecto instrumental mas sim em todo o contexto no qual o indivíduo usuário de substâncias psicoativas está inserido nos conflitos da tradição versus modernidade do mercado de consumo dos diagnósticos e tratamentos Com tal abordagem pretendese apresentar uma contribuição tanto teórica quanto política A pesquisa foi realizada a partir da narrativa da história de vida da participante que foi gravada e transcrita com o consentimento da entrevistada Finalmente o presente trabalho tece algumas reflexões sobre a questão das drogas e da possibilidade de metamorfose por meio da oficina terapêutica de teatro assim como oferece subsídios para discutir as identidades pósconvencionais e as possibilidades de emancipação PALAVRASCHAVE Uso de drogas oficina terapêutica identidade Psicologia Social DRUG DEPENDENCY AND SOCIAL PSYCHOLOGY A STUDY ON THE MEANING OF THERAPEUTIC WORKSHOPS AND THE USE OF DRUGS FROM THE THEORY OF IDENTITY ABSTRACT This paper presents the results of a Masters dissertation that investigated the meaningof the therapeutic theater workshop for a person who has been treated at the ambulatory of drug dependency in the city of Diadema SP To do so our analysis is centered on categories of Social Psychology and the concept of Identityn considering to understand the phenomenon not only in its instrumental aspect but the context as a whole in which the individual that uses psychoactive substances is inserted in the conflicts between tradition vs modernity in the consumer market of diagnosis and treatments with such an approach proposing a theoretical as much as a political contribution The research was carried out from the narrative of the participants life history which was recorded and transcripted with the consent of the interviewed Finally this work weaves some reflections on the question of drug usage and the possibility of change through the therapeutic theater workshop as well offering subsidy to discuss postconventional Identities and the possibilities of emancipation KEYWORDS Drug usage therapeutic workshop Identity Social Psychology Ao abordarmos o tema das drogas há que se apre sentar primeiramente os pressupostos dos quais se parte vistas a amplitude e a diversidade das discussões acerca do tema que vão desde o ponto de vista mais conservador até o mais libertário do mais reducionista até o mais com plexo No que se refere à contextualização desse problema ao nível global sabemos que de acordo com a World Healt Organization WHO quatro das seis causas de vivência com inaptidão ocorrem devido a distúrbios neuropsiquiátricos depressão uso de álcool esquizofrenia e transtorno bipolar uma entre quatro famílias tem pelo menos um membro com transtornos mentais além dos custos de saúde e sociais aqueles que passam por sofri mento mental também são vítimas de violações dos direi tos humanos estigma e discriminação tanto dentro quan to fora das instituições psiquiátricas WHO 2003 p 4 O custo social e os impactos econômicos dos transtornos mentais afetam a renda pessoal e familiar e custam para a economia nacional vários bilhões de dólares por ano A WHO mostra que o abuso de álcool e outras drogas continua sendo um dos maiores problemas de saúde pública do mun Psicologia Sociedade 20 1 91101 2008 Ferreira de Lima A Dependência de drogas e Psicologia Social estudo sobre as oficinas terapêuticas e o uso de drogas a partir da Teoria da Identidade 92 do tanto nos países desenvolvidos quanto nos pa íses em desenvolvimento Mundialmente o uso de álcool respondeu por 4 do total burden de doen ças em 2000 WHO 2003 p 22 Estimase que atualmente existam 763 milhões de pessoas com problemas relacionados ao uso de álcool dos quais pelo menos 153 milhões sofreram algum dis túrbio psiquiátrico Entre 5 e 10 milhões de pessoas atu almente utilizam drogas injetáveis 5 a 10 das infec ções por HIV possivelmente são causadas por esse tipo de utilização Em 2000 mais de 18 milhões de mortes foram atribuídos ao uso de álcool e 205000 atribuídas ao uso de drogas ilícitas Embora esses dados possam apontar para um cer to pessimismo frente às possibilidades de enfrentamento do problema encontramos no Brasil grandes avanços no que se refere ao tratamento pois desde a III Conferên cia Nacional de Saúde Mental tem sido defendida a im portância do Ministério da Saúde em garantir a definição de políticas públicas para os usuários de álcool e outras drogas baseadas nos direitos humanos nos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde SUS e da Refor ma Psiquiátrica assim como a necessidade de garantir que o SUS se responsabilize pelo atendimento dos usuá rios de drogas e ao mesmo tempo não reduzir essa pro blemática exclusiva da saúde Brasil 2002 p 60 E mais ainda quando o Ministério da Saúde passou a implementar o Programa Nacional de Atenção Integrada aos Usuários de Álcool e outras Drogas reconhecendo o problema do uso prejudicial de substâncias como um grave problema de saúde pública situada no campo da saúde mental e tendo como estratégia a ampliação do acesso ao tratamento a compreensão integral e dinâmica do problema a promoção dos direitos e a abordagem de redução de danos Brasil 2005 p 46 Em 2003 o Ministério da Saúde propôs a Política do Ministério da Saúde para a Atenção Integral a Usuári os de Álcool e outras Drogas na qual a Redução de Danos passa a ser a política pública adotada A partir de então a postura preconizada é a de colocarse na condi ção de acolhedor tendo em vista que cada indivíduo traz consigo sua história de vida expressando sua individua lidade e também uma expressão da história de vida de muitas outras pessoas Brasil 2004 Essa compreensão permite que entendamos o consumo de drogas como um problema social e o usuário de drogas como sendo um cidadão que tem direito de usar o que quiser mas que deve se conscientizar de sua situação de risco e as impli cações para sua rede de relações É nesse cenário que encarei o desafio de realizar uma pesquisa de mestrado em Psicologia Social A Lima 2005 e mais especificamente ousei fazer uma análise do uso de drogas utilizando a teoria da Identidade desenvolvi da por Ciampa 1987 A escolha pelo orientador assim como pelo referencial teóricometodológico se deu como uma reação às leituras reducionistas e pessimistas que des crevem o ser humano impotente perante as influências das substâncias psicoativas aos estudos que partem da influ ência da droga no comportamento humano ou ainda às pesquisas que focam a influência do mercado no consu mo das drogas Meu interesse voltouse para o indivíduo sua relação com as substâncias psicoativas e principal mente ao sentido que este atribuiu à oficina terapêutica de teatro na metamorfose de sua identidade na transforma ção da sua condição de dependente de drogas em um indi víduo que pode ter uma postura autônoma frente às subs tâncias que utiliza seja a partir da redução do consumo substituição ou abstinência Através do material bibliográ fico e empírico coletados na pesquisa exploro a possibili dade de desenvolvimento de identidades pósconvencio nais Habermas 1983 de usuários de drogas Desse modo a pesquisa enfocou a identidade como categoria central de análise o que implicou compreender o fenômeno envolvendo as substâncias psicoativas a partir da tensão existente entre o mundo da vida e a lógica sistêmica esses conceitos serão explicados no decorrer do texto e sua influência na construção desconstrução e reconstrução das identidades Partindo da considera ção da influência capitalista nos problemas atuais discu to ao longo da pesquisa os conflitos existentes entre a tradição e a modernidade as influências do mercado de consumo os diagnósticos e tratamentos na construção da personagem do dependente de drogas assim como a possibilidade de desconstrução dessa personagem de pendente de drogas a partir da intervenção que o sujeito da pesquisa sofreu em um Centro Atenção Psicossocial para álcool e outras drogas mais precisamente na ofici na terapêutica de teatro Dada a amplitude de questões discutidas na pesquisa de mestrado este artigo tem como objetivo trazer uma síntese das principais questões abor dadas e das considerações finais acerca do problema O envolvimento do pesquisador com o mundo das drogas O interesse pelo estudo da identidade das pessoas que utilizam substâncias psicoativas surgiu durante o período de estágio acadêmico no ambulatório de trata mento aos usuários de drogas do município de Diadema SP Espaço Fernando Ramos da Silva EFRS Isso ocor reu no período de 15 de fevereiro de 2002 a 31 de de zembro de 2003 quando foram executadas as seguin tes tarefas na instituição atendimentos individuais grupais familiares trabalhos de prevenção e capacitação na temática das drogas e monitoria em oficinas terapêu ticas Psicologia Sociedade 20 1 91101 2008 93 Neste período foi observado que os usuários do serviço envolvidos no tratamento tinham uma participa ção constante nas oficinas terapêuticas sendo que na maioria das vezes era o único espaço freqüentado por eles Também foi observado durante os atendimentos do grupo de familiares que a mudança de personagens destes usuários era constantemente trazida pelos com ponentes da família Verificouse inclusive que alguns familiares vinham ao grupo informar o abandono do paciente justificando que este tinha mudado de vida arrumado emprego namorada reconstruído relaciona mentos etc Observei utilizando uma expressão habermasiana a presença de fragmentos de emancipação na vida des ses usuários como por exemplo o fenômeno presenci ado na oficina terapêutica de teatro do EFRS quando após a apresentação de uma peça teatral em um Encontro Internacional e serem acolhidos e parabenizados como artistas pelos representantes europeus e latinoameri canos os usuários retornaram na semana seguinte pro pondo a mudança do nome da oficina de teatro do EFRS Os Recuperandos para Cia ReVisão com a ar gumentação de que o antigo nome os colocavam em cons tante reposição do problema que passavam ao passo que revisão colocava como proposta uma nova forma de lidar com a vida sendo proposto para os técnicos a apresentação de peças em outros eventos e espaços Es ses Fragmentos de emancipação levoume a pesquisar o sentido da oficina de teatro para uma pessoa submetida ao tratamento da dependência de drogas no EFRS en tendendo que a participação nesse lugar parecia propor cionar uma metamorfose de identidade significativa para esses indivíduos Sendo assim fica explícito que a escolha do EFRS como locus para encontrar os possíveis participantes da pesquisa se deu pela forma de tratamento da instituição em que a permanência do indivíduo depende de sua dis posição ao tratamento proposto diferentemente de insti tuições totais descritas há muito por Irvin Goffman 1961 que utilizam a internação e a abstinência como forma ideal para o tratamento da dependência de drogas em que é necessário que o indivíduo abra mão de seu desejo e autonomia passando por um período de internação tendo além dos atendimentos das especialida des a participação obrigatória em oficinas terapêuticas Outro fator que fortaleceu a escolha do EFRS dentre outras instituições de tratamento do ABC foi o fato desta instituição ter seu projeto de criação e intervenção utiliza do como objeto de pesquisa em uma dissertação de mestrado em Psicologia Social da Pontifícia Universida de Católica de São Paulo PUCSP S Lima 2000 A direção do EFRS mostrouse bastante interessa da em colaborar com a pesquisa possibilitando acesso aos prontuários e indicando informantes e participantes potenciais para entrevistas Entre os 2494 prontuários de usuários matriculados até 22122003 levantamos os prontuários de expacientes que apresentavam em seu histórico alguma participação na oficina terapêutica de teatro durante seu tratamento na instituição Este proces so foi iniciado no dia 20 de dezembro de 2003 e encerra do em 15 de janeiro de 2004 Ao todo foram levantados 57 prontuários de pesso as que faziam uso de drogas psicoativas e obtiveram alta do ambulatório ou abandonaram o mesmo em momento de maior organização pessoal e que participavam dessa oficina Após a escuta de informantes sobre o possível participante os informantes foram antigos usuários fami liares de usuários e técnicos da instituição finalmente es colhemos uma usuária que apresentavase como caso emblemático em outras palavras um histórico que apon tava para uma possível identidade pósconvencional A escolha da oficina terapêutica de teatro entre as outras da instituição ocorreu devido a alguns fatores a ao fato desta ter sido a primeira oficina da instituição b ser a oficina na qual o usuário expõe seu trabalho por meio do corpo para um público que pode reconhecer ou não sua atuação c pelo seu efeito peculiar de possibili tar a mudança nas interpretações publicamente reconhe cidas referentes ao indivíduo estigmatizado Este último item é defendido por Habermas quando diz uma com panhia de teatro os membros de uma universidade ou de uma organização eclesial conseguem impor reivindica ções de cogestão esse fato tem também certamente um aspecto político Habermas 1983 p 99 A pesquisa foi realizada coletando a narrativa da história de vida gravada e transcrita com o consenti mento da entrevistada que assinou um termo de autori zação esclarecendo os objetivos da pesquisa e garantindo o sigilo Estes relatos procuraram focar acontecimentos imediatamente antes durante e após sua participação na oficina terapêutica para que a participante nos contasse diversos aspectos de sua vida não apenas aquele que levouo a procurar tratamento no EFRS A escolha da narrativa de história de vida como instrumento principal de análise ocorreu devido ao fato do método utilizado na pesquisa ter como objetivo observar as metamorfoses na identidade isto é o intercâmbio de personagens no pro cesso histórico da participante A narrativa de história de vida como forma de en tender a constituição das identidades faz parte do método desenvolvido por Ciampa para analisar as identidades e alinhase às discussões trazidas por Walter Benjamin Benjamin demonstra como nos utilizamos de métodos simplificadores ao retratar as condições de existência humana ao nos aliarmos totalmente ao ideal de produção capitalista como se estivéssemos privados de uma fa culdade que nos parecia segura e inalienável a faculdade de intercambiar experiências Benjamin 1994 p 198 Ferreira de Lima A Dependência de drogas e Psicologia Social estudo sobre as oficinas terapêuticas e o uso de drogas a partir da Teoria da Identidade 94 A narrativa de história de vida permite resgatar o narrador que segundo este autor está em vias extinção há muito esquecido e sufocado por trazer as contradições do sis tema e por apontar o mal estar do cotidiano Deste modo procuramos registrar a memória viva da participante e compreender os processos de meta morfose que aconteceram nos diversos setores de sua vida novos significados que passaram a atribuir aos fa tos de sua vida como se percebe e percebe que é vista pelos membros dos grupos que freqüenta o que mudou na sua vida familiar social e profissional observando como este processo se desenvolveu Para tanto quando analisamos a narrativa de história de vida procuramos distinguir as personagens encarnadas dentro da narrati va verificando a articulação dessas personagens entre si como realidade subjetiva constituída a partir da internalização e da interiorização assim como com ou tros atores sociais como realidade objetiva que envolve a normatividade e a intersubjetividade Em outras pala vras buscamos entender seu projeto de vida o que é e o que quer ser Psicologia Social Crítica e identidade questões teóricometodológicas Conforme já explicitado anteriormente este artigo é a síntese de uma pesquisa de mestrado que buscou entender o sentido da oficina terapêutica de teatro para dependentes de drogas a partir da Psicologia Social mais especificamente a partir da teoria de identidade desen volvida por Antonio da Costa Ciampa cuja produção se gue uma vertente denominada Psicologia Social Crítica Reconhecendo a possibilidade de desconhecimento tanto dessa teoria da identidade quanto da Psicologia Social Crítica parece imprescindível uma breve exposição an tes da apresentação da pesquisa propriamente dita No que se refere a esta última podemos dizer que é conceituada como uma vertente da Psicologia Social que alinhase à teoria crítica formulada por Max Horkheimer na escola de Frankfurt e desenvolvida atu almente embora isso não seja visto de forma consensual por Jürgen Habermas Em linhas gerais essa proposta teóricometodológica impõe a necessidade de investigar a possibilidade de desenvolvimento de um pensamento crítico que conduza os indivíduos à percepção de si mes mos como sujeitos ativos da história possibilitando que saiam da alienação que os mantém na condição de obje tos passivos que sofrem a história Em outras palavras a Psicologia Social Crítica pro cura entender como o mundo da vida2 espaço cotidia no onde são possíveis de serem identificadas as formas cooperativas de existência vem sofrendo a colonização subordinação à lógica sistêmica e como esse proces so tem reultado numa série de distúrbios a perda de sen tido das tradições culturais na reprodução social anomia interação social e psicopatologias e distúrbios de for mação da identidade socialização e individuação Habermas 1990 Vale reforçar aqui que o mercado sempre fez parte dessa ordem sistêmica cuja existência se justifica ou deveria se justificar pelo atendimento às necessidades do mundo da vida e não o contrário como vem cada vez mais acon tecendo em que a própria vida é posta a serviço dos interesses sistêmicos Ciampa 2004 p 2 Dessa maneira para a Psicologia Social Crítica o problema não estaria na racionalidade mas na dificuldade de se desenvolver uma certa racionalidade que possa es capar da irracionalidade que transforma os meios em fins e que é resultado da colonização proporcionada pela lógica sistêmica Aqui aparece a importância das pesquisas de identidade para a Psicologia Social Crítica na medida em que esse conhecimento pode ajudar a entender como eu internalizei minha classe como reproduzo minha classe a tal ponto que sou diferente de outro burguês Carone sd p 13 e desvelar tanto as influências do capital no desenvolvimento dessa identidade como os fragmentos emancipatórios presentes na mesma Tendo expressado mesmo que de forma simplista a importância dos estudos de identidade para uma Psico logia Social Crítica apresentamos agora a teoria de Ciampa que seguindo os pressupostos apresentados difere das tradicionais concepções de identidade que ten dem à naturalização do desenvolvimento individual ou ainda daquelas que trabalham com a perspectiva de per sonalidade Na concepção desenvolvida por Ciampa a identidade do humano é construção reconstrução e desconstrução constantes no diaadia do convívio so cial na multiplicidade das experiências vividas Kolyniak Ciampa 1993 p 9 Como esse autor costuma postu lar a identidade é o que estousendo ao mesmo tempo em que é aquilo que me nega naquilo que também sou semestarsendo na medida em que sempre compareço como representante de mim mesmo uma personagem perante os outros Ciampa diz ainda que cada indivíduo encarna as relações sociais configurando uma identida de pessoal uma história de vida um projeto de vida Uma vida que nem sempreévivida no emaranhado das rela ções sociais Ciampa 1987 p 127 Para Ciampa a identidade é sempre pressuposta uma identidade que é reposta a cada momento sob pena desses objetivos sociais filho pais família etc deixarem de existir 1987 p 163 e que isso introduz uma complexidade ao passo que ao ser reposta a identi dade é vista como dada e não como se dando num continuo processo de identificação É como se uma vez Psicologia Sociedade 20 1 91101 2008 95 identificado o indivíduo a produção de sua identidade se esgotasse com o produto Ciampa 1987 p 163 dan do a impressão que a identidade continua a mesma quan do na realidade está presa num movimento de mesmice O que sustenta a mesmice é o impedimento da eman cipação e a plena concretização da mesmice é aquilo que Ciampa chama de fetichismo da personagem que vai explicar a quase impossibilidade de um indivíduo atingir a condição de serparasi ocultando a verdadeira natureza da identidade como metamorfose e gerando o que será chamado identidade mito 1987 p 140 o mundo da mesmice da nãomesmidade e da má infinidade a não superação das contradições em que a própria atividade que serve de base para a personagem deixa de ser desem penhada Severino é lavrador mas já não lavra Contu do o impedimento da emancipação e a manutenção da mesmice não se constituem em algo inevitável na medida em que as contradições existentes na própria representa ção e consequentemente a impossibilidade de uma repre sentação única em todos os espaços sociais forcem uma alterização da identidade uma negação da negação O mecanismo da negação da negação é explicado por Ciampa 1987 p 187 da seguinte maneira A negação da negação permite a expressão do outro outro que também sou eu isso consiste na alterização da minha identidade na eliminação de minha identi dade pressuposta que deixa de ser reposta e no desenvolvimento de uma identidade posta como metamorfose constante em que toda a humanidade contida em mim se concretiza Isso permite me repre sentar 1º sentido sempre como diferente de mim mesmo deixar de presentificar uma representação de mim que foi cristalizada em momentos anteriores deixar de repor a identidade pressuposta O termo alterização trazido por Ciampa expressa a idéia de uma mudança significativa um salto qualitativo que resulta de um acúmulo de mudanças quantitativas às vezes insignificantes invisíveis mas graduais e não radi cais que podem indicar uma possibilidade e uma tendên cia da conversão das mudanças quantitativas em mudan ças qualitativas mudanças condicionadas às questões his tóricas e materiais determinadas O termo alterização é o que possibilita ao autor desenvolver o conceito de mesmidade que se refere à superação da personagem vivida pelo indivíduo é a expressão do outro outro que também sou eu Isso se torna possível a partir do potencial para formular projetos de identidade cujos conteúdos não estejam prévia e autoritariamente definidos aparecendo aqui o sentido emancipatório da identidade Esse movimento para a emancipação se dá com o desenvolvimento de uma Identidade PósConvencio nal Compreendendo a complexidade desses conceitos é importante ressaltar como esses dois termos são en tendidos Os dois conceitos seguem a influência habermasiana sendo que o primeiro termo é entendido aqui como a superação de visões estreitas nas quais ca ímos devido a ilusões pelas quais somos de certa for ma responsáveis uma vez que elas não resultam de uma causalidade natural nem das limitações do próprio inte lecto Habermas 2005 p 163 Já a identidade pós convencional é compreendida como aquela que antecipa uma forma de vida com valores e normas ainda não esta belecidos que só pode estabilizarse na antecipação de relações simétricas de um reconhecimento recíproco isen to de coerção Habermas 1993 p 222 É possível inferir que essa identidade pósconvencional somente tornase possível quando o indivíduo passa a atribuir às suas vivências um sentido de autodeterminação e prin cipalmente possa ser autor da própria história Ser autor da própria história como medida das iden tidades pósconvencionais é um horizonte para o pesqui sador de identidade que deve estar atento para não pro jetar conceitos que transformem os indivíduos em sujei tos transcendentais em blocos uniformes que por sua vez neguem a pluralidade das formas de existência e os projetos de vida individuais Fica explícito que a identida de na perspectiva de Ciampa é tanto uma questão teóri ca quanto política ao passo que sua compreensão deve levar em consideração os fragmentos de emancipação e a sutil opressão alinhandose assim a tradição da teoria crítica da sociedade que incorpora o interesse emancipatório no conhecimento para além de sua mera aplicação prática e utiliza o conceito de reflexividade para decidir de que modo cada interesse promove autonomia ou seja pode levar à emancipação Tendo apresentado o referencial teórico adotado voltemos ao problema da pesquisa a dependência de dro gas e sua relação com a identidade Assim comecemos partindo da premissa que entendemos que o uso de dro gas nos primórdios da história da humanidade sempre esteve relacionado com a transcendência do espírito hu mano ou ainda com a anestesia do sofrimento corporal e mental e que podemos pensar observando como o uso de drogas é feito na modernidade que seu uso não mu dou muito desde os primeiros relatos de experiências com essas substâncias Essa afirmação é reforçada na medida em que observamos o uso de drogas relacionado ao ri tual capitalista seja no cafezinho antes do trabalho na cerveja do final de semana nos medicamentos para dor mir para engordar ou para emagrecer nas drogas utiliza das nas danceterias nas escolas etc seja para integrar esses grupos seja para ter alto rendimento ou ainda para fugir da realidade massacrante na qual o indivíduo está inserido Contudo esse não é um problema recente Ao lon go da história ocorreram diversas tentativas de caracteri zar a identidade do dependente de drogas com o intuito de desenvolver tecnologias que pudessem abarcar o fe Ferreira de Lima A Dependência de drogas e Psicologia Social estudo sobre as oficinas terapêuticas e o uso de drogas a partir da Teoria da Identidade 96 nômeno No entanto nenhuma dessas tentativas teve êxito dada a pluralidade de formas de vida na qual está inserida a pessoa que utiliza substâncias psicoativas De acordo com a literatura parece existir um consenso en tre os diferentes autores no que se refere à impossibilida de de traçar uma identidade típica para o dependente de drogas valendo a pena trazer algumas dessas contribui ções Para Freud por exemplo as drogas têm um lugar permanente na economia de libido Sendo assim devemos a tais veículos não só a produção imediata de prazer mas também um grau altamente desejado de independência do mundo externo pois sabese que com auxilio desse amortecedor de preocupa ções é possível em qualquer ocasião afastarse da pressão da realidade e encontrar um refúgio num mundo próprio com melhores condições de sensibi lidade Freud 2002 p 27 Se seguirmos o raciocínio de Freud podemos to mar como hipótese que quanto mais repressão existir na sociedade maior será o usoabuso de drogas por parte das pessoas Se isso for verdadeiro encontraremos um aparente paradoxo pois o usuário de drogas seria então uma denúncia do sistema na medida em que tem de bus car a satisfação humana em outras formas não institucionalizadas negando inclusive o princípio de de sempenho Já alguns autores da atualidade defendem que foram frustradas as tentativas de caracterização da per sonalidade típica do dependente de drogas Em Birman 2001 verificamos uma diferenciação entre os indivíduos que utilizam substâncias psicoativas pela dimensão compulsiva dos mesmos nas palavras deste autor os usuários de droga podem se valer da droga para seu deleite e em momentos de angústia mas esta nunca se transforma na razão maior de sua existên cia Os toxicômanos porém são compelidos à sua ingestão por forças físicas e psíquicas poderosas As drogas passam a representar para esse grupo o valor soberano na regulação de sua existência Birman 2001 p 223 Logo não haveria uma dependência física se não fosse a presença da dependência psíquica sendo que nas toxicomanias ocorreriam ambas as formas de dependên cia tendo no caso da dependência física um aumento crescente da dose inicialmente administrada com possí veis substituições por drogas mais potentes É importante apontar que também é insuficiente abordar o fenômeno das drogas sem levar em considera ção o contexto sóciohistórico no qual o indivíduo está inserido Seguindo essa linha de argumentação encon traremos em Bucher uma importante contribuição Ele defende que a identidade do usuário de drogas não se deixa reduzir a uma personalidade social enquanto as similação de influências externas e normativas culmi nando na confecção de papéis sociais estáveis e integradores Bucher 1992 p 176 Ao utilizarmos o conceito de identidade apresenta do anteriormente para discutir o problema da dependên cia de drogas teremos que seguir inicialmente dois pon tos de discussão O primeiro se refere às questões intersubjetivas que conotam um fetiche no uso de drogas e que atribuem a essas um poder de dominação inevitável sobre os indivíduos Isso equivale ao reconhecimento e redução dos indivíduos que utilizam essas substâncias psicoativas a uma única personagem o dependente de drogas Aqui encontramos outras complexidades na medida em que o fato dos indivíduos deixarem de re por esta personagem dependente nem sempre é uma garantia da recuperação dos outros personagens perdi dosnegados pai filho irmão trabalhador etc aprisi onandoo muitas vezes na personagem do Ex exde pendente exdrogado etc não ocorrendo portanto uma metamorfose como mesmidade de pensar e ser O segundo ponto de discussão referese às formas de utilização das drogas que podem conter tanto um sen tido reacionário no fortalecimento das indústrias de be bidas farmacêuticas tabagistas ilegais etc quanto emancipatório na medida em que entendemos que nem toda forma de contravenção seja algo negativo mas que podem apontar para a necessidade de mudança na reali dade vigente e que muitas vezes desvelam as desigual dades sociais e as impossibilidades de existência na soci edade administrada Neste último caso a dependência de drogas pode contraditoriamente ser uma reivindicação de independência da dependência da realidade vivida É importante registrar que quando utilizamos o ter mo usuário de drogas queremos apontar uma catego ria na qual estamos todos incluídos direta e indiretamen te mas que por conta das questões morais acabam sen do diferenciadas entre si Nos referimos tanto à pessoa que fuma seu baseado de maconha com os amigos participa da cervejada do final de semana que usa dro gas para dormir para lidar com a depressão que toma o cafezinho para agüentar mais um turno da exploração no mundo trabalhista enfim falamos de nós mesmos e ao mesmo tempo falamos daqueles que são estigmatiza dos pelo uso abusivo de qualquer uma dessas substânci as ou seja diferenciamonos das tradicionais concep ções que reforçam a estigmatização dos usuários de dro gas como bem escreve Amaral 2000 p 46 Ao estigmatizar o usuário de drogas a sociedade cumpre a função divergente a que explicitamente se propõe ou seja ao invés de desestimular o uso da droga reforçao por meio do rebaixamento contínuo da autoestima desses indivíduos negandolhes o acolhimento e a aceitação social estimulandoos a Psicologia Sociedade 20 1 91101 2008 97 integrarse com outros indivíduos marginalizados por diferentes desvios eou estigmas encontrando em outros toxicômanos a sua identidade grupal Ao realizar a discussão acerca dos diferentes as pectos e vislumbrar a complexidade envolvida na temática das drogas podemos inferir que o significado atribuído ao seu uso pertence a uma moral vacilante que em de terminado momento faz com que sejam incentivadas li beradas legalizadas etc e noutro proibidas por serem consideradas perniciosas e destruidoras da sociedade Desse modo tendo contextualizado nosso proble ma de pesquisa e apresentado o referencial teórico metodológico no qual apoiamos a mesma restanos ago ra apresentar a narrativa da história de vida de LouLou analisada na tentativa de apreender o sentido que esta atribui a sua participação na oficina terapêutica de teatro buscando verificar se o processo de metamorfose ocor rido nas diversas personagens de sua vida evidencia a presença de fragmentos de emancipação bem como dis cutir se essa identidade pode ser considerada como Pós Convencional Síntese da história de vida de LouLou e análise da entrevista A história de LouLou é muito rica Todavia as vicissitudes de sua história não poderá ser contada e ana lisada da forma como deveria ser feita por conta da limi tação que um artigo como esse apresenta Ao analisar mos a identidade entendemos que essa se expressa por meio de personagens que a cada representação negam sua totalidade sendo o jogo e articulação dessas identida des que darão ao indivíduo sua alteridade Dada a limita ção tentarei fazer esquematicamente um resumo das prin cipais personagens vividas pela entrevistada que foram escolhidas assim como o nome LouLou pela própria participante LouLou é uma pessoa real que nasceu e cresceu na periferia de Diadema São Paulo filha de uma família de migrantes pai metalúrgico e mãe dona de casa Du rante sua infância diz que representava a garotamor na uma criança que estava presa ao hedonismo ingênuo e procurava a maximização do prazer evitando a punição Ao iniciar sua busca pessoal na adolescência fica dividida entre as personagens adolescente experimentadora de drogas que iniciava o uso de diver sas drogas com as amigas burguesas principalmente com os medicamentos das mães dessas garotas e a adoles cente punk proibida pelo grupo de usar drogas que se tornaria mais tarde a adolescente anarcopunk Já no final da adolescência começa a namorar e assume a per sonagem da alunarebelde que descobre que para po der trabalhar tinha que ser autônoma visto que tinha como projeto tatuar todo seu corpo e viver com um visual al ternativo Tornase assim a vendedoradecachorro quente Vai repor essa personagem durante três anos até que se separa do namorado e vivencia a garotaiso lada ficando em casa deprimida durante um ano Ao voltar para o mundo desorientada retoma suas leituras e descobre o anarcofeminismo transformando se então na anarcofeministaativista Sem que se desse conta reaparece nesse período a adolescente experimentadora que começa a tomar parte cada vez maior nas suas atuações Pela primeira vez procura ajuda especializada uma tentativa frustrada pois o psiquiatra acaba fazendo uma amálgama dessas personagens e atribuí à LouLou a per sonagem dependentededrogasdepressiva Não acei ta tomar drogas remédios para se curar do uso de dro gas e acaba se mudando para Florianópolis onde procu ra elevação espiritual e equilíbrio no uso das substâncias quando se transforma na bruxadaIlhadaMagia en tretanto a sacralidade dessa bruxa é quebrada quando em uma festa faz a ingestão de um chá que dizia achar mágico cogumelo que fora dos rituais habituais a dei xa desorientada outra vez Sua desorientação é tamanha que surta e tenta suicídio Em suas palavras sem conse guir controlar os pensamentos abre as portas da percep ção e encontra a loucasuicida acaba ateando fogo em sua própria cabeça De volta a São Paulo é levada para o Centro de Atenção Psicossocial Integral CAPSI de Diadema que lhe atribui a personagem de dependentededrogaslou casuicida e a encaminha para o EFRS CAPSad Até aqui relata que os encaminhamentos mais prejudicaram seu estado emocional do que contribuiram para sua me lhora No EFRS conta que pôde ser vista como um ou tro outro pelos técnicos da instituição e pelo Grupo de Mulheres Diz que essa condição de igualdade confere uma ambiência favorável para resgatar a personagem anarcofeminista já não mais militante ativista Vamos deixar a própria LouLou dizer como esse processo foi importante O grupo de mulheres foi essencial enquanto mulher porquê Porque quando você está com outras mulhe res que passam problemas parecidos com você em termos físicos emocional você se sente que num grupo de amigas é uma boa forma de você se inserir novamente Dá uma segurança legal Dentro disso no grupo de mulheres a Assistente Social a Psicó loga e a esqueci o nome dela branquinha de cabe lo preto Enfermeira Elas são mulheres muito for tes Muito interessantes ajudaram muito foi uma coisa essencial e de você vê e de estar desenvolven do algum conhecimento seu enquanto mulher com outras mulheres dentro daquele período eu naquele momento de tudo eu tinha medo eu fui voltando Ferreira de Lima A Dependência de drogas e Psicologia Social estudo sobre as oficinas terapêuticas e o uso de drogas a partir da Teoria da Identidade 98 Da mesma maneira LouLou vai nos contar que na oficina terapêutica de teatro pôde reapresentar ou tros papéis e começar a tomar consciência explícita das contradições que viveu e ser reconhecida como huma na sendo esse espaço essencial para sua alterização Teatro muito fudido porque ele mexe com o corpo ele mexe com a emoção faz resgatar de novo esse lance de autoestima te empurra teatro já tinha as sim um desenvolvimento legal teatro misturado com uma fonoaudióloga é foda pra caramba você enquanto pessoa capaz de produzir isso te dá vida isso te traz calor isso é humano A Oficineira olha nós somos de uma companhia vamos lá vamos ensaiar vamos fazer sabe vamos se pintar vamos por peruca vamos criar o absurdo e é isso Ah Mas é só um personagem Mas aquilo é a gente você é capaz de ser a gente é capaz de ser feliz dar risada de fazer as pessoas rirem e isso esse retorno é muito fudido sentir perante as pessoas que convivem com a gente que a gente foi capaz de pro porcionar uma emoção muito forte nelas Porque a gente tá vivo Então a gente tem um respaldo en quanto pessoa de falar Pô você fez aquele teatro muito legal aquilo é muito foda aquilo foi a minha vida resgatou minha vida de um jeito e a forma de organizar um Sarau eu gostava muito de estar ali participando Por meio da oficina terapêutica de teatro pôde ques tionar a personagem dependentededrogasloucasuicida e apresentar um novo eu que podia ser reconhecido socialmente Sua apresentação era sentida como uma ne gação da personagem doente que era pressuposta como incapaz de produção Questionava a si mesma quando re presentava e forçava a platéia a se questionar quando a assistia dissolvia o estigma ao mostrar que por trás da personagem do drogado existia uma LouLou que não poderia ser reduzida a uma única atuação Sai do EFRS e retorna para Florianópolis após a morte do namorado que sofre um acidente durante seu tratamento Retoma sua vida e com o passar do tempo conhece uma pessoa com quem decide ter um filho Deixa de usar as substân cias psicoativas não por imposição externa não por se achar uma exdrogada mas sim porque essas perderam o sentido Percebeu que pode viver sendo elamesma Eu busco um mundo melhor então se eu estou ven do que uma coisa não tá me fazendo bem eu tenho que deixar Mas será que ela só não tá me fazendo bem pelo ritmo que eu to levando Também o ambi ente que eu to vivendo não tá me oprimindo ao fato de quando eu usar isso eu estar me sentindo mal Porque se eu der uma volta na praia tiver um dia super gostoso e de repente fumar um posso me sen tir muito melhor Mas de repente eu pensei meu porque há necessidade de eu estar usando Se de repente eu posso fazer um vasto de muitas coisas que eu também gosto que me dá prazer sem eu pre cisar usar isso todas as pessoas em geral acabam passando por essas condições difíceis de surtar de depressão de se sentir muito mal por isso porque lhe faltam coisas que faziam elas viver faziam elas felizes então às vezes um cara surta porque trabalha tanto trabalha tanto trabalha tanto e nunca pode descansar e nunca pode fazer nada do que ele gosta chega uma hora que ele pensa o que eu gosto Ela representa atualmente uma LouLoudehoje que ao se propor normas éticas com pretensões de vali dade universal apresentase com uma identidade pós convencional que inclui em seu projeto de vida o in gresso em uma universidade e o retorno para São Paulo para se envolver na luta pelos direitos dos indivíduos que utilizam as instituições de tratamento Eu gostaria de me envolver mais nessa causa tenho comigo minhas idéias acho que a gente também às vezes não pode mudar o mundo mas a gente se revo luciona e que isso faz da gente ser o que é tudo isso aconteceu Mais eu tive que existir mais que tudo pra poder resistir a isso tudo com muito esforço Ao recusarse à submissão a uma política de iden tidade que lhe atribuiria a personagem de exdependente LouLou escolhe desenvolver sua identidade política sua própria identidade como concretização do projeto de vida de uma guerreira que não tenta mais planejar o futuro mas vive intensamente o presente enfrentando as dificul dades que aparecem em sua vida Se conseguiu em muitos aspectos a própria revo lução porque não revolucionar um pouco o mundo Se este projeto vai ser concretizado ou não só veremos com o tempo O mais importante é que o conteúdo trazido por LouLou apresenta aquilo que denominamos como frag mentos de emancipação Ao recorrermos a Habermas veremos que esses fragmentos trazem consigo uma nova forma de olhar para o usuário de drogas que não deixam intocadas as convencionais formas de lidar com o pro blema na medida em que uma identidadeeu póscon vencional não pode desenvolverse sem antecipar estru turas comunicativas modificadas da mesma forma que a partir do momento em que essa antecipação se torna realidade social não deixará intocadas as formas tradici onais de integração social Habermas 1990 p 234 Essa tendência parece estar se concretizando por exem plo no EFRS Quanto à oficina terapêutica de teatro vimos que a produção estética em si não foi o mais importante no tratamento de LouLou mas sim o processo criador de espontaneidade que permitindo o acesso ao outro ou tro de LouLou proporcionou a apresentação do Eu Aprendemos que a oficina terapêutica de teatro pode pos sibilitar a experiência apresentada por Marcuse na qual Psicologia Sociedade 20 1 91101 2008 99 ocorre a intensificação da percepção até chegar ao ponto de distorcer as coisas de modo que o indizível é dito o invisível se torna visível e o insuportável explode As sim a transformação estética transformase em denún cia mas também em celebração do que resiste à injusti ça e ao terror e do que ainda pode se salvar Marcuse 1986 p 53 A denúncia da opressão e redução da iden tidade a uma única personagem do drogado do louco e celebração de sua libertação a partir da representação do eu a partir da ampliação de sua identidade com a perso nagem do ator Desse modo o usuário de drogas geralmente re conhecidoreduzido apenas ao papel de dependente pode por meio da apresentação performática na oficina tera pêutica de teatro ser visto e reconhecido como um ou tro pela platéia que o assiste ou seja pode acessar um outro outro que também é ele Dizendo de forma dife rente essa expressão do outro outro que também sou eu que consiste na metamorfose da minha identidade na superação de minha identidade pressuposta Ciampa 1987 p 180 Assim a narrativa de LouLou mostra que a oficina terapêutica de teatro pode gerar condições para o desenvolvimento do agir comunicativo que pode ser compreendido como um processo circular no qual o ator é as duas coisas ao mesmo tempo ele é o iniciador que domina as situações por meio de ações imputáveis ao mesmo tempo ele é o produto das tradições nas quais se encontra dos grupos solidários aos quais pertence e dos processos de socialização nos quais se cria Habermas 2003 p 166 Da mesma maneira que Ciampa fala de lições mos tradas pela história de Severina da sociedade na qual vi vemos como um Prometeu moderno que depois de rou bar o fogo dos céus sofre a condenação de ser devorado diariamente pelas aves de rapina sem morrer diaria mente sua vida sua força de trabalho é reproduzida para alimentar a águia que o consome impiedosamente mos trounos também que o segredo dessa condenação é o de não nos deixarmos morrer para continuarmos sendo mastigados vivos Ciampa 1987 p 236 E que essas lições fizeram com que fosse razoável aceitar uma lógica do desenvolvimento individual na qual a partir de uma busca de maximizar o prazer e rejeitar a dor através da obediência evoluise para uma busca de liberdade moral e política para toda a humanidade caminhando de um hedonismo ingê nuo para uma ética universalista da linguagem Des cobrimos também e isso é importante que o nível mais elevado da consciência moral pressupõe não um conteúdo normativo erigido em princípio e sim um procedimento comunitário que permita interpre tações universalistas dos carecimentos Ciampa 1987 p 220 Essas lições foram novamente trazidas por LouLou que ao contar sua história de vida demonstra como se dá o castigo dos deuses da quebra na continuidade do existir humano decorrente de uma imposição social em que a identidade do indivíduo é confrontada com exigências que estão em contradição com as expectativas Ao mesmo tem po em que busca legitimação nas estruturas de expectativa experimentadas e assumidas no passado Dessa forma LouLou assim como a Severina tam bém ensina que nossas vivências não ocorreram de forma simples e independentes das experiências e somente quando buscarmos o entendimento do sentido atribuído às meta morfoses identitárias que sofremos durante nosso desen volvimento é que poderemos analisar se as mudanças fo ram qualitativas e não apenas quantitativas É nesse ponto que passamos a discutir a questão da emancipação da domesticação da ave de rapina para que esta trabalhe a nosso favor a favor daqueles que acham que uma vida que merece ser vivida não é nem a da carniça nem a da caça que se esconde Ciampa 1987 p 237 mas sim da autonomia dos projetos de futuro da criação Ao nos referirmos à emancipação recorremos a uma idéia de vontade de decisão sobre o próprio bem de uma maneira cada vez mais autônoma livre da intromissão de interesses externos A emancipa ção no sentido habermasiano é entendida como um tipo especial de autoexperiência porque nela os proces sos de autoentendimento se entrecruzam com um gan ho de autonomia Habermas 1993 p 99 Todavia o fato de desenvolver uma Identidade Pós Convencional não é garantia de uma emancipação com pleta ou definitiva do indivíduo Iisso seria convencionarpredeterminar o que entendemos por emancipação humana ignorando a lógica sistêmica que a todo instante oferece saídas heterônomas e ilusórias para os indivíduos Logo o que se pode observar com a história de LouLou é a possibilidade de viverumavidaquemere ceservivida sendo que isso se torna possível a partir do momento em que o indivíduo pode afirmar o eu de si mesmo e que pode ser reconhecido como um outro que não se reduz a qualquer personagem mas sim que é a expressão de uma pluralidade que por sua vez precisa ser incorporada na comunidade entendida por meio da construção desconstrução e reconstrução compreen dendo as mudanças ocorridas com o indivíduo e sua atu al condição ou seja incorporando o outro com respeito às diferenças Considerações finais A dissertação de mestrado pode nos mostrar que não existe uma causa objetiva uma ou mais variáveis com as quais se poderia relacionar o fenômeno do uso de drogas Este fenômeno está no indivíduo em seu sentido Ferreira de Lima A Dependência de drogas e Psicologia Social estudo sobre as oficinas terapêuticas e o uso de drogas a partir da Teoria da Identidade 100 existencial Da mesma forma esse uso também é incen tivado pelo mundo concreto pelas condições materiais de existência As drogas são portanto combustível e veículo fonte de energia e móvel para a ação voltadas para o lúdico para a representação de si e do grupo a que se pertence ao mesmo tempo em que também servem para o necessário devaneio para a leveza da alma que precisa flutuar e transgredir limites impostos pela ordem sistêmica que tornam a realidade insuportável LouLou pode nos ensinar com sua história de vida que o proble ma está no sentido de seu uso cada vez mais alienado na sociedade que transforma tudo o que toca em mercado ria de consumo Outro aspecto que não podemos deixar de apontar referese às medidas de tratamento do uso prejudicial de drogas tão necessárias e ao mesmo tempo tão insufici entes Os tratamentos do uso de drogas que ainda apre sentam em sua maioria como indicativo de saúdealta a abstinência evitação da substância e a não recaída re torno ao uso especialistas esquecem que muitas vezes os indivíduos podem continuar a desejar o uso evitando situações em que exista a substância Nesse último caso não se trata de fato de metamorfoses com sentido emancipatório pois ainda que vejamos uma aparente mudança continua a haver a reposição e não a supera ção de personagens exdrogado exalcoolista Claro que isso não significa que essa superação não poderá ocorrer a posteriori A questão seria então oferecer espaços que possibilitassem a alterização do indivíduo lugares em que o indivíduo poderia ter experiências significativas e atri buir outro sentido para o uso das substâncias que utiliza utilizava ou seja um contexto no qual se possa desen volver a consciência de que existe uma relação entre as experiências e que existe a possibilidade de se fazer ou tras escolhas até então nem mesmo pensadas Aprendemos também com o relato de LouLou que as oficinas terapêuticas podem ajudar a desvelar cada vez mais as desigualdades e a quase impossibilidade de existência em um mundo cada vez mais dominado pela lógica sistêmica apontando para novas formas de experienciar a realidade na medida em que oferecem elementos que demonstram que os indivíduos podem ser muito mais do que as personagens estigmatizadas que os aprisionam em determinados momentos de sua vida passando as patologias capitalistas baseadas na nosologia psiquiátrica a serem vistas como patologias da Modernidade cuja causa entre outras coisas se deve à impossibilidade dos indivíduos poderem com autono mia dizer eu de si mesmos Antes de encerrar é importante apontar uma últi ma questão as estratégias de prevenção e de tratamento Ao planejar intervenções específicas para evitar o uso e abuso de drogas devemos considerar que a dependência corresponde a um fenômeno que não se confunde ape nas com o consumo de drogas mas sim ao encontro de um indivíduo consigo mesmo com seus valores e cren ças É preciso ver o produto a droga inserida na esfera capitalista num contexto sociocultural que incentiva carimba e aprisiona o indivíduo na personagem do vicia do É preciso combater as políticas de identidade que servem para manutenção da realidade do indivíduo im possibilitando muitas vezes que ele consiga sua diferen ciação impondolhe a heteronomia que nega a experiên cia e atribui um sentido a priori para a vida do indivíduo É importante compreendermos como a sociedade de massas e de consumo procura moldar o indivíduo aos interesses do capitalismo e apaga as possibilidades de emancipação e assumir uma posição contrária investir na vida na liberdade Notas 1 Artigo escrito a partir da dissertação de Mestrado em Psicolo gia Social na PUCSP A dependência de drogas como um problema de identidade possibilidades de apresentação do Eu por meio da oficina terapêutica de teatro 2005 Sob orienta ção do Prof Dr Antonio da Costa Ciampa e com bolsa do CNPq 2 Segundo Habermas 1990 o mundo da vida pode ser entendi do como o espaço formado pela cultura que é uma reserva do conhecimento alimentada pelas interpretações lingüísticas e pela tensão entre os conteúdos da tradição e da modernidade a sociedade composta de ordens legítimas as quais os partici pantes de processos comunicativos regulam seu pertencimento a grupos sociais e pela personalidade como um conjunto de motivações que inspiram os indivíduos à ação e produz iden tidade Referências Amaral I S 2000 A sociedade de consumo e a produção da toxicomania Dissertação de Mestrado nãopublicada Pontifícia Universidade Católica de São Paulo SP Benjamin W 1994 Obras escolhidas Magia e técnica arte e política São Paulo SP Brasiliense Birman J 2001 Malestar na atualidade A psicanálise e as novas formas de subjetivação 3 ed Rio de Janeiro RJ Civi lização Brasileira Brasil Sistema Único de Saúde Conselho Nacional de Saúde Co missão Organizadora da III CNSM 2002 Relatório Final da III Conferência Nacional de Saúde Mental Brasília DF Autor Brasil Ministério da Saúde Secretaria de Atenção à Saúde SVS CNDSTAIDS 2004 A política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas 2 ed rev ampl Brasília DF Autor Brasil Ministério da Saúde Secretaria de Atenção à Saúde Coor denação Geral de Saúde Mental 2005 Reforma psiquiátrica e Política de Saúde Mental no Brasil Trabalho apresentado à Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Men tal 15 anos depois de Caracas Brasília DF Psicologia Sociedade 20 1 91101 2008 101 Bucher R 1992 Drogas e drogadição no Brasil Porto Alegre RS Artes Médicas Carone I sd Análise epistemológica da Tese de doutoramento de Antonio da Costa Ciampa A estória do Severino e a história da Severina Mimeo Ciampa A C 1987 A estória do Severino e a história da Severina São Paulo SP Brasiliense Ciampa A C 2004 Fundamentalismo A recusa do fundamen tal São Paulo SP Trabalho apresentado na mesaredonda No vos rumos Religião e espiritualidade no Terceiro Milênio no IV Ciclo de Reflexões e Debates Religiões e a inclusãoexclusão de pobres negros e mulheres no mundo globalizado Freud S 2002 O mal estar na civilização Rio de Janeiro RJ Imago Goffman I 1961 Asylums Essaya in the social situation of mental patients and other inmates New york Doubleday Anchor Habermas J 1983 Para a reconstrução do materialismo históri co São Paulo SP Brasiliense Habermas J 1990 Pensamento pósmetafísico Estudos filosófi cos Rio de Janeiro RJ Tempo Brasileiro Habermas J 1993 Passado como futuro Rio de Janeiro RJ Tempo Brasileiro Habermas J 2003 Consciência moral e agir comunicativo 2 ed Rio de Janeiro RJ Tempo Brasileiro Habermas J 2005 Sobre o poder das teorias e sobre sua impo tência In J Habermas Diagnósticos do tempo Seis ensaios Rio de Janeiro RJ Tempo Brasileiro Kolyniak H M Ciampa A C 1993 mar Corporeidade e dramaturgia do cotidiano Discorpo Revista do Departamento de Educação Física e Esportes da PUCSP 2 Lima A F 2005 A dependência de drogas como um problema de identidade Possibilidades de apresentação do EU por meio da oficinaterapêutica de teatro Dissertação de Mestrado não publicada Pontifícia Universidade Católica de São Paulo SP Lima S 2000 Espaço Fernando Ramos da Silva Um projeto de tratamento e prevenção ao uso de drogas em Diadema Disser tação de Mestrado nãopublicada Pontifícia Universidade Ca tólica de São Paulo SP Marcuse H 1986 A dimensão estética Lisboa Portugal Edi ções 70 World Healt Organization 2003 Investing in mental health Switzerland Nove Impression Aluísio Ferreira de Lima é Psicólogo Professor de Psicologia Social da UFC Doutorando em Psicologia Social pela PUCSP Mestre em Psicologia Social pela PUCSP e Especialista em Saúde Mental pela USP Membro do NEPIM Núcleo de Pesquisa da Identidade e Metamorfose da PUCSP Endereço para correspondência Rua Dom Duarte Leopoldo e Silva 27 1º andar Sala 13 Centro Santo André SP 09 015560 Tel 11 8226 2269 aluisiolimahotmailcom Dependência de Drogas e Psicologia Social Um Estudo sobre o Sentido das Oficinas Terapêuticas e o Uso de Drogas a partir da Teoria de Identidade Aluisio Ferreira de Lima Recebido 20062007 1ª revisão 08092007 Aceite final 11102007 Psicologiapt ISSN 16466977 Documento publicado em 16062019 Marcos Oliveira de Novaes 1 facebookcompsicologiapt O PSICÓLOGO ESCOLAR FRENTE AO CONSUMO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS NA ADOLESCÊNCIA 2019 Marcos Oliveira de Novaes Estudante do curso de Psicologia da Faculdade de Tecnologia e Ciências FTC Jequié BA Brasil Email de contato marcosoliveiradenovaishotmailcom RESUMO O presente artigo tem como objetivo ampliar o conhecimento acerca do uso de substâncias psicoativas na adolescência e elucidar a relação construída com o contexto escolar esclarecendo o papel do psicólogo escolar e sua postura diante da problemática Sabendo que a adolescência é uma fase de transição e vulnerabilidade em que o sujeito na procura por novas experiências expõese a fatores de risco que muitas vezes o levam ao consumo de álcool e outras drogas a pesquisa foi realizada com contribuições de estudos de teóricos que tratam a questão da adolescência em várias perspectivas além de profissionais que ressaltam a relevância do âmbito escolar para o desenvolvimento e descobrimento de novas possibilidades por parte dos adolescentes Palavraschave Adolescência álcool e drogas psicólogo escolar Copyright 2019 This work is licensed under the Creative Commons Attribution International License 40 httpscreativecommonsorglicensesbyncnd40 Psicologiapt ISSN 16466977 Documento publicado em 16062019 Marcos Oliveira de Novaes 2 facebookcompsicologiapt 1 INTRODUÇÃO Segundo a Organização Mundial de Saúde OMS 1965 a adolescência é caracterizada como um estágio biopsicossocial que abrange a segunda década da vida ou seja dos 10 aos 20 anos Ao mesmo tempo em que se propõem a universalidade do ciclo da adolescência notase que ela faz parte de uma inserção histórica e cultural que designa consequentemente diversas maneiras de experienciar a adolescência conforme o grupo social o gênero e a época Martins P O Trindade Z A Almeida A M O 2003 Os adolescentes constituemse de variados grupos comportamentos anseios valores atitudes e crenças Como afirma Serra 1997 há diversos mundos e diversas formas de ser adolescente p 29 Desta forma a adolescência é caracterizada como uma fase de desejos e curiosidades que muitas das vezes despertam nos indivíduos desse grupo a vontade de desfrutar experiências nunca vivenciadas antes e essas descobertas estão intimamente ligadas ao uso de álcool e outras drogas Pesquisas ressaltam um quadro alarmante em que o uso abusivo de substâncias psicoativas tem início cada vez mais precoce tanto no Brasil como no mundo As bebidas alcoólicas ocupam o primeiro lugar no ranking da lista das substâncias psicoativas mais utilizadas sendo elevado o consumo entre crianças e adolescentes de 9 a 19 anos Brasil 2010 A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar indicou que 666 dos estudantes pesquisados já haviam experimentado bebida alcoólica sendo o maior índice nas Regiões Sul 769 e Centro Oeste 698 e menor nas Regiões Norte 585 e Nordeste 596 Brasil 2013 O consumo de substâncias psicoativas é um grave problema de saúde pública e vem sendo cada vez mais frequente entre adolescentes gerando diversas consequências negativas entre elas os problemas escolares que se refletem na indisciplina baixa autoestima declínio do rendimento déficit de atenção dentre outros Tendo em vista essa problemática é de extrema importância destacar o papel do psicólogo escolar como agente de mudança dentro da instituição O artigo tem como objetivo ressaltar a relevância do tema e discorrer sobre a atuação direcionada a mudança através da Psicologia Escolar Psicologiapt ISSN 16466977 Documento publicado em 16062019 Marcos Oliveira de Novaes 3 facebookcompsicologiapt 2 METODOLOGIA A pesquisa bibliográfica iniciase pela seleção do tema posteriormente o desenvolvimento do mesmo e por fim o recolhimento dos dados Executando assim uma revisão de literatura para justificar ou contestar uma temática que é o objeto de estudo da pesquisa Caldas 1986 Noronha e Ferreira 2000 elucidam que a revisão de literatura é uma apuração das produções bibliográficas para responder a uma problemática acerca de um tema específico agregando ideias e métodos A metodologia utilizada na elaboração do trabalho foi o da revisão de literatura A bibliográfia examinada foi constituida por trabalhos da área artigos revistas e livros Utilizando como processo de escolha palavraschave como adolescência drogas e psicólogo escolar 3 USO DE DROGAS NA ADOLESCÊNCIA CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS No período da adolescência o uso de substânncias psicoativas parece estar ligado a atitudes de descobertas e curiosidades que surgem durante a juventude assim como por uma busca de identidade Essa tentativa de se enquadrar acontece fora do contexto familiar onde o sujeito procura se adequar as características de um determinado grupo Para tanto tornase imprescindível a discussão a respeito do tema para que os adolescentes reflitam sobre o uso e abuso de drogras Figueiredo 2011 O uso de substâncias psicoativas tem sido tratado como um dilema multifatorial envolvendo aspectos individuais familiares e contextuais Segundo a literatura a família tem sido considerada um elemento importante na prevenção contra o uso de drogas na adolescência devido a relevância da mesma para um desenvolvimento sadio na juventude bem como pela necessidade de participar de ações frente às dificuldades apresentadas Cavaggioni Gomes Rezende 2017 Souza Rezende Vizzotto 2016 Teixeira Guimarães Echer 2017 Adolescentes que estudam em escolas públicas grande parte trabalhadores informais e que não usam drogas veem a adolescência como uma etapa de mudanças conhecimentos e inerações mas também percebem que estão vulneráveis aos riscos como por exemplo uso de drogas sendo um grande aspecto negativo desse estágio Melo M C B Barros É N Almeida A M L G 2011 Durante a adolescência muitos sujeitos impulsionados pelo perigo o desejo de conhecer e experimentar novas aventuras demostram interesse pelas drogas como os próprios afirmam Psicologiapt ISSN 16466977 Documento publicado em 16062019 Marcos Oliveira de Novaes 4 facebookcompsicologiapt Porém o mesmo risco e audácia que fazem com que alguns experimentem são os vetores que também afastam aqueles que não se interessam Sanchez Z V D M Oliveira L G Ribeiro L A Nappo S A 2010 É importante salientar que grande parte dos adolescentes fará uso de drogas contudo deve se lembrar que não só a busca por uma identidade ou desejos presentes nesse estágio são as causas que levam ao uso de tais substâncias Problemas econômicos sociais e culturais também devem ser levados em conta considerando os aspectos do consumo e abuso de drogas como multicausais 4 A ESCOLA NO COMBATE AO USO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS Como já foi abordado anteriormente há diversos fatores que levam um grande número de indivíduos durante a adolescência ao uso de drogas no entanto nem todos pertencentes a esse grupo farão uso Tendo em vista o contexto brasileiro constituído pelas desigualdades sociais econômicas raciais culturais de crenças e gêneros temos uma juventude heterogênea aspectos relevantes que devem ser considerados frente à relação dos adolescentes e o uso e abuso de drogas ilícitas Novaes 2011 Sendo assim as intervenções referentes a problemática em questão devem ser tratadas de formas diferentes variando de sujeito para sujeito havendo uma visão contemplativa e diferenciada do indivíduo levando em consideração as circunstâncias extraescolares que por vez acaba influenciando no âmbito escolar É necessário falar sobre as drogas seu uso e suas consequências Desenvolvendo uma ação construtiva na escola por meio de atividades em qual se possa falar em saúde prevenção de doenças e riscos É importante conhecer as peculiaridades sociais do público alvo para que haja uma boa compreensão propiciando trocas e aquisições de conhecimento além de promover o cuidado e incentivar o autocuidado Figueiredo 2011 Considerando as diferenças e entendendo a adolescência como uma categoria sóciohistórica desvinculase a ideia de aluno problema ao qual atribuise ao discente e somente a ele toda a responsabilidade e culpa por seus fracassos eou comportamentos inadequados Afastandose dessa ideia reducionista é fundamental que todos os integrantes do corpo escolar tomem consciência dessa perspectiva e ninguém mais apropriado para desenvolver esse entendimento e desmistificar tais construtos que o psicólogo escolar Psicologiapt ISSN 16466977 Documento publicado em 16062019 Marcos Oliveira de Novaes 5 facebookcompsicologiapt 5 INTERVENÇÕES E DESAFIOS DO PSICÓLOGO ESCOLAR REFERENTE AO USO DE DROGAS NA ADOLESCÊNCIA O Psicólogo Escolar deve atuar como agente de mudança sendo capaz de envolver e motivar todos para tal auxiliando todas as equipes integrantes da instituição visando a melhoria e bem estar de todos É extremamente relevante que o profissional articule mecanismos para intervir de maneira eficaz na prevenção acompanhamento e reduçãoeliminação do consumo de álcool e outras drogas por parte dos adolescentes As intervenções do psicólogo escolar necessitam estar alinhadas com a realidade dos alunos compreendendo o contexto das relações sociais imbricadas na constituição dos significados e sentidos internalizados por cada sujeito entendendo como cada um se percebe Em meio a essa complexidade o profissional deve estar ciente do método interventivo que irá utilizar sustentando sua atuação de forma contextualizada e holística considerando os aspectos sociais e históricos envolvidos na referida questão Araújo 2010 Dessa forma esclarecer do que se trata apresentando as consequências trazidas pelo uso de tais substâncias através de palestras educativas feiras e rodas de conversas mostramse eficientes quanto a conscientização e prevenção acerca do tema Podendo ainda realizar atividades em grupo para que se possa tirar dúvidas e compartilhar experiências Considerando os indivíduos de forma integral tornase indispensável envolver os pais no processo de compreensão da relação existente entre drogas e adolescentes realizando a psicoeducação para que eles tenham um olhar atento para as possíveis mudanças de comportamentos apresentados Um terceiro momento com os professores é substancial uma vez que os mesmos precisam estar preparados para identificar e comunicar a direção atitudes decorrentes do uso de drogas e não apenas categorizar o sujeito como indisciplinado ou hostil Tornase necessário também promover autonomia aos adolescentes que se encontram em vulnerabilidade conforme defendido por Abramo H W Branco P P M 2005 Partindo dessa perspectiva é preciso aludir a problemática das drogas e elencar discussões que proporcionem e estimulem as competências dos sujeitos do grupo em questão em agir significativamente nos espaços sociais Como já foi citado é frequente o uso da qualidade de mediador atribuído ao papel do psicólogo escolar sendo um dos principais papéis desenvolvidos por este profissional no espaço institucional e também fora dele ao integrar os agentes externos na luta e superação das dificuldades vivenciadas na instituição Petroni Souza 2014 Portanto o psicólogo escolar tem a missão de desmistificar os estigmas acerca da adolescência para que os indivíduos desse estágio Psicologiapt ISSN 16466977 Documento publicado em 16062019 Marcos Oliveira de Novaes 6 facebookcompsicologiapt deixem de ser rotulados como problemas sociais e passem a ser vistos como sujeitos sociais históricos culturais autônomos e acima de tudo aptos para moldarem sua realidade 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Portanto analisaramse os aspectos que levam os adolescentes ao uso de álcool e outras drogas apontando os fatores sociais pertinentes ao problema em questão aludindo ainda a importância do corpo escolar e da família na prevenção e identificação dos casos Pontuando o importante papel do psicólogo escolar como agente de mudança atuando e considerando o sujeito como um todo ressaltando a importância da escola pois é indispensável que esta última desenvolva atividades preventivas acerca da problemática Para tanto considerando o tema apresentado o psicólogo escolar tem em sua atuação a incumbência de fomentar o processo educativo preventivo e de conscientização envolvendo alunos pais professores e demais colaboradores considerando o contexto no qual se encontram almejando assim as mudanças desejadas e os resultados esperados REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Abramo H W Branco P P M 2005 Retratos da juventude brasileira análises de uma pesquisa nacional São Paulo Fundação Perseu Abramo e Instituto Cidadania Brasil Ministério da Saúde Secretaria de Atenção em Saúde Departamento de Ações Programáticas Estratégicas 2010 Diretrizes nacionais para a atenção integral à saúde de adolescentes e jovens na promoção proteção e recuperação da saúde Brasília DF Ministério da Saúde Disponível em httpbvsmssaudegovbrbvspublicacoesdiretrizesnacionaisatencaosaudeadolescentesjov enspromocaosaudepdf Acesso em 15022019 Brasil Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão Ministério da Saúde 2013 Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar 2012 Rio de Janeiro RJ Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE Disponível em httpbibliotecaibgegovbrvisualizacaolivrosliv64436pdf Acesso em 15022019 Psicologiapt ISSN 16466977 Documento publicado em 16062019 Marcos Oliveira de Novaes 7 facebookcompsicologiapt Caldas M A E 1986 Estudos de revisão de literatura fundamentação e estratégias metodológicas São Paulo Hucitec Cardoso L R D Malbergier A 2014 Problemas escolares e o consumo de álcool e outras drogas entre adolescentes Psicol Esc Educ Maringá vol18 no1 JanJune 2014 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS1413 85572014000100003langpt Acesso em 15022019 Cavaggioni A P M Gomes M B Rezende M M 2017 O Tratamento Familiar em Casos de Dependência de Drogas no Brasil Revisão de Literatura Mudanças Psicologia da Saúde 25 1 4955 Figueiredo R 2011 Prevenção ao abuso de drogas utilizando estratégias culturais de redução de danos In Dossiê Juventude e Drogas é preciso encarar essa associação de forma menos estereotipada e mais crítica Revista Juventudebr Ano 5 dez2010 Centro de Estudos e Memória da Juventude CEMJ MarinhoAraujo C M 2010 Psicologia Escolar pesquisa e intervenção Em aberto 2383 1535 Disponível em httpemabertoinepgovbrindexphpemabertoarticleview22492216 Acesso em 15022019 Marques A C P R Cruz M S O adolescente e o uso de drogas Rev Bras Psiquiatr São Paulo v22 supl2 p 3236 Dez 2000 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS151644462000000600009lngennr miso Acesso em 15022019 Martins P O Trindade Z A Almeida A M O 2003 O ter e o ser representações sociais da adolescência entre adolescentes de inserção urbana e rural Psicologia Reflexão e Crítica 16 555568 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS010279722003000300014lngen Acesso em 15022019 Melo M C B Barros É N Almeida A M L G 2011 A representação da violência em adolescentes de escolas da rede pública de ensino do município do Jaboatão dos Guararapes Ciência Saúde Coletiva 1610 42114221 Psicologiapt ISSN 16466977 Documento publicado em 16062019 Marcos Oliveira de Novaes 8 facebookcompsicologiapt Noronha D P Ferreira S M S P 2000 Revisões de literatura In Campello B S Condon B V Kremer J M orgs Fontes de informações para pesquisadores e profissionais Belo Horizonte UFMG Novaes R 2011 Juventude drogas e democracia relações delicadas In Dossiê Juventude e Drogas Revista Juventudebr Ano 5 dez2010 Centro de Estudos e Memória da Juventude CEMJ Organização Mundial da Saúde 1965 Problemas de la salud de la adolescencia Informe de un comité de expertos de la OMS Informe técnico n 308 Genebra Petroni AP Souza VLT 2014 Psicólogo Escolar e Equipe Gestora Tensões e Contradições Psicologia Ciência e Profissão 34 2444459 Sanchez Z V D M Oliveira L G Ribeiro L A Nappo S A 2010 O papel da informação como medida preventiva ao uso de drogas entre jovens em situação de risco Ciência Saúde Coletiva 153 699708 Serra E 1997 Adolescência perspectiva evolutiva Em Anais do VII Congreso INFAD pp 2428 Oviedo Espanha Silva C F S Bacellar R P Castro R L 2012 A ação coletiva e os valores da vida escolar In Mayorga C Castro R L Prado M A Orgs Juventude e a experiência da política no contemporâneo Rio de Janeiro pp 169197 Souza M R Souza C R Daher C M S Calais L B Juventude e drogas uma intervenção sob a perspectiva da Psicologia Social Pesqui prát psicossociais São João DelRei v10 n1 p 6678 Jun 2015 Disponível em httppepsicbvsaludorgscielophpscriptsciarttextpidS180989082015000100006lngpt nrmiso Acesso em 15022019 ARTIGO ARTICLE 2001 1 Departamento de Ciências da Saúde Núcleo de Atividade Física Saúde e Gerontomotricidade Centro de Ciências da Saúde e do Esporte CEFID R Pascoal Simone 358 Coqueiros 88080350 Florianópolis SC milasilveiraahotmailcom 2 Centro de Educação Física e Desportos Universidade Federal Santa Catarina Qualidade de vida autoestima e autoimagem dos dependentes químicos Drug users quality of life selfesteem and selfimage Resumo Estudo de corte transversal que objeti vou investigar a qualidade de vida a autoestima e a autoimagem dos dependentes químicos do Ins tituto São José São José SC A amostra por aces sibilidade foi composta de 100 pacientes do sexo masculino com média de idade de 430 107 anos que estudaram 84 37 anos sendo 48 casados estando internados ou em tratamento por um período mínimo de sete dias Os dependentes químicos quando não internados moram com es posas e filhos 23 são casados 48 empre gados 72 fazem parte do estrado B 58 já fizeram algo que se arrependem em suas vidas 57 e percebem a saúde como boa 57 Quan to à qualidade de vida o domínio ambiental ob teve o maior escore 65 e o psicológico o menor 58 Todos os pacientes tomavam medicamen tos e possuíam autoestima e a autoimagem baixas 77 e 96 respectivamente Observouse por meio de regressão logística a ausência de interfe rência da qualidade de vida sobre a autoestima e a autoimagem dos dependentes químicos A qua lidade de vida positiva não interferiu para mu danças na baixa autoestima e autoimagem dos dependentes químicos Palavraschave Qualidade de vida Usuários de drogas Saúde Abstract This crosssectional study aimed to in vestigate the quality of life selfesteem and self image among drug users of São José Institute in São José in the State of Santa Catarina The ac cessibility sample was comprised of 100 male pa tients with a mean age of 430 107 who had studied for a mean period of 84 37 years 48 of them were married and had been hospitalized or treated for a minimum period of seven days When the participants were not hospitalized they lived with wives and children 23 were mar ried 48 employed 72 were part of income level B 58 had done something they regret in their lives 57 and perceived their health as good 57 Regarding quality of life the highest scores were found in the environmental domain 65 and the lowest scores were in the psycho logical domain 58 All patients were taking medication and had low selfesteem and selfim age 77 and 96 respectively The absence of interference of the quality of life on selfesteem and selfimage of the drug users was observed by means of logistic regression Positive quality of life did not interfere in changes in low selfesteem and selfimage of drug users Key words Quality of life Drug users Health Camila da Silveira 1 Carolina Meyer 1 Gabriel Renaldo de Souza 1 Manoella de Oliveira Ramos 1 Melissa de Carvalho Souza 1 Fernanda Guidarini Monte 2 Adriana Coutinho de Azevedo Guimarães 1 Sílvia Rosane Parcias 1 2002 Silveira C et al Introdução Variáveis ambientais biológicas psicológicas e sociais atuam simultaneamente influenciando a tendência ao consumo de drogas levando à inte ração entre o agente droga o sujeito indivíduo e a sociedade e o meio contextos socioeconômico e cultural1 O desenvolvimento da dependência pode ser considerado parte de um processo de aprendiza gem A dependência é o resultado de uma intera ção complexa entre os efeitos fisiológicos das subs tâncias psicotrópicas no cérebro e o que o usuá rio interpreta daquela situação relacionandoa ao ambiente e consolidando como aprendizado2 Se uma pessoa consome uma substância e sente um efeito psicoativo altamente satisfatório ou re forçador mais provavelmente tal comportamen to se repetirá3 As consequências causadas pelo uso dessas substâncias químicas atingem tanto a qualidade de vida quanto a saúde individual e coletiva Causam alterações nos sistemas neuro transmissores e déficits cerebrais incluindo apren dizado verbal memória de curto prazo atenção funções executivas controle e seleção de resposta resolução de problemas e tomada de decisões4 Geram disfunções nos sistemas cardíaco e respi ratório problemas renais ansiedade depressão problemas de sono dificuldades financeiras e de relacionamento5 podendo originar violência6 De acordo com o segundo levantamento do miciliar de drogas psicotrópicas realizado no Brasil em 2005 observase uma quantidade muito grande de dependentes7 A dependência química pode levar a baixa qualidade de vida pois está diretamente ligada ao desequilíbrio entre a combinação do bemes tar psicológico e a saúde física8 A qualidade de vida é a percepção do indiví duo de sua posição na vida no contexto da cul tura e do sistema de valores nos quais vive e em relação aos seus objetivos expectativas padrões e preocupações9 Existem diversas pesquisas so bre sua importância no processo de tratamento pois certas atividades e avaliações promovem nos dependentes maior controle da ansiedade auto estima e autoimagem positivas e responsabilida de social levando à melhor qualidade de vida10 Diariamente centenas de indivíduos são en caminhados para clínicas especializadas em de sintoxicação de drogas Contudo sabese da efe tividade das intervenções para a manutenção da abstinência e recuperação de adolescentes11 Para a reconquista da qualidade de vida po sitiva os dependentes devem buscar a prevenção e o tratamento dos transtornos relacionados ao uso de substâncias psicotrópicas Estas ações proporcionam ao indivíduo a criação do hábito de observar seu comportamento identificando situações de risco fazendoo buscar novas es tratégias e facilitando o desenvolvimento da au toestima da autoconfiança e da autoajuda Cri am espaço para que o paciente busque sentido em suas próprias vivências na tentativa de en contrar uma resposta diferente que não a dro ga12 Entretanto são escassas as pesquisas que relacionam a dependência química com a auto estima a autoimagem e a qualidade de vida sen do o objetivo deste estudo analisar e comparar essas questões em dependentes químicos do Ins tituto São José em Santa Catarina SC Métodos Este estudo de corte transversal realizado no município de São José em Santa Catarina em 2009 foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pes quisa da Universidade do Estado de Santa Cata rina Todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido A amostra por acessibilidade foi composta de 100 pacientes do sexo masculino com média de idade de 430 107 84 37 anos de estudos variando de analfabetos ao ensino superior com pleto em tratamento na unidade Jelinek do Servi ço de dependência química do Instituto São José A idade média do primeiro uso de drogas foi de 163 52 anos 6 45 anos e idade do primeiro diagnóstico clínico de 342 115 anos 14 69 anos Estes pacientes já foram internados numa média de 46 53 vezes e por uma média de 167 106 dias O Instituto São José foi escolhido para amos tra por ser referência no tratamento de depen dência química em Santa Catarina A amostra foi composta apenas por homens pois a clínica não interna mulheres pelo Sistema Único de Saú de SUS e no privado era disponibilizado ape nas seis leitos Entretanto em todas as visitas as mulheres estavam impossibilitadas de participar do estudo Adotouse como critérios de inclusão ser de pendente químico internado por período míni mo de sete dias no Instituto São José com idade acima de 18 anos ter interesse em participar do estudo e assinar o termo de consentimento livre e esclarecido Os instrumentos utilizados foram anamne se contendo informações pessoais e característi 2003 Ciência Saúde Coletiva 18720012006 2013 cas clínicas questionário sobre a situação socio econômica da Associação Nacional de Empresa de Pesquisa13 Teste para Triagem do Envolvimen to com Drogas3 questionário sobre Percepção de Saúde Behavioral Risk Factors Surveillance System Questionair BRFSS14 e de Qualidade de Vida WHOQOL9 Todos foram aplicados em forma de entrevista A anamnese identificação pessoal foi com posta de seis perguntas para identificação pes soal sexo idade escolaridade estado civil mora dia e trabalho e sobre características clínicas rela cionadas ao início frequência e tempo do uso de drogas internação e atitude de arrependimento O instrumento para estratificar a Situação socioeconômica segundo seu poder de compra o qual classifica a população em classes econômi cas A B C D e E através da pontuação obtida e renda mensal considerado o principal instrumen to de segmentação da população no Brasil O teste para triagem do envolvimento com drogas ASSIST 20 contém oito questões sobre o uso de nove classes de substâncias psicoativas tabaco álcool maconha cocaína estimulantes sedativos inalantes alucinógenos e opiáceos A Qualidade de Vida foi mensurada por meio do WHOQOL World Health Organization Qua lity of Life abreviado que compõe os domínios físico psicológico social e ambiental Sua versão em português foi desenvolvida no Centro WHO QOL para o Brasil no Departamento de Psiquia tria e Medicina Legal da Universidade Federal do Rio Grande do Sul em Porto Alegre no Estado do Rio Grande do Sul Brasil sob a coordenação geral do Dr Marcelo Pio de Almeida Fleck9 O questionário desenvolvido por Steglich15 classifica a Autoestima e a Autoimagem É dividi do em quatro categorias A Orgânica envolve as dimensões genéticas morfológicas e fisiológicas a Social abrange o status socioeconômico as con dições de família e as realizações profissionais a Intelectual engloba escolaridade educação e su cesso profissional e a Emocional envolve a felici dade pessoal o bemestar social e a integridade moral O ponto de corte foi estabelecido a partir da multiplicação do total de questões da autoes tima 41 e autoimagem 37 pelos maiores es cores do questionário 4 e 5 Assim o intervalo de máximos e mínimos representa Alta autoesti ma e autoimagem enquanto valores abaixo des te intervalo foram considerados como Baixa au toestima e autoimagem Para a classificação das categorias orgânica social intelectual e emocio nal adotouse os pontos de corte Orgânica Baixa 13 a 51 pontos Alta 52 a 65 pontos Social Baixa 13 a 51 pontos Alta 52 a 65 pontos Intelectual Baixa 14 a 55 pontos Alta 56 a 70 pontos Emocional Baixa 42 a 167 pontos Alta 168 a 210 pontos A análise dos dados foi realizada no progra ma estatístico SPSS versão 160 Utilizouse es tatística descritiva Teste de normalidade Kolmo gorov Smirnov e Regressão Logística método Enter com nível de confiança de 95 Resultados De acordo com a entrevista 56 dos dependen tes possui ensino fundamental 29 ensino mé dio e 12 ensino superior Observase na Tabela 1 que as escolhas a res peito do estado civil sugerem uma vida solitária para os dependentes 52 entretanto levando em consideração o item moradia entendese que a maioria vive com familiares 82 e que pos sui emprego 72 o que favorece a inserção social Em relação aos fatores econômicos a maioria está entre a classe média e alta represen tadas pelos estratos A B e C Constatouse através das questões respon didas pelos dependentes químicos que a maioria 57 já fez algo de que se arrependem destes 17 por terem cometido ameaças ou agressões Região Norte n 601 Nordeste n 1680 CentroOeste n 673 Sudeste n 4107 Sul n 878 Tabaco 81 88 115 104 107 Tabela 1 Porcentagem de dependência de drogas entre os entrevistados do Brasil 2005 Maconha 02 12 06 15 11 Álcool 87 138 127 127 90 Estimulantes 02 02 02 01 03 Inalantes solventes 04 02 03 Hipnóticos benzodiazepínicos 03 02 08 02 Fonte Carlini et al 20067 2004 Silveira C et al para consumirem drogas e apenas 3 admiti ram que já cometeram algum crime violento A Tabela 2 reflete o julgamento dos depen dentes em relação à sua saúde sendo este positi vo em todos os itens questionados A percepção de saúde parece ser independente da ingestão de medicamentos pois 100 dos dependentes fa zem uso sendo o complexo vitamínico o mais comum 77 Segundo a Tabela 3 os resultados relaciona dos à média dos escores da qualidade de vida indicam que esta de uma forma geral pode ser considerada como boa Entretanto a média dos escores não ultrapassou 65 no quais o domí nio ambiental foi o que obteve o maior 655 122 enquanto o menor foi encontrado no do mínio psicológico 589 115 Na Tabela 4 é apresentado o resultado da au toestima e da autoimagem mostrando que prati camente todos os pacientes possuem autoestima baixa 96 Na autoimagem não foi muito dife rente o percentual de autoimagem baixa foi mai or 770 do que a autoimagem alta Nas cate gorias orgânicas e sociais a porcentagem foi pa recida no que diz respeito à inferioridade mos trando que 880 e 830 têm categoria orgâ nica e social baixa respectivamente Ao fazerse uso da Regressão Logística méto do Enter apresentada na Tabela 5 observouse que os coeficientes das variáveis dos domínios fí sico social psicológico e ambiental são nulos demonstrando pouca eficácia para o modelo com Variáveis Percepção de saúde Excelente Muito boa Boa Regular Ruim Comparação de saúde Muito melhor Melhor Semelhante Pior Muito Pior Problemas de saúde Sim Não f 7 4 57 28 4 4 35 38 21 1 45 55 70 40 570 280 40 40 350 380 210 10 450 550 Fonte Carlini et al 20067 TTTTTab ab ab ab abeeeeela 2 la 2 la 2 la 2 la 2 Percepção de saúde dos dependentes químicos Tabela 3 Qualidade de vida dos dependentes químicos Variáveis Domínio Físico Domínio Psicológico Domínio Social Domínio Ambiental n 100 100 100 100 Min 32 25 0 36 Média 618 100 589 115 649 211 655 122 Máx 93 93 100 89 Desvio padrão Variáveis Autoestima Baixo Alto Autoimagem Baixo Alto Categoria orgânica Baixo Alto Categoria social Baixo Alto Categoria intelectual Baixo Alto Categoria emocional Baixo Alto f 96 4 77 23 88 12 83 17 36 64 100 960 40 770 230 880 120 830 170 360 640 100 Tabela 4 Autoestima e autoimagem dos dependentes químicos Tabela 5 Regressão logística da autoestima e autoimagem com a qualidade de vida Variáveis Autoimagem Domínio Físico Domínio Psicológico Domínio Social Domínio Ambiental Autoestima Domínio Físico Domínio Psicológico Domínio Social Domínio Ambiental SE 0030 0035 0017 0031 0063 0064 0037 0055 B 0044 0092 0029 0056 0043 0100 0046 0023 p 0153 0009 0086 0071 0496 0119 0219 0684 2005 Ciência Saúde Coletiva 18720012006 2013 relação à autoimagem A única variável entretan to que apresentou contribuição no modelo foi o domínio psicológico p 0009 Ao se aplicar o mesmo método para a variável autoestima cons tatouse que os coeficientes das variáveis dos do mínios físico social psicológico e ambiental tam bém são nulos com p 0496 0119 0219 0684 respectivamente demonstrando a pouca eficácia do modelo O que podemos verificar é que os domínios da qualidade de vida de acordo com o modelo não interferem na autoestima e na auto imagem dos dependentes químicos Discussão O principal objetivo deste estudo foi analisar a qualidade de vida a autoestima e a autoimagem dos dependentes químicos do Instituto São José em Santa Catarina SC A respeito das características socioeconômi cas encontraramse dois artigos realizados com dependentes químicos que corroboram com este estudo os quais apresentaram percentuais pare cidos a respeito do estado civil 38 divorciados 2 viúvos 44 casados 33 separados e 21 solteiros1617 Diferentes foram os dados relativos ao em prego e nível de escolaridade Nesta amostra 72 dos dependentes químicos estavam empregados porém no estudo de Figlie et al16 encontraramse valores menores 49 diferenciandose do pre sente estudo Sobre a escolaridade não se tem homogeneidade na literatura No estudo de Oli veira et al17 57 dos pacientes tinham ensino fun damental 29 ensino médio e 13 ensino supe rior igualmente ao nosso estudo Na pesquisa de Figlie et al16 63 dos dependentes químicos pos suíam ensino fundamental incompleto e 2 ensi no superior completo Novamente valores me nores aos encontrados no presente estudo mos trando que os nossos participantes possuíam maior escolaridade e estavam empregados A percepção de saúde foi considerada boa por 57 dos dependentes químicos com 39 jul gandoa semelhante a de outras pessoas Deter minantes gerais sobre condições de vida e saúde estão diretamente ligados com a qualidade de vida individual e coletiva18 A autoestima e a autoima gem dos nossos participantes apresentaramse com escores baixos em ambas as variáveis As mesmas tiveram escores baixos representando 96 e 77 da amostra parecendo não influenciar na percepção de saúde do nosso estudo diferen temente do estudo de Maldonado et al19 Neste estudo os dependentes químicos apre sentaram um bom nível de qualidade de vida Pouco se tem investigado sobre a mesma nesta população o que evidencia a importância do presente estudo Estudos demonstraram que de pendentes de tabaco tiveram escores que varia ram de 592 a 721120 Assim como no traba lho de Aragão et al1 os nossos resultados de monstram que os dependentes químicos apre sentaram um bom nível de qualidade de vida Este foi observado em todos os domínios questi onados o que mostrase importante O equilí brio entre os quatro domínios da qualidade de vida é desejável pois alterações em um ou mais pode gerar mudanças na qualidade de vida21 Observouse também que a qualidade de vida não interferiu na autoestima e autoimagem dos dependentes químicos Este fato pode ter ocorri do pelas características socioeconômicas e de saúde dos dependentes boa condição de vida assistên cia familiar emprego e boa percepção da saúde A principal limitação ocorreu na escolha dos instrumentos por serem questionários au toaplicáveis Sabese que por vezes pode ocor rer um viés de memória nos os dependentes químicos e que no momento em que foram entrevistados estavam em condições de inter nação a qual possui peculiaridades Para mi nimizar estes problemas aplicaramse os mes mos em forma de entrevista Considerações finais Os aspectos interessantes deste estudo estão vol tados à ausência de correlação entre as variáveis Dependentes químicos internados podem ter um bom nível de qualidade de vida e uma percep ção de saúde positiva o que é surpreendente devi do às condições implícitas ao consumo de dro gas Também podem ter baixa autoestima e au toimagem situações psíquicas que não interferi ram na percepção deles de boa qualidade de vida Assim observouse que nem sempre existe uma ligação direta contrária e linear entre essas valências nesta população Condições socioeco nômicas influenciaram decididamente nesta ló gica como a assistência da família a capacidade de ter um emprego e os cuidados com a saúde recebidos na clínica especializada Parece que a maior dificuldade para os depen dentes é a aceitação de si mesmo representado pelo caráter psíquico autoestima e autoimagem Frente ao exposto há a necessidade de mais pesquisas que possam auxiliar o entendimento 2006 Silveira C et al dos fatores que interferem na dinâmica das vari áveis aqui estudadas permitindo assim uma atuação profissional que possa melhorar a au toestima e autoimagem dos dependentes quími cos O exercício físico promove mudanças posi tivas nestes aspectos porém deve ser estudado e prescrito especificamente para esta população Colaboradores C Silveira C Meyer GR Souza MO Ramos MC Souza ACA Guimarães e SR Parcias participa ram da concepção delineamento análise e inter pretação dos dados redação do artigo e aprova ção da versão submetida FG Monte participou da revisão do artigo e aprovação da versão sub metida Ferreira SE Tufik S Mello MT Neuroadaptação uma proposta alternativa de atividade física para usuários de drogas em recuperação Rev Bras cienc mov 2001 913139 Associação Brasileira de Estudos Populacionais ABEP Critério Padrão de Classificação Econômica Brasil Novo Critério Padrão de Classificação Eco nômica Brasil Belo Horizonte ABEP 2008 Center for Disease Control and Prevention CDC Behavioral risk factor suveillance system question naire Altanta CDC 1999 Steglich LA Terceira idade aposentadoria autoima gem e autoestima dissertação Porto Alegre Uni versidade Federal do Rio Grande do Sul 1978 Figlie N Fontes A Moraes E Payá R Filhos de dependentes químicos com fatores de risco bio psicossociais necessitam de um olhar especial Rev Psiq Clin 2004 3125362 Oliveira MS Araújo RB Pedroso RS Miguel AC Castro MGT Craving e dependência química con ceito avaliação e tratamento J bras psiquiatr 2008 5715763 Verdi M Caponi S Reflexões sobre a promoção da saúde numa perspectiva bioética Texto Contexto Enferm 2005 1418288 Maldonado RM Pedrão LI Castillo MMA García KSL Rodríguez NNO Autoestima autoeficácia percebida consumo de tabaco e álcool entre estu dantes do ensino fundamental das áreas urbana e rural de Monterrey Nuevo León México Rev La tinoAm Enfermagem 2008 16n esp614620 Castro MG Oliveira MS Moraes JFD Miguel AC Araujo RB Qualidade de vida e gravidade da depen dência de tabaco Rev Psiq Clin 2009 3426167 Pereira RJ Cota RMM Franceschini SCC Ribeiro RCL Sampaio RF Priore SE Cecon PR Contribui ção dos domínios físico social psicológico e am biental para a qualidade de vida global de idosos Rev Psiq Clin 2006 2812738 Artigo apresentado em 06082012 Aprovado em 20012013 Versão final apresentada em 04022013 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 Referências Aragão ATM Milagres E Figlie NB Qualidade de vida e desesperança em familiares de dependentes químicos PsicoUSF 2009 141117123 Aliane PP Lélio ML Ronzani TM Estudo compa rativo das habilidades sociais de dependentes e não dependentes de álcool Psicol Estud 2006 11183 88 WHO ASSIST Working Group The alcohol smok ing and substance involvement screening test AS SIST development reliability and feasibility Ad diction 2002 97911831194 Kolling NM Silva CR Carvalho JCN Cunha SM Kristensen CH Avaliação neuropsicológica em al coolistas e dependentes de cocaína Aval Psicol 2007 62127137 Almeida SP Silva MTA Histórico efeitos e meca nismos de ação do êxtase 34 metilenodioxime tanfetamina revisão da literatura Rev Panam Sa lud Pública 2000 86393402 Adorno RCF Uso de álcool e drogas e contextos sociais da violência SMAD Rev 2008 41110 Carlini EA supervisão II Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil estudo envolvendo as 108 maiores cidades do país 2005 São Paulo Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas Psicotrópicas CEBRID Universidade Fe deral de São Paulo 2006 Büchele F Coelho EBS Lindner SR A promoção da saúde enquanto estratégia de prevenção ao uso de drogas Cien Saude Colet 2009141267273 Fleck MPA Fachel O Louzada S Xavier M Cha chamovich E Vieira G Santos L Pinzon V Desen volvimento da versão em português do instrumen to de avaliação de qualidade de vida da organiza ção mundial da saúde WHOQOL100 1999 Rev Bras Psiquiatr 1999 2111928 Gordia AP Associação da atividade física consumo de Álcool e índice de massa corporal com qualidade de vida de adolescente dissertação Curitiba Univer sidade Federal do Paraná 2008 Dennis M Godley SH Diamond g Tims FM Ba bor T Donaldson J Liddle H Titus JC Kaminer Y Webb C Hamilton N Funk R The Cannabis Youth Treatment CYT Study Main findings from two randomized trials J Subst Abuse Treat 2004 273 197213 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11